Somos todos como um cego face a um elefante - Fundação de ...

Somos todos como um cego face a um elefante - Fundação de ... Somos todos como um cego face a um elefante - Fundação de ...

25.10.2014 Views

A1 Tiragem: 52525 País: Portugal Pág: 6 Cores: Cor Period.: Diária Área: 28,91 x 36,80 cm² ID: 27752013 26-11-2009 | P2 Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 4 Na Primeira Pessoa Somos todos como um cego face a um elefante Vanessa Rato a O que podemos esperar da arte no século XXI... Não sou vidente, não posso falar sobre o que vai acontecer nas próximas décadas, mas posso falar um pouco sobre o que aconteceu nos primeiros anos do século XXI, durante os quais a arte contemporânea flutuou livre de qualquer ligação à história e à teoria. Parece-me que a arte contemporânea se tornou, de certa forma, numa categoria artística em si. Um campo independente, com cargos em museus e universidades. A coisa invulgar é que, apesar de haver uma longa história de vanguardas modernas e de a vanguarda se ter definido sempre através da ruptura com o passado, na verdade, sempre ficou ligada ao passado. Já a arte contemporânea, especialmente porque é global, perfila-se como uma vasta presença que vemos mais como um grande campo horizontal, que vemos mais em termos sincrónicos do que diacrónicos. Isto acarreta alguns problemas. Alguns prazeres, também. Mas sobretudo problemas. Não há um conceito que abranja a arte contemporânea na sua totalidade, mas há uma condição que quase toda ela partilha e que eu trato como sendo uma condição de “precariedade”. É uma palavra que me parece muito sugestiva. Pedi-a emprestada ao artista [suíço] Thomas Hirschhorn, que a usa em francês. Em francês, mais do que em inglês, esta palavra – précarité – comporta um certo sentido de oração, ou até, mais, de súplica. É o que me interessa: que transmita a enorme instabilidade e insegurança da vida social protocolada. É qualquer coisa de muito vago, de fugidio, mas parece-me que um sem-número de artistas evoca hoje essa precariedade. É uma palavra mais frequentemente aplicada a imigrantes e trabalhadores temporários, mas, no clima político da última década, atingiu muitos outros tipos de pessoas. Etimologicamente, o termo vem do latim precum, que é uma espécie de súplica dirigida aos poderes, um pedido dirigido sem esperança a uma autoridade. Na arte que me interessa – Thomas Hirschhorn, Robert Gober... –, há um certo sentido de súplica que é também uma acusação, precisamente porque quem faz a súplica assume – e assume correctamente – que o seu pedido não será atendido. Em diferentes momentos, a contemporaneidade teve diferentes motivações. A arte que me interessa integra na própria feitura essa precariedade. Ela é, em si mesma, na sua estrutura, na sua aparência, instável, insegura. São trabalhos que quase não se sustêm. É uma escultura ou instalação que não se aguenta em pé como imagem ou como objecto. São obras que se recusam a ser integradas. É diferente de outros exemplos de arte contemporânea no passado. Uma década de crise Na última década, vimos todo o tipo de projectos que se recusam a assumir a habitual condição da arte, que é parecer-se com qualquer coisa identificável com pintura ou com fotografia ou com o que quer que seja. São trabalhos que recusam a completude, uma resolução última. Que traduzem, nos próprios termos em que são feitos, uma impossibilidade. Naturalmente, há precedentes para este tipo informal – ou informe – de apresentar arte. Normalmente acontece em momentos em que a RUI GAUDÊNCIO Instalação Concrete Shock (2005), de Thomas Hirschhorn, exposta na Fundação Ellipse, em Alcoitão ordem mundial parece estar em causa e essa ameaça tem estado muito presente na última década. Nos anos 1990, pelo menos nos Estados Unidos, vivemos o princípio de uma verdadeira crise da velha ordem mundial, da velha ordem política. Foi o fim da Segurança Social, e esse fim foi a primeira face acabada do neoliberalismo. E houve também, claro, a sida. Os artistas, naturalmente, pegaram neste sentido de ordem social fracturada e integraram-na na sua obra. [A filósofa, crítica literária e psicanalista] Julia Kristeva falou em “arte abjecta”, mas a arte abjecta tomava o corpo, o corpo corrompido, como símbolo de uma ordem danificada. Gente como o Robert Gober, a Kiki Smith, o Mike Kelley... O trabalho a que chamo precário é diferente. Refere-se a um momento mais tardio desta crise que não olha para o corpo como símbolo da sociedade. Em vez do corpo há todo um leque de dispositivos. Produtos e materiais kitsch da vida quotidiana, referências da cultura pop, objectos da sociedade de consumo que começam a cair aos bocados. Brinquedos, bonecas, pequenos carrinhos ou cadeiras de criança reunidos em conjuntos que sugerem um certo sentimento de molestação, de perturbação, de ordem corrompida, transtornada, enlouquecida... Quando escrevi The Return of the Real [ed. The MIT Press, 1996, sobre a transformação da arte e da teoria desde 1960], incluí duas ideias da realidade: uma, mais convencional, de regresso ao social, de regresso às preocupações de representação do social; a outra, menos convencional, implicava um sentido do real como trauma. Este segundo sentido, em que entravam as preocupações com o corpo abjecto como representação de uma sociedade abjecta, tentava evocar um mundo traumático e a forma como a arte que o representava fazia uma espécie de assalto ao público. Creio que a relação da arte deste momento com o seu público é menos violenta, menos agressiva. Mais: na verdade, neste momento, o artista não chega a atribuir ao público uma posição estável; o público partilha da mesma condição de instabilidade identitária que a arte. É a própria ideia do social que está em causa. E claro que isto é uma posição difícil. Já para os museus, a questão é qual a sua relação face à história da arte. Cada vez vemos surgir mais museus privados nascidos de fortunas pessoais extraordinárias, mais do que em pleno neoliberalismo. Há tendência a pensar no museu como entidade individual, mas não há apenas uma categoria de arte contemporânea, quanto mais poder pensar que uma única colecção a pode representar! Parece-me que a grande questão que se coloca a um museu envolvido com arte contemporânea, neste momento, é como relacioná-la com o passado. Como entidade completamente autónoma? Como um problema em si? Ou como qualquer coisa que continua a ter relações com precedentes, com o passado? Esta, para mim, é a questão fundamental: terá a tensão entre o presente e o passado sido esticada ao ponto de ruptura? Eu acho que sim. De certa forma, ao longo dos últimos 20 anos, desde 1989, que é uma data fácil de usar como marco ou como fronteira, a arte cresceu exponencialmente, tornou-se internacional e depois global. Hoje há todo o tipo de tradições e histórias da arte a considerar. Não há uma, duas ou três linhas que possamos traçar ao longo do tempo e que funcionem e possam conferir um sentido narrativo ao presente. De novo: fazemos relações horizontais entre as coisas, relações sincrónicas e não diacrónicas.

A1<br />

Tiragem: 52525<br />

País: Portugal<br />

Pág: 6<br />

Cores: Cor<br />

Period.: Diária<br />

Área: 28,91 x 36,80 cm²<br />

ID: 27752013<br />

26-11-2009 | P2<br />

Âmbito: Informação Geral<br />

Corte: 1 <strong>de</strong> 4<br />

Na Primeira Pessoa<br />

<strong>Somos</strong> <strong>todos</strong> <strong>como</strong> <strong>um</strong><br />

<strong>cego</strong> <strong>face</strong> a <strong>um</strong> <strong>elefante</strong><br />

Vanessa Rato<br />

a O que po<strong>de</strong>mos esperar da arte<br />

no século XXI... Não sou vi<strong>de</strong>nte,<br />

não posso falar sobre o que vai<br />

acontecer nas próximas décadas,<br />

mas posso falar <strong>um</strong> pouco sobre o<br />

que aconteceu nos primeiros anos<br />

do século XXI, durante os quais a<br />

arte contemporânea flutuou livre <strong>de</strong><br />

qualquer ligação à história e à teoria.<br />

Parece-me que a arte<br />

contemporânea se tornou, <strong>de</strong> certa<br />

forma, n<strong>um</strong>a categoria artística em<br />

si. Um campo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, com<br />

cargos em museus e universida<strong>de</strong>s. A<br />

coisa invulgar é que, apesar <strong>de</strong> haver<br />

<strong>um</strong>a longa história <strong>de</strong> vanguardas<br />

mo<strong>de</strong>rnas e <strong>de</strong> a vanguarda se ter<br />

<strong>de</strong>finido sempre através da ruptura<br />

com o passado, na verda<strong>de</strong>, sempre<br />

ficou ligada ao passado. Já a arte<br />

contemporânea, especialmente<br />

porque é global, perfila-se <strong>como</strong><br />

<strong>um</strong>a vasta presença que vemos mais<br />

<strong>como</strong> <strong>um</strong> gran<strong>de</strong> campo horizontal,<br />

que vemos mais em termos<br />

sincrónicos do que diacrónicos. Isto<br />

acarreta alguns problemas. Alguns<br />

prazeres, também. Mas sobretudo<br />

problemas.<br />

Não há <strong>um</strong> conceito que abranja<br />

a arte contemporânea na sua<br />

totalida<strong>de</strong>, mas há <strong>um</strong>a condição<br />

que quase toda ela partilha e que<br />

eu trato <strong>como</strong> sendo <strong>um</strong>a condição<br />

<strong>de</strong> “precarieda<strong>de</strong>”. É <strong>um</strong>a palavra<br />

que me parece muito sugestiva.<br />

Pedi-a emprestada ao artista [suíço]<br />

Thomas Hirschhorn, que a usa em<br />

francês. Em francês, mais do que<br />

em inglês, esta palavra – précarité<br />

– comporta <strong>um</strong> certo sentido <strong>de</strong><br />

oração, ou até, mais, <strong>de</strong> súplica. É<br />

o que me interessa: que transmita a<br />

enorme instabilida<strong>de</strong> e insegurança<br />

da vida social protocolada.<br />

É qualquer coisa <strong>de</strong> muito vago,<br />

<strong>de</strong> fugidio, mas parece-me que <strong>um</strong><br />

sem-número <strong>de</strong> artistas evoca hoje<br />

essa precarieda<strong>de</strong>. É <strong>um</strong>a palavra<br />

mais frequentemente aplicada<br />

a imigrantes e trabalhadores<br />

temporários, mas, no clima político<br />

da última década, atingiu muitos<br />

outros tipos <strong>de</strong> pessoas.<br />

Etimologicamente, o termo vem<br />

do latim prec<strong>um</strong>, que é <strong>um</strong>a espécie<br />

<strong>de</strong> súplica dirigida aos po<strong>de</strong>res,<br />

<strong>um</strong> pedido dirigido sem esperança<br />

a <strong>um</strong>a autorida<strong>de</strong>. Na arte que me<br />

interessa – Thomas Hirschhorn,<br />

Robert Gober... –, há <strong>um</strong> certo<br />

sentido <strong>de</strong> súplica que é também<br />

<strong>um</strong>a acusação, precisamente porque<br />

quem faz a súplica ass<strong>um</strong>e – e<br />

ass<strong>um</strong>e correctamente – que o seu<br />

pedido não será atendido.<br />

Em diferentes momentos, a<br />

contemporaneida<strong>de</strong> teve diferentes<br />

motivações. A arte que me interessa<br />

integra na própria feitura essa<br />

precarieda<strong>de</strong>. Ela é, em si mesma,<br />

na sua estrutura, na sua aparência,<br />

instável, insegura. São trabalhos<br />

que quase não se sustêm. É <strong>um</strong>a<br />

escultura ou instalação que não<br />

se aguenta em pé <strong>como</strong> imagem<br />

ou <strong>como</strong> objecto. São obras que<br />

se recusam a ser integradas. É<br />

diferente <strong>de</strong> outros exemplos <strong>de</strong> arte<br />

contemporânea no passado.<br />

Uma década <strong>de</strong> crise<br />

Na última década, vimos todo o<br />

tipo <strong>de</strong> projectos que se recusam<br />

a ass<strong>um</strong>ir a habitual condição da<br />

arte, que é parecer-se com qualquer<br />

coisa i<strong>de</strong>ntificável com pintura ou<br />

com fotografia ou com o que quer<br />

que seja. São trabalhos que recusam<br />

a completu<strong>de</strong>, <strong>um</strong>a resolução<br />

última. Que traduzem, nos próprios<br />

termos em que são feitos, <strong>um</strong>a<br />

impossibilida<strong>de</strong>.<br />

Naturalmente, há prece<strong>de</strong>ntes<br />

para este tipo informal – ou informe<br />

– <strong>de</strong> apresentar arte. Normalmente<br />

acontece em momentos em que a<br />

RUI GAUDÊNCIO<br />

Instalação Concrete Shock (2005), <strong>de</strong> Thomas Hirschhorn, exposta na Fundação Ellipse, em Alcoitão<br />

or<strong>de</strong>m mundial parece estar em<br />

causa e essa ameaça tem estado<br />

muito presente na última década.<br />

Nos anos 1990, pelo menos nos<br />

Estados Unidos, vivemos o princípio<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong>ira crise da velha<br />

or<strong>de</strong>m mundial, da velha or<strong>de</strong>m<br />

política. Foi o fim da Segurança<br />

Social, e esse fim foi a primeira<br />

<strong>face</strong> acabada do neoliberalismo.<br />

E houve também, claro, a sida. Os<br />

artistas, naturalmente, pegaram<br />

neste sentido <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m social<br />

fracturada e integraram-na na sua<br />

obra. [A filósofa, crítica literária<br />

e psicanalista] Julia Kristeva falou<br />

em “arte abjecta”, mas a arte<br />

abjecta tomava o corpo, o corpo<br />

corrompido, <strong>como</strong> símbolo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

or<strong>de</strong>m danificada. Gente <strong>como</strong> o<br />

Robert Gober, a Kiki Smith, o Mike<br />

Kelley... O trabalho a que chamo<br />

precário é diferente. Refere-se a <strong>um</strong><br />

momento mais tardio <strong>de</strong>sta crise que<br />

não olha para o corpo <strong>como</strong> símbolo<br />

da socieda<strong>de</strong>. Em vez do corpo<br />

há todo <strong>um</strong> leque <strong>de</strong> dispositivos.<br />

Produtos e materiais kitsch da vida<br />

quotidiana, referências da cultura<br />

pop, objectos da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

cons<strong>um</strong>o que começam a cair aos<br />

bocados. Brinquedos, bonecas,<br />

pequenos carrinhos ou ca<strong>de</strong>iras<br />

<strong>de</strong> criança reunidos em conjuntos<br />

que sugerem <strong>um</strong> certo sentimento<br />

<strong>de</strong> molestação, <strong>de</strong> perturbação, <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>m corrompida, transtornada,<br />

enlouquecida...<br />

Quando escrevi The Return of the<br />

Real [ed. The MIT Press, 1996, sobre<br />

a transformação da arte e da teoria<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1960], incluí duas i<strong>de</strong>ias da<br />

realida<strong>de</strong>: <strong>um</strong>a, mais convencional,<br />

<strong>de</strong> regresso ao social, <strong>de</strong> regresso às<br />

preocupações <strong>de</strong> representação do<br />

social; a outra, menos convencional,<br />

implicava <strong>um</strong> sentido do real <strong>como</strong><br />

tra<strong>um</strong>a. Este segundo sentido, em<br />

que entravam as preocupações<br />

com o corpo abjecto <strong>como</strong><br />

representação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong><br />

abjecta, tentava evocar <strong>um</strong> mundo<br />

tra<strong>um</strong>ático e a forma <strong>como</strong> a arte<br />

que o representava fazia <strong>um</strong>a espécie<br />

<strong>de</strong> assalto ao público. Creio que a<br />

relação da arte <strong>de</strong>ste momento com<br />

o seu público é menos violenta,<br />

menos agressiva. Mais: na verda<strong>de</strong>,<br />

neste momento, o artista não chega<br />

a atribuir ao público <strong>um</strong>a posição<br />

estável; o público partilha da mesma<br />

condição <strong>de</strong> instabilida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntitária<br />

que a arte. É a própria i<strong>de</strong>ia do<br />

social que está em causa. E claro que<br />

isto é <strong>um</strong>a posição difícil. Já para<br />

os museus, a questão é qual a sua<br />

relação <strong>face</strong> à história da arte.<br />

Cada vez vemos surgir mais<br />

museus privados nascidos <strong>de</strong><br />

fortunas pessoais extraordinárias,<br />

mais do que em pleno<br />

neoliberalismo. Há tendência a<br />

pensar no museu <strong>como</strong> entida<strong>de</strong><br />

individual, mas não há apenas <strong>um</strong>a<br />

categoria <strong>de</strong> arte contemporânea,<br />

quanto mais po<strong>de</strong>r pensar que <strong>um</strong>a<br />

única colecção a po<strong>de</strong> representar!<br />

Parece-me que a gran<strong>de</strong> questão<br />

que se coloca a <strong>um</strong> museu envolvido<br />

com arte contemporânea, neste<br />

momento, é <strong>como</strong> relacioná-la<br />

com o passado. Como entida<strong>de</strong><br />

completamente autónoma? Como<br />

<strong>um</strong> problema em si? Ou <strong>como</strong><br />

qualquer coisa que continua a ter<br />

relações com prece<strong>de</strong>ntes, com o<br />

passado? Esta, para mim, é a questão<br />

fundamental: terá a tensão entre o<br />

presente e o passado sido esticada ao<br />

ponto <strong>de</strong> ruptura? Eu acho que sim.<br />

De certa forma, ao longo dos<br />

últimos 20 anos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1989, que é<br />

<strong>um</strong>a data fácil <strong>de</strong> usar <strong>como</strong> marco<br />

ou <strong>como</strong> fronteira, a arte cresceu<br />

exponencialmente, tornou-se<br />

internacional e <strong>de</strong>pois global. Hoje<br />

há todo o tipo <strong>de</strong> tradições e histórias<br />

da arte a consi<strong>de</strong>rar. Não há <strong>um</strong>a,<br />

duas ou três linhas que possamos<br />

traçar ao longo do tempo e que<br />

funcionem e possam conferir <strong>um</strong><br />

sentido narrativo ao presente. De<br />

novo: fazemos relações horizontais<br />

entre as coisas, relações sincrónicas<br />

e não diacrónicas.


Tiragem: 52525<br />

País: Portugal<br />

Pág: 7<br />

Cores: Cor<br />

ID: 27752013<br />

26-11-2009 | P2<br />

Period.: Diária<br />

Âmbito: Informação Geral<br />

Área: 28,50 x 15,71 cm²<br />

Corte: 2 <strong>de</strong> 4<br />

O que é <strong>um</strong> museu <strong>de</strong> arte contemporânea? Para que serve? Qual o lugar da arte no mundo<br />

globalizado? Nos próximos três dias, é o que se discute em Serralves. Boris Groys e Benjamin<br />

Buchloh estão lá, mas é Hal Forster, o autor <strong>de</strong> The Return of the Real e Art Since 1900, que<br />

fala primeiro (hoje, às 21h). Devolvemos-lhe a pergunta-tema da sua intervenção: afinal, o<br />

que esperar da arte no século XXI? Um dos mais importantes criticos e historiadores <strong>de</strong> hoje<br />

explica que também ele se sente <strong>como</strong> <strong>um</strong> <strong>cego</strong> a tactear, a tentar perceber o mundo em volta<br />

Eu, na verda<strong>de</strong>, não sou crítico<br />

<strong>de</strong> arte, sou historiador. Para mim,<br />

a relação entre arte histórica e<br />

arte contemporânea sempre foi<br />

muito importante. Acontece que<br />

essa relação é hoje muito menos<br />

importante para os artistas e críticos.<br />

E isso, na verda<strong>de</strong>, preocupa-me.<br />

Acho que <strong>um</strong>a das coisas que a arte<br />

po<strong>de</strong> fazer por nós é situar o nosso<br />

momento no tempo em relação a<br />

momentos passados. Quando essa<br />

relação é <strong>de</strong>spedaçada, a leitura do<br />

presente torna-se difícil.<br />

Sempre que se opera <strong>um</strong>a<br />

ruptura, ela <strong>de</strong>fine-se em relação ao<br />

que estava antes, ao passado. É <strong>um</strong><br />

processo dialéctico. De <strong>um</strong>a forma<br />

ou outra, [até há alg<strong>um</strong> tempo]<br />

éramos <strong>todos</strong> “hegelianos” quando<br />

pensávamos a história da arte.<br />

Até o pós-mo<strong>de</strong>rnismo se <strong>de</strong>finia<br />

em relação ao mo<strong>de</strong>rnismo, até<br />

as neovanguardas se <strong>de</strong>finiam em<br />

relação às vanguardas históricas.<br />

Até à minha geração, os artistas<br />

pensavam no seu trabalho em<br />

relação aos prece<strong>de</strong>ntes. Hoje<br />

há <strong>um</strong>a ênfase muito maior nos<br />

universos pessoais, os projectos são<br />

muito mais ad hoc. Por exemplo,<br />

quando <strong>um</strong> artista avança <strong>de</strong><br />

projecto para projecto o suporte<br />

já não é <strong>um</strong>a questão. Muda o<br />

projecto, muda o suporte, a forma<br />

<strong>de</strong> o concretizar. É <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong><br />

muito distinta. Isso por <strong>um</strong> lado. Por<br />

outro, <strong>de</strong> certa forma, o período préguerra<br />

parece o século XIX <strong>de</strong> hoje<br />

e o século XIX parece a Renascença.<br />

Tudo parece estar a ser empurrado<br />

para <strong>um</strong> arquivo histórico que<br />

nem sequer parece ser já muito<br />

consultado. Isto é <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong><br />

muito diferente da dos artistas <strong>de</strong> há<br />

<strong>um</strong>a geração.<br />

Hal Forster<br />

Um artista <strong>como</strong> Richard Serra<br />

ainda pensa na sua escultura<br />

posicionando-a <strong>face</strong> a <strong>um</strong>a história<br />

da escultura. Os novos artistas já<br />

não trabalham assim. Os artistas<br />

inovaram <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma que nos faz<br />

até mesmo repensar a arte histórica.<br />

Partem-se <strong>de</strong> diferentes assunções.<br />

Mas quem sabe se eu não sou já<br />

<strong>um</strong> dinossauro? Tento manter-me<br />

tão actualizado quanto possível,<br />

mas porque a arte contemporânea<br />

se tornou n<strong>um</strong> campo tão vasto,<br />

tornámo-nos <strong>todos</strong> <strong>um</strong> pouco<br />

no <strong>cego</strong> em relação ao <strong>elefante</strong>:<br />

apalpamos pequeníssimas partes<br />

do todo e imaginamos que, a partir<br />

<strong>de</strong>las, po<strong>de</strong>remos enten<strong>de</strong>r o que é<br />

aquela besta imensa. Acontece que<br />

isso é impossível.<br />

Texto construído a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

entrevista telefónica


Tiragem: 52525<br />

Pág: 1<br />

País: Portugal<br />

Cores: Cor<br />

Period.: Diária<br />

Área: 28,57 x 19,88 cm²<br />

ID: 27752013<br />

26-11-2009 | P2<br />

Âmbito: Informação Geral<br />

Corte: 3 <strong>de</strong> 4<br />

DAVID GRAY/REUTERS<br />

O que po<strong>de</strong>mos esperar da arte no século XXI? Pág. 6/7


Tiragem: 52525<br />

Pág: Principal - 1<br />

País: Portugal<br />

Cores: Cor<br />

Period.: Diária<br />

Área: 5,66 x 9,00 cm²<br />

ID: 27752013<br />

26-11-2009 | P2<br />

Serralves<br />

O que po<strong>de</strong>mos<br />

esperar da arte<br />

no século XXI?<br />

P2<br />

Âmbito: Informação Geral<br />

Corte: 4 <strong>de</strong> 4

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!