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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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E essa produtivida<strong>de</strong> não se <strong>de</strong>ixa pren<strong>de</strong>r, ela se <strong>de</strong>sloca e se modifica continuamente, sobretudo a partir do<br />

momento em que <strong>de</strong>saparece a instância fenomênica em que o texto constitui o leitor e é constituído por ele.<br />

Assim como a obra eletrônica, pretensamente formada por zeros e uns, que <strong>de</strong>saparece ou se altera quando<br />

o computador é <strong>de</strong>sligado ou quando passa por algum processo eletrônico <strong>de</strong> transformação, a obra literária<br />

impressa nunca subsiste da mesma forma. A cada releitura, é toda uma nova textualida<strong>de</strong> que se produz: como<br />

afirma Barthes, em Proust, o prazer <strong>de</strong> cada releitura está no fato <strong>de</strong> que nunca pulamos as mesmas linhas. 9<br />

São, potencialmente, outros textos que se dão a ler, embora saibam guardar sempre uma mesma fisionomia,<br />

<strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> uma mesma base material, isto é, da coerência concreta exposta na materialida<strong>de</strong> dos signos<br />

verbais (no caso <strong>de</strong> Proust, as seqüências <strong>de</strong> palavras que formam os romances). Trata-se do que chamamos <strong>de</strong><br />

livro e que não po<strong>de</strong> ser confundido com seus textos possíveis. 10 Esse é outro motivo pelo qual não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

modo algum afirmar que o hipertexto constituiria uma categorização absolutamente original. Com efeito,<br />

todo o aparato teórico <strong>de</strong>senvolvido por um Gérard Genette, por exemplo, por meio da imagem-conceito do<br />

palimpsesto, nos mostra que esse tom provisório e fugaz acompanha a obra literária <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre, não<br />

importando, aliás, se o seu suporte é a tela, o papel ou a oralida<strong>de</strong>.<br />

E é necessário chamar a atenção para esse caráter não exclusivo do texto eletrônico, no que se refere à<br />

efemerida<strong>de</strong>, na medida em que ela aparece <strong>de</strong> modo evi<strong>de</strong>nte em todo o conjunto das textualida<strong>de</strong>s orais,<br />

sendo uma das explicações possíveis para o modo como se <strong>de</strong>senvolveram, por exemplo, as técnicas <strong>de</strong><br />

versificação na poesia oci<strong>de</strong>ntal. No caso, os recursos fônicos do texto oral permitiram o surgimento da rima,<br />

da métrica e do ritmo, assegurando a memorização (garantindo um mínimo <strong>de</strong> eficiência em sua<br />

transmissão oral) e ao mesmo tempo constituindo a base <strong>de</strong> uma expressão poética autônoma. De modo<br />

semelhante, é legítimo perguntar, com base nisso, como a efemerida<strong>de</strong> eletrônica do hipertexto po<strong>de</strong>rá dar<br />

origem a uma outra série <strong>de</strong> elementos poéticos, <strong>de</strong>sta vez veiculados pelos meios informáticos. Como as<br />

variações em torno <strong>de</strong> um mesmo tema (como as da métrica e da rima na poesia oral e na poesia impressa),<br />

por exemplo, se darão em um ambiente informatizado? Que tipo <strong>de</strong> dispositivo semântico <strong>de</strong>rivará da<br />

multiplicida<strong>de</strong> concretamente disponível do hipertexto? Dito <strong>de</strong> outra maneira, a pergunta que temos <strong>de</strong><br />

nos fazer é como os elementos e os processos telemáticos do texto eletrônico po<strong>de</strong>rão ser usados para dar<br />

origem a uma série <strong>de</strong> recursos poéticos, numa retórica literária que venha a criar uma poética com base<br />

nos ritmos e nas quantida<strong>de</strong>s próprias do hipertexto.<br />

Assim, seja nas poéticas digitais que trazem os multimeios e principalmente a interativida<strong>de</strong> com a<br />

<strong>literatura</strong>, seja na geração informatizada <strong>de</strong> obras literárias, po<strong>de</strong>mos encontrar mecanismos <strong>de</strong> circulação<br />

culturais que reproduzem <strong>de</strong> alguma maneira, parcialmente, os percursos <strong>de</strong> produção e <strong>de</strong> assimilação<br />

das <strong>literatura</strong>s orais. No caso, talvez seja relevante caracterizar com mais <strong>de</strong>talhes esses percursos no meio<br />

digital, tentando surpreen<strong>de</strong>r neles especificida<strong>de</strong>s até então insuspeitas. Po<strong>de</strong>-se dizer do hipertexto que<br />

ele torna concreto o que antes, nas obras escritas/impressas, era referência indireta: os intertextos latentes<br />

po<strong>de</strong>m aparecer nele como ligações imediatas e simultâneas a outros pontos do hiperespaço <strong>de</strong><br />

significantes. De modo análogo, a produção e a circulação do hipertexto parecem se dar em aparente<br />

simultaneida<strong>de</strong>, imbricando concretamente o trabalho do criador e o do leitor. Tal processo po<strong>de</strong> remeter a<br />

formas embrionárias que já aparecem na tradição oral: nesta, a veiculação <strong>de</strong> uma obra confundia<br />

transmissão e criação, <strong>de</strong>vido ao trabalho criativo da memória individual <strong>de</strong> cada pessoa envolvida no<br />

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