Leituras de nós â ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural
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Com isso, reafirma-se um dos princípios que organizam todas essas reflexões sobre o hipertexto: sua<br />
novida<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> principalmente na materialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus elementos e <strong>de</strong> seus processos <strong>de</strong><br />
significação, jamais na invenção <strong>de</strong> uma nova capacida<strong>de</strong> expressiva (como se os meios informáticos<br />
fossem capazes, por si sós, <strong>de</strong> inventar uma linguagem). Ao contrário, somos nós que, incessantemente,<br />
falamos através dos meios informáticos e inventamos, neles e com eles, novas linguagens. Mesmo os<br />
insucessos, as panes são eloqüentes e nos introduzem justamente na esfera <strong>de</strong> significações dos<br />
instrumentos tecnológicos, nos informando a participação humana na construção <strong>de</strong>sses objetos, que<br />
são, ainda e sempre, essencialmente culturais. Dito <strong>de</strong> outra maneira, não é uma nova humanida<strong>de</strong> que<br />
é gerada pelo hipertexto, 15 mas uma mesma humanida<strong>de</strong> que se <strong>de</strong>sdobra continuamente, apoiandose<br />
em instrumentos tecnológicos sempre diferentes e, às vezes, materialmente mais complexos. Acima,<br />
aliás, já foram se discutiram algumas <strong>de</strong>ssas questões acerca da novida<strong>de</strong> representada pelo hipertexto.<br />
É por isso que insisto em apresentar o hipertexto como um novo arranjo, um novo ritmo no processo<br />
<strong>de</strong> produção textual. Sua novida<strong>de</strong> estaria sobretudo na maneira como as mesmas condições <strong>de</strong><br />
possibilida<strong>de</strong> das significações se manifestam <strong>de</strong> maneira diversa, e não na instauração <strong>de</strong> um outro<br />
horizonte <strong>de</strong> sentidos para a linguagem verbal.<br />
* * *<br />
Como já ficou claro, uma das perspectivas teóricas que adotamos busca fundar a idéia <strong>de</strong> (hiper)texto<br />
eletrônico no conceito geral <strong>de</strong> texto, em particular no literário, já amplamente discutido e explorado por<br />
uma larga tradição que remonta a Aristóteles, passando pelos exegetas e cabalistas medievais, para chegar<br />
à escola francesa da segunda meta<strong>de</strong> do século XX. Então, na perspectiva que propomos, falar <strong>de</strong> texto oral,<br />
texto eletrônico, texto impresso, cibertexto, hipertexto, texto corporal, texto pictórico etc. seria até<br />
impróprio, pelo fato <strong>de</strong> todos eles serem manifestações <strong>de</strong> uma transtextualida<strong>de</strong> – como já dito antes –,<br />
essa proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> as teias significantes associarem, por exemplo, a oralida<strong>de</strong> aos textos eletrônicos, ou <strong>de</strong><br />
traduzir, discutir e apresentar estes últimos através da superfície plana da escrita. Em outras palavras,<br />
partimos do pressuposto <strong>de</strong> que todo tipo <strong>de</strong> texto (aí incluída a oralida<strong>de</strong>) po<strong>de</strong> ser combinado em uma<br />
trama <strong>de</strong> textos, ou seja, em um texto <strong>de</strong> textos. Todavia, o texto da tradição oral só permite o acesso a<br />
esse texto <strong>de</strong> textos como construção externa e posterior. Diferentemente, o texto eletrônico permite<br />
colocar em circulação, em tempo real e sempre parcialmente, esse texto eletrônico <strong>de</strong> textos eletrônicos,<br />
esse rizoma telemático, num intervalo <strong>de</strong> tempo que possibilita sua totalização e sua reinserção no processo<br />
<strong>de</strong> produção textual <strong>de</strong> on<strong>de</strong> ele se originou.<br />
Talvez essas questões – freqüentemente, abstratas <strong>de</strong>mais – possam ser mais bem digeridas a partir <strong>de</strong><br />
algum exemplo concreto. Tomemos primeiramente um artefato chamado Sintext, um gerador <strong>de</strong> textos<br />
concebido por Pedro Barbosa. Simplificando, po<strong>de</strong>mos dizer que ele funciona com base em um banco <strong>de</strong><br />
dados, composto <strong>de</strong> uma lista <strong>de</strong> palavras escolhidas, aleatoriamente, para preencher uma fôrma sintática<br />
pre<strong>de</strong>finida. Uma vez que se dá início ao processo, o próprio programa seleciona as palavras e vai inserindoas<br />
numa seqüência previamente <strong>de</strong>finida. À primeira vista, parece que Barbosa não iria nem um milímetro<br />
além dos processos <strong>de</strong> escolha e combinação que estão e sempre estiveram na base <strong>de</strong> qualquer gesto<br />
expressivo. Mas o que ele propõe – e torna possível – é um <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong>ssas operações. Não temos aqui<br />
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