“Ours is essentially a tragic age, so we refuse to take it tragically. The cataclysm has happened, we are among the ruins, we start to build up new little habitats, to have new little hopes. It is rather hard work: there is now no smooth road into the future: but we go round, or scramble over the obstacles. We’ve got to live, no matter how many skies have fallen.” 1 D. H. Lawrence, Lady Chaterley’s Love
Prolegômenos a uma Ciência do Assim Chamado Texto Literário em Meio Eletrônico Primeira cena: diante <strong>de</strong> uma tela, alguém imerso, o mais completamente que po<strong>de</strong>, em um ciberespaço imenso e falsamente reconhecível, teclando dados, apagando datas, andando em círculos <strong>de</strong> raio infinito; <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> um apocalipse cotidiano e privado. Diante disso, po<strong>de</strong>mos dizer: são tempos <strong>de</strong> <strong>de</strong>riva, estes que vivemos. Vagamos à volta do próprio quarto como que percorrendo mundos e espaços e, após um dia inteiro <strong>de</strong> estafante imobilida<strong>de</strong>, retornamos ainda mais enclausurados <strong>de</strong> uma jornada aos confins do mesmo. Tempos <strong>de</strong> <strong>de</strong>riva e <strong>de</strong> vertigem. Tempos em que a vertigem do ser – aquela que nos individualiza e nos funda como sujeitos ainda não intelectualizantes – ce<strong>de</strong>u lugar e palco à vertigem <strong>de</strong> ser, essa voragem que nos multiplica e nos afunda em mero espetáculo. Tornamo-nos trama e drama <strong>de</strong> encenação que pretensamente interessa a outros por interessar apenas a nós mesmos. Paradoxo <strong>de</strong>ssa cena fechada que é o dia-a-dia fingindo ser aberto. Apenas fingindo, pois, nos chats, nos canais <strong>de</strong> discussão pela internete, nos imeios trocados e mal tocados, levemente roçados por alguma resposta mais consistente, na busca <strong>de</strong> arquivos e programas sem nomes, mas talvez com marcas registradas, nessas fímbrias <strong>de</strong> sentidos, nesses restos <strong>de</strong> significados, nesses vestígios <strong>de</strong> idéias, apenas catamos nossos pedaços espalhados pelo mundo virtual. Pedaços largados aqui e ali, mas recolhidos ao final <strong>de</strong> cada dia, sem que tragam resquícios ou interferências relevantes <strong>de</strong> outros. Passamos por cada dia, vivendo e morrendo e ressuscitando como um Osíris que pu<strong>de</strong>sse reunir suas partes que ele mesmo espalhou, mas sem apren<strong>de</strong>r nada com isso, sem avançar, nem mesmo um pouco que seja, para além <strong>de</strong>ssa nossa tragediazinha cotidiana <strong>de</strong> aparecer<strong>de</strong>saparecer-reaparecer para nós próprios. Estamos entregues ao reino da fragmentação e do <strong>de</strong>scaso. Segunda cena: diante <strong>de</strong> uma tela, alguém imerso, nunca totalmente, em um ciberespaço in<strong>de</strong>finidamente aberto, mas localmente mapeável pelo teclar seqüencial <strong>de</strong> dados, pelo elencar <strong>de</strong> datas, projetando percursos <strong>de</strong> sentido incerto, mas <strong>de</strong>finidos passos; narrativa <strong>de</strong> uma opera philosophorum dos tempos atuais. Isso nos permite dizer: são mesmo tempos <strong>de</strong> <strong>de</strong>riva estes nossos, em que temos <strong>de</strong> improvisar instrumentos com que esboçar rotas, com que evitar <strong>de</strong>masiados <strong>de</strong>svios, com que propor caminhos. Não mais serviçais da fragmentação e do <strong>de</strong>scaso, mas mestres da pluralida<strong>de</strong> e artífices do acaso. Tempos em que po<strong>de</strong>mos passear à volta <strong>de</strong> nosso quarto sem repetir o percurso <strong>de</strong> sempre, levando até mesmo esse nosso quarto a outras pessoas, resgatando um sentido plural da vida, esse que aponta sempre para o outro e que, em nós, é ausência e lacuna a suprir. Tempos em que a vertigem <strong>de</strong> ser é pretexto e motivo para resgatarmos a vertigem do ser, para buscarmos nos outros, em seus restos, confundidos e misturados aos nossos, uma alterida<strong>de</strong>, e mais uma, e ainda outra, impedindo-nos <strong>de</strong> ficar presos à rigi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> sermos in<strong>de</strong>finidamente iguais a nós mesmos. Não mais um Osíris a recompor-se obsessivamente, igual a si próprio, ao fim <strong>de</strong> cada dia, mas um Simorg reunindo em si cada vez mais presenças e ausências <strong>de</strong> outros, como essas frases epigramáticas <strong>de</strong>ixadas em rodapés <strong>de</strong> imeios, e que são retomadas e retramadas por outros, e que po<strong>de</strong>m um dia ou outro apresentar-se diante <strong>de</strong> nós, talvez até mesmo irreconhecíveis. Como um “Recado do Morro”, em muito semelhante ao <strong>de</strong> João Guimarães Rosa, mas em que cada frase fosse recolhida por uma pessoa diferente e cujo sentido total pu<strong>de</strong>sse ser vislumbrado <strong>de</strong> diferentes modos, em diferentes instâncias por cada uma das pessoas que, em algum momento, ajudaram em sua construção. 19
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