Leituras de nós â ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural
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pôle informatico-médiatique”, 6 num esquema que retoma muito <strong>de</strong> perto os três estágios da evolução da<br />
socieda<strong>de</strong> propostos por Auguste Comte. Em outro trecho, ele ainda afirma que:<br />
“...les catégories usuelles <strong>de</strong> la philosophie <strong>de</strong> la connaissance telles que le mythe, la science, la théorie,<br />
l’interprétation ou l’objectivité dépen<strong>de</strong>nt étroitement <strong>de</strong> l’usage historique, daté et situé <strong>de</strong> certaines<br />
technologies intellectuelles. Qu’on m’enten<strong>de</strong> bien: la succession <strong>de</strong> l’oralité, <strong>de</strong> l’écriture et <strong>de</strong> l’informatique<br />
comme mo<strong>de</strong>s fondamentaux <strong>de</strong> gestion sociale <strong>de</strong> la connaissance ne s’opère pas par simple substitution, mais<br />
plutôt par complexification et déplacement <strong>de</strong> centre <strong>de</strong> gravité”. 7<br />
É certo que Lévy, sobretudo no segundo trecho acima, tenta escapar ao positivismo evolucionista que marca o<br />
primeiro. Assim, se enten<strong>de</strong>mos “complexification et déplacement <strong>de</strong> centre <strong>de</strong> gravité” como uma espécie <strong>de</strong><br />
suspensão/incorporação dos paradigmas anteriores (no sentido <strong>de</strong> uma Aufhebung hegeliana), é certo que<br />
po<strong>de</strong>mos fugir à simplificação positivista. Todavia, ao insistir em várias outras passagens (inclusive em outras<br />
obras) numa tría<strong>de</strong> evolutiva autônoma, a complexificação e o <strong>de</strong>slocamento do centro <strong>de</strong> gravida<strong>de</strong> parecem<br />
ficar em segundo plano, privilegiando <strong>de</strong> modo evi<strong>de</strong>nte uma linearida<strong>de</strong> evolutiva. Em lugar <strong>de</strong> uma<br />
concepção <strong>de</strong> hipertexto que vê nas diferentes textualida<strong>de</strong>s (da oralida<strong>de</strong> à imprensa e <strong>de</strong>sta ao texto<br />
eletrônico) o trabalho significante interno e autônomo (aí sim!) <strong>de</strong> uma sedimentação, <strong>de</strong> uma produção<br />
coletiva incessante, com todas as suas hesitações, seus recuos, suas ambigüida<strong>de</strong>s, Lévy parece colocar todo o<br />
significado <strong>de</strong>ssas alterações <strong>de</strong> paradigmas num contexto in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e externo, numa estrutura <strong>de</strong> sentido<br />
alheia às diferentes textualida<strong>de</strong>s. É como se apenas a escolha da perspectiva diacrônica já fosse capaz <strong>de</strong><br />
atribuir um horizonte <strong>de</strong> sentidos a qualquer ativida<strong>de</strong> significante, a partir <strong>de</strong> um campo <strong>de</strong> verificação<br />
empírico e obrigatoriamente externo ao texto, juízo que remete ao princípio positivista segundo o qual toda<br />
significação só existe como resultado <strong>de</strong> uma verificação empírica. Com isso, fica difícil não pensar num certo<br />
reducionismo nessas concepções <strong>de</strong> Lévy, na medida em que a verificação (isto é, a atribuição <strong>de</strong> um significado<br />
às mudanças <strong>de</strong> paradigmas) está totalmente subordinada ao contexto empírico da experimentação (este, na<br />
concepção positivista, é colocado no exterior <strong>de</strong> qualquer ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> significação, como origem externa <strong>de</strong><br />
todo sentido).<br />
* * *<br />
Um outro possível ponto <strong>de</strong> aproximação entre textos eletrônicos e oralida<strong>de</strong> estaria na efemerida<strong>de</strong> das<br />
poéticas digitais, isto é, na velocida<strong>de</strong> com que suas estruturas proteiformes se alteram, se per<strong>de</strong>m (às vezes, para<br />
sempre), ou são retomadas. Ora, a efemerida<strong>de</strong> é uma característica que o hipertexto compartilha com qualquer<br />
forma textual, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não confundamos a base material com a realização propriamente dita dos textos<br />
(quando o significante é exposto ao leitor e permite a produção daquilo que po<strong>de</strong> ser aproximado do fenotexto<br />
<strong>de</strong> Kristeva). 8 De fato, a realização do texto resulta sempre da confluência <strong>de</strong> um leitor e da materialida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
um aparelho <strong>de</strong> significações, sendo esta última nada mais do que os elementos significantes expostos à inspeção<br />
dos sentidos (ou seja, as seqüências <strong>de</strong> letras, nas criações verbais; <strong>de</strong> cores e formas, nas visuais; <strong>de</strong> sons, nas<br />
sonoras). Como resultado temos uma produtivida<strong>de</strong> (ou seja, exatamente isso que vimos chamando <strong>de</strong> texto),<br />
um fenômeno que se <strong>de</strong>staca da coisa-em-si, <strong>de</strong>ssa materialida<strong>de</strong> específica que lhe serviu <strong>de</strong> base.<br />
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