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Universidade Federal de Minas Gerais Instituto de ... - ICB - UFMG

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<strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> <strong>Gerais</strong><br />

<strong>Instituto</strong> <strong>de</strong> Ciências Biológicas<br />

Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Ecologia,<br />

Conservação e Manejo <strong>de</strong> Vida Silvestre<br />

Avaliação taxonômica, distribuição e status do guigó-da-caatinga<br />

Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990 (Primates: Pitheciidae)<br />

Biólogo MSc. Rodrigo Cambará Printes<br />

Orientador: Prof. Dr. Anthony Brome Rylands<br />

Co-Orientador: Prof. Dr. Júlio César Bicca-Marques<br />

Tese apresentada ao <strong>Instituto</strong> <strong>de</strong> Ciências<br />

Biológicas como parte dos requisitos<br />

necessários à obtenção do grau <strong>de</strong> “Doutor<br />

em Ecologia, Conservação e Manejo <strong>de</strong><br />

Vida Silvestre” pela <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>Minas</strong> <strong>Gerais</strong>.<br />

Belo Horizonte, 03 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2007


APOIO:<br />

iii


A vida do Viajante<br />

“Minha vida é andar por este país<br />

Prá ver se um dia eu <strong>de</strong>scanso feliz<br />

Guardando recordações das terras on<strong>de</strong> passei<br />

Andando pelos sertões, dos amigos que lá <strong>de</strong>ixei<br />

Chuva e sol, poeira e carvão<br />

Longe <strong>de</strong> casa sigo o roteiro<br />

Mais uma estação<br />

E a sauda<strong>de</strong> no coração<br />

Mar e terra, inverno e verão<br />

Mostro um sorriso, mostro alegria<br />

Mas eu não mostro não<br />

É a sauda<strong>de</strong> no coração”.<br />

Luiz Gonzaga e Hervé Cordovil (1953)<br />

Dedico este trabalho ao povo sertanejo, exemplo <strong>de</strong> coragem e <strong>de</strong> fé na vida. Em especial<br />

ofereço-o aos anônimos habitantes das caatingas que atuaram como informantes, sem os quais o<br />

guigó continuaria sendo um ilustre <strong>de</strong>sconhecido.<br />

iv


Agra<strong>de</strong>cimentos<br />

• Ao prof. Dr. Anthony B. Rylands por sua inestimável contribuição à Primatologia no<br />

Brasil e pela sua generosa orientação durante este trabalho.<br />

• Ao prof. Dr. Júlio César Bicca-Marques (PUC-RS) pela co-orientação e apoio em Porto<br />

Alegre.<br />

• Aos financiadores das cinco expedições: Conservation International (Washington, USA),<br />

Conservação Internacional do Brasil, Margot Marsh Biodiversity Foundation – the<br />

Primate Action Fund (USA), Critical Ecosystem Partnership Fund (The Worl Bank +<br />

Global Environmental Fund + Conservation International + MacArthur Fundation +<br />

Governo do Japão) gerenciado pela Fundação Biodiversitas e Centro <strong>de</strong> Pesquisas<br />

Ambientais do Nor<strong>de</strong>ste, através do Programa <strong>de</strong> Proteção às Espécies Ameaçadas <strong>de</strong><br />

Extinção da Mata Atlântica Brasileira, Edital nº 01/2004.<br />

• À Coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Aperfeiçoamento do Ensino Superior (CAPES).<br />

• Aos amigos e ajudantes-<strong>de</strong>-campo das três expedições em que eu não estava só, os<br />

biólogos: Roberto W. Groehs, Luisa X. Lokschin e André C. Alonso.<br />

• Aos caminhoneiros e mecânicos da Bahia, Sergipe e Alagoas, pela solidarieda<strong>de</strong> nas<br />

estradas e postos <strong>de</strong> gasolina.<br />

• À Polícia Militar da Bahia pela colaboração na busca <strong>de</strong> informantes.<br />

• Ao Movimento dos Sem Terra (MST) do Recôncavo Baiano e da região <strong>de</strong> Coronel João<br />

Sá (Bahia), por terem me recebido pacificamente, permitindo inclusive que eu acampasse<br />

com eles e verificasse fragmentos <strong>de</strong> mata nas áreas em processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação.<br />

• Aos índios Kiriri por não terem me recebido à bala nas áreas ocupadas em Banzaê<br />

(Bahia), contrariando as previsões dos moradores da região.<br />

• Aos pistoleiros da região <strong>de</strong> Canudos e Monte Santo que garantiram minha vida na região<br />

do “Polígono da Maconha”.<br />

• Aos pioneiros da pesquisa na Caatinga: Johann Baptiste Von Spix (1771-1826), Eucli<strong>de</strong>s<br />

da Cunha (1866-1909) e Teodoro Sampaio (1855-1937). Eu aproveitei seus mapas...<br />

• Ao prof. Dr. André Hirsch, pelo apoio nas questões <strong>de</strong> SIG’s e pela sua amiza<strong>de</strong>.<br />

• Aos colegas do <strong>Instituto</strong> <strong>de</strong> Estudos Sócio-Ambientais do Sul da Bahia (IESB), em<br />

especial: Raquel Moura, Gabriel Rodrigues dos Santos, Carlos E. Guidorizzi, Cassiano<br />

v


Gatto, Camila Cassano, Priscila Suscke, Gustavo Canale, João Carlos Pádua e Luís Lima<br />

Barbosa.<br />

• Aos colegas da Fundação Biodiversitas, em especial: Gláucia Drumond, Rafael Thiago<br />

Carmo (Belo Horizonte) e Tânia Maria Alves da Silva (gerente da Estação Biológica <strong>de</strong><br />

Canudos, Bahia).<br />

• Ao prof. MSc. Marcelo Sousa (<strong>Universida<strong>de</strong></strong> Tira<strong>de</strong>ntes, Aracaju), pioneiro na luta pela<br />

conservação do guigó-<strong>de</strong>-Sergipe (Callicebus coimbrai).<br />

• Ao colega Leandro Jerusalinsky (Centro <strong>de</strong> Proteção <strong>de</strong> Primatas Brasileiros – IBAMA),<br />

companheiro do tempo dos Macacos Urbanos, hoje lutando pela conservação do guigó<strong>de</strong>-Sergipe<br />

• Ao prof. Dr. Ja<strong>de</strong>r Marinho-Filho, pela sua atenção durante visita ao Departamento <strong>de</strong><br />

Zoologia da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Nacional <strong>de</strong> Brasília (UnB).<br />

• À Dra. Maria Cecília Kierulff pelo apoio na busca <strong>de</strong> financiamento.<br />

• À professora Dra. Jocélia Grazia (Departamento <strong>de</strong> Zoologia, UFRGS) pela revisão dos<br />

aspectos taxonômicos do texto.<br />

• Ao prof. Dr. Renato Silvano (Departamento <strong>de</strong> Ecologia, UFRGS) pela revisão dos<br />

métodos, resultados e discussão no campo da etnoprimatologia.<br />

• Á professora Dra. Maria Luiza Porto (Departamento <strong>de</strong> Botânica, UFRGS) pela<br />

bibliografia sobre Fitogeografia do Brasil.<br />

• Ao amigo Ayr Müller Gonçalves, mestre da orientação e cartografia digital, sem o qual<br />

não teria sido possível elaborar os mapas <strong>de</strong> distribuição que ora apresento.<br />

• Ao Dr. Stephen Nash, ilustrador científico da Conservation International, pelos <strong>de</strong>senhos<br />

especialmente elaborados para esta tese.<br />

• Aos professores, colegas <strong>de</strong> laboratório, alunos, ex-alunos e funcionários do Curso <strong>de</strong><br />

Pós-Graduação em Ecologia, Conservação e Manejo <strong>de</strong> Vida Silvestre (<strong>UFMG</strong>), em<br />

especial: Elena Charlotte Landau, Bárbara Costa, Ítalo Mourthé, Luiz Gustavo Dias,<br />

Waldiney Martins e Marcos <strong>de</strong> Lima Figueiredo.<br />

• Ao colega primatólogo e amigo Leonardo Oliveira (Rockfeller Blue).<br />

• Aos amigos e colegas do Programa Macacos Urbanos (UFRGS) por tudo o que<br />

construímos nestes 14 anos <strong>de</strong> luta em prol da conservação do bugio-ruivo (Aloautta<br />

clamitans) em Porto Alegre.<br />

vi


• À Sra. Nayr <strong>de</strong> Oliveira Patury e à Dra. Suzana Patury <strong>de</strong> Almeida pela acolhida em sua<br />

casa em Ilhéus durante mais <strong>de</strong> 1 ano.<br />

• Aos amigos do Lami (Porto Alegre) que cuidaram da minha casa quando eu estava no<br />

sertão: Jaques Pinto Rangel e Carla Rangel.<br />

• Ao amigo João Cláudio Godoy Fagun<strong>de</strong>s, colaborador na luta pela conservação dos<br />

bugios do Lami (Porto Alegre, RS).<br />

• Aos colegas e amigos da MAIA – Meio Ambiente e Impacto Ambiental (Osório, RS).<br />

• Aos amigos Waldyr José Maggi e Vera Kriegger, proprietários da futura RPPN Recanto<br />

do Lago, pelo exemplo <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminação na luta por um mundo melhor.<br />

• À Carolina Dal Magro Colombo, por compartilhar comigo os seus 20 anos.<br />

• À minha família, pela paciência, compreensão e amor.<br />

• Aos amigos Márcio Vanini, Cláudio Nogueira, Simone e Eduardo Veado (in memoriam),<br />

pelos bons momentos que juntos passamos neste planeta e que até hoje me inspiram.<br />

vii


Avaliação taxonômica, distribuição e status do guigó-da-caatinga<br />

Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990<br />

1. Introdução geral da tese.............................................................................................................03<br />

2. Objetivos....................................................................................................................................05<br />

Capítulo 1: Avaliação taxonômica <strong>de</strong> Callicebus barbarabrownae Hershkovitz,<br />

1990...............................................................................................................................................06<br />

1. Introdução: a classificação do gênero Callicebus..................................................................... 06<br />

2. Métodos.............................................................................................................................................07<br />

3. Resultados.........................................................................................................................................07<br />

3.1 As espécies do Grupo Personatus..................................................................................................07<br />

3.2 Principais revisões do gênero Callicebus com ênfase em C. barbarabrownae Hershkovitz, 1990 e<br />

Callicebus gigot (Spix, 1823)...............................................................................................................08<br />

3.3 Histórico taxonômico <strong>de</strong> Callicebus gigot (Spix, 1823)..........................................................21<br />

3.4 Descrição <strong>de</strong> Callicebus personatus barbarabrownae Hershkovitz, 1990.............................24<br />

3.5 Consi<strong>de</strong>rações sobre Callicebus gigot (Spix, 1823) ...............................................................30<br />

4. Discussão...................................................................................................................................33<br />

4.1 O nome C. barbarabrownae é válido?....................................................................................33<br />

4.2 On<strong>de</strong> fica a localida<strong>de</strong> tipo da espécie? ..................................................................................33<br />

Capítulo 2: Biogeografia do guigó-da-caatinga (C.<br />

barbarabrownae)...........................................................................................................................40<br />

1. Introdução: Prováveis origens do gênero Callicebus.................................................................40<br />

2. Métodos......................................................................................................................................47<br />

2.1 Definição do roteiro das<br />

campanhas......................................................................................................................................47<br />

2.2 Seleção <strong>de</strong> informantes............................................................................................................50<br />

2.3 Localização dos animais..........................................................................................................50<br />

2.4 Classificação das formações vegetais......................................................................................51<br />

2.4.1 Caatingas arbóreas <strong>de</strong>nsas....................................................................................................55<br />

2.4.2 Caatingas arbóreas abertas...................................................................................................55<br />

2.4.3 Caatingas arbustivas esparsas..............................................................................................56<br />

xi


2.4.4 Caatingas arbustivas <strong>de</strong>nsas.......................................................................................56<br />

2.4.5 Matas <strong>de</strong> cipó, agrestes e matas mesófilas.................................................................56<br />

2.4.6 Outras formações.......................................................................................................57<br />

3. Resultados e discussão....................................................................................................58<br />

3.1 Resposta ao playback....................................................................................................58<br />

3.2 A vegetação e o guigó-da-caatinga................................................................................59<br />

3.3 A fauna associada ao guigó-da-caatinga........................................................................64<br />

3.4 Provável distribuição geográfica pretérita das espécies do Grupo Personatus..............70<br />

3.5 Quais os limites atuais da distribuição da espécie?........................................................73<br />

3.6 Qual a extensão <strong>de</strong> ocorrência do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae)?................78<br />

3.6.1 Variações <strong>de</strong> pelagem observadas ao longo da extensão <strong>de</strong> ocorrência .....................80<br />

3.7 Qual a área <strong>de</strong> ocupação do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae)?.........................85<br />

3.8 Sobre os limites entre as espécies <strong>de</strong> Callicebus da Mata Atlântica e Caatinga (Grupo<br />

Personatus)............................................................................................................................89<br />

Capítulo 3: A conservação do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae Hershkovitz, 1990)<br />

.............................................................................................................................................. 99<br />

1. Introdução: Os sertões <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s da Cunha não existem mais.......................................99<br />

2. Métodos............................................................................................................................101<br />

2.1 Seleção <strong>de</strong> informantes...................................................................................................101<br />

2.2 Avaliação dos informantes selecionados........................................................................106<br />

3. Resultados ........................................................................................................................109<br />

3.1 Perfil dos informantes.....................................................................................................109<br />

3.2 Padrões <strong>de</strong> uso da terra...................................................................................................111<br />

3.3 Tamanho das proprieda<strong>de</strong>s.............................................................................................113<br />

3.4 Acordos <strong>de</strong> caça e fiscalização.......................................................................................114<br />

4. Discussão .........................................................................................................................116<br />

4.1 Sobre o processo seletivo, o perfil dos informantes e o conhecimento ecológico<br />

local......................................................................................................................................116<br />

4.2 Consi<strong>de</strong>rações sobre os padrões <strong>de</strong> uso da terra............................................................118<br />

4.3 Sobre o tamanho das proprieda<strong>de</strong>s, a presença do guigó e a dinâmica do uso do<br />

solo.......................................................................................................................................120<br />

xii


4.4 Sobre os acordos <strong>de</strong> caça e fiscalização.........................................................................121<br />

4.5 O paradoxo sócio-ambiental da Caatinga......................................................................122<br />

5. Reavaliação do status <strong>de</strong> conservação do guigó-da-caatinga ..........................................123<br />

5.1 Contextualização do problema.......................................................................................123<br />

5.2 Tipificação da ameaça (Quais as principais ameaças à espécie?)..................................125<br />

5.2.1 As queimadas: passivo ambiental <strong>de</strong> um manejo primitivo........................................125<br />

5.2.2 Desmatamento para o sistema agropastoril.................................................................126<br />

5.2.3 Urbanização da zona rural dos municípios..................................................................127<br />

5.2.4 O guigó-da-caatinga: uma espécie fora da malha <strong>de</strong> áreas protegidas........................129<br />

5.3 Tamanho mínimo estimado da população......................................................................136<br />

5.4 C. barbarabrownae <strong>de</strong>ve permanecer na categoria “criticamente em perigo”?............ 138<br />

6. Recomendações para o manejo e conservação.................................................................139<br />

6.1 Esclarecimentos aos sem-terra........................................................................................139<br />

6.2 Financiamento para a agricultura familiar......................................................................140<br />

6.3 Manejo <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação.............................................................................. 143<br />

6.4 Incentivo à conservação da área rural dos municípios....................................................145<br />

6.5 Alternativas protéicas à caça...........................................................................................147<br />

7. Referências bibliográficas..............................................................................................148<br />

xiii


Tabelas<br />

Tabela 1: Taxonomia do gênero Callicebus <strong>de</strong> acordo com Elliot (1913), Cabrera (1958), Hill<br />

(1960) e Hershkovitz 1963)....................................................................................................09<br />

Tabela 2: Taxonomia do gênero Callicebus segundo Hill (1960), (Hershkovitz, 1990 a), Van<br />

Roosmalen et al. (2002), Groves (2001, 2005)………………………….......………...........11<br />

Tabela 3: Características <strong>de</strong> pelagem <strong>de</strong> C. barbarabrwonae, C. melanochir e C. coimbrai<br />

...............................................................................................................................................28<br />

Tabela 4: Principais fósseis <strong>de</strong> primatas neotropicais (elaborada a partir <strong>de</strong> Defler,<br />

2003).....................................................................................................................................42<br />

Tabela 5: Expedições do projeto “Distribuição e status do guigó-da-caatinga Callicebus<br />

barbarabrownae Hershkovitz, 1990” com seus respectivos períodos, duração, objetivos,<br />

distâncias percorridas e agências financiadoras....................................................................48<br />

Tabela 6: Classificações etnofitogeográfica e científica para as fitofisionomias da<br />

Caatinga.................................................................................................................................54<br />

Tabela 7: Número <strong>de</strong> localida<strong>de</strong>s visitadas por expedição, espécie <strong>de</strong> guigó registrada,<br />

tipo <strong>de</strong> registro e classificação da vegetação segundo Andra<strong>de</strong>-Lima (1966)......................63<br />

Tabela 8: Nomes populares <strong>de</strong> animais silvestres citados nas áreas <strong>de</strong> ocorrência do guigóda-caatinga.............................................................................................................................67<br />

Tabela 9: Nomes populares e científicos dos animais da Caatinga citados nas entrevistas,<br />

quando foi possível i<strong>de</strong>ntificá-los ao nível <strong>de</strong> espécie..........................................................68<br />

Tabela 10: Animais silvestres mais freqüentemente citados durante as entrevistas nas áreas <strong>de</strong><br />

ocorrência do guigó-da-caatinga (n = 11 informantes).........................................................69<br />

Tabela 11: Registros realizados durante o projeto: “Distribuição e status do guigó-dacaatinga”<br />

(C. melanochir n = 1, C. coimbrai n = 5, C. barbarabrownae n = 7)..................75<br />

Tabela 12: Distâncias do registro da espécie em linha reta até a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação mais<br />

próxima (média: 34,53 km; <strong>de</strong>svio padrão: 17,64). ...........................................................133<br />

xiv


Figuras<br />

Figura 1: Prancha número XVI do livro “Simiarum et Vespertilionum Brasiliensium Species<br />

Novae” Spix (1823), representando Callithrix<br />

gigot.......................................................................................................................................15<br />

Figura 2: Texto original contendo a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Callithrix gigot (Spix, 1823)..................16<br />

Figura 3: Pele <strong>de</strong> C. p. barbarabrownae Hershkovitz, 1990 coletada pelo Prof. Ja<strong>de</strong>r S.<br />

Marinho-Filho em 1990 na Fazenda Conceição (Mirorós,<br />

Bahia)....................................................................................................................................26<br />

Figura 4: Municípios ao longo da área <strong>de</strong> estudo (Fonte: SEI,<br />

2003).....................................................................................................................................34<br />

Figura 5: Registros anteriores da ocorrência <strong>de</strong> Callicebus barbarabrownae Hershkovitz,<br />

1990 segundo o BDGEOPIM - Banco <strong>de</strong> Dados Georreferenciados das Localida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Ocorrência <strong>de</strong> Primatas Neotropicais (Hirsch,<br />

2005).....................................................................................................................................49<br />

Figura 6: Classificação da vegetação do Brasil segundo Andra<strong>de</strong>-Lima<br />

(1966)....................................................................................................................................52<br />

Figura 7: Carta <strong>de</strong> vegetação do Estado da Bahia (SEI, 2003). Os círculos pretos vazados<br />

correspon<strong>de</strong>m às localida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> foi registrado o guigó-da-caatinga..................................60<br />

Figura 8: Extensão <strong>de</strong> ocorrência do guigó-da-caatinga (C.<br />

barbarabrownae)....................................................................................................................79<br />

Figura 9: Indivíduo <strong>de</strong> C. barbarabrownae (Hershkovitz, 1990) provavelmente capturado na<br />

região da localida<strong>de</strong> tipo, que inclui Serrinha e municípios<br />

próximos.................................................................................................................................81<br />

Figura 10: Ilustrações das três formas <strong>de</strong> guigós avistadas <strong>de</strong>ntro da área <strong>de</strong> distribuição<br />

geográfica do guigó-da-caatinga (C.<br />

barbarabrownae)....................................................................................................................82<br />

Figura 11: Forma <strong>de</strong> C. barbarabrownae (Hershkovitz, 1990), restrita às matas orográficas do<br />

leste da Chapada Diamantina, Contendas do Sincorá, Bahia<br />

.................................................................................................................................................83<br />

xv


Figura 12: Área <strong>de</strong> ocupação do guigó-da-caatinga calculada através do método da soma dos<br />

quadrados (IUCN, 2001,<br />

2006)......................................................................................................................................86<br />

Figura 13: Plotagem <strong>de</strong> todos os registros <strong>de</strong> C. barbarabrowane ao longo do sistema <strong>de</strong><br />

coor<strong>de</strong>nadas geográficas Gauss-<br />

Krieger...................................................................................................................................88<br />

Figura 14: Número <strong>de</strong> indivíduos por espécie registrados ao longo do projeto “Distribuição e<br />

status do guigó-da-Caatinga Callicebus barbarabrownae Hershkovitz,<br />

1990”......................................................................................................................................89<br />

Figura 15: Callicebus coimbrai, forma restrita a Sergipe e recôncavo baiano, reconhecida<br />

como espécie por Kobayashi e Langguth em<br />

1999........................................................................................................................................91<br />

Figura 16: Carta <strong>de</strong> relevo do Estado da Bahia (SEI, 2003). Os círculos azuis correspon<strong>de</strong>m<br />

às localida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> foi registrado o guigó-dacaatinga...................................................................................................................................94<br />

Figura 17: Callicebus coimbrai fotografado em ambiente <strong>de</strong> transição entre a Caatinga e a<br />

Mata Atlântica, na divisa entre Sergipe e Bahia, Nossa Senhora da Glória<br />

(Sergipe).................................................................................................................................96<br />

Figura 18: Distribuição geográfica das espécies do Grupo Personatus, com base nas<br />

observações <strong>de</strong> campo <strong>de</strong> quatro pesquisadores<br />

...............................................................................................................................................98<br />

Figura 19: Organograma <strong>de</strong>monstrativo do processo <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> informantes através do<br />

método bola <strong>de</strong> neve............................................................................................................105<br />

Figura 20: Ocupação profissional dos informantes nas áreas on<strong>de</strong> foi registrado o gugó-dacaatiga<br />

(n=37).......................................................................................................................110<br />

Figura 21: Uso da terra nas áreas on<strong>de</strong> não foi registrado o guigó-da-caatinga (n=75)......112<br />

Figura 22: Uso da terra nas áreas on<strong>de</strong> foi registrado do guigó-da-caatinga ......................112<br />

Figura 23: “Serrote” <strong>de</strong>fendido por um caçador-fiscal próximo à Amargosa, Bahia..........115<br />

Figura 24: Carta das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação do Estado da Bahia (SEI, 2003). Os círculos<br />

ver<strong>de</strong>s correspon<strong>de</strong>m às unida<strong>de</strong>s próximas às quais houve registro do guigó-dacaatinga..................................................................................................................................131<br />

xvi


Figura 25: Carta da flora ameaçada do Estado da Bahia (SEI, 2003). Os ícones ver<strong>de</strong>s<br />

representam as espécies arbóreas ameaçadas ao longo da extensão <strong>de</strong> ocorrência do guigó-dacaatinga...................................................................................................................................135<br />

Figura 26: Sistema agro-florestal no entorno do Parque Estadual das Sete Passagens (Miguel<br />

Calmon, Bahia): licuri, palma, mamona e abóboras cultivados em consórcio numa área <strong>de</strong><br />

meio hectare ...........................................................................................................................142<br />

xvii


Abstract<br />

The blond titi monkey Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990 is consi<strong>de</strong>red to be Critically<br />

Endangered, but is very unknown. It lives in fragments of Caatinga—<strong>de</strong>ciduous forests in<br />

northeastern Brazil. Since its <strong>de</strong>scription, however, its geographic range has been poorly known,<br />

based as it had been on just a few localities of museum specimens. Philip Hershkovitz <strong>de</strong>scribed it<br />

as a subspecies of Callicebus personatus (E. Geoffroy, 1812). Since 2002 it has been consi<strong>de</strong>red a<br />

species. In this study I ma<strong>de</strong> a series of expeditions to Northeast Brazil in or<strong>de</strong>r to better clarify its<br />

geographic range and taxonomic status. I interviewed local people and surveyed for titi monkeys in<br />

areas where they were reported to occur. C. barbarabrownae replies to recordings of its<br />

vocalizations (playback), a technique I used to increase the chances of finding this rare species. I<br />

also recor<strong>de</strong>d information on patterns of land use across the species’ distribution. In my taxonomic<br />

analysis I began with a review of the genus (Callicebus Thomas, 1903) with emphasis on C.<br />

barbarabrownae and the C. personatus group (sensu Herhshovitz, 1990) to which it belongs. A<br />

specimen in the Zoology Department of the University of Brasília and 51 sightings of titi monkeys<br />

during the surveys in the states Bahia and Sergipe provi<strong>de</strong>d the basis for my consi<strong>de</strong>rations. Survey<br />

locations were chosen on the basis of maps (1:1,650,000 and 1:10,000), and from interviews with<br />

local people. The animals were attracted using playback. Whenever possible I photographed the titi<br />

monkeys, but no specimens were collected. The vegetation of the regions surveyed was classified in<br />

six categories, and the land-use patterns use was evaluated through interviews. The conservation<br />

status of the species was assessed according to IUCN criteria. The name Callicebus<br />

barbarabrownae Hershkovitz, 1990 may prove to be a junior synonym of Callicebus gigot (Spix,<br />

1823), according to the priority principle. The blond titi occurs only in Bahia, at elevations of 241 to<br />

908 m. The geographic limits i<strong>de</strong>ntified were: North – Minuim Mountains (09º49'36.18"S and<br />

38º05'44.74"W, altitu<strong>de</strong> 451 m); South – Sincorá Mountains (13º54'52.10"S and 41º10'23.70"W,<br />

altitu<strong>de</strong> 712 m); East – municipality of Cel. João Sá (10º13'49.80"S and 38º02'0.13"W, altitu<strong>de</strong> 268<br />

m); West – Salitre Mountains (11º32'54.40"S and 42º22'58.70"W, altitu<strong>de</strong> 908 m). The species<br />

prefers arboreal <strong>de</strong>nse caatinga (65.7% of our records). The patterns of land use were significantly<br />

different on the farms where the blond titi was found or was absent (ANOVA one criteria, FD = 1;<br />

F = 7.24, p = 0.01). Blond titis were more likely to have disappeared from areas where rural<br />

agriculture was predominant, and were more commonly found in areas where cattle-farming was<br />

the main activity. Agriculture is consistently the most important activity in the region (50% and<br />

56%, respectively for areas where titis were and were not found), but their presence was more likely<br />

in areas where cattle ranching (28%) were predominant than when not (15%). The average size of<br />

cattle ranches with the blond titi was 2,294.4 ha (± 3,106.5) as against 1,181.2 ha (±1, 594.03) for<br />

the ranches without them. The larger ranches were those where the principal activity is cattlebreeding<br />

and their Legal Reserves are larger than those on the smaller ranches. Cattle-ranching does<br />

not <strong>de</strong>mand such a rapid turnover of land use (slash-and-burn). Crop farming is more <strong>de</strong>structive to<br />

the natural vegetation of the region, and there is no positive correlation between the farm’s size and<br />

the occurrence of titis (Pearson Correlation, r = 0.2, FD = 17, p


Resumo<br />

O guigó-da-caatinga Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990 é consi<strong>de</strong>rado criticamente em<br />

perigo, porém é uma espécie pouco conhecida. Vive em fragmentos no bioma Caatinga. Des<strong>de</strong> sua<br />

<strong>de</strong>scrição, entretanto, sua distribuição geográfica tem sido pobremente conhecida, com base em<br />

poucas localida<strong>de</strong>s e espécimes <strong>de</strong> musues. Philip Hershkovitz <strong>de</strong>screveu esta forma como uma<br />

subespécie <strong>de</strong> Callicebus personatus (E. Geoffroy, 1812). Des<strong>de</strong> 2002 ela tem sido consi<strong>de</strong>rada<br />

uma espécie. Neste estudo eu fiz uma série <strong>de</strong> expedições ao nor<strong>de</strong>ste do Brasil, no sentido <strong>de</strong><br />

eclarecer sua área <strong>de</strong> distribuição geográfica e status taxonômico. Entrevistei as comunida<strong>de</strong>s locais<br />

e procurei pelos guigós nas áreas on<strong>de</strong> sua ocorrência foi reportada. C. barbarabrownae respon<strong>de</strong> à<br />

gravação <strong>de</strong> sua própria vocalização (playback), técnica que usei para incrementar a chance <strong>de</strong><br />

encontrar a espécie. Eu também registrei informações sobre padrões <strong>de</strong> uso da terra ao longo da sua<br />

área <strong>de</strong> distribuição. Na análise taxonômica, iniciei com uma revisão do gênero (Callicebus<br />

Thomas, 1903) mas mantive ênfase em C. barbarabrownae e no Grupo Personatus (sensu<br />

Herhshovitz, 1990). Um espécime do Departamento <strong>de</strong> Zoologia da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Brasília e 51<br />

indivíduos vistos durante os trabalhos <strong>de</strong> campo na Bahia e Sergipe proveram a base para as minhas<br />

consi<strong>de</strong>rações. As localida<strong>de</strong>s para busca foram selecionadas com base em mapas (1:1.650.000 e<br />

1:10.000) e entrevistas com a comunida<strong>de</strong> local. Os animais foram atraídos usando o playback.<br />

Sempre que possível fotografei os guigós, mas nenhum espécime foi coletado. A vegetação foi<br />

classificada em seis categorias e os padrões <strong>de</strong> uso da terra foram avaliados através <strong>de</strong> entrevistas.<br />

O satatus <strong>de</strong> conservação da espécie foi avaliado <strong>de</strong> acordo com os critérios da União Internacional<br />

para a Conservação da Natureza (IUCN). O nome Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990<br />

po<strong>de</strong> ser um sinônimo júnior <strong>de</strong> Callicebus gigot (Spix, 1823), <strong>de</strong> acordo com o princípio da<br />

priorida<strong>de</strong>. O guigó-da-caatinga ocorre na Bahia, entre 241 e 908 m. Os limites geográficos foram:<br />

norte – Serras <strong>de</strong> Minuim (09º49'36,18"S e 38º05'44,74"W, altitu<strong>de</strong> 451 m); sul – Serra do Sincorá<br />

(13º54'52,10"S e 41º10'23,70"W, altitu<strong>de</strong> 712 m); leste – município <strong>de</strong> Cel. João Sá (10º13'49,80"S<br />

e 38º02'0,13"W, altitu<strong>de</strong> 268 m); oeste – Serras <strong>de</strong> Salitre (11º32'54,40"S e 42º22'58,70"W, altitu<strong>de</strong><br />

908 m). A espécie prefere as caatingas arbóreas <strong>de</strong>nsas (65,7% dos registros). Os padrões <strong>de</strong> uso da<br />

terra foram significativamente diferentes nas fazendas on<strong>de</strong> o guigó ocorre e não ocorre (ANOVA<br />

um critério, FD = 1; F = 7.24, p = 0,01). O guigó-da-caatinga teve maior probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>saparecer nas areas on<strong>de</strong> o uso agrícola foi predominante. Sua presença foi mais provável em<br />

áreas on<strong>de</strong> a pecuária foi a ativida<strong>de</strong> principal (28% dos registros <strong>de</strong> ocorrência), em comparação<br />

com áreas on<strong>de</strong> predomina a agricultura (15%). A agricultura é a ativida<strong>de</strong> mais importante na<br />

região (50% e 56%, respectivamente, para areas on<strong>de</strong> os guigós foram e não foram encontrados). O<br />

tamanho médio das fazendas com guigós foi <strong>de</strong> 2.294,4 ha (± 3.106,5) contra 1.181,2 ha<br />

(±1.594,03) para as fazendas sem a espécie. Nas maiores fazendas predomina a pecuária; suas<br />

reservas legais são maiores do que em fazendas pequenas e po<strong>de</strong>m sustentar populações <strong>de</strong> guigós.<br />

A pecuária requisita novas àreas mais lentamente do que a agricultura. Entretanto não houve<br />

correlação positive entre o tamanho das fazendas e a ocorrência do guigó (Correlação <strong>de</strong> Pearson, r<br />

= 0.2, FD = 17, p


Avaliação taxonômica, distribuiço e status do guigó-da-caatinga<br />

Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990<br />

1. Introdução geral da tese<br />

A questão central do presente trabalho é <strong>de</strong>finir a distribuição geográfica do guigó-dacaatinga<br />

Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990. Outra questão que abordarei envolve<br />

sua instabilida<strong>de</strong> taxonômica. Callicebus barbarabrownae atualmente é reconhecido como<br />

espécie (Roosmalen et al., 2002; Groves, 2005), mas foi <strong>de</strong>scrito por Hershkovitz como uma<br />

subespécie <strong>de</strong> C. personatus (Hershkovitz, 1990a). Seu histórico taxonômico é complexo,<br />

envolvendo uma possível confusão <strong>de</strong> nomenclatura com a antiga espécie <strong>de</strong> Spix, Callithrix<br />

gigot (Spix, 1823) e <strong>de</strong> localida<strong>de</strong> tipo com Callicebus melanochir (Wied-Neuwied, 1820),<br />

espécie parapátrica.<br />

O guigó-da-caatinga foi <strong>de</strong>scrito a partir <strong>de</strong> peles <strong>de</strong> três localida<strong>de</strong>s apenas: Lamarão,<br />

Formosa e Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo, todas no Estado da Bahia (Hershkovitz, 1990a). Em 1989,<br />

pesquisadores coletaram uma pele em Mirorós, município <strong>de</strong> Ibipeba, Bahia (Marinho-Filho &<br />

Veríssimo, 1997). Essas são as quatro localida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> a espécie havia sido registrada até o<br />

presente trabalho. Nada além <strong>de</strong>sta precária distribuição geográfica se sabia a respeito do guigóda-caatinga.<br />

Entretanto a <strong>de</strong>struição do bioma Caatinga vem preocupando os pesquisadores e<br />

conservacionistas já há alguns anos (Coimbra-Filho & Câmara, 1996; Castelletti et al., 2004;<br />

Sampaio & Batista, 2004).<br />

Devido à perda, <strong>de</strong>gradação e fragmentação das formações florestais da Caatinga, C.<br />

barbarabrownae está entre os primatas neotropicais mais próximos da extinção, sendo<br />

consi<strong>de</strong>rado Criticamente Ameaçado pela União Mundial para a Conservação da Natureza<br />

3


(IUCN, 1994; 2006). Essa categoria indica que a espécie tem 50% <strong>de</strong> chance <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecer<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 10 anos (Hilton-Taylor, 2003). No Brasil, C. barbarabrownae é um dos 18 táxons <strong>de</strong><br />

primatas incluídos na categoria “criticamente em perigo” (Hilton-Taylor, 2003; Machado et al.,<br />

2005) e uma das 93 espécies <strong>de</strong> mamíferos brasileiros oficialmente ameaçados <strong>de</strong> extinção<br />

(Instrução Normativa n°3 do IBAMA, 27/05/2003).<br />

Na busca <strong>de</strong> novos registros <strong>de</strong> C. barbarabrownae, ao longo do presente estudo,<br />

observei em campo 51 indivíduos <strong>de</strong>sta espécie e nove <strong>de</strong> C. coimbrai. Percebi mudanças na<br />

coloração da pelagem o que, associado às variações do relevo e da vegetação, se <strong>de</strong>monstrou um<br />

aspecto importante para uma melhor <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>stas espécies parapátricas.<br />

Após cinco expedições científicas, realizadas entre 2004 e 2005, percorri 21.168 km na<br />

Caatinga e ecossistemas <strong>de</strong> transição. Uma distribuição geográfica bem maior do que a até então<br />

conhecida para C. barbarabrownae foi revelada, embora o hábitat da espécie esteja severamente<br />

frgamentado. Além disso, através <strong>de</strong> entrevistas com informantes selecionados, procurei<br />

diagnosticar as principais forças que estão no cenário <strong>de</strong> ameaça da espécie e propor medidas<br />

para mitigá-las.<br />

Sendo assim, os principais resultados <strong>de</strong>sta tese se referem à reavaliação taxonômica,<br />

distribuição geográfica e atualização do status <strong>de</strong> conservação do guigó-da-caatinga.<br />

4


2. Objetivos<br />

O objetivo <strong>de</strong>sa tese é respon<strong>de</strong>r às seguintes questões:<br />

A) O nome C. barbarabrownae é válido?<br />

B) On<strong>de</strong> fica a localida<strong>de</strong> tipo da espécie?<br />

C) Quais os seus limites <strong>de</strong> distribuição?<br />

D) Qual sua extensão <strong>de</strong> ocorrência?<br />

E) Qual sua área <strong>de</strong> ocupação?<br />

F) Quais as principais ameaças à espécie?<br />

g) Callicebus barbarabrownae <strong>de</strong>ve permanecer na categoria “criticamente em perigo”?<br />

5


Capítulo 1: Avaliação taxonômica <strong>de</strong> Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990<br />

Questões:<br />

• O nome C. barbarabrownae é válido?<br />

• On<strong>de</strong> fica a localida<strong>de</strong> tipo da espécie?<br />

1. Introdução: A classificação do gênero Callicebus<br />

Extremamente ágil e silencioso quando em <strong>de</strong>slocamento, o guigó, sauá ou zogue-zogue,<br />

primata do gênero Callicebus, é um pequeno animal do tamanho <strong>de</strong> um coelho, pesando <strong>de</strong> 1 a 2<br />

kg (Hershkovitz, 1988 a). Social, seus grupos são unida<strong>de</strong>s familiares normalmente formadas por<br />

quatro indivíduos: um casal, um filhote nascido no ano anterior e um filhote recente (Defler,<br />

2003).<br />

Os guigós já foram classificados como pertencentes aos gêneros Cebus (Hoffmannsegg,<br />

1807), Simia (Humboldt, 1811), Callithrix (Geoffroy, 1812) e Saguinus (Lesson, 1827), até<br />

finalmente serem colocados no gênero Callicebus, criado por O. Thomas em 1903, tendo como<br />

espécie-tipo Callicebus personatus É. Geoffroy, 1812 (Cabrera, 1958). Muitas das espécies<br />

atualmente reconhecidas já foram consi<strong>de</strong>radas subespécies (Elliot, 1913; Cabrera, 1958; Hill,<br />

1960; Hershkovitz, 1963; Hershkovitz, 1988 a; 1990 a).<br />

Hoje com 29 espécies, Callicebus é um dos gêneros mais diversificados entre os primatas<br />

neotropicais, juntamente com Cebus (33) e Saguinus (32 táxons) (Stallings, 1983, Hershkovitz,<br />

1988a; Rylands et al., 1996/1997; Kinzey, 1997; Van Roosmalen et al., 2002; Groves, 2005;<br />

Wallace et al., 2006). Os guigós habitam a Amazônia (Brasil, Venezuela, Colômbia, Equador,<br />

Peru e Bolívia) e também po<strong>de</strong>m ser encontrados na Mata Atlântica (incluindo Floresta<br />

6


Estacional Semi-<strong>de</strong>cídua) e Caatinga, importantes biomas brasileiros. No Chaco, a espécie ocorre<br />

no Paraguai e na Bolívia. As revisões mais recentes e completas da taxonomia do gênero foram<br />

as <strong>de</strong> Hershkovitz (1988a, 1990a), Kobayashi (1995), Groves (2001, 2005), mas ainda estão<br />

sendo <strong>de</strong>scobertas novas espécies (Kobayashi e Langguth, 1999; Van Roosmalen et al., 2002;<br />

Wallace et al. 2006) e as distribuições geográficas <strong>de</strong> muitas formas, fator fundamental para<br />

enten<strong>de</strong>r a sistemática do gênero (Mayr, 1982), são pouco conhecidas.<br />

2. Métodos<br />

Realizei uma revisão do gênero Callicebus (Thomas, 1903) com base na literatura <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Elliot<br />

(1913) até Groves (2005), com ênfase no Grupo Personatus criado por Hershkovitz (1988 a). Visitei<br />

o Departamento <strong>de</strong> Zoologia da Univesida<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Brasília (Unb), on<strong>de</strong> está <strong>de</strong>positada a<br />

única pele <strong>de</strong> C. barbarabrownae que existe nas coleções do Brasl. Procurei imagens <strong>de</strong> peles da<br />

espécie disponíveis nos sites dos museus <strong>de</strong> Munique (Alemanha), Britânico (Inglaterra) e Field<br />

Museum of Natural History (Chicago, USA).<br />

3. Resultados<br />

3.1 As espécies do Grupo Personatus<br />

As espécies <strong>de</strong> Callicebus que ocorrem na Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga, <strong>de</strong> acordo<br />

com o arranjo <strong>de</strong> Hershkovitz (1988a, 1990a), formam o Grupo Personatus, composto das<br />

seguintes formas (em seqüência do sul ao norte): C. nigrifrons (Spix, 1823), C. personatus (É.<br />

Geoffroy, 1812), C. melanochir (Wied-Neuwied, 1820) e C. barbarabrownae Hershkovitz, 1990.<br />

7


Posteriormente, se adicionou a esse grupo C. coimbrai, <strong>de</strong>scrito por Kobayashi e Langguth em<br />

1999, que ocorre no nor<strong>de</strong>ste do Brasil, nos Estados <strong>de</strong> Sergipe e Bahia.<br />

Hoje o Grupo Personatus, o únco extra-amazônico do gênero Callicebus, se tornou estratégico<br />

para a conservação. Todas as cinco espécies que compõe o clado se encontram em risco <strong>de</strong> extinção.<br />

Três <strong>de</strong>las, C. nigrifrons, C. personatus, C. melanochir estão ameaçadas e duas, C.<br />

barbarabrownae e C. coimbrai, criticamente ameaçadas (Machado et al., 2005).<br />

3.2 Principais revisões do gênero Callicebus com ênfase em C. barbarabrownae Hershkovitz,<br />

1990 e Callicebus gigot (Spix, 1823)<br />

As principais revisões do gênero Calllicebus, <strong>de</strong> 1913 a 2005, foram sintetizadas nas tabelas 1<br />

e 2. Somente a classificação das espécies do Grupo Personatus será discutida.<br />

8


Tabela 1: Taxonomia do gênero Callicebus <strong>de</strong> acordo com Elliot (1913), Cabrera (1958),<br />

Hill (1960) e Hershkovitz (1963)<br />

Elliot (1913) Cabrera (1958) Hill (1960) Hershkovitz (1963)<br />

(bacias do Amazonas e<br />

Orinoco)<br />

Callicebus Thomas, 1903<br />

Amazônia (Bolívia,<br />

Brasil, Colômbia, Equador,<br />

Peru, Venezuela)<br />

C. torquatus (Hoffmannsegg, 1807) C. torquatus torquatus C. torquatus torquatus C. torquatus torquatus<br />

(Hoffmannsegg, 1807) (Hoffmannsegg, 1807) (Hoffmannsegg, 1807)<br />

Sinónimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />

lucifer<br />

C. torquatus ignitus<br />

Thomas, 1927<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />

torquatus<br />

Sinónimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />

amictus<br />

C. torquatus purinus<br />

Thomas 1927<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />

torquatus<br />

Sinónimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />

amictus<br />

C. torquatus regulus<br />

Thomas 1927<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />

torquatus<br />

C. amictus (E. Geoffroy, 1812) C. torquatus amictus<br />

(E. Geoffroy, 1812)<br />

Sinónimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

torquatus lugens<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />

torquatus<br />

C. torquatus lucifer C. torquatus lucifer Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />

[C. lugens] Sinónimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

torquatus<br />

Thomas, 1914<br />

C. torquatus lugens<br />

(Humboldt, 1812)<br />

C. brunneus (Wagner, 1842) C. brunneus (Wagner,<br />

1842)<br />

C. cinerascens (Spix, 1823) C. cinerascens (Spix,<br />

1823)<br />

C. cupreus (Spix, 1823) C. cupreus cupreus<br />

(Spix, 1823)<br />

Sinónimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

cupreus toppini<br />

C. ustofuscus Elliot, 1907 Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

cupreus cupreus<br />

C. caligatus (Wagner, 1842) C. cupreus caligatus<br />

(Wagner, 1842)<br />

C. subrufus Elliot, 1907 C. cupreus subrufus<br />

Elliot. 1907<br />

C. cupreus toppini<br />

Thomas, 1904<br />

C. egeria Thomas, 1908 C. cupreus egeria<br />

Thomas, 1908<br />

C. leucometopa (Latorre, 1900) C. cupreus leucometopa<br />

Cabrera, 1900<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

m. donacophilus<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

c. leucometopa<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

c. subrufus<br />

Thomas, 1914<br />

C. torquatus lugens<br />

(Humboldt, 1812)<br />

C. cupreus brunneus<br />

(Wagner, 1842)<br />

C. cinerascens (Spix,<br />

1823)<br />

C. cupreus cupreus (Spix,<br />

1823)<br />

C. cupreus acreanus<br />

Vieira, 1952<br />

C .cupreus ustofuscus<br />

Elliot, 1907<br />

C. cupreus caligatus<br />

(Wagner, 1842)<br />

C. cupreus subrufus<br />

Elliot, 1907<br />

C. cupreus toppini<br />

Thomas, 1914<br />

C. cupreus egeria<br />

Thomas, 1908<br />

C. cupreus leucometopus<br />

Cabrera, 1900<br />

C. cupreus mo<strong>de</strong>stus<br />

Lönnberg, 1939<br />

C. cupreus napoleon<br />

Lönnberg, 1922<br />

C. cupreus rutteri<br />

Thomas, 1923<br />

torquatus<br />

C. torquatus lugens<br />

(Humboldt, 1812)<br />

C. torquatus me<strong>de</strong>mi<br />

Hershkovitz, 1963<br />

C. moloch brunneus (Wagner,<br />

1842)<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />

donacophilus<br />

C. moloch cupreus (Spix,<br />

1823)<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />

brunneus<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />

cupreus<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />

cupreus<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />

discolor<br />

Sinnimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />

brunneus<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />

cupreus<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />

discolor<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />

brunneus<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />

discolor<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />

discolor<br />

9


Elliot (1913) Cabrera (1958) Hill (1960) Hershkovitz (1963)<br />

(bacias do Amazonas e<br />

Orinoco)<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

brunneus<br />

C. ollalae Lönnberg, 1939 Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />

brunneus<br />

C. moloch (Hoffmannsegg, 1807) C. moloch moloch C. moloch moloch C. moloch moloch<br />

(Hoffmannsegg, 1807) (Hoffmannsegg, 1807) (Hoffmannsegg, 1807)<br />

C. emiliae Thomas, 1911 Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. C. moloch emiliae Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />

m. moloch<br />

Thomas, 1911<br />

moloch<br />

C. moloch baptista C. moloch baptista Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />

Lönnberg, 1939 Lönnberg, 1939<br />

hoffmannsi<br />

C. hoffmannsi Thomas, 1908 C. moloch hoffmannsi C. moloch hoffmannsi C. moloch hoffmannsi<br />

Thomas, 1908<br />

Thomas, 1908<br />

Thomas, 1908<br />

C. remulus Thomas, 1908 Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m. Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />

m. moloch<br />

moloch<br />

moloch<br />

[C. discolor] Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

cupreus<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

ornatus<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. c.<br />

cupreus<br />

C. moloch discolor (I.<br />

Geoffroy and Deville, 1848)<br />

C. moloch oenanthe C. gigot oenanthe Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />

Thomas, 1924<br />

Thomas, 1924<br />

discolor<br />

C. ornatus (Gray, 1866) C. ornatus (Gray, 1866) C. cupreus ornatus (Gray, C. moloch ornatus (Gray,<br />

1866)<br />

1866)<br />

C. paenulatus Elliot, 1909 Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. C. cupreus paenulatus Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />

m. moloch<br />

Elliot, 1909<br />

discolor<br />

Chaco (Bolívia,<br />

Paraguai)<br />

C. donacophilus (d’Orbigny, 1847) C. moloch<br />

donacophilus<br />

(d’Orbigny, 1847)<br />

C. pallescens Thomas, 1907 C. moloch pallescens<br />

Thomas, 1907<br />

Mata Atlântica (Brasil)<br />

C. personatus (É. Geoffroy, 1812) C. personatus<br />

personatus (É.<br />

Geoffroy, 1812)<br />

C. personatus brunello<br />

Thomas 1913<br />

C. melanochir (Kuhl, 1820) C. melanochir (Kuhl,<br />

1820)<br />

C. gigot (Spix, 1823) Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

melanochir<br />

C. nigrifrons (Spix, 1823) C. nigrifrons (Spix,<br />

1823)<br />

C. gigot donacophilus<br />

(d’Orbigny, 1847)<br />

C. gigot pallescens (Spix,<br />

1823)<br />

C. personatus personatus<br />

(É. Geoffroy, 1812)<br />

C. personatus brunello<br />

Thomas 1913<br />

C. personatus melanochir<br />

(Kuhl, 1820)<br />

C. gigot gigot (Spix,<br />

1823)<br />

C.personatus nigrifrons<br />

(Spix, 1823)<br />

C. moloch donacophilus<br />

(d’Orbigny, 1847)<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. m.<br />

donacophilus<br />

[C. personatus personatus (É.<br />

Geoffroy, 1812)]<br />

[C. personatus brunello<br />

Thomas 1913]<br />

[C. personatus melanochir<br />

(Kuhl, 1820)]<br />

[C. gigot gigot (Spix, 1823)]<br />

[C.personatus nigrifrons<br />

(Spix, 1823)]<br />

10


Tabela 2: Taxonomia do gênero Callicebus segundo Hill (1960), (Hershkovitz, 1990 a), Van Roosmalen et al. (2002), Groves (2001,<br />

2005)<br />

Hill (1960) Hershkovitz (1963)<br />

(bacias do Amazonas e<br />

Orinoco)<br />

C. torquatus torquatus C. torquatus torquatus<br />

(Hoffmannsegg, 1807) (Hoffmannsegg, 1807)<br />

C. torquatus ignitus Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />

Thomas, 1927<br />

torquatus<br />

C. torquatus purinus Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />

Thomas, 1927<br />

torquatus<br />

C. torquatus regulus Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />

Thomas, 1927<br />

torquatus<br />

[C. amictus] Sinónimo Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />

júnior <strong>de</strong> C. t. lugens torquatus<br />

C. torquatus lucifer Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />

Thomas, 1914<br />

[C. lugens] Sinônimo<br />

júnior <strong>de</strong> C. t. torquatus<br />

C. cupreus brunneus<br />

(Wagner, 1842)<br />

C. cinerascens (Spix,<br />

1823)<br />

C. cupreus cupreus<br />

(Spix, 1823)<br />

C. cupreus acreanus<br />

Vieira, 1952<br />

C. cupreus ustofuscus<br />

Elliot, 1907<br />

C. cupreus caligatus<br />

(Wagner, 1842)<br />

torquatus<br />

C. torquatus lugens<br />

(Humboldt, 1812)<br />

C. torquatus me<strong>de</strong>mi<br />

Hershkovitz, 1963<br />

C. moloch brunneus<br />

(Wagner, 1842)<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

m. donacophilus<br />

C. moloch cupreus<br />

(Spix, 1823)<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

m. brunneus<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

m. cupreus<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

m. cupreus<br />

Hershkovitz (1990 a)<br />

C. torquatus torquatus<br />

(Hoffmannsegg, 1807)<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />

lúcifer<br />

C. torquatus purinus<br />

Thomas, 1927<br />

C. torquatus regulus<br />

Thomas, 1927<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t.<br />

torquatus<br />

C. torquatus lucifer<br />

Thomas, 1914<br />

C. torquatus lugens<br />

(Humboldt, 1811)<br />

C. torquatus me<strong>de</strong>mi<br />

Hershkovitz, 1963<br />

C. brunneus (Wagner,<br />

1842)<br />

C. cinerascens (Spix,<br />

1823)<br />

C. cupreus cupreus (Spix,<br />

1823)<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. c.<br />

cupreus<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

caligatus<br />

C. caligatus (Wagner,<br />

1842)<br />

C. dubius Hershkovitz,<br />

1988<br />

Van Roosmalen, Van<br />

Roosmalen and<br />

Mittermeier (2002)<br />

Groves (2001) Groves (2005)<br />

C. torquatus<br />

C. torquatus torquatus C. torquatus<br />

(Hoffmannsegg, 1807) (Hoffmannsegg, 1807) (Hoffmannsegg, 1807)<br />

- - -<br />

C. purinus Thomas, 1927 C. torquatus purinus<br />

Thomas, 1927<br />

C. purinus Thomas, 1927<br />

C. regulus Thomas, 1927 C. torquatus regulus C. regulus Thomas, 1927<br />

Thomas, 1927<br />

- Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. t. Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

torquatus<br />

torquatus<br />

C. lucifer Thomas, 1914 C. torquatus lucifer C. lucifer Thomas, 1914<br />

Thomas, 1914<br />

C. lugens (Humboldt, C. torquatus lugens C. lugens (Humboldt,<br />

1811)<br />

(Humboldt, 1811)<br />

1811)<br />

C. me<strong>de</strong>mi Hershkovitz, C. me<strong>de</strong>mi Hershkovitz, C. me<strong>de</strong>mi Hershkovitz,<br />

1963<br />

1963<br />

1963<br />

C. brunneus (Wagner, C. brunneus (Wagner, 1842) C. brunneus (Wagner,<br />

1842)<br />

1842)<br />

C. cinerascens (Spix,<br />

1823)<br />

C. cinerascens (Spix, 1823) C. cinerascens (Spix,<br />

1823)<br />

C. cupreus (Spix, 1823) C. cupreus (Spix, 1823) C. cupreus (Spix, 1823)<br />

- Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

cupreus<br />

- Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

cupreus<br />

C. caligatus (Wagner, Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

1842)<br />

cupreus<br />

C. dubius Hershkovitz, Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

1988<br />

cupreus<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

cupreus<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

caligatus<br />

C. caligatus (Wagner,<br />

1842)<br />

C. dubius Hershkovitz,<br />

1988<br />

11


Hill (1960) Hershkovitz (1963)<br />

(bacias do Amazonas e<br />

Orinoco)<br />

C. cupreus subrufus Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

Elliot, 1907<br />

m. discolor<br />

C. cupreus toppini Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

Thomas, 1914<br />

m. brunneus<br />

C. cupreus egeria Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

Thomas, 1908<br />

m. cupreus<br />

C. cupreus leucometopus Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

Cabrera, 1900<br />

m. discolor<br />

C. cupreus mo<strong>de</strong>stus Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

Lönnberg, 1939 m. brunneus<br />

C. cupreus napoleon Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

Lönnberg, 1922 m. discolor<br />

C. cupreus rutteri Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

Thomas, 1923<br />

m. discolor<br />

C. ollalae Lönnberg, Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

1939<br />

m. brunneus<br />

C. moloch moloch C. moloch moloch<br />

(Hoffmannsegg, 1807) (Hoffmannsegg, 1807)<br />

C. moloch emiliae Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

Thomas, 1911<br />

m. moloch<br />

C. moloch baptista Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

Lönnberg, 1939<br />

C. moloch hoffmannsi<br />

Thomas, 1908<br />

[C. remulus] Sinônimo<br />

júnior <strong>de</strong> C. m. moloch<br />

[C. discolor] Sinônimo<br />

júnior <strong>de</strong> C. c. cupreus<br />

C. gigot oenanthe<br />

Thomas, 1924<br />

m. hoffmannsi<br />

C. moloch hoffmannsi<br />

Thomas, 1908<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

m. moloch<br />

C. moloch discolor (I.<br />

Geoffroy and Deville,<br />

1848)<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

m. discolor<br />

Hershkovitz (1990 a) Van Roosmalen, Van<br />

Roosmalen and<br />

Mittermeier (2002)<br />

Groves (2001) Groves (2005)<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. c. - Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. Sinônimo júnior <strong>de</strong><br />

discolor<br />

cupreus<br />

C.discolor<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. c. - Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

cupreus<br />

cupreus<br />

cupreus<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. c. - Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

cupreus<br />

cupreus<br />

cupreus<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. c. - Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

discolor<br />

cupreus<br />

discolor<br />

C. mo<strong>de</strong>stus Lönnberg, C. mo<strong>de</strong>stus Lönnberg, C. mo<strong>de</strong>stus Lönnberg, C. mo<strong>de</strong>stus Lönnberg,<br />

1939<br />

1939<br />

1939<br />

1939<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. c. - Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

discolor<br />

cupreus<br />

discolor<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. c. - Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

discolor<br />

cupreus<br />

discolor<br />

C. ollalae Lönnberg, 1939 C. ollalae Lönnberg, 1939 C. ollalae Lönnberg, 1939 C. ollalae Lönnberg, 1939<br />

C. moloch<br />

(Hoffmannsegg, 1807)<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

moloch<br />

C. hoffmannsi baptista<br />

Lönnberg, 1939<br />

C. hoffmannsi hoffmannsi<br />

Thomas, 1908<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

moloch<br />

C. cupreus discolor (I.<br />

Geoffroy and Deville,<br />

1848)<br />

C. oenanthe Thomas,<br />

1924<br />

C. moloch<br />

(Hoffmannsegg, 1807)<br />

C. moloch (Hoffmannsegg,<br />

1807)<br />

C. moloch<br />

(Hoffmannsegg, 1807)<br />

- Sinônimo júnior <strong>de</strong> Sinônimo júnior <strong>de</strong><br />

C.moloch<br />

C.moloch<br />

C. baptista Lönnberg, C. baptista Lönnberg, 1939 C. baptista Lönnberg,<br />

1939<br />

1939<br />

C. hoffmannsi Thomas, C. hoffmannsi Thomas, C. hoffmannsi Thomas,<br />

1908<br />

1908<br />

1908<br />

C. bernhardi Van<br />

C. bernhardi Van<br />

Roosmalen et al., 2002<br />

Roosmalen et al., 2002<br />

- Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

moloch<br />

moloch<br />

C. discolor (I. Geoffroy Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. C. discolor (I. Geoffroy<br />

and Deville, 1848) cupreus<br />

and Deville, 1848)<br />

C. oenanthe Thomas,<br />

1924<br />

C. oenanthe Thomas, 1924 C. oenanthe Thomas,<br />

1924<br />

12


Hill (1960) Hershkovitz (1963)<br />

(bacias do Amazonas e<br />

Orinoco)<br />

C. cupreus ornatus<br />

(Gray, 1866)<br />

C. cupreus paenulatus<br />

Elliot, 1909<br />

C. gigot donacophilus<br />

(d’Orbigny, 1847)<br />

C. gigot pallescens<br />

(Spix, 1823)<br />

C. personatus personatus<br />

(É. Geoffroy, 1812)<br />

C. personatus brunello<br />

Thomas 1913<br />

C. personatus<br />

melanochir (Kuhl, 1820)<br />

C. gigot gigot (Spix,<br />

1823)<br />

C. personatus nigrifrons<br />

(Spix, 1823)<br />

C. moloch ornatus<br />

(Gray, 1866)<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

m. Discolor<br />

C. moloch<br />

donacophilus<br />

(d’Orbigny, 1847)<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

m. donacophilus<br />

[C. personatus<br />

personatus (É.<br />

Geoffroy, 1812)]<br />

[C. personatus brunello<br />

Thomas 1913]<br />

[C. personatus<br />

melanochir<br />

(Kuhl,1820)]<br />

[C. gigot gigot (Spix,<br />

1823)]<br />

[C.personatus<br />

nigrifrons (Spix, 1823)]<br />

Hershkovitz (1990 a)<br />

C. cupreus ornatus (Gray,<br />

1866)<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. c.<br />

discolor<br />

C. donacophilus<br />

donacophilus (d’Orbigny,<br />

1847)<br />

C. donacophilus<br />

pallescens (Thomas,<br />

1907)<br />

C. personatus personatus<br />

(É. Geoffroy, 1812)<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. p.<br />

nigrifrons<br />

C. personatus melanochir<br />

(Wied-Neuwied, 1820)<br />

Van Roosmalen, Van<br />

Roosmalen and<br />

Mittermeier (2002)<br />

Groves (2001) Groves (2005)<br />

C. ornatus (Gray, 1866) C. ornatus (Gray, 1866) C. ornatus (Gray, 1866)<br />

C. stephennashi Van<br />

Roosmalen et al., 2002<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. c.<br />

discolor<br />

C. donacophilus<br />

(d’Orbigny, 1847)<br />

C. pallescens (Thomas,<br />

1907)<br />

C. personatus (É.<br />

Geoffroy, 1812)<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

cupreus<br />

C. donacophilus<br />

(d’Orbigny, 1847)<br />

C. pallescens (Thomas,<br />

1907)<br />

C. personatus personatus<br />

(É. Geoffroy, 1812)<br />

- Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. p.<br />

nigrifrons<br />

C. melanochir (Wied- C. personatus melanochir<br />

Neuwied, 1820)<br />

(Wied-Neuwied, 1820)<br />

Nomen nudum (ver texto) - Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. p.<br />

melanochir<br />

C. personatus nigrifrons C. nigrifrons (Spix, 1823) C. personatus nigrifrons<br />

(Spix, 1823)<br />

(Spix, 1823)<br />

C. personatus<br />

C. barbarabrownae C. personatus<br />

barbarabrownae Hershkovitz, 1990 barbarabrownae<br />

Hershkovitz, 1990<br />

Hershkovitz, 1990<br />

- - - C. coimbrai Kobayashi &<br />

Langguth, 1990<br />

C. coimbrai Kobayashi &<br />

Langguth, 1990<br />

C. stephennashi Van<br />

Roosmalen et al., 2002<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

discolor<br />

C. donacophilus<br />

(d’Orbigny, 1847)<br />

C. pallescens (Thomas,<br />

1907)<br />

C. personatus (É.<br />

Geoffroy, 1812)<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C.<br />

nigrifrons<br />

C. melanochir (Wied-<br />

Neuwied, 1820)<br />

Sinônimo júnior <strong>de</strong> C. p.<br />

melanochir<br />

C. nigrifrons (Spix, 1823)<br />

C. barbarabrownae<br />

Hershkovitz, 1990<br />

C. coimbrai Kobayashi &<br />

Langguth, 1990<br />

13


A história taxonômica dos guigós atualmente conhecidos como C. barbarabrownae<br />

Hershkovitz, 1990, é complexa, notavelmente pelas incertezas a respeito <strong>de</strong> localida<strong>de</strong>s tipo <strong>de</strong><br />

várias formas e também por certas confusões nas <strong>de</strong>scrições mais antigas, que envolvem uma<br />

espécie <strong>de</strong> primata <strong>de</strong>scrita por Spix (1823): Callithrix gigot.<br />

Segundo Elliot (1913), a figura <strong>de</strong> Spix (Spix, 1823, p. 22, prancha 16) ao <strong>de</strong>screver<br />

Callithrix gigot, não representa o tipo, porém a <strong>de</strong>scrição escrita é razoavelmente correta<br />

(Figuras 1 e 2). Ele indicou que a espécie ocorre perto <strong>de</strong> Ilhéus ao sul da Bahia (localida<strong>de</strong> tipo),<br />

e cita Schlegel ao informar que a distribuição se esten<strong>de</strong> ao sul até Nova Friburgo (RJ), entre o<br />

rio Paraíba e as montanhas ao norte da baía do Rio <strong>de</strong> Janeiro. O holótipo está <strong>de</strong>positado no<br />

museu <strong>de</strong> Munique (Elliot, 1913).<br />

14


Figura 1: Prancha número XVI do livro “Simiarum et Vespertilionum Brasiliensium<br />

Species Novae” Spix (1823), representando Callithrix gigot.<br />

15


Figura 2: Texto original contendo a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Callithrix gigot (Spix, 1823)<br />

16


Tradução para o português da <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Callithrix gigot Spix, 1823 – (texto<br />

traduzido em negrito):<br />

“Simiarum et Vespertilionum Brasiliensium Species Novae”, Johann Baptist Von Spix<br />

(1823, p.22):<br />

“Novas espécies <strong>de</strong> macacos e vespertilioní<strong>de</strong>os brasilienses (1823, p.22):”<br />

Species 5 – Callithrix Gigot<br />

Corpore mediocri, villoso, brunneo – cinerascente; cauda rufescenti – brunnea; manibus,<br />

praesertim pedibus villosis, nigris; auriculis nec non malis pilosis, nigris; mento et gula<br />

imberbibus.<br />

Espécie 5 – Callithrix Gigot<br />

De corpo mediano, peludo, acinzentado-pardo, <strong>de</strong> cauda avermelhada-parda, <strong>de</strong> mãos<br />

e pés especialmente peludos, negros; <strong>de</strong> orelhas um pouco peludas, <strong>de</strong> queixo e<br />

pescoço sem barba.<br />

Longitudo trunci 1´5´´ ulnae 3´´<br />

capitis palmae 2 ½ ´´<br />

faciei 2´´ femoris 4´´<br />

caudae 1´8´´ tibiae 5´´<br />

humeri 3´´ plantae 3 ¾ ´´<br />

Medidas: tronco 1´5´´ antebraço 3´´<br />

cabeça 3´´ palma 2 ½ ´´<br />

face 2´´ fêmur 4´´<br />

calda 1´8´´ tíbia 5´´<br />

húmero 3´´<br />

planta 3 ¾´´<br />

17


Descriptio 1 : Corpus robustius et magis villosum quam speciei praece<strong>de</strong>ntis; pili<br />

corporis 2 ½ ´´ longi, ad radicem brunneo-nigri, in medio sordi<strong>de</strong> fuscescenti-fasciati,<br />

versus apicem sordi<strong>de</strong> albo nigroque annulati, capitis pilis dorsi breviores, longiores vero<br />

illis speciei praece<strong>de</strong>ntis, ad radicem nigri, ad apicem albo-rufescentis, supra oculos usque<br />

as radicem nasi nigri, retrovergentes, caudae ad radicem ferruginei, versus apicem palli<strong>de</strong><br />

ferrugineo nigroque maculati, abdominis nigro-cinerascentis lanuginosi, manuum<br />

pedumque villosi, nigerrimi; facies subcrassa, atra, nigro subpilosa; labia albo-pilosa; malae<br />

cinereo nigroque barbatae; regio supra oculos et ad radicem nasi uti et in labiis vibrissis<br />

nigris rarioribus obsita; digiti nigro-villosi, illi manuum subaequales; pollex pedis a reliquis<br />

digitis remotus; ungues nigri, subincurvi, ad apicem acuti, prominuli, pollicares planiusculi.<br />

Descrição: corpo mais robusto e mais peludo que o da espécie prece<strong>de</strong>nte [C.<br />

nigrifrons, p.15, prancha XIII]; pêlos do corpo com 2 ½´´<strong>de</strong> comprimento, junto à<br />

base <strong>de</strong> um castanho-escuro, no meio, <strong>de</strong> aspecto sujo, uma faixa escura, na ponta,<br />

anelados <strong>de</strong> branco e preto, pêlos das costas da cabeça menores, porém, na verda<strong>de</strong>,<br />

maiores do que aqueles da espécie prece<strong>de</strong>nte, na raiz, negros, na ponta, brancoavermelhados,<br />

em cima dos olhos até a base do nariz, negros, voltados para trás,<br />

pêlos da cauda (cor <strong>de</strong>) ferrugem na base; na ponta, manchados palidamente (ou<br />

amareladamente) <strong>de</strong> ferrugem e negro, lanuginosos no abdômen (e) negroacinzentados;<br />

<strong>de</strong> mãos e pés peludos, negríssimos; face um tanto espessa (gorda ou<br />

grossa) e um tanto peluda; lábios peludos e brancos; maçãs do rosto barbadas e<br />

negro-acinzentadas; região em cima dos olhos e na base do nariz, como também nos<br />

lábios, coberta <strong>de</strong> raras vibrissas negras; <strong>de</strong>dos peludos e negros, mãos<br />

aparentemente uniformes (da mesma gran<strong>de</strong>za, iguais); o polegar <strong>de</strong> pé distante do<br />

resto dos <strong>de</strong>dos; unhas negras, ligeiramente encurvadas, na ponta pontiagudas, um<br />

tanto salientes, polegares planos em forma <strong>de</strong> ganchinhos.<br />

1<br />

Tradução <strong>de</strong> Maria Cristina Martins: mestre e doutora em Lingüística (UNICAMP, 1996,<br />

2002), na sub-área <strong>de</strong> teoria gramatical (latim clássico e latim vulgar), pós-doutora em<br />

Filologia Românica com ênfase em latim vulgar (USP, 2004). Professora adjunta <strong>de</strong> Língua<br />

e Literatura Latinas no <strong>Instituto</strong> <strong>de</strong> Letras/UFRGS.<br />

18


Elliot assim apontou para uma confusão quanto à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do tipo <strong>de</strong> C. gigot, sendo<br />

que a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Spix (1823) não estaria em conformida<strong>de</strong> com a ilustração:<br />

“Spix’s figure of this species [Callicebus gigot], like that of C.<br />

nigrifrons, in no way represents the type, which is a darker animal<br />

and of quite a different color. Spix’s <strong>de</strong>scription however is fairly<br />

correct.” (Elliot, 1913, p.255)<br />

A localida<strong>de</strong> tipo dada por Elliot (1913) está <strong>de</strong>ntro da área <strong>de</strong> distribuição da forma hoje<br />

reconhecido como <strong>de</strong> C. melanochir.<br />

Cabrera (1958), provavelmente seguindo Elliot (1913), colocou Callithrix gigot Spix,<br />

1823 e Callithrix gigo Gray, 1870 como sinônimos juniores <strong>de</strong> C. melanochir.<br />

Callicebus gigot (Spix, 1823) foi uma das sete espécies reconhecidas por Hill (1960). A<br />

espécie teria 4 subespécies, sendo que C. g. gigot (Spix, 1823) seria a forma da Mata Atlântica<br />

brasileira. Hill (1960) registrou a localida<strong>de</strong> tipo <strong>de</strong> Callicebus gigot como “near Ilhéus, south of<br />

Bahia, eastern of Brazil” (p.140). O tipo seria um macho <strong>de</strong>positado no Museu <strong>de</strong> Munique,<br />

coletado por Spix. Ele indicou uma distribuição que se esten<strong>de</strong>ria entre os rios Itapicuru, ao norte<br />

<strong>de</strong> Salvador e Paraíba, no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Sendo assim Hill (1960) colocou C. gigot como<br />

simpátrico <strong>de</strong> C. personatus melanochir ao norte do rio São Matheus (Espírito Santo) e <strong>de</strong> C. p.<br />

personatus ao sul do rio São Matheus até Nova Friburgo (Rio <strong>de</strong> Janeiro). Entretanto o mesmo<br />

autor mencionou que o material coletado por A. Robert em Lamarão (Bahia) e <strong>de</strong>positado no<br />

Museu Britânico pertenceria à subespécie Callicebus gigot gigot (Hill, 1960, p.140).<br />

Na revisão <strong>de</strong> 1988, Hershkovitz listou somente C. personatus personatus, C. p.<br />

melanochir e C. p. nigrifrons, não fazendo menção à forma gigot (Spix, 1823) (ver Tabela 2)<br />

(Hershkovitz, 1988 a). Somente na revisão subseqüente (Hershkovitz, 1990a) o autor abordou<br />

especificamente a valida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa forma. Em 1988, Hershkovitz propôs o arranjo do gênero em<br />

quatro clados ou grupos baseado em caracteres morfológicos, inaugurando uma tendência que<br />

19


mais tar<strong>de</strong> seria seguida por outros sistematas do gênero: o Grupo <strong>de</strong> Callicebus mo<strong>de</strong>stus, o<br />

Grupo <strong>de</strong> Callicebus donacophilus, o Grupo <strong>de</strong> Callicebus moloch e o Grupo <strong>de</strong> Callicebus<br />

torquatus.<br />

Em 1990 Hershkovitz fez nova revisão do gênero. Para o presente estudo, o mais relevante<br />

daquela contribuição são as subespécies <strong>de</strong> Callicebus personatus (É. Geoffroy, 1812) que ele<br />

reconheceu: C. p. melanochir (Wied-Neuwied, 1820), C. p. nigrifrons (Spix, 1823), C. p.<br />

personatus (É. Geoffroy, 1812) e C. p. barbarabrownae Hershkovitz, 1990. Callicebus p.<br />

barbarabrownae Hershkovitz, 1990 foi apresentada como uma nova subespécie. Os seguintes<br />

nomes foram colocados como sinônimos <strong>de</strong> barbarabrownae: Callithrix gigot em Wagner<br />

(1833), Callithrix gigot em Reichenbach (1862), Callithrix gigo em Gray, (1870), Callithrix<br />

gigot em Kraft (1883), Callicebus gigot em Elliot (1913), Callicebus gigot gigot em Hill (1960),<br />

Callicebus personatus em Napier (1976) e Callicebus personatus melanochir em Kinzey (1982).<br />

Van Roosmalen et al. (2002) fizeram uma revisão ao <strong>de</strong>screverem duas novas espécies<br />

para a Amazônia, Callicebus bernhardi e C. stephennashi. Eles consi<strong>de</strong>raram todas as formas <strong>de</strong><br />

Callicebus espécies, incluindo barbarabrownae.<br />

As mais recentes revisões do gênero Callicebus foram feitas por Groves (2001, 2005).<br />

Groves (2001) reconheceu 13 espécies, e manteve subespécies somente para C. torquatus e C.<br />

personatus (Tabela 2). Na revisão <strong>de</strong> 2001, embora este autor tenha aceitado C. coimbrai<br />

Kobayashi e Langguth, 1999 como espécie, manteve as outras formas da Mata Atlântica<br />

(melanochir e nigrifrons) como subespécies <strong>de</strong> C. personatus. Entretanto, na lista taxonômica<br />

publicada na terceira edição do livro Mammal Species of the World, Groves (2005) colocou todas<br />

as formas da Mata Atlântica como espécies distintas (Tabela 2).<br />

20


Em relação à Callicebus gigot (Spix, 1823), Groves (2001), provavelmente seguindo a<br />

tendência <strong>de</strong> Cabrera (1958) e Hershkovitz (1963), citou apenas que Callithrix gigot Spix, 1823<br />

seria sinônimo júnior <strong>de</strong> Callicebus personatus melanochir (Wied-Neuwied, 1820).<br />

Uma nova espécie <strong>de</strong> guigó, C. aureipalatii Wallace et al. 2006 aumentou para vinte e<br />

nove o número <strong>de</strong> espécies <strong>de</strong> Callicebus. Este primata habita a região <strong>de</strong> Madidi, ao norte da<br />

Bolívia (Wallace et al., 2006) e foi a mais recente espécie <strong>de</strong>scrita no gênero.<br />

3.3 Histórico taxonômico <strong>de</strong> Callicebus gigot (Spix, 1823)<br />

Descrevo, a seguir, o histórico do uso do nome Callithrix gigot Spix (1823) e procuro<br />

reconstituir o raciocínio que levou Hershkovitz (1990a) a <strong>de</strong>squalificar este nome:<br />

1823 – Spix <strong>de</strong>screveu Callithrix gigot (p.22, prancha 16, do livro “Simiarum et<br />

Vespertilionum Brasiliensium Species Novae”) (ver tradução da <strong>de</strong>scrição no Anexo 1 e a Figura<br />

2).<br />

1833 – Wagner reconheceu Callithrix gigot com referência à prancha colorida original<br />

(p.994).<br />

1848 – Wagner <strong>de</strong>cidiu que Callithrix gigot Spix, 1823 seria uma varieda<strong>de</strong> boreal <strong>de</strong><br />

Callithrix nigrifrons Spix, 1823 ou <strong>de</strong> Callithrix melanochir Wied-Neuwied, 1820 (p. 450).<br />

1862 – Reichenbach reconheceu Callithrix gigot Spix, 1823 (Prancha 5, Fgura 68) como<br />

um animal “ex Spix”.<br />

1866 – Gray reconheceu Callithrix gigo como espécie válida com base em Spix 1823,<br />

mas escreveu, lapsus calami, “gigo” e não “gigot” (p.57).<br />

21


1870 – Gray manteve Callithrix gigo em nova revisão do gênero (p.57).<br />

1883 – Kraft reconheceu Callithrix gigot (p.432), sem holótipo, com referência ao<br />

trabalho <strong>de</strong> Spix, 1823 (p.22, Prancha 16).<br />

1903 – O. Thomas criou o gênero Callicebus, usando como espécie tipo Callicebus<br />

personatus (E. Geoffroy, 1812).<br />

1903 – 25 <strong>de</strong> junho, Lamarão, Bahia: o coletor francês Alphonse Robert obteve oito<br />

indivíduos <strong>de</strong> Callithrix gigot Spix, 1823, durante a Percy Sla<strong>de</strong>n Expedition to Central Brazil<br />

(1901 a 1904). Esta expedição buscava insetos, répteis, aves e mamíferos em oito estados<br />

brasileiros. Os mamíferos foram enviados ao British Museum, tendo sido recebidos por O.<br />

Thomas (Silva et al., 2004).<br />

1913 – Elliot reconheceu Callicebus gigot (Spix, 1823) - caracteres ex figura colorida<br />

original [<strong>de</strong> Spix, 1823] (p.254).<br />

1958 – Cabrera consi<strong>de</strong>rou Callithrix gigot Spix, 1823 (p.22, Prancha 16) e Callithrix<br />

gigo em Gray, 1870, como sinônimos <strong>de</strong> Callicebus melanochir (Kuhl, 1820) (p.139).<br />

1960 – Hill (1960) reconheceu C. personatus (E. Geoffroy, 1812) com três subespécies e<br />

C. gigot (Spix, 1823), com quatro, <strong>de</strong>ntre elas C. gigot gigot. Segundo o autor, a série <strong>de</strong> peles<br />

coletadas por A. Robert em 1903 e Lamarão, Bahia, e <strong>de</strong>positadas no Museu Britânico<br />

pertenceria a esta subespécie (pp.140, 143, 146).<br />

1963 – Embora não tenha feito estudo taxonômico e geográfico dos guigós da Mata<br />

Atlântica neste trabalho (<strong>de</strong>dicado aos membros do gênero Callicebus nas bacias do Amazonas e<br />

do Orinoco), Hershkovitz reconheceu C. personatus (É. Geoffroy, 1812) e mencionou C. gigot<br />

(Spix, 1823).<br />

22


1976 – Napier colocou C. gigot (Spix, 1823) como sinônimo júnior <strong>de</strong> C. personatus (É.<br />

Geoffroy, 1812); locais <strong>de</strong> coleta: Lamarão e Formosa (ambos na Bahia, coor<strong>de</strong>nadas<br />

geográficas não fornecidas) (pp.53–54).<br />

1982 – Kinzey não reconheceu C. gigot (Spix, 1823), colocando esta forma junto com<br />

Callicebus personatus melanochir (Wied-Neuwied, 1820). Mesmo assim o pesquisador <strong>de</strong>screve<br />

com <strong>de</strong>talhes a forma típica <strong>de</strong> C. barbarabrownae e afirma que ela já havia sido classificada<br />

como C. gigot:<br />

“C. p. melanochir is the only subespecies found in Bahia and occurs as<br />

far south as the Rio Itaúnas at the northern bor<strong>de</strong>r of Espírito Santo. This<br />

is a dark-brown to steel-grey subspecies (the greyish form previously<br />

having been referred to as Callicebus gigot) with dark reddish-brown<br />

tail, a narrow black band between the forehead and the crown, and a<br />

gradual transition between the black hands and feet and the gray-tobrown<br />

forearms and legs”. (Kinzey, 1982, p.462)<br />

Os locais <strong>de</strong> coleta indicados são: Lamarão, Rio Itapicuru; Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo, Rio<br />

Paraguaçu e Formosa (p.462–463, com mapa). É interessante que o mapa <strong>de</strong> distribuição das<br />

subespécies <strong>de</strong> C. personatus feito por Kinzey apresenta estas três localida<strong>de</strong>s, situadas na região<br />

on<strong>de</strong> registrei C. barbarabrownae, e outras três no sul da Bahia, on<strong>de</strong> habita C. melanochir,<br />

como sendo <strong>de</strong>ntro da distribuição <strong>de</strong> C. p. melanochir.<br />

1988 – Hershkovitz (1988a) passou a reconhecer 13 espécies e 16 subespécies, sem,<br />

entretanto, mencionar Callicebus gigot (Spix, 1823) (p.1).<br />

1990 – Hershkovitz (1990a, p.77) <strong>de</strong>screveu Callicebus personatus barbarabrownae<br />

aumentando sua lista para 25 táxons. O autor consi<strong>de</strong>rou Callithrix gigot Spix, 1823 como<br />

sinônimo sênior da nova subespécie (com referência a ilustração <strong>de</strong> Spix, Prancha 16), mas<br />

também como sinônimo júnior <strong>de</strong> C. personatus melanochir (Wied-Neuwied, 1820) (com<br />

referência a <strong>de</strong>scrição escrita <strong>de</strong> Spix).<br />

23


2001 – Groves consi<strong>de</strong>rou Callithrix gigot Spix, 1823 como sinônimo júnior <strong>de</strong><br />

Callicebus personatus melanochir (Wied-Neuwied, 1820) e manteve Callicebus personatus<br />

barbarabrownae Hershkovitz, 1990 como subespécie, embora tenha consi<strong>de</strong>rado Callicebus<br />

coimbrai Kobayashi e Langguth, 1999 como espécie.<br />

2002 – Van Roosmalen et al. reconheceram Callicebus barbarabrownae Hershkovitz,<br />

1990 como espécie, sem referência a Callicebus gigot (Spix, 1823) (p.40).<br />

2005 – Groves reconheceu como espécies todas as formas do Grupo Personatus.<br />

3.4 Descrição <strong>de</strong> Callicebus personatus barbarabrownae Hershkovitz, 1990<br />

Callicebus personatus barbarabrownae foi uma subespécie <strong>de</strong>scrita por<br />

Hershkovitz (1990a) a partir <strong>de</strong> espécimes <strong>de</strong> guigós que antes haviam sido atribuídos a<br />

Callithrix gigot Spix, 1823. A partir da revisão <strong>de</strong> Van Roosmalen et al. (2002), esta forma<br />

passou a ser consi<strong>de</strong>rada uma espécie. Os novos conhecimentos adquiridos através dos<br />

estudos <strong>de</strong> Kobayashi e Langguth (1999) na <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Callicebus coimbrai, cuja<br />

distribuição geográfica se encontra <strong>de</strong>ntro daquela suposta por Hershkovitz para C.<br />

barbarabrownae, e as novas informações adquiridas ao longo do presente estudo,<br />

<strong>de</strong>mandaram uma reavaliação da posição taxonômica adotada por Hershkovitz a esse<br />

respeito.<br />

O holótipo <strong>de</strong> Callicebus personatus barbarabrownae é uma fêmea adulta (pele e<br />

crânio) <strong>de</strong>positada no British Museum (Natural History), número 1903.9.5.7, coletado no<br />

dia 25 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1903 por Alphonse Robert em Lamarão, Bahia, Brasil, altitu<strong>de</strong><br />

aproximadamente 300 m (Napier, 1976; Herhskvoitz, 1990a). Além da localida<strong>de</strong> tipo,<br />

Hershkovitz (1990a) listou Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo, Rio Paraguaçu (um espécime do Field<br />

24


Musuem of Natural History, Chicago) e Formosa (um espécime do British Museum). Ele<br />

<strong>de</strong>screveu a distribuição como terras altas no litoral centro-norte da Bahia, Brasil, entre o<br />

rio Paraguaçu ao sul e o rio Itapicuru ao norte. Hershkovitz (1990a) afirma ainda que o<br />

gênero não havia sido registrado ao norte do Itapicuru, oeste do rio São Francisco ou entre<br />

os rios Paraguaçu e <strong>de</strong> Contas; os guigós ao sul do rio <strong>de</strong> Contas seriam Callicebus<br />

personatus melanochir (Wied-Neuwied, 1820). A <strong>de</strong>scrição da pelagem fornecida por<br />

Hershkovitz é a seguinte:<br />

“(...) tail dominantly orange, upper surface of base paler, or yellowish,<br />

hair bases eumelanin, remain<strong>de</strong>r of tail entirely pheomelanin; scattering<br />

of fine short pheomelanic facial hairs not concealing blackish skin; ear<br />

tufts and skin blackish”. Hershkovitz (1990 a, p.77)<br />

Marinho-Filho e Veríssimo obtiveram uma pele <strong>de</strong> guigó em 1990 durante um<br />

inventário <strong>de</strong> fauna em Mirorós, Bahia (11°24'S, 42°17'W), por ocasião da construção da<br />

barragem que abastece o município <strong>de</strong> Ibipeba (ex Guigós) (11°26'S, 42°18'W). O animal<br />

coletado seria mais tar<strong>de</strong> classificado como C. personatus barbarabrownae (Marinho-Filho<br />

& Veríssimo, 1997). Esta coleta foi consi<strong>de</strong>rada uma re<strong>de</strong>scoberta da subespécie,<br />

colocando fim a um intervalo <strong>de</strong> 68 anos sem registros, uma vez que a coleta anterior havia<br />

sido realizada em 1929 em Formosa, Bahia (Hershkovitz, 1988a; Marinho-Filho &<br />

Veríssimo, 1997). O espécime coletado em 1929 foi <strong>de</strong>positado no Field Museum of<br />

Natural History (Chicago, USA). Desaparecido por quase 70 anos, o guigó-da-caatinga<br />

chegou a ser consi<strong>de</strong>rado extinto (Coimbra-Filho, 1991/1992). A pele coletada por<br />

Marinho-Filho e Veríssimo em setembro <strong>de</strong> 1990 é a única existente no Brasil e hoje se<br />

encontra no Departamento <strong>de</strong> Zoologia da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Brasília (Figura 3).<br />

25


a) patas negras b) coloração da pele<br />

c) <strong>de</strong>talhe da cauda laranja d) etiqueta com dados <strong>de</strong> coleta<br />

Figura 3: Pele <strong>de</strong> C. p. barbarabrownae Hershkovitz, 1990 coletada pelo Prof.<br />

Ja<strong>de</strong>r S. Marinho-Filho em 1990 na Fazenda Conceição (Mirorós, Bahia)<br />

Hershkovitz fez comparações entre C. p. barbarabrownae Hershkovitz, 1990 e<br />

outras três formas <strong>de</strong> Callicebus:<br />

“Distinguished from geographic nearest Callicebus personatus<br />

melanochir by dominantly buffy (pheomelanic) crown, si<strong>de</strong> of<br />

head, throat, trunk, and limbs with the subterminal<br />

pheomelanic bands of hairs paler; from nigrifrons and<br />

personatus by forehead not blackish”. (Hershkovitz, 1990a,<br />

p.77)<br />

26


Segundo Hershkovitz (1990a) uma fêmea <strong>de</strong> C. p. barbarabrownae <strong>de</strong> procedência<br />

<strong>de</strong>sconhecida sobreviveu durante seis meses no Zoológico <strong>de</strong> Londres. Suas características<br />

gerais estavam <strong>de</strong> acordo com o holótipo, porém seu dorso e partes inferiores eram pálidos,<br />

assim como a pele da face e das orelhas, e possuía pêlos inteiramente feomelânicos<br />

(avermelhados).<br />

A Tabela 3 compara características <strong>de</strong> pelagem <strong>de</strong> três formas <strong>de</strong> Calliiebus com<br />

distribuição geográfica muito próxima.<br />

27


Tabela 3: Características <strong>de</strong> pelagem <strong>de</strong> C. barbarabrwonae, C. melanochir e C.<br />

coimbrai<br />

cauda<br />

C.<br />

barbarabrownae 1<br />

laranja, superfície<br />

superior da base<br />

pálida ou<br />

amarelada; pêlos<br />

da base negros<br />

foto ou<br />

<strong>de</strong>senho<br />

figuras<br />

9 e 10 a<br />

<strong>de</strong>ste<br />

trabalho<br />

C.<br />

melanochir 2<br />

marromacizentada,<br />

mais marrom<br />

do que cinza<br />

na parte basal<br />

foto ou C.<br />

<strong>de</strong>senho coimbrai 3<br />

Van laranja com<br />

Roosmalen marrom<br />

et al., p.38,<br />

(como a <strong>de</strong><br />

nigrifrons)<br />

foto ou<br />

<strong>de</strong>senho<br />

figura<br />

15 <strong>de</strong>ste<br />

trabalho<br />

Printes, laranja, base<br />

2007 4 pálida<br />

figuras<br />

9 e 10 a<br />

<strong>de</strong>ste<br />

trabalho<br />

cinza,<br />

po<strong>de</strong>ndo se<br />

marrom na<br />

base<br />

(variegata)<br />

figura 9 negro<br />

figura 10 b avermelhada figura<br />

15<br />

Van<br />

Roosmalen<br />

et al., p.38<br />

Printes, negro figura 9 negro Van<br />

2007 4 Roosmalen<br />

et al., p.38<br />

tronco<br />

dia<strong>de</strong>ma amarelo-cor-<strong>de</strong>couro<br />

(feomelânico)<br />

amarelo-cor-<strong>de</strong>couro,<br />

com bandas<br />

subterminais <strong>de</strong><br />

feomelanina<br />

Printes, branco sujo (cor<br />

2007 4 <strong>de</strong> couro cru)<br />

testa não é negra como<br />

em nigrifrons e<br />

personatus<br />

Printes, faixa branca<br />

2007 4 menos <strong>de</strong>finida<br />

do que em<br />

coimbrai<br />

orelha com tufos <strong>de</strong><br />

pêlos negros<br />

Printes,<br />

2007 4 tufos <strong>de</strong> pêlos<br />

negros menores<br />

do que em<br />

coimbrai<br />

figura<br />

10<br />

figura 3<br />

b<br />

figuras<br />

9 e 10 a<br />

figuras<br />

9 e 10 a<br />

figuras 9<br />

e 10 a<br />

figuras 9<br />

e 10 a<br />

cinza,<br />

ventre<br />

ferrugíneo<br />

cinza<br />

cinza<br />

cinza<br />

Van<br />

Roosmalen<br />

et al., p.52<br />

Van<br />

Roosmalen<br />

et al., p.52<br />

Van<br />

Roosmalen<br />

et al., p.52<br />

Van<br />

Roosmalen<br />

et al., p.52<br />

- Van<br />

Roosmalen<br />

et al., p.52<br />

negra, mais<br />

escura do que<br />

o tronco<br />

Van<br />

Roosmalen<br />

et al., p.52<br />

negro,<br />

formato bem<br />

<strong>de</strong>finido<br />

negro,<br />

formato bem<br />

<strong>de</strong>finido<br />

amarelo-cor<strong>de</strong>-couro,<br />

com pêlos<br />

mais longos<br />

e negros<br />

grisalho,<br />

com pêlos<br />

negros na<br />

extremida<strong>de</strong><br />

negra<br />

negra com<br />

dia<strong>de</strong>ma<br />

branco bem<br />

<strong>de</strong>finido<br />

negra<br />

tufos <strong>de</strong><br />

pêlos negros<br />

longos<br />

figura<br />

17<br />

figuras<br />

15 e 17<br />

figuras<br />

15 e 17<br />

figuras<br />

15 e 17<br />

figura<br />

17<br />

figura<br />

15<br />

figura<br />

17<br />

figura<br />

15<br />

28


C.<br />

barbarabrownae 1<br />

foto ou<br />

<strong>de</strong>senho<br />

C.<br />

melanochir 2<br />

foto ou<br />

<strong>de</strong>senho<br />

C.<br />

coimbrai 3<br />

foto ou<br />

<strong>de</strong>senho<br />

membros amarelo-cor-<strong>de</strong>couro,<br />

figuras mãos<br />

- extremida<strong>de</strong>s figura<br />

com 9 e 10 a marrom-<br />

negras 15<br />

extremida<strong>de</strong>s<br />

negras<br />

avermelhadas;<br />

pés negros<br />

Printes,<br />

figura 3 negros<br />

Van negros figura<br />

2007 4 com<br />

a<br />

Roosmalen<br />

15<br />

extremida<strong>de</strong>s<br />

negras<br />

et al., p.52<br />

Referências: 1 - Hershkovitz (1990 a); 2 - Hill, 1960; 3 - Kobayashi & Langguth, (1999); 4<br />

- Printes (este estudo)<br />

29


3.5 Consi<strong>de</strong>rações sobre Callicebus gigot (Spix, 1823)<br />

Elliot (1913) apontou pela primeira vez a discrepância entre a figura <strong>de</strong> Spix (Spix,<br />

1823, p.22, Prancha 16) e a <strong>de</strong>scrição escrita do holótipo, que ele mesmo (Elliot, 1913)<br />

havia examinado no Zoologische Staatsammlung, Munique. O autor julgou que a <strong>de</strong>scrição<br />

era razoavelmente correta (“fairly correct”: p. 255) e assim <strong>de</strong>screveu o tipo (ver fotografia<br />

em Hershkovitz [1990a; Fig. 43, p.76]):<br />

“Color: Male. Face naked, black; narrow line on forehead<br />

and si<strong>de</strong> of face; ears, hands and feet black; hairs on top of<br />

head short, black, with grayish white tips; hairs on upper<br />

parts long, woolly, blackish brown at base, remain<strong>de</strong>r reddish<br />

brown; limbs and flanks like back but darker, and blackish on<br />

outer si<strong>de</strong>, un<strong>de</strong>r parts yellowish gray; tail cinnamon rufous,<br />

with many black hairs intermingled. Ex: type Munich<br />

Museum. Female. Has the lower back <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>dly reddish,<br />

otherwsie like the male”. (Elliot, 1913, p.255)<br />

Elliot (1913) manteve a valida<strong>de</strong> da espécie Callicebus gigot (Spix, 1823), com a<br />

localida<strong>de</strong> tipo sendo Ilhéus, Bahia, baseado nessa <strong>de</strong>scrição escrita. Porém ele também<br />

reconheceu C. melanochir, embora Cabrera (1958) e Hershkovitz (1990a) tenham colocado<br />

C. gigot como sinônimo júnior <strong>de</strong> C. melanochir, baseado nesse mesmo holótipo. Hill<br />

(1960) não mencionou as observações <strong>de</strong> Elliot (1913) a respeito da diferença entre a<br />

<strong>de</strong>scrição do holótipo e a ilustração <strong>de</strong> Spix (1823), posteriormente confirmadas por<br />

Hershkovitz (1990a, 1990b). A <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Callicebus gigot fornecida por Hill (1960),<br />

porém é a <strong>de</strong> Elliot (1913). Hill (1960) usou os mesmos termos e <strong>de</strong>scrições. Os dois<br />

autores, por exemplo, <strong>de</strong>screveram a cauda como cinnamon-rufous. Hill (1960) listou<br />

também quatro espécimes no Museu Britânico, todos proce<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> “Bahia, Lamarão, 300<br />

m”. O número BM 1903.9.5.1 (crânio e pele) ele listou como fêmea, enquanto Napier<br />

30


(1976) listou como macho juvenil. Hill (1960) não informou o sexo do número BM<br />

1903.9.5.5 (crânio e pele), embora Napier (1976) tenha informado que era outro macho<br />

juvenil. Os números BM 1903.9.5.6 e BM 1903.9.5.7 (crânios e peles), eram fêmeas<br />

adultas (Hill, 1960; Napier, 1976).<br />

Hershkovitz (1990b) afirmou que na <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Callithrix gigot, Spix (1823)<br />

utilizou uma gravura que não correspon<strong>de</strong> ao texto. Como Elliot (1913), ele concluiu que a<br />

<strong>de</strong>scrição escrita do tipo não era realmente <strong>de</strong> um espécime <strong>de</strong> C. melanochir (Hershkovitz,<br />

1990a, 1990b). O autor argumentou que a gravura <strong>de</strong> Spix (1823) era <strong>de</strong> um animal distinto<br />

do nor<strong>de</strong>ste do Brasil e o <strong>de</strong>screveu formalmente como Callicebus personatus<br />

barbarabrownae (Hershkovitz, 1990a). Ao <strong>de</strong>screver esta subespécie, Hershkovitz<br />

novamente narrou o episódio da <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Callithrix gigot Spix, 1823:<br />

“The color plate of Callithrix gigot Spix 1823 (1823, pl.16)<br />

(fig.43) indicates an animal distinct from the one named<br />

melanochir three years earlier by Wied-Neuwied (1820, p.114)<br />

regar<strong>de</strong>d the two forms as i<strong>de</strong>ntical but likely had mind the<br />

<strong>de</strong>scription in text. Few authors followed this <strong>de</strong>cision, although<br />

Cabrera (1958, p. 139) inclu<strong>de</strong>s gigot in the synonymy of<br />

melanochir.<br />

Judged by the original color plates only, Callithrix melonochir<br />

and C. gigot are in<strong>de</strong>ed distinct, as noted earlier by Wagner<br />

(1833, 1848). Callicebus personatus melanochir is figured as a<br />

basically grayish, crown in front blackish, tail variegated. The<br />

figured Callithrix gigot is the entirely buffy-bodied with<br />

browline blackish, crown buffy, tail buffy like trunk. Spix (1823,<br />

p. 22) original <strong>de</strong>scription of the holotype of gigot (fig. 43),<br />

however, is of a very different animal. Elliot (1913, p. 255) had<br />

already noted that ‘Spix’s figure [of gigot] …in no way<br />

represents the type, which is a darker animal and of quite a<br />

different color. Spix’s <strong>de</strong>scription, however, is fairly accurate’.<br />

The type specimen of gigot I examined in the Munich Museum,<br />

and that of a topotype in the Rio Museum (MNR 11201) from<br />

Ilhéus, conform fairly well to that of Wied-Neuwied’s<br />

melanochir. On the other hand, the trunk of a specimen (FMNH<br />

20444) from Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo, rio Paraguaçu, NW of Ilhéus, is<br />

dominantly buffy as figured for gigot, its tail <strong>de</strong>ep reddish as<br />

<strong>de</strong>scribe for gigot. The series of BM specimens from Formosa<br />

31


(2) and Lamarão (6) in the same region NW of Ilhéus, exhibit the<br />

same figured characters of gigot.<br />

If Ilhéus is in<strong>de</strong>ed the type locality of gigot, and nothing in<br />

Spix’s text indicates otherwise, then gigot as originally <strong>de</strong>scribed<br />

and represented by the mounted type specimen in the Munich<br />

Museum is indistinguishable form Wied-Neuwied’s C. p.<br />

melanochir. On the other hand, the FMNH skin only from<br />

Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo, the BM material from Formosa and Lamarão,<br />

together with Spix’s figure of a titi mistakenly labeled gigot,<br />

represent the distinct population on the northernmost known<br />

geographic limits of the species, here named C. p.<br />

barbarabrownae”. Hershkovitz (1990 a, p. 78)<br />

Aqui Hershkovitz <strong>de</strong>ixa claro que: 1) O holótito <strong>de</strong> Callicebus gigot que ele<br />

examinou no Museu <strong>de</strong> Munique pertence <strong>de</strong> fato a Callicebus melanochir; 2) A <strong>de</strong>scrição<br />

do Callithrix gigot <strong>de</strong> spix (1823) correspon<strong>de</strong> ao material coletado pro Robert em<br />

Lamarão, Bahia (1903) e por Becker (1913) em Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo e <strong>de</strong>positado no Museu<br />

<strong>de</strong> Chicago.<br />

A tradução do texto original do livro Simiarum et Vespertilionum Brasiliensium<br />

Species Novae <strong>de</strong> Spix (1823), do latim para o português, revela que a <strong>de</strong>scrição do autor é<br />

<strong>de</strong> um animal <strong>de</strong> coloração branco-sujo, com cauda alaranjada, como C. barbarabrownae e<br />

não <strong>de</strong> um animal cinza com cauda <strong>de</strong> coloração semelhante a do corpo (concolor) como C.<br />

melanochir.<br />

Finalmente, Hershkovitz (1990 b, p. 11), observa que o verda<strong>de</strong>iro holótipo <strong>de</strong> Callicebus<br />

gigot (Spix, 1823), usado para fazer a prancha 16 do livro <strong>de</strong> Spix, está <strong>de</strong>saparecido:<br />

“In a classic monograph on the bats and monkeys he collected<br />

in Brazil between 1817 and 1820, the German zoologist Johann<br />

von Spix of the Munich Natural History Museum <strong>de</strong>scribed a<br />

blackish titi monkey, the size of a large house cat, and named it<br />

Callithrix gigot. The artist commissioned to make a portrait of<br />

the mounted individual mistakenly used for a mo<strong>de</strong>l an<br />

unknown blond titi, and carelessly captioned the painting<br />

Callithrix gigot. The dark titi, originally from the coast of<br />

southern Bahia, is still preserved in the Munich Museum. The<br />

mislabeled blond titi was not mentioned by Spix and the<br />

32


whereabouts of the mounted specimen is unknown”.<br />

(Hershkovitz, 1990b, p.11)<br />

4. Discussão<br />

4.1 O nome C. barbarabrownae é válido?<br />

Provavelmente não, <strong>de</strong>vido ao princípio da priorida<strong>de</strong> (ICZN, 1999; Groves, 2001).<br />

O animal <strong>de</strong>scrito por Spix em 1823 como sendo Callithrix gigot correspon<strong>de</strong> ao que hoje<br />

chamamos <strong>de</strong> Callicebus barbarabrownae.<br />

Elliot (1913) e Hershkovitz (1990 a,b) observaram que o texto <strong>de</strong> Spix não está <strong>de</strong><br />

acordo com a gravura. Hershkovitz (1990 a) admite que o texto <strong>de</strong> Spix <strong>de</strong>screve um<br />

animal correspon<strong>de</strong>nte ao que foi coletadao em Lamarão, Bahia e que ele (Hershkovitz)<br />

<strong>de</strong>screveu como sendo C. barbarabrownae.<br />

Entretanto, o holótipo <strong>de</strong> Callicebus gigot (Spix, 1823) provavelmente <strong>de</strong>sapareceu<br />

(Hershkovitz, 1990b). Para que o nome C. gigot (Spix, 1823) possa substituir C.<br />

barbarabrownae Hershkovitz, 1990 <strong>de</strong>verá ser <strong>de</strong>finido um neótipo, que po<strong>de</strong> ser escolhido<br />

<strong>de</strong>ntro da série coletada por A. Robert em Lamarão, Bahia (1903), já utilizado para<br />

<strong>de</strong>screver C. barbarabrownae.<br />

4.2 On<strong>de</strong> fica a localida<strong>de</strong> tipo da espécie?<br />

Os nomes <strong>de</strong> várias localida<strong>de</strong>s da Bahia mudaram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a época da <strong>de</strong>scrição do<br />

guigó-da-caatinga (Vanzolini & Papávero, 1968). Um mapa atual dos municípios da Bahia<br />

é apresentado a seguir para facilitar o entendimento do texto (Figura 4).<br />

33


Figura 4: Municípios ao longo da área <strong>de</strong> estudo (Fonte: SEI, 2003)<br />

34


Uma série <strong>de</strong> espécimes que Hershkovitz (1990a) usou para <strong>de</strong>screver C. p.<br />

barbarabrownae, está <strong>de</strong>positada no Field Museum of Natural History (Chicago),<br />

etiquetada como proveniente <strong>de</strong> “Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo, Rio Paraguaçu, NW <strong>de</strong> Ilhéus”.<br />

Localizar Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo foi um dos objetivos das expedições realizadas entre janeiro e<br />

maio <strong>de</strong> 2005. Entretanto, Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo não consta nos mapas atuais do Estado da<br />

Bahia e nem no site <strong>de</strong> municípios do Brasil (IBGE, 2005). Em carta enviada a Anthony<br />

Rylands em 27/01/1988, Hershkovitz afirma que o local conhecido como Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />

Melo, on<strong>de</strong> R. H. Becker coletou algumas peles em 1913, teria como coor<strong>de</strong>nadas: 13°03'S,<br />

40°50'W (Hershkovitz, 1988b). Marinho-Filho e Veríssimo (1997) dão para aquela<br />

localida<strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nadas semelhantes: 13°03'S, 41°49'W. Quando plotadas no programa<br />

MapSource-Garmin® as coor<strong>de</strong>nadas fornecidas por Hershkovitz (1988b) e por Marinho-<br />

Filho e Veríssimo (1997), localiza-se um sítio a noroeste <strong>de</strong> Piatã, distante 10,7 km da se<strong>de</strong><br />

do município, próximo a BA 148 e a 24 km <strong>de</strong> Inúbia. Durante a expedição realizada em<br />

janeiro <strong>de</strong> 2005 visitei aquela região. Não encontrei, entretanto, qualquer povoado nas<br />

coor<strong>de</strong>nadas citadas. Mais interessante ainda é que Piatã e Inúbia ficam a SW da Chapada<br />

Diamantina, on<strong>de</strong> não foi obtido nenhum registro <strong>de</strong> guigó, nem mesmo através <strong>de</strong> relatos<br />

<strong>de</strong> antigos moradores, confirmando que o relevo, ou a mudança fitogeográfica a ele<br />

associada, po<strong>de</strong>m ter barrado a distribuição <strong>de</strong> Callicebus naquela região, como <strong>de</strong>fendia<br />

Hershkovitz (1988a, 1990a). Para saber <strong>de</strong> on<strong>de</strong> veio a série <strong>de</strong> peles <strong>de</strong> guigó que está no<br />

Field Museum of Natural History, utilizei, então, o seguinte procedimento: num mapa<br />

antigo (Cunha, 1901) i<strong>de</strong>ntifiquei o trajeto da linha <strong>de</strong> trem <strong>de</strong> passageiros (hoje <strong>de</strong>sativada)<br />

que partia <strong>de</strong> Salvador no tempo em que Salvador se chamava Bahia (Cunha, op. cit.;<br />

Sampaio, 2002). Esta linha <strong>de</strong> trens era o único meio <strong>de</strong> acesso à Caatinga baiana no início<br />

35


do século XX e foi utilizada pelos naturalistas para fazer suas viagens <strong>de</strong> coleta. Depois <strong>de</strong><br />

passar por Lamarão, o trem seguia em direção ao Rio Paraguaçu, parando em três estações,<br />

todas na região <strong>de</strong> Marcionílio Souza (ex Tamburi). As coor<strong>de</strong>nadas das estações <strong>de</strong> trem<br />

são: Marcionílio Souza – 13°00'20,9"S, 40°32'23,4"W; Queimadinhas – 13°02'54,2"S,<br />

40°44'54,1"W e Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo – 13°01'53,3”S, 40°25'38,0”W. A busca do guigó foi<br />

iniciada em Marcionílio Souza. Lá, com o apoio da prefeitura, encontrei um fragmento com<br />

uma pequena população, a cerca <strong>de</strong> 15 km da cida<strong>de</strong> (13°02' 07,9"S; 40°25'38,0"W;<br />

altitu<strong>de</strong> 598 m). Os animais foram i<strong>de</strong>ntificados como sendo Callicebus barbarabrownae<br />

Hershkovitz, 1990. Moradores disseram que Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo seria um povoado não muito<br />

longe dali, pertencente à Itaetê. Depois <strong>de</strong> chegar na localida<strong>de</strong>, encontrei a estação <strong>de</strong><br />

trens, às margens do rio Paraguaçu (13°01'53,3"S, 40°48'52,0"W; altitu<strong>de</strong> 286 m), hoje<br />

uma ruína utilizada como chiqueiro <strong>de</strong> porcos. Em Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo selecionei o<br />

informante A. M., 73 anos, nascido no local e lá resi<strong>de</strong>nte por toda a sua vida. A. M. foi<br />

tirador <strong>de</strong> mel e caçador, tendo inclusive comido guigós. Ele afirmou que os primatas não<br />

são ouvidos há muitos anos naquelas matas. Num fragmento <strong>de</strong> caatinga arbórea localizado<br />

no Morro do Ban<strong>de</strong>ira, às margens do Paraguaçu e bem perto da antiga estação <strong>de</strong> trens,<br />

realizei algumas seções <strong>de</strong> play-back sem sucesso (13°03'17,6"S, 40°47'38,1"W; altitu<strong>de</strong><br />

314 m). Consi<strong>de</strong>rei o guigó extinto em Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo. A pequena população <strong>de</strong> guigós<br />

<strong>de</strong> Marcionílio Souza, localizada a 16,2 km a su<strong>de</strong>ste, passou a ser estratégica para a<br />

conservação da espécie.<br />

Não obtive o mesmo sucesso na localização <strong>de</strong> Formosa, outro sítio on<strong>de</strong> foram<br />

coletados espécimes <strong>de</strong> Callicebus postriormente utilizados por Hershkovitz para <strong>de</strong>screver<br />

C. personatus barbarabrownae (Hershkovitz, 1990, a), material hoje <strong>de</strong>positado no Museu<br />

36


Britânico. I<strong>de</strong>ntifiquei três localida<strong>de</strong>s com o nome <strong>de</strong> Formosa na Bahia: uma a oeste do<br />

Raso da Catarina, a 48,2 km <strong>de</strong> Macururé (14°59'28,4"S, 41°03'11,7"W; altitu<strong>de</strong> 300 m);<br />

outra a 28,2 km <strong>de</strong> Vitória da Conquista, conhecida como Lagoa Formosa (09°36'01,6"S,<br />

39°05'26,3"W; altitu<strong>de</strong> 358 m) e a terceira ao norte da Chapada Diamantina, a 30,3 km <strong>de</strong><br />

Miguel Calmon (11°16'18,3"S, 41°04'30,9"W; altitu<strong>de</strong> 746 m). Em junho <strong>de</strong> 2004 realizei<br />

uma expedição à região <strong>de</strong> Macururé e não obtive qualquer relato <strong>de</strong> guigós. A vegetação é<br />

do tipo caatinga arbustiva <strong>de</strong>nsa (o “carrasco”), que não suporta populações daquela<br />

espécie. Em janeiro <strong>de</strong> 2005 visitei a região <strong>de</strong> Vitória da Conquista. Lá a pecuária e a<br />

urbanização causaram gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sfiguração paisagística, justamente na região <strong>de</strong> transição<br />

entre a Mata Atlântica e a Caatinga. Hoje é impossível saber se naquela área ocorreu C.<br />

melanochir (Wied-Neuwied, 1820) ou C. barbarabrownae Hershkovitz, 1990. É bem<br />

possível que C. barbarabrownae algum dia tenha ocupado o Planalto <strong>de</strong> Conquista, mas<br />

seu limite sul atual é a Serra <strong>de</strong> Contendas do Sincorá (13°54'21,4"S, 41°09'55,1"W;<br />

altitu<strong>de</strong> 603 m). Segundo Hershkovitz (1990a), Formosa seria uma localida<strong>de</strong> a 700 m <strong>de</strong><br />

altitu<strong>de</strong>, anotada no seu gazetteer sob n° 211 (coor<strong>de</strong>nadas geográficas não fornecidas), a<br />

noroeste <strong>de</strong> Lamarão, localida<strong>de</strong> tipo, e ao norte do rio Jacuípe, aparentemente na região da<br />

Chapada Diamantina. Por isso em abril <strong>de</strong> 2005 realizei uma expedição a um distrito <strong>de</strong><br />

Morro do Chapéu conhecido como Formosa, com altitu<strong>de</strong> próxima àquela fornecida por<br />

Hershkovitz (1990a), mas lá não obtive qualquer relato <strong>de</strong> guigós e novamente encontrei<br />

vegetação do tipo caatinga arbustiva <strong>de</strong>nsa.<br />

Para localizar a localida<strong>de</strong> tipo <strong>de</strong> C. barbarabrownae era necessário encontrar um<br />

local chamado Lamarão, on<strong>de</strong>, em 1903, foi coletada a série <strong>de</strong> peles utilizada por<br />

Hershkovitz, em 1990, para <strong>de</strong>screver a espécie. Hill (1960) cita como localida<strong>de</strong> tipo <strong>de</strong> C.<br />

37


gigot gigot algum lugar “próximo a Ilhéus, sul da Bahia, Brasil”, provavelmente com base<br />

em Spix (1823), mas também registra que há uma pele no Museu Britânico, coletada por A.<br />

Robert em Lamarão, Bahia, 300 m <strong>de</strong> altitu<strong>de</strong> (coor<strong>de</strong>nadas geográficas não fornecidas).<br />

Isto <strong>de</strong>ixa claro que Hill (1960) e Hershkovitz (1990 a) se referiam ao mesmo local e aos<br />

mesmos espéciemens, embora utilzassem nomenclatura diferente. Por isso, encontrar<br />

Lamarão, saber se lá ainda há guigós e vê-los, se tornaram questões cruciais para este<br />

trabalho.<br />

É possível localizar nos mapas da Bahia uma localida<strong>de</strong> com o nome “Lamarão”,<br />

uma chamada “Lamarão do Passé” e ainda uma outra conhecida como “Lameirão” (IBGE,<br />

2005). Esta última foi <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rada por estar na margem esquerda do rio São Francisco,<br />

fora da área <strong>de</strong> distribuição dos guigós. Havia também a informação, registrada pelo coletor<br />

A. Robert, <strong>de</strong> que a localida<strong>de</strong> tipo ficava próxima à linha do trem entre as vilas <strong>de</strong> Água<br />

Fria (sul) e Serrinha (norte), 11°45'S, 38°53'W, a 300 m <strong>de</strong> altitu<strong>de</strong>, aproximadamente 140<br />

km e a noroeste da Bahia (Vanzolini & Papávero 1968; IBGE 1972). Bahia, segundo<br />

Sampaio (2002), é como se chamava Salvador há cerca <strong>de</strong> 100 anos. A propósito, existe<br />

ainda no Museu Britânico o mapa utilizada por Oldfield Thomas (que recebeu os espécimes<br />

<strong>de</strong> Robert): Stieler’s Hand-Atlas, Gotha: Justus Perthes, 1905. Thomas fez inúmeras<br />

anotações no mapa em lápis. D. Brandon-Jones (ex-funcionário do Museu Britânico)<br />

informou que no mapa está sublinhado Lamarão próximo a Salvador. Paynter and Traylor<br />

(1991) também informaram que, em 1903, para fins <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> espécimes zoológicos,<br />

Alphonse Robert visitou “Lamarão, Bahia, 291 m, on railroad 140 km NW of Salvador,<br />

eastern Bahia”.<br />

Durante expedição realizada entre maio e junho <strong>de</strong> 2004, em Lamarão do Passé,<br />

através do informante L.A.G., 51 anos, agricultor, localizei um fragmento <strong>de</strong> mata <strong>de</strong>ntro<br />

38


<strong>de</strong> uma fazenda ocupada pelo Movimento dos Sem Terra (MST). Após dois dias <strong>de</strong><br />

negociações com as li<strong>de</strong>ranças, as matas pu<strong>de</strong>ram ser percorridas em busca dos guigós. Ali<br />

registrei Callicebus coimbrai Kobayashi & Langguth, 1999, ampliando o limite sul <strong>de</strong><br />

distribuição <strong>de</strong>sta espécie, que era o rio Itapicuru, até o recôncavo baiano. As coor<strong>de</strong>nadas<br />

são: 12°29'51"S, 38°22'35"W; altitu<strong>de</strong> 53 m.<br />

Porém, persistia o problema <strong>de</strong> encontrar o local on<strong>de</strong> o francês Alphonse Robert<br />

havia coletado oito guigós em 1903 e enviado para O. Thomas do British Museum. Sendo<br />

assim, durante outra expedição, realizada entre setembro e outubro <strong>de</strong> 2004, visitei uma<br />

segunda localida<strong>de</strong> chamada Lamarão, <strong>de</strong>sta vez um município a 170 km <strong>de</strong> Salvador.<br />

Selecionei o informante Z. S., nascido em 1911 (oito anos após a coleta <strong>de</strong> A. Robert) e que<br />

passou toda a sua vida ao lado da linha do trem <strong>de</strong> Lamarão. Ele reconheceu a vocalização<br />

dos animais, porém afirmou que a espécie provavelmente estaria extinta naquela região.<br />

Como Lamarão é um município com 30 localida<strong>de</strong>s e o informante, <strong>de</strong>vido a sua avançada<br />

ida<strong>de</strong>, já não freqüentava as matas, continuei o processo seletivo. Através do informante J.<br />

S., 42 anos, caçador, localizei um fragmento <strong>de</strong> caatinga arbórea <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 240 ha na<br />

fazenda Marruais (11°49'55,3"S, 38°54'14,6"W; altitu<strong>de</strong> 270 m). Lá vimos quatro<br />

indivíduos do guigó que Spix (1823) classificou como Callithrix gigot, Hill (1960)<br />

classificou como Callicebus gigot gigot e Hershkovitz (1990a) como Callicebus personatus<br />

barbarabrownae. Estava finalmente encontrada a localida<strong>de</strong> tipo.<br />

39


Capítulo 2: Biogeografia do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae)<br />

Questões:<br />

• Quais os limites <strong>de</strong> distribuição da espécie?<br />

• Qual sua extensão <strong>de</strong> ocorrência?<br />

• Qual sua área <strong>de</strong> ocupação?<br />

1. Introdução: Prováveis origens do gênero Callicebus<br />

Definir a origem do gênero Callicebus no tempo e no espaço é tão complexo quanto<br />

estabelecer a origem <strong>de</strong> todos os primatas neotropicais. A gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> na<br />

ausência <strong>de</strong> seqüências fósseis completas, ficando as evidências muito aquém dos<br />

pressupostos.<br />

Entretanto, Defler (2003) fez uma boa revisão sobre os registros fósseis <strong>de</strong> primatas<br />

neotropicais, visando elaborar um guia <strong>de</strong> campo para os primatas da Colômbia. Segundo<br />

ele o número <strong>de</strong> fósseis é insuficiente para <strong>de</strong>finir suas posições filogenéticas. Além disso,<br />

todo o material disponível correspon<strong>de</strong> aos últimos 26 milhões <strong>de</strong> anos e provêm <strong>de</strong> seis<br />

lugares apenas: 1) sítio fóssil <strong>de</strong> Salla, na Bolívia (Oligoceno tardio/início do Mioceno); 2)<br />

afloramentos na Argentina (Mioceno, do início ao médio); 3) agrupamentos rochosos <strong>de</strong><br />

Honda, Colômbia (Mioceno médio); 4) rochas do rio Acre, Brasil (Mioceno tardio); 5)<br />

Depósitos em cavernas do Brasil e Caribe (Pleistosceno recente); 6) Depósitos vulcânicos<br />

no Chile. O fóssil neotropical mais antigo conhecido é uma mandíbula <strong>de</strong> Branisella<br />

boliviana, do Baixo Oligoceno (cerca <strong>de</strong> 25 m.a.), encontrado na Bolívia (Defler, 2003). No<br />

40


Chile, há mais ou menos 20 milhões <strong>de</strong> anos, viveu Chilecebus carrascoensis, do qual foi<br />

obtido o crânio completo em <strong>de</strong>pósitos vulcânicos; este é um dos mais importantes fósseis<br />

<strong>de</strong> primatas neotropicais já <strong>de</strong>scobertos, pois tem características que conectam os platirrinos<br />

aos primatas africanos (Defler 2003). Descoberto na Argentina, Dolicocebus gaimensis<br />

Kraglievich, 1951, do Mioceno (16 a 23 m.a.), é o primeiro primata algo semelhante a um<br />

Callicebus <strong>de</strong> que dispomos. A Tabela 4 resume as principais informações acerca do<br />

registro fóssil <strong>de</strong> primatas neotropicais e do gênero Callicebus.<br />

41


Tabela 4: Principais fósseis <strong>de</strong> primatas neotropicais (elaborada a partir <strong>de</strong> Defler,<br />

2003)<br />

Espécie Período Local <strong>de</strong> Coleta Características principais Autor<br />

Branisella<br />

boliviana<br />

Chilecebus<br />

carrascoensis<br />

Dolicocebus<br />

gaimensis<br />

Tremacebus<br />

harringtoni<br />

Soriacebus<br />

ameghinorum e<br />

S. adrianae<br />

Carlocebus<br />

carmensis e C.<br />

intermedius<br />

Homunculus<br />

patagonicus<br />

Neosaimiri<br />

fi<strong>de</strong>lsi (= Saimiri<br />

fi<strong>de</strong>lsi)<br />

Laventiana<br />

annectens<br />

Patasola<br />

magdalenae<br />

Lagonimico<br />

conculatus<br />

Baixo<br />

Oligoceno<br />

Início do<br />

Mioceno<br />

(16 m.a.)<br />

Mioceno<br />

(16 a 23 m.a.)<br />

Mioceno<br />

Superior<br />

Mioceno<br />

Tardio<br />

(17,5 a 16,5<br />

m.a.)<br />

Do início ao<br />

médio<br />

Mioceno<br />

Início<br />

Mioceno<br />

(16 m.a.)<br />

do<br />

Mioceno<br />

(11,8 a 13,5<br />

m.a.)<br />

Mioceno<br />

(11,8 a 13,5<br />

m.a.)<br />

Mioceno<br />

(11,8 a 13,5<br />

m.a.)<br />

Mioceno<br />

(13,5 a 12,9<br />

m.a.)<br />

Bolívia Dentes semelhantes a Saimiri,<br />

afinida<strong>de</strong> com calitriquí<strong>de</strong>os; peso<br />

≅ 1 kg; não habitava bosques<br />

úmidos<br />

An<strong>de</strong>s chilenos Fórmula <strong>de</strong>ntal 2/2,1/1,3/3,3/3;<br />

peso ≅ 1 – 1,2 Kg<br />

Argentina Peso ≅ 3 kg; <strong>de</strong>ntes semelhantes<br />

aos <strong>de</strong> fósseis do Egito;<br />

semelhanças com Saimiri,<br />

Callicebus, Cebus e Aotus<br />

Argentina Provável ancestral dos<br />

calitriquí<strong>de</strong>os, para Hershkovitz e<br />

<strong>de</strong> Aotus ou Callicebus, para<br />

Rosenberger; peso ≅ 1 – 2kg;<br />

órbitas oculares gran<strong>de</strong>s<br />

Argentina Fórmula <strong>de</strong>ntal 2/2,1/1,3/3,3/3;<br />

peso ≅ 2kg; molares similares aos<br />

<strong>de</strong> Saguinus<br />

Argentina Fórmula <strong>de</strong>ntal 2/2,1/1,3/3,3/3;<br />

gran<strong>de</strong>s semelhanças com<br />

Callicebus<br />

Argentina Fórmula <strong>de</strong>ntal 2/2,1/1,3/3,3/3;<br />

peso ≅ 3kg; provável ancestral <strong>de</strong><br />

Aotus ou Callicebus; membros<br />

semelhantes aos <strong>de</strong> Callicebus;<br />

La Venta,<br />

Colombia<br />

La Venta,<br />

Colombia<br />

La Venta e<br />

Villavieja,<br />

Colombia<br />

La Venta e La<br />

Victoria,<br />

Colombia<br />

saltador, diurno, foli-frugívoro<br />

Provável ancestral <strong>de</strong> Saimiri,<br />

porém mais robusto; quadrúpe<strong>de</strong>,<br />

arbóreo<br />

Intermediário entre Saimiri e os<br />

calitriquí<strong>de</strong>os<br />

Peso ≅ 400 – 600g; talvez a meio<br />

caminho entre os calitriquí<strong>de</strong>os e<br />

Callimico<br />

Ancestral direto dos calitriquí<strong>de</strong>os<br />

mo<strong>de</strong>rnos, Peso ≅ 1 – 2kg<br />

Hoffstetter,<br />

1968, 1969<br />

Flynn, Wyss,<br />

Charrier &<br />

Swisher, 1995<br />

Kraglievich,<br />

1951<br />

Rusconi,<br />

1933,1935<br />

Fleagle, 1990<br />

Fleagle, 1990<br />

Ameghino,<br />

1891<br />

Stirton, 1951<br />

Rosenberger,<br />

Hartweg &<br />

Wolff, 1991<br />

Kay, 1989<br />

Kay, 1994<br />

42


Espécie Período Local <strong>de</strong> Coleta Características principais Autor<br />

Micodon<br />

kiotensis<br />

Cebupithecia<br />

sarmientoi<br />

Stirtonia<br />

tatacoensis<br />

Mohamico<br />

hershkovitzi<br />

Nuciruptor<br />

rubricae<br />

Aotus din<strong>de</strong>nsis<br />

Protopithecus<br />

brasiliensis<br />

Xenothrix<br />

mcgregori<br />

Antillothrix<br />

bernensis<br />

Caipora<br />

bambuiorum<br />

Paralouatta<br />

varoni<br />

Mioceno<br />

(11,8 a 13,5<br />

m.a.)<br />

Mioceno<br />

Superior<br />

Mioceno<br />

(11,8 a 13,5<br />

m.a.)<br />

Mioceno<br />

(11,8 a 13,5<br />

m.a.)<br />

Mioceno<br />

(11,8 a 13,5<br />

m.a.)<br />

Mioceno<br />

(11,8 a 13,5<br />

m.a.)<br />

Mioceno<br />

Tardio<br />

(6 a 9 m.a.)<br />

Pleistoceno<br />

Recente<br />

Depósitos<br />

recentes<br />

(3800 anos)<br />

La Venta,<br />

Colombia<br />

La Venta,<br />

Colombia<br />

La Venta,<br />

Colombia<br />

La Venta,<br />

Colombia<br />

La Venta,<br />

Colombia<br />

La Venta,<br />

Colombia<br />

Lagoa Santa,<br />

Brasil<br />

Jamaica<br />

República<br />

Dominicana<br />

Possível ancestral dos<br />

calitriquí<strong>de</strong>os ou dos pithecinos.<br />

Peso ≅ 2 – 3 kg; provável<br />

ancestral <strong>de</strong> Pithecia<br />

Maior fóssil <strong>de</strong> cebí<strong>de</strong>o<br />

conhecido; peso ≅ 6kg; provável<br />

ancestral <strong>de</strong> Alouatta<br />

Peso ≅ 1kg; possível ancestral <strong>de</strong><br />

Callimico<br />

Peso ≅ 2kg; ancestral dos<br />

pithecineos; provável predador <strong>de</strong><br />

sementes.<br />

Ancestral <strong>de</strong> Aotus;<br />

provavelmente noturno<br />

Peso ≅ 21kg (40% > Brachyteles);<br />

parcialmente terrestre<br />

Análises cladísticas <strong>de</strong>monstram<br />

afinida<strong>de</strong>s com Callicebus;<br />

espécie gigante <strong>de</strong> ilha<br />

provavelmente extinta pela caça<br />

Mandíbula ≅ 2 o dobro <strong>de</strong><br />

Saimiri; espécie gigante,<br />

provavelmente extinta pela caça<br />

Pleistoceno Bahia, Brasil Peso ≅ 20kg; semelhante a Ateles;<br />

parcialmente terrestre<br />

Pleistoceno Cuba Crânio semelhante ao <strong>de</strong><br />

Alouatta, porém mais relacionado<br />

a Antillothrix bernensis<br />

Sertoguchi &<br />

Rosenberger,<br />

1985<br />

Stirton, 1951<br />

Stirton, 1951<br />

Defler, 2003<br />

Meldrum<br />

Kay, 1997<br />

&<br />

Sertoguchi &<br />

Rosenberger,<br />

1987<br />

Lund, 1837<br />

Defler, 2003<br />

Rimoli, 1977<br />

Hartwig &<br />

Cartelle, 1996<br />

Rivero &<br />

Arredondo,<br />

1991<br />

43


Hershkovitz (1963, 1977, 1988a, 1990a) acreditava que a origem do gênero<br />

Callicebus fosse na região do alto Amazonas, tendo os primatas posteriormente dispersado<br />

para as terras mais baixas através das florestas <strong>de</strong> galeria dos cursos dos rios. Esta dispersão<br />

teria ocorrido principalmente durante as mudanças climáticas do período quaternário.<br />

Fragmentações e interrupções das rotas <strong>de</strong> dispersão provocadas pela gênese dos rios teriam<br />

isolado populações, resultando padrões <strong>de</strong> simpatria e especiação gradativa. Estas idéias<br />

formam a Teoria da Dispersão Centrípeta.<br />

Entretanto, Kinzey (1982, 1997) não concordava com ela. A existência <strong>de</strong><br />

subespécies próximas com distribuição disjunta na bacia <strong>de</strong> um mesmo rio, a ocorrência <strong>de</strong><br />

duas ou mais subespécies entre dois ou mais rios e <strong>de</strong> hibridização alopátrica ou integração<br />

secundária entre bem <strong>de</strong>finidas subespécies adjacentes são situações que ocorrem com os<br />

primatas neotropicais e, segundo o autor, não po<strong>de</strong>m ser explicadas através da teoria da<br />

dispersão centrípeta (Kinzey, 1982). Para explicar a especiação do gênero Callicebus,<br />

Kinzey (1982, 1997) utilizava a Teoria dos Refúgios do Pleistoceno, segundo a qual<br />

mudanças climáticas nos últimos milhões <strong>de</strong> anos do quaternário, tais como uma marcada<br />

diminuição da precipitação durante períodos frios e secos, teriam causado a fragmentação<br />

<strong>de</strong> regiões <strong>de</strong> florestas e <strong>de</strong> outros tipos <strong>de</strong> vegetação, restando refúgios nos quais os<br />

primatas e outros organismos teriam escapado (Ab’Saber, 1977; Defler, 2003). Tais<br />

refúgios teriam inclusive originado gêneros <strong>de</strong> primatas endêmicos da Mata Atlântica,<br />

como Brachyteles e Leontopithecus (Kinzey, 1982). Para Kinzey (1997), os fósseis <strong>de</strong><br />

Callicebus encontrados por Lund em 1839, numa caverna em Lagoa Santa (<strong>Minas</strong> <strong>Gerais</strong>),<br />

estariam <strong>de</strong>ntro da extensão oeste da distribuição <strong>de</strong> Callicebus personatus melanochir, a<br />

partir do refúgio central da Bahia. Seguindo esta lógica as origens <strong>de</strong> C. barbarabrownae<br />

Hershkovitz, 1990 estariam na Mata Atlântica e não na Amazônia.<br />

44


O <strong>de</strong>bate entre Kinzey e Hershkovitz dominou a discussão sobre as origens do<br />

gênero Callicebus durante muitos anos. Até hoje não há um consenso sobre isto, embora a<br />

Teoria dos Refúgios do Pleistosceno seja atualmente mais aceita para os primatas em geral<br />

(Futuyma, 1996; Strier, 1992).<br />

Tenha o gênero Callicebus surgido na Amazônia, como <strong>de</strong>fendia Hershkovitz, ou na<br />

Mata Atlântica, como pensava Kinzey, ainda <strong>de</strong>ve haver evidências biológicas das relações<br />

entre estes importantes biomas, consi<strong>de</strong>rando que até hoje há espécies <strong>de</strong> Callicebus em<br />

ambos. Deve haver espécies arbóreas que <strong>de</strong>monstrem as complexas conexões entre a<br />

Amazônia, a Mata Atlântica e a Caatinga, on<strong>de</strong> vive C. barbarabrownae. Caso contrário,<br />

como explicar que um primata arborícola tenha colonizado as caatingas mais continentais<br />

do Brasil?<br />

Para Rizzini (1967) apud Coimbra-Filho e Câmara (1996), a flora brasileira<br />

pertence à Região Tropical Americana <strong>de</strong> Engler, po<strong>de</strong>ndo ser dividida em três províncias:<br />

Amazônica, Atlântica e Central, com suas respectivas comunida<strong>de</strong>s vegetais peculiares e<br />

fitofisionomias características, embora mantenham relações florísticas e possuam<br />

numerosos táxons filogeneticamente próximos. Ainda segundo aqueles autores, a vegetação<br />

da Caatinga <strong>de</strong>monstra elementos das três províncias, que po<strong>de</strong>m ter se dispersado através<br />

das matas ripárias dos gran<strong>de</strong>s rios, como o São Francisco, o Itapicuru e o Vaza-Barris, os<br />

maiores e mais perenes da Caatinga baiana.<br />

Consi<strong>de</strong>rando tais interconexões pretéritas, às quais também fez referência<br />

Hershkovitz (1988a), garantidas por gran<strong>de</strong>s corredores naturais <strong>de</strong> matas ripárias, a<br />

vegetação da Caatinga apresenta:<br />

45


“Inegável mistura <strong>de</strong> táxons das floras hiléianas e atlânticas,<br />

acrescidas <strong>de</strong> numerosas vicariâncias, elementos hamadriáticos<br />

peculiares, formas do cerrado e espécies <strong>de</strong> indiscutível origem<br />

chaquenha e pantaneira” Coimbra-Filho e Câmara (1996, p.10–<br />

11).<br />

Rizzini (1967) incluía na Província Atlântica o domínio das caatingas, que chamava<br />

hamadría<strong>de</strong>s; segundo ele suas relações se aproximam das floras atlântica e chaquenhopantaneira<br />

mais do que da amazônica, como se constata através da presença dos gêneros<br />

Aspidosperma, Astronium, Bumelia, Copernica, Schinopsis e Ziziphus. O autor afirma que<br />

mais <strong>de</strong> 50% das espécies da flora da Caatinga provêm da cordilheira marítima. Observa,<br />

entretanto, que as matas do su<strong>de</strong>ste baiano possuem elevado contingente <strong>de</strong> espécies<br />

amazônicas e que na Caatinga são encontrados ainda elementos da vegetação do Cerrado e<br />

do Chaco (argentino, boliviano e paraguaio).<br />

Além das espécies da flora, há também entre os elementos da fauna florestal<br />

evidências <strong>de</strong> influência hiléianas e atlântica na região da Caatinga:<br />

“Apesar da <strong>de</strong>vastação que eliminou a quase totalida<strong>de</strong> das<br />

formações silvestres do nor<strong>de</strong>ste, muitos animais <strong>de</strong><br />

procedência amazônica ainda sobrevivem em remanescentes (=<br />

brejos, refúgios ou enclaves) do outrora vasto continuum<br />

formado pelas anastomoses e coalescências <strong>de</strong> diversos tipos<br />

<strong>de</strong> formações florestais no nor<strong>de</strong>ste, como matas orográficas,<br />

matas ripárias, e matas secas <strong>de</strong>cíduas (= caatingas), as quais<br />

ainda no século XVI <strong>de</strong>viam manter certa continuida<strong>de</strong> com<br />

ecossistemas silvestres <strong>de</strong> outras províncias, permitindo o<br />

trânsito faunístico entre a hiléia e o nor<strong>de</strong>ste, tanto pela costa<br />

como pelo interior”. Coimbra-Filho e Câmara (1996, p.19)<br />

Infelizmente, dado o atual estágio <strong>de</strong> <strong>de</strong>vastação da Caatinga, lucubrações acerca da<br />

distribuição das espécies e das suas relações filogenéticas são imprecisas e provisórias. A<br />

biogeografia se fez refém da história do uso da terra e as hipóteses, nem sempre testáveis,<br />

ficaram à mercê <strong>de</strong> evidências pontuais e esparsas.<br />

46


2. Métodos<br />

2.1 Definição do roteiro das campanhas<br />

A gran<strong>de</strong> área geográfica a ser coberta pelo presente projeto foi o seu primeiro<br />

<strong>de</strong>safio. A região verificada compreen<strong>de</strong> o Estado da Bahia, entre os rios São Francisco e<br />

Jequitinhonha, o Estado <strong>de</strong> Sergipe, na região <strong>de</strong> transição entre a Mata Atlântica e a<br />

Caatinga, e ainda uma parte do Estado <strong>de</strong> Alagoas, entre os municípios <strong>de</strong> Delmiro Gouveia<br />

Olhos D’água do Casado. Ao longo <strong>de</strong> um ano e dois meses foram percorridos 21.168 km<br />

em cinco campanhas, compreen<strong>de</strong>ndo uma superfície <strong>de</strong> 353.925 km 2 .<br />

Tendo em vista o objetivo <strong>de</strong> cada campanha ou expedição, <strong>de</strong>fini cinco setores<br />

arbitrários <strong>de</strong> investigação, utilizando imagens <strong>de</strong> satélite disponíveis no sítio da Fundação<br />

SOS Mata Atlântica e cartas em escala 1:1.650.000 e 1:10.000. Levei em consi<strong>de</strong>ração para<br />

esta <strong>de</strong>finição: a) o objetivo específico da campanha; b) a provável existência <strong>de</strong> matas<br />

orográficas e/ou caatingas arbóreas nas localida<strong>de</strong>s; c) a presença <strong>de</strong> rodovias e/ou estradas;<br />

d) relatos sobre a possível presença <strong>de</strong> guigó feitos ao longo do projeto “Avaliação das<br />

populações do macaco-prego-do-peito-amarelo (Cebus xanthosternos Wied-Neuwied,<br />

1826) e proposta <strong>de</strong> estratégia para manejo e conservação da espécie” (Gabriel dos Santos<br />

Rodrigues, com. pess.); e) registros anteriores arquivados no BDGEOPRIM (Hirsch, 2005)<br />

(Fig. 05); f) áreas apontadas no documento: “Avaliação e ações prioritárias para a<br />

conservação da biodiversida<strong>de</strong> da Caatinga” (Ministério do Meio Ambiente, 2002), como<br />

sendo <strong>de</strong> importância biológica extrema, muito alta, alta ou <strong>de</strong> informação insuficiente,<br />

para mamíferos, aves e flora; g) disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> combustível para percorrer no máximo<br />

5.000 km por campanha, num período <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 30 dias. A Tabela 5 resume as<br />

campanhas do projeto “Distribuição e status do guigó-da-caatinga Callicebus<br />

47


arbarabrownae Hershkovitz, 1990” com seus respectivos períodos, duração, objetivos,<br />

distâncias percorridas e agências financiadoras.<br />

Tabela 5: Expedições do projeto “Distribuição e status do guigó-da-caatinga Callicebus<br />

barbarabrownae Hershkovitz, 1990” com seus respectivos períodos, duração, objetivos,<br />

distâncias percorridas e agências financiadoras<br />

Expedição Período Duração<br />

(dias)<br />

Objetivo<br />

Distância Financiamento<br />

percorrida<br />

(km)<br />

5661 Fund. Margot Marsh,<br />

Lampião 06.06.04 34 Limite E;<br />

09.07.04<br />

levantamento<br />

CI, Capes<br />

Hamadrya<strong>de</strong>s 14.09.04 29 Encontrar a 4237 CI, CEPF,<br />

12.10.04<br />

localida<strong>de</strong><br />

Capes<br />

tipo;<br />

levantamento<br />

Juazeiro 02.12.04 17 Limite N; 3485 CI, CEPF,<br />

19.12.04<br />

levantamento<br />

Capes<br />

Chapada 12.01.05 20 Limite S; 3047 CI, CEPF,<br />

Diamantina 31.01.05<br />

Levantamento<br />

Capes<br />

Spix 04.04.05 30 Limite W; 4738 CI, CEPF,<br />

03.05.05<br />

Levantamento<br />

Capes<br />

Total - 130 - 21168 -<br />

Dentro <strong>de</strong> cada setor <strong>de</strong> investigação, as localida<strong>de</strong>s foram sendo sugeridas por<br />

informantes selecionados em entrevistas realizadas nas comunida<strong>de</strong>s visitadas.<br />

As expedições foram realizadas utilizando um veículo Toyota 4 x 4 ano 1998, um<br />

GPS Garmin ® mo<strong>de</strong>lo Etrex Venture com acurácia máxima <strong>de</strong> 6 m, duas bússolas Recta ®<br />

com sistema universal, um mapa rodoviário em escala 1: 1.650.000<br />

(www.guia4rodas.com.br), além <strong>de</strong> cartas elaboradas pela extinta Superintendência <strong>de</strong><br />

Desenvolvimento do Nor<strong>de</strong>ste (SUDENE), quando disponíveis (escala 1:10.000). Também<br />

48


foram percorridos trechos não mapeados, como aqueles entre Canudos e Monte Santo e na<br />

região do Vale do Rio Salitre (oeste da Bahia), por exemplo.<br />

Figura 5: Registros anteriores da ocorrência <strong>de</strong> Callicebus barbarabrownae Hershkovitz,<br />

1990 segundo o BDGEOPIM - Banco <strong>de</strong> Dados Georreferenciados das Localida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Ocorrência <strong>de</strong> Primatas Neotropicais (Hirsch, 2005) (s.n. = espécie nova)<br />

49


2.2 Seleção <strong>de</strong> informantes<br />

Foi utilzado o método <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> informantes através <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> referência<br />

também cohecido como “bola <strong>de</strong> neve” (Davis & Wagner, 2003). A <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>talhada <strong>de</strong><br />

como se <strong>de</strong>u o processo será apresentada no Capítulo 3 <strong>de</strong>sta tese.<br />

2.3 Localização dos animais<br />

Quanto aos animais, procurei-os nas áreas indicadas pelos informantes,<br />

normalmente no período da manhã. Observei que do meio dia até às 14h os guigós ficavam<br />

letárgicos e raramente vocalizam. Das 14h às 17h eles voltam a vocalizar, provavelmente<br />

<strong>de</strong>marcando territórios e procurando sítios-dormitório. Em alguns casos procurei os animais<br />

neste horário, mas foi dada preferência ao período da manhã, entre as 7h e às 12h, quando<br />

eles estavam mais ativos. O período da tar<strong>de</strong>, especialmente após as 17 h, se revelou<br />

a<strong>de</strong>quado para a busca <strong>de</strong> informantes.<br />

Para atrair os guigós utilizei um equipamento <strong>de</strong> playback, com uma gravação feita<br />

a partir do CD “Sounds of Neotropical Rainforest Mammals” (Emmons et al., 1997). O<br />

áudio reproduz as vocalizações <strong>de</strong> Callicebus personatus (E. Geoffroy, 1812), mas foi<br />

respondido por C. barbarabrownae Hershkovitz, 1990, C. coimbrai Kobayashi &<br />

Langguth, 1999 e C. melanochir (Wied-Neuwied, 1820). Foi realizada uma gravação da<br />

vocalização <strong>de</strong> C. barbarabrownae juntamente com o pesquisador Marcelo Sousa<br />

(<strong>Universida<strong>de</strong></strong> Tira<strong>de</strong>ntes, Sergipe), utilizando equipamento ornitológico com gravador<br />

direcional, nos municípios <strong>de</strong> Sítio do Quinto e Cel. João Sá (Bahia). Tentamos utilizar esta<br />

gravação em substituição àquela <strong>de</strong> Callicebus personatus, para localizar C.<br />

50


arbarabrownae, mas observamos que os animais respondiam melhor à segunda do que à<br />

primeira. Isto provavelmente se <strong>de</strong>u <strong>de</strong>vido à qualida<strong>de</strong> superior da gravação <strong>de</strong> C.<br />

personatus, que foi editada em estúdio, tendo sido eliminados os ruídos <strong>de</strong> fundo<br />

(principalmente vocalizações <strong>de</strong> aves). Seguimos, então, utilizando a gravação <strong>de</strong> C.<br />

personatus durante o projeto.<br />

Uma vez atraídos pelo playback, os animais eram seguidos e i<strong>de</strong>ntificados com o<br />

auxílio <strong>de</strong> um binóculo 10 x 50 mm. Quando possível, também eram fotografados. Os<br />

avistamentos foram em geral breves (<strong>de</strong> 1 a 5 minutos).<br />

Em algumas áreas on<strong>de</strong> não foi possível visualizar os animais foram realizados<br />

registros por vocalização. Das três espécies <strong>de</strong> Callicebus em questão, somente C.<br />

barbarabrownae foi registrado <strong>de</strong>sta maneira. Estes registros foram feitos apenas em<br />

situações <strong>de</strong> levantamento populacional, jamais para a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> limites entre espécies.<br />

Somente quando não havia nenhuma dúvida acerca dos limites <strong>de</strong> distribuição em relação a<br />

C. coimbrai ou C. melanochir, na região em questão, e quando realmente não era possível<br />

penetrar a Caatinga para ver os animais, o registro auditivo foi consi<strong>de</strong>rado válido. Para<br />

esta validação também foi levada em conta à i<strong>de</strong>ntificação feita pelo informante a partir <strong>de</strong><br />

fotografias e pranchas. Ao todo, 37% dos registros foram auditivos.<br />

2.4 Classificação das formações vegetais<br />

A vegetação das regiões percorridas em busca do guigó-da-caatinga foi classificada<br />

<strong>de</strong> acordo com Andra<strong>de</strong>-Lima (1966) (Fig. 06) visando estabelecer qual (is) o(s) hábitat(s)<br />

preferencial (is) da espécie, ou pelo menos, qual o(s) ambiente (s) on<strong>de</strong> hoje, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 400<br />

anos <strong>de</strong> agricultura e pecuária, seria mais provável encontrá-la.<br />

51


Figura 6: Classificação da vegetação do Brasil segundo Andra<strong>de</strong>-Lima (1966)<br />

52


Devido à gran<strong>de</strong> área a ser percorrida e ao exíguo tempo <strong>de</strong> permanência em cada<br />

localida<strong>de</strong>, não foram realizados levantamentos fitossociológicos, sendo a vegetação<br />

classificada fisionomicamente. O conhecimento das comunida<strong>de</strong>s locais sobre a<br />

fitofisionomia das suas regiões foi crucial. A propósito, verifiquei uma estreita relação entre<br />

as classificações populares, obtidas através <strong>de</strong> relatos <strong>de</strong> informantes, aqui chamadas<br />

etnofitogeográficas, e algumas classificações científicas. Essa relação foi resumida na<br />

Tabela 6.<br />

Além dos autores citados na Tabela 6, Ferri (1980) reconheceu gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> formações vegetacionais na Caatinga, utilizando, para <strong>de</strong>nominá-las, uma adaptação da<br />

nomenclatura regional. São exemplos da sua classificação: agreste, carrasco, sertão, cariri e<br />

seridó. Entretanto, Velloso et al. (1991), em busca <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> classificação mais<br />

universal, <strong>de</strong>finem a vegetação da Caatinga como savana estépica, sudividindo-a em quatro<br />

outras categorias: savana estépica florestada, arborizada, parque e gramíneo-lenhosa. Em<br />

1993, o IBGE publicou um mapa, escala 1:5.000.000, no qual a Caatinga ocupa uma área<br />

<strong>de</strong> 777.915,08 km 2 . No referido mapa são apontados 19 tipos <strong>de</strong> Caatinga (IBGE, 1993;<br />

Tabarelli & Vicente, 2004). A diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> espécies e o en<strong>de</strong>mismo acompanham essa<br />

diversida<strong>de</strong> fisionômica. Giulietti et al. (2002) listaram 318 espécies <strong>de</strong> plantas endêmicas<br />

da Caatinga, distribuídas em 18 gêneros. Entretanto em recente revisão sobre as<br />

classificações da Caatinga, Giulietti et al. (2004), optaram por seguir as mesmas seis<br />

gran<strong>de</strong>s unida<strong>de</strong>s propostas por Andra<strong>de</strong>-Lima (1981). Andra<strong>de</strong>-Lima foi o pesquisador<br />

que mais se <strong>de</strong>dicou a i<strong>de</strong>ntificar e compreen<strong>de</strong>r as comunida<strong>de</strong>s vegetais que formam a<br />

Caatinga (Giulietti et al., 2004; Maria Luiza Porto, com. pess.). Suas classificações são<br />

muito úteis no campo, por serem simultaneamente <strong>de</strong>scritivas e ecológicas.<br />

53


Tabela 6: Classificações etnofitogeográfica e científica para as fitofisionomias da Caatinga<br />

Etnofitogeográfica<br />

Caatinga (Bahia e<br />

Sergipe)<br />

Caatinga (Bahia e<br />

Sergipe)<br />

Carrasco (Canudos,<br />

Monte Santo, N e W<br />

da Chapada<br />

Diamantina)<br />

Japão (Cícero<br />

Dantas); Matas <strong>de</strong><br />

cipó (Planalto <strong>de</strong><br />

Conquista)<br />

Encosto das <strong>Gerais</strong><br />

(Serra <strong>de</strong> Sincorá e<br />

Chapada Diamantina)<br />

Caatinga <strong>de</strong> altitu<strong>de</strong>,<br />

Caatinga <strong>de</strong> cerrado<br />

(Abaíra); Mata<br />

rupestre (Miguel<br />

Calmon)<br />

Mata-<strong>de</strong>-cabeceira,<br />

mata-<strong>de</strong>-beira-<strong>de</strong>-rio<br />

Segundo<br />

Andra<strong>de</strong>-Lima<br />

(1966)<br />

Caatingas<br />

arbóreas <strong>de</strong>nsas,<br />

florestas<br />

serranas<br />

Caatingas<br />

arbustivas<br />

esparsas<br />

Caatingas<br />

arbustivas<br />

<strong>de</strong>nsas<br />

Matas secas,<br />

Matas <strong>de</strong> cipó,<br />

agrestes<br />

Segundo<br />

(1993)<br />

Estepe/<br />

Arborizada/<br />

Estacional<br />

Semi<strong>de</strong>cidual<br />

Estepe/<br />

Florestada/<br />

Estacional<br />

Semi<strong>de</strong>cidual<br />

Savana,<br />

Arborizada,<br />

Estacional<br />

IBGE<br />

Estepe<br />

Floresta<br />

Estepe<br />

Floresta<br />

Estepe<br />

Floresta<br />

Estepe/ Floresta<br />

Estacional<br />

Semi<strong>de</strong>cidual<br />

Matas mesófilas Estepe/<br />

Estacional<br />

Semi<strong>de</strong>cidual<br />

Caatingas<br />

arbóreas abertas<br />

Floresta<br />

Segundo<br />

Coimbra-Filho e<br />

Câmara (1996)<br />

Caatingas secas<br />

arbóreas<br />

Caatingas secas<br />

não-arbóreas<br />

Caatingas<br />

arbustivas <strong>de</strong>nsas<br />

Matas orográficas<br />

e agrestes<br />

Matas orográficas<br />

e agrestes<br />

Savana Caatingas secas<br />

arbóreas<br />

- Savana/Estepe/Floresta<br />

Estacional<br />

Semi<strong>de</strong>cidual<br />

Matas ripárias<br />

Devido à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar as formações da Caatinga in situ, com vistas a<br />

apontar aquelas <strong>de</strong> maior importância para o guigó e também tendo em consi<strong>de</strong>ração a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um viés arbóreo na classificação a ser utilizada, optei por uma das<br />

primeiras propostas <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>-Lima, publicada pelo IBGE em mapa <strong>de</strong> 1966 (Andra<strong>de</strong>-<br />

Lima, 1966) (Fig. 06). Para este autor, a classificação geral da Caatinga seria “floresta<br />

megatérmica xerofítica do nor<strong>de</strong>ste caducifólia espinhosa”. As subcategorias utilizadas<br />

54


para a classificação fisionômica da Caatinga no presente trabalho foram as seguintes<br />

(nomenclatura científica atualizada a partir <strong>de</strong> Giulietti et al., 2002):<br />

2.4.1 Caatingas arbóreas <strong>de</strong>nsas<br />

Fisionomicamente são os ambientes mais florestais da Caatinga. A Caatinga arbórea<br />

<strong>de</strong>nsa po<strong>de</strong> atingir 20 m <strong>de</strong> altura e formar dossel contínuo. As bromélias, entretanto,<br />

ocorrem ao nível do solo.<br />

Predominam o pau-pereiro Aspidosperma pirifolium Mart., os juazeiros Zizyphus<br />

joazeiro Mart. e Z. cotinifolia Reiss, os angicos Pipta<strong>de</strong>nia irwinii G.P. Lewis var. irwinii,<br />

P. moniliformis Benth., P. obliqua (Pers.) J.F. Macb., P. stipulacea (Benth.) Ducke, P.<br />

viridiflora (Kunth) Benth., o pau-ferro Caesalpinia ferrea Mart. ex Tul., a barriguda<br />

Chorisia cf. ventricosa, o licuri Syagrus coronata (Mart.) Becc., a imburana Amburana<br />

cearensis (Allemão) A.C. Smith e arbustos isolados.<br />

2.4.2 Caatingas arbóreas abertas<br />

Sua composição específica é muito semelhante àquela das caatingas arbóreas<br />

<strong>de</strong>nsas, porém as árvores estão distribuídas esparsamente, sem formar dossel. Seu aspecto<br />

geral lembra o Cerrado. Estão localizadas em terras altas, sendo comuns na Serra do<br />

Espinhaço baiana.<br />

55


2.4.3 Caatingas arbustivas esparsas<br />

As associações vegetais crescem em grupos, mas não formam dossel. Há<br />

predomínio <strong>de</strong> cactáceas como o facheiro Cereus cf. squamatus, o mandacaru Cereus<br />

jamacaru DC. spp. jamacaru, o xiquexique Pilosocereus gounellei (Weber) Byles &<br />

Rowley spp. gounellei, não ocorrendo árvores (Exemplo: vegetação ao norte do Raso da<br />

Catarina, Bahia).<br />

2.4.4 Caatingas arbustivas <strong>de</strong>nsas<br />

As cactáceas e euforbiáceas (gêneros Euphorbia, Jatropha e Cnidoscolus) são<br />

abundantes em meio a árvores isoladas. São comuns ainda os marmeleiros (Croton sp.).<br />

Apresenta formações que a aproximam da vegetação <strong>de</strong> campos. São popularmente<br />

conhecidas como “carrasco” em várias regiões da Bahia.<br />

2.4.5 Matas <strong>de</strong> cipó, agrestes e matas mesófilas<br />

Matas <strong>de</strong> cipó são as florestas pluviais costeiras <strong>de</strong> elevação, localizadas nas<br />

encostas das montanhas e, por isso, com pluviosida<strong>de</strong> mais elevada do que nas hamadría<strong>de</strong>s<br />

propriamente ditas. Entretanto são igualmente <strong>de</strong>cíduas. Há <strong>de</strong>signações populares<br />

regionais para este tipo <strong>de</strong> vegetação, tais como “japão” (provável corruptela <strong>de</strong> jalapão),<br />

na região <strong>de</strong> Cícero Dantas (Bahia).<br />

Outras florestas pluviais costeiras <strong>de</strong> elevação, porém com maior influência da<br />

altitu<strong>de</strong>, são encontradas nas escarpas da Chapada Diamantina, on<strong>de</strong> são chamadas<br />

popularmente <strong>de</strong> “encosto das gerais” ou simplesmente “gerais”. Andra<strong>de</strong>-Lima (1966)<br />

56


chamava essas matas <strong>de</strong> mesófilas, atribuindo-lhes composição florística algo diferente das<br />

matas <strong>de</strong> cipó. Giulietti et al. (2004) observam que a altitu<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ter colaborado para o<br />

enriquecimento <strong>de</strong> espécies daquelas comunida<strong>de</strong>s, por ter propiciado um isolamento<br />

durante as oscilações climáticas do Pleistosceno e do Quaternário.<br />

Matas com composição específica semelhante às matas <strong>de</strong> cipó, porém localizadas<br />

em áreas mais planas e, por isso, mais secas, com distribuição esparsa das árvores, são<br />

chamadas agrestes (Andra<strong>de</strong>-Lima, 1966, 1981; Giulietti et al., 2004). No agreste po<strong>de</strong><br />

haver palmeiras e cactáceas arbóreas. Esta formação se comunica com as matas <strong>de</strong> cipó<br />

(Andra<strong>de</strong>-Lima, 1966). Na região <strong>de</strong> Jeremoabo, por exemplo, ainda são encontrados<br />

agrestes.<br />

Nas matas <strong>de</strong> cipó, agrestes e matas mesófilas estão presentes os gêneros:<br />

Aspidosperma, Tecoma, Jacaranda, Terminalia, Luehea, Brsasiloxylon, Plathymenia,<br />

Dialium, Hymenaea, Anacardium, Inga, Pithecolobium, Erythrina, Machaerium,<br />

Caesalpina e Bowdichia, entre outros (Andra<strong>de</strong>-Lima, 1966). As bromélias são <strong>de</strong> hábito<br />

epifítico e não <strong>de</strong> solo, como aquelas que ocorrem nas caatingas arbóreas <strong>de</strong>nsas e abertas.<br />

2.4.6 Outras formações<br />

Foram encontrados relictos <strong>de</strong> matas ripárias (Andra<strong>de</strong>-Lima, 1966) acompanhando<br />

o <strong>de</strong>lta dos gran<strong>de</strong>s rios perenes da Caatinga baiana, ou seja, o Itapicuru, o Vaza-barris e o<br />

Ver<strong>de</strong>. Aquelas matas são caatingas arbóreas com dossel, localizadas em planícies<br />

alagáveis, provavelmente com gran<strong>de</strong> influência atlântica. Formações raras, hoje <strong>de</strong>struídas<br />

pelas pastagens, apresentam gran<strong>de</strong> presença <strong>de</strong> lianas e cipós.<br />

57


Foram visitados ainda fragmentos da floresta ombrófila <strong>de</strong>nsa strictu sensu,<br />

localizados ao leste da Bahia e em Sergipe.<br />

3. Resultados e discussão<br />

3.1 Resposta ao playback<br />

Todas as três espécies <strong>de</strong> Callicebus que foram objeto do presente estudo (C.<br />

barbarabrownae, C. coimbrai e C. melanochir) respon<strong>de</strong>ram ao playback, que utilizou<br />

vocalizações <strong>de</strong> C. personatus. Entretanto cabe observar que o guigó-da-caatinga (C.<br />

barbarabrownae) não respon<strong>de</strong>u durante o mês <strong>de</strong> novembro, período em que, segundo os<br />

informantes, as fêmeas estariam com filhotes lactantes. Também vale registrar que foi<br />

obtido somente um registro <strong>de</strong> C. melanochir e que estes animais pareceram perturbados<br />

com as vocalizações <strong>de</strong> C. personatus, respon<strong>de</strong>ndo agressivamente e fugindo, ao invés <strong>de</strong><br />

serem atraídos, como ocorre com C. barbarabrownae e C. coimbrai.<br />

Alguns aspectos da história natural dos animais, observados ao longo do projeto,<br />

foram úteis na tentativa <strong>de</strong> maximizar a resposta aos playbacks, como, por exemplo,<br />

reproduzir seqüências <strong>de</strong> vocalizações cada vez mais curtas, reduzindo o volume ao final <strong>de</strong><br />

cada seqüência. Outra estratégia importante foi executar “frases” completas, jamais<br />

interrompendo uma série <strong>de</strong> vocalizações durante a execução. Quando a frase era<br />

interrompida os animais não respondiam ou fugiam. Foi preciso utilizar o playback com<br />

muito cuidado, em situações favoráveis ao avistamento, pois quando a gravação era usada<br />

repetidamente, os guigós <strong>de</strong>iavam <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r.<br />

58


3.2 A vegetação e o guigó-da-caatinga<br />

A Figura 07 apresenta a carta <strong>de</strong> vegetação da Bahia (SEI, 2003) com os registros<br />

<strong>de</strong> C. barbarabrownae georeferenciados. Este mapa <strong>de</strong> vegetação foi escolhido para a<br />

plotagem dos dados <strong>de</strong> distribuição da espécie por ser esta a classificação oficialmente<br />

aceita no Estado da Bahia.<br />

59


Figura 7: Carta <strong>de</strong> vegetação do Estado da Bahia (SEI, 2003). Os círculos pretos vazados<br />

correspon<strong>de</strong>m às localida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> foi registrado o guigó-da-caatinga.<br />

60


De acordo com a classificação <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>-Lima (1966), o guigó-da-caatinga foi<br />

encontrado predominantemente na caatinga arbórea <strong>de</strong>nsa (65,7% dos registros), seguida<br />

pelas matas <strong>de</strong> cipó, agrestes e matas mesófilas (28,9%) e pela caatinga arbustiva esparsa<br />

(5,2%). Entretanto <strong>de</strong>ve-se observar que as caatingas arbóreas <strong>de</strong>nsas e arbustivas esparsas<br />

foram as formações vegetais mais visitadas durante as expedições, justamente por terem<br />

sido apontadas pelos informantes como <strong>de</strong> possível ocorrência da espécie. Embora escassas<br />

estas formações vegetais são visivelmente mais abundantes do que as matas <strong>de</strong> cipó e<br />

florestas mesófilas, localisadas nas encostas da Serra Geral, principalmente na região da<br />

Chapada Diamantina. A ausência <strong>de</strong> registros em matas ripárias possivelmente reflete mais<br />

a <strong>de</strong>struição daqueles ecossistemas do que uma questão <strong>de</strong> não preferência pelo guigó. A<br />

propósito, o mais importante fragmento <strong>de</strong> mata ripária encontrado foi no município <strong>de</strong><br />

Itapicuru (BA), às margem do rio <strong>de</strong> mesmo nome (Mata do Bo<strong>de</strong>: 11°20'52"S,<br />

38°11'57"W; altitu<strong>de</strong> 100 m). Trata-se <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> floresta com dossel entre 18 e 20 m,<br />

com solos escuros constantemente alagados pelos movimentos <strong>de</strong> vazão e cheia do rio,<br />

contendo elementos da Caatinga e da Mata Atlântica. Naquele local selecionei um<br />

informante que atua como traficante <strong>de</strong> animais silvestres na região. Ele relatou o<br />

<strong>de</strong>saparecimento recente do guigó-da-caatinga (há cerca <strong>de</strong> cinco anos), tendo me<br />

conduzido aos locais on<strong>de</strong> o animal havia sido visto pela última vez. Realizei execuções da<br />

vocalização dos animais durante um dia inteiro utilizando o equipamento <strong>de</strong> playback,<br />

porém não obtive resposta. Ali, como em Caldas do Jorro (BA), outro município às<br />

margens do Itapicuru, as pastagens substituíram a vegetação original, justamente <strong>de</strong>vido<br />

aos solos da mata ripária serem os mais produtivos da Caatinga. A Tabela 7 resume os<br />

61


esultados <strong>de</strong> todas as expedições, em termos da relação entre os registros <strong>de</strong> espécies <strong>de</strong><br />

guigó e a classificação da vegetação.<br />

62


Tabela 7: Número <strong>de</strong> localida<strong>de</strong>s visitadas por expedição, espécie <strong>de</strong> guigó registrada, tipo <strong>de</strong><br />

registro e classificação da vegetação segundo Andra<strong>de</strong>-Lima (1966)<br />

Expedições<br />

Categorias 1 - Lampião 2 - Hamadría<strong>de</strong>s 3 – Juazeiro 4 - Diamantina 5 - Spix Total<br />

n % n % n % n % n % n %<br />

N ° <strong>de</strong> localida<strong>de</strong>s 39 100,0 36 100,0 19 100,0 23 100,0 31 100 148 100,0<br />

Espécie<br />

C. barbarabrownae 10 25,6 10 27,8 3 15,8 5 21,7 10 32,2 38 25,7<br />

C. coimbrai 4 10,3 0 - 0 - 0 - 0 0 4 2,7<br />

C.melanochir 0 - 0 - 0 - 0 - 1 3,2 1 0,7<br />

Sem registro 25 64,1 26 72,2 16 84,2 18 78,3 20 64,5 105 70,9<br />

Registro<br />

sem registro 25 64,1 26 72,2 16 84,2 18 94,7 20 64,5 105 70,9<br />

Auditivo 4 10,3 7 19,4 3 15,8 1 5,3 6 19,4 21 14,2<br />

Visual 10 25,6 3 8,3 0 - 4 21,1 5 16,1 22 14,9<br />

Vegetação (C.barbarabrownae)<br />

Caatinga arbórea <strong>de</strong>nsa 8 80,0 6 60,0 2 66,6 0 - 9 90 25 65,7<br />

Caatinga arbustiva esparsa 0 - 1 10,0 1 33,3 0 - 0 - 2 5,2<br />

Caatinga arbustiva <strong>de</strong>nsa 0 - 0 - 0 - 0 - 0 - 0 -<br />

Mata ripária 0 - 0 - 0 - 0 - 0 - 0 -<br />

Mata <strong>de</strong> cipó e mata mesófila 2 20,0 3 30,0 0 - 5 100,0 1 10 11 28,9<br />

Mata atlântica 0 - 0 - 0 - 0 - 0 0 -<br />

Cerrado 0 - 0 - 0 - 0 - 0 0 -<br />

Vegetação em geral<br />

Caatinga arbórea <strong>de</strong>nsa 13 33,3 22 61,1 5 26,3 0 - 21 67,7 61 41,2<br />

Caatinga arbustiva esparsa 9 23,1 10 27,8 14 73,7 10 43,4 2 6,4 39 26,4<br />

Caatinga arbustiva <strong>de</strong>nsa 1 2,6 1 2,8 0 - 0 - 5 16,1 7 4,7<br />

Mata ripária 5 12,8 0 - 0 - 0 - 0 0 5 3,4<br />

Mata <strong>de</strong> cipó e mata mesófila 2 5,1 3 8,3 0 - 8 34,7 1 3,2 10 6,8<br />

Mata atlântica 9 23,1 0 - 0 - 5 21,7 1 3,2 15 10,1<br />

Cerrado 0 - 0 - 0 - 0 - 1 3,2 1 0,7<br />

63


O guigó jamais foi registrado nas caatingas arbustivas <strong>de</strong>nsas, fisionomia arbustiva<br />

popularmente conhecida como carrasco. Poucas vezes a espécie foi encontrada nas<br />

caatingas arbustivas esparsas (5,2% dos registros). Entretanto estes dois ecossistemas<br />

provavelmente <strong>de</strong>sempenham importante papel para a sobrevivência da espécie, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

uma perspectiva <strong>de</strong> ecologia da paisagem. Em muitos locais eles formam a matriz, ao passo<br />

que as caatingas arbóreas <strong>de</strong>nsas, matas <strong>de</strong> cipó e florestas mesófilas, formam o grão, num<br />

ambiente em mosaico. Atualmente, entretanto, há poucos locais com matas ripárias que<br />

possam atuar como corredores, o que provavelmente compromete a sustentabilida<strong>de</strong><br />

ambiental do sistema.<br />

Em geral o guigó-da-caatinga <strong>de</strong>monstrou adaptação às caatingas arbóreas <strong>de</strong>nsas e<br />

às matas <strong>de</strong> cipó. Nas áreas <strong>de</strong> caatinga arbórea <strong>de</strong>nsa on<strong>de</strong> não ocorre o guigó, seu<br />

<strong>de</strong>saparecimento local foi relatado por informantes.<br />

3.3 A fauna associada ao guigó-da-caatinga<br />

Quatro outras espécies <strong>de</strong> primatas ocorrem em associação com o guigó-da-<br />

Caatinga: o macaco-prego-do-peito-amarelo, Cebus xanthosternus Wied-Neuwied, 1826, o<br />

guariba, Alouatta caraya (Humboldt, 1812) e os sagüis, que na Bahia são chamados <strong>de</strong><br />

nicos ou sóins, Callithrix penicillata (É. Geoffroy, 1812) e Callithrix jachus (Linnaeus,<br />

1758). O macaco-prego, assim como o guigó-da-Caatinga é consi<strong>de</strong>rado Criticamente<br />

Ameaçado (Hilton-Taylor, 2003), tendo sido espécie simpátrica nas matas orográficas a<br />

leste da Chapada Diamantina (Andaraí - Morro do Viola: 12°57'56"S; 41°14'27"W, altitu<strong>de</strong><br />

780 m / Lençóis, estrada para Remanso: 12°33'17"S, 41°21'52"W; altitu<strong>de</strong> 490 m). Porém<br />

em áreas <strong>de</strong> transição entre a Caatinga e a Mata Atlântica, como na região <strong>de</strong> Senhor do<br />

64


Bom Fim, Cebus xanthosternos é a única espécie <strong>de</strong> primata <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte a sobreviver.<br />

É difícil saber se Alouatta caraya e Callicebus barbarabrownae nunca ocorreram naqueles<br />

ambientes ou se já foram extintos. Perto <strong>de</strong> Senhor do Bom Fim, no município <strong>de</strong><br />

Andorinha, na localida<strong>de</strong> conhecida como Serrote do Macaco (10°20'41"S, 39°49'58"W;<br />

altitu<strong>de</strong> 419 m) encontrei uma relevante população <strong>de</strong> macaco-prego-do-peito-amarelo.<br />

Observei uma fêmea adulta com um filhote no dorso sair <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma caverna e nas<br />

rochas encontrei vários sítios com coquinhos partidos ao lado <strong>de</strong> pedaços <strong>de</strong> rocha.<br />

Segundo o informante selecionado, os macacos, utilizando as pedras, quebram o fruto do<br />

licuri (Syagrus coronata) para comer. No mesmo local também observei uma cópula <strong>de</strong><br />

Cebus xanthosternos. No Serrote do Macaco predomina a caatinga seca não arbórea, porém<br />

com muitos licuris no estrato emergente, o que po<strong>de</strong> ser resultante do manejo realizado<br />

pelos sertanejos.<br />

Enquanto nas regiões <strong>de</strong> transição entre a Caatinga e a Mata Atlântica sobreviveu<br />

Cebus xanthosternos, nas regiões <strong>de</strong> transição entre a Caatinga e o Cerrado, próximo ao<br />

limite oeste <strong>de</strong> distribuição do guigó-da-caatinga, o gran<strong>de</strong> primata resi<strong>de</strong>nte é Alouatta<br />

caraya. Não registrei simpatria <strong>de</strong>sta espécie com Callicebus barbarabrownae, nem com<br />

Cebus xanthosternos. Em Brotas <strong>de</strong> Macaúbas (Fazenda São Pedro: 11°29'15"S,<br />

40°42'46"W; altitu<strong>de</strong> 656 m), por exemplo, encontrei uma população <strong>de</strong> guaribas vivendo<br />

numa típica mata ciliar <strong>de</strong> cerrado (Veloso et al., 1991), que acompanha a margem <strong>de</strong> um<br />

córrego, numa paisagem cuja matriz é a caatinga seca arbórea alterada pela pecuária.<br />

Nas caatingas arbóreas e matas orográficas on<strong>de</strong> ainda vive o guigó-da-caatinga<br />

também são encontradas aves ameaçadas <strong>de</strong> extinção, como a zabelê (Crypturellus<br />

noctivagus zabele) e a arara-azul-<strong>de</strong>-lear (Anodorhyncus leari) (observações <strong>de</strong>sta tese). Os<br />

65


guigós provavelmente são indicadores <strong>de</strong> matas bem conservadas no bioma Caatinga,<br />

ocorrendo também em associação com outras espécies <strong>de</strong> mamíferos, algumas ameaçadas,<br />

tais como (registros <strong>de</strong> pegadas, fezes, visualizações e entrevistas): o tatu-bola (Tolypeutes<br />

tricinctus), o gato mamoninha ou gato-do-mato (Leopardus tigrinus), o gato-mourisco<br />

(Leopardus yaguarundi), a jaguatirica (Leopardus pardalis mitis), a onça parda (Puma<br />

concolor greeni), a onça pintada e a preta (Panthera onca), o tamanduá (Tamandua<br />

tetradactyla), os veados (Mazama americana e M. gouazoubira), o cachorro-do-mato<br />

(Cerdocyon thous), a irara (Eira barbara) e o coati (Nasua nasua).<br />

Os prováveis predadores dos guigós são os gran<strong>de</strong>s felinos e as iraras. Em<br />

10/11/2004, atrai uma onça pintada durante a realização <strong>de</strong> uma seção <strong>de</strong> playback <strong>de</strong><br />

guigó, na localida<strong>de</strong> conhecida como Riacho da Onça, município <strong>de</strong> Queimadas, Bahia<br />

(Fazenda Pindobeira: 11°14'24"; 39°44'26"; altitu<strong>de</strong> 377 m).<br />

As Tabelas <strong>de</strong> 8 a 10 apresentam os animais silvestres mais freqüentemente citados<br />

em simpatria com o guigó-da-caatinga.<br />

66


Tabela 8: Nomes populares <strong>de</strong> animais silvestres citados nas áreas <strong>de</strong> ocorrência do guigóda-caatinga<br />

Localida<strong>de</strong> Coor<strong>de</strong>nadas Animais silvestres<br />

Fazenda Floresta,<br />

Jeremoabo (BA)<br />

09°58’57.00”S<br />

38°15’09.79”W<br />

Fazenda Mineiro,<br />

10°03’19,80”S<br />

Jeremoabo (BA)<br />

38°15’33,55”W<br />

Lagoa do Nolasco, 10°27’54.02”S<br />

Cícero Dantas (BA) 38°21’19.35”W<br />

Cícero Dantas(BA), se<strong>de</strong> 10°31’18.56”S<br />

38°20’50.10”W<br />

Antas (BA)<br />

10°26’43.80”S<br />

38°18’43.42”W<br />

Coronel João Sá (BA) 10°13’49.80”S<br />

38°02’00.23”W<br />

Pedro Alexandre (BA), se<strong>de</strong> 09°59’48.40”S<br />

37°58’35.57”W<br />

Minuim, Santa Brígida 09°49’36.18”S<br />

(BA)<br />

38°05’44.74”W<br />

Serra Branca, Canudos 10°18’18.90”S<br />

(BA)<br />

38°57’44.30”W<br />

Faz. Lagoa Funda, Campo 10°26’36.10”S<br />

Formoso (BA)<br />

40°22’21.70”W<br />

Marcionílio Souza (BA), 13°02’07.90”S<br />

se<strong>de</strong><br />

40°25’38.00”W<br />

Faz. De Garcia, Rui<br />

Barbosa (BA)<br />

Faz. Junco, Povoado<br />

Maxixi, Miguel Calmon<br />

(BA)<br />

Faz. Bastião, Saú<strong>de</strong> (BA)<br />

Fazs.Nova Esperança e<br />

Passagem, Morro do<br />

Chapéu (BA)<br />

Salitre, Gentio do Ouro<br />

(BA)<br />

Fazenda J. Viana, Wagner<br />

(BA)<br />

12°23’35.90”S<br />

40°31’56.20”W<br />

11°29’28.00”S<br />

40°41’45.50”W<br />

10° 57’ 38.70”S<br />

40° 21’ 08.30”W<br />

11° 53’ 21.90”S<br />

41° 04’ 36.50”W<br />

11° 32’ 54.40”S<br />

42° 22’ 58.70”W<br />

12° 15’ 35.50”<br />

41° 12’ 41.50”<br />

veado, mocó, tatu, cutia, peba, ema,<br />

siriema,arara-azul, gavião<br />

nico (Callithix jacchus visto)<br />

jaguatirica, raposa, peba, gambá, tatu,<br />

juriti, rolinha,car<strong>de</strong>al, inhambu<br />

tamanduá, nico, canário-da-terra<br />

raposa, nico, gambá, guaxinim, tatu, peba<br />

onça-vermelha, veado, capivara, lontra, tatu, peba, mocó<br />

codorna, inhambu, veado, catitu, tatu, sóim<br />

veado, mocó, preá<br />

raposa, gato-do-mato, nico, gato-vermelho, peba, tatuí,<br />

mocó,veado, inhambu, cor-<strong>de</strong>-niz, arara-azul, jibóia<br />

raposa, nico, gato vermelho, jaguatirica, veado, peba, tatu,<br />

tamaduá-mirim, ouriço, inhambu, zabelê, codorna, perdiz<br />

macaco-prego, nico, onça-vermelha, onça preta, gato-mamoninha,<br />

papa-mel, coati, catitu, caminhador, tatu, peba, tatu-rabo-<strong>de</strong>-sola,<br />

tatuí, quebra-coco, ouriço, mocó, preá, rato-cabudo, raposa,<br />

tamanduá-mirim, saruê, gambá, cutia, paca, capivara, jacaré, teiú,<br />

camaleão, aracuã, zabelê, jacu, inhambu, siriema, perdiz, juriti,<br />

saracura, jibóia<br />

nico, veado, cachorro-do-mato, guará, raposa, gato-mamoninha,<br />

sussuarana, jaguatirica, paca, cutia, tatu, peba, zabelê, araponga<br />

codorna, perdiz, cangula, raposa, veado, peba, tatu-verda<strong>de</strong>iro,<br />

gato-mamoninha<br />

gato-vermelho, jacu, veado, nico<br />

onça-vermelha, onça preta, irara, cachorro-do-mato, raposa, nico<br />

nico (C.penicilatta, reconhecido em prancha), raposa, anda-só,<br />

guará, veado, caititu, jaguatirica, gato-mamoninha, gato-mourisco,<br />

onça, mocó, cutia, preá, mexila, tamduá-ban<strong>de</strong>ira, tatu-verda<strong>de</strong>iro,<br />

peba, zabelê, perdiz, codorna, siriema<br />

cutia, raposa, tatu, papa-mel, coati, veado, gato-momoninha, onça<br />

vermelha, onça-lombo-preto, jaguatirica, cachorro-do-mato, guará,<br />

caititu, nico, siriema, inhambu, zabelê, jacu, aracuã, papagaio,<br />

maracanã, ribaçã (pomba verda<strong>de</strong>ira), pica-pau, periquito<br />

67


Tabela 9: Nomes populares e científicos dos animais da Caatinga citados nas entrevistas,<br />

quando foi possível i<strong>de</strong>ntificá-los ao nível <strong>de</strong> espécie<br />

Nome científico<br />

Nome popular<br />

Agouti paca Linneaus,1758<br />

paca<br />

Alouatta caraya Humboldt, 1815<br />

guariba<br />

Anadorhyncus leari Bonaparte, 1856 arara-azul<br />

Tolypeutes tricinctus Illiger, 1811<br />

tatu-bola<br />

Callithrix jacchus Linneaus, 1758<br />

nico, sóim<br />

Callithrix penicillata<br />

nico, sóim<br />

É. Geoffroy, 1815<br />

Caluromys philan<strong>de</strong>r Linneaus,1758 saruê<br />

Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, guigó, guigó-da-caatinga, grigó, pangola<br />

1990<br />

Cebus xanthosternos Wied-Neuwied, 1826 macaco<br />

Cerdocyon thous Linneaus,1766<br />

cachorro-do-mato<br />

Coendou prehensilis Linneaus,1758 luis caixeiro<br />

Crypturellus noctivagus zabelê Spix, 1825 zabelê<br />

Dasypus novemcinctus Linneaus, 1758 tatu verda<strong>de</strong>iro, tatu<br />

Dasypus septemcinctus Linneaus, 1758 tatu-rabo-<strong>de</strong>-sola, tatuí<br />

Dasyprocta prymnolopha Wagler, 1831 cutia<br />

Dasyprocta sp.n. (Jeremoabo)<br />

Dusicyon gymnocercus<br />

guará, guaxinim<br />

Di<strong>de</strong>lphis albiventris Lund, 1840<br />

gambá<br />

Eira barbara Linnaeus, 1758<br />

papa-mel, meia-noite<br />

Euphractus sexcinctus Linneaus, 1758 peba<br />

Herpailurus yaguarund Lacépè<strong>de</strong>, 1809 gato-marisco, gato-raposo<br />

Kerodon rupestris Wied,1820<br />

mocó<br />

Leopardus pardalis Linneaus, 1758 gato-pintado, gato-do-mato, jaguatirica,<br />

jaguatiri<br />

Leopardus tigrinus Schreber, 1775 gato-mamoninha, gato- verda<strong>de</strong>iro<br />

Mazama americana Erxleben, 1777 veado-bo<strong>de</strong><br />

Mazama gouazobira G.Fischer, 1814 veado<br />

Myrmecophaga tridactyla Linneaus, 1758 camanduá, cangula, tamanduá<br />

Nasua nasua Linneaus, 1766<br />

coati<br />

Panthera onca Linneaus, 1758<br />

onça-pintada, pintada<br />

Puma concolor Linneaus, 1771<br />

onça-vermelha, gato-vermelho, onça-parda,<br />

onça-pega-bo<strong>de</strong>, sussuarana, lombo-preto<br />

Procyon cancrivorus Cuvier, 1798 anda-só, caminhador<br />

Pseudalopex vetulus<br />

raposinha<br />

Rhea americana<br />

ema<br />

Sylvilagus brasiliensis Linneaus, 1758 coelho<br />

Tamandua tetradactyla Linneaus, 1758 mexila, melete, mirim, tamaduá-mirim<br />

Tayassu sp.<br />

catitu, caititu<br />

68


Tabela 10: Animais silvestres mais freqüentemente citados durante as entrevistas nas áreas<br />

<strong>de</strong> ocorrência do guigó-da-caatinga (n = 11 informantes)<br />

Nome (s) popular (es) na caatinga<br />

baiana<br />

nicos, sóins<br />

tatu verda<strong>de</strong>iro<br />

veados<br />

Nome científico<br />

Callithrix penicillata<br />

É. Geoffroy, 1815 e<br />

Callithrix jacchus<br />

Linneaus,1758<br />

Dasypus novemcinctus<br />

Linneaus, 1758<br />

Mazama americana Erxleben,<br />

1777<br />

Mazama gouazobira G.Fischer,<br />

1814<br />

Quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> citações<br />

raposa, raposinha Pseudalopex vetulus 11<br />

Peba<br />

onça-vermelha, gato-vermelho,<br />

onça-parda, onça-pega-bo<strong>de</strong>,<br />

sussuarana<br />

gato-pintado, gato-do-mato,<br />

jaguatirica, jaguatiri<br />

gato-mamoninha, gato- verda<strong>de</strong>iro<br />

Euphractus sexcinctus Linneaus,<br />

1758<br />

Puma concolor<br />

Linneaus, 1771<br />

Leopardus pardalis<br />

06<br />

Linneaus, 1758<br />

Leopardus tigrinus<br />

06<br />

Schreber, 1775<br />

Mocó<br />

Kerodon rupestris<br />

06<br />

Wied,1820<br />

Inhambu Crypturellus sp. 06<br />

Zabelê<br />

Crypturellus noctivagus zabele<br />

05<br />

Spix, 1825<br />

Siriema Cariama cristata 04<br />

papa-mel, meia-noite, anda-só,<br />

Eira barbara<br />

04<br />

caminhador<br />

Linnaeus, 1758<br />

onça, onça-pintada, onça-do-<br />

Panthera onca<br />

04<br />

lombo-preto, lombo-preto<br />

Linneaus, 1758<br />

mexila, melete, mirim, tamaduámirim<br />

Tamandua tetradactyla<br />

04<br />

Linneaus, 1758<br />

guará, guaxinim Dusicyon gymnocercus 04<br />

Cutia<br />

Dasyprocta prymnolopha Wagler,<br />

04<br />

1831<br />

Dasyprocta sp.n. (Jeremoabo)<br />

catitu, caititu Tayassu sp. 04<br />

13<br />

12<br />

11<br />

10<br />

08<br />

69


3.4 Provável distribuição geográfica pretérita das espécies do Grupo Personatus<br />

“A entrada do sertão está sobre um socalco do maciço continental, ao<br />

norte. Demarca-o, <strong>de</strong> uma banda, abrangendo dois quadrantes, em<br />

semicírculo, o rio São Francisco; e <strong>de</strong> outra, encurvando também<br />

para su<strong>de</strong>ste, numa normal à direção primitiva, o curso flexuoso do<br />

Itapicuru-açu. Segundo a mediana, correndo quase paralelo entre<br />

aqueles, com o mesmo <strong>de</strong>scambar expressivo para a costa, vê-se o<br />

traço <strong>de</strong> um outro rio, o Vasa-Barris, o Irapiranga dos tapuias, cujo<br />

trecho <strong>de</strong> Geremoabo para as cabeceiras é uma fantasia <strong>de</strong><br />

cartógrafo. De fato, no estupendo <strong>de</strong>grau, por on<strong>de</strong> <strong>de</strong>scem para o<br />

mar ou para jusante <strong>de</strong> Paulo Afonso as rampas esbarrancadas do<br />

planalto, não há situações <strong>de</strong> equilíbrio para uma re<strong>de</strong> hidrográfica<br />

normal. Ali reina a drenagem caótica das torrentes, imprimindo<br />

naquele recanto da Bahia fáceis excepcional e selvagem”. Cunha<br />

(1901, p. 10)<br />

Dado o atual estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição da Caatinga e dos ecossistemas <strong>de</strong> transição entre<br />

ela e a Mata Atlântica, tentar reconstituir a distribuição geográfica original <strong>de</strong> Callicebus<br />

barbarabrownae é algo como <strong>de</strong>screver uma cida<strong>de</strong> após um bombar<strong>de</strong>io.<br />

Próximo ao atual limite sul da distribuição <strong>de</strong> C. barbarabrownae, na região <strong>de</strong><br />

Vitória da Conquista, a introdução <strong>de</strong> espécies invasoras <strong>de</strong> capins e a urbanização<br />

causaram gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sfiguração paisagística, justamente no ecótono entre a Mata Atlântica e<br />

a Caatinga. Hoje é difícil saber se a área em questão foi <strong>de</strong> ocorrência <strong>de</strong> C. melanochir ou<br />

<strong>de</strong> C. barbarabrownae, mas consi<strong>de</strong>rando a brusca variação altitudinal na região da Serra<br />

do Marçal, é possível que o guigó-da-Caatinga algum dia tenha tido como limite sul o<br />

Planalto <strong>de</strong> Conquista, um pouco mais ao sul do que a Serra do Sincorá, seu atual limite<br />

meridional. Abaixo, nas terras planas da região <strong>de</strong> Itambé (15°11'42,5"S, 40°43'8,4"W,<br />

altitu<strong>de</strong> 377 m), ficou a Mata Atlântica, e acima, no planalto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Vitória da Conquista<br />

até o oeste, há uma região <strong>de</strong> transição entre a Caatinga e o Cerrado. Consoante à<br />

vegetação, abaixo do Planalto <strong>de</strong> Conquista, em direção ao litoral, <strong>de</strong>ve ter habitado C.<br />

70


melanochir e a oeste, vencido o hiato <strong>de</strong>marcado pelos cerrados e caatingas <strong>de</strong> altitu<strong>de</strong> do<br />

sudoeste da Chapada Diamantina, C. nigrifrons.<br />

Desperta a atenção <strong>de</strong> qualquer biogeógrafo o fato <strong>de</strong> que a distribuição <strong>de</strong> C.<br />

melanochir não foi barrada totalmente pela intrincada hidrografia dos rios que nascem na<br />

Chapada Diamantina e drenam para o oceano. Ao norte a gran<strong>de</strong> barreira parece ter sido a<br />

foz do rio Paraguaçu, on<strong>de</strong> fica o recôncavo baiano. Seguindo para o sul pelo litoral, a<br />

distribuição <strong>de</strong> C. melanochir novamente não foi barrada pela re<strong>de</strong> hidrográfica, tendo os<br />

guigós ocupado o interflúvio entre o rio <strong>de</strong> Contas e o Pardo, on<strong>de</strong> fica Ilhéus, região <strong>de</strong> sua<br />

localida<strong>de</strong> tipo, bem como a Reserva Biológica <strong>de</strong> Una, unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação fe<strong>de</strong>ral na<br />

qual sua presença tem sido registrada (Printes et al., no prelo). Callicebus melanochir<br />

também <strong>de</strong>ve ter habitado o interflúvio seguinte, entre os rios Pardo e Jequitinhonha, região<br />

hoje extremamente <strong>de</strong>struída pela pecuária, que percorri em janeiro <strong>de</strong> 2005, sem conseguir<br />

registrar a espécie. É possível que C. melanochir tenha habitado aquela região<br />

recentemente, pois atravessou o Jequitinhonha, sendo encontrada bem mais ao sul, no<br />

Parque Nacional do Pau Brasil. A partir dali seu limite sul precisa ser mais bem<br />

investigado. Entretanto, é possível que tenha chegado até o rio Doce, consi<strong>de</strong>rando que no<br />

litoral do Espírito Santo a espécie <strong>de</strong> guigó registrada é C. personatus (ver Van Roosmalen<br />

et al., 2002). A distribuição <strong>de</strong> C. personatus, porém, é mais restrita do que se supunha. Em<br />

parte da região apontada como <strong>de</strong>ntro da sua extensão <strong>de</strong> ocorrência (Van Roosmalen et al.,<br />

2002), na divisa entre os Estados <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> <strong>Gerais</strong> e Espírito Santo, recentemente foi<br />

registrado C. nigrifrons (André Hirsch, com. pess.). A distribuição <strong>de</strong>ste, vindo do oeste,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os rios Tietê e Paraná-Parnaíba (Hershkovitz, 1988a), vai hoje até o rio Manhuaçu, a<br />

partir do qual inicia a distribuição <strong>de</strong> C. personatus, espécie que, como vimos<br />

anteriormente, ocupou a região litorânea capixaba.<br />

71


Consi<strong>de</strong>rando novamente C. barbarabrownae e tendo como setor <strong>de</strong> análise o norte<br />

da Bahia, observa-se que, <strong>de</strong> Juazeiro em direção ao leste, há gran<strong>de</strong>s áreas <strong>de</strong> caatinga<br />

arbustiva <strong>de</strong>nsa (o “carrasco”) que po<strong>de</strong>m ter barrado sua distribuição. Nos municípios <strong>de</strong><br />

Curaçá, Macururé e Paulo Afonso o guigó não subsiste, nem sequer na memória dos<br />

sertanejos. Entretanto, o rio São Francisco foi tradicionalmente apontado como o limite<br />

norte para a espécie (Hershkovitz, 1988a; Van Roosmalen et al., 2002). Talvez as matas<br />

ripárias que outrora <strong>de</strong>senhavam as curvas do São Francisco, região antigamente conhecida<br />

como “Sertão <strong>de</strong> Ro<strong>de</strong>las” (Cunha, 1901), tenham sido os hábitats mais setentrionais e<br />

oci<strong>de</strong>ntais para a espécie no passado, mas hoje foram substituídas pela pastagem, pelos<br />

cultivos e pelo carrasco (caatinga arbustiva <strong>de</strong>nsa). Mas também é possível que o guigó-da-<br />

Caatinga jamais tenha chegado tão perto das margens do São Francisco, tendo encontrado<br />

como limite norte a Serra Branca, na região que separa Canudos <strong>de</strong> Monte Santo, bem<br />

como as serras que separam Jeremoabo <strong>de</strong> Santa Brígida. Entre estas serras em que o<br />

guigó-da-Caatinga ainda habita e o São Francisco, on<strong>de</strong> não foi registrado, há todo o Raso<br />

do Catarina, gran<strong>de</strong> planalto dominado pela caatinga arbustiva <strong>de</strong>nsa, na qual somente os<br />

calitriquí<strong>de</strong>os conseguiram sobreviver. Lá registramos simpatria entre Callithrix penicillata<br />

e Callithrix jacchus.<br />

A Chapada Diamantina, na sua porção mais meridional (região <strong>de</strong> Lençóis)<br />

provavelmente barrou a distribuição <strong>de</strong> C. barbarabrownae para o oeste, <strong>de</strong>vido a uma<br />

alteração brusca da vegetação provocada pela topografia. A flora abruptamente ganha<br />

aspectos <strong>de</strong> Cerrado e <strong>de</strong> campos rupestres, lembrando os ambientes da Serra do Espinhaço<br />

em <strong>Minas</strong> <strong>Gerais</strong>. Porém a Chapada não teve o mesmo efeito na sua porção norte, na região<br />

<strong>de</strong> Wagner e Utinga, on<strong>de</strong> ainda vicejam remanescentes <strong>de</strong> matas orográficas e subsistem<br />

alguns indivíduos do guigó-da-caatinga nas esparsas reservas legais das fazendas.<br />

72


O atual limite leste <strong>de</strong> C. barbarabrownae, na divisa entre os Estados da Bahia e<br />

Sergipe, provavelmente está próximo ao que foi o limite original, antes da ocupação<br />

humana. Em que pese à transformação da paisagem provocada pela pecuária, ainda é<br />

possível perceber, <strong>de</strong> oeste para leste, a Caatinga transformar-se abruptamente em Mata<br />

Atlântica, como foi observado por Cunha (1901).<br />

3.5 Quais os limites atuais da distribuição da espécie?<br />

O limite norte da distribuição correspon<strong>de</strong> às serras <strong>de</strong> Minuim (Santa Brígida:<br />

09º49'36,18"S, 38º05'44,74"W, altitu<strong>de</strong> 451 m). O limite sul é a Serra do Sincorá,<br />

município <strong>de</strong> Contendas do Sincorá (Fazenda Corcovado: 13º 54'52,10"S, 41º10'23,70"W,<br />

altitu<strong>de</strong> 712 m). O limite leste está na divisa entre os Estados da Bahia e Sergipe, no<br />

município <strong>de</strong> Cel. João Sá (10º13' 49,80"S, 38º02'0,13"W; altitu<strong>de</strong> 268 m). O limite oeste<br />

localiza-se a 107 km do rio São Francisco, no município <strong>de</strong> Gentio do Ouro (Salitre:<br />

11º32'54,40"S, 42º22'58,70"W; altitu<strong>de</strong> 908 m).<br />

Três registros foram obtidos na região <strong>de</strong> Serrinha, próximo à localida<strong>de</strong> tipo. São<br />

eles: Tanquinho, Lamarão (localida<strong>de</strong> tipo) e Casa Nova. A leste <strong>de</strong> Araci surge uma<br />

gran<strong>de</strong> mancha <strong>de</strong> Cerrado que se esten<strong>de</strong> até Nova Soure; lá nenhum registro foi obtido.<br />

Entretanto a nor<strong>de</strong>ste <strong>de</strong> Araci as caatingas arbóreas voltam a aparecer, escapando da<br />

pecuária graças ao relevo aci<strong>de</strong>ntado. Naquela região foram obtidos novos registros <strong>de</strong> C.<br />

barbarabrownae em Mandacaru e Monte Cruzeiro (que pertencem a Quijingue), em<br />

Banzaê, Eucli<strong>de</strong>s da Cunha e Monte Santo. O registro para Canudos foi obtido na Serra<br />

Branca, que faz a divisa entre este município e Monte Santo. Canudos e Minuim estão<br />

73


quase na mesma latitu<strong>de</strong>, correspon<strong>de</strong>ndo ao limite norte da espécie, cuja distribuição não<br />

chega ao rio São Francisco, como até então se pensava (coor<strong>de</strong>nadas geográficas das<br />

localida<strong>de</strong>s citadas na Tabela 11).<br />

74


Tabela 11: Registros realizados durante o projeto: “Distribuição e status do guigó-dacaatinga”<br />

(C. melanochir n = 1, C. coimbrai n = 5, C. barbarabrownae n = 37)<br />

Localida<strong>de</strong> Coor<strong>de</strong>nadas Altitu<strong>de</strong><br />

Espécie<br />

(m)<br />

Lamarão do Passe,<br />

12° 29’ 50,10” S 52 Callicebus coimbrai<br />

S. Sebastião do Passé (BA) 38° 22’ 34,50” W<br />

Boa União,<br />

12° 11’ 03,80” S 159 Callicebus coimbrai<br />

Alagoinhas (BA)<br />

38° 32’ 16,00” W<br />

Carira, N. Sra. Da Glória (SE) 10° 12’ 18,39” S 368 Callicebus coimbrai<br />

37° 29’ 36,69” W<br />

Faz. Venturosa,<br />

10° 09’ 35,09” S - Callicebus coimbrai<br />

N. Sra. Da Glória (SE)<br />

37° 43’ 37,39” W<br />

Faz. Pioneira, Itabaianhinha (SE) 11° 11’ 37,90” S 316 Callicebus coimbrai<br />

37° 43’ 12,24” W<br />

Faz. Da Michelin, Igrapiúna (BA) 13° 48’ 51,30” S 53 Callicebus melanochir<br />

39° 12’ 03,00” W<br />

Fazenda Floresta,<br />

09° 58’ 57,00” S 336 Callicebus barbarabrownae<br />

Jeremoabo (BA)<br />

38° 15’ 09,79” W<br />

Fazenda Mineiro,<br />

10° 03’ 19,80” S 287 Callicebus barbarabrownae<br />

Jeremoabo (BA)<br />

38° 15’ 33,55” W<br />

Lagoa do Nolasco,<br />

10° 27’ 54,02” S 424 Callicebus barbarabrownae<br />

Cícero Dantas (BA)<br />

38° 21’ 19,35” W<br />

Cícero Dantas(BA), se<strong>de</strong><br />

10° 31’ 18,56” S 390 Callicebus barbarabrownae<br />

38° 20’ 50,10” W<br />

Raso do Santo, Cícero Dantas (BA) 10° 29’ 06,50” S 432 Callicebus barbarabrownae<br />

38° 18’ 13,50” W<br />

Antas (BA)<br />

10° 26’ 43,80” S 330 Callicebus barbarabrownae<br />

38° 18’ 43,42” W<br />

Sítio do Quinto (BA)<br />

10° 14’ 53,99” S 268 Callicebus barbarabrownae<br />

38° 15’ 04,54” W<br />

Coronel João Sá (BA)<br />

10° 13’ 53,30” S 245 Callicebus barbarabrownae<br />

38° 02’ 05,04” W<br />

Pedro Alexandre (BA), se<strong>de</strong> 09° 59’ 48,40” S 339 Callicebus barbarabrownae<br />

37° 58’ 35,57” W<br />

Minuim, Santa Brígida (BA) 09° 49’ 36,18” S 451 Callicebus barbarabrownae<br />

38° 05’ 44,74” W<br />

Bela Vista ou Boa Vista, Tanquinho 11° 56’ 32,90” S 477 Callicebus barbarabrownae<br />

(BA)<br />

39° 04’ 05,90” W<br />

Lamarão (BA), se<strong>de</strong><br />

11° 49’ 55,30” S 270 Callicebus barbarabrownae<br />

38° 54’ 14,60” W<br />

Casa Nova, Can<strong>de</strong>al (BA)<br />

11° 46’ 58,10” S 241 Callicebus barbarabrownae<br />

39° 13’ 50,90” W<br />

Mandacaru, Quijingue (BA) 10° 57’ 19,40” S 450 Callicebus barbarabrownae<br />

39° 05’ 11,80” W<br />

Monte Cruzeiro, Quijingue (BA) 10° 57’ 19,90” S 346 Callicebus barbarabrownae<br />

39° 04’ 50,50” W<br />

Miran<strong>de</strong>la, Banzaê (BA)<br />

10° 39’ 39,60” S 300 Callicebus barbarabrownae<br />

38° 37’ 53,10” W<br />

Faz. Soturno,<br />

Banzaê (BA)<br />

10° 35’ 25,90” S<br />

38° 35’ 23,10” W<br />

415 Callicebus barbarabrownae<br />

75


Localida<strong>de</strong> Coor<strong>de</strong>nadas Altitu<strong>de</strong><br />

Espécie<br />

(m)<br />

Contendas, Monte Santo (BA) 10° 26’ 44,60” S 626 Callicebus barbarabrownae<br />

39° 10’ 11,70” W<br />

Serra Branca,<br />

10° 24’ 32,40” S 587 Callicebus barbarabrownae<br />

Monte Santo (BA)<br />

39° 20’ 27,80” W<br />

Itiúba (BA), se<strong>de</strong><br />

10° 41’ 53,20” S 711 Callicebus barbarabrownae<br />

39° 49’ 34,80” W<br />

Serra Branca, Canudos (BA) 10° 18’ 18,90” S 551 Callicebus barbarabrownae<br />

38° 57’ 44,30” W<br />

Faz. Lagoa Funda, Campo Formoso 10° 26’ 36,10” S 768 Callicebus barbarabrownae<br />

(BA)<br />

40° 22’ 21,70” W<br />

Faz. Corcovado, Contendas do 13° 54’ 21,40” S 603 Callicebus barbarabrownae<br />

Sincorá (BA)<br />

41° 09’ 55,10” W<br />

Faz. Corcovado, Contendas do 13° 54’ 52,10” S 712 Callicebus barbarabrownae<br />

Sincorá (BA)<br />

41° 10’ 23,70” W<br />

Faz. Trancada II, Andaraí (BA) 12° 57’ 56,30” S 708 Callicebus barbarabrownae<br />

41° 14’ 27,80” W<br />

Estrada para Remanso, Lençóis (BA) 12° 33’ 17,10” S 490 Callicebus barbarabrownae<br />

41° 21’52,40” W<br />

Faz. Morro Redondo, Itaberaba (BA) 12° 24’ 09,00” S 341 Callicebus barbarabrownae<br />

41° 24’ 56,50” W<br />

Marcionílio Souza (BA), se<strong>de</strong> 13° 02’ 07,90” S 598 Callicebus barbarabrownae<br />

40° 25’ 38,00” W<br />

Faz. De Garcia, Rui Barbosa (BA) 12° 23’ 35,90” S 464 Callicebus barbarabrownae<br />

40° 31’ 56,20” W<br />

Faz. Serra Azul, Mandacaru, Baixa 11° 52’ 40,40” S 357 Callicebus barbarabrownae<br />

Gran<strong>de</strong> (BA)<br />

40° 04’ 36,80” W<br />

Faz. Deus Dará, Povoado Madacaru, 11° 52’ 40,20” S 424 Callicebus barbarabrownae<br />

Baixa Gran<strong>de</strong> (BA)<br />

40° 05’ 46,90” W<br />

Faz. Junco, Povoado Maxixi, Miguel 11° 29’ 28,00” S 656 Callicebus barbarabrownae<br />

Calmon (BA)<br />

40° 41’ 45,50” W<br />

Faz. Bastião, Saú<strong>de</strong> (BA)<br />

10° 57’ 38,70” S 524 Callicebus barbarabrownae<br />

40° 21’ 08,30” W<br />

Fazs. Nova Esperança e Passagem, 11° 53’ 21,90” S 776 Callicebus barbarabrownae<br />

Morro do Chapéu (BA)<br />

41° 04’ 36,50” W<br />

Faz. Roça Gran<strong>de</strong>, Morro do Chapéu 11° 53’ 33,00” S 766 Callicebus barbarabrownae<br />

(BA)<br />

41° 04’ 28,07” W<br />

Salitre, Gentio do Ouro (BA) 11° 32’ 54,40” S 908 Callicebus barbarabrownae<br />

42° 22’ 58,70” W<br />

Fazenda J. Viana, Wagner (BA) 12° 15’ 35,50” S<br />

41° 12’ 41,50” W<br />

609 Callicebus barbarabrownae<br />

76


A oeste da Chapada Diamantina não foi obtido qualquer registro <strong>de</strong> guigó, nem<br />

mesmo através <strong>de</strong> relatos <strong>de</strong> antigos moradores, corroborando a hipótese <strong>de</strong> que o relevo,<br />

ou a mudança fitogeográfica a ele associada, possa ter barrado a distribuição <strong>de</strong> Callicebus<br />

naquela região, como <strong>de</strong>fendia Hershkovitz (1988a, 1990a). Entretanto, a leste da Chapada,<br />

obtive importantes registros na região <strong>de</strong> Andaraí e Lençóis. Dali seguindo para o norte, os<br />

registros <strong>de</strong> C. barbarabrownae se multiplicam, aparecendo em Wagner, Morro do Chapéu,<br />

Miguel Calmon, Saú<strong>de</strong>, Itiúba e Campo Formoso, sempre acompanhando as serras daqueles<br />

municípios. Entretanto, <strong>de</strong>sapareceram no vale do rio Salitre, já na região <strong>de</strong> Juazeiro.<br />

A leste da Bahia, na região do agreste, on<strong>de</strong> as matas orográficas hoje escassas<br />

po<strong>de</strong>m ter abrigado relevante população no passado, foram obtidos registros em Cícero<br />

Dantas, Antas, Sítio do Quinto, Jeremoabo, Minuim (Santa Brígida), Pedro Alexandre e<br />

Coronel João Sá.<br />

A oeste, o registro feito em Gentio do Ouro, no vale do rio Ver<strong>de</strong>, está curiosamente<br />

isolado, o que po<strong>de</strong> levantar a seguinte questão: o guigó-da-caatinga algum dia foi<br />

abundante no noroeste da Chapada Diamantina? Sua presença rarefeita naquela região<br />

talvez possa ser explicada pela rígida ari<strong>de</strong>z ou pelos antigos impactos antrópicos<br />

relacionados à mineração. Gentio do Ouro chamava-se “Santo Inácio do Açuruá” quando<br />

Teodoro Sampaio por lá passou, entre 1879 e 1880. Sobre aqueles sertões da Bahia<br />

escreveu o primeiro geógrafo brasileiro:<br />

“O rio Ver<strong>de</strong>, apelidado De Baixo, para se distinguir <strong>de</strong> seu<br />

homônimo superior, que faz as divisas dos territórios da Bahia e<br />

<strong>Minas</strong>, nasce na Chapada Velha, corre ao norte, através <strong>de</strong> uma<br />

região <strong>de</strong>serta e sem água, e entra no rio São Francisco abaixo <strong>de</strong><br />

Xiquexique. Conquanto não seja pequeno seu vale, a escassez das<br />

suas águas é tão gran<strong>de</strong> que torna difíceis os trabalhos da mineração”<br />

Sampaio (2002, p.250).<br />

77


Ainda <strong>de</strong> acordo com Sampaio (2002), as lavras <strong>de</strong> Santo Inácio do Açuruá já eram<br />

muito antigas e haviam sido abandonados à época da sua expedição. Daí po<strong>de</strong>-se supor que<br />

a mineração tenha contribuído para a alteração da paisagem e dos padrões <strong>de</strong> distribuição<br />

da fauna. Informantes que trabalhavam como garimpeiros relataram que nos garimpos o<br />

<strong>de</strong>smatamento para a obtenção <strong>de</strong> lenha e a caça para alimentação são práticas comuns até<br />

os dias <strong>de</strong> hoje.<br />

3.6 Qual a extensão <strong>de</strong> ocorrência do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae)?<br />

Extensão <strong>de</strong> ocorrência é <strong>de</strong>finida como a área contida <strong>de</strong>ntro da menor fronteira<br />

contínua imaginária que po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>senhada incluindo todos os sítios conhecidos, inferidos<br />

ou projetados da ocorrência atual do táxon, excluindo os casos <strong>de</strong> vagância (IUCN, 2001).<br />

No presente estudo, consi<strong>de</strong>rei somente os sítios conhecidos. A extensão <strong>de</strong> ocorrência foi<br />

<strong>de</strong>finida <strong>de</strong> acordo com o método do mínimo polígono convexo (IUCN, 2001). Para tanto,<br />

um polígono sem qualquer ângulo >180º incluindo todos os sítios <strong>de</strong> ocorrência da espécie<br />

foi <strong>de</strong>senhado (Fig. 08) e sua área foi calculada através <strong>de</strong> geometria plana.<br />

Fitogeograficamente, o bioma Caatinga ocupa 11% do território nacional,<br />

abrangendo 800.000 km 2 entre os estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco,<br />

Paraíba, Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, Ceará, Piauí e <strong>Minas</strong> <strong>Gerais</strong> (Drumond et. al., 2004). Bem<br />

mais restrita, entretanto, é a área ocupada pelo guigó-da-caatinga, C. barbarabrownae. A<br />

espécie tem sua distribuição geográfica totalmente situada no território da Bahia, com uma<br />

extensão <strong>de</strong> ocorrência aproximada <strong>de</strong> 291.438 km 2 , entre altitu<strong>de</strong>s que variam <strong>de</strong> 241 a<br />

908m.<br />

78


Figura 8: Extensão <strong>de</strong> ocorrência do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae)<br />

79


A julgar pelos presentes resultados, o guigó-da-caatinga tem sua distribuição<br />

geográfica restrita ao território da Bahia, estando sua extensão <strong>de</strong> ocorrência atualmente<br />

situada entre cinco paralelos e seis meridianos, o que totaliza uma área <strong>de</strong> 252.546 km 2 .<br />

Para a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>sta área foi utilizado um mapa em escala 1:1.650.000, no qual foram<br />

plotados os registros <strong>de</strong> campo e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>finido o mínimo polígono convexo, ou seja, “o<br />

menor polígono no qual nenhum ângulo interno exceda 180° e que contenha todos os sítios<br />

<strong>de</strong> ocorrência” (IUCN, 1994). A espécie ocorre em altitu<strong>de</strong>s que variam <strong>de</strong> 241 m (Casa<br />

Nova: 11º46'58"S, 39º13'50,9"W) a 908 m (Salitre: 11º32'54,40"S, 42º22'58,70"W).<br />

3.6.1 Variações <strong>de</strong> pelagem observadas ao longo da extensão <strong>de</strong> ocorrência<br />

Através da morfologia externa (padrão <strong>de</strong> coloração da pelagem) i<strong>de</strong>ntifiquei mais<br />

duas formas <strong>de</strong> guigós ao longo da distribuição geográfica <strong>de</strong> C. barbarabrownae, além<br />

daquela da localida<strong>de</strong> tipo (Figuras 9 e 10).<br />

80


Figura 9: Indivíduo <strong>de</strong> C. barbarabrownae (Hershkovitz, 1990) provavelmente capturado<br />

na região da localida<strong>de</strong> tipo, que inclui Serrinha e municípios próximos (foto: Alci<strong>de</strong>s<br />

Pissinati)<br />

81


Figura 10: Ilustrações das três formas <strong>de</strong> guigós avistadas <strong>de</strong>ntro da área <strong>de</strong><br />

distribuição geográfica do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae).<br />

82


Descrição das formas: a) Uma forma com o tronco cinza semelhante ao <strong>de</strong>senhado<br />

para C. melanochir (Wied-Neuwied, 1820) na figura número 52, pág. 52, revista<br />

Neotropical Primates vol. 10 (2002), com a cauda po<strong>de</strong>ndo ser laranja ou da cor do tronco<br />

e a face negra, com dia<strong>de</strong>ma branco, pequeno ou ausente (Figs. 10 b e 11). Esta forma está<br />

restrita a região leste da Chapada Diamantina, limite sul da distribuição da espécie,<br />

habitando o que Rizzini (1967) apud Coimbra-Filho e Câmara (1996) chama <strong>de</strong> matas<br />

orográficas (e.g., Fazenda Corcovado, Contendas do Sincorá 13º54'21"S; 41º09'55"W;<br />

altitu<strong>de</strong> 603 m);<br />

Figura 11: Forma <strong>de</strong> C. barbarabrownae (Hershkovitz, 1990), restrita às matas<br />

orográficas do leste da Chapada Diamantina, Contendas do Sincorá, Bahia (foto:<br />

Carlos<br />

Guidorizzi).<br />

83


) Uma forma <strong>de</strong> cauda laranja como aquela apresentada para C. barbarabrownae<br />

Hershkovitz, 1990 na figura número 52, pág. 52, revista Neotropical Primates, vol. 10<br />

(2002), porém com o tronco avermelhado e a cabeça negra, como representado na mesma<br />

prancha para C. personatus 1 (Figura 10 c). Infelizmente não foi possível fotografá-la. Esta<br />

forma foi vista pela primeira vez na Fazenda Cafula, em Cel. João Sá, Bahia (10º13'49,8"S,<br />

38º02'03"W; altitu<strong>de</strong> 268 m). A população se restringe a ambientes <strong>de</strong> transição entre a<br />

Mata Atlântica e a Caatinga, na divisa entre os Estados <strong>de</strong> Sergipe e Bahia, indo até a<br />

Jeremoabo (Bahia). Tais formas, embora dignas <strong>de</strong> nota, precisam ser mais bem<br />

compreendidas antes <strong>de</strong> serem consi<strong>de</strong>radas como espécies ou subespécies. Os padrões <strong>de</strong><br />

coloração da pelagem, embora historicamente uitilizados para <strong>de</strong>finir as espécies <strong>de</strong><br />

Callicebus, têm se revelado um tanto subjetivos e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> fatores tais como a classe<br />

etário-sexual e a dieta dos animais.<br />

Neste sentido, <strong>de</strong>ve ser realizado um projeto <strong>de</strong> pesquisa envolvendo estudos<br />

genéticos das populações <strong>de</strong> Callicebus do grupo personatus: C. barbarabrownae, C.<br />

coimbrai, C. melanochir, C. personatus e C. nigrifrons. As pesquisas até agora já<br />

<strong>de</strong>monstrarm que C. nigrifrons apresenta cariótipo 2n = 42 enquanto C. personatus e C.<br />

coimbrai são 2n = 42 cromossomos (Printes et. al., no prelo). Entretanto, este estudo <strong>de</strong>ve<br />

ser conduzido paralelamente a um esforço <strong>de</strong> campo visando atualizar os dados <strong>de</strong><br />

distribuição geográfica das espécies (principalmente as três últimas). O número <strong>de</strong><br />

indivíduos, bem como a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lócus, <strong>de</strong>vem ser maximizados, tendo em vista o<br />

conhecido polimorfismo do gênero.<br />

84


3.7 Qual a área <strong>de</strong> ocupação do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae)?<br />

Área <strong>de</strong> ocupação é <strong>de</strong>finida como a área <strong>de</strong>ntro da extensão <strong>de</strong> ocorrência que é<br />

realmente ocupada pelo táxon, excluindo os casos <strong>de</strong> vagância. A medida reflete o fato <strong>de</strong><br />

que um táxon usualmente não ocorre ao longo <strong>de</strong> toda a sua extensão <strong>de</strong> ocorrência, a qual<br />

po<strong>de</strong> conter muitos hábitats ina<strong>de</strong>quados ou não ocupados (IUCN, 2001, 2006). O tamanho<br />

da área <strong>de</strong> ocupação será uma função da escala, que <strong>de</strong>ve ser apropriada aos aspectos<br />

biológicos relevantes do táxon, à natureza das ameaças e à disponibilida<strong>de</strong> dos dados<br />

(IUCN, 2001, 2006).<br />

A área <strong>de</strong> ocupação do guigó-da-caatinga foi calculada através do método da soma<br />

dos quadrados (IUCN, 2001, 2006). Utilizando-se uma gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> malha 0,1 cm, foi obtida a<br />

superfície <strong>de</strong> 2.636 km 2 , que correspon<strong>de</strong> à região efetivamente ocupada pela espécie<br />

(Figura 12).<br />

85


Figura 12: Área <strong>de</strong> ocupação do guigó-da-caatinga calculada através do método da soma<br />

dos quadrados (IUCN, 2001, 2006)<br />

86


Os registros do guigó-da-caatinga se concentraram em três regiões: 1) Do agreste,<br />

nas matas orográficas <strong>de</strong> Cícero Dantas, Antas, Jeremoabo, Minuim (Santa Brígida), Pedro<br />

Alexandre e Coronel João Sá; 2) Da localida<strong>de</strong>-tipo, que além <strong>de</strong> Lamarão inclui Casa<br />

Nova, Tanquinho, Mandacaru, Monte Cruzeiro, Banzaê, Canudos e Monte Santo; 3) Do<br />

norte da Chapada Diamantina, nas caatingas arbóreas e matas orográficas <strong>de</strong> Wagner, Rui<br />

Barbosa, Itaberaba, Morro do Chapéu, Miguel Calmon, Saú<strong>de</strong>, Itiúba e Campo Formoso,<br />

sempre acompanhando as serras dos municípios. A importância <strong>de</strong>stas três regiões fica<br />

mais evi<strong>de</strong>nte quando todos os registros são plotados num gráfico cujo eixo das abscissas<br />

correspon<strong>de</strong> às longitu<strong>de</strong>s e o eixo das or<strong>de</strong>nadas às latitu<strong>de</strong>s e surgem três nuvens <strong>de</strong><br />

pontos (Figura 13).<br />

87


-8<br />

-9<br />

-10<br />

-11<br />

Latitu<strong>de</strong> S<br />

-12<br />

-13<br />

-14<br />

-15<br />

-16<br />

-47 -46 -45 -44 -43 -42 -41 -40 -39 -38 -37 -36 -35 -34 -33<br />

Longitu<strong>de</strong> W<br />

Figura 13: Plotagem <strong>de</strong> todos os registros <strong>de</strong> C. barbarabrowane ao longo do sistema <strong>de</strong><br />

coor<strong>de</strong>nadas geográficas Gauss-Krieger.<br />

88


3.8 Sobre os limites entre as espécies <strong>de</strong> Callicebus da Mata Atlântica e Caatinga<br />

(Grupo Personatus)<br />

O número <strong>de</strong> registros por espécie <strong>de</strong> Callicebus que obtive ao longo <strong>de</strong>ste estudo é<br />

<strong>de</strong>monstrado na Figura 14.<br />

100%<br />

90%<br />

80%<br />

70%<br />

60%<br />

50%<br />

40%<br />

30%<br />

20%<br />

10%<br />

0%<br />

C. coimbrai C. melanochir C. barbarabrownae<br />

Figura 14: Número <strong>de</strong> indivíduos por espécie registrados ao longo do projeto “Distribuição<br />

e status do guigó-da-Caatinga Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990” (C.<br />

coimbrai n = 9, C. melanochir n = 2, C. barbarabrownae n = 51)<br />

89


Em viagem para Canudos, Eucli<strong>de</strong>s da Cunha se impressionou com a transformação<br />

da Mata Atlântica em Caatinga e <strong>de</strong>screveu com maestria o que estava vendo. Esta<br />

<strong>de</strong>scrição faz pensar que não apenas po<strong>de</strong> haver um guigó para cada formação<br />

fitogeográfica, mas também que o guigó po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado um indicador remoto do tipo<br />

<strong>de</strong> solo, tamanha a relação <strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pendência entre o solo, a vegetação e a fauna:<br />

“(...) Logo a partir <strong>de</strong> Camaçari as formações antigas<br />

cobrem-se <strong>de</strong> escassas manchas terciárias, alternando com<br />

exíguas bacias cretáceas, revestidas do terreno arenoso <strong>de</strong><br />

Alagoinhas que mal esgarçam a leste, as emersões calcárias<br />

<strong>de</strong> Inhambupe. A vegetação em roda transmuda-se, copiando<br />

estas alternativas com a precisão <strong>de</strong> um <strong>de</strong>calque. Rarefazemse<br />

as matas, ou empobrecem. Extinguem-se, por fim, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> lançarem rebentos esparsos pelo topo das serranias; e estas<br />

mesmo, aqui e ali, cada vez mais raras, ilham-se ou avançam<br />

em promontório nas planuras <strong>de</strong>snudas dos campos, on<strong>de</strong><br />

uma flora característica – arbustos flexuosos entressachados<br />

<strong>de</strong> bromélias rubras – prepon<strong>de</strong>ra exclusiva em largas áreas,<br />

mal dominada pela vegetação vigorosa irradiante da Pojuca<br />

sobre o massapê feraz das camadas cretáceas <strong>de</strong>compostas”.<br />

(Cunha, 1901, p.24)<br />

Entre junho e julho <strong>de</strong> 2004, na tentativa <strong>de</strong> reencontrar a localida<strong>de</strong> tipo <strong>de</strong> C.<br />

barbarabrownae, investiguei a região do recôncavo baiano, incluindo Camaçari,<br />

Alagoinhas e Pojuca. Lá registrei C. coimbrai, espécie cujo limite sul <strong>de</strong> distribuição até<br />

então era o rio Itapicuru, na divisa entre os Estados da Bahia e Sergipe (Kobayashi &<br />

Langguth, 1999) (Figura 15). A localida<strong>de</strong> conhecida como Lamarão do Passé (12º29'51"S,<br />

38º22'35"W, altitu<strong>de</strong> 52 m) passou então a ser a mais meridional <strong>de</strong>ntro da área <strong>de</strong><br />

distribuição <strong>de</strong>sta espécie. Callicebus coimbrai Kobayashi & Langguth, 1999 se<br />

<strong>de</strong>monstrou uma forma realmente restrita ao litoral, tendo o recôncavo baiano como seu<br />

limite sul.<br />

90


Figura 15: Callicebus coimbrai, forma restrita a Sergipe e recôncavo baiano, reconhecida<br />

como espécie por Kobayashi e Langguth em 1999 (foto: Marcelo Sousa)<br />

91


Entre abril e maio <strong>de</strong> 2005, na região <strong>de</strong> Igrapiúna, investiguei se a extensão <strong>de</strong><br />

ocorrência <strong>de</strong> C. barbarabrownae realmente teria atingido o litoral ao sul do Recôncavo<br />

Baiano, conforme sugerido pelo mapa da revisão taxonômica <strong>de</strong> Callicebus feita por Van<br />

Roosmalen et al. (2002, p.39), a mais recente naquela época. A espécie encontrada na<br />

região citada, porém, foi Callicebus melanochir, numa fazenda <strong>de</strong> plantio <strong>de</strong> seringueiras<br />

da multinacional Michelin (13º48'51"S, 39º 12' 03"W, altitu<strong>de</strong> 53 m). Os animais vistos<br />

tinham a corpo <strong>de</strong> coloração uniforme (concolor), porém com a cauda em tom castanho<br />

(variegata), o que foi observado nesta espécie <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua <strong>de</strong>scrição (Kuhl, 1820 apud<br />

Elliot, 1913). O rio Paraguaçu <strong>de</strong>ixou na margem norte C. coimbrai e na margem sul C.<br />

melanochir. Para o oeste, já na região <strong>de</strong> Feira <strong>de</strong> Santana, aparece C. barbarabrownae <strong>de</strong><br />

ambos os lados do Paraguaçu, sugerindo que a separação <strong>de</strong>sta espécie das outras duas<br />

tenha sido anterior à formação daquele rio e que tenha ocorrido por razões fitogeográficas e<br />

não através <strong>de</strong> vicariância.<br />

Em relação ao limite leste <strong>de</strong> C. barbarabrownae, que correspon<strong>de</strong> ao oeste <strong>de</strong> C.<br />

coimbrai, encontrei dificulda<strong>de</strong>s em <strong>de</strong>terminá-lo. Aparentemente não há uma barreira<br />

específica que o <strong>de</strong>marque. Entretanto, observei que C. coimbrai hoje se restringe a<br />

florestas localizadas em regiões <strong>de</strong> altitu<strong>de</strong>s que variam entre 100 e 300 m (o que num<br />

passado recente po<strong>de</strong> ter sido entre 0 e 300 m) com maior influência da pluviosida<strong>de</strong> do que<br />

aquelas on<strong>de</strong> vive C. barbarabrownae. Na fronteira norte entre os Estados da Bahia e<br />

Sergipe se eleva um platô cuja borda é formada por amplo cinturão orogênico, localizado<br />

na região <strong>de</strong> Minuim (Santa Brígida), Pedro Alexandre e Coronel João Sá (municípios da<br />

Bahia). A rodovia fe<strong>de</strong>ral BR 110 <strong>de</strong>ixa a leste a Serra Gran<strong>de</strong> (523 m), da Canastra (571<br />

m), do Juazeiro (618 m), da Formiga (559 m), do Coité (701 m), da Velhacaria (500 m), do<br />

Marancó (688 m), do Retiro (566 m), Rompe Gibão (529 m) e do Poção (517 m); a oeste a<br />

92


Serra <strong>de</strong> São Domingos (511 m), do Lobisomem (541 m), do Manezinho (506 m), do<br />

Brejinho (698 m) e dos Coxos (686 m), até começar a região do Raso da Catarina. Estas<br />

serras, entre outras menores (localmente conhecidas como “serrotes”), aparentemente não<br />

atuaram como barreira ao fluxo gênico entre as duas formas <strong>de</strong> Callicebus, mas po<strong>de</strong>m ter<br />

retido a precipitação a leste, on<strong>de</strong> as florestas têm uma influência visivelmente atlântica,<br />

originando a oeste uma região mais árida, na qual hoje predominam as caatingas (ver carta<br />

<strong>de</strong> relevo da Bahia na Figura 16) .<br />

93


Figura 16: Carta <strong>de</strong> relevo do Estado da Bahia (SEI, 2003). Os círculos azuis<br />

correspon<strong>de</strong>m às localida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> foi registrado o guigó-da-caatinga.<br />

94


Ao norte do Raso da Catarina, entre Paulo Afonso e Macururé, se ergue um gran<strong>de</strong><br />

platô dominado por caatingas secas não arbóreas e caatingas arbustivas <strong>de</strong>nsas, paralelo ao<br />

qual há uma estrada <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 100 km em linha reta, cortando-o à moda <strong>de</strong> um transecto<br />

no sentido leste-oeste. Não registrei os guigós naquela região, porém eles voltaram a surgir<br />

mais ao sul, nas serras entre Canudos e Jeremoabo, quando as caatingas arbóreas<br />

reapareceram.<br />

A relação topografia/especiação neste caso é provavelmente indireta, se dando<br />

através da vegetação: nas matas com influência pluvial e atlântica ficou C. coimbrai e nas<br />

caatingas continentais, C. barbarabrownae. Entretanto, como não há uma barreira física,<br />

po<strong>de</strong> haver áreas <strong>de</strong> transição quanto à vegetação. De fato encontrei C. coimbrai em<br />

ambiente <strong>de</strong> caatinga arbórea com influência da Mata Atlântica, na região <strong>de</strong> Nossa<br />

Senhora da Glória (Sergipe) (Figura 17). Porém, a recíproca não se fez verificada: não<br />

registrei C. barbarabrownae em região que lembrasse a Mata Atlântica. A propósito<br />

observam Coimbra-Filho & Câmara (1996, p.25):<br />

“A <strong>de</strong>struição das pontes faunísticas silvestres entre os resíduos<br />

<strong>de</strong> matas hoje existentes fez mudar radicalmente a fácies<br />

vegetacional e ambiental da região, favorecendo condições<br />

para a ampliação <strong>de</strong> ecossistemas antrópicos heliófilos, embora<br />

restassem espalhados pela região alguns remanescentes muito<br />

<strong>de</strong>gradados das antigas formações florestais [...] As espécies<br />

próprias dos ecossistemas primários nor<strong>de</strong>stinos, <strong>de</strong> hábitos<br />

silvestres, são agora extremamente escassas porque a lógica<br />

indica terem sido eliminadas ou reduzidas no curso da<br />

<strong>de</strong>struição dos ecossistemas originais, quando vultuoso número<br />

<strong>de</strong> espécies certamente foi exterminado sem <strong>de</strong>ixar vestígios”.<br />

Se a vegetação heliófila avançou nas regiões alteradas pela mão humana nos últimos<br />

450 anos, então é provável que a distribuição <strong>de</strong> C. coimbrai, no sentido oeste tenha sido<br />

95


mais ampla no passado. Da mesma forma isto po<strong>de</strong>ria explicar porque C. coimbrai e não C.<br />

barbarabrownae foi encontrado nas regiões <strong>de</strong> transição entre a Caatinga e a Mata<br />

Atlântica.<br />

Figura 17: Callicebus coimbrai fotografado em ambiente <strong>de</strong> transição entre a Caatinga e a<br />

Mata Atlântica, na divisa entre Sergipe e Bahia, Nossa Senhora da Glória (Sergipe) (foto:<br />

Marcelo<br />

Sousa)<br />

96


Não obtive nenhum registro <strong>de</strong> simpatria entre essas duas formas <strong>de</strong> Callicebus, fato<br />

interessante, uma vez que elas são consi<strong>de</strong>radas espécies e não subespécies. O elevado grau<br />

<strong>de</strong> antropização da região é um fator a ser consi<strong>de</strong>rado nesta discussão. Porém torna-se<br />

difícil afirmar com certeza se tais formas <strong>de</strong>rivam realmente <strong>de</strong> linhagens filogenéticas<br />

distintas, uma vez que carecemos <strong>de</strong> um estudo cladístico com bases genéticas.<br />

A Figura 18 apresenta a distribuição geográfica das espécies do Grupo Personatus<br />

com base na literatura e nas observações <strong>de</strong> campo do presente trabalho e <strong>de</strong> outros<br />

pesquisadores (Printes et al., no prelo).<br />

97


Figura 18: Distribuição geográfica das espécies do Grupo Personatus, com base nas<br />

observações <strong>de</strong> campo <strong>de</strong> quatro pesquisadores (Printes et al., no prelo).<br />

98


Capítulo 3: A conservação do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae<br />

Hershkovitz, 1990)<br />

Questões<br />

• Quais as principais ameaças à espécie?<br />

• Callicebus barbarabrownae <strong>de</strong>ve permanecer na categoria “criticamente em<br />

perigo”?<br />

1. Introdução: Os sertões <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s da Cunha não existem mais<br />

A ocupação humana da Caatinga baiana, região estudada por Eucli<strong>de</strong>s da Cunha<br />

(1866-1909), o primeiro sociólogo rural brasileiro, ocorreu <strong>de</strong> modo intensivo após a sua<br />

morte, isto é, nos últimos 100 anos. Visitei muitos locais por ele mencionados no livro “Os<br />

Sertões” (Cunha, 1901) como sendo áreas <strong>de</strong> vazio <strong>de</strong>mográfico, ao longo do presente<br />

estudo, e verifiquei que hoje são núcleos urbanos em expansão. São exemplos: Monte<br />

Santo, com 56.602 habitantes e Jeremoabo, com 32.703 (Campos et al., 2004; IBGE,<br />

2005). Há uma extensa malha viária (em péssimo estado <strong>de</strong> conservação) transpassando o<br />

que Cunha (1901) chamava <strong>de</strong> “sertão”, isto é, o interior do nor<strong>de</strong>ste brasileiro. Estradas<br />

oficiais e clan<strong>de</strong>stinas dão amplo acesso à região, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as margens das rodovias fe<strong>de</strong>rais e<br />

estaduais até os locais mais ermos da Caatinga, entre Monte Santo, Canudos e Uauá; entre<br />

Barro Vermelho e Curaçá; entre Curaçá e Juazeiro; entre o Raso da Catarina e o inóspito<br />

vale do Rio Salitre. Estas estradas e rodovias trouxeram povoações e vilas, pequenas<br />

civilizações recônditas <strong>de</strong> um Brasil, para muitos, ignorado. Um pequeno povoado surgiu<br />

há cerca <strong>de</strong> 40 anos às margens da rodovia fe<strong>de</strong>ral BR 116 e se emancipou <strong>de</strong> Monte Santo.<br />

99


Hoje, com 55.184 habitantes (IBGE, 2005), a antiga vila é uma das maiores cida<strong>de</strong>s da<br />

Caatinga e ironicamente se chama Eucli<strong>de</strong>s da Cunha.<br />

A urbanização do meio rural baiano foi impulsionada pela concepção<br />

<strong>de</strong>senvolvimentista <strong>de</strong> sucessivos governantes. Especialmente a partir da Constituição<br />

<strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> 1988, novos municípios foram criados. Segundo o IBGE, entre 1970 e 2000 o<br />

Estado da Bahia ganhou 115 novos municípios (IBGE, 2005). A população urbana, que em<br />

1970 era <strong>de</strong> 41%, em 2000 já totalizava 67%; a população rural, entretanto, no mesmo<br />

período <strong>de</strong>caiu <strong>de</strong> 59% para 33% (IBGE, 2005). Entretanto, o IBGE constatou<br />

recentemente uma mudança no processo <strong>de</strong> urbanização brasileiro, antes concentrado nas<br />

metrópolis: a partir dos anos 1990 as cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> porte médio, entre 100 mil e 500 mil<br />

habitantes, é que passaram a crescer; as metrópolis não <strong>de</strong>têm mais as maiores taxas <strong>de</strong><br />

crescimento urbano (Maricato & Tanaka, 2006). Em termos ambientais isto é bastante<br />

preocupante, consi<strong>de</strong>rando a falta <strong>de</strong> políticas habitacionais por parte do po<strong>de</strong>r público e a<br />

especulação imobiliária do setor privado, que levam à ocupação irregular <strong>de</strong> áreas naturais<br />

em todo o país (Maricato & Tanaka, 2006).<br />

Cada núcleo urbano tem sua própria marca ou pegada ecológica, ou seja, a área<br />

funcional, em termos <strong>de</strong> ecossistemas, que necessita para existir (Folke et al., 1997).<br />

Alguns exemplos <strong>de</strong> serviços prestados pelos ecossistemas naturais próximos às cida<strong>de</strong>s<br />

são: receber os <strong>de</strong>jetos jogados na água, <strong>de</strong>spoluir o seu ar, produzir alimentos, ma<strong>de</strong>ira,<br />

papel, lenha, água potável (Ehrlich & Mooney, 1983). Num estudo realizado em 29 cida<strong>de</strong>s<br />

da Europa báltica, ficou <strong>de</strong>monstrado que um município com mais <strong>de</strong> 250.000 habitantes<br />

requisita uma área 200 vezes maior do que o seu tamanho, em termos <strong>de</strong> impacto ambiental<br />

(Folke et. al., 1997). Faltam estudos acerca do tamanho da pegada ecológica nas cida<strong>de</strong>s<br />

brasileiras e <strong>de</strong>vem ser guardas as proporções resi<strong>de</strong>ntes na diferença entre o padrão <strong>de</strong><br />

100


consumo dos europeus e dos sertanejos. Mas <strong>de</strong> qualquer maneira, num sentido ecológico,<br />

as cida<strong>de</strong>s não produzem quase nada e seu impacto negativo sobre os ecossistemas ainda<br />

não foi dimensionado. Um exemplo disso é a <strong>de</strong>manda por alimentos que levou a<br />

agricultura e a pecuária a transfigurarem a paisagem <strong>de</strong> modo irreversível na Caatinga<br />

baiana nos últimos 400 anos (Coimbra-Filho & Câmara, 1996).<br />

O impacto do uso da terra sobre a população do guigó-da-caatinga (Callicebus<br />

barbarabrownae) precisa ser analisado como um fenômeno global com características<br />

regionais. Apesar dos esforços para a conservação <strong>de</strong> florestas e a manutenção da<br />

biodiversida<strong>de</strong> serem geralmente <strong>de</strong>finidos e implementados em escala nacional ou<br />

internacional (Rio 92, COP 8, por exemplo) a conservação <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do que fazem as<br />

comunida<strong>de</strong>s locais. Por isso, conhecer o que pensam estas comunida<strong>de</strong>s e como utilizam<br />

seus recursos naturais é crucial para que a conservação seja efetiva (Silvano & Begossi,<br />

2005).<br />

2. Métodos<br />

2.1 Selção <strong>de</strong> informantes<br />

No presente estudo realizei entrevistas com informantes selecionados (Richardson et<br />

al., 1965; Lódi, 1981; Davis & Wagner, 2003), complementadas pela documentação através<br />

<strong>de</strong> registro fotográfico e gravação <strong>de</strong> <strong>de</strong>poimentos (Lódi, 1981).<br />

A seleção <strong>de</strong> informantes parte <strong>de</strong> um pressuposto qualitativo e busca i<strong>de</strong>ntificar<br />

pessoas que tenham maior conhecimento, em relação aos outros da sua comunida<strong>de</strong>, acerca<br />

<strong>de</strong> uma questão específica (por exemplo: caça, pesca, uso <strong>de</strong> plantas medicinais). O<br />

processo <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> informantes assume que o conhecimento em questão não está<br />

101


homogeneamente distribuído na comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> modo que a aplicação <strong>de</strong> questionários<br />

aleatoriamente não trará um resultado satisfatório (ver Davis & Wagner, 2003). Além <strong>de</strong><br />

concentrarem a informação sobre <strong>de</strong>terminado tema, informantes <strong>de</strong>vem ser pessoas com<br />

boa memória e alta capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação.<br />

Utilizei o método <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> informantes através <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> referência,<br />

também conhecido como “bola <strong>de</strong> neve” (Olsson & Folke, 2001; Davis & Wagner, 2003).<br />

Este método tem sido largamente empregado para documentar o conhecimento ecológico<br />

local. Olsson & Folke (2001) o aplicaram para selecionar 10 informantes-chave a partir <strong>de</strong><br />

73 associações <strong>de</strong> catadores <strong>de</strong> lagosta na Suíça. Neiss et al. (1999) usaram “bola <strong>de</strong> neve”<br />

para selecionar experts em pesca no norte do Canadá. Visando documentar o conhecimento<br />

do povo Inuit do Ártico sobre a caça <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s mamíferos marinhos, Ferguson & Messier<br />

(1997) selecionaram seus informantes a partir <strong>de</strong> associações <strong>de</strong> caçadores locais. O<br />

método <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> informantes através <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> referência, porém, requer<br />

adaptações aos contextos locais, porque os grupos <strong>de</strong> referência a serem utilizados<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do sistema <strong>de</strong> conhecimento ecológico local sob investigação. Isto foi bastante<br />

discutido numa revisão sobre o método feita por Davis & Wagner (2003).<br />

Os grupos <strong>de</strong> referência para seleção <strong>de</strong> informantes que utilizei no presente estudo<br />

foram os seguintes: 1) policiais civis e militares; 2) freqüentadores <strong>de</strong> bares; 3) agricultores<br />

filiados ao sindicato rural; 4) agricultores envolvidos com a feira local. A seguir são<br />

apresentados os cinco contextos nos quais os informantes foram selecionados:<br />

Contexto A: Município ou localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> médio porte (<strong>de</strong> 25.000 a 50.000 habitantes, <strong>de</strong><br />

acordo com o Guia Quatro Rodas, 2004), com <strong>de</strong>legacia <strong>de</strong> polícia civil ou posto da polícia<br />

militar. Neste caso, procurei as autorida<strong>de</strong>s policiais locais, me apresentei e solicitei a<br />

indicação <strong>de</strong> um informante. Isto foi feito porque normalmente em municípios pequenos e<br />

102


médios, on<strong>de</strong> não há atuação da polícia ambiental ou do <strong>Instituto</strong> Brasileiro do Meio<br />

Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), a polícia civil ou militar<br />

centraliza as ocorrências envolvendo caça e tráfico <strong>de</strong> animais silvestres (<strong>de</strong> acordo com a<br />

Lei <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> nº 9605/98, “Lei <strong>de</strong> Crimes Ambientais”).<br />

Contexto B: Localida<strong>de</strong> pequena (até 25.000 habitantes), sem posto policial. Nesta situação<br />

procurei um bar bastante freqüentado pela comunida<strong>de</strong> local, me apresentei e solicitei a<br />

indicação <strong>de</strong> um informante, utilizando entrevista preliminar com os presentes, através <strong>de</strong><br />

fotografias e execução <strong>de</strong> vocalizações com equipamento <strong>de</strong> play-back.<br />

Contexto C: Localida<strong>de</strong> pequena (até 25.000 habitantes), posto policial ausente, bar (es) por<br />

algum motivo sem condições para a seleção <strong>de</strong> informantes (vazios ou cheios <strong>de</strong>mais no<br />

momento da abordagem, horário ina<strong>de</strong>quado, sem condições <strong>de</strong> segurança, etc.). Dia útil,<br />

horário comercial. Procurei o sindicato rural ou a secretaria da agricultura do município, me<br />

apresentei e solicitei a indicação <strong>de</strong> um informante.<br />

Contexto D: Localida<strong>de</strong> pequena ou média (até 50.000 habitantes), dia <strong>de</strong> feira (sexta a<br />

domingo). Procurei bancas que vendiam frutas silvestres, ervas, raízes e cascas medicinais,<br />

tomates, amendoins e maxixes, por serem estes produtos cultivados ou extraídos em regiões<br />

<strong>de</strong> difícil acesso na Caatinga. Conversei com os agricultores feirantes sobre a fauna da<br />

região, procurando informantes. Utilizei fotografias e reproduzi as vocalizações dos guigós<br />

e <strong>de</strong> outros mamíferos com o equipamento <strong>de</strong> playback.<br />

Contexto E: In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do tamanho da localida<strong>de</strong> e do número <strong>de</strong> habitantes procurei<br />

<strong>de</strong>ixar registrado na polícia, no sindicato rural ou nos bares on<strong>de</strong> passaria a noite,<br />

normalmente um hotel, pousada ou posto <strong>de</strong> gasolina, local bem conhecido na cida<strong>de</strong>.<br />

Solicitei ser avisado, a qualquer momento, <strong>de</strong> informações que pu<strong>de</strong>ssem levar ao guigó.<br />

Esta estratégia foi utilizada simultaneamente a todas as outras e foi especialmente útil em<br />

103


situações nas quais não havia informação prontamente disponível sobre os animais,<br />

consi<strong>de</strong>rando o curto período <strong>de</strong> permanência nas localida<strong>de</strong>s.<br />

Uma pessoa foi consi<strong>de</strong>rada informante quando, após o processo seletivo,<br />

<strong>de</strong>monstrou conhecimentos acerca da composição específica da fauna silvestre da sua<br />

região e, em alguns casos, a respeito da ocorrência ou <strong>de</strong>saparecimento do guigó-da-<br />

Caatinga (C. barbarabrownae).<br />

O informante não foi localizado <strong>de</strong> modo imediato e direto numa comunida<strong>de</strong>.<br />

Cheguei até ele através <strong>de</strong>, no mínimo, um intermediário, usualmente chamado <strong>de</strong> referee<br />

(Davis & Wagner, 2003). Muitas vezes um primeiro referee levava a um segundo ou<br />

terceiro antes <strong>de</strong> chegar ao informante (Figura 19). Quando o informante selecionado era<br />

caçador, traficante <strong>de</strong> animais silvestres, ma<strong>de</strong>ireiro, sem-terra ou matador <strong>de</strong> aluguel<br />

(pistoleiro), foi necessária a intermediação <strong>de</strong> um tipo especial <strong>de</strong> referee, aqui chamado<br />

paraninfo. O paraninfo era uma pessoa da comunida<strong>de</strong> que atuava garantindo ao<br />

informante que o pesquisador não trabalhava para a polícia e nem para o IBAMA.<br />

Paraninfos também ajudavam a combinar o preço dos serviços dos informantes,<br />

principalmente quando estes atuariam como mateiros (guia local para a realização <strong>de</strong> trilhas<br />

na mata). Foi consi<strong>de</strong>rado mateiro somente aquele colaborador que levava o pesquisador<br />

até os animais ou até os locais <strong>de</strong> possível ocorrência dos mesmos. A maior parte dos<br />

informantes foi contratada como mateiros, entretanto algumas vezes o informante não se<br />

colocava à disposição para acompanhar o pesquisador na mata, indicando outra pessoa da<br />

comunida<strong>de</strong>. É importante ressaltar que um informante podia ou não ser mateiro, porém um<br />

referee jamais atuava como mateiro.<br />

104


Referee 1<br />

Informante<br />

Informante<br />

Guigó<br />

Não tinha guigó<br />

Mateiro<br />

Mateiro<br />

Guigó<br />

Guigó<br />

Guigó<br />

Não tinha guigó<br />

Referee 2<br />

Informante<br />

Paraninfo<br />

Mateiro<br />

Guigó<br />

Informante<br />

Guigó<br />

Mateiro<br />

Guigó<br />

Não tinha guigó<br />

Guigó<br />

Não tinha guigó<br />

Referee 3, etc...<br />

Figura 19: Organograma <strong>de</strong>monstrativo do processo <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong><br />

informantes através do método bola <strong>de</strong> neve<br />

105


Somente na região do polígono da maconha (Cannabis sativa, cultivada ilegalmente<br />

na Caatinga visando à produção para o narcotráfico), cerca <strong>de</strong> 600 km 2 entre Canudos e<br />

Monte Santo, selecionei e contratei dois pistoleiros, que atuaram como seguranças e<br />

referees. Naquela área percorri trechos não mapeados, utilizando estradas clan<strong>de</strong>stinas,<br />

construídas para o tráfico <strong>de</strong> drogas e <strong>de</strong> animais silvestres. Outra dificulda<strong>de</strong> no polígono<br />

da maconha foi a localização <strong>de</strong> informantes, tendo em vista a baixa <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong><br />

populacional da região.<br />

2.2 Avaliação dos informantes selecionados<br />

Utilizei três indicadores para saber se uma pessoa apontada pelo(s) referee(s) podia<br />

ou não ser um informante. Foram eles: 1) O curto circuito: situações em que algumas ou<br />

várias indicações recaíam sobre a mesma pessoa da comunida<strong>de</strong>. Em alguns casos, este<br />

po<strong>de</strong> ser um indicador <strong>de</strong> suficiência amostral, pois se todos ou a maior parte dos referees<br />

mencionou as mesmas pessoas, significa que já se tem a relação completa (ou quase<br />

completa) dos potenciais informantes (Davis & Wagner, 2003). 2) O filtro: utilizei um<br />

trecho especial do roteiro semi-estruturado elaborado para informantes (perguntas <strong>de</strong> nº 5 a<br />

8 do roteiro em anexo), buscando testar seus conhecimentos a priori. Em alguns casos o<br />

equipamento <strong>de</strong> playback foi utilizado para verificar se o possível informante reconhecia a<br />

vocalização do guigó-da-caatinga e <strong>de</strong> outros animais silvestres. Imagens dos animais<br />

foram mostradas aos possíveis informantes em associação com suas vocalizações. Alguns<br />

candidatos a informantes não passaram pela filtragem e foram dispensados. 3) O teste do<br />

informante: consistia em perguntar ao possível informante, <strong>de</strong>pois da filtragem, se ele<br />

106


ecomendaria uma outra pessoa da comunida<strong>de</strong> como informante, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> <strong>de</strong>corriam duas<br />

situações: a) O possível informante recomendava uma outra pessoa que se revelava melhor<br />

do que ele mesmo em termos do conhecimento esperado. Neste caso, o possível informante<br />

passava a ser referee e a pessoa por ele indicada era selecionada como informante. b) O<br />

possível informante dizia não ter conhecimento <strong>de</strong> outra pessoa na comunida<strong>de</strong> que pu<strong>de</strong>sse<br />

atuar como informante ou fazia referência a uma pessoa já falecida. Neste caso, o possível<br />

informante era selecionado como informante para aquela localida<strong>de</strong>. O conjunto <strong>de</strong>stes três<br />

indicadores, e não apenas um isoladamente, foi aplicado para <strong>de</strong>cidir se uma pessoa<br />

indicada pelo(s) referee(s) podia ou não atuar como informante.<br />

A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pagamento foi mencionada somente após o processo seletivo,<br />

visando evitar a inclusão <strong>de</strong> pessoas oportunistas no processo. Os valores <strong>de</strong>stes serviços<br />

foram negociados numa faixa que variou entre R$ 10,00 e R$ 30,00/dia. Os referees e<br />

paraninfos, via <strong>de</strong> regra atuaram voluntariamente no processo. Para cada localida<strong>de</strong><br />

estudada foram utilizados no mínimo um e no máximo três informantes (Davis & Wagner,<br />

2003).<br />

Após a seleção entrevistei os informantes seguindo o seguinte roteiro semiestruturado<br />

(as questões <strong>de</strong> 5 a 8 foram utilizadas como filtro durante o processo seletivo):<br />

1) Primeiro nome ou apelido do informante<br />

2) Ida<strong>de</strong><br />

3) Tempo <strong>de</strong> residência no local<br />

4) Profissão ou ofício<br />

5) Quais os animais silvestres que habitam a região?<br />

6) Qual o tamanho da proprieda<strong>de</strong> em que ocorre o guigó e qual o tamanho da área <strong>de</strong><br />

mata da proprieda<strong>de</strong>?<br />

107


7) Qual o uso da terra da proprieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> vive o guigó?<br />

8) Quais os maiores problemas enfrentados pelos animais?<br />

9) O que se po<strong>de</strong> fazer para melhorar a situação dos animais?<br />

Tendo em vista a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> padronização do esforço amostral, consi<strong>de</strong>rei<br />

válida apenas uma entrevista, com um informante, para cada localida<strong>de</strong>. Sendo assim, ao<br />

todo selecionei 147 entrevistas com informantes. Destas <strong>de</strong>sprezei aquelas feitas no início<br />

do trabalho, quando o processo seletivo e o roteiro semi-estruturado ainda estavam em<br />

construção. Todas as entrevistas <strong>de</strong>sprezadas foram realizadas em áreas sem o guigó-da-<br />

Caatinga (n=26). Desta forma, 124 entrevistas foram consi<strong>de</strong>radas para a análise, sendo 37<br />

nas localida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> foi posteriormente encontrado o guigó e 87 nas áreas sem guigó.<br />

Quando o informante selecionado não relatava a presença do guigó, eu perguntava<br />

sobre a existência <strong>de</strong> fragmentos <strong>de</strong> caatinga arbórea <strong>de</strong>nsa ou esparsa e também observava<br />

se havia algum tipo <strong>de</strong> formação florestal relevante na região. Havendo algum fragmento<br />

interessante ele era visitado para a realização <strong>de</strong> playback. No início do projeto foram<br />

analisadas, a priori, imagens <strong>de</strong> satélite visando localizar fragmentos <strong>de</strong> vegetação, mas<br />

este método foi abandonado por não ser possível distinguir os diferentes tipos <strong>de</strong> Caatinga<br />

através <strong>de</strong> sensoriamento remoto.<br />

A seguir apresento dois exemplos <strong>de</strong> aplicação do método bola <strong>de</strong> neve<br />

(convenções: ⇒ indicação <strong>de</strong> local; → indicação <strong>de</strong> pessoa; ↔ indicação <strong>de</strong> guigó ou<br />

informação sobre os animais):<br />

Exemplo 1: Processo <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> informantes em Banzaê, Bahia, 27/09 a<br />

01/10/2004. Plano A: Al<strong>de</strong>ia indígena Kiriri, posto da FUNASA → cacique da tribo Kiriri<br />

108


(referee 1) ⇒ localida<strong>de</strong> conhecida como Miran<strong>de</strong>la → índio kiriri (referee 2) ⇒ Fazenda<br />

Soturno (Banzaê) → agricultor (informante e mateiro) ↔ novo registro <strong>de</strong> guigó.<br />

Exemplo 2: Processo <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> informantes em Itambé, Bahia, 15/01/2005.<br />

Plano E: Hotel Rio Pardo, Município <strong>de</strong> Itambé → comerciante (referee 1) ⇒ localida<strong>de</strong><br />

conhecida como Jussara → agricultora (referee 2) ⇒ interior <strong>de</strong> Jussara → agricultor<br />

(referee 3 = paraninfo) ⇒ ainda no interior <strong>de</strong> Jussara → caçador e ma<strong>de</strong>ireiro<br />

(informante) ↔ relatou com <strong>de</strong>talhes o <strong>de</strong>saparecimento local do guigó-da-caatinga,<br />

ocorrida há cerca <strong>de</strong> 30 anos.<br />

3. Resultados<br />

3.1 Perfil dos informantes<br />

Os resultados apresentados a seguir se referem exclusivamente aos informantes, não<br />

tendo sido analisadas informações sobre referees e paraninfos. Para a realização dos testes<br />

estatísticos os dados absolutos foram transformados em arco-seno da raiz quadrada, visando<br />

aproximar a distribuição da normalida<strong>de</strong>. O nível <strong>de</strong> significância utilizado foi <strong>de</strong> 0,05.<br />

Em geral, os informantes selecionados consistiram <strong>de</strong> homens (96%), agricultores<br />

(77%), tendo, em média 55 anos (ida<strong>de</strong> mínima = 18; máxima = 73). A maior parte residia<br />

por toda a vida nas localida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> viviam e a respeito das quais foram entrevistados<br />

(76%). Os <strong>de</strong>mais (24%) vieram <strong>de</strong> localida<strong>de</strong>s próximas àquelas sobre as quais foram<br />

entrevistados (no mesmo município) e já estavam ali em média há 24,12 anos (tempo<br />

mínimo = 7; tempo máximo = 73 anos).<br />

Nas áreas com guigó foram selecionados 37 informantes, sendo 97% homens, com<br />

ida<strong>de</strong> média <strong>de</strong> 49 anos, dos quais 46% eram agricultores e 83% passaram toda a sua vida<br />

109


nas localida<strong>de</strong>s em que nasceram. Já nas áreas sem guigó foram selecionados 87<br />

informantes, sendo 95% homens, com ida<strong>de</strong> média <strong>de</strong> 53 anos, sendo 44% agricultores e<br />

64% passaram toda a sua vida nas localida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> nascimento. O perfil dos informantes nas<br />

áreas com e sem guigó foi semelhante, quanto à ida<strong>de</strong> (ANOVA um critério, GL = 1; F =<br />

1,49; p < 0,5) e ao tempo <strong>de</strong> residência (ANOVA um critério, GL = 1; F = 1,29; p < 0,5),<br />

não tendo diferido significativamente.<br />

20.<br />

As principais ocupações profissionais dos informantes são <strong>de</strong>monstradas na Figura<br />

agricultor não informado vaqueiro caçador<br />

fazen<strong>de</strong>iro outros cacique pistoleiro<br />

Figura 20: Ocupação profissional dos informantes nas áreas on<strong>de</strong> foi registrado o<br />

gugó-da-caatiga (n=37)<br />

110


3.2 Padrões <strong>de</strong> uso da terra<br />

Os dados que apresentarei a seguir foram obtidos através <strong>de</strong> entrevistas com<br />

fazen<strong>de</strong>iros ou capatazes das fazendas visitadas. Analisei um questionário para cada<br />

proprieda<strong>de</strong> (N = 112). As percentagens apresentadas se referem a este total. Houve<br />

proprieda<strong>de</strong>s visitadas sobre as quais não foi possível obter informações acerca do uso da<br />

terra (N = 15). As categorias <strong>de</strong> manejo não são mutuamente exclusivas, isto é, numa<br />

mesma proprieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser realizado pecuária e cultivo <strong>de</strong> feijão, por exemplo.<br />

Nas fazendas sem guigó a agricultura é a forma mais freqüente <strong>de</strong> uso da terra (N =<br />

75). Somando-se as percentagens <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s em que se cultiva feijão, milho e<br />

mandioca, se chega a 50%, contra 15% daquelas on<strong>de</strong> a pecuária foi a ativida<strong>de</strong><br />

predominante. Nas outras proprieda<strong>de</strong>s (35%) predominam manejos diversos como a<br />

fruticultura (melancia, melão, manga), o cultivo <strong>de</strong> mamona, as plantações <strong>de</strong> cizal, a<br />

mineração e a criação <strong>de</strong> caprinos ou ovinos (Figura 21).<br />

Nas áreas com guigó (N = 37) a agricultura também foi à ativida<strong>de</strong> predominante<br />

(56%), porém a pecuária passou a ter maior importância, chegando a 28%. Em 16% das<br />

proprieda<strong>de</strong>s os usos são diversos, tais como cultivo <strong>de</strong> palma (uma cactácea), criação <strong>de</strong><br />

bo<strong>de</strong> e ovelha, plantio <strong>de</strong> mamona, cultivos <strong>de</strong> café, floricultura e <strong>de</strong> avelós (Figura 22).<br />

111


feijão milho cultivos diversos<br />

pecuária fruticultura outros animais<br />

mandioca mamona não agrícola<br />

cizal<br />

Figura 21: Uso da terra nas áreas on<strong>de</strong> não foi registrado o guigó-da-caatinga (n=75)<br />

pecuária milho feijão<br />

mandioca cultivos diversos outros animais<br />

sem uso mamona<br />

Figura 22: Uso da terra nas áreas on<strong>de</strong> foi registrado do guigó-da-caatinga (n=37)<br />

112


Enquanto a mandioca normalmente é plantada para a subsistência, o milho e a<br />

palma são cultivados em função da pecuária. O feijão, por sua vez, é plantado visando à<br />

venda, embora também seja consumido pelos agricultores. O óleo <strong>de</strong> licuri (Syagrus<br />

coronata (Mart.) Becc., Palmae) é obtido <strong>de</strong> modo extrativista e tem valor como<br />

mercadoria <strong>de</strong> troca, além <strong>de</strong> ser vendido nas feiras locais.<br />

Segundo os informantes, é comum haver contato entre as plantações e as áreas on<strong>de</strong><br />

os guigós vivem, entretanto não houve relatos <strong>de</strong> que os primatas se alimentem dos<br />

cultivos.<br />

Os padrões <strong>de</strong> uso da terra nas fazendas em que o guigó-da-caatinga ocorre e não<br />

ocorre foram significativamente diferentes (ANOVA um critério, GL = 1; F = 7,24;<br />

p=0,01). Esta diferença está associada principalmente a: 1) Predomínio dos cultivos <strong>de</strong><br />

feijão, milho e mandioca nas proprieda<strong>de</strong>s sem guigó; 2) Maior diversificação dos tipos <strong>de</strong><br />

uso da terra nas áreas sem guigó (mineração, cultivo <strong>de</strong> sisal, fruticultura); 3) Maior<br />

importância da ativida<strong>de</strong> pecuária nas proprieda<strong>de</strong>s com guigó do que nas áreas on<strong>de</strong> o<br />

primata já <strong>de</strong>sapareceu.<br />

3.3 Tamanho das proprieda<strong>de</strong>s<br />

As informações sobre tamanho <strong>de</strong> área do presente trabalho foram obtidas através<br />

<strong>de</strong> entrevistas. Para a análise utilizei somente os dados <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s sobre as quais os<br />

proprietários ou informantes alegaram ter certeza do tamanho. De acordo com este critério,<br />

<strong>de</strong> 124 entrevistas analisadas, avaliei o tamanho <strong>de</strong> 44 (N = 25 áreas com guigó e N = 19<br />

áreas sem guigó).<br />

113


Como o tamanho das áreas <strong>de</strong> reserva legal muitas vezes era <strong>de</strong>sconhecido pelos<br />

proprietários ou informantes, utilizei o tamanho total das fazendas. Na gran<strong>de</strong> maioria das<br />

vezes, quando o informante não relatava a presença do guigó também não havia fragmento<br />

a ser verificado. Não houve registro <strong>de</strong> guigó nas áreas em que os informantes disseram não<br />

haver os animais.<br />

O tamanho médio das proprieda<strong>de</strong>s com guigó foi <strong>de</strong> 2.294,4 ha (±3.106,5) e o das<br />

proprieda<strong>de</strong>s sem guigó foi <strong>de</strong> 1.181,2 ha (±1.594,03). Não houve correlação positiva entre<br />

o tamanho das fazendas (ha) e a presença do guigó (Correlação Linear <strong>de</strong> Pearson, r = 0,2,<br />

GL = 17, p


Figura 23: “Serrote” <strong>de</strong>fendido por um caçador-fiscal próximo à Amargosa, Bahia,<br />

06/04/2005<br />

Registrei acordos <strong>de</strong>ssa natureza nas seguintes localida<strong>de</strong>s: Serra <strong>de</strong> Minuim<br />

(09º50'07,8"S, 38º04'36,9"W; altitu<strong>de</strong> 299 m), Serra <strong>de</strong> Casa Nova <strong>de</strong> Ichu (11º46'24,4"S,<br />

39º13'36,3"W; altitu<strong>de</strong> 241 m), Serra <strong>de</strong> Boa Vista do Tupim (11º56'10,0"S, 39º02'07,2";<br />

altitu<strong>de</strong> 237 m), Serra <strong>de</strong> Itiúba (10º41'45,2"S, 39º51'12,6"W; altitu<strong>de</strong> 379 m) e Serra da<br />

Cana Brava (09º44'24,6"S, 39º37'47,7"W; altitu<strong>de</strong> 568 m).<br />

Os animais mais caçados, segundo os caçadores-fiscais entrevistados (N = 5), são os<br />

seguintes mamíferos: o mocó (Kerodon rupestris) os veados (Mazama americana e M.<br />

gouazoubira), os tatus (Dasypus novemcinctus, Dasypus septemcinctus), o peba<br />

115


(Euphractus septicinctus), a paca (Agouti paca) as cutias (Dasyprocta prymnolopha e<br />

Dasyprocta sp.), o tapiti (Sylvilagus brasiliensis) e o catitu (Tayassu pecari).<br />

Segundo os caçadores, entre os primatas, o guariba (Alouatta caraya), que ocorre<br />

nas áreas <strong>de</strong> transição entre a Caatinga e o Cerrado, em matas <strong>de</strong> galeria, foi amplamente<br />

caçado no passado para a alimentação. Hoje é muito difícil encontrar grupos <strong>de</strong> guaribas<br />

naquela região. Já o guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae), o macaco prego (Cebus<br />

xanthosternos) e os micos (Callithrix penicillata e Callithrix jacchus) não são espécies<br />

perseguidas pelos caçadores, segundo os informantes.<br />

4. Discussão<br />

4.1 Sobre o processo seletivo, o perfil dos informantes e o conhecimento ecológico local<br />

Segundo Davis e Wagner (2003), informantes em geral são pessoas com<br />

conhecimento acima da média no assunto que se <strong>de</strong>seja abordar (em relação aos membros<br />

da sua comunida<strong>de</strong>), com boa memória e razoável capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação. Ainda <strong>de</strong><br />

acordo com estes autores, informantes muitas vezes também po<strong>de</strong>m ser pessoas bem<br />

relacionadas nas comunida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>vido a sua experiência, ao prestígio <strong>de</strong>corrente do<br />

conhecimento que <strong>de</strong>têm, ou ambos. No presente estudo observei, porém, que durante o<br />

processo seletivo é importante estar atento para não confundir prestígio com conhecimento.<br />

Por exemplo, nas tribos Indígenas Kiriri (em Banzaê, Bahia) e Caimbé (em Massacará,<br />

Bahia), os caciques foram apontados como informantes <strong>de</strong>vido a sua influência nas<br />

comunida<strong>de</strong>s, embora os pagés <strong>de</strong>tivessem mais conhecimento sobre a fauna do que eles.<br />

Vaqueiros são bons informantes, conhecem bem suas regiões, têm boa capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> fitofisionomias e conservam um sistema <strong>de</strong> conhecimento ecológico<br />

116


local a respeito da caça e medicina tradicional (esta última compreen<strong>de</strong> o uso <strong>de</strong> plantas e<br />

animais medicinais). Entre os animais medicinais está o guigó-da-caatinga (C.<br />

barbarabrownae), cuja carne foi utilizada para o tratamento do sistema nervoso num<br />

passado recente (até a década <strong>de</strong> 1970, segundo os informantes). A gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

comerciantes entre os entrevistados se <strong>de</strong>ve aos donos <strong>de</strong> bares, que centralizam<br />

informações e atuaram indicando informantes. Os caçadores e traficantes <strong>de</strong> animais<br />

silvestres são informantes e mateiros altamente qualificados, porém, <strong>de</strong>vido ao caráter<br />

ilegal das suas ativida<strong>de</strong>s, é difícil convencê-los a atuarem como colaboradores. Os<br />

caçadores são também ma<strong>de</strong>ireiros e pelo exercício <strong>de</strong>sta segunda ativida<strong>de</strong>, mais do que<br />

pela primeira, temem ser punidos.<br />

Assim como o conhecimento acadêmico, o conhecimento ecológico local (CEL)<br />

<strong>de</strong>ve formar um sistema <strong>de</strong> aprendizados e know-how que surge através do tempo, <strong>de</strong><br />

experiências individuais compartilhadas, <strong>de</strong> observações mediadas pela cultura, pelos<br />

fatores ambientais, atributos comportamentais e dinâmicas ecológicas (Davis & Wagner,<br />

2003). Por ser um sistema, o CEL <strong>de</strong>ve estar na mente e surgir das experiências e<br />

observações <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> uma pessoa, além do informante selecionado (Davis & Wagner,<br />

2003). Dentro <strong>de</strong>sta abordagem, o saber tradicional a respeito da fauna local, entre os<br />

sertanejos, <strong>de</strong>monstrou ser um caso <strong>de</strong> CEL, principalmente no que tange à caça e ao uso<br />

medicinal das plantas e animais. Este conhecimento pertence a uma tradição oral masculina<br />

e tem implicações diretas e indiretas sobre a conservação <strong>de</strong> várias espécies ameaçadas,<br />

incluindo o guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae).<br />

117


4.2 Consi<strong>de</strong>rações sobre os padrões <strong>de</strong> uso da terra<br />

A superexploração da pecuária tem levado à <strong>de</strong>scaracterização paisagística e ao<br />

esgotamento do solo, que resulta erosão. Segundo os informantes entrevistados na região <strong>de</strong><br />

Cícero Dantas (n = 4), entre 1970 e 1990, mais <strong>de</strong> 10 espécies <strong>de</strong> capim, a maioria <strong>de</strong><br />

origem africana, foram introduzidas na Caatinga visando aumentar a produtivida<strong>de</strong> dos<br />

campos.<br />

Segundo Drumond et al. (2004) a pecuária atualmente <strong>de</strong>senvolvida na Caatinga é<br />

insustentável e os fatores que limitam sua sustentabilida<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>rando aspectos<br />

ecológicos e econômicos são: a) baixo nível <strong>de</strong> capacitação gerencial dos produtores rurais,<br />

<strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> organizativa e acesso limitado ao crédito e aos serviços <strong>de</strong> assistência técnica e<br />

<strong>de</strong> extensão rural; b) condições <strong>de</strong> semi-ari<strong>de</strong>z predominante nas áreas <strong>de</strong> Caatinga,<br />

associadas às irregularida<strong>de</strong>s das chuvas; c) baixa produtivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vido à qualida<strong>de</strong><br />

genética inferior dos rebanhos. Inclua-se aqui ainda o superpastoreio, causado pela ausência<br />

<strong>de</strong> práticas <strong>de</strong> rotação <strong>de</strong> piquetes.<br />

Ainda segundo Drumond et al. (2004), a agricultura na Caatinga vem <strong>de</strong> uma<br />

ocupação territorial <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada e impactante em razão da falta <strong>de</strong> tradição e planejamento,<br />

o que dificulta a reor<strong>de</strong>nação dos espaços. Tal uso da terra é uma ameaça à biodiversida<strong>de</strong><br />

regional <strong>de</strong>vido aos seguintes fatores: a) agricultura migratória; b) sistemas <strong>de</strong> produção <strong>de</strong><br />

limitada eficiência, apresentando níveis <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> aquém dos seus potenciais; c)<br />

baixo nível <strong>de</strong> capacitação gerencial e tecnológica do produtor; d) <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> acentuada na<br />

organização profissional e social do produtor; e) acesso precário aos meios <strong>de</strong> produção,<br />

especialmente ao crédito; f) assistência técnica quanti-qualitativamente <strong>de</strong>ficientes; g)<br />

118


pouca ou nenhuma integração entre os distintos segmentos da ca<strong>de</strong>ia produtiva; h) políticas<br />

públicas ausentes ou pouco a<strong>de</strong>quadas para os diversos segmentos.<br />

De acordo com as observações <strong>de</strong> campo do presente trabalho e dados sócioeconômicos<br />

publicados (Campos et al., 2004; IBGE, 2005), a agricultura e a pecuária na<br />

Caatinga baiana, ao longo da extensão <strong>de</strong> ocorrência do guigó, provavelmente são sistemas<br />

<strong>de</strong> produção sem regulação externa e auto-regulação. Sinaliza para esta direção o fato <strong>de</strong><br />

que os três fatores <strong>de</strong> auto-regulação propostos por Berkes (1985) foram violados: 1) a<br />

produção em gran<strong>de</strong> escala é priorizada em <strong>de</strong>trimento da produção para a sobrevivência;<br />

2) a população da Caatinga cresce <strong>de</strong>vido à urbanização das zonas rurais, que acarreta<br />

queda na mortalida<strong>de</strong> infantil e aumento na expectativa <strong>de</strong> vida (Maricato & Tanaka, 2006);<br />

3) a tecnologia (insumos, inseminação artificial) permite aumentar a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> carga<br />

dos campos (cabeças <strong>de</strong> gado por hectare) e a produtivida<strong>de</strong> (grãos por hectare).<br />

Há muito tempo a paisagem da Caatinga vem sendo convertida em pastagens e<br />

cultivos (Cunha, 1901; Coimbra-Filho & Câmara, 1996), o que está levando ao<br />

esgotamento os recursos naturais <strong>de</strong> uso comum, tais como a água, o solo e as caatingas<br />

arbóreas. Em 1996 as pastagens plantadas na Bahia já ocupavam 6.652.954,58 ha,<br />

envolvendo a mão <strong>de</strong> obra <strong>de</strong> 2.112.303 pessoas maiores <strong>de</strong> 14 anos (IBGE, 2005). A<br />

tecnologia visando o incremento da produtivida<strong>de</strong> tem levado à rápida ampliação da<br />

fronteira agro-pecuária ao longo da extensão <strong>de</strong> ocorrência do guigó-da-caatinga.<br />

119


4.3 Sobre o tamanho das proprieda<strong>de</strong>s, a presença do guigó e a dinâmica do uso do<br />

solo<br />

Em que pese seu efeito <strong>de</strong>letério sobre a paisagem, a pecuária provavelmente é mais<br />

compatível com a presença do guigó-da-caatinga do que a agricultura. Uma explicação<br />

possível para isto é a seguinte: fazendas com guigós ten<strong>de</strong>m a ser maiores do que aquelas<br />

sem guigós e nas gran<strong>de</strong>s fazendas a ativida<strong>de</strong> econômica predominante é a pecuária.<br />

Provavelmente as gran<strong>de</strong>s fazendas possuem reservas legais maiores do que as pequenas e<br />

a pecuária requisita novas áreas mais lentamente do que a agricultura.<br />

Nas áreas on<strong>de</strong> o guigó-da-caatinga já <strong>de</strong>sapareceu, entretanto, predominam<br />

fazendas menores e com cultivos, principalmente <strong>de</strong> feijão, milho e mandioca, indicando<br />

que o atual sistema <strong>de</strong> produção agrícola está levando à <strong>de</strong>rrubada <strong>de</strong> caatingas arbóreas<br />

para o plantio. Corrobora esta idéia o fato <strong>de</strong> que nas fazendas sem guigós o uso da terra é<br />

mais diversificado do que nas fazendas on<strong>de</strong> a espécie ocorre.<br />

Porém, nas mesmas fazendas on<strong>de</strong> se cria gado se realiza agricultura. O sistema é<br />

dinâmico e a tendência é <strong>de</strong> que as gran<strong>de</strong>s fazendas sejam <strong>de</strong>smembradas entre her<strong>de</strong>iros<br />

(minifundização) ou ocupadas pelos movimentos sociais <strong>de</strong> sem-terra e <strong>de</strong>pois divididas em<br />

pequenos lotes. Como o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> pecuária da Caatinga é <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do latifúndio, a<br />

divisão da terra po<strong>de</strong> levar à priorização da agricultura, o que acarretaria o <strong>de</strong>saparecimento<br />

das caatingas arbóreas e a extinção do guigó-da-caatinga.<br />

120


4.4 Sobre os acordos <strong>de</strong> caça e fiscalização<br />

A caça na Caatinga provavelmente <strong>de</strong>sempenha um importante papel na<br />

complementação alimentar protéica das famílias. A caça é proibida no Brasil, exceto àquela<br />

para a subsistência (Lei <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> 9605/98). Mesmo sendo sua ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> caça diretamente<br />

ligada à sobrevivência, os sertanejos têm receio <strong>de</strong> falar sobre este assunto com pessoas <strong>de</strong><br />

fora das comunida<strong>de</strong>s. Resulta que as informações acerca <strong>de</strong>sta importante ativida<strong>de</strong> são <strong>de</strong><br />

difícil obtenção, sendo necessário adquiri-las mais através da observação do que <strong>de</strong><br />

entrevistas formais.<br />

Os acordos <strong>de</strong> caça e fiscalização po<strong>de</strong>m estar garantindo uma auto-regulação da<br />

caça em algumas regiões da Caatinga, ou seja, uma regulação da exploração do recurso<br />

feita pela comunida<strong>de</strong> local, através <strong>de</strong> práticas <strong>de</strong> manejo culturalmente enraizadas<br />

(Berkes, 1985). Um sistema <strong>de</strong> auto-regulação po<strong>de</strong> evitar a situação conhecida como<br />

tragédia dos comuns (Hardin, 1968). A tragédia dos comuns ocorre quando, num contexto<br />

<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> total <strong>de</strong> acesso aos recursos, o crescimento <strong>de</strong>mográfico e a falta <strong>de</strong><br />

planejamento levam ao esgotamento dos estoques (Hardin, 1968; Burke, 2001).<br />

Porém os acordos <strong>de</strong> caça e fiscalização só po<strong>de</strong>m funcionar em condições <strong>de</strong> baixa<br />

<strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mográfica, como é o caso da zona rural baiana, que tem valores abaixo <strong>de</strong> 50<br />

hab/km 2 (Sampaio & Batista, 2004). O guigó-da-Caatinga é uma espécie que po<strong>de</strong> estar<br />

sendo beneficiada por tais acordos, por não ser atualmente perseguida por caçadores.<br />

121


4.5 O paradoxo sócio-ambiental da Caatinga<br />

A Caatinga é um dos biomas mais ameaçados do Brasil (TNC do Brasil, 2004;<br />

Castelletti et al., 2004); esta <strong>de</strong>gradação, entretanto, feita em nome do <strong>de</strong>senvolvimento,<br />

não trouxe bem estar ao seu povo, que é um dos mais miseráveis do planeta (Sampaio,<br />

2002).<br />

O Índice Municipal <strong>de</strong> Desenvolvimento Humano (IDH-M) é um meta índice que<br />

relaciona outros três: longevida<strong>de</strong> (com base na esperança <strong>de</strong> vida ao nascer); educação<br />

(baseado na taxa <strong>de</strong> analfabetismo e número médio <strong>de</strong> anos <strong>de</strong> estudo) e renda (a partir da<br />

renda familiar per capta média). Os municípios são consi<strong>de</strong>rados como <strong>de</strong> baixo<br />

<strong>de</strong>senvolvimento humano quando IDH 0,8 (IBGE, 1996). Exceção feita a Feira <strong>de</strong> Santana (IDH =<br />

0,644), todos os municípios da caatinga baiana têm IDH inferior a 0,5 (Sampaio & Batista,<br />

2004). Ou seja, apesar <strong>de</strong> todo o impacto ambiental gerado pelos modos <strong>de</strong> produção na<br />

Caatinga baiana nos últimos cinco séculos, a população local não foi beneficiada. Dito <strong>de</strong><br />

outra maneira, o custo ambiental do mo<strong>de</strong>lo atual, que inclui o <strong>de</strong>saparecimento do guigóda-caatinga<br />

em diversas localida<strong>de</strong>s, não foi compensado por um benefício social.<br />

Os sistemas <strong>de</strong> auto-regulação são vulneráveis a três fatores (Berkes, 1985): 1)<br />

perda do controle comunitário dos recursos; 2) rápido crescimento populacional; 3) rápida<br />

mudança tecnológica na forma <strong>de</strong> exploração. Por sua vez, três premissas são necessárias<br />

para que a tragédia dos comuns ocorra (Hardin, 1968; Redclift, 1987; Martinez-Alier,<br />

1994): 1) os usuários <strong>de</strong>vem colocar os interesses pessoais acima dos coletivos; 2) a taxa <strong>de</strong><br />

exploração do recurso <strong>de</strong>ve ser superior à taxa <strong>de</strong> reposição (ou: o impacto sobre o<br />

ecossistema <strong>de</strong>ve ser maior do que a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resiliência); 3) o recurso <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong><br />

122


livre acesso aos interessados. Na Caatinga baiana a sustentabilida<strong>de</strong> do processo econômico<br />

foi perdida porque além dos fatores <strong>de</strong> auto-regulação terem sido violados, as premissas<br />

para que a agricultura e a pecuária sejam enquadradas no mo<strong>de</strong>lo tragédia dos comuns já<br />

foram satisfeitas. São indicadores <strong>de</strong>ste processo os seguintes fatos: 1) cada proprietário<br />

procura aumentar seus ganhos exponencialmente; 2) não se leva em conta a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

suporte das pastagens e não se busca prolongar a produtivida<strong>de</strong> das terras aradas; 3) não há<br />

qualquer tipo <strong>de</strong> planejamento ou <strong>de</strong> controle do governo no sentido <strong>de</strong> garantir que as<br />

áreas <strong>de</strong> pastagens tenham um período <strong>de</strong> recuperação, nem políticas <strong>de</strong> financiamento para<br />

a correção dos solos arados; 4) não há fiscalização sobre as áreas <strong>de</strong> caatinga arbórea que<br />

estão sendo queimadas ou <strong>de</strong>rrubadas para dar lugar a novas pastagens e cultivos.<br />

Sendo assim, do ponto <strong>de</strong> vista da sustentabilida<strong>de</strong> econômica, social e ecológica, o<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> uso da terra atualmente praticado na Caatinga baiana está comprometido.<br />

Somente com planejamento <strong>de</strong> longo prazo e gran<strong>de</strong>s investimentos financeiros po<strong>de</strong>ria<br />

haver a conversão para outro mo<strong>de</strong>lo, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 15 ou 30 anos. Estas mudanças são cruciais<br />

para a conservação <strong>de</strong> espécies criticamente ameaçadas <strong>de</strong> extinção, em especial para o<br />

guigó-da-Caatinga, cuja presença não foi registrada em unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação.<br />

5. Reavaliação do status <strong>de</strong> conservação do guigó-da-caatinga<br />

5.1 Contextualização do problema<br />

Apesar da mastofauna da Caatinga ter sido tradicionalmente vista como<br />

<strong>de</strong>pauperada ou como um subconjunto da fauna do Cerrado, um levantamento feito a partir<br />

<strong>de</strong> referências bibliográficas com informações geográficas e <strong>de</strong> espécimes <strong>de</strong>positados em<br />

museus apontou a existência <strong>de</strong> 148 mamíferos naquele bioma, sendo <strong>de</strong>z <strong>de</strong>stas espécies<br />

123


endêmicas (Ministério do Meio Ambiente, 2002). Entretanto, a Caatinga carece <strong>de</strong> um<br />

planejamento estratégico permanente e dinâmico, com o qual se possa evitar a perda da<br />

biodiversida<strong>de</strong> do bioma (Drumond et al., 2004).<br />

Subpopulações são <strong>de</strong>finidas como grupos geograficamente ou <strong>de</strong> alguma forma<br />

distintos na população, entre os quais há pouca troca genética ou <strong>de</strong>mográfica (IUCN,<br />

2001). A conservação <strong>de</strong> subpopulações <strong>de</strong> espécies em situação tais como a que se<br />

encontra o guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae) <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da produção <strong>de</strong> informação<br />

científica básica, principalmente quanto ao seu mapeamento, e também da participação<br />

efetiva <strong>de</strong> diferentes setores da socieda<strong>de</strong>.<br />

Quanto mais os problemas adquirem uma dimensão técnica, tanto mais escapam à<br />

competência dos cidadãos em proveito dos experts; quanto mais os problemas <strong>de</strong><br />

civilização se tornam políticos, tanto menos os políticos conseguem integrá-los em sua<br />

linguagem e em seus programas (Morin & Kern, 1995). Enquanto especialistas, precisamos<br />

produzir conhecimento sobre os gran<strong>de</strong>s problemas (tais como a perda da diversida<strong>de</strong><br />

biológica) e, simultaneamente, torná-lo acessível aos tomadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão e ao maior<br />

número possível <strong>de</strong> cidadãos, visando estimular as mudanças necessárias no quadro atual.<br />

Este é um dos maiores <strong>de</strong>safios da Ciência para o século XXI.<br />

124


5.2 Tipificação da ameaça (Quais as principais ameaças à espécie?)<br />

5.2.1 As queimadas: passivo ambiental <strong>de</strong> um manejo primitivo<br />

As queimadas não são mais uma prática tão comum na Caatinga quanto o foram no<br />

passado. A razão para isso é simples: não há mais o que queimar. Caatingas arbóreas e<br />

matas orográficas estão sendo carbonizadas há mais <strong>de</strong> 400 anos. Segundo Cunha (1901), o<br />

hábito <strong>de</strong> queimar o mato para produzir novas áreas <strong>de</strong> roça foi herdado dos silvícolas pelos<br />

colonizadores, do que não <strong>de</strong>ixa dúvidas a etimologia da palavra caapuera, que em Tupi<br />

significa “mato extinto”. Segundo o mesmo autor, em 1713 o governo colonial já tentava,<br />

através <strong>de</strong> sucessivos <strong>de</strong>cretos, colocar fim às queimadas. Mais <strong>de</strong> 80 anos <strong>de</strong>pois, uma<br />

carta régia <strong>de</strong> 1796 nomeou um juiz conservador <strong>de</strong> matas e um <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> 11/06/1799<br />

coibia “a indiscreta e <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada ambição dos habitantes (da Bahia e Pernambuco) que<br />

têm assolado a ferro e fogo preciosas matas que tanto abundavam e já hoje ficam a<br />

distâncias consi<strong>de</strong>ráveis” (Cunha, 1901, p.81). Ainda mais antigas são as referências sobre<br />

o início da pecuária no nor<strong>de</strong>ste, que datam <strong>de</strong> 1559, por iniciativa <strong>de</strong> Tomé <strong>de</strong> Souza<br />

(Coimbra-Filho & Câmara, 1996). Des<strong>de</strong> aquela época florestas vem sendo queimadas para<br />

dar origem às pastagens. Segundo Drumond et al. (2004), toda a ocupação do bioma<br />

Caatinga se <strong>de</strong>u através da formação <strong>de</strong> currais <strong>de</strong> gado em torno das margens do rio São<br />

Francisco e seus afluentes, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se conclui que as matas ciliares da Caatinga estão sendo<br />

<strong>de</strong>rrubadas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os períodos mais remotos da história do Brasil.<br />

Embora não sejam mais prática recorrente, as queimadas em pequena escala ainda<br />

são realizadas visando conquistar novas áreas para a pecuária e a agricultura. Além disso,<br />

ao longo <strong>de</strong> toda a Caatinga baiana é evi<strong>de</strong>nte o passivo ambiental gerado pelo fogo, que<br />

125


alterou para sempre os padrões <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> C. barbarabrownae e <strong>de</strong> muitas outras<br />

espécies da fauna e da flora.<br />

5.2.2 Desmatamento para o sistema agropastoril<br />

O <strong>de</strong>smatamento associado ao sistema agropastoril é o principal problema<br />

enfrentado pelo guigó-da-caatinga. A agricultura é a ativida<strong>de</strong> econômica mais importante<br />

nas áreas nas quais o guigó <strong>de</strong>sapareceu recentemente. As proprieda<strong>de</strong>s com predomínio da<br />

pecuária são maiores e têm, provavelmente, maiores reservas legais, favorecendo a<br />

sobrevivência da espécie. Entretanto, isto não é uma regra para toda a extensão <strong>de</strong><br />

ocorrência do guigó. Na região <strong>de</strong> Jeremoabo, Cícero Dantas, Antas, Sitio do Quinto, as<br />

caatingas arbóreas ainda hoje estão sendo <strong>de</strong>rrubadas para dar lugar a pastagens.<br />

O ciclo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> uma gramínea africana introduzida na Caatinga é um bom<br />

exemplo <strong>de</strong> manejo insustentável <strong>de</strong> pastagens. Trata-se <strong>de</strong> um capim ironicamente<br />

conhecido como “sempre-ver<strong>de</strong>” ou colonião (Panicum maximum Jacq.). Ele rapidamente<br />

origina um pasto ver<strong>de</strong>jante e <strong>de</strong> alta produtivida<strong>de</strong>. Porém, em dois ou três anos o solo se<br />

esgota e o sempre-ver<strong>de</strong> fica amarelo. Os vaqueiros são forçados a queimar novas áreas <strong>de</strong><br />

caatingas arbóreas ou as <strong>de</strong>rrubam para plantá-lo novamente. Observe-se que o problema<br />

está mais ligado ao manejo ina<strong>de</strong>quado do que à introdução da espécie em si.<br />

Como afirmam Coimbra-Filho e Câmara (1996), a associação entre <strong>de</strong>smatamento e<br />

seca é tão estreita que a <strong>de</strong>struição das matas ripárias ao longo dos sucessivos séculos<br />

provavelmente mudou o regime hídrico <strong>de</strong> muitos corpos d’água, passando-os <strong>de</strong> perenes a<br />

sazonais.<br />

126


Hoje o <strong>de</strong>smatamento está localizado principalmente em áreas ocupadas pelo<br />

Movimento dos Sem Terra (MST) e outras organizações associadas à reforma agrária (um<br />

informante ligado ao MST relatou que pelo menos cinco grupos diferentes <strong>de</strong> agricultores<br />

disputam a posse da terra na Caatinga baiana). Gran<strong>de</strong>s latifúndios tinham gran<strong>de</strong>s reservas<br />

legais e, uma vez <strong>de</strong>sapropriados, passam a ser divididos em pequenos lotes (<strong>de</strong> 15 ou 20<br />

ha), o que acarreta fragmentação florestal. Mesmo que cada família cumpra a legislação e<br />

conserve uma área <strong>de</strong> reserva legal, ela será pequena, proporcional ao tamanho dos lotes.<br />

Além disso, antes <strong>de</strong> serem assentados (o assentamento po<strong>de</strong> levar anos), os agricultores,<br />

que vivem em precários acampamentos, caçam para comer e <strong>de</strong>smatam para construir e<br />

obter lenha.<br />

5.2.3 Urbanização da zona rural dos municípios<br />

A urbanização da zona rural dos municípios é outra força po<strong>de</strong>rosa no cenário da<br />

extinção do guigó-da-caatinga. Aglomerações <strong>de</strong> moradias surgiram em fazendas,<br />

originando arraiais e vilas, que se tornaram distritos <strong>de</strong> municípios e posteriormente se<br />

emanciparam. Os principais incentivos para a urbanização do meio rural baiano são: 1) o<br />

aumento da arrecadação municipal que surge após a mudança do regime <strong>de</strong> ocupação do<br />

solo <strong>de</strong> rural para urbano, através da cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano<br />

(IPTU) e 2) a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar novos empregos públicos em prefeituras, câmaras <strong>de</strong><br />

vereadores, etc. Em termos ambientais, entretanto, a urbanização da Caatinga tem sido um<br />

<strong>de</strong>sastre. A perda da área rural dos municípios é hoje um dos principais fatores no cenário<br />

<strong>de</strong> extinção do guigó-da-caatinga (Printes & Rylands, no prelo). Ela leva à <strong>de</strong>gradação do<br />

127


solo disponível para as ativida<strong>de</strong>s primárias e ao <strong>de</strong>saparecimento das caatingas arbóreas,<br />

normalmente localizadas nas reservas legais das proprieda<strong>de</strong>s. O <strong>de</strong>smatamento associado<br />

ao processo <strong>de</strong> urbanização do solo rural inclui suprir à <strong>de</strong>manda por moradia. Outros<br />

efeitos da urbanização sobre os primatas são os atropelamentos, a predação por cães e os<br />

choques elétricos (Printes, 1999; Lokschin et al., no prelo).<br />

Gran<strong>de</strong>s municípios tinham gran<strong>de</strong>s áreas rurais que estão sendo sucessivamente<br />

fragmentadas para a criação <strong>de</strong> pequenos municípios. Lamarão, a localida<strong>de</strong> tipo do guigóda-caatinga,<br />

é um bom exemplo: emancipou-se <strong>de</strong> Serrinha em 1962 e em 2000 tinha 9523<br />

habitantes. A prefeitura é o maior empregador do município, que não possui hospital e tem<br />

apenas uma escola <strong>de</strong> nível médio. Além <strong>de</strong> Lamarão, em menos <strong>de</strong> 40 anos, Serrinha teve<br />

seu território fragmentado em mais quatro municípios: Barrocas, Biritinga, Teofilândia e<br />

Araci. A região metropolitana <strong>de</strong> Serrinha já tinha, em 2005, cerca <strong>de</strong> 300.000 habitantes<br />

(IBGE, 2005).<br />

Assim como as espécies diferem gran<strong>de</strong>mente em relação à sua inerente<br />

suscetibilida<strong>de</strong> à extinção, a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> humana ao longo da sua área geográfica também<br />

po<strong>de</strong> influenciar seu grau <strong>de</strong> ameaça e <strong>de</strong>veria ser levada em conta quando se avalia o seu<br />

status <strong>de</strong> conservação (Harcourt & Parks, 2003). No caso do guigó-da-caatinga as regiões<br />

<strong>de</strong> maior <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> humana ao longo <strong>de</strong> sua extensão <strong>de</strong> ocorrência coinci<strong>de</strong>m com regiões<br />

on<strong>de</strong> a espécie se encontra em processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecimento ou <strong>de</strong>sapareceu recentemente.<br />

São exemplos Feira <strong>de</strong> Santana e Serrinha, este último o maior município próximo à<br />

localida<strong>de</strong> tipo. Harcourt e Parks (2003) sugerem que a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> humana na área<br />

geográfica <strong>de</strong> espécies <strong>de</strong> primatas seja levada em conta pela IUCN (União Mundial <strong>de</strong><br />

Conservação) na avaliação do grau <strong>de</strong> ameaça das espécies. Em Porto Alegre, por exemplo,<br />

os efeitos diretos da presença humana (tais como <strong>de</strong>smatamento e caça) ou indiretos<br />

128


(atropelamento, predação por cães e choques na re<strong>de</strong> elétrica) estão levando ao rápido<br />

<strong>de</strong>clínio a população local do bugio-ruivo (Alouatta clamitans Cabrera, 1940)<br />

(Romanowski et al., 1998; Printes, 1999). Este primata, entretanto, não é uma espécie<br />

ameaçada nacionalmente (Machado et al., 2005).<br />

5.2.4 O guigó-da-caatinga: uma espécie fora da malha <strong>de</strong> áreas protegidas<br />

Apesar <strong>de</strong> a Caatinga ser um bioma exclusivamente brasileiro que ocupa 11,67% do<br />

território nacional (incluindo áreas <strong>de</strong> transição para outros biomas), apenas 3,56% estão<br />

protegidos por unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação e <strong>de</strong>stes somente 0,87% são <strong>de</strong> proteção integral<br />

(TNC do Brasil, 2004).<br />

O guigó-da-caatinga normalmente está localizado em reservas legais <strong>de</strong> fazendas e<br />

“matas <strong>de</strong> cabeceira”, conservadas para proteger as nascentes, muito antes da existência do<br />

Código Florestal (Lei <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> 4771/65) e do Sistema Nacional <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação<br />

(Lei <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> 9985/2000).<br />

A espécie não foi registrada <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação. Entretanto, foi<br />

encontrada numa proprieda<strong>de</strong> confrontante ao Parque Nacional da Chapada Diamantina<br />

(distante 10 km do Parque), em simpatria com outro primata criticamente ameaçado <strong>de</strong><br />

extinção, o macaco-prego-do-peito-amarelo (Cebus xanthosternos) (Fazenda Trancada II,<br />

Andaraí, 12º57'56,30", 41º14'27,90"W; altitu<strong>de</strong> 708 m). Naquela mesma região, ao norte da<br />

Chapada Diamantina, perto <strong>de</strong> Morro do Chapéu, ficam a Área <strong>de</strong> Proteção Ambiental<br />

Marimbus/Iraquara e a Área <strong>de</strong> Proteção Ambiental Gruta dos Brejões/Vereda do Romão<br />

Gramacho (tabela 12, Figura 24). Os guigós também foram registrados a 15 km dos limites<br />

129


do Parque Estadual das Sete Passagens (Fazenda Junco, localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Maxixi, Miguel<br />

Calmon, 11º29'28"S, 40º41'45"W; altitu<strong>de</strong> 656 m).<br />

130


Figura 24: Carta das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

conservação do Estado da Bahia<br />

(SEI, 2003). Os círculos ver<strong>de</strong>s<br />

correspon<strong>de</strong>m às unida<strong>de</strong>s próximas<br />

às quais houve registro do guigóda-caatinga<br />

131


Houve relatos <strong>de</strong> ocorrência <strong>de</strong> guigós a menos <strong>de</strong> 10 km dos limites <strong>de</strong>ste parque<br />

estadual, porém a presença da espécie não foi confirmada através <strong>de</strong> play-backs ou<br />

visualização. A espécie foi registrada em território indígena Kiriri (localida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Miran<strong>de</strong>la, Banzaê, 10º39'39,60"S, 38º37'53,10"W; altitu<strong>de</strong> 300 m), numa área <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong><br />

12.000 ha.<br />

A distância média dos registros <strong>de</strong> C. barbarabrownae, em linha reta, até a unida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> conservação mais próxima, foi <strong>de</strong> 34,53 km (<strong>de</strong>svio padrão: 17,63). As distâncias foram<br />

medidas por satélite, utilizando os programas Track Macker e Google Earth, a partir dos<br />

registros obtidos em campo com um GPS mo<strong>de</strong>lo Etrex venture® (datum: SAD 69). Isto<br />

evi<strong>de</strong>ncia uma situação difícil em termos <strong>de</strong> conservação, por que além <strong>de</strong> a espécie estar<br />

criticamente ameaçada não foi contemplada pelo sistema brasileiro <strong>de</strong> áreas protegidas.<br />

A gran<strong>de</strong> maioria das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação citadas na tabela 12 não foram<br />

encontradas <strong>de</strong> fato, pois não passaram do <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> criação. A única realmente<br />

implementada, com uma gerência e um plano <strong>de</strong> manejo em construção, é o Parque<br />

Estadual das Sete Passagens.<br />

132


Tabela 12: Distâncias do registro da espécie em linha reta até a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação<br />

mais próxima (média: 34,53 km; <strong>de</strong>svio padrão: 17,64).<br />

Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação Distância em km Registro mais<br />

próximo<br />

REBIO Maracás 45 Marcionílio Souza<br />

PARNA Chapada Diamantina 10 Lençóis<br />

PARNA Chapada Diamantina 30 Wagner<br />

PE Morro do Chapéu 36 Miguel Calmon<br />

PE Sete Passagens 15 Miguel Calmon<br />

PM Mucugê 22 Andaraí<br />

MN Cachoeira do Ferro Doido 32 Morro do Chapéu<br />

FLONA Contendas do Sincorá 55 Contendas<br />

RPPN Faz. Córrego dos Bois 20 Lençóis<br />

RPPN Faz. Pouso das Garças 27 Cícero Dantas<br />

RPPN Faz. Adílio P. Batista 81 Marcionílio Souza<br />

APA Lagoa Itaparica 53 Gentio do Ouro<br />

APA Gruta dos Brejões 25 Saú<strong>de</strong><br />

APA Marimbus/Iraquara 26 Morro do Chapéu<br />

ARIE Serra do Orobó 41 Baixa Gran<strong>de</strong><br />

Siglas: Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong> proteção integral: REBIO = Reserva Biológica;<br />

PARNA = Parque Nacional; PE = Parque Estadual; PM = Parque Municipal. Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

conservação <strong>de</strong> uso sustentável: MN = Monumento Natural; FLONA = Floresta Nacional;<br />

RPPN = Reserva Particular do Patrimônio Natural; APA = Área <strong>de</strong> Proteção Ambiental;<br />

ARIE = Área <strong>de</strong> Relevante Interesse Ecológico (categorias <strong>de</strong> acordo com a Lei <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> nº<br />

9985/2000, artigos 7º a 21, regulamentada pelo Decreto nº 4340/02).<br />

133


Em relação à flora oficialmente ameaçada do Estado da Bahia (Portaria Normativa<br />

do IBAMA nº 37/1992 e Resolução nº 1009/1994 do CEPRAM), observa-se que os<br />

registros <strong>de</strong> ocorrência do guigó-da-Caatinga coinci<strong>de</strong>m com a distribuição atual <strong>de</strong> seis<br />

espécies arbóreas (Figura 25): braúna (Schinopsis brasilensis), angico (Ana<strong>de</strong>nanthera<br />

macrocarpa), aroeira (Astronium arun<strong>de</strong>uva), gonçalo alves (Astronium fraxnifolium),<br />

quixabeira (Burnelia obtusifolia) e lelia-da-Bahia (Laelia grandis).<br />

134


Figura 25: Carta da flora ameaçada do Estado da Bahia (SEI, 2003). Os ícones ver<strong>de</strong>s<br />

representam as espécies arbóreas ameaçadas ao longo da extensão <strong>de</strong> ocorrência do guigóda-caatinga.<br />

135


5.3 Tamanho mínimo estimado da população<br />

O tamanho estimado da população leva em conta o número <strong>de</strong> indivíduos<br />

conhecidos, estimados ou inferidos que estão maduros e aptos à reprodução (IUCN, 2001).<br />

No presente estudo foi consi<strong>de</strong>rado somente o número <strong>de</strong> indivíduos conhecidos.<br />

Ao todo foram feitos 38 novos registros da espécie e o número total <strong>de</strong> indivíduos<br />

vistos foi 51. Consi<strong>de</strong>rando que os grupos <strong>de</strong> Callicebus são unida<strong>de</strong>s familiares<br />

normalmente formadas por 4 indivíduos (um casal, um filhote nascido no ano anterior e um<br />

filhote recente) (Hershkovitz, 1988a; Defler, 2003), se cada indivíduo visto correspon<strong>de</strong>r a<br />

um grupo, teremos 51 × 4 = 204 indivíduos. Este é o tamanho estimado da população<br />

somente a partir do número <strong>de</strong> indivíduos vistos.<br />

O total <strong>de</strong> registros auditivos foi 14. Consi<strong>de</strong>rando que cada registro auditivo<br />

corresponda a pelo menos um grupo, e utilizando a mesma média <strong>de</strong> quatro indivíduos por<br />

grupo, teremos 14 × 4 = 56 indivíduos. Somando esta estimativa <strong>de</strong> indivíduos ouvidos<br />

àquela <strong>de</strong> indivíduos vistos, teremos: 204 + 56 = 260 indivíduos. Este é o tamanho total<br />

estimado da população.<br />

Provavelmente essa é uma subestimativa, pois havia mais indivíduos do que aqueles<br />

avistados e, muitas vezes, mais <strong>de</strong> um grupo vocalizava simultaneamente num fragmento,<br />

embora não fosse possível <strong>de</strong>terminar quantos. Também <strong>de</strong>ve ser assumida uma margem <strong>de</strong><br />

erro para o método <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> informantes e para a localização dos animais através <strong>de</strong><br />

play-back. Outro ponto a ser consi<strong>de</strong>rado é que um levantamento <strong>de</strong>senvolvido numa escala<br />

menos ampla po<strong>de</strong>ria ter aumentado o número <strong>de</strong> registros em algumas regiões <strong>de</strong>ntro da<br />

extensão <strong>de</strong> ocorrência.<br />

136


O tamanho efetivo da população (N e ) é o número <strong>de</strong> indivíduos aptos a conservar a<br />

espécie através da reprodução (Chepko-Sa<strong>de</strong> et al., 1987). Da mesma forma, o conceito <strong>de</strong><br />

tamanho estimado da população da IUCN (2001) leva em conta apenas o número <strong>de</strong><br />

indivíduos sexualmente maduros. No caso do guigó-da-caatinga, há apenas um casal<br />

reprodutivo por grupo (Hershkovitz, 1988 a). Po<strong>de</strong>-se, então, inferir que são 260/4 = 65<br />

grupos; consi<strong>de</strong>rando um casal por grupo, serão 65 × 2 = 130 indivíduos. Este é o tamanho<br />

efetivo da população. Entretanto, não há uma população efetiva <strong>de</strong>vido a distribuição<br />

espacial dos animais, que estão dispersos ao longo <strong>de</strong> 291.438 km 2 <strong>de</strong> hábitats severamente<br />

fragmentados. A expressão severamente fragmentado se refere à situação na qual o risco <strong>de</strong><br />

extinção do táxon aumenta como resultado do fato <strong>de</strong> que a maioria dos seus indivíduos são<br />

encontrados em pequenas e relativamente isoladas subpopulações, que po<strong>de</strong>m se extinguir<br />

com reduzida probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recolonização (IUCN, 2001).<br />

Além <strong>de</strong> ser remota a probabilida<strong>de</strong> dos indivíduos <strong>de</strong> diferentes subpopulações <strong>de</strong><br />

C. barbarabrownae se encontrarem para a reprodução, o potencial reprodutivo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

cada subpopulação também é preocupante, pois: 1) Segundo Defler (2003), o afeto entre os<br />

membros dos grupos <strong>de</strong> Callicebus, especialmente o casal, po<strong>de</strong> ser um dos mecanismos<br />

que permitem manter unida a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> grupal, aparentemente até a morte <strong>de</strong> um dos<br />

membros. Consi<strong>de</strong>rando que a espécie é monógama, naquelas subpopulações em que a<br />

proporção entre machos e fêmeas se tornar <strong>de</strong>sigual, o sistema social po<strong>de</strong> impedir que<br />

alguns indivíduos fisiologicamente capazes se reproduzam. O efeito do número <strong>de</strong>sigual na<br />

razão sexual <strong>de</strong> espécies monógamas po<strong>de</strong> ser simulado trocando os valores da equação Ne<br />

= 4NmNf/Nm+Nf, on<strong>de</strong> Nm = nº <strong>de</strong> machos e Nf = nº <strong>de</strong> fêmeas (Primack & Rodrigues,<br />

2001). 2) Se ocorrer com Callicebus que ambos os sexos dispersem dos grupos <strong>de</strong><br />

nascimento na época reprodutiva, como é observado entre outros primatas monógamos e<br />

137


com cuidado parental paterno (Wrangham, 1980; Moore, 1983; Strier, 1997), então a razão<br />

sexual nos grupos será próxima <strong>de</strong> 1:1, corroborando a importância da proporção sexual<br />

sobre o comportamento reprodutivo; 3) os guigós se reproduzem somente uma vez por ano<br />

(Hershkovitz, 1988a; Defler, 2003; este estudo). Flutuações ao acaso da <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mográfica ao longo das gerações po<strong>de</strong>m levar as subpopulações à extinção, pois em um<br />

único ano em que a subpopulação for drasticamente reduzida o valor <strong>de</strong> N e po<strong>de</strong>rá ser<br />

substancialmente diminuído (Primack & Rodrigues, 2001).<br />

5.4 C. barbarabrownae <strong>de</strong>ve permanecer na categoria “criticamente em perigo”?<br />

Das três regiões com o maior número <strong>de</strong> registros <strong>de</strong> guigó-da-caatinga, uma é<br />

consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong> extrema para a conservação, a região do agreste, e outra <strong>de</strong><br />

informação insuficiente, a região da localida<strong>de</strong> tipo, <strong>de</strong> acordo com os critérios do<br />

Ministério do Meio Ambiente (MMA, 2002; Silva et al., 2004). A ocorrência da espécie<br />

nesta segunda região corrobora a importância <strong>de</strong> incrementar o conhecimento atual sobre a<br />

biodiversida<strong>de</strong> da Caatinga.<br />

De acordo com os parâmetros aqui estimados (extensão <strong>de</strong> ocorrência, área <strong>de</strong><br />

ocupação, tamanho populacional mínimo e principais amaças à espécie) recomendo a<br />

manutenção do guigó-da-caatinga na categoria criticamente em perigo.<br />

138


6. Recomendações para o manejo e conservação<br />

Segundo Diegues (1996), há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se pensar vários tipos <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s<br />

sustentáveis, ancoradas em modos particulares, históricos e culturais <strong>de</strong> relações com os<br />

vários ecossistemas existentes na biosfera e dos seres humanos entre si. Sendo assim, se faz<br />

urgente um projeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento bioregional, adaptado à realida<strong>de</strong> da Caatinga, que<br />

leve em conta suas vocações e limitações naturais. O <strong>de</strong>senvolvimento do semi-árido <strong>de</strong>ntro<br />

dos mesmos padrões <strong>de</strong> consumo dos gran<strong>de</strong>s centros é uma falsa promessa que está<br />

levando à <strong>de</strong>struição das caatingas arbóreas, ao <strong>de</strong>saparecimento do guigó-da-caatinga e <strong>de</strong><br />

toda a biodiversida<strong>de</strong> daquele importante bioma brasileiro.<br />

A seguir apresent algumas recomendações no sentido <strong>de</strong> garantir a conservação do<br />

guigó-da-caatinga.<br />

6.1 Esclarecimentos aos sem-terra<br />

Contatei algumas li<strong>de</strong>ranças do Movimento dos Sem Terra (MST) na região do<br />

recôncavo baiano, visando solicitar permissão para a realização da presente pesquisa nos<br />

fragmentos ocupados. Após uma conversa a respeito dos problemas <strong>de</strong> conservação, os<br />

lí<strong>de</strong>res alegaram que a maior parte dos danos ambientais se <strong>de</strong>ve ao <strong>de</strong>sconhecimento da<br />

legislação ambiental brasileira, por parte dos trabalhadores rurais. Quando questionados<br />

sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser realizado um trabalho <strong>de</strong> esclarecimento junto às comunida<strong>de</strong>s<br />

assentadas, as li<strong>de</strong>ranças <strong>de</strong>monstraram interesse e se colocaram à disposição para o<br />

<strong>de</strong>talhamento do projeto. Além do esclarecimento aos agricultores, que po<strong>de</strong> ser feito por<br />

139


estudantes universitários via projetos <strong>de</strong> extensão, po<strong>de</strong> haver um planejamento do <strong>de</strong>senho<br />

dos lotes na planta do terreno, visando manter a conexão entre as áreas <strong>de</strong> reserva legal.<br />

Para tanto, seria necessária uma parceria entre o INCRA (<strong>Instituto</strong> Nacional da Colonização<br />

e Reforma Agrária) e o IBAMA.<br />

6.2 Financiamento para a agricultura familiar<br />

Caatingas arbóreas <strong>de</strong> várias regiões da Bahia po<strong>de</strong>riam ter sido conservadas se o<br />

sertanejo soubesse fazer rotação <strong>de</strong> pastagens, calagem <strong>de</strong> solo e se tivesse apoio técnicofinanceiro<br />

para isso. O <strong>de</strong>senvolvimento da agricultura familiar na Caatinga ainda po<strong>de</strong>rá<br />

ocorrer se houver apoio dos governos fe<strong>de</strong>ral e estadual. A conversão do sistema<br />

agropastoril tradicional para um sistema <strong>de</strong> manejo <strong>de</strong> menor impacto é um processo lento,<br />

que só terá sustentabilida<strong>de</strong> econômica em médio prazo.<br />

Há regiões na Caatinga com lençol freático a menos <strong>de</strong> 40 metros <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong>,<br />

mas falta financiamento para o mapeamento e perfuração dos poços. Com irrigação muitas<br />

proprieda<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>riam até mesmo trocar a pecuária e a agricultura <strong>de</strong> alto impacto por<br />

outras formas <strong>de</strong> manejo mais compatíveis com a conservação <strong>de</strong> caatingas arbóreas, tais<br />

como os sistemas agro-florestais.<br />

Outras sugestões são (Drumond et al., 2004): a) incentivo à captação <strong>de</strong> águas<br />

pluviais para uso múltiplo; b) adotar manejo a<strong>de</strong>quado da apicultura e estimular a utilização<br />

sustentável <strong>de</strong> abelhas nativas; c) em relação ao <strong>de</strong>smatamento e à retirada <strong>de</strong> lenha:<br />

incentivar o uso <strong>de</strong> outras formas <strong>de</strong> energia (solar, eólica, biodigestora, gás) e implantar os<br />

planos <strong>de</strong> manejo em Florestas Nacionais e Áreas <strong>de</strong> Preservação Ambiental; f) estimular à<br />

140


implantação <strong>de</strong> criadouros <strong>de</strong> animais silvestres e <strong>de</strong> viveiros <strong>de</strong> plantas nativas para<br />

consumo e comercialização.<br />

Segundo Sampaio e Batista (2004), a exploração <strong>de</strong> recursos florestais atualmente<br />

realizada na Caatinga não é sustentável por duas razões: 1) falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />

sistemas agroflorestais (SAFs) na região; 2) não cumprimento, por parte da população, da<br />

reposição florestal obrigatória. Segundo os mesmos autores, a população <strong>de</strong>sconhece o<br />

benefício dos SAFs, o ensino das técnicas <strong>de</strong> produção no campo é voltado para o<br />

monocultivo e faltam pesquisas que quantifiquem e qualifiquem as melhores alternativas<br />

agroflorestais, por zona ecológica. Mesmo assim observei SAFs na caatinga (Fig. 26),<br />

sugerindo que a partir <strong>de</strong> um maior estímulo esta possa se tornar uma alternativa para uso<br />

sustentável do solo na região.<br />

O objetivo a ser buscado é a conversão dos sistemas predatórios <strong>de</strong> produção em<br />

sistemas agroecológicos, visando melhorar a qualida<strong>de</strong> da matriz.<br />

141


Figura 26: Sistema agro-florestal no entorno do Parque Estadual das Sete Passagens<br />

(Miguel Calmon, Bahia): licuri, palma, mamona e abóboras cultivados em consórcio numa<br />

área <strong>de</strong> meio hectare<br />

142


6.3 Manejo <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação<br />

Todas as unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação, estaduais ou fe<strong>de</strong>rais, <strong>de</strong>ntro da extensão <strong>de</strong><br />

ocorrência do guigó-da-caatinga, necessitam <strong>de</strong> intervenção urgente do governo do Estado<br />

da Bahia e do governo fe<strong>de</strong>ral. Apesar da espécie não ter sido registrada <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nenhuma<br />

unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação, é necessário resolver sua situação fundiária e implementar seus<br />

planos <strong>de</strong> manejo, consi<strong>de</strong>rando sua importância para outras espécies e para o bioma<br />

Caatinga como um todo. Além disso, a espécie foi registrada na zona <strong>de</strong> amortecimento <strong>de</strong><br />

duas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação (o Parque Nacional da Chapada Diamantina e a Floresta<br />

Nacional <strong>de</strong> Contendas do Sincorá) e próxima ao Parque Estadual das Sete Passagens. A<br />

zona <strong>de</strong> amortecimento das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação está sujeita a regime especial <strong>de</strong><br />

ocupação do solo, a ser regulamentado via plano <strong>de</strong> manejo, <strong>de</strong> acordo com o Sistema<br />

Nacional <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação (Lei <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> 9985/2000).<br />

A implementação <strong>de</strong> Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) po<strong>de</strong>,<br />

em muitos casos, ser mais a<strong>de</strong>quada do que a criação <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong><br />

domínio público, principalmente quando já existe uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação pública na<br />

região e é necessário intervir no seu entorno (Mesquita & Vieira, 2004). Porém contra esta<br />

estratégia se interpõe a burocracia. Em Jeremoado, por exemplo, numa fazenda com cerca<br />

<strong>de</strong> 5.000 ha on<strong>de</strong> o guigó-da-caatinga e a ararinha-azul-<strong>de</strong>-lear (Anodorhyncus leari) se<br />

alimentam nos mesmos licuris (Syagrus coronata (Mart.) Becc.), o proprietário tentou criar<br />

uma RPPN, mas <strong>de</strong>sistiu frente às exigências do governo fe<strong>de</strong>ral. As RPPN’s po<strong>de</strong>m ser<br />

úteis para unir fragmentos entre unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong> domínio público.<br />

Outra questão importante se refere ao <strong>de</strong>sconhecimento por parte <strong>de</strong> proprietários e<br />

técnicos acerca da legislação vigente sobre RPPN’s. Por exemplo, o Roteiro Metodológico<br />

143


para a Elaboração <strong>de</strong> Plano <strong>de</strong> Manejo para Reservas Particulares do Patrimônio<br />

Natural, documento publicado pelo Ministério do Meio Ambiente (IBAMA, 2004), previu<br />

o zoneamento <strong>de</strong> RPPN’s em seis categorias <strong>de</strong> manejo (zonas silvestre, <strong>de</strong> proteção, <strong>de</strong><br />

visitação, <strong>de</strong> administração, <strong>de</strong> transição e <strong>de</strong> recuperação), visando flexibilizar o uso da<br />

terra para motivar os proprietários a criarem novas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação privadas.<br />

Porém, poucos têm conhecimento disto e a idéia predominante é a <strong>de</strong> que não se po<strong>de</strong> fazer<br />

nada numa RPPN. O mesmo <strong>de</strong>sconhecimento ocorre em relação ao Decreto <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> nº<br />

5.746/06, que facilitou algumas das antigas exigências feitas pelo Ministério do Meio<br />

Ambiente aos proprietários interessados em constituir RPPN’s (Diário Oficial da União,<br />

05/04/2006). São exemplos: a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> indicar os proprietários anteriores, que passou<br />

<strong>de</strong> 50 para 30 anos anteriores; não é mais exigido o georeferenciamento dos limites da<br />

proprieda<strong>de</strong> com GPS <strong>de</strong> estação fixa; foi permitida a construção <strong>de</strong> viveiros <strong>de</strong> mudas<br />

nativas e a coleta <strong>de</strong> sementes <strong>de</strong>ntro da área <strong>de</strong> RPPN; foi liberada a inclusão na RPPN <strong>de</strong><br />

áreas <strong>de</strong>gradadas a serem recuperadas, com tamanho máximo <strong>de</strong> 1000 ha.<br />

As universida<strong>de</strong>s, principalmente as que estão localizadas no interior da Bahia,<br />

como a <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Estadual <strong>de</strong> Feira <strong>de</strong> Santana, e os campi da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Estadual da<br />

Bahia, po<strong>de</strong>m colaborar com os escritórios regionais do IBAMA e com os proprietários das<br />

áreas, visando à criação <strong>de</strong> novas RPPN’s e a elaboração dos seus planos <strong>de</strong> manejo. Isto é<br />

crucial, haja vista o importante papel das áreas particulares para a conservação do guigó-da-<br />

Caatinga. Mesmo com todas as dificulda<strong>de</strong>s enfrentadas pelos proprietários hoje existem 11<br />

RPPN’s oficializadas na Caatinga baiana. Com apoio do Ministério do Meio Ambiente e da<br />

socieda<strong>de</strong> civil organizada, po<strong>de</strong>ria ser estabelecida a meta <strong>de</strong> dobrar este número em cinco<br />

anos, por exemplo.<br />

144


Em regiões on<strong>de</strong> há realmente a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer novas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

conservação <strong>de</strong> domínio público, se recomenda trabalhar com a criação <strong>de</strong> áreas <strong>de</strong><br />

tamanho operacional do ponto <strong>de</strong> vista da fiscalização e, simultaneamente, com incentivo à<br />

criação <strong>de</strong> RPPN’s no seu entorno. Esta estratégia é recomendada para a região <strong>de</strong> Salitre,<br />

município <strong>de</strong> Gentio do Ouro, on<strong>de</strong> não há unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação. Lá foram encontradas<br />

caatingas arbóreas com guigós e um cenário favorável a projetos <strong>de</strong> conservação.<br />

A três regiões citadas como <strong>de</strong> alta priorida<strong>de</strong> para a conservação do guigó-dacaatinga<br />

(do agreste, da localida<strong>de</strong>-tipo e ao norte da Chapada Diamantina) compreen<strong>de</strong>m<br />

cerca <strong>de</strong> 90% dos registros. O sucesso <strong>de</strong> qualquer estratégia <strong>de</strong> conservação da população<br />

<strong>de</strong> C. barbarabrownae <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da preservação daquelas matas (população é aqui <strong>de</strong>finida<br />

como o número total <strong>de</strong> indivíduos <strong>de</strong> um táxon, segundo a IUCN, 2001).<br />

Recomendo que o Ministério do Meio Ambiente e o IBAMA estu<strong>de</strong>m a viabilida<strong>de</strong><br />

técnica e legal <strong>de</strong> criar uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong> proteção integral na região <strong>de</strong><br />

Serrinha, próximo á localida<strong>de</strong> tipo (Lamarão).<br />

6.4 Incentivo à conservação da área rural dos municípios<br />

Tradicionalmente, a tributação tem sido vista apenas como uma forma do po<strong>de</strong>r<br />

público aumentar sua arrecadação. De uma maneira mais ampla, entretanto, ela po<strong>de</strong> ser<br />

utilizada pelos gestores ambientais como um mecanismo para melhorar o controle<br />

territorial, incentivando ou coibindo certas práticas, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma ótica <strong>de</strong> planejamento<br />

global do município.<br />

145


Em Porto Alegre, por exemplo, a maior cida<strong>de</strong> próxima ao limite sul <strong>de</strong> distribuição<br />

do bugio-ruivo (Alouatta clamitans) e provável limite sul <strong>de</strong> todos os primatas neotropicais<br />

(Printes et al., 2001), levantamentos realizados pelo Programa Macacos Urbanos<br />

(Departamento <strong>de</strong> Zoologia da UFRGS) entre 1993 e 1996 (Romanowski et al., 1998),<br />

possibilitaram que os pesquisadores, juntamente com agricultores, outros produtores<br />

primários e ambientalistas, interferissem na discussão sobre a estratégia tributária<br />

municipal. Deste processo resultou a Lei Complementar 482/02, Artigo 70 (Diário Oficial<br />

<strong>de</strong> Porto Alegre, 27/12/02), que prevê a isenção total <strong>de</strong> IPTU para os imóveis ou parte<br />

<strong>de</strong>les reconhecidos como áreas <strong>de</strong> produção primária, Reserva Particular do Patrimônio<br />

Natural (Lei <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> nº 9.985 <strong>de</strong> 18/07/2000), Área <strong>de</strong> Preservação Permanente (Lei<br />

<strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> nº 4.771, <strong>de</strong> 15/09/1965) ou Área <strong>de</strong> Proteção do Ambiente Natural (Lei<br />

Complementar nº 434, <strong>de</strong> 01/12/99), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se mantenham preservadas, <strong>de</strong> acordo com<br />

os critérios estabelecidos pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente <strong>de</strong> Porto Alegre.<br />

Até o presente, 14 proprietários já foram beneficiados com o “IPTU ecológico”, por<br />

garantirem a conservação <strong>de</strong> parte das suas proprieda<strong>de</strong>s (Teles, 2006) e outros 400 por<br />

serem produtores rurais.<br />

Há muito tempo é sabido que mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma área estar legalmente<br />

protegida, mudanças ecológicas naturais ou provocadas pelo ser humano continuam a afetar<br />

suas espécies e ecossistemas (White & Bratton, 1980; Benjamin, 2001). Entretanto, buscar<br />

um status <strong>de</strong> proteção legal para a área rural dos municípios é o mínimo que o po<strong>de</strong>r<br />

público e a socieda<strong>de</strong> civil <strong>de</strong>vem fazer <strong>de</strong> acordo com o Princípio da Precaução (Lei<br />

<strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> 9.605/1998).<br />

146


6.5 Alternativas protéicas à caça<br />

Uma abordagem possível é pensar sobre como estaria a fauna da Caatinga hoje se<br />

algumas espécies autóctones tivessem sido manejadas a<strong>de</strong>quadamente para a alimentação,<br />

ao invés <strong>de</strong> ter sido importado um mo<strong>de</strong>lo europeu <strong>de</strong> pecuária.<br />

Os sistemas <strong>de</strong> auto-regulação funcionam apenas em condições <strong>de</strong> baixa <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mográfica, o que não <strong>de</strong>ve prevalecer na Caatinga nos próximos anos. Mas é importante<br />

observar que a caça na Caatinga está voltada para a sobrevivência e não para o comércio.<br />

Segundo os informantes, a caça não é um gran<strong>de</strong> problema para a conservação dos<br />

guigós, embora provavelmente o seja para outros elementos da fauna da Caatinga. Os<br />

acordos <strong>de</strong> caça e fiscalização po<strong>de</strong>riam ser explorados como a base para elaboração <strong>de</strong> um<br />

sistema <strong>de</strong> co-manejo. Eles po<strong>de</strong>m estar garantindo uma auto-regulação da caça em locais<br />

aon<strong>de</strong> a fiscalização dificilmente chegará. A inclusão da comunida<strong>de</strong> no processo <strong>de</strong><br />

fiscalização é um procedimento recomendável (Borrini-Fayerabend, 1997), tendo em vista<br />

a baixa eficiência do po<strong>de</strong>r público enquanto órgão fiscalizador da Política Nacional <strong>de</strong><br />

Meio Ambiente (Leis Fe<strong>de</strong>rais 6.938/81 e 10.165/2000).<br />

Em termos <strong>de</strong> alternativas à pecuária, a criação <strong>de</strong> emas (Rhea americana), por<br />

exemplo, foi observada na região <strong>de</strong> Jeremoabo, com ótimos resultados, segundo os<br />

proprietários, tendo em vista ser este um animal da região e suportar bem os rigores do<br />

clima. Outro animal que po<strong>de</strong> ser criado para o abate em algumas regiões (como em Cel.<br />

João Sá e Pedro Alexandre) é a capivara (Hydrochoerus hydrochaeris). Foi observado,<br />

147


ainda, que alguns sertanejos criam o veado (Mazama americana) no mesmo sistema<br />

utilizado para a criação do bo<strong>de</strong>. Entretanto todas estas propostas requerem análise <strong>de</strong><br />

viabilida<strong>de</strong> técnico-finaceira, e muitas vezes uma legislação especial.<br />

7. Referências bibliográficas<br />

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aproximação. Geomorfologia 52: 23pp.<br />

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<strong>Instituto</strong> Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatistica (IBGE), Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

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Benjamin, A. H. (Org.) (2001). Direito ambiental das áreas protegidas: o regime jurídico<br />

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