religião, moral e metafÃsica em human, demasiado humano ... - FaJe
religião, moral e metafÃsica em human, demasiado humano ... - FaJe
religião, moral e metafÃsica em human, demasiado humano ... - FaJe
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
amizade profunda, <strong>em</strong> que a brevidade, as escolhas e a transitoriedade da vida se<br />
efetiva:<br />
Nós éramos amigos e nos tornamos estranhos um para o outro. (...) Somos<br />
dois barcos que possu<strong>em</strong>, cada qual seu objetivo e seu caminho; pod<strong>em</strong>os nos<br />
cruzar e celebrar juntos uma festa, como já fiz<strong>em</strong>os – e os bons navios<br />
ficaram placidamente no mesmo porto e sob o mesmo sol, parecendo haver<br />
chegado a seu destino e ter tido um só destino. Mas então a todo-poderosa<br />
força de nossa missão nos afastou novamente, <strong>em</strong> direção a mares e<br />
quadrantes diversos, e talvez nunca mais nos vejamos de novo – ou talvez<br />
nos vejamos sim, mas s<strong>em</strong> nos reconhecermos: os diferentes mares e sois nos<br />
modificaram! Que tenhamos de nos tornar estranhos um para o outro é a lei<br />
acima de nós: justamente por isso dev<strong>em</strong>os nos tornar também mais<br />
veneráveis um para o outro! Justamente por isso deve-se tornar mais sagrado<br />
o pensamento de nossa antiga amizade! Existe provavelmente uma enorme<br />
curva invisível, uma órbita estelar <strong>em</strong> que nossas tão diversas trilhas e metas<br />
estejam incluídas como pequenos trajetos – elev<strong>em</strong>o-nos a esse pensamento!<br />
(...) – E assim vamos crer <strong>em</strong> nossa amizade estelar, ainda que tenhamos de<br />
ser inimigos na Terra. (NIETZSCHE, 2001, p. 189-190)<br />
Segundo Dias, Nietzsche ao escrever esse aforismo “deixa claro que não<br />
pode atender ao apelo de Wagner para resgatar uma amizade perdida” (DIAS, 2009, p.<br />
10). Agora, o filósofo seguirá por um caminho próprio. A crítica do filósofo ao músico<br />
é mesclada de um sentimento de aversão e de proximidade. Dirá Nietzsche:<br />
Minha maior vivência foi uma cura. Wagner foi uma de minhas doenças. Não<br />
que eu deseje me mostrar ingrato a essa doença. Se nessas páginas eu<br />
proclamo a tese de que Wagner é danoso, quero do mesmo modo proclamar a<br />
qu<strong>em</strong>, não obstante, ele é indispensável – ao filósofo. Outros poderão passar<br />
s<strong>em</strong> Wagner; mas o filósofo não pode ignorá-lo. Ele t<strong>em</strong> de ser a má<br />
consciência do seu t<strong>em</strong>po – para isso, precisa ter a sua melhor ciência. Mas<br />
onde encontraria ele um guia mais experimentado no labirinto da alma<br />
moderna, um mais eloquente perito da alma? Através de Wagner, a<br />
modernidade fala sua linguag<strong>em</strong> mais íntima. (NIETZSCHE, 2002, p. 10)<br />
Este momento <strong>em</strong> que o rompimento rondava o pensamento do filósofo,<br />
concomitant<strong>em</strong>ente sua saúde e sua própria vida desmoronavam, e sua alma<br />
atormentada <strong>em</strong> meio à doença e à solidão marcam definitivamente este período no qual<br />
a obra Humano, d<strong>em</strong>asiado <strong>human</strong>o se apresenta. Em princípio, a amizade de Nietzsche<br />
e Wagner aparece de forma relevante, sobretudo na obra do filósofo O nascimento da<br />
tragédia, na qual sua proximidade com Wagner foi efetiva.<br />
Apesar de se afastar de Wagner, o filósofo manterá sua gratidão e<br />
reconhecerá a amizade que teve com o músico, como mostra Burnett (2000, p. 75-76):<br />
“<strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro de 1888, dois anos depois da escrita dos novos prefácios, aquele filósofo<br />
30