12.11.2014 Views

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

que a separaria completamente das outras obras escritas. 5 De seu lado, o texto oral sempre se apóia numa<br />

evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>pendência inaugural que tem com outros textos orais (não há simulação nem fingimento <strong>de</strong> uma<br />

autonomia, essa encenação que dá origem a toda escrita). E, do mesmo modo que estes, os textos eletrônicos,<br />

submetidos à força multiplicadora dos instrumentos telemáticos, também se mostram sempre abertos,<br />

sempre <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes das <strong>de</strong>terminações provenientes <strong>de</strong> outros textos, <strong>de</strong> outros pontos <strong>de</strong> enunciação.<br />

No comentário acima transcrito, Lévy aponta para a diferença entre o eletrônico e o oral, quando chama a<br />

atenção para a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manipulação imediata, completa e em tempo real dos dados envolvidos, o que,<br />

na oralida<strong>de</strong>, se faz somente a posteriori. De fato, na tradição, ocorre oral como que uma <strong>de</strong>puração, por assim<br />

dizer, uma espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>cantação que está intimamente ligada à maneira como aí se produzem significantes e<br />

significações. O texto oral se funda em uma espera <strong>de</strong> sentidos que, por si só, já é significante e empresta à<br />

oralida<strong>de</strong> todo um ritmo, toda uma estratégia <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> significações. O texto eletrônico substitui essa<br />

espera por uma outra encenação: a <strong>de</strong> uma ubiqüida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentidos impossível, mas sempre reencetada (ou<br />

reencenada ou, melhor ainda, simulada); é como se todos os outros textos eletrônicos estivessem, ao mesmo<br />

tempo, disponíveis ao lado da tela. Mas isso é claramente simulação, fingimento que po<strong>de</strong> ser parente daquele<br />

<strong>de</strong> Pessoa, ou enganação pura e simples. E o modo como esse fingimento vem orquestrar a ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> significantes<br />

– a precarieda<strong>de</strong> material com que ela aparece, se esboça, se <strong>de</strong>svanece para reaparecer <strong>de</strong>pois ou alhures – é<br />

que vai estabelecer a diferença entre um fingimento e outro, na verda<strong>de</strong>, entre fingimento e enganação.<br />

Em suma, se o hipertexto se aproxima <strong>de</strong> formas anteriores – como as do texto oral –, pela maneira como<br />

torna manifesta a pluralida<strong>de</strong> inerente a toda forma textual, ele se distancia <strong>de</strong>las pela maneira como essa<br />

produção <strong>de</strong> significações se dispõe no tempo e, ainda, pela quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dados que se dão a manipular<br />

simultaneamente. O texto eletrônico acelera os tempos <strong>de</strong> concatenação e <strong>de</strong> justaposição das diferentes<br />

obras que eventualmente compartilham um mesmo espaço <strong>de</strong> produção, alterando profundamente sua<br />

apreensão (ou compreensão). Nesse caso, o tempo se reveste também <strong>de</strong> um caráter mais evi<strong>de</strong>ntemente<br />

topológico, ao contrário do tempo da oralida<strong>de</strong>; ele se <strong>de</strong>ixa surpreen<strong>de</strong>r não só como duração ou <strong>de</strong>vir,<br />

mas como encenação, como disposição e disponibilização ao olhar, à experiência do corpo (o que já estava<br />

presente na notável intuição poética figurada por Alberto Caeiro, poeta que dispunha do tempo como mais<br />

uma dimensão concreta do espaço do mundo vivido).<br />

A assinalar, por último, a ilusão <strong>de</strong> que o contexto em que se insere o hipertexto seja “totalement explicite et<br />

organisé”, como diz Lévy. Esse não parece ser jamais o caso. Na verda<strong>de</strong>, nada há que seja totalmente explícito e<br />

organizado, nem no hipertexto, nem em seu contexto. Na medida em que o hipertexto abandona completamente o<br />

fingimento da obra impressa e/ou escrita, essa encenação <strong>de</strong> autonomia, ele vai abrir cada vez mais a materialida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> seus significantes para a arbitrarieda<strong>de</strong> organizante e cúmplice do leitor. Por outro lado, exatamente da<br />

mesma maneira que a obra impressa, o hipertexto eletrônico aponta para um contexto permanentemente em<br />

recuo, fazendo com que o hiper- e o -texto fiquem sempre em situação <strong>de</strong> falta, <strong>de</strong> lacuna, <strong>de</strong> incompletu<strong>de</strong>.<br />

Com tudo que foi dito acima, coloca-se em xeque todo tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição evolutiva ou mesmo positivista dos<br />

textos eletrônicos. Por mais disfarçado que seja, esse tipo <strong>de</strong> juízo aparece com incômoda freqüência. O<br />

mesmo Lévy, por exemplo, menciona “trois pôles <strong>de</strong> l’esprit (...): pôle <strong>de</strong> l’oralité primaire, pôle <strong>de</strong> l’écriture,<br />

99

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!