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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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A retificar, talvez, a afirmação <strong>de</strong> que haveria aí uma livre composição <strong>de</strong> fragmentos. De forma alguma!<br />

Os fragmentos, ou melhor, os fragmentos (<strong>de</strong>) significantes, são postos em circulação a partir <strong>de</strong> processos<br />

maquínicos, procedimentos automatizados e automatizantes, todos eles perfazendo condições <strong>de</strong><br />

contornos e <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> significantes que se somam às próprias condições <strong>de</strong> contorno que línguas e<br />

linguagens sempre impõem à produção <strong>de</strong> quaisquer significações. Nessa perspectiva, então, não haveria<br />

propriamente “livre composição <strong>de</strong> fragmentos”, mas uma conjunção <strong>de</strong> fragmentos guiada por lógicas e<br />

retóricas próprias do meio eletrônico. Todavia, <strong>de</strong>ve-se <strong>de</strong>stacar a argúcia <strong>de</strong> Chartier, acentuando a<br />

<strong>de</strong>smaterialização da criação eletrônica, 9 sem que isso seja acompanhado do velho (e superficial) discurso<br />

sobre perda <strong>de</strong> objetivida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>subjetivação das artes. E a maneira como são conjugados esses significantes<br />

(termo mais apropriado e mais preciso que o <strong>de</strong> “fragmentos”) vai muito além do que sempre coube no<br />

espaço da página manuscrita ou impressa. Po<strong>de</strong>-se falar <strong>de</strong> uma construção teleológica dos significantes na<br />

tradição impressa, mesmo que ela não se faça acompanhar obrigatoriamente <strong>de</strong> uma (outra ou mesma)<br />

teleologia na armação das significações encetada pelo leitor. No meio eletrônico, o leitor se <strong>de</strong>sloca ao<br />

mesmo tempo em que põe em rotação a ciranda dos significantes, e a leitura remete constantemente a esse<br />

processo <strong>de</strong> avançar, retornar, retomar, seguidas vezes, embrenhando-se não apenas nas entrelinhas dos<br />

significantes verbais, mas nos <strong>de</strong>svãos que as linguagens <strong>de</strong> programação <strong>de</strong>ixam (propositadamente ou<br />

não) para equívocos, acasos, erros premeditados, caminhos tortuosos, becos sem saída etc.<br />

Como já <strong>de</strong>ve ter ficado claro, a iterativida<strong>de</strong> é um processo que faz parte das lógicas e linguagens <strong>de</strong><br />

programação que estão na base <strong>de</strong> todo texto eletrônico. De fato, ela constitui o ponto central da Máquina<br />

<strong>de</strong> Turing, procedimento fundamental que <strong>de</strong>fine tanto o funcionamento dos computadores quanto a própria<br />

cibernética. Mas a iterativida<strong>de</strong> é também um processo que po<strong>de</strong> ser explicitamente incorporado ao espaço<br />

<strong>de</strong> leitura <strong>de</strong> um certo tipo <strong>de</strong> texto eletrônico, isto é, aqueles que exigem repetições freqüentes para chegar<br />

a resultados diferentes, a topologias <strong>de</strong> significantes ligeiramente distintas das anteriores. A obra Passage, <strong>de</strong><br />

Philippe Bootz, é um bom exemplo. Sem avançar muito em sua análise – coisa que preferimos <strong>de</strong>ixar à<br />

curiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossos muito poucos leitores –, po<strong>de</strong>mos dizer que sua leitura se faz justamente na paciente<br />

repetição <strong>de</strong> entradas e saídas do sistema. A cada passagem, nos diz seu autor, o sistema <strong>de</strong> programação<br />

incorpora dados que alteram para sempre alguma variável da obra, <strong>de</strong> forma que a entrada seguinte traz para<br />

o leitor uma outra topologia no processamento dos significantes. Em outras palavras, o acesso à armação dos<br />

significantes verbais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> estreitamente dos significantes telemáticos (interações, programações e<br />

processamentos). Assim, a leitura <strong>de</strong> Passage é um percurso múltiplo, parcialmente in<strong>de</strong>finido, infindo (mas<br />

não infinito), em que as interativida<strong>de</strong>s programadas pelo autor e executadas pelo leitor somente adquirem<br />

sentido quando repetidas ad libitum, quase à exaustão, trazendo pequenas variações – muitas <strong>de</strong>las<br />

imperceptíveis, mas ainda e sempre variações –, no percurso quase mesmo das leituras anteriores.<br />

Resumindo: Dicotomias e Reversibilida<strong>de</strong>s<br />

Transbordos e reformações também se alimentam das dicotomias do ciberespaço, como aquelas entre real<br />

e virtual, ou entre espaço e tempo. Mas, novamente, talvez melhor seja dizer reversibilida<strong>de</strong> em vez <strong>de</strong><br />

dicotomia, já que po<strong>de</strong>mos discernir aí uma dupla operação <strong>de</strong> realização do virtual e <strong>de</strong> virtualização do<br />

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