Agostinho e a Literatura Portuguesa - Instituto de Filosofia
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Será, contudo, na obra poética ainda inédita, 89 que parece residir o seu<br />
pensamento mais íntimo. Aí, po<strong>de</strong>-se entever o <strong>Agostinho</strong>-homem, apaixonado,<br />
que reflecte e discute acerca do Amor; <strong>de</strong>scobre-se o poetar repassado<br />
<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rações éticas, místicas e metafísicas, <strong>de</strong> cuidada elaboração, plena<br />
<strong>de</strong> antinomias e exortações, o que lhe confere, nas palavras <strong>de</strong> Paulo Borges,<br />
características <strong>de</strong> “poesia pensante e mística”. 90 Do que pu<strong>de</strong>mos analisar, partindo<br />
do espólio que recolhemos, fica-nos a certeza <strong>de</strong> que muito há ainda a<br />
explorar em <strong>Agostinho</strong>-poeta.<br />
Cultivar a <strong>de</strong>usa da Razão nunca foi muito do gosto <strong>de</strong> <strong>Agostinho</strong>, que<br />
se assumiu contra o cartesianismo teórico preferindo a vida “à solta”, do quotidiano,<br />
on<strong>de</strong> as teorias se levam, coerentemente, à prática. Enten<strong>de</strong> que a revolução<br />
dos seus dias – a revolução <strong>de</strong> todos os dias – é a <strong>de</strong> levar a “poesia para<br />
todos”. 91 Porque se a “poesia da criação” só apareceu no mundo <strong>de</strong>pois daquela<br />
época em que o homem primitivo <strong>de</strong>la não tinha qualquer necessida<strong>de</strong>, por ser<br />
pouco mais que bicho, vivendo apenas para sobreviver, a partir do momento<br />
em que inventou a alavanca e a roda, surgiu <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le o movimento interno,<br />
<strong>de</strong> instinto, e intuição, mas também <strong>de</strong> poesia, que lhe conferiu estatuto <strong>de</strong><br />
criatura, não só “da” criação, mas igualmente “capaz <strong>de</strong> criação”. Foi então que<br />
o Homem ganhou capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser “poeta à solta”. 92<br />
8. O mundo das essências<br />
“Sou muito do comportamento africano, que integra o passado no<br />
presente e, porque o mito reina, o alarga a todo o futuro possível.<br />
E o facto <strong>de</strong> pensar africano me torna mais português, pois o ligo<br />
igualmente a Platão”. 93<br />
Porque continuou sempre a acreditar que seria possível operar uma<br />
reforma radical e contribuir para a reunificação dos povos <strong>de</strong> língua galaicoportuguesa,<br />
não <strong>de</strong>sistiu <strong>Agostinho</strong> da Silva <strong>de</strong> concitar à sua volta todos os<br />
que, como ele, acreditam que ainda é possível “oferecer ao mundo um mo<strong>de</strong>lo<br />
<strong>de</strong> vida em que se entrelacem, em perfeita harmonia, os fundamentais impulsos<br />
da humanida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir beleza, <strong>de</strong> amar os homens e <strong>de</strong> louvar a Deus:<br />
<strong>de</strong> criar, <strong>de</strong> servir, <strong>de</strong> rezar”. 94<br />
Por isso nunca <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> – malgrado as óbvias oposições que sempre<br />
à sua volta foi capaz <strong>de</strong> congregar – instigar e exortar todas as comunida<strong>de</strong>s,<br />
em particular as dos escritores, a quem chamou a atenção para dois factos que<br />
se nos apresentam como basilares:<br />
Revista Convergência Lusíada, 23 – 2007 ISSN 1414-0381