Universidade Federal de Minas Gerais Instituto de ... - ICB - UFMG
Universidade Federal de Minas Gerais Instituto de ... - ICB - UFMG
Universidade Federal de Minas Gerais Instituto de ... - ICB - UFMG
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> <strong>Gerais</strong><br />
<strong>Instituto</strong> <strong>de</strong> Ciências Biológicas<br />
Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Ecologia,<br />
Conservação e Manejo <strong>de</strong> Vida Silvestre<br />
Avaliação taxonômica, distribuição e status do guigó-da-caatinga<br />
Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990 (Primates: Pitheciidae)<br />
Biólogo MSc. Rodrigo Cambará Printes<br />
Orientador: Prof. Dr. Anthony Brome Rylands<br />
Co-Orientador: Prof. Dr. Júlio César Bicca-Marques<br />
Tese apresentada ao <strong>Instituto</strong> <strong>de</strong> Ciências<br />
Biológicas como parte dos requisitos<br />
necessários à obtenção do grau <strong>de</strong> “Doutor<br />
em Ecologia, Conservação e Manejo <strong>de</strong><br />
Vida Silvestre” pela <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Minas</strong> <strong>Gerais</strong>.<br />
Belo Horizonte, 03 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2007
APOIO:<br />
iii
A vida do Viajante<br />
“Minha vida é andar por este país<br />
Prá ver se um dia eu <strong>de</strong>scanso feliz<br />
Guardando recordações das terras on<strong>de</strong> passei<br />
Andando pelos sertões, dos amigos que lá <strong>de</strong>ixei<br />
Chuva e sol, poeira e carvão<br />
Longe <strong>de</strong> casa sigo o roteiro<br />
Mais uma estação<br />
E a sauda<strong>de</strong> no coração<br />
Mar e terra, inverno e verão<br />
Mostro um sorriso, mostro alegria<br />
Mas eu não mostro não<br />
É a sauda<strong>de</strong> no coração”.<br />
Luiz Gonzaga e Hervé Cordovil (1953)<br />
Dedico este trabalho ao povo sertanejo, exemplo <strong>de</strong> coragem e <strong>de</strong> fé na vida. Em especial<br />
ofereço-o aos anônimos habitantes das caatingas que atuaram como informantes, sem os quais o<br />
guigó continuaria sendo um ilustre <strong>de</strong>sconhecido.<br />
iv
Agra<strong>de</strong>cimentos<br />
• Ao prof. Dr. Anthony B. Rylands por sua inestimável contribuição à Primatologia no<br />
Brasil e pela sua generosa orientação durante este trabalho.<br />
• Ao prof. Dr. Júlio César Bicca-Marques (PUC-RS) pela co-orientação e apoio em Porto<br />
Alegre.<br />
• Aos financiadores das cinco expedições: Conservation International (Washington, USA),<br />
Conservação Internacional do Brasil, Margot Marsh Biodiversity Foundation – the<br />
Primate Action Fund (USA), Critical Ecosystem Partnership Fund (The Worl Bank +<br />
Global Environmental Fund + Conservation International + MacArthur Fundation +<br />
Governo do Japão) gerenciado pela Fundação Biodiversitas e Centro <strong>de</strong> Pesquisas<br />
Ambientais do Nor<strong>de</strong>ste, através do Programa <strong>de</strong> Proteção às Espécies Ameaçadas <strong>de</strong><br />
Extinção da Mata Atlântica Brasileira, Edital nº 01/2004.<br />
• À Coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Aperfeiçoamento do Ensino Superior (CAPES).<br />
• Aos amigos e ajudantes-<strong>de</strong>-campo das três expedições em que eu não estava só, os<br />
biólogos: Roberto W. Groehs, Luisa X. Lokschin e André C. Alonso.<br />
• Aos caminhoneiros e mecânicos da Bahia, Sergipe e Alagoas, pela solidarieda<strong>de</strong> nas<br />
estradas e postos <strong>de</strong> gasolina.<br />
• À Polícia Militar da Bahia pela colaboração na busca <strong>de</strong> informantes.<br />
• Ao Movimento dos Sem Terra (MST) do Recôncavo Baiano e da região <strong>de</strong> Coronel João<br />
Sá (Bahia), por terem me recebido pacificamente, permitindo inclusive que eu acampasse<br />
com eles e verificasse fragmentos <strong>de</strong> mata nas áreas em processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação.<br />
• Aos índios Kiriri por não terem me recebido à bala nas áreas ocupadas em Banzaê<br />
(Bahia), contrariando as previsões dos moradores da região.<br />
• Aos pistoleiros da região <strong>de</strong> Canudos e Monte Santo que garantiram minha vida na região<br />
do “Polígono da Maconha”.<br />
• Aos pioneiros da pesquisa na Caatinga: Johann Baptiste Von Spix (1771-1826), Eucli<strong>de</strong>s<br />
da Cunha (1866-1909) e Teodoro Sampaio (1855-1937). Eu aproveitei seus mapas...<br />
• Ao prof. Dr. André Hirsch, pelo apoio nas questões <strong>de</strong> SIG’s e pela sua amiza<strong>de</strong>.<br />
• Aos colegas do <strong>Instituto</strong> <strong>de</strong> Estudos Sócio-Ambientais do Sul da Bahia (IESB), em<br />
especial: Raquel Moura, Gabriel Rodrigues dos Santos, Carlos E. Guidorizzi, Cassiano<br />
v
Gatto, Camila Cassano, Priscila Suscke, Gustavo Canale, João Carlos Pádua e Luís Lima<br />
Barbosa.<br />
• Aos colegas da Fundação Biodiversitas, em especial: Gláucia Drumond, Rafael Thiago<br />
Carmo (Belo Horizonte) e Tânia Maria Alves da Silva (gerente da Estação Biológica <strong>de</strong><br />
Canudos, Bahia).<br />
• Ao prof. MSc. Marcelo Sousa (<strong>Universida<strong>de</strong></strong> Tira<strong>de</strong>ntes, Aracaju), pioneiro na luta pela<br />
conservação do guigó-<strong>de</strong>-Sergipe (Callicebus coimbrai).<br />
• Ao colega Leandro Jerusalinsky (Centro <strong>de</strong> Proteção <strong>de</strong> Primatas Brasileiros – IBAMA),<br />
companheiro do tempo dos Macacos Urbanos, hoje lutando pela conservação do guigó<strong>de</strong>-Sergipe<br />
• Ao prof. Dr. Ja<strong>de</strong>r Marinho-Filho, pela sua atenção durante visita ao Departamento <strong>de</strong><br />
Zoologia da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Nacional <strong>de</strong> Brasília (UnB).<br />
• À Dra. Maria Cecília Kierulff pelo apoio na busca <strong>de</strong> financiamento.<br />
• À professora Dra. Jocélia Grazia (Departamento <strong>de</strong> Zoologia, UFRGS) pela revisão dos<br />
aspectos taxonômicos do texto.<br />
• Ao prof. Dr. Renato Silvano (Departamento <strong>de</strong> Ecologia, UFRGS) pela revisão dos<br />
métodos, resultados e discussão no campo da etnoprimatologia.<br />
• Á professora Dra. Maria Luiza Porto (Departamento <strong>de</strong> Botânica, UFRGS) pela<br />
bibliografia sobre Fitogeografia do Brasil.<br />
• Ao amigo Ayr Müller Gonçalves, mestre da orientação e cartografia digital, sem o qual<br />
não teria sido possível elaborar os mapas <strong>de</strong> distribuição que ora apresento.<br />
• Ao Dr. Stephen Nash, ilustrador científico da Conservation International, pelos <strong>de</strong>senhos<br />
especialmente elaborados para esta tese.<br />
• Aos professores, colegas <strong>de</strong> laboratório, alunos, ex-alunos e funcionários do Curso <strong>de</strong><br />
Pós-Graduação em Ecologia, Conservação e Manejo <strong>de</strong> Vida Silvestre (<strong>UFMG</strong>), em<br />
especial: Elena Charlotte Landau, Bárbara Costa, Ítalo Mourthé, Luiz Gustavo Dias,<br />
Waldiney Martins e Marcos <strong>de</strong> Lima Figueiredo.<br />
• Ao colega primatólogo e amigo Leonardo Oliveira (Rockfeller Blue).<br />
• Aos amigos e colegas do Programa Macacos Urbanos (UFRGS) por tudo o que<br />
construímos nestes 14 anos <strong>de</strong> luta em prol da conservação do bugio-ruivo (Aloautta<br />
clamitans) em Porto Alegre.<br />
vi
• À Sra. Nayr <strong>de</strong> Oliveira Patury e à Dra. Suzana Patury <strong>de</strong> Almeida pela acolhida em sua<br />
casa em Ilhéus durante mais <strong>de</strong> 1 ano.<br />
• Aos amigos do Lami (Porto Alegre) que cuidaram da minha casa quando eu estava no<br />
sertão: Jaques Pinto Rangel e Carla Rangel.<br />
• Ao amigo João Cláudio Godoy Fagun<strong>de</strong>s, colaborador na luta pela conservação dos<br />
bugios do Lami (Porto Alegre, RS).<br />
• Aos colegas e amigos da MAIA – Meio Ambiente e Impacto Ambiental (Osório, RS).<br />
• Aos amigos Waldyr José Maggi e Vera Kriegger, proprietários da futura RPPN Recanto<br />
do Lago, pelo exemplo <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminação na luta por um mundo melhor.<br />
• À Carolina Dal Magro Colombo, por compartilhar comigo os seus 20 anos.<br />
• À minha família, pela paciência, compreensão e amor.<br />
• Aos amigos Márcio Vanini, Cláudio Nogueira, Simone e Eduardo Veado (in memoriam),<br />
pelos bons momentos que juntos passamos neste planeta e que até hoje me inspiram.<br />
vii
Avaliação taxonômica, distribuição e status do guigó-da-caatinga<br />
Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990<br />
1. Introdução geral da tese.............................................................................................................03<br />
2. Objetivos....................................................................................................................................05<br />
Capítulo 1: Avaliação taxonômica <strong>de</strong> Callicebus barbarabrownae Hershkovitz,<br />
1990...............................................................................................................................................06<br />
1. Introdução: a classificação do gênero Callicebus..................................................................... 06<br />
2. Métodos.............................................................................................................................................07<br />
3. Resultados.........................................................................................................................................07<br />
3.1 As espécies do Grupo Personatus..................................................................................................07<br />
3.2 Principais revisões do gênero Callicebus com ênfase em C. barbarabrownae Hershkovitz, 1990 e<br />
Callicebus gigot (Spix, 1823)...............................................................................................................08<br />
3.3 Histórico taxonômico <strong>de</strong> Callicebus gigot (Spix, 1823)..........................................................21<br />
3.4 Descrição <strong>de</strong> Callicebus personatus barbarabrownae Hershkovitz, 1990.............................24<br />
3.5 Consi<strong>de</strong>rações sobre Callicebus gigot (Spix, 1823) ...............................................................30<br />
4. Discussão...................................................................................................................................33<br />
4.1 O nome C. barbarabrownae é válido?....................................................................................33<br />
4.2 On<strong>de</strong> fica a localida<strong>de</strong> tipo da espécie? ..................................................................................33<br />
Capítulo 2: Biogeografia do guigó-da-caatinga (C.<br />
barbarabrownae)...........................................................................................................................40<br />
1. Introdução: Prováveis origens do gênero Callicebus.................................................................40<br />
2. Métodos......................................................................................................................................47<br />
2.1 Definição do roteiro das<br />
campanhas......................................................................................................................................47<br />
2.2 Seleção <strong>de</strong> informantes............................................................................................................50<br />
2.3 Localização dos animais..........................................................................................................50<br />
2.4 Classificação das formações vegetais......................................................................................51<br />
2.4.1 Caatingas arbóreas <strong>de</strong>nsas....................................................................................................55<br />
2.4.2 Caatingas arbóreas abertas...................................................................................................55<br />
2.4.3 Caatingas arbustivas esparsas..............................................................................................56<br />
xi
2.4.4 Caatingas arbustivas <strong>de</strong>nsas.......................................................................................56<br />
2.4.5 Matas <strong>de</strong> cipó, agrestes e matas mesófilas.................................................................56<br />
2.4.6 Outras formações.......................................................................................................57<br />
3. Resultados e discussão....................................................................................................58<br />
3.1 Resposta ao playback....................................................................................................58<br />
3.2 A vegetação e o guigó-da-caatinga................................................................................59<br />
3.3 A fauna associada ao guigó-da-caatinga........................................................................64<br />
3.4 Provável distribuição geográfica pretérita das espécies do Grupo Personatus..............70<br />
3.5 Quais os limites atuais da distribuição da espécie?........................................................73<br />
3.6 Qual a extensão <strong>de</strong> ocorrência do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae)?................78<br />
3.6.1 Variações <strong>de</strong> pelagem observadas ao longo da extensão <strong>de</strong> ocorrência .....................80<br />
3.7 Qual a área <strong>de</strong> ocupação do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae)?.........................85<br />
3.8 Sobre os limites entre as espécies <strong>de</strong> Callicebus da Mata Atlântica e Caatinga (Grupo<br />
Personatus)............................................................................................................................89<br />
Capítulo 3: A conservação do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae Hershkovitz, 1990)<br />
.............................................................................................................................................. 99<br />
1. Introdução: Os sertões <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s da Cunha não existem mais.......................................99<br />
2. Métodos............................................................................................................................101<br />
2.1 Seleção <strong>de</strong> informantes...................................................................................................101<br />
2.2 Avaliação dos informantes selecionados........................................................................106<br />
3. Resultados ........................................................................................................................109<br />
3.1 Perfil dos informantes.....................................................................................................109<br />
3.2 Padrões <strong>de</strong> uso da terra...................................................................................................111<br />
3.3 Tamanho das proprieda<strong>de</strong>s.............................................................................................113<br />
3.4 Acordos <strong>de</strong> caça e fiscalização.......................................................................................114<br />
4. Discussão .........................................................................................................................116<br />
4.1 Sobre o processo seletivo, o perfil dos informantes e o conhecimento ecológico<br />
local......................................................................................................................................116<br />
4.2 Consi<strong>de</strong>rações sobre os padrões <strong>de</strong> uso da terra............................................................118<br />
4.3 Sobre o tamanho das proprieda<strong>de</strong>s, a presença do guigó e a dinâmica do uso do<br />
solo.......................................................................................................................................120<br />
xii
4.4 Sobre os acordos <strong>de</strong> caça e fiscalização.........................................................................121<br />
4.5 O paradoxo sócio-ambiental da Caatinga......................................................................122<br />
5. Reavaliação do status <strong>de</strong> conservação do guigó-da-caatinga ..........................................123<br />
5.1 Contextualização do problema.......................................................................................123<br />
5.2 Tipificação da ameaça (Quais as principais ameaças à espécie?)..................................125<br />
5.2.1 As queimadas: passivo ambiental <strong>de</strong> um manejo primitivo........................................125<br />
5.2.2 Desmatamento para o sistema agropastoril.................................................................126<br />
5.2.3 Urbanização da zona rural dos municípios..................................................................127<br />
5.2.4 O guigó-da-caatinga: uma espécie fora da malha <strong>de</strong> áreas protegidas........................129<br />
5.3 Tamanho mínimo estimado da população......................................................................136<br />
5.4 C. barbarabrownae <strong>de</strong>ve permanecer na categoria “criticamente em perigo”?............ 138<br />
6. Recomendações para o manejo e conservação.................................................................139<br />
6.1 Esclarecimentos aos sem-terra........................................................................................139<br />
6.2 Financiamento para a agricultura familiar......................................................................140<br />
6.3 Manejo <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação.............................................................................. 143<br />
6.4 Incentivo à conservação da área rural dos municípios....................................................145<br />
6.5 Alternativas protéicas à caça...........................................................................................147<br />
7. Referências bibliográficas..............................................................................................148<br />
xiii
Tabelas<br />
Tabela 1: Taxonomia do gênero Callicebus <strong>de</strong> acordo com Elliot (1913), Cabrera (1958), Hill<br />
(1960) e Hershkovitz 1963)....................................................................................................09<br />
Tabela 2: Taxonomia do gênero Callicebus segundo Hill (1960), (Hershkovitz, 1990 a), Van<br />
Roosmalen et al. (2002), Groves (2001, 2005)………………………….......………...........11<br />
Tabela 3: Características <strong>de</strong> pelagem <strong>de</strong> C. barbarabrwonae, C. melanochir e C. coimbrai<br />
...............................................................................................................................................28<br />
Tabela 4: Principais fósseis <strong>de</strong> primatas neotropicais (elaborada a partir <strong>de</strong> Defler,<br />
2003).....................................................................................................................................42<br />
Tabela 5: Expedições do projeto “Distribuição e status do guigó-da-caatinga Callicebus<br />
barbarabrownae Hershkovitz, 1990” com seus respectivos períodos, duração, objetivos,<br />
distâncias percorridas e agências financiadoras....................................................................48<br />
Tabela 6: Classificações etnofitogeográfica e científica para as fitofisionomias da<br />
Caatinga.................................................................................................................................54<br />
Tabela 7: Número <strong>de</strong> localida<strong>de</strong>s visitadas por expedição, espécie <strong>de</strong> guigó registrada,<br />
tipo <strong>de</strong> registro e classificação da vegetação segundo Andra<strong>de</strong>-Lima (1966)......................63<br />
Tabela 8: Nomes populares <strong>de</strong> animais silvestres citados nas áreas <strong>de</strong> ocorrência do guigóda-caatinga.............................................................................................................................67<br />
Tabela 9: Nomes populares e científicos dos animais da Caatinga citados nas entrevistas,<br />
quando foi possível i<strong>de</strong>ntificá-los ao nível <strong>de</strong> espécie..........................................................68<br />
Tabela 10: Animais silvestres mais freqüentemente citados durante as entrevistas nas áreas <strong>de</strong><br />
ocorrência do guigó-da-caatinga (n = 11 informantes).........................................................69<br />
Tabela 11: Registros realizados durante o projeto: “Distribuição e status do guigó-dacaatinga”<br />
(C. melanochir n = 1, C. coimbrai n = 5, C. barbarabrownae n = 7)..................75<br />
Tabela 12: Distâncias do registro da espécie em linha reta até a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação mais<br />
próxima (média: 34,53 km; <strong>de</strong>svio padrão: 17,64). ...........................................................133<br />
xiv
Figuras<br />
Figura 1: Prancha número XVI do livro “Simiarum et Vespertilionum Brasiliensium Species<br />
Novae” Spix (1823), representando Callithrix<br />
gigot.......................................................................................................................................15<br />
Figura 2: Texto original contendo a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Callithrix gigot (Spix, 1823)..................16<br />
Figura 3: Pele <strong>de</strong> C. p. barbarabrownae Hershkovitz, 1990 coletada pelo Prof. Ja<strong>de</strong>r S.<br />
Marinho-Filho em 1990 na Fazenda Conceição (Mirorós,<br />
Bahia)....................................................................................................................................26<br />
Figura 4: Municípios ao longo da área <strong>de</strong> estudo (Fonte: SEI,<br />
2003).....................................................................................................................................34<br />
Figura 5: Registros anteriores da ocorrência <strong>de</strong> Callicebus barbarabrownae Hershkovitz,<br />
1990 segundo o BDGEOPIM - Banco <strong>de</strong> Dados Georreferenciados das Localida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Ocorrência <strong>de</strong> Primatas Neotropicais (Hirsch,<br />
2005).....................................................................................................................................49<br />
Figura 6: Classificação da vegetação do Brasil segundo Andra<strong>de</strong>-Lima<br />
(1966)....................................................................................................................................52<br />
Figura 7: Carta <strong>de</strong> vegetação do Estado da Bahia (SEI, 2003). Os círculos pretos vazados<br />
correspon<strong>de</strong>m às localida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> foi registrado o guigó-da-caatinga..................................60<br />
Figura 8: Extensão <strong>de</strong> ocorrência do guigó-da-caatinga (C.<br />
barbarabrownae)....................................................................................................................79<br />
Figura 9: Indivíduo <strong>de</strong> C. barbarabrownae (Hershkovitz, 1990) provavelmente capturado na<br />
região da localida<strong>de</strong> tipo, que inclui Serrinha e municípios<br />
próximos.................................................................................................................................81<br />
Figura 10: Ilustrações das três formas <strong>de</strong> guigós avistadas <strong>de</strong>ntro da área <strong>de</strong> distribuição<br />
geográfica do guigó-da-caatinga (C.<br />
barbarabrownae)....................................................................................................................82<br />
Figura 11: Forma <strong>de</strong> C. barbarabrownae (Hershkovitz, 1990), restrita às matas orográficas do<br />
leste da Chapada Diamantina, Contendas do Sincorá, Bahia<br />
.................................................................................................................................................83<br />
xv
Figura 12: Área <strong>de</strong> ocupação do guigó-da-caatinga calculada através do método da soma dos<br />
quadrados (IUCN, 2001,<br />
2006)......................................................................................................................................86<br />
Figura 13: Plotagem <strong>de</strong> todos os registros <strong>de</strong> C. barbarabrowane ao longo do sistema <strong>de</strong><br />
coor<strong>de</strong>nadas geográficas Gauss-<br />
Krieger...................................................................................................................................88<br />
Figura 14: Número <strong>de</strong> indivíduos por espécie registrados ao longo do projeto “Distribuição e<br />
status do guigó-da-Caatinga Callicebus barbarabrownae Hershkovitz,<br />
1990”......................................................................................................................................89<br />
Figura 15: Callicebus coimbrai, forma restrita a Sergipe e recôncavo baiano, reconhecida<br />
como espécie por Kobayashi e Langguth em<br />
1999........................................................................................................................................91<br />
Figura 16: Carta <strong>de</strong> relevo do Estado da Bahia (SEI, 2003). Os círculos azuis correspon<strong>de</strong>m<br />
às localida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> foi registrado o guigó-dacaatinga...................................................................................................................................94<br />
Figura 17: Callicebus coimbrai fotografado em ambiente <strong>de</strong> transição entre a Caatinga e a<br />
Mata Atlântica, na divisa entre Sergipe e Bahia, Nossa Senhora da Glória<br />
(Sergipe).................................................................................................................................96<br />
Figura 18: Distribuição geográfica das espécies do Grupo Personatus, com base nas<br />
observações <strong>de</strong> campo <strong>de</strong> quatro pesquisadores<br />
...............................................................................................................................................98<br />
Figura 19: Organograma <strong>de</strong>monstrativo do processo <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> informantes através do<br />
método bola <strong>de</strong> neve............................................................................................................105<br />
Figura 20: Ocupação profissional dos informantes nas áreas on<strong>de</strong> foi registrado o gugó-dacaatiga<br />
(n=37).......................................................................................................................110<br />
Figura 21: Uso da terra nas áreas on<strong>de</strong> não foi registrado o guigó-da-caatinga (n=75)......112<br />
Figura 22: Uso da terra nas áreas on<strong>de</strong> foi registrado do guigó-da-caatinga ......................112<br />
Figura 23: “Serrote” <strong>de</strong>fendido por um caçador-fiscal próximo à Amargosa, Bahia..........115<br />
Figura 24: Carta das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação do Estado da Bahia (SEI, 2003). Os círculos<br />
ver<strong>de</strong>s correspon<strong>de</strong>m às unida<strong>de</strong>s próximas às quais houve registro do guigó-dacaatinga..................................................................................................................................131<br />
xvi
Figura 25: Carta da flora ameaçada do Estado da Bahia (SEI, 2003). Os ícones ver<strong>de</strong>s<br />
representam as espécies arbóreas ameaçadas ao longo da extensão <strong>de</strong> ocorrência do guigó-dacaatinga...................................................................................................................................135<br />
Figura 26: Sistema agro-florestal no entorno do Parque Estadual das Sete Passagens (Miguel<br />
Calmon, Bahia): licuri, palma, mamona e abóboras cultivados em consórcio numa área <strong>de</strong><br />
meio hectare ...........................................................................................................................142<br />
xvii
Abstract<br />
The blond titi monkey Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990 is consi<strong>de</strong>red to be Critically<br />
Endangered, but is very unknown. It lives in fragments of Caatinga—<strong>de</strong>ciduous forests in<br />
northeastern Brazil. Since its <strong>de</strong>scription, however, its geographic range has been poorly known,<br />
based as it had been on just a few localities of museum specimens. Philip Hershkovitz <strong>de</strong>scribed it<br />
as a subspecies of Callicebus personatus (E. Geoffroy, 1812). Since 2002 it has been consi<strong>de</strong>red a<br />
species. In this study I ma<strong>de</strong> a series of expeditions to Northeast Brazil in or<strong>de</strong>r to better clarify its<br />
geographic range and taxonomic status. I interviewed local people and surveyed for titi monkeys in<br />
areas where they were reported to occur. C. barbarabrownae replies to recordings of its<br />
vocalizations (playback), a technique I used to increase the chances of finding this rare species. I<br />
also recor<strong>de</strong>d information on patterns of land use across the species’ distribution. In my taxonomic<br />
analysis I began with a review of the genus (Callicebus Thomas, 1903) with emphasis on C.<br />
barbarabrownae and the C. personatus group (sensu Herhshovitz, 1990) to which it belongs. A<br />
specimen in the Zoology Department of the University of Brasília and 51 sightings of titi monkeys<br />
during the surveys in the states Bahia and Sergipe provi<strong>de</strong>d the basis for my consi<strong>de</strong>rations. Survey<br />
locations were chosen on the basis of maps (1:1,650,000 and 1:10,000), and from interviews with<br />
local people. The animals were attracted using playback. Whenever possible I photographed the titi<br />
monkeys, but no specimens were collected. The vegetation of the regions surveyed was classified in<br />
six categories, and the land-use patterns use was evaluated through interviews. The conservation<br />
status of the species was assessed according to IUCN criteria. The name Callicebus<br />
barbarabrownae Hershkovitz, 1990 may prove to be a junior synonym of Callicebus gigot (Spix,<br />
1823), according to the priority principle. The blond titi occurs only in Bahia, at elevations of 241 to<br />
908 m. The geographic limits i<strong>de</strong>ntified were: North – Minuim Mountains (09º49'36.18"S and<br />
38º05'44.74"W, altitu<strong>de</strong> 451 m); South – Sincorá Mountains (13º54'52.10"S and 41º10'23.70"W,<br />
altitu<strong>de</strong> 712 m); East – municipality of Cel. João Sá (10º13'49.80"S and 38º02'0.13"W, altitu<strong>de</strong> 268<br />
m); West – Salitre Mountains (11º32'54.40"S and 42º22'58.70"W, altitu<strong>de</strong> 908 m). The species<br />
prefers arboreal <strong>de</strong>nse caatinga (65.7% of our records). The patterns of land use were significantly<br />
different on the farms where the blond titi was found or was absent (ANOVA one criteria, FD = 1;<br />
F = 7.24, p = 0.01). Blond titis were more likely to have disappeared from areas where rural<br />
agriculture was predominant, and were more commonly found in areas where cattle-farming was<br />
the main activity. Agriculture is consistently the most important activity in the region (50% and<br />
56%, respectively for areas where titis were and were not found), but their presence was more likely<br />
in areas where cattle ranching (28%) were predominant than when not (15%). The average size of<br />
cattle ranches with the blond titi was 2,294.4 ha (± 3,106.5) as against 1,181.2 ha (±1, 594.03) for<br />
the ranches without them. The larger ranches were those where the principal activity is cattlebreeding<br />
and their Legal Reserves are larger than those on the smaller ranches. Cattle-ranching does<br />
not <strong>de</strong>mand such a rapid turnover of land use (slash-and-burn). Crop farming is more <strong>de</strong>structive to<br />
the natural vegetation of the region, and there is no positive correlation between the farm’s size and<br />
the occurrence of titis (Pearson Correlation, r = 0.2, FD = 17, p
Resumo<br />
O guigó-da-caatinga Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990 é consi<strong>de</strong>rado criticamente em<br />
perigo, porém é uma espécie pouco conhecida. Vive em fragmentos no bioma Caatinga. Des<strong>de</strong> sua<br />
<strong>de</strong>scrição, entretanto, sua distribuição geográfica tem sido pobremente conhecida, com base em<br />
poucas localida<strong>de</strong>s e espécimes <strong>de</strong> musues. Philip Hershkovitz <strong>de</strong>screveu esta forma como uma<br />
subespécie <strong>de</strong> Callicebus personatus (E. Geoffroy, 1812). Des<strong>de</strong> 2002 ela tem sido consi<strong>de</strong>rada<br />
uma espécie. Neste estudo eu fiz uma série <strong>de</strong> expedições ao nor<strong>de</strong>ste do Brasil, no sentido <strong>de</strong><br />
eclarecer sua área <strong>de</strong> distribuição geográfica e status taxonômico. Entrevistei as comunida<strong>de</strong>s locais<br />
e procurei pelos guigós nas áreas on<strong>de</strong> sua ocorrência foi reportada. C. barbarabrownae respon<strong>de</strong> à<br />
gravação <strong>de</strong> sua própria vocalização (playback), técnica que usei para incrementar a chance <strong>de</strong><br />
encontrar a espécie. Eu também registrei informações sobre padrões <strong>de</strong> uso da terra ao longo da sua<br />
área <strong>de</strong> distribuição. Na análise taxonômica, iniciei com uma revisão do gênero (Callicebus<br />
Thomas, 1903) mas mantive ênfase em C. barbarabrownae e no Grupo Personatus (sensu<br />
Herhshovitz, 1990). Um espécime do Departamento <strong>de</strong> Zoologia da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Brasília e 51<br />
indivíduos vistos durante os trabalhos <strong>de</strong> campo na Bahia e Sergipe proveram a base para as minhas<br />
consi<strong>de</strong>rações. As localida<strong>de</strong>s para busca foram selecionadas com base em mapas (1:1.650.000 e<br />
1:10.000) e entrevistas com a comunida<strong>de</strong> local. Os animais foram atraídos usando o playback.<br />
Sempre que possível fotografei os guigós, mas nenhum espécime foi coletado. A vegetação foi<br />
classificada em seis categorias e os padrões <strong>de</strong> uso da terra foram avaliados através <strong>de</strong> entrevistas.<br />
O satatus <strong>de</strong> conservação da espécie foi avaliado <strong>de</strong> acordo com os critérios da União Internacional<br />
para a Conservação da Natureza (IUCN). O nome Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990<br />
po<strong>de</strong> ser um sinônimo júnior <strong>de</strong> Callicebus gigot (Spix, 1823), <strong>de</strong> acordo com o princípio da<br />
priorida<strong>de</strong>. O guigó-da-caatinga ocorre na Bahia, entre 241 e 908 m. Os limites geográficos foram:<br />
norte – Serras <strong>de</strong> Minuim (09º49'36,18"S e 38º05'44,74"W, altitu<strong>de</strong> 451 m); sul – Serra do Sincorá<br />
(13º54'52,10"S e 41º10'23,70"W, altitu<strong>de</strong> 712 m); leste – município <strong>de</strong> Cel. João Sá (10º13'49,80"S<br />
e 38º02'0,13"W, altitu<strong>de</strong> 268 m); oeste – Serras <strong>de</strong> Salitre (11º32'54,40"S e 42º22'58,70"W, altitu<strong>de</strong><br />
908 m). A espécie prefere as caatingas arbóreas <strong>de</strong>nsas (65,7% dos registros). Os padrões <strong>de</strong> uso da<br />
terra foram significativamente diferentes nas fazendas on<strong>de</strong> o guigó ocorre e não ocorre (ANOVA<br />
um critério, FD = 1; F = 7.24, p = 0,01). O guigó-da-caatinga teve maior probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>saparecer nas areas on<strong>de</strong> o uso agrícola foi predominante. Sua presença foi mais provável em<br />
áreas on<strong>de</strong> a pecuária foi a ativida<strong>de</strong> principal (28% dos registros <strong>de</strong> ocorrência), em comparação<br />
com áreas on<strong>de</strong> predomina a agricultura (15%). A agricultura é a ativida<strong>de</strong> mais importante na<br />
região (50% e 56%, respectivamente, para areas on<strong>de</strong> os guigós foram e não foram encontrados). O<br />
tamanho médio das fazendas com guigós foi <strong>de</strong> 2.294,4 ha (± 3.106,5) contra 1.181,2 ha<br />
(±1.594,03) para as fazendas sem a espécie. Nas maiores fazendas predomina a pecuária; suas<br />
reservas legais são maiores do que em fazendas pequenas e po<strong>de</strong>m sustentar populações <strong>de</strong> guigós.<br />
A pecuária requisita novas àreas mais lentamente do que a agricultura. Entretanto não houve<br />
correlação positive entre o tamanho das fazendas e a ocorrência do guigó (Correlação <strong>de</strong> Pearson, r<br />
= 0.2, FD = 17, p
Avaliação taxonômica, distribuiço e status do guigó-da-caatinga<br />
Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990<br />
1. Introdução geral da tese<br />
A questão central do presente trabalho é <strong>de</strong>finir a distribuição geográfica do guigó-dacaatinga<br />
Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990. Outra questão que abordarei envolve<br />
sua instabilida<strong>de</strong> taxonômica. Callicebus barbarabrownae atualmente é reconhecido como<br />
espécie (Roosmalen et al., 2002; Groves, 2005), mas foi <strong>de</strong>scrito por Hershkovitz como uma<br />
subespécie <strong>de</strong> C. personatus (Hershkovitz, 1990a). Seu histórico taxonômico é complexo,<br />
envolvendo uma possível confusão <strong>de</strong> nomenclatura com a antiga espécie <strong>de</strong> Spix, Callithrix<br />
gigot (Spix, 1823) e <strong>de</strong> localida<strong>de</strong> tipo com Callicebus melanochir (Wied-Neuwied, 1820),<br />
espécie parapátrica.<br />
O guigó-da-caatinga foi <strong>de</strong>scrito a partir <strong>de</strong> peles <strong>de</strong> três localida<strong>de</strong>s apenas: Lamarão,<br />
Formosa e Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo, todas no Estado da Bahia (Hershkovitz, 1990a). Em 1989,<br />
pesquisadores coletaram uma pele em Mirorós, município <strong>de</strong> Ibipeba, Bahia (Marinho-Filho &<br />
Veríssimo, 1997). Essas são as quatro localida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> a espécie havia sido registrada até o<br />
presente trabalho. Nada além <strong>de</strong>sta precária distribuição geográfica se sabia a respeito do guigóda-caatinga.<br />
Entretanto a <strong>de</strong>struição do bioma Caatinga vem preocupando os pesquisadores e<br />
conservacionistas já há alguns anos (Coimbra-Filho & Câmara, 1996; Castelletti et al., 2004;<br />
Sampaio & Batista, 2004).<br />
Devido à perda, <strong>de</strong>gradação e fragmentação das formações florestais da Caatinga, C.<br />
barbarabrownae está entre os primatas neotropicais mais próximos da extinção, sendo<br />
consi<strong>de</strong>rado Criticamente Ameaçado pela União Mundial para a Conservação da Natureza<br />
3
(IUCN, 1994; 2006). Essa categoria indica que a espécie tem 50% <strong>de</strong> chance <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecer<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 10 anos (Hilton-Taylor, 2003). No Brasil, C. barbarabrownae é um dos 18 táxons <strong>de</strong><br />
primatas incluídos na categoria “criticamente em perigo” (Hilton-Taylor, 2003; Machado et al.,<br />
2005) e uma das 93 espécies <strong>de</strong> mamíferos brasileiros oficialmente ameaçados <strong>de</strong> extinção<br />
(Instrução Normativa n°3 do IBAMA, 27/05/2003).<br />
Na busca <strong>de</strong> novos registros <strong>de</strong> C. barbarabrownae, ao longo do presente estudo,<br />
observei em campo 51 indivíduos <strong>de</strong>sta espécie e nove <strong>de</strong> C. coimbrai. Percebi mudanças na<br />
coloração da pelagem o que, associado às variações do relevo e da vegetação, se <strong>de</strong>monstrou um<br />
aspecto importante para uma melhor <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>stas espécies parapátricas.<br />
Após cinco expedições científicas, realizadas entre 2004 e 2005, percorri 21.168 km na<br />
Caatinga e ecossistemas <strong>de</strong> transição. Uma distribuição geográfica bem maior do que a até então<br />
conhecida para C. barbarabrownae foi revelada, embora o hábitat da espécie esteja severamente<br />
frgamentado. Além disso, através <strong>de</strong> entrevistas com informantes selecionados, procurei<br />
diagnosticar as principais forças que estão no cenário <strong>de</strong> ameaça da espécie e propor medidas<br />
para mitigá-las.<br />
Sendo assim, os principais resultados <strong>de</strong>sta tese se referem à reavaliação taxonômica,<br />
distribuição geográfica e atualização do status <strong>de</strong> conservação do guigó-da-caatinga.<br />
4
2. Objetivos<br />
O objetivo <strong>de</strong>sa tese é respon<strong>de</strong>r às seguintes questões:<br />
A) O nome C. barbarabrownae é válido?<br />
B) On<strong>de</strong> fica a localida<strong>de</strong> tipo da espécie?<br />
C) Quais os seus limites <strong>de</strong> distribuição?<br />
D) Qual sua extensão <strong>de</strong> ocorrência?<br />
E) Qual sua área <strong>de</strong> ocupação?<br />
F) Quais as principais ameaças à espécie?<br />
g) Callicebus barbarabrownae <strong>de</strong>ve permanecer na categoria “criticamente em perigo”?<br />
5
Capítulo 1: Avaliação taxonômica <strong>de</strong> Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990<br />
Questões:<br />
• O nome C. barbarabrownae é válido?<br />
• On<strong>de</strong> fica a localida<strong>de</strong> tipo da espécie?<br />
1. Introdução: A classificação do gênero Callicebus<br />
Extremamente ágil e silencioso quando em <strong>de</strong>slocamento, o guigó, sauá ou zogue-zogue,<br />
primata do gênero Callicebus, é um pequeno animal do tamanho <strong>de</strong> um coelho, pesando <strong>de</strong> 1 a 2<br />
kg (Hershkovitz, 1988 a). Social, seus grupos são unida<strong>de</strong>s familiares normalmente formadas por<br />
quatro indivíduos: um casal, um filhote nascido no ano anterior e um filhote recente (Defler,<br />
2003).<br />
Os guigós já foram classificados como pertencentes aos gêneros Cebus (Hoffmannsegg,<br />
1807), Simia (Humboldt, 1811), Callithrix (Geoffroy, 1812) e Saguinus (Lesson, 1827), até<br />
finalmente serem colocados no gênero Callicebus, criado por O. Thomas em 1903, tendo como<br />
espécie-tipo Callicebus personatus É. Geoffroy, 1812 (Cabrera, 1958). Muitas das espécies<br />
atualmente reconhecidas já foram consi<strong>de</strong>radas subespécies (Elliot, 1913; Cabrera, 1958; Hill,<br />
1960; Hershkovitz, 1963; Hershkovitz, 1988 a; 1990 a).<br />
Hoje com 29 espécies, Callicebus é um dos gêneros mais diversificados entre os primatas<br />
neotropicais, juntamente com Cebus (33) e Saguinus (32 táxons) (Stallings, 1983, Hershkovitz,<br />
1988a; Rylands et al., 1996/1997; Kinzey, 1997; Van Roosmalen et al., 2002; Groves, 2005;<br />
Wallace et al., 2006). Os guigós habitam a Amazônia (Brasil, Venezuela, Colômbia, Equador,<br />
Peru e Bolívia) e também po<strong>de</strong>m ser encontrados na Mata Atlântica (incluindo Floresta<br />
6
Estacional Semi-<strong>de</strong>cídua) e Caatinga, importantes biomas brasileiros. No Chaco, a espécie ocorre<br />
no Paraguai e na Bolívia. As revisões mais recentes e completas da taxonomia do gênero foram<br />
as <strong>de</strong> Hershkovitz (1988a, 1990a), Kobayashi (1995), Groves (2001, 2005), mas ainda estão<br />
sendo <strong>de</strong>scobertas novas espécies (Kobayashi e Langguth, 1999; Van Roosmalen et al., 2002;<br />
Wallace et al. 2006) e as distribuições geográficas <strong>de</strong> muitas formas, fator fundamental para<br />
enten<strong>de</strong>r a sistemática do gênero (Mayr, 1982), são pouco conhecidas.<br />
2. Métodos<br />
Realizei uma revisão do gênero Callicebus (Thomas, 1903) com base na literatura <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Elliot<br />
(1913) até Groves (2005), com ênfase no Grupo Personatus criado por Hershkovitz (1988 a). Visitei<br />
o Departamento <strong>de</strong> Zoologia da Univesida<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Brasília (Unb), on<strong>de</strong> está <strong>de</strong>positada a<br />
única pele <strong>de</strong> C. barbarabrownae que existe nas coleções do Brasl. Procurei imagens <strong>de</strong> peles da<br />
espécie disponíveis nos sites dos museus <strong>de</strong> Munique (Alemanha), Britânico (Inglaterra) e Field<br />
Museum of Natural History (Chicago, USA).<br />
3. Resultados<br />
3.1 As espécies do Grupo Personatus<br />
As espécies <strong>de</strong> Callicebus que ocorrem na Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga, <strong>de</strong> acordo<br />
com o arranjo <strong>de</strong> Hershkovitz (1988a, 1990a), formam o Grupo Personatus, composto das<br />
seguintes formas (em seqüência do sul ao norte): C. nigrifrons (Spix, 1823), C. personatus (É.<br />
Geoffroy, 1812), C. melanochir (Wied-Neuwied, 1820) e C. barbarabrownae Hershkovitz, 1990.<br />
7
Posteriormente, se adicionou a esse grupo C. coimbrai, <strong>de</strong>scrito por Kobayashi e Langguth em<br />
1999, que ocorre no nor<strong>de</strong>ste do Brasil, nos Estados <strong>de</strong> Sergipe e Bahia.<br />
Hoje o Grupo Personatus, o únco extra-amazônico do gênero Callicebus, se tornou estratégico<br />
para a conservação. Todas as cinco espécies que compõe o clado se encontram em risco <strong>de</strong> extinção.<br />
Três <strong>de</strong>las, C. nigrifrons, C. personatus, C. melanochir estão ameaçadas e duas, C.<br />
barbarabrownae e C. coimbrai, criticamente ameaçadas (Machado et al., 2005).<br />
3.2 Principais revisões do gênero Callicebus com ênfase em C. barbarabrownae Hershkovitz,<br />
1990 e Callicebus gigot (Spix, 1823)<br />
As principais revisões do gênero Calllicebus, <strong>de</strong> 1913 a 2005, foram sintetizadas nas tabelas 1<br />
e 2. Somente a classificação das espécies do Grupo Personatus será discutida.<br />
8
Tabela 1: Taxonomia do gênero Callicebus <strong>de</strong> acordo com Elliot (1913), Cabrera (1958),<br />
Hill (1960) e Hershkovitz (1963)<br />
Elliot (1913) Cabrera (1958) Hill (1960) Hershkovitz (1963)<br />
(bacias do Amazonas e<br />
Orinoco)<br />
Callicebus Thomas, 1903<br />
Amazônia (Bolívia,<br />
Brasil, Colômbia, Equador,<br />
Peru, Venezuela)<br />
C. torquatus (Hoffmannsegg, 1807) C. torquatus torquatus C. torquatus torquatus C. torquatus torquatus<br />
(Hoffmannsegg, 1807) (Hoffmannsegg, 1807) (Hoffmannsegg, 1807)<br />
Sinónimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />
lucifer<br />
C. torquatus ignitus<br />
Thomas, 1927<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />
torquatus<br />
Sinónimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />
amictus<br />
C. torquatus purinus<br />
Thomas 1927<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />
torquatus<br />
Sinónimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />
amictus<br />
C. torquatus regulus<br />
Thomas 1927<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />
torquatus<br />
C. amictus (E. Geoffroy, 1812) C. torquatus amictus<br />
(E. Geoffroy, 1812)<br />
Sinónimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
torquatus lugens<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />
torquatus<br />
C. torquatus lucifer C. torquatus lucifer Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />
[C. lugens] Sinónimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
torquatus<br />
Thomas, 1914<br />
C. torquatus lugens<br />
(Humboldt, 1812)<br />
C. brunneus (Wagner, 1842) C. brunneus (Wagner,<br />
1842)<br />
C. cinerascens (Spix, 1823) C. cinerascens (Spix,<br />
1823)<br />
C. cupreus (Spix, 1823) C. cupreus cupreus<br />
(Spix, 1823)<br />
Sinónimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
cupreus toppini<br />
C. ustofuscus Elliot, 1907 Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
cupreus cupreus<br />
C. caligatus (Wagner, 1842) C. cupreus caligatus<br />
(Wagner, 1842)<br />
C. subrufus Elliot, 1907 C. cupreus subrufus<br />
Elliot. 1907<br />
C. cupreus toppini<br />
Thomas, 1904<br />
C. egeria Thomas, 1908 C. cupreus egeria<br />
Thomas, 1908<br />
C. leucometopa (Latorre, 1900) C. cupreus leucometopa<br />
Cabrera, 1900<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
m. donacophilus<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
c. leucometopa<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
c. subrufus<br />
Thomas, 1914<br />
C. torquatus lugens<br />
(Humboldt, 1812)<br />
C. cupreus brunneus<br />
(Wagner, 1842)<br />
C. cinerascens (Spix,<br />
1823)<br />
C. cupreus cupreus (Spix,<br />
1823)<br />
C. cupreus acreanus<br />
Vieira, 1952<br />
C .cupreus ustofuscus<br />
Elliot, 1907<br />
C. cupreus caligatus<br />
(Wagner, 1842)<br />
C. cupreus subrufus<br />
Elliot, 1907<br />
C. cupreus toppini<br />
Thomas, 1914<br />
C. cupreus egeria<br />
Thomas, 1908<br />
C. cupreus leucometopus<br />
Cabrera, 1900<br />
C. cupreus mo<strong>de</strong>stus<br />
Lönnberg, 1939<br />
C. cupreus napoleon<br />
Lönnberg, 1922<br />
C. cupreus rutteri<br />
Thomas, 1923<br />
torquatus<br />
C. torquatus lugens<br />
(Humboldt, 1812)<br />
C. torquatus me<strong>de</strong>mi<br />
Hershkovitz, 1963<br />
C. moloch brunneus (Wagner,<br />
1842)<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />
donacophilus<br />
C. moloch cupreus (Spix,<br />
1823)<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />
brunneus<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />
cupreus<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />
cupreus<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />
discolor<br />
Sinnimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />
brunneus<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />
cupreus<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />
discolor<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />
brunneus<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />
discolor<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />
discolor<br />
9
Elliot (1913) Cabrera (1958) Hill (1960) Hershkovitz (1963)<br />
(bacias do Amazonas e<br />
Orinoco)<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
brunneus<br />
C. ollalae Lönnberg, 1939 Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />
brunneus<br />
C. moloch (Hoffmannsegg, 1807) C. moloch moloch C. moloch moloch C. moloch moloch<br />
(Hoffmannsegg, 1807) (Hoffmannsegg, 1807) (Hoffmannsegg, 1807)<br />
C. emiliae Thomas, 1911 Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. C. moloch emiliae Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />
m. moloch<br />
Thomas, 1911<br />
moloch<br />
C. moloch baptista C. moloch baptista Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />
Lönnberg, 1939 Lönnberg, 1939<br />
hoffmannsi<br />
C. hoffmannsi Thomas, 1908 C. moloch hoffmannsi C. moloch hoffmannsi C. moloch hoffmannsi<br />
Thomas, 1908<br />
Thomas, 1908<br />
Thomas, 1908<br />
C. remulus Thomas, 1908 Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m. Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />
m. moloch<br />
moloch<br />
moloch<br />
[C. discolor] Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
cupreus<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
ornatus<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. c.<br />
cupreus<br />
C. moloch discolor (I.<br />
Geoffroy and Deville, 1848)<br />
C. moloch oenanthe C. gigot oenanthe Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />
Thomas, 1924<br />
Thomas, 1924<br />
discolor<br />
C. ornatus (Gray, 1866) C. ornatus (Gray, 1866) C. cupreus ornatus (Gray, C. moloch ornatus (Gray,<br />
1866)<br />
1866)<br />
C. paenulatus Elliot, 1909 Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. C. cupreus paenulatus Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />
m. moloch<br />
Elliot, 1909<br />
discolor<br />
Chaco (Bolívia,<br />
Paraguai)<br />
C. donacophilus (d’Orbigny, 1847) C. moloch<br />
donacophilus<br />
(d’Orbigny, 1847)<br />
C. pallescens Thomas, 1907 C. moloch pallescens<br />
Thomas, 1907<br />
Mata Atlântica (Brasil)<br />
C. personatus (É. Geoffroy, 1812) C. personatus<br />
personatus (É.<br />
Geoffroy, 1812)<br />
C. personatus brunello<br />
Thomas 1913<br />
C. melanochir (Kuhl, 1820) C. melanochir (Kuhl,<br />
1820)<br />
C. gigot (Spix, 1823) Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
melanochir<br />
C. nigrifrons (Spix, 1823) C. nigrifrons (Spix,<br />
1823)<br />
C. gigot donacophilus<br />
(d’Orbigny, 1847)<br />
C. gigot pallescens (Spix,<br />
1823)<br />
C. personatus personatus<br />
(É. Geoffroy, 1812)<br />
C. personatus brunello<br />
Thomas 1913<br />
C. personatus melanochir<br />
(Kuhl, 1820)<br />
C. gigot gigot (Spix,<br />
1823)<br />
C.personatus nigrifrons<br />
(Spix, 1823)<br />
C. moloch donacophilus<br />
(d’Orbigny, 1847)<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />
donacophilus<br />
[C. personatus personatus (É.<br />
Geoffroy, 1812)]<br />
[C. personatus brunello<br />
Thomas 1913]<br />
[C. personatus melanochir<br />
(Kuhl, 1820)]<br />
[C. gigot gigot (Spix, 1823)]<br />
[C.personatus nigrifrons<br />
(Spix, 1823)]<br />
10
Tabela 2: Taxonomia do gênero Callicebus segundo Hill (1960), (Hershkovitz, 1990 a), Van Roosmalen et al. (2002), Groves (2001,<br />
2005)<br />
Hill (1960) Hershkovitz (1963)<br />
(bacias do Amazonas e<br />
Orinoco)<br />
C. torquatus torquatus C. torquatus torquatus<br />
(Hoffmannsegg, 1807) (Hoffmannsegg, 1807)<br />
C. torquatus ignitus Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />
Thomas, 1927<br />
torquatus<br />
C. torquatus purinus Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />
Thomas, 1927<br />
torquatus<br />
C. torquatus regulus Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />
Thomas, 1927<br />
torquatus<br />
[C. amictus] Sinónimo Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />
júnior <strong>de</strong> C. t. lugens torquatus<br />
C. torquatus lucifer Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />
Thomas, 1914<br />
[C. lugens] Sinônimo<br />
júnior <strong>de</strong> C. t. torquatus<br />
C. cupreus brunneus<br />
(Wagner, 1842)<br />
C. cinerascens (Spix,<br />
1823)<br />
C. cupreus cupreus<br />
(Spix, 1823)<br />
C. cupreus acreanus<br />
Vieira, 1952<br />
C. cupreus ustofuscus<br />
Elliot, 1907<br />
C. cupreus caligatus<br />
(Wagner, 1842)<br />
torquatus<br />
C. torquatus lugens<br />
(Humboldt, 1812)<br />
C. torquatus me<strong>de</strong>mi<br />
Hershkovitz, 1963<br />
C. moloch brunneus<br />
(Wagner, 1842)<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
m. donacophilus<br />
C. moloch cupreus<br />
(Spix, 1823)<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
m. brunneus<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
m. cupreus<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
m. cupreus<br />
Hershkovitz (1990 a)<br />
C. torquatus torquatus<br />
(Hoffmannsegg, 1807)<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />
lúcifer<br />
C. torquatus purinus<br />
Thomas, 1927<br />
C. torquatus regulus<br />
Thomas, 1927<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />
torquatus<br />
C. torquatus lucifer<br />
Thomas, 1914<br />
C. torquatus lugens<br />
(Humboldt, 1811)<br />
C. torquatus me<strong>de</strong>mi<br />
Hershkovitz, 1963<br />
C. brunneus (Wagner,<br />
1842)<br />
C. cinerascens (Spix,<br />
1823)<br />
C. cupreus cupreus (Spix,<br />
1823)<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. c.<br />
cupreus<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
caligatus<br />
C. caligatus (Wagner,<br />
1842)<br />
C. dubius Hershkovitz,<br />
1988<br />
Van Roosmalen, Van<br />
Roosmalen and<br />
Mittermeier (2002)<br />
Groves (2001) Groves (2005)<br />
C. torquatus<br />
C. torquatus torquatus C. torquatus<br />
(Hoffmannsegg, 1807) (Hoffmannsegg, 1807) (Hoffmannsegg, 1807)<br />
- - -<br />
C. purinus Thomas, 1927 C. torquatus purinus<br />
Thomas, 1927<br />
C. purinus Thomas, 1927<br />
C. regulus Thomas, 1927 C. torquatus regulus C. regulus Thomas, 1927<br />
Thomas, 1927<br />
- Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t. Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
torquatus<br />
torquatus<br />
C. lucifer Thomas, 1914 C. torquatus lucifer C. lucifer Thomas, 1914<br />
Thomas, 1914<br />
C. lugens (Humboldt, C. torquatus lugens C. lugens (Humboldt,<br />
1811)<br />
(Humboldt, 1811)<br />
1811)<br />
C. me<strong>de</strong>mi Hershkovitz, C. me<strong>de</strong>mi Hershkovitz, C. me<strong>de</strong>mi Hershkovitz,<br />
1963<br />
1963<br />
1963<br />
C. brunneus (Wagner, C. brunneus (Wagner, 1842) C. brunneus (Wagner,<br />
1842)<br />
1842)<br />
C. cinerascens (Spix,<br />
1823)<br />
C. cinerascens (Spix, 1823) C. cinerascens (Spix,<br />
1823)<br />
C. cupreus (Spix, 1823) C. cupreus (Spix, 1823) C. cupreus (Spix, 1823)<br />
- Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
cupreus<br />
- Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
cupreus<br />
C. caligatus (Wagner, Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
1842)<br />
cupreus<br />
C. dubius Hershkovitz, Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
1988<br />
cupreus<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
cupreus<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
caligatus<br />
C. caligatus (Wagner,<br />
1842)<br />
C. dubius Hershkovitz,<br />
1988<br />
11
Hill (1960) Hershkovitz (1963)<br />
(bacias do Amazonas e<br />
Orinoco)<br />
C. cupreus subrufus Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
Elliot, 1907<br />
m. discolor<br />
C. cupreus toppini Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
Thomas, 1914<br />
m. brunneus<br />
C. cupreus egeria Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
Thomas, 1908<br />
m. cupreus<br />
C. cupreus leucometopus Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
Cabrera, 1900<br />
m. discolor<br />
C. cupreus mo<strong>de</strong>stus Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
Lönnberg, 1939 m. brunneus<br />
C. cupreus napoleon Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
Lönnberg, 1922 m. discolor<br />
C. cupreus rutteri Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
Thomas, 1923<br />
m. discolor<br />
C. ollalae Lönnberg, Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
1939<br />
m. brunneus<br />
C. moloch moloch C. moloch moloch<br />
(Hoffmannsegg, 1807) (Hoffmannsegg, 1807)<br />
C. moloch emiliae Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
Thomas, 1911<br />
m. moloch<br />
C. moloch baptista Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
Lönnberg, 1939<br />
C. moloch hoffmannsi<br />
Thomas, 1908<br />
[C. remulus] Sinônimo<br />
júnior <strong>de</strong> C. m. moloch<br />
[C. discolor] Sinônimo<br />
júnior <strong>de</strong> C. c. cupreus<br />
C. gigot oenanthe<br />
Thomas, 1924<br />
m. hoffmannsi<br />
C. moloch hoffmannsi<br />
Thomas, 1908<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
m. moloch<br />
C. moloch discolor (I.<br />
Geoffroy and Deville,<br />
1848)<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
m. discolor<br />
Hershkovitz (1990 a) Van Roosmalen, Van<br />
Roosmalen and<br />
Mittermeier (2002)<br />
Groves (2001) Groves (2005)<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. c. - Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. Sinônimo júnior <strong>de</strong><br />
discolor<br />
cupreus<br />
C.discolor<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. c. - Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
cupreus<br />
cupreus<br />
cupreus<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. c. - Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
cupreus<br />
cupreus<br />
cupreus<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. c. - Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
discolor<br />
cupreus<br />
discolor<br />
C. mo<strong>de</strong>stus Lönnberg, C. mo<strong>de</strong>stus Lönnberg, C. mo<strong>de</strong>stus Lönnberg, C. mo<strong>de</strong>stus Lönnberg,<br />
1939<br />
1939<br />
1939<br />
1939<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. c. - Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
discolor<br />
cupreus<br />
discolor<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. c. - Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
discolor<br />
cupreus<br />
discolor<br />
C. ollalae Lönnberg, 1939 C. ollalae Lönnberg, 1939 C. ollalae Lönnberg, 1939 C. ollalae Lönnberg, 1939<br />
C. moloch<br />
(Hoffmannsegg, 1807)<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
moloch<br />
C. hoffmannsi baptista<br />
Lönnberg, 1939<br />
C. hoffmannsi hoffmannsi<br />
Thomas, 1908<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
moloch<br />
C. cupreus discolor (I.<br />
Geoffroy and Deville,<br />
1848)<br />
C. oenanthe Thomas,<br />
1924<br />
C. moloch<br />
(Hoffmannsegg, 1807)<br />
C. moloch (Hoffmannsegg,<br />
1807)<br />
C. moloch<br />
(Hoffmannsegg, 1807)<br />
- Sinônimo júnior <strong>de</strong> Sinônimo júnior <strong>de</strong><br />
C.moloch<br />
C.moloch<br />
C. baptista Lönnberg, C. baptista Lönnberg, 1939 C. baptista Lönnberg,<br />
1939<br />
1939<br />
C. hoffmannsi Thomas, C. hoffmannsi Thomas, C. hoffmannsi Thomas,<br />
1908<br />
1908<br />
1908<br />
C. bernhardi Van<br />
C. bernhardi Van<br />
Roosmalen et al., 2002<br />
Roosmalen et al., 2002<br />
- Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
moloch<br />
moloch<br />
C. discolor (I. Geoffroy Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. C. discolor (I. Geoffroy<br />
and Deville, 1848) cupreus<br />
and Deville, 1848)<br />
C. oenanthe Thomas,<br />
1924<br />
C. oenanthe Thomas, 1924 C. oenanthe Thomas,<br />
1924<br />
12
Hill (1960) Hershkovitz (1963)<br />
(bacias do Amazonas e<br />
Orinoco)<br />
C. cupreus ornatus<br />
(Gray, 1866)<br />
C. cupreus paenulatus<br />
Elliot, 1909<br />
C. gigot donacophilus<br />
(d’Orbigny, 1847)<br />
C. gigot pallescens<br />
(Spix, 1823)<br />
C. personatus personatus<br />
(É. Geoffroy, 1812)<br />
C. personatus brunello<br />
Thomas 1913<br />
C. personatus<br />
melanochir (Kuhl, 1820)<br />
C. gigot gigot (Spix,<br />
1823)<br />
C. personatus nigrifrons<br />
(Spix, 1823)<br />
C. moloch ornatus<br />
(Gray, 1866)<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
m. Discolor<br />
C. moloch<br />
donacophilus<br />
(d’Orbigny, 1847)<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
m. donacophilus<br />
[C. personatus<br />
personatus (É.<br />
Geoffroy, 1812)]<br />
[C. personatus brunello<br />
Thomas 1913]<br />
[C. personatus<br />
melanochir<br />
(Kuhl,1820)]<br />
[C. gigot gigot (Spix,<br />
1823)]<br />
[C.personatus<br />
nigrifrons (Spix, 1823)]<br />
Hershkovitz (1990 a)<br />
C. cupreus ornatus (Gray,<br />
1866)<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. c.<br />
discolor<br />
C. donacophilus<br />
donacophilus (d’Orbigny,<br />
1847)<br />
C. donacophilus<br />
pallescens (Thomas,<br />
1907)<br />
C. personatus personatus<br />
(É. Geoffroy, 1812)<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. p.<br />
nigrifrons<br />
C. personatus melanochir<br />
(Wied-Neuwied, 1820)<br />
Van Roosmalen, Van<br />
Roosmalen and<br />
Mittermeier (2002)<br />
Groves (2001) Groves (2005)<br />
C. ornatus (Gray, 1866) C. ornatus (Gray, 1866) C. ornatus (Gray, 1866)<br />
C. stephennashi Van<br />
Roosmalen et al., 2002<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. c.<br />
discolor<br />
C. donacophilus<br />
(d’Orbigny, 1847)<br />
C. pallescens (Thomas,<br />
1907)<br />
C. personatus (É.<br />
Geoffroy, 1812)<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
cupreus<br />
C. donacophilus<br />
(d’Orbigny, 1847)<br />
C. pallescens (Thomas,<br />
1907)<br />
C. personatus personatus<br />
(É. Geoffroy, 1812)<br />
- Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. p.<br />
nigrifrons<br />
C. melanochir (Wied- C. personatus melanochir<br />
Neuwied, 1820)<br />
(Wied-Neuwied, 1820)<br />
Nomen nudum (ver texto) - Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. p.<br />
melanochir<br />
C. personatus nigrifrons C. nigrifrons (Spix, 1823) C. personatus nigrifrons<br />
(Spix, 1823)<br />
(Spix, 1823)<br />
C. personatus<br />
C. barbarabrownae C. personatus<br />
barbarabrownae Hershkovitz, 1990 barbarabrownae<br />
Hershkovitz, 1990<br />
Hershkovitz, 1990<br />
- - - C. coimbrai Kobayashi &<br />
Langguth, 1990<br />
C. coimbrai Kobayashi &<br />
Langguth, 1990<br />
C. stephennashi Van<br />
Roosmalen et al., 2002<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
discolor<br />
C. donacophilus<br />
(d’Orbigny, 1847)<br />
C. pallescens (Thomas,<br />
1907)<br />
C. personatus (É.<br />
Geoffroy, 1812)<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />
nigrifrons<br />
C. melanochir (Wied-<br />
Neuwied, 1820)<br />
Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. p.<br />
melanochir<br />
C. nigrifrons (Spix, 1823)<br />
C. barbarabrownae<br />
Hershkovitz, 1990<br />
C. coimbrai Kobayashi &<br />
Langguth, 1990<br />
13
A história taxonômica dos guigós atualmente conhecidos como C. barbarabrownae<br />
Hershkovitz, 1990, é complexa, notavelmente pelas incertezas a respeito <strong>de</strong> localida<strong>de</strong>s tipo <strong>de</strong><br />
várias formas e também por certas confusões nas <strong>de</strong>scrições mais antigas, que envolvem uma<br />
espécie <strong>de</strong> primata <strong>de</strong>scrita por Spix (1823): Callithrix gigot.<br />
Segundo Elliot (1913), a figura <strong>de</strong> Spix (Spix, 1823, p. 22, prancha 16) ao <strong>de</strong>screver<br />
Callithrix gigot, não representa o tipo, porém a <strong>de</strong>scrição escrita é razoavelmente correta<br />
(Figuras 1 e 2). Ele indicou que a espécie ocorre perto <strong>de</strong> Ilhéus ao sul da Bahia (localida<strong>de</strong> tipo),<br />
e cita Schlegel ao informar que a distribuição se esten<strong>de</strong> ao sul até Nova Friburgo (RJ), entre o<br />
rio Paraíba e as montanhas ao norte da baía do Rio <strong>de</strong> Janeiro. O holótipo está <strong>de</strong>positado no<br />
museu <strong>de</strong> Munique (Elliot, 1913).<br />
14
Figura 1: Prancha número XVI do livro “Simiarum et Vespertilionum Brasiliensium<br />
Species Novae” Spix (1823), representando Callithrix gigot.<br />
15
Figura 2: Texto original contendo a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Callithrix gigot (Spix, 1823)<br />
16
Tradução para o português da <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Callithrix gigot Spix, 1823 – (texto<br />
traduzido em negrito):<br />
“Simiarum et Vespertilionum Brasiliensium Species Novae”, Johann Baptist Von Spix<br />
(1823, p.22):<br />
“Novas espécies <strong>de</strong> macacos e vespertilioní<strong>de</strong>os brasilienses (1823, p.22):”<br />
Species 5 – Callithrix Gigot<br />
Corpore mediocri, villoso, brunneo – cinerascente; cauda rufescenti – brunnea; manibus,<br />
praesertim pedibus villosis, nigris; auriculis nec non malis pilosis, nigris; mento et gula<br />
imberbibus.<br />
Espécie 5 – Callithrix Gigot<br />
De corpo mediano, peludo, acinzentado-pardo, <strong>de</strong> cauda avermelhada-parda, <strong>de</strong> mãos<br />
e pés especialmente peludos, negros; <strong>de</strong> orelhas um pouco peludas, <strong>de</strong> queixo e<br />
pescoço sem barba.<br />
Longitudo trunci 1´5´´ ulnae 3´´<br />
capitis palmae 2 ½ ´´<br />
faciei 2´´ femoris 4´´<br />
caudae 1´8´´ tibiae 5´´<br />
humeri 3´´ plantae 3 ¾ ´´<br />
Medidas: tronco 1´5´´ antebraço 3´´<br />
cabeça 3´´ palma 2 ½ ´´<br />
face 2´´ fêmur 4´´<br />
calda 1´8´´ tíbia 5´´<br />
húmero 3´´<br />
planta 3 ¾´´<br />
17
Descriptio 1 : Corpus robustius et magis villosum quam speciei praece<strong>de</strong>ntis; pili<br />
corporis 2 ½ ´´ longi, ad radicem brunneo-nigri, in medio sordi<strong>de</strong> fuscescenti-fasciati,<br />
versus apicem sordi<strong>de</strong> albo nigroque annulati, capitis pilis dorsi breviores, longiores vero<br />
illis speciei praece<strong>de</strong>ntis, ad radicem nigri, ad apicem albo-rufescentis, supra oculos usque<br />
as radicem nasi nigri, retrovergentes, caudae ad radicem ferruginei, versus apicem palli<strong>de</strong><br />
ferrugineo nigroque maculati, abdominis nigro-cinerascentis lanuginosi, manuum<br />
pedumque villosi, nigerrimi; facies subcrassa, atra, nigro subpilosa; labia albo-pilosa; malae<br />
cinereo nigroque barbatae; regio supra oculos et ad radicem nasi uti et in labiis vibrissis<br />
nigris rarioribus obsita; digiti nigro-villosi, illi manuum subaequales; pollex pedis a reliquis<br />
digitis remotus; ungues nigri, subincurvi, ad apicem acuti, prominuli, pollicares planiusculi.<br />
Descrição: corpo mais robusto e mais peludo que o da espécie prece<strong>de</strong>nte [C.<br />
nigrifrons, p.15, prancha XIII]; pêlos do corpo com 2 ½´´<strong>de</strong> comprimento, junto à<br />
base <strong>de</strong> um castanho-escuro, no meio, <strong>de</strong> aspecto sujo, uma faixa escura, na ponta,<br />
anelados <strong>de</strong> branco e preto, pêlos das costas da cabeça menores, porém, na verda<strong>de</strong>,<br />
maiores do que aqueles da espécie prece<strong>de</strong>nte, na raiz, negros, na ponta, brancoavermelhados,<br />
em cima dos olhos até a base do nariz, negros, voltados para trás,<br />
pêlos da cauda (cor <strong>de</strong>) ferrugem na base; na ponta, manchados palidamente (ou<br />
amareladamente) <strong>de</strong> ferrugem e negro, lanuginosos no abdômen (e) negroacinzentados;<br />
<strong>de</strong> mãos e pés peludos, negríssimos; face um tanto espessa (gorda ou<br />
grossa) e um tanto peluda; lábios peludos e brancos; maçãs do rosto barbadas e<br />
negro-acinzentadas; região em cima dos olhos e na base do nariz, como também nos<br />
lábios, coberta <strong>de</strong> raras vibrissas negras; <strong>de</strong>dos peludos e negros, mãos<br />
aparentemente uniformes (da mesma gran<strong>de</strong>za, iguais); o polegar <strong>de</strong> pé distante do<br />
resto dos <strong>de</strong>dos; unhas negras, ligeiramente encurvadas, na ponta pontiagudas, um<br />
tanto salientes, polegares planos em forma <strong>de</strong> ganchinhos.<br />
1<br />
Tradução <strong>de</strong> Maria Cristina Martins: mestre e doutora em Lingüística (UNICAMP, 1996,<br />
2002), na sub-área <strong>de</strong> teoria gramatical (latim clássico e latim vulgar), pós-doutora em<br />
Filologia Românica com ênfase em latim vulgar (USP, 2004). Professora adjunta <strong>de</strong> Língua<br />
e Literatura Latinas no <strong>Instituto</strong> <strong>de</strong> Letras/UFRGS.<br />
18
Elliot assim apontou para uma confusão quanto à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do tipo <strong>de</strong> C. gigot, sendo<br />
que a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Spix (1823) não estaria em conformida<strong>de</strong> com a ilustração:<br />
“Spix’s figure of this species [Callicebus gigot], like that of C.<br />
nigrifrons, in no way represents the type, which is a darker animal<br />
and of quite a different color. Spix’s <strong>de</strong>scription however is fairly<br />
correct.” (Elliot, 1913, p.255)<br />
A localida<strong>de</strong> tipo dada por Elliot (1913) está <strong>de</strong>ntro da área <strong>de</strong> distribuição da forma hoje<br />
reconhecido como <strong>de</strong> C. melanochir.<br />
Cabrera (1958), provavelmente seguindo Elliot (1913), colocou Callithrix gigot Spix,<br />
1823 e Callithrix gigo Gray, 1870 como sinônimos juniores <strong>de</strong> C. melanochir.<br />
Callicebus gigot (Spix, 1823) foi uma das sete espécies reconhecidas por Hill (1960). A<br />
espécie teria 4 subespécies, sendo que C. g. gigot (Spix, 1823) seria a forma da Mata Atlântica<br />
brasileira. Hill (1960) registrou a localida<strong>de</strong> tipo <strong>de</strong> Callicebus gigot como “near Ilhéus, south of<br />
Bahia, eastern of Brazil” (p.140). O tipo seria um macho <strong>de</strong>positado no Museu <strong>de</strong> Munique,<br />
coletado por Spix. Ele indicou uma distribuição que se esten<strong>de</strong>ria entre os rios Itapicuru, ao norte<br />
<strong>de</strong> Salvador e Paraíba, no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Sendo assim Hill (1960) colocou C. gigot como<br />
simpátrico <strong>de</strong> C. personatus melanochir ao norte do rio São Matheus (Espírito Santo) e <strong>de</strong> C. p.<br />
personatus ao sul do rio São Matheus até Nova Friburgo (Rio <strong>de</strong> Janeiro). Entretanto o mesmo<br />
autor mencionou que o material coletado por A. Robert em Lamarão (Bahia) e <strong>de</strong>positado no<br />
Museu Britânico pertenceria à subespécie Callicebus gigot gigot (Hill, 1960, p.140).<br />
Na revisão <strong>de</strong> 1988, Hershkovitz listou somente C. personatus personatus, C. p.<br />
melanochir e C. p. nigrifrons, não fazendo menção à forma gigot (Spix, 1823) (ver Tabela 2)<br />
(Hershkovitz, 1988 a). Somente na revisão subseqüente (Hershkovitz, 1990a) o autor abordou<br />
especificamente a valida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa forma. Em 1988, Hershkovitz propôs o arranjo do gênero em<br />
quatro clados ou grupos baseado em caracteres morfológicos, inaugurando uma tendência que<br />
19
mais tar<strong>de</strong> seria seguida por outros sistematas do gênero: o Grupo <strong>de</strong> Callicebus mo<strong>de</strong>stus, o<br />
Grupo <strong>de</strong> Callicebus donacophilus, o Grupo <strong>de</strong> Callicebus moloch e o Grupo <strong>de</strong> Callicebus<br />
torquatus.<br />
Em 1990 Hershkovitz fez nova revisão do gênero. Para o presente estudo, o mais relevante<br />
daquela contribuição são as subespécies <strong>de</strong> Callicebus personatus (É. Geoffroy, 1812) que ele<br />
reconheceu: C. p. melanochir (Wied-Neuwied, 1820), C. p. nigrifrons (Spix, 1823), C. p.<br />
personatus (É. Geoffroy, 1812) e C. p. barbarabrownae Hershkovitz, 1990. Callicebus p.<br />
barbarabrownae Hershkovitz, 1990 foi apresentada como uma nova subespécie. Os seguintes<br />
nomes foram colocados como sinônimos <strong>de</strong> barbarabrownae: Callithrix gigot em Wagner<br />
(1833), Callithrix gigot em Reichenbach (1862), Callithrix gigo em Gray, (1870), Callithrix<br />
gigot em Kraft (1883), Callicebus gigot em Elliot (1913), Callicebus gigot gigot em Hill (1960),<br />
Callicebus personatus em Napier (1976) e Callicebus personatus melanochir em Kinzey (1982).<br />
Van Roosmalen et al. (2002) fizeram uma revisão ao <strong>de</strong>screverem duas novas espécies<br />
para a Amazônia, Callicebus bernhardi e C. stephennashi. Eles consi<strong>de</strong>raram todas as formas <strong>de</strong><br />
Callicebus espécies, incluindo barbarabrownae.<br />
As mais recentes revisões do gênero Callicebus foram feitas por Groves (2001, 2005).<br />
Groves (2001) reconheceu 13 espécies, e manteve subespécies somente para C. torquatus e C.<br />
personatus (Tabela 2). Na revisão <strong>de</strong> 2001, embora este autor tenha aceitado C. coimbrai<br />
Kobayashi e Langguth, 1999 como espécie, manteve as outras formas da Mata Atlântica<br />
(melanochir e nigrifrons) como subespécies <strong>de</strong> C. personatus. Entretanto, na lista taxonômica<br />
publicada na terceira edição do livro Mammal Species of the World, Groves (2005) colocou todas<br />
as formas da Mata Atlântica como espécies distintas (Tabela 2).<br />
20
Em relação à Callicebus gigot (Spix, 1823), Groves (2001), provavelmente seguindo a<br />
tendência <strong>de</strong> Cabrera (1958) e Hershkovitz (1963), citou apenas que Callithrix gigot Spix, 1823<br />
seria sinônimo júnior <strong>de</strong> Callicebus personatus melanochir (Wied-Neuwied, 1820).<br />
Uma nova espécie <strong>de</strong> guigó, C. aureipalatii Wallace et al. 2006 aumentou para vinte e<br />
nove o número <strong>de</strong> espécies <strong>de</strong> Callicebus. Este primata habita a região <strong>de</strong> Madidi, ao norte da<br />
Bolívia (Wallace et al., 2006) e foi a mais recente espécie <strong>de</strong>scrita no gênero.<br />
3.3 Histórico taxonômico <strong>de</strong> Callicebus gigot (Spix, 1823)<br />
Descrevo, a seguir, o histórico do uso do nome Callithrix gigot Spix (1823) e procuro<br />
reconstituir o raciocínio que levou Hershkovitz (1990a) a <strong>de</strong>squalificar este nome:<br />
1823 – Spix <strong>de</strong>screveu Callithrix gigot (p.22, prancha 16, do livro “Simiarum et<br />
Vespertilionum Brasiliensium Species Novae”) (ver tradução da <strong>de</strong>scrição no Anexo 1 e a Figura<br />
2).<br />
1833 – Wagner reconheceu Callithrix gigot com referência à prancha colorida original<br />
(p.994).<br />
1848 – Wagner <strong>de</strong>cidiu que Callithrix gigot Spix, 1823 seria uma varieda<strong>de</strong> boreal <strong>de</strong><br />
Callithrix nigrifrons Spix, 1823 ou <strong>de</strong> Callithrix melanochir Wied-Neuwied, 1820 (p. 450).<br />
1862 – Reichenbach reconheceu Callithrix gigot Spix, 1823 (Prancha 5, Fgura 68) como<br />
um animal “ex Spix”.<br />
1866 – Gray reconheceu Callithrix gigo como espécie válida com base em Spix 1823,<br />
mas escreveu, lapsus calami, “gigo” e não “gigot” (p.57).<br />
21
1870 – Gray manteve Callithrix gigo em nova revisão do gênero (p.57).<br />
1883 – Kraft reconheceu Callithrix gigot (p.432), sem holótipo, com referência ao<br />
trabalho <strong>de</strong> Spix, 1823 (p.22, Prancha 16).<br />
1903 – O. Thomas criou o gênero Callicebus, usando como espécie tipo Callicebus<br />
personatus (E. Geoffroy, 1812).<br />
1903 – 25 <strong>de</strong> junho, Lamarão, Bahia: o coletor francês Alphonse Robert obteve oito<br />
indivíduos <strong>de</strong> Callithrix gigot Spix, 1823, durante a Percy Sla<strong>de</strong>n Expedition to Central Brazil<br />
(1901 a 1904). Esta expedição buscava insetos, répteis, aves e mamíferos em oito estados<br />
brasileiros. Os mamíferos foram enviados ao British Museum, tendo sido recebidos por O.<br />
Thomas (Silva et al., 2004).<br />
1913 – Elliot reconheceu Callicebus gigot (Spix, 1823) - caracteres ex figura colorida<br />
original [<strong>de</strong> Spix, 1823] (p.254).<br />
1958 – Cabrera consi<strong>de</strong>rou Callithrix gigot Spix, 1823 (p.22, Prancha 16) e Callithrix<br />
gigo em Gray, 1870, como sinônimos <strong>de</strong> Callicebus melanochir (Kuhl, 1820) (p.139).<br />
1960 – Hill (1960) reconheceu C. personatus (E. Geoffroy, 1812) com três subespécies e<br />
C. gigot (Spix, 1823), com quatro, <strong>de</strong>ntre elas C. gigot gigot. Segundo o autor, a série <strong>de</strong> peles<br />
coletadas por A. Robert em 1903 e Lamarão, Bahia, e <strong>de</strong>positadas no Museu Britânico<br />
pertenceria a esta subespécie (pp.140, 143, 146).<br />
1963 – Embora não tenha feito estudo taxonômico e geográfico dos guigós da Mata<br />
Atlântica neste trabalho (<strong>de</strong>dicado aos membros do gênero Callicebus nas bacias do Amazonas e<br />
do Orinoco), Hershkovitz reconheceu C. personatus (É. Geoffroy, 1812) e mencionou C. gigot<br />
(Spix, 1823).<br />
22
1976 – Napier colocou C. gigot (Spix, 1823) como sinônimo júnior <strong>de</strong> C. personatus (É.<br />
Geoffroy, 1812); locais <strong>de</strong> coleta: Lamarão e Formosa (ambos na Bahia, coor<strong>de</strong>nadas<br />
geográficas não fornecidas) (pp.53–54).<br />
1982 – Kinzey não reconheceu C. gigot (Spix, 1823), colocando esta forma junto com<br />
Callicebus personatus melanochir (Wied-Neuwied, 1820). Mesmo assim o pesquisador <strong>de</strong>screve<br />
com <strong>de</strong>talhes a forma típica <strong>de</strong> C. barbarabrownae e afirma que ela já havia sido classificada<br />
como C. gigot:<br />
“C. p. melanochir is the only subespecies found in Bahia and occurs as<br />
far south as the Rio Itaúnas at the northern bor<strong>de</strong>r of Espírito Santo. This<br />
is a dark-brown to steel-grey subspecies (the greyish form previously<br />
having been referred to as Callicebus gigot) with dark reddish-brown<br />
tail, a narrow black band between the forehead and the crown, and a<br />
gradual transition between the black hands and feet and the gray-tobrown<br />
forearms and legs”. (Kinzey, 1982, p.462)<br />
Os locais <strong>de</strong> coleta indicados são: Lamarão, Rio Itapicuru; Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo, Rio<br />
Paraguaçu e Formosa (p.462–463, com mapa). É interessante que o mapa <strong>de</strong> distribuição das<br />
subespécies <strong>de</strong> C. personatus feito por Kinzey apresenta estas três localida<strong>de</strong>s, situadas na região<br />
on<strong>de</strong> registrei C. barbarabrownae, e outras três no sul da Bahia, on<strong>de</strong> habita C. melanochir,<br />
como sendo <strong>de</strong>ntro da distribuição <strong>de</strong> C. p. melanochir.<br />
1988 – Hershkovitz (1988a) passou a reconhecer 13 espécies e 16 subespécies, sem,<br />
entretanto, mencionar Callicebus gigot (Spix, 1823) (p.1).<br />
1990 – Hershkovitz (1990a, p.77) <strong>de</strong>screveu Callicebus personatus barbarabrownae<br />
aumentando sua lista para 25 táxons. O autor consi<strong>de</strong>rou Callithrix gigot Spix, 1823 como<br />
sinônimo sênior da nova subespécie (com referência a ilustração <strong>de</strong> Spix, Prancha 16), mas<br />
também como sinônimo júnior <strong>de</strong> C. personatus melanochir (Wied-Neuwied, 1820) (com<br />
referência a <strong>de</strong>scrição escrita <strong>de</strong> Spix).<br />
23
2001 – Groves consi<strong>de</strong>rou Callithrix gigot Spix, 1823 como sinônimo júnior <strong>de</strong><br />
Callicebus personatus melanochir (Wied-Neuwied, 1820) e manteve Callicebus personatus<br />
barbarabrownae Hershkovitz, 1990 como subespécie, embora tenha consi<strong>de</strong>rado Callicebus<br />
coimbrai Kobayashi e Langguth, 1999 como espécie.<br />
2002 – Van Roosmalen et al. reconheceram Callicebus barbarabrownae Hershkovitz,<br />
1990 como espécie, sem referência a Callicebus gigot (Spix, 1823) (p.40).<br />
2005 – Groves reconheceu como espécies todas as formas do Grupo Personatus.<br />
3.4 Descrição <strong>de</strong> Callicebus personatus barbarabrownae Hershkovitz, 1990<br />
Callicebus personatus barbarabrownae foi uma subespécie <strong>de</strong>scrita por<br />
Hershkovitz (1990a) a partir <strong>de</strong> espécimes <strong>de</strong> guigós que antes haviam sido atribuídos a<br />
Callithrix gigot Spix, 1823. A partir da revisão <strong>de</strong> Van Roosmalen et al. (2002), esta forma<br />
passou a ser consi<strong>de</strong>rada uma espécie. Os novos conhecimentos adquiridos através dos<br />
estudos <strong>de</strong> Kobayashi e Langguth (1999) na <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Callicebus coimbrai, cuja<br />
distribuição geográfica se encontra <strong>de</strong>ntro daquela suposta por Hershkovitz para C.<br />
barbarabrownae, e as novas informações adquiridas ao longo do presente estudo,<br />
<strong>de</strong>mandaram uma reavaliação da posição taxonômica adotada por Hershkovitz a esse<br />
respeito.<br />
O holótipo <strong>de</strong> Callicebus personatus barbarabrownae é uma fêmea adulta (pele e<br />
crânio) <strong>de</strong>positada no British Museum (Natural History), número 1903.9.5.7, coletado no<br />
dia 25 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1903 por Alphonse Robert em Lamarão, Bahia, Brasil, altitu<strong>de</strong><br />
aproximadamente 300 m (Napier, 1976; Herhskvoitz, 1990a). Além da localida<strong>de</strong> tipo,<br />
Hershkovitz (1990a) listou Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo, Rio Paraguaçu (um espécime do Field<br />
24
Musuem of Natural History, Chicago) e Formosa (um espécime do British Museum). Ele<br />
<strong>de</strong>screveu a distribuição como terras altas no litoral centro-norte da Bahia, Brasil, entre o<br />
rio Paraguaçu ao sul e o rio Itapicuru ao norte. Hershkovitz (1990a) afirma ainda que o<br />
gênero não havia sido registrado ao norte do Itapicuru, oeste do rio São Francisco ou entre<br />
os rios Paraguaçu e <strong>de</strong> Contas; os guigós ao sul do rio <strong>de</strong> Contas seriam Callicebus<br />
personatus melanochir (Wied-Neuwied, 1820). A <strong>de</strong>scrição da pelagem fornecida por<br />
Hershkovitz é a seguinte:<br />
“(...) tail dominantly orange, upper surface of base paler, or yellowish,<br />
hair bases eumelanin, remain<strong>de</strong>r of tail entirely pheomelanin; scattering<br />
of fine short pheomelanic facial hairs not concealing blackish skin; ear<br />
tufts and skin blackish”. Hershkovitz (1990 a, p.77)<br />
Marinho-Filho e Veríssimo obtiveram uma pele <strong>de</strong> guigó em 1990 durante um<br />
inventário <strong>de</strong> fauna em Mirorós, Bahia (11°24'S, 42°17'W), por ocasião da construção da<br />
barragem que abastece o município <strong>de</strong> Ibipeba (ex Guigós) (11°26'S, 42°18'W). O animal<br />
coletado seria mais tar<strong>de</strong> classificado como C. personatus barbarabrownae (Marinho-Filho<br />
& Veríssimo, 1997). Esta coleta foi consi<strong>de</strong>rada uma re<strong>de</strong>scoberta da subespécie,<br />
colocando fim a um intervalo <strong>de</strong> 68 anos sem registros, uma vez que a coleta anterior havia<br />
sido realizada em 1929 em Formosa, Bahia (Hershkovitz, 1988a; Marinho-Filho &<br />
Veríssimo, 1997). O espécime coletado em 1929 foi <strong>de</strong>positado no Field Museum of<br />
Natural History (Chicago, USA). Desaparecido por quase 70 anos, o guigó-da-caatinga<br />
chegou a ser consi<strong>de</strong>rado extinto (Coimbra-Filho, 1991/1992). A pele coletada por<br />
Marinho-Filho e Veríssimo em setembro <strong>de</strong> 1990 é a única existente no Brasil e hoje se<br />
encontra no Departamento <strong>de</strong> Zoologia da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Brasília (Figura 3).<br />
25
a) patas negras b) coloração da pele<br />
c) <strong>de</strong>talhe da cauda laranja d) etiqueta com dados <strong>de</strong> coleta<br />
Figura 3: Pele <strong>de</strong> C. p. barbarabrownae Hershkovitz, 1990 coletada pelo Prof.<br />
Ja<strong>de</strong>r S. Marinho-Filho em 1990 na Fazenda Conceição (Mirorós, Bahia)<br />
Hershkovitz fez comparações entre C. p. barbarabrownae Hershkovitz, 1990 e<br />
outras três formas <strong>de</strong> Callicebus:<br />
“Distinguished from geographic nearest Callicebus personatus<br />
melanochir by dominantly buffy (pheomelanic) crown, si<strong>de</strong> of<br />
head, throat, trunk, and limbs with the subterminal<br />
pheomelanic bands of hairs paler; from nigrifrons and<br />
personatus by forehead not blackish”. (Hershkovitz, 1990a,<br />
p.77)<br />
26
Segundo Hershkovitz (1990a) uma fêmea <strong>de</strong> C. p. barbarabrownae <strong>de</strong> procedência<br />
<strong>de</strong>sconhecida sobreviveu durante seis meses no Zoológico <strong>de</strong> Londres. Suas características<br />
gerais estavam <strong>de</strong> acordo com o holótipo, porém seu dorso e partes inferiores eram pálidos,<br />
assim como a pele da face e das orelhas, e possuía pêlos inteiramente feomelânicos<br />
(avermelhados).<br />
A Tabela 3 compara características <strong>de</strong> pelagem <strong>de</strong> três formas <strong>de</strong> Calliiebus com<br />
distribuição geográfica muito próxima.<br />
27
Tabela 3: Características <strong>de</strong> pelagem <strong>de</strong> C. barbarabrwonae, C. melanochir e C.<br />
coimbrai<br />
cauda<br />
C.<br />
barbarabrownae 1<br />
laranja, superfície<br />
superior da base<br />
pálida ou<br />
amarelada; pêlos<br />
da base negros<br />
foto ou<br />
<strong>de</strong>senho<br />
figuras<br />
9 e 10 a<br />
<strong>de</strong>ste<br />
trabalho<br />
C.<br />
melanochir 2<br />
marromacizentada,<br />
mais marrom<br />
do que cinza<br />
na parte basal<br />
foto ou C.<br />
<strong>de</strong>senho coimbrai 3<br />
Van laranja com<br />
Roosmalen marrom<br />
et al., p.38,<br />
(como a <strong>de</strong><br />
nigrifrons)<br />
foto ou<br />
<strong>de</strong>senho<br />
figura<br />
15 <strong>de</strong>ste<br />
trabalho<br />
Printes, laranja, base<br />
2007 4 pálida<br />
figuras<br />
9 e 10 a<br />
<strong>de</strong>ste<br />
trabalho<br />
cinza,<br />
po<strong>de</strong>ndo se<br />
marrom na<br />
base<br />
(variegata)<br />
figura 9 negro<br />
figura 10 b avermelhada figura<br />
15<br />
Van<br />
Roosmalen<br />
et al., p.38<br />
Printes, negro figura 9 negro Van<br />
2007 4 Roosmalen<br />
et al., p.38<br />
tronco<br />
dia<strong>de</strong>ma amarelo-cor-<strong>de</strong>couro<br />
(feomelânico)<br />
amarelo-cor-<strong>de</strong>couro,<br />
com bandas<br />
subterminais <strong>de</strong><br />
feomelanina<br />
Printes, branco sujo (cor<br />
2007 4 <strong>de</strong> couro cru)<br />
testa não é negra como<br />
em nigrifrons e<br />
personatus<br />
Printes, faixa branca<br />
2007 4 menos <strong>de</strong>finida<br />
do que em<br />
coimbrai<br />
orelha com tufos <strong>de</strong><br />
pêlos negros<br />
Printes,<br />
2007 4 tufos <strong>de</strong> pêlos<br />
negros menores<br />
do que em<br />
coimbrai<br />
figura<br />
10<br />
figura 3<br />
b<br />
figuras<br />
9 e 10 a<br />
figuras<br />
9 e 10 a<br />
figuras 9<br />
e 10 a<br />
figuras 9<br />
e 10 a<br />
cinza,<br />
ventre<br />
ferrugíneo<br />
cinza<br />
cinza<br />
cinza<br />
Van<br />
Roosmalen<br />
et al., p.52<br />
Van<br />
Roosmalen<br />
et al., p.52<br />
Van<br />
Roosmalen<br />
et al., p.52<br />
Van<br />
Roosmalen<br />
et al., p.52<br />
- Van<br />
Roosmalen<br />
et al., p.52<br />
negra, mais<br />
escura do que<br />
o tronco<br />
Van<br />
Roosmalen<br />
et al., p.52<br />
negro,<br />
formato bem<br />
<strong>de</strong>finido<br />
negro,<br />
formato bem<br />
<strong>de</strong>finido<br />
amarelo-cor<strong>de</strong>-couro,<br />
com pêlos<br />
mais longos<br />
e negros<br />
grisalho,<br />
com pêlos<br />
negros na<br />
extremida<strong>de</strong><br />
negra<br />
negra com<br />
dia<strong>de</strong>ma<br />
branco bem<br />
<strong>de</strong>finido<br />
negra<br />
tufos <strong>de</strong><br />
pêlos negros<br />
longos<br />
figura<br />
17<br />
figuras<br />
15 e 17<br />
figuras<br />
15 e 17<br />
figuras<br />
15 e 17<br />
figura<br />
17<br />
figura<br />
15<br />
figura<br />
17<br />
figura<br />
15<br />
28
C.<br />
barbarabrownae 1<br />
foto ou<br />
<strong>de</strong>senho<br />
C.<br />
melanochir 2<br />
foto ou<br />
<strong>de</strong>senho<br />
C.<br />
coimbrai 3<br />
foto ou<br />
<strong>de</strong>senho<br />
membros amarelo-cor-<strong>de</strong>couro,<br />
figuras mãos<br />
- extremida<strong>de</strong>s figura<br />
com 9 e 10 a marrom-<br />
negras 15<br />
extremida<strong>de</strong>s<br />
negras<br />
avermelhadas;<br />
pés negros<br />
Printes,<br />
figura 3 negros<br />
Van negros figura<br />
2007 4 com<br />
a<br />
Roosmalen<br />
15<br />
extremida<strong>de</strong>s<br />
negras<br />
et al., p.52<br />
Referências: 1 - Hershkovitz (1990 a); 2 - Hill, 1960; 3 - Kobayashi & Langguth, (1999); 4<br />
- Printes (este estudo)<br />
29
3.5 Consi<strong>de</strong>rações sobre Callicebus gigot (Spix, 1823)<br />
Elliot (1913) apontou pela primeira vez a discrepância entre a figura <strong>de</strong> Spix (Spix,<br />
1823, p.22, Prancha 16) e a <strong>de</strong>scrição escrita do holótipo, que ele mesmo (Elliot, 1913)<br />
havia examinado no Zoologische Staatsammlung, Munique. O autor julgou que a <strong>de</strong>scrição<br />
era razoavelmente correta (“fairly correct”: p. 255) e assim <strong>de</strong>screveu o tipo (ver fotografia<br />
em Hershkovitz [1990a; Fig. 43, p.76]):<br />
“Color: Male. Face naked, black; narrow line on forehead<br />
and si<strong>de</strong> of face; ears, hands and feet black; hairs on top of<br />
head short, black, with grayish white tips; hairs on upper<br />
parts long, woolly, blackish brown at base, remain<strong>de</strong>r reddish<br />
brown; limbs and flanks like back but darker, and blackish on<br />
outer si<strong>de</strong>, un<strong>de</strong>r parts yellowish gray; tail cinnamon rufous,<br />
with many black hairs intermingled. Ex: type Munich<br />
Museum. Female. Has the lower back <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>dly reddish,<br />
otherwsie like the male”. (Elliot, 1913, p.255)<br />
Elliot (1913) manteve a valida<strong>de</strong> da espécie Callicebus gigot (Spix, 1823), com a<br />
localida<strong>de</strong> tipo sendo Ilhéus, Bahia, baseado nessa <strong>de</strong>scrição escrita. Porém ele também<br />
reconheceu C. melanochir, embora Cabrera (1958) e Hershkovitz (1990a) tenham colocado<br />
C. gigot como sinônimo júnior <strong>de</strong> C. melanochir, baseado nesse mesmo holótipo. Hill<br />
(1960) não mencionou as observações <strong>de</strong> Elliot (1913) a respeito da diferença entre a<br />
<strong>de</strong>scrição do holótipo e a ilustração <strong>de</strong> Spix (1823), posteriormente confirmadas por<br />
Hershkovitz (1990a, 1990b). A <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Callicebus gigot fornecida por Hill (1960),<br />
porém é a <strong>de</strong> Elliot (1913). Hill (1960) usou os mesmos termos e <strong>de</strong>scrições. Os dois<br />
autores, por exemplo, <strong>de</strong>screveram a cauda como cinnamon-rufous. Hill (1960) listou<br />
também quatro espécimes no Museu Britânico, todos proce<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> “Bahia, Lamarão, 300<br />
m”. O número BM 1903.9.5.1 (crânio e pele) ele listou como fêmea, enquanto Napier<br />
30
(1976) listou como macho juvenil. Hill (1960) não informou o sexo do número BM<br />
1903.9.5.5 (crânio e pele), embora Napier (1976) tenha informado que era outro macho<br />
juvenil. Os números BM 1903.9.5.6 e BM 1903.9.5.7 (crânios e peles), eram fêmeas<br />
adultas (Hill, 1960; Napier, 1976).<br />
Hershkovitz (1990b) afirmou que na <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Callithrix gigot, Spix (1823)<br />
utilizou uma gravura que não correspon<strong>de</strong> ao texto. Como Elliot (1913), ele concluiu que a<br />
<strong>de</strong>scrição escrita do tipo não era realmente <strong>de</strong> um espécime <strong>de</strong> C. melanochir (Hershkovitz,<br />
1990a, 1990b). O autor argumentou que a gravura <strong>de</strong> Spix (1823) era <strong>de</strong> um animal distinto<br />
do nor<strong>de</strong>ste do Brasil e o <strong>de</strong>screveu formalmente como Callicebus personatus<br />
barbarabrownae (Hershkovitz, 1990a). Ao <strong>de</strong>screver esta subespécie, Hershkovitz<br />
novamente narrou o episódio da <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Callithrix gigot Spix, 1823:<br />
“The color plate of Callithrix gigot Spix 1823 (1823, pl.16)<br />
(fig.43) indicates an animal distinct from the one named<br />
melanochir three years earlier by Wied-Neuwied (1820, p.114)<br />
regar<strong>de</strong>d the two forms as i<strong>de</strong>ntical but likely had mind the<br />
<strong>de</strong>scription in text. Few authors followed this <strong>de</strong>cision, although<br />
Cabrera (1958, p. 139) inclu<strong>de</strong>s gigot in the synonymy of<br />
melanochir.<br />
Judged by the original color plates only, Callithrix melonochir<br />
and C. gigot are in<strong>de</strong>ed distinct, as noted earlier by Wagner<br />
(1833, 1848). Callicebus personatus melanochir is figured as a<br />
basically grayish, crown in front blackish, tail variegated. The<br />
figured Callithrix gigot is the entirely buffy-bodied with<br />
browline blackish, crown buffy, tail buffy like trunk. Spix (1823,<br />
p. 22) original <strong>de</strong>scription of the holotype of gigot (fig. 43),<br />
however, is of a very different animal. Elliot (1913, p. 255) had<br />
already noted that ‘Spix’s figure [of gigot] …in no way<br />
represents the type, which is a darker animal and of quite a<br />
different color. Spix’s <strong>de</strong>scription, however, is fairly accurate’.<br />
The type specimen of gigot I examined in the Munich Museum,<br />
and that of a topotype in the Rio Museum (MNR 11201) from<br />
Ilhéus, conform fairly well to that of Wied-Neuwied’s<br />
melanochir. On the other hand, the trunk of a specimen (FMNH<br />
20444) from Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo, rio Paraguaçu, NW of Ilhéus, is<br />
dominantly buffy as figured for gigot, its tail <strong>de</strong>ep reddish as<br />
<strong>de</strong>scribe for gigot. The series of BM specimens from Formosa<br />
31
(2) and Lamarão (6) in the same region NW of Ilhéus, exhibit the<br />
same figured characters of gigot.<br />
If Ilhéus is in<strong>de</strong>ed the type locality of gigot, and nothing in<br />
Spix’s text indicates otherwise, then gigot as originally <strong>de</strong>scribed<br />
and represented by the mounted type specimen in the Munich<br />
Museum is indistinguishable form Wied-Neuwied’s C. p.<br />
melanochir. On the other hand, the FMNH skin only from<br />
Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo, the BM material from Formosa and Lamarão,<br />
together with Spix’s figure of a titi mistakenly labeled gigot,<br />
represent the distinct population on the northernmost known<br />
geographic limits of the species, here named C. p.<br />
barbarabrownae”. Hershkovitz (1990 a, p. 78)<br />
Aqui Hershkovitz <strong>de</strong>ixa claro que: 1) O holótito <strong>de</strong> Callicebus gigot que ele<br />
examinou no Museu <strong>de</strong> Munique pertence <strong>de</strong> fato a Callicebus melanochir; 2) A <strong>de</strong>scrição<br />
do Callithrix gigot <strong>de</strong> spix (1823) correspon<strong>de</strong> ao material coletado pro Robert em<br />
Lamarão, Bahia (1903) e por Becker (1913) em Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo e <strong>de</strong>positado no Museu<br />
<strong>de</strong> Chicago.<br />
A tradução do texto original do livro Simiarum et Vespertilionum Brasiliensium<br />
Species Novae <strong>de</strong> Spix (1823), do latim para o português, revela que a <strong>de</strong>scrição do autor é<br />
<strong>de</strong> um animal <strong>de</strong> coloração branco-sujo, com cauda alaranjada, como C. barbarabrownae e<br />
não <strong>de</strong> um animal cinza com cauda <strong>de</strong> coloração semelhante a do corpo (concolor) como C.<br />
melanochir.<br />
Finalmente, Hershkovitz (1990 b, p. 11), observa que o verda<strong>de</strong>iro holótipo <strong>de</strong> Callicebus<br />
gigot (Spix, 1823), usado para fazer a prancha 16 do livro <strong>de</strong> Spix, está <strong>de</strong>saparecido:<br />
“In a classic monograph on the bats and monkeys he collected<br />
in Brazil between 1817 and 1820, the German zoologist Johann<br />
von Spix of the Munich Natural History Museum <strong>de</strong>scribed a<br />
blackish titi monkey, the size of a large house cat, and named it<br />
Callithrix gigot. The artist commissioned to make a portrait of<br />
the mounted individual mistakenly used for a mo<strong>de</strong>l an<br />
unknown blond titi, and carelessly captioned the painting<br />
Callithrix gigot. The dark titi, originally from the coast of<br />
southern Bahia, is still preserved in the Munich Museum. The<br />
mislabeled blond titi was not mentioned by Spix and the<br />
32
whereabouts of the mounted specimen is unknown”.<br />
(Hershkovitz, 1990b, p.11)<br />
4. Discussão<br />
4.1 O nome C. barbarabrownae é válido?<br />
Provavelmente não, <strong>de</strong>vido ao princípio da priorida<strong>de</strong> (ICZN, 1999; Groves, 2001).<br />
O animal <strong>de</strong>scrito por Spix em 1823 como sendo Callithrix gigot correspon<strong>de</strong> ao que hoje<br />
chamamos <strong>de</strong> Callicebus barbarabrownae.<br />
Elliot (1913) e Hershkovitz (1990 a,b) observaram que o texto <strong>de</strong> Spix não está <strong>de</strong><br />
acordo com a gravura. Hershkovitz (1990 a) admite que o texto <strong>de</strong> Spix <strong>de</strong>screve um<br />
animal correspon<strong>de</strong>nte ao que foi coletadao em Lamarão, Bahia e que ele (Hershkovitz)<br />
<strong>de</strong>screveu como sendo C. barbarabrownae.<br />
Entretanto, o holótipo <strong>de</strong> Callicebus gigot (Spix, 1823) provavelmente <strong>de</strong>sapareceu<br />
(Hershkovitz, 1990b). Para que o nome C. gigot (Spix, 1823) possa substituir C.<br />
barbarabrownae Hershkovitz, 1990 <strong>de</strong>verá ser <strong>de</strong>finido um neótipo, que po<strong>de</strong> ser escolhido<br />
<strong>de</strong>ntro da série coletada por A. Robert em Lamarão, Bahia (1903), já utilizado para<br />
<strong>de</strong>screver C. barbarabrownae.<br />
4.2 On<strong>de</strong> fica a localida<strong>de</strong> tipo da espécie?<br />
Os nomes <strong>de</strong> várias localida<strong>de</strong>s da Bahia mudaram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a época da <strong>de</strong>scrição do<br />
guigó-da-caatinga (Vanzolini & Papávero, 1968). Um mapa atual dos municípios da Bahia<br />
é apresentado a seguir para facilitar o entendimento do texto (Figura 4).<br />
33
Figura 4: Municípios ao longo da área <strong>de</strong> estudo (Fonte: SEI, 2003)<br />
34
Uma série <strong>de</strong> espécimes que Hershkovitz (1990a) usou para <strong>de</strong>screver C. p.<br />
barbarabrownae, está <strong>de</strong>positada no Field Museum of Natural History (Chicago),<br />
etiquetada como proveniente <strong>de</strong> “Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo, Rio Paraguaçu, NW <strong>de</strong> Ilhéus”.<br />
Localizar Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo foi um dos objetivos das expedições realizadas entre janeiro e<br />
maio <strong>de</strong> 2005. Entretanto, Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo não consta nos mapas atuais do Estado da<br />
Bahia e nem no site <strong>de</strong> municípios do Brasil (IBGE, 2005). Em carta enviada a Anthony<br />
Rylands em 27/01/1988, Hershkovitz afirma que o local conhecido como Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />
Melo, on<strong>de</strong> R. H. Becker coletou algumas peles em 1913, teria como coor<strong>de</strong>nadas: 13°03'S,<br />
40°50'W (Hershkovitz, 1988b). Marinho-Filho e Veríssimo (1997) dão para aquela<br />
localida<strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nadas semelhantes: 13°03'S, 41°49'W. Quando plotadas no programa<br />
MapSource-Garmin® as coor<strong>de</strong>nadas fornecidas por Hershkovitz (1988b) e por Marinho-<br />
Filho e Veríssimo (1997), localiza-se um sítio a noroeste <strong>de</strong> Piatã, distante 10,7 km da se<strong>de</strong><br />
do município, próximo a BA 148 e a 24 km <strong>de</strong> Inúbia. Durante a expedição realizada em<br />
janeiro <strong>de</strong> 2005 visitei aquela região. Não encontrei, entretanto, qualquer povoado nas<br />
coor<strong>de</strong>nadas citadas. Mais interessante ainda é que Piatã e Inúbia ficam a SW da Chapada<br />
Diamantina, on<strong>de</strong> não foi obtido nenhum registro <strong>de</strong> guigó, nem mesmo através <strong>de</strong> relatos<br />
<strong>de</strong> antigos moradores, confirmando que o relevo, ou a mudança fitogeográfica a ele<br />
associada, po<strong>de</strong>m ter barrado a distribuição <strong>de</strong> Callicebus naquela região, como <strong>de</strong>fendia<br />
Hershkovitz (1988a, 1990a). Para saber <strong>de</strong> on<strong>de</strong> veio a série <strong>de</strong> peles <strong>de</strong> guigó que está no<br />
Field Museum of Natural History, utilizei, então, o seguinte procedimento: num mapa<br />
antigo (Cunha, 1901) i<strong>de</strong>ntifiquei o trajeto da linha <strong>de</strong> trem <strong>de</strong> passageiros (hoje <strong>de</strong>sativada)<br />
que partia <strong>de</strong> Salvador no tempo em que Salvador se chamava Bahia (Cunha, op. cit.;<br />
Sampaio, 2002). Esta linha <strong>de</strong> trens era o único meio <strong>de</strong> acesso à Caatinga baiana no início<br />
35
do século XX e foi utilizada pelos naturalistas para fazer suas viagens <strong>de</strong> coleta. Depois <strong>de</strong><br />
passar por Lamarão, o trem seguia em direção ao Rio Paraguaçu, parando em três estações,<br />
todas na região <strong>de</strong> Marcionílio Souza (ex Tamburi). As coor<strong>de</strong>nadas das estações <strong>de</strong> trem<br />
são: Marcionílio Souza – 13°00'20,9"S, 40°32'23,4"W; Queimadinhas – 13°02'54,2"S,<br />
40°44'54,1"W e Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo – 13°01'53,3”S, 40°25'38,0”W. A busca do guigó foi<br />
iniciada em Marcionílio Souza. Lá, com o apoio da prefeitura, encontrei um fragmento com<br />
uma pequena população, a cerca <strong>de</strong> 15 km da cida<strong>de</strong> (13°02' 07,9"S; 40°25'38,0"W;<br />
altitu<strong>de</strong> 598 m). Os animais foram i<strong>de</strong>ntificados como sendo Callicebus barbarabrownae<br />
Hershkovitz, 1990. Moradores disseram que Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo seria um povoado não muito<br />
longe dali, pertencente à Itaetê. Depois <strong>de</strong> chegar na localida<strong>de</strong>, encontrei a estação <strong>de</strong><br />
trens, às margens do rio Paraguaçu (13°01'53,3"S, 40°48'52,0"W; altitu<strong>de</strong> 286 m), hoje<br />
uma ruína utilizada como chiqueiro <strong>de</strong> porcos. Em Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo selecionei o<br />
informante A. M., 73 anos, nascido no local e lá resi<strong>de</strong>nte por toda a sua vida. A. M. foi<br />
tirador <strong>de</strong> mel e caçador, tendo inclusive comido guigós. Ele afirmou que os primatas não<br />
são ouvidos há muitos anos naquelas matas. Num fragmento <strong>de</strong> caatinga arbórea localizado<br />
no Morro do Ban<strong>de</strong>ira, às margens do Paraguaçu e bem perto da antiga estação <strong>de</strong> trens,<br />
realizei algumas seções <strong>de</strong> play-back sem sucesso (13°03'17,6"S, 40°47'38,1"W; altitu<strong>de</strong><br />
314 m). Consi<strong>de</strong>rei o guigó extinto em Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo. A pequena população <strong>de</strong> guigós<br />
<strong>de</strong> Marcionílio Souza, localizada a 16,2 km a su<strong>de</strong>ste, passou a ser estratégica para a<br />
conservação da espécie.<br />
Não obtive o mesmo sucesso na localização <strong>de</strong> Formosa, outro sítio on<strong>de</strong> foram<br />
coletados espécimes <strong>de</strong> Callicebus postriormente utilizados por Hershkovitz para <strong>de</strong>screver<br />
C. personatus barbarabrownae (Hershkovitz, 1990, a), material hoje <strong>de</strong>positado no Museu<br />
36
Britânico. I<strong>de</strong>ntifiquei três localida<strong>de</strong>s com o nome <strong>de</strong> Formosa na Bahia: uma a oeste do<br />
Raso da Catarina, a 48,2 km <strong>de</strong> Macururé (14°59'28,4"S, 41°03'11,7"W; altitu<strong>de</strong> 300 m);<br />
outra a 28,2 km <strong>de</strong> Vitória da Conquista, conhecida como Lagoa Formosa (09°36'01,6"S,<br />
39°05'26,3"W; altitu<strong>de</strong> 358 m) e a terceira ao norte da Chapada Diamantina, a 30,3 km <strong>de</strong><br />
Miguel Calmon (11°16'18,3"S, 41°04'30,9"W; altitu<strong>de</strong> 746 m). Em junho <strong>de</strong> 2004 realizei<br />
uma expedição à região <strong>de</strong> Macururé e não obtive qualquer relato <strong>de</strong> guigós. A vegetação é<br />
do tipo caatinga arbustiva <strong>de</strong>nsa (o “carrasco”), que não suporta populações daquela<br />
espécie. Em janeiro <strong>de</strong> 2005 visitei a região <strong>de</strong> Vitória da Conquista. Lá a pecuária e a<br />
urbanização causaram gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sfiguração paisagística, justamente na região <strong>de</strong> transição<br />
entre a Mata Atlântica e a Caatinga. Hoje é impossível saber se naquela área ocorreu C.<br />
melanochir (Wied-Neuwied, 1820) ou C. barbarabrownae Hershkovitz, 1990. É bem<br />
possível que C. barbarabrownae algum dia tenha ocupado o Planalto <strong>de</strong> Conquista, mas<br />
seu limite sul atual é a Serra <strong>de</strong> Contendas do Sincorá (13°54'21,4"S, 41°09'55,1"W;<br />
altitu<strong>de</strong> 603 m). Segundo Hershkovitz (1990a), Formosa seria uma localida<strong>de</strong> a 700 m <strong>de</strong><br />
altitu<strong>de</strong>, anotada no seu gazetteer sob n° 211 (coor<strong>de</strong>nadas geográficas não fornecidas), a<br />
noroeste <strong>de</strong> Lamarão, localida<strong>de</strong> tipo, e ao norte do rio Jacuípe, aparentemente na região da<br />
Chapada Diamantina. Por isso em abril <strong>de</strong> 2005 realizei uma expedição a um distrito <strong>de</strong><br />
Morro do Chapéu conhecido como Formosa, com altitu<strong>de</strong> próxima àquela fornecida por<br />
Hershkovitz (1990a), mas lá não obtive qualquer relato <strong>de</strong> guigós e novamente encontrei<br />
vegetação do tipo caatinga arbustiva <strong>de</strong>nsa.<br />
Para localizar a localida<strong>de</strong> tipo <strong>de</strong> C. barbarabrownae era necessário encontrar um<br />
local chamado Lamarão, on<strong>de</strong>, em 1903, foi coletada a série <strong>de</strong> peles utilizada por<br />
Hershkovitz, em 1990, para <strong>de</strong>screver a espécie. Hill (1960) cita como localida<strong>de</strong> tipo <strong>de</strong> C.<br />
37
gigot gigot algum lugar “próximo a Ilhéus, sul da Bahia, Brasil”, provavelmente com base<br />
em Spix (1823), mas também registra que há uma pele no Museu Britânico, coletada por A.<br />
Robert em Lamarão, Bahia, 300 m <strong>de</strong> altitu<strong>de</strong> (coor<strong>de</strong>nadas geográficas não fornecidas).<br />
Isto <strong>de</strong>ixa claro que Hill (1960) e Hershkovitz (1990 a) se referiam ao mesmo local e aos<br />
mesmos espéciemens, embora utilzassem nomenclatura diferente. Por isso, encontrar<br />
Lamarão, saber se lá ainda há guigós e vê-los, se tornaram questões cruciais para este<br />
trabalho.<br />
É possível localizar nos mapas da Bahia uma localida<strong>de</strong> com o nome “Lamarão”,<br />
uma chamada “Lamarão do Passé” e ainda uma outra conhecida como “Lameirão” (IBGE,<br />
2005). Esta última foi <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rada por estar na margem esquerda do rio São Francisco,<br />
fora da área <strong>de</strong> distribuição dos guigós. Havia também a informação, registrada pelo coletor<br />
A. Robert, <strong>de</strong> que a localida<strong>de</strong> tipo ficava próxima à linha do trem entre as vilas <strong>de</strong> Água<br />
Fria (sul) e Serrinha (norte), 11°45'S, 38°53'W, a 300 m <strong>de</strong> altitu<strong>de</strong>, aproximadamente 140<br />
km e a noroeste da Bahia (Vanzolini & Papávero 1968; IBGE 1972). Bahia, segundo<br />
Sampaio (2002), é como se chamava Salvador há cerca <strong>de</strong> 100 anos. A propósito, existe<br />
ainda no Museu Britânico o mapa utilizada por Oldfield Thomas (que recebeu os espécimes<br />
<strong>de</strong> Robert): Stieler’s Hand-Atlas, Gotha: Justus Perthes, 1905. Thomas fez inúmeras<br />
anotações no mapa em lápis. D. Brandon-Jones (ex-funcionário do Museu Britânico)<br />
informou que no mapa está sublinhado Lamarão próximo a Salvador. Paynter and Traylor<br />
(1991) também informaram que, em 1903, para fins <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> espécimes zoológicos,<br />
Alphonse Robert visitou “Lamarão, Bahia, 291 m, on railroad 140 km NW of Salvador,<br />
eastern Bahia”.<br />
Durante expedição realizada entre maio e junho <strong>de</strong> 2004, em Lamarão do Passé,<br />
através do informante L.A.G., 51 anos, agricultor, localizei um fragmento <strong>de</strong> mata <strong>de</strong>ntro<br />
38
<strong>de</strong> uma fazenda ocupada pelo Movimento dos Sem Terra (MST). Após dois dias <strong>de</strong><br />
negociações com as li<strong>de</strong>ranças, as matas pu<strong>de</strong>ram ser percorridas em busca dos guigós. Ali<br />
registrei Callicebus coimbrai Kobayashi & Langguth, 1999, ampliando o limite sul <strong>de</strong><br />
distribuição <strong>de</strong>sta espécie, que era o rio Itapicuru, até o recôncavo baiano. As coor<strong>de</strong>nadas<br />
são: 12°29'51"S, 38°22'35"W; altitu<strong>de</strong> 53 m.<br />
Porém, persistia o problema <strong>de</strong> encontrar o local on<strong>de</strong> o francês Alphonse Robert<br />
havia coletado oito guigós em 1903 e enviado para O. Thomas do British Museum. Sendo<br />
assim, durante outra expedição, realizada entre setembro e outubro <strong>de</strong> 2004, visitei uma<br />
segunda localida<strong>de</strong> chamada Lamarão, <strong>de</strong>sta vez um município a 170 km <strong>de</strong> Salvador.<br />
Selecionei o informante Z. S., nascido em 1911 (oito anos após a coleta <strong>de</strong> A. Robert) e que<br />
passou toda a sua vida ao lado da linha do trem <strong>de</strong> Lamarão. Ele reconheceu a vocalização<br />
dos animais, porém afirmou que a espécie provavelmente estaria extinta naquela região.<br />
Como Lamarão é um município com 30 localida<strong>de</strong>s e o informante, <strong>de</strong>vido a sua avançada<br />
ida<strong>de</strong>, já não freqüentava as matas, continuei o processo seletivo. Através do informante J.<br />
S., 42 anos, caçador, localizei um fragmento <strong>de</strong> caatinga arbórea <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 240 ha na<br />
fazenda Marruais (11°49'55,3"S, 38°54'14,6"W; altitu<strong>de</strong> 270 m). Lá vimos quatro<br />
indivíduos do guigó que Spix (1823) classificou como Callithrix gigot, Hill (1960)<br />
classificou como Callicebus gigot gigot e Hershkovitz (1990a) como Callicebus personatus<br />
barbarabrownae. Estava finalmente encontrada a localida<strong>de</strong> tipo.<br />
39
Capítulo 2: Biogeografia do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae)<br />
Questões:<br />
• Quais os limites <strong>de</strong> distribuição da espécie?<br />
• Qual sua extensão <strong>de</strong> ocorrência?<br />
• Qual sua área <strong>de</strong> ocupação?<br />
1. Introdução: Prováveis origens do gênero Callicebus<br />
Definir a origem do gênero Callicebus no tempo e no espaço é tão complexo quanto<br />
estabelecer a origem <strong>de</strong> todos os primatas neotropicais. A gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> na<br />
ausência <strong>de</strong> seqüências fósseis completas, ficando as evidências muito aquém dos<br />
pressupostos.<br />
Entretanto, Defler (2003) fez uma boa revisão sobre os registros fósseis <strong>de</strong> primatas<br />
neotropicais, visando elaborar um guia <strong>de</strong> campo para os primatas da Colômbia. Segundo<br />
ele o número <strong>de</strong> fósseis é insuficiente para <strong>de</strong>finir suas posições filogenéticas. Além disso,<br />
todo o material disponível correspon<strong>de</strong> aos últimos 26 milhões <strong>de</strong> anos e provêm <strong>de</strong> seis<br />
lugares apenas: 1) sítio fóssil <strong>de</strong> Salla, na Bolívia (Oligoceno tardio/início do Mioceno); 2)<br />
afloramentos na Argentina (Mioceno, do início ao médio); 3) agrupamentos rochosos <strong>de</strong><br />
Honda, Colômbia (Mioceno médio); 4) rochas do rio Acre, Brasil (Mioceno tardio); 5)<br />
Depósitos em cavernas do Brasil e Caribe (Pleistosceno recente); 6) Depósitos vulcânicos<br />
no Chile. O fóssil neotropical mais antigo conhecido é uma mandíbula <strong>de</strong> Branisella<br />
boliviana, do Baixo Oligoceno (cerca <strong>de</strong> 25 m.a.), encontrado na Bolívia (Defler, 2003). No<br />
40
Chile, há mais ou menos 20 milhões <strong>de</strong> anos, viveu Chilecebus carrascoensis, do qual foi<br />
obtido o crânio completo em <strong>de</strong>pósitos vulcânicos; este é um dos mais importantes fósseis<br />
<strong>de</strong> primatas neotropicais já <strong>de</strong>scobertos, pois tem características que conectam os platirrinos<br />
aos primatas africanos (Defler 2003). Descoberto na Argentina, Dolicocebus gaimensis<br />
Kraglievich, 1951, do Mioceno (16 a 23 m.a.), é o primeiro primata algo semelhante a um<br />
Callicebus <strong>de</strong> que dispomos. A Tabela 4 resume as principais informações acerca do<br />
registro fóssil <strong>de</strong> primatas neotropicais e do gênero Callicebus.<br />
41
Tabela 4: Principais fósseis <strong>de</strong> primatas neotropicais (elaborada a partir <strong>de</strong> Defler,<br />
2003)<br />
Espécie Período Local <strong>de</strong> Coleta Características principais Autor<br />
Branisella<br />
boliviana<br />
Chilecebus<br />
carrascoensis<br />
Dolicocebus<br />
gaimensis<br />
Tremacebus<br />
harringtoni<br />
Soriacebus<br />
ameghinorum e<br />
S. adrianae<br />
Carlocebus<br />
carmensis e C.<br />
intermedius<br />
Homunculus<br />
patagonicus<br />
Neosaimiri<br />
fi<strong>de</strong>lsi (= Saimiri<br />
fi<strong>de</strong>lsi)<br />
Laventiana<br />
annectens<br />
Patasola<br />
magdalenae<br />
Lagonimico<br />
conculatus<br />
Baixo<br />
Oligoceno<br />
Início do<br />
Mioceno<br />
(16 m.a.)<br />
Mioceno<br />
(16 a 23 m.a.)<br />
Mioceno<br />
Superior<br />
Mioceno<br />
Tardio<br />
(17,5 a 16,5<br />
m.a.)<br />
Do início ao<br />
médio<br />
Mioceno<br />
Início<br />
Mioceno<br />
(16 m.a.)<br />
do<br />
Mioceno<br />
(11,8 a 13,5<br />
m.a.)<br />
Mioceno<br />
(11,8 a 13,5<br />
m.a.)<br />
Mioceno<br />
(11,8 a 13,5<br />
m.a.)<br />
Mioceno<br />
(13,5 a 12,9<br />
m.a.)<br />
Bolívia Dentes semelhantes a Saimiri,<br />
afinida<strong>de</strong> com calitriquí<strong>de</strong>os; peso<br />
≅ 1 kg; não habitava bosques<br />
úmidos<br />
An<strong>de</strong>s chilenos Fórmula <strong>de</strong>ntal 2/2,1/1,3/3,3/3;<br />
peso ≅ 1 – 1,2 Kg<br />
Argentina Peso ≅ 3 kg; <strong>de</strong>ntes semelhantes<br />
aos <strong>de</strong> fósseis do Egito;<br />
semelhanças com Saimiri,<br />
Callicebus, Cebus e Aotus<br />
Argentina Provável ancestral dos<br />
calitriquí<strong>de</strong>os, para Hershkovitz e<br />
<strong>de</strong> Aotus ou Callicebus, para<br />
Rosenberger; peso ≅ 1 – 2kg;<br />
órbitas oculares gran<strong>de</strong>s<br />
Argentina Fórmula <strong>de</strong>ntal 2/2,1/1,3/3,3/3;<br />
peso ≅ 2kg; molares similares aos<br />
<strong>de</strong> Saguinus<br />
Argentina Fórmula <strong>de</strong>ntal 2/2,1/1,3/3,3/3;<br />
gran<strong>de</strong>s semelhanças com<br />
Callicebus<br />
Argentina Fórmula <strong>de</strong>ntal 2/2,1/1,3/3,3/3;<br />
peso ≅ 3kg; provável ancestral <strong>de</strong><br />
Aotus ou Callicebus; membros<br />
semelhantes aos <strong>de</strong> Callicebus;<br />
La Venta,<br />
Colombia<br />
La Venta,<br />
Colombia<br />
La Venta e<br />
Villavieja,<br />
Colombia<br />
La Venta e La<br />
Victoria,<br />
Colombia<br />
saltador, diurno, foli-frugívoro<br />
Provável ancestral <strong>de</strong> Saimiri,<br />
porém mais robusto; quadrúpe<strong>de</strong>,<br />
arbóreo<br />
Intermediário entre Saimiri e os<br />
calitriquí<strong>de</strong>os<br />
Peso ≅ 400 – 600g; talvez a meio<br />
caminho entre os calitriquí<strong>de</strong>os e<br />
Callimico<br />
Ancestral direto dos calitriquí<strong>de</strong>os<br />
mo<strong>de</strong>rnos, Peso ≅ 1 – 2kg<br />
Hoffstetter,<br />
1968, 1969<br />
Flynn, Wyss,<br />
Charrier &<br />
Swisher, 1995<br />
Kraglievich,<br />
1951<br />
Rusconi,<br />
1933,1935<br />
Fleagle, 1990<br />
Fleagle, 1990<br />
Ameghino,<br />
1891<br />
Stirton, 1951<br />
Rosenberger,<br />
Hartweg &<br />
Wolff, 1991<br />
Kay, 1989<br />
Kay, 1994<br />
42
Espécie Período Local <strong>de</strong> Coleta Características principais Autor<br />
Micodon<br />
kiotensis<br />
Cebupithecia<br />
sarmientoi<br />
Stirtonia<br />
tatacoensis<br />
Mohamico<br />
hershkovitzi<br />
Nuciruptor<br />
rubricae<br />
Aotus din<strong>de</strong>nsis<br />
Protopithecus<br />
brasiliensis<br />
Xenothrix<br />
mcgregori<br />
Antillothrix<br />
bernensis<br />
Caipora<br />
bambuiorum<br />
Paralouatta<br />
varoni<br />
Mioceno<br />
(11,8 a 13,5<br />
m.a.)<br />
Mioceno<br />
Superior<br />
Mioceno<br />
(11,8 a 13,5<br />
m.a.)<br />
Mioceno<br />
(11,8 a 13,5<br />
m.a.)<br />
Mioceno<br />
(11,8 a 13,5<br />
m.a.)<br />
Mioceno<br />
(11,8 a 13,5<br />
m.a.)<br />
Mioceno<br />
Tardio<br />
(6 a 9 m.a.)<br />
Pleistoceno<br />
Recente<br />
Depósitos<br />
recentes<br />
(3800 anos)<br />
La Venta,<br />
Colombia<br />
La Venta,<br />
Colombia<br />
La Venta,<br />
Colombia<br />
La Venta,<br />
Colombia<br />
La Venta,<br />
Colombia<br />
La Venta,<br />
Colombia<br />
Lagoa Santa,<br />
Brasil<br />
Jamaica<br />
República<br />
Dominicana<br />
Possível ancestral dos<br />
calitriquí<strong>de</strong>os ou dos pithecinos.<br />
Peso ≅ 2 – 3 kg; provável<br />
ancestral <strong>de</strong> Pithecia<br />
Maior fóssil <strong>de</strong> cebí<strong>de</strong>o<br />
conhecido; peso ≅ 6kg; provável<br />
ancestral <strong>de</strong> Alouatta<br />
Peso ≅ 1kg; possível ancestral <strong>de</strong><br />
Callimico<br />
Peso ≅ 2kg; ancestral dos<br />
pithecineos; provável predador <strong>de</strong><br />
sementes.<br />
Ancestral <strong>de</strong> Aotus;<br />
provavelmente noturno<br />
Peso ≅ 21kg (40% > Brachyteles);<br />
parcialmente terrestre<br />
Análises cladísticas <strong>de</strong>monstram<br />
afinida<strong>de</strong>s com Callicebus;<br />
espécie gigante <strong>de</strong> ilha<br />
provavelmente extinta pela caça<br />
Mandíbula ≅ 2 o dobro <strong>de</strong><br />
Saimiri; espécie gigante,<br />
provavelmente extinta pela caça<br />
Pleistoceno Bahia, Brasil Peso ≅ 20kg; semelhante a Ateles;<br />
parcialmente terrestre<br />
Pleistoceno Cuba Crânio semelhante ao <strong>de</strong><br />
Alouatta, porém mais relacionado<br />
a Antillothrix bernensis<br />
Sertoguchi &<br />
Rosenberger,<br />
1985<br />
Stirton, 1951<br />
Stirton, 1951<br />
Defler, 2003<br />
Meldrum<br />
Kay, 1997<br />
&<br />
Sertoguchi &<br />
Rosenberger,<br />
1987<br />
Lund, 1837<br />
Defler, 2003<br />
Rimoli, 1977<br />
Hartwig &<br />
Cartelle, 1996<br />
Rivero &<br />
Arredondo,<br />
1991<br />
43
Hershkovitz (1963, 1977, 1988a, 1990a) acreditava que a origem do gênero<br />
Callicebus fosse na região do alto Amazonas, tendo os primatas posteriormente dispersado<br />
para as terras mais baixas através das florestas <strong>de</strong> galeria dos cursos dos rios. Esta dispersão<br />
teria ocorrido principalmente durante as mudanças climáticas do período quaternário.<br />
Fragmentações e interrupções das rotas <strong>de</strong> dispersão provocadas pela gênese dos rios teriam<br />
isolado populações, resultando padrões <strong>de</strong> simpatria e especiação gradativa. Estas idéias<br />
formam a Teoria da Dispersão Centrípeta.<br />
Entretanto, Kinzey (1982, 1997) não concordava com ela. A existência <strong>de</strong><br />
subespécies próximas com distribuição disjunta na bacia <strong>de</strong> um mesmo rio, a ocorrência <strong>de</strong><br />
duas ou mais subespécies entre dois ou mais rios e <strong>de</strong> hibridização alopátrica ou integração<br />
secundária entre bem <strong>de</strong>finidas subespécies adjacentes são situações que ocorrem com os<br />
primatas neotropicais e, segundo o autor, não po<strong>de</strong>m ser explicadas através da teoria da<br />
dispersão centrípeta (Kinzey, 1982). Para explicar a especiação do gênero Callicebus,<br />
Kinzey (1982, 1997) utilizava a Teoria dos Refúgios do Pleistoceno, segundo a qual<br />
mudanças climáticas nos últimos milhões <strong>de</strong> anos do quaternário, tais como uma marcada<br />
diminuição da precipitação durante períodos frios e secos, teriam causado a fragmentação<br />
<strong>de</strong> regiões <strong>de</strong> florestas e <strong>de</strong> outros tipos <strong>de</strong> vegetação, restando refúgios nos quais os<br />
primatas e outros organismos teriam escapado (Ab’Saber, 1977; Defler, 2003). Tais<br />
refúgios teriam inclusive originado gêneros <strong>de</strong> primatas endêmicos da Mata Atlântica,<br />
como Brachyteles e Leontopithecus (Kinzey, 1982). Para Kinzey (1997), os fósseis <strong>de</strong><br />
Callicebus encontrados por Lund em 1839, numa caverna em Lagoa Santa (<strong>Minas</strong> <strong>Gerais</strong>),<br />
estariam <strong>de</strong>ntro da extensão oeste da distribuição <strong>de</strong> Callicebus personatus melanochir, a<br />
partir do refúgio central da Bahia. Seguindo esta lógica as origens <strong>de</strong> C. barbarabrownae<br />
Hershkovitz, 1990 estariam na Mata Atlântica e não na Amazônia.<br />
44
O <strong>de</strong>bate entre Kinzey e Hershkovitz dominou a discussão sobre as origens do<br />
gênero Callicebus durante muitos anos. Até hoje não há um consenso sobre isto, embora a<br />
Teoria dos Refúgios do Pleistosceno seja atualmente mais aceita para os primatas em geral<br />
(Futuyma, 1996; Strier, 1992).<br />
Tenha o gênero Callicebus surgido na Amazônia, como <strong>de</strong>fendia Hershkovitz, ou na<br />
Mata Atlântica, como pensava Kinzey, ainda <strong>de</strong>ve haver evidências biológicas das relações<br />
entre estes importantes biomas, consi<strong>de</strong>rando que até hoje há espécies <strong>de</strong> Callicebus em<br />
ambos. Deve haver espécies arbóreas que <strong>de</strong>monstrem as complexas conexões entre a<br />
Amazônia, a Mata Atlântica e a Caatinga, on<strong>de</strong> vive C. barbarabrownae. Caso contrário,<br />
como explicar que um primata arborícola tenha colonizado as caatingas mais continentais<br />
do Brasil?<br />
Para Rizzini (1967) apud Coimbra-Filho e Câmara (1996), a flora brasileira<br />
pertence à Região Tropical Americana <strong>de</strong> Engler, po<strong>de</strong>ndo ser dividida em três províncias:<br />
Amazônica, Atlântica e Central, com suas respectivas comunida<strong>de</strong>s vegetais peculiares e<br />
fitofisionomias características, embora mantenham relações florísticas e possuam<br />
numerosos táxons filogeneticamente próximos. Ainda segundo aqueles autores, a vegetação<br />
da Caatinga <strong>de</strong>monstra elementos das três províncias, que po<strong>de</strong>m ter se dispersado através<br />
das matas ripárias dos gran<strong>de</strong>s rios, como o São Francisco, o Itapicuru e o Vaza-Barris, os<br />
maiores e mais perenes da Caatinga baiana.<br />
Consi<strong>de</strong>rando tais interconexões pretéritas, às quais também fez referência<br />
Hershkovitz (1988a), garantidas por gran<strong>de</strong>s corredores naturais <strong>de</strong> matas ripárias, a<br />
vegetação da Caatinga apresenta:<br />
45
“Inegável mistura <strong>de</strong> táxons das floras hiléianas e atlânticas,<br />
acrescidas <strong>de</strong> numerosas vicariâncias, elementos hamadriáticos<br />
peculiares, formas do cerrado e espécies <strong>de</strong> indiscutível origem<br />
chaquenha e pantaneira” Coimbra-Filho e Câmara (1996, p.10–<br />
11).<br />
Rizzini (1967) incluía na Província Atlântica o domínio das caatingas, que chamava<br />
hamadría<strong>de</strong>s; segundo ele suas relações se aproximam das floras atlântica e chaquenhopantaneira<br />
mais do que da amazônica, como se constata através da presença dos gêneros<br />
Aspidosperma, Astronium, Bumelia, Copernica, Schinopsis e Ziziphus. O autor afirma que<br />
mais <strong>de</strong> 50% das espécies da flora da Caatinga provêm da cordilheira marítima. Observa,<br />
entretanto, que as matas do su<strong>de</strong>ste baiano possuem elevado contingente <strong>de</strong> espécies<br />
amazônicas e que na Caatinga são encontrados ainda elementos da vegetação do Cerrado e<br />
do Chaco (argentino, boliviano e paraguaio).<br />
Além das espécies da flora, há também entre os elementos da fauna florestal<br />
evidências <strong>de</strong> influência hiléianas e atlântica na região da Caatinga:<br />
“Apesar da <strong>de</strong>vastação que eliminou a quase totalida<strong>de</strong> das<br />
formações silvestres do nor<strong>de</strong>ste, muitos animais <strong>de</strong><br />
procedência amazônica ainda sobrevivem em remanescentes (=<br />
brejos, refúgios ou enclaves) do outrora vasto continuum<br />
formado pelas anastomoses e coalescências <strong>de</strong> diversos tipos<br />
<strong>de</strong> formações florestais no nor<strong>de</strong>ste, como matas orográficas,<br />
matas ripárias, e matas secas <strong>de</strong>cíduas (= caatingas), as quais<br />
ainda no século XVI <strong>de</strong>viam manter certa continuida<strong>de</strong> com<br />
ecossistemas silvestres <strong>de</strong> outras províncias, permitindo o<br />
trânsito faunístico entre a hiléia e o nor<strong>de</strong>ste, tanto pela costa<br />
como pelo interior”. Coimbra-Filho e Câmara (1996, p.19)<br />
Infelizmente, dado o atual estágio <strong>de</strong> <strong>de</strong>vastação da Caatinga, lucubrações acerca da<br />
distribuição das espécies e das suas relações filogenéticas são imprecisas e provisórias. A<br />
biogeografia se fez refém da história do uso da terra e as hipóteses, nem sempre testáveis,<br />
ficaram à mercê <strong>de</strong> evidências pontuais e esparsas.<br />
46
2. Métodos<br />
2.1 Definição do roteiro das campanhas<br />
A gran<strong>de</strong> área geográfica a ser coberta pelo presente projeto foi o seu primeiro<br />
<strong>de</strong>safio. A região verificada compreen<strong>de</strong> o Estado da Bahia, entre os rios São Francisco e<br />
Jequitinhonha, o Estado <strong>de</strong> Sergipe, na região <strong>de</strong> transição entre a Mata Atlântica e a<br />
Caatinga, e ainda uma parte do Estado <strong>de</strong> Alagoas, entre os municípios <strong>de</strong> Delmiro Gouveia<br />
Olhos D’água do Casado. Ao longo <strong>de</strong> um ano e dois meses foram percorridos 21.168 km<br />
em cinco campanhas, compreen<strong>de</strong>ndo uma superfície <strong>de</strong> 353.925 km 2 .<br />
Tendo em vista o objetivo <strong>de</strong> cada campanha ou expedição, <strong>de</strong>fini cinco setores<br />
arbitrários <strong>de</strong> investigação, utilizando imagens <strong>de</strong> satélite disponíveis no sítio da Fundação<br />
SOS Mata Atlântica e cartas em escala 1:1.650.000 e 1:10.000. Levei em consi<strong>de</strong>ração para<br />
esta <strong>de</strong>finição: a) o objetivo específico da campanha; b) a provável existência <strong>de</strong> matas<br />
orográficas e/ou caatingas arbóreas nas localida<strong>de</strong>s; c) a presença <strong>de</strong> rodovias e/ou estradas;<br />
d) relatos sobre a possível presença <strong>de</strong> guigó feitos ao longo do projeto “Avaliação das<br />
populações do macaco-prego-do-peito-amarelo (Cebus xanthosternos Wied-Neuwied,<br />
1826) e proposta <strong>de</strong> estratégia para manejo e conservação da espécie” (Gabriel dos Santos<br />
Rodrigues, com. pess.); e) registros anteriores arquivados no BDGEOPRIM (Hirsch, 2005)<br />
(Fig. 05); f) áreas apontadas no documento: “Avaliação e ações prioritárias para a<br />
conservação da biodiversida<strong>de</strong> da Caatinga” (Ministério do Meio Ambiente, 2002), como<br />
sendo <strong>de</strong> importância biológica extrema, muito alta, alta ou <strong>de</strong> informação insuficiente,<br />
para mamíferos, aves e flora; g) disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> combustível para percorrer no máximo<br />
5.000 km por campanha, num período <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 30 dias. A Tabela 5 resume as<br />
campanhas do projeto “Distribuição e status do guigó-da-caatinga Callicebus<br />
47
arbarabrownae Hershkovitz, 1990” com seus respectivos períodos, duração, objetivos,<br />
distâncias percorridas e agências financiadoras.<br />
Tabela 5: Expedições do projeto “Distribuição e status do guigó-da-caatinga Callicebus<br />
barbarabrownae Hershkovitz, 1990” com seus respectivos períodos, duração, objetivos,<br />
distâncias percorridas e agências financiadoras<br />
Expedição Período Duração<br />
(dias)<br />
Objetivo<br />
Distância Financiamento<br />
percorrida<br />
(km)<br />
5661 Fund. Margot Marsh,<br />
Lampião 06.06.04 34 Limite E;<br />
09.07.04<br />
levantamento<br />
CI, Capes<br />
Hamadrya<strong>de</strong>s 14.09.04 29 Encontrar a 4237 CI, CEPF,<br />
12.10.04<br />
localida<strong>de</strong><br />
Capes<br />
tipo;<br />
levantamento<br />
Juazeiro 02.12.04 17 Limite N; 3485 CI, CEPF,<br />
19.12.04<br />
levantamento<br />
Capes<br />
Chapada 12.01.05 20 Limite S; 3047 CI, CEPF,<br />
Diamantina 31.01.05<br />
Levantamento<br />
Capes<br />
Spix 04.04.05 30 Limite W; 4738 CI, CEPF,<br />
03.05.05<br />
Levantamento<br />
Capes<br />
Total - 130 - 21168 -<br />
Dentro <strong>de</strong> cada setor <strong>de</strong> investigação, as localida<strong>de</strong>s foram sendo sugeridas por<br />
informantes selecionados em entrevistas realizadas nas comunida<strong>de</strong>s visitadas.<br />
As expedições foram realizadas utilizando um veículo Toyota 4 x 4 ano 1998, um<br />
GPS Garmin ® mo<strong>de</strong>lo Etrex Venture com acurácia máxima <strong>de</strong> 6 m, duas bússolas Recta ®<br />
com sistema universal, um mapa rodoviário em escala 1: 1.650.000<br />
(www.guia4rodas.com.br), além <strong>de</strong> cartas elaboradas pela extinta Superintendência <strong>de</strong><br />
Desenvolvimento do Nor<strong>de</strong>ste (SUDENE), quando disponíveis (escala 1:10.000). Também<br />
48
foram percorridos trechos não mapeados, como aqueles entre Canudos e Monte Santo e na<br />
região do Vale do Rio Salitre (oeste da Bahia), por exemplo.<br />
Figura 5: Registros anteriores da ocorrência <strong>de</strong> Callicebus barbarabrownae Hershkovitz,<br />
1990 segundo o BDGEOPIM - Banco <strong>de</strong> Dados Georreferenciados das Localida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Ocorrência <strong>de</strong> Primatas Neotropicais (Hirsch, 2005) (s.n. = espécie nova)<br />
49
2.2 Seleção <strong>de</strong> informantes<br />
Foi utilzado o método <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> informantes através <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> referência<br />
também cohecido como “bola <strong>de</strong> neve” (Davis & Wagner, 2003). A <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>talhada <strong>de</strong><br />
como se <strong>de</strong>u o processo será apresentada no Capítulo 3 <strong>de</strong>sta tese.<br />
2.3 Localização dos animais<br />
Quanto aos animais, procurei-os nas áreas indicadas pelos informantes,<br />
normalmente no período da manhã. Observei que do meio dia até às 14h os guigós ficavam<br />
letárgicos e raramente vocalizam. Das 14h às 17h eles voltam a vocalizar, provavelmente<br />
<strong>de</strong>marcando territórios e procurando sítios-dormitório. Em alguns casos procurei os animais<br />
neste horário, mas foi dada preferência ao período da manhã, entre as 7h e às 12h, quando<br />
eles estavam mais ativos. O período da tar<strong>de</strong>, especialmente após as 17 h, se revelou<br />
a<strong>de</strong>quado para a busca <strong>de</strong> informantes.<br />
Para atrair os guigós utilizei um equipamento <strong>de</strong> playback, com uma gravação feita<br />
a partir do CD “Sounds of Neotropical Rainforest Mammals” (Emmons et al., 1997). O<br />
áudio reproduz as vocalizações <strong>de</strong> Callicebus personatus (E. Geoffroy, 1812), mas foi<br />
respondido por C. barbarabrownae Hershkovitz, 1990, C. coimbrai Kobayashi &<br />
Langguth, 1999 e C. melanochir (Wied-Neuwied, 1820). Foi realizada uma gravação da<br />
vocalização <strong>de</strong> C. barbarabrownae juntamente com o pesquisador Marcelo Sousa<br />
(<strong>Universida<strong>de</strong></strong> Tira<strong>de</strong>ntes, Sergipe), utilizando equipamento ornitológico com gravador<br />
direcional, nos municípios <strong>de</strong> Sítio do Quinto e Cel. João Sá (Bahia). Tentamos utilizar esta<br />
gravação em substituição àquela <strong>de</strong> Callicebus personatus, para localizar C.<br />
50
arbarabrownae, mas observamos que os animais respondiam melhor à segunda do que à<br />
primeira. Isto provavelmente se <strong>de</strong>u <strong>de</strong>vido à qualida<strong>de</strong> superior da gravação <strong>de</strong> C.<br />
personatus, que foi editada em estúdio, tendo sido eliminados os ruídos <strong>de</strong> fundo<br />
(principalmente vocalizações <strong>de</strong> aves). Seguimos, então, utilizando a gravação <strong>de</strong> C.<br />
personatus durante o projeto.<br />
Uma vez atraídos pelo playback, os animais eram seguidos e i<strong>de</strong>ntificados com o<br />
auxílio <strong>de</strong> um binóculo 10 x 50 mm. Quando possível, também eram fotografados. Os<br />
avistamentos foram em geral breves (<strong>de</strong> 1 a 5 minutos).<br />
Em algumas áreas on<strong>de</strong> não foi possível visualizar os animais foram realizados<br />
registros por vocalização. Das três espécies <strong>de</strong> Callicebus em questão, somente C.<br />
barbarabrownae foi registrado <strong>de</strong>sta maneira. Estes registros foram feitos apenas em<br />
situações <strong>de</strong> levantamento populacional, jamais para a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> limites entre espécies.<br />
Somente quando não havia nenhuma dúvida acerca dos limites <strong>de</strong> distribuição em relação a<br />
C. coimbrai ou C. melanochir, na região em questão, e quando realmente não era possível<br />
penetrar a Caatinga para ver os animais, o registro auditivo foi consi<strong>de</strong>rado válido. Para<br />
esta validação também foi levada em conta à i<strong>de</strong>ntificação feita pelo informante a partir <strong>de</strong><br />
fotografias e pranchas. Ao todo, 37% dos registros foram auditivos.<br />
2.4 Classificação das formações vegetais<br />
A vegetação das regiões percorridas em busca do guigó-da-caatinga foi classificada<br />
<strong>de</strong> acordo com Andra<strong>de</strong>-Lima (1966) (Fig. 06) visando estabelecer qual (is) o(s) hábitat(s)<br />
preferencial (is) da espécie, ou pelo menos, qual o(s) ambiente (s) on<strong>de</strong> hoje, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 400<br />
anos <strong>de</strong> agricultura e pecuária, seria mais provável encontrá-la.<br />
51
Figura 6: Classificação da vegetação do Brasil segundo Andra<strong>de</strong>-Lima (1966)<br />
52
Devido à gran<strong>de</strong> área a ser percorrida e ao exíguo tempo <strong>de</strong> permanência em cada<br />
localida<strong>de</strong>, não foram realizados levantamentos fitossociológicos, sendo a vegetação<br />
classificada fisionomicamente. O conhecimento das comunida<strong>de</strong>s locais sobre a<br />
fitofisionomia das suas regiões foi crucial. A propósito, verifiquei uma estreita relação entre<br />
as classificações populares, obtidas através <strong>de</strong> relatos <strong>de</strong> informantes, aqui chamadas<br />
etnofitogeográficas, e algumas classificações científicas. Essa relação foi resumida na<br />
Tabela 6.<br />
Além dos autores citados na Tabela 6, Ferri (1980) reconheceu gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> formações vegetacionais na Caatinga, utilizando, para <strong>de</strong>nominá-las, uma adaptação da<br />
nomenclatura regional. São exemplos da sua classificação: agreste, carrasco, sertão, cariri e<br />
seridó. Entretanto, Velloso et al. (1991), em busca <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> classificação mais<br />
universal, <strong>de</strong>finem a vegetação da Caatinga como savana estépica, sudividindo-a em quatro<br />
outras categorias: savana estépica florestada, arborizada, parque e gramíneo-lenhosa. Em<br />
1993, o IBGE publicou um mapa, escala 1:5.000.000, no qual a Caatinga ocupa uma área<br />
<strong>de</strong> 777.915,08 km 2 . No referido mapa são apontados 19 tipos <strong>de</strong> Caatinga (IBGE, 1993;<br />
Tabarelli & Vicente, 2004). A diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> espécies e o en<strong>de</strong>mismo acompanham essa<br />
diversida<strong>de</strong> fisionômica. Giulietti et al. (2002) listaram 318 espécies <strong>de</strong> plantas endêmicas<br />
da Caatinga, distribuídas em 18 gêneros. Entretanto em recente revisão sobre as<br />
classificações da Caatinga, Giulietti et al. (2004), optaram por seguir as mesmas seis<br />
gran<strong>de</strong>s unida<strong>de</strong>s propostas por Andra<strong>de</strong>-Lima (1981). Andra<strong>de</strong>-Lima foi o pesquisador<br />
que mais se <strong>de</strong>dicou a i<strong>de</strong>ntificar e compreen<strong>de</strong>r as comunida<strong>de</strong>s vegetais que formam a<br />
Caatinga (Giulietti et al., 2004; Maria Luiza Porto, com. pess.). Suas classificações são<br />
muito úteis no campo, por serem simultaneamente <strong>de</strong>scritivas e ecológicas.<br />
53
Tabela 6: Classificações etnofitogeográfica e científica para as fitofisionomias da Caatinga<br />
Etnofitogeográfica<br />
Caatinga (Bahia e<br />
Sergipe)<br />
Caatinga (Bahia e<br />
Sergipe)<br />
Carrasco (Canudos,<br />
Monte Santo, N e W<br />
da Chapada<br />
Diamantina)<br />
Japão (Cícero<br />
Dantas); Matas <strong>de</strong><br />
cipó (Planalto <strong>de</strong><br />
Conquista)<br />
Encosto das <strong>Gerais</strong><br />
(Serra <strong>de</strong> Sincorá e<br />
Chapada Diamantina)<br />
Caatinga <strong>de</strong> altitu<strong>de</strong>,<br />
Caatinga <strong>de</strong> cerrado<br />
(Abaíra); Mata<br />
rupestre (Miguel<br />
Calmon)<br />
Mata-<strong>de</strong>-cabeceira,<br />
mata-<strong>de</strong>-beira-<strong>de</strong>-rio<br />
Segundo<br />
Andra<strong>de</strong>-Lima<br />
(1966)<br />
Caatingas<br />
arbóreas <strong>de</strong>nsas,<br />
florestas<br />
serranas<br />
Caatingas<br />
arbustivas<br />
esparsas<br />
Caatingas<br />
arbustivas<br />
<strong>de</strong>nsas<br />
Matas secas,<br />
Matas <strong>de</strong> cipó,<br />
agrestes<br />
Segundo<br />
(1993)<br />
Estepe/<br />
Arborizada/<br />
Estacional<br />
Semi<strong>de</strong>cidual<br />
Estepe/<br />
Florestada/<br />
Estacional<br />
Semi<strong>de</strong>cidual<br />
Savana,<br />
Arborizada,<br />
Estacional<br />
IBGE<br />
Estepe<br />
Floresta<br />
Estepe<br />
Floresta<br />
Estepe<br />
Floresta<br />
Estepe/ Floresta<br />
Estacional<br />
Semi<strong>de</strong>cidual<br />
Matas mesófilas Estepe/<br />
Estacional<br />
Semi<strong>de</strong>cidual<br />
Caatingas<br />
arbóreas abertas<br />
Floresta<br />
Segundo<br />
Coimbra-Filho e<br />
Câmara (1996)<br />
Caatingas secas<br />
arbóreas<br />
Caatingas secas<br />
não-arbóreas<br />
Caatingas<br />
arbustivas <strong>de</strong>nsas<br />
Matas orográficas<br />
e agrestes<br />
Matas orográficas<br />
e agrestes<br />
Savana Caatingas secas<br />
arbóreas<br />
- Savana/Estepe/Floresta<br />
Estacional<br />
Semi<strong>de</strong>cidual<br />
Matas ripárias<br />
Devido à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar as formações da Caatinga in situ, com vistas a<br />
apontar aquelas <strong>de</strong> maior importância para o guigó e também tendo em consi<strong>de</strong>ração a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um viés arbóreo na classificação a ser utilizada, optei por uma das<br />
primeiras propostas <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>-Lima, publicada pelo IBGE em mapa <strong>de</strong> 1966 (Andra<strong>de</strong>-<br />
Lima, 1966) (Fig. 06). Para este autor, a classificação geral da Caatinga seria “floresta<br />
megatérmica xerofítica do nor<strong>de</strong>ste caducifólia espinhosa”. As subcategorias utilizadas<br />
54
para a classificação fisionômica da Caatinga no presente trabalho foram as seguintes<br />
(nomenclatura científica atualizada a partir <strong>de</strong> Giulietti et al., 2002):<br />
2.4.1 Caatingas arbóreas <strong>de</strong>nsas<br />
Fisionomicamente são os ambientes mais florestais da Caatinga. A Caatinga arbórea<br />
<strong>de</strong>nsa po<strong>de</strong> atingir 20 m <strong>de</strong> altura e formar dossel contínuo. As bromélias, entretanto,<br />
ocorrem ao nível do solo.<br />
Predominam o pau-pereiro Aspidosperma pirifolium Mart., os juazeiros Zizyphus<br />
joazeiro Mart. e Z. cotinifolia Reiss, os angicos Pipta<strong>de</strong>nia irwinii G.P. Lewis var. irwinii,<br />
P. moniliformis Benth., P. obliqua (Pers.) J.F. Macb., P. stipulacea (Benth.) Ducke, P.<br />
viridiflora (Kunth) Benth., o pau-ferro Caesalpinia ferrea Mart. ex Tul., a barriguda<br />
Chorisia cf. ventricosa, o licuri Syagrus coronata (Mart.) Becc., a imburana Amburana<br />
cearensis (Allemão) A.C. Smith e arbustos isolados.<br />
2.4.2 Caatingas arbóreas abertas<br />
Sua composição específica é muito semelhante àquela das caatingas arbóreas<br />
<strong>de</strong>nsas, porém as árvores estão distribuídas esparsamente, sem formar dossel. Seu aspecto<br />
geral lembra o Cerrado. Estão localizadas em terras altas, sendo comuns na Serra do<br />
Espinhaço baiana.<br />
55
2.4.3 Caatingas arbustivas esparsas<br />
As associações vegetais crescem em grupos, mas não formam dossel. Há<br />
predomínio <strong>de</strong> cactáceas como o facheiro Cereus cf. squamatus, o mandacaru Cereus<br />
jamacaru DC. spp. jamacaru, o xiquexique Pilosocereus gounellei (Weber) Byles &<br />
Rowley spp. gounellei, não ocorrendo árvores (Exemplo: vegetação ao norte do Raso da<br />
Catarina, Bahia).<br />
2.4.4 Caatingas arbustivas <strong>de</strong>nsas<br />
As cactáceas e euforbiáceas (gêneros Euphorbia, Jatropha e Cnidoscolus) são<br />
abundantes em meio a árvores isoladas. São comuns ainda os marmeleiros (Croton sp.).<br />
Apresenta formações que a aproximam da vegetação <strong>de</strong> campos. São popularmente<br />
conhecidas como “carrasco” em várias regiões da Bahia.<br />
2.4.5 Matas <strong>de</strong> cipó, agrestes e matas mesófilas<br />
Matas <strong>de</strong> cipó são as florestas pluviais costeiras <strong>de</strong> elevação, localizadas nas<br />
encostas das montanhas e, por isso, com pluviosida<strong>de</strong> mais elevada do que nas hamadría<strong>de</strong>s<br />
propriamente ditas. Entretanto são igualmente <strong>de</strong>cíduas. Há <strong>de</strong>signações populares<br />
regionais para este tipo <strong>de</strong> vegetação, tais como “japão” (provável corruptela <strong>de</strong> jalapão),<br />
na região <strong>de</strong> Cícero Dantas (Bahia).<br />
Outras florestas pluviais costeiras <strong>de</strong> elevação, porém com maior influência da<br />
altitu<strong>de</strong>, são encontradas nas escarpas da Chapada Diamantina, on<strong>de</strong> são chamadas<br />
popularmente <strong>de</strong> “encosto das gerais” ou simplesmente “gerais”. Andra<strong>de</strong>-Lima (1966)<br />
56
chamava essas matas <strong>de</strong> mesófilas, atribuindo-lhes composição florística algo diferente das<br />
matas <strong>de</strong> cipó. Giulietti et al. (2004) observam que a altitu<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ter colaborado para o<br />
enriquecimento <strong>de</strong> espécies daquelas comunida<strong>de</strong>s, por ter propiciado um isolamento<br />
durante as oscilações climáticas do Pleistosceno e do Quaternário.<br />
Matas com composição específica semelhante às matas <strong>de</strong> cipó, porém localizadas<br />
em áreas mais planas e, por isso, mais secas, com distribuição esparsa das árvores, são<br />
chamadas agrestes (Andra<strong>de</strong>-Lima, 1966, 1981; Giulietti et al., 2004). No agreste po<strong>de</strong><br />
haver palmeiras e cactáceas arbóreas. Esta formação se comunica com as matas <strong>de</strong> cipó<br />
(Andra<strong>de</strong>-Lima, 1966). Na região <strong>de</strong> Jeremoabo, por exemplo, ainda são encontrados<br />
agrestes.<br />
Nas matas <strong>de</strong> cipó, agrestes e matas mesófilas estão presentes os gêneros:<br />
Aspidosperma, Tecoma, Jacaranda, Terminalia, Luehea, Brsasiloxylon, Plathymenia,<br />
Dialium, Hymenaea, Anacardium, Inga, Pithecolobium, Erythrina, Machaerium,<br />
Caesalpina e Bowdichia, entre outros (Andra<strong>de</strong>-Lima, 1966). As bromélias são <strong>de</strong> hábito<br />
epifítico e não <strong>de</strong> solo, como aquelas que ocorrem nas caatingas arbóreas <strong>de</strong>nsas e abertas.<br />
2.4.6 Outras formações<br />
Foram encontrados relictos <strong>de</strong> matas ripárias (Andra<strong>de</strong>-Lima, 1966) acompanhando<br />
o <strong>de</strong>lta dos gran<strong>de</strong>s rios perenes da Caatinga baiana, ou seja, o Itapicuru, o Vaza-barris e o<br />
Ver<strong>de</strong>. Aquelas matas são caatingas arbóreas com dossel, localizadas em planícies<br />
alagáveis, provavelmente com gran<strong>de</strong> influência atlântica. Formações raras, hoje <strong>de</strong>struídas<br />
pelas pastagens, apresentam gran<strong>de</strong> presença <strong>de</strong> lianas e cipós.<br />
57
Foram visitados ainda fragmentos da floresta ombrófila <strong>de</strong>nsa strictu sensu,<br />
localizados ao leste da Bahia e em Sergipe.<br />
3. Resultados e discussão<br />
3.1 Resposta ao playback<br />
Todas as três espécies <strong>de</strong> Callicebus que foram objeto do presente estudo (C.<br />
barbarabrownae, C. coimbrai e C. melanochir) respon<strong>de</strong>ram ao playback, que utilizou<br />
vocalizações <strong>de</strong> C. personatus. Entretanto cabe observar que o guigó-da-caatinga (C.<br />
barbarabrownae) não respon<strong>de</strong>u durante o mês <strong>de</strong> novembro, período em que, segundo os<br />
informantes, as fêmeas estariam com filhotes lactantes. Também vale registrar que foi<br />
obtido somente um registro <strong>de</strong> C. melanochir e que estes animais pareceram perturbados<br />
com as vocalizações <strong>de</strong> C. personatus, respon<strong>de</strong>ndo agressivamente e fugindo, ao invés <strong>de</strong><br />
serem atraídos, como ocorre com C. barbarabrownae e C. coimbrai.<br />
Alguns aspectos da história natural dos animais, observados ao longo do projeto,<br />
foram úteis na tentativa <strong>de</strong> maximizar a resposta aos playbacks, como, por exemplo,<br />
reproduzir seqüências <strong>de</strong> vocalizações cada vez mais curtas, reduzindo o volume ao final <strong>de</strong><br />
cada seqüência. Outra estratégia importante foi executar “frases” completas, jamais<br />
interrompendo uma série <strong>de</strong> vocalizações durante a execução. Quando a frase era<br />
interrompida os animais não respondiam ou fugiam. Foi preciso utilizar o playback com<br />
muito cuidado, em situações favoráveis ao avistamento, pois quando a gravação era usada<br />
repetidamente, os guigós <strong>de</strong>iavam <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r.<br />
58
3.2 A vegetação e o guigó-da-caatinga<br />
A Figura 07 apresenta a carta <strong>de</strong> vegetação da Bahia (SEI, 2003) com os registros<br />
<strong>de</strong> C. barbarabrownae georeferenciados. Este mapa <strong>de</strong> vegetação foi escolhido para a<br />
plotagem dos dados <strong>de</strong> distribuição da espécie por ser esta a classificação oficialmente<br />
aceita no Estado da Bahia.<br />
59
Figura 7: Carta <strong>de</strong> vegetação do Estado da Bahia (SEI, 2003). Os círculos pretos vazados<br />
correspon<strong>de</strong>m às localida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> foi registrado o guigó-da-caatinga.<br />
60
De acordo com a classificação <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>-Lima (1966), o guigó-da-caatinga foi<br />
encontrado predominantemente na caatinga arbórea <strong>de</strong>nsa (65,7% dos registros), seguida<br />
pelas matas <strong>de</strong> cipó, agrestes e matas mesófilas (28,9%) e pela caatinga arbustiva esparsa<br />
(5,2%). Entretanto <strong>de</strong>ve-se observar que as caatingas arbóreas <strong>de</strong>nsas e arbustivas esparsas<br />
foram as formações vegetais mais visitadas durante as expedições, justamente por terem<br />
sido apontadas pelos informantes como <strong>de</strong> possível ocorrência da espécie. Embora escassas<br />
estas formações vegetais são visivelmente mais abundantes do que as matas <strong>de</strong> cipó e<br />
florestas mesófilas, localisadas nas encostas da Serra Geral, principalmente na região da<br />
Chapada Diamantina. A ausência <strong>de</strong> registros em matas ripárias possivelmente reflete mais<br />
a <strong>de</strong>struição daqueles ecossistemas do que uma questão <strong>de</strong> não preferência pelo guigó. A<br />
propósito, o mais importante fragmento <strong>de</strong> mata ripária encontrado foi no município <strong>de</strong><br />
Itapicuru (BA), às margem do rio <strong>de</strong> mesmo nome (Mata do Bo<strong>de</strong>: 11°20'52"S,<br />
38°11'57"W; altitu<strong>de</strong> 100 m). Trata-se <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> floresta com dossel entre 18 e 20 m,<br />
com solos escuros constantemente alagados pelos movimentos <strong>de</strong> vazão e cheia do rio,<br />
contendo elementos da Caatinga e da Mata Atlântica. Naquele local selecionei um<br />
informante que atua como traficante <strong>de</strong> animais silvestres na região. Ele relatou o<br />
<strong>de</strong>saparecimento recente do guigó-da-caatinga (há cerca <strong>de</strong> cinco anos), tendo me<br />
conduzido aos locais on<strong>de</strong> o animal havia sido visto pela última vez. Realizei execuções da<br />
vocalização dos animais durante um dia inteiro utilizando o equipamento <strong>de</strong> playback,<br />
porém não obtive resposta. Ali, como em Caldas do Jorro (BA), outro município às<br />
margens do Itapicuru, as pastagens substituíram a vegetação original, justamente <strong>de</strong>vido<br />
aos solos da mata ripária serem os mais produtivos da Caatinga. A Tabela 7 resume os<br />
61
esultados <strong>de</strong> todas as expedições, em termos da relação entre os registros <strong>de</strong> espécies <strong>de</strong><br />
guigó e a classificação da vegetação.<br />
62
Tabela 7: Número <strong>de</strong> localida<strong>de</strong>s visitadas por expedição, espécie <strong>de</strong> guigó registrada, tipo <strong>de</strong><br />
registro e classificação da vegetação segundo Andra<strong>de</strong>-Lima (1966)<br />
Expedições<br />
Categorias 1 - Lampião 2 - Hamadría<strong>de</strong>s 3 – Juazeiro 4 - Diamantina 5 - Spix Total<br />
n % n % n % n % n % n %<br />
N ° <strong>de</strong> localida<strong>de</strong>s 39 100,0 36 100,0 19 100,0 23 100,0 31 100 148 100,0<br />
Espécie<br />
C. barbarabrownae 10 25,6 10 27,8 3 15,8 5 21,7 10 32,2 38 25,7<br />
C. coimbrai 4 10,3 0 - 0 - 0 - 0 0 4 2,7<br />
C.melanochir 0 - 0 - 0 - 0 - 1 3,2 1 0,7<br />
Sem registro 25 64,1 26 72,2 16 84,2 18 78,3 20 64,5 105 70,9<br />
Registro<br />
sem registro 25 64,1 26 72,2 16 84,2 18 94,7 20 64,5 105 70,9<br />
Auditivo 4 10,3 7 19,4 3 15,8 1 5,3 6 19,4 21 14,2<br />
Visual 10 25,6 3 8,3 0 - 4 21,1 5 16,1 22 14,9<br />
Vegetação (C.barbarabrownae)<br />
Caatinga arbórea <strong>de</strong>nsa 8 80,0 6 60,0 2 66,6 0 - 9 90 25 65,7<br />
Caatinga arbustiva esparsa 0 - 1 10,0 1 33,3 0 - 0 - 2 5,2<br />
Caatinga arbustiva <strong>de</strong>nsa 0 - 0 - 0 - 0 - 0 - 0 -<br />
Mata ripária 0 - 0 - 0 - 0 - 0 - 0 -<br />
Mata <strong>de</strong> cipó e mata mesófila 2 20,0 3 30,0 0 - 5 100,0 1 10 11 28,9<br />
Mata atlântica 0 - 0 - 0 - 0 - 0 0 -<br />
Cerrado 0 - 0 - 0 - 0 - 0 0 -<br />
Vegetação em geral<br />
Caatinga arbórea <strong>de</strong>nsa 13 33,3 22 61,1 5 26,3 0 - 21 67,7 61 41,2<br />
Caatinga arbustiva esparsa 9 23,1 10 27,8 14 73,7 10 43,4 2 6,4 39 26,4<br />
Caatinga arbustiva <strong>de</strong>nsa 1 2,6 1 2,8 0 - 0 - 5 16,1 7 4,7<br />
Mata ripária 5 12,8 0 - 0 - 0 - 0 0 5 3,4<br />
Mata <strong>de</strong> cipó e mata mesófila 2 5,1 3 8,3 0 - 8 34,7 1 3,2 10 6,8<br />
Mata atlântica 9 23,1 0 - 0 - 5 21,7 1 3,2 15 10,1<br />
Cerrado 0 - 0 - 0 - 0 - 1 3,2 1 0,7<br />
63
O guigó jamais foi registrado nas caatingas arbustivas <strong>de</strong>nsas, fisionomia arbustiva<br />
popularmente conhecida como carrasco. Poucas vezes a espécie foi encontrada nas<br />
caatingas arbustivas esparsas (5,2% dos registros). Entretanto estes dois ecossistemas<br />
provavelmente <strong>de</strong>sempenham importante papel para a sobrevivência da espécie, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
uma perspectiva <strong>de</strong> ecologia da paisagem. Em muitos locais eles formam a matriz, ao passo<br />
que as caatingas arbóreas <strong>de</strong>nsas, matas <strong>de</strong> cipó e florestas mesófilas, formam o grão, num<br />
ambiente em mosaico. Atualmente, entretanto, há poucos locais com matas ripárias que<br />
possam atuar como corredores, o que provavelmente compromete a sustentabilida<strong>de</strong><br />
ambiental do sistema.<br />
Em geral o guigó-da-caatinga <strong>de</strong>monstrou adaptação às caatingas arbóreas <strong>de</strong>nsas e<br />
às matas <strong>de</strong> cipó. Nas áreas <strong>de</strong> caatinga arbórea <strong>de</strong>nsa on<strong>de</strong> não ocorre o guigó, seu<br />
<strong>de</strong>saparecimento local foi relatado por informantes.<br />
3.3 A fauna associada ao guigó-da-caatinga<br />
Quatro outras espécies <strong>de</strong> primatas ocorrem em associação com o guigó-da-<br />
Caatinga: o macaco-prego-do-peito-amarelo, Cebus xanthosternus Wied-Neuwied, 1826, o<br />
guariba, Alouatta caraya (Humboldt, 1812) e os sagüis, que na Bahia são chamados <strong>de</strong><br />
nicos ou sóins, Callithrix penicillata (É. Geoffroy, 1812) e Callithrix jachus (Linnaeus,<br />
1758). O macaco-prego, assim como o guigó-da-Caatinga é consi<strong>de</strong>rado Criticamente<br />
Ameaçado (Hilton-Taylor, 2003), tendo sido espécie simpátrica nas matas orográficas a<br />
leste da Chapada Diamantina (Andaraí - Morro do Viola: 12°57'56"S; 41°14'27"W, altitu<strong>de</strong><br />
780 m / Lençóis, estrada para Remanso: 12°33'17"S, 41°21'52"W; altitu<strong>de</strong> 490 m). Porém<br />
em áreas <strong>de</strong> transição entre a Caatinga e a Mata Atlântica, como na região <strong>de</strong> Senhor do<br />
64
Bom Fim, Cebus xanthosternos é a única espécie <strong>de</strong> primata <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte a sobreviver.<br />
É difícil saber se Alouatta caraya e Callicebus barbarabrownae nunca ocorreram naqueles<br />
ambientes ou se já foram extintos. Perto <strong>de</strong> Senhor do Bom Fim, no município <strong>de</strong><br />
Andorinha, na localida<strong>de</strong> conhecida como Serrote do Macaco (10°20'41"S, 39°49'58"W;<br />
altitu<strong>de</strong> 419 m) encontrei uma relevante população <strong>de</strong> macaco-prego-do-peito-amarelo.<br />
Observei uma fêmea adulta com um filhote no dorso sair <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma caverna e nas<br />
rochas encontrei vários sítios com coquinhos partidos ao lado <strong>de</strong> pedaços <strong>de</strong> rocha.<br />
Segundo o informante selecionado, os macacos, utilizando as pedras, quebram o fruto do<br />
licuri (Syagrus coronata) para comer. No mesmo local também observei uma cópula <strong>de</strong><br />
Cebus xanthosternos. No Serrote do Macaco predomina a caatinga seca não arbórea, porém<br />
com muitos licuris no estrato emergente, o que po<strong>de</strong> ser resultante do manejo realizado<br />
pelos sertanejos.<br />
Enquanto nas regiões <strong>de</strong> transição entre a Caatinga e a Mata Atlântica sobreviveu<br />
Cebus xanthosternos, nas regiões <strong>de</strong> transição entre a Caatinga e o Cerrado, próximo ao<br />
limite oeste <strong>de</strong> distribuição do guigó-da-caatinga, o gran<strong>de</strong> primata resi<strong>de</strong>nte é Alouatta<br />
caraya. Não registrei simpatria <strong>de</strong>sta espécie com Callicebus barbarabrownae, nem com<br />
Cebus xanthosternos. Em Brotas <strong>de</strong> Macaúbas (Fazenda São Pedro: 11°29'15"S,<br />
40°42'46"W; altitu<strong>de</strong> 656 m), por exemplo, encontrei uma população <strong>de</strong> guaribas vivendo<br />
numa típica mata ciliar <strong>de</strong> cerrado (Veloso et al., 1991), que acompanha a margem <strong>de</strong> um<br />
córrego, numa paisagem cuja matriz é a caatinga seca arbórea alterada pela pecuária.<br />
Nas caatingas arbóreas e matas orográficas on<strong>de</strong> ainda vive o guigó-da-caatinga<br />
também são encontradas aves ameaçadas <strong>de</strong> extinção, como a zabelê (Crypturellus<br />
noctivagus zabele) e a arara-azul-<strong>de</strong>-lear (Anodorhyncus leari) (observações <strong>de</strong>sta tese). Os<br />
65
guigós provavelmente são indicadores <strong>de</strong> matas bem conservadas no bioma Caatinga,<br />
ocorrendo também em associação com outras espécies <strong>de</strong> mamíferos, algumas ameaçadas,<br />
tais como (registros <strong>de</strong> pegadas, fezes, visualizações e entrevistas): o tatu-bola (Tolypeutes<br />
tricinctus), o gato mamoninha ou gato-do-mato (Leopardus tigrinus), o gato-mourisco<br />
(Leopardus yaguarundi), a jaguatirica (Leopardus pardalis mitis), a onça parda (Puma<br />
concolor greeni), a onça pintada e a preta (Panthera onca), o tamanduá (Tamandua<br />
tetradactyla), os veados (Mazama americana e M. gouazoubira), o cachorro-do-mato<br />
(Cerdocyon thous), a irara (Eira barbara) e o coati (Nasua nasua).<br />
Os prováveis predadores dos guigós são os gran<strong>de</strong>s felinos e as iraras. Em<br />
10/11/2004, atrai uma onça pintada durante a realização <strong>de</strong> uma seção <strong>de</strong> playback <strong>de</strong><br />
guigó, na localida<strong>de</strong> conhecida como Riacho da Onça, município <strong>de</strong> Queimadas, Bahia<br />
(Fazenda Pindobeira: 11°14'24"; 39°44'26"; altitu<strong>de</strong> 377 m).<br />
As Tabelas <strong>de</strong> 8 a 10 apresentam os animais silvestres mais freqüentemente citados<br />
em simpatria com o guigó-da-caatinga.<br />
66
Tabela 8: Nomes populares <strong>de</strong> animais silvestres citados nas áreas <strong>de</strong> ocorrência do guigóda-caatinga<br />
Localida<strong>de</strong> Coor<strong>de</strong>nadas Animais silvestres<br />
Fazenda Floresta,<br />
Jeremoabo (BA)<br />
09°58’57.00”S<br />
38°15’09.79”W<br />
Fazenda Mineiro,<br />
10°03’19,80”S<br />
Jeremoabo (BA)<br />
38°15’33,55”W<br />
Lagoa do Nolasco, 10°27’54.02”S<br />
Cícero Dantas (BA) 38°21’19.35”W<br />
Cícero Dantas(BA), se<strong>de</strong> 10°31’18.56”S<br />
38°20’50.10”W<br />
Antas (BA)<br />
10°26’43.80”S<br />
38°18’43.42”W<br />
Coronel João Sá (BA) 10°13’49.80”S<br />
38°02’00.23”W<br />
Pedro Alexandre (BA), se<strong>de</strong> 09°59’48.40”S<br />
37°58’35.57”W<br />
Minuim, Santa Brígida 09°49’36.18”S<br />
(BA)<br />
38°05’44.74”W<br />
Serra Branca, Canudos 10°18’18.90”S<br />
(BA)<br />
38°57’44.30”W<br />
Faz. Lagoa Funda, Campo 10°26’36.10”S<br />
Formoso (BA)<br />
40°22’21.70”W<br />
Marcionílio Souza (BA), 13°02’07.90”S<br />
se<strong>de</strong><br />
40°25’38.00”W<br />
Faz. De Garcia, Rui<br />
Barbosa (BA)<br />
Faz. Junco, Povoado<br />
Maxixi, Miguel Calmon<br />
(BA)<br />
Faz. Bastião, Saú<strong>de</strong> (BA)<br />
Fazs.Nova Esperança e<br />
Passagem, Morro do<br />
Chapéu (BA)<br />
Salitre, Gentio do Ouro<br />
(BA)<br />
Fazenda J. Viana, Wagner<br />
(BA)<br />
12°23’35.90”S<br />
40°31’56.20”W<br />
11°29’28.00”S<br />
40°41’45.50”W<br />
10° 57’ 38.70”S<br />
40° 21’ 08.30”W<br />
11° 53’ 21.90”S<br />
41° 04’ 36.50”W<br />
11° 32’ 54.40”S<br />
42° 22’ 58.70”W<br />
12° 15’ 35.50”<br />
41° 12’ 41.50”<br />
veado, mocó, tatu, cutia, peba, ema,<br />
siriema,arara-azul, gavião<br />
nico (Callithix jacchus visto)<br />
jaguatirica, raposa, peba, gambá, tatu,<br />
juriti, rolinha,car<strong>de</strong>al, inhambu<br />
tamanduá, nico, canário-da-terra<br />
raposa, nico, gambá, guaxinim, tatu, peba<br />
onça-vermelha, veado, capivara, lontra, tatu, peba, mocó<br />
codorna, inhambu, veado, catitu, tatu, sóim<br />
veado, mocó, preá<br />
raposa, gato-do-mato, nico, gato-vermelho, peba, tatuí,<br />
mocó,veado, inhambu, cor-<strong>de</strong>-niz, arara-azul, jibóia<br />
raposa, nico, gato vermelho, jaguatirica, veado, peba, tatu,<br />
tamaduá-mirim, ouriço, inhambu, zabelê, codorna, perdiz<br />
macaco-prego, nico, onça-vermelha, onça preta, gato-mamoninha,<br />
papa-mel, coati, catitu, caminhador, tatu, peba, tatu-rabo-<strong>de</strong>-sola,<br />
tatuí, quebra-coco, ouriço, mocó, preá, rato-cabudo, raposa,<br />
tamanduá-mirim, saruê, gambá, cutia, paca, capivara, jacaré, teiú,<br />
camaleão, aracuã, zabelê, jacu, inhambu, siriema, perdiz, juriti,<br />
saracura, jibóia<br />
nico, veado, cachorro-do-mato, guará, raposa, gato-mamoninha,<br />
sussuarana, jaguatirica, paca, cutia, tatu, peba, zabelê, araponga<br />
codorna, perdiz, cangula, raposa, veado, peba, tatu-verda<strong>de</strong>iro,<br />
gato-mamoninha<br />
gato-vermelho, jacu, veado, nico<br />
onça-vermelha, onça preta, irara, cachorro-do-mato, raposa, nico<br />
nico (C.penicilatta, reconhecido em prancha), raposa, anda-só,<br />
guará, veado, caititu, jaguatirica, gato-mamoninha, gato-mourisco,<br />
onça, mocó, cutia, preá, mexila, tamduá-ban<strong>de</strong>ira, tatu-verda<strong>de</strong>iro,<br />
peba, zabelê, perdiz, codorna, siriema<br />
cutia, raposa, tatu, papa-mel, coati, veado, gato-momoninha, onça<br />
vermelha, onça-lombo-preto, jaguatirica, cachorro-do-mato, guará,<br />
caititu, nico, siriema, inhambu, zabelê, jacu, aracuã, papagaio,<br />
maracanã, ribaçã (pomba verda<strong>de</strong>ira), pica-pau, periquito<br />
67
Tabela 9: Nomes populares e científicos dos animais da Caatinga citados nas entrevistas,<br />
quando foi possível i<strong>de</strong>ntificá-los ao nível <strong>de</strong> espécie<br />
Nome científico<br />
Nome popular<br />
Agouti paca Linneaus,1758<br />
paca<br />
Alouatta caraya Humboldt, 1815<br />
guariba<br />
Anadorhyncus leari Bonaparte, 1856 arara-azul<br />
Tolypeutes tricinctus Illiger, 1811<br />
tatu-bola<br />
Callithrix jacchus Linneaus, 1758<br />
nico, sóim<br />
Callithrix penicillata<br />
nico, sóim<br />
É. Geoffroy, 1815<br />
Caluromys philan<strong>de</strong>r Linneaus,1758 saruê<br />
Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, guigó, guigó-da-caatinga, grigó, pangola<br />
1990<br />
Cebus xanthosternos Wied-Neuwied, 1826 macaco<br />
Cerdocyon thous Linneaus,1766<br />
cachorro-do-mato<br />
Coendou prehensilis Linneaus,1758 luis caixeiro<br />
Crypturellus noctivagus zabelê Spix, 1825 zabelê<br />
Dasypus novemcinctus Linneaus, 1758 tatu verda<strong>de</strong>iro, tatu<br />
Dasypus septemcinctus Linneaus, 1758 tatu-rabo-<strong>de</strong>-sola, tatuí<br />
Dasyprocta prymnolopha Wagler, 1831 cutia<br />
Dasyprocta sp.n. (Jeremoabo)<br />
Dusicyon gymnocercus<br />
guará, guaxinim<br />
Di<strong>de</strong>lphis albiventris Lund, 1840<br />
gambá<br />
Eira barbara Linnaeus, 1758<br />
papa-mel, meia-noite<br />
Euphractus sexcinctus Linneaus, 1758 peba<br />
Herpailurus yaguarund Lacépè<strong>de</strong>, 1809 gato-marisco, gato-raposo<br />
Kerodon rupestris Wied,1820<br />
mocó<br />
Leopardus pardalis Linneaus, 1758 gato-pintado, gato-do-mato, jaguatirica,<br />
jaguatiri<br />
Leopardus tigrinus Schreber, 1775 gato-mamoninha, gato- verda<strong>de</strong>iro<br />
Mazama americana Erxleben, 1777 veado-bo<strong>de</strong><br />
Mazama gouazobira G.Fischer, 1814 veado<br />
Myrmecophaga tridactyla Linneaus, 1758 camanduá, cangula, tamanduá<br />
Nasua nasua Linneaus, 1766<br />
coati<br />
Panthera onca Linneaus, 1758<br />
onça-pintada, pintada<br />
Puma concolor Linneaus, 1771<br />
onça-vermelha, gato-vermelho, onça-parda,<br />
onça-pega-bo<strong>de</strong>, sussuarana, lombo-preto<br />
Procyon cancrivorus Cuvier, 1798 anda-só, caminhador<br />
Pseudalopex vetulus<br />
raposinha<br />
Rhea americana<br />
ema<br />
Sylvilagus brasiliensis Linneaus, 1758 coelho<br />
Tamandua tetradactyla Linneaus, 1758 mexila, melete, mirim, tamaduá-mirim<br />
Tayassu sp.<br />
catitu, caititu<br />
68
Tabela 10: Animais silvestres mais freqüentemente citados durante as entrevistas nas áreas<br />
<strong>de</strong> ocorrência do guigó-da-caatinga (n = 11 informantes)<br />
Nome (s) popular (es) na caatinga<br />
baiana<br />
nicos, sóins<br />
tatu verda<strong>de</strong>iro<br />
veados<br />
Nome científico<br />
Callithrix penicillata<br />
É. Geoffroy, 1815 e<br />
Callithrix jacchus<br />
Linneaus,1758<br />
Dasypus novemcinctus<br />
Linneaus, 1758<br />
Mazama americana Erxleben,<br />
1777<br />
Mazama gouazobira G.Fischer,<br />
1814<br />
Quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> citações<br />
raposa, raposinha Pseudalopex vetulus 11<br />
Peba<br />
onça-vermelha, gato-vermelho,<br />
onça-parda, onça-pega-bo<strong>de</strong>,<br />
sussuarana<br />
gato-pintado, gato-do-mato,<br />
jaguatirica, jaguatiri<br />
gato-mamoninha, gato- verda<strong>de</strong>iro<br />
Euphractus sexcinctus Linneaus,<br />
1758<br />
Puma concolor<br />
Linneaus, 1771<br />
Leopardus pardalis<br />
06<br />
Linneaus, 1758<br />
Leopardus tigrinus<br />
06<br />
Schreber, 1775<br />
Mocó<br />
Kerodon rupestris<br />
06<br />
Wied,1820<br />
Inhambu Crypturellus sp. 06<br />
Zabelê<br />
Crypturellus noctivagus zabele<br />
05<br />
Spix, 1825<br />
Siriema Cariama cristata 04<br />
papa-mel, meia-noite, anda-só,<br />
Eira barbara<br />
04<br />
caminhador<br />
Linnaeus, 1758<br />
onça, onça-pintada, onça-do-<br />
Panthera onca<br />
04<br />
lombo-preto, lombo-preto<br />
Linneaus, 1758<br />
mexila, melete, mirim, tamaduámirim<br />
Tamandua tetradactyla<br />
04<br />
Linneaus, 1758<br />
guará, guaxinim Dusicyon gymnocercus 04<br />
Cutia<br />
Dasyprocta prymnolopha Wagler,<br />
04<br />
1831<br />
Dasyprocta sp.n. (Jeremoabo)<br />
catitu, caititu Tayassu sp. 04<br />
13<br />
12<br />
11<br />
10<br />
08<br />
69
3.4 Provável distribuição geográfica pretérita das espécies do Grupo Personatus<br />
“A entrada do sertão está sobre um socalco do maciço continental, ao<br />
norte. Demarca-o, <strong>de</strong> uma banda, abrangendo dois quadrantes, em<br />
semicírculo, o rio São Francisco; e <strong>de</strong> outra, encurvando também<br />
para su<strong>de</strong>ste, numa normal à direção primitiva, o curso flexuoso do<br />
Itapicuru-açu. Segundo a mediana, correndo quase paralelo entre<br />
aqueles, com o mesmo <strong>de</strong>scambar expressivo para a costa, vê-se o<br />
traço <strong>de</strong> um outro rio, o Vasa-Barris, o Irapiranga dos tapuias, cujo<br />
trecho <strong>de</strong> Geremoabo para as cabeceiras é uma fantasia <strong>de</strong><br />
cartógrafo. De fato, no estupendo <strong>de</strong>grau, por on<strong>de</strong> <strong>de</strong>scem para o<br />
mar ou para jusante <strong>de</strong> Paulo Afonso as rampas esbarrancadas do<br />
planalto, não há situações <strong>de</strong> equilíbrio para uma re<strong>de</strong> hidrográfica<br />
normal. Ali reina a drenagem caótica das torrentes, imprimindo<br />
naquele recanto da Bahia fáceis excepcional e selvagem”. Cunha<br />
(1901, p. 10)<br />
Dado o atual estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição da Caatinga e dos ecossistemas <strong>de</strong> transição entre<br />
ela e a Mata Atlântica, tentar reconstituir a distribuição geográfica original <strong>de</strong> Callicebus<br />
barbarabrownae é algo como <strong>de</strong>screver uma cida<strong>de</strong> após um bombar<strong>de</strong>io.<br />
Próximo ao atual limite sul da distribuição <strong>de</strong> C. barbarabrownae, na região <strong>de</strong><br />
Vitória da Conquista, a introdução <strong>de</strong> espécies invasoras <strong>de</strong> capins e a urbanização<br />
causaram gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sfiguração paisagística, justamente no ecótono entre a Mata Atlântica e<br />
a Caatinga. Hoje é difícil saber se a área em questão foi <strong>de</strong> ocorrência <strong>de</strong> C. melanochir ou<br />
<strong>de</strong> C. barbarabrownae, mas consi<strong>de</strong>rando a brusca variação altitudinal na região da Serra<br />
do Marçal, é possível que o guigó-da-Caatinga algum dia tenha tido como limite sul o<br />
Planalto <strong>de</strong> Conquista, um pouco mais ao sul do que a Serra do Sincorá, seu atual limite<br />
meridional. Abaixo, nas terras planas da região <strong>de</strong> Itambé (15°11'42,5"S, 40°43'8,4"W,<br />
altitu<strong>de</strong> 377 m), ficou a Mata Atlântica, e acima, no planalto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Vitória da Conquista<br />
até o oeste, há uma região <strong>de</strong> transição entre a Caatinga e o Cerrado. Consoante à<br />
vegetação, abaixo do Planalto <strong>de</strong> Conquista, em direção ao litoral, <strong>de</strong>ve ter habitado C.<br />
70
melanochir e a oeste, vencido o hiato <strong>de</strong>marcado pelos cerrados e caatingas <strong>de</strong> altitu<strong>de</strong> do<br />
sudoeste da Chapada Diamantina, C. nigrifrons.<br />
Desperta a atenção <strong>de</strong> qualquer biogeógrafo o fato <strong>de</strong> que a distribuição <strong>de</strong> C.<br />
melanochir não foi barrada totalmente pela intrincada hidrografia dos rios que nascem na<br />
Chapada Diamantina e drenam para o oceano. Ao norte a gran<strong>de</strong> barreira parece ter sido a<br />
foz do rio Paraguaçu, on<strong>de</strong> fica o recôncavo baiano. Seguindo para o sul pelo litoral, a<br />
distribuição <strong>de</strong> C. melanochir novamente não foi barrada pela re<strong>de</strong> hidrográfica, tendo os<br />
guigós ocupado o interflúvio entre o rio <strong>de</strong> Contas e o Pardo, on<strong>de</strong> fica Ilhéus, região <strong>de</strong> sua<br />
localida<strong>de</strong> tipo, bem como a Reserva Biológica <strong>de</strong> Una, unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação fe<strong>de</strong>ral na<br />
qual sua presença tem sido registrada (Printes et al., no prelo). Callicebus melanochir<br />
também <strong>de</strong>ve ter habitado o interflúvio seguinte, entre os rios Pardo e Jequitinhonha, região<br />
hoje extremamente <strong>de</strong>struída pela pecuária, que percorri em janeiro <strong>de</strong> 2005, sem conseguir<br />
registrar a espécie. É possível que C. melanochir tenha habitado aquela região<br />
recentemente, pois atravessou o Jequitinhonha, sendo encontrada bem mais ao sul, no<br />
Parque Nacional do Pau Brasil. A partir dali seu limite sul precisa ser mais bem<br />
investigado. Entretanto, é possível que tenha chegado até o rio Doce, consi<strong>de</strong>rando que no<br />
litoral do Espírito Santo a espécie <strong>de</strong> guigó registrada é C. personatus (ver Van Roosmalen<br />
et al., 2002). A distribuição <strong>de</strong> C. personatus, porém, é mais restrita do que se supunha. Em<br />
parte da região apontada como <strong>de</strong>ntro da sua extensão <strong>de</strong> ocorrência (Van Roosmalen et al.,<br />
2002), na divisa entre os Estados <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> <strong>Gerais</strong> e Espírito Santo, recentemente foi<br />
registrado C. nigrifrons (André Hirsch, com. pess.). A distribuição <strong>de</strong>ste, vindo do oeste,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os rios Tietê e Paraná-Parnaíba (Hershkovitz, 1988a), vai hoje até o rio Manhuaçu, a<br />
partir do qual inicia a distribuição <strong>de</strong> C. personatus, espécie que, como vimos<br />
anteriormente, ocupou a região litorânea capixaba.<br />
71
Consi<strong>de</strong>rando novamente C. barbarabrownae e tendo como setor <strong>de</strong> análise o norte<br />
da Bahia, observa-se que, <strong>de</strong> Juazeiro em direção ao leste, há gran<strong>de</strong>s áreas <strong>de</strong> caatinga<br />
arbustiva <strong>de</strong>nsa (o “carrasco”) que po<strong>de</strong>m ter barrado sua distribuição. Nos municípios <strong>de</strong><br />
Curaçá, Macururé e Paulo Afonso o guigó não subsiste, nem sequer na memória dos<br />
sertanejos. Entretanto, o rio São Francisco foi tradicionalmente apontado como o limite<br />
norte para a espécie (Hershkovitz, 1988a; Van Roosmalen et al., 2002). Talvez as matas<br />
ripárias que outrora <strong>de</strong>senhavam as curvas do São Francisco, região antigamente conhecida<br />
como “Sertão <strong>de</strong> Ro<strong>de</strong>las” (Cunha, 1901), tenham sido os hábitats mais setentrionais e<br />
oci<strong>de</strong>ntais para a espécie no passado, mas hoje foram substituídas pela pastagem, pelos<br />
cultivos e pelo carrasco (caatinga arbustiva <strong>de</strong>nsa). Mas também é possível que o guigó-da-<br />
Caatinga jamais tenha chegado tão perto das margens do São Francisco, tendo encontrado<br />
como limite norte a Serra Branca, na região que separa Canudos <strong>de</strong> Monte Santo, bem<br />
como as serras que separam Jeremoabo <strong>de</strong> Santa Brígida. Entre estas serras em que o<br />
guigó-da-Caatinga ainda habita e o São Francisco, on<strong>de</strong> não foi registrado, há todo o Raso<br />
do Catarina, gran<strong>de</strong> planalto dominado pela caatinga arbustiva <strong>de</strong>nsa, na qual somente os<br />
calitriquí<strong>de</strong>os conseguiram sobreviver. Lá registramos simpatria entre Callithrix penicillata<br />
e Callithrix jacchus.<br />
A Chapada Diamantina, na sua porção mais meridional (região <strong>de</strong> Lençóis)<br />
provavelmente barrou a distribuição <strong>de</strong> C. barbarabrownae para o oeste, <strong>de</strong>vido a uma<br />
alteração brusca da vegetação provocada pela topografia. A flora abruptamente ganha<br />
aspectos <strong>de</strong> Cerrado e <strong>de</strong> campos rupestres, lembrando os ambientes da Serra do Espinhaço<br />
em <strong>Minas</strong> <strong>Gerais</strong>. Porém a Chapada não teve o mesmo efeito na sua porção norte, na região<br />
<strong>de</strong> Wagner e Utinga, on<strong>de</strong> ainda vicejam remanescentes <strong>de</strong> matas orográficas e subsistem<br />
alguns indivíduos do guigó-da-caatinga nas esparsas reservas legais das fazendas.<br />
72
O atual limite leste <strong>de</strong> C. barbarabrownae, na divisa entre os Estados da Bahia e<br />
Sergipe, provavelmente está próximo ao que foi o limite original, antes da ocupação<br />
humana. Em que pese à transformação da paisagem provocada pela pecuária, ainda é<br />
possível perceber, <strong>de</strong> oeste para leste, a Caatinga transformar-se abruptamente em Mata<br />
Atlântica, como foi observado por Cunha (1901).<br />
3.5 Quais os limites atuais da distribuição da espécie?<br />
O limite norte da distribuição correspon<strong>de</strong> às serras <strong>de</strong> Minuim (Santa Brígida:<br />
09º49'36,18"S, 38º05'44,74"W, altitu<strong>de</strong> 451 m). O limite sul é a Serra do Sincorá,<br />
município <strong>de</strong> Contendas do Sincorá (Fazenda Corcovado: 13º 54'52,10"S, 41º10'23,70"W,<br />
altitu<strong>de</strong> 712 m). O limite leste está na divisa entre os Estados da Bahia e Sergipe, no<br />
município <strong>de</strong> Cel. João Sá (10º13' 49,80"S, 38º02'0,13"W; altitu<strong>de</strong> 268 m). O limite oeste<br />
localiza-se a 107 km do rio São Francisco, no município <strong>de</strong> Gentio do Ouro (Salitre:<br />
11º32'54,40"S, 42º22'58,70"W; altitu<strong>de</strong> 908 m).<br />
Três registros foram obtidos na região <strong>de</strong> Serrinha, próximo à localida<strong>de</strong> tipo. São<br />
eles: Tanquinho, Lamarão (localida<strong>de</strong> tipo) e Casa Nova. A leste <strong>de</strong> Araci surge uma<br />
gran<strong>de</strong> mancha <strong>de</strong> Cerrado que se esten<strong>de</strong> até Nova Soure; lá nenhum registro foi obtido.<br />
Entretanto a nor<strong>de</strong>ste <strong>de</strong> Araci as caatingas arbóreas voltam a aparecer, escapando da<br />
pecuária graças ao relevo aci<strong>de</strong>ntado. Naquela região foram obtidos novos registros <strong>de</strong> C.<br />
barbarabrownae em Mandacaru e Monte Cruzeiro (que pertencem a Quijingue), em<br />
Banzaê, Eucli<strong>de</strong>s da Cunha e Monte Santo. O registro para Canudos foi obtido na Serra<br />
Branca, que faz a divisa entre este município e Monte Santo. Canudos e Minuim estão<br />
73
quase na mesma latitu<strong>de</strong>, correspon<strong>de</strong>ndo ao limite norte da espécie, cuja distribuição não<br />
chega ao rio São Francisco, como até então se pensava (coor<strong>de</strong>nadas geográficas das<br />
localida<strong>de</strong>s citadas na Tabela 11).<br />
74
Tabela 11: Registros realizados durante o projeto: “Distribuição e status do guigó-dacaatinga”<br />
(C. melanochir n = 1, C. coimbrai n = 5, C. barbarabrownae n = 37)<br />
Localida<strong>de</strong> Coor<strong>de</strong>nadas Altitu<strong>de</strong><br />
Espécie<br />
(m)<br />
Lamarão do Passe,<br />
12° 29’ 50,10” S 52 Callicebus coimbrai<br />
S. Sebastião do Passé (BA) 38° 22’ 34,50” W<br />
Boa União,<br />
12° 11’ 03,80” S 159 Callicebus coimbrai<br />
Alagoinhas (BA)<br />
38° 32’ 16,00” W<br />
Carira, N. Sra. Da Glória (SE) 10° 12’ 18,39” S 368 Callicebus coimbrai<br />
37° 29’ 36,69” W<br />
Faz. Venturosa,<br />
10° 09’ 35,09” S - Callicebus coimbrai<br />
N. Sra. Da Glória (SE)<br />
37° 43’ 37,39” W<br />
Faz. Pioneira, Itabaianhinha (SE) 11° 11’ 37,90” S 316 Callicebus coimbrai<br />
37° 43’ 12,24” W<br />
Faz. Da Michelin, Igrapiúna (BA) 13° 48’ 51,30” S 53 Callicebus melanochir<br />
39° 12’ 03,00” W<br />
Fazenda Floresta,<br />
09° 58’ 57,00” S 336 Callicebus barbarabrownae<br />
Jeremoabo (BA)<br />
38° 15’ 09,79” W<br />
Fazenda Mineiro,<br />
10° 03’ 19,80” S 287 Callicebus barbarabrownae<br />
Jeremoabo (BA)<br />
38° 15’ 33,55” W<br />
Lagoa do Nolasco,<br />
10° 27’ 54,02” S 424 Callicebus barbarabrownae<br />
Cícero Dantas (BA)<br />
38° 21’ 19,35” W<br />
Cícero Dantas(BA), se<strong>de</strong><br />
10° 31’ 18,56” S 390 Callicebus barbarabrownae<br />
38° 20’ 50,10” W<br />
Raso do Santo, Cícero Dantas (BA) 10° 29’ 06,50” S 432 Callicebus barbarabrownae<br />
38° 18’ 13,50” W<br />
Antas (BA)<br />
10° 26’ 43,80” S 330 Callicebus barbarabrownae<br />
38° 18’ 43,42” W<br />
Sítio do Quinto (BA)<br />
10° 14’ 53,99” S 268 Callicebus barbarabrownae<br />
38° 15’ 04,54” W<br />
Coronel João Sá (BA)<br />
10° 13’ 53,30” S 245 Callicebus barbarabrownae<br />
38° 02’ 05,04” W<br />
Pedro Alexandre (BA), se<strong>de</strong> 09° 59’ 48,40” S 339 Callicebus barbarabrownae<br />
37° 58’ 35,57” W<br />
Minuim, Santa Brígida (BA) 09° 49’ 36,18” S 451 Callicebus barbarabrownae<br />
38° 05’ 44,74” W<br />
Bela Vista ou Boa Vista, Tanquinho 11° 56’ 32,90” S 477 Callicebus barbarabrownae<br />
(BA)<br />
39° 04’ 05,90” W<br />
Lamarão (BA), se<strong>de</strong><br />
11° 49’ 55,30” S 270 Callicebus barbarabrownae<br />
38° 54’ 14,60” W<br />
Casa Nova, Can<strong>de</strong>al (BA)<br />
11° 46’ 58,10” S 241 Callicebus barbarabrownae<br />
39° 13’ 50,90” W<br />
Mandacaru, Quijingue (BA) 10° 57’ 19,40” S 450 Callicebus barbarabrownae<br />
39° 05’ 11,80” W<br />
Monte Cruzeiro, Quijingue (BA) 10° 57’ 19,90” S 346 Callicebus barbarabrownae<br />
39° 04’ 50,50” W<br />
Miran<strong>de</strong>la, Banzaê (BA)<br />
10° 39’ 39,60” S 300 Callicebus barbarabrownae<br />
38° 37’ 53,10” W<br />
Faz. Soturno,<br />
Banzaê (BA)<br />
10° 35’ 25,90” S<br />
38° 35’ 23,10” W<br />
415 Callicebus barbarabrownae<br />
75
Localida<strong>de</strong> Coor<strong>de</strong>nadas Altitu<strong>de</strong><br />
Espécie<br />
(m)<br />
Contendas, Monte Santo (BA) 10° 26’ 44,60” S 626 Callicebus barbarabrownae<br />
39° 10’ 11,70” W<br />
Serra Branca,<br />
10° 24’ 32,40” S 587 Callicebus barbarabrownae<br />
Monte Santo (BA)<br />
39° 20’ 27,80” W<br />
Itiúba (BA), se<strong>de</strong><br />
10° 41’ 53,20” S 711 Callicebus barbarabrownae<br />
39° 49’ 34,80” W<br />
Serra Branca, Canudos (BA) 10° 18’ 18,90” S 551 Callicebus barbarabrownae<br />
38° 57’ 44,30” W<br />
Faz. Lagoa Funda, Campo Formoso 10° 26’ 36,10” S 768 Callicebus barbarabrownae<br />
(BA)<br />
40° 22’ 21,70” W<br />
Faz. Corcovado, Contendas do 13° 54’ 21,40” S 603 Callicebus barbarabrownae<br />
Sincorá (BA)<br />
41° 09’ 55,10” W<br />
Faz. Corcovado, Contendas do 13° 54’ 52,10” S 712 Callicebus barbarabrownae<br />
Sincorá (BA)<br />
41° 10’ 23,70” W<br />
Faz. Trancada II, Andaraí (BA) 12° 57’ 56,30” S 708 Callicebus barbarabrownae<br />
41° 14’ 27,80” W<br />
Estrada para Remanso, Lençóis (BA) 12° 33’ 17,10” S 490 Callicebus barbarabrownae<br />
41° 21’52,40” W<br />
Faz. Morro Redondo, Itaberaba (BA) 12° 24’ 09,00” S 341 Callicebus barbarabrownae<br />
41° 24’ 56,50” W<br />
Marcionílio Souza (BA), se<strong>de</strong> 13° 02’ 07,90” S 598 Callicebus barbarabrownae<br />
40° 25’ 38,00” W<br />
Faz. De Garcia, Rui Barbosa (BA) 12° 23’ 35,90” S 464 Callicebus barbarabrownae<br />
40° 31’ 56,20” W<br />
Faz. Serra Azul, Mandacaru, Baixa 11° 52’ 40,40” S 357 Callicebus barbarabrownae<br />
Gran<strong>de</strong> (BA)<br />
40° 04’ 36,80” W<br />
Faz. Deus Dará, Povoado Madacaru, 11° 52’ 40,20” S 424 Callicebus barbarabrownae<br />
Baixa Gran<strong>de</strong> (BA)<br />
40° 05’ 46,90” W<br />
Faz. Junco, Povoado Maxixi, Miguel 11° 29’ 28,00” S 656 Callicebus barbarabrownae<br />
Calmon (BA)<br />
40° 41’ 45,50” W<br />
Faz. Bastião, Saú<strong>de</strong> (BA)<br />
10° 57’ 38,70” S 524 Callicebus barbarabrownae<br />
40° 21’ 08,30” W<br />
Fazs. Nova Esperança e Passagem, 11° 53’ 21,90” S 776 Callicebus barbarabrownae<br />
Morro do Chapéu (BA)<br />
41° 04’ 36,50” W<br />
Faz. Roça Gran<strong>de</strong>, Morro do Chapéu 11° 53’ 33,00” S 766 Callicebus barbarabrownae<br />
(BA)<br />
41° 04’ 28,07” W<br />
Salitre, Gentio do Ouro (BA) 11° 32’ 54,40” S 908 Callicebus barbarabrownae<br />
42° 22’ 58,70” W<br />
Fazenda J. Viana, Wagner (BA) 12° 15’ 35,50” S<br />
41° 12’ 41,50” W<br />
609 Callicebus barbarabrownae<br />
76
A oeste da Chapada Diamantina não foi obtido qualquer registro <strong>de</strong> guigó, nem<br />
mesmo através <strong>de</strong> relatos <strong>de</strong> antigos moradores, corroborando a hipótese <strong>de</strong> que o relevo,<br />
ou a mudança fitogeográfica a ele associada, possa ter barrado a distribuição <strong>de</strong> Callicebus<br />
naquela região, como <strong>de</strong>fendia Hershkovitz (1988a, 1990a). Entretanto, a leste da Chapada,<br />
obtive importantes registros na região <strong>de</strong> Andaraí e Lençóis. Dali seguindo para o norte, os<br />
registros <strong>de</strong> C. barbarabrownae se multiplicam, aparecendo em Wagner, Morro do Chapéu,<br />
Miguel Calmon, Saú<strong>de</strong>, Itiúba e Campo Formoso, sempre acompanhando as serras daqueles<br />
municípios. Entretanto, <strong>de</strong>sapareceram no vale do rio Salitre, já na região <strong>de</strong> Juazeiro.<br />
A leste da Bahia, na região do agreste, on<strong>de</strong> as matas orográficas hoje escassas<br />
po<strong>de</strong>m ter abrigado relevante população no passado, foram obtidos registros em Cícero<br />
Dantas, Antas, Sítio do Quinto, Jeremoabo, Minuim (Santa Brígida), Pedro Alexandre e<br />
Coronel João Sá.<br />
A oeste, o registro feito em Gentio do Ouro, no vale do rio Ver<strong>de</strong>, está curiosamente<br />
isolado, o que po<strong>de</strong> levantar a seguinte questão: o guigó-da-caatinga algum dia foi<br />
abundante no noroeste da Chapada Diamantina? Sua presença rarefeita naquela região<br />
talvez possa ser explicada pela rígida ari<strong>de</strong>z ou pelos antigos impactos antrópicos<br />
relacionados à mineração. Gentio do Ouro chamava-se “Santo Inácio do Açuruá” quando<br />
Teodoro Sampaio por lá passou, entre 1879 e 1880. Sobre aqueles sertões da Bahia<br />
escreveu o primeiro geógrafo brasileiro:<br />
“O rio Ver<strong>de</strong>, apelidado De Baixo, para se distinguir <strong>de</strong> seu<br />
homônimo superior, que faz as divisas dos territórios da Bahia e<br />
<strong>Minas</strong>, nasce na Chapada Velha, corre ao norte, através <strong>de</strong> uma<br />
região <strong>de</strong>serta e sem água, e entra no rio São Francisco abaixo <strong>de</strong><br />
Xiquexique. Conquanto não seja pequeno seu vale, a escassez das<br />
suas águas é tão gran<strong>de</strong> que torna difíceis os trabalhos da mineração”<br />
Sampaio (2002, p.250).<br />
77
Ainda <strong>de</strong> acordo com Sampaio (2002), as lavras <strong>de</strong> Santo Inácio do Açuruá já eram<br />
muito antigas e haviam sido abandonados à época da sua expedição. Daí po<strong>de</strong>-se supor que<br />
a mineração tenha contribuído para a alteração da paisagem e dos padrões <strong>de</strong> distribuição<br />
da fauna. Informantes que trabalhavam como garimpeiros relataram que nos garimpos o<br />
<strong>de</strong>smatamento para a obtenção <strong>de</strong> lenha e a caça para alimentação são práticas comuns até<br />
os dias <strong>de</strong> hoje.<br />
3.6 Qual a extensão <strong>de</strong> ocorrência do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae)?<br />
Extensão <strong>de</strong> ocorrência é <strong>de</strong>finida como a área contida <strong>de</strong>ntro da menor fronteira<br />
contínua imaginária que po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>senhada incluindo todos os sítios conhecidos, inferidos<br />
ou projetados da ocorrência atual do táxon, excluindo os casos <strong>de</strong> vagância (IUCN, 2001).<br />
No presente estudo, consi<strong>de</strong>rei somente os sítios conhecidos. A extensão <strong>de</strong> ocorrência foi<br />
<strong>de</strong>finida <strong>de</strong> acordo com o método do mínimo polígono convexo (IUCN, 2001). Para tanto,<br />
um polígono sem qualquer ângulo >180º incluindo todos os sítios <strong>de</strong> ocorrência da espécie<br />
foi <strong>de</strong>senhado (Fig. 08) e sua área foi calculada através <strong>de</strong> geometria plana.<br />
Fitogeograficamente, o bioma Caatinga ocupa 11% do território nacional,<br />
abrangendo 800.000 km 2 entre os estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco,<br />
Paraíba, Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, Ceará, Piauí e <strong>Minas</strong> <strong>Gerais</strong> (Drumond et. al., 2004). Bem<br />
mais restrita, entretanto, é a área ocupada pelo guigó-da-caatinga, C. barbarabrownae. A<br />
espécie tem sua distribuição geográfica totalmente situada no território da Bahia, com uma<br />
extensão <strong>de</strong> ocorrência aproximada <strong>de</strong> 291.438 km 2 , entre altitu<strong>de</strong>s que variam <strong>de</strong> 241 a<br />
908m.<br />
78
Figura 8: Extensão <strong>de</strong> ocorrência do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae)<br />
79
A julgar pelos presentes resultados, o guigó-da-caatinga tem sua distribuição<br />
geográfica restrita ao território da Bahia, estando sua extensão <strong>de</strong> ocorrência atualmente<br />
situada entre cinco paralelos e seis meridianos, o que totaliza uma área <strong>de</strong> 252.546 km 2 .<br />
Para a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>sta área foi utilizado um mapa em escala 1:1.650.000, no qual foram<br />
plotados os registros <strong>de</strong> campo e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>finido o mínimo polígono convexo, ou seja, “o<br />
menor polígono no qual nenhum ângulo interno exceda 180° e que contenha todos os sítios<br />
<strong>de</strong> ocorrência” (IUCN, 1994). A espécie ocorre em altitu<strong>de</strong>s que variam <strong>de</strong> 241 m (Casa<br />
Nova: 11º46'58"S, 39º13'50,9"W) a 908 m (Salitre: 11º32'54,40"S, 42º22'58,70"W).<br />
3.6.1 Variações <strong>de</strong> pelagem observadas ao longo da extensão <strong>de</strong> ocorrência<br />
Através da morfologia externa (padrão <strong>de</strong> coloração da pelagem) i<strong>de</strong>ntifiquei mais<br />
duas formas <strong>de</strong> guigós ao longo da distribuição geográfica <strong>de</strong> C. barbarabrownae, além<br />
daquela da localida<strong>de</strong> tipo (Figuras 9 e 10).<br />
80
Figura 9: Indivíduo <strong>de</strong> C. barbarabrownae (Hershkovitz, 1990) provavelmente capturado<br />
na região da localida<strong>de</strong> tipo, que inclui Serrinha e municípios próximos (foto: Alci<strong>de</strong>s<br />
Pissinati)<br />
81
Figura 10: Ilustrações das três formas <strong>de</strong> guigós avistadas <strong>de</strong>ntro da área <strong>de</strong><br />
distribuição geográfica do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae).<br />
82
Descrição das formas: a) Uma forma com o tronco cinza semelhante ao <strong>de</strong>senhado<br />
para C. melanochir (Wied-Neuwied, 1820) na figura número 52, pág. 52, revista<br />
Neotropical Primates vol. 10 (2002), com a cauda po<strong>de</strong>ndo ser laranja ou da cor do tronco<br />
e a face negra, com dia<strong>de</strong>ma branco, pequeno ou ausente (Figs. 10 b e 11). Esta forma está<br />
restrita a região leste da Chapada Diamantina, limite sul da distribuição da espécie,<br />
habitando o que Rizzini (1967) apud Coimbra-Filho e Câmara (1996) chama <strong>de</strong> matas<br />
orográficas (e.g., Fazenda Corcovado, Contendas do Sincorá 13º54'21"S; 41º09'55"W;<br />
altitu<strong>de</strong> 603 m);<br />
Figura 11: Forma <strong>de</strong> C. barbarabrownae (Hershkovitz, 1990), restrita às matas<br />
orográficas do leste da Chapada Diamantina, Contendas do Sincorá, Bahia (foto:<br />
Carlos<br />
Guidorizzi).<br />
83
) Uma forma <strong>de</strong> cauda laranja como aquela apresentada para C. barbarabrownae<br />
Hershkovitz, 1990 na figura número 52, pág. 52, revista Neotropical Primates, vol. 10<br />
(2002), porém com o tronco avermelhado e a cabeça negra, como representado na mesma<br />
prancha para C. personatus 1 (Figura 10 c). Infelizmente não foi possível fotografá-la. Esta<br />
forma foi vista pela primeira vez na Fazenda Cafula, em Cel. João Sá, Bahia (10º13'49,8"S,<br />
38º02'03"W; altitu<strong>de</strong> 268 m). A população se restringe a ambientes <strong>de</strong> transição entre a<br />
Mata Atlântica e a Caatinga, na divisa entre os Estados <strong>de</strong> Sergipe e Bahia, indo até a<br />
Jeremoabo (Bahia). Tais formas, embora dignas <strong>de</strong> nota, precisam ser mais bem<br />
compreendidas antes <strong>de</strong> serem consi<strong>de</strong>radas como espécies ou subespécies. Os padrões <strong>de</strong><br />
coloração da pelagem, embora historicamente uitilizados para <strong>de</strong>finir as espécies <strong>de</strong><br />
Callicebus, têm se revelado um tanto subjetivos e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> fatores tais como a classe<br />
etário-sexual e a dieta dos animais.<br />
Neste sentido, <strong>de</strong>ve ser realizado um projeto <strong>de</strong> pesquisa envolvendo estudos<br />
genéticos das populações <strong>de</strong> Callicebus do grupo personatus: C. barbarabrownae, C.<br />
coimbrai, C. melanochir, C. personatus e C. nigrifrons. As pesquisas até agora já<br />
<strong>de</strong>monstrarm que C. nigrifrons apresenta cariótipo 2n = 42 enquanto C. personatus e C.<br />
coimbrai são 2n = 42 cromossomos (Printes et. al., no prelo). Entretanto, este estudo <strong>de</strong>ve<br />
ser conduzido paralelamente a um esforço <strong>de</strong> campo visando atualizar os dados <strong>de</strong><br />
distribuição geográfica das espécies (principalmente as três últimas). O número <strong>de</strong><br />
indivíduos, bem como a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lócus, <strong>de</strong>vem ser maximizados, tendo em vista o<br />
conhecido polimorfismo do gênero.<br />
84
3.7 Qual a área <strong>de</strong> ocupação do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae)?<br />
Área <strong>de</strong> ocupação é <strong>de</strong>finida como a área <strong>de</strong>ntro da extensão <strong>de</strong> ocorrência que é<br />
realmente ocupada pelo táxon, excluindo os casos <strong>de</strong> vagância. A medida reflete o fato <strong>de</strong><br />
que um táxon usualmente não ocorre ao longo <strong>de</strong> toda a sua extensão <strong>de</strong> ocorrência, a qual<br />
po<strong>de</strong> conter muitos hábitats ina<strong>de</strong>quados ou não ocupados (IUCN, 2001, 2006). O tamanho<br />
da área <strong>de</strong> ocupação será uma função da escala, que <strong>de</strong>ve ser apropriada aos aspectos<br />
biológicos relevantes do táxon, à natureza das ameaças e à disponibilida<strong>de</strong> dos dados<br />
(IUCN, 2001, 2006).<br />
A área <strong>de</strong> ocupação do guigó-da-caatinga foi calculada através do método da soma<br />
dos quadrados (IUCN, 2001, 2006). Utilizando-se uma gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> malha 0,1 cm, foi obtida a<br />
superfície <strong>de</strong> 2.636 km 2 , que correspon<strong>de</strong> à região efetivamente ocupada pela espécie<br />
(Figura 12).<br />
85
Figura 12: Área <strong>de</strong> ocupação do guigó-da-caatinga calculada através do método da soma<br />
dos quadrados (IUCN, 2001, 2006)<br />
86
Os registros do guigó-da-caatinga se concentraram em três regiões: 1) Do agreste,<br />
nas matas orográficas <strong>de</strong> Cícero Dantas, Antas, Jeremoabo, Minuim (Santa Brígida), Pedro<br />
Alexandre e Coronel João Sá; 2) Da localida<strong>de</strong>-tipo, que além <strong>de</strong> Lamarão inclui Casa<br />
Nova, Tanquinho, Mandacaru, Monte Cruzeiro, Banzaê, Canudos e Monte Santo; 3) Do<br />
norte da Chapada Diamantina, nas caatingas arbóreas e matas orográficas <strong>de</strong> Wagner, Rui<br />
Barbosa, Itaberaba, Morro do Chapéu, Miguel Calmon, Saú<strong>de</strong>, Itiúba e Campo Formoso,<br />
sempre acompanhando as serras dos municípios. A importância <strong>de</strong>stas três regiões fica<br />
mais evi<strong>de</strong>nte quando todos os registros são plotados num gráfico cujo eixo das abscissas<br />
correspon<strong>de</strong> às longitu<strong>de</strong>s e o eixo das or<strong>de</strong>nadas às latitu<strong>de</strong>s e surgem três nuvens <strong>de</strong><br />
pontos (Figura 13).<br />
87
-8<br />
-9<br />
-10<br />
-11<br />
Latitu<strong>de</strong> S<br />
-12<br />
-13<br />
-14<br />
-15<br />
-16<br />
-47 -46 -45 -44 -43 -42 -41 -40 -39 -38 -37 -36 -35 -34 -33<br />
Longitu<strong>de</strong> W<br />
Figura 13: Plotagem <strong>de</strong> todos os registros <strong>de</strong> C. barbarabrowane ao longo do sistema <strong>de</strong><br />
coor<strong>de</strong>nadas geográficas Gauss-Krieger.<br />
88
3.8 Sobre os limites entre as espécies <strong>de</strong> Callicebus da Mata Atlântica e Caatinga<br />
(Grupo Personatus)<br />
O número <strong>de</strong> registros por espécie <strong>de</strong> Callicebus que obtive ao longo <strong>de</strong>ste estudo é<br />
<strong>de</strong>monstrado na Figura 14.<br />
100%<br />
90%<br />
80%<br />
70%<br />
60%<br />
50%<br />
40%<br />
30%<br />
20%<br />
10%<br />
0%<br />
C. coimbrai C. melanochir C. barbarabrownae<br />
Figura 14: Número <strong>de</strong> indivíduos por espécie registrados ao longo do projeto “Distribuição<br />
e status do guigó-da-Caatinga Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990” (C.<br />
coimbrai n = 9, C. melanochir n = 2, C. barbarabrownae n = 51)<br />
89
Em viagem para Canudos, Eucli<strong>de</strong>s da Cunha se impressionou com a transformação<br />
da Mata Atlântica em Caatinga e <strong>de</strong>screveu com maestria o que estava vendo. Esta<br />
<strong>de</strong>scrição faz pensar que não apenas po<strong>de</strong> haver um guigó para cada formação<br />
fitogeográfica, mas também que o guigó po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado um indicador remoto do tipo<br />
<strong>de</strong> solo, tamanha a relação <strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pendência entre o solo, a vegetação e a fauna:<br />
“(...) Logo a partir <strong>de</strong> Camaçari as formações antigas<br />
cobrem-se <strong>de</strong> escassas manchas terciárias, alternando com<br />
exíguas bacias cretáceas, revestidas do terreno arenoso <strong>de</strong><br />
Alagoinhas que mal esgarçam a leste, as emersões calcárias<br />
<strong>de</strong> Inhambupe. A vegetação em roda transmuda-se, copiando<br />
estas alternativas com a precisão <strong>de</strong> um <strong>de</strong>calque. Rarefazemse<br />
as matas, ou empobrecem. Extinguem-se, por fim, <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> lançarem rebentos esparsos pelo topo das serranias; e estas<br />
mesmo, aqui e ali, cada vez mais raras, ilham-se ou avançam<br />
em promontório nas planuras <strong>de</strong>snudas dos campos, on<strong>de</strong><br />
uma flora característica – arbustos flexuosos entressachados<br />
<strong>de</strong> bromélias rubras – prepon<strong>de</strong>ra exclusiva em largas áreas,<br />
mal dominada pela vegetação vigorosa irradiante da Pojuca<br />
sobre o massapê feraz das camadas cretáceas <strong>de</strong>compostas”.<br />
(Cunha, 1901, p.24)<br />
Entre junho e julho <strong>de</strong> 2004, na tentativa <strong>de</strong> reencontrar a localida<strong>de</strong> tipo <strong>de</strong> C.<br />
barbarabrownae, investiguei a região do recôncavo baiano, incluindo Camaçari,<br />
Alagoinhas e Pojuca. Lá registrei C. coimbrai, espécie cujo limite sul <strong>de</strong> distribuição até<br />
então era o rio Itapicuru, na divisa entre os Estados da Bahia e Sergipe (Kobayashi &<br />
Langguth, 1999) (Figura 15). A localida<strong>de</strong> conhecida como Lamarão do Passé (12º29'51"S,<br />
38º22'35"W, altitu<strong>de</strong> 52 m) passou então a ser a mais meridional <strong>de</strong>ntro da área <strong>de</strong><br />
distribuição <strong>de</strong>sta espécie. Callicebus coimbrai Kobayashi & Langguth, 1999 se<br />
<strong>de</strong>monstrou uma forma realmente restrita ao litoral, tendo o recôncavo baiano como seu<br />
limite sul.<br />
90
Figura 15: Callicebus coimbrai, forma restrita a Sergipe e recôncavo baiano, reconhecida<br />
como espécie por Kobayashi e Langguth em 1999 (foto: Marcelo Sousa)<br />
91
Entre abril e maio <strong>de</strong> 2005, na região <strong>de</strong> Igrapiúna, investiguei se a extensão <strong>de</strong><br />
ocorrência <strong>de</strong> C. barbarabrownae realmente teria atingido o litoral ao sul do Recôncavo<br />
Baiano, conforme sugerido pelo mapa da revisão taxonômica <strong>de</strong> Callicebus feita por Van<br />
Roosmalen et al. (2002, p.39), a mais recente naquela época. A espécie encontrada na<br />
região citada, porém, foi Callicebus melanochir, numa fazenda <strong>de</strong> plantio <strong>de</strong> seringueiras<br />
da multinacional Michelin (13º48'51"S, 39º 12' 03"W, altitu<strong>de</strong> 53 m). Os animais vistos<br />
tinham a corpo <strong>de</strong> coloração uniforme (concolor), porém com a cauda em tom castanho<br />
(variegata), o que foi observado nesta espécie <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua <strong>de</strong>scrição (Kuhl, 1820 apud<br />
Elliot, 1913). O rio Paraguaçu <strong>de</strong>ixou na margem norte C. coimbrai e na margem sul C.<br />
melanochir. Para o oeste, já na região <strong>de</strong> Feira <strong>de</strong> Santana, aparece C. barbarabrownae <strong>de</strong><br />
ambos os lados do Paraguaçu, sugerindo que a separação <strong>de</strong>sta espécie das outras duas<br />
tenha sido anterior à formação daquele rio e que tenha ocorrido por razões fitogeográficas e<br />
não através <strong>de</strong> vicariância.<br />
Em relação ao limite leste <strong>de</strong> C. barbarabrownae, que correspon<strong>de</strong> ao oeste <strong>de</strong> C.<br />
coimbrai, encontrei dificulda<strong>de</strong>s em <strong>de</strong>terminá-lo. Aparentemente não há uma barreira<br />
específica que o <strong>de</strong>marque. Entretanto, observei que C. coimbrai hoje se restringe a<br />
florestas localizadas em regiões <strong>de</strong> altitu<strong>de</strong>s que variam entre 100 e 300 m (o que num<br />
passado recente po<strong>de</strong> ter sido entre 0 e 300 m) com maior influência da pluviosida<strong>de</strong> do que<br />
aquelas on<strong>de</strong> vive C. barbarabrownae. Na fronteira norte entre os Estados da Bahia e<br />
Sergipe se eleva um platô cuja borda é formada por amplo cinturão orogênico, localizado<br />
na região <strong>de</strong> Minuim (Santa Brígida), Pedro Alexandre e Coronel João Sá (municípios da<br />
Bahia). A rodovia fe<strong>de</strong>ral BR 110 <strong>de</strong>ixa a leste a Serra Gran<strong>de</strong> (523 m), da Canastra (571<br />
m), do Juazeiro (618 m), da Formiga (559 m), do Coité (701 m), da Velhacaria (500 m), do<br />
Marancó (688 m), do Retiro (566 m), Rompe Gibão (529 m) e do Poção (517 m); a oeste a<br />
92
Serra <strong>de</strong> São Domingos (511 m), do Lobisomem (541 m), do Manezinho (506 m), do<br />
Brejinho (698 m) e dos Coxos (686 m), até começar a região do Raso da Catarina. Estas<br />
serras, entre outras menores (localmente conhecidas como “serrotes”), aparentemente não<br />
atuaram como barreira ao fluxo gênico entre as duas formas <strong>de</strong> Callicebus, mas po<strong>de</strong>m ter<br />
retido a precipitação a leste, on<strong>de</strong> as florestas têm uma influência visivelmente atlântica,<br />
originando a oeste uma região mais árida, na qual hoje predominam as caatingas (ver carta<br />
<strong>de</strong> relevo da Bahia na Figura 16) .<br />
93
Figura 16: Carta <strong>de</strong> relevo do Estado da Bahia (SEI, 2003). Os círculos azuis<br />
correspon<strong>de</strong>m às localida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> foi registrado o guigó-da-caatinga.<br />
94
Ao norte do Raso da Catarina, entre Paulo Afonso e Macururé, se ergue um gran<strong>de</strong><br />
platô dominado por caatingas secas não arbóreas e caatingas arbustivas <strong>de</strong>nsas, paralelo ao<br />
qual há uma estrada <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 100 km em linha reta, cortando-o à moda <strong>de</strong> um transecto<br />
no sentido leste-oeste. Não registrei os guigós naquela região, porém eles voltaram a surgir<br />
mais ao sul, nas serras entre Canudos e Jeremoabo, quando as caatingas arbóreas<br />
reapareceram.<br />
A relação topografia/especiação neste caso é provavelmente indireta, se dando<br />
através da vegetação: nas matas com influência pluvial e atlântica ficou C. coimbrai e nas<br />
caatingas continentais, C. barbarabrownae. Entretanto, como não há uma barreira física,<br />
po<strong>de</strong> haver áreas <strong>de</strong> transição quanto à vegetação. De fato encontrei C. coimbrai em<br />
ambiente <strong>de</strong> caatinga arbórea com influência da Mata Atlântica, na região <strong>de</strong> Nossa<br />
Senhora da Glória (Sergipe) (Figura 17). Porém, a recíproca não se fez verificada: não<br />
registrei C. barbarabrownae em região que lembrasse a Mata Atlântica. A propósito<br />
observam Coimbra-Filho & Câmara (1996, p.25):<br />
“A <strong>de</strong>struição das pontes faunísticas silvestres entre os resíduos<br />
<strong>de</strong> matas hoje existentes fez mudar radicalmente a fácies<br />
vegetacional e ambiental da região, favorecendo condições<br />
para a ampliação <strong>de</strong> ecossistemas antrópicos heliófilos, embora<br />
restassem espalhados pela região alguns remanescentes muito<br />
<strong>de</strong>gradados das antigas formações florestais [...] As espécies<br />
próprias dos ecossistemas primários nor<strong>de</strong>stinos, <strong>de</strong> hábitos<br />
silvestres, são agora extremamente escassas porque a lógica<br />
indica terem sido eliminadas ou reduzidas no curso da<br />
<strong>de</strong>struição dos ecossistemas originais, quando vultuoso número<br />
<strong>de</strong> espécies certamente foi exterminado sem <strong>de</strong>ixar vestígios”.<br />
Se a vegetação heliófila avançou nas regiões alteradas pela mão humana nos últimos<br />
450 anos, então é provável que a distribuição <strong>de</strong> C. coimbrai, no sentido oeste tenha sido<br />
95
mais ampla no passado. Da mesma forma isto po<strong>de</strong>ria explicar porque C. coimbrai e não C.<br />
barbarabrownae foi encontrado nas regiões <strong>de</strong> transição entre a Caatinga e a Mata<br />
Atlântica.<br />
Figura 17: Callicebus coimbrai fotografado em ambiente <strong>de</strong> transição entre a Caatinga e a<br />
Mata Atlântica, na divisa entre Sergipe e Bahia, Nossa Senhora da Glória (Sergipe) (foto:<br />
Marcelo<br />
Sousa)<br />
96
Não obtive nenhum registro <strong>de</strong> simpatria entre essas duas formas <strong>de</strong> Callicebus, fato<br />
interessante, uma vez que elas são consi<strong>de</strong>radas espécies e não subespécies. O elevado grau<br />
<strong>de</strong> antropização da região é um fator a ser consi<strong>de</strong>rado nesta discussão. Porém torna-se<br />
difícil afirmar com certeza se tais formas <strong>de</strong>rivam realmente <strong>de</strong> linhagens filogenéticas<br />
distintas, uma vez que carecemos <strong>de</strong> um estudo cladístico com bases genéticas.<br />
A Figura 18 apresenta a distribuição geográfica das espécies do Grupo Personatus<br />
com base na literatura e nas observações <strong>de</strong> campo do presente trabalho e <strong>de</strong> outros<br />
pesquisadores (Printes et al., no prelo).<br />
97
Figura 18: Distribuição geográfica das espécies do Grupo Personatus, com base nas<br />
observações <strong>de</strong> campo <strong>de</strong> quatro pesquisadores (Printes et al., no prelo).<br />
98
Capítulo 3: A conservação do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae<br />
Hershkovitz, 1990)<br />
Questões<br />
• Quais as principais ameaças à espécie?<br />
• Callicebus barbarabrownae <strong>de</strong>ve permanecer na categoria “criticamente em<br />
perigo”?<br />
1. Introdução: Os sertões <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s da Cunha não existem mais<br />
A ocupação humana da Caatinga baiana, região estudada por Eucli<strong>de</strong>s da Cunha<br />
(1866-1909), o primeiro sociólogo rural brasileiro, ocorreu <strong>de</strong> modo intensivo após a sua<br />
morte, isto é, nos últimos 100 anos. Visitei muitos locais por ele mencionados no livro “Os<br />
Sertões” (Cunha, 1901) como sendo áreas <strong>de</strong> vazio <strong>de</strong>mográfico, ao longo do presente<br />
estudo, e verifiquei que hoje são núcleos urbanos em expansão. São exemplos: Monte<br />
Santo, com 56.602 habitantes e Jeremoabo, com 32.703 (Campos et al., 2004; IBGE,<br />
2005). Há uma extensa malha viária (em péssimo estado <strong>de</strong> conservação) transpassando o<br />
que Cunha (1901) chamava <strong>de</strong> “sertão”, isto é, o interior do nor<strong>de</strong>ste brasileiro. Estradas<br />
oficiais e clan<strong>de</strong>stinas dão amplo acesso à região, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as margens das rodovias fe<strong>de</strong>rais e<br />
estaduais até os locais mais ermos da Caatinga, entre Monte Santo, Canudos e Uauá; entre<br />
Barro Vermelho e Curaçá; entre Curaçá e Juazeiro; entre o Raso da Catarina e o inóspito<br />
vale do Rio Salitre. Estas estradas e rodovias trouxeram povoações e vilas, pequenas<br />
civilizações recônditas <strong>de</strong> um Brasil, para muitos, ignorado. Um pequeno povoado surgiu<br />
há cerca <strong>de</strong> 40 anos às margens da rodovia fe<strong>de</strong>ral BR 116 e se emancipou <strong>de</strong> Monte Santo.<br />
99
Hoje, com 55.184 habitantes (IBGE, 2005), a antiga vila é uma das maiores cida<strong>de</strong>s da<br />
Caatinga e ironicamente se chama Eucli<strong>de</strong>s da Cunha.<br />
A urbanização do meio rural baiano foi impulsionada pela concepção<br />
<strong>de</strong>senvolvimentista <strong>de</strong> sucessivos governantes. Especialmente a partir da Constituição<br />
<strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> 1988, novos municípios foram criados. Segundo o IBGE, entre 1970 e 2000 o<br />
Estado da Bahia ganhou 115 novos municípios (IBGE, 2005). A população urbana, que em<br />
1970 era <strong>de</strong> 41%, em 2000 já totalizava 67%; a população rural, entretanto, no mesmo<br />
período <strong>de</strong>caiu <strong>de</strong> 59% para 33% (IBGE, 2005). Entretanto, o IBGE constatou<br />
recentemente uma mudança no processo <strong>de</strong> urbanização brasileiro, antes concentrado nas<br />
metrópolis: a partir dos anos 1990 as cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> porte médio, entre 100 mil e 500 mil<br />
habitantes, é que passaram a crescer; as metrópolis não <strong>de</strong>têm mais as maiores taxas <strong>de</strong><br />
crescimento urbano (Maricato & Tanaka, 2006). Em termos ambientais isto é bastante<br />
preocupante, consi<strong>de</strong>rando a falta <strong>de</strong> políticas habitacionais por parte do po<strong>de</strong>r público e a<br />
especulação imobiliária do setor privado, que levam à ocupação irregular <strong>de</strong> áreas naturais<br />
em todo o país (Maricato & Tanaka, 2006).<br />
Cada núcleo urbano tem sua própria marca ou pegada ecológica, ou seja, a área<br />
funcional, em termos <strong>de</strong> ecossistemas, que necessita para existir (Folke et al., 1997).<br />
Alguns exemplos <strong>de</strong> serviços prestados pelos ecossistemas naturais próximos às cida<strong>de</strong>s<br />
são: receber os <strong>de</strong>jetos jogados na água, <strong>de</strong>spoluir o seu ar, produzir alimentos, ma<strong>de</strong>ira,<br />
papel, lenha, água potável (Ehrlich & Mooney, 1983). Num estudo realizado em 29 cida<strong>de</strong>s<br />
da Europa báltica, ficou <strong>de</strong>monstrado que um município com mais <strong>de</strong> 250.000 habitantes<br />
requisita uma área 200 vezes maior do que o seu tamanho, em termos <strong>de</strong> impacto ambiental<br />
(Folke et. al., 1997). Faltam estudos acerca do tamanho da pegada ecológica nas cida<strong>de</strong>s<br />
brasileiras e <strong>de</strong>vem ser guardas as proporções resi<strong>de</strong>ntes na diferença entre o padrão <strong>de</strong><br />
100
consumo dos europeus e dos sertanejos. Mas <strong>de</strong> qualquer maneira, num sentido ecológico,<br />
as cida<strong>de</strong>s não produzem quase nada e seu impacto negativo sobre os ecossistemas ainda<br />
não foi dimensionado. Um exemplo disso é a <strong>de</strong>manda por alimentos que levou a<br />
agricultura e a pecuária a transfigurarem a paisagem <strong>de</strong> modo irreversível na Caatinga<br />
baiana nos últimos 400 anos (Coimbra-Filho & Câmara, 1996).<br />
O impacto do uso da terra sobre a população do guigó-da-caatinga (Callicebus<br />
barbarabrownae) precisa ser analisado como um fenômeno global com características<br />
regionais. Apesar dos esforços para a conservação <strong>de</strong> florestas e a manutenção da<br />
biodiversida<strong>de</strong> serem geralmente <strong>de</strong>finidos e implementados em escala nacional ou<br />
internacional (Rio 92, COP 8, por exemplo) a conservação <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do que fazem as<br />
comunida<strong>de</strong>s locais. Por isso, conhecer o que pensam estas comunida<strong>de</strong>s e como utilizam<br />
seus recursos naturais é crucial para que a conservação seja efetiva (Silvano & Begossi,<br />
2005).<br />
2. Métodos<br />
2.1 Selção <strong>de</strong> informantes<br />
No presente estudo realizei entrevistas com informantes selecionados (Richardson et<br />
al., 1965; Lódi, 1981; Davis & Wagner, 2003), complementadas pela documentação através<br />
<strong>de</strong> registro fotográfico e gravação <strong>de</strong> <strong>de</strong>poimentos (Lódi, 1981).<br />
A seleção <strong>de</strong> informantes parte <strong>de</strong> um pressuposto qualitativo e busca i<strong>de</strong>ntificar<br />
pessoas que tenham maior conhecimento, em relação aos outros da sua comunida<strong>de</strong>, acerca<br />
<strong>de</strong> uma questão específica (por exemplo: caça, pesca, uso <strong>de</strong> plantas medicinais). O<br />
processo <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> informantes assume que o conhecimento em questão não está<br />
101
homogeneamente distribuído na comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> modo que a aplicação <strong>de</strong> questionários<br />
aleatoriamente não trará um resultado satisfatório (ver Davis & Wagner, 2003). Além <strong>de</strong><br />
concentrarem a informação sobre <strong>de</strong>terminado tema, informantes <strong>de</strong>vem ser pessoas com<br />
boa memória e alta capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação.<br />
Utilizei o método <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> informantes através <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> referência,<br />
também conhecido como “bola <strong>de</strong> neve” (Olsson & Folke, 2001; Davis & Wagner, 2003).<br />
Este método tem sido largamente empregado para documentar o conhecimento ecológico<br />
local. Olsson & Folke (2001) o aplicaram para selecionar 10 informantes-chave a partir <strong>de</strong><br />
73 associações <strong>de</strong> catadores <strong>de</strong> lagosta na Suíça. Neiss et al. (1999) usaram “bola <strong>de</strong> neve”<br />
para selecionar experts em pesca no norte do Canadá. Visando documentar o conhecimento<br />
do povo Inuit do Ártico sobre a caça <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s mamíferos marinhos, Ferguson & Messier<br />
(1997) selecionaram seus informantes a partir <strong>de</strong> associações <strong>de</strong> caçadores locais. O<br />
método <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> informantes através <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> referência, porém, requer<br />
adaptações aos contextos locais, porque os grupos <strong>de</strong> referência a serem utilizados<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do sistema <strong>de</strong> conhecimento ecológico local sob investigação. Isto foi bastante<br />
discutido numa revisão sobre o método feita por Davis & Wagner (2003).<br />
Os grupos <strong>de</strong> referência para seleção <strong>de</strong> informantes que utilizei no presente estudo<br />
foram os seguintes: 1) policiais civis e militares; 2) freqüentadores <strong>de</strong> bares; 3) agricultores<br />
filiados ao sindicato rural; 4) agricultores envolvidos com a feira local. A seguir são<br />
apresentados os cinco contextos nos quais os informantes foram selecionados:<br />
Contexto A: Município ou localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> médio porte (<strong>de</strong> 25.000 a 50.000 habitantes, <strong>de</strong><br />
acordo com o Guia Quatro Rodas, 2004), com <strong>de</strong>legacia <strong>de</strong> polícia civil ou posto da polícia<br />
militar. Neste caso, procurei as autorida<strong>de</strong>s policiais locais, me apresentei e solicitei a<br />
indicação <strong>de</strong> um informante. Isto foi feito porque normalmente em municípios pequenos e<br />
102
médios, on<strong>de</strong> não há atuação da polícia ambiental ou do <strong>Instituto</strong> Brasileiro do Meio<br />
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), a polícia civil ou militar<br />
centraliza as ocorrências envolvendo caça e tráfico <strong>de</strong> animais silvestres (<strong>de</strong> acordo com a<br />
Lei <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> nº 9605/98, “Lei <strong>de</strong> Crimes Ambientais”).<br />
Contexto B: Localida<strong>de</strong> pequena (até 25.000 habitantes), sem posto policial. Nesta situação<br />
procurei um bar bastante freqüentado pela comunida<strong>de</strong> local, me apresentei e solicitei a<br />
indicação <strong>de</strong> um informante, utilizando entrevista preliminar com os presentes, através <strong>de</strong><br />
fotografias e execução <strong>de</strong> vocalizações com equipamento <strong>de</strong> play-back.<br />
Contexto C: Localida<strong>de</strong> pequena (até 25.000 habitantes), posto policial ausente, bar (es) por<br />
algum motivo sem condições para a seleção <strong>de</strong> informantes (vazios ou cheios <strong>de</strong>mais no<br />
momento da abordagem, horário ina<strong>de</strong>quado, sem condições <strong>de</strong> segurança, etc.). Dia útil,<br />
horário comercial. Procurei o sindicato rural ou a secretaria da agricultura do município, me<br />
apresentei e solicitei a indicação <strong>de</strong> um informante.<br />
Contexto D: Localida<strong>de</strong> pequena ou média (até 50.000 habitantes), dia <strong>de</strong> feira (sexta a<br />
domingo). Procurei bancas que vendiam frutas silvestres, ervas, raízes e cascas medicinais,<br />
tomates, amendoins e maxixes, por serem estes produtos cultivados ou extraídos em regiões<br />
<strong>de</strong> difícil acesso na Caatinga. Conversei com os agricultores feirantes sobre a fauna da<br />
região, procurando informantes. Utilizei fotografias e reproduzi as vocalizações dos guigós<br />
e <strong>de</strong> outros mamíferos com o equipamento <strong>de</strong> playback.<br />
Contexto E: In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do tamanho da localida<strong>de</strong> e do número <strong>de</strong> habitantes procurei<br />
<strong>de</strong>ixar registrado na polícia, no sindicato rural ou nos bares on<strong>de</strong> passaria a noite,<br />
normalmente um hotel, pousada ou posto <strong>de</strong> gasolina, local bem conhecido na cida<strong>de</strong>.<br />
Solicitei ser avisado, a qualquer momento, <strong>de</strong> informações que pu<strong>de</strong>ssem levar ao guigó.<br />
Esta estratégia foi utilizada simultaneamente a todas as outras e foi especialmente útil em<br />
103
situações nas quais não havia informação prontamente disponível sobre os animais,<br />
consi<strong>de</strong>rando o curto período <strong>de</strong> permanência nas localida<strong>de</strong>s.<br />
Uma pessoa foi consi<strong>de</strong>rada informante quando, após o processo seletivo,<br />
<strong>de</strong>monstrou conhecimentos acerca da composição específica da fauna silvestre da sua<br />
região e, em alguns casos, a respeito da ocorrência ou <strong>de</strong>saparecimento do guigó-da-<br />
Caatinga (C. barbarabrownae).<br />
O informante não foi localizado <strong>de</strong> modo imediato e direto numa comunida<strong>de</strong>.<br />
Cheguei até ele através <strong>de</strong>, no mínimo, um intermediário, usualmente chamado <strong>de</strong> referee<br />
(Davis & Wagner, 2003). Muitas vezes um primeiro referee levava a um segundo ou<br />
terceiro antes <strong>de</strong> chegar ao informante (Figura 19). Quando o informante selecionado era<br />
caçador, traficante <strong>de</strong> animais silvestres, ma<strong>de</strong>ireiro, sem-terra ou matador <strong>de</strong> aluguel<br />
(pistoleiro), foi necessária a intermediação <strong>de</strong> um tipo especial <strong>de</strong> referee, aqui chamado<br />
paraninfo. O paraninfo era uma pessoa da comunida<strong>de</strong> que atuava garantindo ao<br />
informante que o pesquisador não trabalhava para a polícia e nem para o IBAMA.<br />
Paraninfos também ajudavam a combinar o preço dos serviços dos informantes,<br />
principalmente quando estes atuariam como mateiros (guia local para a realização <strong>de</strong> trilhas<br />
na mata). Foi consi<strong>de</strong>rado mateiro somente aquele colaborador que levava o pesquisador<br />
até os animais ou até os locais <strong>de</strong> possível ocorrência dos mesmos. A maior parte dos<br />
informantes foi contratada como mateiros, entretanto algumas vezes o informante não se<br />
colocava à disposição para acompanhar o pesquisador na mata, indicando outra pessoa da<br />
comunida<strong>de</strong>. É importante ressaltar que um informante podia ou não ser mateiro, porém um<br />
referee jamais atuava como mateiro.<br />
104
Referee 1<br />
Informante<br />
Informante<br />
Guigó<br />
Não tinha guigó<br />
Mateiro<br />
Mateiro<br />
Guigó<br />
Guigó<br />
Guigó<br />
Não tinha guigó<br />
Referee 2<br />
Informante<br />
Paraninfo<br />
Mateiro<br />
Guigó<br />
Informante<br />
Guigó<br />
Mateiro<br />
Guigó<br />
Não tinha guigó<br />
Guigó<br />
Não tinha guigó<br />
Referee 3, etc...<br />
Figura 19: Organograma <strong>de</strong>monstrativo do processo <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong><br />
informantes através do método bola <strong>de</strong> neve<br />
105
Somente na região do polígono da maconha (Cannabis sativa, cultivada ilegalmente<br />
na Caatinga visando à produção para o narcotráfico), cerca <strong>de</strong> 600 km 2 entre Canudos e<br />
Monte Santo, selecionei e contratei dois pistoleiros, que atuaram como seguranças e<br />
referees. Naquela área percorri trechos não mapeados, utilizando estradas clan<strong>de</strong>stinas,<br />
construídas para o tráfico <strong>de</strong> drogas e <strong>de</strong> animais silvestres. Outra dificulda<strong>de</strong> no polígono<br />
da maconha foi a localização <strong>de</strong> informantes, tendo em vista a baixa <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong><br />
populacional da região.<br />
2.2 Avaliação dos informantes selecionados<br />
Utilizei três indicadores para saber se uma pessoa apontada pelo(s) referee(s) podia<br />
ou não ser um informante. Foram eles: 1) O curto circuito: situações em que algumas ou<br />
várias indicações recaíam sobre a mesma pessoa da comunida<strong>de</strong>. Em alguns casos, este<br />
po<strong>de</strong> ser um indicador <strong>de</strong> suficiência amostral, pois se todos ou a maior parte dos referees<br />
mencionou as mesmas pessoas, significa que já se tem a relação completa (ou quase<br />
completa) dos potenciais informantes (Davis & Wagner, 2003). 2) O filtro: utilizei um<br />
trecho especial do roteiro semi-estruturado elaborado para informantes (perguntas <strong>de</strong> nº 5 a<br />
8 do roteiro em anexo), buscando testar seus conhecimentos a priori. Em alguns casos o<br />
equipamento <strong>de</strong> playback foi utilizado para verificar se o possível informante reconhecia a<br />
vocalização do guigó-da-caatinga e <strong>de</strong> outros animais silvestres. Imagens dos animais<br />
foram mostradas aos possíveis informantes em associação com suas vocalizações. Alguns<br />
candidatos a informantes não passaram pela filtragem e foram dispensados. 3) O teste do<br />
informante: consistia em perguntar ao possível informante, <strong>de</strong>pois da filtragem, se ele<br />
106
ecomendaria uma outra pessoa da comunida<strong>de</strong> como informante, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> <strong>de</strong>corriam duas<br />
situações: a) O possível informante recomendava uma outra pessoa que se revelava melhor<br />
do que ele mesmo em termos do conhecimento esperado. Neste caso, o possível informante<br />
passava a ser referee e a pessoa por ele indicada era selecionada como informante. b) O<br />
possível informante dizia não ter conhecimento <strong>de</strong> outra pessoa na comunida<strong>de</strong> que pu<strong>de</strong>sse<br />
atuar como informante ou fazia referência a uma pessoa já falecida. Neste caso, o possível<br />
informante era selecionado como informante para aquela localida<strong>de</strong>. O conjunto <strong>de</strong>stes três<br />
indicadores, e não apenas um isoladamente, foi aplicado para <strong>de</strong>cidir se uma pessoa<br />
indicada pelo(s) referee(s) podia ou não atuar como informante.<br />
A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pagamento foi mencionada somente após o processo seletivo,<br />
visando evitar a inclusão <strong>de</strong> pessoas oportunistas no processo. Os valores <strong>de</strong>stes serviços<br />
foram negociados numa faixa que variou entre R$ 10,00 e R$ 30,00/dia. Os referees e<br />
paraninfos, via <strong>de</strong> regra atuaram voluntariamente no processo. Para cada localida<strong>de</strong><br />
estudada foram utilizados no mínimo um e no máximo três informantes (Davis & Wagner,<br />
2003).<br />
Após a seleção entrevistei os informantes seguindo o seguinte roteiro semiestruturado<br />
(as questões <strong>de</strong> 5 a 8 foram utilizadas como filtro durante o processo seletivo):<br />
1) Primeiro nome ou apelido do informante<br />
2) Ida<strong>de</strong><br />
3) Tempo <strong>de</strong> residência no local<br />
4) Profissão ou ofício<br />
5) Quais os animais silvestres que habitam a região?<br />
6) Qual o tamanho da proprieda<strong>de</strong> em que ocorre o guigó e qual o tamanho da área <strong>de</strong><br />
mata da proprieda<strong>de</strong>?<br />
107
7) Qual o uso da terra da proprieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> vive o guigó?<br />
8) Quais os maiores problemas enfrentados pelos animais?<br />
9) O que se po<strong>de</strong> fazer para melhorar a situação dos animais?<br />
Tendo em vista a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> padronização do esforço amostral, consi<strong>de</strong>rei<br />
válida apenas uma entrevista, com um informante, para cada localida<strong>de</strong>. Sendo assim, ao<br />
todo selecionei 147 entrevistas com informantes. Destas <strong>de</strong>sprezei aquelas feitas no início<br />
do trabalho, quando o processo seletivo e o roteiro semi-estruturado ainda estavam em<br />
construção. Todas as entrevistas <strong>de</strong>sprezadas foram realizadas em áreas sem o guigó-da-<br />
Caatinga (n=26). Desta forma, 124 entrevistas foram consi<strong>de</strong>radas para a análise, sendo 37<br />
nas localida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> foi posteriormente encontrado o guigó e 87 nas áreas sem guigó.<br />
Quando o informante selecionado não relatava a presença do guigó, eu perguntava<br />
sobre a existência <strong>de</strong> fragmentos <strong>de</strong> caatinga arbórea <strong>de</strong>nsa ou esparsa e também observava<br />
se havia algum tipo <strong>de</strong> formação florestal relevante na região. Havendo algum fragmento<br />
interessante ele era visitado para a realização <strong>de</strong> playback. No início do projeto foram<br />
analisadas, a priori, imagens <strong>de</strong> satélite visando localizar fragmentos <strong>de</strong> vegetação, mas<br />
este método foi abandonado por não ser possível distinguir os diferentes tipos <strong>de</strong> Caatinga<br />
através <strong>de</strong> sensoriamento remoto.<br />
A seguir apresento dois exemplos <strong>de</strong> aplicação do método bola <strong>de</strong> neve<br />
(convenções: ⇒ indicação <strong>de</strong> local; → indicação <strong>de</strong> pessoa; ↔ indicação <strong>de</strong> guigó ou<br />
informação sobre os animais):<br />
Exemplo 1: Processo <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> informantes em Banzaê, Bahia, 27/09 a<br />
01/10/2004. Plano A: Al<strong>de</strong>ia indígena Kiriri, posto da FUNASA → cacique da tribo Kiriri<br />
108
(referee 1) ⇒ localida<strong>de</strong> conhecida como Miran<strong>de</strong>la → índio kiriri (referee 2) ⇒ Fazenda<br />
Soturno (Banzaê) → agricultor (informante e mateiro) ↔ novo registro <strong>de</strong> guigó.<br />
Exemplo 2: Processo <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> informantes em Itambé, Bahia, 15/01/2005.<br />
Plano E: Hotel Rio Pardo, Município <strong>de</strong> Itambé → comerciante (referee 1) ⇒ localida<strong>de</strong><br />
conhecida como Jussara → agricultora (referee 2) ⇒ interior <strong>de</strong> Jussara → agricultor<br />
(referee 3 = paraninfo) ⇒ ainda no interior <strong>de</strong> Jussara → caçador e ma<strong>de</strong>ireiro<br />
(informante) ↔ relatou com <strong>de</strong>talhes o <strong>de</strong>saparecimento local do guigó-da-caatinga,<br />
ocorrida há cerca <strong>de</strong> 30 anos.<br />
3. Resultados<br />
3.1 Perfil dos informantes<br />
Os resultados apresentados a seguir se referem exclusivamente aos informantes, não<br />
tendo sido analisadas informações sobre referees e paraninfos. Para a realização dos testes<br />
estatísticos os dados absolutos foram transformados em arco-seno da raiz quadrada, visando<br />
aproximar a distribuição da normalida<strong>de</strong>. O nível <strong>de</strong> significância utilizado foi <strong>de</strong> 0,05.<br />
Em geral, os informantes selecionados consistiram <strong>de</strong> homens (96%), agricultores<br />
(77%), tendo, em média 55 anos (ida<strong>de</strong> mínima = 18; máxima = 73). A maior parte residia<br />
por toda a vida nas localida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> viviam e a respeito das quais foram entrevistados<br />
(76%). Os <strong>de</strong>mais (24%) vieram <strong>de</strong> localida<strong>de</strong>s próximas àquelas sobre as quais foram<br />
entrevistados (no mesmo município) e já estavam ali em média há 24,12 anos (tempo<br />
mínimo = 7; tempo máximo = 73 anos).<br />
Nas áreas com guigó foram selecionados 37 informantes, sendo 97% homens, com<br />
ida<strong>de</strong> média <strong>de</strong> 49 anos, dos quais 46% eram agricultores e 83% passaram toda a sua vida<br />
109
nas localida<strong>de</strong>s em que nasceram. Já nas áreas sem guigó foram selecionados 87<br />
informantes, sendo 95% homens, com ida<strong>de</strong> média <strong>de</strong> 53 anos, sendo 44% agricultores e<br />
64% passaram toda a sua vida nas localida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> nascimento. O perfil dos informantes nas<br />
áreas com e sem guigó foi semelhante, quanto à ida<strong>de</strong> (ANOVA um critério, GL = 1; F =<br />
1,49; p < 0,5) e ao tempo <strong>de</strong> residência (ANOVA um critério, GL = 1; F = 1,29; p < 0,5),<br />
não tendo diferido significativamente.<br />
20.<br />
As principais ocupações profissionais dos informantes são <strong>de</strong>monstradas na Figura<br />
agricultor não informado vaqueiro caçador<br />
fazen<strong>de</strong>iro outros cacique pistoleiro<br />
Figura 20: Ocupação profissional dos informantes nas áreas on<strong>de</strong> foi registrado o<br />
gugó-da-caatiga (n=37)<br />
110
3.2 Padrões <strong>de</strong> uso da terra<br />
Os dados que apresentarei a seguir foram obtidos através <strong>de</strong> entrevistas com<br />
fazen<strong>de</strong>iros ou capatazes das fazendas visitadas. Analisei um questionário para cada<br />
proprieda<strong>de</strong> (N = 112). As percentagens apresentadas se referem a este total. Houve<br />
proprieda<strong>de</strong>s visitadas sobre as quais não foi possível obter informações acerca do uso da<br />
terra (N = 15). As categorias <strong>de</strong> manejo não são mutuamente exclusivas, isto é, numa<br />
mesma proprieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser realizado pecuária e cultivo <strong>de</strong> feijão, por exemplo.<br />
Nas fazendas sem guigó a agricultura é a forma mais freqüente <strong>de</strong> uso da terra (N =<br />
75). Somando-se as percentagens <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s em que se cultiva feijão, milho e<br />
mandioca, se chega a 50%, contra 15% daquelas on<strong>de</strong> a pecuária foi a ativida<strong>de</strong><br />
predominante. Nas outras proprieda<strong>de</strong>s (35%) predominam manejos diversos como a<br />
fruticultura (melancia, melão, manga), o cultivo <strong>de</strong> mamona, as plantações <strong>de</strong> cizal, a<br />
mineração e a criação <strong>de</strong> caprinos ou ovinos (Figura 21).<br />
Nas áreas com guigó (N = 37) a agricultura também foi à ativida<strong>de</strong> predominante<br />
(56%), porém a pecuária passou a ter maior importância, chegando a 28%. Em 16% das<br />
proprieda<strong>de</strong>s os usos são diversos, tais como cultivo <strong>de</strong> palma (uma cactácea), criação <strong>de</strong><br />
bo<strong>de</strong> e ovelha, plantio <strong>de</strong> mamona, cultivos <strong>de</strong> café, floricultura e <strong>de</strong> avelós (Figura 22).<br />
111
feijão milho cultivos diversos<br />
pecuária fruticultura outros animais<br />
mandioca mamona não agrícola<br />
cizal<br />
Figura 21: Uso da terra nas áreas on<strong>de</strong> não foi registrado o guigó-da-caatinga (n=75)<br />
pecuária milho feijão<br />
mandioca cultivos diversos outros animais<br />
sem uso mamona<br />
Figura 22: Uso da terra nas áreas on<strong>de</strong> foi registrado do guigó-da-caatinga (n=37)<br />
112
Enquanto a mandioca normalmente é plantada para a subsistência, o milho e a<br />
palma são cultivados em função da pecuária. O feijão, por sua vez, é plantado visando à<br />
venda, embora também seja consumido pelos agricultores. O óleo <strong>de</strong> licuri (Syagrus<br />
coronata (Mart.) Becc., Palmae) é obtido <strong>de</strong> modo extrativista e tem valor como<br />
mercadoria <strong>de</strong> troca, além <strong>de</strong> ser vendido nas feiras locais.<br />
Segundo os informantes, é comum haver contato entre as plantações e as áreas on<strong>de</strong><br />
os guigós vivem, entretanto não houve relatos <strong>de</strong> que os primatas se alimentem dos<br />
cultivos.<br />
Os padrões <strong>de</strong> uso da terra nas fazendas em que o guigó-da-caatinga ocorre e não<br />
ocorre foram significativamente diferentes (ANOVA um critério, GL = 1; F = 7,24;<br />
p=0,01). Esta diferença está associada principalmente a: 1) Predomínio dos cultivos <strong>de</strong><br />
feijão, milho e mandioca nas proprieda<strong>de</strong>s sem guigó; 2) Maior diversificação dos tipos <strong>de</strong><br />
uso da terra nas áreas sem guigó (mineração, cultivo <strong>de</strong> sisal, fruticultura); 3) Maior<br />
importância da ativida<strong>de</strong> pecuária nas proprieda<strong>de</strong>s com guigó do que nas áreas on<strong>de</strong> o<br />
primata já <strong>de</strong>sapareceu.<br />
3.3 Tamanho das proprieda<strong>de</strong>s<br />
As informações sobre tamanho <strong>de</strong> área do presente trabalho foram obtidas através<br />
<strong>de</strong> entrevistas. Para a análise utilizei somente os dados <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s sobre as quais os<br />
proprietários ou informantes alegaram ter certeza do tamanho. De acordo com este critério,<br />
<strong>de</strong> 124 entrevistas analisadas, avaliei o tamanho <strong>de</strong> 44 (N = 25 áreas com guigó e N = 19<br />
áreas sem guigó).<br />
113
Como o tamanho das áreas <strong>de</strong> reserva legal muitas vezes era <strong>de</strong>sconhecido pelos<br />
proprietários ou informantes, utilizei o tamanho total das fazendas. Na gran<strong>de</strong> maioria das<br />
vezes, quando o informante não relatava a presença do guigó também não havia fragmento<br />
a ser verificado. Não houve registro <strong>de</strong> guigó nas áreas em que os informantes disseram não<br />
haver os animais.<br />
O tamanho médio das proprieda<strong>de</strong>s com guigó foi <strong>de</strong> 2.294,4 ha (±3.106,5) e o das<br />
proprieda<strong>de</strong>s sem guigó foi <strong>de</strong> 1.181,2 ha (±1.594,03). Não houve correlação positiva entre<br />
o tamanho das fazendas (ha) e a presença do guigó (Correlação Linear <strong>de</strong> Pearson, r = 0,2,<br />
GL = 17, p
Figura 23: “Serrote” <strong>de</strong>fendido por um caçador-fiscal próximo à Amargosa, Bahia,<br />
06/04/2005<br />
Registrei acordos <strong>de</strong>ssa natureza nas seguintes localida<strong>de</strong>s: Serra <strong>de</strong> Minuim<br />
(09º50'07,8"S, 38º04'36,9"W; altitu<strong>de</strong> 299 m), Serra <strong>de</strong> Casa Nova <strong>de</strong> Ichu (11º46'24,4"S,<br />
39º13'36,3"W; altitu<strong>de</strong> 241 m), Serra <strong>de</strong> Boa Vista do Tupim (11º56'10,0"S, 39º02'07,2";<br />
altitu<strong>de</strong> 237 m), Serra <strong>de</strong> Itiúba (10º41'45,2"S, 39º51'12,6"W; altitu<strong>de</strong> 379 m) e Serra da<br />
Cana Brava (09º44'24,6"S, 39º37'47,7"W; altitu<strong>de</strong> 568 m).<br />
Os animais mais caçados, segundo os caçadores-fiscais entrevistados (N = 5), são os<br />
seguintes mamíferos: o mocó (Kerodon rupestris) os veados (Mazama americana e M.<br />
gouazoubira), os tatus (Dasypus novemcinctus, Dasypus septemcinctus), o peba<br />
115
(Euphractus septicinctus), a paca (Agouti paca) as cutias (Dasyprocta prymnolopha e<br />
Dasyprocta sp.), o tapiti (Sylvilagus brasiliensis) e o catitu (Tayassu pecari).<br />
Segundo os caçadores, entre os primatas, o guariba (Alouatta caraya), que ocorre<br />
nas áreas <strong>de</strong> transição entre a Caatinga e o Cerrado, em matas <strong>de</strong> galeria, foi amplamente<br />
caçado no passado para a alimentação. Hoje é muito difícil encontrar grupos <strong>de</strong> guaribas<br />
naquela região. Já o guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae), o macaco prego (Cebus<br />
xanthosternos) e os micos (Callithrix penicillata e Callithrix jacchus) não são espécies<br />
perseguidas pelos caçadores, segundo os informantes.<br />
4. Discussão<br />
4.1 Sobre o processo seletivo, o perfil dos informantes e o conhecimento ecológico local<br />
Segundo Davis e Wagner (2003), informantes em geral são pessoas com<br />
conhecimento acima da média no assunto que se <strong>de</strong>seja abordar (em relação aos membros<br />
da sua comunida<strong>de</strong>), com boa memória e razoável capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação. Ainda <strong>de</strong><br />
acordo com estes autores, informantes muitas vezes também po<strong>de</strong>m ser pessoas bem<br />
relacionadas nas comunida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>vido a sua experiência, ao prestígio <strong>de</strong>corrente do<br />
conhecimento que <strong>de</strong>têm, ou ambos. No presente estudo observei, porém, que durante o<br />
processo seletivo é importante estar atento para não confundir prestígio com conhecimento.<br />
Por exemplo, nas tribos Indígenas Kiriri (em Banzaê, Bahia) e Caimbé (em Massacará,<br />
Bahia), os caciques foram apontados como informantes <strong>de</strong>vido a sua influência nas<br />
comunida<strong>de</strong>s, embora os pagés <strong>de</strong>tivessem mais conhecimento sobre a fauna do que eles.<br />
Vaqueiros são bons informantes, conhecem bem suas regiões, têm boa capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> fitofisionomias e conservam um sistema <strong>de</strong> conhecimento ecológico<br />
116
local a respeito da caça e medicina tradicional (esta última compreen<strong>de</strong> o uso <strong>de</strong> plantas e<br />
animais medicinais). Entre os animais medicinais está o guigó-da-caatinga (C.<br />
barbarabrownae), cuja carne foi utilizada para o tratamento do sistema nervoso num<br />
passado recente (até a década <strong>de</strong> 1970, segundo os informantes). A gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
comerciantes entre os entrevistados se <strong>de</strong>ve aos donos <strong>de</strong> bares, que centralizam<br />
informações e atuaram indicando informantes. Os caçadores e traficantes <strong>de</strong> animais<br />
silvestres são informantes e mateiros altamente qualificados, porém, <strong>de</strong>vido ao caráter<br />
ilegal das suas ativida<strong>de</strong>s, é difícil convencê-los a atuarem como colaboradores. Os<br />
caçadores são também ma<strong>de</strong>ireiros e pelo exercício <strong>de</strong>sta segunda ativida<strong>de</strong>, mais do que<br />
pela primeira, temem ser punidos.<br />
Assim como o conhecimento acadêmico, o conhecimento ecológico local (CEL)<br />
<strong>de</strong>ve formar um sistema <strong>de</strong> aprendizados e know-how que surge através do tempo, <strong>de</strong><br />
experiências individuais compartilhadas, <strong>de</strong> observações mediadas pela cultura, pelos<br />
fatores ambientais, atributos comportamentais e dinâmicas ecológicas (Davis & Wagner,<br />
2003). Por ser um sistema, o CEL <strong>de</strong>ve estar na mente e surgir das experiências e<br />
observações <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> uma pessoa, além do informante selecionado (Davis & Wagner,<br />
2003). Dentro <strong>de</strong>sta abordagem, o saber tradicional a respeito da fauna local, entre os<br />
sertanejos, <strong>de</strong>monstrou ser um caso <strong>de</strong> CEL, principalmente no que tange à caça e ao uso<br />
medicinal das plantas e animais. Este conhecimento pertence a uma tradição oral masculina<br />
e tem implicações diretas e indiretas sobre a conservação <strong>de</strong> várias espécies ameaçadas,<br />
incluindo o guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae).<br />
117
4.2 Consi<strong>de</strong>rações sobre os padrões <strong>de</strong> uso da terra<br />
A superexploração da pecuária tem levado à <strong>de</strong>scaracterização paisagística e ao<br />
esgotamento do solo, que resulta erosão. Segundo os informantes entrevistados na região <strong>de</strong><br />
Cícero Dantas (n = 4), entre 1970 e 1990, mais <strong>de</strong> 10 espécies <strong>de</strong> capim, a maioria <strong>de</strong><br />
origem africana, foram introduzidas na Caatinga visando aumentar a produtivida<strong>de</strong> dos<br />
campos.<br />
Segundo Drumond et al. (2004) a pecuária atualmente <strong>de</strong>senvolvida na Caatinga é<br />
insustentável e os fatores que limitam sua sustentabilida<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>rando aspectos<br />
ecológicos e econômicos são: a) baixo nível <strong>de</strong> capacitação gerencial dos produtores rurais,<br />
<strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> organizativa e acesso limitado ao crédito e aos serviços <strong>de</strong> assistência técnica e<br />
<strong>de</strong> extensão rural; b) condições <strong>de</strong> semi-ari<strong>de</strong>z predominante nas áreas <strong>de</strong> Caatinga,<br />
associadas às irregularida<strong>de</strong>s das chuvas; c) baixa produtivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vido à qualida<strong>de</strong><br />
genética inferior dos rebanhos. Inclua-se aqui ainda o superpastoreio, causado pela ausência<br />
<strong>de</strong> práticas <strong>de</strong> rotação <strong>de</strong> piquetes.<br />
Ainda segundo Drumond et al. (2004), a agricultura na Caatinga vem <strong>de</strong> uma<br />
ocupação territorial <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada e impactante em razão da falta <strong>de</strong> tradição e planejamento,<br />
o que dificulta a reor<strong>de</strong>nação dos espaços. Tal uso da terra é uma ameaça à biodiversida<strong>de</strong><br />
regional <strong>de</strong>vido aos seguintes fatores: a) agricultura migratória; b) sistemas <strong>de</strong> produção <strong>de</strong><br />
limitada eficiência, apresentando níveis <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> aquém dos seus potenciais; c)<br />
baixo nível <strong>de</strong> capacitação gerencial e tecnológica do produtor; d) <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> acentuada na<br />
organização profissional e social do produtor; e) acesso precário aos meios <strong>de</strong> produção,<br />
especialmente ao crédito; f) assistência técnica quanti-qualitativamente <strong>de</strong>ficientes; g)<br />
118
pouca ou nenhuma integração entre os distintos segmentos da ca<strong>de</strong>ia produtiva; h) políticas<br />
públicas ausentes ou pouco a<strong>de</strong>quadas para os diversos segmentos.<br />
De acordo com as observações <strong>de</strong> campo do presente trabalho e dados sócioeconômicos<br />
publicados (Campos et al., 2004; IBGE, 2005), a agricultura e a pecuária na<br />
Caatinga baiana, ao longo da extensão <strong>de</strong> ocorrência do guigó, provavelmente são sistemas<br />
<strong>de</strong> produção sem regulação externa e auto-regulação. Sinaliza para esta direção o fato <strong>de</strong><br />
que os três fatores <strong>de</strong> auto-regulação propostos por Berkes (1985) foram violados: 1) a<br />
produção em gran<strong>de</strong> escala é priorizada em <strong>de</strong>trimento da produção para a sobrevivência;<br />
2) a população da Caatinga cresce <strong>de</strong>vido à urbanização das zonas rurais, que acarreta<br />
queda na mortalida<strong>de</strong> infantil e aumento na expectativa <strong>de</strong> vida (Maricato & Tanaka, 2006);<br />
3) a tecnologia (insumos, inseminação artificial) permite aumentar a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> carga<br />
dos campos (cabeças <strong>de</strong> gado por hectare) e a produtivida<strong>de</strong> (grãos por hectare).<br />
Há muito tempo a paisagem da Caatinga vem sendo convertida em pastagens e<br />
cultivos (Cunha, 1901; Coimbra-Filho & Câmara, 1996), o que está levando ao<br />
esgotamento os recursos naturais <strong>de</strong> uso comum, tais como a água, o solo e as caatingas<br />
arbóreas. Em 1996 as pastagens plantadas na Bahia já ocupavam 6.652.954,58 ha,<br />
envolvendo a mão <strong>de</strong> obra <strong>de</strong> 2.112.303 pessoas maiores <strong>de</strong> 14 anos (IBGE, 2005). A<br />
tecnologia visando o incremento da produtivida<strong>de</strong> tem levado à rápida ampliação da<br />
fronteira agro-pecuária ao longo da extensão <strong>de</strong> ocorrência do guigó-da-caatinga.<br />
119
4.3 Sobre o tamanho das proprieda<strong>de</strong>s, a presença do guigó e a dinâmica do uso do<br />
solo<br />
Em que pese seu efeito <strong>de</strong>letério sobre a paisagem, a pecuária provavelmente é mais<br />
compatível com a presença do guigó-da-caatinga do que a agricultura. Uma explicação<br />
possível para isto é a seguinte: fazendas com guigós ten<strong>de</strong>m a ser maiores do que aquelas<br />
sem guigós e nas gran<strong>de</strong>s fazendas a ativida<strong>de</strong> econômica predominante é a pecuária.<br />
Provavelmente as gran<strong>de</strong>s fazendas possuem reservas legais maiores do que as pequenas e<br />
a pecuária requisita novas áreas mais lentamente do que a agricultura.<br />
Nas áreas on<strong>de</strong> o guigó-da-caatinga já <strong>de</strong>sapareceu, entretanto, predominam<br />
fazendas menores e com cultivos, principalmente <strong>de</strong> feijão, milho e mandioca, indicando<br />
que o atual sistema <strong>de</strong> produção agrícola está levando à <strong>de</strong>rrubada <strong>de</strong> caatingas arbóreas<br />
para o plantio. Corrobora esta idéia o fato <strong>de</strong> que nas fazendas sem guigós o uso da terra é<br />
mais diversificado do que nas fazendas on<strong>de</strong> a espécie ocorre.<br />
Porém, nas mesmas fazendas on<strong>de</strong> se cria gado se realiza agricultura. O sistema é<br />
dinâmico e a tendência é <strong>de</strong> que as gran<strong>de</strong>s fazendas sejam <strong>de</strong>smembradas entre her<strong>de</strong>iros<br />
(minifundização) ou ocupadas pelos movimentos sociais <strong>de</strong> sem-terra e <strong>de</strong>pois divididas em<br />
pequenos lotes. Como o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> pecuária da Caatinga é <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do latifúndio, a<br />
divisão da terra po<strong>de</strong> levar à priorização da agricultura, o que acarretaria o <strong>de</strong>saparecimento<br />
das caatingas arbóreas e a extinção do guigó-da-caatinga.<br />
120
4.4 Sobre os acordos <strong>de</strong> caça e fiscalização<br />
A caça na Caatinga provavelmente <strong>de</strong>sempenha um importante papel na<br />
complementação alimentar protéica das famílias. A caça é proibida no Brasil, exceto àquela<br />
para a subsistência (Lei <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> 9605/98). Mesmo sendo sua ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> caça diretamente<br />
ligada à sobrevivência, os sertanejos têm receio <strong>de</strong> falar sobre este assunto com pessoas <strong>de</strong><br />
fora das comunida<strong>de</strong>s. Resulta que as informações acerca <strong>de</strong>sta importante ativida<strong>de</strong> são <strong>de</strong><br />
difícil obtenção, sendo necessário adquiri-las mais através da observação do que <strong>de</strong><br />
entrevistas formais.<br />
Os acordos <strong>de</strong> caça e fiscalização po<strong>de</strong>m estar garantindo uma auto-regulação da<br />
caça em algumas regiões da Caatinga, ou seja, uma regulação da exploração do recurso<br />
feita pela comunida<strong>de</strong> local, através <strong>de</strong> práticas <strong>de</strong> manejo culturalmente enraizadas<br />
(Berkes, 1985). Um sistema <strong>de</strong> auto-regulação po<strong>de</strong> evitar a situação conhecida como<br />
tragédia dos comuns (Hardin, 1968). A tragédia dos comuns ocorre quando, num contexto<br />
<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> total <strong>de</strong> acesso aos recursos, o crescimento <strong>de</strong>mográfico e a falta <strong>de</strong><br />
planejamento levam ao esgotamento dos estoques (Hardin, 1968; Burke, 2001).<br />
Porém os acordos <strong>de</strong> caça e fiscalização só po<strong>de</strong>m funcionar em condições <strong>de</strong> baixa<br />
<strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mográfica, como é o caso da zona rural baiana, que tem valores abaixo <strong>de</strong> 50<br />
hab/km 2 (Sampaio & Batista, 2004). O guigó-da-Caatinga é uma espécie que po<strong>de</strong> estar<br />
sendo beneficiada por tais acordos, por não ser atualmente perseguida por caçadores.<br />
121
4.5 O paradoxo sócio-ambiental da Caatinga<br />
A Caatinga é um dos biomas mais ameaçados do Brasil (TNC do Brasil, 2004;<br />
Castelletti et al., 2004); esta <strong>de</strong>gradação, entretanto, feita em nome do <strong>de</strong>senvolvimento,<br />
não trouxe bem estar ao seu povo, que é um dos mais miseráveis do planeta (Sampaio,<br />
2002).<br />
O Índice Municipal <strong>de</strong> Desenvolvimento Humano (IDH-M) é um meta índice que<br />
relaciona outros três: longevida<strong>de</strong> (com base na esperança <strong>de</strong> vida ao nascer); educação<br />
(baseado na taxa <strong>de</strong> analfabetismo e número médio <strong>de</strong> anos <strong>de</strong> estudo) e renda (a partir da<br />
renda familiar per capta média). Os municípios são consi<strong>de</strong>rados como <strong>de</strong> baixo<br />
<strong>de</strong>senvolvimento humano quando IDH 0,8 (IBGE, 1996). Exceção feita a Feira <strong>de</strong> Santana (IDH =<br />
0,644), todos os municípios da caatinga baiana têm IDH inferior a 0,5 (Sampaio & Batista,<br />
2004). Ou seja, apesar <strong>de</strong> todo o impacto ambiental gerado pelos modos <strong>de</strong> produção na<br />
Caatinga baiana nos últimos cinco séculos, a população local não foi beneficiada. Dito <strong>de</strong><br />
outra maneira, o custo ambiental do mo<strong>de</strong>lo atual, que inclui o <strong>de</strong>saparecimento do guigóda-caatinga<br />
em diversas localida<strong>de</strong>s, não foi compensado por um benefício social.<br />
Os sistemas <strong>de</strong> auto-regulação são vulneráveis a três fatores (Berkes, 1985): 1)<br />
perda do controle comunitário dos recursos; 2) rápido crescimento populacional; 3) rápida<br />
mudança tecnológica na forma <strong>de</strong> exploração. Por sua vez, três premissas são necessárias<br />
para que a tragédia dos comuns ocorra (Hardin, 1968; Redclift, 1987; Martinez-Alier,<br />
1994): 1) os usuários <strong>de</strong>vem colocar os interesses pessoais acima dos coletivos; 2) a taxa <strong>de</strong><br />
exploração do recurso <strong>de</strong>ve ser superior à taxa <strong>de</strong> reposição (ou: o impacto sobre o<br />
ecossistema <strong>de</strong>ve ser maior do que a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resiliência); 3) o recurso <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong><br />
122
livre acesso aos interessados. Na Caatinga baiana a sustentabilida<strong>de</strong> do processo econômico<br />
foi perdida porque além dos fatores <strong>de</strong> auto-regulação terem sido violados, as premissas<br />
para que a agricultura e a pecuária sejam enquadradas no mo<strong>de</strong>lo tragédia dos comuns já<br />
foram satisfeitas. São indicadores <strong>de</strong>ste processo os seguintes fatos: 1) cada proprietário<br />
procura aumentar seus ganhos exponencialmente; 2) não se leva em conta a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
suporte das pastagens e não se busca prolongar a produtivida<strong>de</strong> das terras aradas; 3) não há<br />
qualquer tipo <strong>de</strong> planejamento ou <strong>de</strong> controle do governo no sentido <strong>de</strong> garantir que as<br />
áreas <strong>de</strong> pastagens tenham um período <strong>de</strong> recuperação, nem políticas <strong>de</strong> financiamento para<br />
a correção dos solos arados; 4) não há fiscalização sobre as áreas <strong>de</strong> caatinga arbórea que<br />
estão sendo queimadas ou <strong>de</strong>rrubadas para dar lugar a novas pastagens e cultivos.<br />
Sendo assim, do ponto <strong>de</strong> vista da sustentabilida<strong>de</strong> econômica, social e ecológica, o<br />
mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> uso da terra atualmente praticado na Caatinga baiana está comprometido.<br />
Somente com planejamento <strong>de</strong> longo prazo e gran<strong>de</strong>s investimentos financeiros po<strong>de</strong>ria<br />
haver a conversão para outro mo<strong>de</strong>lo, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 15 ou 30 anos. Estas mudanças são cruciais<br />
para a conservação <strong>de</strong> espécies criticamente ameaçadas <strong>de</strong> extinção, em especial para o<br />
guigó-da-Caatinga, cuja presença não foi registrada em unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação.<br />
5. Reavaliação do status <strong>de</strong> conservação do guigó-da-caatinga<br />
5.1 Contextualização do problema<br />
Apesar da mastofauna da Caatinga ter sido tradicionalmente vista como<br />
<strong>de</strong>pauperada ou como um subconjunto da fauna do Cerrado, um levantamento feito a partir<br />
<strong>de</strong> referências bibliográficas com informações geográficas e <strong>de</strong> espécimes <strong>de</strong>positados em<br />
museus apontou a existência <strong>de</strong> 148 mamíferos naquele bioma, sendo <strong>de</strong>z <strong>de</strong>stas espécies<br />
123
endêmicas (Ministério do Meio Ambiente, 2002). Entretanto, a Caatinga carece <strong>de</strong> um<br />
planejamento estratégico permanente e dinâmico, com o qual se possa evitar a perda da<br />
biodiversida<strong>de</strong> do bioma (Drumond et al., 2004).<br />
Subpopulações são <strong>de</strong>finidas como grupos geograficamente ou <strong>de</strong> alguma forma<br />
distintos na população, entre os quais há pouca troca genética ou <strong>de</strong>mográfica (IUCN,<br />
2001). A conservação <strong>de</strong> subpopulações <strong>de</strong> espécies em situação tais como a que se<br />
encontra o guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae) <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da produção <strong>de</strong> informação<br />
científica básica, principalmente quanto ao seu mapeamento, e também da participação<br />
efetiva <strong>de</strong> diferentes setores da socieda<strong>de</strong>.<br />
Quanto mais os problemas adquirem uma dimensão técnica, tanto mais escapam à<br />
competência dos cidadãos em proveito dos experts; quanto mais os problemas <strong>de</strong><br />
civilização se tornam políticos, tanto menos os políticos conseguem integrá-los em sua<br />
linguagem e em seus programas (Morin & Kern, 1995). Enquanto especialistas, precisamos<br />
produzir conhecimento sobre os gran<strong>de</strong>s problemas (tais como a perda da diversida<strong>de</strong><br />
biológica) e, simultaneamente, torná-lo acessível aos tomadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão e ao maior<br />
número possível <strong>de</strong> cidadãos, visando estimular as mudanças necessárias no quadro atual.<br />
Este é um dos maiores <strong>de</strong>safios da Ciência para o século XXI.<br />
124
5.2 Tipificação da ameaça (Quais as principais ameaças à espécie?)<br />
5.2.1 As queimadas: passivo ambiental <strong>de</strong> um manejo primitivo<br />
As queimadas não são mais uma prática tão comum na Caatinga quanto o foram no<br />
passado. A razão para isso é simples: não há mais o que queimar. Caatingas arbóreas e<br />
matas orográficas estão sendo carbonizadas há mais <strong>de</strong> 400 anos. Segundo Cunha (1901), o<br />
hábito <strong>de</strong> queimar o mato para produzir novas áreas <strong>de</strong> roça foi herdado dos silvícolas pelos<br />
colonizadores, do que não <strong>de</strong>ixa dúvidas a etimologia da palavra caapuera, que em Tupi<br />
significa “mato extinto”. Segundo o mesmo autor, em 1713 o governo colonial já tentava,<br />
através <strong>de</strong> sucessivos <strong>de</strong>cretos, colocar fim às queimadas. Mais <strong>de</strong> 80 anos <strong>de</strong>pois, uma<br />
carta régia <strong>de</strong> 1796 nomeou um juiz conservador <strong>de</strong> matas e um <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> 11/06/1799<br />
coibia “a indiscreta e <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada ambição dos habitantes (da Bahia e Pernambuco) que<br />
têm assolado a ferro e fogo preciosas matas que tanto abundavam e já hoje ficam a<br />
distâncias consi<strong>de</strong>ráveis” (Cunha, 1901, p.81). Ainda mais antigas são as referências sobre<br />
o início da pecuária no nor<strong>de</strong>ste, que datam <strong>de</strong> 1559, por iniciativa <strong>de</strong> Tomé <strong>de</strong> Souza<br />
(Coimbra-Filho & Câmara, 1996). Des<strong>de</strong> aquela época florestas vem sendo queimadas para<br />
dar origem às pastagens. Segundo Drumond et al. (2004), toda a ocupação do bioma<br />
Caatinga se <strong>de</strong>u através da formação <strong>de</strong> currais <strong>de</strong> gado em torno das margens do rio São<br />
Francisco e seus afluentes, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se conclui que as matas ciliares da Caatinga estão sendo<br />
<strong>de</strong>rrubadas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os períodos mais remotos da história do Brasil.<br />
Embora não sejam mais prática recorrente, as queimadas em pequena escala ainda<br />
são realizadas visando conquistar novas áreas para a pecuária e a agricultura. Além disso,<br />
ao longo <strong>de</strong> toda a Caatinga baiana é evi<strong>de</strong>nte o passivo ambiental gerado pelo fogo, que<br />
125
alterou para sempre os padrões <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> C. barbarabrownae e <strong>de</strong> muitas outras<br />
espécies da fauna e da flora.<br />
5.2.2 Desmatamento para o sistema agropastoril<br />
O <strong>de</strong>smatamento associado ao sistema agropastoril é o principal problema<br />
enfrentado pelo guigó-da-caatinga. A agricultura é a ativida<strong>de</strong> econômica mais importante<br />
nas áreas nas quais o guigó <strong>de</strong>sapareceu recentemente. As proprieda<strong>de</strong>s com predomínio da<br />
pecuária são maiores e têm, provavelmente, maiores reservas legais, favorecendo a<br />
sobrevivência da espécie. Entretanto, isto não é uma regra para toda a extensão <strong>de</strong><br />
ocorrência do guigó. Na região <strong>de</strong> Jeremoabo, Cícero Dantas, Antas, Sitio do Quinto, as<br />
caatingas arbóreas ainda hoje estão sendo <strong>de</strong>rrubadas para dar lugar a pastagens.<br />
O ciclo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> uma gramínea africana introduzida na Caatinga é um bom<br />
exemplo <strong>de</strong> manejo insustentável <strong>de</strong> pastagens. Trata-se <strong>de</strong> um capim ironicamente<br />
conhecido como “sempre-ver<strong>de</strong>” ou colonião (Panicum maximum Jacq.). Ele rapidamente<br />
origina um pasto ver<strong>de</strong>jante e <strong>de</strong> alta produtivida<strong>de</strong>. Porém, em dois ou três anos o solo se<br />
esgota e o sempre-ver<strong>de</strong> fica amarelo. Os vaqueiros são forçados a queimar novas áreas <strong>de</strong><br />
caatingas arbóreas ou as <strong>de</strong>rrubam para plantá-lo novamente. Observe-se que o problema<br />
está mais ligado ao manejo ina<strong>de</strong>quado do que à introdução da espécie em si.<br />
Como afirmam Coimbra-Filho e Câmara (1996), a associação entre <strong>de</strong>smatamento e<br />
seca é tão estreita que a <strong>de</strong>struição das matas ripárias ao longo dos sucessivos séculos<br />
provavelmente mudou o regime hídrico <strong>de</strong> muitos corpos d’água, passando-os <strong>de</strong> perenes a<br />
sazonais.<br />
126
Hoje o <strong>de</strong>smatamento está localizado principalmente em áreas ocupadas pelo<br />
Movimento dos Sem Terra (MST) e outras organizações associadas à reforma agrária (um<br />
informante ligado ao MST relatou que pelo menos cinco grupos diferentes <strong>de</strong> agricultores<br />
disputam a posse da terra na Caatinga baiana). Gran<strong>de</strong>s latifúndios tinham gran<strong>de</strong>s reservas<br />
legais e, uma vez <strong>de</strong>sapropriados, passam a ser divididos em pequenos lotes (<strong>de</strong> 15 ou 20<br />
ha), o que acarreta fragmentação florestal. Mesmo que cada família cumpra a legislação e<br />
conserve uma área <strong>de</strong> reserva legal, ela será pequena, proporcional ao tamanho dos lotes.<br />
Além disso, antes <strong>de</strong> serem assentados (o assentamento po<strong>de</strong> levar anos), os agricultores,<br />
que vivem em precários acampamentos, caçam para comer e <strong>de</strong>smatam para construir e<br />
obter lenha.<br />
5.2.3 Urbanização da zona rural dos municípios<br />
A urbanização da zona rural dos municípios é outra força po<strong>de</strong>rosa no cenário da<br />
extinção do guigó-da-caatinga. Aglomerações <strong>de</strong> moradias surgiram em fazendas,<br />
originando arraiais e vilas, que se tornaram distritos <strong>de</strong> municípios e posteriormente se<br />
emanciparam. Os principais incentivos para a urbanização do meio rural baiano são: 1) o<br />
aumento da arrecadação municipal que surge após a mudança do regime <strong>de</strong> ocupação do<br />
solo <strong>de</strong> rural para urbano, através da cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano<br />
(IPTU) e 2) a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar novos empregos públicos em prefeituras, câmaras <strong>de</strong><br />
vereadores, etc. Em termos ambientais, entretanto, a urbanização da Caatinga tem sido um<br />
<strong>de</strong>sastre. A perda da área rural dos municípios é hoje um dos principais fatores no cenário<br />
<strong>de</strong> extinção do guigó-da-caatinga (Printes & Rylands, no prelo). Ela leva à <strong>de</strong>gradação do<br />
127
solo disponível para as ativida<strong>de</strong>s primárias e ao <strong>de</strong>saparecimento das caatingas arbóreas,<br />
normalmente localizadas nas reservas legais das proprieda<strong>de</strong>s. O <strong>de</strong>smatamento associado<br />
ao processo <strong>de</strong> urbanização do solo rural inclui suprir à <strong>de</strong>manda por moradia. Outros<br />
efeitos da urbanização sobre os primatas são os atropelamentos, a predação por cães e os<br />
choques elétricos (Printes, 1999; Lokschin et al., no prelo).<br />
Gran<strong>de</strong>s municípios tinham gran<strong>de</strong>s áreas rurais que estão sendo sucessivamente<br />
fragmentadas para a criação <strong>de</strong> pequenos municípios. Lamarão, a localida<strong>de</strong> tipo do guigóda-caatinga,<br />
é um bom exemplo: emancipou-se <strong>de</strong> Serrinha em 1962 e em 2000 tinha 9523<br />
habitantes. A prefeitura é o maior empregador do município, que não possui hospital e tem<br />
apenas uma escola <strong>de</strong> nível médio. Além <strong>de</strong> Lamarão, em menos <strong>de</strong> 40 anos, Serrinha teve<br />
seu território fragmentado em mais quatro municípios: Barrocas, Biritinga, Teofilândia e<br />
Araci. A região metropolitana <strong>de</strong> Serrinha já tinha, em 2005, cerca <strong>de</strong> 300.000 habitantes<br />
(IBGE, 2005).<br />
Assim como as espécies diferem gran<strong>de</strong>mente em relação à sua inerente<br />
suscetibilida<strong>de</strong> à extinção, a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> humana ao longo da sua área geográfica também<br />
po<strong>de</strong> influenciar seu grau <strong>de</strong> ameaça e <strong>de</strong>veria ser levada em conta quando se avalia o seu<br />
status <strong>de</strong> conservação (Harcourt & Parks, 2003). No caso do guigó-da-caatinga as regiões<br />
<strong>de</strong> maior <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> humana ao longo <strong>de</strong> sua extensão <strong>de</strong> ocorrência coinci<strong>de</strong>m com regiões<br />
on<strong>de</strong> a espécie se encontra em processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecimento ou <strong>de</strong>sapareceu recentemente.<br />
São exemplos Feira <strong>de</strong> Santana e Serrinha, este último o maior município próximo à<br />
localida<strong>de</strong> tipo. Harcourt e Parks (2003) sugerem que a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> humana na área<br />
geográfica <strong>de</strong> espécies <strong>de</strong> primatas seja levada em conta pela IUCN (União Mundial <strong>de</strong><br />
Conservação) na avaliação do grau <strong>de</strong> ameaça das espécies. Em Porto Alegre, por exemplo,<br />
os efeitos diretos da presença humana (tais como <strong>de</strong>smatamento e caça) ou indiretos<br />
128
(atropelamento, predação por cães e choques na re<strong>de</strong> elétrica) estão levando ao rápido<br />
<strong>de</strong>clínio a população local do bugio-ruivo (Alouatta clamitans Cabrera, 1940)<br />
(Romanowski et al., 1998; Printes, 1999). Este primata, entretanto, não é uma espécie<br />
ameaçada nacionalmente (Machado et al., 2005).<br />
5.2.4 O guigó-da-caatinga: uma espécie fora da malha <strong>de</strong> áreas protegidas<br />
Apesar <strong>de</strong> a Caatinga ser um bioma exclusivamente brasileiro que ocupa 11,67% do<br />
território nacional (incluindo áreas <strong>de</strong> transição para outros biomas), apenas 3,56% estão<br />
protegidos por unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação e <strong>de</strong>stes somente 0,87% são <strong>de</strong> proteção integral<br />
(TNC do Brasil, 2004).<br />
O guigó-da-caatinga normalmente está localizado em reservas legais <strong>de</strong> fazendas e<br />
“matas <strong>de</strong> cabeceira”, conservadas para proteger as nascentes, muito antes da existência do<br />
Código Florestal (Lei <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> 4771/65) e do Sistema Nacional <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação<br />
(Lei <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> 9985/2000).<br />
A espécie não foi registrada <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação. Entretanto, foi<br />
encontrada numa proprieda<strong>de</strong> confrontante ao Parque Nacional da Chapada Diamantina<br />
(distante 10 km do Parque), em simpatria com outro primata criticamente ameaçado <strong>de</strong><br />
extinção, o macaco-prego-do-peito-amarelo (Cebus xanthosternos) (Fazenda Trancada II,<br />
Andaraí, 12º57'56,30", 41º14'27,90"W; altitu<strong>de</strong> 708 m). Naquela mesma região, ao norte da<br />
Chapada Diamantina, perto <strong>de</strong> Morro do Chapéu, ficam a Área <strong>de</strong> Proteção Ambiental<br />
Marimbus/Iraquara e a Área <strong>de</strong> Proteção Ambiental Gruta dos Brejões/Vereda do Romão<br />
Gramacho (tabela 12, Figura 24). Os guigós também foram registrados a 15 km dos limites<br />
129
do Parque Estadual das Sete Passagens (Fazenda Junco, localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Maxixi, Miguel<br />
Calmon, 11º29'28"S, 40º41'45"W; altitu<strong>de</strong> 656 m).<br />
130
Figura 24: Carta das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
conservação do Estado da Bahia<br />
(SEI, 2003). Os círculos ver<strong>de</strong>s<br />
correspon<strong>de</strong>m às unida<strong>de</strong>s próximas<br />
às quais houve registro do guigóda-caatinga<br />
131
Houve relatos <strong>de</strong> ocorrência <strong>de</strong> guigós a menos <strong>de</strong> 10 km dos limites <strong>de</strong>ste parque<br />
estadual, porém a presença da espécie não foi confirmada através <strong>de</strong> play-backs ou<br />
visualização. A espécie foi registrada em território indígena Kiriri (localida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Miran<strong>de</strong>la, Banzaê, 10º39'39,60"S, 38º37'53,10"W; altitu<strong>de</strong> 300 m), numa área <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong><br />
12.000 ha.<br />
A distância média dos registros <strong>de</strong> C. barbarabrownae, em linha reta, até a unida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> conservação mais próxima, foi <strong>de</strong> 34,53 km (<strong>de</strong>svio padrão: 17,63). As distâncias foram<br />
medidas por satélite, utilizando os programas Track Macker e Google Earth, a partir dos<br />
registros obtidos em campo com um GPS mo<strong>de</strong>lo Etrex venture® (datum: SAD 69). Isto<br />
evi<strong>de</strong>ncia uma situação difícil em termos <strong>de</strong> conservação, por que além <strong>de</strong> a espécie estar<br />
criticamente ameaçada não foi contemplada pelo sistema brasileiro <strong>de</strong> áreas protegidas.<br />
A gran<strong>de</strong> maioria das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação citadas na tabela 12 não foram<br />
encontradas <strong>de</strong> fato, pois não passaram do <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> criação. A única realmente<br />
implementada, com uma gerência e um plano <strong>de</strong> manejo em construção, é o Parque<br />
Estadual das Sete Passagens.<br />
132
Tabela 12: Distâncias do registro da espécie em linha reta até a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação<br />
mais próxima (média: 34,53 km; <strong>de</strong>svio padrão: 17,64).<br />
Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação Distância em km Registro mais<br />
próximo<br />
REBIO Maracás 45 Marcionílio Souza<br />
PARNA Chapada Diamantina 10 Lençóis<br />
PARNA Chapada Diamantina 30 Wagner<br />
PE Morro do Chapéu 36 Miguel Calmon<br />
PE Sete Passagens 15 Miguel Calmon<br />
PM Mucugê 22 Andaraí<br />
MN Cachoeira do Ferro Doido 32 Morro do Chapéu<br />
FLONA Contendas do Sincorá 55 Contendas<br />
RPPN Faz. Córrego dos Bois 20 Lençóis<br />
RPPN Faz. Pouso das Garças 27 Cícero Dantas<br />
RPPN Faz. Adílio P. Batista 81 Marcionílio Souza<br />
APA Lagoa Itaparica 53 Gentio do Ouro<br />
APA Gruta dos Brejões 25 Saú<strong>de</strong><br />
APA Marimbus/Iraquara 26 Morro do Chapéu<br />
ARIE Serra do Orobó 41 Baixa Gran<strong>de</strong><br />
Siglas: Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong> proteção integral: REBIO = Reserva Biológica;<br />
PARNA = Parque Nacional; PE = Parque Estadual; PM = Parque Municipal. Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
conservação <strong>de</strong> uso sustentável: MN = Monumento Natural; FLONA = Floresta Nacional;<br />
RPPN = Reserva Particular do Patrimônio Natural; APA = Área <strong>de</strong> Proteção Ambiental;<br />
ARIE = Área <strong>de</strong> Relevante Interesse Ecológico (categorias <strong>de</strong> acordo com a Lei <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> nº<br />
9985/2000, artigos 7º a 21, regulamentada pelo Decreto nº 4340/02).<br />
133
Em relação à flora oficialmente ameaçada do Estado da Bahia (Portaria Normativa<br />
do IBAMA nº 37/1992 e Resolução nº 1009/1994 do CEPRAM), observa-se que os<br />
registros <strong>de</strong> ocorrência do guigó-da-Caatinga coinci<strong>de</strong>m com a distribuição atual <strong>de</strong> seis<br />
espécies arbóreas (Figura 25): braúna (Schinopsis brasilensis), angico (Ana<strong>de</strong>nanthera<br />
macrocarpa), aroeira (Astronium arun<strong>de</strong>uva), gonçalo alves (Astronium fraxnifolium),<br />
quixabeira (Burnelia obtusifolia) e lelia-da-Bahia (Laelia grandis).<br />
134
Figura 25: Carta da flora ameaçada do Estado da Bahia (SEI, 2003). Os ícones ver<strong>de</strong>s<br />
representam as espécies arbóreas ameaçadas ao longo da extensão <strong>de</strong> ocorrência do guigóda-caatinga.<br />
135
5.3 Tamanho mínimo estimado da população<br />
O tamanho estimado da população leva em conta o número <strong>de</strong> indivíduos<br />
conhecidos, estimados ou inferidos que estão maduros e aptos à reprodução (IUCN, 2001).<br />
No presente estudo foi consi<strong>de</strong>rado somente o número <strong>de</strong> indivíduos conhecidos.<br />
Ao todo foram feitos 38 novos registros da espécie e o número total <strong>de</strong> indivíduos<br />
vistos foi 51. Consi<strong>de</strong>rando que os grupos <strong>de</strong> Callicebus são unida<strong>de</strong>s familiares<br />
normalmente formadas por 4 indivíduos (um casal, um filhote nascido no ano anterior e um<br />
filhote recente) (Hershkovitz, 1988a; Defler, 2003), se cada indivíduo visto correspon<strong>de</strong>r a<br />
um grupo, teremos 51 × 4 = 204 indivíduos. Este é o tamanho estimado da população<br />
somente a partir do número <strong>de</strong> indivíduos vistos.<br />
O total <strong>de</strong> registros auditivos foi 14. Consi<strong>de</strong>rando que cada registro auditivo<br />
corresponda a pelo menos um grupo, e utilizando a mesma média <strong>de</strong> quatro indivíduos por<br />
grupo, teremos 14 × 4 = 56 indivíduos. Somando esta estimativa <strong>de</strong> indivíduos ouvidos<br />
àquela <strong>de</strong> indivíduos vistos, teremos: 204 + 56 = 260 indivíduos. Este é o tamanho total<br />
estimado da população.<br />
Provavelmente essa é uma subestimativa, pois havia mais indivíduos do que aqueles<br />
avistados e, muitas vezes, mais <strong>de</strong> um grupo vocalizava simultaneamente num fragmento,<br />
embora não fosse possível <strong>de</strong>terminar quantos. Também <strong>de</strong>ve ser assumida uma margem <strong>de</strong><br />
erro para o método <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> informantes e para a localização dos animais através <strong>de</strong><br />
play-back. Outro ponto a ser consi<strong>de</strong>rado é que um levantamento <strong>de</strong>senvolvido numa escala<br />
menos ampla po<strong>de</strong>ria ter aumentado o número <strong>de</strong> registros em algumas regiões <strong>de</strong>ntro da<br />
extensão <strong>de</strong> ocorrência.<br />
136
O tamanho efetivo da população (N e ) é o número <strong>de</strong> indivíduos aptos a conservar a<br />
espécie através da reprodução (Chepko-Sa<strong>de</strong> et al., 1987). Da mesma forma, o conceito <strong>de</strong><br />
tamanho estimado da população da IUCN (2001) leva em conta apenas o número <strong>de</strong><br />
indivíduos sexualmente maduros. No caso do guigó-da-caatinga, há apenas um casal<br />
reprodutivo por grupo (Hershkovitz, 1988 a). Po<strong>de</strong>-se, então, inferir que são 260/4 = 65<br />
grupos; consi<strong>de</strong>rando um casal por grupo, serão 65 × 2 = 130 indivíduos. Este é o tamanho<br />
efetivo da população. Entretanto, não há uma população efetiva <strong>de</strong>vido a distribuição<br />
espacial dos animais, que estão dispersos ao longo <strong>de</strong> 291.438 km 2 <strong>de</strong> hábitats severamente<br />
fragmentados. A expressão severamente fragmentado se refere à situação na qual o risco <strong>de</strong><br />
extinção do táxon aumenta como resultado do fato <strong>de</strong> que a maioria dos seus indivíduos são<br />
encontrados em pequenas e relativamente isoladas subpopulações, que po<strong>de</strong>m se extinguir<br />
com reduzida probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recolonização (IUCN, 2001).<br />
Além <strong>de</strong> ser remota a probabilida<strong>de</strong> dos indivíduos <strong>de</strong> diferentes subpopulações <strong>de</strong><br />
C. barbarabrownae se encontrarem para a reprodução, o potencial reprodutivo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
cada subpopulação também é preocupante, pois: 1) Segundo Defler (2003), o afeto entre os<br />
membros dos grupos <strong>de</strong> Callicebus, especialmente o casal, po<strong>de</strong> ser um dos mecanismos<br />
que permitem manter unida a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> grupal, aparentemente até a morte <strong>de</strong> um dos<br />
membros. Consi<strong>de</strong>rando que a espécie é monógama, naquelas subpopulações em que a<br />
proporção entre machos e fêmeas se tornar <strong>de</strong>sigual, o sistema social po<strong>de</strong> impedir que<br />
alguns indivíduos fisiologicamente capazes se reproduzam. O efeito do número <strong>de</strong>sigual na<br />
razão sexual <strong>de</strong> espécies monógamas po<strong>de</strong> ser simulado trocando os valores da equação Ne<br />
= 4NmNf/Nm+Nf, on<strong>de</strong> Nm = nº <strong>de</strong> machos e Nf = nº <strong>de</strong> fêmeas (Primack & Rodrigues,<br />
2001). 2) Se ocorrer com Callicebus que ambos os sexos dispersem dos grupos <strong>de</strong><br />
nascimento na época reprodutiva, como é observado entre outros primatas monógamos e<br />
137
com cuidado parental paterno (Wrangham, 1980; Moore, 1983; Strier, 1997), então a razão<br />
sexual nos grupos será próxima <strong>de</strong> 1:1, corroborando a importância da proporção sexual<br />
sobre o comportamento reprodutivo; 3) os guigós se reproduzem somente uma vez por ano<br />
(Hershkovitz, 1988a; Defler, 2003; este estudo). Flutuações ao acaso da <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>mográfica ao longo das gerações po<strong>de</strong>m levar as subpopulações à extinção, pois em um<br />
único ano em que a subpopulação for drasticamente reduzida o valor <strong>de</strong> N e po<strong>de</strong>rá ser<br />
substancialmente diminuído (Primack & Rodrigues, 2001).<br />
5.4 C. barbarabrownae <strong>de</strong>ve permanecer na categoria “criticamente em perigo”?<br />
Das três regiões com o maior número <strong>de</strong> registros <strong>de</strong> guigó-da-caatinga, uma é<br />
consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong> extrema para a conservação, a região do agreste, e outra <strong>de</strong><br />
informação insuficiente, a região da localida<strong>de</strong> tipo, <strong>de</strong> acordo com os critérios do<br />
Ministério do Meio Ambiente (MMA, 2002; Silva et al., 2004). A ocorrência da espécie<br />
nesta segunda região corrobora a importância <strong>de</strong> incrementar o conhecimento atual sobre a<br />
biodiversida<strong>de</strong> da Caatinga.<br />
De acordo com os parâmetros aqui estimados (extensão <strong>de</strong> ocorrência, área <strong>de</strong><br />
ocupação, tamanho populacional mínimo e principais amaças à espécie) recomendo a<br />
manutenção do guigó-da-caatinga na categoria criticamente em perigo.<br />
138
6. Recomendações para o manejo e conservação<br />
Segundo Diegues (1996), há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se pensar vários tipos <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s<br />
sustentáveis, ancoradas em modos particulares, históricos e culturais <strong>de</strong> relações com os<br />
vários ecossistemas existentes na biosfera e dos seres humanos entre si. Sendo assim, se faz<br />
urgente um projeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento bioregional, adaptado à realida<strong>de</strong> da Caatinga, que<br />
leve em conta suas vocações e limitações naturais. O <strong>de</strong>senvolvimento do semi-árido <strong>de</strong>ntro<br />
dos mesmos padrões <strong>de</strong> consumo dos gran<strong>de</strong>s centros é uma falsa promessa que está<br />
levando à <strong>de</strong>struição das caatingas arbóreas, ao <strong>de</strong>saparecimento do guigó-da-caatinga e <strong>de</strong><br />
toda a biodiversida<strong>de</strong> daquele importante bioma brasileiro.<br />
A seguir apresent algumas recomendações no sentido <strong>de</strong> garantir a conservação do<br />
guigó-da-caatinga.<br />
6.1 Esclarecimentos aos sem-terra<br />
Contatei algumas li<strong>de</strong>ranças do Movimento dos Sem Terra (MST) na região do<br />
recôncavo baiano, visando solicitar permissão para a realização da presente pesquisa nos<br />
fragmentos ocupados. Após uma conversa a respeito dos problemas <strong>de</strong> conservação, os<br />
lí<strong>de</strong>res alegaram que a maior parte dos danos ambientais se <strong>de</strong>ve ao <strong>de</strong>sconhecimento da<br />
legislação ambiental brasileira, por parte dos trabalhadores rurais. Quando questionados<br />
sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser realizado um trabalho <strong>de</strong> esclarecimento junto às comunida<strong>de</strong>s<br />
assentadas, as li<strong>de</strong>ranças <strong>de</strong>monstraram interesse e se colocaram à disposição para o<br />
<strong>de</strong>talhamento do projeto. Além do esclarecimento aos agricultores, que po<strong>de</strong> ser feito por<br />
139
estudantes universitários via projetos <strong>de</strong> extensão, po<strong>de</strong> haver um planejamento do <strong>de</strong>senho<br />
dos lotes na planta do terreno, visando manter a conexão entre as áreas <strong>de</strong> reserva legal.<br />
Para tanto, seria necessária uma parceria entre o INCRA (<strong>Instituto</strong> Nacional da Colonização<br />
e Reforma Agrária) e o IBAMA.<br />
6.2 Financiamento para a agricultura familiar<br />
Caatingas arbóreas <strong>de</strong> várias regiões da Bahia po<strong>de</strong>riam ter sido conservadas se o<br />
sertanejo soubesse fazer rotação <strong>de</strong> pastagens, calagem <strong>de</strong> solo e se tivesse apoio técnicofinanceiro<br />
para isso. O <strong>de</strong>senvolvimento da agricultura familiar na Caatinga ainda po<strong>de</strong>rá<br />
ocorrer se houver apoio dos governos fe<strong>de</strong>ral e estadual. A conversão do sistema<br />
agropastoril tradicional para um sistema <strong>de</strong> manejo <strong>de</strong> menor impacto é um processo lento,<br />
que só terá sustentabilida<strong>de</strong> econômica em médio prazo.<br />
Há regiões na Caatinga com lençol freático a menos <strong>de</strong> 40 metros <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong>,<br />
mas falta financiamento para o mapeamento e perfuração dos poços. Com irrigação muitas<br />
proprieda<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>riam até mesmo trocar a pecuária e a agricultura <strong>de</strong> alto impacto por<br />
outras formas <strong>de</strong> manejo mais compatíveis com a conservação <strong>de</strong> caatingas arbóreas, tais<br />
como os sistemas agro-florestais.<br />
Outras sugestões são (Drumond et al., 2004): a) incentivo à captação <strong>de</strong> águas<br />
pluviais para uso múltiplo; b) adotar manejo a<strong>de</strong>quado da apicultura e estimular a utilização<br />
sustentável <strong>de</strong> abelhas nativas; c) em relação ao <strong>de</strong>smatamento e à retirada <strong>de</strong> lenha:<br />
incentivar o uso <strong>de</strong> outras formas <strong>de</strong> energia (solar, eólica, biodigestora, gás) e implantar os<br />
planos <strong>de</strong> manejo em Florestas Nacionais e Áreas <strong>de</strong> Preservação Ambiental; f) estimular à<br />
140
implantação <strong>de</strong> criadouros <strong>de</strong> animais silvestres e <strong>de</strong> viveiros <strong>de</strong> plantas nativas para<br />
consumo e comercialização.<br />
Segundo Sampaio e Batista (2004), a exploração <strong>de</strong> recursos florestais atualmente<br />
realizada na Caatinga não é sustentável por duas razões: 1) falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />
sistemas agroflorestais (SAFs) na região; 2) não cumprimento, por parte da população, da<br />
reposição florestal obrigatória. Segundo os mesmos autores, a população <strong>de</strong>sconhece o<br />
benefício dos SAFs, o ensino das técnicas <strong>de</strong> produção no campo é voltado para o<br />
monocultivo e faltam pesquisas que quantifiquem e qualifiquem as melhores alternativas<br />
agroflorestais, por zona ecológica. Mesmo assim observei SAFs na caatinga (Fig. 26),<br />
sugerindo que a partir <strong>de</strong> um maior estímulo esta possa se tornar uma alternativa para uso<br />
sustentável do solo na região.<br />
O objetivo a ser buscado é a conversão dos sistemas predatórios <strong>de</strong> produção em<br />
sistemas agroecológicos, visando melhorar a qualida<strong>de</strong> da matriz.<br />
141
Figura 26: Sistema agro-florestal no entorno do Parque Estadual das Sete Passagens<br />
(Miguel Calmon, Bahia): licuri, palma, mamona e abóboras cultivados em consórcio numa<br />
área <strong>de</strong> meio hectare<br />
142
6.3 Manejo <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação<br />
Todas as unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação, estaduais ou fe<strong>de</strong>rais, <strong>de</strong>ntro da extensão <strong>de</strong><br />
ocorrência do guigó-da-caatinga, necessitam <strong>de</strong> intervenção urgente do governo do Estado<br />
da Bahia e do governo fe<strong>de</strong>ral. Apesar da espécie não ter sido registrada <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nenhuma<br />
unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação, é necessário resolver sua situação fundiária e implementar seus<br />
planos <strong>de</strong> manejo, consi<strong>de</strong>rando sua importância para outras espécies e para o bioma<br />
Caatinga como um todo. Além disso, a espécie foi registrada na zona <strong>de</strong> amortecimento <strong>de</strong><br />
duas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação (o Parque Nacional da Chapada Diamantina e a Floresta<br />
Nacional <strong>de</strong> Contendas do Sincorá) e próxima ao Parque Estadual das Sete Passagens. A<br />
zona <strong>de</strong> amortecimento das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação está sujeita a regime especial <strong>de</strong><br />
ocupação do solo, a ser regulamentado via plano <strong>de</strong> manejo, <strong>de</strong> acordo com o Sistema<br />
Nacional <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação (Lei <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> 9985/2000).<br />
A implementação <strong>de</strong> Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) po<strong>de</strong>,<br />
em muitos casos, ser mais a<strong>de</strong>quada do que a criação <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong><br />
domínio público, principalmente quando já existe uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação pública na<br />
região e é necessário intervir no seu entorno (Mesquita & Vieira, 2004). Porém contra esta<br />
estratégia se interpõe a burocracia. Em Jeremoado, por exemplo, numa fazenda com cerca<br />
<strong>de</strong> 5.000 ha on<strong>de</strong> o guigó-da-caatinga e a ararinha-azul-<strong>de</strong>-lear (Anodorhyncus leari) se<br />
alimentam nos mesmos licuris (Syagrus coronata (Mart.) Becc.), o proprietário tentou criar<br />
uma RPPN, mas <strong>de</strong>sistiu frente às exigências do governo fe<strong>de</strong>ral. As RPPN’s po<strong>de</strong>m ser<br />
úteis para unir fragmentos entre unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong> domínio público.<br />
Outra questão importante se refere ao <strong>de</strong>sconhecimento por parte <strong>de</strong> proprietários e<br />
técnicos acerca da legislação vigente sobre RPPN’s. Por exemplo, o Roteiro Metodológico<br />
143
para a Elaboração <strong>de</strong> Plano <strong>de</strong> Manejo para Reservas Particulares do Patrimônio<br />
Natural, documento publicado pelo Ministério do Meio Ambiente (IBAMA, 2004), previu<br />
o zoneamento <strong>de</strong> RPPN’s em seis categorias <strong>de</strong> manejo (zonas silvestre, <strong>de</strong> proteção, <strong>de</strong><br />
visitação, <strong>de</strong> administração, <strong>de</strong> transição e <strong>de</strong> recuperação), visando flexibilizar o uso da<br />
terra para motivar os proprietários a criarem novas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação privadas.<br />
Porém, poucos têm conhecimento disto e a idéia predominante é a <strong>de</strong> que não se po<strong>de</strong> fazer<br />
nada numa RPPN. O mesmo <strong>de</strong>sconhecimento ocorre em relação ao Decreto <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> nº<br />
5.746/06, que facilitou algumas das antigas exigências feitas pelo Ministério do Meio<br />
Ambiente aos proprietários interessados em constituir RPPN’s (Diário Oficial da União,<br />
05/04/2006). São exemplos: a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> indicar os proprietários anteriores, que passou<br />
<strong>de</strong> 50 para 30 anos anteriores; não é mais exigido o georeferenciamento dos limites da<br />
proprieda<strong>de</strong> com GPS <strong>de</strong> estação fixa; foi permitida a construção <strong>de</strong> viveiros <strong>de</strong> mudas<br />
nativas e a coleta <strong>de</strong> sementes <strong>de</strong>ntro da área <strong>de</strong> RPPN; foi liberada a inclusão na RPPN <strong>de</strong><br />
áreas <strong>de</strong>gradadas a serem recuperadas, com tamanho máximo <strong>de</strong> 1000 ha.<br />
As universida<strong>de</strong>s, principalmente as que estão localizadas no interior da Bahia,<br />
como a <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Estadual <strong>de</strong> Feira <strong>de</strong> Santana, e os campi da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Estadual da<br />
Bahia, po<strong>de</strong>m colaborar com os escritórios regionais do IBAMA e com os proprietários das<br />
áreas, visando à criação <strong>de</strong> novas RPPN’s e a elaboração dos seus planos <strong>de</strong> manejo. Isto é<br />
crucial, haja vista o importante papel das áreas particulares para a conservação do guigó-da-<br />
Caatinga. Mesmo com todas as dificulda<strong>de</strong>s enfrentadas pelos proprietários hoje existem 11<br />
RPPN’s oficializadas na Caatinga baiana. Com apoio do Ministério do Meio Ambiente e da<br />
socieda<strong>de</strong> civil organizada, po<strong>de</strong>ria ser estabelecida a meta <strong>de</strong> dobrar este número em cinco<br />
anos, por exemplo.<br />
144
Em regiões on<strong>de</strong> há realmente a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer novas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
conservação <strong>de</strong> domínio público, se recomenda trabalhar com a criação <strong>de</strong> áreas <strong>de</strong><br />
tamanho operacional do ponto <strong>de</strong> vista da fiscalização e, simultaneamente, com incentivo à<br />
criação <strong>de</strong> RPPN’s no seu entorno. Esta estratégia é recomendada para a região <strong>de</strong> Salitre,<br />
município <strong>de</strong> Gentio do Ouro, on<strong>de</strong> não há unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação. Lá foram encontradas<br />
caatingas arbóreas com guigós e um cenário favorável a projetos <strong>de</strong> conservação.<br />
A três regiões citadas como <strong>de</strong> alta priorida<strong>de</strong> para a conservação do guigó-dacaatinga<br />
(do agreste, da localida<strong>de</strong>-tipo e ao norte da Chapada Diamantina) compreen<strong>de</strong>m<br />
cerca <strong>de</strong> 90% dos registros. O sucesso <strong>de</strong> qualquer estratégia <strong>de</strong> conservação da população<br />
<strong>de</strong> C. barbarabrownae <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da preservação daquelas matas (população é aqui <strong>de</strong>finida<br />
como o número total <strong>de</strong> indivíduos <strong>de</strong> um táxon, segundo a IUCN, 2001).<br />
Recomendo que o Ministério do Meio Ambiente e o IBAMA estu<strong>de</strong>m a viabilida<strong>de</strong><br />
técnica e legal <strong>de</strong> criar uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong> proteção integral na região <strong>de</strong><br />
Serrinha, próximo á localida<strong>de</strong> tipo (Lamarão).<br />
6.4 Incentivo à conservação da área rural dos municípios<br />
Tradicionalmente, a tributação tem sido vista apenas como uma forma do po<strong>de</strong>r<br />
público aumentar sua arrecadação. De uma maneira mais ampla, entretanto, ela po<strong>de</strong> ser<br />
utilizada pelos gestores ambientais como um mecanismo para melhorar o controle<br />
territorial, incentivando ou coibindo certas práticas, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma ótica <strong>de</strong> planejamento<br />
global do município.<br />
145
Em Porto Alegre, por exemplo, a maior cida<strong>de</strong> próxima ao limite sul <strong>de</strong> distribuição<br />
do bugio-ruivo (Alouatta clamitans) e provável limite sul <strong>de</strong> todos os primatas neotropicais<br />
(Printes et al., 2001), levantamentos realizados pelo Programa Macacos Urbanos<br />
(Departamento <strong>de</strong> Zoologia da UFRGS) entre 1993 e 1996 (Romanowski et al., 1998),<br />
possibilitaram que os pesquisadores, juntamente com agricultores, outros produtores<br />
primários e ambientalistas, interferissem na discussão sobre a estratégia tributária<br />
municipal. Deste processo resultou a Lei Complementar 482/02, Artigo 70 (Diário Oficial<br />
<strong>de</strong> Porto Alegre, 27/12/02), que prevê a isenção total <strong>de</strong> IPTU para os imóveis ou parte<br />
<strong>de</strong>les reconhecidos como áreas <strong>de</strong> produção primária, Reserva Particular do Patrimônio<br />
Natural (Lei <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> nº 9.985 <strong>de</strong> 18/07/2000), Área <strong>de</strong> Preservação Permanente (Lei<br />
<strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> nº 4.771, <strong>de</strong> 15/09/1965) ou Área <strong>de</strong> Proteção do Ambiente Natural (Lei<br />
Complementar nº 434, <strong>de</strong> 01/12/99), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se mantenham preservadas, <strong>de</strong> acordo com<br />
os critérios estabelecidos pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente <strong>de</strong> Porto Alegre.<br />
Até o presente, 14 proprietários já foram beneficiados com o “IPTU ecológico”, por<br />
garantirem a conservação <strong>de</strong> parte das suas proprieda<strong>de</strong>s (Teles, 2006) e outros 400 por<br />
serem produtores rurais.<br />
Há muito tempo é sabido que mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma área estar legalmente<br />
protegida, mudanças ecológicas naturais ou provocadas pelo ser humano continuam a afetar<br />
suas espécies e ecossistemas (White & Bratton, 1980; Benjamin, 2001). Entretanto, buscar<br />
um status <strong>de</strong> proteção legal para a área rural dos municípios é o mínimo que o po<strong>de</strong>r<br />
público e a socieda<strong>de</strong> civil <strong>de</strong>vem fazer <strong>de</strong> acordo com o Princípio da Precaução (Lei<br />
<strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> 9.605/1998).<br />
146
6.5 Alternativas protéicas à caça<br />
Uma abordagem possível é pensar sobre como estaria a fauna da Caatinga hoje se<br />
algumas espécies autóctones tivessem sido manejadas a<strong>de</strong>quadamente para a alimentação,<br />
ao invés <strong>de</strong> ter sido importado um mo<strong>de</strong>lo europeu <strong>de</strong> pecuária.<br />
Os sistemas <strong>de</strong> auto-regulação funcionam apenas em condições <strong>de</strong> baixa <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>mográfica, o que não <strong>de</strong>ve prevalecer na Caatinga nos próximos anos. Mas é importante<br />
observar que a caça na Caatinga está voltada para a sobrevivência e não para o comércio.<br />
Segundo os informantes, a caça não é um gran<strong>de</strong> problema para a conservação dos<br />
guigós, embora provavelmente o seja para outros elementos da fauna da Caatinga. Os<br />
acordos <strong>de</strong> caça e fiscalização po<strong>de</strong>riam ser explorados como a base para elaboração <strong>de</strong> um<br />
sistema <strong>de</strong> co-manejo. Eles po<strong>de</strong>m estar garantindo uma auto-regulação da caça em locais<br />
aon<strong>de</strong> a fiscalização dificilmente chegará. A inclusão da comunida<strong>de</strong> no processo <strong>de</strong><br />
fiscalização é um procedimento recomendável (Borrini-Fayerabend, 1997), tendo em vista<br />
a baixa eficiência do po<strong>de</strong>r público enquanto órgão fiscalizador da Política Nacional <strong>de</strong><br />
Meio Ambiente (Leis Fe<strong>de</strong>rais 6.938/81 e 10.165/2000).<br />
Em termos <strong>de</strong> alternativas à pecuária, a criação <strong>de</strong> emas (Rhea americana), por<br />
exemplo, foi observada na região <strong>de</strong> Jeremoabo, com ótimos resultados, segundo os<br />
proprietários, tendo em vista ser este um animal da região e suportar bem os rigores do<br />
clima. Outro animal que po<strong>de</strong> ser criado para o abate em algumas regiões (como em Cel.<br />
João Sá e Pedro Alexandre) é a capivara (Hydrochoerus hydrochaeris). Foi observado,<br />
147
ainda, que alguns sertanejos criam o veado (Mazama americana) no mesmo sistema<br />
utilizado para a criação do bo<strong>de</strong>. Entretanto todas estas propostas requerem análise <strong>de</strong><br />
viabilida<strong>de</strong> técnico-finaceira, e muitas vezes uma legislação especial.<br />
7. Referências bibliográficas<br />
Ab’Saber, A. N. (1977). Os domínios morfoclimáticos da América do Sul - primeira<br />
aproximação. Geomorfologia 52: 23pp.<br />
Andra<strong>de</strong>-Lima, D. (1966). Vegetação. In: Atlas Nacional do Brasil, p.2.11. Fundação<br />
<strong>Instituto</strong> Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatistica (IBGE), Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Andra<strong>de</strong>-Lima, D. (1981). The caatingas dominium. Revista Brasileira <strong>de</strong> Botânica 4: 149–<br />
163.<br />
Benjamin, A. H. (Org.) (2001). Direito ambiental das áreas protegidas: o regime jurídico<br />
das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação. Editora Forense Universitária, Rio <strong>de</strong> Janeiro. 547pp.<br />
Berkes, F. (1985). Fishermen and ‘the tragedy of the commons’. Environmental<br />
Conservation 12 (3): 199–206.<br />
Borrini-Fayerabend, G. (1997). Manejo Participativo <strong>de</strong> Áreas Protegidas: Adaptando o<br />
Método ao Contexto. Temas <strong>de</strong> Política Social, União Internacional para a Conservação<br />
da Natureza, Quito. 67pp.<br />
Burke, B. E. (2001). Hardin revisited: A critical look at the perception and the logic of<br />
commons. Human Ecology 29(4): 449–476.<br />
Campos, A., Barbosa, A., Pochman, M., Amorim, R. & Silva, R. (2004). Dados da<br />
Pesquisa por Amostragem Domiciliar do IBGE (2002) publicados no Atlas <strong>de</strong> Exclusão<br />
Social. São Paulo.<br />
Castelletti, C. H. M., Silva, J. M. C., Tabarelli, M. & Santos, A. M. M. (2004). Quanto<br />
ainda resta da caatinga? In: J. M. Cardoso da Silva, M. Tabarelli, M. T. da Fonseca &<br />
L. M. Lins (eds.), Biodiversida<strong>de</strong> da Caatinga: Áreas e Ações Prioritárias para a<br />
Conservação, pp.92–100. Ministério do Meio Ambiente, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong><br />
148
Pernambuco, Conservação Internacional do Brasil, Fundação Biodiversitas,<br />
EMBRAPA Semi-Árido, Brasília.<br />
Chepko-Sa<strong>de</strong>, B. D., Shields, W. M., Berger, J., Halpin, Z. T., Jones, W. T., Rogers, L.;<br />
Rood, J. P. & Smith, A. T. (1987). The effects of dispersal and social structure on<br />
effective population size. In: B. D. Chepko-Sa<strong>de</strong> and Z. Tang-Halpin (eds.),<br />
Mammalian Dispersal Patterns, the Effects of Disperal and Social Structure on<br />
Effective Population Size, pp.287–325. University of Chicago Press, Chicago.<br />
Coimbra-Filho, A. F. (1991/1992). Mammals. In: S. Monteiro & L. Kaz (eds.), Atlantic<br />
Rain Forest, pp.65–73. Livroarte Editora, Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Coimbra-Filho, A. F. & Câmara, I. <strong>de</strong> G. (1996). Os Limites Originais do Bioma Mata<br />
Atlântica na Região Nor<strong>de</strong>ste do Brasil. Fundação Brasileira para a Conservação da<br />
Natureza, Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Cunha, E. (1901). Os Sertões. Otto Pierre Editores, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1979. 372pp.<br />
Cabrera, A. (1958). Catálogo <strong>de</strong> los mamíferos <strong>de</strong> America <strong>de</strong>l Sur. Museo Argentino <strong>de</strong><br />
Ciencias Naturales “Bernardino Rivadavia” 4 (1): 137–144.<br />
Davis, A. & Wagner, J. R. (2003). Who knows? On the importance of i<strong>de</strong>ntifying “experts”<br />
when researching Local Ecological Knowledge. Human Ecology 31 (3): 463–489.<br />
Defler, T. R. (2003). Primates <strong>de</strong> Colômbia. Conservación Internacional, serie <strong>de</strong> guías<br />
tropicales <strong>de</strong> campo, Conservación Internacional, Bogotá. 543pp.<br />
Diário Oficial <strong>de</strong> Porto Alegre – Órgão <strong>de</strong> Divulgação Oficial do Município <strong>de</strong> Porto<br />
Alegre, edição 1936, sexta-feira, 27 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2002.<br />
Diário Oficial da União – República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, Imprensa Nacional, ano CXLIII,<br />
nº 67, quinta-feira, 06 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2006.<br />
Diegues, A. C. S. (1996). Ecologia Humana e Planejamento em Áreas Costeiras. Núcleo<br />
<strong>de</strong> apoio à pesquisa <strong>de</strong> populações humanas em áreas úmidas brasileiras, <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
<strong>de</strong> São Paulo, São Paulo. 191pp.<br />
Drumond, M. A., Kiill, L. H. P., Lima,P. C. F., Oliveira, M. C., Albuquerque, S. G.,<br />
Nascimento, C. E. <strong>de</strong> S. & Cavalcanti, J. (2004). Estratégias para o uso sustentável da<br />
biodiversida<strong>de</strong> da caatinga. In: J. M. Cardoso da Silva, M. Tabarelli. M. T. da Fonseca,<br />
& L. M. Lins (eds.), Biodiversida<strong>de</strong> da Caatinga: Áreas e Ações Prioritárias para a<br />
Conservação, pp.330–346. Ministério do Meio Ambiente, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong><br />
Pernambuco, Conservação Internacional do Brasil, Fundação Biodiversitas,<br />
EMBRAPA Semi-Árido, Brasília.<br />
149
Ehrlich, P. R. & Mooney, H.A. (1983). Extinction, substitution and ecosystem services.<br />
BioScience 33: 248–254.<br />
Elliot, D.G. (1913). A review of primates. American Museum of Natural History,<br />
Monograph Series pp.194–256.<br />
Emmons, L.H., Whitney, B.M. & Ross Jr., D.L. (1997). Sounds of Neotropical Rainforest<br />
Mammals – an Audio Field Gui<strong>de</strong>. Library of Natural Sounds, Cornell Laboratory of<br />
Ornithology, Ithaca, New York. (CD).<br />
Ferri, M.G. (1980). A Vegetação Brasileira. EDUSP, São Paulo.<br />
Folke, C., Jansson, A., Larsson, J. & Constanza, R. (1997). Ecosystem appropriation by<br />
cities. Ambio 26 (3):167–172.<br />
Futuyma, D. J. (1996). Biologia Evolutiva. Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Genética, CNPq, 2 a<br />
edição, São Paulo, 631pp.<br />
Giulietti, A. M., Harley, R. M., Queiroz, M. R. V., Barbosa, A. L., Bocage Neta, A. L. &<br />
Figueiredo, M. A. (2002). Plantas endêmicas da caatinga. In: E. V. S. B. Sampaio, A.<br />
M. Giulietti, J. F. Virgínio & C. F. L. Gamarra-Rojas (eds.), Vegetação e Flora das<br />
Caatingas, pp.103–115. APNE/CNIP, Recife.<br />
Giulietti, A. M., Bocage Neta, A. L., Castro, A. A. J . F., Gamarra-Rojas, C.F.L., Sampaio,<br />
E. V. S. B., Virgínio, J. F., Queiroz, L. P., Figueiredo, M. A., Rodal, M. J. N., Barbosa,<br />
M. R. V. & Harley, R. M. (2004). Diagnóstico da vegetação nativa do bioma da<br />
caatinga. In: J. M. Cardoso da Silva, M. Tabarelli. M. T. da Fonseca, & L. M. Lins<br />
(eds.), Biodiversida<strong>de</strong> da Caatinga: Áreas e Ações Prioritárias para a Conservação,<br />
pp.48–100. Ministério do Meio Ambiente, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> Pernambuco,<br />
Conservação Internacional do Brasil, Fundação Biodiversitas, EMBRAPA Semi-Árido,<br />
Brasília.<br />
Guia 4 Rodas. Disponível em:www.guia4rodas.com.br.<br />
Groves, C. P. (2001). Primate Taxonomy. Smithsonian Institution Press, Washington, DC,<br />
350pp.<br />
Groves, C. P. (2005). Or<strong>de</strong>r Primates. In: Mammal Species of the World: A Taxonomic and<br />
Geographic Reference, 3rd Edition, Volume 1, D. E. Wilson and D. M. Ree<strong>de</strong>r (eds.),<br />
pp.111–184. Johns Hopkins University Press, Baltimore, MD.<br />
Ferguson, M. A. & Messier, F. (1997). Collection and analysis of traditional ecological<br />
knowledge about a population of Artic Tundra Caribou. Artic 51(3): 201–219.<br />
150
Harcourt, A. H. & Parks, S. A. (2003). Threatened primates experience high human<br />
<strong>de</strong>nsities: adding an in<strong>de</strong>x of threat to the IUCN Red List criteria. Biological<br />
Conservation 109: 137–147.<br />
Hardin, G. (1968). The tragedy of the commons. Science 162: 1243–1248.<br />
Hershkovitz, P. (1963). A systematic and zoogeographic account of the monkeys of the<br />
genus Callicebus (Cebidae) of the Amazonas and Orinoco River basins. Mammalia<br />
27(1): 1–80.<br />
Hershkovitz, P. (1977). Living New World monkeys (Platyrrhini) with an introduction to<br />
primates. Vol.1. University of Chicago Press, Chicago.<br />
Hershkovitz, P. (1988a). Origin, speciation, and distribution of South American titi<br />
monkeys, genus Callicebus (Family Cebidae, Plathyrrhini). Proceedings of The<br />
Aca<strong>de</strong>my of Natural Sciences of Phila<strong>de</strong>lphia 140 (1): 240–272.<br />
Hershkovitz, P. (1988b). Correspondência trocada entre Philip Hershkovitz, Curador<br />
Emérito da Divisão <strong>de</strong> Mamíferos do Field Museum of Natural History (Chicago, USA)<br />
e o Prof. Dr. Anthony B. Rylands, Departamento <strong>de</strong> Zoologia da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Minas</strong> <strong>Gerais</strong>, Brasil, em 27/01/1988. Material não publicado.<br />
Hershkovitz, P. (1990a). Titis, New World monkeys of the genus Callicebus (Cebidae,<br />
Platyrrhini): a preliminary taxonomic review. Fieldiana Zoology 5: 1–109.<br />
Hershkovitz, P. (1990b). A proper name, at last. In the Field: September /October 1990.<br />
Hill, W.C. O. (1960). Primates – Comparative Anatomy and Taxonomy, IV Cebidae, Part<br />
A. EdinburghUniversity Press, Edinburgh.<br />
Hilton-Taylor, C. (2003). 2003 IUCN Red list of Threatened Species. IUCN, Gland,<br />
Switzerland and Cambridge, UK. XVII + 61pp. Disponível em: http://www.redlist.org/<br />
Hirsch, A. (2005). BDGEOPRIM. Disponível em:<br />
http://www.icb.ufmg.br/~primatas/home_bdgeoprim.htm<br />
IUCN. (1994). Species Survival Commission. 1994. IUCN Red List Categories. The World<br />
Conservation Union, Gland, Switzerland, 30 November 1994.<br />
IUCN. (2001). Red List Categories and Criteria: Version 3.1. IUCN Species Survival<br />
Commissions, IUCN, Gland, Switzerland and Cambridge, UK, ii + 30pp.<br />
IUCN. (2006). 2006 IUCN Red List of threatened species. The World Conservation Union,<br />
Gland, Suíça. Disponível em http://www.redlist.org, acessado em 15 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong><br />
2007.<br />
151
IBGE. (1993). Mapa da Vegetação do Brasil. Fundação <strong>Instituto</strong> Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e<br />
Estatística (IBGE), Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
IBGE. (1996). Índice Municipal <strong>de</strong> Desenvolvimento Humano (IDH-M). Fundação<br />
<strong>Instituto</strong> Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística (IBGE), Rio <strong>de</strong> Janeiro. Disponível em<br />
www.ibge.gov.br<br />
IBGE. (2005). Censo Agropecuário. Sistema IBGE da Agricultura (SIDRA). Fundação<br />
<strong>Instituto</strong> Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística (IBGE), Rio <strong>de</strong> Janeiro. Disponível em<br />
www.ibge.gov.br<br />
IBAMA. (2004). Roteiro Metodológico para a Elaboração <strong>de</strong> Plano <strong>de</strong> Manejo para<br />
Reservas Particulares do Patrimônio Natural. Ministério do Meio Ambiente, <strong>Instituto</strong><br />
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Brasília. 97pp.<br />
ICZN. (1999). International Co<strong>de</strong> of Zoological Nomenclature 4 th ed. International co<strong>de</strong> of<br />
zoological nomenclature. International Trust for Zoological Nomenclature c/o The<br />
Natural History Museum, 306pp. Disponível em .<br />
Kinzey, W.G. (1982). Distribution of primates and forest refuges. In: G. T. Prance, (ed.),<br />
Biological Diversification in the Tropics, pp.455–82. Columbia University Press, New<br />
York.<br />
Kinzey, W. G. (1997). Callicebus. In: W. G. Kinzey, New World Primates – Ecology,<br />
Evolution and Behavior, pp.213–221. Aldine <strong>de</strong> Gruyter, New York.<br />
Kobayashi, S. (1995). A phylogenetic study of titi monkeys, genus Callicebus, based on<br />
cranial measurements: I. Phyletic groups of Callicebus. Primates 36 (1): 101–102.<br />
Kobayahi, S. & Langguth, A. (1999). A new species of titi monkeys, Callicebus Thomas,<br />
from north-eastern Brazil (Primates, Cebida<strong>de</strong>). Revista Brasileira <strong>de</strong> Zoologia 16 (2):<br />
531–551.<br />
Lódi, J. B. (1981). A Entrevista—Teoria e Prática. Livraria Pioneira Editora, Quarta<br />
edição, São Paulo. 176pp.<br />
Lokschin, L. X., Printes, R.C., Buss, G. & Cabral, J. N. H. (No prelo). Power lines and<br />
howler’s conservation (Alouatta guariba clamitans; Cabrera, 1940) in urbanizing areas,<br />
Porto Alegre, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brazil. Neotropical Primates 13 (3): 4-8.<br />
Machado, A. B. M., Martins, C. S. & Drummond, G. M. (2005). Lista da Fauna Brasileira<br />
Ameaçada <strong>de</strong> Extinção Incluindo as Listas das Espécies Quase Ameaçadas e<br />
152
Deficientes em Dados. Fundação Biodiversitas, Conservação Internacional, <strong>Instituto</strong><br />
Terra Brasilis, Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Zoologia, <strong>Instituto</strong> Brasileiro do Meio Ambiente<br />
e dos Recursos Naturais Renováveis, Ministério do Meio Ambiente. 157pp.<br />
Maricato, E. & Tanaka, G. 2006. O planejamento urbano e a questão fundiária. Ciência<br />
Hoje 38 (227): 16–23.<br />
Marinho-Filho, J. & Veríssimo, E. W. (1997). The rediscovery of Callicebus personatus<br />
barbarabrownae in northeastern Brazil with a new western limit for its distribution.<br />
Primates 38(4): 429–433.<br />
Martínez-Alier, J. M. (1994). De la Economía Ecológica al EcologismoPpopular. Icaria<br />
Editorial, S.A. Barcelona. 362pp.<br />
Mayr, E. (1982). The Growth of Biological Thought: Diversity, Evolution, and Inheritance.<br />
Belknap Press of Harvard University Press. Cambridge, MA.<br />
Mesquita, C. A. B. M. & Vieira, M. C. W. (2004). RPPN – Reservas Particulares do<br />
Patrimônio Natural da Mata Atlântica, Conselho Nacional da Reserva da Biosfera,<br />
Ca<strong>de</strong>rno nº 2, 96pp.<br />
MMA. (2002). Avaliação e Ações Prioritárias para a Conservação da Biodiversida<strong>de</strong> da<br />
Caatinga. Ministério do Meio Ambiente, Brasília, 36pp.<br />
Morin, E. & Kern, A. B. (1995). Terra-pátria. Traduzido do francês por Paulo Azevedo<br />
Novaes. Editora Sulina, Porto Alegre, 189pp.<br />
Moore, J. (1983). Female transfer in primates. International Journal of Primatology 5(6):<br />
537–589.<br />
Napier, P. H. (1976). Catalogue of primates in the British Museum (Natural History). Part<br />
I: Families Callitrichidae and Cebidae. British Museum (Natural History), London.<br />
Neiss, B., Schnei<strong>de</strong>r, D. C., Felt, L. F., Haedrick, R. L., Fischer, J & Hutchings, J. A. 1999.<br />
Fisheries assessment: what can be learned from interviewing resource users? Journal of<br />
Fisheries and Aquatic Science 56: 1949–1963.<br />
Olsson, P. & Folke, C. 2001. Local ecological knowledge and institutional dynamics for<br />
ecosystem management: a study of Lake Racken watershed, Swe<strong>de</strong>n. Ecosystems 4:<br />
85–104.<br />
153
Paynter Jr., R. A. and M. A. Traylor Jr. 1991. Orinithological Gazetteer of Brazil. Vol. 1,<br />
A–M. Musem of Comparative Zoology, Harvard University, Cambridge,<br />
Massachusetts.<br />
Primack, R. B. & Rodrigues, E. (2001). Biologia da Conservação. Londrina, 328pp.<br />
Printes, R.C. (1999). The Lami Biological Reserve, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brazil, and the<br />
danger of power lines to howlers in urban reserves, Neotropical Primates 7(4): 135–<br />
136.<br />
Printes, R. C.; Lisenfield, M. V. A & Jerusalinsky, L. (2001). Alouatta guariba clamitans<br />
Cabrera, 1940: A new southern limit for the species and for Neotropical primates,<br />
Neotropical Primates 9: 118–121.<br />
Printes, R. C. (2005). Novos registros sobre a distribuição do guigó-da-caatinga Callicebus<br />
barbarabrownae (Hershkovitz, 1990) e novo limite sul <strong>de</strong> Callicebus coimbrai<br />
Kobayashi & Langguth, 1999. Resumos: XI Congresso Brasileiro <strong>de</strong> Primatologia, p.<br />
154. Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Primatologia, Porto Alegre.<br />
Printes, R. C. & Rylands, A. B. (No prelo). Callicebus barbarabrownae; Hershkovitz,<br />
1990. In: Machado, A. B. M et al. Lista da fauna brasileira ameaçada <strong>de</strong> extinção<br />
incluindo as listas das espécies quase ameaçadas e <strong>de</strong>ficientes em dados. Fundação<br />
Biodiversitas, Conservação Internacional, <strong>Instituto</strong> Brasileiro do Meio Ambiente e dos<br />
Recursos Naturais Renováveis, Ministério do Meio Ambiente.<br />
Printes, R.C., Jerusalinsky, L., Sousa, M., Rodrigues, L. R. & Hirsch, A. (No prelo).<br />
Zoogeography, genetic variation and conservation of the Callicebus personatus Group.<br />
In: A. Barnett, L. Veiga, S. Ferrari and M. Norconk (eds.), Evolutionary Biology and<br />
Conservation of Titis, Sakis and Uakaris. Cambridge University Press, Cambridge, UK.<br />
Redclift, M. (1987). Sustainable Development: Exploring the contradictions. Methuen,<br />
New York.<br />
Richardson, S. P. Dohrenwend, B. S. and Klein, D. (1965). Interwing its Forms and<br />
Functions. Basic Books Inc., New York. 380pp.<br />
Romanowski, H. P., Dornelles, S. da S., Buss, G., Brutto, L.F.G., Jardim, M. <strong>de</strong> S., Printes,<br />
R. C. & Fialho, M. <strong>de</strong> S. (1998). Bugio-ruivo: O ronco ameaçado. In: R. Menegat<br />
(coor<strong>de</strong>nador geral). Atlas Ambiental <strong>de</strong> Porto Alegre, pp.62–63.<strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong><br />
do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (UFRGS), PMPA, INPE, São José dos Campos São Paulo.<br />
Rylands, A. B., Rodríguez-Luna, E. & Cortés-Ortiz, L. (1996–1997). Neotropical primate<br />
conservation – The species and the UICN/SSC primate specialist group network.<br />
Primate Conservation 17: 46–49.<br />
Sampaio, T. (2002). Rio São Francisco, trechos <strong>de</strong> um diário <strong>de</strong> viagem. Org. José Carlos<br />
Barreto Santana, Editora Companhia das Letras.352pp.<br />
154
Sampaio, Y. & Batista, J. E. M. (2004). Pressões antrópicas atuais e futuras no bioma<br />
caatinga. In: J. M. Cardoso da Silva, M. Tabarelli. M. T. da Fonseca, & L. M. Lins<br />
(eds.), pp.326–340. Ministério do Meio Ambiente, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong><br />
Pernambuco, Conservação Internacional do Brasil, Fundação Biodiversitas,<br />
EMBRAPA Semi-Árido, Brasília.<br />
Silva, J. M. C. da, Tabarelli, M., Fonseca, M. T.da & Lins, L.V.(Orgs.). (2004).<br />
Biodiversida<strong>de</strong> da Caatinga: Áreas e Ações Prioritárias para a Conservação.<br />
Ministério do Meio Ambiente, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> Pernambuco, Fundação <strong>de</strong><br />
Apoio ao Desenvolvimento da UFPE, Conservação Internacional do Brasil, Fundação<br />
Biodiversitas, EMBRAPA Semi-Árido, Brasília, 382pp.<br />
Silvano, R. A. M. & Begossi, A. 2005. Local knowledge on a cosmopolitan fish:<br />
Ethnoecology of Pomatomus saltatrix (Pamatomidae) in Brazil and Australia. Fisheries<br />
Research 71: 43–59.<br />
Spix, J. B. von. (1823). Simiarum et Vespertilionum Brasiliensium Species Novae, ou<br />
historie naturalle <strong>de</strong>s espèces nouvelles <strong>de</strong> singes et <strong>de</strong> chauvesouris observées et<br />
reculliés pendant le voyage dans l’intérieur du Brésil. Monaco, viii + 72 pp.<br />
Stallings, J. R. (1983). Status y conservación <strong>de</strong> primates en el Paraguay. In C. J. Saavedra,<br />
R. A. Mittermeier & I. B. Santos (eds.). La Primatología en Latinoamérica, pp.133–<br />
151.World Wildlife Fund, Washington, DC.<br />
Strier, K. B. (1992). Faces in the Forest— the Endangered Muriquis Monkeys of Brazil.<br />
Oxford University Press, Oxford. 138pp.<br />
Strier, K. B. (1997). Behavioral ecology and conservation biology of primates and other<br />
animals. Advances in the Study of Behavior 26: 101–157.<br />
Tabarelli, M. & Vicente, A. (2004). Conhecimento sobre plantas lenhosas da caatinga:<br />
lacunas geográficas e ecológicas. In: J. M. Cardoso da Silva, M. Tabarelli. M. T. da<br />
Fonseca, & L. M. Lins (eds.), Biodiversida<strong>de</strong> da Caatinga: Áreas e Ações Prioritárias<br />
para a Conservação, pp.102–111. Ministério do Meio Ambiente, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong><br />
<strong>de</strong> Pernambuco, Conservação Internacional do Brasil, Fundação Biodiversitas,<br />
EMBRAPA Semi-Árido, Brasília.<br />
Teles, G. (2006). Porto Alegre tem 14 áreas com IPTU ecológico. Revista Bio 3<br />
(Publicação do Conselho Regional <strong>de</strong> Biologia 3º Região). Nº 38, p.16.<br />
The Nature Conservancy do Brasil (TNC), (2004). In: J. M. Cardoso da Silva, M. Tabarelli.<br />
M. T. da Fonseca, & L. M. Lins (eds.), Biodiversida<strong>de</strong> da Caatinga: Áreas e Ações<br />
Prioritárias para a Conservação, pp.296–300. Ministério do Meio Ambiente,<br />
<strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> Pernambuco, Conservação Internacional do Brasil, Fundação<br />
Biodiversitas, EMBRAPA Semi-Árido, Brasília.<br />
155
Veloso, H. P., Fillho, A. L. R. R.; Lima, J. C. A. (1991). Classificação da Vegetação<br />
Brasileira, Adaptada a Um Sistema Universal. Departamento <strong>de</strong> Recursos Naturais e<br />
Estudos Ambientais, Fundacão <strong>Instituto</strong> Brasileiero <strong>de</strong> Geografia e Estatística (IBGE),<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Van Roosmalen, M. G. M., Van, Roosmalen, T. & Mittermeier, R. A. (2002). A taxonomic<br />
review of the titi monkeys, genus Callicebus Thomas, 1903, with the <strong>de</strong>scription of two<br />
new species, Callicebus bernhardi and Callicebus stephennashi, from Brazilian<br />
Amazonia. Neotropical Primates 10 (suppl.): 1–52.<br />
Vanzolini, P. E. & N. Papávero. 1968. Índice dos Topônimos Contidos na Carta do Brasil<br />
1: 1 000 000 do IBGE [Fundação <strong>Instituto</strong> Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística].<br />
Fundação <strong>de</strong> Amparo à Pesquisa do Estado <strong>de</strong> São Paulo (FAPESP), São Paulo.<br />
[Prefácio datado <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1967.]<br />
Wallace, R. B., Gómez, H., Felton, A. and Felton, A.M. (2006). On a new species of titi<br />
monkeys, genus Callicebus Thomas (Primates, Pitheciidae), from western Bolivia with<br />
preliminary notes on distribution and abundance. Primate Conservation (20): 29–39.<br />
White, P. S. & Bratton, S. P. (1980). After preservation: philosophical and practical<br />
problems of change. Biological Conservation 18: 241–255.<br />
Wrangham, R. W. (1980). An ecological mo<strong>de</strong>l of female-bon<strong>de</strong>d primates groups.<br />
Behaviour 75: 262–300.<br />
156