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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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A leitura <strong>de</strong> tais hipertextos eletrônicos – disso que ainda po<strong>de</strong> vir a ser, então, aí sim, com todas as letras, uma<br />

ciber<strong>literatura</strong> – parece implicar uma conjunção ou justaposição ou confronto entre a pluralida<strong>de</strong> do real e os<br />

inúmeros simulacra <strong>de</strong> que se faz o virtual. Mas, freqüentemente, ocorre uma sutil infiltração <strong>de</strong>stes naquele<br />

outro, e a <strong>de</strong>scrição metafórica dos simulacra contamina e limita os mapeamentos possíveis do real. Dito <strong>de</strong><br />

outra maneira, a metáfora pós-mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> jogo 11 – no caso, <strong>de</strong> texto ou escrita como jogo – vem sobrepor-se<br />

às antigas metáforas <strong>de</strong> mundo como escrita e, conseqüentemente, como texto-a-ser-lido. E é importante<br />

assinalar que não se trata <strong>de</strong> um avanço ou alteração no modo <strong>de</strong> perceber o mundo. Muito diferente disso,<br />

trata-se <strong>de</strong> um <strong>de</strong>slocamento que po<strong>de</strong>ríamos dizer ontológico: na verda<strong>de</strong>, não é a <strong>de</strong>scrição metafórica <strong>de</strong><br />

uns – os simulacra – que vem enriquecer ou modificar a <strong>de</strong>scrição metafórica <strong>de</strong> outro – o mundo das<br />

pluralida<strong>de</strong>s possíveis, vulgarmente chamado real –, ao contrário, é o próprio parecer dos primeiros que é<br />

usado para <strong>de</strong>screver, qualificar e <strong>de</strong>limitar o ser do segundo. E essas reflexões param justamente aí, elas não<br />

aceitam nem incluem o caminho <strong>de</strong> volta, essa reversibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que tanto temos falado: não há condição<br />

nem ocasião para que o ser <strong>de</strong> um venha envolver e iluminar o parecer dos outros, dando a estes, agora sim,<br />

uma existência autônoma que vá além do arremedo e da aparência. Nesse caso, por mais que se multipliquem<br />

os transbordos e as reformatações do texto eletrônico, este fica sempre a distância <strong>de</strong> ser alguma coisa,<br />

acompanhando <strong>de</strong> longe algum objeto ou gesto ou expressão, como que carregando a vergonha <strong>de</strong> simular<br />

ou repetir sem ser; sendo sempre outra coisa que não aquilo para que aponta, estando sempre on<strong>de</strong> não se<br />

encontra, dirigindo-se constantemente para o outro lado do próprio movimento. É justamente nesse<br />

multiplicar das aparências – operação levada muito longe pela capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> processamento do meio digital<br />

– que nascem os equívocos no modo <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r os simulacra. Quando se pensa na própria operação <strong>de</strong><br />

multiplicação, por exemplo, quando se faz 7 x 8, o resultado, 56, não é apenas um terceiro signo algébrico,<br />

mas também uma pluralida<strong>de</strong> que carrega em si tanto o 7 e o 8 quanto o produto <strong>de</strong>les. É esse o caráter que<br />

acima atribuíamos ao real: ele é múltiplo e é também plural (e ressalte-se que não se trata <strong>de</strong> sinônimos). No<br />

caso dos simulacra, teríamos apenas um terceiro significante, o 56, tentando acompanhar <strong>de</strong> longe – mas<br />

per<strong>de</strong>ndo irremediavelmente – o 7 e o 8, fazendo <strong>de</strong> conta, ainda e sempre, que o produto remeteria <strong>de</strong><br />

alguma forma aos multiplicandos, sem estabelecer, no entanto, qualquer caminho que levasse até eles.<br />

Assim, parece importante distinguir radicalmente as multiplicida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> significantes que se produzem no<br />

ciberespaço, das pluralida<strong>de</strong>s do sistema corpo-percepções-mundo. As primeiras resultam das<br />

iterativida<strong>de</strong>s e interativida<strong>de</strong>s do meio eletrônico e apostam na repetição <strong>de</strong> simulacros como meio <strong>de</strong><br />

recriar <strong>de</strong> longe o real, apontando para ele, mas, cautelosamente, mantendo distância pru<strong>de</strong>nte (<strong>de</strong>le e<br />

<strong>de</strong> si próprio), apoiando-se numa multiplicação <strong>de</strong> significantes que tenta simular ou arremedar as<br />

pluralida<strong>de</strong>s do real, sem atingi-las nunca. Já estas últimas apóiam-se diretamente, mais do que num ser<br />

geral <strong>de</strong> tudo e <strong>de</strong> todos, no estar-no-mundo, nesse ato que é constitutivo <strong>de</strong> meu ser ao mesmo tempo<br />

em que expressa minhas perspectivas do mundo vivido, em que enuncia minhas limitadas percepções <strong>de</strong>sse<br />

mundo e anuncia a pluralida<strong>de</strong> das outras, justamente essas pluralida<strong>de</strong>s que tornam possíveis minhas<br />

limitadas especificida<strong>de</strong>s. O fato é que tais concepções que apontam para uma dissimulação completa do<br />

real assentam-se numa compreensão limitada do mundo vivido, como se este correspon<strong>de</strong>sse a uma parte<br />

do espaço das linguagens, o das seleções e combinações experimentadas mais como jogo e menos como<br />

gesto expressivo. Ou como se mundo fosse metáfora <strong>de</strong> linguagem – e não, ao contrário, percebendo que<br />

linguagem é que é metonímia <strong>de</strong> mundo.<br />

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