Leituras de nós â ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural
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eletrônico. De certa maneira, é como se transbordos e reformatações retomassem ou ecoassem a dicotomia<br />
acima explorada entre significantes e significados. E, por seu lado, outras dicotomias, em diferentes níveis do<br />
hipertexto, po<strong>de</strong>m vir se juntar a essas duas propondo outros movimentos recíprocos (e, repita-se, multívocos):<br />
tempo e espaço, real e virtual, obra eletrônica e obra impressa. É como se as formas e fôrmas do hipertexto<br />
estivessem ligadas <strong>de</strong> alguma forma a sua inscrição no complexo espácio-temporal, à maneira como ele se<br />
<strong>de</strong>senrola diante <strong>de</strong> nós e na circunstância <strong>de</strong> nossa leitura; ou ao modo como propõe imagens, simulações e<br />
cópias; ou ao jeito como possibilita ligações e/ou linearida<strong>de</strong>s no enca<strong>de</strong>amento dos significantes.<br />
Variações em Torno <strong>de</strong> um Tema Mesmo<br />
Reformações e reformatações constituem então algumas das dinâmicas <strong>de</strong> produção do texto eletrônico, tanto a<br />
partir da mecânica própria <strong>de</strong> sua materialida<strong>de</strong> proteiforme e protendida quanto das distensões e <strong>de</strong>slocamentos<br />
do leitor. Expliquemos isso melhor. Na produção <strong>de</strong> todo texto – qualquer que seja o meio em que ela se dê –,<br />
<strong>de</strong>lineia-se um espaço <strong>de</strong> funcionamento, que é parte virtual, parte concreta. Em outras palavras, parte <strong>de</strong>le chama<br />
a presença <strong>de</strong> significantes imediatos, <strong>de</strong> estruturas i<strong>de</strong>ntificáveis no nível dos próprios significantes, <strong>de</strong> significados<br />
e referências diretas; outra parte remete a uma abertura das significações, ao esboço <strong>de</strong> uma fisionomia do campo<br />
dos sentidos possíveis. Em ambas, com base na especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu autor, funda-se o que se chamou <strong>de</strong> estilo, essa<br />
maneira <strong>de</strong> dispor (materialmente) significantes e, ao mesmo tempo, <strong>de</strong> fazer com que nos dirijamos <strong>de</strong> dada<br />
maneira (virtualmente) ao campo geral da língua. Todavia, essa conjunção entre um e outro, quer dizer, entre o<br />
material e o virtual do texto, se dá <strong>de</strong> maneira diferente, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do meio – oral, impresso, eletrônico – em<br />
que ele é produzido. No meio impresso, a obra literária pen<strong>de</strong> para um texto em que as virtualida<strong>de</strong>s acabam<br />
assumindo a maior parte <strong>de</strong>sse espaço <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> significações. Já no texto eletrônico, tal espaço é povoado,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, pela evidência imediata e pouco sutil <strong>de</strong> ferramentas, <strong>de</strong> processos, <strong>de</strong> referências, <strong>de</strong> produtos<br />
outros, a tal ponto que se po<strong>de</strong>ria até cair na armadilha <strong>de</strong> dizer que o texto eletrônico é mesmo o primado do<br />
imediato, do concreto, da presença. Nada disso! Esse incremento na presença <strong>de</strong> materialida<strong>de</strong>s imediatas, <strong>de</strong><br />
significantes não implica necessariamente uma diminuição correspon<strong>de</strong>nte nas virtualida<strong>de</strong>s do texto, isto é, na<br />
maneira como ele permite olhar o campo dos sentidos possíveis. A bem da verda<strong>de</strong>, ambos os meios ainda<br />
continuam a tecer suas malhas <strong>de</strong> maneira específica e própria ao autor e à obra, a dispor nós on<strong>de</strong> a leitura po<strong>de</strong><br />
ser parada por alguns momentos, e com base neles propor certos caminhos <strong>de</strong> leitura.<br />
É assim que as reformas e reformatações do texto eletrônico, por resultarem <strong>de</strong> modificações em sua<br />
própria base material, <strong>de</strong>slocam, <strong>de</strong> modo importante, isso que chamamos estilo. Nesse sentido, estilo <strong>de</strong>ixa<br />
<strong>de</strong> ser apenas o modo como se repetem, mais ou menos, as disposições <strong>de</strong> significantes e os percursos<br />
possíveis <strong>de</strong> significações. Antes disso, estilo passa a ser também o modo como se produzem possibilida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> geração <strong>de</strong> significantes, isto é, a maneira como as linguagens <strong>de</strong> programação fornecem bases e<br />
caminhos para as linguagens outras (verbais, visuais, sonoras etc.). Se um soneto, por exemplo, gerado por<br />
computador parece paupérrimo diante <strong>de</strong> um outro, cometido por um Vinícius <strong>de</strong> Morais ou por Victor<br />
Hugo, é porque estamos comparando coisas incomparáveis. A título <strong>de</strong> exemplo, basta examinar os dois<br />
poemas a seguir, tirados do sítio do grupo Alamo 4 e gerados automaticamente por computador, sob certas<br />
condições <strong>de</strong> contorno estabelecidas por seus criadores. Trata-se, na seqüência, <strong>de</strong> um soneto e <strong>de</strong> um triolé:<br />
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