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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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substituir. O que sobra, então? Apenas um tartamu<strong>de</strong>io insolente, a encenação <strong>de</strong> um arremedo <strong>de</strong><br />

sabedoria, o contar <strong>de</strong> uma história, a única que ele consi<strong>de</strong>ra possível ainda tecer, essa narrativa <strong>de</strong> como<br />

foi incapaz <strong>de</strong> sair <strong>de</strong> seu círculo <strong>de</strong> idéias e métodos, <strong>de</strong> tentativas <strong>de</strong> leituras, <strong>de</strong> perspectivas <strong>de</strong><br />

interpretação. A narrativa <strong>de</strong> como ele, não tendo como voltar à origem das mensagens e dos tempos,<br />

encerrou-se na contemplação narcísica <strong>de</strong> si próprio, justamente para não ver seu fracasso. Talvez, uns poucos<br />

<strong>de</strong>sses náufragos, aqui e ali, consigam vislumbrar uma estratégia diversa. Se não é possível essa reconstrução<br />

da originalida<strong>de</strong> para sempre perdida, se não se consegue mais, como os caçadores <strong>de</strong> sonhos do Dicionário<br />

Kazar, recompor o corpo inteiro do Adão Kadmon, se as narrativas míticas não fornecem mais nenhum mapa<br />

<strong>de</strong> como voltar à origem das mensagens, das escritas e dos seres, o caminho a trilhar, então, é esse <strong>de</strong> tramar<br />

uma mitologia do aqui e do agora. Esses náufragos terão, assim, <strong>de</strong> apossar-se <strong>de</strong>ssas partes das histórias <strong>de</strong><br />

outros, chegadas ao sabor e ao acaso das marés e dos ventos; fazer <strong>de</strong>las partes da sua história e fazer da sua<br />

pedaços das histórias <strong>de</strong> outros; propor uma narrativa multiforme, plural, em movimento, que não apague<br />

sua individualida<strong>de</strong>, e também não se resuma a ela apenas. A partir daí, sua vida inteira muda <strong>de</strong> sentido:<br />

não mais os sentidos outorgados e contados por uma mensagem original e primeira, mas os sentidos que eles<br />

são capazes <strong>de</strong> inventar com os materiais, imagens, idéias e histórias que outros lhes dão, que eles tiram <strong>de</strong><br />

sua precária memória, nessa trama <strong>de</strong> nós e pontos infindáveis, prenhes <strong>de</strong> sentidos possíveis.<br />

Tal é a empreita que aqui se intenta: ler esse hipertexto eletrônico e telemático em que nos inserimos cada<br />

vez mais, com os gestos e os processos do poético, para espreitar formas e fôrmas <strong>de</strong> impor a ele e/ou<br />

<strong>de</strong>sencavar <strong>de</strong>le sentidos e significações (precárias que sejam). Mas, para isso, é necessário recortar algum<br />

caminho nessa selva selvaggia <strong>de</strong> significantes e <strong>de</strong> percursos. É necessário que aprendamos como nos<br />

mover por entre ligações e sítios, como prever percursos <strong>de</strong> um provedor a outro, <strong>de</strong> uma URL a outra. E<br />

contamos talvez com alguns mapas, parciais sempre: a <strong>literatura</strong>, que se esgueirou, freqüentemente, por<br />

vizinhanças próximas à ciência e à técnica, compondo e recompondo textualida<strong>de</strong>s sem o conforto do<br />

esperado e do reconhecido; especificamente a poesia, useira e vezeira em pluralida<strong>de</strong>s e percursos nunca<br />

<strong>de</strong>finitivos <strong>de</strong> leitura. Daí nossa escolha em andar pelos caminhos da poesia eletrônica, essa que é feita,<br />

<strong>de</strong>sfeita e refeita no ciberespaço, apreen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>ste as nuanças da interativida<strong>de</strong> (homem-máquina,<br />

homem-homem, máquina-máquina) e da iteravida<strong>de</strong> (essa retomada incessante <strong>de</strong> dados e rotinas que<br />

<strong>de</strong>ve exaurir o processo antes <strong>de</strong> cansar o usuário). Em outras palavras, propomos utilizar a perspectiva<br />

literária para <strong>de</strong>limitar um objeto – a Re<strong>de</strong> – inserido em um novo campo <strong>de</strong> sentidos e <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s –<br />

o ciberespaço –, mapeando um objeto cultural não mais limitado necessariamente ao campo literário.<br />

* * *<br />

Jamais a <strong>literatura</strong>, a boa <strong>literatura</strong> ao menos, apostou na univocida<strong>de</strong>. Isso quer dizer que, entre<br />

pluralida<strong>de</strong> e fragmentação, a criação literária sempre soube escolher uma ou outra, às vezes uma e outra.<br />

A bem da verda<strong>de</strong>, o texto literário nunca fincou pé na permanência e na linearida<strong>de</strong>, ao contrário do que<br />

muita gente tem afirmado (fruto, talvez, <strong>de</strong> leituras apressadas do S/Z, <strong>de</strong> Roland Barthes). Tal equívoco<br />

parece <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> certa confusão entre texto literário e livro. Este tem sido, nos últimos séculos, o meio <strong>de</strong><br />

veiculação, a base material do texto, como já o foram a voz na <strong>literatura</strong> <strong>de</strong> tradição oral e os papiros,<br />

pergaminhos e códices nos primórdios da tradição escrita. E o sucesso <strong>de</strong>ssa base material – o livro – se<br />

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