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Agostinho e a Literatura Portuguesa - Instituto de Filosofia

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“A literatura mais representativa do que Portugal foi (...) é a literatura<br />

dos navegadores, dos pilotos e dos exploradores que marcaram<br />

a sua passagem por todos os mares e por todos os continentes do<br />

globo e que <strong>de</strong>pois, sem querer saber das normas <strong>de</strong> retórica europeia,<br />

vieram trazer [com] a sua narrativa, (...) a sua contribuição<br />

para uma ciência que se não constituía sobre o sacrifício dos menos<br />

cultos, sobre uma segregação dos que mais sabiam, mas, pelo<br />

contrário, se fazia tomando por base essencial o grupo que saía à<br />

<strong>de</strong>scoberta, sendo afinal o que escrevia como que apenas o relator, o<br />

narrador das experiências do grupo. Ciência <strong>de</strong> irmãos para irmãos,<br />

não ciência <strong>de</strong> senhores para escravos, nem ciência <strong>de</strong> superiores<br />

para inferiores”. 95<br />

Sendo o problema português um problema do mundo, os escritores<br />

que ainda têm a coragem <strong>de</strong> se <strong>de</strong>bruçar sobre os problemas do povo, sobre as<br />

suas necessida<strong>de</strong>s, aspirações ou fragilida<strong>de</strong>s, sabendo, em consciência, que tal<br />

literatura po<strong>de</strong> correr o risco <strong>de</strong> vir a ser <strong>de</strong>svalorizada, “esses escritores”, diz<br />

<strong>Agostinho</strong>,<br />

“esses escritores estão apenas ecoando (...) o gran<strong>de</strong> lamento universal<br />

dos pobres que ninguém liberta <strong>de</strong> sua pobreza, dos camponeses<br />

para quem a terra foi madrasta, dos operários que são apenas «mão<strong>de</strong>-obra»,<br />

das crianças que, quando escapam <strong>de</strong> morrer, vivem para<br />

penar, das mulheres que a prostituição espreita, dos velhos para<br />

quem o hospital é o paraíso”. 96<br />

E <strong>de</strong>safia os escritores actuais a quem atribui particulares responsabilida<strong>de</strong>s<br />

para que, quais Camões, se não eximam a sonhar e a propalar “não<br />

o mundo das existências”, “mas o mundo das essências”, um mundo “sempre<br />

<strong>de</strong> futuro e nunca <strong>de</strong> passado”; 97 ou, qual Vieira, sejam capazes <strong>de</strong> propalar “o<br />

Reino da irmanda<strong>de</strong>, da compreensão, da cooperação” que, se estendido ao<br />

universo, seria a certeza <strong>de</strong> que, algum dia, po<strong>de</strong>ríamos ace<strong>de</strong>r “ao Reino <strong>de</strong><br />

Deus”. Assim sendo, “Portugal estaria em qualquer parte do mundo em que<br />

estivesse um português pensando à maneira portuguesa”. 98<br />

Lisboa, Novembro <strong>de</strong> 2006<br />

<strong>Agostinho</strong> e a <strong>Literatura</strong> <strong>Portuguesa</strong><br />

Helena Maria Briosa e Mota

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