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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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específica que lhe dá Genette), em que os objetos textuais – resultantes agora das diferentes interações<br />

(homem-homem, homem-máquina, máquina-máquina) e das repetições em alucinante velocida<strong>de</strong> – sejam<br />

usados não como textos, mas como maneiras <strong>de</strong> colocar significantes em rotação, produzindo textos.<br />

Tentando esclarecer melhor isso, pensemos numa relação entre uma obra A e uma obra B, digamos, por<br />

exemplo, os poemas <strong>de</strong> Bau<strong>de</strong>laire e os sonetos <strong>de</strong> Rimbaud. No caso, trata-se <strong>de</strong> ir além do que propuseram<br />

os membros do Alamo, com a construção automática <strong>de</strong> sonetos <strong>de</strong> sintaxe rimbaudiana com um<br />

vocabulário bau<strong>de</strong>lairiano (ou vice-versa). E, para isso, po<strong>de</strong>-se pensar na eventualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a relação entre<br />

uns (poemas <strong>de</strong> Bau<strong>de</strong>laire) e outros (sonetos <strong>de</strong> Rimbaud) ser ela própria uma relação hipertextual, <strong>de</strong><br />

forma que a construção do objeto textual seja mais complexa do que o cruzamento <strong>de</strong> vocabulário <strong>de</strong> um<br />

autor com estruturas sintáticas típicas <strong>de</strong> outro. Assim seria possível imaginar a construção <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong><br />

banco <strong>de</strong> dados – claro que não a infinda Biblioteca <strong>de</strong> Babel <strong>de</strong> Borges, mas tão gran<strong>de</strong> que apenas as<br />

memórias dos computadores dariam conta <strong>de</strong>sse jogo <strong>de</strong> interferências e <strong>de</strong> inferências. Nele, os elementos<br />

<strong>de</strong> um e outro hipotexto seriam efetivamente compostos, <strong>de</strong> todas as maneiras possíveis, mas colocados<br />

diretamente na memória do computador, sem acesso imediato do leitor (e nem este teria condições físicas<br />

para armazená-los todos); num segundo nível <strong>de</strong> construção, o leitor po<strong>de</strong>ria, então, usando ferramentas<br />

<strong>de</strong> busca motivada, ter disponíveis na tela os poemas rimbaudianos que fossem dotados <strong>de</strong> uma certa<br />

fisionomia pre<strong>de</strong>finida, como uma dada fôrma (por exemplo, lipogramas casuais, ou seja, poemas que não<br />

teriam em nenhum verso uma certa letra).<br />

Outra possibilida<strong>de</strong> – essa, sim, fazendo uso da reversibilida<strong>de</strong> entre prosa e poesia – estaria na utilização <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong>s quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> significantes verbais, submetendo-os a operações <strong>de</strong> armazenamento, catalogação,<br />

seleção e organização <strong>de</strong> que apenas as ferramentas telemáticas po<strong>de</strong>m dar conta. O que sugiro é, por<br />

exemplo, algum romance que tenha sido escrito (aparentemente) da maneira mais tradicional possível, ou<br />

seja, seguindo pretensamente os ditames e limites da tradição impressa. Todavia, seu autor utilizou um dado<br />

recurso <strong>de</strong> escrita que, mais do que um traço estilístico, po<strong>de</strong> tornar-se fio condutor <strong>de</strong> um trajeto <strong>de</strong> leitura<br />

que não tem mais como ser realizado fora do meio eletrônico: várias passagens foram redigidas <strong>de</strong> forma<br />

muito similar, algo entre um autopastiche e uma autocitação. É claro que a significação <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>las vai<br />

estar diretamente associada ao trecho do romance em que se encontra. Mas é claro que essa significação<br />

também estará diretamente ligada à maneira como ela se relaciona às outras, às transformação que se po<strong>de</strong>m<br />

ver <strong>de</strong> uma a outra. Teríamos, então, várias possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> leitura, aproveitando um recurso extremamente<br />

simples e imediato, que é a exibição em estrutura <strong>de</strong> tópicos, como se encontra num processador <strong>de</strong> texto<br />

como o Word®. Nesse caso, não estamos aqui propondo nada que se assemelhe aos poemas em prosa, <strong>de</strong> larga<br />

tradição nas <strong>literatura</strong>s oci<strong>de</strong>ntais ao menos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Bau<strong>de</strong>laire. Nem é caso <strong>de</strong> se retomar certo tipo <strong>de</strong><br />

intertextualida<strong>de</strong>, como as que se verificam entre os poemas <strong>de</strong> Magma e alguns contos <strong>de</strong> João Guimarães<br />

Rosa (espalhados em várias obras). O que se quis com esse exemplo foi propor um mecanismo <strong>de</strong> leitura que<br />

traga para a prosa o paralelismo que marcou, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a <strong>literatura</strong> medieval, nossa tradição <strong>de</strong> poesia no<br />

Oci<strong>de</strong>nte. Em outras palavras, o que se <strong>de</strong>seja é fugir da seqüência linear <strong>de</strong> significantes, mas sem cair no<br />

casual ou no aleatório; é estabelecer no todo do romance uma espécie <strong>de</strong> ritmo longínquo, <strong>de</strong> baixíssima<br />

freqüência, mas correspon<strong>de</strong>ndo, <strong>de</strong> alguma maneira, à alta freqüência dos versos que se suce<strong>de</strong>m em ritmo<br />

vertiginoso num poema (mesmo quando se trata <strong>de</strong> versos mais extensos, como os alexandrinos).<br />

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