Leituras de nós â ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural
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que sempre estarão, segundo se faz crer, no próximo percurso, que pretensamente se mostrarão disponíveis<br />
no en<strong>de</strong>reço que ainda aparecerá na tela. Mas eles não chegam nunca até nós, ou talvez até cheguem, mas<br />
nos encontramos tão entorpecidos que já nem mesmo sabemos reconhecê-los, nem conseguimos reagir a eles.<br />
No caso, as imagens, os gestos verbais, os ícones, os <strong>de</strong>slocamentos, os sons acabam se empanturrando <strong>de</strong><br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> significações, que se tornam, então, inúteis e impenetráveis. Trata-se <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong><br />
presença ausente, <strong>de</strong> uma perda <strong>de</strong> sentido dos objetos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seus próprios <strong>de</strong>talhes e vestígios. Mas, até<br />
mesmo aí, não escapamos à fatal atração <strong>de</strong>ssa contemplação melancólica <strong>de</strong> nós próprios, pois as imagens,<br />
os gestos verbais, os ícones, os <strong>de</strong>slocamentos, os sons, ao se fartarem e se esvaziarem <strong>de</strong> sentidos, acabam por<br />
se tornar inúteis, impenetráveis e vazios. E, nesse movimento, <strong>de</strong>slocam a contemplação para um outro vazio,<br />
isto é, para a ausência <strong>de</strong> nós próprios, dotando-nos da mesma inutilida<strong>de</strong> e da mesma impenetrabilida<strong>de</strong> que<br />
se exibem sobre a tela, à imagem dos belíssimos versos com que Mário <strong>de</strong> Sá-Carneiro fala <strong>de</strong> sua Dispersão:<br />
“Perdi-me <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim, / Porque eu era labirinto / E, hoje, quando me sinto, / É com sauda<strong>de</strong> <strong>de</strong> mim”.<br />
Estando ligado o computador, corremos sempre o risco <strong>de</strong> nos entregar ao <strong>de</strong>senfreado e ao <strong>de</strong>smesurado das<br />
conexões multidirecionais, dos saltos abruptos e incessantes, das vizinhanças forjadas à força, experimentando<br />
uma sacieda<strong>de</strong> excessiva que guarda inesperada similarida<strong>de</strong> com aquela <strong>de</strong>scrita acima, em que nos escon<strong>de</strong>mos<br />
atrás <strong>de</strong> um solipsismo fechado e redutor. Nos dois casos, há como que um estrangulamento das significações, já<br />
que tanto a privação quanto o excesso terminam por nos fazer cair num vazio ou numa inutilida<strong>de</strong> dos<br />
significantes. E ambos nos enredam em uma melancolia da significação, que é nossa e é também dos<br />
significantes, melancolia que talvez somente possa ser superada por uma busca, por uma reafirmação, por uma<br />
retomada, por uma recostura – extremamente trabalhosas, mas inevitáveis – da própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. De fato, as<br />
duas experiências – seja a da navegação <strong>de</strong>scomedida e sem amarras; seja a do fechamento em sua própria<br />
imagem – evocam um Narciso colocado diante <strong>de</strong> uma imagem <strong>de</strong> si que já não guarda mais unida<strong>de</strong>, que já não<br />
lhe garante nem mesmo o eco <strong>de</strong> sua voz ou o reflexo do que conseguiria i<strong>de</strong>ntificar como sendo seus próprios<br />
traços ou vestígios espalhados pelo mundo que ele ainda po<strong>de</strong> ver diante <strong>de</strong> si.<br />
No entanto, melancolia po<strong>de</strong> remeter a referências <strong>de</strong>masiadas, po<strong>de</strong> permitir ou exigir comentários infindos,<br />
com o que praticamente cairíamos na situação <strong>de</strong>scrita, indo da melancolia como assunto à melancolia como<br />
situação. É assim que, para escapar a essa ditadura do melancólico (que, no caso, resultaria <strong>de</strong> uma angústia<br />
do excesso <strong>de</strong> interpretação), vou-me permitir uma abordagem mais leve (sem que ela seja, por isso, leviana<br />
ou superficial), tentando articular uma leitura do ciberespaço que seja também o esboço <strong>de</strong> uma saída <strong>de</strong>ssa<br />
situação <strong>de</strong> melancolia. No caso, uma das referências minhas preferidas está na gravura <strong>de</strong> Dürer justamente<br />
intitulada Melancolia I, que acabei tomando como possível fio condutor <strong>de</strong> uma compreensão <strong>de</strong>sses<br />
mecanismos <strong>de</strong> significação, <strong>de</strong> subjetivações e <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s no ciberespaço. Vamos a ela!<br />
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Como se <strong>de</strong>u essa transposição da gravura <strong>de</strong> Dürer para o ambiente telemático? Utilizei-a como ponto <strong>de</strong><br />
partida, como inspiração, como catalisador <strong>de</strong> uma compreensão <strong>de</strong>ssa melancolia do ciberespaço, talvez<br />
agindo à maneira dos leitores do I-Ching, que se servem do casual para pretensamente chegar ao essencial.<br />
Aos poucos, traços <strong>de</strong> semelhança e possibilida<strong>de</strong>s foram surgindo e permitindo que eu me <strong>de</strong>svencilhasse<br />
da gravura e entrasse mais e mais profundamente nas entranhas dos textos eletrônicos e do ciberespaço. O<br />
que vou tentar fazer aqui, por conseguinte, é apenas um resumo <strong>de</strong>sse percurso que partiu <strong>de</strong> uma visão<br />
alegórica da gravura, passando por um trajeto exegético <strong>de</strong> seus elementos para chegar, finalmente, a uma