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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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explica por ela ter conseguido associar maneabilida<strong>de</strong> 2 a permanência. O texto literário nunca saberia<br />

permanecer idêntico a si próprio, já que sua objetivida<strong>de</strong> não se confun<strong>de</strong> com uma materialida<strong>de</strong> que na<br />

tradição impressa se assenta no livro. Assim, se este é linear (nem todos os livros, mas aceite-se a simplificação<br />

em nome da imensa maioria), se o livro é então limitado e estável, o mesmo não po<strong>de</strong> ser dito do texto,<br />

qualquer que seja ele, sobretudo o literário. O que ocorre com a mudança da base material, da página<br />

impressa para o meio eletrônico, é que, em certo sentido, o livro se aproxima do texto, ele se <strong>de</strong>ixa contaminar<br />

pela flui<strong>de</strong>z, por <strong>de</strong>terminada imprevisibilida<strong>de</strong>, pela não-linearida<strong>de</strong> que foram, sempre, as do próprio texto.<br />

Aquilo que no texto é intertextualida<strong>de</strong>, no livro eletrônico encontra correspondência na pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

percursos e na heterogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> materiais (associações <strong>de</strong> matéria verbal, imagens, sons etc.).<br />

Uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ler essa multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> materiais, <strong>de</strong> significantes e <strong>de</strong> significações, estaria na provável<br />

utilização <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los combinatórios, 3 que ten<strong>de</strong>riam a <strong>de</strong>limitar as inúmeras aproximações intratextuais assim<br />

como a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> referências e interferências entre um texto a ler e textos outros que compartilham<br />

todos um mesmo campo <strong>de</strong> leitura. Mas essa tentativa encontra logo seus limites, sobretudo nos livros<br />

impressos que apostam na multiplicação das intratextualida<strong>de</strong>s. 4 De fato, como trabalhar, por exemplo, com<br />

alguma lógica <strong>de</strong> mundos possíveis (como propõe Umberto Eco), se é a própria possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mundos que se<br />

encontra também em discussão? Nesses casos, a tática combinatória esbarra na impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manipular<br />

diretamente uma massa <strong>de</strong> significantes que escapa totalmente ao controle da leitura e até mesmo ao crivo da<br />

memória. Além disso, a atual mudança do sistema literário não é apenas quantitativa, como ocorreu quando<br />

do abandono dos códices em favor da imprensa. Ela é também qualitativa: o que testemunhamos é semelhante<br />

ao ocorrido na passagem da tradição oral para a escrita, com uma significativa e radical alteração dos modos<br />

<strong>de</strong> organização, <strong>de</strong> estruturação e <strong>de</strong> consulta do suporte da obra literária. 5<br />

Daí essa atração pelas ciências do caos e dos fractais que observamos não apenas entre os literatos, mas nas<br />

ciências humanas em geral. À aparente <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m dos materiais e dos significantes, tenta-se respon<strong>de</strong>r com<br />

or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> nível superior, que <strong>de</strong>scubram e esbocem um <strong>de</strong>terminismo sem nenhuma previsibilida<strong>de</strong>. 6<br />

Isso parece ser útil quando associado a qualquer obra, mas também, e sobretudo, aos livros eletrônicos.<br />

Nestes, se tentamos <strong>de</strong>svendar certa sistematização em suas articulações <strong>de</strong> sentidos e significações, é<br />

preciso que, <strong>de</strong> um lado, se fuja do impressionismo das interpretações disparatadas e das navegações<br />

disparadas; e, <strong>de</strong> outro, <strong>de</strong>ve-se cultivar e apreciar o plural 7 <strong>de</strong> que é feito esse livro eletrônico tanto quanto<br />

o texto que <strong>de</strong>le se faz <strong>de</strong>rivar. No caso, trata-se <strong>de</strong> articular uma correspondência <strong>de</strong> geometria variável<br />

entre três elementos: um espaço <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> sentidos – o ciberespaço –; uma base material – o livro<br />

eletrônico –; e o próprio texto. Utilizar, então, essa aproximação fractalista da obra digital significa colocar<br />

objetos n-dimensionais sob a batuta <strong>de</strong> operadores lógicos capazes <strong>de</strong> inseri-los numa or<strong>de</strong>m plural <strong>de</strong><br />

escritas e <strong>de</strong> leituras, em que os sentidos <strong>de</strong> ambas são sempre reversíveis. E que operadores seriam esses?<br />

Como circunscrever e <strong>de</strong>limitar seu espaço <strong>de</strong> atuação? E, ainda, como estabelecer <strong>de</strong>terminismos<br />

cambiantes que, sem apontar para uma apreensão teleológica ou essencialista do texto, dêem conta das<br />

aparências e das materialida<strong>de</strong>s proteiformes do livro eletrônico? Questões, todas, que ao longo <strong>de</strong>ste<br />

ensaio, se não respondidas, <strong>de</strong>verão ser ao menos mais bem enunciadas. Questões que apontam certamente<br />

para os saberes que se vão <strong>de</strong>lineando, esboçando, construindo, colocando em dúvida, superando, <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong>ssas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> nós e <strong>de</strong> todos nós, que é o ciberespaço.<br />

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