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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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eletrônicos não apenas uma evolução seqüencial, serial e linear <strong>de</strong> significações e <strong>de</strong> significantes, mas uma<br />

elaboração espacial (ou melhor, como já dissemos, topológica).<br />

Em conseqüência, aquilo que na oralida<strong>de</strong> ainda era uma imposição do meio <strong>de</strong> circulação, isto é, a apreensão<br />

seqüenciada, substitutiva e temporal dos elementos dos textos, torna-se agora uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leitura entre<br />

outras, um recorte possível entre vários outros. Em suma, o texto eletrônico parece se colocar, com respeito à<br />

tradição oral, mais no sentido <strong>de</strong> uma sedimentação e menos como uma Aufhebung hegeliana ou como<br />

culminância <strong>de</strong> um processo evolutivo <strong>de</strong> teor positivista (essa, muito menos ainda!). Aliás, tal dicotomia entre oral<br />

e telemático, inerente ao texto eletrônico, espelha outras dicotomias, ou melhor, outras reversibilida<strong>de</strong>s, que<br />

implicam sua aparência dinâmica, seu caráter não somente ambíguo, mas essencialmente in<strong>de</strong>cidível: o texto<br />

eletrônico, pelo fato <strong>de</strong> ser o que é, oscila sem cessar entre textual e hipertextual, virtual e concreto, leitura e<br />

navegação, autor e leitor, linguagem verbal e multimeios, centros <strong>de</strong> significação e gênese rizomática, limite e<br />

infinitu<strong>de</strong> etc. Como conseqüência, altera-se o equilíbrio entre virtualida<strong>de</strong> e concretu<strong>de</strong> no espaço hipertextual, se<br />

o comparamos com o meio impresso. Não consigo compartilhar alguns dos juízos <strong>de</strong> um Baudrillard ou <strong>de</strong> Virilio,<br />

<strong>de</strong> que o ciberespaço introduziria uma região <strong>de</strong> absoluta virtualida<strong>de</strong> (por mais paradoxal que seja a expressão)<br />

na produção textual. Como pensar assim, quando aquilo que chamávamos até então <strong>de</strong> intertextualida<strong>de</strong> (nas<br />

suas várias formas) se apresenta diretamente na tela, estabelecendo uma indistinção irredutível entre o fundo e<br />

a superfície <strong>de</strong>sse texto-palimpsesto eletrônico? Isso po<strong>de</strong> talvez ser mais bem esclarecido quando pensamos<br />

em algumas das características que se atribuem com freqüência aos textos eletrônicos: <strong>de</strong> um lado,<br />

fragmentação e multilinearida<strong>de</strong> (quase sempre mencionadas juntas); <strong>de</strong> outro, infinitu<strong>de</strong>.<br />

No que toca às primeiras, elas remeteriam ao que parece uma <strong>de</strong> suas características mais salientes ou, ao<br />

menos, àquela que alguns teóricos mais se comprazem em <strong>de</strong>screver: associa-se a ambas toda a discussão<br />

<strong>de</strong>rridiana acerca <strong>de</strong> centro e <strong>de</strong>scentramento, construção e <strong>de</strong>sconstrução, a tal ponto que a própria matéria<br />

do hipertexto parece ficar escondida <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> conceitos e preconceitos <strong>de</strong> toda or<strong>de</strong>m. Além disso, nenhuma<br />

teoria do texto que se preze jamais emprestou ao texto uma imagem <strong>de</strong> linearida<strong>de</strong> estrita, <strong>de</strong> produção<br />

monolítica e unívoca <strong>de</strong> significações. E todo o esforço teórico das últimas décadas apontou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo para<br />

esse constante ultrapassamento da leitura pelo texto (como aponta Barthes a respeito da obra <strong>de</strong> Proust, cujo<br />

prazer <strong>de</strong> leitura estaria no fato <strong>de</strong> que, a cada retomada, <strong>de</strong>ixamos <strong>de</strong> ler sempre linhas diferentes).<br />

Finalmente, no que diz respeito a limite e infinitu<strong>de</strong>, no ciberespaço, pense-se, por exemplo, na tradição<br />

exegética medieval que tentou inutilmente impor amarras teológicas às interpretações dos livros bíblicos.<br />

Os limites <strong>de</strong> cada texto não têm valida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finitiva nem mesmo numa mesma leitura, que dirá em várias?!<br />

No caso, é assaz eloqüente a imagem do poeta que não conclui seu poema, mas o abandona, mesma coisa<br />

po<strong>de</strong> ser afirmada da leitura crítica <strong>de</strong> obras literárias, sempre entregue a uma provisorieda<strong>de</strong> ao mesmo<br />

tempo exasperante e rica, trabalhosa e plural. A não limitação do texto eletrônico não correspon<strong>de</strong>ria<br />

jamais a uma infinitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> linguagem materialmente disponível na tela do computador, mas a uma<br />

convergência assimptótica que vai da construção das significações ao horizonte dos sentidos possíveis que<br />

as contornam. Isso não implicaria uma impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ler, ao contrário: a infinitu<strong>de</strong> potencial do texto<br />

eletrônico se materializa por um recorte necessariamente finito na articulação dos significantes, no que ele<br />

não se diferencia absolutamente <strong>de</strong> textos produzidos em outros meios.<br />

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