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Revista Jovens Pesquisadores - Unisc

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<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong><br />

Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC<br />

Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação<br />

EDITORA DA UNISC<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p.1-127, 2010


Comissão de avaliação<br />

Reitor<br />

Vilmar Thomé<br />

Vice-Reitor<br />

Eltor Breunig<br />

Pró-Reitora de Graduação<br />

Carmen Lúcia de Lima Helfer<br />

Pró-Reitor de Pesquisa<br />

e Pós-Graduação<br />

Rogério Leandro Lima da Silveira<br />

Pró-Reitor de Administração<br />

Jaime Laufer<br />

Pró-Reitor de Planejamento<br />

e Desenvolvimento Institucional<br />

João Pedro Schmidt<br />

Pró-Reitora de Extensão<br />

e Relações Comunitárias<br />

Ana Luisa Teixeira de Menezes<br />

EDITORA DA UNISC<br />

Editora<br />

Helga Haas<br />

Profª. Ana Zoe Schiling da Cunha<br />

Profª. Andrea Lúcia Gonçalves da Silva<br />

Prof. Andreas Köhler<br />

Prof. Marcelo Carneiro<br />

Profª. Miriam Beatris Reckziegel<br />

Profª. Juliana Silva – Bolsista Produtividade CNPq<br />

Profª. Fabiana Piccinin<br />

Profª. Heleniza Ávila Campos<br />

Prof. Heron Begnis<br />

Prof. Janrie Rodriguez Reck<br />

Profª. Mônia Clarissa Hennig Leal<br />

Profª. Neuza Guareschi – Bolsista Produtividade CNPq<br />

Profª. Lilian Rodriguez da Cruz<br />

Prof. Marco André Cadona<br />

Prof. Moacir Fernando Viegas<br />

Profª. Rosângela Gabriel<br />

Profª. Silvia V Coutinho Areosa<br />

Profª. Adriane Lawisch Rodriguez<br />

Profª. Alessandra Dahmer<br />

Prof. Ênio Leandro Machado<br />

Profª. Liliane Marquardt<br />

Prof. Rolf Fredi Molz<br />

Prof. Valeriano Antonio Corbelinni<br />

Prof. Carlos Alejandro Figueroa – Bolsista Produtividade CNPq<br />

Editores<br />

Andreia Rosane de Moura Valim<br />

Fabiane Ramos Jungblut<br />

Rogério Leandro Lima da Silveira<br />

R454<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong> [recurso eletrônico] / Universidade de Santa Cruz do Sul,<br />

Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação. - Vol. 1, n. 1 (2010) – Dados eletrônicos - Santa<br />

Cruz do Sul : EDUNISC, 2010.<br />

Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader<br />

Modo de acesso: www.unisc.br/edunisc<br />

1. Pesquisa – Periódicos. I. Universidade de Santa Cruz do Sul. Pró-Reitoria de<br />

Pesquisa e Pós-Graduação.<br />

CDD: 001.4<br />

Bibliotecária : Luciana Mota Abrão - CRB 10/2053<br />

Avenida Independência, 2293<br />

Fones: (51) 3717-7461 e 3717-7462 - Fax: (051) 3717-7402<br />

96815-900 - Santa Cruz do Sul - RS<br />

E-mail: editora@unisc.br - www.unisc.br/edunisc


SUMÁRIO<br />

APRESENTAÇÃO<br />

Rogério Leandro Lima da Silveira..........................................................................5<br />

INTRODUÇÃO .................................................................................................6<br />

ÁREA DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE<br />

ANÁLISE DO PERFIL DE MORTALIDADE POR DOENÇA PULMONAR<br />

OBSTRUTIVA CRÔNICA NO MUNICÍPIO DE SANTA CRUZ DO SUL, RS,<br />

BRASIL<br />

Gabriela Crestani, William Rutzen, Andréa Lúcia Gonçalves da Silva, Tânia<br />

Cristina Malezan Fleig, Marcelo Tadday Rodrigues................................................ 10<br />

AVALIAÇÃO DO PERFIL LIPÍDICO SANGUÍNEO DE ATLETAS<br />

CORREDORES NO ENSAIO ERGOESPIROMÉTRICO DE BRUCE<br />

UTILIZANDO ESPECTROSCOPIA NO INFRAVERMELHO<br />

Franciele Pasqualotti Meinhardt, Hildegard Hedwig Pohl, Miriam Beatris<br />

Reckziegel, Valeriano Antonio Corbellini ............................................................. 17<br />

CONCEPÇÕES SOBRE IMPLEMENTAÇÃO DAS DIRETRIZES DA<br />

POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO DA GESTÃO E ATENÇÃO A<br />

SAÚDE: COM A PALAVRA, GESTORES DE SAÚDE DE MUNICÍPIOS DA<br />

13ª COORDENADORIA REGIONAL DE SAÚDE<br />

Janice Bringmann, Luciele Sehnem, Ari Nunes Assunção, Leni Dias Weigelt,<br />

Luciane Maria Schmidt Alves, Suzane Beatriz Frantz Krug .................................... 28<br />

ÁREA DE CIÊNCIAS EXATAS DA TERRA E ENGENHARIAS<br />

AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS DA BACIA<br />

HIDROGRÁFICA DO RIO PARDO, SISTEMA AQÜÍFERO GUARANI, RS,<br />

BRASIL<br />

Marluce Purper, Eduardo A. Lobo ...................................................................... 39<br />

BIORREMEDIAÇÃO IN SITU COM PERÓXIDOS SÓLIDOS E<br />

SURFACTANTES DE SOLOS CONTAMINADOS<br />

Tiago Bender Wemuth, Diosnel Antonio Rodriguez Lopez .................................... 49


4<br />

EPOXIDAÇÃO QUIMIO-ENZIMÁTICA DE ÓLEO DE GIRASSOL E<br />

CANOLA BRUTOS VISANDO O EMPREGO EM FORMULAÇÕES DE<br />

FLUIDO DE CORTE EM USINAGEM<br />

Manuella Schneider, André Luiz Klafke, Wolmar Alípio Severo Filho, Rosana de<br />

Cássia de Souza Schneider ................................................................................ 58<br />

ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS<br />

DESENHO DA FIGURA HUMANA NA CHUVA – PROPOSTA DE<br />

VALIDAÇÃO NO BRASIL<br />

Emanueli Paludo, Vivian Silva da Costa, Roselaine Berenice Ferreira da Silva ......... 71<br />

LEITURA E INFÂNCIA: A PRODUÇÃO DOS MODOS DE SER E<br />

PRÁTICAS DE LEITURA<br />

Karen Cristina Cavagnoli, Betina Hillesheim, Lílian Rodrigues da Cruz ................... 82<br />

MOVIMENTO NEGRO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: ESTRATÉGIAS<br />

IDENTITÁRIAS E AÇÃO POLÍTICA<br />

Rafael Petry Trapp, Mozart Linhares da Silva ...................................................... 89<br />

ÁREA DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS<br />

ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS: UMA ANÁLISE DO SETOR METAL-<br />

MECÂNICO NA REGIÃO DOS VALES DO RIO PARDO E TAQUARI<br />

Gabriella Azeredo Azevedo, Mauricio Rennhack Stein, Rejane Maria Alievi,<br />

Heron Sergio Moreira Begnis ...........................................................................................101<br />

O AMICUS CURIAE E O CUSTO DOS DIREITOS: A RELEVÂNCIA DO<br />

INSTITUTO NAS CAUSAS QUE IMPLICAM EM CUSTOS EXCESSIVOS<br />

PARA O ESTADO E AS ESCOLHAS EM MEIO A ESCASSEZ<br />

Julia Carolina Muller, Mônia Clarissa Hennig Leal .........................................................110<br />

ANALISE DE TIPOLOGIAS ARQUITETÔNICAS AO LONGO DA III<br />

PERIMETRAL EM PORTO ALEGRE (RS-BRASIL)<br />

Mariana Louise Sehnem, Heleniza Ávila Campos ........................................................... 120


APRESENTAÇÃO<br />

É com muita satisfação que apresentamos a edição do primeiro número da<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, da Universidade de Santa Cruz do Sul, relevante<br />

iniciativa da Coordenação de Pesquisa, da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação,<br />

com o objetivo de valorizar e divulgar as atividades de pesquisa desenvolvidas pelos<br />

nossos alunos bolsistas de iniciação científica junto aos projetos de pesquisa<br />

coordenados pelos professores da Universidade.<br />

Esse novo veículo de divulgação científica da UNISC tem como propósito<br />

destacar e divulgar os melhores trabalhos de pesquisa dos alunos dos cursos de<br />

graduação que participam anualmente do nosso Seminário de Iniciação Científica. A<br />

publicação da <strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong> é, portanto um reconhecimento à<br />

qualidade dos trabalhos acadêmicos e ao exemplar desempenho dos nossos alunos<br />

no processo de iniciação à pesquisa.<br />

A Universidade tem o compromisso de proporcionar a inserção do aluno no<br />

meio científico, através da prática de pesquisa e da convivência entre atividades<br />

acadêmicas de graduação e de pós-graduação, possibilitando-lhe a capacidade de<br />

construir uma nova relação com os conteúdos/temas abordados durante sua<br />

formação acadêmica. A participação e o envolvimento dos alunos no cotidiano da<br />

pesquisa, a vivência na aplicação prática dos referenciais teóricos e metodológicos, a<br />

valorização do que já sabe, e as conexões entre os diversos saberes disciplinares,<br />

ampliam as possibilidades de qualificação da formação acadêmica na perspectiva da<br />

construção do conhecimento científico.<br />

O aluno de iniciação científica é estimulado a interagir com os pesquisadores e<br />

a participar de grupos de pesquisa e de atividades dos programas de pós-graduação<br />

stricto sensu, permitindo-lhe viver a experiência da formação científica e profissional,<br />

e oportunizando-lhe, assim, melhores condições para sua evolução como<br />

pesquisador e como cidadão.<br />

A presente <strong>Revista</strong> se insere assim nesse compromisso institucional da UNISC<br />

de valorização da iniciação científica, enquanto importante momento no<br />

desenvolvimento do pensamento científico dos estudantes dos cursos de graduação<br />

da Instituição, além de contribuir decisivamente na formação qualificada de recursos<br />

humanos para a pesquisa, preparando-os para o ingresso na pós-graduação.<br />

Vida longa à <strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong> e aos Programas de Iniciação<br />

Científica da Universidade de Santa Cruz do Sul!<br />

Rogério Leandro Lima da Silveira<br />

Pró-Reitor de Pesquisa e de Pós-Graduação


INTRODUÇÃO<br />

A publicação da revista <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong> refere-se a doze trabalhos<br />

agraciados com Prêmio Destaque do Ano na Iniciação Científica no ano de 2010.<br />

Essa premiação está diretamente relacionada com o XVI SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO<br />

CIENTÍFICA, promovido pela Universidade de Santa Cruz do Sul nos dias 18 a 22 de<br />

outubro de 2010, que teve por objetivo a integração dos pesquisadores docentes,<br />

estudantes de graduação e pós-graduação. Através desse evento é divulgada a<br />

produção acadêmica, resultante das atividades de pesquisa desenvolvidas pelos<br />

bolsistas que integram os Programas de Iniciação Científica da UNISC e de outras<br />

Instituições de Ensino Superior.<br />

Cabe destacar o envolvimento dos jovens na iniciação científica, na investigação<br />

científica, de modo a contribuir para a formação e qualificação dos acadêmicos,<br />

tornando-os agentes transformadores da realidade e diferenciando-os no mercado de<br />

trabalho. Com isso, paralelo ao evento, ocorreu a realização do prêmio Destaque do<br />

Ano na Iniciação Científica – UNISC valorizando os melhores trabalhos nas quatro<br />

grandes áreas do conhecimento, quais sejam Ciências Humanas, Ciências Sociais<br />

Aplicadas, Ciências Exatas da Terra e Engenharias e Ciências Biológicas e da Saúde.<br />

O processo de avaliação e seleção dos trabalhos envolveu uma análise inicial<br />

realizada por uma Comissão Científica Avaliadora composta por docentes da<br />

Instituição com experiência em atividades de pesquisa e em orientação de Iniciação<br />

Científica. Também fizeram parte desta comissão docentes externos reconhecidos<br />

pelas suas atividades de pesquisa através de bolsa produtividade do CNPq. Os<br />

trabalhos foram selecionados em três etapas, a primeira delas relacionada à<br />

avaliação do resumo inscrito no XVI Seminário de Iniciação Científica, com base nos<br />

seguintes critérios: a) capacidade de síntese, clareza, correção e adequação à<br />

linguagem acadêmica; b) apresentação dos objetivos, da metodologia, dos<br />

resultados parciais ou finais; e c) apresentação de conclusões e/ou resultados<br />

adequados.<br />

A segunda etapa de avaliação se deu por ocasião da apresentação oral dos<br />

trabalhos, onde foram avaliados: a) capacidade de comunicação, clareza e<br />

adequação à linguagem acadêmica; b) apresentação dos objetivos, da metodologia e<br />

dos resultados parciais ou finais e de conclusões; c) domínio do conteúdo; e d)<br />

adequação ao tempo disponível. A terceira etapa de avaliação constitui-se da<br />

sistematização da pontuação atribuída nas etapas 1 e 2 e foi realizada por Comissão<br />

Interna da PROPPG. Como resultado das avaliações foram definidos os doze<br />

trabalhos agraciados com o Prêmio Destaque na Iniciação Científica UNISC entre 228<br />

trabalhos selecionados para o evento.<br />

A divulgação dos trabalhos selecionados foi realizada ao término do evento,<br />

sendo que os autores foram surpreendidos em sala de aula por um ator<br />

caracterizado de Charles Chaplin em encenação que apresentava para a turma o


7<br />

trabalho e o aluno como destaque para os colegas. Após a divulgação no âmbito<br />

acadêmico os vencedores foram convidados a participar de uma solenidade de<br />

divulgação, onde foi anunciada a publicação dessa edição da <strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong><br />

<strong>Pesquisadores</strong>.<br />

A publicação dos trabalhos selecionados no XVI Seminário de Iniciação<br />

Científica da UNISC no formato de artigo é uma forma importante de divulgação da<br />

produção científica produzida pelos acadêmicos e docentes que integram os<br />

Programas de Iniciação Científica da Universidade. Também é uma forma de reforçar<br />

o intercâmbio entre pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, no âmbito<br />

da UNISC e de outras Instituições de Ensino Superior do Estado do Rio Grande do<br />

Sul.<br />

É importante ressaltar o apoio que a Fundação de Amparo à Pesquisa do<br />

Estado do Rio Grande do Sul – FAPERGS e o Conselho Nacional de Desenvolvimento<br />

Científico e Tecnológico – CNPq tem nos proporcionado ao longo destes anos de<br />

cooperação, assim como as demais agências de fomento, que investem na formação<br />

de novos pesquisadores através de seus programas de Iniciação Científica.<br />

A Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade, responsável por<br />

esta publicação, aproveita para externar seus agradecimentos aos membros da<br />

Comissão Científica Avaliadora e a todos os orientadores e estudantes que participam<br />

desse evento.<br />

A seguir destaca-se por área do conhecimento, as principais modalidades dos<br />

trabalhos inscritos no XVI Seminário de Iniciação Científica. Destaca-se que entre os<br />

228 trabalhos selecionados, 31,1% foram da área de ciências biológicas e da saúde,<br />

22,4% da área de ciências humanas, 18% da área de ciências sociais aplicadas e<br />

28,5% da área de ciências exatas, da terra e engenharias, dados apresentados na<br />

Figura 01.<br />

70<br />

60<br />

50<br />

40<br />

30<br />

20<br />

10<br />

0<br />

Área de C.<br />

Biológicas e da<br />

Saúde<br />

Área de C.<br />

Humanas<br />

Área de Ciências<br />

Sociais<br />

Aplicadas<br />

Área de C. Exatas<br />

da Terra e<br />

Engenharias<br />

Figura 1 - Classificação dos trabalhos selecionados para o XVI Seminário de Iniciação<br />

Científica por área do conhecimento.<br />

Fonte: Coordenação de Pesquisa, UNISC, outubro de 2010.


Ciências<br />

Biológicas e<br />

da Saúde


9<br />

ÁREA DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE<br />

Na área de Ciências Biológicas e da Saúde entre os 72 trabalhos apresentados<br />

no evento, 64 foram de alunos bolsistas de Iniciação Científica da Universidade e 08<br />

trabalhos de alunos de Iniciação Científica vinculados a outras Instituições de Ensino<br />

do Estado do Rio Grande do Sul. A maioria dos trabalhos nesta área foi de bolsistas<br />

do Programa UNISC de Iniciação Científica – PUIC e de Programas de bolsas como o<br />

de verba externa para pagamentos de bolsas em projetos de pesquisa. Também<br />

foram apresentados trabalhos contemplados com bolsas de IC do CNPq e da<br />

FAPERGS. Importante destacar a participação de estudantes participantes do<br />

Programa PUIC voluntário, dados apresentados na Figura 02.<br />

30<br />

Trabalhos apresentados na Área de Ciências Biológicas e da Saúde no<br />

XVI Seminário de Iniciação Científica da UNISC<br />

Nº de Trabalhos<br />

25<br />

20<br />

15<br />

10<br />

5<br />

Área de<br />

Ciências<br />

Biológicas e<br />

da Saúde<br />

0<br />

PUIC<br />

PIBIC/CNPq<br />

PROBIC/FAPERGS<br />

Outras Bolsas<br />

PUIC VOLUNTÁRIO<br />

Tipo de bolsa relacionada aos trabalhos apresentados<br />

Figura 02 – Modalidade de bolsas dos estudantes participantes do XVI Seminário de<br />

Iniciação Científica na Área de Ciências Biológicas e da Saúde.<br />

Fonte: Coordenação de Pesquisa, UNISC, 2010.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 10-16, 2010


10<br />

ANÁLISE DO PERFIL DE MORTALIDADE POR DOENÇA<br />

PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA NO MUNICÍPIO DE SANTA<br />

CRUZ DO SUL, RS, BRASIL<br />

Gabriela Crestani 1<br />

William Rutzen 2<br />

Andréa Lúcia Gonçalves da Silva 3<br />

Tânia Cristina Malezan Fleig 4<br />

Marcelo Tadday Rodrigues 5<br />

RESUMO<br />

Contextualização: A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) é caracterizada<br />

funcionalmente por limitação ao fluxo aéreo que não é totalmente reversível. O<br />

tabagismo é o principal fator de risco. A DPOC era a sexta causa de morte no mundo<br />

em 1990, segundo a OMS, com estimativa para tornar-se a terceira até 2020, sendo<br />

que vários componentes contribuem para o crescente aumento na mortalidade por<br />

tal doença, como aumento do tabagismo pelas mulheres, aumento da expectativa de<br />

vida, entre outros. Objetivo: Analisar o perfil da mortalidade por DPOC no município<br />

de Santa Cruz do Sul por DPOC, utilizando uma estimativa de dois anos consecutivos<br />

(2007 e 2008), verificando o perfil dos pacientes como sexo, idade, presença de<br />

comorbidades, se faleceu em ambiente hospitalar ou domiciliar. A intenção do estudo<br />

constitui também uma comparação com os dados presentes na literatura. Método:<br />

Delineamento transversal, levantamento epidemiológico via análise dos registros de<br />

óbitos ocorridos entre os períodos de 01 de Janeiro de 2007 a 31 de Dezembro de<br />

2008 na cidade de Santa Cruz do Sul, obtidos através da Vigilância Epidemiológica,<br />

registrados tendo como causa-base o DPOC (J44) segundo a Classificação<br />

1 Acadêmica do curso de Medicina, departamento de Educação Física e Saúde da Universidade de<br />

Santa Cruz do Sul – UNISC, Rio Grande do Sul – Brasil. [gabicrestani@yahoo.com.br]<br />

2 Acadêmico do curso de Medicina, departamento de Educação Física e Saúde da Universidade de<br />

Santa Cruz do Sul – UNISC, Rio Grande do Sul – Brasil. [williamrutzen@yahoo.com.br]<br />

3 Coordenadora do Projeto de Pesquisa Reabilitação Cardiorrespiratória e Metabólica e suas<br />

Interfaces, Departamento de Educação Física e Saúde da Universidade de Santa Cruz do Sul –<br />

UNISC, Rio Grande do Sul – Brasil. [andreag@unisc.br]<br />

4 Coordenadora do Projeto de Pesquisa Reabilitação Cardiorrespiratória e Metabólica e suas<br />

Interfaces, Departamento de Educação Física e Saúde da Universidade de Santa Cruz do Sul –<br />

UNISC, Rio Grande do Sul – Brasil. [tfleig@unisc.br]<br />

5 Coordenador do Projeto de Pesquisa Reabilitação Cardiorrespiratória e Metabólica e suas<br />

Interfaces, Departamento de Educação Física e Saúde da Universidade de Santa Cruz do Sul –<br />

UNISC, Rio Grande do Sul – Brasil. [marcelotadday@unisc.br]<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 10-16, 2010


11<br />

Internacional de Doenças, 10ª edição. Resultados: Ocorreram, no período estudado,<br />

113 óbitos devido a DPOC. Desses, a maioria corresponde ao sexo masculino<br />

(65,48%), sendo que a média de idade entre os pacientes foi 74,48 anos. Um<br />

percentual de 77,87 dos óbitos ocorreu em ambiente hospitalar e do total 94,69%<br />

possuíam duas ou mais comorbidades. Conclusão: Os dados obtidos com a presente<br />

análise epidemiológica permite concluir que, na cidade de Santa Cruz do Sul, o perfil<br />

dos pacientes que falecem por DPOC possuem características semelhantes aos<br />

encontrados na literatura. Vale ressaltar que tal cidade estudada possui grande parte<br />

da economia baseada na produção de tabaco, uma vez que várias empresas<br />

fumageiras encontram-se instaladas na região, fato que de certa forma contribui<br />

para os índices de tabagistas no município. A maior incidência do sexo masculino e a<br />

média de idade elevada refletem, entre outros fatores, um maior consumo de tabaco<br />

pelos homens e a característica crônica e progressiva da doença.<br />

Palavras-chave: DPOC. Mortalidade. Óbito.<br />

ABSTRACT<br />

Background: Chronic Obstructive Pulmonary Disease (COPD) is characterized by<br />

airflow limitation that is not fully reversible. Smoking is the main risk factor. COPD<br />

was the sixth leading cause of death worldwide in 1990, according to WHO, expected<br />

to become the third until 2020, with several components contribute to the continued<br />

improvement in mortality from this disease, such as increased smoking by women,<br />

increased life expectancy, among others. Objective: To assess the mortality from<br />

COPD in Santa Cruz do Sul in COPD patients, using an estimate of two consecutive<br />

years (2007 and 2008), checking patients' profile such as gender, age, comorbidities,<br />

has died in environment hospital or at home. The intent of the study is also a<br />

comparison with data from the literature. Method: Cross-sectional epidemiological<br />

survey via analysis of records of deaths that occurred between the periods from 01<br />

January 2007 to December 31, 2008 in Santa Cruz do Sul, obtained from the<br />

Surveillance, recorded as having the basic question COPD (J44) from the<br />

International Classification of Diseases, 10th edition. Results: There were, during the<br />

study period, 113 deaths due to COPD. Of these, the majority are male (65.48%),<br />

and the mean age of patients was 74.48 years. A percentage of 77.87 of the deaths<br />

occurred in hospitals and the total 94.69% had two or more comorbidities.<br />

Conclusion: The data obtained from this epidemiological analysis shows that the city<br />

of Santa Cruz do Sul, the profile of patients who die from COPD have features similar<br />

to those found in the literature. It is noteworthy that this city has studied much of<br />

the economy based on tobacco production, tobacco since many are located in the<br />

region, a fact that somehow contributes to the rate of smokers in the municipality.<br />

The higher incidence in males and high mean age reflect, among other factors,<br />

higher tobacco consumption by men and the characteristic chronic and progressive<br />

disease.<br />

Keywords: COPD. Mortality. Death.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 10-16, 2010


12<br />

INTRODUÇÃO<br />

A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) era a sexta causa de morte no<br />

mundo em 1990, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), com estimativa<br />

para tornar-se a terceira causa morte até 2020. O maior fator de risco para seu<br />

desenvolvimento é sabidamente o tabagismo, seguido da inalação de agentes<br />

agressores de origem ambiental. Santa Cruz do Sul é considerada a cidade capital<br />

nacional do tabaco no beneficiamento de fumo, e também possui indústria de<br />

fabricação de cigarros. Desta forma, sua economia possui fortes bases nas<br />

fumageiras aqui instaladas, as quais são grande fonte de emprego local e de<br />

incentivo ao tabagismo.<br />

O presente trabalho visa a relatar um estudo de caráter analítico e<br />

epidemiológico, realizado com pesquisa de dados em Santa Cruz do Sul – RS. O<br />

assunto abordado corresponde a DPOC, mais especificamente sobre o perfil de<br />

mortalidade por tal doença nesta cidade.<br />

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

A DPOC é uma doença crônica, de caráter inflamatório, com limitação do fluxo<br />

aéreo não totalmente reversível. É considerada a sexta causa de óbito no mundo,<br />

sendo a única cuja prevalência continua em crescimento. A DPOC é representada<br />

pela bronquite crônica e pelo enfisema pulmonar e é uma importante causa de<br />

morbidade e mortalidade no mundo moderno. Os pacientes portadores da doença<br />

apresentam as características de obstrução de vias aéreas e destruição das paredes<br />

alveolares com consequente hiperinsuflação pulmonar (GOLD, 2006). Devido ao<br />

caráter progressivo e incapacitante da doença, esta acaba por acarretar um<br />

considerável impacto econômico e social, pela redução na produtividade,<br />

comprometimento do orçamento familiar, aposentadorias precoces e alto custo com<br />

o tratamento e com as internações, que são muito frequentes (FERNANDES et al.,<br />

2006).<br />

Acerca dos fatores envolvidos na patogênese da DPOC, o tabagismo é<br />

responsável por mais de 90% dos casos. Outros fatores correspondem a poeiras<br />

tóxicas como produtos químicos ocupacionais e combustão de biomassa. O<br />

tabagismo é o maior responsável pela ocorrência de doencas respiratórias, desde o<br />

efeito da exposição da criança “in útero” ou nos primeiros anos de vida, até a vida<br />

adulta. A DPOC e o câncer de pulmão destacam-se pelo quadro de progressividade e<br />

incapacidade, apesar de terem um maior tempo de latência em relação às doenças<br />

cardiovasculares relacionadas ao consumo de tabaco (ARAÚJO, 2009).<br />

Ambos os componentes, enfisema pulmonar e bronquite crônica, estão<br />

presentes em proporções variáveis na maioria dos pacientes. A maior resistência ao<br />

fluxo aéreo durante a expiração, decorrente da relação inversa e exponencial entre o<br />

diâmetro da via aérea e a resistência ao fluxo aéreo, faz com que ocorram<br />

aprisionamento aéreo e hiperinsuflação. Outra característica importante é o<br />

componente sistêmico da enfermidade, e sabe-se que a inflamação sistêmica nos<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 10-16, 2010


13<br />

pacientes com DPOC pode estar mais relacionada com a própria doença do que com<br />

exacerbações agudas (MATTOS et al., 2009; MULLER et al., 2006 ).<br />

De acordo com dados do Departamento de Informação e Informática do<br />

Sistema Único de Saúde (DATASUS), o número de internações hospitalares por DPOC<br />

no Brasil no período de 1998 a 2003 foi de 1.480.881, sendo a Região Sul<br />

responsável por 42,3% delas (FERNANDES et al., 2006). O diagnóstico da doença é<br />

feito através da história clínica, com identificação de sintomas característicos da<br />

DPOC (dispnéia crônica e progressiva, tosse, e produção de muco) bem como a<br />

análise de exames de imagem (Raios-X de tórax), laboratoriais e prova de função<br />

pulmonar, ou seja, a espirometria com teste com broncodilatador.<br />

O tabagismo deve ser devidamente interrogado e a quantificação de maços/ano<br />

é um dado importante a ser obtido. No Brasil, 200 mil mortes anuais são causadas<br />

pelo tabagismo e cerca de 16% da população brasileira adulta é fumante. Ressaltese<br />

que em torno de 15% dos indivíduos que fumam um maço/dia e 25% daqueles<br />

que fumam mais de um maço/dia desenvolvem DPOC (ARAÚJO, 2009; INCA, 2009).<br />

METODOLOGIA<br />

Estudo transversal e retrospectivo caracterizou-se pelo levantamento<br />

epidemiológico via análise dos registros de óbitos. Os dados necessários para a<br />

realização deste trabalho foram adquiridos na Vigilância Epidemiológica de Santa<br />

Cruz do Sul-RS, utilizando dados registrados tendo como causa-base a DPOC (J44),<br />

segundo a Classificação Internacional de Doenças, 10ª edição. Foram analisados<br />

arquivos com dados de 01 de janeiro de 2007 a 31 de dezembro de 2008, com<br />

exceção dos óbitos fetais.<br />

Dentre os dados analisados, os itens utilizados para avaliar o perfil de óbitos<br />

por DPOC correspondem à idade, sexo, presença de comorbidades e o local do óbito,<br />

se ocorreu em nível hospitalar ou não.<br />

RESULTADOS<br />

No período de janeiro de 2007 a dezembro de 2008, ocorreram 1987 mortes,<br />

considerando excluídos os óbitos fetais. Deste total, 113 ocorreram por DPOC, com<br />

uma prevalência de 5,68%. Quando analisados os gêneros, constatou-se um número<br />

de 74 óbitos do sexo masculino e 39 do sexo feminino (65,48% e 34,52%<br />

respectivamente).<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 10-16, 2010


14<br />

70,00%<br />

60,00%<br />

50,00%<br />

40,00%<br />

30,00%<br />

20,00%<br />

10,00%<br />

0,00%<br />

Mulheres<br />

Homens<br />

Óbitos por DPOC<br />

Gráfico 01 - Óbitos segundo o gênero por DPOC em 2007 e 2008 em Santa Cruz do<br />

Sul/RS.<br />

Fonte: dados da pesquisa, 2010.<br />

A média de idade constatada foi de 74,48 anos. Dentre os óbitos ocorridos no<br />

período estudado, 77,87% ocorreram em nível hospitalar, num total de 88<br />

falecimentos. Os 22,13% restantes dos óbitos ocorreram fora do ambiente<br />

hospitalar, sendo assim 25 óbitos aconteceram em nível ambulatorial. Em relação às<br />

comorbidades as quais os pacientes possuíam, verificou-se que dos 113 óbitos, 107<br />

possuíam duas ou mais comorbidades – 94,69%.<br />

Duas ou mais<br />

comorbidades<br />

Nenhuma ou<br />

uma<br />

comorbidade<br />

Figura 01 – Presença de comorbidades no momento do óbito<br />

Fonte: dados da pesquisa, 2010.<br />

CONCLUSÃO<br />

Os dados obtidos através desta análise demonstram uma relação de<br />

concordância com o que está na literatura. O presente estudo constatou que os<br />

homens falecem mais por DPOC do que as mulheres, podendo tal fato ser justificado<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 10-16, 2010


15<br />

pelo hábito do tabagismo ser mais comum nesta população. Dados do Instituto<br />

Nacional do Câncer (INCA, 2009) afirmam que os homens apresentam<br />

aproximadamente o dobro da prevalência de tabagismo quando comparados às<br />

mulheres.<br />

A média de idade avançada dos pacientes cujo óbito ocorreu em vista da DPOC<br />

também se relaciona com os estudos prévios. O caráter crônico e progressivo da<br />

doença e a demora para o aparecimento dos sintomas, após a exposição ao tabaco,<br />

são fatores contribuintes para tal característica. Há estudos que afirmam que a<br />

incidência é maior em homens do que em mulheres e aumenta acentuadamente com<br />

a idade (GODOY et al., 2007).<br />

O índice maior de mortes no gênero masculino, por DPOC, está condizente com<br />

a literatura revisada. As explicações provavelmente estão no fato do maior índice de<br />

fumantes do sexo masculino em comparação ao feminino.<br />

O tabagismo é a principal causa evitável de mortes prematuras no Reino Unido<br />

e possui grande associação com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), várias<br />

formas de câncer e doenças vasculares crônicas, tais como acidente vascular<br />

cerebral e doenças coronarianas (MOORE et al., 2009).<br />

A cidade em estudo possui um perfil particular, pois grande parte de sua<br />

economia está diretamente relacionada ao principal fator desencadeante da DPOC, o<br />

tabaco. Nos indivíduos que desenvolvem a doença, há uma longa exposição ao<br />

tabagismo até o aparecimento de sintomas e sinais clínicos da DPOC, assim a média<br />

de idade caracteristicamente se eleva.<br />

Assim sendo, fica evidenciado o comprometimento pulmonar e sistêmico da<br />

DPOC, e com isso, medidas de controle ao tabagismo devem ser insistentemente<br />

mantidas e inovadas. A mortalidade por DPOC afeta a população em geral, e o perfil<br />

dos indivíduos que falecem por tal doença em Santa Cruz do Sul segue o mesmo<br />

perfil do que é evidenciado na literatura.<br />

REFERÊNCIAS<br />

GOLD - The Global initiative for chronic Obstructive Lung Disease, 2006<br />

FERNANDES, Amanda et al.Terapia nutricional na doença pulmonar obstrutiva<br />

crônica e suas complicações nutricionais. J. bras. pneumol., São Paulo, v.32, n.5, p.<br />

461-471, set./out. 2006.<br />

MATTOS, Waldo Luís Leite Dias de et al. Acurácia do exame clínico no diagnóstico da<br />

DPOC. J. bras. pneumol., São Paulo, v. 35, n. 5, p. 404-408, mai. 2009 .<br />

INSTITUTO NACIONAL DO CÂNCER – INCA, 2009. Disponível em:<br />

. Acesso em: 14 dez. 2010.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 10-16, 2010


16<br />

GODOY, Ilda et al. Programa de cessação de tabagismo como ferramenta para o<br />

diagnóstico precoce de doença pulmonar obstrutiva crônica. J. Bras. Pneumol. São<br />

Paulo, v.33, n.3, p. 282-286, mai-jun. 2007.<br />

ARAÚJO, Alberto José. Tratamento do tabagismo pode impactar a DPOC. Pulmão RJ<br />

– Atualizações Temáticas. Rio de Janeiro, 2009.<br />

MULLER, Beat et al. Biomarkers in Acute Exacerbation of Chronic Obstructive<br />

Pulmonary Disease. Among the Blind, the One-Eyed Is King. American Journal of<br />

Respiratory and Critical Care Medicine, v. 174, n.8, p. 848-849, 2006.<br />

MOORE, B.; BARRON. T.; JAMES, J.; SCOTT, J.; ROBINSON, K. (org.). Wiltshire Joint<br />

Strategic Needs Assessment (JSNA) for Wiltshire, 2009. Disponível em:<br />

. Acesso em: 12<br />

dez. 2010.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 10-16, 2010


AVALIAÇÃO DO PERFIL LIPÍDICO SANGUÍNEO DE ATLETAS<br />

CORREDORES NO ENSAIO ERGOESPIROMÉTRICO DE BRUCE<br />

UTILIZANDO ESPECTROSCOPIA NO INFRAVERMELHO<br />

Francielle Pasqualotti Meinhardt 1<br />

Hildegard Hedwig Pohl 2<br />

Miriam Beatris Reckziegel 3<br />

Valeriano Antonio Corbellini 4<br />

RESUMO<br />

Os constituintes do perfil lipídico são importantes marcadores bioquímicos de<br />

doenças cardiovasculares (grande causa de morbidade e mortalidade). Para um<br />

diagnóstico de alterações do perfil lipídico se apresenta o método da espectroscopia<br />

no infravermelho (FT-IR). Este estudo avalia a aplicação da FT-IR na obtenção de<br />

dados do perfil lipídico de atletas corredores. Trata-se de um estudo analítico<br />

observacional comparativo, tendo como método de referência os ensaios enzimáticos<br />

baseados na reação de Trinder, comparados à espectroscopia no infravermelho por<br />

reflectância difusa com Transformada de Fourier (DRIFTS), com auxílio das<br />

ferramentas quimiométricas de análise exploratória por agrupamento hierárquico<br />

(HCA) e análise preditiva por mínimos quadrados parciais (PLS) para previsão destes<br />

marcadores bioquímicos. Foram sujeitos 14 atletas da equipe de Atletismo da UNISC,<br />

de 18 a 30 anos, de ambos os sexos, avaliados em repouso e após o teste<br />

ergoespirométrico de Bruce. Os resultados apontam que, na avaliação de atletas, a<br />

técnica de infravermelho (DRIFTS) juntamente com o PLS, foi adequada para a<br />

construção de modelos de calibração e na definição da correlação entre testes<br />

bioquímicos padrões no perfil lipídico e na determinação pelo infravermelho.<br />

Palavras-chaves: Lipídios. Doenças Cardiovasculares. Espectroscopia no<br />

Infravermelho. Análises multivariada.<br />

1 Acadêmica do Curso de Farmácia da Universidade de Santa Cruz do Sul. fran2403@hotmail.com;<br />

2 Doutora em Desenvolvimento Regional – Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC)l, Professora<br />

da UNISC; hpohl@unisc.br;<br />

3 Doutoranda em Ciências Aplicadas a La Actividad Física y Salud da Universidade de Córdoba/ES.<br />

Professora da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). miriam@unisc.br;<br />

4 Doutor em Química: área de concentração: Síntese Orgânica – Universidade Federal do Rio Grande<br />

Sul – UFRGS. valer@unisc.br;<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 17-27, 2010.


18<br />

ABSTRACT<br />

The constituents of the lipid profile are important biochemical markers of<br />

cardiovascular disease (major cause of morbidity and mortality). For a diagnosis of<br />

lipid profile is presented the method of infrared spectroscopy (FT-IR). This study<br />

assesses the application of FT-IR obtaining data on the lipid profile of athletes. This<br />

is a analytical comparative observational study, taking as the reference method<br />

assays based on the Trinder reaction, compared to spectroscopy Diffuse reflectance<br />

infrared Fourier transform spectroscopy (DRIFTS) with the aid of chemometric tools<br />

for exploratory analysis<br />

hierarchical clustering (HCA) analysis and predictive least squares partial (PLS) for<br />

prediction of biochemical markers. The subjects were 14 Athletes Team Athletics<br />

UNISC from 18 to 30 years, of both sexes, evaluated at rest and cardiopulmonary<br />

exercise testing after Bruce. Results indicate that the evaluation of athletes, the<br />

technique of infrared (DRIFTS) together with the PLS was adequate for the<br />

construction of calibration models<br />

and determining the correlation between the biochemical profile patterns lipid and<br />

determination by infrared.<br />

Keywords: Lipid. Cardiovascular Disease. Infrared. Multivariate Analysis.<br />

INTRODUÇÃO<br />

O perfil lipídico é constituído pelas concentrações de triglicerídeos, colesterol<br />

total, HDL e LDL no sangue dos indivíduos e deve ser a controlado, pois<br />

concentrações alteradas podem estar relacionadas à doenças (LERARIO, BETTI &<br />

WAJCHENBERG, 2009; MOTTA, 2003). Eles atuam como fontes energéticas, são<br />

componentes da membrana celular, isolantes na condução nervosa, precursores<br />

hormonais e utilizados para a produção de energia, principalmente os ácidos graxos<br />

livres (CAMPBELL & FERRELL, 2007; KANAAN & GARCIA, 2008).<br />

O colesterol é sintetizado por quase todos os tecidos, principalmente pelo<br />

fígado, e basicamente transportado pelas lipoproteínas (CAMPBELL & FERRELL,<br />

2007; BAYNES & DOMINICZACK, 2007), podendo ser de origem exógena,<br />

(proveniente da dieta) ou endógena (sintetizado a partir da Acetil-CoA) ( DEVLIN,<br />

2007). A fração LDL transporta o colesterol do fígado para o plasma e fração HDL faz<br />

o processo inverso, atuando na captação do colesterol celular e conduzindo-o até o<br />

fígado onde é catabolizado e eliminado (CAMPBELL & FERRELL, 2007; BAYNES &<br />

DOMINICZACK, 2007). Os triglicerídeos são sintetizados no fígado e intestino, se<br />

acumulando principalmente nas células adiposas, como uma forma de<br />

armazenamento de energia (KANAAN & GARCIA, 2008; BAYNES & DOMINICZACK,<br />

2007; DEVLIN, 2007; WANG, & MIZAIKOFF, 2008).<br />

Alterações no metabolismo dos lipídios, especialmente a elevação dos níveis de<br />

colesterol e triglicerídeos, associados a doenças como a hipertensão e obesidade,<br />

constituem-se fatores de risco no aumento das doenças cardiovasculares como a<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 17-27, 2010.


19<br />

aterosclerose e podem causar restrição do fluxo sanguíneo, podendo levar a<br />

conseqüências mais graves. Concentrações elevadas de HDL atuam como um fator<br />

de proteção, pois retiram este lipídeo da circulação sanguínea (KANAAN & GARCIA,<br />

2008; BAYNES & DOMINICZACK, 2007; DEVLIN, 2007).<br />

Para o diagnóstico das alterações metabólicas em fluidos biológicos pode ser<br />

utilizada a técnica de espectroscopia FT-IR, caracterizada pela identificação de<br />

compostos e análise de misturas com base em movimentos vibracionais (WANG &<br />

MIZAIKOFF, 2008). A região denominada por infravermelho corresponde à região<br />

situada na faixa de onda de 14290 a 200 cm-¹, sendo mais utilizada a faixa entre<br />

4.000 e 400 cm-1, denominada infravermelho médio (MIR) (SHAW & MANTSCH,<br />

2006; BARBOSA, 2007).<br />

A aplicação clínico-laboratorial de espectroscopia no infravermelho é bastante<br />

utilizada, e apresenta como vantagem um espectro de maior sensibilidade (menor<br />

razão sinal ruído), além de ser uma técnica simples e rápida, não destrutiva, capaz<br />

de oferecer precisão e exatidão para análises, elimina a utilização de reagentes e<br />

necessidade de pouca amostra. A espectroscopia é uma ferramenta da análise<br />

química para detectar constituintes biológicos, tais como DNA/RNA, proteínas e<br />

lipídeos entre outros (WANG & MIZAIKOFF, 2008; SILVERSTEIN & WEBSTER, 2007;<br />

HALL & POLLARD, 1992; GREFF, STROOBANT & HEIJDEN).<br />

Os espectros de FT-IR contêm muitas bandas sobrepostas e sua interpretação é<br />

realizada por ferramentas analíticas multivariadas (WANG & MIZAIKOFF, 2008; ELLIS<br />

& GOODACRE, 2006). Estes métodos de calibração multivariada estão sendo<br />

aplicados com sucesso, a fim de construir modelos para análises específicas em<br />

amostras biológicas. A Análise Discriminante (DA) é um algoritmo que se caracteriza<br />

como uma análise de agrupamento baseado em método e envolve a projeção de<br />

dados. Os métodos não supervisionados, como análise por agrupamento hierárquico<br />

(HCA) usado para encontrar diferenças e semelhanças entre os espectros e também<br />

os métodos da regressão que são intrinsecamente lineares, têm sido propostos para<br />

a análise multicomponentes, onde encontram-se o de mínimos quadrados parciais<br />

(PLS) (ELLIS & GOODACRE, 2006 ESCANDAR et al., 2006; HOLLYWOOD, BRISON &<br />

GOODACRE, 2006).<br />

Devido à grande demanda destes testes em laboratórios e importância clínica,<br />

esse trabalho tem como objetivo geral avaliar a utilização do método de FT-IR, para<br />

determinação do perfil lipídico de atletas visando oferecer melhorias para os<br />

treinamentos.<br />

MATERIAIS E MÉTODOS<br />

Trata-se de um estudo analítico observacional comparativo, de determinação de<br />

perfil lipídico em adultos, por métodos de referência e por espectroscopia FT-IR e se<br />

encontra inserida no projeto: “Correlação entre perfil bioquímico sangüíneo e<br />

desempenho de atletas corredores, no ensaio ergoespirométrico de Bruce e em<br />

provas específicas utilizando espectroscopia no infravermelho”, que é realizado na<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 17-27, 2010.


20<br />

Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC e aprovado no Comitê de Ética em<br />

Pesquisa pelo protocolo 2280/09.<br />

Foram realizadas duas coletas sanguíneas nos 14 atletas (Atletismo da UNISC),<br />

adultos de 18 a 30 anos, de ambos os sexos e de várias modalidades. Os atletas<br />

foram submetidos à coleta (realizada por pessoal capacitado) de 5 mL de sangue<br />

total com vacutainer® sem anticoagulante em repouso e 10 min após a aplicação do<br />

teste de força através do protocolo de Bruce. Logo em seguida, foram recolhidas três<br />

alíquotas de 5 µL do sangue total de cada coleta e introduzidos em tubos eppendorfs<br />

de 2 mL com 150 mg de brometo de potássio grau espectroscópico (Vetec) sendo o<br />

material liofilizado por 2 horas a 1x10-3torr.<br />

O restante das amostras de sangue foram processadas para obtenção do soro o<br />

qual foi armazenado a -20ºC até a determinação de triglicerídeos, colesterol total e<br />

colesterol HDL pelos métodos de referência baseados na determinação<br />

fotocolorimétrica de antipirilquinonimina conforme protocolos dos kits nº de catálogo<br />

76, 13 e 87, respectivamente, da LABTEST® (BUCOLO & DAVID, 1973; ALAIN et al.,<br />

1974). LDL foi calculado pela fórmula de Friedewald (FRIEDEWALD, LEVY &<br />

FREDRICKSON, 1972).<br />

Os espectros das amostras de sangue dos atletas foram adquiridos em<br />

triplicatas utilizando acessório de reflectância difusa com fonte de luz monocromática<br />

(PIKE Technologies Madison, USA) conectado a um espectrofotômetro Nicolet Magna<br />

550 FT-IR (Thermo Nicolet Coporation, Madison, USA) com 32 varreduras na faixa<br />

4000-600 cm-1, 4 cm-1 de resolução. Todos os espectros foram adquiridos em<br />

escala de absorbância e normalizados entre 0 e 1, utilizando o programa<br />

computacional OMNIC® E.S.P vol 4.1.<br />

Foi utilizada a avaliação multivariada conduzida pelo programa computacional<br />

PIROUETTE® 3.11 da INFOMETRIX, com aplicação dos algoritmos de análise por<br />

agrupamento hierárquico (HCA) das replicatas e regressão por mínimos quadrados<br />

parciais (PLS) para prever os valores dos parâmetros estudados usando como<br />

conjunto de previsão as amostras excluídas nos respectivos modelos de validação<br />

cruzada (mútua exclusão de um por vez). A seleção do melhor modelo PLS-DRIFTS<br />

para cada parâmetro bioquímico analisado baseou-se (pela ordem de prioridade) nas<br />

seguintes figuras de mérito: valor de coeficiente de correlação (R2) mais próximo de<br />

1 e valor de erro de validação cruzada (root mean square error of cross validation-<br />

RMSECV) mais próximo de zero.<br />

RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />

Na tabela 1 se encontram descritos os dados dos atletas, como modalidade e<br />

idade. Os resultados de peso e altura foram obtidos antes da realização do exercício<br />

e através da divisão do peso pela altura2 foi calculado o índice de massa corporal<br />

(IMC) dos atletas. Esta variável apresentou médias de 22,8 e 21,20, correspondendo,<br />

respectivamente, ao sexo masculino e feminino ambas classificadas como “faixa<br />

recomendável”.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 17-27, 2010.


21<br />

Tabela 1 - Dados dos atletas que foram submetidos ao protocolo de Bruce<br />

realizado em novembro de 2009.<br />

N° Modalidade Idade Sexo Altura (cm -1 ) IMC (kg/m 2 ) IMC<br />

1 Fundista 16 masculino 1,78 18,30 BP<br />

2 Velocista (100 e 200m) 18 masculino 1,68 22,25 FR<br />

3 Atleta 19 masculino 1,84 20,88 FR<br />

4 Atleta 16 masculino 1,64 31,40 OI<br />

5 Fundista 29 masculino 1,73 22,89 FR<br />

6 Fundista 29 masculino 1,72 22,03 FR<br />

7 Fundista 14 masculino 1,75 21,71 FR<br />

Média 20,14 1,73 22,80 FR<br />

8 400m 19 feminino 1,66 21,44 FR<br />

9 Salto em distância e 20 feminino 1,68 21,12 FR<br />

triplo<br />

10 Fundista 16 feminino 1,61 18,90 FR<br />

11 Arremesso de peso 19 feminino 1,68 28,20 S<br />

12 Meio fundista 19 feminino 1,65 16,60 BP<br />

13 Marcha 21 feminino 1,67 22,45 FR<br />

14 Atleta 34 feminino 1,72 19,71 BP<br />

Média 21,14 1,67 21,20 FR<br />

IMC: Índice de massa corpórea. CLAS: Classificação do IMC; BP = baixo peso; FR =<br />

faixa recomendável; S = sobrepeso; OI = obesidade tipo 1. Valores em negrito são as<br />

médias dos parâmetros calculados.<br />

As médias obtidas, somando-se os valores no repouso e pós-exercício, nos<br />

testes bioquímicos de triglicerídeos, colesterol total, colesterol HDL e colesterol LDL<br />

são, respectivamente, 79,75; 161,60; 49,57 e 96,08 mg dL-1. No entanto, quando se<br />

observa os valores de repouso as médias são 77,44; 162,88; 48,95 e 98,46 mg dL-1,<br />

já após o protocolo de Bruce foram obtidos os resultados de 82,06; 160,33; 50,19 e<br />

93,71 mg dL-1. Ao comparar essas duas médias, observa-se o aumento na média<br />

dos parâmetros de triglicerídeos e colesterol HDL e diminuição nos outros<br />

parâmetros (colesterol total e LDL), o que é possível visualizar na tabela a seguir.<br />

Tabela 1 - Parâmetros bioquímicos (em mg dL-1) avaliados em amostras de<br />

atletas corredores do Projeto de Atletismo - UNISC durante avaliação<br />

espiroergométrica no protocolo de Bruce, com destaque aos valores considerados<br />

elevados pelas referências.<br />

Atletas Triglicerídeos Colesterol Total Colesterol HDL Colesterol LDL<br />

Repouso Final Repouso Final Repouso Final Repouso Final<br />

01 47,5±1,4 66,4±3,2 185,7±10,6 172,4±9,3 57,1±1,2 57,7±0,5 119,06 101,37<br />

02 111,1±1,2 82,1±7,3 142,4±9,6 139,0±5,8 40,3±0,8 45,1±4 79,9 77,49<br />

03 77,7±6,6 90,1±6,9 153,3±12,8 162,2±10,9 46,7±1,5 48,3±1,5 91,12 95,86<br />

04 68,0±1,8 100,5±5,5 120,9±10,6 113,1±9,5 39,6±1,3 39,0±3,1 67,74 54,02<br />

05 70,4±3,8 94,8±3,2 276,0±45,9 196,2±6,5 44,3±2,1 52,2±0,1 217,63 125,13<br />

06 110,9±3,7 93,8±4,6 163,9±8,4 172,7±10,9 43,9±3,7 45,7±2,8 97,83 108,33<br />

07 28,9±1,3 44,6±1,9 118,2±4,2 125,7±7,3 43,9±2,0 44,0±1,4 68,49 72,76<br />

08 153,5±9,5 129,2±7,9 208,5±8,2 187,0±2,5 49,5±2,2 48,5±0,5 128,37 112,37<br />

09 66,0±3 65,6±0,7 198,0±2,9 209,5±4,6 61,9±1,7 62,2±0,3 122,82 134,25<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 17-27, 2010.


22<br />

10 52,3±2,5 54,7±0,7 127,4±6,3 131,5±4,3 56,9±1,6 59,4±2,7 60,07 61,19<br />

11 66,2±6,4 92,6±5,7 127,7±11,3 136,9±4,7 57,9±2,2 55,4±2,0 56,61 62,35<br />

12 78,9±7,4 44,7±3,6 124,1±2,7 139,3±8,1 44,6±2,5 45,2±1,3 63,75 85,23<br />

13 78,9±7,4 93,0±7,5 176,8±7,4 183,0±8,4 45,1±1,2 48,4±0,4 115,94 115,92<br />

14 73,9±5,3 96,6±6,3 157,4±3,0 176,1±8,4 53,6±1,6 51,7±0,7 89,06 105,71<br />

Média 77,44 82,05 162,88 160,33 48,95 50,19 98,46 93,71<br />

M. Geral 79,75 161,60 49,57 96,08<br />

LDL calculado pela fórmula de Friedewald; valores de referência: triglicerídeos(TG):<br />

>150 mg dL-1; Colesterol Total(CT): desejável < 200 mg dL-1, limítrofes: 200 a 239 mg dL-<br />

1 e alto > 240 mg dL-1 Colesterol HDL: entre 40 a 60 mg dL-1 e Colesterol LDL: desejável<br />

160 mg dL-1. Em negrito estão os<br />

valores que se encontram acima dos valores de referência.<br />

A análise dos parâmetros estudados apresenta desvio padrão dentro da<br />

variabilidade aceitável, descrita pelos protocolos dos testes. Os valores dos três<br />

parâmetros estavam dentro dos limites aceitáveis para utilizar a fórmula de<br />

Friedewald.<br />

Na figura 1 encontra-se o conjunto de todos os espectros dos atletas<br />

investigados, podendo se observar uma homogeneidade entre os mesmos, tornando<br />

necessária a utilização de análise multivariada para obter informações com poder<br />

discriminatório.<br />

1,0<br />

0,8<br />

Absorbância<br />

0,6<br />

0,4<br />

0,2<br />

0,0<br />

4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000<br />

Comprimento de onda (cm -1 )<br />

Figura 1 - Conjunto de espectros de infravermelho médios de sangue total de atletas<br />

submetidos ao ensaio espiroergométrico de Bruce.<br />

A aplicação de análise por agrupamento hierárquico (HCA) gerou um<br />

dendrograma (Figuras 2 a 4), onde foi possível visualizar o grau de reprodutibilidade<br />

das replicatas de leituras espectrais, observando a formação de dois grupos com<br />

níveis de similaridade de 30%, mantendo as replicatas das mesmas amostras<br />

próximas e dentro do mesmo grupo.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 17-27, 2010.


23<br />

1.0<br />

0.8<br />

0.6<br />

0.4<br />

0.2<br />

0.0<br />

Figura 2 - Dendrograma fornecido pela HCA das triplicatas de espectros no<br />

infravermelho de sangue total de amostra de atletas.<br />

14RC<br />

14RB<br />

14RA<br />

11FC<br />

11FB<br />

11FA<br />

10FC<br />

10FB<br />

10FA<br />

09FC<br />

09FB<br />

09FA<br />

08RC<br />

08RA<br />

05FC<br />

05FB<br />

05FA<br />

08RB<br />

08FC<br />

08FB<br />

07RC<br />

07RB<br />

07RA<br />

07FC<br />

08FA<br />

07FB<br />

07FA<br />

04RC<br />

04RB<br />

04RA<br />

02RC<br />

02RA<br />

02RB<br />

01RC<br />

01RB<br />

01RA<br />

01FA<br />

06RC<br />

06RB<br />

06RA<br />

06FC<br />

06FA<br />

06FB<br />

1.0<br />

0.8<br />

0.6<br />

0.4<br />

Complete<br />

CURSOR<br />

Similarity: 0.342<br />

NODE<br />

Similarity: 0.400<br />

Distance: 14.263<br />

Descendants: 43<br />

3.a 3.b<br />

Figura 3 - Dendrogramas referentes aos grupos do HCA das triplicatas de sangue total<br />

de amostra de atletas. 3.a Dendrograma do primeiro grupo (superior) 3.b Dendrograma do<br />

segundo grupo (inferior) do HCA.<br />

O método se mostrou reprodutível, entretanto, as replicatas geradas foram de<br />

forma aparentes no que se refere a três leituras seqüenciais da mesma amostra.<br />

Como o sangue total é um fluido muito instável, sugere-se muita atenção na<br />

impregnação deste, na literatura foram somente encontrados estudos realizados com<br />

soro e plasma (ELLIS & GOODACRE, 2006).<br />

Um espectro de infravermelho de sangue contém muitas informações<br />

importantes e não há necessidade de utilização de todas as bandas para descrevêlas,<br />

sendo necessário, então, selecionar aquelas onde há maior quantidade de<br />

informação química relevante (SHAW & MANTSCH, 2006; ESCANDAR et al., 2006).<br />

Este princípio, junto com a exclusão de amostras consideradas outliers, foi aplicado<br />

aos conjuntos de dados em estudo sendo obtidos os modelos de regressão por<br />

mínimos quadrados parciais (PLS) para alguns parâmetros bioquímicos da amostra<br />

populacional, descritos na Tabela 3 junto com as respectivas figuras de mérito.<br />

14FC<br />

14FA<br />

14FB<br />

13RC<br />

13RA<br />

13RB<br />

13FC<br />

13FA<br />

13FB<br />

05RC<br />

05RB<br />

05RA<br />

12FC<br />

12FB<br />

12FA<br />

10RC<br />

10RA<br />

10RB<br />

09RC<br />

09RA<br />

09RB<br />

04FC<br />

04FB<br />

04FA<br />

02FC<br />

02FB<br />

02FA<br />

01FB<br />

01FC<br />

12RC<br />

12RB<br />

12RA<br />

03RC<br />

03RB<br />

03RA<br />

03FC<br />

03FB<br />

03FA<br />

1.0<br />

0.9<br />

0.8<br />

0.7<br />

0.6<br />

Complete<br />

CURSOR<br />

Similarity: 0.342<br />

NODE<br />

Similarity: 0.558<br />

Distance: 10.502<br />

Descendants: 38<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 17-27, 2010.


24<br />

Tabela 3 – Resultados de modelagem de PLS-DRIFTS entre amostras de sangue<br />

total e níveis séricos de triglicerídeos, colesterol total e colesterol HDL de atletas.<br />

Modelo Região Espectral (cm -1 ) RMSECV (mg dL -1 ) R 2 VRA (%) VL<br />

TG-C 4000-2400 e 2200-400 23 0,55 99 9<br />

TG-O 3150-2960 e 1700-1400 12,2 0,88 99,8 8<br />

CT-C 4000-2400 e 2200-400 26 0,60 98 5<br />

CT-O 3150-2700 9,3 0,94 98 8<br />

HDL-C 4000-2400 e 2200-400 7,20 0,04 99 10<br />

HDL-O 4000-3600 e 3290-3060 3,8 0,82 91,8 5<br />

RMSECV=erro de validação cruzada; R 2 =coeficiente de correlação de validação<br />

cruzada; VRA=variância relativa acumulada; VL=variáveis latentes; TG=triglicerídeos;<br />

CT=colesterol total; HDL=colesterol HDL. C=Faixa espectral completa; O=Faixa espectral<br />

otimizada.<br />

Em todos os três modelos otimizados observa-se uma melhora significativa na<br />

capacidade preditiva dos componentes do perfil lipídico mostrando que parte da<br />

informação apresentada pelo conjunto de espectros FTIR de sangue total não tem<br />

relação com os níveis séricos dos respectivos biomarcadores. Em relação às regiões<br />

espectrais selecionadas observa-se, em todos os modelos, a contribuição total ou<br />

parcial de freqüências vibracionais características de lipídios incluindo 3020-3000<br />

(=CH de ácidos graxos insaturados e ésteres de colesterol), 3000-2950 cm-1<br />

(asCH3 e asCH2 de ésteres de colesterol e lipídios) e 2950-2880 cm-1 (sCH3 e sCH2<br />

de ácidos graxos, ésteres, glicerol, fosfolipídios e triglicerídeos). Neste contexto, o<br />

modelo preditivo de colesterol total é o mais simples e seletivo constituído por<br />

contribuições de todas as vibrações acima referidas sem mais nenhuma outra<br />

informação estrutural provinda do infravermelho médio (SILVERSTEIN & WEBSTER,<br />

2007).<br />

Já o modelo de colesterol HDL considera apenas parte da contribuição de<br />

C=CH de lipídios insaturados mas inclui informações parciais sobre movimentos<br />

vibracionais de proteínas (N-H, a 3700-3400 cm-1 ) mostrando a grande<br />

contribuição deste componente bioquímico na organização da estrutura desta<br />

lipoproteína.<br />

Por outro lado, o modelo de triglicerídeos é o mais complexo e inclui também<br />

informações de proteínas, porém de outra natureza, diferente daquelas observadas<br />

no modelo de colesterol HDL. As contribuições de informação estrutural protéica no<br />

modelo de previsão de triglicerídeos de atletas, com base nos espectros FT-IR de<br />

sangue total, incluem informações das bandas de amida I (C=O a 1720-1600 cm-1)<br />

e II (N-H a 1600-1480cm-1). Entretanto, este modelo é ainda mais simples que o<br />

encontrado por Shaw e Mantsch (2006), com base em espectros FT-IR de soro, o<br />

qual incluiu as faixas espectrais de 3000-2800, 1800-1700 e 1500-900 cm-1.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 17-27, 2010.


25<br />

A representação gráficos de correlação entre os valores preditos pelos<br />

respectivos modelos otimizados e os valores experimentais encontram-se<br />

representados na Figura 4.<br />

Triglicerídeos Colesterol Total Colesterol HDL<br />

Figura 4 – Gráficos de correlação de modelagem de regressão PLS-DRIFTS otimizados,<br />

entre amostras de sangue total e triglicerídeos séricos, colesterol total e colesterol HDL, para<br />

atletas.<br />

A calibração do modelo baseou-se na recuperação de informações analíticas<br />

quantitativas a partir dos espectros (ELLIS & GOODACRE, 2006; ESCANDAR et al.,<br />

2006). Os modelos de calibração são desenvolvidos separadamente para cada analito<br />

alvo. Por fim cada modelo é validado através de comparação dos valores previstos<br />

pelo PLS com os valores de referência.<br />

Para calibração dos modelos, foram previstas as concentrações de algumas<br />

amostras (tabela 4), as quais foram inicialmente descartas na elaboração do modelo<br />

em questão. Para as previsões dos valores de concentração de triglicerídeos,<br />

colesterol total e colesterol HDL, foram obtidas as correlações de 0,95, 0,15 e 0,10 e<br />

os erros de 7,4, 30 e 6,9 mg dL-1 respectivamente, podendo-se observar um bom<br />

modelo para a previsão das amostras de triglicerídeos, considerando uma alta<br />

correlação aliada a um baixo erro e alcançando o objetivo frente a este parâmetro.<br />

Já para as previsões de colesterol total e HDL os valores obtidos não foram<br />

reprodutíveis, mostrando uma baixa correlação e, no caso do colesterol total, aliado<br />

a um alto erro de previsão.<br />

Tabela 4 - Correlação de valores entre método referência e infravermelho na<br />

concentração sérica de triglicerídeos, colesterol total e colesterol HDL em atletas.<br />

Parâmetros Atletas Referência (mg dL -1 ) Infravermelho (mg dL -1 )<br />

TG 02R 116,09 116,75<br />

TG 04F 97,41 92,51<br />

TG 05F 94,76 103,92<br />

TG 09R 68,98 71,39<br />

TG 06R 110,88 104,19<br />

TG 10F 54,68 54,27<br />

TG 07F 44,65 46,92<br />

TG 14R 73,92 85,53<br />

TG 14F 97,16 85,53<br />

CT 01F 178,88 178,34<br />

CT 02R 142,42 178,35<br />

CT 02F 143,10 178,40<br />

CT 05R 243,78 178,40<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 17-27, 2010.


26<br />

CT 09R 197,96 178,40<br />

CT 09F 209,54 178,40<br />

CT 06R 169,68 178,40<br />

CT 06F 180,41 178,40<br />

CT 11F 139,52 178,40<br />

CT 14R 157,41 166,48<br />

CT 14F 176,15 166,48<br />

HDL 05R 43,14 50,90<br />

HDL 08R 49,46 50,94<br />

HDL 08F 48,53 50,90<br />

HDL 09R 61,94 60,00<br />

HDL 09F 62,17 50,95<br />

HDL 06R 41,98 51,00<br />

HDL 10R 56,90 51,00<br />

HDL 07F 43,95 50,90<br />

HDL 14R 53,57 52,90<br />

HDL 14F 51,71 52,90<br />

TG = triglicerídeos; CT = colesterol total; HDL = colesterol HDL; R: Repouso; F: Final<br />

do exercício.<br />

Os resultados apontam que, na avaliação de atletas, a técnica de infravermelho<br />

(DRIFTS) juntamente com o método de regressão multivariado (PLS) foi adequada<br />

para a construção de modelos de calibração e para a dosagem de marcadores<br />

bioquímicos de perfil lipídico. Nessa perspectiva, considera-se possível a utilização da<br />

espectroscopia FT-IR na obtenção de dados que determinam o perfil lipídico em<br />

amostras de sangue total em atletas. Contudo, é uma aplicação limitada e<br />

dependente de fatores operacionais envolvidos nas etapas de coleta e disposição das<br />

amostras de sangue em presença do KBr. Por fim, a técnica estudada se mostra<br />

promissora no monitoramento da evolução e desempenho de atletas durante<br />

diferentes testes de esforço, inclusive em provas específicas de atletismo, o que está<br />

sendo desenvolvido pelo nosso grupo de pesquisa.<br />

AGRADECIMENTOS<br />

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pela bolsa<br />

de Iniciação Científica.<br />

REFERÊNCIA<br />

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<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 17-27, 2010.


28<br />

CONCEPÇÕES SOBRE IMPLEMENTAÇÃO DAS DIRETRIZES DA<br />

POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO DA GESTÃO E<br />

ATENÇÃO À SAÚDE: COM A PALAVRA, GESTORES DE SAÚDE<br />

DE MUNICÍPIOS DA 13ª COORDENADORIA REGIONAL DE<br />

SAÚDE<br />

Janice Bringmann<br />

Luciele Sehnem<br />

Ari Nunes Assunção<br />

Leni Dias Weigelt<br />

Luciane Maria Schmidt Alves<br />

Suzane Beatriz Frantz Krug<br />

RESUMO<br />

O presente estudo objetivou desvelar os meios utilizados pelos gestores de saúde<br />

para a implementação das diretrizes da Política Nacional de Humanização da<br />

Gestão e Atenção de Saúde. Para a obtenção dos resultados, foram realizadas<br />

entrevistas com cinco gestores de saúde da 13ª Coordenadoria Regional de<br />

Saúde/RS, seguindo, metodologicamente, a trajetória qualitativa. A organização e<br />

a análise dos dados foram realizadas sob o enfoque da Análise de Conteúdo<br />

(Bardin, 1977). Destacou-se que a humanização em saúde para os entrevistados<br />

significa atender bem aos pacientes, sabendo ouvi-los nas suas necessidades e<br />

informando os demais membros da equipe da sua situação. Citou-se, também, a<br />

prioridade ao atendimento dos casos mais graves e aos idosos, assim como a<br />

diminuição das filas e do tempo de espera para atendimento. Como meios para<br />

implementar as diretrizes, foram referidas a triagem, a agilidade no atendimento<br />

e no agendamento de consultas, a distribuição das fichas com horários para<br />

atendimento e a melhoria do espaço físico das unidades. Com base nesses<br />

levantamentos, sugere-se a elaboração de grupos de discussões como espaços de<br />

articulação dos atores para subsidiar a implementação da Humanização da Gestão<br />

e Atenção da Saúde nos serviços, contribuindo, dessa forma, para a efetivação<br />

das diretrizes do Sistema Único de Saúde.<br />

Palavras-chave: Gestão em Saúde. Saúde da Família. Políticas Públicas. Sistema<br />

Único de Saúde.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 28-36, 2010


29<br />

ABSTRACT<br />

The present study aims to unveil the means used by health managers to<br />

implement the National Policy of Humanization of Health Care and Management.<br />

In order to reach the results it was conducted some interviews with five health<br />

managers of the 13th Health Regional Coordination / RS, using as methodology<br />

the qualitative approach. The organization and data analysis were done through<br />

the focus of the content analysis (Bardin, 1977). It was highlighted that the<br />

humanization of health for the interviewed means to treat well the patients,<br />

knowing how to hear them in their needs and informing the other team members<br />

about the patients’ situation. We also mentioned the priority in treating the most<br />

serious cases and the elderly, as well as reducing the lines and waiting time for<br />

care. As a means to implement those guidelines, it was referred the screening,<br />

treatment agility, appointment scheduling, distribution of bookmarks with<br />

schedules for care and improvement of the units physical space. Based on these<br />

surveys, we suggest the establishment of discussion groups as articulation spaces<br />

for the actors to support the implementation of the Humanization of Management<br />

and Health Care in the services, thereby contributing to the effectiveness of the<br />

Unified Health System guidelines.<br />

Keywords: Health Management. Family Health. Public Policy. Unified Health<br />

System.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A Estratégia Saúde da Família possui como foco central de atuação a família<br />

que, por sua vez, é compreendida a partir do conhecimento do meio em que vive.<br />

Sob esse foco de atuação, possibilita-se que as equipes de saúde detenham uma<br />

visão mais abrangente sobre o processo saúde/doença, reafirmando, também, a<br />

necessidade de intervenções que se sobreponham às práticas curativistas, que<br />

ainda se encontram demasiadamente avivadas na sociedade, conforme refere o<br />

Ministério da Saúde (1996) apud Rocha (2003).<br />

Além de visar à reordenação do modelo assistencial hospitalocêntrico para<br />

um modelo de atenção baseado na prevenção e promoção da saúde a partir da<br />

atenção básica, a estratégia objetiva, também, promover um maior vínculo entre<br />

profissionais e usuários, contribuindo para a humanização das práticas de saúde<br />

nas unidades (PAULINO, BEDIN e PAULINO, 2009).<br />

Apesar de a palavra humanização remeter, diretamente, à ideia de tratar<br />

humanamente o ser humano, o que se pode visualizar, muitas das vezes, é o<br />

contrário. Prevalece a preocupação com o bem-estar econômico ou, mesmo, com<br />

a redução das pessoas a objetos passíveis de experimentos, em detrimento de<br />

tornar dignas e melhores as condições de vida das pessoas (CAMPOS, 2005). A<br />

humanização praticada nos serviços de saúde pode expressar-se “pelo caráter e<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 28-36, 2010


30<br />

qualidade da atenção, levando em conta interesses, desejos e necessidades dos<br />

atores sociais implicados nesta área” (FORTES, 2004 p.31).<br />

Tendo, como foco de estudo, a humanização e seguindo uma das diretrizes<br />

da pesquisa intitulada “Saúde da Família: um olhar sobre a Estratégia nos<br />

Municípios da 13ª Coordenadoria Regional de Saúde/RS”, que visa investigar o<br />

processo de gestão da saúde em relação às Estratégias de Saúde da Família,<br />

objetivou-se, através de um recorte desta pesquisa, desvelar, por intermédio da<br />

pergunta norteadora “Quais os mecanismos de implementação das diretrizes da<br />

Política Nacional de Humanização da Gestão e Atenção à Saúde?”, os meios<br />

utilizados pelos gestores de saúde para a implementação das diretrizes da Política<br />

Nacional de Humanização da Gestão e Atenção à Saúde, bem como a forma de<br />

perceber o seu entendimento acerca da humanização em saúde.<br />

Compete ao gestor de saúde a responsabilidade de implantação e<br />

monitoramento da estratégia, além de possibilitar aos trabalhadores da saúde que<br />

ali atuam meios que subsidiem motivação para as mudanças que o modelo<br />

determina (ROCHA, 2003). A responsabilidade desse vai além de determinar<br />

prioridades, definir os investimentos em saúde e promover espaços de<br />

negociação. É de sua competência, também, prover os meios necessários para a<br />

construção da política de humanização no seu município (MELO, 2006).<br />

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

Instituída no ano de 2003 pelo Ministério da Saúde, o HumanizaSUS vem a<br />

ser um dispositivo para consolidar os princípios do Sistema Único de Saúde<br />

(SUS), por meio da sua aplicação cotidiana nas práticas de atenção e gestão,<br />

estimulando, também, para que os sujeitos envolvidos, usuários, trabalhadores e<br />

gestores promovam trocas solidárias para a produção de saúde e de sujeitos<br />

(BRASIL, 2006).<br />

A discussão sobre os “direitos dos pacientes”, iniciada por volta dos anos 70,<br />

representa o marco inicial para a reflexão das práticas humanizadoras em saúde.<br />

O Hospital Mont Sinai, em Boston, nos Estados Unidos da América (USA), e a<br />

Associação Americana de Hospitais foram os pioneiros a terem a declaração de<br />

direitos dos pacientes reconhecida pela literatura. Esse documento sinaliza para<br />

que os serviços de saúde possibilitem alcançar o mais alto nível de saúde possível,<br />

apontando, também, os pacientes como responsáveis nas tarefas de planejar e<br />

implementar os cuidados inerentes a sua saúde (FORTES, 2004).<br />

A Política Nacional de Humanização (PNH) apresenta-se recíproca aos<br />

princípios do Sistema Único de Saúde, dentre os quais se elencam a equidade, a<br />

integralidade, a universalidade, assim como a promoção da descentralização da<br />

atenção e gestão da saúde. Há de se ressaltar que, para o avanço e cumprimento<br />

das diretrizes do SUS, o governo reconhece que é forçoso pôr em prática uma<br />

PNH que perfilhe itens como: “a fragmentação do processo de trabalho, a<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 28-36, 2010


31<br />

precária interação das equipes de saúde; o desrespeito aos direitos dos usuários,<br />

o baixo investimento em qualificação e a burocratização dos sistemas de gestão”<br />

(BRASIL, 2005 apud ANDRADE e LOPES, 2009).<br />

A Política Nacional de Humanização estrutura-se a partir de princípios,<br />

métodos, diretrizes e dispositivos que contribuem para nortear as ações voltadas<br />

para a efetivação da Política no Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2009).<br />

Ressaltam-se, como orientações gerais das incluídas na PNH, a Clínica<br />

Ampliada, Cogestão, Acolhimento, Valorização do trabalho e do trabalhador,<br />

Defesa dos Direitos do Usuário, Fomento das grupalidades dos coletivos e de<br />

redes e a Construção da memória do SUS que dá certo (BRASIL, 2009).<br />

A PNH defende que a gestão e a atenção devam ser trabalhadas<br />

conjuntamente, abolindo a visão reducionista que considera a gestão dos<br />

processos de trabalho uma questão administrativa que deva ser desenvolvida<br />

separadamente das práticas de cuidado (BRASIL, 2006 apud PAULON e ELAHEL,<br />

2006).<br />

A respeito disso, Oliveira, Collet e Viera (2006) apontam que a valorização<br />

dos atores nos diversos âmbitos do SUS, tanto na dimensão das práticas de<br />

atenção como de gestão, fomentam a autonomia dos sujeitos e o trabalho em<br />

equipe multiprofissional, promovendo a democratização desses espaços e<br />

valorizando os trabalhadores que atuam nesses locais.<br />

Ressalta-se que firmar a saúde como valor de troca, e não de uso, é conferir<br />

aos atores envolvidos o compromisso de responsabilidade para com os serviços<br />

de saúde na luta pela humanização desses espaços, através da participação no<br />

controle social, na gestão dos serviços e na melhoria das condições para<br />

trabalhadores e gestores, refletindo em um atendimento de maior qualidade aos<br />

usuários (BENEVIDES e PASSOS, 2005).<br />

3 METODOLOGIA<br />

Este artigo constitui-se um recorte de uma pesquisa mais ampla “Saúde da<br />

Família: um olhar sobre a Estratégia nos Municípios da 13ª Coordenadoria<br />

Regional de Saúde/RS”, em desenvolvimento, do Grupo de Estudos e Pesquisas<br />

em Saúde, da Universidade de Santa Cruz do Sul – RS (GEPS-UNISC).<br />

A investigação seguiu a trajetória qualitativa e a organização dos dados e<br />

sua posterior análise foi sob o enfoque da Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977).<br />

Os sujeitos do estudo foram representados por cinco gestores de saúde de cinco<br />

municípios pertencentes à região do Vale do Rio Pardo no Rio Grande do Sul, de<br />

abrangência da 13ª Coordenadoria Regional de Saúde/RS.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 28-36, 2010


32<br />

Os dados foram coletados por meio de entrevista, do tipo estruturada,<br />

composta por questões abertas. Para este estudo, foi selecionada uma questão<br />

aplicada aos gestores de saúde entre as onze pertencentes ao questionário da<br />

pesquisa maior, citada anteriormente. Os dados foram coletados no período de<br />

março de 2009 a outubro de 2010. O tema se refere aos mecanismos que os<br />

gestores utilizam para a implantação das diretrizes da Política Nacional de<br />

Humanização da Gestão e Atenção à Saúde, no seu município.<br />

A pesquisa foi fundamentada em princípios éticos de acordo com a<br />

Resolução n. 196/96, Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas<br />

envolvendo Seres Humanos, do Conselho Nacional de Saúde (CNS). O projeto de<br />

pesquisa foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNISC,<br />

sob o protocolo nº 23771/09.<br />

4 RESULTADOS<br />

Através das análises das entrevistas, possibilitou-se averiguar que o conceito<br />

de humanização em saúde, para os entrevistados, remete ao atendimento de<br />

qualidade do usuário e tem seu significado vinculado a atender bem os pacientes,<br />

sabendo ouvi-los nas suas necessidades e informando os demais membros da<br />

equipe da sua situação. Na fala a seguir, evidenciam-se alguns desses aspectos:<br />

Nós nos reunimos cada um na sua esfera, dividimos assim o que<br />

um pode ajudar o outro, discutimos os problemas e<br />

encaminhamos e procuramos estar resolvendo dentro da linha da<br />

enfermagem, e dentro das equipes o que eu coloco em relação é<br />

isso [...] (GestorI).<br />

Citou-se, como prática de humanização, prioridade ao atendimento dos<br />

casos mais graves e aos idosos, assim como a diminuição das filas e do tempo de<br />

espera para atendimento. Esses aspectos podem ser observados nas falas dos<br />

gestores, exemplificadas a seguir:<br />

[...] nós chegamos aqui tinha fila de adulto e idoso, ficavam às<br />

vezes esperando até as quatro, cinco horas da tarde pra ser<br />

atendido, daí a gente mudou, as pessoas retiram sua ficha,<br />

retornam no horário combinado pra consulta, né. Vai pra casa,<br />

pega a ficha e vai pra casa e o idoso sempre tem a preferência, o<br />

idoso é passado na frente [...] a gente faz um acolhimento,<br />

conversa com o usuário, a partir dali né quem... digamos o caso é<br />

mais grave, atenção é especial, passa na frente (Gestor II).<br />

[...] ouvir mais o paciente, trabalhar um pouquinho a ambiência<br />

que também é importante, né, proporcionar um bem-estar assim<br />

em relação ao ambiente onde o paciente se insere, no momento<br />

que entra procurar melhorar tudo em relação a isso, eu acho que<br />

pra destacar esses três que a gente tá hoje pensando em<br />

desenvolver (Gestor I).<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 28-36, 2010


33<br />

Como meios para implementar as diretrizes de humanização, foram referidas<br />

a triagem, a agilidade no atendimento e no agendamento de consultas,<br />

distribuição das fichas com horários para atendimento e melhoria do espaço físico<br />

das unidades. Alguns desses aspectos podem ser detectados nas falas a seguir:<br />

Se toca muito nesse assunto da humanização né, do acolhimento<br />

e tudo mais. A gente faz um acolhimento, conversa com o<br />

usuário, a partir dali né quem... digamos o caso é mais grave, a<br />

atenção é especial, passa na frente como uma triagem que se faz<br />

o trabalho de acolhimento, hoje seria assim, basicamente isto<br />

[...]. As gestantes também são todas agendadas, a primeira<br />

consulta puericultura da criança, do recém-nascido também é<br />

agendada já quando sai da maternidade, já é agendado o teste<br />

do pezinho, a primeira consulta Gestor II).<br />

[...] eu mesmo fico na fila aqui, não deixo formar muita fila, tem<br />

que atender rápido, tem que achar solução; porque a fila judia, se<br />

você já tem um problemas de saúde, e tu ainda fica sofrendo na<br />

fila, é complicado (Gestor III).<br />

As falas também evidenciam que o conforto do paciente nos serviços tem se<br />

monstrado como uma grande preocupação aos gestores. Nesse sentido, Melo<br />

(2006) reforça que é da competência do gestor prover meios para a diminuição<br />

das filas e do tempo de espera, manejar os imprevistos, entre outros. O autor<br />

também evidencia que, em algumas instituições, a visão de humanização em<br />

saúde atrela-se a questões envolvendo a aquisição de melhoria dos equipamentos<br />

médicos ou estrutura física dos locais. Vale ressaltar, porém, que pouco<br />

contribuem esses aspectos se essas melhorias não estiverem sendo inseridas em<br />

um amplo processo de humanização das relações institucionais.<br />

Diante de todo esse contexto, percebe-se que os entrevistados possuem<br />

conhecimento acerca de ações humanizadoras, porém essas se focalizam na<br />

qualidade do atendimento ao usuário, divergindo da compreensão do Ministério<br />

da Saúde que preconiza, na humanização, a valorização dos diferentes sujeitos<br />

envolvidos no processo de produção de saúde, não só o usuário, mas também os<br />

gestores e os trabalhadores nas diversas instâncias (BRASIL, 2006).<br />

A valorização do trabalhador mostra-se de suma importância para a oferta<br />

de um atendimento de qualidade aos usuários, pois depende, diretamente, do<br />

modo de gestão do trabalho, e o trabalhador de saúde é o principal protagonista<br />

neste processo (HENNINGTON, 2008).<br />

Percebe-se, nas falas, concomitantemente, que os gestores ainda<br />

visualizam, no usuário, um sujeito passivo nas ações, revelando o<br />

desconhecimento da corresponsabilidade deste para a consolidação da política de<br />

saúde. Diante dessa percepção, cabe ressaltar que a política de humanização<br />

prevê a participação ativa dos usuários, entendidos e respeitados não como<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 28-36, 2010


34<br />

meros frequentadores dos serviços de saúde (FORTES, 2004), mas, sim, como<br />

membros participantes dos processos decisórios, contribuindo nas definições de<br />

prioridades e avaliação dos serviços e ações nas diversas esferas governamentais,<br />

principalmente através da participação em conselhos e conferências de saúde,<br />

reafirmando a esfera do controle social e da gestão participativa preconizada pelo<br />

SUS (BRASIL, 2009).<br />

Detectou-se o acolhimento, uma das diretrizes de maior importância ética,<br />

estética e também política da PNH, como prática de humanização nesses espaços.<br />

Conforme o documento Acolhimento nas práticas de produção de saúde, do<br />

Ministério da Saúde, o acolhimento contribui para uma maior aproximação e<br />

comprometimento entre equipe e serviços, favorecendo avanços na construção de<br />

vínculos de responsabilidade entre usuários, trabalhadores e gestores e<br />

reafirmando o SUS como uma política essencial para a população (BRASIL, 2006).<br />

Os dados apontam, como incógnita, o conhecimento dos gestores sobre<br />

outras práticas de humanização em saúde, o que leva, diante do averiguado, ao<br />

entendimento de que a Política Nacional de Humanização da Gestão e Atenção à<br />

Saúde ainda é pouco desenvolvida nos municípios analisados.<br />

5 CONCLUSÃO<br />

Pode-se perceber que, entre os gestores entrevistados, existe ainda uma<br />

visão reducionista sobre humanização, sendo a mesma entendida como uma<br />

política voltada estritamente ao usuário e, mais especificamente, à qualidade do<br />

seu atendimento nos diversos serviços.<br />

Revelou-se, ainda, a fragilização do conceito de humanização entre os<br />

gestores, pois é remetida a uma ideia de assistencialismo e boa vontade, prestada<br />

ao usuário, sujeito passível nas ações.<br />

Dentre as diretrizes da humanização trabalhadas, evidencia-se, fortemente,<br />

a diretriz do acolhimento, sendo as demais diretrizes preconizadas timidamente e<br />

evidenciadas nas falas.<br />

Ressalta-se a importância de uma transformação de conceitos<br />

preestabelecidos da gestão e das práticas desenvolvidas nesses locais para a<br />

efetivação do processo de humanização, estimulando o respeito e acolhimento ao<br />

próximo e afirmando o usuário como indivíduo ativo e corresponsável nos<br />

processos decisórios dos serviços de saúde.<br />

Com base nesses levantamentos, sugerem-se trabalhos voltados à<br />

capacitação desses sujeitos quanto à humanização em saúde, conscientizando-os<br />

da sua abrangência e da parcela de responsabilidade de usuários, gestores e<br />

profissionais, possibilitando, dessa maneira, a elaboração de grupos de discussões<br />

como espaços de articulação dos atores para subsidiar a implementação da<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 28-36, 2010


35<br />

Humanização da Gestão e Atenção da Saúde nos serviços, contribuindo, dessa<br />

forma, para a efetivação das diretrizes do Sistema Único de Saúde.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ANDRADE, João Tadeu de; LOPES, Fernanda Bezerra N. Medicina Convencional,<br />

práticas não biomédicas e o processo de humanização. In: NÓBREGA –<br />

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em saúde: reflexões a partir da ergologia. <strong>Revista</strong> Saúde Pública, vol. 42, n. 3, p.<br />

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MELO, Sérgio Braga de. A Humanização sob o ponto de vista do Gestor de Saúde.<br />

Boletim da Saúde, vol. 2, n. 2, p. 167-71. 2006.<br />

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A humanização na assistência à saúde. <strong>Revista</strong> Latino-Americana de Enfermagem,<br />

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Saúde: a experiência do Rio Grande do Sul. Boletim da Saúde, vol. 2, n. 2, p.119-<br />

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Federal de Mato Grosso, 2003.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 28-36, 2010


Ciências<br />

Exatas da<br />

Terra e<br />

Engenharias


ÁREA DE CIÊNCIAS EXATAS, DA TERRA E ENGENHARIAS<br />

Na área de Ciências Exatas, da Terra e Engenharias entre os 65 trabalhos<br />

apresentados no evento, 97% foram de alunos bolsistas de Iniciação Científica da<br />

Universidade, sendo 02 trabalhos de alunos de Iniciação Científica vinculados a<br />

outras Instituições de Ensino Superior do Estado do Rio Grande do Sul. A maioria<br />

dos trabalhos nesta área foi de bolsistas do Programa UNISC de Iniciação<br />

Científica – PUIC, seguida dos Programas de bolsa de verba externa para<br />

pagamentos de bolsas em projetos de pesquisa e Programa PIBIC/CNPq e<br />

PROBIC/FAPERGS. Nesta área também se observa a participação de estudantes<br />

participantes do Programa PUIC voluntário, dados demonstrados na Figura 03.<br />

40<br />

Trabalhos apresentados na Área de Ciências Exatas, da Terra e Engenharias no<br />

XVI Seminário de Iniciação Científica da UNISC<br />

Nº de Trabalhos<br />

35<br />

30<br />

25<br />

20<br />

15<br />

10<br />

5<br />

Área de<br />

Ciências<br />

Exatas da<br />

Terra e<br />

Engenharias<br />

0<br />

PUIC<br />

PIBIC/CNPq<br />

PROBIC/FAPERGS<br />

Outras Bolsas<br />

PUIC VOLUNTÁRIO<br />

Tipo de bolsa relacionada aos trabalhos apresentados<br />

Figura 03 – Modalidade de bolsas dos estudantes participantes do XVI Seminário de<br />

Iniciação Científica na Área de Ciências Exatas da Terra e Engenharias.<br />

Fonte: Coordenação de Pesquisa, UNISC, 2010.<br />

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AVALIAÇAO DA QUALIDADE DAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS DA<br />

BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO PARDO, SISTEMA AQUÍFERO<br />

GUARANI, RS, BRASIL<br />

Marluce Purper 1<br />

Marco Antonio Fontoura Hansen 2<br />

Adilson Ben da Costa 1<br />

Roberta Cristina Kaufmann 1<br />

Ana Paula Wetzel 1<br />

Alcido Kirst 1<br />

Eduardo A. Lobo 1<br />

RESUMO<br />

O objetivo desta pesquisa foi avaliar a qualidade das águas subterrâneas em<br />

áreas de preservação permanente (Sistema Aquífero Guarani – SAG) da Bacia<br />

Hidrográfica do Rio Pardo, RS, Brasil, através de variáveis físicas, químicas e<br />

microbiológicas. Nove pontos de coleta foram distribuídos ao longo da bacia, nos<br />

quais as águas subterrâneas foram classificadas quanto aos íons de maior<br />

ocorrência quantitativa. Os resultados indicaram que a maioria dos poços<br />

avaliados enquadraram-se na Classe 4 de usos da água, correspondendo a águas<br />

de usos menos restritivos (como recreação de contato secundário). Entretanto,<br />

deve-se considerar que os aquíferos são caracterizados por diferentes condições<br />

geológicas, com características físicas, químicas e biológicas intrínsecas, e<br />

também variações hidrogeoquímicas, sendo necessário que as suas classes de<br />

qualidade sejam determinadas com base nessas especificidades. As amostras P1,<br />

P2, P3, P5 e P9 classificaram-se como bicarbonatadas cálcicas; as águas dos<br />

pontos P4, P6, P7 como bicarbonatadas sódicas; e P8 como sulfatada. Verificouse<br />

que a qualidade das águas de poços com profundidade inferior a 6 m está<br />

mais vulnerável, devido a alterações antrópicas em função da concentração de<br />

nitrato, coliformes totais e termotolerantes, enquanto a qualidade das águas de<br />

poços mais profundos depende basicamente de suas características<br />

hidrogeológicas e hidrogeoquímicas naturais, em função das variáveis sulfato e<br />

sódio.<br />

1 Laboratório de Limnologia. Universidade de Santa Cruz do Sul, UNISC, RS Av. Independência,<br />

2293 - Bairro Universitário – Santa Cruz do Sul – Rio Grande do Sul – Código Postal: 96815-900<br />

- Brasil. Tel.: +55 (51) 3711-3465 – Fax: +55 (51) 3717-7382. E-mail:<br />

marlucepurper@yahoo.com.br<br />

2 Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA, RS.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 39-48, 2010


40<br />

Palavras-chave: Bacia Hidrográfica do Rio Pardo. RS. Qualidade da água<br />

subterrânea. Sistema Aquífero Guarani.<br />

ABSTRACT<br />

The aim of this research was to evaluate the quality of groundwater in areas of<br />

permanent preservation (Guarani Aquifer System – GAS) in the Rio Pardo<br />

Hydrographical Basin, RS, Brazil, using physical, chemical and microbiological<br />

variables. Nine sampling points were distributed throughout the basin, where<br />

groundwater was classified according to their quantitative occurrence of ions. The<br />

results indicated that most of the wells evaluated were classified in Class 4 of<br />

water uses, corresponding to waters with less restrictive uses (such as secondary<br />

contact recreation). However, it should be considered that the aquifers are<br />

characterized by different geological conditions, with physical, chemical and<br />

biological intrinsical characteristics, and also hydrogeochemical variations,<br />

requiring that their quality levels are determined based on these specifications.<br />

Samples P1, P2, P3, P5 and P9 were classified as calcium bicarbonate, the waters<br />

of the points P4, P6, P7 as sodium bicarbonate and P8 as sulfated. It was found<br />

that the quality of water from wells with depths less than 6 m are more<br />

vulnerable due to anthropogenic activities, as showing by the concentration of<br />

nitrate, total and thermotolerant coliforms, while the quality of water from deeper<br />

wells basically depends on their hydrogeological and hydrogeochemical<br />

characteristics based on the concentration of sodium and sulfate variables.<br />

Keywords: Groundwater quality. Guarani Aquifer System. Rio Pardo<br />

Hydrographical Basin. RS.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

O Sistema Aquífero Guarani (SAG) é um dos maiores reservatórios de água<br />

subterrânea do mundo, com estimativa de 50 mil km3 de água doce armazenada<br />

em uma área total de 1,2 milhão de km2 distribuída em oito estados brasileiros e<br />

outros três países (Uruguai, Paraguai e Argentina) (BORGHETTI et al., 2004).<br />

Além de conter a maior parte das reservas subterrâneas, o Brasil também conta<br />

com muitas áreas de recarga, responsáveis pelo reabastecimento deste aquífero<br />

amplamente compartimentado por sistemas de falhas, o que aumenta ainda mais<br />

a responsabilidade brasileira em evitar a contaminação deste aquífero. Apesar<br />

disso, e da recomendação de que as zonas de recarga de um aquífero sejam<br />

consideradas áreas de proteção permanente, tem-se constatado que as culturas<br />

de cana-de-açúcar, soja e milho representam as principais atividades<br />

responsáveis pelos casos de contaminação do SAG em território brasileiro<br />

(DANTAS et al., 2009; COUTINHO, 2005).<br />

O conceito de qualidade da água é função das condições naturais<br />

(escoamento superficial e infiltração no solo), e do uso e da ocupação do solo


41<br />

(despejos domésticos ou industriais e aplicação de agrotóxicos no solo) em bacias<br />

hidrográficas. Os componentes que alteram o grau de pureza da água são<br />

retratados pelas suas características físicas, químicas e biológicas, que são<br />

traduzidas como parâmetros de qualidade da água (SPERLING, 2005).<br />

Ainda, pela sua própria natureza, as concentrações de substâncias presentes<br />

nas águas subterrâneas são extremamente dependentes do tipo de rocha, solo<br />

e/ou estruturas a que estão subordinadas e do tempo de residência da água no<br />

aquífero. Desse modo, em determinadas regiões, águas subterrâneas com o teor<br />

de um determinado metal acima do considerado normal, para outras regiões,<br />

podem estar perfeitamente dentro de uma composição considerada perfeitamente<br />

aceitável para aquela determinada região. De maneira geral, devido à ação<br />

filtradora lenta, através das camadas permeáveis, velocidade, da ordem de cm<br />

dia-1, as águas subterrâneas deveriam apontar baixos teores de cor, turbidez e<br />

isenção de bactérias encontradas em águas superficiais, a não ser que sejam<br />

atingidas por alguma fonte poluidora (FREITAS, 1997).<br />

Essa realidade não é diferente no Vale do Rio Pardo, na região central do<br />

Estado do Rio Grande do Sul, onde, apesar da ausência de estudos sistemáticos<br />

referentes à contaminação da água subterrânea por agrotóxicos e fertilizantes, as<br />

zonas de recarga situam-se junto às nascentes dos rios Pardo e Pardinho, regiões<br />

de intensa atividade agrícola destacando-se as culturas de fumo e milho.<br />

Nesse contexto, este estudo teve por objetivo avaliar a qualidade das águas<br />

subterrâneas nesta bacia, através de variáveis físicas, químicas e microbiológicas,<br />

permitindo assim discutir a questão da vulnerabilidade e proteção dos recursos<br />

hídricos subterrâneos.<br />

2 MATERIAL E MÉTODOS<br />

2.1 Área de Estudo/Amostragem<br />

As unidades litológicas aflorantes na bacia hidrográfica do rio Pardo<br />

pertencem à parte da sucessão da Bacia do Paraná. Da base para o topo ocorrem<br />

o Grupo Rosário do Sul, representado pelas formações Sanga do Cabral, Santa<br />

Maria e Caturrita, e o Grupo São Bento, com as formações Botucatu, Serra Geral<br />

Facies Gramado e Serra Geral Facies Caxias do Sul sobreposta por depósitos<br />

Neogênicos colúvios-aluviais e aluviais (CPRM, 2008) (Figura 1).<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 39-48, 2010


42<br />

Figura 1. Mapa Geológico bacia hidrográfica do Rio Pardo com pontos de coletas<br />

das amostras de água (adaptado de CPRM, 2008).<br />

Ao todo, nove pontos de coleta foram identificados, sendo considerada,<br />

dentre os critérios utilizados para localização dos mesmos, a necessidade de que<br />

estes locais fossem distribuídos em diferentes contextos geológicos da região,<br />

como pode ser observado na Figura 2, possibilitando assim a compreensão do<br />

comportamento qualitativo destas águas em cada situação. Foram realizadas<br />

cinco campanhas de coleta, que ocorreram nos meses de julho, agosto, setembro,<br />

outubro e dezembro de 2009.


43<br />

Figura 2. Localização das estações de amostragem de água na Bacia<br />

Hidrográfica do Rio Pardo, RS.<br />

As técnicas utilizadas na coleta das amostras, e para as determinações<br />

físicas, químicas e microbiológicas, encontram-se descritas no Americam Public<br />

Health Association (2005). Na avaliação da qualidade da água utilizou-se a<br />

Resolução n° 396 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA, 2008),<br />

destacando a Tabela 1 que apresenta os usos indicados em cada classe da<br />

referida Resolução.<br />

Tabela 1. Classificação das águas subterrâneas através dos usos (CONAMA,<br />

2008).<br />

Classe Classificação e destino das águas subterrâneas<br />

Especial Preservação de ecossistemas em unidades de conservação de proteção integral e as que<br />

contribuam diretamente para os trechos de corpos de água superficial enquadrados como classe<br />

especial.<br />

Classe 1 Águas subterrâneas sem alteração de sua qualidade por atividades antrópicas, e que não exigem<br />

tratamento para quaisquer usos preponderantes, devido às suas características hidrogeoquímicas<br />

naturais.<br />

Classe 2 Águas subterrâneas sem alteração de sua qualidade por atividades antrópicas, e que podem exigir<br />

tratamento adequado, dependendo do uso preponderante, devido às suas características<br />

hidrogeoquímicas naturais.<br />

Classe 3 Águas subterrâneas com alteração de sua qualidade por atividades antrópicas, para as quais não é<br />

necessário o tratamento em função dessas alterações, mas que podem exigir tratamento<br />

adequado, dependendo do uso preponderante, devido às suas características hidrogeoquímicas<br />

naturais<br />

Classe 4 Águas subterrâneas com alteração de sua qualidade por atividades antrópicas, e que somente<br />

possam ser utilizadas, sem tratamento, para o uso preponderante menos restritivo (como<br />

recreação de contato secundário).<br />

Classe 5 Águas subterrâneas que possam estar com alteração de sua qualidade por atividades antrópicas,<br />

destinadas a atividades que não tenham requisitos de qualidade para uso.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 39-48, 2010


44<br />

As variáveis consideradas nesta avaliação bem como os valores limites (VMP<br />

– Valor Máximo Permitido) para os usos preponderantes, segundo o Decreto<br />

Estadual 12.486, de 20 de outubro de 1978 (SÃO PAULO, 1978), foram<br />

alcalinidade de bicarbonatos, alcalinidade de carbonatos e de hidróxidos.<br />

Determinaram-se os limites dos parâmetros alumínio, cloro residual livre,<br />

coliformes termotolerantes e totais, ferro, manganês, nitrato, nitrogênio<br />

amoniacal, pH, sódio, sulfato e sólidos totais dissolvidos (STD), segundo a<br />

Portaria nº 518, de 25 de março de 2004, do Ministério da Saúde (BRASIL, 2004).<br />

O limite considerado para fluoretos teve como base a Portaria nº 10, de 16 de<br />

agosto de 1999, da Secretaria Estadual da Saúde (RIO GRANDE DO SUL, 1999),<br />

considerada a mais restritiva.<br />

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES<br />

De forma geral, os resultados das determinações físicas, químicas e<br />

microbiológicas, nos meses de julho a dezembro de 2009, indicaram que os<br />

pontos de coleta apresentam uma alta variabilidade espacial e temporal da<br />

estrutura ambiental, destacando-se a Classe 4 de usos da água, que corresponde<br />

às águas de má qualidade, basicamente em função das variáveis coliformes<br />

totais, coliformes termotolerantes e turbidez, como se pode observar na média<br />

dos resultados obtidos, conforme Tabela 2.<br />

Tabela 2. Média (± desvio-padrão) dos resultados obtidos para cada estação<br />

de amostragem de julho a dezembro de 2009.<br />

Parâmetros P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7 P8 P9<br />

A.B. 18,55 50,23 101,48 87,00 119,68 10,63 8,48 117,60 7,23<br />

(desvio-padrão) (±3,21) (±2,83) (±17,73) (±14,63) (±34,29) (±3,67) (±1,57) (±0,00) (±0,25)<br />

A.C. 0,00 0,00 0,00 0,00 8,45 0,00 0,00 13,00 0,00<br />

(desvio-padrão) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±7,07) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00)<br />

A.H. 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00<br />

(desvio-padrão) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00)<br />

Alumínio 1,02 2,90 0,18 9,93 0,11 0,21 0,10 0,10 0,20<br />

(desvio-padrão) (±0,39) (±2,07) (±0,11) (±5,72) (±0,09) (±0,16) (±0,10) (±0,00) (±0,15)<br />

Cálcio 4,28 4,30 9,95 4,73 44,50 3,05 2,95 30,70 3,87<br />

(desvio-padrão) (±0,94) (±1,19) (±6,69) (±0,57) (±25,06) (±0,48) (±1,20) (±0,00) (±0,30)<br />

C. Termo. 8,00 8,00 6,20 8,00 8,00 1,85 0,00 0,00 1,10<br />

(desvio-padrão) (±0,00) (±0,00) (±2,70) (±0,00) (±0,00) (±1,31) (±0,00) (±0,00) (±0,78)<br />

C. Totais 8,00 8,00 6,87 8,00 4,55 8,00 0,00 0,00 5,30<br />

(desvio-padrão) (±0,00) (±0,00) (±1,70) (±0,00) (±3,98) (±5,66) (±0,00) (±0,00) (±4,08)<br />

Cl res. Livre 0,06 0,07 0,05 0,05 0,05 0,05 0,05 0,05 0,05<br />

(desvio-padrão) (±0,01) (±0,02) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00)<br />

C. E. 92,95 117,45 246,45 252,25 317,28 99,05 105,30 3500 132,47<br />

(desvio-padrão) (±7,56) (±5,37) (±57,35) (±37,68) (±79,95) (±37,74) (±4,05) (±0,00) (±18,88)<br />

Ferro 0,59 1,36 0,13 7,10 0,05 0,09 0,02 0,05 0,08<br />

(desvio-padrão) (±0,21) (±0,67) (±0,12) (±2,65) (±0,03) (±0,09) (±0,00) (±0,00) (±0,03)<br />

Fluoreto 0,28 0,08 0,32 0,23 0,25 0,13 0,14 1,60 0,09<br />

(desvio-padrão) (±0,32) (±0,01) (±0,13) (±0,16) (±0,27) (±0,16) (±0,15) (±0,00) (±0,01)<br />

Magnésio 2,48 4,33 6,33 9,33 3,50 1,80 1,65 10,00 3,77<br />

(desvio-padrão) (±0,44) (±0,54) (±1,43) (±1,36) (±0,64) (±0,48) (±0,39) (±0,00) (±0,66)<br />

Manganês 0,02 0,02 0,02 0,04 0,05 0,04 0,03 0,04 0,08<br />

(desvio-padrão) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,02) (±0,02) (±0,01) (±0,01) (±0,00) (±0,07)<br />

Mat. Org. 2,00 2,07 2,00 9,73 4,00 3,80 2,00 2,0 2,00<br />

(desvio-padrão) (±0,00) (±0,10) (±0,00) (±1,41) (±1,41) (±2,70) (±0,00) (±0,00) (±0,00)<br />

Nitrato 8,40 3,23 5,08 8,60 7,70 8,40 8,78 0,60 6,9<br />

(desvio-padrão) (±6,48) (±2,70) (±4,49) (±6,66) (±6,62) (±6,68) (±6,57) (±0,00) (±6,08)


45<br />

Parâmetros P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7 P8 P9<br />

N.amoniacal 0,50 0,50 0,50 0,50 0,50 0,57 0,50 0,5 0,50<br />

(desvio-padrão) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,10) (±0,00) (±0,00) (±0,00)<br />

Ph 6,37 7,46 7,46 7,30 7,98 5,25 6,10 7,72 6,07<br />

(desvio-padrão) (±0,90) (±0,32) (±0,55) (±0,26) (±0,16) (±1,06) (±0,46) (±0,00) (±0,62)<br />

Potássio 1,00 0,50 10,63 11,48 1,95 0,43 3,33 3,00 5,07<br />

(desvio-padrão) (±0,12) (±0,04) (±18,47) (±1,67) (±0,18) (±0,21) (±0,20) (±0,00) (±0,55)<br />

Salinidade 48,23 64,03 131,43 140,20 165,70 42,80 57,23 436,00 97,57<br />

(desvio-padrão) (±25,43 (±36,41 (±69,32) (±79,42) (±91,72) (±21,90) (±31,42 (±0,00) (±31,48)<br />

) )<br />

)<br />

STD 67,4 85,16 178,71 182,88 230,03 71,71 76,35 853,10 95,89<br />

(desvio-padrão) (±5,49) (±3,89) (±41,56) (±27,32) (±57,97) (±27,41) (±2,95) (±0,00) (±13,43)<br />

Sódio 4,15 4,58 11,66 45,38 12,18 7,33 8,25 951,80 7,20<br />

(desvio-padrão) (±0,34) (±0,33) (±9,58) (±62,96) (±2,19) (±1,29) (±0,56) (±0,00) (±0,84)<br />

Sulfato 5,56 10,88 10,15 3,60 13,48 4,25 1,00 2537,50 2,40<br />

(desvio-padrão) (±2,11) (±4,05) (±9,77) (±2,65) (±4,36) (±1,76) (±0,00) (±0,00) (±1,97)<br />

Turbidez 15,23 28,73 3,89 100,4 3,40 7,95 5,37 2,78 5,71<br />

(desvio-padrão) (±1,49) (±11,78 (±3,40) (±25,81) (±2,63) (±3,64) (±3,66) (±0,00) (±4,38)<br />

)<br />

Classe 4 4 4 4 4 4 2 4 4<br />

Onde: A.B. - Alcalinidade bicarbonatos; A.C. - Alcalinidade carbonatos; A.H. -<br />

Alcalinidade hidróxidos; Cl res. livre – Cloro residual livre; C.Termo. – Coliformes<br />

termotolerantes (NMP 100 mL-1); C. Totais – Coliformes totais (NMP 100 mL-1); C. E. -<br />

Condutividade elétrica; Mat. Org. – Matéria orgânica; N. amoniacal – Nitrogênio<br />

amoniacal; STD – Sólidos totais dissolvidos. Unidades em mg L-1, exceto para<br />

C.Termotolerantes e C. Totais.<br />

Quanto aos resultados para coliformes termotolerantes, as estações de<br />

amostragem de poços rasos (< 6 m) (P1, P2, P4, P5 e P6), enquadraram-se na<br />

Classe 4 (Figura 3), destacando que a resolução 396/2008 do CONAMA define que<br />

a ausência de coliformes é o limite para diferenciar a Classe 4 das outras. Da<br />

mesma forma, as estações de amostragem P3 e P9, de poços profundos (> 6 m),<br />

enquadraram-se na Classe 4.<br />

Figura 3. Avaliação da qualidade da água utilizando os valores médios (± desviopadrão)<br />

de coliformes termotolerantes, nos pontos de coleta em poços > 6 m e < 6 m,<br />

distribuídos ao longo da bacia hidrográfica do rio Pardo, RS, Brasil.<br />

Devido às atividades antrópicas comprometerem significativamente os<br />

aquíferos da região, apresenta-se a seguir as fontes potenciais de contaminação<br />

identificadas durante o desenvolvimento deste estudo:<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 39-48, 2010


46<br />

a) Perfuração de poços sem a elaboração de projetos construtivos, anotação<br />

de responsabilidade técnica e registro do poço junto aos órgãos competentes. A<br />

inadequada construção, sem vedação sanitária, de poços rasos (P1, P2, P4, P5 e<br />

P6) pode torná-los fontes pontuais de contaminação das águas subterrâneas pela<br />

conexão direta que eles proporcionam entre a superfície e as porções mais rasas<br />

do aquífero com as partes mais profundas.<br />

b) O uso de insumos agrícolas, como agrotóxicos e fertilizantes, tem grande<br />

potencial de contaminação difusa. Valores elevados desta variável foram<br />

observados nos meses de julho e agosto (P1, P4, P5, P6, P7 e P9), meses em que<br />

houve menor volume de chuvas.<br />

Na sua forma natural, as principais restrições ao consumo, identificadas<br />

neste estudo, foram:<br />

a) Problemas localizados de elevada dureza e/ou sólidos totais dissolvidos<br />

nas regiões de ocorrência de lentes de rochas calcárias, como, por exemplo, no<br />

ponto P5 localizado na Formação Santa Maria.<br />

b) Elevados valores de sólidos totais dissolvidos nas porções mais profundas<br />

dos aquíferos, especialmente nas partes confinadas das bacias sedimentares,<br />

como é o caso do P8, localizado em sistema de depósitos aluviais.<br />

c) Ocorrência natural nas rochas de minerais cuja dissolução, localmente,<br />

gera águas com concentrações acima do padrão de potabilidade. É o caso do<br />

ferro e do alumínio nos pontos P1, P2 e P4. Este fato também pode ocasionar um<br />

aumento na turbidez, visto que no caso do excesso de ferro pode produzir uma<br />

cor amarelada à água. Diversos estudos realizados no Estado do Rio Grande do<br />

Sul (LOBO et al., 2000; COSTA et al., 2004) têm mostrado elevados valores de<br />

íons fluoreto nas águas subterrâneas. Nesta pesquisa observou-se excesso desse<br />

mineral apenas no ponto denominado P8 (ponto amostrado apenas no mês de<br />

julho de 2009).<br />

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Os resultados deste estudo indicaram que a qualidade das águas dos poços<br />

com profundidade inferior a 6 metros apresentam-se, de fato, mais vulneráveis<br />

devido a alterações antrópicas, condição evidenciada a partir das variáveis<br />

coliformes totais, coliformes termotolerantes, nitrato e turbidez, cujas<br />

concentrações impossibilitam a utilização destas águas para usos preponderantes.<br />

As elevadas concentrações de turbidez ocorreram basicamente pelo excesso de<br />

chuvas ocorrido no período de setembro a dezembro de 2009, fator também<br />

significativo na alteração da variável nitrato, diminuindo sua concentração neste<br />

período por efeito da diluição. Entretanto, as elevadas concentrações de ferro e<br />

alumínio seriam características naturais de dissolução de rochas.


47<br />

Já a qualidade das águas de poços profundos depende basicamente de suas<br />

características hidrogeológicas e hidrogeoquímicas naturais, em função das<br />

variáveis salinidade, sódio e sulfato. Contudo, estas águas também apresentaram<br />

contaminação por atividades antrópicas, basicamente em função das elevadas<br />

concentrações de nitrato, nos meses de julho e agosto de 2009 nos pontos P1,<br />

P4, P5, P6, P7 e P9, e coliformes termotolerantes, P1, P2, P3, P4, P5, P6 e P9.<br />

REFERÊNCIAS<br />

AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION. APHA. Standard Methods for the<br />

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2004.<br />

BRASIL. Portaria nº 518, de 25 de março de 2004 do Ministério da Saúde. Diário<br />

Oficial, n. 59, de 26 de março de 2004.<br />

CONAMA. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n° 396, de 3 de abril<br />

de 2008. Publicada no Diário Oficial da União nº 66, de 7 de abril de 2008.<br />

COSTA, A. B.; LOBO, E. A.; KIRST, A.; SOARES, J.; GOETTEMS, C. H. Estudo<br />

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Cuiabá. Anais..., Cuiabá: ABAS, 2004, CD-ROM.<br />

COUTINHO, C. F. B., TANIMOTO, S. T., GALLI, A., GARBELLINI, G. S.,<br />

TAKAYAMA, M., AMARAL R. B., MAZO, L. H., AVACA, L. A., MACHADO, S. A. S.<br />

Pesticidas: Mecanismo de ação, degradação e toxidez. <strong>Revista</strong> Ecotoxicologia e<br />

Meio Ambiente, Curitiba, 5: 65-72. 2005.<br />

CPRM. Serviço Geológico do Brasil. Mapa Geológico do Rio Grande do Sul. Escala:<br />

1:750.000. 2008, CD-ROM.<br />

DANTAS, A. B.; PASCHOALATO, C. P. R.; BALLEJO, R. R.;DI BERNARDO, L. Préoxidação<br />

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Diuron e Hexazinona de água subterránea. Eng. Sanit. Ambient. [online]. v.14, n.<br />

3, p. 373- 380. 2009.<br />

FREITAS, A. L. S. Água Subterrânea na Legislação Brasileira de Recursos Hídricos.<br />

Associação Brasileira de Educação Agrícola Superior. 75p. 1997.<br />

LOBO, E. A.; BEN DA COSTA, A.; KIRST, A. Qualidade das águas subterrâneas na<br />

Região do Vale do Rio Pardo e Rio Taquari, RS, Brasil. In: CONGRESSO MUNDIAL<br />

INTEGRADO DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS, 1. 2000, Fortaleza. Anais..., Fortaleza:<br />

ABAS. CD-ROM. 2000.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 39-48, 2010


48<br />

RIO GRANDE DO SUL. Portaria nº 10, de 16 de agosto de 1999, da Secretaria<br />

Estadual da Saúde, do Estado do Rio Grande do Sul. Diário Oficial do Estado do<br />

Rio Grande do Sul, de 27 de agosto de 1999.<br />

SÃO PAULO. Decreto Estadual 12.486, de 20 de outubro de 1978. Norma Técnica<br />

Alimentar N. 60 (NTA-60). 1978.<br />

SPERLING, M. V. Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgotos.<br />

Belo Horizonte: Editora,2005, p. 443.


BIORREMEDIAÇÃO IN SITU COM PERÓXIDOS SÓLIDOS E<br />

SURFACTANTE DE SOLOS CONTAMINADOS<br />

Tiago Bender Wermuth 1<br />

Diosnel Antonio Rodriguez Lopez 2<br />

RESUMO<br />

O presente trabalho objetiva avaliar o uso de peróxidos sólidos com a adição de sais<br />

de fosfato, nitrogênio e surfactante na biorremediação de solos contaminados por<br />

derivados de petróleo. Para isso, coletou-se uma amostra do solo contaminado<br />

durante os trabalhos de recuperação de uma área de um posto de gasolina. A<br />

mesma foi colocada em uma caixa de PVC, dividida em duas partes. Uma parte foi<br />

tratada por meio da adição de peróxido de cálcio, surfactante e superfosfato (fonte<br />

de nutrientes). Já a outra recebeu a aplicação de somente peróxido de cálcio e<br />

superfosfato. Os resultados do tratamento deste solo foram monitorados<br />

semanalmente por meio de medidas da umidade, pH e temperatura. A<br />

descontaminação do solo foi acompanhada pela análise dos compostos Benzeno,<br />

Tolueno, Etilbenzeno, Xileno, TPH-GRO (Gasoline Range Organics), TPH-ORO (Oil<br />

Range Organics) e TPH-DRO (Diesel Range Organics), segundo as normas USEPA<br />

8015D, USEPA 5021A, USEPA 8021B. Os valores mostram que o solo tratado com<br />

peróxido de cálcio, surfactante e superfosfato tiveram resultados semelhantes ao<br />

lado em que não continha o surfactante.<br />

Palavras-chave: Biorremediação. Peróxido de Cálcio. Surfactante. Superfosfato.<br />

ABSTRACT<br />

The present work aims to evaluate the use of solid calcium peroxides along with<br />

addiction of phosphate salts, nitrogen and surfactant on bioremediation of soils<br />

contaminated by petroleum derivates. It was collected a sample of contaminated soil,<br />

during the recovery work of a gas station area. It was located in a PVC box, divided<br />

in two parts. One part was treated with the addiction of calcium peroxide, surfactant<br />

and superphosphate (source of nutrients). The other received the application of<br />

calcium peroxide and superphosphate only. The results of the treatment of this soil<br />

were weekly monitored, through the humidity parameters values, the pH and<br />

1 Graduando em Engenharia Ambiental – UNISC, Bolsista PROBIC- FAPERGS; e-mail:<br />

tiago.haine@gmail.com.<br />

2 Doutor em Engenharia de Materiais, Metalurgia e Meio Ambiente-Berlim-Alemanha, Professor do<br />

Departamento de Engenharia, Arquitetura e Ciências Agrárias e do PPGTA, UNISC; e-mail:<br />

dlopez@unisc.br.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 49-57, 2010


50<br />

temperature follow up. The analysis of the Benzene, Toluene, Ethylbenzene,<br />

Xylene,TPH-GRO ( Gasoline Range Organics), TPH-ORO ( Oil Range Organics) and<br />

TPH-DRO ( Diesel Range Organics) compounds were performed at the Analytical<br />

Solutions Laboratory of the Veritas Bureau Group of São Paulo, SP, Br, according to<br />

the USEPA 8015D, USEPA 5021A, USEPA 8021B rules. The values shown that the soil<br />

treated with calcium peroxide, surfactant and superphosphate had similar reductions<br />

to the side without surfactant.<br />

Keywords: Bioremediation. Calcium Peroxide. Surfactant. Superphosphate.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Os crescentes problemas de contaminação de solo por hidrocarbonetos em<br />

postos de distribuição de combustíveis vêm sendo alvo de inúmeras pesquisas. Esse<br />

tipo de contaminação é muito preocupante uma vez que esses hidrocarbonetos<br />

podem se espalhar por grandes extensões, carregados pelas águas subterrâneas,<br />

comprometendo a qualidade desse recurso e a do solo. A aplicação de técnicas de<br />

biorremediação vem se destacando como uma das estratégias mais promissoras e<br />

eficazes ao tratamento de solos contaminados por hidrocarbonetos de petróleo.<br />

Nesse sentido, o presente trabalho objetiva avaliar o uso de peróxidos sólidos<br />

de cálcio, juntamente com a adição de sais de fosfato, nitrogênio e surfactante, na<br />

biorremediação de solos contaminados por derivados de petróleo.<br />

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

A contaminação de solos por hidrocarbonetos derivados de petróleo vem se<br />

constituindo um desafio para profissionais que atuam na área de saneamento<br />

ambiental, uma vez que os fenômenos geoquímicos e bioquímicos são complexos e<br />

aqueles são catalisados a partir de sua inserção no subsolo.<br />

Quando os combustíveis atingem o solo, seus componentes separamse<br />

em três fases: dissolvida, líquida e gasosa. Uma pequena fração<br />

dos componentes da mistura se dissolve na água do lençol freático,<br />

uma segunda porção é retida nos espaços porosos do solo na sua<br />

forma líquida pura como saturação residual e outra parte dos<br />

contaminantes passíveis de evaporação dão origem à contaminação<br />

atmosférica (NADIM et al., 1999).<br />

Essa complexidade de contaminação também se deve a uma ampla utilização<br />

de diferentes composições de produtos com distintas propriedades, cuja principal<br />

característica é a baixa solubilidade e a pouca persistência do solo. Combustíveis<br />

como a gasolina e o óleo diesel têm na sua composição os hidrocarbonetos<br />

monoaromáticos, como o benzeno, tolueno, etilbenzeno e xilenos, chamados<br />

coletivamente de compostos BTEX. Os mesmos são os constituintes que têm maior<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 49-57, 2010.


51<br />

solubilidade em água e, portanto, são os contaminantes com maior potencial de<br />

poluir o lençol freático.<br />

Nesse caso, a técnica da biorremediação passa a ser uma alternativa eficiente,<br />

pois baseia-se na utilização de micro-organismos para transformar os poluentes em<br />

substâncias com pouca ou nenhuma toxicidade.<br />

Para Alexander (1999),<br />

a eficiência desta técnica consiste na capacidade dos degradadores<br />

microbianos inoculados ou endógenos permanecerem ativos no<br />

ambiente natural. Assim, aumentar a capacidade dos microorganismos<br />

degradadores inoculados por meio da bioaumentação ou<br />

promover a atividade dos micro-organismos degradadores endógenos<br />

por bioestimulação poderia melhorar esta eficiência.<br />

Na bioestimulação, o solo é alterado com nutrientes adicionados, contendo<br />

principalmente nitrogênio e fósforo ou fontes de biossurfactantes conhecidos por<br />

melhorar a biodisponibilidade dos TPH no local, assim, aumentando a eficiência de<br />

biorremediação.<br />

3 METODOLOGIA<br />

O solo contaminado por hidrocarbonetos utilizado na realização do presente<br />

trabalho foi coletado durante os trabalhos de recuperação de uma área de um posto<br />

de gasolina no município de Porto Alegre. O solo coletado foi acondicionado em uma<br />

caixa de PVC, a qual foi dividida em duas partes, de modo que os testes permitissem<br />

a comparação entre a eficiência dos processos utilizados. Na primeira parte,<br />

identificada como lado F, foram adicionadas soluções contendo surfactante CTBA<br />

(546 mgl-1, equivalente a 110% da sua Concentração Miscelar Crítica (CMC),<br />

soluções de peróxido de cálcio (10% vol/vol) e o superfosfato (5 gl-1). Já na<br />

segunda parte, identificada como lado T, utilizou-se somente peróxido de cálcio e<br />

superfosfato nas concentrações já citadas. A Figura 1 ilustra o sistema montado. O<br />

desenvolvimento dos micro-organismos nos solos foi monitorado através da<br />

contagem das Unidades Formadoras de Colônia (UFC), Bactérias e Fungos, realizada<br />

no Laboratório de Diagnóstico Fitossanitário e Consultoria de Porto Alegre/RS. A<br />

descontaminação do solo foi acompanhada pela análise dos compostos Benzeno,<br />

Tolueno, Etilbenzeno, Xileno, TPH-GRO (Gasoline Range Organics), TPH-ORO (Oil<br />

Range Organics) e TPH-DRO (Diesel Range Organics), segundo as normas USEPA<br />

8015D, USEPA 5021A, USEPA 8021B. Para essas análises, amostras de solo foram<br />

retiradas em intervalos de no mínimo 30 dias. A duração total dos ensaios foi de 250<br />

dias.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 49-57, 2010.


52<br />

Figura 1: Divisão do conteúdo da caixa.<br />

Fonte: Registro do autor, 2010.<br />

4 RESULTADOS<br />

O presente trabalho foi desenvolvido entre agosto de 2009 e julho de 2010,<br />

com temperatura média do solo de 17ºC. O pH médio foi monitorado nas duas<br />

partes do sistema, onde, no lado identificado como F, se teve 7,55 durante o período<br />

de tratamento de 250 dias. Já o pH médio encontrado na outra parte, identificada<br />

como lado T, foi de 7,8. Durante a realização dos ensaios, observou-se um aumento<br />

dos valores de pH, com a aplicação de peróxido de cálcio. O ajuste e a manutenção<br />

do pH durante o processo de biorremediação é de extrema importância, visto que a<br />

maioria dos micro-organismos desenvolvem-se melhor com pH 7,0. Hoffman & Viedt<br />

(1998) reportam que pHs na faixa de 5,5 - 8,5 são ideais para a biodegradação de<br />

TPH em solos.<br />

Os resultados da contagem das unidades formadoras de colônia (UFC) de<br />

bactérias e fungos, com a presença de surfactante, se encontram detalhados na<br />

Tabela 1.<br />

Tabela 1: Resultados da quantidade de bactérias e fungos presente no solo<br />

com a presença de surfactante.<br />

Amostra de solo<br />

Contaminado<br />

UFCg -1<br />

de Bactérias<br />

UFCg -1<br />

de Fungos<br />

Bruto 1 x 10 7


53<br />

quais utilizam o oxigênio dissolvido dos peróxidos sólidos e os nutrientes, assim<br />

como os hidrocarbonetos como fonte de carbono, refletindo-se em um aumento da<br />

população microbiológica. A redução do número de bactérias presentes no solo pode<br />

estar associada a uma redução de substrato disponível para o desenvolvimento dos<br />

mesmos, uma vez que a adição de nutrientes e de peróxido continuou nesse período.<br />

Além das bactérias, os fungos desenvolveram um importante papel na<br />

degradação dos hidrocarbonetos presentes no solo. Em relação à contagem das UFC<br />

dos fungos, realizada na amostra bruta do solo estudado, notou-se que a mesma<br />

apresenta um número inicial baixo. Após a aplicação das soluções verificou-se um<br />

aumento significativo de fungos presentes no solo (


54<br />

Resolução nº 420/2009, do CONAMA, que estabelece critérios e valores para a<br />

qualidade do solo.<br />

Em relação à degradação dos TPHs, os resultados são expressos na Figura 3.<br />

3000<br />

Concentrações (mg.kg -1 )<br />

2500<br />

2000<br />

1500<br />

1000<br />

500<br />

0<br />

0 30 60 160 250<br />

TPH -DRO (mg/kg)<br />

TPH-GRO (mg/kg)<br />

TPH-ORO (mg/kg)<br />

TPH-Total (mg/kg)<br />

Tempo (Dias)<br />

Figura 3: Resultados dos TPHs no solo contaminado utilizando surfactante.<br />

Os resultados apresentados acima mostram uma redução na concentração dos<br />

compostos TPH – DRO, ORO e Total. De acordo com os valores obtidos, a remoção<br />

do TPH – GRO foi mais eficiente se comparada aos demais compostos, em função de<br />

o mesmo apresentar uma maior solubilidade em água.<br />

Em relação aos 60 dias de amostragem, observou-se um aumento nas<br />

concentrações dos compostos, o qual também poderia estar associado à<br />

heterogeneidade do solo. Ao final do monitoramento, as taxas de degradação dos<br />

TPH GRO e DRO foram de 86,16% e 27% respectivamente. Da figura, também pode<br />

ser observado que o TPH-ORO não apresentou redução. Isso pode estar associado<br />

ao tamanho desses compostos, que se constitui de moléculas grandes, dificultando a<br />

sua degradação. A partir desses valores, pode-se ressaltar que a degradação do TPH<br />

– GRO foi mais rápida se comparada aos demais compostos, uma vez que estaria<br />

associada ao baixo peso molecular que o TPH – GRO apresenta, o que o torna mais<br />

favorável à biodegradação.<br />

Os resultados da contagem das Unidades Formadoras de Colônias (UFC) de<br />

bactérias e fungos para os 220 dias monitorados no solo sem adição de surfactante<br />

estão apresentados na Tabela 2.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 49-57, 2010.


55<br />

Tabela 2: Resultados da quantidade de bactérias e fungos presentes no solo<br />

sem a presença de surfactante.<br />

Amostra de solo<br />

Contaminado<br />

UFCg -1<br />

De Bactérias<br />

UFCg -1<br />

de Fungos<br />

Bruto 1 x 10 7 < 5000<br />

Após 30 dias 1 x 10 8 3 x 10 10<br />

Após 60 dias 2 x 10 7 1 x 10 10<br />

Após 160 dias 1 x 10 5 Não realizado<br />

Após 220 dias 2 x 10 7 5 x 10 2<br />

Com relação ao desenvolvimento das bactérias, as análises realizadas no solo<br />

demonstraram variações ao longo do período de monitoramento. A população de<br />

bactérias apresentou um aumento após 30 dias de testes, após o qual mostra uma<br />

pequena redução, porém se mantendo constante até o final do teste. Comparado<br />

com os resultados obtidos no solo com adição de surfactante, a população de<br />

bactérias desse solo se mostrou mais elevada, o que poderia indicar que o<br />

surfactante possui efeitos negativos sobre a população de bactérias. Assim, como já<br />

tinha sido descrita anteriormente, a redução no número de micro-organismos pode<br />

estar associada a uma redução no substrato disponível no solo, uma vez que a<br />

adição de peróxido de cálcio juntamente com o superfosfato continuou nesse<br />

período.<br />

Com relação à contagem das UFC dos fungos, verifica-se que após 30 dias de<br />

aplicação da solução houve um aumento significativo na população desses microorganismos<br />

presentes no solo. Após 160 dias de testes, a população de fungos<br />

mostrou uma redução importante, a qual estaria associada à redução dos compostos<br />

mais facilmente degradados por esses micro-organismos presentes no solo.<br />

Em relação aos compostos BTEX presentes no solo, os resultados são<br />

apresentados na Figura 4.<br />

1<br />

Concentrações (mg.kg -1 )<br />

0,8<br />

0,6<br />

0,4<br />

0,2<br />

Benzeno<br />

Tolueno<br />

Etilbenzeno<br />

Xileno<br />

0<br />

0 30 60 160 250<br />

Tempo (Dias)<br />

Figura 4: Resultados BTEX do solo contaminado sem surfactante<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 49-57, 2010.


56<br />

Na amostra enviada para análise após os 30 dias de tratamento sem a presença<br />

de surfactante, foi observado um aumento na concentração de alguns compostos<br />

que compõem o BTEX, como o benzeno, tolueno e o etilbenzeno. O xileno foi o único<br />

composto que apresentou uma redução nesse intervalo de tempo. Em relação à<br />

amostra enviada após os 160 dias de monitoramento, observou-se uma redução<br />

significativa na concentração dos compostos BTEX. A taxa de remoção foi de 80,8%<br />

para o benzeno, 100% para o tolueno, 12,83% para o etilbenzeno e 30,7% para os<br />

xilenos.<br />

Ao final do período de monitoramento, observou-se reduções importantes<br />

desses compostos, ficando as mesmas na ordem de 100%, 100%, 93,58% e 93,52%<br />

para o benzeno, tolueno, etilbenzeno e xileno, respectivamente. Esses compostos<br />

apresentaram comportamento semelhante nos ensaios sem uso de surfactante.<br />

Em relação à redução da concentração dos TPHs (DRO – GRO e ORO), os<br />

resultados se encontram detalhados na Figura 5.<br />

3000<br />

Concentrações (mg.kg -1 )<br />

2500<br />

2000<br />

1500<br />

1000<br />

500<br />

TPH-DRO (mg/kg)<br />

TPH-GRO (mg/kg)<br />

TPH-ORO (mg/kg)<br />

TPH-Total (mg/kg)<br />

0<br />

0 30 60 160 250<br />

Tempo (Dias)<br />

Figura 5: Resultados dos TPHs no solo contaminado sem surfactante.<br />

No intervalo de 0 - 160 dias de testes, não foi observada redução da<br />

concentração desses compostos. Após 250 dias de testes, o TPH – GRO apresentou<br />

uma taxa de remoção de 91%, o que poderia estar associada à biodegradabilidade<br />

desses compostos em função do tamanho de suas moléculas. Nesse período de<br />

testes, os compostos do TPH-DRO e Total também mostraram reduções de 32 e<br />

23%, respectivamente. Quanto aos compostos do TPH – DRO e ORO, os mesmos<br />

apresentaram uma redução importante de suas concentrações, fato esse de grande<br />

importância visto que os mesmos têm por característica possuir grandes cadeias<br />

moleculares, dificultando, assim, a degradação desses compostos por parte dos<br />

micro-organismos.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 49-57, 2010.


57<br />

5 CONCLUSÃO<br />

A partir dos resultados obtidos ao longo do período de tratamento, observou-se<br />

que o lado no qual se tinha adicionado o peróxido de cálcio com o surfactante e<br />

nutrientes ocorreram reduções semelhantes dos compostos BTEX e TPHs no solo no<br />

qual não se fez o uso de um composto para liberar o contaminante do solo. Nos dois<br />

sistemas pesquisados, os valores de BTEX foram reduzidos abaixo dos padrões<br />

recomendados pela normativa do CONAMA 420/2009 para solos contaminados.<br />

Em relação aos compostos do TPH, para ambas as partes do sistema analisado,<br />

observou-se que, primeiramente, foram consumidos aqueles compostos que<br />

apresentaram cadeias menores de carbono (TPH-GRO), e, posteriormente, os<br />

compostos TPH-DRO e o TPH-ORO apresentaram uma menor taxa de degradação<br />

em função das suas maiores cadeias de carbono.<br />

O oxigênio liberado associado aos nutrientes aplicados no solo gerou, ao longo<br />

do trabalho de pesquisa, oscilações na quantidade de micro-organismos, tanto<br />

fungos como bactérias.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ALEXANDER, M. In: Biodegradation and Bioremediation. 2nd ed., San Diego, U.S.A.,<br />

AcademicPress, 1999, p. 453<br />

CONAMA – CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, Resolução nº 420, de 28 de<br />

Dezembro de 2009 – Dispõe sobre critérios e valores orientadores de qualidade do<br />

solo quanto à presença de substâncias químicas e estabelece diretrizes para o<br />

gerenciamento ambiental de áreas contaminadas por essas substâncias em<br />

decorrência de atividades antrópicas.<br />

HOFFMANN, J.; VIEDT, H. Biologische Bodenreinigung Leitfaden für die Praxis.<br />

Berlin: Springer, 1998.<br />

NADIM, F.; HOAG, G. E.; LIU, S.; CARLEY, R. J.; ZACK, P. Detection and remediation<br />

of soil and aquifer systems contaminated with petroleum products: an overview. J. of<br />

Petrol Sci. and Eng., v.26, p.169-178, 1999.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 49-57, 2010.


EPOXIDAÇÃO QUIMIO-ENZIMÁTICA DE ÓLEO DE GIRASSOL<br />

E CANOLA BRUTOS VISANDO O EMPREGO EM PROCESSOS<br />

DE USINAGEM<br />

RESUMO<br />

Manuella Schneider 1 ,<br />

Rosana de Cassia de Souza Schneider 1-2 ,<br />

André Luiz Klafke 2 ,<br />

Wolmar Alípio Severo Filho 1<br />

Os processos de transformação em oleoquímica utilizando biocatalisadores<br />

são alternativas para utilização de metodologias mais limpas e para a realização<br />

de conversões mais seletivas. Neste trabalho investigou-se a produção de<br />

ésteres metílicos epoxidados provenientes dos óleos de girassol e canola<br />

visando a sua utilização na formulação de fluidos utilizados em usinagem. O<br />

sistema catalítico quimio-enzimático de epoxidação foi mediado pela lipase de<br />

Candida antarctica B (CALB -1000 u/g) e peróxido de hidrogênio 30% (v/v). Os<br />

resultados obtidos a partir das análises de RMN 1 H, CG-EM e Índice de iodo<br />

mostraram que a conversão chegou à >99% após 24 h de reação utilizando<br />

ésteres metílicos dos óleos brutos. Os produtos obtidos a partir do óleo de<br />

canola e de girassol brutos apresentam-se em condições de testagem em<br />

formulações para usinagem.<br />

Palavras-chave: Epóxidos. Biocatálise. Girassol. Canola.<br />

ABSTRACT<br />

The oleochemical transformation processes using biocatalysts are<br />

alternatives to the use of cleaner methodologies and for performing more<br />

selective conversions. In this study we investigated the production of<br />

epoxidized methyl esters from sunflower and canola oils for their application in<br />

the formulation of fluids used in machining. The catalytic system of chemoenzymatic<br />

epoxidation was mediated by lipase from Candida antarctica B (CALB<br />

-1000 u / g) and hydrogen peroxide 30% (v / v). The results obtained from the<br />

analysis of NMR 1 H, GC-MS and iodine value showed that the conversion<br />

reached > 99% after 24 h of reaction using methyl esters of crude oils. The<br />

<br />

1<br />

2<br />

Departamento de Química e Física – Universidade de Santa Cruz do Sul, RS, Brasil,<br />

manuellasch@hotmail.com<br />

Programa de Pós-graduação em Tecnologia Ambiental – Universidade de Santa Cruz do Sul,<br />

RS, Brasil.<br />

<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 58-68, 2010


59<br />

products obtained from canola and sunflower crude oil present testing<br />

conditions in the machining formulation.<br />

Keywords: Epoxides. Biocatalysis. Sunflower. Canola.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

As preocupações com o meio ambiente e a crescente poluição fazem com<br />

que estudos de novos processos tenham uma atenção maior visando a<br />

utilização de tecnologias mais limpas. Uma importante alternativa para<br />

obtenção de vários produtos, diminuindo o impacto ambiental são os processos<br />

biocatalíticos, particularmente o uso de enzimas.<br />

As enzimas são geralmente protéicas e a maioria produzida pela<br />

fermentação em um material de base biológica. (LOUWRIER, 1998) Milhares<br />

de enzimas que possuem substratos específicos são conhecidas, porém,<br />

somente uma pequena quantidade tem sido isolada na forma pura, assim como<br />

há pouco conhecimento de sua estrutura e função. (HASAN, 2005)<br />

Os benefícios oferecidos pelas enzimas são especificidade, condições<br />

suaves e redução de perdas. Pode ser possível, escolhendo a enzima correta,<br />

controlar quais substâncias produzir. Dessa forma, a planta industrial concebida<br />

para realizar reações quimio-enzimáticas pode ser construída e operada com<br />

menor investimento e menos custo com energia e tratamento de resíduos.<br />

(HASAN, 2005)<br />

Em 1856, Claude Bernard descobriu lipases no suco pancreático, mas elas<br />

somente foram usadas de forma isoladas em processos industriais em 1908,<br />

por Rohm em tratamentos de couro e em 1911, por Wallterstein na produção<br />

de cerveja. (HASAN, 2005; CHEETAM, 1995)<br />

Conforme as regras oficiais de classificação, as enzimas são divididas em<br />

seis grupos de acordo com tipo de reação que catalisam. As lipases constituem<br />

um importante e valorizado grupo, principalmente por causa de sua<br />

versatilidade e fácil produção em massa. (HASAN, 2005).<br />

O uso desse grupo de enzimas como biocatalisadores vem sendo<br />

explorado recentemente, potencialmente aplicado em indústrias de alimentos,<br />

detergentes, farmacêuticos, couros, têxteis, cosméticos e papéis, entre outros.<br />

Dessa forma, há grandes expectativas de que nos próximos anos os químicos<br />

continuarão a se beneficiar dessa versatilidade. (BJÖRKLING et al., 1992 ;<br />

LARA, 2006)<br />

As lipases (triglicerol acil-hidrolases, EC 3.1.1.3) são parte da família das<br />

hidrolases que atuam sobre ligações de éster carboxílico. Elas catalisam a<br />

hidrólise total ou parcial de triacilglicerol fornecendo diacilgliceróis e<br />

monoacilgliceróis, bem como glicerol e ácidos graxos livres. (HASAN, 2005;<br />

<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 58-68, 2010


60<br />

<br />

CARVALHO, 2002; NETO, 2002) Devido ao baixo teor de água utilizado nessas<br />

reações, esterificação e transesterificação também podem ser realizadas.(SALIS<br />

et al., 2005)<br />

O comportamento regio-, quimio- e enantiosseletivo tem provocado<br />

grande interesse em pesquisadores e segmentos industriais. A<br />

regiosseletividade possibilita a distinção entre outros grupos funcionais somente<br />

com a mudança do meio reacional; a quimiosseletividade determina a atuação<br />

em somente um tipo de grupo funcional mesmo em presença de outros grupos<br />

reativos; também são enantiosseletivas, com a atuação na catálise quiral e a<br />

especifidade pode ser explorada para sínteses seletivas assimétricas.(LARA,<br />

2006; SAXENA; DAVIDSON, 2003)<br />

A área de biocatálise emergiu como uma ferramenta poderosa para a<br />

chamada química verde, o qual leva as indústrias a se comprometerem com o<br />

controle ambiental.( CONTI; MORAN, 2001) Entre as potencialidades de uso das<br />

lipases como biocatalisadoras estão as transformações oleoquímicas. Entre as<br />

aplicações na oleoquímica, a mais importante é a produção de ácidos graxos a<br />

partir de óleos, os quais são importantes intermediários em reações dessa<br />

indústria. (AL-ZUHAIR et al., 2004)<br />

Algumas gorduras são muito mais valorizadas que outras devido a sua<br />

estrutura e os óleos podem ser convertidos em espécies mais úteis, por<br />

exemplo, a produção de manteiga de cacau a partir do fracionamento do óleo<br />

de palma ( AU-KBC, 2011).<br />

A estrutura de triacilgliceróis dos óleos vegetais proporciona qualidades<br />

desejáveis em um lubrificante. Longas cadeias de ácidos graxos fornecem alta<br />

resistência em um filme lubrificante, no qual ocorre uma intensa interação com<br />

superfícies metálicas, reduzindo o atrito e desgaste. Uma preocupação é a<br />

suscetibilidade de ocorrer hidrólise e oxidação do óleo, sendo assim, quantidade<br />

excessiva de água, aquecimento e contato com o ar devem ser evitados, para<br />

reduzir a formação de derivados indesejáveis. ( ERHAN, 2006)<br />

Em busca de solucionar essa deficiência, os epóxidos despertam grande<br />

interesse aos químicos por serem importantes intermediários na obtenção de<br />

diversos compostos. Esta versatilidade está associada à eliminação da ligação<br />

dupla do ácido graxo com a inserção de um oxigênio, formando um anel<br />

oxirano.(CASTANHEIRA et al., 2011)<br />

O método tradicional de epoxidação deve ser conduzido sobre uma<br />

condição ótima de operação se o desejo é atingir a seletividade, além disso, são<br />

realizadas com ácidos peroxicarboxílicos, como ácido peracético, ácido<br />

perfórmico e ácido perbenzóico. Estas metodologias apresentam perigo de<br />

manuseio em escala industrial, além do alto impacto ambiental devido ao<br />

descarte de efluentes do processo. (ARAMENDÍA et al., 2008; NUNES et al.,<br />

2008)<br />

<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 58-68, 2010


61<br />

No método químio-enzimático, certos perácidos oxidam a dupla ligação<br />

C=C, quebrando a ligação π, formando os ácidos percaboxílicos insaturados.<br />

Estes são apenas intermediários da reação e se auto epoxidam em bons<br />

rendimentos sem reações consecutivas.(LARA, 2006; WARWEL; KLAAS, 1995)<br />

Na última década, a indústria vem tentando formular lubrificantes<br />

biodegradáveis com características superiores dos usuais baseados em óleo<br />

mineral. Dessa forma, além da catálise natural, os óleos vegetais são<br />

promissores candidatos como fluido de base em lubrificantes a fim de atingir a<br />

sustentabilidade ambiental. (EHRAN; ASADAUSKAS, 2000)<br />

Alternativas pesquisadas incluem lubrificantes sintéticos, sólidos e de<br />

origem vegetal. Devido ao potencial do óleo vegetal, há a possibilidade de<br />

serem produzidos novos produtos que mantenham propriedades semelhantes<br />

as dos produtos totalmente sintéticos e derivados de matrizes de origem fóssil.<br />

Entre estes produtos estão o éster metílico epoxidado e o biodiesel, que<br />

podem ser obtidos de diferentes óleos vegetais, os quais são de fonte renovável<br />

e contribuem para a captura de carbono da atmosfera. Se os óleos vegetais são<br />

submetidos a modificações químicas em sua estrutura, passam a ser uma<br />

alternativa mais viável de uso. (CAMPANELLA et al., 2010)<br />

Os derivados dos óleos vegetais, funcionalizados ou não, podem ser<br />

utilizados em misturas que compõem fluidos utilizados em atividades de<br />

usinagem. Os fluidos de corte foram empregados para melhorar o desempenho<br />

dos processos de usinagem e ganharam tal importância, sendo essenciais para<br />

a obtenção da qualidade exigida nas peças produzidas. Os fluidos introduzem<br />

uma série de melhorias funcionais e econômicas no processo de usinagem de<br />

metais. Principalmente, redução do coeficiente de atrito, refrigeração e<br />

impedimento da corrosão da peça usinada. (ZEILMANN, 2011)<br />

Entretanto, com uma composição química complexa, os fluidos de corte<br />

tiveram um aumento proporcional de riscos ambientais e ocupacionais.<br />

Bactérias e fungos presentes podem, inclusive, gerar toxinas. (ZEMAN et al.,<br />

1995) Portanto, a utilização de fluidos de corte no processo de usinagem faz da<br />

indústria metal-mecânica uma potencial agressora do meio<br />

ambiente.(OLIVEIRA; ALVES, 2007)<br />

Com base nisso, este trabalho tem como objetivos a produção de éster<br />

metílico epoxidado visando a sua inserção na formulação de fluidos de corte em<br />

operações de usinagem e desta forma contribuir para aumentar a composição<br />

renovável destes fluidos e aproveitar a capacidade produtiva local, utilizando<br />

óleo de girassol e de canola brutos, que possam ser produzidos por agricultores<br />

familiares.<br />

<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 58-68, 2010


62<br />

<br />

2 METODOLOGIA<br />

2.1 Produção de ésteres metílicos dos óleos de canola e girassol<br />

<br />

Os ésteres metílicos, material de partida para as reações de epoxidação<br />

quimioenzimática foram produzidos previamente pela transesterificação do óleo<br />

de girassol e canola na planta piloto de produção de biodiesel da UNISC.<br />

(PORTE et al., 2010)<br />

2.2 Procedimento de epoxidação químioenzimática<br />

<br />

O procedimento foi realizado em sextuplicata com o éster metílico dos<br />

óleos de girassol e de canola. Para a reação, em um erlenmeyer com<br />

capacidade de 500 mL foram adicionados 100 g de biodiesel, 200 mL de<br />

diclorometano (DCM), 200 mL de água deionizada, 100 mL de peróxido de<br />

hidrogênio 30% e 10 g de lipase Novozyme M435®. Em seguida, a amostra foi<br />

colocada no Shaker para agitação orbital M42 da marca Marconi por 24 h a 30º<br />

C. Após essa duração, a enzima foi filtrada com lã de vidro em um funil simples<br />

e recolhida em um funil de separação, a fim de separar a fase contendo o<br />

produto de reação e solvente orgânico, da fase aquosa. Para retirar o<br />

diclorometano desta fase, a amostra foi rota evaporada, restando somente o<br />

óleo epoxidado.<br />

2.3 Teste do índice de Iodo<br />

Pesou-se cerca de 0,2 g da amostra, em um erlenmeyer de 250 mL, o<br />

qual se adicionou 15 mL da solução de ácido acético/cicloexano 1:1.<br />

Posteriormente, pipetou-se 25 mL da solução de WIJS no frasco contendo a<br />

amostra e fechou-se o erlenmeyer em imediato. Deixou-se o erlenmeyer no<br />

escuro por 1 h. Em seguida, adicionou-se 20 mL da solução de iodeto de<br />

potássio a 10% e 100 mL de água deionizada. Titulou-se com tiossulfato de<br />

sódio 0,1 mol L-1, gotejando até o aparecimento de cor laranja. Então,<br />

adicionou-se 2 mL de solução de amido 1% e continuou-se a titulação até o<br />

desaparecimento da cor azulada. Preparou-se a determinação em branco para<br />

cada grupo de amostras. Os valores gastos na titulação da amostra e do branco<br />

foram devidamente anotados e utilizados no cálculo. O índice de iodo foi<br />

expresso em gramas de iodo absorvido em 100 g de amostra.<br />

2.4 Ressonância Magnética Nuclear (RMN) de 1 H<br />

Os espectros de RMN 1H foram obtidos nos espectrômetros Bruker AC 200<br />

MHz, Varian XL-200 e DBX 200 MHZ. As amostras foram preparadas em CDCl3,<br />

utilizando-se como referência o tretrametilsilano (TMS).<br />

A conversão das duplas ligações em respectivos oxiranos foi reconhecida<br />

por RMN 1H utilizando a equação da Figura 1. A é o valor da integral da área<br />

do singleto dos hidrogênios ligados aos carbonos da dupla ligação (hidrogênios<br />

em azul, 5,40 ppm) e B é o valor da integral da área do singleto dos<br />

<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 58-68, 2010


63<br />

hidrogênios ligados aos carbonos do anel oxirano (hidrogênios em 3,10 ppm e<br />

2,90 ppm).<br />

B<br />

Conversão (%) = 100<br />

A + B<br />

H<br />

H<br />

R´ R´´<br />

<br />

H O H<br />

R´ R´´<br />

<br />

<br />

.<br />

Figura 1. Espectro de RMN 1 H de óleo de mamona epoxidado.<br />

<br />

<br />

2.5 Cromatografia Gasosa acoplada a espectrometria de massas (CG-EM)<br />

A análise por CG-EM foi realizada em um equipamento Shimadzu QP 2010<br />

plus com coluna RTz 5MS (30 m x 0,25 mm x 0,25 μm). Para a identificação<br />

dos componentes da amostra foi realizada a análise por similaridade com os<br />

espectros da biblioteca Wiley 229.<br />

2.6 Testes preliminares de emulsão para uso em fluidos de corte<br />

Para testar os epoxidos quanto a possibilidade de formação de emulsões,<br />

foi realizado um teste em laboratório que consistiu em adição de 20ml água<br />

destilada, 10% oleo epoxidado e concentrações variáveis de twen 80 (1%, 25,<br />

4%, 6%). As misturas foram colocadas em shaker com agitação orbital.<br />

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />

<br />

Para o aumento de escala nas reações de epoxidação químio-enzimática<br />

foram realizados experimentos em triplicata para as reações de epoxidação<br />

químio-enzimática. A Figura 2, mostra o espectro do produto da reação<br />

partindo de 100 g de óleo, onde foi possível observar a inexistência de sinais na<br />

região de 5,30 ppm, característica dos hidrogênios vinílicos das duplas ligações<br />

e a presença de sinais na região de 2,90 à 3,10 ppm, característico dos<br />

hidrogênios metínicos do grupamento oxirânico do epóxidos, indicando que a<br />

reação de epoxidação se completou mesmo com um aumento de escala, uma<br />

vez que anteriormente havia sido realizado com massas de até 5 g.<br />

A reprodução deste resultado com diferentes óleos e com usos repetidos<br />

da enzima é importante uma vez que, o emprego dos óleos pode ser conforme<br />

a oferta em períodos de safra agrícola. Com base nisso os resultados<br />

encontrados para a conversão dos óleos de girassol e canola estão<br />

apresentados na Tabela 1. Estes resultados são obtidos com os óleos brutos<br />

extraídos de sementes produzidas na região do Vale do Rio Pardo –RS.<br />

<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 58-68, 2010


64<br />

<br />

Neste teste preliminar de reutilização de enzima observa-se que há uma<br />

variação nos valores encontrados, no entanto, estes valores estão mais<br />

relacionados ao sistema de agitação do que a desnaturação da enzima, uma<br />

vez que, com óleo de girassol refinado já havíamos realizado um reuso de 10<br />

vezes da mesma enzima, com a mesma metodologia.<br />

2<br />

O<br />

H 3 C O<br />

6 5 O 3 O 5 8<br />

CH 3<br />

4 4 1 1 1 1 3<br />

7 7<br />

<br />

R 1<br />

O<br />

R 2<br />

H H<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Figura 2. RMN 1 H EMG epoxidado com 24h de reação em Shaker orbital.<br />

Tabela 1. Conversão dos ésteres metílicos em ésteres metílicos<br />

epoxidados.<br />

Óleos vegetais<br />

Conversão (%)<br />

Enzima nova Reutilização da enzima<br />

Girassol 1 100,0 99,4<br />

Girassol 2 100,0 92,7<br />

Girassol 3 39,9 85,0<br />

Canola 1 76,0 96,0<br />

Canola 2 62,3 -<br />

Assim, é de conhecimento que a utilização de CH 2 Cl 2 /H 2 O na epoxidação<br />

químio-enzimática com CALB, possa ser uma alternativa para redução da<br />

desnaturação desta lipase, pois acredita-se que a CALB fique dissolvida na fase<br />

aquosa diminuindo o contato com o solvente orgânico.<br />

Os resultados encontrados na conversão dos óleos de canola e de girassol<br />

brutos em ésteres metílicos epoxidados podem ser observados nos espectros de<br />

RMN 1 H da Figura 3. Nestes espectros se observam os sinais relativos à<br />

<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 58-68, 2010


65<br />

presença de grupos oxiranos presentes na cadeia carbônica dos produtos<br />

obtidos.<br />

Dentre os produtos analisados por RMN 1 H foi possível constatar que, a<br />

partir do método de epoxidação químio-enzimático, obteve-se maior<br />

seletividade para a produção de epóxido, não sendo observado a abertura do<br />

anel oxirano. No sistema, os ésteres sofreram reação de peridrólise, formando<br />

perácidos e oxidando a mólecula de éster no meio reacional. Estes resultados<br />

foram confirmados por CG-EM, sendo que os produtos de epoxidação dos<br />

principais ésteres metílicos, provenientes do ácido oléico e linoléico, presentes<br />

nos dois óleos, foram observados em tempos de retenção de 24 a 30 min<br />

(Figura 4).<br />

<br />

<br />

Figura 3. Espectros de RMN 1 H dos produtos epoxidados dos ésteres metílicos<br />

de canola (a) e girassol (b) brutos.<br />

De acordo com os principais produtos identificados por CG-EM, é viável a<br />

produção de epóxidos a partir dos ésteres metílicos dos óleos de girassol e<br />

canola, considerando que eles apresentam um alto índice de acidez (acima de<br />

5%) levando a formação dos principais ésteres epoxidados apresentados na<br />

Figura 4.<br />

Figura 4. Cromatogramas dos ésteres metílicos do óleo de canola (EMC), de<br />

canola epoxidado (EMCE), de girassol (EMG) e de girassol epoxidado (EMGE).<br />

<br />

Nos testes preliminares para preparação de emulsões necessárias na<br />

formulação dos fluidos para usinagem foi observado que após a formação da<br />

emulsão, o epóxido, apesar de ser de baixa polaridade permaneceu<br />

emulsionado em água como mostra a Figura 5. Este resultado foi observado<br />

<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 58-68, 2010


66<br />

<br />

para os ésteres metílicos epoxidados dos óleos de girassol e canola e indicam<br />

uma potencialidade de uso destas matérias-primas para a formulação dos<br />

fluidos de corte.<br />

Figura 5. Emulsões com ester metílico de óleo de canola epoxidado.<br />

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

<br />

Os óleos de canola e girassol foram transesterificados e epoxidados com<br />

sucesso, mesmo com o emprego de óleos brutos, o que dificultaria a aplicação<br />

em formulações comerciais se a conversão fosse parcial. As ligações duplas<br />

foram totalmente convertidas e não houve abertura dos anéis oxiranos durante<br />

a epoxidação. Desta forma os produtos obtidos, tanto a partir do óleo de canola<br />

como de girassol, apresentam potencialidade para uso em formulações de<br />

fluidos de corte. Destaca-se também que, além do método utilizado com os<br />

óleos brutos ser viável para a obtenção de ésteres epoxidados, não há<br />

necessidade de purificação do óleo antes da conversão, uma vez que a acidez<br />

do óleo é desejada para que as reações de epoxidação quimio-enzimáticas<br />

aconteçam. Por outro lado, os produtos epoxidados obtidos de diferentes óleos<br />

apresentam grau de epoxidação conforme o número de insaturação original, o<br />

que deverá ser avaliado nos futuros experimentos em formulações insdustriais,<br />

uma vez que é importante a possibilidade de uso de diferentes óleos,<br />

incentivando a diversificação.<br />

AGRADECIMENTOS<br />

PUICvol-UNISC, FAP-UNISC, FAPERGS, CNPq, SCT-RS e Pólo de<br />

Modernização Tecnológica do Vale do Rio Pardo.<br />

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<br />

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<br />

<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 58-68, 2010


Ciências<br />

Humanas


70<br />

ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS<br />

Na área de Ciências Sócias Humanas entre os 51 trabalhos apresentados no<br />

evento, 96% foram de alunos bolsistas de Iniciação Científica da Universidade e 4%<br />

de trabalhos de alunos de Iniciação Científica vinculados a outras Instituições de<br />

Ensino do Estado do Rio Grande do Sul. A maioria dos trabalhos nesta área foi de<br />

bolsistas do Programa UNISC de Iniciação Científica – PUIC, seguida dos Programas<br />

de bolsa de verba externa para pagamentos de bolsas em projetos de pesquisa e<br />

Programas PROBIC/FAPERGS, PIBIC/CNPq e do Programa PUIC voluntário,<br />

apresentados na Figura 05.<br />

25<br />

Trabalhos apresentados na Área de Ciências Humanas no<br />

XVI Seminário de Iniciação Científica da UNISC<br />

Nº de Trabalhos<br />

20<br />

15<br />

10<br />

5<br />

Área de<br />

Ciências<br />

Humanas<br />

0<br />

PUIC<br />

PIBIC/CNPq<br />

PROBIC/FAPERGS<br />

Outras Bolsas<br />

Tipo de bolsa relacionada aos trabalhos apresentados<br />

PUIC VOLUNTÁRIO<br />

Figura 05 – Modalidade de bolsas dos estudantes participantes do XVI Seminário de<br />

Iniciação Científica na Área de Ciências Humanas.<br />

Fonte: Coordenação de Pesquisa, UNISC, 2010.<br />

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DESENHO DA FIGURA HUMANA NA CHUVA – PROPOSTA DE<br />

VALIDAÇÃO NO BRASIL<br />

Emanueli Paludo 1<br />

Vivian Silva da Costa 2<br />

Roselaine Berenice Ferreira da Silva 3<br />

RESUMO<br />

Este trabalho objetiva resgatar o Desenho da Figura Humana na Chuva (DFH-<br />

Chuva), instrumento de avaliação psicológica, usado em crianças, a fim de<br />

identificar o desempenho infantil frente ao teste. Além disso, pretende-se mostrar<br />

associação entre idade, sexo e escola frequentada com a estrutura do desenho.<br />

Foram aplicados o DFH-chuva e o DFH-III para avaliar potencial cognitivo em 215<br />

crianças de escolas públicas e particulares, com idades entre cinco e 12 anos.<br />

Verificou-se a presença de 50,7% de meninos e 49,3% de meninas na amostra.<br />

Desses sujeitos, 32% eram provenientes de escolas particulares e 68% de escolas<br />

públicas. Frente ao DFH-III, para avaliar o desempenho cognitivo, 58% das<br />

crianças apresentaram resultados na média, demonstrando não haver dificuldades<br />

cognitivas nesta amostra. Foi encontrada associação significativa entre idade,<br />

sexo e tipo de escola frequentada com a forma como ela desenha, assim como<br />

alguns indicadores clínicos de avaliação apontados para o instrumento.<br />

Palavras-chave: Avaliação Psicológica. Desenho da Figura Humana. Validade<br />

dos Instrumentos.<br />

ABSTRACT<br />

This work aims to revive the Human Figure Draw in the Rain (HFD-Rain), a<br />

psychological assessment tool used in children to identify children's performance<br />

to the test. Besides we intend to show an association between age, sex and<br />

school attended with the structure of the drawing. Were applied HFD-Rain and<br />

the HFD-III to assess cognitive potential in 215 children from public and private<br />

schools, aged between five and 12 years. There was the presence of 50.7% boys<br />

and 49.3% of girls in the sample. Of these subjects, 32% were from private<br />

schools and 68% of public schools. Faced with the HFD-III, to assess cognitive<br />

1 Acadêmica do Curso de Psicologia, Bolsista PUIC-UNISC.<br />

2 Acadêmica do Curso de Psicologia, UNISC.<br />

3 Dra. em Psicologia, Coordenadora do Laboratório de Mensuração e Testagem Psicológica<br />

(UNISC), Professora-orientadora da pesquisa.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 71-81, 2010.


72<br />

performance, 58% of children showed results on average, showing no cognitive<br />

difficulties in this sample. Was a significant association between age, sex and type<br />

of school the child attends to the way she draws, as well as some clinical<br />

indicators pointed to the assessment instrument<br />

Keywords: Psychological Assessment. Human Figure Draw. Validity Instruments.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

O desenho é uma das formas mais primitivas de comunicação; através da<br />

representação gráfica é possível demonstrar sentimentos e pensamentos. Devido<br />

ao interesse e à espontaneidade das crianças em desenhar, o desenho<br />

caracteriza-se como um importante instrumento de avaliação psicológica infantil,<br />

construindo uma ponte de comunicação por meio da simbolização presente no ato<br />

de brincar e jogar. De acordo com Duarte (2009), nas atividades lúdicas há o<br />

predomínio da ação sobre a linguagem verbal, prevalecendo a comunicação não<br />

verbal e pré-verbal.<br />

Antes do estabelecimento da escrita ou da leitura, o desenho configura a<br />

primeira forma de comunicação apresentada pelas crianças. As produções gráficas<br />

caracterizam-se como uma linguagem simbólica com a qual o inconsciente estaria<br />

se expressando, sendo possível identificar sentimentos, ansiedades, impulsos, até<br />

mesmo conflitos da personalidade - sendo o desenho uma projeção dessa (DI<br />

LEO, 1991).<br />

O Desenho da Figura Humana na Chuva (DFH-Chuva), na visão de Karen<br />

Machover (1967), é um instrumento projetivo que avalia a forma como o sujeito<br />

vivencia as pressões do meio ambiente, pois o elemento chuva representa as<br />

pressões externas vivenciadas pelo sujeito e a forma como tais experiências são<br />

sentidas.<br />

Ao usar instrumentos psicológicos é importante certificar a validade e o valor<br />

dos significados dos itens. Entretanto, decompor o desenho em detalhes isolados<br />

faz a avaliação psicológica tornar-se questionável e nosso papel não é enquadrar<br />

um individuo dentro de determinadas características que o rotulem em padrões<br />

de normal ou anormal, mas sim descrever aspectos desenvolvimentais,<br />

emocionais, de personalidade.<br />

Todavia, o DFH-Chuva não possui validade de uso no Brasil. Nesse sentido,<br />

este estudo visa demonstrar evidências de validade desse instrumento em uma<br />

amostra de 215 crianças, meninos e meninas de cinco a doze anos,<br />

frequentadoras de escolas públicas e particulares, de cidades do interior do Rio<br />

Grande do Sul.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 71-81, 2010


73<br />

2 O DESENHO DA FIGURA HUMANA NA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA<br />

Inicialmente, o DFH 4 surgiu com uma proposta psicométrica, na tentativa de<br />

avaliar características intelectuais. Binet e Simon, em 1905, analisaram o desenho<br />

como sendo possível de ser empregado em testes de desenvolvimento mental e<br />

de aptidões específicas, como também em testes para diagnósticos especiais<br />

(VAN KOLCK, 1984).<br />

Estudos sistematizados sobre DFH apareceram em torno de 1906, com a<br />

investigação de Lamprecht que comparou desenhos de crianças de diferentes<br />

países, tentando encontrar pontos comuns nos traçados e conceitos. Igualmente,<br />

o pesquisador francês Claparède, em 1907, demonstrou interesse por aspectos<br />

evolutivos do desenho infantil para tentar averiguar se haveria relação entre<br />

habilidade para desenho e capacidade intelectual da criança, demonstrada pelo<br />

rendimento escolar (WESCHLER, 2003).<br />

Em 1926, a contribuição de Goodenough foi fundamental; a autora<br />

sistematizou um método destinado a avaliar o desenvolvimento intelectual infantil<br />

por meio do DFH. Desde essa época, o DFH tem se revelado uma das técnicas<br />

mais utilizadas para avaliar o desenvolvimento cognitivo, por ser uma medida não<br />

verbal conhecida por qualquer criança, de fácil aplicação e baixo custo.<br />

Além do entendimento no nível da cognição, pesquisadores como Koppitz<br />

(1988), Di Leo (1991), Hammer (1991), Cormann (2003) e Machover (1967)<br />

entendem que, através do desenho, é possível realizar análise da personalidade<br />

do sujeito. Os elementos gráficos falam mais sobre o sujeito do que sobre o<br />

desenho propriamente dito. O pressuposto que norteou estudos desses<br />

pesquisadores dizia respeito à ideia de que os desenhos de crianças poderiam ser<br />

vistos como indicadores do desenvolvimento psicológico.<br />

Koppitz, em 1988, com base nos estudos de Goodenhough e Machover, e<br />

trabalhando com crianças de 5 a 12 anos, elaborou uma lista de indicadores<br />

emocionais, consistindo em uma escala própria de índices gráficos que permitem<br />

tanto a avaliação do nível de maturação mental, como a detecção e avaliação de<br />

distúrbios emocionais (VAN KOLCK, 1984). Esse sistema permitiu uma verificação<br />

da frequência de itens esperados, comuns, incomuns ou excepcionais para cada<br />

faixa etária (COX, 1991).<br />

Machover (1967) publicou os resultados de suas observações clínicas sobre<br />

a representação gráfica de figuras humanas desenhadas por crianças e adultos<br />

que apresentavam diversos problemas psicológicos, fornecendo, dessa forma, um<br />

caráter projetivo ao Desenho da Figura Humana, enquanto método de avaliação<br />

da personalidade.<br />

4 No decorrer do artigo, o Desenho da Figura Humana será referido como DFH.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 71-81, 2010


74<br />

Campos (1994) salienta que o sujeito não desenha apenas o que vê, mas o<br />

que sente em adição ao que vê. Wechsler (2003) complementa dizendo que nem<br />

sempre a criança desenha o que vê, mas o que sabe sobre si, muitas vezes pelo<br />

que outras pessoas lhe falam. Para Hutz e Bandeira (2000), o desenho pode ser a<br />

representação de aspectos do indivíduo, como aspirações, preferências, pessoas<br />

vinculadas a ele, imagem ideal, padrões de hábitos, atitudes com o examinador e<br />

a situação de testagem.<br />

Para Pasian, Okino e Saur (2004) a experiência individual de vida influencia<br />

as elaborações projetivas. Para Hammer (1991), seja pela estrutura ou pelo<br />

conteúdo do desenho, a comunicação gráfica é capaz de manifestar a<br />

personalidade individual, além de padrões culturais, constituindo, assim, formas<br />

como a pessoa pode se representar, a partir do conceito de autoimagem, self<br />

ideal ou percepção de pessoas significativas para o sujeito.<br />

Para que um teste possa ser utilizado na prática do psicólogo é preciso<br />

haver uma verificação e consequente aprovação por meio do cumprimento de<br />

critérios que satisfaçam a um protocolo estabelecido pelo Conselho Federal de<br />

Psicologia - CFP, que envolve estudos de padronização, normatização,<br />

fidedignidade e validade, comprovando a eficiência do instrumento frente ao que<br />

se propõe avaliar (TAVARES, 2003).<br />

O estudo de validação de um instrumento é de fundamental importância,<br />

pois é por meio da validade que podemos entender e comprovar as funções de<br />

um instrumento, seus objetivos, suas vantagens e também limitações. Para<br />

Tavares (2003), o conceito de validade está para além do cumprimento de<br />

normas estatísticas, numa visão positivista, mas leva em consideração a literatura<br />

já existente que nos permite associar o significado e compreender a qualidade e<br />

os significados dos resultados do instrumento e da avaliação.<br />

Desta forma, percebem-se vários estudos, na atualidade, acerca da Figura<br />

Humana, enquanto técnica projetiva. Tal fato reforça a ideia de que os<br />

pesquisadores estão preocupados com a cientificidade do instrumento. Além<br />

disso, diversos encontros científicos voltados à discussão da avaliação psicológica<br />

se constituem, cada vez mais, num momento de reflexão e questionamentos<br />

sobre a legitimidade das técnicas projetivas enquanto instrumentos efetivamente<br />

confiáveis para a avaliação psicológica.<br />

Todavia, os testes gráficos de desenhos necessitam estudos padronizados<br />

para serem autorizados no uso em avaliação psicológica. Nesse sentido,<br />

atualmente, apenas o HTP (BUCK, 2003), DFH (SISTO, 2005) e DFH-III<br />

(WECHSLER, 2003) possuem evidências de validade que demonstram eficácia no<br />

momento de avaliar. O DFH na Chuva encontra-se em estudo de validação,<br />

proposto pelo Laboratório de Mensuração e Testagem Psicológica da Universidade<br />

de Santa Cruz do Sul, sendo tal estudo exposto a seguir.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 71-81, 2010


75<br />

3 METODOLOGIA<br />

Participantes<br />

Participaram deste estudo 215 crianças, com idades de cinco a doze anos,<br />

oriundas de escolas públicas e particulares dos Vales do Rio Pardo e Taquari,<br />

interior do Rio Grande do Sul. Dessa amostra, 52,1% eram do sexo feminino e<br />

47,3% eram do sexo masculino, frequentando do pré-primário à sexta série.<br />

Instrumentos<br />

1- Teste Gestáltico Visomotor de Bender<br />

O Teste Gestáltico Visomotor de Bender - também conhecido como Bender –<br />

foi desenvolvido por Lauretta Bender. O instrumento é composto por nove cartões<br />

em cor branca com estímulos pretos formados por linhas contínuas, pontos,<br />

curvas sinuosas ou ângulos, sendo solicitado que as crianças copiem as figuras.<br />

2- O Desenho da Figura Humana (DFH-III)<br />

Este instrumento foi validado para a amostra brasileira por Wechsler (2003).<br />

A ordem dada é que seja desenhada uma pessoa de cada sexo; a partir desses<br />

desenhos é feita a avaliação do desenvolvimento cognitivo de crianças de seis a<br />

doze anos de idade.<br />

3 - O Desenho da Figura Humana na Chuva<br />

Para execução desta tarefa é fornecida uma folha de papel A4 branca, lápis<br />

preto número 2 e borracha. Solicita-se à criança que desenhe uma pessoa na<br />

chuva.<br />

4 – CBCL (Child Behavior Checklist)<br />

É um instrumento criado no final da década de 70 por Thomas Achenbach,<br />

nos Estados Unidos. É composto por 138 itens destinados à avaliação de<br />

competência social e de problemas de comportamento, através da percepção dos<br />

cuidadores.<br />

Procedimento<br />

A partir da aprovação do projeto pelo Comitê de Ética, foi estabelecido<br />

contato com determinadas escolas das regiões do Vale do Rio Pardo e Taquari.<br />

Após aceitação das escolas e indicação das turmas para a aplicação dos<br />

instrumentos, foi entregue para cada criança um kit contendo carta de<br />

apresentação sobre a pesquisa, dois termos de consentimento livre e esclarecido,<br />

uma ficha de informação sobre a criança e um CBCL. Com autorização dos<br />

responsáveis, as crianças participaram da aplicação dos instrumentos de forma<br />

individual, em salas vagas nas escolas, realizada por estudantes do curso de<br />

Psicologia-UNISC, também responsáveis pela avaliação e análise dos desenhos.<br />

Com a obtenção dos resultados, foram realizadas análises através do<br />

programa estatístico SPSS for windows 17.0. Primeiro os dados foram analisados<br />

por estatística descritiva, determinando frequências, médias e desvio-padrão. Em<br />

seguida foi realizado estudo de associação entre idade, sexo, tipo de escola e<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 71-81, 2010


76<br />

itens do DFH-Chuva, por meio do teste de qui-quadrado de Pearson,<br />

considerando nível de significância 0,05 (p


77<br />

Tabela 2 - Distribuição da Frequência dos Resultados no DFH-III<br />

Classificação N Percentual<br />

Abaixo da média 66 30,7<br />

Média 95 43,8<br />

Acima da média 54 24,4<br />

Total 215 100,0<br />

Além disso, a amostra pode ser considerada normativa, mesmo com alguns<br />

desvios de resultados para cima ou para baixo da média. Todavia, tais desvios<br />

não representam ser significativos na alteração dos resultados.<br />

No momento em que a criança desenha, ela deve inserir elementos<br />

estruturais e gráficos importantes, como presença de cabeça, olhos, mãos, nariz,<br />

corpo, pernas, pés. Na correção do teste, vai importar a análise do tamanho da<br />

figura desenhada, presença de movimento na pessoa ou no desenho (como<br />

presença de vento), ou características gráficas, como pressão do lápis, tipo de<br />

traçado e posição na folha.<br />

Associando tais elementos estruturais e de correção, foi possível identificar<br />

associação positiva entre alguns detalhes, como:<br />

- Presença de nariz, orelhas, ombros e mãos com a idade da criança<br />

(p


78<br />

4.2 Estudo sobre Escola Frequentada e DFH-Chuva<br />

A tabela abaixo proporciona a visualização acerca da quantidade de escolas<br />

públicas e particulares na amostra. Dessa forma, é possível identificar a presença<br />

maior no estudo de crianças de escolas públicas (estaduais e municipais).<br />

Tabela 3 - Distribuição de Frequência por Escolas<br />

Escola N Percentual<br />

Pública 149 69,3%<br />

Particular 66 30,7%<br />

Total 215 100%<br />

Associando elementos estruturais do DFH-chuva foi possível identificar que<br />

presença de guarda-chuva, seu tamanho e localização tiveram associação positiva<br />

com o tipo de escola frequentada pela criança (p


79<br />

Tais resultados permitem algumas elucubrações, como o fato de que a<br />

presença de dentes, segundo a literatura, simboliza questões relacionadas a<br />

sentimentos agressivos. Portanto, o desenho de dentes muito destacados pode<br />

acarretar o entendimento de que a criança esteja projetando seus instintos<br />

agressivos, como sentimentos impulsivos. Sendo em meninos, esses podem estar<br />

demonstrando mais sua agressividade e impulsividade, podendo ser um elemento<br />

cultural. Ao mesmo tempo, a associação de vestimenta com o sexo feminino pode<br />

evidenciar a projeção da menina em desenhar o que é considerado belo, como<br />

seu corpo com a devida vestimenta, sendo esse outro dado cultural.<br />

4.4 Estudo sobre DFH-Chuva e Indicadores de Personalidade<br />

O DFH - chuva é um teste proposto por Karen Machover (1967) que tem por<br />

finalidade investigar características de personalidade. Utiliza-se do caráter<br />

simbólico do elemento chuva para verificar como os sujeitos vivenciam as<br />

pressões ambientais. Nesse sentido, um dos elementos de correção desse<br />

instrumento é o guarda-chuva, que representa a proteção do sujeito frente às<br />

pressões externas ou a situações de estresse vivenciadas no cotidiano.<br />

A tabela abaixo demonstra a frequência de crianças consideradas com<br />

distúrbios internalizantes e externalizantes pelo CBCL (ACHENBACH, 2001).<br />

Tabela 5 - Distribuição de Frequência de Distúrbios no CBCL<br />

Classificação N Percentual<br />

Internalizantes 45 23,8%<br />

Externalizantes 31 16,4%<br />

Total 215 100,0<br />

Foram encontradas associações significativas entre os distúrbios<br />

externalizantes com alguns itens de correção do DFH-Chuva, como: o tamanho da<br />

cabeça e a presença de vestimentas no desenho (p


80<br />

5 CONCLUSÃO<br />

Cabe ressaltar que este estudo encontra-se em andamento; para validar um<br />

instrumento psicológico é preciso uma amostra com número maior de crianças.<br />

Entretanto, até o momento, percebe-se a sensibilidade do DFH-Chuva em<br />

identificar externalização de pressões vivenciadas, questões desenvolvimentais e<br />

projeção de aspectos culturais.<br />

Neste estudo, observou-se que o instrumento enfocado nesta pesquisa, o<br />

Desenho da Figura Humana na Chuva apresenta resultados positivos em<br />

comparação com instrumentos que já possuem validade e certificados pelo<br />

Conselho Federal de Psicologia - CFP, que foram utilizados para relacionar os<br />

resultados - DFH-III e CBCL.<br />

A partir da relação positiva (p


81<br />

HAMMER, E. F. A Técnica Projetiva do Desenho da Casa-Árvore-Pessoa:<br />

interpretação do conteúdo. In: HAMMER, E. F. (Org.). Aplicações clínicas dos<br />

desenhos projetivos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1991.<br />

HUTZ, C. S. E BANDEIRA, D. R. Desenho da Figura Humana In: CUNHA, J. A.<br />

Psicodiagnóstico - V. 5ª ed., revisada e ampliada. Porto Alegre: Artmed, 2000.<br />

MACHOVER, K. O Traçado da Figura Humana: um método para o estudo da<br />

personalidade. In: ANDERSON, H. H.; ANDERSON, G. L. (Org.). Técnicas<br />

projetivas do diagnóstico psicológico. São Paulo: Mestre Jou, 1967.<br />

PASIAN, S. R.; OKINO, E. T. K.; SAUR, A. M. Padrões normativos do Desenho da<br />

Figura Humana em adultos. In: Vaz, C. E.; Graeff, R. L. (Orgs.). Técnicas<br />

projetivas: produtividade em pesquisa. Anais do 3º Congresso Nacional da<br />

Sociedade Brasileira de Rorschach e outros métodos projetivos. Porto Alegre:<br />

SBRO, 2004.<br />

SILVA, R. B. F.; FEIL, C. F.; NUNES, M. L. T. O Teste Gestáltico Visomotor de<br />

Bender na avaliação clínica de Crianças. Psico-USF. v.14, n.2, p. 185-192, 2009.<br />

SISTO, F. F. Desenho da figura humana: escala sisto. São Paulo: Vetor Ed., 2005.<br />

TAVARES, M. Validade Clínica. Psico-USF, v.8, n.2, p.125-136, jul./dez. 2003.<br />

VAN KOLCK, O. L. Testes projetivos gráficos no diagnóstico psicológico. São<br />

Paulo: EPU, 1984.<br />

WECHSLER, S. M. DFH-III: O desenho da figura humana: avaliação do<br />

desenvolvimento cognitivo de crianças brasileiras. Campinas: Impressão Digital,<br />

2003.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jovens</strong> <strong>Pesquisadores</strong>, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 71-81, 2010


LEITURA E INFÂNCIA: A PRODUÇÃO DOS MODOS DE SER E<br />

PRÁTICAS DE LEITURA<br />

Karen Cristina Cavagnoli 1<br />

Betina Hillesheim 2<br />

Lílian Rodrigues da Cruz 3<br />

RESUMO<br />

Este trabalho propõe discutir a produção da infância em relação à prática da<br />

leitura. Para isso, a partir dos sentidos produzidos sobre a leitura na perspectiva<br />

das crianças leitoras, considera-se tais práticas como território de produção de<br />

sujeitos. Entende-se que a prática da leitura produz modos de existência, os quais<br />

não se referem somente às crianças, mas também às maneiras pelas quais os<br />

adultos as compreendem e se relacionam com elas e consigo. A produção de<br />

dados ocorreu a partir da realização de grupos focais formados por crianças de 4ª<br />

série do ensino fundamental. Os resultados apontam para sentidos distintos, mas<br />

que se entrecruzam: leitura associada ao prazer e à obrigação; leitura<br />

pressupondo tempos e espaços. Tais marcadores evidenciam a produção de um<br />

leitor no âmbito das práticas de leitura que passa preferencialmente pelo discurso<br />

pedagógico.<br />

Palavras-chave: Infância. Leitura. Modos de Subjetivação<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A prática da leitura pode ser entendida como um território onde se<br />

constroem sujeitos e que assume diversas características em cada momento<br />

histórico. Desse modo, este estudo investiga quais as relações entre a prática da<br />

leitura e a infância, uma vez que as composições possíveis entre leitura e infância<br />

1 Acadêmica do Curso de Psicologia da Universidade de Santa Cruz do Sul –(UNISC). Bolsista do<br />

Programa de Iniciação Científica do CNPq – PIBIC. E-mail: karenzotti@yahoo.com.br<br />

2 Doutora em Psicologia (PUCRS), docente do departamento de Psicologia e do Mestrado em<br />

Educação da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). – betinahillesheim@gmail.com<br />

3 Doutora em Psicologia (PUCRS). Docente e pesquisadora do departamento de Psicologia da<br />

Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Bolsista de Pós-Doutorado Júnior do CNPq. –<br />

liliancruz2@terra.com.br<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 90-97, 2010.


83<br />

resultam nas mais variadas formas de compreender e de se relacionar com as<br />

crianças.<br />

A noção da infância como construção social implica refutar quaisquer ideias<br />

essencialistas sobre a mesma, desnaturalizando esse conceito e abrindo a<br />

possibilidade de se pensar sobre as condições históricas, políticas, econômicas e<br />

sociais que tornaram possível pensar o que venha a ser infância.<br />

Áries (1981) discute como a noção moderna de infância consolidou-se a<br />

partir do século XVII; entretanto, tal concepção é, muitas vezes, entendida como<br />

atemporal, pressupondo a existência de uma natureza infantil. Apesar de esse<br />

autor utilizar a expressão ‘descoberta da infância’, Ghiraldelli (2000) considera<br />

que os seus estudos não apontam para uma noção da infância como uma etapa<br />

natural da vida dos seres humanos que sempre existiu e somente necessitava ser<br />

reconhecida como tal, mas como uma ‘invenção’, ou seja, algo que é montado a<br />

partir de novas formas de ver e dizer sobre a infância.<br />

Os estudos de Ariès (1981) identificam esta construção da infância a partir<br />

de dois sentimentos: a paparicação (visto que as crianças encantavam e distraíam<br />

os adultos) e a preocupação com a racionalidade dos costumes e com a disciplina<br />

(que se originou, de certo modo, como reação aos efeitos da paparicação e que<br />

proveio de fontes externas à família, tais como eclesiásticos e juristas, que<br />

entendiam as crianças como seres frágeis que necessitavam de proteção,<br />

orientação moral e disciplinamento). Além disso, destaca a importância da escola<br />

no processo de construção da infância moderna. No século XIII as escolas não<br />

tinham o objetivo de ensino, mas se constituíam em asilos para estudantes<br />

pobres. É a partir do século XV que as escolas tornaram-se instituições não<br />

apenas de ensino direcionadas a populações numerosas, mas também de<br />

vigilância e esquadrinhamento das condutas infantis.<br />

No que se refere à literatura infantil, essa surge a partir de uma série de<br />

modificações que ocorrem a partir do século XVIII, filiando-se à instituição escolar<br />

em seu propósito de construção de uma sociedade burguesa. Dessa maneira, a<br />

literatura infantil, desde seu início, é vinculada à pedagogia (ZILBERMAN;<br />

MAGALHÃES, 1987). Como salienta Zilberman (2001), a primeira e mais<br />

duradoura teoria da leitura priorizou o papel do ensino e da pedagogia, partindo<br />

da alfabetização como forma de chegar ao texto literário, ‘lócus’ privilegiado da<br />

leitura e destinado à elite intelectual. É a partir da necessidade, gerada pelo<br />

capitalismo, de qualificar a mão de obra e também de constituir um mercado<br />

consumidor, que a teoria da leitura não pôde mais ser atrelada somente à<br />

literatura. O letramento tornou-se, assim, um segmento independente das teorias<br />

da leitura na área da educação.<br />

Com a Modernidade, é implantada a escolarização abrangente, ocupando-se<br />

a escola, em conjunto com outras instituições, da governamentalidade 4 da<br />

4 O conceito de governamentalidade foi desenvolvido por Foucault (2006) e é entendido como<br />

um conjunto de práticas de governamento que têm na população seu objeto e que busca<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 90-97, 2010.


84<br />

população, especialmente a infantil, e de seu disciplinamento. A escola, através<br />

do discurso pedagógico, produz a infância, tornando-a uma infância-escolar, a<br />

qual é examinada, enquadrada e normalizada (CORAZZA, 2000).<br />

Este trabalho investigou quais os sentidos produzidos sobre a leitura na<br />

perspectiva das crianças e quais as implicações da prática da leitura na<br />

construção da infância. Para tanto, como procedimentos metodológicos, foram<br />

realizados seis grupos focais 5 , formados por 6 a 8 crianças, de ambos os sexos,<br />

da 4ª série do ensino fundamental, estudantes de uma escola particular e de<br />

duas escolas públicas, em uma cidade brasileira de médio porte. A seguir,<br />

discute-se os resultados desta pesquisa, os quais apontam para sentidos distintos,<br />

mas que se entrecruzam: leitura associada ao prazer e à obrigação; leitura<br />

pressupondo tempos e espaços.<br />

2 COMPONDO SENTIDOS SOBRE A LEITURA<br />

A partir da produção de dados, percebe-se que, para as crianças, o ato de<br />

ler é marcado por dicotomias: prazer x obrigação, liberdade x aprisionamento.<br />

Para as crianças, ler é tanto sinal de inteligência 6 , possibilidade de aprendizagem<br />

dos conteúdos escolares, exercício para o cérebro e forma de atender às<br />

exigências adultas, como fuga, viagem para outro mundo, diversão e prazer.<br />

Estas falas infantis remetem ao lugar atribuído socialmente à leitura, ou<br />

seja, que esta se constitui como imprescindível para a formação infantil, na<br />

medida em que se compreende a infância como uma fase de preparação para a<br />

vida adulta. Embora a leitura adquira para as crianças um caráter ligado ao<br />

prazer, também está fortemente vinculada ao pedagógico, ou seja, a leitura<br />

aparece como veículo para o saber e, especialmente, para o mundo adulto, sendo<br />

que ler é algo valorizado pelo que pode ensinar.<br />

Ressalta-se, seguindo Narodowsky (2001), os seguintes enunciados que<br />

conformam a pedagogia moderna, os quais são complementares: a infância<br />

caracteriza-se tanto como um conjunto de carências como um campo de análise,<br />

necessitando da educação para superar sua condição de inferioridade. Desse<br />

modo, “a pedagogia pedagogiza a infância na medida em que já não vai ser<br />

extrair dela seu saber, encontrando nos dispositivos de segurança seus mecanismos básicos<br />

(MACHADO, 1992).<br />

5 Grupos focais são uma ferramenta de entrevista em grupo, na qual, a partir de um tema<br />

gerador, há a possibilidade de interação e argumentação entre os participantes. Para ser<br />

eficaz, o número de participantes não deve ser excessivo e a temática deve ser delimitada,<br />

sendo que o pesquisador apresenta algumas questões abertas, propiciando a expressão dos<br />

participantes (LAVILLE; DIONNE 1999). Ceres Víctora, Daniela Knauth e Maria de Nazareth<br />

Hassen (2000) colocam que se trata de uma técnica qualitativa na qual tópicos ou focos são<br />

explorados com o auxílio de um facilitador, podendo ser utilizado sozinha ou com outras<br />

técnicas associadas.<br />

6 No decorrer do texto, as falas das crianças, quando literais, encontram-se em itálico.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 90-97, 2010.


85<br />

possível pensar a infância sem recorrer a categorias e conceitos pedagógicos” (p.<br />

187).<br />

Ao invés de compreender prazer e obrigação como opostos, podemos<br />

colocá-los como faces de uma mesma produção discursiva: na medida em que se<br />

encontra prazer na leitura (e aqui se aponta todo o mercado livreiro voltado para<br />

o público infantil, assim como as prescrições direcionadas a pais e professores no<br />

sentido de incentivar as crianças, desde muito pequenas, à leitura), atinge-se<br />

mais plenamente o objetivo final. Goulart (2000), em uma pesquisa sobre os<br />

catálogos de livros infantis, pontua os discursos que colocam a leitura a partir de<br />

um imperativo do prazer no intuito de governar a infância, isto é, agindo no<br />

disciplinamento e controle dos corpos infantis. O uso do termo governo é aqui<br />

empregado em uma perspectiva foucaultiana, para a qual esta é uma questão<br />

que emerge no século XVI, aliando-se ao poder disciplinar e referindo-se a<br />

problemas muito diversos, tais como o governo de si, o governo das almas, das<br />

condutas, das crianças, das mulheres, dos doentes, etc. O governo implica, assim,<br />

dispor das coisas, com o propósito de alcançar determinadas finalidades,<br />

utilizando-se mais de táticas do que de leis (FOUCAULT, 2003).<br />

Outro aspecto a ser salientado é que, usualmente, a leitura cola-se à<br />

literatura; contudo, apesar do lugar de destaque dado ao livro, as crianças<br />

associam o ato de ler a variados artefatos: jornal, revista, camiseta, placa de<br />

trânsito, etiqueta de roupa, contrato, manual de instruções, etc. Porém, o texto<br />

literário como fim a ser alcançado ocasiona a desvalorização da leitura de outros<br />

artefatos culturais, o que é lembrado, de forma bem-humorada, na epígrafe do<br />

livro ‘Leituras à revelia da escola’: “– Vão guardando estas revistinhas aí, que a<br />

aula agora é de leitura, interpretação de texto!” (MAFRA, 2003).<br />

Assim como há a desvalorização desses outros artefatos (como é o caso dos<br />

gibis, citados acima), percebe-se uma hierarquização no que se refere ao próprio<br />

objeto livro. Da mesma forma como a adjetivação infantil confere à literatura uma<br />

diminuição do valor artístico da obra, a qual é entendida como uma literatura<br />

‘menor’ (LAJOLO e ZILBERMAN, 1999), as crianças consideram que um livro<br />

pequeninho, repleto de imagens, é mais infantil que aqueles que são mais<br />

volumosos e com bastante texto. As falas das crianças vêm marcar nitidamente<br />

quais os tipos de leitura direcionados às mesmas, explicitando-se, assim, uma<br />

desvalorização do que é infantil, compreendido como de leitura facilitada.<br />

Portanto, as crianças avaliam a si próprias e a leitura em relação aos adultos; ler<br />

livros com muito texto aproxima-as do universo adulto, fazendo-as sentirem-se<br />

mais capazes.<br />

Nessa perspectiva, Mortatti (2000) coloca que o qualificativo infantil vinculase<br />

a um leitor previsto, marcando determinadas concepções de infância, as quais<br />

tomam como parâmetro o adulto, sendo a criança considerada como um ser ‘em<br />

desenvolvimento’ que necessita da escolarização para assumir seu lugar na<br />

sociedade.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 90-97, 2010.


86<br />

3 MODOS DE LER E A CONSTRUÇÃO DA CRIANÇA LEITORA<br />

Historiadores das práticas de leitura, tais como Chartier (1999), apontam<br />

que é recente a ideia da leitura como um ato privado, realizado de forma<br />

individual e na intimidade. Nos meios urbanos, entre os séculos XVII e XVIII,<br />

existia todo outro conjunto de relações com os textos que passava pelas leituras<br />

coletivas, decifrados uns pelos outros e muitas vezes com uma elaboração<br />

partilhada por todos.<br />

Além disso, como lembra Goulemot (1996), a leitura supõe determinadas<br />

posições do corpo: o corpo leitor cansa ou fica sonolento, boceja, experimenta<br />

várias dores, encontra-se sentado, deitado ou estirado, etc. Há ainda uma história<br />

de representações sobre a leitura, que inclui, por exemplo, fotos ou pinturas que<br />

retratam o leitor, que carregam consigo modelos do ato de ler. Livro e corpo<br />

entrelaçam-se, sendo a escola um espaço significativo no disciplinamento do<br />

corpo, impondo atitudes consideradas adequadas ao leitor (como, por exemplo,<br />

cabeça entre as mãos sugerindo uma leitura profunda).<br />

No presente estudo, as crianças referiram que as primeiras experiências de<br />

leitura ocorreram em uma situação de convívio familiar, inserindo-se em uma<br />

rotina de contar histórias na hora de dormir, através da intermediação dos<br />

adultos, especialmente dos pais. A alfabetização marca a passagem da leitura<br />

para uma prática individualizada, que não depende mais da mediação adulta.<br />

Além disto, os modos de ler relacionados pelas crianças assinalam, mais uma vez,<br />

tanto os aspectos pedagógicos como prazerosos na relação com a leitura, os<br />

quais são determinados por questões relativas ao tempo e espaço.<br />

A obrigatoriedade dessa atividade na escola define determinados tempos e<br />

espaços considerados apropriados à leitura, assim como posições assumidas pelos<br />

leitores. As crianças discorrem sobre as denominadas ‘horas de leitura’, as quais<br />

se caracterizam por uma leitura silenciosa, pela escolha de livros ‘apropriados’,<br />

por um tempo previamente definido e por uma posição considerada adequada.<br />

Por outro lado, elas identificam tempos e espaços nos quais há a possibilidade de<br />

outra relação com a leitura, além das questões pedagógicas: pode-se ler na<br />

cama, estirado no chão, na posição de ‘indiozinho’, quando não há nada para<br />

fazer ou, simplesmente, quando dá vontade.<br />

Nessa perspectiva, Paulino et al. (2001) assinalam que olhos, mãos,<br />

pescoço, ombros – enfim, todo o corpo do leitor – estão comprometidos no ato de<br />

leitura, buscando a sociedade, incessantemente, impor formas de controle desse<br />

corpo, ditando espaços e posições específicos, os quais se relacionam com a<br />

busca de controle da própria produção de sentidos.<br />

Por sua vez, Morais (2002) critica o modo como a escola comumente<br />

entende a leitura, desconsiderando as diferentes leituras do mundo e postulando<br />

uma série de situações pedagógicas que se voltam para o corpo, a concentração,<br />

os movimentos dos olhos e dos lábios, etc. A leitura torna-se uma forma de<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 90-97, 2010.


87<br />

regulação do tempo individual, inserindo-se em um processo de docilização dos<br />

corpos.<br />

Para finalizar, assinala-se que é característico que, em cada tempo e<br />

sociedade, circulem discursos que carregam determinadas aspirações sobre a<br />

infância. Considerando-se tais questões, entende-se que a valorização da leitura<br />

inscreve-se no âmbito da arte de governar a infância, visando à conformação de<br />

corpos dóceis e úteis à sociedade. O ato de ler implica determinadas regulações,<br />

as quais passam, predominantemente, pelo espaço escolar, cimentando as<br />

relações entre criança e escola. Desse modo, a leitura articula, ao mesmo tempo,<br />

prazer e obrigação, tornando-os indissociáveis (é preciso gostar de ler!), o que<br />

exerce sobre outros discursos uma espécie de pressão e um poder de coerção,<br />

estabelecendo um saber sobre a infância que investe na criança e normatiza<br />

condutas.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar<br />

Editores, 1981.<br />

CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: UNESP,<br />

1999.<br />

CORAZZA, Sandra Mara. História da infância sem fim. Ijuí: Unijuí, 2000.<br />

FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos IV. Estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro:<br />

Forense Universitária, 2003.<br />

GHIRALDELLI, Paulo Jr. As concepções de infância e as teorias educacionais<br />

modernas e contemporâneas. Educação e Realidade, v.4, n. 1, p. 45-58, dezjan/jul.<br />

2000.<br />

GOULART, Maria Alice H. O prazer como imperativo, a literatura como meio, os<br />

corpos dóceis como fim. O micropoder dos catálogos de livros infantis.<br />

Dissertação (Mestrado) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,<br />

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MOVIMENTO NEGRO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO:<br />

ESTRATÉGIAS IDENTITÁRIAS E AÇÃO POLÍTICA<br />

RESUMO<br />

Rafael Petry Trapp 1<br />

Mozart Linhares da Silva 2<br />

O presente artigo visa analisar o processo de construção das estratégias<br />

identitárias e de ação política do Movimento Negro no Brasil contemporâneo. A<br />

atuação do Movimento provocou, a partir do final dos anos 70, uma rediscussão<br />

da identidade nacional e um processo de ressignificação identitária. Nos anos 90<br />

mudanças ocorreram no interior do Movimento Negro, que, através do diálogo<br />

com o Estado brasileiro, teve sua agenda política alçada à esfera pública.<br />

Contudo, enfatiza-se que é no contexto da participação do Movimento na<br />

Conferência Mundial contra o Racismo da ONU, realizada em Durban, na África do<br />

Sul, em 2001, que o antirracismo e a “questão racial” sofrem mudanças<br />

profundas no Brasil. No contexto pós-Durban, as “ações afirmativas” tornam-se a<br />

principal bandeira do Movimento Negro, que, paralelamente a um processo de<br />

diferenciação interna, tem seu discurso político-identitário transnacionalizado,<br />

através do deslocamento de uma identidade nacional para uma identidade étnica.<br />

Palavras-chave: Antirracismo. Movimento Negro. Identidade Negra. Conferência<br />

de Durban.<br />

ABSTRACT<br />

This paper aims to analyze the process of building identity strategies and political<br />

action of the Black Movement in contemporary Brazil. The performance of the<br />

Movement led, from the late '70s, a renewed discussion of national identity and a<br />

process of redefinition of identity. In the '90s, changes occurred within the Black<br />

Movement, which, through a dialogue with the Brazilian government, had lifted its<br />

political sckedule into the public area. However, we emphasize that it is in the<br />

context of participation of the Movement in the UN`s World Conference Against<br />

Racism, held in Durban, South Africa, in 2001, which the anti-racism and the<br />

"racial question" sustained deep changes in Brazil. In the post-Durban context,<br />

1 Acadêmico do curso de História da UNISC e bolsista PUIC voluntário, vinculado ao projeto<br />

“Movimentos Sociais Anti-racismo e Políticas Educacionais no Brasil (1970-2009): História do<br />

discurso racial e Educação como estratégia identitária”, coordenado pelo Dr. Mozart Linhares<br />

da Silva, no PPGEDU/UNISC. E-mail rafaelpetrytrapp@hotmail.com<br />

2 Doutor em História pela PUCRS, com extensão em Coimbra e Professor do Programa de Pósgraduação<br />

em Educação e do Curso de História na UNISC<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 98-107, 2010.


90<br />

“affirmative action” becomes the main flagship of the Black Movement, which,<br />

along with a process of internal differentiation, has its political and identity<br />

discourse transnationalized, through the displacement of a nation identity to an<br />

ethnic identity.<br />

Keywords: Anti-racism. Black Movement. Black Identity. Durban Conference.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A discussão da temática do antirracismo, da identidade negra e das relações<br />

étnico-raciais no Brasil adquiriu, nas últimas décadas, uma proporção inédita,<br />

ensejando um aumento significativo na produção acadêmica e potencializando o<br />

debate público sobre o tema. Tema historicamente central na discussão da<br />

identidade brasileira, a chamada “questão racial” vem sendo pensada e elaborada<br />

das mais diversas formas, sob olhares diversos e perspectivas muitas vezes<br />

conflitantes. Um dos principais fatores que, contemporaneamente, auxiliam na<br />

tarefa de compreensão do revival das discussões concernentes à questão racial e<br />

do revigoramento de posições e lugares identitários é a emergência dos<br />

movimentos sociais antirracismo no Brasil contemporâneo.<br />

Não há como pensar historicamente o antirracismo no Brasil sem considerar<br />

o papel fundamental que esses movimentos sociais têm tido ao longo das últimas<br />

décadas. Mais conhecidos pela denominação de “Movimento Negro”, esses<br />

movimentos sociais têm uma trajetória bastante interessante e específica, no<br />

sentido de que suas reivindicações, proposições e estratégias de ação política na<br />

luta antirracista têm se constituído em inflexões importantes na história do Brasil<br />

e na maneira como se tem pensado a identidade nacional e as delicadas questões<br />

de cunho étnico-racial na constituição histórica e sociocultural brasileira.<br />

Assim, o presente trabalho visa contribuir para o estudo da história do<br />

antirracismo no Brasil, em especial a história e atuação do Movimento Negro<br />

contemporâneo. Entende-se por Movimento Negro contemporâneo o conjunto e a<br />

pluralidade dos movimentos sociais antirracismo que têm surgido e se organizado<br />

no Brasil desde o final dos anos 1970. Pretende-se analisar neste artigo a<br />

constituição das estratégias identitárias e o processo de construção da ação<br />

política do Movimento Negro no Brasil contemporâneo, destacando a influência da<br />

Conferência Mundial contra o Racismo, realizada em Durban, na África do Sul, em<br />

2001, e o intenso diálogo estabelecido, de um lado, entre o Movimento Negro<br />

brasileiro e o Estado brasileiro, e, de outro, com os movimentos antirracismo<br />

internacionais, sobretudo a partir do final dos anos 90.<br />

A metodologia adotada neste trabalho basear-se-á, além de revisão<br />

bibliográfica concernente ao tema da pesquisa, na análise documental. Desta<br />

forma, tomam-se como fontes principais a produção escrita e depoimentos de<br />

militantes e intelectuais ligados ao Movimento Negro, documentos produzidos por<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 98-107, 2010.


91<br />

esse mesmo movimento, como o Estatuto do Movimento Negro Unificado e<br />

documentos oficiais, como a Declaração Final de Durban.<br />

O recorte temporal que se apresenta mais pertinente é o que concerne ao<br />

período de fundação do Movimento Negro Unificado (MNU) – um dos mais<br />

importantes e paradigmáticos movimentos antirracismo brasileiros –, em 1978,<br />

em São Paulo, até o ano de 2010, quando da aprovação, pelo Congresso<br />

Nacional, do Estatuto da Igualdade Racial, documento que consubstancia uma<br />

inflexão de cunho político-identitária fundamental na história contemporânea<br />

brasileira.<br />

2 MOVIMENTO NEGRO CONTEMPORÂNEO: IDENTIDADE E<br />

CONSCIÊNCIA NEGRA<br />

No final dos anos 70, surge, em todo o Brasil, uma série de movimentos<br />

sociais, com as mais diversas configurações, demandas e reivindicações.<br />

Organizados em torno da luta comum pela democracia, esses movimentos<br />

impõem-se como novos atores e forças sociais. No contexto da chamada abertura<br />

democrática, a partir dos anos 70, emerge e se organiza também uma série de<br />

movimentos e organizações sociais de caráter antirracista. Assim, em 1978, iniciase,<br />

em São Paulo, o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial<br />

(MNUCDR).<br />

Esse movimento reunia em si e em sua denominação outros movimentos<br />

sociais negros e/ou antirracismo. Mais tarde, denominado apenas Movimento<br />

Negro Unificado (MNU), será referência para a luta antirracista em todo o Brasil.<br />

O MNU constituiu-se como um movimento de caráter popular e democrático, e<br />

tinha como principais fins o combate ao racismo, a luta contra a discriminação<br />

racial e o preconceito de cor (MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO apud MOURA,<br />

1983). Em que pese o MNU reivindicar um discurso de união dos negros<br />

brasileiros, esse nunca se confirmou na prática. Nesse sentido, Silva enfatiza que<br />

A organização do Movimento Negro brasileiro, no entanto, deve<br />

ser entendida em suas particularidades e ambiguidades. Não se<br />

pode falar de um movimento unificado e combativo desde sua<br />

fase inicial de organização (2007, p. 76).<br />

O MNU, ao mesmo tempo em que se caracterizava como um movimento de<br />

reivindicação, protesto e denúncia das iniquidades raciais sofridas pelos negros no<br />

Brasil, pela luta contra a opressão e pela emancipação do negro, procurou<br />

desconstruir o mito e combater o discurso da chamada “democracia racial”. No<br />

bojo da desconstrução do mito da democracia racial, o Movimento Negro proporá<br />

uma rediscussão da identidade nacional. A “democracia racial” constituía, a saber,<br />

o paradigma balizador da compreensão identitária nacional, especialmente a<br />

partir da década de 30, quando das vogas modernistas no pensamento social e da<br />

presença do governo de Vargas, que arrogava união nacional. Para Silva (2007, p.<br />

55),<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 98-107, 2010.


92<br />

A democracia racial, enquanto estratégia identitária induzida<br />

politicamente, tem no período Vargas um arranjo pontuado, e<br />

visava construir um amalgama nacional que viabilizasse não só<br />

uma noção de homogeneidade nacional não-conflituada, nem<br />

mesmo de classe, mas acentuasse a idéia de povo unificado [...].<br />

Se essa identidade e as relações étnico-raciais eram pensadas até esse<br />

momento, de maneira a conformar uma “democracia racial”, a desconstrução<br />

desse mito, apoiada, além disso, em numerosas e consistentes pesquisas<br />

acadêmicas (Cf. FERNANDES, 1965; CARDOSO, 1962; HASENBALG, 1979), levará<br />

a uma problematização identitária, posto que a realidade de desigualdade entre<br />

negros e brancos tornava a ideia de “democracia racial” insustentável.<br />

A atuação da militância e de acadêmicos e intelectuais ligados ao Movimento<br />

Negro, como Abdias do Nascimento, levou, portanto, a uma problematização e<br />

rediscussão da identidade brasileira, inserindo novos temas e questões a essa<br />

discussão, mormente a questão racial. Em contrapartida, essa articulação levou a<br />

um processo de ressignificação identitária, através da reivindicação de uma<br />

identidade e de uma consciência racial negras. A questão da consciência negra é<br />

de suma importância, no sentido de que permitiu constituir mecanismos de<br />

fortalecimento do movimento e articular o processo de ressignificação identitária<br />

entre os militantes e os negros no Brasil. Assim, para Costa (2006, p. 144),<br />

Os conceitos ‘consciência’ e ‘conscientização’ passam a ocupar,<br />

desde a fundação do MNU, lugar decisivo na formulação das<br />

estratégias do movimento. Trata-se da tentativa de esclarecer a<br />

população negra sobre sua posição desvantajosa na sociedade,<br />

para, assim, constituir<br />

o sujeito político da luta antirracista.<br />

A discussão acerca da identidade nacional sofre um revés e ganha novos<br />

contornos. De uma identidade nacional ancorada na noção da não conflitualidade<br />

étnico-racial passa-se à reivindicação e à consciência de uma identidade negra,<br />

com olhos voltados para a África e para os negros da diáspora decorrente da<br />

escravidão colonial, marcados pelo passado comum de escravidão, opressão e<br />

racismo. As influências externas são muitas, mas pode-se destacar, no que se<br />

refere aos referenciais para a constituição da ação política do Movimento Negro<br />

brasileiro, os movimentos dos negros pelos direitos civis nos Estados Unidos e os<br />

africanos de caráter nacionalista, em decorrência do processo de descolonização<br />

na África. Amílcar Araújo Pereira salienta que<br />

Embora a circulação de referenciais não fosse a mesma das<br />

décadas anteriores, é interessante perceber como o movimento<br />

negro que surge nesse momento procura informações sobre as<br />

lutas travadas por populações negras, tanto nos Estados Unidos<br />

quanto nos países africanos, para informar o próprio movimento e<br />

também para sensibilizar a sociedade brasileira sobre a questão<br />

racial no país (2008, p. 226)<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 98-107, 2010.


93<br />

A ligação com a África torna-se central para o movimento negro também no<br />

sentido de ressignificar a identidade. A designação afro, por exemplo, tornou-se<br />

adjetivo para práticas e adscrições identitárias. Na década de 80, o discurso de<br />

ligação com a África se popularizou. Esse discurso, que começou a ser<br />

reivindicado no final década 70, com a formação do próprio MNU, consolida-se no<br />

contexto pós-Durban, como veremos mais adiante. A memória africana é crucial,<br />

portanto, para conformar a identidade negra e potencializar o alcance da luta do<br />

Movimento Negro (SILVA, 2007).<br />

A experiência diaspórica torna-se essencial nesse sentido, servindo de<br />

referencial para pensar a identidade negra no Brasil e os negros onde quer que a<br />

dispersão da diáspora negra os tenha levado (Cf. GILROY, 2001). A influência de<br />

intelectuais negros é marcante para a estratégia de conscientização dos negros<br />

no Brasil. Destarte, nomes como os de Franz Fanon, Marcus Garvey, Aimé<br />

Cesaire, Léopold Senghor, entre outros, tornam-se referência constante para a<br />

militância negra brasileira (ALBERTI; PEREIRA, 2007).<br />

A influência do Movimento Negro norte-americano, por sua vez, pode ser<br />

pensada sob vários aspectos. Além das referências de cunho estético-cultural,<br />

com o movimento Black is Beautiful e a música negra norte-americana, as<br />

práticas de ação política e as estratégias identitárias comungam de princípios<br />

comuns. Esses princípios estão em parte ancorados em algumas experiências<br />

adotadas nos Estados Unidos, qual sejam, as políticas de ações afirmativas e a<br />

adoção do paradigma multiculturalista para pensar as relações étnico-raciais no<br />

Brasil. Nesse sentido, Silva considera que<br />

O estreitamento dos laços entre os vários Movimentos [...] com o<br />

Movimento Negro norte-americano foi, sem dúvida, um<br />

importante passo para a definição conceitual das bases<br />

unificadoras das lutas contra o racismo no mundo ocidental.<br />

(2010, pp. 12-13).<br />

Sob a influência, portanto, desses movimentos internacionais, a luta<br />

antirracista, capitaneada pelo Movimento Negro Unificado e por outras<br />

organizações negras, potencializar-se-á no decorrer dos anos 80, na esteira das<br />

profundas transformações advindas com o restabelecimento da democracia no<br />

Brasil. Constituiu-se simbolismo importante para o Movimento Negro que o ano<br />

da aprovação da nova constituição democrática, 1988, coincidisse com o<br />

centenário da abolição da escravatura. O Movimento Negro aproveitou-se dessa<br />

data para denunciar as mazelas vividas pela população negra no Brasil e reforçar<br />

os direitos de cidadania e de igualdade legal para os afrodescendentes, para além<br />

de qualquer comemoração da Abolição, que, por sinal, foi denunciada como<br />

“farsa” (COSTA, 2006).<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 98-107, 2010.


94<br />

3 MOVIMENTO NEGRO E ESFERA PÚBLICA: A CAMINHO DE<br />

DURBAN<br />

Os anos 90 serão sumamente importantes para o Movimento Negro, pois é a<br />

partir desse período que o Movimento passará a estabelecer um diálogo intenso<br />

com o governo brasileiro. Em 1995, assumirá a presidência da República<br />

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo da geração uspiana formada sob a guarda<br />

intelectual de Florestan Fernandes. Em 1995, ano do tricentenário da morte de<br />

Zumbi ocorre a Marcha Zumbi dos Palmares, em Brasília, com a participação de<br />

milhares de pessoas e de dezenas de movimentos e organizações antirracistas. É<br />

consenso que a Marcha representou um momento decisivo para o Movimento<br />

Negro contemporâneo. Na opinião da intelectual e militante Sueli Carneiro, a<br />

Marcha<br />

Foi o fato político mais importante do movimento negro<br />

contemporâneo. Acho que foi um momento também emblemático,<br />

em que nós voltamos para as ruas com uma agenda crítica muito<br />

grande e com palavras de ordem muito precisas que expressavam<br />

a nossa reivindicação de políticas públicas que fossem capazes de<br />

alterar as concepções de vida da nossa gente. Foi um processo<br />

rico, extraordinário (ALBERTI; PEREIRA, 2007, p. 345).<br />

O Governo Federal, cujo presidente foi o primeiro na história do Brasil a<br />

reconhecer publicamente a existência das iniquidades raciais em relação aos<br />

negros, propõe, em resposta às demandas do Movimento Negro apresentadas na<br />

Marcha, a criação do Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da<br />

População Negra (GTI), no âmbito da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos<br />

(SNDH). A criação desse órgão é um marco, no sentido de que aí se inicia de<br />

maneira intensa e profícua uma relação entre o governo brasileiro e o Movimento<br />

Negro, e começam a ser discutidas políticas públicas envolvendo a questão racial.<br />

Com a participação de representantes do Movimento na SNDH e no contexto<br />

da profissionalização observada no Movimento Negro – com o surgimento de<br />

importantes ONGs antirracismo, como a Geledés e a Fala Preta! – a questão racial<br />

e as demandas do Movimento Negro entram definitivamente na pauta da agenda<br />

política nacional. Estava selada uma relação que se tornaria ainda mais forte nos<br />

anos seguintes, já no contexto de preparação para a Conferência de Durban, e<br />

que potencializaria o debate e a efetiva implementação de políticas públicas para<br />

a população negra brasileira. No âmbito da SNDH é criado, em 2000, o Comitê<br />

Nacional de preparação para a Conferência de Durban.<br />

A atuação do comitê articulará os movimentos sociais e o governo brasileiro,<br />

através de dezenas de reuniões e seminários. Assim, as discussões giraram em<br />

torno da produção de um relatório sobre as condições de vida dos negros<br />

brasileiros e das relações étnico-raciais no Brasil, a ser apresentado na<br />

Conferência Regional das Américas, realizada em Santiago do Chile, como<br />

preparação para a Conferência Mundial de Durban. O relatório enfatizava a<br />

existência de racismo e de preconceito em ralação aos negros no Brasil. Um dos<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 98-107, 2010.


95<br />

pontos mais polêmicos do relatório foi a reivindicação de medidas de reparação e<br />

a adoção de ações afirmativas para a população negra, por parte do poder<br />

público. O Movimento Negro viveu um momento único de união em função de<br />

Durban, havendo uma articulação sem precedentes no que se refere à obtenção<br />

de consensos norteadores para a participação do Movimento na Conferência.<br />

Convocada pela ONU em 1997, a Conferência Mundial Contra o Racismo, a<br />

Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Correlata, foi realizada em<br />

Durban, na África do Sul, em 2001. No país de Nelson Mandela, que havia<br />

enfrentado décadas de segregação oficial, o apartheid, a ONU, governos<br />

nacionais, ONGs e movimentos sociais de todo o planeta se reuniram para discutir<br />

as questões do racismo, da intolerância e da xenofobia na contemporaneidade.<br />

Em que pese as discussões da Conferência tenham levado a tensões envolvendo<br />

a questão do sionismo e da política israelense em relação aos palestinos, o<br />

Movimento Negro brasileiro teve uma atuação destacada na Conferência, no<br />

sentido de que muitas de suas propostas e reivindicações encontraram eco e<br />

respaldo perante a comunidade internacional, tornando-se a Conferência um<br />

marco na história do antirracismo brasileiro.<br />

A Conferência de Durban é significativa no sentido de que, a partir da<br />

participação da delegação brasileira no evento, houve a redefinição das<br />

estratégias de ação política para os movimentos antirracismo nacionais a partir de<br />

estratégias comuns. Muitas das reivindicações do Movimento Negro foram,<br />

inclusive, incluídas no documento final de Durban (ONU, 2002). Nesse sentido,<br />

pode-se apontar importantes mudanças na constituição do antirracismo e do<br />

Movimento Negro no Brasil no contexto pós-Durban. Considerando a importância<br />

de Durban para o antirracismo no Brasil, Costa (2006, p. 150) enfatiza que<br />

Para a política interna brasileira, a Conferência da ONU contra o<br />

racismo de 2001 representa um importante ponto de inflexão, já<br />

que, pela primeira vez, ocorreu um debate de amplitude nacional<br />

sobre o racismo, apresentando-se novos dados e argumentos que<br />

comprovam, de forma irrefutável, a discriminação contra os<br />

afrodescendentes.<br />

Vários são os pontos de inflexão e mudança que podem ser apontados no<br />

contexto pós-Durban. O exemplo mais sintomático nesse processo são as políticas<br />

de ações afirmativas, a partir de Durban, como a principal bandeira do Movimento<br />

Negro. A questão das chamadas “cotas” passou a constituir ponto central na<br />

agenda do Movimento. Além disso, a efetiva implementação de ações afirmativas<br />

para negros – como no vestibular da UERJ, em 2002, portanto logo após a<br />

Conferência – levou a que uma das principais demandas do Movimento Negro,<br />

qual seja, a da existência de um debate público sobre a questão racial no Brasil,<br />

ocorresse em grande amplitude. Para Alberti e Pereira (2006, p. 159)<br />

A questão das cotas e, de forma mais ampla, das ações<br />

afirmativas é, com certeza, uma novidade com um vasto potencial<br />

de mudança social, que incide não apenas sobre as possibilidades<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 98-107, 2010.


96<br />

de estudo e trabalho de afrodescendentes, mas sobre as<br />

representações que a sociedade brasileira produz sobre si mesma,<br />

em especial as camadas média e alta, pouco acostumadas a<br />

conviver de forma igualitária com pretos e pardos. Nesse sentido,<br />

a discussão provocada pela frase incluída no documento de<br />

Durban é profícua e bem-vinda.<br />

Observe-se também uma marcada diferenciação interna no Movimento<br />

Negro. Com o surgimento e a visibilização de várias ONGs antirracistas e o<br />

fortalecimento dos movimentos de mulheres negras – aliás, a presença brasileira<br />

mais importante na Conferência de Durban, cuja relatora foi a militante do<br />

Movimento Negro brasileiro Edna Roland – amplia-se a discussão da política da<br />

diferença no interior do próprio Movimento, que se torna mais heterogêneo. É<br />

também no contexto da Conferência que se oficializa a utilização e a positivação<br />

da designação “afrodescendente” no lugar de “negro”, conforme relato de Edna<br />

Roland (apud ALBERTI; PEREIRA, 2007).<br />

Outra questão fundamental que pode ser observada no contexto pós-Durban<br />

é o processo de transnacionalização do discurso do Movimento Negro,<br />

deslocando-se a identidade nacional para uma identidade étnico-racial. Esse<br />

processo se dá em função do relacionamento constante estabelecido entre o<br />

Movimento Negro brasileiro com outras organizações e movimentos sociais<br />

antirracismo internacionais, sobretudo latinos e norte-americanos, além do<br />

surgimento de redes de cooperação binacionais e transnacionais. Apesar disso, é<br />

interessante salientar que a questão do intercâmbio internacional já estava entre<br />

os fins do MNU desde a sua fundação (MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO apud<br />

MOURA, 1983). Destacam-se as redes antirracistas de cooperação internacional<br />

La Alianza e a Rede Latino-Americana e Caribenha de Mulheres Negras. Nesse<br />

sentido, López assevera que<br />

A Conferência de Durban inaugurou um momento de<br />

protagonismo dos movimentos afro-latino-americanos na arena<br />

transnacional, colocando em primeiro plano noções de justiça<br />

baseadas nas experiências diaspóricas na América Latina, que<br />

chamam a atenção para a convergência de igualdade social e<br />

pluralismo cultural (2009, p. 357).<br />

A Conferência de Durban representa, portanto, um importante momento<br />

para a história do Movimento Negro no Brasil, pois, além da transnacionalização<br />

do discurso no sentido político-identitário, suas estratégias de ação política<br />

ganharam força ao serem traduzidas, posteriormente, na implementação de uma<br />

série de políticas públicas de caráter afirmativo (HERINGER, 2002). O debate<br />

público sobre a questão racial potencializou-se, provocando, além disso, a<br />

irrupção de posições extremadas na opinião pública e de debates acadêmicos que<br />

têm se conformado, grosso modo, na oposição entre os intelectuais racialistas e<br />

os nãoracialistas.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 98-107, 2010.


97<br />

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

O estudo da história do Movimento Negro contemporâneo no Brasil fornece<br />

subsídios importantes para pensar as discussões contemporâneas sobre<br />

identidade, etnicidade, racismo e cidadania, entre outros temas, e a maneira<br />

como o debate desses conceitos se relacionam com a constituição das estratégias<br />

identitárias e de construção da ação política do Movimento Negro brasileiro.<br />

Tentou-se neste trabalho entender como o Movimento Negro constrói suas<br />

estratégias de ação política. Constatou-se que uma das principais estratégias foi a<br />

de afirmar, para a militância e os negros brasileiros, a consciência de uma<br />

negritude e rediscutir a identidade nacional.<br />

Nos anos 90 o Movimento Negro passou por intensas transformações, ao<br />

tornar-se profissional e realizar um diálogo com o Estado, processo que alçou as<br />

proposições e as demandas do Movimento para a esfera pública. O que se<br />

evidencia é que, do período do governo de Fernando Henrique Cardoso aos dias<br />

atuais, o Movimento Negro tem sua articulação política potencializada. Contudo, é<br />

somente a partir da Conferência de Durban que se efetiva a transnacionalização<br />

do discurso, a partir do definitivo deslocamento de uma identidade nacional para<br />

uma étnico-racial negra. Esse processo de deslocamento identitário coaduna-se<br />

com a série de políticas públicas levadas a cabo no contexto pós-Durban, o que<br />

reafirma a importância crucial que a Conferência de Durban representa para o<br />

antirracismo, para a ação política e para a agenda do Movimento Negro no Brasil<br />

contemporâneo.<br />

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98<br />

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2008.<br />

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2007. Dissertação. (Programa de pós-graduação em História) – UNICAMP,<br />

Campinas, 2007.<br />

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<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 98-107, 2010.


Ciências<br />

Humanas


100<br />

ÁREA DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS<br />

Na área de Ciências Sócias Aplicadas entre os 40 trabalhos apresentados no<br />

evento, 77,5% foram de alunos bolsistas de Iniciação Científica da Universidade,<br />

e 22,5% de trabalhos de alunos de IC vinculados a outras Instituições de Ensino<br />

do Estado do Rio Grande do Sul. A maioria dos trabalhos nesta área foi de<br />

bolsistas do Programa UNISC de Iniciação Científica – PUIC, seguida dos<br />

Programas de bolsa PIBIC/CNPq, PROBIC/FAPERGS e PUIC voluntário,<br />

apresentados na Figura 04.<br />

14<br />

Trabalhos apresentados na Área de Ciências Sociais Aplicadas no<br />

XVI Seminário de Iniciação Científica da UNISC<br />

Nº de Trabalhos<br />

12<br />

10<br />

8<br />

6<br />

4<br />

2<br />

Área de<br />

Ciências<br />

Sociais<br />

Aplicadas<br />

0<br />

PUIC<br />

PIBIC/CNPq<br />

PROBIC/FAPERGS<br />

Outras Bolsas<br />

PUIC VOLUNTÁRIO<br />

Tipo de bolsa relacionada aos trabalhos apresentados<br />

Figura 04 – Modalidade de bolsas dos estudantes participantes do XVI Seminário de<br />

Iniciação Científica na Área de Ciências Sociais Aplicadas.<br />

Fonte: Coordenação de Pesquisa, UNISC, 2010.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 109-117, 2010.


ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS: UMA ANÁLISE DO SETOR<br />

METAL-MECÂNICO NA REGIÃO DOS VALES DO RIO PARDO E<br />

TAQUARI<br />

Rejane Maria Alievi 1<br />

Heron Sérgio Moreira Begnis 2<br />

Gabriella Azeredo Azevedo 3<br />

Maurício Rennhack Stein 3<br />

RESUMO<br />

Este artigo buscou interpretar os objetivos e o andamento do presente projeto,<br />

considerando que assuntos relacionados a cooperação, desenvolvimento regional,<br />

vantagens competitivas têm se tornado cada vez mais importantes no âmbito<br />

nacional e internacional. Assim, analisou-se a prática do APL como forma de<br />

reorganizar a conjuntura atual, frente a esses grandes atores do mercado que<br />

impedem a inserção e/ou a sobrevivência de pequenas empresas.<br />

Palavras-chave: Arranjo Produtivo Local. Cooperação. Indústria metalmecânica.<br />

ABSTRACT<br />

This article sought to interpret the objectives and the current course of the<br />

project, since the subjects related to cooperation, regional development, and<br />

competitive gains have become more important in national and international<br />

range. Having that in mind, we analyzed the practice of the Local Productive<br />

Arrangement as a way of reorganizing the current conjuncture, facing the big<br />

actors of a market, who prevent insercion and/or the survival of the small<br />

companies.<br />

Keywords: Local Productive Arrangement. Cooperation. Metal-mechanic industry<br />

1 Professora Adjunta do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade de Santa Cruz<br />

do Sul/UNISC; Doutora em Administração na Área deTecnologia em Produção/PPGA/UFRGS;<br />

Mestre em Economia na Área de Economia Industrial/PPGE/UFRGS.<br />

2 Professor Adjunto do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade de Santa Cruz do<br />

Sul – UNISC; Mestre em Economia Rural (IEPE/UFRGS) e Doutor em Agronegócio<br />

(CEPAN/UFRGS).<br />

3 Bolsistas do projeto. Acadêmicos do curso de Relações Internacionais, UNISC.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 109-117, 2010.


102<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Através do projeto “Cooperação, Capacitação Tecnológica e Inovação no<br />

Arranjo Produtivo Metal Mecânico da Região Funcional 2/RS-Brasil” buscou-se<br />

pesquisar e analisar o mercado, a produção, a cooperação e o desenvolvimento<br />

das empresas que compõem o setor metal-mecânico nas regiões do Vale do Rio<br />

Pardo e Taquari. As cidades estudadas fazem parte da Região Funcional 2<br />

(classificadas, assim, pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul a partir das<br />

especificidades de cada uma). No total, as duas regiões – ou, os dois vales –<br />

possuem 61 municípios e uma população de 742 mil habitantes (base de dados<br />

sistema FIERGS).<br />

Antes de explicar os focos de análise do projeto, é importante citar o<br />

conceito de Arranjos Produtivos Locais, de acordo com o Ministério Nacional de<br />

Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2009). Pelo Termo de Referência<br />

elaborado pelo Grupo de Trabalho Permanente para Arranjos Produtivos Locais<br />

(GTP APL), um APL deve ter um número significativo de empreendimentos no<br />

território e de indivíduos que atuam em torno de uma atividade produtiva<br />

predominante e que compartilhem formas percebidas de cooperação e algum<br />

mecanismo de governança, podendo incluir pequenas, médias e grandes<br />

empresas.<br />

É objetivo do projeto identificar a existência ou não de um APL, bem como<br />

fomentar a criação do mesmo na região funcional 2-RS. A justificativa, por sua<br />

vez, é a de desenvolver o estudo na área metal-mecânica dado seu crescente<br />

desempenho e importância econômica. Desta forma, para entender o assunto e<br />

observar a evolução dos estudos sobre o tema (APL), julga-se necessário retomar<br />

alguns acontecimentos relevantes.<br />

2 RETOMADA HISTÓRICA, ANÁLISE TEÓRICA E APLICABILIDADE<br />

Com o esgotamento do modelo fordista de produção na década de 1970 –<br />

este baseado na presença dominante de grandes corporações de regime de<br />

produção verticalizada – houve a necessidade de reorganizar a produção global.<br />

Visando à diminuição dos desequilíbrios regionais, os Estados passaram a atuar<br />

de forma mais intensa na organização produtiva, bem como na economia de uma<br />

forma geral. Assim, algumas teorias foram sendo aprimoradas, outras<br />

substituídas, ao mesmo tempo em que políticas de desenvolvimento vinham<br />

sendo criadas.<br />

Alguns desequilíbrios, constatados em situações regionais/locais, fizeram<br />

com que a importância da produção flexível, da inovação e das vantagens<br />

competitivas crescesse, enquanto tema a ser abordado nas pautas de discussão.<br />

Para organizar este cenário, um instrumento utilizado é o da reformulação dos<br />

padrões tradicionais de localização das empresas através da descentralização,<br />

método este que resulta na formação dos arranjos produtivos locais (APLs).<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 109-117, 2010.


103<br />

Segundo Amim (2000), a principal razão para o estudo dos APLs é,<br />

justamente, permitir que pequenas empresas sobrevivam em um mundo de<br />

grandes firmas, renovando o significado da força do lugar ou da região como uma<br />

unidade de desenvolvimento econômico autossustentado. Marshall (1996) fala<br />

sobre os ganhos de produtividade que podem ser obtidos com a especialização do<br />

trabalho e das etapas de produção, criando – na sequência – o conceito de<br />

economias internas e externas, destacando-se, aqui, as externas que podem ser<br />

conseguidas através da concentração de pequenas empresas similares em<br />

determinadas localidades, o que vai bem ao encontro do tema proposto pelo<br />

projeto.<br />

Os ganhos obtidos em se estabelecer polos com presença de fatores de<br />

produção comuns (terra, trabalho, capital, energia, armazenagem e transporte)<br />

podem se resumir em melhorias no acesso e na manipulação desses fatores,<br />

resultando em aumentos de produtividade no longo prazo e queda dos preços.<br />

Também no longo prazo, cada unidade de produção localizada em um polo<br />

apresentará custos menores devido à presença de infraestrutura mais sólida e<br />

classes de trabalhadores e capital mais especializados do que se tivesse que<br />

importar esses fatores de outras localidades.<br />

É importante mencionar os estudos de Perroux (1967) sobre o crescimento<br />

que se manifesta em polos e depois se expande por diversos canais com efeitos<br />

variáveis sobre a economia. Isto encontra problemas em países “atrasados”, pois<br />

redes de preços, fluxo e antecipações não estão articulados.<br />

Para Perroux (1967), o desenvolvimento regional ocorre através de um<br />

sistema contendo uma grande empresa pioneira chamada de Motriz ou Indutora<br />

(que dita o crescimento e gera capital com o lucro das vendas) e uma série de<br />

empresas menores chamadas de Induzidas, que vendem fatores para a Motriz e<br />

se beneficiam de seu crescimento. Assim, teoricamente, ocorreria a distribuição<br />

de renda e crescimento. Mas pode ocorrer a chamada dispersão concentrada, na<br />

qual os polos de desenvolvimento não irradiam os benefícios para outros setores<br />

e localidades vizinhas, gerando sérios desequilíbrios econômicos.<br />

Tendo em vista o rápido crescimento dos trabalhos tratando do<br />

desenvolvimento regional, destaca-se o autor Cavalcante (2006) que elaborou<br />

uma base matemática para atribuição e classificação de APLs, diferenciando as<br />

etapas em: Infantes, <strong>Jovens</strong> e Maduras. Cavalcante (2006) criou um índice, a<br />

partir de três termos matemáticos: QL (Quoeficiente Locacional), que permite<br />

saber se uma cidade possui especialização em um setor especifico; PR<br />

(Participação Relativa), uma proporção que relaciona a importância do setor no<br />

município em âmbito nacional; por último o indicador Hirschman-Herfindahl, que<br />

capta em que medida a especialização do setor no município reflete um fenômeno<br />

do setor ou da estrutura industrial do município como um todo. Assim, pode-se<br />

calcular o IC (Índice de Concentração), onde são somados os três índices<br />

anteriores cada qual com um peso especifico.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 109-117, 2010.


104<br />

A partir daí as aglomerações são divididas nos três estágios citados<br />

anteriormente. Os infantes são os APLs de baixa concentração, nos quais o IC<br />

apresentado tem média inferior ou aproximada a 1,5. APLs jovens apresentam já<br />

uma heterogeneidade nos índices de concentração e os índices ficam entre 1,5 e<br />

9,8. Por sua vez, os APLs maduros têm alto nível de concentração com um índice<br />

médio de 17. Cavalcante (2006) também mostrou a relação de agências bancárias<br />

em cada setor, uma vez que o sistema financeiro é um forte ator nesta<br />

conjuntura. Assim o número, respectivamente, de agências em cada etapa é em<br />

média: 5, 8 e 30.<br />

3 METODOLOGIA<br />

Dando continuidade às pesquisas, o projeto avaliou as características e a<br />

evolução do setor metal-mecânico, alvo do estudo, a partir da série de dados do<br />

IBGE de 1996 a 2005. Decidiu-se, no entanto, separar a análise da seguinte<br />

forma: primeiramente foi estudado o setor em nível nacional (que se concentra<br />

no eixo Rio de Janeiro-São Paulo) e, após, foram analisadas as condições do setor<br />

no nível estadual. Esta distinção foi necessária para melhor visualizar as<br />

diferenças de cada região, conforme apontadas a seguir.<br />

As empresas localizadas na região do estudo passaram por um processo de<br />

seleção, de acordo com seu grau de importância para o foco do projeto. Portanto,<br />

foi dada maior atenção a algumas pelo seu porte e pela sua produção.<br />

As empresas escolhidas para aplicação de um questionário pertencem aos<br />

seguintes municípios: Arroio do Meio, Cruzeiro do Sul, Encantado, Estrela,<br />

Lajeado, Roca Sales, Santa Cruz do Sul, Teutônia, Venâncio Aires, Vera Cruz e<br />

Westfália, gerando um total de mais de 60 empresas a serem analisadas.<br />

Atualmente o projeto encontra-se na etapa de tabulação e de análise das<br />

informações recolhidas. No entanto, obteve-se pouco menos de 50% de resposta<br />

dos empresários, fato que permite constatar como essas ideias ainda não estão<br />

difundidas no meio empresarial e, consequentemente, não geram tantos<br />

resultados quanto poderiam.<br />

Essas informações foram analisadas segundo a identificação da linha de<br />

códigos da CNAE 1.0. para os seguintes subsetores – Metalurgia básica (27),<br />

Fabricação de produtos de metal – exceto máquinas e equipamentos (28),<br />

Fabricação de máquinas e equipamentos (29), Fabricação de máquinas para<br />

escritório e equipamentos de informática (30), Fabricação de máquinas, aparelhos<br />

e materiais elétricos (31), Fabricação de material eletrônico e de aparelhos e<br />

equipamentos de comunicações (32), Fabricação de equipamentos de<br />

instrumentação médico-hospitalares, instrumentos de precisão e ópticos,<br />

equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios (33), Fabricação<br />

e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias (34), Fabricação de<br />

outros equipamentos de transporte (35) e Reciclagem (37).<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 109-117, 2010.


105<br />

4 ANÁLISE DE DADOS<br />

Começando pela análise em nível nacional, utilizando-se dos conhecimentos<br />

já citados anteriormente, e aplicando-os ao resultado da análise dos dados,<br />

percebe-se um aumento considerável no número de empresas em quase todos os<br />

grupos de atividades do setor metal-mecânico, conforme gráfico abaixo:<br />

16 000<br />

14 000<br />

12 000<br />

10 000<br />

8 000<br />

6 000<br />

4 000<br />

2 000<br />

1996 2005<br />

27 28 29 30 31 32 33 34 35 37<br />

Subsetores<br />

Gráfico 1 - Número de empresas 1996-2005<br />

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Indústria, Pesquisa Industrial<br />

Anual.<br />

No entanto, é notável o desenvolvimento do número de empresas nas<br />

atividades de fabricação de produtos de metal e de fabricação de máquinas e<br />

equipamentos, que cresceram 62% e 51% (IBGE, 1996-2005), respectivamente,<br />

e do tamanho do aumento do número de empresas no setor de reciclagem, que<br />

foi de 704% (IBGE, 1996-2005), muito embora estes não tenham sido os setores<br />

cuja receita mais cresceu (que seriam os setores de metalurgia básica e de<br />

fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias).<br />

Com relação à receita, tanto a receita total quanto a receita líquida, a média<br />

do setor no nível nacional aumentou consideravelmente nestes nove anos, bem<br />

como o nível de industrialização. Alguns grupos de atividade tiveram aumento na<br />

receita total, apesar de apresentarem uma redução no valor de transformação<br />

industrial. Isto é, nos ramos de fabricação de máquinas e equipamentos e de<br />

fabricação de material eletrônico e de aparelhos e equipamentos de<br />

comunicações, ramos de alto nível de industrialização, os custos do processo<br />

industrial aumentaram mais do que o valor bruto desse processo.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 109-117, 2010.


106<br />

900 000<br />

800 000<br />

700 000<br />

600 000<br />

500 000<br />

400 000<br />

300 000<br />

200 000<br />

100 000<br />

1996 2005<br />

27 28 29 30 31 32 33 34 35 37<br />

Subsetores<br />

Gráfico 2 - Pessoal ocupado por categoria 1996-2005<br />

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Indústria, Pesquisa Industrial<br />

Anual.<br />

A questão da industrialização é ilustrada pelos dados acerca do número de<br />

trabalhadores no setor, já que o nível de pessoal ocupado caiu 50% (IBGE, 1996-<br />

2005) nesse período. Apenas um ramo do setor ampliou o nível de pessoal<br />

empregado: o ramo de reciclagem; porém, isso se deve ao grande aumento no<br />

número de empresas no ramo, que é de mais de 700% (IBGE, 1996-2005). Outro<br />

dado interessante é que esse foi um dos poucos ramos em que os salários<br />

subiram no período: cerca de 250% (IBGE, 1996-2005).<br />

Outros ramos onde os salários aumentaram foram os de fabricação de<br />

máquinas para escritório e equipamentos de informática, e de fabricação de<br />

outros equipamentos de transporte. O primeiro seria explicado pelo aumento da<br />

demanda interna de computadores e periféricos, o que aumenta a concorrência<br />

entre empresários do ramo para captar a escassa mão de obra com as<br />

qualificações necessárias para esse ramo; já o segundo aumento, cujo ramo inclui<br />

a fabricação de embarcações, é explicado pela grande dificuldade de obter mão<br />

de obra necessária para sua produção.<br />

Alterando o foco para o nível estadual, percebe-se algumas semelhanças nos<br />

dados da evolução do setor metal-mecânico entre o estado do Rio Grande do Sul<br />

e do Brasil. Por exemplo, o crescimento notável do número de empresas locais<br />

nos ramos de fabricação de produtos de metal e de fabricação de máquinas e<br />

equipamentos, que já possuíam em nosso Estado elevado número de empresas<br />

instaladas (IBGE, 1996-2005).<br />

Seguindo a análise, esses setores apresentam também grande evolução no<br />

número de pessoal empregado, fato que se repete em nível estadual no setor de<br />

fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias. É<br />

interessante salientar o desenvolvimento desse setor em quase todos os aspectos<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 109-117, 2010.


107<br />

analisados. O crescimento da receita líquida no ramo foi de 232% (IBGE, 1996-<br />

2005), apesar do grande aumento no valor de transformação industrial e no nível<br />

de salários do setor. Isso poderia ser explicado pelo elevado crescimento do<br />

número de operações industriais do ramo, indicando um aumento na demanda do<br />

mercado de automóveis.<br />

No caso do Rio Grande do Sul, o período 1996-2005 foi bastante benéfico<br />

para o setor metal-mecânico, dado o aumento considerável das exportações da<br />

região (tanto agrícolas quanto de produtos industrializados, como chassis de<br />

ônibus), o que contribuiu para o consumo desses produtos também na região, já<br />

que muitos dos produtores agrícolas mecanizaram suas produções. Além disso,<br />

muito do desenvolvimento do setor se deve à implantação da fábrica da General<br />

Motors em Gravataí, que alavancou a cadeia produtiva do ramo de automóveis.<br />

Dessa forma, destacam-se algumas diferenças entre o nível nacional do<br />

setor metal-mecânico e do nível estadual, e essas se encontram no nível de<br />

pessoal empregado e no nível de salários. O grande acúmulo de capital do eixo<br />

São Paulo-Rio de Janeiro gera uma forte competição entre as empresas do eixo.<br />

Assim, em nível nacional o número de pessoal empregado vem sofrendo redução,<br />

dada a necessidade de redução de custos das empresas. O estado do Rio Grande<br />

do Sul, porém, no período, beneficiou-se do aumento das exportações e da queda<br />

de IPI (imposto sobre produtos industrializados) ainda em 2004, resultando no<br />

aumento do consumo no setor, o que é constatável pelo aumento do número de<br />

empresas, seguido do aumento da produção dessas. Esse fato possivelmente se<br />

repetiu em 2008/2009, na segunda redução do IPI, como forma de impedir a<br />

queda brusca do consumo após a crise financeira em 2008.<br />

Percebendo a importância da análise acerca dos APLs e das características<br />

do setor anteriormente abordado no país, a pesquisa e os trabalhos foram<br />

guiados para um estudo das empresas e da forma de atuação dessas para a<br />

constatação, ou não, da existência de um arranjo produtivo local na região do<br />

Vale do Rio Pardo e do Taquari (Região Funcional 2/RS-Brasil). Então, através de<br />

uma listagem da FIERGS (Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do<br />

Sul), identificou-se a localização e a relevância das empresas do setor metalmecânico,<br />

passando a contatá-las, objetivando entender o processo produtivo, o<br />

planejamento, a criação de redes de cooperação entre outras questões.<br />

A organização responsável por congregar as empresas do setor no Rio<br />

Grande do Sul é o Sindicato Patronal Sinmetal (Sindicato das Indústrias Metal-<br />

Mecânicas, Material Elétrico e Eletrônico do Rio Grande do Sul). Dados do<br />

sindicato mostram que nos dois maiores municípios do Vale do Rio Pardo –<br />

considerando o número de habitantes de cada um –, em Santa Cruz do Sul e em<br />

Venâncio Aires, há, respectivamente, 120 (cento e vinte) e 65 (sessenta e cinco)<br />

empresas vinculadas. No Vale do Rio Taquari, por sua vez, os municípios com<br />

maior quantidade de empresas filiadas ao Sindicato são Lajeado, Estrela e<br />

Encantado, com, respectivamente, 98 (noventa e oito), 51 (cinquenta e uma) e<br />

24 (vinte e quatro) empresas do setor.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 109-117, 2010.


108<br />

A aglomeração das empresas produtoras do arranjo produtivo selecionado, e<br />

os demais agentes que atuam direta e indiretamente na cadeia, tendem a<br />

promover maiores laços de confiança e cooperação nas suas atividades. Essa<br />

cooperação emerge, de fato, quando as organizações visualizam ganhos<br />

competitivos eliminando dificuldades que, de outra forma, não teriam condições<br />

de conseguir isoladamente.<br />

Assim, o Grupo de Trabalho Permanente para Arranjos Produtivos Locais<br />

criou o formulário para a apresentação do Plano de Desenvolvimento, a partir da<br />

metodologia que tem como principal eixo o reconhecimento e a valorização da<br />

iniciativa local, por meio de estímulo à construção de Planos de Desenvolvimento<br />

participativos, envolvendo necessariamente, mas não exclusivamente, instituições<br />

locais e regionais, na busca de acordo por uma interlocução local comum<br />

(articulação com os órgãos do Grupo de Trabalho) e por uma articulação local<br />

com capacidade para estimular o processo de construção do Plano de<br />

Desenvolvimento (agente animador).<br />

A metodologia de apoio aos APLs conta ainda com o nivelamento do<br />

conhecimento sobre as atuações individuais nos arranjos, bem como com o<br />

compartilhamento dos canais de interlocução local, estadual e federal e, por<br />

último, com o alinhamento das agendas das instituições para acordar uma<br />

estratégia de atuação integrada.<br />

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A atual etapa do projeto não permite conclusões exatas, uma vez que<br />

análises ainda estão sendo feitas. No entanto, em relação ao objetivo inicial<br />

proposto, é possível projetar algumas interpretações frente aos mercados<br />

estudados.<br />

A pequena porcentagem de questionários respondidos por parte das<br />

empresas sinaliza para um arranjo, no qual, possivelmente, exista pouca<br />

cooperação entre as empresas. Assim, utilizando-se da análise de Cavalcante<br />

(2006), na região funcional em questão, o setor metal-mecânico apresenta<br />

características de APL infante ou em formação.<br />

Entende-se que, para que ocorram ganhos competitivos e um crescimento<br />

geral do setor, há que se divulgar as possibilidades de benefícios adquiridos com<br />

a cooperação, mesmo que entre concorrentes. Mas, então, por que apoiar a<br />

formação de Arranjos Produtivos Locais?<br />

A principal ideia é a de que diferentes atores de uma região, tanto empresas<br />

quanto sindicatos, entidades de educação, de crédito e de tecnologia, além de<br />

agências de desenvolvimento, possam mobilizar-se para identificar suas<br />

capacidades e necessidades, trabalhando de forma conjunta em prol do seu<br />

desenvolvimento e de sua região.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 109-117, 2010.


109<br />

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<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 109-117, 2010.


O AMICUS CURIAE E O CUSTO DOS DIREITOS: A RELEVÂNCIA<br />

DO INSTITUTO NAS CAUSAS QUE IMPLICAM CUSTOS<br />

EXCESSIVOS PARA O ESTADO E AS ESCOLHAS EM MEIO À<br />

ESCASSEZ DE RECURSOS<br />

Júlia Carolina Müller 1<br />

Mônia Clarissa Hennig Leal 2<br />

RESUMO<br />

Este estudo tem por objetivo fazer uma análise da Teoria do Custo dos Direitos,<br />

dos autores norte-americanos Cass Sunstein e Stephen Holmes, que sustentam<br />

que todos os direitos necessitam de atuação positiva do Estado e dependem de<br />

recursos financeiros públicos para serem efetivados. A Constituição Federal impõe<br />

a efetivação dos direitos fundamentais, porém, muitas vezes, o Poder Judiciário é<br />

obrigado a suprir as lacunas deixadas pelos outros poderes, tendo que decidir,<br />

muitas vezes, sobre matérias de cunho político, nem sempre de seu<br />

conhecimento, e que causam grande impacto orçamentário. Como os recursos<br />

financeiros são limitados e as necessidades sociais são infinitas, os poderes são<br />

obrigados a fazer as chamadas “escolhas trágicas”, priorizando a efetivação de<br />

alguns direitos em detrimento de outros. Nesse contexto, a figura do amicus<br />

curiae, enquanto instrumento que viabiliza a participação social no processo, tem<br />

sua importância ressaltada, justamente por possibilitar, nas causas que implicam<br />

altos custos para o Estado, que se estabeleça um debate mais amplo acerca dos<br />

aspectos e dos custos envolvidos, a fim de que o Judiciário, se não pode se furtar<br />

de decidir, pelo menos possa decidir de forma mais consciente e democrática e,<br />

consequentemente, também mais legítima.<br />

1 juliacarolinamuller@gmail.com. Graduanda do Curso de Direito da Universidade de Santa Cruz<br />

do Sul – UNISC. Bolsista PUIC no projeto “O amicus curiae como instrumento de realização de<br />

uma jurisdição constitucional aberta: análise comparativa entre o sistema brasileiro, alemão e<br />

norte-americano e de sua efetividade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro”<br />

e membro do grupo de estudos “Jurisdição constitucional aberta”, sob mesma orientação.<br />

2 moniah@unisc.br. Doutora em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos,<br />

com pesquisa realizada junto à Ruprecht-Karls Universität Heidelberg, na Alemanha. Pós-<br />

Doutora pela Universidade de Heidelberg, Alemanha. Professora do Programa de Pós-<br />

Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC,<br />

onde leciona as disciplinas de Jurisdição Constitucional e Controle Jurisdicional de Políticas<br />

Públicas, respectivamente. Coordenadora do Grupo de Pesquisa “Jurisdição Constitucional<br />

aberta”, vinculado ao CNPq. Bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq. Coordenadora do<br />

projeto de pesquisa “O amicus curiae como instrumento de realização de uma Jurisdição<br />

Constitucional aberta: análise comparativa entre o sistema brasileiro, alemão e norteamericano<br />

e de sua efetividade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro”, do<br />

qual o presente artigo é resultante, financiado pelo CNPq e pela FAPERGS.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 118-127, 2010.


111<br />

Palavras-chave: Custo dos Direitos. Amicus curiae. Direitos positivos e<br />

negativos. Escassez de recursos. Escolhas trágicas.<br />

ABSTRACT<br />

This study aims to analyze the Theory of the Cost of Rights, of the American<br />

authors Cass Sunstein and Stephen Holmes, who maintain that all rights need<br />

positive actions of the state and depend on public financial resources to be<br />

executed. The Constitution requires the execution of fundamental rights, but<br />

often the Judiciary is obliged to fill in the gaps left by other powers, having to<br />

decide, often on matters of political nature, not always known, and that impact<br />

heavily on budget. As financial resources are limited and social needs are infinite,<br />

the powers are required to do so-called "tragic choices", prioritizing the realization<br />

of some rights over others. In this context, the figure of amicus curiae, as a tool<br />

that enables social participation in the process, has emphasized its importance,<br />

precisely because it allows, in cases involving high costs for the state to establish<br />

a broader debate about the issues and costs involved, so that the judiciary cannot<br />

escape is to decide at least to decide more consciously and democratically and<br />

therefore also more legitimate.<br />

Keywords: Cost of rights. Amicus curiae. Positive and negative rights. Scarcity of<br />

resources. Tragic choices<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Há, no contexto do constitucionalismo atual, grande controvérsia acerca do<br />

papel e da legitimidade do Judiciário na concretização dos direitos sociais,<br />

notadamente em virtude dos custos que eles representam. Como demonstram os<br />

autores norte-americanos Cass Sunstein e Stephen Holmes, contudo, todos os<br />

direitos – inclusive os direitos individuais negativos – possuem custos, de maneira<br />

que tal aspecto precisa – e deve – ser considerado por ocasião da realização dos<br />

direitos fundamentais e, também, por ocasião do planejamento orçamentário.<br />

Assim, ao decidir, também os juízes devem levar em consideração os impactos<br />

econômicos das decisões, em face dos recursos orçamentários disponíveis. Nesse<br />

contexto, o amicus curiae aparece como um importante instrumento de<br />

participação social e de informação do juízo e, consequentemente, de legitimação<br />

da atuação jurisdicional, especialmente quando envolvem “escolhas trágicas”. A<br />

técnica de pesquisa utilizada para a produção do trabalho é a bibliográfica e o<br />

método de abordagem, o dedutivo.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 118-127, 2010.


112<br />

2 DIREITOS POSITIVOS X DIREITOS NEGATIVOS<br />

De forma geral, os direitos fundamentais são divididos e classificados em<br />

direitos positivos e direitos negativos. Os direitos negativos, também chamados<br />

de direitos de defesa, são os individuais, típicos do liberalismo burguês, os quais,<br />

para serem efetivados, necessitam de omissão por parte do Estado, de um “não<br />

agir”. São a primeira dimensão de direitos e requerem uma não intervenção do<br />

governo 3 , uma vez que são as liberdades pessoais dos indivíduos. São, a título de<br />

exemplo, o direito à vida, à liberdade e à propriedade. Esta omissão, por sua vez,<br />

numa perspectiva tradicional, sempre foi concebida como não geradora de gastos<br />

para o Estado.<br />

Já os direitos positivos (sociais ou de segunda dimensão) se identificam com<br />

o Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), de cunho intervencionista, sendo<br />

aqueles que, ao contrário dos direitos negativos, dependem de uma atuação<br />

positiva do Estado. São direitos de cunho prestacional, como saúde e educação,<br />

para os quais se pressupõe o dispêndio de recursos financeiros e a criação de<br />

políticas públicas para que a sociedade possa usufruí-los. Dessa forma, de acordo<br />

com o que normalmente é difundido na doutrina e entre os estudiosos, apenas os<br />

direitos positivos repercutiriam em custos para o Estado, de maneira que os<br />

direitos negativos, por serem fruto da abstenção do governo, não gerariam gasto<br />

algum.<br />

Porém, ao contrário dessa comum distinção, Ana Paula de Barcellos deixa<br />

clara outra visão sobre os direitos negativos e positivos, sustentando que a<br />

diferença entre eles é de grau, e não de natureza, ou seja, os direitos sociais<br />

apenas demandam um grau maior de investimento do que os negativos, mas isso<br />

não significa que esses também não o prescindam:<br />

Assim: a diferença entre os direitos sociais e os individuais, no<br />

que toca ao custo, é uma questão de grau, e não de natureza. Ou<br />

seja: é mesmo possível que os direitos sociais demandem mais<br />

recursos que os individuais, mas isso não significa que estes<br />

apresentem custo zero. Desse modo o argumento que afastava,<br />

tout court, o atendimento dos direitos sociais pelo simples fato de<br />

que eles demandam ações estatais e custam dinheiro não se<br />

sustenta. Também a proteção dos direitos individuais tem seus<br />

custos, apenas se está acostumado a eles 4 .<br />

3 Estes direitos estão associados ao contexto do surgimento da figura do Estado de Direito, de<br />

cunho liberal, onde a figura do Estado, em face da herança absolutista a ser superada e<br />

suplantada, era vista como algo a ser controlado, operando os direitos fundamentais, neste<br />

contexto, como limites ao poder do Estado. Sobre estes aspectos, ver LEAL, Mônia Clarissa<br />

Hennig. Jurisdição Constitucional aberta: Jurisdição Constitucional aberta: reflexões sobre a<br />

legitimidade e os limites da jurisdição constitucional na ordem democrática – uma abordagem a<br />

partir das teorias constitucionais alemã e norte-americana. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.<br />

4 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da<br />

dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. Pag. 238-239.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 118-127, 2010.


113<br />

Nesse sentido, em relação ao custo dos direitos, não há diferença além da<br />

maior ou menor visibilidade dos recursos públicos investidos para sua<br />

implementação. Explicando melhor: a diferença entre direitos positivos e direitos<br />

negativos seria que o dinheiro gasto com aqueles é de mais alto valor e mais<br />

visível aos olhos da sociedade, enquanto o recurso gasto com esses é menos<br />

perceptível e menor. Por isso tem-se a impressão de que os direitos de defesa<br />

não dependeriam de recursos financeiros públicos.<br />

No mesmo sentido vai a lição de José Casalta Nabais:<br />

Pois, do ponto de vista do seu suporte financeiro, bem podemos<br />

dizer que os clássicos direitos e liberdades, os ditos direitos<br />

negativos, são, afinal de contas, tão positivos como os outros,<br />

como os ditos direitos positivos. Pois, a menos que tais direitos e<br />

liberdades não passem de promessas piedosas, a sua realização e<br />

a sua protecção pelas autoridades públicas exigem recursos<br />

financeiros 5 .<br />

Assim, pode-se afirmar que todos os direitos são positivos, pois não há<br />

direito que não dependa de recursos financeiros para ser efetivado, necessitando,<br />

dessa forma, de atuação e de uma prestação por parte do Estado. É nesse<br />

sentido que ganha relevo, por sua vez, a teoria dos autores norte-americanos<br />

Cass Sunstein e Stephen Holmes, que será objeto de análise mais acurada no<br />

item que segue.<br />

3 TEORIA DO CUSTO DOS DIREITOS<br />

As tradicionais concepções acerca dos direitos positivos e negativos são<br />

superadas a partir do estudo de Cass Sunstein e Stephen Holmes, consagrado em<br />

sua – já clássica – obra “The cost of rights: why liberty depends on taxes 6 ”, onde<br />

reconhecem e atribuem positividade a todos os direitos fundamentais.<br />

A obra tem como objetivo demonstrar que todos os direitos são positivos e,<br />

sendo assim, demandam algum tipo de prestação pública para sua efetivação.<br />

Portanto, para os autores, não somente os direitos de prestação dependem de<br />

recursos financeiros para serem concretizados. Também os direitos de defesa<br />

necessitam de dispêndio de dinheiro público, o que também os dotaria de certa<br />

positividade.<br />

5 NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos<br />

direitos. Pag. 12. Disponível em


114<br />

Flávio Galdino 7 , analisando a obra dos autores norte-americanos, afirma que<br />

se o Estado é indispensável ao reconhecimento e à efetivação dos direitos,<br />

dependendo de recursos financeiros captados da sociedade para se manter, os<br />

direitos – todos eles – só existem onde há orçamento que o faça ser possível.<br />

Tendo por base a teoria de Holmes e Sunstein, José Casalta Nabais aborda<br />

os direitos como liberdades individuais com custos públicos:<br />

[...] os direitos, todos os direitos, porque não são dádiva divina<br />

nem frutos da natureza, porque não são auto-realizáveis nem<br />

podem ser realisticamente protegidos num estado falido ou<br />

incapacitado, implicam a cooperação social e a responsabilidade<br />

individual. Daí que a melhor abordagem para os direitos seja vêlos<br />

como liberdades privadas com custos públicos. Na verdade,<br />

todos os direitos têm custos comunitários, ou seja, custos<br />

financeiros públicos. Têm portanto custos públicos não só os<br />

modernos direitos sociais, aos quais toda a gente facilmente<br />

aponta esses custos, mas também custos públicos os clássicos<br />

direitos e liberdades, em relação aos quais, por via de regra, tais<br />

custos tendem a ficar na sombra ou mesmo no esquecimento 8 .<br />

A partir de tais constatações, inexistiriam liberdades puramente negativas,<br />

ou seja, não há direito que não demande algum gasto público, pois inclusive os<br />

direitos individuais geram custo. Na obra “The cost of rights” os autores afirmam,<br />

então, que TODOS OS DIREITOS SÃO POSITIVOS, de modo que o pensamento<br />

de que existem direitos que não demandam nenhum tipo de prestação estatal<br />

deve ser ultrapassado.<br />

Isso se constata no clássico exemplo do direito à propriedade, utilizado pelos<br />

autores, pois o que seria um direito puramente negativo (ou seja, um direito<br />

individual por excelência) na verdade exige do Estado inúmeras prestações, tais<br />

como manutenção de um sistema cartorário que seja responsável pelo registro e<br />

pela formalização da propriedade, a organização de segurança para a sua<br />

proteção, o funcionamento do Poder Judiciário, encarregado de julgar eventuais<br />

violações ou turbações, etc. Para que seja concretizado, portanto, é necessário<br />

todo um aparato normativo, infraestrutura para funcionamento dos órgãos<br />

públicos responsáveis por essa atividade, funcionários públicos para o serviço de<br />

cartório, bombeiros e policiais para atuar na segurança e a existência de remédios<br />

jurídicos para sua proteção, aspectos que o tornam dotado de positividade, no<br />

sentido de possuir – ainda que implicitamente – um caráter prestacional.<br />

7 GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos: Direitos não nascem em<br />

árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. Pag. 204.<br />

8 NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos<br />

direitos. Disponível em . Acesso em: 29 nov. 2010. Pag.11<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 118-127, 2010.


115<br />

Dessa forma, “os direitos – todos eles – custam, no mínimo, os recursos<br />

necessários para manter essa complexa estrutura judiciária que disponibiliza aos<br />

indivíduos uma esfera própria para tutela de seus direitos”. 9 Assim, se todos os<br />

direitos dependem de recursos financeiros para que possam ser implementados,<br />

de alguma fonte deve advir o dinheiro para que o Estado possa se manter, e essa<br />

fonte é o pagamento de impostos. Logo, a sociedade é quem custeia os seus<br />

próprios direitos, ou seja, não existe direito sem investimento de recursos<br />

públicos, nem mesmo há algum direito que nada custe. Há, pois, um ciclo: a<br />

realização de direitos depende de prestação estatal, que, por sua vez, depende do<br />

dever da sociedade de pagar tributos.<br />

Pablo Bonilla Chaves, ao referir-se à teoria do custo dos direitos, demonstra<br />

a relevância da tributação para a efetivação dos direitos: “[...] a teoria dos<br />

autores americanos, em apertada suma, é de que a atuação do Estado é<br />

intrinsecamente dependente da cobrança de impostos, primordial fonte de rendas<br />

de qualquer Administração Pública no mundo.” 10<br />

A escassez de recursos, porém, é um fenômeno presente e inevitável na<br />

realidade de muitos governos. A insuficiência de recursos financeiros públicos,<br />

muitas vezes, impede que o Estado conceda aos cidadãos todos os direitos<br />

expressos na Constituição. Com isso, torna-se inviável a implementação de todos<br />

os direitos, que são, então, submetidos às escolhas do poder público, vinculadas<br />

ao orçamento.<br />

4 ESCASSEZ DE RECURSOS E “ESCOLHAS TRÁGICAS”<br />

A escassez de recursos impõe, diante da exigência de se concretizarem os<br />

direitos fundamentais 11 contidos nos textos constitucionais, que sejam efetuadas<br />

as chamadas “escolhas trágicas”. Elas são tidas como trágicas no sentido de que,<br />

dentre os direitos a serem concretizados, um deles terá que ser priorizado e,<br />

inevitavelmente, o outro terá que ser sacrificado. Os direitos tutelados –<br />

escolhidos – salientam, por sua vez, a valoração que uma sociedade atribui a<br />

esses direitos, ou seja, são os interesses e os valores tidos como os mais altos<br />

para a coletividade que determinam quais os direitos a serem privilegiados.<br />

Gustavo Amaral e Danielle Melo se referem às escolhas trágicas como trade-offs:<br />

9 GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos: Direitos não nascem em<br />

árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. Pag. 209.<br />

10 CHAVES, Pablo Bonilla. O custo dos direitos e sua relação com as restrições jusfundamentais:<br />

aspectos gerais sobre o caso brasileiro. <strong>Revista</strong> Direitos Fundamentais e Democracia, v. 4. p.<br />

10, 2008.<br />

11 Especialmente no contexto do Estado Democrático de Direito, onde os direitos fundamentais<br />

são tidos como sendo dotados de plena normatividade e de eficácia imediata, criando<br />

obrigações para todos os poderes públicos (noção de dimensão objetiva e de eficácia vertical<br />

dos direitos fundamentais). Ver, sobre o tema, a obra de BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang.<br />

Begriff und Probleme des Verfassungsstaates. In: Staat, Nation, Europa: Studien zur<br />

Staatslehre, Verfassungstheorie und Rechtsphilosophie. Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 1999.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 118-127, 2010.


116<br />

A ideia de escassez traz consigo a noção de trade-off. Sem<br />

tradução exata para o português, podemos dizer que a alocação<br />

de recursos escassos envolve, simultaneamente, a escolha do que<br />

atender e do que não atender. Preferir empregar um dado recurso<br />

para um dado fim significa não apenas compromisso com esse<br />

fim, mas também decidir não avançar, com o recurso que está<br />

sendo consumido, em todas as demais direções possíveis. 12<br />

As necessidades sociais são, pois, ilimitadas. Já o orçamento, infelizmente,<br />

possui limites. Em vista disso, o Estado, muitas vezes, não está apto a custear<br />

todos os direitos expressos na Constituição, pois encontra barreiras na reserva do<br />

possível (aqui compreendida como limitação de cunho orçamentário, e não na<br />

perspectiva de razoabilidade que lhe confere o Tribunal Constitucional alemão 13 ),<br />

que seria, em outras palavras, a determinação daquilo que o Estado pode realizar<br />

– notadamente por meio de políticas públicas – em face do orçamento disponível,<br />

que não se confunde com a noção de limite relacionado ao que o indivíduo pode,<br />

de maneira racional, exigir do Estado em termos de prestação.<br />

Porém, a reserva do possível tem, muitas vezes, sido utilizada como<br />

justificativa para que o Estado se exima de seu papel na efetivação de direitos, o<br />

que tem sido exaustivamente discutido quando se trata de direitos fundamentais<br />

exigidos judicialmente.<br />

A doutrina (fala-se também em “cláusula”) da reserva do possível<br />

impõe limites à realização de direitos fundamentais pela via<br />

judicial. A razão para esses limites está na escassez de recursos<br />

do Estado: como não há recursos para atender a todos os pedidos<br />

baseados em direitos fundamentais previstos na Constituição, é<br />

imperioso que alguns desses pedidos, quando apresentados em<br />

juízo, sejam rejeitados. 14<br />

12 AMARAL, Gustavo; MELO, Danielle. Há direitos acima do orçamento? In: SARLET, Ingo<br />

Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais: orçamento e reserva do<br />

possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 101.<br />

13 A decisão paradigmática do Tribunal Constitucional alemão, sobre o tema da chamada “reserva<br />

do possível” (Vorbehalt des Möglichen), julgada em 1972, é conhecida como “Numerus<br />

Clausus” e versa sobre a obrigatoriedade ou não do Estado de criar mais vagas para o curso de<br />

Medicina, em face do número de alunos habilitados no exame público e universal de acesso ao<br />

ensino superior. Cf. GRIMM, Dieter; KIRCHHOF, Paul. Entscheidungen des<br />

Bundesverfassungsgericht. 3. Auflage. Tübingen: Mohr Siebeck, 2007. p. 282-297.<br />

14 ZANITELLI, Leandro Martins. Custos ou competências? Uma ressalva à doutrina da reserva do<br />

possível. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais:<br />

orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 210.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 118-127, 2010.


117<br />

Dentre as diferentes opiniões a respeito do tema, há os que concordam com<br />

o impedimento/restrição da concretização de direitos fundamentais em razão da<br />

limitação de recursos e os que não admitem tal teoria, não vendo na reserva do<br />

possível óbices para a realização dos direitos. Os que discordam da teoria<br />

utilizam, por sua vez, a figura do mínimo existencial, que é um mínimo devido a<br />

todo ser humano para que possa ter uma vida digna, como fundamento e como<br />

limite à não realização dos direitos em face do orçamento, sustentando que a<br />

garantia do mínimo existencial deve estar sempre acima de qualquer orçamento e<br />

da limitação financeira. Entretanto, a reserva do possível apenas pode ser<br />

invocada nas situações que ultrapassem o mínimo existencial ou quando se referir<br />

à pessoa que possua condições de buscar a prestação exigida sem o auxílio do<br />

Estado. Assim, o desafio que se impõe é o de ponderar a realização dos direitos<br />

com a questão orçamentária, o que somente se faz possível a partir da aferição<br />

do custo dos direitos.<br />

5 POR QUE AFERIR O CUSTO DOS DIREITOS E A IMPORTÂNCIA<br />

DO AMICUS CURIAE ENQUANTO INSTRUMENTO DE INFORMAÇÃO<br />

E DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL EM JUÍZO<br />

O melhor meio de prover direitos sociais é através de políticas públicas.<br />

Porém, nem sempre o Legislativo e o Executivo satisfazem às demandas da<br />

sociedade. Nessas ocasiões, o Judiciário é chamado a intervir, tendo que suprir as<br />

lacunas deixadas pelos outros poderes. Dessa forma, se o Poder Judiciário não for<br />

consciente em relação ao custo dos direitos pleiteados em juízo, isso o levará a<br />

decidir considerando o caso isoladamente, e não a coletividade. Ou seja, o<br />

julgador ignorará a macrojustiça, pensando somente na microjustiça,<br />

esquecendo-se dos efeitos sistêmicos que a decisão gerará. Como ressalva<br />

Galdino, “[...] a ignorância acerca dos custos, além de tudo, estimula<br />

indevidamente a atuação do Poder Judiciário, o que conduz [...] a inconvenientes<br />

excessos por parte desse poder”. 15<br />

Nesse sentido, o amicus curiae aparece como um importante instrumento<br />

para auxiliar o Judiciário a melhor decidir questões que envolvem custo excessivo<br />

e têm grande impacto orçamentário para o Estado. O “amigo da corte”, como é<br />

conhecido, possibilita a intervenção de pessoas físicas ou jurídicas, ou até mesmo<br />

um ente despersonalizado, que não fazem parte diretamente do processo, a<br />

apresentar considerações ou informações relevantes, por meio de memoriais, no<br />

âmbito do controle concentrado de constitucionalidade. A manifestação do<br />

instituto, ao trazer elementos técnicos e informativos ao processo, permite que o<br />

órgão julgador conheça melhor os aspectos plurais e complexos relacionados ao<br />

caso e, consequentemente, possa tomar uma “melhor” decisão.<br />

15 GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos: Direitos não nascem em<br />

árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 210<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 118-127, 2010.


118<br />

Assim, aferir custo aos direitos possibilita ao Estado – incluído aí o Poder<br />

Judiciário, onde o amicus curiae tem uma importante função a cumprir nesse<br />

sentido – escolher melhor onde investir os insuficientes recursos públicos e onde<br />

não gastá-los, a partir de uma adequada análise do custo-benefício de cada um<br />

dos direitos pleiteados. Além disso, conhecidos o custo e os impactos de sua<br />

realização, maior qualidade terão as “escolhas trágicas” e mais beneficiada será,<br />

consequentemente, a sociedade.<br />

6 CONCLUSÃO<br />

A ideia de que há direitos sem orçamento deve ser ultrapassada. Todo<br />

direito, positivo ou negativo, depende de recursos financeiros para ser efetivado.<br />

Desta forma, o presente estudo procurou analisar – e prossegue na pesquisa – a<br />

teoria do custo dos direitos relacionando-a ao amicus curiae. O instituto permite<br />

que se tragam maiores informações técnicas ao juízo, adquirindo ainda mais<br />

importância quando a causa em questão repercutir em gasto de recursos<br />

públicos, notadamente nas decisões em torno dos direitos sociais.<br />

Os direitos positivos não são, contudo, unicamente os que repercutem em<br />

custo ao Estado, pois também os negativos necessitam de toda uma estrutura<br />

jurídica necessária para seu andamento. A maior diferença está na visibilidade do<br />

custo da efetivação, na medida em que os direitos de prestação geram dispêndio<br />

de recursos muito mais visível aos olhos dos cidadãos do que os direitos de<br />

defesa, pois aqueles custam mais do que estes. É através da arrecadação de<br />

tributos que o governo agirá para a concretização dos direitos fundamentais, que,<br />

por vezes, ficam submetidos a escolhas, devido à escassez de recursos e à<br />

reserva do possível.<br />

Assim, aferir custos possibilita uma melhor avaliação e escolha quanto aos<br />

direitos pleiteados judicialmente, também direcionando os escassos recursos<br />

financeiros públicos para as prioridades da sociedade. Neste contexto, toda e<br />

qualquer informação trazida ao processo é válida e capaz de conduzir a uma<br />

melhor decisão, ou seja, o amicus curiae vem para auxiliar e representar o<br />

interesse social, a fim de garantir o máximo de direitos aos cidadãos.<br />

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custos dos direitos. Disponível em: . Acesso em: 29 nov. 2010.<br />

ZANITELLI, Leandro Martins. Custos ou competências? Uma ressalva à doutrina<br />

da reserva do possível. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti<br />

(Org.). Direitos fundamentais: orçamento e reserva do possível. Porto Alegre:<br />

Livraria do Advogado, 2008.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 118-127, 2010.


ANÁLISE DE TIPOLOGIAS ARQUITETÔNICAS AO LONGO DA<br />

III PERIMETRAL EM PORTO ALEGRE (RS)<br />

Mariana Louise Sehnem 1<br />

Heleniza Ávila Campos 2<br />

RESUMO<br />

A III Perimetral foi implantada na capital do Estado, Porto Alegre, com o intuito<br />

de criar uma via que melhorasse o fluxo de veículos no centro e ainda que<br />

tornasse a ligação norte-sul da capital mais rápida e eficiente. Com isso, a III<br />

Perimetral vem se tornando um grande e inovador polo comercial e de serviços da<br />

região. Este artigo visa demonstrar as análises referentes às tipologias<br />

arquitetônicas encontradas na III Perimetral, nos quatro trechos em que foi<br />

dividida para esta pesquisa. O conceito de tipologia arquitetônica consiste na<br />

caracterização dos padrões construtivos que definem determinados espaços de<br />

forma predominante. Pode-se observar claramente que o trecho que mais<br />

apresenta alterações em sua atual configuração é o qual nomeamos como sendo<br />

o segundo, referente à Avenida Carlos Gomes, em razão das recentes<br />

intervenções realizadas a partir do ano de 1999. Este trecho é o mais<br />

desenvolvido em razão de seu uso extremamente comercial. Esse estudo da<br />

configuração das tipologias arquitetônicas auxiliará no estudo da configuração<br />

morfológica da avenida, bem como no sistema estratégico dos fluxos dos<br />

transportes coletivos.<br />

Palavras-chave: Centralidades urbanas. Perimetral. Porto Alegre. Uso e<br />

ocupação do solo. Tipologias arquitetônicas.<br />

ABSTRACT<br />

Interventions in strategic roads in Brazilian big cities has been implemented in<br />

order to create a better condition of vehicle flow focusing speed and efficiency. In<br />

this way, the III Perimetral in Porto Alegre (Rio Grande do Sul, Brazil) has become<br />

a great and innovative commercial and services hub in the region. This article<br />

seeks to show the analysis concerning the architectural typologies found in the III<br />

Perimetral in Porto Alegre, in all the four sections it was divided for this research.<br />

1<br />

2<br />

Graduanda do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Santa Cruz do Sul e<br />

bolsista PIBIC/CNPq nesta pesquisa. Email: mari_sehnem@hotmail.com.<br />

Doutora em Ciências Geográficas (UFRJ), docente do Departamento de Engenharia, Arquitetura<br />

e Ciências Agrárias e do Programa de Pós Graduação e Desenvolvimento Regional da UNISC.<br />

Email: heleniza@unisc.br<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 128-135, 2010.


121<br />

The concept of architectural typology consists in the characterization of the<br />

construction standards that prevail over determinate sections. We can clearly<br />

observe that the section that has most modification in its nowadays configuration<br />

is the one called “second section”, on Carlos Gomes Avenue, because of recent<br />

interventions made since 1999. This section is the most developed in function of<br />

its extremely commercial use. The study of its architectural typology aided the<br />

research team to better understand the morphologic configuration, as well as the<br />

flow of mass transports.<br />

Keywords: Urban centralities. Perimeter. Porto Alegre. Soil occupation and use.<br />

Architectural typologies.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Este trabalho é parte integrante da pesquisa atualmente em<br />

desenvolvimento intitulada “Centralidades Lineares e Ocupação do Solo<br />

Metropolitano: o Caso da III Perimetral em Porto Alegre (RS)”. A pesquisa iniciada<br />

em 2009, conta com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento<br />

Científico e Tecnológico (CNPq).<br />

A terceira Perimetral constitui-se no maior segmento viário urbano de Porto<br />

Alegre, formada por um conjunto de avenidas já existentes, recentemente<br />

unificadas configurando uma via arterial estratégica que articula as zonas sul e<br />

norte da cidade (ver Figura 1).<br />

A obra de implantação da Perimetral iniciou-se em 1999, a partir de<br />

financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco<br />

Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O eixo total da<br />

perimetral possui 12,3 km, tendo o trecho correspondente à Avenida Carlos<br />

Gomes uma extensão de 2.172 m. Iniciada em 2001 pelo Consórcio Pelotense-<br />

Procon, este trecho em particular vem se tornando um grande polo econômico e<br />

comercial dessa nova fase de desenvolvimento urbano da capital, em virtude de<br />

sua localização privilegiada.<br />

Sendo assim, através da III Perimetral, o modelo radial-concêntrico,<br />

estruturador da cidade tradicional, encontra sua transição para o tecido urbano<br />

mais recentemente constituído, ou seja, nas duas últimas décadas.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 128-135, 2010.


122<br />

Figura 1 – Localização da III Perimetral na cidade de Porto Alegre (RS).<br />

Fonte: Elaborado por SEHNEM (2009) a partir de imagem de satélite - Google<br />

Earth, 2008.<br />

2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO<br />

A cidade de Porto Alegre constitui-se no centro de gestão política e núcleo<br />

articulador na rede metropolitana, apresentando configuração em modelo radial<br />

concêntrico, destacando-se no âmbito das políticas públicas urbanas e no<br />

planejamento urbano em particular pelas ações e resultados diferenciados. A sua<br />

estrutura principal se organiza através de eixos radiais, dentre os quais se<br />

destacam os seguintes: BR 119; Av. Farrapos; Av. Cristóvão Colombo,<br />

posteriormente denominada Av. Plínio Brasil Milano; Av. Protásio Alves e Av. Nilo<br />

Peçanha. As avenidas radiais têm a função de penetração no tecido urbano,<br />

integrando o centro aos demais bairros a leste, em seu interior. Os principais<br />

eixos concêntricos, que atuam como perimetrais são: - a I Perimetral (Av.<br />

Loureiro da Silva); a II Perimetral, composta por diferentes avenidas (José de<br />

Alencar, Azenha, Princesa Isabel, Mariante, Goethe, Dr.Timóteo e Felix da<br />

Cunha); e a III Perimetral, composta pelas Av. D. Pedro, da Carvalhada, Nonoai,<br />

Teresópolis, Cel. Aparício Borges, Senador Tarso Dutra e Dr. Salvador Franca. Os<br />

eixos concêntricos têm como principal função articular setores da cidade (norte e<br />

sul, leste e oeste), servindo como canal de deslocamento para o conjunto da<br />

cidade.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 128-135, 2010.


123<br />

3 METODOLOGIA<br />

Na presente pesquisa realizamos os levantamentos in loco das edificações,<br />

os quais foram registrados em planilhas, conforme o modelo a seguir.<br />

Tipologia<br />

1. Telha canal<br />

2. Telhado fibrocimento<br />

3. Laje<br />

4. Nenhum<br />

Quadra 1<br />

L1 L2 L3 L4 L5 L6 L7 L8 L9 L10 L11 Total Q1<br />

Usos<br />

1. Residencial<br />

2. Comercial<br />

3. Misto<br />

4. Nenhum<br />

5. Serviços<br />

6. Institucional<br />

7. Religioso<br />

Recuos<br />

1. Frontal<br />

2. Lateral Direito<br />

3. Lateral Esquerdo<br />

4. Nenhum<br />

5. Posterior<br />

Gabarito - nº de pavimentos<br />

Período em que foi construído<br />

1. Anterior aos anos 60<br />

2. Entre os anos 60 e 90<br />

3. Posterior a 1999<br />

4. Nenhum<br />

Para tal levantamento, utilizamos basicamente a constatação visual do nosso<br />

olhar crítico para qualificar as edificações encontradas nos itens que constituem a<br />

planilha. Quando não era possível apenas nossa avaliação, recorríamos a<br />

moradores e/ou ocupantes das edificações para esclarecer ou obter conhecimento<br />

do item que não pode ser analisado previamente.<br />

Os dados levantados nas saídas de campo foram adicionados à tabela do<br />

Microsoft Excel e analisados a partir do uso do Statistical Package for the Social<br />

Sciences (SPSS). Este programa permite a elaboração de tabelas com a<br />

frequência dos dados individuais e diferentes cruzamentos possíveis. As<br />

frequências para a realização da análise deste trabalho foram fundamentadas nos<br />

critérios já descritos anteriormente.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 128-135, 2010.


124<br />

Para efeito desta pesquisa, a terceira perimetral foi dividida em quatro<br />

trechos:<br />

TRECHO 1: Inicia a partir do viaduto da Benjamin<br />

Constant com a Av. Dom Pedro até a Av. Plínio Brasil<br />

Milão. Neste trecho encontramos alguns serviços,<br />

comércios, edificações antigas e prédios abandonados;<br />

TRECHO 2: Av. Carlos Gomes, Av. Plínio Brasil Milão<br />

até Protásio Alves. Caracteriza-se por apresentar novos<br />

prédios, serviços, empresas, hotéis;<br />

TRECHO 3: Av. Protásio Alves até a Av. Ipiranga.<br />

Compreende o Jardim Botânico e vazios urbanos<br />

pertencentes à Empresa Imobiliária Condor;<br />

TRECHO 4: Av. Ipiranga até Passagem de nível<br />

Celso Furtado. Trecho com caráter mais institucional<br />

(brigada militar, vila militar, casas militares).<br />

4 RESULTADOS DA PESQUISA<br />

Após toda a etapa de levantamento e tratamento dos dados obtidos em<br />

campo, chegamos a algumas conclusões básicas:<br />

No primeiro trecho predomina o tipo de telha canal (48,20%), o uso<br />

residencial (40,70%), edificações com 1 ou 2 pavimentos (62,15%) e período de<br />

construção entre os anos 60 e 90 (63,63%);<br />

No segundo trecho predomina a telha fibrocimento/alumínio (52,30%), o<br />

uso de serviços (35,81%), edificações com 1 ou 2 pavimentos (51,23%) e período<br />

de construção entre os anos 60 e 90 (68,05%);<br />

No terceiro trecho predomina a telha fibrocimento/alumínio (40%), o uso<br />

residencial (51,16%), edificações com 1 ou 2 pavimentos (59,09%) e período de<br />

construção entre os anos 60 e 90 (75%);<br />

E por último, no quarto trecho predomina a telha fibrocimento/alumínio<br />

(50,50%), o uso residencial (50,53%), edificações com 1 ou 2 pavimentos<br />

(84,3%) e período de construção entre os anos 60 e 90 (63,45%).<br />

Através desse levantamento, pode-se observar que os quatro trechos<br />

analisados possuem características arquitetônicas bastante distintas,<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 128-135, 2010.


125<br />

diferenciando-se pelo padrão construtivo, pelo uso e pela ocupação predominante<br />

e pelo período no qual a edificação foi criada, refletindo, assim, as diferenças<br />

sociais e econômicas dos bairros afetados pela intervenção.<br />

Trecho 1: a presença de lotes vazios/abandonados se mostra bastante<br />

intensa, tendendo a transformar-se e a constituir-se em uma continuidade da<br />

dinâmica imobiliária da Av. Carlos Gomes.<br />

Fotos 1 e 2: Trecho 1 da III Perimetral.<br />

Fonte: Grupo de Pesquisa, 2010.<br />

Trecho 2: há uma maior modernização e alteração dos padrões construtivos<br />

nas edificações. Possui também um caráter bastante relacionado ao comércio e à<br />

prestação de serviço, como hotéis, agências bancárias, edifícios de salas<br />

comerciais, etc.<br />

Fotos 3 e 4: Trecho 2 da III Perimetral (Av. Carlos Gomes).<br />

Fonte: Grupo de Pesquisa, 2010.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 128-135, 2010.


126<br />

Trecho 3: observa-se um caráter mais institucional, com muitas áreas<br />

verdes, como o Jardim Botânico, e algumas massas de vegetação de vazios<br />

urbanos, que dificultam a ocupação mais adequada da área.<br />

Fotos 5 e 6: Trecho 3 (Jardim Botânico).<br />

Fonte: Grupo de Pesquisa, 2010.<br />

Trecho 4: há uma grande diferença da paisagem urbana em relação aos<br />

demais trechos. Há edificações residenciais de baixa renda, a grande maioria<br />

junto à testada da rua. Trata-se de uma região já consolidada, com muito mais<br />

fluxo de pessoas, maior quantidade de pequenos pontos comerciais e centros<br />

religiosos.<br />

Fotos: 7 e 8: Trecho 4 da III Perimetral.<br />

Fonte: Grupo de Pesquisa, 2010.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 128-135, 2010.


127<br />

5 CONCLUSÃO<br />

Através deste artigo busca-se evidenciar a importância do trabalho de<br />

campo para compreender a realidade de estudo. Tal exercício exige uma<br />

preparação anterior, a partir da qual se estruturam as etapas a serem cumpridas<br />

e as técnicas de obtenção de dados, para viabilizar a rapidez e a consistência das<br />

informações de acordo com os interesses (objetivos) da pesquisa. O passo<br />

seguinte consiste na coleta organizada de dados. Nesta pesquisa em particular a<br />

coleta ocorreu fundamentalmente a partir de preenchimento do formulário de<br />

informações (previamente construído) e levantamento fotográfico. Com os dados<br />

em mãos, foi possível utilizar técnicas de análise que permitiram entender as<br />

particularidades de cada trecho.<br />

O estudo sobre a III Perimetral de Porto Alegre tem permitido o<br />

entendimento das grandes diferenças existentes dentro da cidade, que se tornam<br />

visíveis em uma intervenção deste porte.<br />

REFERÊNCIAS<br />

PORTO ALEGRE. Prefeitura Municipal. Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano<br />

Ambiental (2º PDDUA). Lei Complementar nº 434/99. Porto Alegre: Secretaria<br />

Municipal de Planejamento, 2002.<br />

SOARES, P. R. R. Metamorfoses da metrópole contemporânea: considerações<br />

sobre Porto Alegre. GEOUSP - Espaço e Tempo. São Paulo, nº 20, p. 129-143,<br />

2006.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 128-135, 2010.

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