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CENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIA<br />

ENTIDADE MANTENEDORA:<br />

INSTITUTO FILADÉLFIA DE LONDRINA<br />

Diretoria:<br />

Sra. Ana Maria Moraes Gomes .................................. Presidente<br />

Sr. Edson Aparecido Moreti ...................................... Vice-Presidente<br />

Dr. Claudinei João Pelisson........................................ 1º Secretário<br />

Sra. Edna Virgínia C. Monteiro de Melo ..................... 2ºVice-Secretário<br />

Sr. Alberto Luiz Candido Wust ................................. 1º Tesoureiro<br />

Sr. José Severino....................................................... 2º Vice-Tesoureiro<br />

Dr. Osni Ferreira (Rev.) .............................................. Chanceler


ISSN 0104-8112<br />

TERRA E CULTURA<br />

Ano XXII – nº 43 – Janeiro a Julho de 2006<br />

CONSELHO EDITORIAL<br />

PRESIDENTE<br />

Leandro Henrique Magalhães<br />

CONSELHEIROS<br />

Conselho Editorial Interno<br />

Prof. Ms. A<strong>da</strong>lberto Bran<strong>da</strong>lize<br />

Prof. Ms. Ademir Morgenstern Padilha<br />

Profa. Dra. Damares Tomasin Biazin<br />

Profa. Dra. Denise Hernandes Tinoco<br />

Profa. Ms. Elen Gongora Moreira<br />

Profa. Esp. Izabel Fernandes G. de Souza<br />

Prof. Dr. João Antonio Cyrino Zequi<br />

Prof. Dr. João Juliani<br />

Prof. Ms. José Antônio Baltazar<br />

Prof. Ms. José Martins Trigueiro Neto<br />

Profa. Dra. Lenita Brunetto Bruniera<br />

Prof. Ms. Marcos Roberto Garcia<br />

Profa. Ms. Maria Eduvirges Marandola<br />

Profa. Ms. Marisa Batista Brighenti<br />

Profa. Ms. Marta Regina F. de Oliveira<br />

Profa. Ms. Miriam Maiola<br />

Profa. Ms. Patrícia Martins C. Branco<br />

Prof. Dr. Sérgio Akio Tanaka<br />

Profa. Esp. Thais Berbert<br />

Conselho Editorial Externo<br />

Profa. Ms. Angela Maria de Sousa Lima<br />

Profa. Dra. Dirce S. Fujisawa<br />

Profa. Dra. Gislayne F. L. Trin<strong>da</strong>de Vilas Boas<br />

Prof. Dr. Jefferson Rosa Cardoso<br />

Prof. Dr. José Eduardo Garcia<br />

Prof. Dr. José Miguel Arias Neto<br />

Prof. Dr. Laurival Antonio Vilas Boas<br />

Profa. Dra. Lúcia Helena Tiosso Moretti<br />

Prof. Dr. Luis Filipe Silverio Lima<br />

Profa. Ms. Mara Lúcia Garanhani<br />

Profa. Ms. Marcia Josefina Beffa<br />

Profa. Ms. Maria Elisa Pacheco<br />

Profa. Dra. Nair Simone de Toledo Costa<br />

Profa. Ms. Patrícia Queiroz<br />

Profa. Dra. Selma Frossard Costa<br />

Profa. Ms. Silvia Helena Carvalho<br />

REVISORES<br />

Júlio Marcos Secco Delallo<br />

Tadeu Elisbão<br />

SECRETARIA<br />

Barbara Vilas Boas Gomes<br />

PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO<br />

Wagner Werner


R349<br />

Revista Terra e Cultura: cadernos de ensino e pesquisa, v.1, n.1, jan./<br />

jun., 1985- . – Londrina: <strong>UniFil</strong>, 1985.<br />

Semestral<br />

Revista <strong>da</strong> <strong>UniFil</strong> – Centro Universitário Filadélfia.<br />

ISSN 0104-8112<br />

Filadélfia<br />

1. Educação superior – periódicos. I. <strong>UniFil</strong> – Centro Universitário<br />

CDD 378.05<br />

Bibliotecária responsável Thais Fauro Scalco CRB 9/1165


Apoio


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TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


CENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIA<br />

REITOR:<br />

Dr. Eleazar Ferreira<br />

PRÓ-REITOR DE ENSINO DE GRADUAÇÃO:<br />

Prof. MSc. José Gonçalves Vicente<br />

COORDENADORA DE CONTROLE ACADÊMICO:<br />

Profª. Esp. Josseane Mazzari Gabriel<br />

PRÓ-REITORA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO:<br />

Profª. Dra. Damares Tomasin Biazin<br />

COORDENADOR DE PROJETOS ESPECIAIS E ASSESSOR DO REITOR:<br />

Prof. MSc. Reynaldo Camargo Neves<br />

COORDENADOR DE PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS:<br />

Prof. Dr. Leandro Henrique Magalhães<br />

COORDENADORES DE CURSOS DE GRADUAÇÃO:<br />

Administração<br />

Arquitetura e Urbanismo<br />

Biomedicina<br />

Ciências Biológicas<br />

Ciências Contábeis<br />

Direito<br />

Educação Física<br />

Enfermagem<br />

Farmácia<br />

Fisioterapia<br />

Nutrição<br />

Pe<strong>da</strong>gogia<br />

Psicologia<br />

Secretariado Executivo<br />

Sistema de Informação<br />

Teologia<br />

Turismo<br />

Prof. MSc. Luís Marcelo Martins<br />

Prof. MSc. Ivan Prado Junior<br />

Prof. Esp. Eduardo Carlos Ferreira Tonani<br />

Prof. Dr. João Antônio Cyrino Zequi<br />

Prof. MSc. Eduardo Nascimento <strong>da</strong> Costa<br />

Prof. MSc. Osmar Vieira <strong>da</strong> Silva<br />

Prof. MSc. Pedro Lanaro Filho<br />

Profª. MSc. Maria Lúcia <strong>da</strong> Silva Lopes<br />

Profª. Dra.Lenita Brunetto Bruniera<br />

Profª. Dra. Suhaila Mahmoud Smaili Santos<br />

Profª. Msc. Ivoneti Barros Nunes de Oliveira<br />

Profª. Msc. Marta Regina Furlan de Oliveira<br />

Profª. Dra. Denise Hernandes Tinoco<br />

Profª. Msc. Izabel Fernandes Garcia Souza<br />

Prof. Msc. A<strong>da</strong>il Roberto Nogueira<br />

Prof. Dr. Joaquim José de Moraes Neto<br />

Profª. Esp. Michelle Ariane Novaki<br />

9<br />

Rua Alagoas, nº 2.050 - CEP 86.020-430<br />

Fone: (0xx43) 3375-7400 - Londrina - Paraná<br />

www.unifil.br<br />

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TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


E D I T O R I A L<br />

A Revista Terra e Cultura: Cadernos de Ensino e Pesquisa chega ao número 43 com novas<br />

reformulações, acompanhando processo que vem ocorrendo desde a edição comemorativa, que<br />

saiu a público em janeiro de 2005, quando adquire novo formato. A partir <strong>da</strong>í houve um processo de<br />

reestruturação <strong>da</strong> mesma, que passou a ser organiza<strong>da</strong> por núcleos de pesquisa. O próximo passo<br />

foi a ampliação do conselho editorial que, nesta edição, conta com uma comissão externa de avaliação.<br />

Todo este trabalho resultou no apoio <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Araucária, vitória alcança<strong>da</strong> por todos os<br />

envolvidos: secretaria, revisores, conselho editorial e colaboradores. Destacamos ain<strong>da</strong> que este<br />

fato só foi possível graças a quali<strong>da</strong>de dos artigos, fazendo <strong>da</strong> <strong>revista</strong> um dos mais importantes<br />

veículos de disseminação científica <strong>da</strong> instituição.<br />

Nesta edição publicamos dois artigos que envolvem a temática violência, pelo Núcleo de<br />

Estudos e Pesquisas em Ciências Sociais Aplica<strong>da</strong>s – NEPCSA, o primeiro intitulado Crimes<br />

Virtuais e outro Infância: Escola e Violência Simbólica. O Núcleo de Estudos e Pesquisas em<br />

Desenvolvimento Tecnológico e Empresarial – NEPDTE publica artigos de grande interessante ao<br />

tratar, em um deles, do perfil dos consumidores de supermercados em Londrina e, em outro, <strong>da</strong><br />

análise de custos na administração pública.<br />

Na área de educação temos uma reflexão em torno do leitor, e também escritor, José de<br />

Alencar, interessante artigo para quem se interessa por história e literatura. Além deste, apresentamos<br />

dois artigos que se preocupam com questões diretamente vincula<strong>da</strong>s a escola: o primeiro<br />

intitulado A Influência <strong>da</strong>s Práticas Educativas dos Pais sobre o Comportamento dos Filhos, e o<br />

segundo A Hora do Conto na Escola: Paradoxos e Desafios. O Núcleo de Estudos e Pesquisas em<br />

Saúde e Quali<strong>da</strong>de de Vi<strong>da</strong> - NEPSV apresenta artigos nas áreas de psicologia, saúde e ciências<br />

biológicas. A psicologia está contempla<strong>da</strong> com um artigo que trata dos fatores que levam a escolha<br />

do cônjuge e outro intitulado Os Efeitos Psicossociais Causados em Vítimas de Abuso Sexual. A<br />

enfermagem é contempla<strong>da</strong> com um interessante estudo sobre a autonomia deste profissional, em<br />

especial aquele que atua no programa saúde <strong>da</strong> família. E as ciências biológicas apresenta o artigo<br />

Isolamento de Mutantes Asporogênicos de Bacillus thuringiensis subsp. Thuringiensis.<br />

A arquitetura é contempla<strong>da</strong> com dois artigos: o primeiro intitulado Arquitetura, Espaços de<br />

Convivência e Educação Especial, e o segundo Análise de Desempenho Térmico de Protótipo<br />

Habitacional de Bloco Cerâmico. Para fechar, publicamos resenha do livro Homens de Negócio: A<br />

Interiorização <strong>da</strong> Metrópole e do Comércio nas Minas Setecentistas.<br />

Desejamos a todos boa leitura e ficamos no aguardo de contribuições para as próximas<br />

edições.<br />

Prof. Dr. Leandro Henrique Magalhães<br />

Presidente do Conselho Editorial


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S U M Á R I O<br />

NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS –<br />

NEPCSA<br />

CRIMES VIRTUAIS .................................................................................................... 15<br />

VIRTUAL CRIMES<br />

Edson Mafra Alves<br />

Elaine Beatriz Pedroso<br />

INFÂNCIA, ESCOLA E VIOLÊNCIA SIMBÓLICA ................................................. 27<br />

CHILDHOOD, SCHOOLS AND SYMBOLIC VIOLENCE<br />

Eliane Belloni<br />

Olga Ceciliato Mattioli<br />

NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM DESENVOLVIMENTO<br />

TECNOLÓGICO E EMPRESARIAL – NEPDTE<br />

ESTUDO DO PERFIL DO CONSUMIDOR DE SUPERMERCADOS DA CIDADE<br />

DE LONDRINA ............................................................................................................ 41<br />

STUDY OF THE PROFILE OF SUPERMARKET CUSTOMERS IN THE CITY OF LONDRINA<br />

Maria Eduvirge Marandola<br />

Suzana Rezende Lemanski<br />

A IMPORTÂNCIA DA ANÁLISE DE CUSTOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA . 45<br />

THE IMPORTANCE OF COST ANALYSIS IN PUBLIC ADMINISTRATION<br />

Carolina Cunha Machado<br />

Paulino Tsurushima<br />

Talita Brizzi<br />

Luis Marcelo Martins<br />

13<br />

NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EDUCACIONAIS – NEPE<br />

JOSÉ DE ALENCAR: ESCRITOR, LEITOR E HISTORIADOR ........................... 59<br />

JOSÉ DE ALENCAR: WRITER, READER AND HISTORIAN<br />

Daniela Casoni Moscato<br />

A INFLUÊNCIA DAS PRÁTICAS EDUCATIVAS DOS PAIS SOBRE O COMPOR-<br />

TAMENTO DOS FILHOS ........................................................................................... 64<br />

THE INFLUENCE OF EDUCATIONAL PRATICES OF PARENTS ON THE BEHAVIOR OF<br />

THEIR CHILDREN<br />

Carmen Garcia de Almei<strong>da</strong><br />

Eliane Belloni<br />

Mirella Rugani Dancieri<br />

Marcela Almei<strong>da</strong> Senedesi<br />

A HORA DO CONTO NA ESCOLA: PARADOXOS E DESAFIOS ......................... 69<br />

SHORT STORY TIME” AT SCHOOL: PARADOXES AND CHALLENGES<br />

Rovilson José <strong>da</strong> Silva<br />

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NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA –<br />

NEPSV<br />

ANÁLISE DOS FATORES QUE LEVARAM À ESCOLHA DO CÔNJUGE EM IN-<br />

DIVÍDUOS PESQUISADOS NA CIDADE DE LONDRINA E REGIÃO ................ 81<br />

ANALYSIS OF THE FACTORS THAT INFLUENCED THE CHOICE OF SPOUSES AMONG<br />

THE INDIVIDUALS RESEARCHED IN THE CITY OF LONDRINA AND<br />

SURROUNDING REGION<br />

Evelin Cristina Guelfi<br />

Cláudia Algoso Frasson<br />

José Antônio Baltazar<br />

OS EFEITOS PSICOSSOCIAIS CAUSADOS EM VÍTIMAS DE ABUSO SEXUAL .. 90<br />

PSYCHO-SOCIAL EFFECTS ON VICTMES OF SEXUAL ABUSE<br />

Paula Quessa<strong>da</strong> Hirata<br />

José Antônio Baltazar<br />

O TRABALHO DO ENFERMEIRO NO PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA –<br />

PSF: AUTONOMIA E RECONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE PROFISSIONAL .. 93<br />

THE NURSE IN THE FAMILY HEALTH PROGRAM:AUTONOMY AND<br />

RECONSTRUCTION OF THE PROFESSIONAL IDENTITY<br />

Maria José de Melo Prado<br />

14<br />

ISOLAMENTO DE MUTANTES ASPOROGÊNICOS DE bacillus thuringiensis subsp.<br />

thuringiensis ................................................................................................................ 105<br />

ISOLATION OF ASPOROGENIC MUTANTS OF Bacillus thuringiensis subsp. Thuringiensis<br />

Laurival Antonio Vilas-Bôas<br />

Veridiana Torrezan. P. Braz<br />

Gislayne Fernandes. L. T. Vilas-Bôas<br />

Olívia Marcia. N. Arantes<br />

NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM ARQUITETURA E URBANISMO –<br />

NEPAU<br />

ARQUITETURA, ESPAÇOS DE CONVIVÊNCIA E EDUCAÇÃO ESPECIAL ... 115<br />

ARCHITECTURE, INTERACTION SPACES, SPECIAL EDUCATION<br />

Ag<strong>da</strong> Patrícia Felizardo<br />

Antonio Manuel Nunes Castelnou<br />

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ANÁLISE DE DESEMPENHO TÉRMICO DE PROTÓTIPO HABITACIONAL DE<br />

BLOCO CERÂMICO ................................................................................................. 131<br />

ANALYSIS OF THERMAL PERFORMANCE OF CLAY BLOCK HOUSING PROTOTYPE<br />

Roberto Mititaka Ike<strong>da</strong><br />

Michelle Reichert <strong>da</strong> Silva de Godoy Leski<br />

Reginaldo de Matos Manzano<br />

R E S E N H A<br />

HOMENS DE NEGÓCIO: A INTERIORIZAÇÃO DA METRÓPOLE E DO COMÉR-<br />

CIO NAS MINAS SETECENTISTAS<br />

BUSINESSMEN: THE INTERIORIZING OF METROPOLIS AND TRADE IN THE<br />

SEVENTEENTH-CENTURY MINAS<br />

Janaina Rodrigues Pitas<br />

TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS<br />

APLICADAS – NEPCSA


Crimes Virtuais<br />

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Edson Mafra Alves e Elaine Beatriz Pedroso<br />

CRIMES VIRTUAIS<br />

Edson Mafra Alves *<br />

Elaine Beatriz Pedroso **<br />

RESUMO<br />

A informática tem se tornado o principal meio de comunicação entre os indivíduos, passando a ser<br />

indispensável nas organizações, visto que, através dela é possível realizar pesquisas, comunicar-se,<br />

fechar contratos, etc. Porém, muitas informações são confidenciais, e impõem a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

utilização de logins e senhas, principalmente em transações bancárias em que há movimentação<br />

de dinheiro. Em conseqüência dessa dependência <strong>da</strong> informática que empresas e pessoas têm,<br />

surgiram indivíduos que têm por objetivo coletar informações importantes para conseguirem, de<br />

alguma forma, lucro. Esses indivíduos estu<strong>da</strong>m, baixam programas <strong>da</strong> Internet, se atualizam, e<br />

invadem computadores à procura de senhas, saldos, transações e informações confidenciais. Estes<br />

são os chamados “hackers”, que se dedicam a invadir computadores. Em distintas pesquisas,<br />

verificou-se que existem vários fatores que são vistos como ameaças aos sistemas de informática,<br />

como vírus, falhas na segurança física, funcionários, senhas disponibiliza<strong>da</strong>s a qualquer um, utilização<br />

de notebooks, mensagens de e-mails desconhecidos, falta de conhecimento dos usuários,<br />

entre outros. Com tantas ameaças, torna-se ca<strong>da</strong> vez mais difícil proteger-se de crimes. No entanto,<br />

na atuali<strong>da</strong>de não há possibili<strong>da</strong>de de deixar de utilizar os meios eletrônicos, pois estes reduzem<br />

gastos, diminuem a necessi<strong>da</strong>de de empregados, proporcionam rapidez e agili<strong>da</strong>de nos serviços<br />

realizados através do computador. Com o aumento de crimes virtuais, observou-se a necessi<strong>da</strong>de<br />

de criar leis que protejam as pessoas prejudica<strong>da</strong>s ao utilizarem este meio eletrônico. A Lei nº 84 de<br />

1999, dispõe sobre crimes de informática, suas penali<strong>da</strong>des e providências. Entre os crimes abor<strong>da</strong>dos<br />

nesta lei estão: utilização ou alteração de programas; acesso indevido ou não autorizado a<br />

computadores; alteração de senhas de entra<strong>da</strong> em programas sem autorização; obtenção de <strong>da</strong>dos<br />

ou instruções constantes em computadores, sem autorização; violação de segredo armazenado; e<br />

veiculação de pornografia. Sendo que para ca<strong>da</strong> crime, há uma penali<strong>da</strong>de e providência a ser<br />

toma<strong>da</strong>. Portanto, além de invasões, existem outros crimes cometidos em computadores particulares<br />

ou de empresas, realizados por hackers ou simplesmente pessoas que tenham acesso, como<br />

funcionários. Por isso, torna-se importante levar ao conhecimento <strong>da</strong> população a necessi<strong>da</strong>de de<br />

tomar providências quanto à segurança de seus computadores e implementar o treinamento de<br />

pessoas confiáveis para utilizá-los, bem como promover a veiculação <strong>da</strong> Lei que penaliza aos que<br />

cometem crimes através de meios virtuais.<br />

17<br />

PALAVRAS-CHAVES: Crimes Virtuais; Hackers; Segurança <strong>da</strong> Informação; Leis; Computador;<br />

Informática; Penali<strong>da</strong>des.<br />

ABSTRACT<br />

Information technology has become the main means of communication among individuals and has<br />

become indispensable to any of enterprise. Through it people can communicate, conduct surveys,<br />

make deals, etc. However, much information is confidential and it is necessary to use passwords<br />

and logins, mainly in bank transactions in which there is money transference. As a result of people’s<br />

dependence on information technology, many persons try to gather important information in order<br />

to, somehow, make a profit. These individuals study, <strong>download</strong> internet programs, up <strong>da</strong>te themselves<br />

and invade computers in search of passwords, bank balances, transactions and confidential<br />

information. They are the so called “hackers”, people who dedicate themselves to computer invasion.<br />

In different surveys, it was found that there are several factors which are regarded as threats to<br />

information technology systems, such as viruses, physical safety failures, indiscriminate availability<br />

* Tecnologia de Processamento de Dados - Centro Universitário Filadélfia – <strong>UniFil</strong>.<br />

** Docente <strong>da</strong> <strong>UniFil</strong>. Advoga<strong>da</strong>. Especialista em Direito e Processo Penal pela Universi<strong>da</strong>de Estadual de Londrina - UEL.<br />

Orientadora <strong>da</strong> presente pesquisa.<br />

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Crimes Virtuais<br />

of passwords, the use of laptops, messages from unfamiliar e-mails, lack of users’ awareness,<br />

among others. With so many threats, protection from crimes is becoming more and more difficult to<br />

achieve. In spite of this, nowa<strong>da</strong>ys there is no possibility of giving up the electronic means, for they<br />

lower costs, reduce the need for labor, provide speed and agility to the services rendered through<br />

the computer. New laws have become necessary, as a result of the rise in virtual crimes, in order<br />

to protect people who use the electronic means. Law # 84, enacted in 1999, concerns information<br />

technology crimes and establish penalties and steps to be taken. Among the crimes described by<br />

this law are: use or alteration of programs, unauthorized or undue access to computers, unauthorized<br />

changing of passwords to programs, unauthorized gathering of <strong>da</strong>ta or instructions stored in computers,<br />

violation of stored secrets and pornography distribution. For each crime there is a penalty and a<br />

step to be taken. In this way, besides invasions, there are other crimes committed against private or<br />

business computers by hackers or people with access to the computers, such as employees. In<br />

view of this, it is necessary to make the general public aware of the need to take measures concerning<br />

the safety of their computers and to implement the training of reliable persons to use them, and also<br />

promote the divulging of the law that penalizes those who commit crimes through virtual means.<br />

KEYWORDS: Virtual crimes; Hackers; Information safety; Laws; Computer; Information<br />

technology; penalties.<br />

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INTRODUÇÃO<br />

O mundo vem assistindo a uma grande popularização de microcomputadores e <strong>da</strong><br />

Internet. Temos hoje a Internet como uma forma de comunicação que ganhou e vem ganhando,<br />

diariamente, um número maior de usuários, no menor tempo visto na história <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de.<br />

A Internet oferece muitas oportuni<strong>da</strong>des para o desenvolvimento <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de.<br />

É possível concluir que essa grande evolução é devi<strong>da</strong> ao simples fato de que antigamente todo<br />

procedimento envolvendo comunicação era demorado, pois dependia de uma resposta de determina<strong>da</strong><br />

pessoa. Hoje podemos ter tal resposta em questão de minutos (e porque não dizer segundos),<br />

tudo dependendo de um simples clique.<br />

Nos serviços bancários eram necessários os famosos office-boys, que depois<br />

passaram a ser chamados de auxiliares de escritório; e agora, qual será o novo nome a ser <strong>da</strong>do a<br />

eles? Se é que ain<strong>da</strong> sobreviverão a essa nova tecnologia.<br />

Nessa nova era em que vivemos, em questão de minutos podemos fazer diversas<br />

transações bancárias sem que haja necessi<strong>da</strong>de de sairmos de nossas cadeiras ou de fazermos um<br />

mínimo esforço.<br />

Devido ao crescimento desordenado <strong>da</strong> Internet e à falta de informação dos usuários,<br />

vem aumentando a ca<strong>da</strong> dia os delitos pela Internet, os chamados “Crimes Virtuais”. Estes<br />

estão se tornando constantes em nossa socie<strong>da</strong>de, causando um grande desconforto, pois não<br />

podemos nem mesmo confiar em nossas próprias máquinas. No entanto, pouco se conhece sobre<br />

os aspectos jurídicos relacionados a esses crimes, tornando a grande rede de computadores um<br />

local ideal para a prática de tais delitos.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


Edson Mafra Alves e Elaine Beatriz Pedroso<br />

DESENVOLVIMENTO<br />

2.1. Importância do tema<br />

Pode ser observado que não somente nas empresas de médio e grande porte, mas<br />

também em computadores pessoais, a segurança dos <strong>da</strong>dos está se tornado uma exigência e não<br />

mais uma opção como antigamente, uma vez que qualquer vazamento de informações pode causar<br />

prejuízos, tanto pessoais como financeiros.<br />

A segurança <strong>da</strong> informação não era ti<strong>da</strong> como um foco principal, e os investimentos<br />

nessa área eram uma opção <strong>da</strong> empresa e não uma exigência legal. Mas com o crescimento <strong>da</strong><br />

Internet e a informação sendo disponibiliza<strong>da</strong> facilmente, os investimentos passaram a ser necessários,<br />

pois assim proporcionavam maior confiança para os usuários, agregando mais valor aos<br />

serviços prestados pela empresa.<br />

Porém, mesmo com grandes investimentos em segurança, muitas vezes, passam<br />

despercebidos atos simples que podem causar transtornos, como por exemplo, o fato de se falar<br />

com uma pessoa ao telefone identificando-se como um gerente de sua conta bancária pessoal,<br />

fazendo simples perguntas e ao final solicitando que o interlocutor digite a sua senha no telefone.<br />

No momento em que menos se espera, percebe-se que foi vítima de um golpe chamado de “engenharia<br />

social”.<br />

A Internet oferece inúmeros recursos em que um simples acesso e/ou <strong>download</strong><br />

de programa, permite que o ‘agente do crime’ instale-se no computador. Porém, facilmente encontram-se<br />

programas que ensinam a invadir outras máquinas e sistemas. Tendo em vista essa grande<br />

facili<strong>da</strong>de de acesso a tais programas, qualquer pessoa pode se dizer um hacker em potencial, pelo<br />

simples fato de poder utilizar um programa pronto, baixado através <strong>da</strong> Internet. Porém, os indivíduos<br />

que realmente são hackers, dedicam horas de suas vi<strong>da</strong>s estu<strong>da</strong>ndo códigos e buscando sempre<br />

aprender algo a mais no ramo escolhido, não ficando dependentes de programas ou pessoas.<br />

Com isso, o crescimento dos crimes virtuais é nítido, podendo o ci<strong>da</strong>dão sofrer<br />

ataques de to<strong>da</strong>s as formas possíveis, tais como furto de senhas de bancos através de programas<br />

de “KeyLoger”. Ou programas de “Sniffer” em redes de Cyber-cafés, facul<strong>da</strong>des, redes<br />

corporativas ou particulares, para capturar todo o tráfego <strong>da</strong> rede; ou ain<strong>da</strong> métodos de “Fishing<br />

Scam” para enviar cópias idênticas de sites de banco para o e-mail <strong>da</strong> vítima, solicitando a troca<br />

de senha.<br />

Mas muitas vezes esses crimes virtuais não são causados somente por programas<br />

ou por vírus que circulam pela grande rede de computadores. Os crimes podem ser perpetrados<br />

pelos próprios funcionários <strong>da</strong> empresa, como é mostrado na reportagem abaixo.<br />

[...] Ameaça interna – “Nenhum sistema é <strong>completa</strong>mente seguro e a Internet<br />

permite a exploração <strong>da</strong>s falhas existentes”, continua Scudere. Grande parte<br />

delas é interna: a maioria dos ataques a sistemas é feita por usuários autorizados.<br />

Segundo a Módulo Security Systems, empresa brasileira especializa<strong>da</strong><br />

em segurança de sistemas, a principal ameaça, depois dos vírus, é o<br />

funcionário insatisfeito, que se vinga <strong>da</strong> empresa ou de um superior<br />

(TERRA, 2005).<br />

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TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


Crimes Virtuais<br />

Devido ao grande aumento de crimes virtuais, também tem crescido a criação de<br />

novos tipos de delitos, como é citado no texto abaixo.<br />

[...] Não é só o volume de crimes virtuais que preocupa. “É possível que<br />

novos tipos de crimes possam ocorrer”, previne Mauro Marcelo. “Ain<strong>da</strong><br />

não se ouviu falar em homicídios, mas, se alguém invadir o sistema de um<br />

hospital, pode alterar a medicação de um paciente.” Apesar dessa perspectiva,<br />

e <strong>da</strong> polícia ain<strong>da</strong> não ter quadros especializados, o policial é otimista.<br />

Para ele, mesmo quando trabalhosos, os casos de crimes virtuais são de fácil<br />

solução. “Qualquer ação na Internet exige um provedor”, explica. Para chegar<br />

aos autores, a polícia dispõe de várias ferramentas e táticas, como programas<br />

que traçam a origem de mensagens ou quem hospe<strong>da</strong> os sites. “Não<br />

existem provedores piratas, todos são registrados. É por isso que os criminosos<br />

virtuais, por mais inteligentes e bem preparados que sejam, sempre<br />

deixam vestígios e, mais cedo ou mais tarde, são apanhados.” (TERRA,<br />

2005).<br />

Por fim, neste artigo será desenvolvi<strong>da</strong> uma análise crítica de alguns tipos de crimes<br />

de informática presentes no Projeto de Lei 84/99, abor<strong>da</strong>ndo alguns tópicos referentes a<br />

criminosos de informática e o que faz com que esses indivíduos se motivem para agir assim.<br />

2.2. Criminosos <strong>da</strong> Informática<br />

20<br />

Atualmente, é praticamente um engano se pensar que os crimes virtuais são cometidos<br />

por especialistas, visto que, com a evolução dos meios de comunicação, o aumento de<br />

equipamentos, o crescimento <strong>da</strong> tecnologia e, principalmente, a acessibili<strong>da</strong>de aos sistemas disponíveis,<br />

qualquer pessoa pode ser um criminoso de informática. Tendo um mínimo de conhecimento<br />

e acesso a grande redes de computadores, torna-se um indivíduo potencialmente capaz de cometer<br />

delitos.<br />

Segundo Mauro Marcelo de Lima e Silva, chefe do Setor de Crimes pela Internet<br />

<strong>da</strong> polícia de São Paulo (www.modulo.com.br, 2005):<br />

O perfil do criminoso, baseado em pesquisa empírica, indica jovens, inteligentes,<br />

educados, com i<strong>da</strong>de entre 16 e 32 anos, do sexo masculino, magros,<br />

caucasianos, au<strong>da</strong>ciosos e aventureiros, com inteligência bem acima <strong>da</strong> média<br />

e movidos pelo desafio <strong>da</strong> superação do conhecimento, além do sentimento<br />

de anonimato, que bloqueia seus parâmetros de entendimento para<br />

avaliar sua conduta como ilegal, sempre alegando ignorância do crime e,<br />

simplesmente, “uma brincadeira.”<br />

Na Tabela 1, podem ser vistos os criminosos mais famosos do mundo.<br />

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Tabela 1 – Criminosos mais Famosos.<br />

Kevin David Mitnick (EUA)<br />

O mais famoso hacker do mundo. Atualmente em liber<strong>da</strong>de condicional,<br />

condenado por fraudes no sistema de telefonia, roubo de<br />

informações e invasão de sistemas. Os <strong>da</strong>nos materiais que causou<br />

são incalculáveis.<br />

Kevin Poulsen (EUA)<br />

Amigo de Mitnick, também especializado em telefonia, ganhava<br />

concursos em emissoras de rádio. Ganhou um Porsche por ser o<br />

102º ouvinte a ligar, mas na ver<strong>da</strong>de ele tinha invadido a central<br />

telefônica, o que foi fácil demais para ele.<br />

21<br />

Mark Abene (EUA)<br />

Inspirou to<strong>da</strong> uma geração a “fossar” os sistemas públicos de comunicação<br />

- mais uma vez, via telefonia. E sua populari<strong>da</strong>de chegou<br />

ao nível de ser considerado uma <strong>da</strong>s 100 pessoas mais “espertas”<br />

de New York. Trabalha atualmente como consultor em segurança<br />

de sistemas.<br />

John Draper (EUA)<br />

Praticamente um ídolo dos três acima, introduziu o conceito de<br />

Phreaker, ao conseguir fazer ligações gratuitas utilizando um apito<br />

de plástico que vinha de brinde em uma caixa de cereais. Obrigou<br />

os EUA a trocar de sinalização de controle nos seus sistemas de<br />

telefonia.<br />

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Johan Helsingius (Finlândia)<br />

Responsável por um dos mais famosos servidores de e-mail anônimo.<br />

Foi preso após se recusar a fornecer <strong>da</strong>dos de um acesso que<br />

publicou documentos secretos <strong>da</strong> Church of Scientology na Internet.<br />

Tinha para isso um PC 486 com HD de 200Mb, e nunca precisou<br />

usar seu próprio servidor.<br />

Vladimir Levin (Rússia)<br />

Preso pela Interpol após meses de investigação, durante os quais<br />

ele conseguiu transferir 10 milhões de dólares de contas bancárias<br />

do Citibank. Insiste na idéia de que um dos advogados contratados<br />

para defendê-lo é, na ver<strong>da</strong>de, um agente do FBI.<br />

22<br />

Robert Morris (EUA)<br />

Espalhou “acidentalmente” um worm que infectou milhões de computadores<br />

e fez boa parte <strong>da</strong> Internet parar em 1988. Ele é filho de<br />

um cientista, chefe do National Computer Security Center, parte <strong>da</strong><br />

Agência Nacional de Segurança.<br />

Fonte: (UNIV, 2005)<br />

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2.3. Motivação dos hackers<br />

Alexandre Jean DAOUN e Renato M. S. Opice BLUM dividem a motivação dos<br />

hackers em cinco aspectos: (Aspectos Jurídicos Relevantes, p.122):<br />

1) Aspecto Social – Cui<strong>da</strong>m de ganhar ascensão no grupo social em que<br />

vivem, através de ataques bem sucedidos a redes importantes ou sites famosos,<br />

e com sua posterior pichação, ganham destaque dentro <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de<br />

underground, sendo mais considerados pelo grupo e com isso ganhando<br />

acesso a informações de ponta, pois não há poder sem informação;<br />

2) Aspecto técnico – O fim perseguido, é a demonstração <strong>da</strong>s falhas dos<br />

sistemas que, segundo os hackers, foram deixa<strong>da</strong>s propositalmente pelos<br />

criadores dos programas;<br />

3) Aspecto político – São os que têm fortes convicções políticas. Utilizam<br />

invasão dos sistemas para “passar seus ideais”. São pequenos focos<br />

politizados e atuantes que brigam por uma causa e se expressam no meio<br />

eletrônico;<br />

4) Aspecto laboral – Compreendem indivíduos que buscam um emprego,<br />

mostrando que são melhores que aqueles que desenvolvem o sistema invadido.<br />

Incluem-se também os que são contratados pela promessa de prêmio<br />

por colocarem à prova os novos mecanismos de segurança informatizados;<br />

5) Aspecto governamental internacional – Envolve os atos praticados por<br />

um governo contra outro. É o avanço <strong>da</strong> tecnologia de um país sobre a de<br />

outro. Sabemos que tal tendência, inicia<strong>da</strong> com a chama<strong>da</strong> ‘guerra fria’, transcendeu<br />

a Guerra do Golfo. É a tendência natural de substituição gradual de<br />

armamentos pesados por tecnologias de ponta.<br />

O mundo <strong>da</strong>s invasões se divide em diversos grupos, dentre eles:<br />

Hackers: são pessoas ou especialistas com capaci<strong>da</strong>de muito superior ao normal<br />

que têm uma grande capaci<strong>da</strong>de de achar falhas (Bug) em um sistema ou programa qualquer e<br />

consertá-las; ou avisar os seus respectivos desenvolvedores. Hoje em dia, a imagem deles é muito<br />

destorci<strong>da</strong> pela mídia.<br />

Crakers: ao contrário dos hackers são os criminosos mais temidos <strong>da</strong> grande rede<br />

de computadores. São movidos pelo dinheiro e fama. Sempre estão à procura de alguma brecha na<br />

segurança <strong>da</strong>s redes para roubar <strong>da</strong>dos e interferir em sites. A maioria dos crakers mantém sites<br />

com programas e códigos fontes para exploração de brechas. O diferencial nos crackers é a<br />

soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de; quando algo novo é descoberto, um novo programa é feito ou alterado, eles disseminam,<br />

para causar um <strong>da</strong>no maior.<br />

Hacktivistas: na ver<strong>da</strong>de são os crakers envolvidos em movimentos políticos ou<br />

ideológicos. O surgimento <strong>da</strong> categoria não foi direcionado para fins lucrativos, mas sim para<br />

promover as suas causas.<br />

Carders: são especialistas em criar programas para gerar números de cartão<br />

de crédito, possibilitando a qualquer um fazer compras em sites de comércio eletrônico sem<br />

pagar, é claro.<br />

Phreakers: especializados em telefonia. Fazem parte de suas principais ativi<strong>da</strong>des<br />

as ligações gratuitas, tanto locais como interurbanas, reprogramação de centrais telefônicas e<br />

instalação de escutas.<br />

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Crimes Virtuais<br />

2.4. Principais ameaças<br />

Segundo a 9ª Pesquisa Nacional de Segurança <strong>da</strong> Informação, realiza<strong>da</strong> em outubro<br />

de 2003, o vírus de computador continua sendo, o maior causador de problemas nos sistemas<br />

de informática de uma empresa. Conforme a pesquisa <strong>da</strong> Modulo, 66% <strong>da</strong>s invasões são causa<strong>da</strong>s<br />

por vírus, e 78% dos ent<strong>revista</strong>dos entendem que os problemas com vírus, no ano de 2004, vão<br />

aumentar.<br />

Em segundo lugar, entre os maiores causadores de problemas situa-se a insatisfação<br />

do funcionário com 53%. Em terceiro figura a divulgação indevi<strong>da</strong> de senhas dos funcionários,<br />

com 51%. Funcionários sem nenhum conhecimento e totalmente despreparados, sem noção dos<br />

<strong>da</strong>nos que podem ser causados, não tomam os devidos cui<strong>da</strong>dos com suas senhas e, de boa-fé, as<br />

entregam a pessoas não autoriza<strong>da</strong>s.<br />

24<br />

Figura -1: 9ª Pesquisa Nacional sobre Segurança <strong>da</strong> Informação.<br />

Fonte: Modulo Security Solutions – E-security Magazine.<br />

Outubro de 2003 (Modulo, 2005).<br />

Conforme mostrado na Figura 1, a grande causa dos problemas de segurança que<br />

hoje afligem as empresas é relativa a vírus e funcionários insatisfeitos. No entanto, entre as ameaças<br />

mais freqüentes de falhas de segurança, estão aquelas que ocorrem pela ‘porta <strong>da</strong> frente’,<br />

isto é, a divulgação de senhas e o acesso ou o uso indevido por funcionários <strong>da</strong> própria empresa.<br />

Foi possível observar nesta pesquisa que a grande preocupação não é mais com hackers, ficando<br />

em 7º lugar, com 39%.<br />

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2.5. Legislações penais para crimes de informática<br />

Atualmente, o Brasil está caminhando para a criação de uma legislação especifica<br />

para os crimes de informática através <strong>da</strong> Lei nº 84/99. Enquanto se estu<strong>da</strong> leis atualiza<strong>da</strong>s, algumas<br />

outras leis e artigos estão sendo utilizados por autori<strong>da</strong>des para efetuar a prisão dos criminosos<br />

virtuais.<br />

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Edson Mafra Alves e Elaine Beatriz Pedroso<br />

Segundo o site <strong>da</strong> Modulo Security, foi publicado um artigo no site <strong>da</strong> Polícia Civil<br />

do Estado do Rio de Janeiro, onde podem ser verifica<strong>da</strong>s algumas <strong>da</strong>s legislações que a Delegacia<br />

de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) utiliza para autuar os criminosos virtuais.<br />

Na Tabela 2 figuram aspectos <strong>da</strong> legislação veicula<strong>da</strong> pelo site <strong>da</strong> Policia Civil do<br />

Rio de Janeiro.<br />

Tabela 2: Legislações do site <strong>da</strong> Policia Civil do Rio de Janeiro.<br />

Inserção de <strong>da</strong>dos falsos em sistema de informações Art.313-A do C. P.<br />

Adulteração de <strong>da</strong>dos em sistema de informações Art.313-B do C. P.<br />

Crimes contra a segurança nacional Art.22 / 23 <strong>da</strong> Lei 7.170/83<br />

Interceptação de comunicações de informática Art.10 <strong>da</strong> Lei 9.296/96<br />

Interceptação de E-mail comercial ou pessoal Art.10 <strong>da</strong> Lei 9.296/96<br />

Crimes contra software "Pirataria" Art.12 <strong>da</strong> Lei 9.609/98<br />

Fonte: (POLICIA CIVIL, 2005).<br />

2.6. Diferença entre crime comum e crime puro<br />

A diferença entre crime comum e crime puro de informática é de grande importância,<br />

pois assim é possível fazer uma melhor análise dos projetos de lei. Para que ocorra um crime<br />

puro de informática são necessários dois elementos: que o crime seja cometido contra <strong>da</strong>dos e com<br />

o uso de equipamentos de informática.<br />

Um exemplo de crime puro de informática é aquele em que uma pessoa, utilizandose<br />

de um computador e de um acesso à Internet, invade outro computador e rouba um banco de<br />

<strong>da</strong>dos. Neste caso, estão presentes os dois elementos necessários para a caracterização do crime<br />

de informática.<br />

Um exemplo de crime comum seria aquele onde uma pessoa, com o objetivo de<br />

destruir um banco de <strong>da</strong>dos gravado em um disquete, quebra-o com as mãos. O delito praticado<br />

seria o de <strong>da</strong>no, já que o disquete sofre avarias, ficando sem utili<strong>da</strong>de para o fim a que se destinava.<br />

25<br />

2.7. Análise do Projeto de Lei 84/99<br />

Seção I: Dano a <strong>da</strong>do ou programa de computador<br />

Art. 8º. Apagar, destruir, modificar ou de qualquer forma inutilizar, total ou<br />

parcialmente, <strong>da</strong>do ou programa de computador, de forma indevi<strong>da</strong> ou não<br />

autoriza<strong>da</strong>.<br />

Pena: detenção, de um a três anos e multa.<br />

Neste artigo, o legislador pune quem apagar, destruir, modificar ou, de qualquer<br />

forma, inutilizar, total ou parcialmente, <strong>da</strong>do ou programa de computador. Pode ser visto que este é<br />

um crime puro de informática.<br />

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Crimes Virtuais<br />

Seção II: Acesso indevido ou não autorizado<br />

Art. 9º. Acessar de forma indevi<strong>da</strong> ou não autoriza<strong>da</strong>, computador ou rede de<br />

computadores.<br />

Pena: detenção, de seis meses a um ano e multa.<br />

Neste artigo, o legislador pune quem acessar de forma indevi<strong>da</strong> ou não autoriza<strong>da</strong>,<br />

computador ou rede de computadores, pois ao ter acesso indevido sem a senha do usuário, fica<br />

caracterizado que o indivíduo violou a segurança e/ou de uma pessoa ou empresa.<br />

Seção VI: Criação, desenvolvimento ou inserção em computador de <strong>da</strong>dos<br />

ou programas com fins nocivos<br />

Art. 13. Criar, desenvolver ou inserir, <strong>da</strong>dos ou programas em computador ou<br />

rede de computadores, de forma indevi<strong>da</strong> ou não autoriza<strong>da</strong>, com a finali<strong>da</strong>de<br />

de apagar, destruir, inutilizar ou modificar <strong>da</strong>do ou programa de computador,<br />

ou de qualquer forma, dificultar ou impossibilitar, total ou parcialmente,<br />

a utilização de computador ou rede de computadores.<br />

Pena: reclusão, de um a quatro anos e multa.<br />

No Artigo 13, o legislador pune quem criar, desenvolver ou inserir, <strong>da</strong>dos ou programas<br />

em computador ou rede de computadores, de forma indevi<strong>da</strong> ou não autoriza<strong>da</strong>. Enquadra-se<br />

aqui qualquer inserção dos programas de sniffer, keyloger, fishing scam e vírus ou<br />

outros programas que possam causar qualquer prejuízo de indisponibili<strong>da</strong>de a empresa ou a um<br />

computador pessoal.<br />

26<br />

Seção VII: Veiculação de pornografia através de rede de computadores<br />

Art. 14. Oferecer serviço ou informação de caráter pornográfico ou de sexo<br />

explícito, em rede de computadores, sem exibição prévia, de forma facilmente<br />

visível e destaca<strong>da</strong>, aviso sobre sua natureza, indicando o seu conteúdo e a<br />

inadequação para criança ou adolescente.<br />

Pena: detenção, de um a três anos e multa.<br />

No Artigo 14, o legislador pune quem oferece um serviço de pornografia ou de<br />

sexo explícito, quando, ao se acessar a página, não se vê uma mensagem dizendo que o site é<br />

impróprio para menores. Lembrando que este não é simplesmente um crime puro de informática,<br />

mas na legislação geral é considerado crime, conforme consta no Estatuto <strong>da</strong> Criança e Adolescente.<br />

Art. 15. Publicar em rede de computadores cenas de sexo explícito ou pornográficas,<br />

envolvendo criança ou adolescente.<br />

Pena: reclusão, de dois a seis anos e multa.<br />

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No Artigo 15 do projeto de lei 84/99 o legislador pune quem divulgar na rede de<br />

computadores cenas de sexo explícito ou pornográficas envolvendo criança ou adolescente. Este<br />

artigo prevê um crime comum, visto que consta no Estatuto <strong>da</strong> Criança e Adolescente.<br />

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Edson Mafra Alves e Elaine Beatriz Pedroso<br />

CAPÍTULO IV: DAS DISPOSIÇÕES FINAIS<br />

Art. 16. Se qualquer dos crimes previstos nesta lei é praticado no exercício de<br />

ativi<strong>da</strong>de profissional ou funcional, a pena é aumenta<strong>da</strong> de um sexto até a<br />

metade.<br />

No Artigo 16 é punido quem está praticando o crime, no exercício de ativi<strong>da</strong>de<br />

profissional ou funcional, ou seja: em seu trabalho.<br />

3. Conclusões<br />

A segurança <strong>da</strong> informação é um tema muito complexo e difícil de ser compreendido,<br />

pois envolve diversas áreas. Para que haja uma melhor compreensão <strong>da</strong> segurança <strong>da</strong> informação<br />

é necessário a união de todos para se construir um sistema com menos falhas e mais<br />

seguro, pois assim todos ganharão com a segurança.<br />

A criação de leis que auxiliem e que ajudem na detenção <strong>da</strong>s pessoas que cometem<br />

os crimes de informática deve ser mais criteriosa, pois somente assim haverá um melhor<br />

controle sobre estes crimes. Decretos, programas de computador e manuais de conduta não trarão<br />

grandes resultados no combate aos crimes de informática. É necessário uma mu<strong>da</strong>nça cultural em<br />

to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de.<br />

4. REFERÊNCIAS<br />

ADVOGADO. Disponível em . Acessado em 11/<br />

09/2005.<br />

27<br />

LUCCA, Newton de. Direito e Internet: aspectos jurídicos relevantes. 1.ed. Bauru-SP: Edipro,<br />

2000.<br />

MODULO. Modulo Security. Disponível em . Acessado<br />

em 13/09/2005.<br />

MODULO. Modulo Security. Disponível em . Acessado em 13/09/<br />

2005.<br />

MODULO. Modulo Security. Disponível em . Acessado<br />

em 17/09/2005.<br />

POLÍCIA CIVIL Polícia Civil do Rio de Janeiro. Disponível em . Acessado em 17/09/2005.<br />

TERRA. Disponível em . Acessado em 12/<br />

09/2005.<br />

UNIV. Universal Telecom S.A. Disponível em . Acessado em 13/09/2005.<br />

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Crimes Virtuais<br />

MODULO. Modulo Security. Disponível em .<br />

Acessado em 11/09/2005.<br />

CERT. BR. Cartilha de Segurança para Internet. Disponível em .<br />

Acessado em 09/09/2005.<br />

ESTADÃO. CONSULTOR JURÍDICO. Disponível em . Acessado em 11/09/2005.<br />

INVASÃO. Disponível em: . Acessado em em 12/09/2005.<br />

NTI. Disponível em . Acessado em 02/08/2005.<br />

WAVE COMPANY. Disponível em . Acessado<br />

em 14/08/2005.<br />

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Eliane Belloni e Olga Ceciliato Mattioli<br />

INFÂNCIA, ESCOLA E VIOLÊNCIA SIMBÓLICA<br />

Eliane Belloni *<br />

Olga Ceciliato Mattioli **<br />

RESUMO:<br />

A violência é um fenômeno social e historicamente construído, muito presente no mundo contemporâneo.<br />

Trata-se de um fenômeno multifacetado e multideterminado, exigindo para a sua compreensão,<br />

estudos interdisciplinares. A violência afeta indistintamente to<strong>da</strong>s as populações e faixas<br />

etárias, mas a infância representa um segmento populacional mais desprotegido, no qual diferentes<br />

formas de violência se manifestam, a saber: violência física, psicológica, econômica, ideológica,<br />

simbólica e outras. O presente artigo tem por objetivo discutir a violência simbólica com base em<br />

Pierre Bourdieu, alertando para este tipo de violência nos meios acadêmicos, através <strong>da</strong> ação<br />

pe<strong>da</strong>gógica.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Infância; Violência Simbólica; Ação Pe<strong>da</strong>gógica.<br />

ABSTRACT:<br />

Violence is a historically constructed social phenomenon frequently observed in the contemporary<br />

world. It is a multifaceted and multi-determined phenomenon that demands interdisciplinary studies<br />

to be fully understood. Violence affects all populations and people of all ages; however, children are<br />

the most unprotected population segment, among which whom different forms of violence can<br />

occur, such as physical, psychological, economical, ideological and symbolic, among others. The<br />

objective of this article is to discuss symbolic violence, based on Pierre Bourdieu, emphasizing this<br />

type of violence in schools, through pe<strong>da</strong>gogical actions.<br />

KEYWORDS: Childhood; Symbolic Violence; Pe<strong>da</strong>gogical Actions.<br />

29<br />

O presente artigo em sua forma original, constituiu capítulos <strong>da</strong> dissertação de<br />

mestrado intitula<strong>da</strong> “Violência e livro didático: um estudo sobre as ilustrações em livros de História.”<br />

O objetivo do mesmo é resgatar a noção de infância e violência simbólica que ocorre no<br />

contexto escolar.<br />

Ao inserir violência na infância como um fenômeno a ser abor<strong>da</strong>do, faz-se necessário<br />

que contextualizemos esse fenômeno do ponto de vista sócio-histórico. Não é possível a<br />

análise isolando-se a própria historici<strong>da</strong>de do conceito. Quanto ao último, pode-se dizer, segundo<br />

SANCHES (2001), que violentar crianças sempre foi um ato comum ao longo do desenvolvimento<br />

<strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, mas o julgamento sobre o ato é que tomou novas formas.<br />

Uma rápi<strong>da</strong> retrospectiva histórica poderá <strong>da</strong>r clareza a respeito disso. De acordo<br />

com ARIÈS (1981), na I<strong>da</strong>de Média, adultos e crianças não viviam separados em termos de desenvolvimento.<br />

A criança, ora era considera<strong>da</strong> como ingênua, inocente e pura, ora era ti<strong>da</strong> como um<br />

ser imperfeito e incompleto, que necessitava <strong>da</strong> educação e moralização do adulto.<br />

* Docente.do Curso de Psicologia <strong>UniFil</strong>. Membro do Núcleo de Estudo sobre Violência e Relações de Gênero.(NEVIRG-<br />

CNPq). Mestre em Psicologia e Socie<strong>da</strong>de pela UNESP - Assis: E-mail: ebelloni@sercomtel.com.br<br />

** Docente do Curso de Pós-Graduação em Psicologia <strong>da</strong> UNESP - Assis. Coordenadora do Núcleo de Estudo sobre Violência<br />

e Relações de Gênero (NEVIRG). Líder do Grupo de Pesquisa sobre Violência e Relações de Gênero (CNPq). E-mail:<br />

olgamattioli@uol.com.br<br />

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Infância, Escola e Violência Simbólica<br />

As mu<strong>da</strong>nças na concepção de infância são, na ver<strong>da</strong>de, reflexos <strong>da</strong> organização<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>s relações de trabalho que se estabeleceram antes e após a Revolução Industrial.<br />

Vista desse modo, é possível, então, compreender a infância como uma construção sócio-histórica<br />

determina<strong>da</strong> e necessária para fun<strong>da</strong>r valores <strong>da</strong> família burguesa que aflorou com o advento <strong>da</strong><br />

I<strong>da</strong>de Moderna.<br />

A idéia de infância aparece com a socie<strong>da</strong>de capitalista, urbano-industrial, quando<br />

a criança se insere na comuni<strong>da</strong>de e passa a ter nela outro papel social. A esse respeito, KRAMER<br />

(1996) faz uma distinção entre o papel <strong>da</strong> criança na socie<strong>da</strong>de feu<strong>da</strong>l e na socie<strong>da</strong>de burguesa:<br />

Se, na socie<strong>da</strong>de feu<strong>da</strong>l, a criança exercia um papel produtivo direto (de<br />

adulto) assim que ultrapassava o período de alta mortali<strong>da</strong>de, na socie<strong>da</strong>de<br />

burguesa ela passa a ser alguém que precisa ser cui<strong>da</strong><strong>da</strong>, escolariza<strong>da</strong> e<br />

prepara<strong>da</strong> para uma atuação futura. Este conceito de infância é, pois determinado<br />

historicamente pela modificação nas formas de organização <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.<br />

(KRAMER, 1996, p.18, grifo do autor).<br />

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A partir <strong>da</strong> diferenciação dos papéis <strong>da</strong> criança nas diferentes socie<strong>da</strong>des, modificam-se<br />

também, as formas de violência institucionaliza<strong>da</strong> contra elas.<br />

Para BATISTA & EL-MOOR (1999), é necessário observar o grau de<br />

institucionalização <strong>da</strong> violência, sendo este um indicativo de que ela se constitui um estilo de vi<strong>da</strong><br />

pelo fato de estar enraiza<strong>da</strong> nas comuni<strong>da</strong>des e ser aceita como ‘natural’ entre seus membros.<br />

Sabemos que na Grécia e em Roma antigas, os maus tratos infantis bem como o<br />

próprio direito à vi<strong>da</strong> dependiam <strong>da</strong> vontade do pai, que era tido como o poder máximo <strong>da</strong> família.<br />

Explica OCHOA (apud SANCHES, 2001, p.35): “[...] o pai tinha absoluto direito sobre o filho,<br />

podia vender, abandonar ou man<strong>da</strong>r matar [...]”. Além disso, muitas crianças na antigüi<strong>da</strong>de precisavam<br />

submeter-se a rituais e provas de sobrevivência tais como: ser imersas em água gela<strong>da</strong>;<br />

provar alguns tipos de alimentos. Isto é, a criança era submeti<strong>da</strong> a condições adversas e, se sobrevivesse,<br />

significaria que a família não teria nenhum ônus com aquela pessoa. Àquele que não<br />

suportasse os testes não era <strong>da</strong>do o direito à vi<strong>da</strong>.<br />

As mu<strong>da</strong>nças histórico-sociais ocorri<strong>da</strong>s a partir dos séculos XVI e XVII fazem<br />

com que esta criança seja vista na I<strong>da</strong>de Média como um animalzinho, ou um adulto em miniatura.<br />

Ao brotar a idéia de infância, nasce também a idéia <strong>da</strong> criança como objeto de afeto. As acomo<strong>da</strong>ções<br />

<strong>da</strong> família passam a incluir um espaço separado para as crianças, e estas, que antes se<br />

aglomeravam nas ruas e aprendiam com os mais velhos, passam a necessitar <strong>da</strong> presença de<br />

pessoas destina<strong>da</strong>s a educar. O status <strong>da</strong> criança, na ver<strong>da</strong>de, não sofreu muitas alterações, pois a<br />

criança, naquela época, assim como o povo, eram sempre objetos; nunca sujeitos <strong>da</strong> ação política.<br />

A criança sai, então, de uma época de maus tratos, passa para uma fase de anonimato,<br />

porém não menos violenta, e ressurge na I<strong>da</strong>de Moderna, tornando-se o centro <strong>da</strong>s atenções<br />

e ocupando um lugar especial no seio <strong>da</strong> família burguesa. Esta, por sua vez, tem por função<br />

proteger, <strong>da</strong>r afeto e preparar o indivíduo para a vi<strong>da</strong> em socie<strong>da</strong>de e para um mundo adulto de<br />

competências técnicas.<br />

Na I<strong>da</strong>de Moderna, a criança então sofrerá outras formas de violência. Dentre<br />

elas, a violência presente com a ascensão no sistema <strong>da</strong> classe burguesa, substituindo o feu<strong>da</strong>lismo.<br />

A ascensão <strong>da</strong> burguesia exigirá que essa criança se torne parte do mercado de consumo.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


Eliane Belloni e Olga Ceciliato Mattioli<br />

Em torno deste cenário <strong>da</strong> construção <strong>da</strong> infância, como não poderia deixar de ser,<br />

a socie<strong>da</strong>de apregoa que, se a infância é um período diferenciado do mundo dos adultos, um<br />

período livre de preocupações, seria “uma fase de felici<strong>da</strong>de”. Surge então, o mito <strong>da</strong> infância feliz.<br />

A Infância no Brasil<br />

A colonização do Brasil por Portugal é um marco histórico do controle e <strong>da</strong> produção<br />

de idéias repressoras, <strong>da</strong>do que, ao Brasil, pela condição de Colônia, caberia respeitar as<br />

ordens vin<strong>da</strong>s <strong>da</strong> metrópole. Nesse processo, a exploração dos recursos e <strong>da</strong>s riquezas foi aceita<br />

de forma natural. Como controlar as mulheres, as crianças, os indígenas? Na<strong>da</strong> melhor que catequizálos,<br />

ensiná-los a ler, a escrever e (por que não?) a pensar dentro dos moldes europeus inclusive,<br />

pois dessa forma, controlá-los seria mais fácil.<br />

Já se dizia outrora que uma <strong>da</strong>s formas de se poder escravizar alguém é expatriálo<br />

ou desidentificá-lo. Assim foi feito com os escravos africanos e assim é feito com qualquer<br />

indivíduo quando passa a ser parte integrante de um determinado grupo. A própria identi<strong>da</strong>de fica<br />

confundi<strong>da</strong> com a identi<strong>da</strong>de do grupo.<br />

O próprio ato de colonizar o Brasil pode ser considerado violento, pois foi pautado<br />

por invasões e matança de indígenas, para que o território pudesse ser ocupado, sobretudo pela<br />

desvalorização <strong>da</strong> cultura indígena e imposição de idéias, valores e modos de vi<strong>da</strong> europeus, a que<br />

podemos chamar, conforme Pierre BOURDIEU (1999), de violência simbólica.<br />

No Brasil-Império, a filosofia religiosa, com sua ideologia sobre os menos favorecidos,<br />

fundou as Santas Casas de Misericórdia, que instituíram a Ro<strong>da</strong> dos Expostos, onde eram entregues<br />

as crianças cujos pais não tinham possibili<strong>da</strong>des de lhes <strong>da</strong>r cui<strong>da</strong>dos. Evitava-se, assim, o<br />

infanticídio, mas não se resolvia uma questão social que era a do número de crianças enjeita<strong>da</strong>s e sem<br />

futuro na socie<strong>da</strong>de e, portanto, expostas às mais varia<strong>da</strong>s formas de violência (MARCÍLIO, 1998).<br />

Esta transferência do cui<strong>da</strong>do <strong>da</strong>s crianças pela família para outras enti<strong>da</strong>des não<br />

exime o Estado dos encargos financeiros sobre tais elas. Em sua obra, MARCÍLIO (1998) diz que o<br />

assistencialismo mu<strong>da</strong> de forma e fica sob o controle do Estado no Império, argumentando que:<br />

31<br />

[...] o terceiro sistema de proteção à infância desvali<strong>da</strong> foi informal – o mais<br />

universal e o mais abrangente, aquele que se estendeu por to<strong>da</strong> a história do<br />

Brasil, do século XVI aos nossos dias [...] os filhos <strong>da</strong> criação. (MARCÍLIO,<br />

1998, p.135, grifo do autor).<br />

argumenta:<br />

O problema do abandono de crianças no Brasil não é recente. Sobre isso SANCHES<br />

[...] no Brasil República, já no final do século XIX a criança passa a ser vista<br />

como problema social, donde começaram a surgir instituições de abrigo e<br />

proteção aos menores, os orfanatos e os asilos. O modelo assistencial filantrópico<br />

que visa moralizar o indivíduo e prepará-lo para o trabalho substitui<br />

o assistencialismo caridoso. [...] o termo menor aparece somente no<br />

século XX, sendo sinônimo para bandido e delinqüente. Pensado assim, o<br />

menor precisa de quem o re-coloque nas normas sociais para re-inseri-lo<br />

como ci<strong>da</strong>dão. Criam-se leis e ações de cunho médico-jurídicas para<br />

medicalizar o menor doente e marginal [...] (SANCHES, 2001, p.51).<br />

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Infância, Escola e Violência Simbólica<br />

Vale ressaltar que todo esse processo culmina no que hoje todos conhecem por<br />

“estigmatização”. Dividem-se as crianças entre os mais favorecidos e os menos favorecidos; entre<br />

os menores excluídos dos direitos humanos e aqueles bem sucedidos: os ricos e os pobres.<br />

Essa distinção faz com que a criança seja vista como menor carente, terminologia<br />

utiliza<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> hoje e que significa que ela carece “naturalmente” de algo, distinguindo-a de outras<br />

que não carecem. Aqui, percebemos claramente a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> classe dominante em “segregar”<br />

e tornar natural a diferença que é socialmente construí<strong>da</strong>.<br />

Há, no Brasil, a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 90, a tentativa de garantir à criança e ao<br />

adolescente uma quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> mais digna, com o Estatuto <strong>da</strong> Criança e do Adolescente – ECA<br />

(1990). Com base nesse documento, a violência foi legisla<strong>da</strong> e criminaliza<strong>da</strong>, o que representou um<br />

avanço social em termos de proteção à infância e à adolescência.<br />

Como se pôde verificar nesse breve relato histórico, desde o Brasil colonial até o<br />

Brasil atual há uma clara distinção entre as classes sociais. As desigual<strong>da</strong>des sociais e a violência<br />

nas suas diversas formas se manifestam, tanto em grupos mais restritos quanto na socie<strong>da</strong>de como<br />

um todo. Estende-se do grupo familiar às ruas e neste ínterim passa também pela Escola, enquanto<br />

local onde se concentram as crianças para se submeterem ao processo de aprendizagem formal.<br />

Do Surgimento <strong>da</strong> Escola aos Atos de Violência<br />

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Na I<strong>da</strong>de Média, de acordo com ARIÈS (1981), a educação <strong>da</strong>s crianças se <strong>da</strong>va<br />

por experiência direta com os adultos. Na situação real, a experiência podia ser transmiti<strong>da</strong> por<br />

empregados, agregados, escravos, e não pela família.<br />

De início, a aprendizagem se <strong>da</strong>va em local aberto e junto a um mestre: sentavamse<br />

para aprender pessoas de várias i<strong>da</strong>des.<br />

A escola <strong>da</strong> época não cerceava os alunos como as escolas atuais. Com a chega<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> Era Moderna, o objetivo primordial era “[...] isolar ca<strong>da</strong> vez mais as crianças durante um<br />

período de formação, tanto moral como intelectual [...] e, desse modo, separá-las <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de dos<br />

adultos.” (ARIÈS, 1981, p.165).<br />

A Escola passa a contemplar um espaço para pequenos e grandes, que, segundo<br />

ARIÈS (1981), na<strong>da</strong> mais foi que um enclausuramento de crianças, que, após um tempo na escola,<br />

sairiam prontas para a vi<strong>da</strong>. A origem <strong>da</strong>s classes escolares se dá por volta do século XV, quando<br />

a população de estu<strong>da</strong>ntes começa a ser dividi<strong>da</strong> em grupos por capaci<strong>da</strong>des iguais. Com o passar<br />

do tempo, passou-se a ter um professor/educador para ca<strong>da</strong> grupo.<br />

A questão <strong>da</strong> divisão de classes escolares por i<strong>da</strong>de se dá mais adiante, por volta<br />

do século XVIII, quando a burguesia, <strong>da</strong>ndo ênfase à noção de infância, já reconhece nas crianças<br />

características peculiares. Paralelamente, os livros, na Europa, começam a ser impressos, o que<br />

impulsiona para que a aprendizagem até então coletiva, adquira um cunho mais individualizado. A<br />

evolução <strong>da</strong> escola medieval promoveu uma instituição complexa, não destina<strong>da</strong> apenas a ensinar,<br />

mas também a vigiar e enquadrar os jovens dentro de determinados critérios preestabelecidos<br />

pelos programas escolares. Esse modelo de inclusão e não inserção ain<strong>da</strong> persiste atualmente,<br />

contribuindo para um processo classificatório e de segregação entre bons e maus alunos.<br />

FOUCAULT (1996) entende que a violência sempre existiu na história <strong>da</strong> huma-<br />

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Eliane Belloni e Olga Ceciliato Mattioli<br />

ni<strong>da</strong>de, apenas foi vesti<strong>da</strong> com roupagens diferentes. A partir do século XVIII, as modificações<br />

sociais propuseram que as punições defendi<strong>da</strong>s pelos reformadores fossem punições mais humanitárias,<br />

uma vez que o corpo, agora, não estava sujeito a sacrifícios, mas era objeto de cui<strong>da</strong>dos.<br />

Com esse corpo e através dele o homem serviria à nova ordem social, ordem essa que levaria este<br />

mesmo corpo, antes descui<strong>da</strong>do e até maltratado, ao exercício <strong>da</strong> obediência e à busca <strong>da</strong>s normas<br />

e regulari<strong>da</strong>des de convivência.<br />

Também a Ciência foi afeta<strong>da</strong> pelas modificações sociais, tentando ordenar os<br />

fenômenos historicamente construídos à semelhança dos fenômenos naturais. Mas, pela complexi<strong>da</strong>de<br />

em que as relações humanas se dão, verificou-se a inviabili<strong>da</strong>de de transpor linearmente<br />

conceitos <strong>da</strong> Ciência Natural para a Ciência Social. Ordenar os fenômenos sociais conforme o<br />

modelo positivista de Ciência, tornou-se uma tentativa infrutífera.<br />

A partir dessas tentativas de manutenção <strong>da</strong> ordem, que se generaliza para to<strong>da</strong>s<br />

as esferas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana, o Estado confere à família o compromisso <strong>da</strong> educação de seus filhos,<br />

aplicando sobre ela sanções específicas, caso não cumpra bem o seu papel de educar e disciplinar,<br />

e, muitas vezes, disciplinar significa expor o indivíduo à violência como forma de controle sobre ele,<br />

sobre seu comportamento, seu corpo, seus pertences.<br />

Com o objetivo de tentar explicar os comportamentos violentos dentro <strong>da</strong> família,<br />

psicólogos e sociólogos propõem que a origem <strong>da</strong> violência familiar pode ser explica<strong>da</strong>, tanto por<br />

fontes internas, liga<strong>da</strong>s ao próprio indivíduo que violenta, como por fontes externas, liga<strong>da</strong>s ao meio<br />

social que apregoa a violência. Entretanto, RUIZ (1985 apud LEMOS et al., 2004, p.96), propõe<br />

que os dois olhares, tanto o <strong>da</strong> perspectiva interna quanto o <strong>da</strong> perspectiva externa seriam reducionistas,<br />

e afirma, portanto: “[...] as relações abusivas deveriam ser enfoca<strong>da</strong>s por múltiplos aspectos: os<br />

culturais, os sociais, os econômicos, os psicológicos e os biológicos<br />

A violência se apresenta também na escola que, por sua vez, tem servido como<br />

aparelho ideológico do Estado. ALTHUSSER, a esse respeito expõe que:<br />

33<br />

O papel dominante cabe à Escola, se bem que sua música seja silenciosa. Ela<br />

recebe as crianças de to<strong>da</strong>s as classes em sua i<strong>da</strong>de mais vulnerável. Inculcando-lhe<br />

saberes práticos envolvidos na ideologia dominante [...]<br />

(ALTHUSSER, 2001, p.32).<br />

GUIMARÃES (1985), em concordância com Michel FOUCAULT (1996), ressalta<br />

em sua obra que a escola tem-se perdido no papel de educar para a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. Segundo a<br />

autora, a escola-presídio não só reprime como exclui. O trecho abaixo retrata esta posição:<br />

No regime de uma socie<strong>da</strong>de disciplinar como a nossa, a punição ao discriminar<br />

os comportamentos dos indivíduos, passa a diferenciá-los, hierarquizá-los<br />

em termos de uma conformi<strong>da</strong>de a ser segui<strong>da</strong>, ou seja, a punição não objetiva<br />

sancionar a infração, mas controlar, qualificar o indivíduo, não interessando o<br />

que ele fez, mas o que é, será ou possa ser. (GUIMARÃES, 1985, p.94).<br />

Diante desta reali<strong>da</strong>de escolar, podemos constatar que não resta alternativa para<br />

uma reali<strong>da</strong>de opressora, senão o uso indiscriminado de agressões. Fatos como depre<strong>da</strong>ções escolares,<br />

ação de gangues, ameaças à mão arma<strong>da</strong> em salas-de-aula mostram que muitas escolas têm<br />

se desviado de sua proposta de formação integral do aluno.<br />

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Há, também, um outro tipo de violência produzi<strong>da</strong> pela escola que não contempla a<br />

mesma visibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s formas de violência mais explícitas, porém, que permeia as relações de<br />

desigual<strong>da</strong>de existentes no contexto escolar. Esse tipo de violência na escola manifesta-se de<br />

maneira sutil, quase que imperceptível e vai muito além <strong>da</strong> violência explícita, sendo conheci<strong>da</strong> por<br />

violência simbólico-ideológica, ou simplesmente violência simbólica.<br />

Deparamo-nos também com a questão <strong>da</strong> proporção e do alcance <strong>da</strong> violência no<br />

mundo. Somente uma análise pormenoriza<strong>da</strong> desses fatores e <strong>da</strong> sua confluência, poderia trazer<br />

explicações mais esclarecedoras sobre um fenômeno tão complexo como é a violência, especialmente<br />

a que é difundi<strong>da</strong> pela mídia. Sobre este assunto existem pesquisas ampara<strong>da</strong>s pela ONU e<br />

pela UNESCO. Seguem abaixo, alguns trechos de tais pesquisas:<br />

A violência e a pornografia causam fortes impressões, e há considerável<br />

preocupação entre os pais, professores e autori<strong>da</strong>des públicas quanto à<br />

influência que o conteúdo violento possa exercer na mente dos jovens.<br />

Muitos discernem uma relação entre o nível crescente de violência e crime na<br />

vi<strong>da</strong> cotidiana, particularmente violência pratica<strong>da</strong> por crianças, e as cenas<br />

violentas mostra<strong>da</strong>s na televisão e no vídeo, bem como os atos simulados de<br />

violência nos jogos de videogame e computador. (CARLSSON & FEILITZEN,<br />

1999, p.11-12).<br />

34<br />

Na déca<strong>da</strong> de 60, Albert Bandura propôs uma teoria chama<strong>da</strong> de “aprendizagem<br />

social”, segundo a qual, o indivíduo aprende observando a repercussão que tem o comportamento<br />

do modelo. Alguns estudiosos, como GROEBEL (1999), a respeito <strong>da</strong> questão <strong>da</strong> imitação de atos<br />

violentos apresentados pela mídia, respal<strong>da</strong>m-se nessa teoria para explicar como crianças e jovens<br />

buscariam conseguir aprovações imitando tais modelos.<br />

A fascinação pela violência está freqüentemente relaciona<strong>da</strong> a personagens<br />

fortes que podem controlar seu ambiente; são no final recompensados por<br />

sua agressão e conseguem li<strong>da</strong>r com praticamente todos os problemas. A<br />

mensagem é pelo menos tripla: a agressão é um bom meio de resolver conflitos;<br />

a agressão dá status; a agressão é diverti<strong>da</strong>. (GROEBEL, 1999, p.236).<br />

WARTELLA et al. (1999) conjugam a teoria <strong>da</strong> aprendizagem social de Bandura às<br />

características individuais <strong>da</strong> pessoa para explicar como a influência <strong>da</strong> mídia pode levar ao comportamento<br />

violento. Os autores formulam o que eles chamam de modelo de scripts, segundo o qual:<br />

A violência <strong>da</strong> televisão é ‘codifica<strong>da</strong>’ no mapa cognitivo dos espectadores,<br />

e ver subseqüentemente violência na TV aju<strong>da</strong> a manter esses pensamentos,<br />

idéias e comportamentos agressivos. Com o passar do tempo, essa atenção<br />

contínua à violência na televisão pode assim influenciar as atitudes <strong>da</strong> pessoa<br />

com relação à violência, e a manutenção e elaboração dos scripts agressivos.<br />

(WARTELLA et al. 1999, p.66).<br />

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A preocupação com cenas de violência na mídia é um assunto atual, que serviu<br />

como base para inúmeras pesquisas desde a déca<strong>da</strong> de 90 em países como: Reino Unido, Alemanha,<br />

França, Dinamarca, Finlândia, Suécia, Holan<strong>da</strong>, Bélgica e Irlan<strong>da</strong>.<br />

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Eliane Belloni e Olga Ceciliato Mattioli<br />

O trecho abaixo, de HAMMARBERG relata <strong>da</strong>dos alarmantes sobre a freqüência<br />

com que uma criança é submeti<strong>da</strong> a esta forma de violência:<br />

Atualmente, a maioria <strong>da</strong>s crianças assiste a tal violência na tela todos os<br />

dias, com freqüência em detalhes medonhos. Estima-se que uma criança<br />

norte-americana média atingindo hoje os 18 anos tenha presenciado cerca<br />

de 18 mil assassinatos simulados na televisão. O impacto deste consumo em<br />

massa de imagens violentas ain<strong>da</strong> é assunto de muita controvérsia. Há casos<br />

de crimes violentos aparentemente inspirados por determinados filmes.<br />

Contudo, nenhum consenso foi estabelecido quanto ao alcance e rigor <strong>da</strong><br />

influência <strong>da</strong> mídia violenta sobre a agressão ou comportamento violento do<br />

espectador infantil; os <strong>da</strong>dos de pesquisa têm sido até aqui contraditórios.<br />

(HAMMARBERG, 1999, p.23).<br />

Outros estudos enfatizam a importância, também, de fatores subjetivos no ato de<br />

ver, na televisão cenas agressivas, como é o caso de WARTELLA et al. (1999, p. 66) que explicitam:<br />

“[...] o nível de realização intelectual, a populari<strong>da</strong>de social, a identificação com personagens <strong>da</strong><br />

TV, a crença no realismo <strong>da</strong> violência na televisão e o grau de fantasia sobre agressão [...]” seriam<br />

os fatores que podem ser processados de forma diferente, de acordo com a i<strong>da</strong>de <strong>da</strong> criança, o que<br />

implica dizer que a imagem afeta diferentemente as crianças, dependendo de como elas a percebem.<br />

ROSSI (2003), propõe que, aquilo que a criança percebe está diretamente relacionado ao<br />

seu estágio de desenvolvimento cognitivo, sendo este um fator fun<strong>da</strong>mental para a interpretação<br />

<strong>da</strong>s cenas como reais ou construí<strong>da</strong>s.<br />

Já, no que tange ao aspecto cultural, estudos promovidos pela UNICEF-UNESCO<br />

salientam a importância do papel <strong>da</strong> interpretação cultural do significado, ou seja, ca<strong>da</strong> cultura<br />

interpreta de maneira peculiar a questão <strong>da</strong> violência. Sobre a questão do papel <strong>da</strong> interpretação<br />

cultural do significado encontramos em GROEBEL (1999) a seguinte explanação:<br />

35<br />

A decodificação e a interpretação de uma imagem dependem <strong>da</strong>s tradições e<br />

convenções. Isto explicaria por que um quadro agressivo pode ser lido de<br />

forma diferente, por exemplo, em Cingapura ou na Suíça, ou mesmo por<br />

grupos diferentes dentro de uma cultura nacional. Estas diferenças culturais<br />

têm que ser leva<strong>da</strong>s em consideração. Contudo, a questão é se certas imagens<br />

também podem criar imediatamente reações emocionais em um nível<br />

fun<strong>da</strong>mental [...] (GROEBEL, 1999, p.226).<br />

Quanto à questão do significado de um ato, diferentes culturas poderão designá-lo<br />

como violento ou não. Do ponto de vista sociológico, encontramos a proposta de BOURDIEU<br />

(2000) que esclarece a questão do significado, enfocando que este pode ser denominado de arbitrário<br />

ou cultural, isto é, diferentes culturas estabelecem suas noções de ver<strong>da</strong>de, de violência e<br />

assim por diante, de acordo com suas vivências específicas.<br />

A obra de Pierre BOURDIEU e Jean Claude PASSERON (1992), sobre a Sociologia<br />

<strong>da</strong> Educação, apresenta-se com inúmeras contribuições para a compreensão do problema<br />

<strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des escolares. Sem dúvi<strong>da</strong>, como to<strong>da</strong> teoria que passa a representar um novo paradigma<br />

de pensamento, esta obra foi alvo de análises críticas acura<strong>da</strong>s, trazendo contribuições não só para<br />

a Sociologia <strong>da</strong> Educação, como para o pensamento sobre a prática educacional em todo o mundo,<br />

contribuindo para a difusão do conceito de violência simbólica.<br />

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NOGUEIRA & NOGUEIRA (2002), ressaltam que predominava, na educação<br />

geral e nas Ciências Sociais teoricamente, até meados do século XX, um modelo específico de<br />

pensamento sobre os problemas e fracassos escolares baseados em uma visão funcionalista e<br />

otimista que atribuía ao processo de escolarização papel fun<strong>da</strong>mental para a superação dos atrasos<br />

que ocorriam nos países. A esse respeito os autores assim expõem:<br />

Supunha-se que por meio <strong>da</strong> escola pública e gratuita seria resolvido o<br />

problema do acesso à educação e, assim garanti<strong>da</strong>, em princípio, a igual<strong>da</strong>de<br />

de oportuni<strong>da</strong>des entre todos os ci<strong>da</strong>dãos. Os indivíduos competiriam dentro<br />

do sistema de ensino, em condições iguais, e aqueles que se destacassem<br />

por seus dons individuais seriam levados, por uma questão de justiça, a<br />

avançar em suas carreiras escolares e, posteriormente, a ocupar as posições<br />

superiores na hierarquia social. A escola seria, nessa perspectiva, uma instituição<br />

neutra, que difundiria um conhecimento racional e objetivo e que<br />

selecionaria seus alunos com base em critérios racionais. (NOGUEIRA &<br />

NOGUEIRA, 2002, p.16).<br />

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Porém, a partir dos anos 50, conforme os mesmos autores, esta perspectiva otimista<br />

e aparentemente de fácil solução dá lugar a novas formas de pensamento não tão otimistas<br />

sobre a questão do fracasso escolar. Percebeu-se, a partir de então, que o desempenho escolar<br />

dependia mais <strong>da</strong> origem social que propriamente de dons individuais.<br />

A proposta de BOURDIEU & PASSERON (1992) aponta para a relação que<br />

existe entre desempenho escolar e origem ou classe social, bem como inverte o pensamento<br />

funcionalista que se tinha sobre o papel <strong>da</strong> escola. De acordo com a proposta, longe de ofertar<br />

igual<strong>da</strong>de de oportuni<strong>da</strong>des, a escola e, sobretudo, o processo educacional, ou a ação pe<strong>da</strong>gógica,<br />

passa a ser o grande agente de reprodução e legitimação <strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des sociais.<br />

Desse modo, a educação perde seu papel de transformadora <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de para<br />

assumir o papel de colaboradora nas injustiças sociais. Nessa perspectiva, a escola serviria como<br />

veículo que, dissimula<strong>da</strong>mente, contribuiria para a manutenção <strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>de social e do pensamento<br />

de que as diferenças residem no próprio aluno e não no sistema.<br />

BOURDIEU & PASSERON (1992) anulam a idéia de neutrali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> escola e<br />

sugerem que o conhecimento escolar estaria pautado nos valores <strong>da</strong> classe dominante apresentados<br />

como cultura. Para os autores, a escola legitima as desigual<strong>da</strong>des sociais à medi<strong>da</strong> que converte<br />

as diferenças sociais em diferenças acadêmicas e cognitivas pessoais, atribuí<strong>da</strong>s ao aluno, como<br />

causas últimas para seu desempenho.<br />

É evidente, que na proposta de Pierre Bourdieu, a ênfase está na construção social<br />

do sujeito. Segundo ele, as concepções subjetivistas contribuiriam para uma concepção ilusória de<br />

mundo. Entretanto, ele também se afasta <strong>da</strong> concepção objetivista e afirma que o sujeito se constitui<br />

a partir de estruturas sociais internaliza<strong>da</strong>s, isto é, ele passaria a corresponder à sua formação<br />

inicial em um ambiente social, aderindo ao conjunto de ações típicas <strong>da</strong>quela classe ou socie<strong>da</strong>de.<br />

Dessa maneira, formaria um habitus, ou seja, uma forma específica de ação através<br />

<strong>da</strong> qual o indivíduo passaria a interagir com o mundo em um processo dinâmico e não-estático<br />

ou mecânico, que se originaria <strong>da</strong> estrutura social.<br />

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Eliane Belloni e Olga Ceciliato Mattioli<br />

Encontramos na obra de BERGER (2004), também sociólogo, uma proposta similar<br />

à de Bourdieu sobre a inserção do homem na socie<strong>da</strong>de. “Estar localizado na socie<strong>da</strong>de significa<br />

estar no ponto de interseção de forças sociais específicas. Geralmente quem ignora essas<br />

forças age com risco.” (BERGER, 2004, p.79).<br />

De acordo com o autor, a socie<strong>da</strong>de estabelece papéis sociais. Sendo assim, Berger<br />

refere-se aos padrões implícitos nos papéis e afirma: “Um papel, portanto, pode ser definido como<br />

uma resposta tipifica<strong>da</strong> a uma expectativa tipifica<strong>da</strong> [...]. O papel oferece o padrão segundo o qual<br />

o indivíduo deve agir na situação.” (BERGER, 2004, p.108-109).<br />

A teoria sociológica do autor citado tem uma base filosófica que também reside na<br />

categorização do indivíduo pela estrutura social do mesmo, isto é, BOURDIEU (1999) se refere a<br />

um conjunto de disposições incorpora<strong>da</strong>s pelo indivíduo de uma determina<strong>da</strong> estrutura social. Já<br />

BERGER (2004) se refere aos sentimentos de identi<strong>da</strong>de e aos papéis que se espera que um<br />

indivíduo localizado em uma determina<strong>da</strong> estrutura social desempenhe. Para ele é a socie<strong>da</strong>de que<br />

atribui identi<strong>da</strong>de ao indivíduo e, além de atribuí-la, é preciso que ela a sustente com regulari<strong>da</strong>de.<br />

Ambos os autores se fun<strong>da</strong>mentam em um determinismo social, e podemos pressupor a partir <strong>da</strong>s<br />

duas teorias que o Homem existe na sua positivi<strong>da</strong>de, em um movimento constante de inter-relacionamento<br />

com o meio social no qual vive, o que destoa totalmente <strong>da</strong> idéia do objetivismo e do<br />

subjetivismo.<br />

Contrapondo-se ao subjetivismo, BOURDIEU (1999) ressalta que o indivíduo não<br />

é autônomo nem tampouco determinado objetivamente pelo ambientalismo, mas se faz sujeito<br />

histórico pela herança social. Para ele essa herança está composta por alguns componentes objetivos,<br />

tais como o capital econômico, o capital cultural e o capital social.<br />

Segundo o autor, é através do capital econômico que o indivíduo tem acesso ao<br />

capital social e ao capital cultural, os quais, por se constituírem nos títulos escolares recebidos pelo<br />

indivíduo, estão atrelados ao capital econômico.<br />

Para BOURDIEU (1999) é o capital cultural, viabilizado pela família que fará a<br />

grande diferença no produto final <strong>da</strong> escolarização. A explicação <strong>da</strong><strong>da</strong> por ele em defesa desta<br />

tese é que, ao ser detentor do capital cultural viabilizado pela família, o indivíduo já entraria no<br />

sistema escolar com vantagens, uma vez que este capital favoreceria a compreensão dos conteúdos<br />

propostos nos currículos, bem como o desempenho do indivíduo na escola.<br />

Poderíamos, partindo desta concepção, dizer que a escola não traria um conhecimento<br />

novo, mas aprender o código cultural passado pela escola seria uma espécie de continui<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> cultura familiar trazi<strong>da</strong> pela criança <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s mais favoreci<strong>da</strong>s pelo capital econômico e<br />

social. À criança <strong>da</strong>s classes desprivilegia<strong>da</strong>s, porém, caberia um desafio a mais: o de decifrar o<br />

código cultural <strong>da</strong>s classes dominantes difundido pela escola como “cultura geral”.<br />

A idéia central <strong>da</strong> Sociologia <strong>da</strong> Educação de Pierre Bourdieu poderia ser sintetiza<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> seguinte maneira: o indivíduo que possui capital cultural tem infinitamente mais chances de<br />

conseguir êxito escolar, porque o currículo institucionalizado é um currículo que se constitui em um<br />

autêntico julgamento sobre o aluno.<br />

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Infância, Escola e Violência Simbólica<br />

maneira:<br />

NOGUEIRA & NOGUEIRA (2002) explicitam as idéias de Bourdieu <strong>da</strong> seguinte<br />

A idéia de Bourdieu é a de que, pelo acúmulo histórico de experiências de<br />

êxito e de fracasso, os grupos sociais iriam construindo um conhecimento<br />

prático (não plenamente consciente) relativo ao que é possível ou não de ser<br />

alcançado pelos seus membros dentro <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de social concreta na qual<br />

eles agem, e sobre as formas mais adequa<strong>da</strong>s de fazê-lo. (NOGUEIRA &<br />

NOGUEIRA, 2002, p.22).<br />

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Nessa perspectiva, a escola bem como o trabalho pe<strong>da</strong>gógico, só podem ser entendidos<br />

se forem relacionados aos sistemas de relações entre as classes. Esta noção fica evidente<br />

na obra “A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino”. Nessa obra, os autores<br />

BOURDIEU & PASSERON (1992) levantam um tema central que é a noção de arbitrário cultural,<br />

aproximando-se, assim, de uma noção de cultura defini<strong>da</strong> em termos antropológicos, na qual<br />

não há superiori<strong>da</strong>de cultural: to<strong>da</strong>s as culturas são boas ou funcionais para uma determina<strong>da</strong><br />

população, e, segundo o critério utilizado pelos autores, a cultura é um conjunto de disposições<br />

arbitrárias, não encontra<strong>da</strong>s naturalmente no universo; por conseguinte, tais disposições são fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>s<br />

socialmente, e os valores culturais estabelecem-se como forma de sobrevivência dos<br />

grupos humanos.<br />

Para Bourdieu, apesar de arbitrária, a cultura grupal é vivencia<strong>da</strong> como autêntica.<br />

Assim, esse raciocínio é estendido à escola: a cultura escolar é vivencia<strong>da</strong> pelos alunos como<br />

ver<strong>da</strong>de universal e legítima, objetivamente superior às demais; ela só se torna legítima através <strong>da</strong><br />

ação pe<strong>da</strong>gógica <strong>da</strong> escola.<br />

A noção de neutrali<strong>da</strong>de escolar cai definitivamente por terra com tal proposta<br />

teórica e em seu lugar entram vários questionamentos sobre o papel que a mesma desempenha na<br />

socie<strong>da</strong>de. Ao apresentar um conteúdo como legítimo e ver<strong>da</strong>deiro, através <strong>da</strong> ação pe<strong>da</strong>gógica, a<br />

escola acaba por exercer uma forma de violência oculta, a qual, BOURDIEU & PASSERON<br />

(1992) denominaram de “violência simbólica”.<br />

Para esses autores, a ação pe<strong>da</strong>gógica é uma forma de violência simbólica porque<br />

contribui para a reprodução <strong>da</strong>s estruturas de poder. É através <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de pe<strong>da</strong>gógica legitima<strong>da</strong><br />

pelo sistema, que o trabalho pe<strong>da</strong>gógico, enquanto trabalho de inculcação de arbítrios culturais,<br />

se estabelece por vários anos com o objetivo de criar habitus, isto é, de fazer com que o sujeito<br />

social interiorize os princípios até o ponto em que, mesmo não existindo mais a ação pe<strong>da</strong>gógica,<br />

ele aja como se ela existisse. É através desse processo que a cultura (arbitrária) passa a fazer<br />

parte <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do indivíduo como processo natural e é, então, reproduzi<strong>da</strong> de forma homogênea<br />

através <strong>da</strong> ação pe<strong>da</strong>gógica e <strong>da</strong> escola.<br />

Assim, BOURDIEU & PASSERON (1992) fazem uma leitura sociológica <strong>da</strong><br />

ação pe<strong>da</strong>gógica e imprimem um cunho de violência ao trabalho do educador, que, longe de oferecer<br />

igual<strong>da</strong>de de possibili<strong>da</strong>des aos indivíduos, oferece um código arbitrário de normas, conceitos<br />

e preconceitos, cuja função é perpetuar a cultura dominante.<br />

O conceito de Violência Simbólica rompe com as concepções espontâneas <strong>da</strong><br />

ação pe<strong>da</strong>gógica como ação não-violenta e/ou neutra. Assim como a violência física encontra sua<br />

TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


Eliane Belloni e Olga Ceciliato Mattioli<br />

legitimação nos meios jurídico-estatais, a violência simbólica encontra sua legitimação através dos<br />

currículos escolares que asseguram a perpetuação <strong>da</strong> cultura <strong>da</strong> classe dominante sobre a <strong>da</strong><br />

domina<strong>da</strong>, imperceptivelmente. Ela se dá à medi<strong>da</strong> que o sujeito é impedido de elaborar sentidos e<br />

significados, pois estes já estão prontos para serem absorvidos.<br />

Com uma aparência socialmente aceita, o exercício de ensinar, ou melhor, a ação<br />

pe<strong>da</strong>gógica - terminologia utiliza<strong>da</strong> por Bourdieu - longe de ser neutra, carrega em si, de maneira<br />

dissimula<strong>da</strong>, a preponderância do forte sobre o fraco, do que instrui sobre o que é instruído, <strong>da</strong>quele<br />

que detém o poder sobre aquele que está sob o poder, pois as próprias relações de poder legitimam<br />

as divisões de classes. Técnicas cruéis e punitivas presentes na ação pe<strong>da</strong>gógica dão lugar à<br />

violência simbólica, maneira mais sutil, porém não menos violenta, presente no ato de ensinar.<br />

Do ponto de vista sociológico, a escola deveria ser um local que oportunizasse aos<br />

estu<strong>da</strong>ntes possibili<strong>da</strong>des de alcançar quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> no seu sentido amplo. Entretanto, longe de<br />

assumir este papel, ela vem se mostrando incapaz de preparar o aluno para a autonomia e vem<br />

cumprindo o papel de reprodutora <strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des.<br />

A desigual<strong>da</strong>de de escolarização reproduz a divisão social do trabalho, isto é: aos<br />

que sabem mais e que melhor dominam o conteúdo <strong>da</strong> cultura geral caberão os melhores cargos;<br />

aos que menos sabem ou têm mais dificul<strong>da</strong>des para assimilar os conteúdos desta mesma cultura,<br />

cabem os demais empregos e até os subempregos.<br />

A conseqüência inevitável desse processo é que, ao oferecer tratamento igual aos<br />

desiguais “em razão <strong>da</strong> origem social” a escola acaba ratificando o sucesso de quem já traz uma<br />

bagagem cultural e social privilegia<strong>da</strong><br />

Assim, o sistema simbólico é instalado com sucesso quando é feito de maneira<br />

não-explícita, sem que seja percebido, questionado ou negado. A violência simbólica reside exatamente<br />

nessa “forma” de fazer crer que o que não é, é, e o que é, não é. Em suma, a violência<br />

simbólica pode ser analogamente compara<strong>da</strong> a uma armadilha invisível. Segundo BOURDIEU<br />

(2000), ela se dá com a cumplici<strong>da</strong>de silenciosa dos que a sofrem e também, muitas vezes, dos que<br />

a exercem.<br />

Como resultado, a escola, cumpriria o papel de reprodução <strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des sociais<br />

e legitimação <strong>da</strong>s mesmas, visto que reconhece a autentici<strong>da</strong>de de uma cultura sobre outra,<br />

através do processo educacional sob o esteriótipo <strong>da</strong> neutrali<strong>da</strong>de escolar.<br />

39<br />

REFERÊNCIAS<br />

ALTHUSSER, L. Aparelhos Ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de<br />

Estado. 2.ed. Rio de Janeiro: GRAAL, 2001.<br />

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Carinho e Trabalho. Petrópolis-RJ: Vozes, 1999.<br />

BERGER, P. L. Perspectivas Sociológicas: uma visão humanística. 26.ed. Petrópolis-RJ: Vozes,<br />

2004.<br />

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Infância, Escola e Violência Simbólica<br />

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BOURDIEU, P.; PASSERON, J. C. A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de<br />

ensino. 3.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.<br />

CARLSSON, U.; FEILITZEN, C. V. (Orgs.). A Criança e a Violência na Mídia. São Paulo:<br />

Cortez; Brasília: UNESCO, 1999.<br />

DEBORD, G. A Socie<strong>da</strong>de do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.<br />

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FEILITZEN, C. V. (Orgs.). A Criança e a Violência na Mídia. São Paulo: Cortez; Brasília:<br />

UNESCO,1999.<br />

GUIMARÃES, A. Vigilância, Punição e Depre<strong>da</strong>ção Escolar. Campinas: Papirus, 1985.<br />

HAMMARBERG, T. Crianças e influências nocivas <strong>da</strong> mídia. In: CARLSSON, U.; FEILITZEN,<br />

C. V. (Orgs.). A Criança e a Violência na Mídia. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 1999.<br />

40<br />

KRAMER, S.; LEITE, M. I. (Orgs.). Infância: fios e desafios <strong>da</strong> pesquisa. São Paulo: Papirus,<br />

1996.<br />

LEMOS, F. C. S.; GUIMARÃES, J. L.; JUNIOR CARDOSO, H. R. A produção <strong>da</strong> violência<br />

doméstica contra crianças e adolescentes. In: ARAUJO, M. F.; MATTIOLI, O. C. Gênero e<br />

Violência. São Paulo: Arte & Ciência, 2004.<br />

MARCÍLIO, H. Historia Social <strong>da</strong> Criança Abandona<strong>da</strong> no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1998.<br />

MOURA, R. M. A Organização Escolar: desigual<strong>da</strong>des e inovação. Disponível em: .Acessado em 09 de agosto de 2004.<br />

NOGUEIRA, C. M. M.; NOGUEIRA, M. A. A Sociologia <strong>da</strong> Educação de Pierre Bourdieu:<br />

limites e contribuições. Educação & Socie<strong>da</strong>de, [S.l.] a. XXIII, p.19, abr. 2002.<br />

ROSSI, M. H. W. Imagens que Falam: leitura e arte na escola. Porto Alegre: Mediação, 2003.<br />

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SANCHES, C. S. Crianças e Adolescentes em Situação de Rua: estudo qualitativo realizado na<br />

ci<strong>da</strong>de de Marília – SP. 2001. 197p. Tese (Doutorado em Educação) – Facul<strong>da</strong>de de Filosofia e<br />

Ciências, Marília.<br />

WARTELLA, E.; OLIVAREZ, A.; JENNINGS, N. A Criança e a Violência na Televisão nos<br />

EUA. In: CARLSSON, U.;FEILITZEN, C. V. (Orgs.). A Criança e a Violência na Mídia. São<br />

Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 1999.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM<br />

DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E EMPRESARIAL –<br />

NEPDTE


Estudo do Perfil do Consumidor de Supermercados <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de de Londrina<br />

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Maria Eduvirge Marandola e Suzana Rezende Lemanski<br />

ESTUDO DO PERFIL DO CONSUMIDOR DE SUPERMERCADOS DA CIDADE<br />

DE LONDRINA * Maria Eduvirge Marandola **<br />

Suzana Rezende Lemanski ***<br />

RESUMO:<br />

O aumento <strong>da</strong> concorrência no ramo de supermercados é um fator que tem provocado ameaça até<br />

mesmo para as empresas tradicionais. Porém, não foi apenas do lado <strong>da</strong> oferta que aconteceram<br />

mu<strong>da</strong>nças, os consumidores também mu<strong>da</strong>ram; estão mais conscientes, exigentes, dotados de<br />

mais informações que possibilitam comparações. Isso tudo somado, dentro de um ambiente de<br />

estabili<strong>da</strong>de econômica, requer mais racionali<strong>da</strong>de desses agentes. Esta pesquisa teve por objetivo<br />

traçar o perfil do consumidor de supermercados na ci<strong>da</strong>de de Londrina. Os resultados revelaram<br />

que as promoções e a varie<strong>da</strong>de de itens são fatores preponderantes de atrativi<strong>da</strong>de do consumidor.<br />

Desse modo, estratégias volta<strong>da</strong>s para essa direção podem representar um diferencial frente<br />

à concorrência. O supermercado abre mão <strong>da</strong> margem de lucro nos produtos ofertados, porém<br />

agrega valores com outras ven<strong>da</strong>s e lucra com um maior giro de consumo.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Perfil; Consumidor; Supermercados; Concorrência; Preferência.<br />

ABSTRACT:<br />

The increase of competition in the supermarket areas is one factor that has been threatening even<br />

the traditional companies. However, it is not only on the supply side that changes have occurred;<br />

customers have also changed. They have become more aware of their rights, more demanding,<br />

and have now more information, which makes comparisons possible. All these factors combined in<br />

an environment of economic stability require more rationality on the part of these agents. This<br />

research had the goal of tracing the profile of the customers of supermarkets in the city of Londrina.<br />

The results showed that sales and variety of items are preponderant factors in attracting the<br />

consumer. In this way, strategies in this direction can represent a distinguishing point in competition.<br />

The supermarkets do not count so much on the profit from the products on sale but they make<br />

profits from other sales and from bigger flow of customers.<br />

43<br />

KEYWORDS: Profile; Customer; Supermarkets; Competition; Preference.<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

Atualmente em todos os tipos de negócios observa-se um aumento <strong>da</strong> concorrência.<br />

No ramo de supermercados não é diferente. Mesmo as empresas tradicionais que se sentiam<br />

seguras em suas posições, muitas vezes de liderança, passaram a ser ameaça<strong>da</strong>s por todo o tipo de<br />

concorrência: novos competidores, antigos concorrentes que revelaram uma capaci<strong>da</strong>de inespera<strong>da</strong><br />

de a<strong>da</strong>ptação a um novo ambiente e, até mesmo, chega<strong>da</strong> de empresas estrangeiras ou de<br />

outras regiões do país.<br />

* Este artigo é parte de projeto de ensino desenvolvido com os acadêmicos do 2º ano do Curso de Administração: Habilitações<br />

em Gestão Empresarial e Marketing, ano 2005, matriculados nas disciplinas de Estatística Aplica<strong>da</strong> à Administração e<br />

Princípios de Economia II.<br />

** Docente do Centro Universitário Filadélfia (<strong>UniFil</strong>). Mestre em Teoria Econômica pela Universi<strong>da</strong>de Estadual de Maringá.<br />

E-mail: MariaEduvirge@aol.com<br />

*** Docente do Centro Universitário Filadélfia (<strong>UniFil</strong>). Doutora em Engenharia Química pela Universi<strong>da</strong>de Estadual de<br />

Maringá. E-mail: Suzanar@sercomtel.com.br<br />

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Além do acirramento <strong>da</strong> concorrência, a reali<strong>da</strong>de vem mu<strong>da</strong>ndo com uma veloci<strong>da</strong>de<br />

muito grande, fazendo com que conceitos até então tidos como ver<strong>da</strong>des absolutas, tenham<br />

que ser questionados.<br />

Saltando <strong>da</strong> ponta <strong>da</strong> oferta para a <strong>da</strong> deman<strong>da</strong>, percebe-se que o consumidor<br />

também está tendo o seu perfil alterado. Hoje, com a facili<strong>da</strong>de de se obter informações, com o<br />

aumento <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des de comparação, com o Código de Defesa do Consumidor e a estabili<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> economia, o consumidor mudou de postura e está mais informado, consciente e exigente<br />

(SIQUEIRA, 2004).<br />

Pesquisa realiza<strong>da</strong> pela ACNielsen indica que 73% dos consumidores estão atentos<br />

a ofertas e 67% deles prestam atenção às gôndolas de promoções. Entretanto, isso não significa<br />

disposição para trocar marcas em função de ofertas: 53% não compram outras marcas unicamente<br />

por causa de ofertas. O cenário indica que, ca<strong>da</strong> vez mais, os supermercados precisam<br />

conhecer o mercado, antecipar tendências e focarem-se no consumidor. Não encontrar suas marcas<br />

preferi<strong>da</strong>s leva consumidores a trocarem de supermercado. (ABRAS, 2004).<br />

A compreensão <strong>da</strong>s decisões de compras por parte dos consumidores aju<strong>da</strong> a<br />

entender como as mu<strong>da</strong>nças na ren<strong>da</strong> e nos preços afetam as deman<strong>da</strong>s de bens e serviços; e por<br />

que as deman<strong>da</strong>s de certos produtos são mais sensíveis do que as de outros às mu<strong>da</strong>nças nos<br />

preços e na ren<strong>da</strong>. A teoria microeconômica analisa o comportamento do consumidor, dividindo<br />

em três etapas: a) preferências do consumidor, que consiste em encontrar uma forma prática de<br />

descrever por que as pessoas poderiam preferir uma mercadoria à outra; b) restrições orçamentárias:<br />

os consumidores têm ren<strong>da</strong> limita<strong>da</strong>, o que restringe a quanti<strong>da</strong>de de mercadoria que podem<br />

adquirir; c) escolhas do consumidor, diante de suas preferências e <strong>da</strong> limitação de ren<strong>da</strong>; os consumidores<br />

adquirirão as combinações de mercadorias que maximizem a sua satisfação. Essas combinações<br />

dependerão dos preços dos vários bens disponíveis. Assim, entender as escolhas do consumidor<br />

aju<strong>da</strong> a compreender a deman<strong>da</strong>. (PINDYCK e RUBINFELD, 2002).<br />

BRUE (2001, p.119) argumenta que a situação típica com a qual o consumidor se<br />

defronta tem quatro dimensões: a) comportamento racional: o consumidor é um indivíduo racional,<br />

tentando utilizar sua ren<strong>da</strong> monetária a fim de obter a maior satisfação, ou seja, tenta adquirir o<br />

máximo possível com seu dinheiro; b) preferências: ca<strong>da</strong> consumidor possui preferências bem<br />

defini<strong>da</strong>s por certos bens e serviços disponíveis no mercado. Sendo que os compradores também<br />

são capazes de avaliar a satisfação pelas uni<strong>da</strong>des adicionais dos vários bens que eles podem<br />

comprar; c) restrição orçamentária: em qualquer ponto do tempo, o consumidor possui uma quanti<strong>da</strong>de<br />

fixa e limita<strong>da</strong> de ren<strong>da</strong> monetária, o que se verifica em to<strong>da</strong>s as faixas de ren<strong>da</strong>, até mesmo<br />

aqueles que recebem milhões. Entretanto, é claro que essa limitação de ren<strong>da</strong> é mais grave para os<br />

consumidores com ren<strong>da</strong>s médias do que para os consumidores com ren<strong>da</strong>s extremamente eleva<strong>da</strong>s;<br />

d) preços: os bens e serviços são escassos com relação à sua deman<strong>da</strong>, ou, em outras palavras,<br />

produzi-los envolve custos de oportuni<strong>da</strong>de. Portanto, todo bem e serviço possui um preço.<br />

As compras feitas por ca<strong>da</strong> consumidor representam apenas uma pequena parte <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> total,<br />

e não são capazes de, por si, afetar o preço de um produto. Cabe lembrar que em uma economia<br />

de mercado capitalista, normalmente, quem faz o preço é o vendedor.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


Maria Eduvirge Marandola e Suzana Rezende Lemanski<br />

Diante do exposto entende-se que o consumidor deve chegar a um meio termo: ele<br />

deve escolher entre os vários produtos de forma a obter com a sua ren<strong>da</strong> monetária limita<strong>da</strong>, a<br />

combinação de bens e serviços que lhe traga mais satisfação. Diferentes indivíduos escolherão<br />

diferentes combinações de bens.<br />

2. METODOLOGIA<br />

Foi realiza<strong>da</strong> uma pesquisa de campo que consistiu em ent<strong>revista</strong>r uma amostra de<br />

400 clientes em diferentes supermercados <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Londrina. Os <strong>da</strong>dos foram coletados nos<br />

períodos matutino e vespertino, durante vários dias <strong>da</strong> semana, no período de 20 a 27 de agosto de<br />

2005. Aplicou-se um questionário contendo 21 perguntas objetivas, utilizando-se o método de<br />

abor<strong>da</strong>gem direta aos clientes presentes nos supermercados. Para tratamento e análise dos <strong>da</strong>dos,<br />

os mesmos foram organizados, utilizando-se a estatística descritiva, de forma a proporcionar um<br />

grande número de informações, permitindo assim reflexões e formulações de hipóteses de trabalho.<br />

Considerou-se um nível de significância de 5% para as análises estatísticas.<br />

Resultados e Discussão<br />

O perfil do consumidor de supermercados de Londrina foi traçado por universitários<br />

do 2º ano de Administração: Habilitação em Gestão Empresarial e Marketing do Centro<br />

Universitário Filadélfia (<strong>UniFil</strong>), turmas de 2005. Os estu<strong>da</strong>ntes ent<strong>revista</strong>ram 400 consumidores<br />

em 8 supermercados de diferentes bairros <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Os resultados apontam que 59,43% dos<br />

clientes são mulheres, 73,58% delas freqüentam o supermercado mais de 3 vezes por semana,<br />

sendo que 50% têm um gasto mensal acima de R$ 400,00. Para 50,28% dos ent<strong>revista</strong>dos, as<br />

promoções representam um atrativo importante, sendo que apenas 13,07% deles, quando vão ao<br />

mercado em busca de um produto em promoção, compram somente aquele produto. O período <strong>da</strong><br />

tarde é o preferido para 51,01% dos ent<strong>revista</strong>dos, e apenas 20,17% têm preferência pelo período<br />

<strong>da</strong> noite para ir fazer as suas compras. A fideli<strong>da</strong>de apareceu como um fator importante na pesquisa,<br />

já que 61,76% dos consumidores revelam freqüentar sempre o mesmo supermercado. Quanto<br />

ao atendimento, o consumidor mostrou-se satisfeito, com apenas 3,71% afirmando que nenhum<br />

supermercado presta bom atendimento; os demais 96,29% tiveram opiniões dividi<strong>da</strong>s entre concor<strong>da</strong>rem<br />

que todos ou apenas alguns prestam bons serviços. De acordo com o estudo, 38,70%<br />

<strong>da</strong>s famílias possuem ren<strong>da</strong> superior a R$ 2.400,00 e 48,15% do total têm entre uma e duas crianças.<br />

Embora os economistas aconselhem o uso <strong>da</strong> lista para escapar <strong>da</strong>s compras por impulso,<br />

apenas 23,38% afirmaram utilizá-la e segui-la com rigor. O cartão de crédito apresenta-se como<br />

uma opção importante de pagamento, sendo a escolhido por 41,43%; porém, 43,72% afirmaram<br />

efetuar o pagamento em dinheiro. Esse resultado merece atenção e pode ser o indicativo do comportamento<br />

racional do consumidor ao evitar o pagamento em cheque, que é onerado pelo recolhimento<br />

<strong>da</strong> contribuição provisória <strong>da</strong> movimentação financeira (CPMF). Quanto ao processo de<br />

escolha, apenas 14,45% afirmaram fideli<strong>da</strong>de a uma marca e que, dependendo do produto, 67,92%<br />

estariam dispostos a trocá-la por outra. A teoria valor-utili<strong>da</strong>de afirma que o consumo traz prazer<br />

e isso é reforçado no processo de escolha, o que justifica o fato <strong>da</strong> maioria (89,68%) <strong>da</strong> amostra<br />

ent<strong>revista</strong><strong>da</strong> optar em ir diretamente ao supermercado, contra apenas 10,32% <strong>da</strong>rem preferência<br />

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Estudo do Perfil do Consumidor de Supermercados <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de de Londrina<br />

por serviços de compras por fax, telefone ou Internet. A pesquisa ain<strong>da</strong> apontou uma série de<br />

fatores que os consumidores julgam importantes ao escolher um supermercado. As opções de<br />

produtos aparecem como principal atrativo, seguido por menores preços e bom atendimento.<br />

4. CONCLUSÕES<br />

Uma estratégia para aumento de ven<strong>da</strong>s que vem sendo utiliza<strong>da</strong> atualmente é a<br />

oferta de produtos promocionais. A maioria dos consumidores parece não planejar suas compras,<br />

indo ao supermercado atraídos por fatores como varie<strong>da</strong>de de itens e promoções. A estratégia de<br />

promoções pode incrementar a ven<strong>da</strong> de outros produtos que estão fora <strong>da</strong> promoção, uma vez que<br />

grande parte dos consumidores afirmou não levar apenas os produtos em promoção que o atraíram<br />

ao supermercado **** .<br />

5. REFERÊNCIAS<br />

BRUE, McConnell. O comportamento do consumidor e a maximização <strong>da</strong> utili<strong>da</strong>de. In: ______.<br />

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KAZMIER, Leonard J. Estatística Aplica<strong>da</strong> à Economia e Administração. São Paulo: McGraw-<br />

Hill, 1982.<br />

46<br />

MANKIW, N. Gregory. Teoria <strong>da</strong> escolha do consumidor. In: ______. Introdução à Economia:<br />

Princípios de Micro e Macroeconomia. Rio de Janeiro: Campus, 1999.<br />

PINDICK, R. S.; RUBINFELD, D. L. Comportamento do consumidor. In: ______.<br />

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SIQUEIRA, J. P. L. de. Qual é o perfil do seu consumidor? Provar. Disponível em < http://<br />

www.provar.org/artigos-mkt.htm> Acessado em 25.10.2004.<br />

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**** As autoras agradecem aos supermercados (Carrefour, Viscardi, Supermuffato, Condor e Almei<strong>da</strong>) que autorizaram a<br />

ent<strong>revista</strong> aos seus clientes.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


Carolina Cunha Machado, Paulino Tsurushima, Talita Brizzi e Luis Marcelo Martins<br />

A IMPORTÂNCIA DA ANÁLISE DE CUSTOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA<br />

Carolina Cunha Machado *<br />

Paulino Tsurushima **<br />

Talita Brizzi ***<br />

Luis Marcelo Martins ****<br />

RESUMO:<br />

Independentemente de ser pública ou priva<strong>da</strong>, a gestão dos recursos financeiros é de suma importância<br />

para o sucesso de qualquer empresa. A obtenção de resultados passa por uma boa gestão<br />

dos custos. Desta forma, o presente trabalho discute a importância <strong>da</strong> aplicação de um modelo de<br />

gerenciamento de custos na Administração Pública, visando melhor analisar, controlar, organizar,<br />

planejar e financiar os gastos do Estado, de forma a contribuir para o sucesso de uma gestão.<br />

Tentar-se-á demonstrar uma nova base de pensamento sobre a forma de como se pode efetuar o<br />

gasto do dinheiro público, para que este seja melhor gerenciado, e assim, estrategicamente, se<br />

possa aplicá-lo para o bem-estar social. Desta forma, é abor<strong>da</strong>do como o bom uso do dinheiro<br />

público (Lei de Responsabili<strong>da</strong>de Fiscal e Lei de Diretrizes Orçamentárias) por parte de uma<br />

pessoa, que pode significar a voz de um povo cheio de esperanças pela mu<strong>da</strong>nça, pode trazer<br />

grandes benefícios para a socie<strong>da</strong>de.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Gestão de Custos; Administração Pública; Economici<strong>da</strong>de.<br />

ABSTRACT:<br />

Whether public or private, the management of financial resources is of utmost importance for the<br />

success of any enterprise. The obtainment of results depends on good cost management. In view<br />

of this, this work discusses the importance of applying a cost management model to the public<br />

administration, aiming at a better analysis, control, organization, planning and financing of state<br />

spending in such a way as to contribute to the success of a given administration. This work is an<br />

attempt to demonstrate a new view on how to spend public money in a better managed way so that<br />

it can be used for the benefit of society. It will be discussed how the good use of public money<br />

(Fiscal Responsibility Law and Budget Directrixes Law) by a person, who can mean the voice of<br />

a people full of hopes for changes, can bring great benefits to society.<br />

47<br />

KEYWORDS: Cost Management; Public administration; Economicability<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

Não obstante o preconceito de que uma enti<strong>da</strong>de pública (prefeitura, governo<br />

estadual ou federal, além de outras) não se caracteriza como empresa, a gestão dos recursos<br />

financeiros deve ser trata<strong>da</strong> de forma isonômica, uma vez que, ca<strong>da</strong> vez mais, se impõe ao gestor<br />

público uma aplicação adequa<strong>da</strong> e coerente dos recursos advindos <strong>da</strong>s arreca<strong>da</strong>ções.<br />

*<br />

Economista pela Facul<strong>da</strong>de Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Cornélio Procópio-PR. Pós-graduação em Controladoria<br />

e Auditoria pelo IEPE - Instituto de Ensino, Pesquisa e Extensão. E-mail: laneyraine@yahoo.com.br<br />

**<br />

Administrador pela Facul<strong>da</strong>de Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Cornélio Procópio-PR. Pós-graduação em<br />

Controladoria e Auditoria pelo IEPE - Instituto de Ensino, Pesquisa e Extensão. E-mail: paulino19@yahoo.com.br<br />

***<br />

Contadora pela Facul<strong>da</strong>de Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Cornélio Procópio. Pós-graduação em Controladoria<br />

e Auditoria pelo IEPE - Instituto de Ensino, Pesquisa e Extensão. E-mail: talitabrizzi@yahoo.com.br<br />

****<br />

Administrador. Especialista em Administração Financeira. Mestre em Administração Financeira pela UNOPAR. Mestre em<br />

Administração (UEL). Consultor de Empresas. Docente de graduação e pós-graduação na <strong>UniFil</strong> – Centro Universitário<br />

Filadélfia. E-mail: administracao@filadelfia.br.<br />

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A Importância <strong>da</strong> Análise de Custos na Administração Pública<br />

1.1. Conceito de administração pública<br />

Administração Pública é todo o aparelhamento do Estado, preordenado com vistas<br />

à realização de seus serviços, objetivando a satisfação <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des coletivas. Trata do<br />

gerenciamento dos serviços públicos, ou seja, significa não só prestar o serviço, mas também<br />

dirigir, governar, diligenciar, com o objetivo de obter um resultado útil para a coletivi<strong>da</strong>de.<br />

Sendo assim, pode-se entender que a Administração Pública executa o chamado<br />

Serviço Público, indispensável à socie<strong>da</strong>de organiza<strong>da</strong>. Nesta linha, Celso Antonio Bandeira de<br />

MELLO, em seus apontamentos na REVISTA DOS TRIBUNAIS “Elementos de Direito Administrativo”<br />

(1981) destaca que “O interesse público, que à administração incumbe zelar, encontrase<br />

acima de quaisquer outros. É obriga<strong>da</strong> a desenvolver ativi<strong>da</strong>de contínua, para perseguir suas<br />

finali<strong>da</strong>des públicas.” Desta forma, vale dizer que é através do conjunto de órgãos, convencionalmente<br />

chamado de Administração, que o Estado pratica a gestão de ativi<strong>da</strong>des que lhe são próprias,<br />

por corresponderem ao interesse público.<br />

A Administração Pública, como to<strong>da</strong>s as organizações, baseia-se em uma estrutura<br />

hierarquiza<strong>da</strong>. É fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> em uma estrutura de poder, com relação de subordinação entre<br />

órgãos e agentes, com distribuição de funções e graduação de autori<strong>da</strong>de. A sua organização,<br />

circunscreve-se ao poder executivo, nas suas três esferas.<br />

1.2. Administração pública municipal<br />

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É crescente a importância dos municípios no financiamento e nos gastos do setor<br />

público brasileiro; contudo, pouco se conhece do papel desta esfera de governo no debate fiscal do<br />

país, e há muito preconceito sobre a eficiência e eficácia <strong>da</strong>s gestões locais. Primeiramente, há um<br />

certo erro em acreditar que todo governo deveria se auto-sustentar, mesmo aqueles de menor<br />

escala e em regiões mais pobres, o que não ocorre nem mesmo em países mais desenvolvidos.<br />

Segundo, os tributos típicos de governos locais – especialmente os que incidem sobre o patrimônio<br />

e diversas taxas – são os que apresentam maior dificul<strong>da</strong>de para gerenciamento e exploração de<br />

seu potencial. Terceiro, em um país de dimensões continentais e profun<strong>da</strong>s dispari<strong>da</strong>des territoriais,<br />

funcionais, econômicas e sociais, tende a faltar informações atualiza<strong>da</strong>s e precisas para<br />

instrumentalizar qualquer processo.<br />

De forma geral, ain<strong>da</strong> se acredita que as prefeituras dependem, basicamente, de<br />

transferências repassa<strong>da</strong>s pelas esferas superiores. No entanto, após a Constituição de 1988, houve<br />

um forte incremento <strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção municipal própria e muito já se investiu na melhoria <strong>da</strong><br />

máquina fazendária, com soluções criativas, ain<strong>da</strong> que localiza<strong>da</strong>s. Por exemplo, muitos municípios<br />

cobram, há muito tempo, IPTU, taxas e, até mesmo ISS, usando guias de recolhimento com código<br />

de barras e leitura óptica, recursos modernos <strong>da</strong> informática que até o momento não são utilizados<br />

por alguns setores <strong>da</strong> máquina fazendária federal.<br />

1.3. Lei de responsabili<strong>da</strong>de fiscal na administração pública<br />

A Lei de Responsabili<strong>da</strong>de Fiscal resgatou a preocupação com a limitação de<br />

gastos e com a implantação de uma contabili<strong>da</strong>de de custos no setor público. Ela determina o<br />

TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


Carolina Cunha Machado, Paulino Tsurushima, Talita Brizzi e Luis Marcelo Martins<br />

controle de alguns gastos específicos, como por exemplo, pessoal e serviços de terceiros, estabelecendo<br />

um patamar em relação à receita arreca<strong>da</strong><strong>da</strong> do período. A solução para verificar deficiências<br />

e ingerências sobre os gastos públicos deve ser a análise pormenoriza<strong>da</strong> dos custos e gastos, identificando<br />

as ativi<strong>da</strong>des essenciais e as supérfluas para a manutenção <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des públicas.<br />

Esta Lei estabeleceu a introdução de normas relativas ao controle de custos junto<br />

à Lei de Diretrizes Orçamentárias, conduzindo à preocupação em se ter uma contabili<strong>da</strong>de de<br />

custos em comunhão com o corte de gastos; caso contrário, passa a existir o risco de se estar<br />

realizando cortes nos programas essenciais, em detrimento de programas não fun<strong>da</strong>mentais para a<br />

manutenção <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de dos serviços, o que não é o objetivo <strong>da</strong> Lei. Assim, a estruturação ou a<br />

adequação de uma contabili<strong>da</strong>de de custos ajusta<strong>da</strong>, que mostre o correto consumo de recursos em<br />

determinado projeto, deve ser prioritária, pois evita cortes lineares de orçamento.<br />

2. A IMPORTÂNCIA DA GESTÃO DE CUSTOS<br />

A busca <strong>da</strong> eficiência e produtivi<strong>da</strong>de nas relações humanas tem despertado estudos<br />

voltados para a aplicação racional dos recursos, sejam materiais ou financeiros. Para que o<br />

Estado consiga atingir seu objetivo principal (a prestação de serviços públicos à socie<strong>da</strong>de), é<br />

preciso ser administrado, organizado, planejado e financiado (SILVA e PEREIRA, 2003).<br />

Gestão pode ser defini<strong>da</strong> como to<strong>da</strong> parcela de recursos que deva ter demonstrações,<br />

acompanhamentos e controles distintos. É o ato de gerenciar a parcela do patrimônio sob<br />

responsabili<strong>da</strong>de de uma determina<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de. Permite o controle individual ou em conjunto, de<br />

to<strong>da</strong>s as enti<strong>da</strong>des geri<strong>da</strong>s. Os gestores públicos contam com alto grau de subjetivi<strong>da</strong>de na interpretação<br />

dos critérios, onde, muitas vezes, confundem “discricionali<strong>da</strong>de” com “arbitrarie<strong>da</strong>de”.<br />

Um dos princípios <strong>da</strong> administração pública é a chama<strong>da</strong> “economici<strong>da</strong>de”, que<br />

deve estar estreitamente liga<strong>da</strong> a um sistema gerencial que forneça informações adequa<strong>da</strong>s de<br />

custos.<br />

A manutenção <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> pública desvia recursos que seriam melhor empregados<br />

em investimentos produtivos. GONÇALVES (2001, p.58) apud SILVA e PEREIRA (2003, p.2)<br />

possui uma visão singular sobre como o Estado deve gerenciar seus recursos.<br />

49<br />

Num país como o Brasil, nunca é demais lembrar alguns problemas que<br />

afetam a nossa socie<strong>da</strong>de: uma distribuição de ren<strong>da</strong> <strong>da</strong>s mais perversas do<br />

mundo; as diferenças no nível de desenvolvimento entre as regiões; e um<br />

endivi<strong>da</strong>mento público assustador, que acarreta profun<strong>da</strong> escassez de recursos<br />

para investimentos. Tais recursos devem ser otimizados ao máximo,<br />

como forma de, ao menos, minimizar esse quadro desolador.<br />

Contudo, o sistema de gerenciamento de custos no setor público ain<strong>da</strong> se encontra<br />

incipiente. De acordo com SILVA e PEREIRA (2003), saber a própria dimensão do Estado seria<br />

de fun<strong>da</strong>mental importância para a análise dos gastos públicos, bem como também saber o quanto<br />

irá se onerar a socie<strong>da</strong>de através de impostos.<br />

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Desta forma, torna-se essencial uma administração pública gerencial, volta<strong>da</strong><br />

para as deman<strong>da</strong>s dos usuários, a partir de um planejamento permanente.<br />

Este trabalho propõe que através <strong>da</strong> gestão de custos, por meio de<br />

sistema de custeamento, o Estado possa gerenciar seus gastos, otimizando<br />

os recursos escassos e buscando minimizar custos, sem comprometer o<br />

serviço prestado.<br />

2.1. Controle e orçamento na contabili<strong>da</strong>de pública<br />

Segundo LEONE (1996, p.18) apud SILVA e PEREIRA (2003, p.3) a contabili<strong>da</strong>de<br />

de custos refere-se:<br />

Às ativi<strong>da</strong>des de coleta e fornecimento de informações para as necessi<strong>da</strong>des<br />

de toma<strong>da</strong> de decisão de todos os tipos, desde as relaciona<strong>da</strong>s com as<br />

operações repetitivas até as de natureza estratégica, não repetitivas, e, ain<strong>da</strong>,<br />

aju<strong>da</strong> na formulação <strong>da</strong>s principais políticas <strong>da</strong>s organizações.<br />

50<br />

Um sistema coerente de contabili<strong>da</strong>de pública deve analisar com precisão o orçamento<br />

público estabelecido por meio <strong>da</strong>s metas financeiras. Contudo, há uma dificul<strong>da</strong>de em estabelecer<br />

comparações na administração pública pelo fato de que as previsões de recursos são feitas<br />

com base nas despesas do período anterior.<br />

A contabili<strong>da</strong>de pública é um dos ramos mais complexos <strong>da</strong> ciência contábil e não<br />

deve ser entendi<strong>da</strong> apenas como o registro e a escrituração dos atos públicos, mas sim como a<br />

observância <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de dos atos <strong>da</strong> execução orçamentária, através do controle e acompanhamento,<br />

que devem ser feitos prévia, concomitante e subseqüentemente. Deve observar também os<br />

limites <strong>da</strong>s cotas trimestrais atribuí<strong>da</strong>s a casa uni<strong>da</strong>de orçamentária.<br />

Com relação ao orçamento propriamente dito, este constitui uma ferramenta<br />

macroeconômica importante, como delimitador <strong>da</strong> quanti<strong>da</strong>de de recursos financeiros disponíveis<br />

para fazer face às despesas <strong>da</strong>s administrações públicas.<br />

Do ponto de vista microeconômico, o orçamento configura-se como uma restrição<br />

financeira, destina<strong>da</strong> a incentivar a eficiência na ativi<strong>da</strong>de, pela introdução <strong>da</strong> noção de “custos de<br />

oportuni<strong>da</strong>de”.<br />

Em síntese, a contabili<strong>da</strong>de de custos auxilia no controle e planejamento <strong>da</strong>s despesas,<br />

bem como na toma<strong>da</strong> de decisões. É o processo que mensura, identifica, analisa interpreta<br />

e comunica informações financeiras que serão utiliza<strong>da</strong>s pela administração pública, a fim de planejar,<br />

avaliar e controlar seus recursos. Portanto, a contabili<strong>da</strong>de de custos fornece <strong>da</strong>dos que a<br />

administração precisa para controlar e planejar as suas ações.<br />

2.2. Sistema de custos<br />

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Segundo SLOMSKI (2001) apud SILVA e PEREIRA (2003), existem três sistemas<br />

de custos que podem ser utilizados dentro <strong>da</strong> área governamental:<br />

• Custeio por Absorção: os custos fixos e variáveis são atribuídos ao produto<br />

ou serviço e nenhuma atenção é <strong>da</strong><strong>da</strong> para sua classificação. Também<br />

denomina-se “custeio integral”;<br />

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• Custeio Direto ou Variável: englobam apenas os custos que variam proporcionalmente<br />

ao volume, materiais diretos, mão-de-obra direta e custos<br />

indiretos variáveis;<br />

• ABC: é o sistema que analisa os custos, rastreando os gastos de uma<br />

empresa para analisar e monitorar as diversas rotas de consumo dos recursos,<br />

através <strong>da</strong> determinação dos direcionadores de custos, sendo indispensáveis<br />

para a mensuração <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des pré-defini<strong>da</strong>s.<br />

Antes <strong>da</strong> aplicação de qualquer um dos métodos, faz-se necessária uma análise<br />

dos custos nas empresas prestadoras de serviço. Dentro do setor público, o planejamento governamental<br />

deve seguir o Plano Plurianual – PPA, visando gastos de longo prazo; e a Lei de Diretrizes<br />

Orçamentárias – LDO, no curto prazo.<br />

De acordo com AFONSO (2000, p.661), apud SILVA e PEREIRA (2003, p.4),<br />

“Um dos problemas do setor público brasileiro estaria em uma prática gerencial alicerça<strong>da</strong> em<br />

bases hierárquicas e departamentaliza<strong>da</strong>s, que gera lentidão e serviços que não satisfazem à<br />

população.”<br />

A licitação também é um dos procedimentos utilizados pelos órgãos públicos para<br />

efetuar compra de bens ou serviços a custos mais baixos sem, no entanto, desmerecer na quali<strong>da</strong>de.<br />

O sistema de custo ABC vem do inglês Activity Based Costing, que significa<br />

“custo baseado em ativi<strong>da</strong>des”. Define-se como a busca do custo exato a determinado produto,<br />

serviço ou ativi<strong>da</strong>de.<br />

Também pode ser definido como um novo método de análise, que busca rastrear<br />

os gastos de uma empresa para analisar e monitorar as diversas rotas de consumo dos recursos<br />

“diretamente e com identificações” com relação às suas ativi<strong>da</strong>des mais relevantes, e destas para<br />

os produtos e serviços. Preocupa-se em verificar quais são os produtos e serviços que consomem<br />

ativi<strong>da</strong>des e quais as ativi<strong>da</strong>des que consomem recursos.<br />

O sistema ABC é, portanto, um sistema de rateio. Porém, não é comparável com<br />

os métodos de rateio tradicionais, visto estes serem arbitrários e subjetivos. Dentro deste método,<br />

os recursos são ativos disponibilizados em períodos anteriores e não consumidos (bens móveis e<br />

imóveis) e também os recursos disponibilizados nesse período (receita orçamentária). O direcionador<br />

de recursos dentro <strong>da</strong> administração pública é a LDO, sendo esta mais eficaz por se trabalhar no<br />

curto prazo.<br />

ALONSO (1998) apud SILVA e PEREIRA (2003), justifica que o método ABC é<br />

essencial para o setor público, por apurar custos não somente de produtos, mas também de outros<br />

objetos de custeio, como processos, clientes, projetos, programas de governo, entre outros. Observa-se<br />

de outro lado, que tal ferramenta melhora, inclusive, o processo de gestão, contribuindo para<br />

cortes seletivos de despesas em programas de ajuste fiscal.<br />

A seguir, é apresentado um exemplo de utilização do método ABC no Departamento<br />

de Compras <strong>da</strong> Prefeitura, atribuindo-se – a título de ilustração – valores fictícios:<br />

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Tabela 1 – Recursos Consumidos pelo Departamento de Compras.<br />

Fonte: SLOMSKI, Valmor. Manual de contabili<strong>da</strong>de pública: um enfoque na contabili<strong>da</strong>de municipal,<br />

de acordo do a LRF. São Paulo: Atlas, 2001.<br />

Tabela 2 – Ativi<strong>da</strong>des desenvolvi<strong>da</strong>s/tempos consumidos/direcionadores de ativi<strong>da</strong>des/nº de<br />

ocorrências.<br />

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Tabela 3 – Custo unitário de ca<strong>da</strong> direcionador.<br />

Fonte: SLOMSKI, Valmor. Manuel de contabili<strong>da</strong>de pública: um enfoque na contabili<strong>da</strong>de municipal,<br />

de acordo do a LRF. São Paulo: Atlas, 2001.<br />

Como pode ser observado, torna-se possível rastrear os recursos atribuídos a<br />

ca<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de desenvolvi<strong>da</strong>, identificando o consumo de ca<strong>da</strong> uma delas, bem como a contribuição<br />

<strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des para o produto final.<br />

3. IMPORTÂNCIA DA GESTÃO ESTRATÉGICA DE CUSTOS NO SETOR PÚBLICO<br />

Se a política adota<strong>da</strong> no setor público não contribuir para melhorar o grau de eficácia<br />

<strong>da</strong>s organizações governamentais, pode-se afirmar que os recursos consumidos configuram<br />

desperdícios absolutamente inaceitáveis; ain<strong>da</strong> mais em um país em que se alega falta de dinheiro<br />

para atender necessi<strong>da</strong>des básicas como saúde, educação, moradia, saneamento e outras.<br />

Além disso, há de se considerar que com o advento <strong>da</strong> Lei de Responsabili<strong>da</strong>de<br />

Fiscal, que estabelece fortes restrições à realização de despesas para garantir o equilíbrio <strong>da</strong>s<br />

contas públicas, deixar de aplicar procedimentos que contribuam para otimizar as decisões toma<strong>da</strong>s<br />

pelo governo é, no mínimo, uma contradição, senão um obstáculo que o Estado impõe a si<br />

próprio. Basta considerar que a referi<strong>da</strong> Lei determina, em seu artigo 67, que a gestão fiscal será<br />

objeto de acompanhamento de Conselhos, que terão como atribuição a disseminação de práticas<br />

que resultem em maior eficiência na alocação e execução do gasto público.<br />

Adicionalmente, cabe salientar que a Lei de Diretrizes Orçamentárias também<br />

reconhece a necessi<strong>da</strong>de de se exercerem controles mais rigorosos sobre os custos incorridos no<br />

setor público. Se tudo isso não fosse suficiente para justificar a reformulação <strong>da</strong> política adota<strong>da</strong><br />

pelas enti<strong>da</strong>des governamentais, entende-se que a Administração Pública já estaria obriga<strong>da</strong> a<br />

modificá-la, em função <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 19/1998, já que esta subordina a ação dos<br />

gestores públicos ao “princípio <strong>da</strong> eficiência”.<br />

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Segundo MORAES (1999, p.30):<br />

[...] princípio <strong>da</strong> eficiência é o que impõe à administração pública direta e<br />

indireta e a seus agentes, a persecução do bem comum, por meio do exercício<br />

de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa,<br />

eficaz, sem burocracia e sempre em busca <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de, rimando pela adoção<br />

dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos<br />

recursos públicos, de maneira a evitar desperdícios e garantir-se maior rentabili<strong>da</strong>de<br />

social.<br />

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A eficiência na gestão pública, independente <strong>da</strong> Lei de Responsabili<strong>da</strong>de Fiscal ou<br />

<strong>da</strong> Lei de Diretrizes Orçamentárias; não soluciona o que ain<strong>da</strong> é comumente visto pela população:<br />

o mau gasto do dinheiro público. Assim, nem sempre se pode gastar, pensando no que futuramente<br />

se terá de arreca<strong>da</strong>ção. A correta concepção, na eficiência de aplicação e uso do dinheiro público,<br />

é apresenta<strong>da</strong> por Lopes de SÁ (1980, p.98), “Na prática, o que se busca conhecer é a eficiência<br />

<strong>da</strong> ‘vigilância’ e <strong>da</strong> ‘proteção’ aos bens e à força de trabalho, ou seja, se o que se investe e o que<br />

se obtém de recursos, efetivamente oferece lucrativi<strong>da</strong>de, economici<strong>da</strong>de ou adequa<strong>da</strong> colimação<br />

dos fins procurados e programados”.<br />

Como se sabe, quem mais sofre com o descaso pelo dinheiro público são as prefeituras,<br />

pois elas sobrevivem através de repasses efetuados pelo governo estadual e federal. Na sua<br />

maior proporção, a arreca<strong>da</strong>ção municipal, sequer consegue manter a folha de pagamento <strong>da</strong> sua<br />

massa de funcionários. Mas é claro que, a sua correta gestão e direcionamento de gastos internos,<br />

podem fazer com que se consiga gerir melhor os recursos e os investimentos.<br />

Informações obti<strong>da</strong>s a respeito <strong>da</strong> Prefeitura do Município de Cornélio Procópio,<br />

por exemplo, não são muito diferentes <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de enfrenta<strong>da</strong> pela maioria <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des. A arreca<strong>da</strong>ção<br />

consegue manter a folha, e também alguns dos gastos; mas observa-se que o maior problema<br />

é o correto direcionamento destes gastos.<br />

É reduzido o número de prefeituras que possuem um controle de gasto intradepartamental.<br />

Este controle quantitativo de direcionamento de verbas é de suma importância para<br />

evitar um problema muito comum, que é a distribuição dos recursos por ordem de solicitação, e não<br />

por priori<strong>da</strong>de estabeleci<strong>da</strong>, ou em termos populares: “quem pede primeiro, leva”. Isso ocorre,<br />

principalmente, quando se tem governantes que não possuem experiência no comando de um<br />

órgão público. A falta desta, talvez, possa atrapalhar o bom funcionamento <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de. Se todos os<br />

órgãos públicos possuíssem um histórico de investimento e gasto intra-departamental, esse problema<br />

poderia estar solucionado.<br />

Este novo modelo de gestão é importantíssimo para a melhoria dos gastos “cometidos”<br />

por instituições públicas: prefeituras, e provavelmente órgãos estaduais e federais; não haveria<br />

gastos desnecessários do dinheiro público.<br />

Para ilustrar a melhoria <strong>da</strong> eficiência na gestão pública, citam-se alguns exemplos:<br />

• Economia: compra de insumos ao menor custo;<br />

• Eficiência: relação ótima entre insumos e consumo;<br />

• Efetivi<strong>da</strong>de: impacto do consumo ou o grau em que este alcança os objetivos<br />

sociais fixados;<br />

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• Um aumento na despesa produz um aumento, proporcionalmente maior, no<br />

consumo;<br />

• A mesma quanti<strong>da</strong>de e padrão de quali<strong>da</strong>de do serviço, é produzi<strong>da</strong> a um<br />

menor custo;<br />

• Maiores quanti<strong>da</strong>des, ou as mesmas, mas com padrões de quali<strong>da</strong>de superiores,<br />

são produzi<strong>da</strong>s a custo igual ou inferior;<br />

• Uma ativi<strong>da</strong>de mais útil substitui outra menos útil, a custos iguais;<br />

• Ativi<strong>da</strong>des desnecessárias são elimina<strong>da</strong>s;<br />

• Uma produção conjunta resulta mais barata que a soma dos custos de duas<br />

produções obti<strong>da</strong>s separa<strong>da</strong>mente.<br />

A eficiência <strong>da</strong> gestão resulta na priorização de recursos para os quais se comparam<br />

resultados e custos, com diferentes alternativas. A enti<strong>da</strong>de deve contemplar os elementos de<br />

custos e de resultados, na ativi<strong>da</strong>de desempenha<strong>da</strong>.<br />

3.1. Princípio econômico na gestão pública<br />

O desgaste a que chegou a gestão pública no Brasil exige que se observe princípios,<br />

como morali<strong>da</strong>de, legali<strong>da</strong>de, isonomia, etc. Reafirma-se que na<strong>da</strong> disso, por si só, pode garantir<br />

a eficácia <strong>da</strong> gestão pública. São princípios necessários, não se discute, mas todos não passam de<br />

requisitos fun<strong>da</strong>mentais. Impedir desvios de recursos é uma coisa; e garantir que tais recursos<br />

sejam aplicados de maneira eficiente e eficaz, é outra bem diferente.<br />

A introdução do princípio <strong>da</strong> economici<strong>da</strong>de na gestão pública parece ser um indicador<br />

de que essa consciência começa a aflorar. No campo <strong>da</strong>s ciências econômicas e <strong>da</strong> gestão,<br />

o termo economici<strong>da</strong>de está associado à idéia de desempenho qualitativo, ou seja, trata-se de<br />

comportamentos e procedimentos técnicos que podem levar os gestores a eliminar ativi<strong>da</strong>des improdutivas,<br />

inadequa<strong>da</strong>s, supérfluas e distancia<strong>da</strong>s dos objetivos <strong>da</strong> organização. De certa forma,<br />

esse conceito está ligado a dois princípios básicos do Direito Administrativo, que são o interesse<br />

público e a eficiência.<br />

No contexto <strong>da</strong> gestão pública, PATRÍCIO (1981) refere-se à economici<strong>da</strong>de como<br />

algo que deve ser perseguido pelas organizações públicas, significando a busca de otimização de<br />

custos, eliminação de desperdícios e maximização <strong>da</strong> eficácia. Esse autor explica que, baseandose<br />

no princípio <strong>da</strong> economici<strong>da</strong>de, as organizações públicas devem buscar o cumprimento de sua<br />

missão <strong>da</strong> forma mais racional possível.<br />

Segundo MARCON (1982), em sentido amplo, economici<strong>da</strong>de pode ser entendi<strong>da</strong><br />

como uma síntese de condições <strong>da</strong>s quais depende a capaci<strong>da</strong>de de a empresa operar e competir<br />

no mercado, com regras de gestão que facilitem a obtenção de resultados positivos, em harmonia<br />

com os interesses públicos.<br />

OLIVEIRA (1990) considera que economici<strong>da</strong>de diz respeito à obtenção <strong>da</strong> melhor<br />

proposta para a realização <strong>da</strong> despesa pública, entendi<strong>da</strong> como tal a que busca alcançar a<br />

melhor relação custo/benefício. Esse vínculo entre o conceito de economici<strong>da</strong>de e escolha de<br />

alternativas pode ser observado também em REZENDE (1980), especialmente quando esse autor<br />

afirma que, além <strong>da</strong> quantificação dos recursos aplicados em ca<strong>da</strong> programa, subprograma ou<br />

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projeto, a efetiva implantação do orçamento-programa depende, ain<strong>da</strong>, <strong>da</strong> aplicação de métodos<br />

apropriados para a identificação de custos e resultados, tendo em vista uma correta avaliação de<br />

alternativas.<br />

Discorrendo sobre critérios de avaliação de oportuni<strong>da</strong>des de investimento,<br />

REZENDE (1980) explica que, na iniciativa priva<strong>da</strong>, as decisões se baseiam em taxas de retorno<br />

estima<strong>da</strong>s para ca<strong>da</strong> alternativa de decisão; nas organizações governamentais, segundo o autor,<br />

deve-se adotar semelhante raciocínio, bastando substituir a abor<strong>da</strong>gem de lucros econômicos por<br />

métricas que evidenciem a melhor relação entre custos e benefícios sociais de ca<strong>da</strong> alternativa.<br />

Seguindo o mesmo raciocínio, TORRES (1991) considera que o controle dos gastos<br />

públicos, sob a óptica <strong>da</strong> economici<strong>da</strong>de, deve se inspirar no princípio do custo-benefício, já que<br />

se busca uma melhor adequação entre receita e despesas, de modo que o ci<strong>da</strong>dão não se veja<br />

obrigado a realizar maior sacrifício para pagar mais impostos para obter bens e serviços disponíveis<br />

no mercado, a menor preço. Além disso, o autor destaca também, que pode ser aplicado para<br />

avaliar a concessão de benefícios e incentivos fiscais (isenções, créditos fiscais, deduções, abatimentos,<br />

reduções de alíquotas, subvenções, subsídios, etc.).<br />

4. CONCLUSÕES<br />

56<br />

Como se observa, a literatura sugere que, realmente, não se deve ater apenas à<br />

observância de princípios como legali<strong>da</strong>de, morali<strong>da</strong>de, publici<strong>da</strong>de, e outros previstos na legislação,<br />

para promover a eficácia <strong>da</strong> gestão pública. Mais do que isso, é importante adotar critérios de<br />

julgamento que considerem ca<strong>da</strong> proposta sob um princípio econômico, de boa aplicabili<strong>da</strong>de e uso.<br />

Reafirma-se que gastar pouco não significa, necessariamente, gastar bem, principalmente quando<br />

se considera que vantagens obti<strong>da</strong>s no preço de determinado bem podem ser absorvi<strong>da</strong>s por custos<br />

adicionais em itens como operação, manutenção e descarte desse mesmo bem. A adequa<strong>da</strong> administração<br />

do bem público mais precioso para a socie<strong>da</strong>de (dinheiro pago aos entes públicos através<br />

de impostos) trata-se, tão somente, de uma nova concepção de divisão de ativi<strong>da</strong>des-custo-benefício.<br />

Essa novi<strong>da</strong>de apresenta<strong>da</strong> por Cooper e Kaplan (criadores do método de Custeio Baseado<br />

em Ativi<strong>da</strong>des – ABC) deixará mais clara uma nova forma de administrar. Ressalta-se neste artigo<br />

que não somente a sua aplicabili<strong>da</strong>de prático-teórica fixa-se na administração pública, mas que<br />

também ela seja utiliza<strong>da</strong> para transpor a barreira de uma antiga concepção de gerenciamento,<br />

arcaicamente estabeleci<strong>da</strong> pelas empresas de micro e pequeno porte.<br />

5. REFERÊNCIAS<br />

KOHAMA, Heilio. Contabili<strong>da</strong>de Pública: teoria e prática. 8.ed. São Paulo: Atlas. 2001.<br />

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Pádua: Ce<strong>da</strong>m, 1982.<br />

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais,<br />

1984.<br />

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Carolina Cunha Machado, Paulino Tsurushima, Talita Brizzi e Luis Marcelo Martins<br />

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos do Direito Administrativo. São Paulo: Revista<br />

dos Tribunais, 1981.<br />

MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de Direito Administrativo. Rio de<br />

Janeiro: Forense, 1979.<br />

MORAES, Alexandre de. Reforma administrativa: Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 19/98. 3.ed. São<br />

Paulo: Atlas, 1999, p.30.<br />

OLIVEIRA, Regis Fernandes de, et al. Manual de Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos<br />

Tribunais, 1990.<br />

PATRÍCIO, J. Simões. Curso de Direito Econômico. Lisboa: AAFDL, 1981.<br />

REZENDE, Fernandes. Finanças públicas. São Paulo: Atlas, 1980.<br />

SÁ, Antônio Lopes de. Curso de auditoria. 6.ed. São Paulo: Atlas, 1980.<br />

SILVA, Alcione Carvalho <strong>da</strong>; PEREIRA, Jerônimo Rosário Tanan. A importância <strong>da</strong> implantação<br />

de sistema de custos para a gestão do setor público: o método Activity Based Costing<br />

(ABC) como alternativa. Universi<strong>da</strong>de Estadual de Feira de Santana, 2003.<br />

SLOMSKI, Valmor. Manual de contabili<strong>da</strong>de pública: um enfoque na contabili<strong>da</strong>de municipal,<br />

de acordo do a LRF. São Paulo: Atlas, 2001.<br />

TORRES, Ricardo Lobo. O tribunal de contas e o controle <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de, economici<strong>da</strong>de e legitimi<strong>da</strong>de.<br />

Rio de Janeiro, Revista do TCE/RJ, n.22, jul/1991.<br />

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NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EDUCACIONAIS – NEPE


José de Alencar: Escritor, Leitor e Historiador<br />

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Daniela Casoni Moscato<br />

JOSÉ DE ALENCAR: ESCRITOR, LEITOR E HISTORIADOR<br />

Daniela Casoni Moscato *<br />

RESUMO:<br />

Este artigo tem como objetivo analisar algumas questões acerca <strong>da</strong> ‘história’ <strong>da</strong> leitura por meio<br />

de José de Alencar: escritor, político e crítico que viveu no século XIX. Com base nessa perspectiva<br />

são analisados, concisamente, alguns discursos acerca <strong>da</strong> leitura oitocentista, bem como os<br />

locais de leitura existentes nesse período. Para isso, são utilizados, além do instrumental oferecido<br />

pela ‘história <strong>da</strong> leitura’, escritos do próprio autor que relatam a leitura oitocentista.<br />

PALAVRAS-CHAVE: José de Alencar; Leitura; Literatura.<br />

ABSTRACT:<br />

This article has the goal of analyzing some issues concerning reading the “history” of reading<br />

through José de Alencar: writer, politician and critic who lived in the 18 th century. Some speeches<br />

about the eighteenth-century reading, as well as some reading places which existed at that time,<br />

are analyzed concisely from this perspective. Instruments offered by the “history of reading” were<br />

used as well as writings by the author himself which report on the eighteenth-century reading.<br />

KEYWORDS: José de Alencar; Reading; Literature.<br />

A história <strong>da</strong> leitura teve seu início nos estudos desenvolvidos em torno de pesquisas<br />

sobre a produção e difusão do livro, também denomina<strong>da</strong> de “história social e cultural <strong>da</strong><br />

comunicação impressa”. Em seu desenvolvimento, esse tipo de análise acabou por confluir outras<br />

preocupações, como a história <strong>da</strong>s bibliotecas, do ensino <strong>da</strong> leitura, etc., alcançando assim um<br />

questionamento sobre a difusão <strong>da</strong>s idéias no passado, tanto nas perfilhações dos pensamentos<br />

intelectuais e filosóficos, como em pessoas que não estão presentes ou inseri<strong>da</strong>s nessas filiações.<br />

Assim, o próprio livro tornou-se um objeto de estudo, principalmente, como possibili<strong>da</strong>de de transmissão<br />

e circulação de idéias: “’A história <strong>da</strong> leitura’ busca apreender a circulação <strong>da</strong>s idéias, <strong>da</strong>do<br />

que o livro é, na tradição ocidental em particular, um veículo de mídia por excelência (DENIPOTI,<br />

1998, p. 16-19)”.<br />

CERTEAU (1994), em seu texto Ler: uma operação de caça, atenta para a relação<br />

entre leitor, obra e temporali<strong>da</strong>de e, especialmente, ressalta o papel do leitor na operação <strong>da</strong><br />

leitura (muitas vezes assimila<strong>da</strong> sob total passivi<strong>da</strong>de): “Se, portanto, ‘o livro é um efeito (uma<br />

construção) do leitor’, deve-se considerar a operação deste último como uma espécie de lectio,<br />

produção própria do ‘leitor’”. Ain<strong>da</strong>, nesse sentido, Certeau lembra-nos que a autonomia do leitor<br />

diante dos textos e, portanto, de sua leitura, depende “<strong>da</strong>s relações sociais que sobredeterminam<br />

sua relação com os textos (CERTEAU, 1994, p.264-268)”.<br />

* O presente artigo apresenta alguns <strong>da</strong>dos parciais de uma pesquisa de Curso de Mestrado. Mestre em História na FCL/Unesp<br />

– Assis, sob a orientação do Dr. Hélio Rebello Cardoso Jr. Bolsista do CNPq.<br />

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José de Alencar: Escritor, Leitor e Historiador<br />

Identificamos essa relação, no século XIX com José de Alencar, o qual, além de<br />

expor as idéias nacionalistas presentes nos anos oitocentos, liga-as aos estudos do IHGB – expressão<br />

constante desse discurso nacional – apresentando-as em produções literárias românticas, visto<br />

que ambas se assemelham nessa busca por um passado ver<strong>da</strong>deiramente brasileiro.<br />

Tentando fun<strong>da</strong>mentar nossa pesquisa em alguns indicadores <strong>da</strong> História, escolhemos<br />

analisar a face leitora de José de Alencar. Isso só foi possível, porque nosso leitor deixou-nos<br />

pistas acerca de suas leituras em seus textos fictícios e paratextos – prefácios, pós-escritos, autobiografia,<br />

etc. – que serão apresentados no decorrer deste artigo.<br />

Para esse escrito, decidimos apresentar alguns <strong>da</strong>dos do discurso alencariano acerca<br />

<strong>da</strong> leitura e <strong>da</strong> História.<br />

Em relação à leitura, temos os locais de leitura de nosso leitor e que podemos<br />

classificar como privado e público. No que tange ao espaço privado, podemos identificá-lo em<br />

algumas citações, e selecionamos uma, que narra as leituras que eram feitas na infância, onde,<br />

além de ler cartas e jornais para sua mãe, lia, igualmente, uma pequena biblioteca romântica:<br />

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Essa pren<strong>da</strong> que a educação deu-me para tomá-la pouco depois, valeu-me<br />

em casa o honroso cargo de ledor, com que eu me desvanecia, como nunca<br />

me sucedeu ao depois, no magistério ou no parlamento.<br />

Era eu quem lia para minha boa mãe, não somente as cartas e os jornais como<br />

os volumes de uma diminuta livraria romântica forma<strong>da</strong> ao gosto do tempo<br />

(...) Nosso repertório romântico era pequeno; compunha-se de uma dúzia de<br />

obras entre as quais primavam Aman<strong>da</strong> e Oscar, Saint-Clair <strong>da</strong>s Ilhas,<br />

Celestina, e outras de que já não me recordo (ALENCAR, 1999, p.24-29).<br />

Nesse fragmento, o autor apresenta-se ledor oficial <strong>da</strong> casa de seu pai. A leitura<br />

relaciona-se com a infância, assumindo lugar de honra na família de Alencar. Além disso, o discurso<br />

pauta-se ain<strong>da</strong> em referências de leituras – jornais e romances – que fizeram parte <strong>da</strong> infância<br />

do escritor.<br />

A leitura no espaço público pode ser encontra<strong>da</strong>, igualmente, em sua autobiografia,<br />

como a exposição acerca de um gabinete de leitura: “Com as minhas bem parcas sobras, tomei<br />

uma assinatura em um gabinete de leitura que então havia à Rua <strong>da</strong> Alfândega, e que possuía<br />

copiosa coleção <strong>da</strong>s melhores novelas e romances até então saídos dos prelos franceses e belgas<br />

(ALENCAR, , 1999, p.50)”.<br />

Segundo Sales, no processo de expansão <strong>da</strong> leitura no Brasil, os gabinetes de<br />

leitura tiveram um papel fun<strong>da</strong>mental, primeiramente porque eram “espaços de leitura” e segundo<br />

porque introduziram uma nova prática: a locação de livros (SALES, 2003, p. 35). Os gabinetes<br />

eram incluídos nos espaços <strong>da</strong>s bibliotecas; entretanto, o acesso, embora gratuito, era limitado a um<br />

público “circunscrito a uma elite de intelectuais e eruditos (SALES, 2003, p.38-39)”.<br />

Nesse caso, o espaço público segundo Alencar, é um local destinado à elite, ou<br />

seja, aos intelectuais do período que aderiram aos gabinetes de leitura ou às bibliotecas.<br />

Encontramos, também, em Alencar, além dos espaços de leitura, o perfil do seu<br />

leitor ideal, que pode ser percebido em duas passagens significativas acerca <strong>da</strong> leitura de duas<br />

grandes personagens alencarianas: Emília e Lúcia.<br />

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Daniela Casoni Moscato<br />

Em Diva (1864), Emília “tinha na mão um livro aberto e lia com atenção”; diferentemente<br />

de Lucíola (1862) onde cita as leituras “rápi<strong>da</strong>s e sem método” de algumas obras,<br />

que essa leitora fictícia, Lúcia, teria devorado diariamente, ou escutado A Dama <strong>da</strong>s Camélias:<br />

de seu ledor :<br />

Lúcia conservava de tempos passados o hábito <strong>da</strong> leitura e do estudo; raro<br />

o dia em que não se distraía uma hora pelo menos com o primeiro livro que<br />

lhe caía nas mãos. Dessas leituras rápi<strong>da</strong>s e sem método provinha a profusão<br />

de noções varia<strong>da</strong>s e imperfeitas que ela adquiria e se revelavam na sua<br />

conversação.<br />

A passagem <strong>da</strong> leitura de Lúcia aponta, ain<strong>da</strong>, dois elementos que, constantemente,<br />

aparecem nas descrições de leituras em José de Alencar: o método e a concentração. Nos<br />

discursos identificados acerca <strong>da</strong> leitura, Alencar insiste em ressaltar a importância do método e <strong>da</strong><br />

concentração. Lúcia, que não apresentava esses atributos, é narra<strong>da</strong> como uma leitora de “noções<br />

varia<strong>da</strong>s”, ou seja, as leituras rápi<strong>da</strong>s <strong>da</strong> amante de Paulo são critica<strong>da</strong>s pelo narrador e nos dão<br />

pistas de como deveria ser, para Alencar, o leitor ideal.<br />

Além dessas questões, observamos um discurso acerca <strong>da</strong> História, enquanto ciência,<br />

em Como e porque sou romancista.<br />

Ao relatar os encontros políticos realizados na casa de seu pai, o senador Alencar,<br />

o escritor deixa claro como o seu pai e o grupo político que se reunia com ele, foram esquecidos<br />

pela história. Em um outro momento dessa obra, enfatiza, novamente, a falta de lembranças do<br />

nome do senador Alencar, afirmando que ain<strong>da</strong> não perdera a esperança de escrever o nome de<br />

seu pai no “frontispício de um livro que lhe sirva de monumento (ALENCAR, 1999, p.32)”. Na<br />

ver<strong>da</strong>de, tal objetivo realizou-se na obra Galeria dos brasileiros ilustres, onde biografou o pai<br />

(MENEZES, 1965, p.48).<br />

Analisando essas observações de Alencar – pauta<strong>da</strong>s, de um lado na crença de<br />

uma possível injustiça para com seu pai, e por outro, na influência <strong>da</strong> historiografia oitocentista -<br />

percebemos que, para o escritor, a literatura também tinha, como função, a eternização de um<br />

determinado momento histórico. Para Alencar, o nome de seu pai registrado em uma de suas obras<br />

poderia retirá-lo do esquecimento, incluindo-o na história nacional.<br />

A idéia de personagens – índios e brancos - como uma representação heróica e<br />

histórica, presente na autobiografia, pode ser identifica<strong>da</strong> em outras obras. Observamos na 2ª parte<br />

de A Guerra dos Mascates, além <strong>da</strong> citação de alguns nomes históricos, a justificativa <strong>da</strong> presença<br />

desses nomes no romance. Em Advertência, publicado na 1ª edição <strong>da</strong> obra, o autor deixa claro<br />

que as personagens participantes são históricas, classificando esse conceito de duas formas: ou<br />

são históricas porque são encontra<strong>da</strong>s nos anais do período ou porque representam costumes e<br />

idéias do momento descrito: “Os atores <strong>da</strong> comédia que se chamou a Guerra dos Mascates, são<br />

antes de tudo históricos: ou porque os anais do tempo fazem deles especial menção, ou porque<br />

representam as idéias e costumes <strong>da</strong> época (ALENCAR, A Guerra dos Mascates, s/d, p.113)”.<br />

Portanto, é comum percebermos a freqüência de citações de grandes nomes nesses<br />

escritos históricos, compreendidos, nesse momento, como exemplos de civili<strong>da</strong>de e progresso.<br />

Nesse sentido, não é raro encontrar, no romance histórico, o recurso a esses heróis nacionais,<br />

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sendo que, além <strong>da</strong> busca por uma escrita do real, tais românticos e, especialmente Alencar, foram<br />

influenciados por essa historiografia oitocentista. Em seus romances indianistas e históricos, Alencar<br />

compõe uma galeria de heróis nacionais, eternizando em suas obras nomes como D. Pedro <strong>da</strong><br />

Cunha, D. Diogo de Mariz, Martim Soares Moreno, Jerônimo de Albuquerque, Sebastião de Castro<br />

Cal<strong>da</strong>s, entre outros.<br />

Ao observarmos O Guarani (1857), percebemos que a referência aos notáveis é<br />

acompanha<strong>da</strong> de notas comprobatórias. Amiúde, objetivavam a constatação histórica de descrições<br />

pontuais do romance que poderiam ser, tanto de um herói colonial ou de uma localização<br />

geográfica, como o caso do Rio Paquequer, referido anteriormente. Nesse sentido, Alencar, em<br />

seu objetivo de busca do real, inseria, nas notas, autores consagrados, títulos e citações de obras:<br />

“O cão [grifo nosso] – Diz o Sr. Varnhagen, na sua História do Brasil, que o cão era o companheiro<br />

constante do nosso indígena, ain<strong>da</strong> mais do que do europeu (ALENCAR, O Guarani, p.505)”.<br />

Alencar acreditava que as leituras dos cronistas, viajantes e historiadores possibilitariam<br />

a recomposição fiel do passado em seus romances. E concor<strong>da</strong>va com a idéia de romance<br />

histórico oitocentista, onde tal gênero “deveria funcionar como depositário do registro de to<strong>da</strong> a<br />

nação. Seu papel compreendia não apenas o entretenimento e a moralização, como também a<br />

instrução (VOLOBUEF, 1999, p.181)”.<br />

Essa tentativa de instrução, presente no romance histórico, também participava do<br />

objetivo de registrar a nação brasileira, entre outras formas, por meio de um projeto de história<br />

nacional que teve como grande expressão, como vimos anteriormente, o Instituto Histórico e Geográfico<br />

Brasileiro. O IHGB com seu papel de criador de identi<strong>da</strong>des, garantiu ao Brasil um ideário<br />

nacional pautado em elementos científicos e imagens seleciona<strong>da</strong>s pela elite brasileira e européia.<br />

O IHGB, criado nos moldes de academias européias, e seus estudos baseados, entre outros, em<br />

cronistas e viajantes estrangeiros, determinaram uma história nacional presa e dependente de elementos<br />

europeus. Nesse sentido, podemos afirmar que nosso nacionalismo – e, no caso, nacionalismo<br />

romântico – teve uma liber<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>. De fato, como nos lembra Nilo O<strong>da</strong>lia, o fenômeno<br />

<strong>da</strong> dependência, mesmo visto, em alguns momentos, como um entrave, “incorporou-se à ideologia<br />

que se forma na medi<strong>da</strong> mesma em que se pretende dela fugir (ODALIA, 1997, p.13)”.<br />

Dessa forma, é comum percebermos uma historiografia que objetivava identi<strong>da</strong>de<br />

própria sem, no entanto, fugir do processo linear assinalado pela noção de progresso vincula<strong>da</strong> ao<br />

pensamento racionalista do século XVIII. Assim sendo, os objetivos de dominação – fun<strong>da</strong>mentados<br />

na seleção e na diferença – demarcaram a nação brasileira e podem ser observados, não<br />

apenas nos discursos acerca <strong>da</strong> História, em Alencar, como nas leituras que ele realizou, mas isso,<br />

é... uma outra história.<br />

REFERÊNCIAS<br />

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ALENCAR, J. Advertência. In: A Guerra dos Mascates. São Paulo: Piratininga, s/d.<br />

ALENCAR, J. Como e Porque sou Romancista. Campinas: Pontes, 1999.<br />

ALENCAR, J. O Guarani. São Paulo: Edições Melhoramentos, s/d.<br />

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Daniela Casoni Moscato<br />

CERTEAU, M. de. A Invenção do Cotidiano:1. artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.<br />

DENIPOTI, C. A Sedução <strong>da</strong> Leitura: livros, leitores e história cultural. Paraná, 1880-1930.<br />

Curitiba, 1998. Tese (Doutorado) – UFPR.<br />

MENEZES, R. de. José de Alencar: literato e político. São Paulo: Martins Editora, 1965.<br />

ODALIA, N. As Formas do Mesmo: ensaios sobre o pensamento historiográfico de Varnhagen e<br />

Oliveira Viana. São Paulo: Editora <strong>da</strong> Unesp, 1997.<br />

SALES, G. M. A. Palavra e Sedução: uma leitura dos prefácios oitocentistas (1820-1881). Campinas,<br />

2003. Tese (Doutorado) – Unicamp.<br />

VOLOBUEF, K. Frestas e Arestas: a prosa de ficção do Romantismo na Alemanha e no Brasil.<br />

São Paulo: Fun<strong>da</strong>ção Editora <strong>da</strong> Unesp, 1999.<br />

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A Influência <strong>da</strong>s Práticas Educativas dos Pais Sobre o Comportamento dos Filhos<br />

A INFLUÊNCIA DAS PRÁTICAS EDUCATIVAS DOS PAIS SOBRE O<br />

COMPORTAMENTO DOS FILHOS<br />

Carmen Garcia de Almei<strong>da</strong> *<br />

Eliane Belloni **<br />

Mirella Rugani Dancieri ***<br />

Marcela Almei<strong>da</strong> Senedesi<br />

RESUMO:<br />

O interesse pelas práticas educativas dos pais surgiu em função de que há um consenso geral na<br />

socie<strong>da</strong>de de que crianças e adolescentes estão passando por uma crise na percepção dos limites,<br />

o que a médio e a longo prazo, gera na socie<strong>da</strong>de o comportamento anti-social. A hipótese inicial<br />

era de que a educação recebi<strong>da</strong> pelos pais influencia de forma decisiva na maneira como esses<br />

educam seus filhos. O tema enfocado na presente pesquisa se justifica devido ao processo acelerado<br />

de modificações <strong>da</strong> dinâmica familiar na contemporanei<strong>da</strong>de, que tem suscitado inúmeras<br />

discussões. Especialmente, tem por objetivo, identificar a influência <strong>da</strong>s práticas educativas de um<br />

grupo de pais sobre o comportamento de seus filhos. Os resultados evidenciaram que, na pretensão<br />

de serem pais modelos, acabam incorrendo no erro do excesso <strong>da</strong> permissivi<strong>da</strong>de. 86,67% dos pais<br />

ent<strong>revista</strong>dos corroboraram com a hipótese inicial desta pesquisa: a forma como foram educados<br />

reflete-se na maneira como eles educam seus filhos.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Práticas Educativas; Influência; Limites.<br />

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ABSTRACT:<br />

The interest regarding the educational practices of parents came up as a result of the general<br />

consensus in society that children and teenagers are undergoing a crisis in the perception of limits,<br />

which, in the medium and long run, generates anti-social behavior within society. The initial hypothesis<br />

was that the education that was given to the parents influenced decisively in the manner they<br />

educated their children. The theme focused on this research is justified by the accelerated process<br />

of changes in familiar dynamics nowa<strong>da</strong>ys, which has brought up innumerous discussions. Specifically<br />

the goal of this work is to identify the influence of the educational practices in a group of parents<br />

concerning their children’s behavior. The results showed that, by trying to be “model parents”, they<br />

ended up being excessively permissive. 86,67% of the parents who were interviewed agree with<br />

the research’s initial hypothesis, namely, that the education that was given to the parents reflects<br />

on the manner they educate their children.<br />

KEYWORDS: Educational Practices; Influence; Limits.<br />

REFERENCIAL TEÓRICO<br />

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Para MALDONADO (1997), há algumas déca<strong>da</strong>s, a tarefa de criar filhos, pelo<br />

menos aparentemente, era simplifica<strong>da</strong> à existência de regras e tradições inquestionáveis, ressaltando<br />

que teorias psicológicas geraram, ao longo do tempo, manejos incorretos na educação dos<br />

filhos, tais como excesso de permissivi<strong>da</strong>de e, por conseqüência, a falta de limites, erroneamente<br />

utiliza<strong>da</strong> para “não traumatizar a criança”.<br />

* Pós-doutora em Psicologia Clínica pela Universi<strong>da</strong>de de São Paulo (USP)<br />

** Docente do Centro Universitário Filadélfia – <strong>UniFil</strong> . Mestre em Psicologia pela UNESP/Assis, na Área de Psicologia e<br />

Socie<strong>da</strong>de. E-mail: ebelloni@uol.com.br<br />

*** Acadêmicas do Curso de Psicologia <strong>da</strong> <strong>UniFil</strong>.<br />

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Carmen Garcia de Almei<strong>da</strong>, Eliane Belloni, Mirella Rugani Dancieri e Marcela Almei<strong>da</strong> Senedesi<br />

MALDONADO (1997) diz que o relacionamento entre pais e filhos é bastante<br />

complexo e passa por muitas mu<strong>da</strong>nças ao longo do tempo. A vi<strong>da</strong> familiar, que, por sua vez, está<br />

inseri<strong>da</strong> em um contexto social e histórico, sofre várias influências; a conduta de um influi sobre a<br />

do outro, em um complexo sistema de trocas. Muitas <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des que os pais tiveram quando<br />

pequenos são “reedita<strong>da</strong>s” no contato com os seus filhos. Crenças, valores, maneiras de encarar<br />

e de viver a vi<strong>da</strong>, noções do que é ser ‘bons pais’ e ‘bons filhos’, tudo isso entra na composição do<br />

relacionamento.<br />

Segundo TIBA (1996), no passado, o limite era castrador, utilizava-se de<br />

castigo corporal, os filhos dificilmente tinham a liber<strong>da</strong>de de aproximarem-se<br />

de seus pais. Assim, esses filhos criavam o desejo de que, ao tornarem-se<br />

pais, seriam diferentes, e <strong>da</strong>riam a seus filhos a oportuni<strong>da</strong>de do diálogo,<br />

carinho, afeto e amizade. Com esse desejo, tornaram-se, com freqüência, pais<br />

anti-repressivos e com dificul<strong>da</strong>de para impor limites, influenciados pelo<br />

medo de serem tomados como sendo autoritários e distantes.<br />

A permissão em excesso não ensina noções de limites individuais e relacionais;<br />

portanto à medi<strong>da</strong> em que os pais aceitam uma contrarie<strong>da</strong>de, um desrespeito, uma quebra de<br />

limites, estão fazendo com que seus filhos não compreen<strong>da</strong>m, e rompam o limite natural para seu<br />

comportamento em família e em socie<strong>da</strong>de (TIBA, 1996).<br />

Segundo ARATANGY (2003), são as contingências <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de que definem o<br />

estabelecimento de limites na educação. Portanto, desde o nascimento, o ser humano vive o adiamento<br />

<strong>da</strong> satisfação de suas necessi<strong>da</strong>des e aprende a tolerar a frustração.<br />

Quanto à questão <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de na educação dos filhos, a autora ressalta que essa<br />

deve ser conquista<strong>da</strong> por meio de competências, conhecendo-se os limites <strong>da</strong> criança. Educar com<br />

limites ver<strong>da</strong>deiros e não arbitrários é também educar para o exercício pleno de liber<strong>da</strong>de, diz<br />

ARATANGY (2003) e, complementa ain<strong>da</strong>, que é produtivo deixar que os filhos descubram se<br />

estão errados.<br />

Para GUILHARDI (2002), se os pais forem bem orientados, poderão criar contingências<br />

amenas para seus filhos, possibilitando a eles o desenvolvimento de capaci<strong>da</strong>des tais como:<br />

dialogar, cooperar, tomar iniciativas, relacionar-se afetivamente com as outras pessoas, bem como<br />

sentimentos de bem-estar, auto-estima, auto-confiança, de responsabili<strong>da</strong>de; tudo isso de maneira<br />

equilibra<strong>da</strong> para si e harmônica para com as pessoas que as cercam no presente e aquelas que<br />

virão fazer parte de seu círculo de convivência no futuro.<br />

67<br />

METODOLOGIA<br />

Amostra: 32 casais (pais de crianças na faixa etária de 7-10 anos) de uma escola<br />

do município de Bela Vista do Paraíso/PR.<br />

Instrumento: questionário contendo 25 perguntas fecha<strong>da</strong>s.<br />

Procedimento: os questionários foram entregues aos pais através de seus filhos,<br />

mediante autorização <strong>da</strong> escola em que a pesquisa foi desenvolvi<strong>da</strong>. A metodologia usa<strong>da</strong> pautouse<br />

pela análise quantitativa e qualitativa dos <strong>da</strong>dos obtidos e que foram analisados à luz do referencial<br />

teórico <strong>da</strong> Análise do Comportamento.<br />

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A Influência <strong>da</strong>s Práticas Educativas dos Pais Sobre o Comportamento dos Filhos<br />

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS<br />

Tabela 1 - Distribuição dos sujeitos quanto à educação recebi<strong>da</strong> de seus pais.<br />

68<br />

Observou-se que 68,86% dos ent<strong>revista</strong>dos afirmaram ter recibo uma forma de<br />

educação conservadora de seus pais e que esse caráter conservador influencia a maneira como<br />

atualmente educam seus filhos.<br />

Para MALDONADO (1997), a maneira como esses pais de hoje foram criados,<br />

algumas vezes, pode originar dificul<strong>da</strong>des na educação de seus filhos. Alguns acreditam que a<br />

rigidez é a melhor forma de li<strong>da</strong>r com as crianças na moderni<strong>da</strong>de, enquanto outros julgam que se<br />

deve aplicar a permissivi<strong>da</strong>de, já que foram educados com muita rigidez e criaram ver<strong>da</strong>deira<br />

aversão a esse modelo.<br />

A maneira como ca<strong>da</strong> indivíduo encara a vi<strong>da</strong>, a visão de mundo que ca<strong>da</strong> um<br />

desenvolve é, pelo menos em parte, transmiti<strong>da</strong> aos filhos por meio do convívio diário. Daí, a<br />

importância de os pais estarem revendo seus comportamentos e se <strong>da</strong>rem conta de que são modelos<br />

para seus filhos. Mesmo a criança formando sua própria visão de mundo a partir de sua própria<br />

experiência e de outras influências, a “filosofia de vi<strong>da</strong>” dos pais também é fator bastante relevante<br />

(MALDONADO, 1997).<br />

Tabela 2 - Distribuição dos sujeitos quanto à imposição de regras e limites aos filhos.<br />

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Quando questionados quanto à forma de educação que dão aos filhos, 64,52% dos<br />

pais afirmam que há imposição de regras e limites aos filhos.<br />

Nem todos os pais pensam <strong>da</strong> mesma forma: 35,48%, salientam que regras e<br />

limites são impostos apenas em algumas situações. Isso nos remete à idéia de que regras e limites,<br />

para esses pais, não fazem parte <strong>da</strong> educação dos filhos, já que as impõem em determina<strong>da</strong>s<br />

situações e não com freqüência constante, ou seja, ora tem limites, ora não tem.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


Carmen Garcia de Almei<strong>da</strong>, Eliane Belloni, Mirella Rugani Dancieri e Marcela Almei<strong>da</strong> Senedesi<br />

A instabili<strong>da</strong>de do comportamento dos pais com relação a punir ou não seus filhos<br />

gera nos mesmos comportamentos desajustados, pois ficam sem referencial do certo ou do errado.<br />

A criança fica, muitas vezes, perdi<strong>da</strong> sem saber como se comportar frente às situações e, em<br />

outros casos, passa a generalizar a falta de limites para to<strong>da</strong>s as situações de sua vi<strong>da</strong> cotidiana,<br />

desrespeitando tanto as regras familiares quanto as sociais.<br />

A eficiência dos pais está em transmitir aos filhos a diferença entre o que é aceitável<br />

ou não, adequado ou inadequado, essencial ou supérfluo, sem temer que essa postura faça<br />

com que os educandos desenvolvam um sentimento de repulsa ou se distanciem deles próprios.<br />

Cabe aos pais a tarefa de fazer com que seus filhos se situem no mundo (ARANTANGY 2003).<br />

Tabela 3 - Distribuição dos sujeitos quanto a “voltar atrás” após ter sido toma<strong>da</strong> uma decisão.<br />

Os <strong>da</strong>dos demonstram que 80% dos ent<strong>revista</strong>dos voltam atrás em uma decisão<br />

quando percebem que ela não foi correta.<br />

Reconhecer que foi intolerante pode ser uma atitude nobre, mas ser inconstante ou<br />

voltar atrás de uma decisão, simplesmente por ser conveniente, implica em deixar os filhos sem<br />

parâmetros do que é correto ou não. Nenhum comportamento deve ser generalizado; ca<strong>da</strong> situação<br />

é única e carece de atenção especial para toma<strong>da</strong> de decisões.<br />

Esse assunto remete à questão do estabelecimento ou não de limites, quando ressaltamos<br />

acima que, uma decisão toma<strong>da</strong> não deve ser retira<strong>da</strong> por simples conveniência de momento<br />

ou por medo de magoar os filhos, nos remetemos ao que GUILHARDI (2002) discorre a<br />

respeito <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de punir os comportamentos <strong>da</strong>s crianças quando eles apresentam riscos<br />

para sua própria segurança e a terceiros, e que, dessa forma, os pais estão contribuindo para o<br />

desenvolvimento comportamental e afetivo dos filhos.<br />

Para o autor citado, a criança não se sentirá pouco ama<strong>da</strong> porque sofre restrições<br />

e eventuais punições; muito pelo contrário, para GUILHARDI (2002) a criança pode vir a desenvolver<br />

sentimentos de ansie<strong>da</strong>de e insegurança quando as punições forem inconsistentes, ou seja:<br />

ora um comportamento é punido, ora o mesmo comportamento é reforçado. Ou, mesmo quando<br />

algo é proibido em um <strong>da</strong>do momento e, passados alguns minutos ou horas, já é permitido. Isso<br />

parece ser bastante prejudicial para a criança, pois a priva dos referenciais que precisa para se<br />

desenvolver.<br />

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A Influência <strong>da</strong>s Práticas Educativas dos Pais Sobre o Comportamento dos Filhos<br />

Tabela 4 - Distribuição dos sujeitos quanto à crença de que as práticas educativas utiliza<strong>da</strong>s influenciam<br />

os comportamentos dos filhos.<br />

CONCLUSÕES<br />

Finalmente, os <strong>da</strong>dos acima apontam para o que já foi dito ao longo do estudo, ou<br />

seja, que as práticas educativas dos pais influenciam no comportamento dos filhos. 86,67% dos<br />

ent<strong>revista</strong>dos concor<strong>da</strong>m com a afirmativa anterior de que a educação recebi<strong>da</strong> pelos pais influencia<br />

na educação que eles proporcionam aos filhos. Pode-se, a partir desse <strong>da</strong>do, corroborar a<br />

hipótese inicial <strong>da</strong> pesquisa, e concluir que não existe um modelo definitivo de como educar os<br />

filhos. Geralmente, na prática, a maneira de educar está vincula<strong>da</strong> às próprias experiências dos<br />

pais, bem como às necessi<strong>da</strong>des impostas pelas contingências presentes na moderni<strong>da</strong>de.<br />

70<br />

REFERÊNCIAS<br />

ARATANGY, C. et al. Pais Que Educam Filhos que Educam Pais. 1.ed. São Paulo: Ática,<br />

2003.<br />

GUILHARDI, H. J. Auto-estima, auto confiança e responsabili<strong>da</strong>de. In: Brandão, M. Z. S. (Org.).<br />

Comportamento Humano – Tudo (ou quase tudo) que você precisa saber para viver melhor. 1.ed.<br />

Santo André, SP: ESETec Editores Associados, 2002.<br />

MALDONADO, M. T. Comunicação entre Pais e Filhos: a linguagem do sentir. 21.ed. São<br />

Paulo: Saraiva, 1997.<br />

TIBA, I. Disciplina, Limite na Medi<strong>da</strong> Certa. 1.ed. São Paulo: Editora Gente, 1996.<br />

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Rovilson José <strong>da</strong> Silva<br />

A HORA DO CONTO NA ESCOLA: PARADOXOS E DESAFIOS *<br />

Rovilson José <strong>da</strong> Silva **<br />

RESUMO:<br />

Este trabalho é o resultado de uma pesquisa, realiza<strong>da</strong> em nível de mestrado, a respeito <strong>da</strong> mediação<br />

<strong>da</strong> leitura literária pelo professor <strong>da</strong> Hora do Conto nas escolas de ensino fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> rede<br />

municipal de Londrina. A partir dos <strong>da</strong>dos obtidos na época, sugerimos encaminhamentos para se<br />

reestruturar a Hora do Conto.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Leitura Literária, Mediação de Leitura, Mediador de Leitura.<br />

ABSTRACT:<br />

This work is the result of a survey, conducted on a master‘s degree level, about the mediation of<br />

literary reading by teachers at “Short Story Time” at the fun<strong>da</strong>mental teaching schools in the city of<br />

Londrina. Suggestions were made from the <strong>da</strong>ta collected at that time about how to restructure the<br />

“Short Story Time”.<br />

KEY WORDS: Literary reading; Reading mediation; reading mediator.<br />

Mediar a leitura na escola tornou-se, nas últimas déca<strong>da</strong>s, uma <strong>da</strong>s premissas<br />

fun<strong>da</strong>mentais para o desenvolvimento <strong>da</strong> educação no Brasil. Cabe à mediação, neste contexto,<br />

promover o encontro entre o futuro leitor e o texto, de modo a torná-lo leitor efetivo.<br />

A escola tem buscado processos eficazes para a mediação de leitura. Ora o enfoque<br />

está nas ativi<strong>da</strong>des, ora na maneira de se encaminhar a leitura; noutras, existe a preocupação com o<br />

espaço, com o acervo. No entanto, pouco se tem pesquisado sobre o professor que medeia a leitura.<br />

É preciso que se volte a atenção para esse profissional, que sua prática seja perscruta<strong>da</strong><br />

a ponto de se compreender o âmbito de sua ação e, ao mesmo tempo, se possa subsidiar<br />

teoricamente o contar histórias, o promover a leitura e a literatura no ensino fun<strong>da</strong>mental, principalmente<br />

nas quatro séries iniciais.<br />

Em 2000, aproxima<strong>da</strong>mente 2/3 <strong>da</strong>s escolas <strong>da</strong> Rede Municipal de Ensino de Londrina<br />

possuíam, no ensino fun<strong>da</strong>mental, um professor que contava histórias para as turmas, além de<br />

realizar empréstimos e, em alguns casos, pesquisa nas chama<strong>da</strong>s salas de leitura ou biblioteca <strong>da</strong><br />

escola. E esse professor, em sua grande maioria composta pela população feminina, era denominado<br />

Professor <strong>da</strong> Hora do Conto.<br />

O presente trabalho procura, a partir do resultado de uma pesquisa sobre a leitura<br />

literária e sua utilização pelo professor <strong>da</strong> Hora do Conto no município de Londrina, evidenciar<br />

os desafios que o mediador de leitura cotidianamente enfrenta na Rede Municipal de Ensino de<br />

Londrina.<br />

* Pesquisa realiza<strong>da</strong> em 2000, por Rovilson J. <strong>da</strong> Silva, no Curso de Mestrado em Letras <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Estadual de Londrina<br />

(UEL), sob o título: “A leitura literária nas 3ª e 4ª séries do ensino fun<strong>da</strong>mental do município de Londrina”.<br />

** Mestre em Literatura e Ensino pela Universi<strong>da</strong>de Estadual de Londrina-UEL. Doutorando pela UNESP-Marília/ UAB-<br />

Barcelona. Docente <strong>da</strong> Graduação e Pós-Graduação <strong>da</strong> <strong>UniFil</strong>.<br />

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A Hora do Conto na Escola: Paradoxos e Desafios<br />

1. CONTADOR DE HISTÓRIAS: FRAGMENTOS DE UMA AÇÃO<br />

Na época <strong>da</strong> pesquisa, o mediador de leitura <strong>da</strong> Rede Municipal de Londrina não<br />

tinha clareza a respeito <strong>da</strong> sua atuação como professor <strong>da</strong> Hora do Conto, pois ora realizava um<br />

trabalho, ora outro. Assim, procuramos investigar qual era o procedimento usado para mediar a<br />

leitura literária nas séries iniciais do ensino fun<strong>da</strong>mental e pudemos observar que, aparentemente,<br />

não estava definido o perfil do professor que deveria trabalhar com a Hora do Conto. Fomos a<br />

campo e ent<strong>revista</strong>mos três professoras que atuavam em escolas distintas e então foi possível<br />

constatar, implicitamente, no discurso <strong>da</strong>s informantes que um dos “critérios” para contar histórias<br />

era o gosto pela leitura. O que, em princípio, era um aspecto favorável para esse gênero de trabalho.<br />

Posteriormente, solicitamos que justificassem o porquê de contarem histórias:<br />

• Porque na história o aluno viaja, ele sai <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de e vai para o mundo dos<br />

sonhos; com isso, aprende coisas boas nas histórias e aprende a gostar de<br />

história.<br />

• Porque gosto de contar. Tenho na lembrança <strong>da</strong> infância a emoção que sentia<br />

quando um rapaz, irmão <strong>da</strong> minha emprega<strong>da</strong>, contava histórias. Comecei a<br />

<strong>da</strong>r mais valor ao meu trabalho depois que conheci um contador de histórias<br />

em Faxinal do Céu 1 .<br />

• Porque gosto. É a minha função, gosto de ver os alunos aprendendo a gostar<br />

<strong>da</strong> leitura.<br />

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Nos depoimentos anteriores constatamos que o gosto em contar histórias é grande<br />

e que o prazer parece predominar nesse grupo. Mesmo durante as ent<strong>revista</strong>s, percebíamos que<br />

algumas informantes chegavam a se emocionar ao falar do seu trabalho realizado na escola e do<br />

carinho recebido por parte <strong>da</strong>s crianças.<br />

A função de contador de histórias, pelo fato de não estar estabeleci<strong>da</strong> oficialmente<br />

na Rede Municipal, ‘emperrava’ o desenvolvimento <strong>da</strong> leitura literária e dificultava a percepção do<br />

professor sobre sua importância dentro do contexto escolar, como pudemos constatar nas seguintes<br />

expressões: “Comecei a <strong>da</strong>r mais valor ao meu trabalho depois que conheci um contador de<br />

histórias em Faxinal do Céu”. No desabafo <strong>da</strong> professora percebemos que, até nos próprios contadores<br />

de histórias, existia a dificul<strong>da</strong>de em assimilar o papel que desempenhavam.<br />

Em muitas escolas predominava a idéia de que para contar histórias não se exigia<br />

formação do professor, como se contar histórias para as crianças fosse apenas abrir um livro, ler e<br />

na<strong>da</strong> mais. Na ver<strong>da</strong>de, além <strong>da</strong> “paixão” do professor pela leitura, que é um dos elementos<br />

essenciais de aproximação dos alunos com o texto escrito, há to<strong>da</strong> uma concepção de texto literário,<br />

de suas estruturas e de como encaminhar a criança para que a leitura seja uma ação contínua<br />

em sua vi<strong>da</strong>. Se o profissional não possuir esse substrato teórico mínimo, poderá comprometer a<br />

mediação <strong>da</strong> leitura na escola.<br />

Na seqüência investigamos os gêneros de histórias conta<strong>da</strong>s pelas professoras <strong>da</strong><br />

Hora do Conto e obtivemos os resultados apresentados a seguir:<br />

1 Faxinal do Céu é uma ci<strong>da</strong>de do interior do Paraná onde eram oferecidos cursos aos professores <strong>da</strong> rede pública do Estado.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


Rovilson José <strong>da</strong> Silva<br />

• Sempre procuro histórias com fundo moral, que seja formativa;<br />

• Procuro variar; contos de fa<strong>da</strong>s, Monteiro Lobato. O que eu trabalho mais<br />

são os textos <strong>da</strong> Ruth de Souza [sic] 2 ;<br />

• Histórias que sempre possam trazer aprendizado para nossa vi<strong>da</strong>, com fundo<br />

moral, com lições de comportamento social adequado, onde o aluno vai<br />

tentar aprender para sua própria reali<strong>da</strong>de. (grifo nosso).<br />

Constatamos que na seleção de texto para a Hora do Conto, prevalecia apenas a<br />

idéia pe<strong>da</strong>gógica, didática, em detrimento do estético, de sua fruição pelos alunos. A preocupação<br />

era, basicamente, tornar a leitura fonte de preceitos que inculcassem boas maneiras nas crianças.<br />

Embora essa tenha sido a tônica <strong>da</strong> escola, desde que incorporou para si a incumbência de transmitir<br />

valores que alicercem a formação de seus alunos. No entanto, a obra literária tem a característica<br />

de ser polissêmica, de contribuir de forma ampla para a formação do ser humano, mas isso<br />

não significa direcioná-la para situações em que o caráter pe<strong>da</strong>gógico predomine sobre o estético,<br />

pois o aspecto formativo <strong>da</strong> obra literária se constrói à medi<strong>da</strong> em que há a formação do leitor,<br />

como esclarece CANDIDO (1972, p.4):<br />

A literatura pode formar; mas não segundo a pe<strong>da</strong>gogia oficial, que costuma<br />

vê-la ideologicamente como um veículo <strong>da</strong> tríade famosa, - o Ver<strong>da</strong>deiro, o<br />

Bom, o Belo, definidos conforme os interesses dos grupos dominantes, para<br />

reforço <strong>da</strong> sua concepção de vi<strong>da</strong>. Longe de ser um apêndice <strong>da</strong> instrução<br />

moral e cívica (esta apoteose matreira do óbvio, novamente em grande voga),<br />

ela age com o impacto indiscriminado <strong>da</strong> própria vi<strong>da</strong> e educa como ela, - com<br />

altos e baixos, luzes e sombras.<br />

As professoras <strong>da</strong> Hora do Conto <strong>da</strong> Rede Municipal atuavam respal<strong>da</strong><strong>da</strong>s pela<br />

formação que receberam <strong>da</strong> graduação. No caso <strong>da</strong>s ent<strong>revista</strong><strong>da</strong>s, to<strong>da</strong>s eram do Curso de Pe<strong>da</strong>gogia.<br />

Por outro lado, ain<strong>da</strong> freqüentavam palestras e cursos que eram esporadicamente oferecidos, ou<br />

pelo município, ou pelas editoras, sendo que muitos deles mantinham a visão do texto literário aliado às<br />

“ativi<strong>da</strong>des do fazer”, ou seja, após a leitura, desenhar, colar ou pintar sobre o que foi lido. Assim,<br />

ain<strong>da</strong> que os professores procurassem desenvolver um trabalho satisfatório, o texto literário acabava<br />

sendo usado de maneira utilitarista, sem valorizar o estético, o artístico. A literatura era desfigura<strong>da</strong><br />

em sua essência, tornando-se um pretexto para a realização de ativi<strong>da</strong>des escolares.<br />

Na seqüência, solicitamos que as informantes justificassem o porquê de contar<br />

histórias e obtivemos as seguintes respostas:<br />

73<br />

• Porque nos dias de hoje eles não têm muito contato com a leitura e como<br />

ci<strong>da</strong>dão eles precisam de valores à natureza, ao próximo, porque só vêem<br />

Pokemon, porcarias de TV... que não levam a na<strong>da</strong>;<br />

• A Ruth [Rocha] trabalha assuntos que favorecem a discussão, análise,<br />

extrapolação;<br />

• Por exemplo: lá na biblioteca, através de histórias abordo temas como; egoísmo,<br />

mentira, preguiça, socialização, meio ambiente, noções de higiene e<br />

muitos outros temas.<br />

2 A professora ent<strong>revista</strong><strong>da</strong> confundiu o nome <strong>da</strong> atriz Ruth de Souza com o <strong>da</strong> autora Ruth Rocha.<br />

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Na escola, principalmente nas séries iniciais, é constante a preocupação com os<br />

“bons hábitos” para a formação <strong>da</strong> criança. Para quem tem a responsabili<strong>da</strong>de de 30 a 35 crianças<br />

em uma sala-de-aula, essa inquietação se justifica; porém, isso não significa transformar a literatura<br />

em preceitos para as crianças, ou utilizá-la de forma redutora, sem respeitar seu caráter estético.<br />

Temos verificado, por exemplo, que embora existisse a estrutura mínima (biblioteca,<br />

professor <strong>da</strong> Hora do Conto) para o desenvolvimento <strong>da</strong> leitura literária nas escolas pesquisa<strong>da</strong>s,<br />

a concepção de leitura, os procedimentos e o trabalho com a literatura, na maioria <strong>da</strong>s vezes,<br />

permaneciam aquém <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des <strong>da</strong>quilo que poderia ser desenvolvido. Acreditamos que<br />

alguns fatores contribuíram para esse quadro; um deles era a formação maciça <strong>da</strong>s informantes<br />

em Pe<strong>da</strong>gogia. Analisamos os currículos <strong>da</strong>s instituições de graduação freqüenta<strong>da</strong>s pelas professoras<br />

e constatamos que nem sempre ofereciam a disciplina de literatura infantil ou juvenil e,<br />

quando ofereciam, eram apenas estudos preliminares.<br />

Pudemos constatar a ausência de uma proposta que englobasse a leitura literária<br />

como um projeto <strong>da</strong> Rede Municipal geral e não apenas de algumas escolas, pois essa fragmentação<br />

de procedimentos só dispersava esforços e não produzia o resultado esperado.<br />

Embora pensemos que os procedimentos <strong>da</strong>s contadoras de histórias nem sempre<br />

eram os mais recomendáveis, uma vez que a hora <strong>da</strong> leitura era vista apenas como uma continui<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> sala-de-aula, com obrigatorie<strong>da</strong>de de ativi<strong>da</strong>des , ain<strong>da</strong> assim os alunos tinham contato<br />

com a leitura. Ora, se existia o espaço para a Hora do Conto, ou seja, condições preliminares para<br />

que a leitura literária fosse desenvolvi<strong>da</strong> de forma adequa<strong>da</strong>, por que não colocá-la em prática?<br />

Por que não priorizar a leitura – prazer? Com os textos literários?<br />

A preocupação com a formação infantil e com sua leitura, de acordo com as<br />

respostas coleta<strong>da</strong>s, evidencia o repúdio à televisão, vista como uma <strong>da</strong>s grandes vilãs que atormentam<br />

o desenvolvimento <strong>da</strong> criança e a desvia <strong>da</strong> leitura. Cabe à escola não se preocupar em<br />

concorrer com a televisão, recriminando-a, pois a TV e a leitura exigem processos mentais e<br />

comportamentais diferentes na criança. Portanto, cumpre à escola proporcionar espaço que favoreça<br />

à criança a encontrar-se com o livro, sem cobranças desnecessárias, de modo que a leitura<br />

seja incorpora<strong>da</strong> na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> criança como tantas outras convivências importantes para o seu desenvolvimento.<br />

2. BIBLIOTECA E ESCOLA: COMO ERAM REALIZADAS AS HORAS DO CONTO<br />

Um dos aspectos que nos inquietava era compreender como se <strong>da</strong>va a relação<br />

biblioteca-escola, e o meio para se obter informações mais precisas seria investigar o teor <strong>da</strong>s<br />

ativi<strong>da</strong>des desenvolvi<strong>da</strong>s por elas. Assim, solicitamos às informantes a descrição <strong>da</strong> Hora do Conto<br />

realiza<strong>da</strong> nas respectivas escolas e coletamos as seguintes informações:<br />

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• Uma hora prazerosa, diferente, onde você conta histórias, faz dramatização:<br />

leva os alunos para a biblioteca, às vezes, eles escolhem o livro. A bibliotecária<br />

apresenta várias histórias, os alunos escolhem. A história não pode ser<br />

muito grande por causa do tempo. As turmas têm to<strong>da</strong>s as quintas-feiras<br />

para o empréstimo de livros.<br />

• De acordo com a época do ano, escolho um tema, uma história. Não pode ser<br />

longa, pois eles logo se desinteressam. Leio e mostro algumas ilustrações.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


Rovilson José <strong>da</strong> Silva<br />

Modifico a voz conforme os personagens. Faço expressão facial, canto no<br />

meio <strong>da</strong> história, faço suspense...e agora? Será que eles vão conseguir?..<br />

Vamos ver!!!<br />

• Primeiro é feita a leitura <strong>da</strong> história e exploração de desenhos e do tema do<br />

dia: o que essa história pode ensinar para nós. Conversamos, debatemos,<br />

trocamos informações. Depois o aluno faz em caderno próprio de desenho<br />

para a biblioteca o trabalho <strong>da</strong> aula que pode ser: desenho, pintura, colagem,<br />

recorte e, por fim, eles fazem empréstimo de livros.<br />

A partir dessas respostas, verificamos que a Hora do Conto era bastante aprecia<strong>da</strong><br />

pelas contadoras e que o próprio vocabulário empregado denotava o aspecto lúdico que a leitura<br />

e o momento de ler devem ter. Ain<strong>da</strong> é possível afirmar que existia a preocupação em atender às<br />

expectativas dos alunos; por exemplo, quando nos deparamos com trechos tais como: às vezes,<br />

eles escolhem o livro, conversamos, debatemos, trocamos informações. Na Hora do Conto, de<br />

acordo com os relatos extra-oficiais dos professores, existe uma menor formalização em relação<br />

ao ambiente e à disposição física dos alunos em sala-de-aula; portanto, a intimi<strong>da</strong>de entre as<br />

contadoras e as crianças é maior.<br />

Também era perceptível a preocupação <strong>da</strong>s contadoras de histórias em transformar<br />

as leituras feitas na Hora do Conto em trabalhos escolares. No ensino fun<strong>da</strong>mental, de um<br />

modo geral, persiste a idéia de que a história deva resultar em um “produto” feito pelo aluno. Ain<strong>da</strong><br />

permanece a dificul<strong>da</strong>de em valorizar aquilo que não se vê na construção do saber <strong>da</strong> criança. De<br />

uma certa maneira, a idéia do “ócio” que a leitura suscita, nem sempre era bem vista pelos demais<br />

componentes <strong>da</strong> escola.<br />

Para os demais professores <strong>da</strong>s escolas investiga<strong>da</strong>s, o contador de histórias não<br />

tinha a mesma importância que eles, pois “só” contava histórias e não apresentava o “rendimento”<br />

dos alunos e, por conseguinte, as contadoras de histórias tornavam-se inseguras e acabavam por<br />

transformar a leitura realiza<strong>da</strong> na Hora do Conto em pretexto para ativi<strong>da</strong>des envolvendo pintura,<br />

colagem, desenhos, entre outras ativi<strong>da</strong>des.<br />

Durante as ent<strong>revista</strong>s, as informantes iam se entusiasmando e comentando sobre<br />

a Hora do Conto. Em to<strong>da</strong>s havia uma grande satisfação em desempenhar na escola a função de<br />

contadora de histórias. Além disso, era consenso entre elas de que a biblioteca escolar, alia<strong>da</strong> às<br />

aulas, contribuía significativamente para a melhoria <strong>da</strong> aprendizagem dos alunos.<br />

Na seqüência, solicitamos <strong>da</strong>s professoras mediadoras de leitura que justificassem<br />

porque julgavam que a Hora do Conto e a biblioteca escolar contribuíam para o processo ensinoaprendizagem<br />

e obtivemos as seguintes respostas:<br />

• Sim, porque é um complemento de sala-de-aula, complemento <strong>da</strong> leitura;<br />

• Sim. Trabalho com a orali<strong>da</strong>de, incentivo a leitura, relaciono idéias, argumentação<br />

e digo que eles podem usar nas suas produções escritas. Quem lê<br />

mais, escreve melhor!<br />

• Sim. É uma aula diferente, os alunos gostam, participam, ouvem histórias e<br />

assim vão aprendendo a gostar de ler.<br />

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A Hora do Conto na Escola: Paradoxos e Desafios<br />

Nos depoimentos anteriores, são apontados componentes importantes pelos contadores<br />

de histórias como a orali<strong>da</strong>de, o incentivo à leitura, além de relacioná-la como uma ativi<strong>da</strong>de<br />

complementar à sala-de-aula. Esse discurso é importante e deve ser reforçado em todos os<br />

segmentos <strong>da</strong> escola, quer seja professor, a supervisão ou a direção, para que a leitura seja uma<br />

prática cotidiana na escola.<br />

3. HORA DO CONTO: PARADOXOS E DESAFIOS DE UMA AÇÃO EDUCATIVA<br />

Embora a Hora do Conto fosse uma prática cotidiana em muitas escolas <strong>da</strong> Rede<br />

Municipal de Londrina, nem sempre ela era contínua, ou seja, não havia planejamento e procedimentos<br />

comuns a to<strong>da</strong>s as escolas. Ca<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de escolar, à sua maneira, a desenvolvia do modo<br />

que entendia.<br />

Propusemos às informantes que apresentassem quais eram as maiores dificul<strong>da</strong>des<br />

encontra<strong>da</strong>s por elas para a execução <strong>da</strong> Hora do Conto e obtivemos as seguintes respostas:<br />

• Disponibili<strong>da</strong>de de tempo, devido ao acúmulo de funções: auxiliar de período,<br />

hora do conto e TV Escola;<br />

• A falta de concentração e interesse de algumas crianças, brigas e desacato<br />

entre os meninos (chegam a se avançar ocasionalmente). O espaço, o tipo de<br />

mesa, às vezes, algumas crianças ficam de costas. As mesas são grandes. Se<br />

fossem tipo |__| 3 , sobrando espaço no meio, ficaria melhor;<br />

• Nenhuma.<br />

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Como pudemos constatar, as maiores dificul<strong>da</strong>des referiam-se a aspectos externos<br />

ao trabalho com a leitura. As professoras questionavam o ambiente, fisicamente inadequado,<br />

além do mobiliário que também não proporcionava conforto para a leitura na Hora do Conto, pois<br />

para as bibliotecas ou salas de leitura <strong>da</strong>s escolas, geralmente eram enviados os móveis que eram<br />

rejeitados em outras seções <strong>da</strong> escola. Assim, quase sempre acomo<strong>da</strong>vam desconfortavelmente<br />

as crianças.<br />

Outro aspecto, a se ressaltar, dentre os apresentados, refere-se ao acúmulo de<br />

ativi<strong>da</strong>des exerci<strong>da</strong>s pelo professor <strong>da</strong> Hora do Conto, pois, como informamos anteriormente, essa<br />

função ain<strong>da</strong> não estava oficialmente reconheci<strong>da</strong>. Esse profissional, além de contar histórias,<br />

desenvolvia ativi<strong>da</strong>des tais como: cui<strong>da</strong>r do recreio, tirar xerox para a escola, entre outros. Observamos<br />

então que o sucesso <strong>da</strong> Hora do Conto dependia do apoio <strong>da</strong> direção <strong>da</strong> escola, órgão gestor<br />

fun<strong>da</strong>mental para o aprimoramento e continui<strong>da</strong>de dessa ativi<strong>da</strong>de no ambiente escolar.<br />

Posteriormente, procuramos detectar se as professoras se sentiam bem assessora<strong>da</strong>s<br />

pe<strong>da</strong>gogicamente para desenvolver o seu trabalho com a leitura e elas nos responderam:<br />

3 A informante utilizou o desenho para explicar o formato <strong>da</strong> mesa, de modo que coubesse a cadeira sob ela e as crianças<br />

ficassem bem acomo<strong>da</strong><strong>da</strong>s.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


Rovilson José <strong>da</strong> Silva<br />

• Não. Eu trabalho por intuição, procuro ler, trocar experiências, fazer o melhor<br />

para contribuir com o processo ensino e aprendizagem;<br />

• Sim. Já fiz muitos cursos;<br />

• Sim. Temos materiais, condições de trabalho, tudo que preciso é prontamente<br />

atendido, não tenho queixas.<br />

As respostas que se referem ao trabalho com a leitura são sucintas e genéricas,<br />

apresentam pouco teor argumentativo, sem, entretanto, fornecer elementos que se relacionem à<br />

orientação pe<strong>da</strong>gógica recebi<strong>da</strong>. Por outro lado, a informante que não se sentia bem assessora<strong>da</strong><br />

nos demonstrou a ausência de encaminhamentos à Hora do Conto e isso vinha confirmar o que até<br />

então tínhamos encontrado nas respostas explicita<strong>da</strong>s no questionário, ou seja, a professora agia<br />

mais intuitivamente do que por uma diretriz pe<strong>da</strong>gógica, fun<strong>da</strong>mentando teoricamente o desenvolvimento<br />

<strong>da</strong> Hora do Conto.<br />

Ain<strong>da</strong> na perspectiva de procurar entender se havia o assessoramento oferecido<br />

pela Secretaria Municipal de Educação ao desenvolvimento <strong>da</strong> Hora do Conto às escolas, coletamos<br />

as seguintes opiniões:<br />

• Sim. Da Secretaria <strong>da</strong> Cultura, não... Educação... ela também.<br />

• Não. Pelo menos nunca recebi orientação, sugestão, material <strong>da</strong> Secretaria.<br />

• Sim. Mas como já disse, acho que ain<strong>da</strong> não é suficiente.<br />

Podemos inferir que as informantes não viam uma ação mais concreta <strong>da</strong> Secretaria<br />

Municipal de Educação, pois a hesitação <strong>da</strong> primeira ent<strong>revista</strong><strong>da</strong>: “<strong>da</strong> Secretaria <strong>da</strong> Cultura,<br />

não... Educação... ela também “, sugere que a professora se autocensurou quando insinuou que a<br />

Secretaria de Educação estava ausente no apoio à Hora do Conto.<br />

Por outro lado, tendo investigado anteriormente que as professoras contadoras de<br />

história tinham reuniões mensais na Biblioteca Pública Municipal Parigot de Souza, perguntamos<br />

se recebiam assessoramento <strong>da</strong> mesma para desenvolver o trabalho <strong>da</strong> Hora do Conto.<br />

As escolas <strong>da</strong> Rede Municipal de Ensino de Londrina estão subordina<strong>da</strong>s à Secretaria<br />

Municipal de Educação que, por meio de seu Grupo de Apoio Técnico-Pe<strong>da</strong>gógico 4 , assessora<br />

pe<strong>da</strong>gogicamente as uni<strong>da</strong>des escolares. A biblioteca escolar era assessora<strong>da</strong> pela Biblioteca<br />

Pública Municipal Parigot de Souza, principalmente em relação à Hora do Conto.<br />

Investigamos como se <strong>da</strong>va a relação entre esses dois órgãos e, de acordo com a<br />

informante A, do grupo de apoio <strong>da</strong> Secretaria de Educação do município de Londrina, o contato<br />

entre a Secretaria de Educação e a Biblioteca Central 5 era, praticamente, inexistente. Ca<strong>da</strong> órgão<br />

orientava a leitura à sua maneira: “O contato entre a Secretaria de Educação e a Biblioteca<br />

Central é mínimo...o esquema de trabalho é muito diferente...não existe contato entre as<br />

duas: a Biblioteca Central e o Grupo de Apoio”. Não é possível conceber que dois órgãos que<br />

se <strong>completa</strong>m possam conviver de maneira tão dissonante ou que seus conceitos e orientações<br />

sejam diferentes para a mesma ativi<strong>da</strong>de, com os mesmos professores. A falta de procedimento<br />

único entre as instituições acabava por dividir as forças que deveriam estar agrupa<strong>da</strong>s. Além disso,<br />

o reflexo dessa política incidia negativamente sobre o desenvolvimento <strong>da</strong> leitura nas escolas.<br />

4 Grupo responsável pela assessoria pe<strong>da</strong>gógica dos professores <strong>da</strong> Rede Municipal de Ensino.<br />

5 A Biblioteca Pública Municipal Parigot de Souza é chama<strong>da</strong> pelas escolas <strong>da</strong> Rede Municipal de BC ou Biblioteca Central, uma<br />

vez que as bibliotecas escolares, chama<strong>da</strong>s sucursais, estão sob a jurisdição <strong>da</strong> mesma.<br />

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A Hora do Conto na Escola: Paradoxos e Desafios<br />

To<strong>da</strong>s as ent<strong>revista</strong><strong>da</strong>s diziam receber orientação <strong>da</strong> Biblioteca Central, embora<br />

existisse a opinião de que as reuniões ocorri<strong>da</strong>s nesse órgão também não fossem suficientes para<br />

suprir as lacunas teóricas que se tinha para li<strong>da</strong>r com a leitura e a Hora do Conto. Sobre isso, elas<br />

teceram os seguintes comentários:<br />

• Sim. Quando se começa eles ensinam a consertar livros, a hora do conto, a<br />

contar histórias. As informações nas reuniões não são<br />

suficientes...perguntavam p’ra mim: o que <strong>da</strong>r na hora do conto; como fazer;<br />

que tipo de leitura e ativi<strong>da</strong>des desenvolver. Lá (reunião <strong>da</strong> Biblioteca Central)<br />

a orientação é como fazer pesquisa e empréstimo. Todos os educadores<br />

deveriam fazer cursos de incentivo à leitura, porque a leitura deve ser mais<br />

valoriza<strong>da</strong>. Nessa escola, poderia ser mais valoriza<strong>da</strong>.<br />

• Sim. Assinatura <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Amiguinho e a reunião mensal para levar a estatística<br />

mensal. Há troca de experiência entre as professoras. Em 99, houve<br />

palestras no SESC na Semana do Livro, em outubro. A Biblioteca Central não<br />

tem apoio <strong>da</strong> Secretaria de Educação. Este ano não recebemos a carteira de<br />

empréstimo para o aluno. A escola, ou fez fotocópia ou mandou imprimir em<br />

gráfica.<br />

• Sim. Recebemos a <strong>revista</strong> Nosso Amiguinho e outra, mas acho pouco, pois<br />

como já disse, a prefeitura poderia investir comprando livros, <strong>revista</strong>s, assinando<br />

jornais, etc. Também poderíamos ter reuniões com trocas de experiências,<br />

sugestões.<br />

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Na ver<strong>da</strong>de, existia um descontentamento em relação aos procedimentos sobre<br />

leitura oferecidos nas reuniões mensais <strong>da</strong> Biblioteca Pública Municipal Parigot de Souza; percebemos<br />

que os depoimentos <strong>da</strong>s professoras denotavam a falta de orientações básicas no que se<br />

referia à utilização do texto literário em sala-de-aula.<br />

E ain<strong>da</strong> em contato com a informante B, uma contadora de história <strong>da</strong> Rede Municipal<br />

de Ensino, sobre o assessoramento <strong>da</strong>do às contadoras de histórias pela Biblioteca Central,<br />

ela nos esclareceu: “Nas reuniões mensais trocamos experiências com os colegas de sala de<br />

leitura, mas não recebemos assessoramento pe<strong>da</strong>gógico, apenas quanto à utilização do<br />

material técnico, formulários, fichas, que são utilizados”. Esse depoimento veio fortalecer a<br />

desconfiança de que as contadoras de histórias careciam de mais estudos e orientações adequa<strong>da</strong>s<br />

à promoção <strong>da</strong> leitura literária na escola.<br />

Parecia evidente que é o próprio professor que, por meio <strong>da</strong> troca de experiência<br />

com os demais colegas, dimensionava, à sua maneira, o que utilizar e como utilizar o texto literário.<br />

Enfim, não era de se estranhar que o professor estivesse olhando para a literatura de forma puramente<br />

didática, pois ele não recebia formação ou orientação adequa<strong>da</strong> para promover as ativi<strong>da</strong>des<br />

de leitura e literatura na escola.<br />

Embora a proposta curricular do município reconhecesse a importância <strong>da</strong> literatura<br />

e dedicava-lhe espaço no documento escrito, no cotidiano escolar, ain<strong>da</strong> que algumas uni<strong>da</strong>des<br />

desenvolvessem a ativi<strong>da</strong>de de leitura, seus procedimentos e concepções ressoavam a uma visão<br />

utilitária do texto literário. Portanto, para que a leitura literária fosse encaminha<strong>da</strong> satisfatoriamente,<br />

o município deveria estabelecer as seguintes premissas:<br />

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Rovilson José <strong>da</strong> Silva<br />

• Oficialização do Projeto de Leitura Hora do Conto, de modo que houvesse<br />

uni<strong>da</strong>de de procedimentos entre as orientações advin<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Secretaria de<br />

Educação e <strong>da</strong> Biblioteca Pública Municipal Parigot de Souza;<br />

• Reestruturação <strong>da</strong>s reuniões mensais: estudos sobre a leitura, a literatura e<br />

sua relação com a criança e com o ensino;<br />

• E que o Professor <strong>da</strong> Hora do Conto fosse um multiplicador <strong>da</strong>s idéias,<br />

dissemina<strong>da</strong>s nos encontros mensais, para os demais docentes <strong>da</strong> escola.<br />

• Promoção de encontros de estudos e parcerias com outras instituições.<br />

Acreditamos que essa situação, por vezes contraditória e paradoxal, irá se extinguir<br />

na medi<strong>da</strong> em que a leitura literária no município for encara<strong>da</strong> como um desafio a ser vencido<br />

e as propostas sejam continuamente fomenta<strong>da</strong>s.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A rede municipal de ensino de Londrina apresentava uma estrutura paradoxal em<br />

relação ao encaminhamento <strong>da</strong>do à Hora do Conto e, por conseguinte, à leitura literária. Dentre os<br />

paradoxos encontrados, destacamos: a rede possuía estrutura física, contava com professores para<br />

mediar a leitura na escola e até com proposta pe<strong>da</strong>gógica do município que priorizava a leitura<br />

literária. No entanto, nem sempre era o que acontecia, como veremos a seguir.<br />

A formação do grupo ent<strong>revista</strong>do estava circunscrita à graduação em Pe<strong>da</strong>gogia.<br />

Neste curso, a leitura era apresenta<strong>da</strong> de maneira genérica, noutros existia a disciplina literatura<br />

infantil, mas ain<strong>da</strong> assim eram informações preliminares sobre a literatura e com pouco tempo<br />

de estudo, o que nos leva a crer na insuficiência teórica dos ent<strong>revista</strong>dos para o desenvolvimento<br />

de um projeto de leitura em que não haja um acompanhamento teórico, metodológico.<br />

Diante de uma formação que não aprofun<strong>da</strong>va a visão do professor sobre a singulari<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> literatura e <strong>da</strong> pouca leitura literária do grupo é que constatamos um enfoque utilitário<br />

no emprego do texto literário em sala-de-aula, disseminado como fonte de ensinamento, “ativi<strong>da</strong>de<br />

do fazer”, em detrimento <strong>da</strong> fruição estética.<br />

A Hora do Conto poderia ser melhor promovi<strong>da</strong> e amplia<strong>da</strong> para to<strong>da</strong> a Rede<br />

Municipal de Ensino de Londrina, não fossem os desencontros entre ação <strong>da</strong> Secretaria de Educação<br />

e a Secretaria de Cultura, pois a assessoria recebi<strong>da</strong> pelos professores <strong>da</strong> Hora do Conto não<br />

vinha diretamente <strong>da</strong> Secretaria Municipal de Educação, mas sim <strong>da</strong> Secretaria de Cultura, por<br />

meio <strong>da</strong> Biblioteca Pública Municipal, que orientava os contadores de histórias em relação às<br />

ativi<strong>da</strong>des práticas de atendimento ao público escolar e não propriamente em relação ao texto<br />

literário, ou à relação entre a biblioteca e a leitura. Essa falta de uni<strong>da</strong>de de procedimentos entre a<br />

Secretaria de Educação e a Biblioteca Pública Municipal para se conduzir a Hora do Conto, como<br />

dissemos anteriormente, ‘emperrava’ o desenvolvimento e a expansão <strong>da</strong> Hora do Conto nas<br />

escolas <strong>da</strong> rede e, conseqüentemente, não fun<strong>da</strong>mentava nem alicerçava as bases teóricas dos<br />

contadores existentes.<br />

As reuniões mensais ocorri<strong>da</strong>s na Biblioteca Pública Municipal, naquela época,<br />

gravitavam em torno <strong>da</strong> entrega de relatórios sobre o empréstimo de livros e leitura realizados na<br />

biblioteca <strong>da</strong> escola.<br />

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A Hora do Conto na Escola: Paradoxos e Desafios<br />

Mediante tais constatações, surgiam os desafios a serem vencidos pela rede municipal<br />

de ensino de Londrina; dentre eles, defendíamos a proposta de que a Hora do Conto pudesse<br />

ser reestrutura<strong>da</strong> e encaminha<strong>da</strong> de maneira satisfatória, desde que houvesse o comprometimento<br />

político <strong>da</strong> Secretaria Municipal de Educação de Londrina para a efetivação de um Projeto de<br />

Leitura. Em um primeiro momento, estariam no Projeto as escolas que desenvolviam a Hora do<br />

Conto; posteriormente, as demais uni<strong>da</strong>des escolares. Além disso, era necessário que houvesse<br />

uma uni<strong>da</strong>de nos objetivos e procedimentos para se encaminhar a proposta, por exemplo, Biblioteca<br />

Pública e Secretaria <strong>da</strong> Educação e Escola estariam em sintonia nos procedimentos a serem<br />

seguidos.<br />

Acreditamos que o contador de histórias, à medi<strong>da</strong> que obtivesse melhor fun<strong>da</strong>mentação<br />

teórica sobre a leitura e a literatura, automaticamente, se tornaria um multiplicador <strong>da</strong>s<br />

informações recebi<strong>da</strong>s e auxiliaria os demais professores <strong>da</strong> escola a compreender os meandros<br />

<strong>da</strong> leitura, quer fosse literária ou não.<br />

REFERÊNCIAS<br />

CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. Ciência e Cultura. São Paulo, v.24,<br />

n.9, p.803-809, set., 1972.<br />

80<br />

SILVA, Rovilson José <strong>da</strong>. A leitura literária nas 3ª e 4ª séries do ensino fun<strong>da</strong>mental do<br />

município de Londrina. 2001. 219 f. Dissertação (Mestrado em Letras) - Universi<strong>da</strong>de Estadual<br />

de Londrina, Londrina.<br />

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NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM SAÚDE E<br />

QUALIDADE DE VIDA – NEPSV


Análise dos Fatores que Levaram à Escolha do Cônjuge em Indivíduos Pesquisados na Ci<strong>da</strong>de de<br />

Londrina e Região<br />

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Evelin Cristina Guelfi, Cláudia Algoso Frasson e José Antônio Baltazar<br />

ANÁLISE DOS FATORES QUE LEVARAM À ESCOLHA DO CÔNJUGE EM<br />

INDIVÍDUOS PESQUISADOS NA CIDADE DE LONDRINA E REGIÃO<br />

Evelin Cristina Guelfi *<br />

Cláudia Algoso Frasson **<br />

José Antônio Baltazar ***<br />

RESUMO:<br />

A presente pesquisa, teve como objetivo compreender como se dá a formação de relacionamentos<br />

conjugais nos tempo atuais, analisando quais são os critérios para a escolha de um parceiro na<br />

relação amorosa. A opção teórica para uma análise reflexiva deste assunto se centra nos estudos<br />

de alguns teóricos. Optou-se pela pesquisa de campo, quantitativa e qualitativa, definindo-se como<br />

método de coleta de <strong>da</strong>dos a análise de questionários aplicados, que serviram de corpo básico <strong>da</strong><br />

pesquisa para a verificação <strong>da</strong>s hipóteses iniciais. Assim, a presente pesquisa contempla uma<br />

reflexão sobre o processo de escolha, mostrando como ele era antigamente e como foi, de uma<br />

certa forma, “evoluindo”, uma vez que outrora a mulher não tinha o direito de escolher com quem<br />

ela almejava casar-se. Hoje vemos como isso mudou. Esta pesquisa também apresenta as idéias<br />

de alguns autores com relação ao processo de escolha, mostrando porque escolhemos, quem escolhemos,<br />

evidenciando assim que, nem sempre, sabemos o ver<strong>da</strong>deiro motivo.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Escolha Conjugal; Casamento; Relacionamento Amoroso.<br />

ABSTRACT:<br />

The goal of this research, entitled “Analyses of the factors that influenced the choice of spouses<br />

among the individuals researched in the city of Londrina and surrounding region” is to understand<br />

how marital relationships are formed nowa<strong>da</strong>ys through the analysis of the criteria used in the<br />

choosing of a partner in a marital relationship. The theoretical option for a reflexive analysis of this<br />

subject is centered on the studies of some theoreticians. The option was for a quantitative and<br />

qualitative field research, consisting the method of <strong>da</strong>ta collection and analysis of questionnaires<br />

that were applied, which were used as the basic body to determine the initial hypotheses. As a<br />

result, this research is a reflection on the process of choosing, showing how it once was and how,<br />

in a way, it has “evolved”, considering that in times past a woman had no right to choose her future<br />

husband. That has changed. This research also present the ideas of some authors regarding the<br />

process of choosing, showing why people we chose the persons they have chosen, making it<br />

evident that people not always know the real reason.<br />

83<br />

KEY-WORDS: Marital choice; Marriage; Sentimental relationship.<br />

INTRODUÇÃO<br />

Encontramos os mais diversos tipos de casamentos, pois isso depende <strong>da</strong> cultura<br />

de ca<strong>da</strong> país e família. Tendo como base a nossa cultura, a história nos mostra como antigamente<br />

as mulheres casavam-se muito jovens e não tinham o direito de escolher seus cônjuges; o que<br />

predominava na escolha naquela época eram os aspectos econômicos. A moça deveria obedecer<br />

à tradição e aceitar.<br />

**Acadêmica do Curso de Psicologia <strong>da</strong> <strong>UniFil</strong>.<br />

*** Acadêmica do Curso de Psicologia <strong>da</strong> <strong>UniFil</strong>.<br />

*** Docente do Curso de Psicologia <strong>da</strong> <strong>UniFil</strong>. Mestre em Psicologia. Orientador <strong>da</strong> presente pesquisa.<br />

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Análise dos Fatores que Levaram à Escolha do Cônjuge em Indivíduos Pesquisados na Ci<strong>da</strong>de de<br />

Londrina e Região<br />

Hoje se observa que não é ‘bem assim’: tem-se a liber<strong>da</strong>de de escolha. Então<br />

paramos para pensar: por que escolhi esta pessoa para ser meu cônjuge? Como escolhi?<br />

Durante o decorrer <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, todo o ser humano se depara com algumas escolhas,<br />

umas mais fáceis, outras, porém, mais difíceis, como é o caso <strong>da</strong> escolha do cônjuge. Geralmente<br />

nesta tarefa o medo de errar é ain<strong>da</strong> maior. E a busca de um parceiro, todo nosso sistema de<br />

crenças e valores, e o que esperamos e entendemos a respeito desta parceria, nem sempre são<br />

conhecidos e claros. Familiares e amigos se fazem presentes nesta ação de escolha, assim como<br />

em to<strong>da</strong> a história <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> construí<strong>da</strong>.<br />

O parceiro conjugal vem para nos <strong>completa</strong>r; quando gostamos de uma pessoa e<br />

nos sentimos atraídos por certas características dela, é porque temos capaci<strong>da</strong>de de ser como ela.<br />

O que acontece é que essas características presentes em nós ficam reprimi<strong>da</strong>s no nosso interior. E<br />

se não fosse assim nem as perceberíamos em outra pessoa porque não haveria uma assimilação.<br />

Sendo assim, o cônjuge é como um espelho, e aos poucos vamos conhecendo o<br />

“nosso próprio eu”.<br />

A pessoa que escolhemos, deveria compor alguns quesitos; entre tantos possíveis:<br />

admiração, respeito e atração sexual; e o desejo de constituir com ele ou ela algo significativo!<br />

Nesse caminho, encontram-se dificul<strong>da</strong>des, pois as pessoas vão tendo contato<br />

com as características e defeitos do ‘outro’ que não eram desejados. O que era atração no início do<br />

relacionamento passa, então, a tornar-se algo negativo, porque quanto mais negamos que temos<br />

‘aquelas características’, ficamos mais intolerantes para com as pessoas que as possuam.<br />

84<br />

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

O casamento é um ato marcante no qual duas pessoas, até certo ponto, estranhas<br />

entre si, unem-se na tentativa de construir uma relação na qual possam desfrutar os prazeres <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong> e continuar os seus desenvolvimentos.<br />

O parceiro conjugal nos traz proteção. Devido a essa carência de proteção é que<br />

se tem necessi<strong>da</strong>de de estar vinculado a uma pessoa, pois o ser humano é a<strong>da</strong>ptado para viver em<br />

grupos.<br />

O casamento continuou sendo um dos preciosos sonhos que o ser humano<br />

mais ambiciona realizar, mesmo após o fracasso, de uma ou mais experiências,<br />

como evidenciam as estatísticas <strong>da</strong>s mais varia<strong>da</strong>s partes do mundo. Isto<br />

ocorre porque, para obtenção do prazer, necessitamos <strong>da</strong> ação complementar<br />

de um parceiro que, na infância, são os pais ou substitutos e, na vi<strong>da</strong><br />

adulta, o cônjuge. (COSTA, 2000, p.17).<br />

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Na I<strong>da</strong>de Antiga (476 d.C.) o casamento era um acordo entre o noivo e o pai <strong>da</strong><br />

noiva, onde havia o pagamento de um dote por parte do pai. Esta união não dependia <strong>da</strong> vontade,<br />

nem <strong>da</strong> escolha <strong>da</strong> moça, porque ela era <strong>da</strong><strong>da</strong> para o marido, e o ato representava uma transferência<br />

de casa e de ‘Senhor’. Nesta época as mulheres casavam-se muito jovens.<br />

Na I<strong>da</strong>de Média, o casamento passou a ser um sacramento <strong>da</strong> Igreja. Instituiu-se<br />

a condenação <strong>da</strong> paixão, porque amar demais era considerado adultério. A influência dos pais na<br />

escolha ain<strong>da</strong> era dominante; a filha que se opusesse era acusa<strong>da</strong> de “vício de ingratidão”. O amor<br />

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Evelin Cristina Guelfi, Cláudia Algoso Frasson e José Antônio Baltazar<br />

entre os cônjuges viria como resultado <strong>da</strong>quela vi<strong>da</strong> em comum e não representava a base de um<br />

relacionamento. Primeiro casava-se e depois se amava; hoje, ama-se e depois se casa.<br />

Da Renascença até a I<strong>da</strong>de Moderna, as mulheres <strong>da</strong> classe média casavam<br />

menos do que as <strong>da</strong> classe operária, devido à questão dos dotes, que eram ca<strong>da</strong> vez mais elevados.<br />

Às vezes, casavam uma ou duas filhas e as outras ficavam solteiras. As mulheres não se casavam<br />

com homens de posição inferior à sua. O que predominava na escolha do cônjuge eram os aspectos<br />

sociais e econômicos. O sexo existia para procriar e não para ter prazer.<br />

Em 1500, na Europa, foi proibi<strong>da</strong> qualquer forma de relação sexual fora do casamento.<br />

Nem mesmo dentro do casamento poderia haver uma ‘paixão sensual’ porque isso enfraquecia<br />

o amor a Deus. O ‘calor excessivo’ do amor geraria crianças com doenças.<br />

Aos poucos foi aparecendo uma forma autoriza<strong>da</strong> e controla<strong>da</strong> pelos pais de experiências<br />

amorosas pré-nupciais, onde se respeitava a virgin<strong>da</strong>de. Isso resultou em uma valorização<br />

do afeto e do erotismo e o aumento <strong>da</strong>s práticas sexuais antes do casamento, no início de século<br />

XVIII.<br />

As pessoas se opunham a aceitar um segundo casamento, caso alguém perdesse<br />

seu cônjuge. No século XVIII floresceu o casamento igualitário. A partir deste momento, no final<br />

do século, é que vai surgir na história <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de o ‘casamento por amor’, que reúne amizade,<br />

prazer sexual, concepção e, principalmente, a liber<strong>da</strong>de de escolha.<br />

A relação conjugal e o conceito de família irão se diferenciar neste período. Criase<br />

a consciência de que a família é indestrutível, mas o casamento, nem sempre. Com a cultura do<br />

século XX, enriqueci<strong>da</strong> pelos conhecimentos psicanalíticos, os métodos contraceptivos, a liberação<br />

do divórcio e a profissionalização <strong>da</strong> mulher, o casamento foi afastado <strong>da</strong>s influências familiares e<br />

<strong>da</strong> religião, passando a ser, então, uma condição de relacionamento amoroso e conotação sexual. A<br />

pessoa vive com um companheiro, mas nem sempre é casado com ele.<br />

85<br />

No final do século XX, enfim, o casamento parece ter atingido sua maturi<strong>da</strong>de,<br />

passando a representar, ver<strong>da</strong>deiramente, um ato de vontade, regido<br />

pelas necessi<strong>da</strong>des e anseios de prazer e realização estabelecidos livremente<br />

pelo casal. (COSTA, 2000, p.29).<br />

No limiar do ano 2000, deixa-se para traz um modelo idealizado de família que<br />

dificultava ain<strong>da</strong> mais os relacionamentos, com submissão e ocultação de sentimentos, fazendo<br />

com que o ódio se sobrepusesse ao amor, em muitos casos.<br />

Partindo disso, podemos notar uma grande mu<strong>da</strong>nça com relação à escolha do<br />

cônjuge durante o desenvolvimento <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. Inicialmente, a pessoa teria que casar-se com<br />

quem era “posto” a ela, e obedecendo à tradição. Hoje, se tem a liber<strong>da</strong>de de poder selecionar as<br />

características que se almeja para um companheiro, podendo partir de ca<strong>da</strong> um a responsabili<strong>da</strong>de<br />

e a vontade de querer ou não ficar com o ‘outro’.<br />

Mas esta escolha não se dá de uma forma tão técnica e precisa, pois muitas vezes,<br />

acontece quando menos se espera... o frio na barriga, o tremor nas pernas, sensações até então<br />

nunca senti<strong>da</strong>s, mas estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s por Tennov, levam a estes sintomas:<br />

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Análise dos Fatores que Levaram à Escolha do Cônjuge em Indivíduos Pesquisados na Ci<strong>da</strong>de de<br />

Londrina e Região<br />

1. Pensar obsessivamente no objeto amado.<br />

2. Absoluta necessi<strong>da</strong>de de reciproci<strong>da</strong>de.<br />

3. Profun<strong>da</strong> dependência <strong>da</strong>s atitudes do amado, na qual se procura constantemente<br />

uma resposta ao próprio amor.<br />

4. Incapaci<strong>da</strong>de de amar outra pessoa.<br />

5. O único alívio é imaginar que o ‘outro’ também nos ama.<br />

6. Medo <strong>da</strong> rejeição, e timidez paralisante frente ao amado.<br />

7. Os obstáculos parecem intensificar o sentimento.<br />

8. Necessi<strong>da</strong>de de crer que, atrás <strong>da</strong> aparente indiferença do amado, se escondem<br />

sentimentos apaixonados.<br />

9. Dor na região do coração, nos momentos de incerteza.<br />

10. Sensação de flutuação to<strong>da</strong> vez que há sinais de reciproci<strong>da</strong>de.<br />

11. Intensificação do sentimento, o que relega tudo o mais a segundo plano.<br />

12. Magnificação de to<strong>da</strong>s as possíveis quali<strong>da</strong>des do amado e recusa de ver<br />

qualquer defeito.(COLOSANTI, 1985, p.22).<br />

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E ain<strong>da</strong>: 13. Dificul<strong>da</strong>des digestivas e insônia.<br />

Esses doze sintomas foram descritos por Tennov, mas teriam sido detectados há<br />

nove séculos por Andréas Capellanus, autor do “Tratado do Amor Côrtes”, o qual inclui a dificul<strong>da</strong>de<br />

de digestão e insônia como sintoma e reforçou dizendo que estes causam alteração no<br />

cérebro, podendo levar à loucura.<br />

É muito comum também confundirmos escolha com atração, embora sejam duas<br />

coisas diferentes. A atração é aquilo que vai nos despertar para uma pessoa, e que só saberemos<br />

se ela serve para nós, depois do processo de escolha.<br />

Temos necessi<strong>da</strong>de de fazer escolhas, isto é nato do ser humano. Somos obrigados<br />

a fazer escolhas, procedimento que sempre é avaliado e reavaliado, em to<strong>da</strong>s as situações <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.<br />

O ser humano se depara no decorrer <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> com muitas escolhas como: profissão,<br />

amigos, religião, entre outras. Mas uma <strong>da</strong>s mais complexas consiste em determinar quem<br />

será o seu parceiro, e que aspectos racionais e emocionais se relacionam a este especial processo<br />

de escolha. E, muitas vezes, nem nos <strong>da</strong>mos conta de que estamos escolhendo; nosso inconsciente<br />

avalia no ‘outro’, possibili<strong>da</strong>des de satisfação. Nesse processo, na retaguar<strong>da</strong>, situa-se a escolha<br />

sexual, que em alguns casos estará bem clara e em outros mais ‘retraí<strong>da</strong>’. É certo que a insatisfação<br />

erótica será um fator determinante para uma reavaliação <strong>da</strong> escolha.<br />

Quando o desejo sexual inclui a escolha de uma determina<strong>da</strong> pessoa, surge o<br />

desejo erótico, que é a base do amor maduro que não engloba somente o prazer, mas sim uma<br />

comunhão de disposições e expectativas nos planos emocional e afetivo. No amor deve-se ter<br />

capaci<strong>da</strong>de de provocar e ser provocado sexualmente.<br />

Na relação entre marido e mulher o dinheiro possui a característica de ser, ao<br />

mesmo tempo, muito valorizado e desvalorizado, dependendo <strong>da</strong> situação.<br />

Encontra–se muitos ditados populares em relação ao parceiro amoroso como, por<br />

exemplo: “To<strong>da</strong> pessoa tem sua cara metade em algum lugar do mundo”; e com isso vivemos à<br />

procura desta parte que irá nos complementar. Queremos, sempre, encontrar a nossa ‘alma gêmea’.<br />

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Evelin Cristina Guelfi, Cláudia Algoso Frasson e José Antônio Baltazar<br />

Porém, nesta busca de um parceiro, todo o nosso sistema de crenças e valores, o<br />

que esperamos e entendemos a cerca desta parceria, nem sempre são conhecidos e claros.<br />

O estudo do inconsciente coloca-nos diante de um paradoxo, pois mostra<br />

que o homem não tem o poder de decisão que imagina ter, mas também não<br />

pode inocentar-se, atribuindo seus sucessos e insucessos a agentes externos<br />

(ANTON, 2000, p.21).<br />

Fazem parte deste processo conteúdos conscientes e inconscientes. Entrando aí<br />

impulsos, fantasias e mecanismos de defesa.<br />

Parte dos motivos <strong>da</strong> escolha fica reti<strong>da</strong> no inconsciente. O que normalmente<br />

acontece é que a percepção dos motivos conscientes que ficam na “face externa” de uma ver<strong>da</strong>de,<br />

envolve muitas cama<strong>da</strong>s que se ocultam e se protegem umas <strong>da</strong>s outras.<br />

FREUD (1914), em seu artigo sobre o narcisismo discute o que está presente na<br />

escolha de um parceiro. Para ele, há dois tipos de escolhas: do tipo anaclítico ou narcísica. Tanto a<br />

escolha anaclítica como a narcísica estão presentes em ca<strong>da</strong> individuo, mas pode haver a predominância<br />

de uma sobre a outra. Ao descrever escolha narcísica, FREUD (1914, p.107) diz que<br />

uma pessoa pode amar: O que ela própria é (isto é: ela mesma); o que ela própria foi; o que ela<br />

própria gostaria de ser; alguém que foi alguma vez parte dela mesma.<br />

A anaclítica é, para este autor, uma escolha basea<strong>da</strong> no desejo de reconstituir uma<br />

relação de cui<strong>da</strong>do, alimentação e proteção, que foi vivi<strong>da</strong> no início <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Este tipo de escolha<br />

estaria, para ele, mais presente nos homens que procurariam viver, através <strong>da</strong> relação amorosa,<br />

uma relação pareci<strong>da</strong> com a que tiveram com a mãe. Para as mulheres, este tipo de escolha estaria<br />

relacionado à busca de um homem que as protegesse.<br />

Para KLEIN (1937b, p.121), um homem, ao escolher uma esposa, leva em consideração<br />

o sentimento que permeava a sua ligação original com a mãe. Em contraparti<strong>da</strong>, sentimentos<br />

que a mulher nutre por um homem e que levam à escolha do mesmo como parceiro amoroso,<br />

recebem fortes influências <strong>da</strong> ligação original dela com o seu pai.<br />

Em qualquer casal podemos observar claramente as diferenças existentes, mas o<br />

que costuma ficar oculto são as semelhanças que, na maioria delas, são inconscientes. A atração<br />

de um pelo outro também faz parte do processo inconsciente.<br />

Somos atraídos por pessoas iguais a nós, porque elas “ativam” em nós, quali<strong>da</strong>des<br />

que também temos, mas que estão em um “estado de dormência”. Uma quali<strong>da</strong>de reprimi<strong>da</strong>, ao<br />

ser vista em outra pessoa, acaba sendo libera<strong>da</strong>. Por que isso ocorre?<br />

Na nossa infância, uma boa parte <strong>da</strong> nossa personali<strong>da</strong>de é negativa<strong>da</strong>, e isso<br />

provoca inibições de algumas capaci<strong>da</strong>des que temos. Aí não as desenvolvemos porque algumas<br />

dessas quali<strong>da</strong>des, por ex., uma enorme intuição ou mesmo uma grande espontanei<strong>da</strong>de, podem se<br />

mostrar difícil para o adulto que está perto li<strong>da</strong>r com elas. Então, reprimimos muitos de nossos<br />

“talentos naturais” e nossas quali<strong>da</strong>des são assim desvaloriza<strong>da</strong>s. Somos então muito dependentes<br />

e não sabemos como cooperar. Nos tornamos adultos com aspectos <strong>da</strong> nossa capaci<strong>da</strong>de de agir,<br />

sentir e, até mesmo, pensar, já reprimidos. As pessoas que foram menos “tranca<strong>da</strong>s” são aquelas<br />

que descrevemos como tendo muita ‘personali<strong>da</strong>de’, embora todos nós tenhamos; acontece que na<br />

maioria <strong>da</strong>s pessoas isso ficou recessivo.<br />

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Na difícil escolha de um parceiro buscamos um “equilíbrio” com alguém que atue<br />

nessas áreas que nós temos reprimi<strong>da</strong>s; isso inconscientemente. Cai por terra, então, a famosa<br />

frase de que “os opostos se atraem” e entra a questão de que “os iguais é que se atraem”.<br />

O parceiro vem para suprir aquilo que falta em nós. Quando admiramos uma<br />

pessoa é porque sentimos que temos capaci<strong>da</strong>de de ser como ela; porém, se as características que<br />

nos atraem não estivessem “adormeci<strong>da</strong>s” em nosso interior, nem iríamos percebê-las em outra<br />

pessoa, porque não seriam nem assimila<strong>da</strong>s.<br />

Esse ‘complemento’ do parceiro, essa outra parte, nos faz sentir independentes,<br />

pois nos tornamos completos e ativamos a nossa autoproteção.<br />

A admiração entre os cônjuges acontece nas mais diversas características, que<br />

podem ser altera<strong>da</strong>s com o tempo, mas que sempre estarão presentes. É algo que fortalece a<br />

união: quando duas pessoas se conhecem começam a admirar no outro aspectos que, muitas vezes,<br />

os fará permanecer unidos.<br />

As pessoas têm grande dificul<strong>da</strong>de de aceitar que possuem as mesmas características<br />

de seu parceiro, sejam elas virtudes ou defeitos. Ao sermos atraídos pelas quali<strong>da</strong>des de quem<br />

amamos, é bom termos consciência de que também temos o mesmo potencial em nós, e que<br />

podemos ativá-lo. E quando criticamos um defeito em nosso companheiro, é importante observar<br />

como este defeito também aparece em nós; talvez expresso de uma outra maneira, por ex., se o<br />

parceiro é egoísta em alguns aspectos, somos em outros.<br />

E quando o assunto é ‘amor à primeira vista’? Existe um processo de escolha em<br />

uma situação desse tipo?<br />

A resposta para essa pergunta é que acontece um processo muito rápido, que<br />

parece nem existir. O fato é que a paixão surge em poucos minutos e de uma forma fulminante;<br />

trata-se não somente de uma atração sexual, mas de um amor, de aproximação imediata, uma<br />

sensação de intimi<strong>da</strong>de com aquela pessoa, sem que se tivesse trocado informações. Ama-se sem<br />

saber quem realmente é aquela pessoa. E nessa relação não há medo; consegue-se estabelecer<br />

uma segurança sem que haja <strong>da</strong>do algum para justificá-la. Não se trata de uma loucura, mas sim de<br />

uma comunicação bem diferente <strong>da</strong>quela que estamos acostumados a ver. É como se aquele<br />

receio, ansie<strong>da</strong>de ou medo que sentimos ao conhecer uma pessoa, não existisse naquele caso,<br />

permitindo assim um maior contato recíproco, estabelecendo-se, então, de uma forma muito rápi<strong>da</strong><br />

os diálogos do inconsciente, que normalmente levam um tempo maior para acontecer: “Os raros<br />

amantes que se escolhem à primeira vista sentem-se quase iluminados, abençoados por Deus<br />

(COLASANTI,1985, p.59)”.<br />

É importante buscar, ao se escolher um parceiro, a maior quanti<strong>da</strong>de de afini<strong>da</strong>des<br />

possíveis, sejam elas intelectuais, de temperamento, etc.; assim se estará possibilitando um convívio<br />

pacífico para maior durabili<strong>da</strong>de do casamento e mais harmonia. Porém há pessoas que escolhem<br />

qualquer parceiro objetivando se beneficiar do prazer carnal, e isso poderá levá-las à infelici<strong>da</strong>de<br />

conjugal, pois está envolvi<strong>da</strong> uma carência psicológica. Somente a beleza não garante um<br />

bom casamento, pois a beleza física envelhece. A felici<strong>da</strong>de está em satisfazer-se em todos os<br />

sentidos, não apenas no físico.<br />

COSTA, (2000, p.59-62), comenta sobre as 10 bases de um relacionamento feliz,<br />

mostrando que a primeira delas é que a pessoa deve se afastar de sua família de origem, deve ser<br />

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independente; as dificul<strong>da</strong>des quase sempre são projeta<strong>da</strong>s na família do outro. Esse hábito pode<br />

estar associado a conflitos infantis não-resolvidos.<br />

A segun<strong>da</strong> base é a compatibili<strong>da</strong>de. Ca<strong>da</strong> um deve ser o complemento do outro e<br />

não a extensão do outro. Por isso é necessário que se reserve alguns momentos só para a pessoa,<br />

um “canto”. A terceira base seria uma vi<strong>da</strong> sexual satisfatória. A quarta, o reconhecimento de que<br />

o casamento não é um mar-de-rosas e que conflitos são inevitáveis. A quinta base fala <strong>da</strong> importância<br />

de se manter a admiração pelo outro.<br />

Na sexta base Costa coloca a importância de se expressar os anseios e as necessi<strong>da</strong>des,<br />

de uma forma clara e precisa. A sétima diz respeito à cumplici<strong>da</strong>de conjugal; no casamento<br />

deve haver segurança e abastecimento afetivo, e é importante estimular o parceiro a crescer e<br />

ter sucesso.<br />

Na oitava base o autor valoriza a questão dos amigos, os obtidos antes e os que<br />

aparecerem após o casamento. Eles são importantes para a distribuição de afetos. É bom que um<br />

casal fique sozinho, porém é bom também que tenha um vínculo de amizades. A nona base analisa<br />

quando um casal abre espaço para um filho. Há casamentos que se caracterizam pela ausência de<br />

filhos. Sendo assim, é manti<strong>da</strong> ao longo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> uma relação exclusiva entre ambos. Este é um<br />

modelo muito infantil de vinculo afetivo mas, por outro lado, não se pode deixar a criança acabar<br />

com intimi<strong>da</strong>de do casal, dominar a família. E, por último, a décima base de um relacionamento feliz<br />

é tornar o casamento alegre e divertido.<br />

Quando casamos com alguém vamos conhecendo o “nosso próprio eu”. E o incrível<br />

é que quanto mais tempo passamos juntos, vamos tendo contato com os aspectos que temos<br />

mais dificul<strong>da</strong>des de assumir; e aquilo que era atrativo no início, passa a ser negativo e irritante,<br />

porque quanto mais reprimimos a nós, mais intolerantes somos com os outros.<br />

89<br />

Num relacionamento, o, parceiro é como um espelho que nos permite contemplar<br />

a nossa própria imagem. Pode ser assustador enfrentar o reflexo que<br />

nos é mostrado. Algumas pessoas prefeririam correr e deixar o espelho para<br />

trás a enfrentar a ver<strong>da</strong>de sobre si mesmas. Mas mu<strong>da</strong>r de espelho não mu<strong>da</strong><br />

o seu rosto. Diante de um espelho, você pode se aprumar, se resolver e ain<strong>da</strong><br />

aprender a ver o quanto você é bonito e humano (BIDDULPH, 2000).<br />

DISCUSSÃO<br />

Com base nos resultados <strong>da</strong> presente pesquisa, onde foram ent<strong>revista</strong>dos 25 homens<br />

e 25 mulheres, mais de 80% estão oficialmente casados, e mais de 68% já terminaram o 2º<br />

grau. Entre os sujeitos, a maioria mora em residência aluga<strong>da</strong>; e acima de 50% deles convivem na<br />

mesma casa em torno de 3 anos. Mais de 56% namoraram por mais de 2 anos.<br />

Acima de 64% dos ent<strong>revista</strong>dos (de ambos os sexos) se conheceram em festas,<br />

casas de amigos ou na rua. O que mais chamou a atenção foi a espontanei<strong>da</strong>de que eles declararam<br />

nos primeiros olhares e o sorrisos. E mais de 60% apenas conversaram no primeiro encontro.<br />

Acima de 80% dos ent<strong>revista</strong>dos responderam que o cônjuge não foi o primeiro<br />

namorado(a) e os principais motivos que os levaram a morar juntos foram a afetivi<strong>da</strong>de, compatibili<strong>da</strong>de<br />

e gravidez. Dentre os ent<strong>revista</strong>dos, 76% tomaram a decisão conversando muito um com<br />

o outro, e mais de 72% não consideram que foi precipita<strong>da</strong> a decisão. 80% dos sujeitos do sexo<br />

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feminino responderam que foi a primeira experiência sexual; e 80% de to<strong>da</strong> a amostra responderam<br />

que não foi sua primeira experiência sexual. 56% não têm curiosi<strong>da</strong>de em ter relação sexual<br />

com outras pessoas.<br />

Acima de 68% <strong>da</strong>s famílias aceitaram a decisão de o casal morar junto; mais de<br />

84% <strong>da</strong>s famílias não influenciam no relacionamento, segundo os depoimentos. Atualmente sentem-se<br />

respeitados, amados, protegidos e realizados em seus relacionamentos e o que mais admiram<br />

em seus parceiros são: inteligência, fideli<strong>da</strong>de, companheirismo, etc.<br />

Eis algumas características que não gostam nos parceiros: ciúmes e acomo<strong>da</strong>ção.<br />

52% dos homens ent<strong>revista</strong>dos se consideram parecidos com seus parceiros; já entre as mulheres,<br />

somente 36% pensam assim. Na opinião geral, o que mais segura a relação seria o companheirismo,<br />

o respeito, o caráter e a cumplici<strong>da</strong>de. E quando se perguntou a eles sobre qual seria o papel de<br />

ca<strong>da</strong> um na relação, repetiu-se: proporcionar companheirismo. Acima de 52% classificam a relação<br />

como muito satisfatória.<br />

CONCLUSÕES<br />

90<br />

Com base na investigação científica aqui relata<strong>da</strong>, apesar <strong>da</strong>s diversi<strong>da</strong>des nas<br />

i<strong>da</strong>des, classes sociais, escolari<strong>da</strong>de, épocas em que ocorreram os “casamentos”, fica evidenciado<br />

que o fator que se faz importante na escolha do cônjuge, a princípio, seria o olhar despertando a<br />

paixão. A afetivi<strong>da</strong>de e a compatibili<strong>da</strong>de vêm a seguir e mostram-se como algo relevante na união.<br />

Os casais ent<strong>revista</strong>dos, no geral, confessaram-se satisfeitos com o relacionamento e tranqüilos<br />

em relação à escolha feita.<br />

Foi evidenciado que existem muitos fatores que influenciam na escolha do cônjuge;<br />

fatores estes que ligados ao inconsciente e também à história de vi<strong>da</strong> de ca<strong>da</strong> um, fazem o<br />

indivíduo buscar alguém muito semelhante a si próprio.<br />

E após a paixão, com o passar do tempo se depara ca<strong>da</strong> dia mais com as diferenças.<br />

É importante entender que, no fundo, a pessoa ‘ama<strong>da</strong>’ passa a ser um espelho do que somos,<br />

fazendo com que enxerguemos nela nossos próprios defeitos. Deve-se então continuar respeitando<br />

um ao outro e buscando evoluir juntos, desde que não se perca a admiração recíproca, que se<br />

constituirá em um dos fatores necessários para um recomeço ou uma continui<strong>da</strong>de.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ALVES, R. Amor e religião. In: As Dimensões do Amor. Campinas-SP: Unicamp, 1998.<br />

ANTON, I. L. C. A escolha do cônjuge: Um Entendimento Sistêmico e Psicodinâmico Porto<br />

Alegre: Artmed, 2000.<br />

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BIDDULPH, S. S. Por que escolhi você. São Paulo: Fun<strong>da</strong>mento, 2003.<br />

COLASANTI, M. E por falar em amor. Rio de Janeiro: Rocco, 1985.<br />

COSTA, G. P. A cena conjugal. Porto Alegre: Artmed, 2000.<br />

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Evelin Cristina Guelfi, Cláudia Algoso Frasson e José Antônio Baltazar<br />

DOLTO, F. Sexuali<strong>da</strong>de feminina. 3.ed. (Trad. Roberto Cortes de Lacer<strong>da</strong>). São Paulo: Martins<br />

Fontes, 1996.<br />

FREUD, S.. Obras Completas de Freud. V.11, p.149-196. Questões do amor. Rio de Janeiro:<br />

Imago, 1914.<br />

KLEIN, M. Amor culpa e reparação e outros trabalhos. (1921-1945, com uma nova introdução<br />

escrita por Hanna Segal; trad. de André Cardoso). Rio de Janeiro: Imago, 1996.<br />

LAZARUS, A. A. Mitos conjugais. (Trad. José Carlos Vitor Gomes). Campinas-S.P.: Psy, 1992.<br />

OSBORNE, C. G. A arte de compreender seu cônjuge. 4.ed. (Trad. João Barbosa Batista). Rio<br />

de Janeiro: JUERP, 1994.<br />

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Os Efeitos Psicossociais Causados em Vítimas de Abuso Sexual<br />

OS EFEITOS PSICOSSOCIAIS CAUSADOS EM VÍTIMAS DE ABUSO SEXUAL<br />

Paula Quessa<strong>da</strong> Hirata *<br />

José Antônio Baltazar **<br />

RESUMO:<br />

Os objetivos desta pesquisa foram investigar as conseqüências do ASI (Abuso Sexual Infantil) em<br />

uma vítima e contribuir para a prevenção do ASI. A criança que é vítima de abuso sexual prolongado,<br />

usualmente desenvolve uma per<strong>da</strong> violenta <strong>da</strong> auto-estima, tem a sensação de que ela não vale<br />

na<strong>da</strong> e adquire uma representação anormal <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de. Algumas crianças abusa<strong>da</strong>s sexualmente<br />

podem ter dificul<strong>da</strong>des para estabelecer relações harmônicas com outras pessoas, podem<br />

se transformar em adultos que também irão abusar de outras crianças, podem se inclinar para a<br />

prostituição ou podem ter outros problemas sérios quando adultos.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Abuso Sexual Infantil; Perversão Sexual<br />

ABSTRACT:<br />

The objective of this research was to investigate the consequences of the Children Sexual Abuse<br />

(ASI) in victims and to contribute to its prevention. Children that are victims of prolonged sexual<br />

abuse usually develop an enormous loss of self-esteem; they have the feeling that they are worthless<br />

and acquire an abnormal representation of sexuality. Some sexually abused children may have<br />

difficulties to establish harmonic relationships with other people; they may become adults that will<br />

also abuse other children; they may go into prostitution or they may have other serious problems<br />

when they become adults.<br />

92<br />

KEYWORDS: Sexual Abuse during childhood; Sexual Perversion.<br />

INTRODUÇÃO<br />

Em tese, define-se Abuso Sexual como qualquer conduta sexual com uma criança<br />

leva<strong>da</strong> a cabo por um adulto ou por outra criança mais velha. Isto pode significar, além <strong>da</strong> penetração<br />

vaginal ou anal na criança, também tocar seus genitais ou fazer com que a criança toque os<br />

genitais do adulto ou de outra criança mais velha, ou o contato oral-genital ou, ain<strong>da</strong>, roçar os<br />

genitais do adulto contra o corpo <strong>da</strong> criança. O Abuso Sexual Infantil acarreta grandes <strong>da</strong>nos ao<br />

desenvolvimento <strong>da</strong> criança, e por isso a prevenção deve ser inicia<strong>da</strong> o mais cedo possível; quando<br />

a criança começar a ter compreensão de sexuali<strong>da</strong>de, começar a compreender seu corpo, os pais<br />

já devem orientá-la para que ela não permita que toquem em seu corpo sem sua permissão, e não<br />

deixar que toquem em suas partes íntimas.<br />

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* Acadêmica do Curso de Psicologia <strong>da</strong> <strong>UniFil</strong>.<br />

** Docente no Curso de Psicologia <strong>da</strong> <strong>UniFil</strong>. Mestre em Psicologia.<br />

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Paula Quessa<strong>da</strong> Hirata e José Antônio Baltazar<br />

Quando os abusos sexuais ocorrem na família, a criança pode ter muito medo <strong>da</strong><br />

ira do parente abusador, medo <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des de vingança ou <strong>da</strong> vergonha perante os outros<br />

membros <strong>da</strong> família ou, pior ain<strong>da</strong>, pode temer que a família se desintegre ao descobrir seu segredo.<br />

A criança que é vítima de abuso sexual prolongado, usualmente desenvolve uma per<strong>da</strong> violenta<br />

<strong>da</strong> auto-estima, tem a sensação de que não vale na<strong>da</strong>, e adquire uma representação anormal <strong>da</strong><br />

sexuali<strong>da</strong>de. A criança pode tornar-se muito retraí<strong>da</strong>, perder a confiança em todos adultos e pode<br />

até chegar a considerar a hipótese do suicídio, principalmente quando existe a possibili<strong>da</strong>de de a<br />

pessoa que abusa ameaçar agir com violência se a criança negar-se aos seus desejos. Algumas<br />

crianças abusa<strong>da</strong>s sexualmente podem ter dificul<strong>da</strong>des para estabelecer relações harmônicas com<br />

outras pessoas, podem se transformar em adultos que também abusam de outras crianças, podem<br />

se inclinar para a prostituição ou podem ter outros problemas sérios quando adultos. Comumente<br />

as crianças abusa<strong>da</strong>s estão aterroriza<strong>da</strong>s, confusas e muito temerosas de contar sobre o incidente.<br />

Com freqüência elas permanecem silenciosas por não desejarem prejudicar o abusador ou provocar<br />

uma desagregação familiar, ou ain<strong>da</strong>, sob o receio de serem considera<strong>da</strong>s culpa<strong>da</strong>s ou castiga<strong>da</strong>s.<br />

Crianças maiores podem sentir-se envergonha<strong>da</strong>s com o incidente, principalmente se o abusador<br />

é alguém <strong>da</strong> família. Mais comumente, aquele que abusa sexualmente de uma criança é pessoa<br />

que a vítima conhece e que, de alguma forma, pode controlá-la. Este indivíduo, em geral, é alguma<br />

figura de quem a criança gosta e em quem confia. Por isso, quase sempre acaba convencendo a<br />

criança a participar desse tipo de ato por meio de persuasão, recompensas ou ameaças. Se o<br />

abusador é um familiar, a situação é bastante difícil para a criança e para os demais membros <strong>da</strong><br />

família. Embora possam existir fortes conflitos e sentimentos sobre o abusador, a proteção <strong>da</strong><br />

criança deve continuar sendo a priori<strong>da</strong>de.<br />

93<br />

METODOLOGIA<br />

A metodologia que norteou o presente estudo foi o de pesquisa de campo através<br />

de aplicações de questionários. A amostra foi composta por 10 profissionais de psicologia com<br />

formação na área de psicanálise e comportamental. A pesquisa foi realiza<strong>da</strong> na ci<strong>da</strong>de de Londrina,<br />

durante o ano de 2003.<br />

CONCLUSÕES<br />

Foi possível observar nesta pesquisa que o A.S. I (Abuso Sexual Infantil) tem<br />

aumentado muito e por causa disso, os profissionais deixaram algumas orientações para que o<br />

abuso seja evitado: manter uma boa orientação sexual, estabelecer um diálogo constante com a<br />

criança e orienta-la sobre o que é, realmente, o abuso.<br />

É importante ressaltar que o maior trabalho para a prevenção de abuso sexual é<br />

feito em casa. É dever <strong>da</strong> família orientar seus filhos.<br />

Todos os profissionais afirmaram que a faixa de i<strong>da</strong>de em que mais ocorre o A.S.<br />

I vai dos 2 anos aos 15 anos e um dos fatores que levam a criança a não revelar o ocorrido são:<br />

ameaças do adulto, medo de não ter credibili<strong>da</strong>de, sentimento de culpa e vergonha.<br />

Foi considerado A.S. I. qualquer manifestação de carícia erótica em relação a<br />

uma criança, colocando-a como objeto de prazer; por isso as mães devem tomar cui<strong>da</strong>do para não<br />

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94<br />

deixar as crianças sozinhas com pessoas estranhas ou suspeitas, devem estar sempre atentas ao<br />

tipo de carícias que a criança está recebendo.<br />

O agente do A.S. I. está em nossa socie<strong>da</strong>de e normalmente passa por despercebido,<br />

pois ele age como qualquer outra pessoa, e um dos prazeres dele é o de enganar, desafiar as<br />

pessoas que estão à sua volta. Normalmente eles se passam por pessoas boas, cui<strong>da</strong>dosas e<br />

extremamente atenciosas.<br />

As personali<strong>da</strong>des dos abusadores são de pedofilia, perversão e psicótica e, na<br />

maioria <strong>da</strong>s vezes, eles estão dentro de casa, são os próprios pais, padrastos, emprega<strong>da</strong>s, irmãos<br />

mais velhos, a mãe -apesar do índice ser menor-, tios e tias, e também vizinhos.<br />

É por este motivo que a atenção com as crianças deve ser redobra<strong>da</strong>, pois não se<br />

tem segurança nem mesmo dentro de casa, pois os maiores casos de abuso sexual ocorrem dentro<br />

<strong>da</strong> família.<br />

Os profissionais de psicologia trabalham com as vítimas para providenciar que o<br />

cliente enten<strong>da</strong> o que está acontecendo, e para minimizar a culpa que normalmente a criança<br />

sente. Aju<strong>da</strong>m a li<strong>da</strong>r com o trauma, dão apoio e suporte à família para que ela se reestruture, e<br />

também fazem um trabalho de prevenção com a vítima, ensinando-a se proteger ou a denunciar.<br />

Se houver suspeita de A.S. I. algumas atitudes devem ser toma<strong>da</strong>s como: levar a<br />

criança ao ginecologista, procurar aju<strong>da</strong> psicológica e denunciar às autori<strong>da</strong>des o agente do delito.<br />

O abuso, violência e a exploração sexual de menino(as) e adolescentes são enquadrados<br />

penalmente como corrupção de menores (art. 218) e atentado violento ao pudor (art. 214),<br />

caracterizado por violência física ou grave ameaça.<br />

O abuso sexual de meninas(os) e adolescentes compreende a corrupção de menores,<br />

atentado violento ao pudor e o estupro (art. 213). É considerado abuso desde atos de<br />

exibicionismo, voyeurismo e as carícias inadequa<strong>da</strong>s, até os atos sexuais propriamente, e a conjunção<br />

carnal.<br />

Denuncie os casos de violência contra a criança e o adolescente ao Conselho Tutelar, pelo<br />

telefone 1407.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ALLENDER, <strong>da</strong>n B. Lágrimas Secretas. São Paulo: Mundo Cristão, 1999.<br />

ANDRADE, F. P. Labirinto do incesto: o relato de uma sobrevivente. São Paulo: Escrituras e<br />

Lacri, 1998.<br />

EINSENSTEIN, E. Situações de risco à saúde: de crianças e adolescentes.<br />

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KORNIFIELD, Débora. Vítima, sobrevivente, vencedor: perspectivas sobre abuso sexual. São<br />

Paulo: Sepal, 2000.<br />

OAKLAND, Violet. Descobrindo crianças: a abor<strong>da</strong>gem gestáltica com crianças e adolescentes.<br />

São Paulo: Summus, 1980.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


Maria José de Melo Prado<br />

O TRABALHO DO ENFERMEIRO NO PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA –<br />

PSF: AUTONOMIA E RECONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE PROFISSIONAL<br />

Maria José de Melo Prado *<br />

RESUMO:<br />

A enfermagem se constituiu historicamente, desde os primórdios <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, estando relaciona<strong>da</strong><br />

ao cui<strong>da</strong>do aos doentes. Porém, foi no século XIX, com Florence Nightingale, que adquiriu<br />

características de profissão com bases científicas de conhecimento. Florence incorporou à profissão<br />

os conceitos de abnegação, dedicação, perfeição moral, assexuali<strong>da</strong>de e uma rígi<strong>da</strong> disciplina<br />

inspira<strong>da</strong> nos moldes militares. Esse processo foi paralelo ao surgimento dos hospitais como espaços<br />

de cura e estudos <strong>da</strong>s doenças, o que levou à subordinação <strong>da</strong> enfermagem à medicina, como<br />

uma continui<strong>da</strong>de desta, obstruindo o fato de terem tido origens históricas distintas. No Brasil, a<br />

Reforma Sanitária que se iniciou na déca<strong>da</strong> de setenta, abriu espaço para a atuação do enfermeiro<br />

na saúde coletiva, onde, amparado pelo Ministério <strong>da</strong> Saúde, esse profissional tem espaços para<br />

desenvolver autonomia, desvinculando-se do trabalho centrado no médico. Partindo deste histórico,<br />

<strong>da</strong> legislação pertinente e do debate teórico em torno do conceito de autonomia, este trabalho<br />

pretende averiguar se esta ocorre na prática. Este cotejamento foi feito a partir de um estudo de<br />

caso com as quatro enfermeiras do Programa de Saúde <strong>da</strong> Família de uma Uni<strong>da</strong>de de Saúde <strong>da</strong><br />

Família em Londrina, Paraná, que participaram <strong>da</strong> pesquisa preenchendo um instrumento onde<br />

descreveram suas ativi<strong>da</strong>des cotidianas em um dia de trabalho, durante quinze dias. Além disso,<br />

houve também observação direta <strong>da</strong> autora dessa pesquisa, que realizou internato, pelo período de<br />

três meses, na cita<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de. Ao final, comparamos os <strong>da</strong>dos encontrados com as atribuições de<br />

um enfermeiro de PSF, defini<strong>da</strong>s pelo Ministério <strong>da</strong> Saúde. Concluímos que as profissionais<br />

pesquisa<strong>da</strong>s têm ocupado o espaço que lhes é legalmente garantido. Comparamos esses achados<br />

com a bibliografia existente sobre o assunto, pra observar se seguem uma tendência ou são casos<br />

isolados. Embora os trabalhos sobre essa temática não sejam freqüentes, os <strong>da</strong>dos encontrados<br />

sugerem que há um movimento em curso, por parte dos enfermeiros do programa de Saúde <strong>da</strong><br />

Família, em garantir seus espaços de autonomia e assim reconstruir sua identi<strong>da</strong>de profissional.<br />

95<br />

PALAVRAS-CHAVE: Enfermeiro; Programa de Saúde <strong>da</strong> Família; Autonomia; Identi<strong>da</strong>de<br />

Profissional.<br />

ABSTRACT:<br />

Historically, nursing has been establishing itself as a profession since the beginning of humanity,<br />

related as it is to the care of the sick. However, it was only in the nineteenth century, with Florence<br />

Nightingale, that it achieved its professional characteristics based on scientific knowledge. Florence<br />

incorporated into the profession the concepts of abnegation, dedication, moral perfection, asexuality<br />

and a strict discipline derived from military patterns. This process was parallel to the emergence of<br />

hospitals as places for healing and the studying of illnesses, which led to the subordination of<br />

nursing to medicine, as a continuation of the latter, obstructing the fact that each had a distinct<br />

historical origin. In Brazil, the Sanitary Reform, which began in the Seventies, opened way for the<br />

actuation of the nurse in the collective health in which area, supported by the Ministry of Health,<br />

this professional had room to develop his autonomy, detaching himself from physician-centered<br />

activity. Starting from the pertinent legislation and the theoretical debate on the concept of autonomy,<br />

this work intends to determine whether or not this autonomy really exists. This collation was done<br />

concerning four female nurses on the Family Health Program in Londrina, State of Paraná, who<br />

took part in the survey by filling out an instrument in which they described their <strong>da</strong>ily activities over<br />

* Maria José de Melo Prado, gradua<strong>da</strong> em História e Enfermagem pela Universi<strong>da</strong>de Estadual de Londrina. Especialista em<br />

Ensino de História pela Universi<strong>da</strong>de Estadual de Londrina, Especialista em Saúde Coletiva pelo Centro Universitário Filadélfia<br />

e aluna do curso de Especialização em Administração Hospitalar pela Universi<strong>da</strong>de Estadual de Londrina. Endereço<br />

eletrônico: gataria9@hotmail.com.<br />

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O Trabalho do Enfermeiro no Programa de Saúde <strong>da</strong> Família<br />

a period of fifteen <strong>da</strong>ys. There was also direct visualization by the author of this survey, who<br />

underwent internship at the already mentioned health unit. At the end, we compared the <strong>da</strong>ta<br />

collected with the attributions of a Family Health Program nurse as defined by the Ministry of<br />

Health. We concluded that the professionals who were the object of the survey fulfilled the<br />

attributions which are granted them by law. We compared those findings with the existing bibliography<br />

on this subject in order to determine whether those nurses’ fulfillment of their attributions follow a<br />

trend or are isolated cases. Although works on this topic are rather few, the <strong>da</strong>ta we found suggest<br />

that there is a movement under way, on the part of the Family Health Program nurses, to secure<br />

their areas of autonomy and thus contribute to their professional identity.<br />

KEY WORDS: Nurse; Family Health Program; Autonomy; Professional Identity.<br />

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Esse texto é parte de uma monografia de Especialização em Saúde Coletiva, na qual<br />

se discutiu uma perceptível mu<strong>da</strong>nça paradigmática <strong>da</strong> imagem do profissional <strong>da</strong> enfermagem a<br />

partir <strong>da</strong> sua atuação no Programa de Saúde <strong>da</strong> Família - PSF, local que, por ser espaço de ação<br />

relativamente novo e instituir a obrigatorie<strong>da</strong>de do trabalho interdisciplinar, permitiu a revisão dos<br />

lugares ocupados socialmente pelas diferentes categorias dos profissionais de saúde, assim como<br />

uma nova demarcação hierárquica, que alterou a configuração de poder previamente existente. Referimos-nos<br />

à relação entre os profissionais de enfermagem e os de medicina, os primeiros buscando<br />

maiores espaços de atuação profissional e os segundo lutando para manter a configuração atual.<br />

Para compreendermos mais profun<strong>da</strong>mente esse conflito, é necessário que remontemos<br />

à formação histórica <strong>da</strong> profissão de enfermagem e sua inter-relação com a socie<strong>da</strong>de<br />

ocidental. O cui<strong>da</strong>do ao corpo doente existe desde os primeiros agrupamentos humanos, nas socie<strong>da</strong>des<br />

primitivas pré-cristãs, quando as mulheres, chama<strong>da</strong>s de feiticeiras ou curandeiras, e parteiras,<br />

possuíam saber empírico adquirido pela tradição e dominavam o conhecimento relativo às<br />

ervas medicinais e à arte de curar. Sendo socie<strong>da</strong>des matriarcais, veneravam a enti<strong>da</strong>de feminina<br />

que simbolizava a natureza, o que levava à valorização <strong>da</strong> mulher e do que o feminino representava<br />

(MOREIRA, 1999).<br />

O advento do cristianismo mudou a concepção de mundo, impondo-se como religião<br />

oficial ocidental e passando a dominar to<strong>da</strong>s as esferas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, fossem espirituais, sociais ou<br />

priva<strong>da</strong>s, conceitos que se confundiam e não possuíam os limites que apreendemos hoje, especialmente<br />

durante a I<strong>da</strong>de Média, quando e religião permeou to<strong>da</strong>s as esferas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> de maneira<br />

impositiva e marcante. O cui<strong>da</strong>do com o corpo doente era visto então como uma forma de cari<strong>da</strong>de<br />

e de se aproximar <strong>da</strong> salvação divina, sendo exercido principalmente pelas mulheres, que precisariam<br />

se penitenciar em dobro, pois fora por meio delas que o pecado original entrou no mundo. O<br />

objetivo não era a cura do corpo doente, mas sim <strong>da</strong> sua alma imortal.<br />

Com o avanço ain<strong>da</strong> tímido do chamado conhecimento científico, o espaço hospitalar,<br />

para o qual as pessoas se dirigiam ou eram leva<strong>da</strong>s para esperar a morte ou para impedir que<br />

propagassem doenças à coletivi<strong>da</strong>de, transformou-se em espaço de cura. Nesse contexto, o modelo<br />

religioso do cui<strong>da</strong>do ultrapassou os domínios <strong>da</strong> igreja, e por não possuir mais o caráter caritativo,<br />

de penitência, era indigno <strong>da</strong>s mulheres nobres. Esse trabalho coube, assim, aos indivíduos que de<br />

alguma forma eram excluídos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, como prostitutas e mulheres de reputação duvidosa<br />

(MOREIRA, 1999)<br />

TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


Maria José de Melo Prado<br />

A enfermagem profissional institucionalizou-se no século XIX, com Florence<br />

Nightingale, respondendo a um projeto burguês expansionista que se instalava neste momento, que<br />

por sua vez trazia a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> recuperação e manutenção <strong>da</strong> força de trabalho e de controlar<br />

as doenças em escala social (GOMES, 1997). Mas para reverter a imagem <strong>da</strong> cui<strong>da</strong>dora, e possibilitar<br />

que as famílias nobres permitissem às filhas tal ocupação, era necessário resgatar a<br />

credibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> imagem dos hospitais e os ideais de pureza feminina, associando a arte de cui<strong>da</strong>r à<br />

devoção, à natureza assexua<strong>da</strong>, à idonei<strong>da</strong>de moral e ao desprendimento.<br />

Essa postura reforçava os valores cristãos, à medi<strong>da</strong> que legitimava a disciplina e<br />

a obrigatorie<strong>da</strong>de de valores morais benquistos pelo cristianismo. Florence ain<strong>da</strong> introduziu como<br />

preceitos necessários à enfermagem uma rígi<strong>da</strong> hierarquia entre seus membros, influência sua alta<br />

posição social dentro <strong>da</strong> aristocracia <strong>da</strong> época e de valores militares, pois formulou muitas de suas<br />

teorias enquanto atuava em campos de guerra (RODRIGUES, 2001, p. 76-78).<br />

Assim, a instituição <strong>da</strong> enfermagem moderna deu-se pela necessi<strong>da</strong>de de afirmarse<br />

como prática moralmente idônea, com valores supostamente femininos de submissão, cari<strong>da</strong>de,<br />

abnegação e paciência. A potenciali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> mulher em curar - que remontava às civilizações<br />

primitivas, na figura <strong>da</strong>s curandeiras que na I<strong>da</strong>de Média foram queima<strong>da</strong>s como bruxas, por<br />

possuírem um saber empírico e objetivo, deveria ser vigia<strong>da</strong> e limita<strong>da</strong>, ve<strong>da</strong>ndo-lhe o conhecimento<br />

científico, sob o risco de adquirirem independência (MOREIRA, 1999).<br />

A institucionalização e estruturação do ambiente hospitalar como sinônimo de cura<br />

trouxe em sua gênese o predomínio médico, à medi<strong>da</strong> que os corpos agora eram medicalizados<br />

como objetos de estudo e intervenção. Esse processo submeteu o cui<strong>da</strong>do à cura e o trabalho <strong>da</strong><br />

enfermeira ao do médico, concepção que se reflete hoje na forma como a enfermagem é entendi<strong>da</strong>,<br />

ou seja, como uma profissão feminina que depende <strong>da</strong> medicina – masculina por excelência,<br />

para existir (MOREIRA, 1999).<br />

No Brasil, com a institucionalização do Sistema Único de Saúde – SUS, e a<br />

implementação <strong>da</strong> inicialmente chama<strong>da</strong> Estratégia de Saúde <strong>da</strong> Família – ESF, que posteriormente<br />

tornou-se Programa de Saúde <strong>da</strong> Família, novos espaços de atuação foram abertos aos enfermeiros.<br />

A conquista destas áreas enfrentou a resistência dos profissionais médicos, principalmente<br />

<strong>da</strong>queles que não possuíam formação na área de saúde pública, que tenderam a “ver o trabalho do<br />

enfermeiro como uma intromissão em áreas que não são de sua competência”. Porém, os protocolos<br />

propostos para a implantação do PSF proporcionam aos enfermeiros melhor definição de suas<br />

competências e maior controle de suas ativi<strong>da</strong>des, pois no ambiente de trabalho hospitalar tradicional<br />

vivencia-se uma relativa indefinição de seu papel profissional (ARAÚJO, 2005).<br />

Essa breve introdução teve o objetivo de contextualizar o trabalho do enfermeiro<br />

dentro <strong>da</strong> saúde coletiva no Brasil, para verificarmos, a partir de um estudo de caso, se o enfermeiro<br />

tem conseguido desenvolver suas práticas com independência e auto-governo, que constituem o<br />

conceito de autonomia.<br />

Os <strong>da</strong>dos utilizados nessa pesquisa foram recolhidos no período de 15 de junho a<br />

02 de setembro de 2005, em uma Uni<strong>da</strong>de de Saúde <strong>da</strong> Família, USF, <strong>da</strong> região central <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de<br />

de Londrina, Paraná. Os participantes foram as quatro enfermeiras que atuam nessa uni<strong>da</strong>de, com<br />

uma ocupando o cargo de administradora e as outras sendo responsáveis pelas Equipes de Saúde<br />

<strong>da</strong> Família - ESF. Os <strong>da</strong>dos foram coletados a partir <strong>da</strong> utilização de um instrumento, visando a<br />

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descrição diária e detalha<strong>da</strong> <strong>da</strong>s ações desenvolvi<strong>da</strong>s por estas profissionais. Foi emprega<strong>da</strong> também<br />

a técnica de observação participante, realiza<strong>da</strong> pelo contato direto do observador com o<br />

fenômeno a ser observado, com a finali<strong>da</strong>de de obter informações sobre a reali<strong>da</strong>de e o contexto<br />

do objeto a ser investigado. A importância desta técnica está na possibili<strong>da</strong>de de captar vários<br />

detalhes, situações ou fenômenos diretamente ligados à reali<strong>da</strong>de (NETO apud PIETRUKOWICZ,<br />

2001).<br />

O trabalho foi desenvolvido fun<strong>da</strong>mentado na abor<strong>da</strong>gem qualitativa, que segundo<br />

MINAYO apud CÂMARA (1999), não se preocupa em quantificar, mas sim em compreender e<br />

explicar a dinâmica <strong>da</strong>s relações sociais. Volta-se para a vivência, a experiência, o cotidiano, e para<br />

a compreensão <strong>da</strong>s estruturas e instituições como resultados <strong>da</strong> ação humana objetiva<strong>da</strong>.<br />

A partir <strong>da</strong> obtenção e <strong>da</strong> análise dos <strong>da</strong>dos, estes foram classificados em ações<br />

de gerência, educativas ou assistenciais, de acordo com o tipo de ativi<strong>da</strong>de que contemplam. Tomando<br />

como base o conceito de autonomia e as especificações do Ministério <strong>da</strong> Saúde, pela Lei<br />

7498, de 25 de junho de 1986, e <strong>da</strong> Legislação de Enfermagem, pela Resolução COFEn número<br />

195, de 1997, sobre quais ações são pertinentes ao enfermeiro, analisaremos as informações obti<strong>da</strong>s,<br />

propondo-nos a entender como essa relação ocorre na prática, dentro do Programa de Saúde<br />

<strong>da</strong> Família, PSF, <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> USF (LEAL, MONTEIRO & BARBOSA, 2004).<br />

O PSF tem por base a equipe multiprofissional, com uma estrutura que possibilita<br />

que seus membros visualizem melhor a definição de suas competências, o que permite maior autocontrole<br />

sobre suas ativi<strong>da</strong>des. A proposta do trabalho em equipe é uma estratégia para enfrentar<br />

o intenso processo de especialização na área <strong>da</strong> saúde, que aprofun<strong>da</strong> verticalmente o conhecimento<br />

e a intervenção em aspectos individualizados <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des de saúde, sem contemplar<br />

simultaneamente a articulação <strong>da</strong>s ações e dos saberes (PEDUZZI, 2001).<br />

Segundo MERHY apud ARAÚJO (2005), é necessário reconstruir a autonomia<br />

do trabalhador em saúde, para além do médico e, ao mesmo tempo, percebê-lo como um trabalhador<br />

coletivo que contribua para a construção de espaços institucionais formado por um conjunto de<br />

atores. Nossa hipótese é que a horizontali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s ações que o trabalho em equipe possibilita, tem<br />

permitido ao enfermeiro exercer seu trabalho desvinculado do trabalho médico, concretizando a<br />

proposta do Sistema Único de Saúde, SUS, de ampliar o conceito de saúde como ausência de<br />

doença. Assim, abrange também as ações de prevenção e promoção <strong>da</strong> saúde e descentraliza a<br />

figura do médico A ampliação do objeto de intervenção para além do âmbito individual e clínico,<br />

requer alterações na forma de atuação e na organização do trabalho. Ca<strong>da</strong> profissional tem uma<br />

função a desempenhar, em um processo de trabalho que se mol<strong>da</strong> pela contribuição específica <strong>da</strong>s<br />

diversas áreas profissionais ou de conhecimento (Brasil, 2001, p.74).<br />

Nossa observação <strong>da</strong> prática, durante a realização dessa pesquisa, tornou possível<br />

perceber que o enfermeiro tem avançado no controle <strong>da</strong>s suas ativi<strong>da</strong>des. Essa conclusão<br />

também está presente na bibliografia li<strong>da</strong> sobre o assunto, porém é importante ressaltar que essa<br />

autonomia não existe naturalmente, mas tem que ser conquista<strong>da</strong>, inclusive por causa <strong>da</strong> tendência<br />

histórica do médico em tentar impor ativi<strong>da</strong>des a serem cumpri<strong>da</strong>s por ele no processo de<br />

trabalho (ARAÚJO, 2005).<br />

Para PEDUZZI (2001), no trabalho em equipe, observam-se três concepções distintas<br />

quanto à autonomia:<br />

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Maria José de Melo Prado<br />

Na primeira, o profissional trabalha com a noção de autonomia plena, buscando<br />

alcançar o mais amplo espectro de independência na execução de<br />

suas intervenções; na segun<strong>da</strong>, ignora o âmbito de autonomia no qual realiza<br />

seu trabalho; e, na terceira, apreende o caráter interdependente <strong>da</strong> autonomia<br />

técnica do conjunto dos agentes. A autonomia profissional pode ser<br />

interdependente em relação ao julgamento e à toma<strong>da</strong> de decisão de outro<br />

agente, <strong>da</strong><strong>da</strong> a complementari<strong>da</strong>de dos trabalhos especializados.<br />

É na terceira categoria que se enquadra o trabalho do enfermeiro, pois seu objetivo<br />

é conquistar espaços que lhe são legalmente garantidos, e não assumir a responsabili<strong>da</strong>de dos<br />

outros profissionais. As ações de um enfermeiro do PSF visam tanto garantir o funcionamento<br />

cotidiano <strong>da</strong> USF, quanto atender às necessi<strong>da</strong>des dos usuários e proporcionar capacitação <strong>da</strong><br />

equipe. Na maior parte dos casos, é ele quem atua como coordenador <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong>des, direcionando<br />

as ações.<br />

A partir <strong>da</strong> classificação obti<strong>da</strong> em nossa pesquisa sobre as ativi<strong>da</strong>des do enfermeiro,<br />

como gerenciais, educacionais e assistenciais, analisaremos de que forma ocorrem e que<br />

instrumental fornecem, para permitir ao profissional tornar-se responsável pela realização <strong>da</strong>s suas<br />

ativi<strong>da</strong>des.<br />

1. AS AÇÕES GERENCIAIS<br />

Entre as ações descritas, listamos aqui aquelas considera<strong>da</strong>s de gerência. Por<br />

ações gerenciais, entendemos as ativi<strong>da</strong>des que dão suporte para a realização e a continui<strong>da</strong>de do<br />

trabalho de todos os profissionais envolvidos e permitem o funcionamento <strong>da</strong> USF. O processo de<br />

trabalho de gerência em UBS envolve, de um lado, a execução de práticas gerenciais que abrangem<br />

o território de formulação e decisão política e, de outro, práticas que intentam fabricar as<br />

condições materiais do trabalho em saúde (FRACOLLI & EGRY, 2001). É fun<strong>da</strong>mental o reconhecimento<br />

do espaço político no exercício profissional do enfermeiro, desenvolvendo sua prática<br />

social com coerência e visão crítica <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, diante de diferentes contextos (PROCHNOW,<br />

2001).<br />

O enfermeiro traz consigo um sistema de representações de mundo que caracteriza<br />

sua especifici<strong>da</strong>de cultural, sendo resultado do seu meio cultural e <strong>da</strong> sua formação profissional,<br />

assim como <strong>da</strong> influência do modo de pensar dos demais profissionais <strong>da</strong> saúde com os quais<br />

compartilha determinado espaço. Serão essas características que definirão, mais do que protocolos<br />

ou resoluções, sua atuação como gerente. As ações gerenciais podem ser realiza<strong>da</strong>s no âmbito <strong>da</strong><br />

própria USF ou fora dela, mas mantém sua função de viabilizar o processo de trabalho. A partir <strong>da</strong><br />

nossa coleta de <strong>da</strong>dos, obtivemos as informações elenca<strong>da</strong>s a seguir:<br />

1. negociação vagas de urgência para consultas com médicos especialistas:<br />

o acesso a esses profissionais ocorre por meio de encaminhamento do<br />

médico clínico geral <strong>da</strong>s USF, por meio do qual se faz agen<strong>da</strong>mento dessas<br />

consultas. Nas situações em que o usuário tem urgência pela avaliação do<br />

especialista, por conta de algum agravo em saúde, é possível negociar o<br />

atendimento, com os órgãos prestadores do serviço;<br />

2. capacitação para implantação de novos protocolos de rotinas de atendimento<br />

que posteriormente são transmitidos à equipe;<br />

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3. recebimento e envio do malote: essa prática permite às USF comunicarem-se<br />

formalmente e trocarem documentos, como prontuários de pacientes<br />

que mu<strong>da</strong>ram para outras regiões <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Permite ain<strong>da</strong> o envio de documentos<br />

relativos aos funcionários, como pedidos de férias ou holerites de<br />

pagamentos, materiais informativos e outros;<br />

4. distribuição de ativi<strong>da</strong>des, diárias ou semanais: embora haja uma rotina<br />

de trabalho estabeleci<strong>da</strong>, a dinâmica do processo de trabalho em saúde exige<br />

constantes readequações. Assim, essa ativi<strong>da</strong>de faz parte <strong>da</strong> rotina <strong>da</strong> enfermeira<br />

coordenadora;<br />

5. fechamento de relatórios pertinentes às ações desenvolvi<strong>da</strong>s na USF,<br />

pois por meio desses <strong>da</strong>dos é possível fazer análises epidemiológicas, que<br />

permitirão estabelecer planos de ação no cui<strong>da</strong>do com o usuário;<br />

6. reunião de coordenação: essas reuniões ocorrem por solicitação <strong>da</strong> Secretaria<br />

de Saúde do município, em ambiente externo à Uni<strong>da</strong>de de Saúde, e<br />

visa discutir implantação de protocolos, questões burocráticas, planejamento<br />

de campanhas, como de vacinação infantil e de idosos, dentre outros;....<br />

7. reunião com a equipe de trabalho <strong>da</strong> USF: reunião mensal, em que se<br />

discutem aspectos e acontecimentos relacionados ao processo de trabalho;<br />

8. resolução de conflitos internos: muitas vezes, o enfermeiro precisa intervir<br />

nos conflitos que surgem quando se trabalha em equipe, com diferentes<br />

profissionais e diferentes personali<strong>da</strong>des. Essa intervenção pode ser feita<br />

no grupo ou individualmente, quando necessário, mantendo a privaci<strong>da</strong>de<br />

do funcionário e não o expondo às situações constrangedoras;<br />

9. fechamento mensal de relatórios sobre as ativi<strong>da</strong>des desenvolvi<strong>da</strong>s pelas<br />

ESF, nos quais estão descritos o número de visitas domiciliares, atendimentos<br />

médicos e de enfermagem e outros. Essas informações alimentarão a<br />

base de <strong>da</strong>dos do Sistema de Informações <strong>da</strong> Atenção Básica -SIAB, um dos<br />

instrumentos para conhecer a situação <strong>da</strong> saúde do município e planejar<br />

ações;<br />

10. registro de <strong>da</strong>dos, tais como anotação nos prontuários dos pacientes<br />

visitados nos domicílios, anotação de resultados de exames em locais próprios,<br />

como meio de registro e controle do trabalho <strong>da</strong> USF e outros.<br />

Essas ativi<strong>da</strong>des respondem às atribuições propostas pelo Ministério <strong>da</strong> Saúde<br />

como sendo do enfermeiro (Brasil, 2001), sendo elas: planejar, gerenciar, coordenar, executar e<br />

avaliar o funcionamento <strong>da</strong> USF. Entendemos que podem ser desenvolvi<strong>da</strong>s com total autonomia,<br />

possibilitando a este profissional organizar seu tempo e planejar o funcionamento <strong>da</strong> Uni<strong>da</strong>de de<br />

acordo com sua concepção de trabalho.<br />

2. AS AÇÕES EDUCATIVAS<br />

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As ações de educação em saúde dentro do PSF são comumente considera<strong>da</strong>s<br />

como atribuições <strong>da</strong> enfermagem e defini<strong>da</strong>s como aquelas que fornecem subsídios para que a<br />

equipe que atua na prestação dos cui<strong>da</strong>dos aos usuários ofereça uma assistência de melhor quali<strong>da</strong>de.<br />

A educação permanente assume papel fun<strong>da</strong>mental diante <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> de capacitação decorrente<br />

do despreparo ou <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de atualização dos profissionais <strong>da</strong> saúde. É importante<br />

diferenciar educação permanente de educação continua<strong>da</strong>, pois a primeira pressupõe o<br />

multiprofissionalismo, a prática institucionaliza<strong>da</strong>, enfoca os problemas de saúde de ca<strong>da</strong> contexto,<br />

busca a transformação <strong>da</strong>s práticas técnicas e sociais, é contínua, centra-se na resolução dos<br />

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Maria José de Melo Prado<br />

problemas e objetiva mu<strong>da</strong>nças, sendo utiliza<strong>da</strong> no cotidiano <strong>da</strong>s USF. Já a segun<strong>da</strong> é uniprofissional,<br />

sugere a prática autônoma, enfoca especiali<strong>da</strong>des, objetiva a atualização técnico-científica, é esporádica,<br />

resulta <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia <strong>da</strong> transmissão, e busca a apropriação do conhecimento (CECCIM, 2005).<br />

As ações em educação voltam-se também para os usuários, para proporcionar<br />

condições de que exerçam o auto-cui<strong>da</strong>do e tenham participação e conhecimento sobre o processo<br />

de saúde-doença a que está exposto:<br />

1.capacitação ou participação em cursos de atualização que poderão proporcionar<br />

maior quali<strong>da</strong>de na assistência ao usuário:<br />

2. acompanhamento dos alunos de projetos em parceria com instituições de<br />

ensino, que atende alunos dos cursos de enfermagem e medicina e objetiva<br />

a inserção destes na reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> saúde coletiva, por meio de visitas semanais<br />

e atuação junto ao usuário, objetivando integrar a Universi<strong>da</strong>de à comuni<strong>da</strong>de;<br />

3. seleção semanal dos pacientes a serem atendidos pela visita domiciliar <strong>da</strong><br />

equipe de enfermagem e do médico e preparo <strong>da</strong> mesma. Essa decisão é<br />

toma<strong>da</strong> em conjunto com os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e aceita<br />

sugestões dos auxiliares de enfermagem, pois estes estão destinados a determina<strong>da</strong><br />

equipe e conhecem o público, já que normalmente são eles quem<br />

realizam os cui<strong>da</strong>dos;<br />

4.capacitação dos ACS: discussões e palestras, capacitação para identificar<br />

pacientes em situação de urgência, que necessitem de atendimento imediato<br />

ou programado, esclarecimentos sobre patologias, sobre preenchimento de<br />

formulários, dentre outros;<br />

5. educação em saúde para grupo de idosos, que tem a função de discutir as<br />

doenças crônico-degenerativas <strong>da</strong>s quais grande parte dos pacientes são portadores,<br />

principalmente Hipertensão Arterial - HA e Diabetes Mellitus - DM.<br />

101<br />

Entre as atribuições de um enfermeiro de PSF, constam, no Guia Básico do Programa<br />

de Saúde <strong>da</strong> Família, supervisionar e coordenar ações para capacitação dos Agentes Comunitários<br />

de Saúde, ACS, e auxiliares de enfermagem para melhorar o desempenho de suas funções,<br />

estabelecer priori<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s ações conforme as Normas Operacionais <strong>da</strong> Assistência à Saúde -<br />

NOAS, aliar atuação clínica à Saúde Coletiva e organizar e coordenar grupos de patologias específicas,<br />

como HA, DM e Saúde Mental. Percebemos então que as ações dos enfermeiros, levantados<br />

em nosso estudo de caso, contemplam também esses aspectos.<br />

3. AS AÇÕES ASSISTENCIAIS<br />

Ações assistenciais são defini<strong>da</strong>s como aquelas realiza<strong>da</strong>s junto aos usuários e<br />

volta<strong>da</strong>s para seu bem estar. Embora também possam ser programa<strong>da</strong>s levando-se em conta o<br />

funcionamento <strong>da</strong> UBS, ocorrem de diferentes maneiras, de acordo com a necessi<strong>da</strong>de do usuário<br />

e com características pessoais e formativas do profissional que o atende. As ações assistenciais<br />

são as que recebem as maiores críticas por parte <strong>da</strong> classe médica, que entendem que não são de<br />

atribuição do enfermeiro, embora estejam garanti<strong>da</strong>s pela Legislação de Enfermagem e por protocolos<br />

estabelecidos nos manuais do Ministério <strong>da</strong> Saúde.<br />

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Nestes, inclusive, a maior parte <strong>da</strong>s atribuições do enfermeiro são de ordem<br />

assistencial, como podemos observar: realizar cui<strong>da</strong>dos diretos de Enfermagem em urgências e<br />

emergências clínicas, fazendo indicações para a continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> assistência presta<strong>da</strong>; realizar<br />

consulta de Enfermagem, solicitar exames complementares, prescrever/transcrever medicações,<br />

conforme protocolos do Ministério <strong>da</strong> Saúde e disposições legais <strong>da</strong> profissão; executar ações de<br />

assistência integral em to<strong>da</strong>s as fases do ciclo de vi<strong>da</strong>: criança, adolescente, mulher, adulto e idoso;<br />

no nível <strong>da</strong>s competências, executar assistência básica e ações de vigilância epidemiológica e<br />

sanitária; realizar ações de saúde em diferentes ambientes, na USF e no domicílio, se necessário<br />

(Brasil, 2001).<br />

Desse modo, serão a postura e o conhecimento <strong>da</strong>s bases legislativas de sua profissão<br />

que determinarão as ações do enfermeiro. Ou seja, as bases legais existem, cabendo ao<br />

profissional transformá-las em prática, tendo consciência de que enfrentará resistências e conflitos,<br />

principalmente por membros <strong>da</strong> classe médica. A postura dessa classe no sentido de garantir<br />

seus espaços de poder é histórica, embora cui<strong>da</strong>dosamente manipula<strong>da</strong> para parecer natural à<br />

profissão, pois normalmente não transparece o discurso <strong>da</strong> construção social deste poder. Desde o<br />

final do século XIX, a profissão médica passou, no Brasil, por uma crise de redefinição <strong>da</strong> base<br />

cognitiva <strong>da</strong> medicina e <strong>da</strong> reestruturação do mercado de serviços <strong>da</strong> assistência médica.<br />

Em 1922, no “Congresso Nacional dos Práticos”, o debate levantando era sobre a<br />

concorrência <strong>da</strong>s “coletivi<strong>da</strong>des”, ou seja, <strong>da</strong>s organizações mutualistas e filantrópicas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />

civil que se multiplicaram no início do século XX. A entra<strong>da</strong> dos médicos no serviço público<br />

causava o temor que a categoria fosse desmereci<strong>da</strong> em termos salariais e perdesse clientela, pois<br />

os serviços seriam agora oferecidos gratuitamente (PEREIRA NETO, 1995).<br />

A partir de 1970 iniciou-se um processo de reformulação nas práticas em saúde,<br />

que trouxe como mu<strong>da</strong>nças a transferência <strong>da</strong> assistência para o âmbito do Ministério <strong>da</strong> Saúde e<br />

a criação do SUS e reformulações na política de recursos humanos setoriais. O estabelecimento do<br />

trabalho em equipe retirou a intangibili<strong>da</strong>de do médico, pois ele depende <strong>da</strong> ação de outros profissionais<br />

para desenvolver seu trabalho. Essa conformação é responsável pela impressão que está<br />

perdendo terreno, o que motivo movimentos como o Ato Médico, proposta que visa a tornar exclusivo<br />

do médico ações diagnósticas e terapêuticas (GUIMARÃES & REGO, 2005, 4). Essa regulamentação<br />

é necessária perante a “‘proliferação’ de profissões de saúde, quase to<strong>da</strong>s atuando<br />

em ativi<strong>da</strong>des que, no passado, eram exclusivamente médicas” (www.portalcofen.gov.br).<br />

Segundo conteúdo do projeto 025/02: ‘São atos privativos de médicos a formulação do diagnóstico<br />

médico e a prescrição terapêutica <strong>da</strong>s doenças, respeitando o livre exercício <strong>da</strong>s profissões de<br />

saúde nos termos de suas legislações específicas”.<br />

Essa proposta, entretanto, vai de encontro a Legislação de Enfermagem, pelas<br />

Resoluções 271/2002 e 195/1997, que permitem ao profissional o diagnóstico e tratamento <strong>da</strong>s<br />

chama<strong>da</strong>s “patologias delega<strong>da</strong>s” e é embasa<strong>da</strong> pelo Ministério <strong>da</strong> Saúde, por proporcionar maior<br />

resolutivi<strong>da</strong>de do serviço e maior satisfação dos usuários.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


Maria José de Melo Prado<br />

os seguintes:<br />

Os <strong>da</strong>dos coletados em nossa pesquisa, que se referem às ações assistenciais, são<br />

1. visita domiciliar (médica e de enfermagem): o enfermeiro realiza visitas<br />

individuais e acompanha a visita médica, o que possibilita a troca de informações<br />

entre os profissionais <strong>da</strong>s diferentes áreas. Nessas visitas, são verificados<br />

sinais vitais, realiza<strong>da</strong>s orientações sobre hábitos de saúde ao paciente<br />

e ao cui<strong>da</strong>dor, discuti<strong>da</strong>s permanências ou trocas de medicação, realizados<br />

curativos, e outros;<br />

2. puericultura: é um dos programas estabelecidos pelo Ministério <strong>da</strong> Saúde,<br />

cujo objetivo principal é promover a saúde <strong>da</strong> criança, pelo acompanhamento<br />

e orientação às mães ou cui<strong>da</strong>dores sobre as condutas mais adequa<strong>da</strong>s<br />

para o desenvolvimento infantil e identificar doenças e/ou sinais de alarme<br />

para tratamento e/ou encaminhamento adequado <strong>da</strong>s crianças para atenção<br />

apropria<strong>da</strong>;<br />

3. Terapia Comunitária: é uma prática terapêutica soli<strong>da</strong>mente ancora<strong>da</strong> na<br />

teoria sistêmica, na teoria <strong>da</strong> comunicação e na antropologia cultural, sendo<br />

destina<strong>da</strong> à prevenção na área <strong>da</strong> saúde. Atende grupos heterogêneos, de<br />

organização informal, num contato face-a-face e que demonstram um interesse<br />

comum que é o alívio de seus sofrimentos e a busca de bem estar;<br />

4. vacinação: as vacinas são o principal mecanismo de controle <strong>da</strong>s doenças<br />

imunopreveníveis, e aplica<strong>da</strong>s tanto pelas enfermeiras quanto pelas auxiliares<br />

de enfermagem, de acordo com a deman<strong>da</strong>;<br />

5. atendimento à deman<strong>da</strong> espontânea: essa ativi<strong>da</strong>de é realiza<strong>da</strong> dentro <strong>da</strong><br />

USF, consistindo em ações de acolhimento, avaliação, orientação, encaminhamento<br />

para outros serviços, quando necessário;<br />

6. atendimento à deman<strong>da</strong> programa<strong>da</strong>:<br />

a ativi<strong>da</strong>de de coleta de sangue para análise laboratorial fica a cargo de<br />

um enfermeiro, que a realiza duas vezes por semana;<br />

aconselhamento: a realização de testagem sanguínea para HIV está condiciona<strong>da</strong><br />

à realização de uma consulta com o paciente, na qual este será<br />

informado sobre as características <strong>da</strong> doença, tratamento e riscos. O enfermeiro<br />

que o realiza deve participar previamente de uma capacitação;<br />

coleta de preventivo para Citologia Oncótica: a realização desse exame é<br />

função do enfermeiro, que também esclarece dúvi<strong>da</strong>s e orienta as mulheres<br />

sobre métodos contraceptivos e de prevenção de Doenças Sexualmente<br />

Transmissíveis, além do auto exame mensal de mamas, para detectar alterações<br />

e prevenir câncer de mama;<br />

solicitação do exame ß HCG, para detecção de gravidez;<br />

pré-natal: o programa de pré-natal, preconizado pelo Ministério <strong>da</strong> Saúde,<br />

tem o objetivo de assegurar que to<strong>da</strong>s as gestações terminem com o<br />

nascimento de um recém-nascido saudável, sem prejuízos à saúde materna;<br />

essas consultas são alterna<strong>da</strong>s com consultas médicas e permitem à equipe<br />

acompanhar a evolução <strong>da</strong> gestação de ca<strong>da</strong> paciente, além de esclarecer<br />

dúvi<strong>da</strong>s e orientar sobre parto, puerpério, amamentação, cui<strong>da</strong>dos com o<br />

recém-nascido, etc.<br />

7. Busca ativa de pacientes faltosos aos programas, seja por meio de telefonemas<br />

<strong>da</strong>s próprias enfermeiras ou por meio dos ACS;<br />

8. consulta de enfermagem: é aquela na qual o profissional utiliza suas<br />

competências clínicas e de relacionamento humano para responder à necessi<strong>da</strong>de<br />

do outro, que busca nesse momento esclarecimento ou algum tipo de<br />

apoio. Nesse momento, pode solicitar exames e prescrever medicações<br />

protocola<strong>da</strong>s;<br />

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Concluímos, pela comparação entre as ações preconiza<strong>da</strong>s nos protocolos e as<br />

ações realiza<strong>da</strong>s pelas enfermeiras <strong>da</strong> UBS estu<strong>da</strong><strong>da</strong>, que estas têm utilizado as bases legais que<br />

lhes garante autonomia no trabalho. Embora os estudos sobre o tema não sejam tão abun<strong>da</strong>ntes, a<br />

maioria revela ganho de autonomia em relação ao trabalho médico para exercer as ativi<strong>da</strong>des que<br />

são de sua competência. Em sua dissertação de Mestrado, a enfermeira Maria de Fátima Araújo<br />

(2005) concluiu que:<br />

(...) na percepção dos enfermeiros, a proposta do PSF de incentivar uma<br />

maior integração dos profissionais lhes tem permitido um maior controle<br />

sobre o seu objeto de trabalho e uma melhor definição de seu papel, aspectos<br />

que refletem naturalmente na questão <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de profissional.<br />

104<br />

Outro aspecto desse ganho de autonomia se refere à conquista de maior prestígio<br />

social e político, tanto entre a equipe quanto entre os usuários, por meio <strong>da</strong> participação igualitária<br />

nas decisões toma<strong>da</strong>s pela equipe. Em relação à comuni<strong>da</strong>de, esta percebe o enfermeiro em condições<br />

de igual<strong>da</strong>de, em uma relação de parceria, com o médico (ARAÚJO, 2005). Esse reconhecimento<br />

é importante porque o enfermeiro também passa por um processo formativo longo e<br />

árduo, que não é identificado quando não se distingue esse profissional dos outros membros <strong>da</strong><br />

equipe de enfermagem, que possuem formação técnica.<br />

Essa transformação na prática <strong>da</strong> enfermagem permite a formulação de sua identi<strong>da</strong>de<br />

profissional, pela qual o indivíduo cria a imagem de si mesmo. ELLIOT apud ARAÚJO<br />

(2005) diz que “a adoção de uma identi<strong>da</strong>de profissional supõe um impacto sobre o pensamento e<br />

o comportamento através de aperfeiçoamento de ideologias profissionais claras e distintas”.<br />

Segundo ARAÚJO (2005):<br />

A adoção <strong>da</strong> co-responsabili<strong>da</strong>de no programa tem representado uma maior<br />

valorização do enfermeiro, minimizando as dificul<strong>da</strong>des normalmente presentes<br />

nos relacionamentos entre os profissionais, principalmente pela já<br />

conheci<strong>da</strong> resistência do médico para aceitar o enfermeiro com um profissional<br />

de nível superior em igual<strong>da</strong>de de condições para tomar decisões na<br />

equipe.<br />

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Considerando o contexto histórico e ideológico do nascimento e desenvolvimento<br />

<strong>da</strong> enfermagem moderna, avaliamos que as mu<strong>da</strong>nças em sua identi<strong>da</strong>de profissional, principalmente<br />

aquelas que supostamente colocam em risco a hegemonia <strong>da</strong> classe médica, não serão<br />

fáceis. As preocupações e discussões levanta<strong>da</strong>s sobre o tema refletem um processo dinâmico<br />

e político na construção <strong>da</strong>s bases do seu conhecimento profissional, que está atrelado á transformações<br />

de ordem global, à medi<strong>da</strong> que se redefinem os papéis profissionais de diversas<br />

categorias, seja pela institucionalização de novas profissões ou pelo processo de mu<strong>da</strong>nça dentro<br />

<strong>da</strong>s já existentes.<br />

O movimento de reconstrução <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de profissional <strong>da</strong> enfermagem está relacionado<br />

ao aumento <strong>da</strong> complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s políticas de saúde, que buscam melhorar a quali<strong>da</strong>de<br />

de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> população, sendo necessário que os enfermeiros pensem suas práticas diárias de trabalho<br />

como políticas, que ultrapassem os limites <strong>da</strong> assistência e busquem transformar-se em ações<br />

de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


Maria José de Melo Prado<br />

Do mesmo modo, as ações de recuperação, prevenção e promoção devem ter<br />

como meta não somente a saúde do corpo biológico, mas também do corpo social, à medi<strong>da</strong> que<br />

transformem em reali<strong>da</strong>de os direitos garantidos por lei à to<strong>da</strong> a população, pelo princípio de igual<strong>da</strong>de.<br />

É tempo de o enfermeiro assumir-se como responsável pela sua própria história e pela<br />

história <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de em que vive, superando seu histórico de personagem acrítico a passivo,<br />

atuando como agente ativo e transformador <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de por meio <strong>da</strong> sua prática.<br />

4. REFERÊNCIAS<br />

ARAÚJO, M. F. S. O Enfermeiro no PSF: prática profissional e construção de identi<strong>da</strong>des. Revista<br />

Conceitos, 2005. Disponível em . Acessado em 02/5/06.<br />

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Brasil, Ministério <strong>da</strong> Saúde. Projeto de profissionalização dos trabalhadores <strong>da</strong> área de Enfermagem.<br />

V. 2, n. 5, 2002. Brasília: Ministério <strong>da</strong> Saúde, 2002.<br />

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enfermeiro do PSF sobre os limites de sua legislação. Revista <strong>da</strong> UFG – Volume 6, n° Especial,<br />

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O Trabalho do Enfermeiro no Programa de Saúde <strong>da</strong> Família<br />

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www.londrina.pr.gov.br/saude/planomunicipal<br />

www.saudepublica.cict.fiocruz.br<br />

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Laurival A. Vilas-Bôas, Veridiana T. P. Braz, Gislayne Fernandes. L. T. Vilas-Bôas e<br />

Olívia M. N. Arantes<br />

ISOLAMENTO DE MUTANTES ASPOROGÊNICOS DE Bacillus thuringiensis<br />

subsp. thuringiensis<br />

Laurival Antonio Vilas-Bôas *<br />

Veridiana Torrezan. P. Braz **<br />

Gislayne Fernandes. L. T. Vilas-Bôas ***<br />

Olívia Marcia. N. Arantes ****<br />

RESUMO:<br />

Foram isolados 13 mutantes asporogênicos cristalíferos de Bacillus thuringiensis subsp.<br />

thuringiensis 407 após tratamento com o agente mutagênico etil-metano-sulfonado e quatro mutantes<br />

pela irradiação com luz Ultra-Violeta. Todos os mutantes obtidos foram considerados como ver<strong>da</strong>deiros<br />

asporogênicos, pois suas células não resistiram ao tratamento de calor. Os cristais de todos<br />

os mutantes foram analisados por microscopia óptica e apresentaram forma típica <strong>da</strong>queles formados<br />

pela linhagem selvagem. Dois dos 17 mutantes foram considerados relativamente estáveis e,<br />

portanto, o uso destes mutantes asporogênicos para a produção de um bioinsetici<strong>da</strong> sem esporos é<br />

sugerido.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Esporulação, mutagênese, cristalíferos, asporogênico.<br />

ABSTRACT:<br />

Thirteen asporogenic crystalliferous mutant strains of the Bacillus thuringiensis subsp. thuringiensis<br />

strain 407 were isolated after treatment with the mutagen ethyl-methane-sulfonate agent and four<br />

mutants were isolate after treatment with UV light irradiation. All the mutants thus obtained were<br />

considered true asporogenic mutants, for their cells did not resist the heat treatment. The crystals<br />

of all the mutants were analyzed by optical microscopy and presented the typical shape of those<br />

crystals formed from the wild strain. Two of the seventeen mutants were considered relatively<br />

stable and so the use of these asporogenic mutants for the production of a bio-insecticide is<br />

recommended.<br />

107<br />

KEY WORDS: Sporulation, mutagenesis, crystalliferous, asporogenic.<br />

INTRODUÇÃO<br />

O controle de insetos utilizando-se de insetici<strong>da</strong>s químicos sintéticos tem levado a<br />

inúmeros problemas incluindo desenvolvimento de resistência a estes produtos, aumento de pragas<br />

secundárias normalmente controla<strong>da</strong>s por inimigos naturais, riscos de contaminação de seres humanos,<br />

animais domésticos e águas subterrâneas, diminuição <strong>da</strong> biodiversi<strong>da</strong>de nas áreas trata<strong>da</strong>s,<br />

além de outros custos ambientais (CAPALBO et al, 2005). Estes são alguns dos problemas que<br />

tem estimulado o aumento de interesse em programas de controle integrado de insetos. A agricultura<br />

sustentável do século XXI é basea<strong>da</strong> em intervenções alternativas para o controle e manejo<br />

de insetos que sejam ambientalmente seguras e que reduzam o contato humano com os pestici<strong>da</strong>s<br />

químicos sintéticos.<br />

*Doutor em genética e melhoramento, Professor do Departamento de Biologia Geral – Instituto de Biologia – Universi<strong>da</strong>de<br />

Federal <strong>da</strong> Bahia<br />

**Bióloga pela Universi<strong>da</strong>de Estadual de Londrina.<br />

***Doutora em Microbiologia,<br />

**** Doutora em genética, docentes do Departamento de Biologia Geral (CCB), Universi<strong>da</strong>de Estadual de Londrina (UEL).<br />

Autor Correspondente: O.M.N. ARANTES, Departamento de Biologia Geral (CCB), Universi<strong>da</strong>de Estadual de Londrina<br />

(UEL), Campus Universitário, Caixa Postal 6001, CEP: 86051-990, Londrina, PR. Fone: (43) 3371-4417. Fax: (43) 3371-<br />

4191. E-mail: orantes@uel.br<br />

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Isolamento de Mutantes Asporogênicos de Bacillus Thuringiensis Subsp. Thuringiensis<br />

108<br />

Microrganismos entomopatogênicos utilizados para o controle biológico incluem<br />

bactérias, vírus, fungos e protozoários (CAPALBO et al, 2005). A comparação dos produtos à<br />

base destes organismos com os insetici<strong>da</strong>s químicos convencionais é usualmente feita somente sob<br />

a perspectiva de suas eficácias e custos. No entanto, quando benefícios ambientais são incluídos<br />

suas vantagens são numerosas, como por exemplo, a segurança para seres humanos e outros<br />

organismos não alvo, a redução de resíduos nos alimentos, o aumento <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de de outros inimigos<br />

naturais e o aumento <strong>da</strong> biodiversi<strong>da</strong>de nos ecossistemas tratados.<br />

Insetici<strong>da</strong>s comerciais baseados em Bacillus thuringiensis representam atualmente<br />

cerca de 1,5% do mercado mundial de controle de insetos (van FRANKENHYZEN, 1993,<br />

CRICKMORE, 2006) e aproxima<strong>da</strong>mente 90% dos produtos de controle biológico. A ativi<strong>da</strong>de<br />

entomopatogênica desta bactéria é devi<strong>da</strong> a formação de inclusões protéicas na forma de cristais<br />

paraesporais que podem ser facilmente visualiza<strong>da</strong>s dentro <strong>da</strong> célula em esporulação ao microscópio<br />

óptico de contraste de fase. Estes cristais são formados por polipeptídios denominados d<br />

endotoxinas, comumente conhecidos como proteínas Cry (CRICKMORE et al, 1998), as quais são<br />

forma<strong>da</strong>s e cristaliza<strong>da</strong>s em concomitância com o processo de esporulação.<br />

O espectro de ativi<strong>da</strong>de destas proteínas inclui larvas de insetos <strong>da</strong>s Ordens<br />

Lepidoptera, Coleoptera, Diptera, Hymenoptera, Homoptera, Orthoptera e Mallophaga bem como<br />

outros grupos tais como nematóides, protozoários e ácaros (SCHNEPF et al,1998, CAPALBO et<br />

al, 2005).<br />

Os primeiros produtos comerciais à base de B. thuringiensis começaram a ser<br />

usados a partir de 1938 e têm se demonstrado ambientalmente seguros (ARANTES et al, 2002),<br />

sendo compostos em sua maioria por uma mistura de esporos e cristais. A obtenção de formulações<br />

livres de esporos, ou seja, a partir de linhagens que tenham perdido a capaci<strong>da</strong>de de formar<br />

esporos, mas que mantenham a capaci<strong>da</strong>de de produção do cristal entomopatogênico é mais uma<br />

opção na busca de produtos que provoquem distúrbios ambientais tão menores quanto possível<br />

(VILAS-BOAS et al, 2000; CRICKMORE, 2006).<br />

Desta forma, este trabalho descreve o isolamento e a caracterização de mutantes<br />

asporogênicos (Spo - Cry + ) de Bacillus thuringiensis subsp. thuringiensis 407, que apresenta<br />

toxici<strong>da</strong>de frente a duas pragas agrícolas de relevante importância mundial, as lagartas Spodoptera<br />

littoralis e Plutella xylostella.<br />

MATERIAL E MÉTODOS<br />

Linhagem e condições de cultura<br />

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B. thuringiensis subsp. thuringiensis 407 foi cultiva<strong>da</strong> em meio Bacto-peptona<br />

(BP) (LECADET et al, 1980) líquido a 30°C com agitação até <strong>completa</strong> esporulação, monitora<strong>da</strong><br />

em microscópio óptico comum. Os esporos e cristais foram então lavados e ressupendidos em<br />

água destila<strong>da</strong> esteriliza<strong>da</strong>.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


Laurival A. Vilas-Bôas, Veridiana T. P. Braz, Gislayne Fernandes. L. T. Vilas-Bôas e<br />

Olívia M. N. Arantes<br />

Procedimentos de mutagênese<br />

Irradiação com Luz Ultra-violeta: Um tratamento indutor de mutagênese foi<br />

realizado através <strong>da</strong> irradiação de uma suspensão de esporos com raios Ultra Violeta (UV), os<br />

quais foram gerados por uma lâmpa<strong>da</strong> germici<strong>da</strong> de 4 Watts (254 nm). Para tanto, uma suspensão<br />

de 7 mL de esporos (3 ´ 10 8 mL -1 ) foi adiciona<strong>da</strong> a uma placa de Petri de 9 cm de diâmetro, a qual<br />

foi manti<strong>da</strong> a 20 cm de distância <strong>da</strong> lâmpa<strong>da</strong> durante 20 minutos em constante agitação. Após a<br />

irradiação, a suspensão de esporos foi semea<strong>da</strong> em placas de Petri contendo meio BP, as quais<br />

foram incuba<strong>da</strong>s a 30°C por 5 dias.<br />

Tratamento com Etil-Metano-Sulfonado (EMS): Para indução de mutação foi<br />

empregado o método descrito em Vilas-Boas et al (2005). Para tanto, foi utiliza<strong>da</strong> uma suspensão<br />

de 4,5 mL de esporos (3 ´ 10 8 mL -1 ) em água destila<strong>da</strong> esteriliza<strong>da</strong>. Esta suspensão foi incuba<strong>da</strong> a<br />

37°C por 40 minutos na presença de 0,5 mL de EMS, resultando em uma concentração final de<br />

10% v/v. Após incubação, os esporos foram lavados 3 vezes em água destila<strong>da</strong> esteriliza<strong>da</strong> e<br />

ressuspendidos em um volume final de 5 mL de água. A suspensão obti<strong>da</strong> foi utiliza<strong>da</strong> para inóculo<br />

em placas de Petri contendo meio BP as quais foram incuba<strong>da</strong>s a 30°C por 5 dias.<br />

Seleção de mutantes asporogênicos<br />

Decorrido o tempo suficiente para a esporulação, a presença de esporos bem<br />

como de cristais nas colônias obti<strong>da</strong>s nas placas, após os tratamentos mutagênicos, foi monitora<strong>da</strong><br />

através de análises ao microscópio óptico de contraste de fase.<br />

109<br />

Tratamento de calor<br />

Após microscopia óptica, ca<strong>da</strong> colônia que não apresentou a formação de esporos<br />

foi inocula<strong>da</strong> em 10 mL de meio BP líquido e incuba<strong>da</strong> a 30°C por 72 horas com agitação. A cultura<br />

obti<strong>da</strong> foi então aqueci<strong>da</strong> a 80°C por 10 minutos. Após resfriamento, ca<strong>da</strong> cultura foi diluí<strong>da</strong> em<br />

série e semea<strong>da</strong> em placas contendo meio BP, as quais foram incuba<strong>da</strong>s a 30°C por uma noite. A<br />

taxa de sobrevivência de ca<strong>da</strong> mutante foi calcula<strong>da</strong> a partir de quatro experimentos independentes<br />

como a razão do número de UFC (Uni<strong>da</strong>des Formadoras de Colônias) após tratamento de calor<br />

pelo número de UFC antes do tratamento de calor.<br />

RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />

A dose para a indução de mutação usa<strong>da</strong>, tanto para a irradiação com luz Ultra-<br />

Violeta quanto para o tratamento com EMS foi a que permitiu aproxima<strong>da</strong>mente 95% de sobrevivência<br />

dos esporos de B. thuringiensis. As colônias obti<strong>da</strong>s após ambos os tratamentos foram<br />

analisa<strong>da</strong>s quanto aos aspectos morfológicos e ao microscópio óptico de contraste de fase para a<br />

verificação <strong>da</strong> formação de esporos e cristais. Entre to<strong>da</strong>s as colônias obti<strong>da</strong>s, foi detecta<strong>da</strong> a<br />

presença de algumas com morfologia altera<strong>da</strong>, tendo sido observa<strong>da</strong>s colônias com tamanho redu-<br />

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Isolamento de Mutantes Asporogênicos de Bacillus Thuringiensis Subsp. Thuringiensis<br />

zido ou com alterações de coloração, com aparência translúci<strong>da</strong> ou com setores menos pigmentados,<br />

além de colônias translúci<strong>da</strong>s com setores de coloração semelhante à linhagem selvagem, como<br />

mostra a Figura 1.<br />

Diversos autores apontam a existência de uma associação freqüente entre mutantes<br />

asporogênicos e colônias com alterações morfológicas, principalmente quanto à consistência, apresentando-se<br />

translúci<strong>da</strong>s (KIM et al, 1994; YOUSTEN, 1978). Desta forma, nas análises ao microscópio<br />

óptico de contraste de fase, inicialmente foram analisa<strong>da</strong>s colônias com alteração<br />

morfológica total ou com setores diferenciados partindo-se num segundo momento para a análise<br />

também <strong>da</strong>quelas com morfologia semelhante à linhagem selvagem. Para ca<strong>da</strong> um dos experimentos<br />

de indução de mutação seja por irradiação com luz Ultra-Violeta, seja por exposição ao EMS,<br />

foram analisa<strong>da</strong>s 3500 colônias. Do tratamento com luz Ultra-Violeta, foram obtidos quatro mutantes<br />

asporogênicos cristalíferos (Spo - Cry + ) e do tratamento com EMS outros treze mutantes com o<br />

mesmo fenótipo, (Spo - Cry + ).<br />

Todos estes mutantes foram re-isolados em placas contendo meio BP e tiveram<br />

suas colônias analisa<strong>da</strong>s quanto à morfologia, apresentando aspecto semelhante às colônias forma<strong>da</strong>s<br />

pela linhagem selvagem. Este mesmo resultado também foi encontrado por Wakisaka et<br />

al (1982), que citam o isolamento de mutantes asporogênicos cristalíferos (Spo - Cry + ), formadores<br />

de colônias sem alterações morfológicas, com aspecto semelhante à linhagem selvagem<br />

(Spo + Cry + ) e correlacionam a formação de colônias translúci<strong>da</strong>s com mutantes asporogênicos<br />

acristalíferos (Spo - Cry - ).<br />

110<br />

Figura 1 – Morfologia de colônias de Bacillus thuringiensis subsp. thuringiensis 407 após tratamento<br />

com EMS, evidenciando colônias com aspecto semelhante à linhagem selvagem e colônias<br />

com alterações morfológicas (setas).<br />

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O isolamento de mutantes de esporulação oligoasporogênicos, ou seja, que apresentam<br />

a formação de uma baixa porcentagem de esporos, é uma característica bastante comum<br />

em relatos na literatura (JOHNSON et al, 1980). Por esta razão, ca<strong>da</strong> um dos mutantes selecionados<br />

foi submetido a um tratamento de calor a 80°C para cálculo <strong>da</strong> freqüência de esporulação. Na<br />

análise de todos os 17 mutantes isolados, nenhum esporo foi verificado, sendo os mesmos considerados<br />

como asporogênicos ver<strong>da</strong>deiros.<br />

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Laurival A. Vilas-Bôas, Veridiana T. P. Braz, Gislayne Fernandes. L. T. Vilas-Bôas e<br />

Olívia M. N. Arantes<br />

Num passo seguinte, ca<strong>da</strong> um dos mutantes obtidos foi estocado a – 20°C em<br />

glicerol 25%, <strong>da</strong> mesma forma que são armazena<strong>da</strong>s bactérias não produtoras de esporos. Depois<br />

de estocados, ca<strong>da</strong> um dos mutantes obtidos foi analisado quanto a estabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> manutenção <strong>da</strong><br />

condição asporogênica através de passagens sucessivas em meio LB sólido. Os quatro mutantes<br />

asporogênicos induzidos por irradiação por luz UV reverteram à condição selvagem de produção<br />

de esporos após algumas repicagens, enquanto que no caso <strong>da</strong> mutagênese por EMS a reversão se<br />

deu para 11 dos 13 mutantes isolados, restando apenas dois mutantes que mantiveram estável a<br />

característica asporogênica após os repiques sucessivos.<br />

A utilização de EMS (BHATTACHARYA, 2000; WAKISAKA et al, 1982;<br />

LECADET et al, 1974) e luz Ultra-Violeta (KIM e LEE, 1984; MILLET e RYTER, 1972) como<br />

agentes mutagênicos no isolamento de mutantes asporogênicos de B. thuringiensis, Bacillus subtilis<br />

e Bacillus sphaericus tem sido bastante descrita. Comparações dos resultados obtidos pelos diversos<br />

autores e neste trabalho demonstram a maior eficiência do EMS como agente mutagênico,<br />

tanto no que diz respeito ao isolamento de mutantes asporogênicos para estas bactérias, quanto à<br />

estabili<strong>da</strong>de dos mutantes isolados pelo tratamento com EMS, que com maior freqüência, permanecem<br />

estáveis mesmo após múltiplas repicagens.<br />

O isolamento de mutantes asporogênicos formadores de mais de um cristal protéico<br />

por célula é freqüentemente relatado (KIM et al, 1994; LECADET et al, 1980). Por esta razão,<br />

ca<strong>da</strong> um dos 17 mutantes isolados foi examinado ao microscópio óptico de contraste de fase,<br />

visando-se verificar a formação de cristais protéicos. Em todos os mutantes, foi detecta<strong>da</strong> a formação<br />

de um único cristal protéico por célula vegetativa, com aparência refringente e forma semelhante<br />

aos cristais formados por colônias selvagens.<br />

Como demonstrado por Sanchis et al, (1999), Vilas-Boas et al, 2000 e Crickmore<br />

(2006), bioinsetici<strong>da</strong>s à base de linhagens asporogênicas de B. thuringiensis apresentam vantagens,<br />

como por exemplo, ser livre de esporos, sendo ambientalmente mais seguros e manter<br />

encapsulados os cristais nas células vegetativas <strong>da</strong> linhagem mutante, os quais ficam protegidos <strong>da</strong><br />

luz solar e, com isso, mantêm por mais tempo a ativi<strong>da</strong>de tóxica no campo. Por ter sido detecta<strong>da</strong><br />

a manutenção <strong>da</strong> formação do cristal protéico, o qual confere à bactéria a ativi<strong>da</strong>de<br />

entomopatogênica, os dois mutantes isolados que não reverteram a característica asporogênica,<br />

deverão, num segundo momento, ser analisados quanto à manutenção <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de tóxica frente a<br />

larvas S. littoralis e P. xylostella, submetidos a ensaios de fermentação e formulação para verificação<br />

<strong>da</strong> viabili<strong>da</strong>de de utilização de algum destes mutantes para produção de um bioinsetici<strong>da</strong>.<br />

111<br />

REFERÊNCIAS<br />

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NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM ARQUITETURA E<br />

URBANISMO – NEPAU


Arquitetura, Espaços de Convivência e Educação Especial<br />

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Ag<strong>da</strong> Patrícia Felizardo, Antonio Manuel Nunes Castelnou<br />

ARQUITETURA, ESPAÇOS DE CONVIVÊNCIA E EDUCAÇÃO ESPECIAL<br />

Ag<strong>da</strong> Patrícia Felizardo *<br />

Antonio Manuel Nunes Castelnou **<br />

RESUMO:<br />

Este artigo enfoca, de modo geral, a questão do desenvolvimento de espaços de convivência voltados<br />

para indivíduos portadores de necessi<strong>da</strong>des especiais. Através de uma revisão bibliográfica e<br />

de uma conceituação básica sobre Educação Especial, pretendeu-se levantar alguns pontos relacionados<br />

à concepção e projeto de espaços arquitetônicos que reúnam condições de abrigar as<br />

necessi<strong>da</strong>des pe<strong>da</strong>gógicas para o tratamento desses indivíduos, e, ao mesmo tempo, possibilitem o<br />

pleno desenvolvimento de suas potenciali<strong>da</strong>des e a reincorporação efetiva deles à socie<strong>da</strong>de que,<br />

por muito tempo, os menosprezou.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Arquitetura; Projeto; Espaços de Convivência; Educação Especial.<br />

ABSTRACT:<br />

That article focuses, generally speaking, on the subject of the development of spaces for the<br />

interaction of people with special needs. Through a bibliographic review and the conceptualization<br />

of Special Education, it was intended to raise some topics related to the idealization and project of<br />

architectural spaces that combine all the conditions to shelter the pe<strong>da</strong>gogical necessities for the<br />

treatment of these individuals and, at the same time, make possible the full development of their<br />

potentialities and their real reincorporation into society, which, for a long time, has left them out.<br />

KEYWORDS: Architecture; Architectural Project; Interaction Spaces; Especial Education.<br />

INTRODUÇÃO<br />

Durante muito tempo, a excepcionali<strong>da</strong>de nos seres humanos foi considera<strong>da</strong> sinônimo<br />

de loucura. Incompreendi<strong>da</strong> pela maioria <strong>da</strong>s pessoas, era vista como castigo dos céus,<br />

mora<strong>da</strong> do demônio ou ain<strong>da</strong> um mistério <strong>da</strong> mente humana que não podia ser desven<strong>da</strong>do por nós,<br />

meros mortais. Com os avanços <strong>da</strong> Ciência, começou-se a entendê-la melhor, assim como a buscar<br />

formas de tratamento e, principalmente, educação. Os indivíduos ditos excepcionais passaram<br />

a serem vistos sob outros olhos, inclusive com direitos e obrigações diante <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de que por<br />

muito tempo os discriminou e isolou. Inúmeras foram as ações que buscaram – e buscam até hoje<br />

– a sua integralização política, econômica, social e cultural. Dotados de características próprias,<br />

eles necessitam cui<strong>da</strong>dos especiais e, portanto, espaços arquitetônicos que possibilitem o seu desenvolvimento<br />

completo e ver<strong>da</strong>deiro.<br />

117<br />

* Acadêmica (em 2002) do 5º ano do Curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo do CENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIA DE<br />

LONDRINA – UNIFIL. Elaborou seu Trabalho Final de Graduação ( TFG) na área de Projeto de Edificações, sob o título<br />

“Anteprojeto de um Centro de Convivência Especial em Sertanópolis PR”.<br />

** Orientador do TFG. Arquiteto e engenheiro civil. Mestre em Tecnologia do Ambiente Construído pela ESCOLA DE ENGENHARIA<br />

DE SÃO CARLOS DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – EESC/USP. Doutorando em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UNIVERSIDADE<br />

FEDERAL DO PARANÁ – UFPR. Docente na área de Teoria e História <strong>da</strong> Arquitetura e Urbanismo no CENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIA<br />

DE LONDRINA – UNIFIL.<br />

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Arquitetura, Espaços de Convivência e Educação Especial<br />

De modo geral, com base nos estudos <strong>da</strong> Secretaria de Educação do Estado do<br />

Paraná, pode-se dizer que os princípios que regem a educação especial são basicamente três: a<br />

normalização, que deve ser entendi<strong>da</strong> como o objetivo; a integração, como processo; e, finalmente,<br />

a individualização, como meio de atingi-la. Estas etapas têm origem muito anterior à<br />

própria história <strong>da</strong> Educação Especial, sendo fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>s em princípios difundidos por vários<br />

movimentos, que, desde muito cedo, estruturaram as políticas de atendimento às pessoas portadoras<br />

de necessi<strong>da</strong>des educacionais especiais. Da mesma forma, é importante lembrar que “normalizar”<br />

não significa tornar o excepcional normal, mas que a ele sejam ofereci<strong>da</strong>s condições de vi<strong>da</strong><br />

idênticas às que outras pessoas recebem.<br />

No presente artigo, procura-se apresentar algumas considerações sobre a Educação<br />

Especial, principalmente quanto à sua relação com a arquitetura. A partir de uma conceituação<br />

básica e de um panorama geral sobre a evolução histórica, destaca-se, no caso brasileiro, o papel<br />

<strong>da</strong>s Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE. Na seqüência, abor<strong>da</strong>-se as questões<br />

relaciona<strong>da</strong>s ao desenvolvimento dos espaços arquitetônicos voltados à convivência social e<br />

política, de modo a apontar, finalmente, alguns aspectos de relevância referentes ao tema, em<br />

especial os que abor<strong>da</strong>m concepção e projeto de espaços de convivência destinados a esses indivíduos<br />

com condições e necessi<strong>da</strong>des especiais. Longe de esgotar o assunto, pretende-se aqui<br />

despertar o interesse para o estudo dessa área, o qual é ain<strong>da</strong> incipiente, comparativamente à<br />

importância acadêmica que o tema tem adquirido nas déca<strong>da</strong>s recentes, não somente no Brasil<br />

como em todo o mundo.<br />

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O QUE É?<br />

O termo “educação” provém do latim educatio, que significa a ação de criar,<br />

relacionando-se desde a instrução básica até a própria alimentação de um indivíduo. Segundo a<br />

GRANDE ENCICLOPÉDIA LAROUSSE CULTURAL (1998), trata-se, de modo geral, <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de de desenvolver<br />

as facul<strong>da</strong>des psíquicas, intelectuais e morais de uma pessoa. Para a Sociologia <strong>da</strong> Educação,<br />

surgi<strong>da</strong> com Émile Durkein (1858-1917), os comportamentos familiares e parentais desempenhariam<br />

um papel determinante na socialização <strong>da</strong> criança, embora não sejam os modelos de<br />

referência mais importantes na educação propriamente dita. O objetivo básico <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de estaria<br />

justamente em reproduzir, através <strong>da</strong> educação, os modelos de referência no interior dos quais<br />

se situariam os indivíduos de uma nova geração.<br />

Assim, a escola teria um papel fun<strong>da</strong>mental e positivo, quando atua normalmente<br />

na vivência cotidiana <strong>da</strong> criança. No caso inverso, cumpriria um papel negativo no sentido de<br />

acentuar as dispari<strong>da</strong>des sociais. A Sociologia <strong>da</strong> Educação também procura, desta forma, refletir<br />

sobre os efeitos uniformizadores do sistema escolar, na medi<strong>da</strong> em que, tal como é pratica<strong>da</strong>, viria<br />

privilegiar os valores <strong>da</strong>s classes dominantes: a aquisição de cultura passaria então a estar liga<strong>da</strong> à<br />

hierarquia dos valores que a escola veicula. É aqui que se insere a questão <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> educação<br />

especial ou especializa<strong>da</strong>, que consistiria no conjunto de medi<strong>da</strong>s e de instituições que organiza a<br />

reeducação de crianças excepcionais, inaptas e/ou deficientes; ou ain<strong>da</strong> a reinserção social de<br />

delinqüentes. A partir deste ponto, torna-se fun<strong>da</strong>mental entender o que significa a dita<br />

‘excepcionali<strong>da</strong>de’ de uma criança.<br />

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Ag<strong>da</strong> Patrícia Felizardo, Antonio Manuel Nunes Castelnou<br />

A deficiência mental pode ser considera<strong>da</strong> uma patologia crônica e universal que<br />

atinge o indivíduo durante o seu desenvolvimento neuropsico-motor. Deste modo, conforme COE-<br />

LHO-SANT’ANA (1988), constitui-se em um transtorno do funcionamento e <strong>da</strong> conduta humana,<br />

originado por vários fatores, incluindo-se aqueles biológicos, psicológicos, culturais e educacionais.<br />

Aqui se torna evidente que será muito mais complexo conseguir alcançar uma definição exata para<br />

o termo do que se imagina. Basicamente, a deficiência mental de um indivíduo pode ser resumi<strong>da</strong><br />

como sendo o funcionamento intelectual geral significativamente abaixo <strong>da</strong> média, que existe<br />

concomitantemente com um déficit no comportamento a<strong>da</strong>ptativo e que se manifesta durante o<br />

desenvolvimento.<br />

Logo, a definição do que seria uma criança excepcional também é bastante<br />

abrangente. Várias tentativas já foram feitas no sentido de se tentar chegar a um ponto comum<br />

entre to<strong>da</strong>s as definições, que devem, acima de tudo, ser bem elabora<strong>da</strong>s para que possam ser<br />

realmente compreendi<strong>da</strong>s. Tal termo pode ser usado, por exemplo, quando se refere a uma criança<br />

particularmente inteligente ou que possui talentos pouco comuns. Existem ain<strong>da</strong> os casos em que a<br />

expressão é aplica<strong>da</strong> a crianças atípicas, que se desviam <strong>da</strong> norma. Contudo, atualmente, o termo<br />

vem sendo usado para definir tanto crianças deficientes como crianças talentosas. Assim, pode-se<br />

dizer que excepcionais são aqueles que se diferem <strong>da</strong> criança típica ou normal, por fatores tais<br />

como: características mentais, neuro-motoras ou físicas; capaci<strong>da</strong>des sensoriais e de comunicação;<br />

comportamento social; ou ain<strong>da</strong>, deficiências múltiplas. To<strong>da</strong>s essas diferenças devem ser<br />

nota<strong>da</strong>s a ponto de requerer modificações nas práticas escolares correntes; ou mesmo solicitar<br />

serviços especiais de educação.<br />

De acordo com KIRK-GALLAGHER (1991), as crianças excepcionais são, com<br />

freqüência, agrupa<strong>da</strong>s em categorias para facilitar a comunicação entre os especialistas, sendo<br />

comum encontrar grupos enumerados de 1 a 5. O Grupo 1 seria composto por crianças com<br />

desvios mentais, incluindo indivíduos intelectualmente superiores ou lentos quanto à capaci<strong>da</strong>de de<br />

aprendizado; o Grupo 2 envolveria crianças com deficiências sensoriais, incluindo aquelas com<br />

problemas auditivos e visuais; e o Grupo 3 crianças com desordens de comunicação, como distúrbios<br />

de aprendizagem e deficiência de fala e linguagem. Por sua vez, o Grupo 4 estaria composto<br />

por crianças com desordens de comportamento, incluindo distúrbios emocionais e desajustamento<br />

social; e, por fim, o Grupo 5, onde estariam crianças com deficiências múltiplas graves, envolvendo<br />

várias combinações, tais como paralisia cerebral e retar<strong>da</strong>mento mental, surdez, cegueira,<br />

deficiências físicas e intelectuais graves.<br />

Essa classificação viria facilitar o caminho para o tratamento adequado a ser aplicado<br />

a ca<strong>da</strong> caso. As crianças classifica<strong>da</strong>s no Grupo 1, de desvios mentais, constituir-se-iam em<br />

pessoas com funcionamento intelectual abaixo ou acima <strong>da</strong> média, podendo ser crianças com<br />

deficiência mental educável, significando uma leve deficiência; esta diagnostica<strong>da</strong> na própria<br />

escola quando a capaci<strong>da</strong>de de aprendizagem tivesse sido mais exigi<strong>da</strong>. Para este tipo de limitação,<br />

estu<strong>da</strong>-se a possibili<strong>da</strong>de dessas crianças freqüentarem uma classe normal ou um programa especial<br />

separado desta; ou ain<strong>da</strong>, em um terceiro caso, fazer uma combinação entre as duas alternativas.<br />

O principal objetivo que deve ser alcançado com este tipo de tratamento seria o de se fazer<br />

com que a criança apren<strong>da</strong> as habili<strong>da</strong>des básicas ensina<strong>da</strong>s na escola, tais como leitura, escrita,<br />

aritmética, habili<strong>da</strong>des manuais e outras.<br />

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Da mesma forma, no Grupo 1, ain<strong>da</strong> segundo KIRK-GALLAGHER (1991), também<br />

podem ser encontra<strong>da</strong>s crianças com deficiência mental treinável, quando seu grau de<br />

deficiência passa a ser considerado moderado, apresentando dificul<strong>da</strong>des para aprender, em qualquer<br />

nível <strong>da</strong> escola. A deficiência seria, geralmente, nota<strong>da</strong> devido a desvios físicos ou clínicos,<br />

sendo a forma de tratamento que este tipo de deficiente metal necessita, a integração com as<br />

outras crianças como com no lar e na comuni<strong>da</strong>de, além de práticas de trabalho. Por último, nesse<br />

mesmo grupo, pode-se encontrar os deficientes mentais graves e profundos, que possuem problemas<br />

múltiplos, tais como deficiência mental e paralisia cerebral, ou ain<strong>da</strong>, per<strong>da</strong> auditiva. Neste<br />

nível de deficiência, procura-se mostrar à criança: como se sentar à mesa, como beber, como tirar<br />

a calça, camisa ou casaco, na tentativa de alcançar um nível modesto de sucesso em cui<strong>da</strong>dos<br />

pessoais.<br />

Quanto ao Grupo 2, este seria composto por crianças com deficiências sensoriais,<br />

o que inclui os deficientes auditivos e visuais, em que ca<strong>da</strong> grupo recebe um tipo de tratamento.<br />

Para crianças com problemas visuais, por exemplo, a identificação pode ser feita na própria escola,<br />

quando se percebe que o indivíduo não consegue ler no quadro do seu lugar na sala-de-aula – ou<br />

aperta os olhos para ler –, sendo o professor a principal fonte de identificação deste problema.<br />

Basicamente, a educação de crianças com deficiência visual não diferiria em quase na<strong>da</strong> <strong>da</strong> educação<br />

<strong>da</strong>quelas com visão normal, a não ser pelo fato <strong>da</strong>s primeiras poderem estar matricula<strong>da</strong>s<br />

em uma classe especial, onde, em geral, requereriam um ensino concentrado durante quase todo o<br />

dia, ou boa parte dele. Além disso, um professor especializado ofereceria, juntamente com outros<br />

especialistas, um ensino que enfatizaria tanto as habili<strong>da</strong>des nas disciplinas escolares quanto o<br />

desenvolvimento de habili<strong>da</strong>des especiais, como aprender a usar a linguagem braile, no caso dos<br />

deficientes visuais.<br />

Na situação de crianças com deficiência auditiva, estas apresentariam alguns problemas<br />

mais difíceis de serem resolvidos comparativamente aos deficientes visuais. A per<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

audição interfere tanto na recepção <strong>da</strong> linguagem quanto na sua produção, fazendo com que a<br />

criança sofra muito para se ajustar social e academicamente. Conforme KIRK-GALLAGHER<br />

(1991), enquanto uma pessoa sur<strong>da</strong> seria aquela cuja audição é tão falha que não consegue<br />

entender através do ouvido, com ou sem a utilização de aparelho auditivo, uma pessoa com audição<br />

reduzi<strong>da</strong> seria aquela cuja audição é deficiente que dificulta, mas não impede, a compreensão<br />

<strong>da</strong> fala. Ambos os tipos seriam identificados antes de entrarem na escola, enquanto que as crianças<br />

com deficiência leve ou modera<strong>da</strong> tenderiam a ser negligencia<strong>da</strong>s pois, muitas vezes, esta condição<br />

se assemelha a outros distúrbios, tais como deficiência mental ou problemas comportamentais.<br />

Infelizmente, a aprendizagem dessas crianças conta com professores sem muita experiência, necessitando<br />

de adequações.<br />

No Grupo 3, ain<strong>da</strong> segundo KIRK-GALLAGHER (1991), estariam as crianças<br />

com desordem de comunicação, ou seja, que demonstram certo conhecimento <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des<br />

do sistema lingüístico. Tipicamente, uma criança seria chama<strong>da</strong> deficiente <strong>da</strong> fala quando as suas<br />

habili<strong>da</strong>des de linguagem primária fossem deficientes em relação às expectativas para sua i<strong>da</strong>de<br />

cronológica. Um indivíduo com este tipo de deficiência não exigiria grandes a<strong>da</strong>ptações para fins<br />

educacionais, não sendo necessárias classes especiais, mas apenas uma assistência às prováveis<br />

dificul<strong>da</strong>des de articulação. Portanto, uma criança com deficiência <strong>da</strong> fala, com um padrão de<br />

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Ag<strong>da</strong> Patrícia Felizardo, Antonio Manuel Nunes Castelnou<br />

desenvolvimento de certo modo normal, não diferiria acentua<strong>da</strong>mente <strong>da</strong>s outras crianças. Para<br />

que ela possa ter uma melhora significativa, dependendo do nível de ca<strong>da</strong> problema, é necessário<br />

que exista uma grande varie<strong>da</strong>de de exercícios que a possibilitem recuperar a fala.<br />

Em relação ao Grupo 4, este abrigaria as crianças com desordem de comportamento<br />

por apresentá-lo inadequado para sua i<strong>da</strong>de, em um período ou outro. As próprias escolas<br />

podem identificar tais crianças, embora os testes sejam eficazes somente se o pessoal estiver<br />

devi<strong>da</strong>mente treinado. Uma <strong>da</strong>s técnicas utiliza<strong>da</strong>s seria a do autocontrole do indivíduo: isto significa<br />

que o professor deve trabalhar com ele no sentido de tentar melhorar uma série de habili<strong>da</strong>des<br />

de autoconscientização, a fim de que possa aumentar o seu próprio controle sobre sua hiperativi<strong>da</strong>de<br />

e falta de atenção. As modificações feitas no ambiente de aprendizagem para tratar de crianças<br />

com esses problemas seriam, geralmente, planeja<strong>da</strong>s com o intuito de melhorar as interações do<br />

indivíduo com o ambiente.<br />

Finalmente, no Grupo 5, localizar-se-iam as crianças com deficiências múltiplas,<br />

severas e físicas. Estas reuniriam todos os indivíduos que têm uma deficiência mental modera<strong>da</strong>,<br />

grave ou profun<strong>da</strong>, além <strong>da</strong>queles que possuem distúrbios emocionais, e todos os indivíduos com<br />

deficiência mental modera<strong>da</strong> ou profun<strong>da</strong> que têm, pelo menos, mais de uma deficiência, ou seja,<br />

auditiva, visual, paralisia e outras. O desenvolvimento dessas crianças normalmente é baixo, repetindo-se<br />

em to<strong>da</strong>s as áreas de desenvolvimento social, intelectual e lingüístico. Estes indivíduos<br />

reagiriam emocionalmente a coisas que gostam e que não gostam; e seu desenvolvimento acadêmico<br />

poderia, às vezes, ultrapassar o limite do razoável. Os avanços <strong>da</strong> medicina têm feito com que<br />

muitos problemas especiais sejam superados e muitas crianças tenham sobrevivido a difíceis condições<br />

físicas e de saúde.<br />

121<br />

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRATAMENTO<br />

Historicamente, pode-se afirmar que houve um grande progresso no que se refere<br />

ao tratamento de pessoas com necessi<strong>da</strong>des especiais, pois hoje seus limites e suas capaci<strong>da</strong>des<br />

são estu<strong>da</strong>dos até o ponto de poderem facilitar o desenvolvimento de suas habili<strong>da</strong>des. Segundo<br />

CAMPOS (1995), constatou-se que existiram quatro estágios de evolução histórica <strong>da</strong>s atitudes<br />

em relação às crianças excepcionais. O primeiro deles, que perdurou ain<strong>da</strong> na era cristã, tendia a<br />

negligenciar e também maltratar os deficientes, chegando-se ao extremo de sacrificar os bebês<br />

que nasciam com deformações ou alguma deficiência. Na I<strong>da</strong>de Média, em um segundo estágio,<br />

principalmente com a difusão do cristianismo, passou-se a protegê-los e a se compadecer deles.<br />

Até os séculos XVI e XVII acreditava-se que as pessoas com deficiência eram possuí<strong>da</strong>s por<br />

demônios ou espíritos maléficos.<br />

Na era medieval, de acordo com a ENCICLOPÉDIA CONHECER NOSSO TEMPO (1974),<br />

encarava-se a loucura como parte <strong>da</strong> experiência pessoal, sendo que, para a Igreja, tratava-se de<br />

uma espécie de possessão demoníaca. Assim, até por volta do século XV, a loucura foi relaciona<strong>da</strong><br />

à bruxaria e aos hereges. Já durante a Renascença, não se criaram tantas barreiras aos loucos,<br />

pois se considerava a loucura como uma outra forma de razão. Para o humanista holandês de<br />

expressão latina, Erasmo de Roter<strong>da</strong>m (1469-1536), em seu Elogio <strong>da</strong> loucura (1511), a loucura<br />

era uma espécie de “condimento”; um antídoto para a monotonia <strong>da</strong> existência bem regra<strong>da</strong>. No<br />

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entanto, a partir dos séculos seguintes, ela passou a se tornar sinônimo de desvio <strong>da</strong> norma e os<br />

loucos começaram a ser encarcerados em asilos.<br />

Durante o terceiro período, o qual abrangeu do Renascimento até meados do século<br />

XVIII, à medi<strong>da</strong> em que o progresso <strong>da</strong> revolução científica e do racionalismo foi se processando,<br />

a idéia de que pessoas pudessem ser toma<strong>da</strong>s por espíritos foi sendo abandona<strong>da</strong>. Por outro<br />

lado, alguns enciclopedistas interessaram-se pelo problema <strong>da</strong> insani<strong>da</strong>de mental. Segundo percebiam,<br />

rotular sumariamente como “louco” alguém que não se comportasse como os outros era,<br />

pelo menos, muita pretensão por parte dos médicos, que não conseguiam sequer definir o que fosse<br />

aquela coisa chama<strong>da</strong> “loucura”. Algumas definições e dicas sobre a suposta loucura lhes pareciam<br />

tão extravagantes quanto os próprios delírios dos chamados doentes mentais. Muitos optaram<br />

por uma visão mecanicista <strong>da</strong> loucura: o corpo humano normal podia ser comparado a uma máquina<br />

de bom funcionamento, o louco era simplesmente uma máquina “desarranja<strong>da</strong>”.<br />

Tentando assim explicar a causa desse “desarranjo”, aventaram-se as mais curiosas<br />

hipóteses, tais como a inflamação <strong>da</strong> glândula pineal ou a má circulação dos humores cerebrais,<br />

além de várias outras. As curas eram também adequa<strong>da</strong>s a essas causas; iam dos banhos<br />

quentes ou frios, <strong>da</strong> hidroterapia aos laxantes, sangrias e águas magnéticas. Implicitamente, para<br />

esses racionalistas, os loucos eram não-homens. Perguntavam-se: se o homem se define pela<br />

razão, como pode alguém que perdeu a razão continuar a ser homem? Para tanto, deviam existir<br />

instituições especializa<strong>da</strong>s no tratamento – ou reclusão – desses indivíduos. Nasciam assim os<br />

hospícios – do latim hospitium, hospe<strong>da</strong>ria – dos séculos XVIII e XIX, instituições fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s para<br />

oferecer uma educação à parte, o que representou, sem dúvi<strong>da</strong>, um grande avanço. Esses hospícios<br />

eram, na ver<strong>da</strong>de, “oficinas para conserto”, onde os loucos deviam voltar a ser homens, reintegrados<br />

naquilo que os racionalistas garantiam ser a Razão, a essência do Homem.<br />

O médico francês Philippe Pinel (1745-1826) foi um dos responsáveis pela modificação<br />

<strong>da</strong> estrutura dos hospitais psiquiátricos, soltando <strong>da</strong>s correntes os loucos internados, que<br />

antes eram presos nas celas do edifício. Ao considerar a alienação mental como uma enfermi<strong>da</strong>de<br />

comparável às doenças orgânicas, inaugurou o tratamento médico <strong>da</strong> loucura. Contribuiu para o<br />

estabelecimento do quadro nosológico <strong>da</strong>s doenças mentais, através de Nosolografia filosófica<br />

(1798-1818), e dedicou-se ao tratamento moral <strong>da</strong> loucura, sendo considerado o pai <strong>da</strong> psiquiatria.<br />

Foi ele, enfim, quem iniciou, do ponto de vista histórico, uma atitude mais humanitária para com os<br />

doentes mentais.<br />

Entretanto, segundo WILSON (1969), depois de Pinel, a situação do doente mental<br />

fun<strong>da</strong>mentalmente não se modificou, pois, apesar do ambiente passar a ser menos agressivo e<br />

punitivo, os hospícios mantinham com seus pacientes a mesma relação de autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s prisões,<br />

só que no lugar do controle policial havia o médico. Foi no último período do tratamento dos deficientes,<br />

o qual chega até os dias de hoje, que se observou um movimento que tende a aceitar essas<br />

pessoas e procurar integrá-las, tanto quanto possível, à socie<strong>da</strong>de, através de práticas educacionais<br />

e de socialização especiais. Na passagem do século XIX para o XX, com a Teoria do Inconsciente<br />

do médico austríaco Sigmund Freud (1856-1939), o fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> psicanálise, a loucura finalmente<br />

deixou de ser trata<strong>da</strong> como algo incompreensível e absurdo para se tornar uma expressão<br />

carrega<strong>da</strong> de sentido: uma tentativa de regularizar conflitos originados na infância. Contudo, apesar<br />

<strong>da</strong> visão psicanalítica trazer para este tema uma explicação mais realista e humana, ela não<br />

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Ag<strong>da</strong> Patrícia Felizardo, Antonio Manuel Nunes Castelnou<br />

esgotou totalmente o assunto.<br />

Psiquiatricamente, a loucura é hoje defini<strong>da</strong> como uma doença que pode ter origens<br />

genéticas, sociais, psicológicas e físicas. Trata-se de uma manifestação psicótica, uma ruptura<br />

com a reali<strong>da</strong>de, e, dentre as psicoses, a esquizofrenia seria a mais comumente relaciona<strong>da</strong> à<br />

loucura. Vale destacar que mais recentemente as doenças mentais ou a loucura também foram<br />

vistas sob uma perspectiva política. Exemplificando, para Franco Basaglia (1924-1980), o hospício<br />

pode ser entendido como uma edificação construí<strong>da</strong> para controlar e reprimir trabalhadores que<br />

perderam a capaci<strong>da</strong>de de responder aos interesses capitalistas de produção. Na ver<strong>da</strong>de, considera-se<br />

louco não o doente segundo a definição clínica, mas aquele que, não sendo mais capaz de<br />

produzir, também acaba por abalar os interesses e convicções <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de a que pertence. Do<br />

mesmo modo, não se considera louco alguém doente segundo a definição clínica, mas que continua<br />

produzindo e defendendo os valores vigentes, como, por exemplo, um policial torturador.<br />

No Brasil, os primeiros hospitais a tratarem de pessoas deficientes ou especiais<br />

foram as Santas Casas, manti<strong>da</strong>s por irman<strong>da</strong>des de misericórdia, nos moldes portugueses. As<br />

primeiras instituições nacionais apareceram por volta de 1540, em Olin<strong>da</strong>, Pe. e Santos, SP. A partir<br />

do século XVII, surgiram os hospitais militares e as enfermarias manti<strong>da</strong>s por ordens religiosas. Foi<br />

no século XVIII que apareceram os lazaretos para hansenianos e as enfermarias, nas ci<strong>da</strong>des,<br />

destina<strong>da</strong>s a presos e funcionários públicos, e, nas fazen<strong>da</strong>s, aos escravos. Os hospícios foram<br />

instalados a partir do século XIX, ao mesmo tempo em que hospitais foram sendo criados, desta<br />

vez voltados ao tratamento de to<strong>da</strong>s as classes sociais. Hoje em dia, existem métodos de educação<br />

e profissionalização aplicáveis a ca<strong>da</strong> tipo de excepcional, embora nos países em desenvolvimento,<br />

como é o caso do Brasil, a rede assistencial ain<strong>da</strong> não atinge grande parte dos necessitados.<br />

123<br />

PRINCIPAIS OBJETIVOS DA APAE<br />

A primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong><br />

em 11 de dezembro de 1954, no Rio de Janeiro, então capital federal, e tratava-se de uma socie<strong>da</strong>de<br />

civil, de caráter cultural, assistencial e educacional, sem fins lucrativos e com duração<br />

indetermina<strong>da</strong>. A partir dessa <strong>da</strong>ta, muitas outras associações do mesmo gênero surgiram no país<br />

e, em 1962, foi então cria<strong>da</strong> a Federação Nacional <strong>da</strong>s APAE. Atualmente, essas enti<strong>da</strong>des estão<br />

presentes em mais de 2.000 municípios brasileiros, favorecendo cerca de 200.000 pessoas portadoras<br />

de necessi<strong>da</strong>des especiais e constituindo-se no maior movimento comunitário do mundo.<br />

De modo geral, conforme o site <strong>da</strong> APAE (2002), o Movimento Apaeano visa<br />

integrar a comuni<strong>da</strong>de em geral, para que, em parceria com órgãos governamentais, se garanta a<br />

eficácia dos direitos sociais às pessoas portadoras de deficiência, que são assegurados pela Constituição<br />

Federal, em seu artigo 208, inciso III. Segundo este, é dever <strong>da</strong> família, <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e do<br />

Estado assegurar a estes indivíduos o direito à vi<strong>da</strong>, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à<br />

profissionalização, à cultura, à digni<strong>da</strong>de, ao respeito, à liber<strong>da</strong>de e à convivência familiar e comunitária,<br />

além de colocá-los a salvo de to<strong>da</strong> a forma de negligência, discriminação, exploração,<br />

violência, cruel<strong>da</strong>de e opressão.<br />

De acordo com o parágrafo 1º, o Estado promoverá “programas de assistência<br />

integral à saúde <strong>da</strong> criança e do adolescente, admiti<strong>da</strong> a participação de enti<strong>da</strong>des não governa-<br />

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mentais e obedecendo aos preceitos descritos no inciso II”, ou seja, a criação de programas de<br />

prevenção e atendimento especializado para portadores de deficiência física, sensorial ou mental;<br />

bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento<br />

para o trabalho e a convivência; e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a<br />

eliminação de preconceito e obstáculos arquitetônicos. Acrescenta-se ain<strong>da</strong> que, conforme o parágrafo<br />

2º, a lei “disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público<br />

e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim garantir acesso adequado às pessoas<br />

portadoras de deficiência”.<br />

Basicamente, os objetivos <strong>da</strong> APAE são os de cooperar com as instituições empenha<strong>da</strong>s<br />

na educação, desenvolvimento e integração social do excepcional, além de motivar a comuni<strong>da</strong>de<br />

para melhor conhecer a causa do excepcional e a cooperar com as enti<strong>da</strong>des interessa<strong>da</strong>s<br />

na sua defesa. A instituição visa também promover entendimentos com todos os setores de<br />

ativi<strong>da</strong>des, contribuindo para a criação de oportuni<strong>da</strong>des adequa<strong>da</strong>s de trabalho para o excepcional;<br />

assim como manter, estimular e auxiliar na criação de cooperativas, escolas especializa<strong>da</strong>s,<br />

oficinas pe<strong>da</strong>gógicas, oficinas protegi<strong>da</strong>s, classes especiais e seções especializa<strong>da</strong>s em enti<strong>da</strong>des<br />

públicas e priva<strong>da</strong>s. As APAE têm o intuito de contribuir para a intensificação de intercâmbios entre<br />

as enti<strong>da</strong>des, e instituições oficiais e particulares congêneres volta<strong>da</strong>s ao atendimento do excepcional,<br />

mantendo publicações de boletins, jornais e outros, envolvendo trabalhos e assuntos de interesse;<br />

realizando campanhas financeiras de âmbito municipal; e colaborar na organização de campanhas<br />

nacionais, estaduais e regionais, com o objetivo de levantamento de fundos destinados a<br />

auxiliar as obras de assistência ao excepcional, bem como a realização <strong>da</strong>s finali<strong>da</strong>des <strong>da</strong> APAE.<br />

A enti<strong>da</strong>de visa ain<strong>da</strong> conveniar com órgãos públicos – federais, estu<strong>da</strong>is e municipais<br />

–, bem como solicitar e receber auxílios ou subvenções de órgãos públicos ou particulares,<br />

fiscalizando o uso do nome “Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais”, do símbolo e <strong>da</strong> sigla<br />

APAE; e firmando convênios com enti<strong>da</strong>des análogas, órgãos públicos e empresas, para concepção,<br />

desenvolvimento, aprovação, produção industrial e comercialização de material escolar, educacional,<br />

médico e outros, destinados a suprir carências e abastecer a associação, de forma adequa<strong>da</strong> e<br />

a baixo custo. Assim, as APAE promovem meios para o desenvolvimento de ativi<strong>da</strong>des<br />

extracurriculares, tais como colônias de férias, jardinagem, clubes, etc., assim como centros de<br />

profissionalização para o excepcional. Buscam também criar e auxiliar na manutenção de lares<br />

para o excepcional; e oferecer oportuni<strong>da</strong>de para que as pessoas excepcionais possam participar<br />

de Conselhos, Diretorias ou Comissões Especiais <strong>da</strong> própria APAE, prestando serviços permanentes<br />

e sem qualquer discriminação de clientela.<br />

Ain<strong>da</strong> de acordo com o site <strong>da</strong> APAE (2002), esta possui, além de todos esses<br />

objetivos acima descritos, uma missão importante: a de primeiramente prevenir a deficiência e<br />

também capacitar e integrar a pessoa portadora de deficiência à socie<strong>da</strong>de por meio de estimulação,<br />

através de ações pe<strong>da</strong>gógicas, terapêuticas e do trabalho. A função <strong>da</strong> APAE, após diagnosticar ou<br />

detectar a deficiência, seria a de agir tecnicamente para que o portador tenha as melhores condições<br />

de se desenvolver. Deste modo, o atendimento realizado pela instituição abrangeria as áreas<br />

de assistência social, psicologia, pe<strong>da</strong>gogia, fonoaudiologia, fisioterapia, odontologia, educação física,<br />

artes e trabalhos manuais. Não há restrições quanto à faixa etária <strong>da</strong>s pessoas atendi<strong>da</strong>s, sendo<br />

basicamente o público-alvo formado por pessoas, na sua grande maioria, carentes e sem condições<br />

TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


Ag<strong>da</strong> Patrícia Felizardo, Antonio Manuel Nunes Castelnou<br />

de serem trata<strong>da</strong>s por profissionais e escolas particulares. Hoje em dia, a APAE conta com um<br />

grande movimento que apóia e fiscaliza sua missão e objetivos. Este movimento tem apresentado<br />

resultados muito positivos, pois, em cerca 47 anos de trabalho, foram cria<strong>da</strong>s mais de 1.500 associações,<br />

espalha<strong>da</strong>s por vários municípios brasileiros, de norte a sul do país. Tal ação ficou sendo<br />

conheci<strong>da</strong> como Movimento Apaeano, no qual estão incluídos milhares de pessoas que lutam pela<br />

defesa de uma causa: a melhoria <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> pessoa portadora de deficiência, unindo<br />

amor e profissionalismo para diminuir a exclusão social de aproxima<strong>da</strong>mente 10% <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />

brasileira.<br />

ESPAÇOS ARQUITETÔNICOS DE CONVIVÊNCIA<br />

O entendimento sobre a razão de ser dos espaços de convivência passa, sem<br />

dúvi<strong>da</strong>, sobre a concepção do que seja lazer e também de seu papel dentro de uma socie<strong>da</strong>de.<br />

Conforme CAMARGO (1998), o termo “lazer” vem do latim licere, que significava “ser permitido”,<br />

sendo sua aplicação bastante antiga. Na ver<strong>da</strong>de, surgiu na civilização greco-romana, já desde<br />

então como o oposto de trabalho. O ideal do ci<strong>da</strong>dão livre, tanto em Atenas como em Roma<br />

antigas, até a consoli<strong>da</strong>ção do cristianismo, era a plena expressão de si mesmo nos planos físico,<br />

artístico e intelectual. As caça<strong>da</strong>s, os exercícios físicos, as artes, as letras, a filosofia e a especulação<br />

científica eram as únicas ocupações dignas de um homem livre e aceitas pelos seus pares.<br />

Essas civilizações, berços <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de ocidental, foram as que inventaram a cultura do lazer, mas<br />

não souberam nem quiseram democratizá-la.<br />

Durante o Império Romano, o lazer foi amplamente difundido, com a intenção de<br />

fazer com que a população se esquecesse dos problemas. Este período inclusive ficou conhecido<br />

pela chama<strong>da</strong> política do pão e circo, na qual os teatros tiveram grande papel. Ao contrário do<br />

teatro grego que, com fileiras de assentos, a<strong>da</strong>ptava-se a depressões de terrenos e necessitava de<br />

uma construção somente para cima, o teatro romano era construído sobre um terreno plano. Na<br />

Grécia, encontra-se como exemplo máximo de espaço para o lazer o Teatro de Epi<strong>da</strong>uro, este<br />

construído por Policleto, o Jovem. Uma invenção romana foi o anfiteatro, do qual são conhecidos<br />

cerca de 70 e cuja construção corresponderia à dos teatros recentes.<br />

Entretanto, os teatros tiveram seu desenvolvimento definido, realmente, no decorrer<br />

<strong>da</strong> Renascença, a partir <strong>da</strong> evolução do modelo italiano para a ópera. Mais tarde, no século<br />

XIX, sua arquitetura apropriou-se simultaneamente dos estilos históricos como símbolo social e<br />

cultural, como, por exemplo, a famosa Ópera de Paris, projeta<strong>da</strong> por Charles Garnier (1825-1898)<br />

e utiliza<strong>da</strong> como modelo para inúmeros prédios teatrais do mundo inteiro, inclusive no Brasil, como<br />

o Teatro Municipal de São Paulo. Além dos espaços teatrais, o lazer e a cultura encontraram<br />

outros espaços para acontecer e se desenvolver. No decorrer <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média, ocorreu um grande<br />

e gra<strong>da</strong>tivo aumento <strong>da</strong> população, o que conduziu ao desenvolvimento <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des. O comércio<br />

ganhou impulso com a evolução dos transportes a longas distâncias, o que fez nascerem as feiras<br />

livres, que eram na<strong>da</strong> mais que uma espécie de mercados periódicos, que se estabeleciam em<br />

determina<strong>da</strong>s locali<strong>da</strong>des, geralmente uma vez por ano, constituindo-se em um grande acontecimento<br />

social, com festas e competições.<br />

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Em nosso país, as feiras livres acontecem em praças e ruas desde o período colonial,<br />

nas quais eram e são comercializados vários produtos, desde pescados que chegam em barcos<br />

até alimentos e objetos de todos os gêneros. A realização deste tipo de comércio no mundo e no<br />

Brasil acaba gerando uma grande concentração de pessoas, que saem de suas residências para<br />

observar e consumir nestes locais, fazendo deles um espaço essencialmente voltado para o lazer e<br />

a convivência social. Está aí basicamente a origem dos locais de encontro e trocas urbanos, muitos<br />

deles materializados através dos antigos mercados cobertos, construídos no século XIX e transformados<br />

em monumentais lojas de departamentos e, depois, nos atuais shopping centers <strong>da</strong>s metrópoles<br />

no mundo contemporâneo.<br />

De modo geral, podem ser classificados como praças todos os espaços urbanos<br />

abertos como clareiras na floresta dos edifícios, tais como os largos, os adros <strong>da</strong>s igrejas, as<br />

esplana<strong>da</strong>s, os jardins e, principalmente, a praça propriamente dita, que tem se constituído, através<br />

de milênios, no mais típico lugar <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> na ci<strong>da</strong>de. De acordo com GRAEFF (1986), as praças são<br />

o lugar do encontro e <strong>da</strong> comunicação; e do comércio direto de produtos, mercadorias, informações<br />

e idéias. Trata-se também do local de grandes festas populares, <strong>da</strong>s manifestações e, não<br />

raro, <strong>da</strong>s mais graves decisões políticas. A idéia de coração <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de nasce, aliás, <strong>da</strong> existência na<br />

maior parte <strong>da</strong>s povoações de espaços que se caracterizam como lugares de concentração <strong>da</strong>s<br />

pessoas; centros e fontes <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> urbana. No antigo Egito e Oriente Próximo, por exemplo, as<br />

pessoas reuniam-se à sombra dos templos ou sob a proteção e a vigilância dos palácios. Assim,<br />

essas edificações constituíam-se nos focos <strong>da</strong>s estruturas urbanas. Originalmente, foi na Grécia<br />

que a ágora dominou a estrutura física e foi suporte do sistema moral e político <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Em<br />

nenhum outro lugar, os espaços destinados à reunião pública mereceram tão carinhosa atenção, e<br />

somente se pode entender tal atitude como um reflexo <strong>da</strong>s concepções democráticas dos gregos.<br />

No Renascimento, as praças adquiriam também um valor estético na composição<br />

urbana, principalmente a partir do período barroco. É indiscutível a importância de locais como a<br />

Piazza del Capitólio, cria<strong>da</strong> por Michelangelo Buonarroti (1475-1564) em Roma; ou ain<strong>da</strong> <strong>da</strong>s<br />

praças barrocas que transformaram a ci<strong>da</strong>de em um modelo para o mundo ocidental, tal como a<br />

Piazza Navona, de Gian Lorenzo Bernini (1598-1680). Hoje, seu traçado mundial é bastante<br />

variado, assim como suas funções urbanas, destacando-se aquelas de valor cívico, como a Praça<br />

dos Três Poderes de Brasília, DF. Destina<strong>da</strong>s conceitualmente ao lazer, as praças permanecem<br />

como importantes centros de convivência urbana até hoje.<br />

Tanto para GUERRA (1983) como para DUMAZEDIER (1986), o lazer pode ser<br />

conceituado como um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode se integrar de livre vontade,<br />

seja para repousar, seja para se divertir, recrear-se, entreter-se; ou ain<strong>da</strong> para desenvolver informação<br />

ou formação desinteressa<strong>da</strong>s, através <strong>da</strong> participação social voluntária ou de sua livre<br />

capaci<strong>da</strong>de criadora, após se livrar ou se desembaraçar <strong>da</strong>s obrigações profissionais, familiares e<br />

sociais. Já para MARCELLINO (2000a), o lazer é entendido como cultura, compreendi<strong>da</strong> no seu<br />

sentido mais amplo e vivencia<strong>da</strong> no tempo disponível. É fun<strong>da</strong>mental como traço definidor do lazer,<br />

o caráter desinteressado dessa vivência, não se buscando, pelo menos basicamente, outra recompensa<br />

além <strong>da</strong> satisfação provoca<strong>da</strong> pela situação. Sendo uma cultura vivencia<strong>da</strong> no tempo disponível,<br />

o lazer não pode ser considerado em contraposição, mas sim em estreita ligação com o<br />

trabalho e com as demais esferas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social, combinando as variáveis tempo e atitude.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


Ag<strong>da</strong> Patrícia Felizardo, Antonio Manuel Nunes Castelnou<br />

Para muitos, a concepção de lazer é vista como fruto <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de urbano-industrial.<br />

Conforme DUMAZEDIER (1986), a ativi<strong>da</strong>de lazer possuiria três funções: a de descanso,<br />

onde se libera <strong>da</strong> fadiga, sendo o lazer um reparador <strong>da</strong>s deteriorações físicas e nervosas provoca<strong>da</strong>s<br />

pelas tensões resultantes <strong>da</strong>s obrigações cotidianas e, particularmente, do trabalho; a de divertimento,<br />

que compreenderia a recreação e o entretenimento; e a função de desenvolvimento, que<br />

dependeria do automatismo do pensamento e <strong>da</strong> ação cotidiana, já que permitiria a participação<br />

social maior e mais livre. Sabe-se que historicamente a prática e a técnica ofereceram novas<br />

possibili<strong>da</strong>des de integração voluntária à vi<strong>da</strong> de grupos recreativos, culturais e sociais, possibilitando,<br />

assim, o desenvolvimento livre de atitudes adquiri<strong>da</strong>s na escola, mas ultrapassa<strong>da</strong>s pela contínua<br />

e complexa evolução <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.<br />

De acordo com MARCELLINO (2000b), os conteúdos do lazer podem ser os<br />

mais variados e, para que uma ativi<strong>da</strong>de possa ser entendi<strong>da</strong> como lazer, é necessário que aten<strong>da</strong><br />

a alguns valores ligados aos aspectos tempo e atitude. Descansar; “recuperar as energias”; distrair-se;<br />

entreter-se; recrear-se. Enfim, o descanso e o divertimento seriam os valores comumente<br />

mais associados ao lazer, devendo-se ain<strong>da</strong> levar em conta as ativi<strong>da</strong>des educativas e pe<strong>da</strong>gógicas.<br />

Para GUERRA (1983), a palavra “recreação” provém do verbo latino recrear, que significava<br />

reproduzir, renovar. A recreação, portanto, compreenderia to<strong>da</strong>s as ativi<strong>da</strong>des espontâneas,<br />

prazerosas e criadoras, que o individuo busca para melhor ocupar seu tempo livre. Deve, principalmente,<br />

atender aos diferentes interesses <strong>da</strong>s diversas faixas etárias e ain<strong>da</strong> <strong>da</strong>r liber<strong>da</strong>de de escolha<br />

<strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des para que o prazer seja gerado.<br />

Pode-se dizer que a recreação teve sua origem na Pré-História, quando o homem<br />

primitivo se divertia festejando o início <strong>da</strong> tempora<strong>da</strong> de caça ou a habitação de uma nova caverna.<br />

Essa manifestação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana transformou-se em <strong>da</strong>nças primitivas com caráter de adoração,<br />

em rituais fúnebres ou na evocação dos deuses. Com os aspectos recreativos de alegria e<br />

vencimento de um obstáculo, as ativi<strong>da</strong>des sociais representa<strong>da</strong>s pelos jogos coletivos de culto<br />

religioso, foram divulga<strong>da</strong>s de geração em geração pelas crianças em forma de brincadeiras.<br />

Exemplificando, segundo DUARTE (2000), o esporte sempre acompanhou o homem na necessi<strong>da</strong>de<br />

que fez com que ele praticasse natação, arco e flecha, luta e outros. Hoje em dia, os esportes<br />

encontram-se mais presentes no cotidiano <strong>da</strong>s pessoas. Ao mesmo tempo, conforme LINDENBERG<br />

apud BELANGER (2001), tecnologia e ciência estão ca<strong>da</strong> vez mais liga<strong>da</strong>s às ativi<strong>da</strong>des humanas,<br />

não sendo diferente no campo dos esportes.<br />

A varie<strong>da</strong>de de esportes que começaram a ser praticados fez com que fosse necessário<br />

desenvolver espaços apropriados. As quadras poliesportivas chamam-se assim porque<br />

possuem diversas áreas retangulares para diferentes práticas, formando um complexo desportivo,<br />

tudo incluído dentro de um retângulo que corresponde às dimensões <strong>da</strong> maior delas. Não se pode<br />

dizer que se trata de uma série de campos para a prática de esportes dispostos um ao lado do outro,<br />

mais sim a incorporação <strong>da</strong>s mesmas em uma só superfície, sendo uma solução nasci<strong>da</strong> <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de<br />

de arranjar espaços para a prática de voleibol, basquetebol, futebol (de salão), ginástica, etc.<br />

Os novos processos construtivos, tais como o emprego de estruturas metálicas e concreto armado,<br />

vieram <strong>da</strong>r novas dimensões e características às instalações esportivas contemporâneas. Novos<br />

esportes também vêm surgindo, tais como o automobilismo, o pára-quedismo e o motociclismo, que<br />

são práticas que na atuali<strong>da</strong>de empolgam através <strong>da</strong> paixão pela veloci<strong>da</strong>de ou pelos desafios e<br />

perigos que encerram.<br />

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Basicamente, os estádios apresentam espaços para a prática de esportes como o<br />

futebol e o atletismo, incluindo saltos com vara, saltos triplos, saltos em distância, arremesso de<br />

peso, lançamentos de disco, <strong>da</strong>rdo e martelo, natação, entre outros. Segundo a COLEÇÃO CONHECER<br />

UNIVERSAL apud BELANGER (2001), Afonso X , o Sábio (1221-1284), Rei de Castela e Leon<br />

entre 1252 e 1284, afirmava<br />

[...] Deus quis que os homens se divertissem com muitos e muitos jogos,<br />

pois eles trazem conforto e dissipam as preocupações <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Assim quanto<br />

maiores forem as ansie<strong>da</strong>des, as tensões e a fadiga provoca<strong>da</strong>s pela rotina<br />

<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cotidiana, como acontece nas socie<strong>da</strong>des contemporâneas, maior é<br />

também a necessi<strong>da</strong>de de válvulas de escape, representa<strong>da</strong>s por diversas<br />

formas de lazer.<br />

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O esporte teria assim uma fun<strong>da</strong>mental importância para o desenvolvimento físico,<br />

intelectual e social do ser humano, sendo através dele que as pessoas passariam a se conhecer<br />

melhor e a interagir. Sem dúvi<strong>da</strong>, o século XX foi um período onde a busca pelo lazer e a grande<br />

necessi<strong>da</strong>de de consumo, ca<strong>da</strong> vez mais, fizeram aumentar a procura por espaços que oferecessem<br />

esses tipos de serviço de maneira conjunta. Tal fato fez com que houvesse a explosão dos<br />

grandes shoppings centers, os quais podem ser conceituados como um conjunto de lojas varejistas,<br />

concebido, realizado, possuído e administrado por uma única enti<strong>da</strong>de, em geral longe <strong>da</strong>s<br />

aglomerações, oferecendo facili<strong>da</strong>des para estacionamento de automóveis e a<strong>da</strong>ptado à região que<br />

serve, pelas dimensões e tipos de lojas de que se compõe.<br />

Depois <strong>da</strong>s ágoras antigas, <strong>da</strong>s feiras medievais e dos mercados cobertos do século<br />

XIX, foram os shoppings centers que se constituíram nos espaços arquitetônicos de convivência<br />

e lazer urbanos. De acordo com PENNA, apud DELGADO (1996), o ato de comercializar<br />

não é novo, o é a própria concepção do comércio como expressão de uma nova função social. O<br />

comércio vestiu roupagem moderna, adequando-se à reali<strong>da</strong>de contemporânea, para continuar a<br />

cumprir sua eterna função e assumir novos significados. Basicamente, o shopping center está<br />

para as tradicionais lojas de varejo como o supermercado está para os antigos armazéns e açougues<br />

<strong>da</strong> esquina.<br />

Segundo PEVSNER (1978), abor<strong>da</strong>ndo a questão <strong>da</strong>s lojas de departamentos<br />

como antecessoras dos shoppings centers atuais, o primeiro estabelecimento deste gênero surgiu<br />

em Nova York, seguido pela empresa denomina<strong>da</strong> Au Bon Marché, a primeira de Paris,<br />

projeta<strong>da</strong> por Gustave Eiffel (1832-1923), a qual oferecia uma importante colaboração à arquitetura<br />

na organização dos grandes espaços internos, principalmente depois de 1952. Na atuali<strong>da</strong>de,<br />

os shoppings centers tornaram-se espaços para onde não se vai, apenas, para fazer compras<br />

em lojas de griffes famosas, mas também locais nos quais pessoas se reúnem para uma<br />

comemoração ou mesmo um happy hour com os amigos; fazer refeições agradáveis; ir ao<br />

cinema ou levar os filhos para se divertirem, o que faz então com que este espaço ganhe características<br />

de um ver<strong>da</strong>deiro espaço de lazer.<br />

Outro programa arquitetônico voltado à convivência e lazer cultural pode ser observado<br />

através do museu, cuja designação tem origem na palavra grega mouseion, que significava<br />

“templo <strong>da</strong>s musas”, ou seja, o lugar onde viviam as musas e em que as pessoas exercitavam<br />

TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


Ag<strong>da</strong> Patrícia Felizardo, Antonio Manuel Nunes Castelnou<br />

através <strong>da</strong> poesia e <strong>da</strong> música o seu culto; além <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de estudos e existência de<br />

biblioteca e academia. Basicamente, o International Council of Museums – ICOM reconhece<br />

como museu “a instituição que conserva e apresenta coleções de objetos de caráter cultural ou<br />

científico, para fins de estudo, educação e satisfação”. Deste modo, essa denominação abrangeria<br />

também galerias permanentes de exposição, dependentes de bibliotecas ou centros de documentação;<br />

assim como monumentos históricos, algumas de suas partes ou dependências, bem como<br />

tesouros eclesiásticos; locais históricos, arqueológicos e naturais, desde que abertos oficialmente à<br />

visitação pública; e jardins botânicos e zoológicos, aquários e aviários.<br />

A partir do século XX, ao rol dos museus foram vincula<strong>da</strong>s as instituições e organizações<br />

dos transportes e comunicações, <strong>da</strong> aviação, dos hospitais, dos teatros, etc. Ao lado deles,<br />

surgiram museus destinados a documentar movimentos políticos ou ideológicos, como, por exemplo:<br />

o Museu <strong>da</strong> Paz, feito em 1921 em Haia; o Museu <strong>da</strong> Revolução, construído em 1929 em<br />

Moscou; e o Museu do Fascismo, <strong>da</strong>tado de 1930, em Roma. Um marco <strong>da</strong> arquitetura de museus<br />

foi, sem dúvi<strong>da</strong>, o Solomon R. Guggenheim Museum, realizado entre 1946 e 1959 em Nova<br />

York. No Brasil, os museus, em sua grande maioria, foram fun<strong>da</strong>dos no século passado, com<br />

exceção do Museu do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, criado<br />

em Recife, Pe., em 1862; e do Museu de Mineralogia e Geologia <strong>da</strong> Escola Nacional de<br />

Minas e Metalurgia, localizado em Ouro Preto, MG, construído em 1876.<br />

De acordo com GRAEFF (1986), além dos museus, pode-se citar outros espaços<br />

de convivência, lazer e cultura, como as bibliotecas, as quais nasceram de simples depósitos de<br />

rolos escritos, presentes no corpo de palácios ou templos antigos. Durante a I<strong>da</strong>de Média, as<br />

bibliotecas funcionaram em mosteiros, conventos e igrejas, embora tenham surgido algumas particulares,<br />

monta<strong>da</strong>s por poderosos senhores, sábios e eruditos, geralmente ligados ao clero; ou ain<strong>da</strong><br />

bibliotecas de universi<strong>da</strong>des. Contudo, foi também a partir do Renascimento que esta edificação<br />

começou a adquirir características modernas, as quais abrangiam progressivamente a democratização,<br />

a especialização e a socialização, o que acabou gerando um novo espaço para a convivência<br />

entre indivíduos e também de acesso à cultura. Conforme o site BIBLIOTECAS PÚBLICAS (2002),<br />

atualmente existe no Brasil um grande número bibliotecas de importância, como a Biblioteca<br />

Pública do Rio de Janeiro, a qual foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 15 de março de 1873, na então capital do<br />

Império. O conceito <strong>da</strong> biblioteca universitária como centralização total do conhecimento foi implantado<br />

no país em 1962, através <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Brasília – UnB que, consciente de que o<br />

sistema de pequenas coleções dispersas nas uni<strong>da</strong>des de ensino era inadequado e anti-econômico,<br />

planejou uma biblioteca central, de forma a facilitar a interdisciplinari<strong>da</strong>de.<br />

Segundo BUENO (1999), convivência significa familiari<strong>da</strong>de, trato diário e coexistência.<br />

Logo, um espaço de convivência seria o local onde tais quali<strong>da</strong>des estariam presentes,<br />

favoreci<strong>da</strong>s e intensifica<strong>da</strong>s. Além <strong>da</strong>s áreas antigas, medievais e modernas que se prestam a esse<br />

objetivo, tais como praças, feiras livres, mercados cobertos, arenas de esportes e museus, atualmente<br />

têm surgido novos empreendimentos, os quais têm o intuito de fornecer to<strong>da</strong> a infra-estrutura<br />

necessária ao lazer, recreação e convivência de determinados grupos sociais. Define-se, então,<br />

como espaço de convivência, todo aquele no qual pessoas reúnem-se para comemorar, consumir,<br />

divertir-se, aprender, praticar esportes, adquirir mais cultura e assim por diante, de maneira que, ao<br />

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mesmo tempo, possam estar desenvolvendo essas ativi<strong>da</strong>des e interagindo umas com as outras.<br />

Concluindo, pode-se dizer que, através <strong>da</strong> história, foram vários os locais onde a<br />

cultura, o lazer e a convivência cívica aconteceram, conforme as transformações sociais, políticas<br />

e econômicas que se processaram no decorrer do tempo. Das antigas ágoras aos atuais complexos<br />

culturais; dos teatros e museus tradicionais às modernas bibliotecas e centros de pesquisa; <strong>da</strong>s<br />

feiras medievais aos contemporâneos shoppings centers; as socie<strong>da</strong>des necessitam espaços<br />

arquitetônicos para a confraternização, a troca de idéias e mercadorias e a vi<strong>da</strong> coletiva. Variando<br />

em escala e abrangência, tais espaços de convivência adequam-se ca<strong>da</strong> vez mais a parcelas específicas<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de contemporânea, conforme as concepções culturais e morais de ca<strong>da</strong> povo,<br />

somado às possibili<strong>da</strong>des econômicas e políticas. Resta agora abor<strong>da</strong>r alguns exemplos correlatos<br />

às intenções do presente trabalho, procurando abor<strong>da</strong>r as diferenças, tanto a nível programático<br />

como técnico e estético.<br />

CONCLUSÕES<br />

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Embora a questão <strong>da</strong> excepcionali<strong>da</strong>de tenha demorado muito tempo para ser<br />

compreendi<strong>da</strong> e <strong>completa</strong>mente desven<strong>da</strong><strong>da</strong>, com os avanços científicos e sócio-culturais <strong>da</strong> atuali<strong>da</strong>de,<br />

ca<strong>da</strong> vez mais aqueles indivíduos que são considerados “diferentes” passam a serem<br />

vistos de modo especial. Em todos os países, inclusive no Brasil, o tema conquistou novas enti<strong>da</strong>des<br />

que o estu<strong>da</strong>m, assim como também procuram adequá-lo ao cotidiano contemporâneo. São várias<br />

as ações que buscam a incorporação desses indivíduos ditos “excepcionais” à vi<strong>da</strong> cotidiana, fazendo<br />

parte dessa iniciativa a criação de espaços arquitetônicos corretamente projetados para a<br />

convivência e a educação especial, de modo que possibilitem o ver<strong>da</strong>deiro e completo desenvolvimento<br />

<strong>da</strong>s potenciali<strong>da</strong>des dos educandos.<br />

Através <strong>da</strong> história, foram diversos os locais onde a cultura, o lazer e a convivência<br />

cívica aconteceram, de acordo com as transformações sociais, políticas e tecnológicas que se<br />

processaram no decorrer do tempo. Das antigas ágoras aos complexos culturais, dos teatros e<br />

museus tradicionais às bibliotecas e centros de pesquisa, <strong>da</strong>s feiras medievais aos shoppings<br />

centers, as socie<strong>da</strong>des necessitaram espaços para que ocorressem a confraternização, a troca de<br />

idéias e também de mercadorias. Variando em escala e abrangência, tais espaços adequaram-se<br />

ca<strong>da</strong> vez mais às parcelas específicas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, conforme as concepções culturais e morais de<br />

ca<strong>da</strong> povo, soma<strong>da</strong>s às suas possibili<strong>da</strong>des econômicas e políticas. Hoje em dia, surgem ações<br />

volta<strong>da</strong>s à criação de espaços democráticos, abertos a todos, independentemente de sexo, raça,<br />

religião ou cama<strong>da</strong> social. Quaisquer que sejam os indivíduos portadores de necessi<strong>da</strong>des especiais<br />

– crianças, idosos, obesos, deficientes físicos ou mentais –, estes têm seu espaço conquistado dia<br />

a dia dentro <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, que por muito tempo se voltou apenas às pessoas jovens e saudáveis.<br />

Os excepcionais devem ser aceitos com suas deficiências, pois é normal que to<strong>da</strong><br />

e qualquer socie<strong>da</strong>de tenha pessoas com necessi<strong>da</strong>des diversas e, ao mesmo tempo, é preciso<br />

ensinar aos deficientes a conviver com suas dificul<strong>da</strong>des. Assim, é fun<strong>da</strong>mental ensiná-los a levar<br />

uma vi<strong>da</strong> tão normal quanto possível, beneficiando-se <strong>da</strong>s ofertas de serviços e <strong>da</strong>s oportuni<strong>da</strong>des<br />

existentes na socie<strong>da</strong>de em que vivem. Paralelamente, a integração é um processo dinâmico de<br />

participação <strong>da</strong>s pessoas em um contexto; e permeia grande parte dos conceitos, constituindo-se<br />

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Ag<strong>da</strong> Patrícia Felizardo, Antonio Manuel Nunes Castelnou<br />

na meta maior <strong>da</strong> educação especial. Logo, pode ser compreendi<strong>da</strong> como a relação de reciproci<strong>da</strong>de<br />

de ação entre o ser humano em contato com o seu meio, no sentido <strong>da</strong> busca <strong>da</strong> oferta e do<br />

acesso aos benefícios sociais.<br />

Nessa inter-relação, tem-se, de um lado, a pessoa em busca de integração e, do<br />

outro, a socie<strong>da</strong>de com todo seu aparato a serviço deste processo. No caso de portadores de<br />

deficiências, a integração deve acontecer no contexto familiar e educacional, cabendo à educação<br />

mediar o processo com a socie<strong>da</strong>de, bem como oportunizar o desenvolvimento pleno de suas<br />

potenciali<strong>da</strong>des. Deste modo, a integração exige mu<strong>da</strong>nças na estrutura <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, implicando<br />

em atender às condições e necessi<strong>da</strong>des específicas apresenta<strong>da</strong>s por esse tipo de educando,<br />

destacando, entre outras: a adequação de espaços físicos no âmbito escolar e fora dele; a utilização<br />

de materiais específicos de apoio e aprendizagem; a formação de professores especializados; o<br />

trabalho de equipe multidisciplinar e a criação de suporte técnico para a escolari<strong>da</strong>de. É aqui que a<br />

educação especial conecta-se com a arquitetura.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ASSOCIAÇÃO DE PAIS E AMIGOS DOS EXCEPCIONAIS – APAE. Disponível em:<br />

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BELANGER, Y. L. Estádio olímpico em Londrina PR. Londrina: Trabalho Final de Graduação, Departamento<br />

de Arquitetura e Urbanismo, Centro Universitário Filadélfia de Londrina – <strong>UniFil</strong>, 2001.<br />

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131<br />

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CAMARGO, L. O. de L. Educação para o lazer. 3.ed. São Paulo: Moderna, 1998.<br />

CAMPOS, T. C. P. Psicologia Hospitalar: a atuação do psicólogo em hospitais. São Paulo: EPU, 1995.<br />

COELHO, E.F.; SANT’ANA, M. M. Uma Alternativa de Atendimento ao Deficiente Mental<br />

Adulto. Londrina: PML / SSPS / Seplan, 1988.<br />

DELGADO, M. E. Shopping center. Londrina: Trabalho Final de Graduação, Departamento de<br />

Arquitetura e Urbanismo, Centro de Estudos Superiores de Londrina – Cesulon, 1996.<br />

DUARTE, O. História dos Esportes. São Paulo: Markron Books do Brasil, 2000.<br />

DUMAZEDIER, J. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva, 1986.<br />

ENCICLOPÉDIA CONHECER NOSSO TEMPO. São Paulo: Abril Cultural, 1974.<br />

GRAEFF, E. Edifício. 3.ed. São Paulo: Projeto. Cadernos Brasileiros <strong>da</strong> Arquitetura, n.7, 1986.<br />

GRANDE ENCICLOPÉDIA LAROUSSE CULTURAL. São Paulo: Nova Cultural, 1998.<br />

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Arquitetura, Espaços de Convivência e Educação Especial<br />

GUERRA, M. Recreação e Lazer. 2.ed. Porto Alegre: Sagra, 1983.<br />

KIRK, A. S.; GALLAGHER, J. J. Educação <strong>da</strong> Criança Excepcional. 2.ed. São Paulo: Martins<br />

Fontes, 1991.<br />

MARCELLINO, N. C. Estudo do Lazer: uma introdução. 2.ed. Campinas: Autores Associados,<br />

2000a.<br />

____. Lazer: formação e atuação profissional. 3.ed. Campinas: Papirus, 2000b.<br />

PEVSNER, N. Historia de las Tipologias Arquitectonicas. Barcelona: Gustavo Gilli, 1978.<br />

WILSON, J. R. A Mente. Rio de Janeiro: Livraria José Olimpio, 1969.<br />

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Roberto Mititaka Ike<strong>da</strong>, Michelle Reichert <strong>da</strong> Silva de Godoy Leski e Reginaldo de Matos Manzano<br />

ANÁLISE DE DESEMPENHO TÉRMICO DE PROTÓTIPO HABITACIONAL DE<br />

BLOCO CERÂMICO<br />

Roberto Mititaka Ike<strong>da</strong> *<br />

Michelle Reichert <strong>da</strong> Silva de Godoy Leski **<br />

Reginaldo de Matos Manzano ***<br />

RESUMO:<br />

Este trabalho visa avaliar o desempenho térmico de um protótipo habitacional, comparando com<br />

parâmetros estabelecidos pelo projeto de norma ABNT 02:136.01-001 – Desempenho de Edifícios<br />

Habitacionais de até Cinco Pavimentos. Para a medição dos parâmetros térmicos foi utilizado um<br />

registrador de temperatura e umi<strong>da</strong>de, o <strong>da</strong>ta-logger HOBO. Posteriormente, foram feitos os<br />

cálculos de parâmetros de avaliação, transmitância térmica <strong>da</strong>s paredes e cobertura, capaci<strong>da</strong>de<br />

térmica, atraso térmico e fator solar. Foi utilizado também o software de simulação Arquitrop.<br />

To<strong>da</strong>s as informações levanta<strong>da</strong>s são confronta<strong>da</strong>s e analisa<strong>da</strong>s, para o conhecimento <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de<br />

do desempenho térmico existente.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Desempenho Térmico; Bloco Cerâmico; Protótipo Habitacional.<br />

ABSTRACT:<br />

This work aims at evaluating the thermal performance of housing prototype, contrasting it with<br />

parameters established by norm design ABNT 02:136.01 - 001 – Performance of Housing Buildings<br />

of up to Five Floors. For the measurement of the thermal parameters, a temperature and humidity<br />

recorder was used, the HOBO <strong>da</strong>ta-logger. Later, the calculations of the evaluation parameters,<br />

thermal transmittance of the walls and roof, thermal capacity, thermal delay and solar factor were<br />

made. A simulation software Arquitrop was also used. All the information collected are collated<br />

and analyzed to obtain the knowledge of the reality of the existing thermal performance.<br />

133<br />

KEYWORDS: Thermal performance; Clay block, Housing prototype.<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

O presente trabalho trata <strong>da</strong> verificação do resultado de avaliação do desempenho<br />

térmico de um protótipo habitacional construído em bloco cerâmico.<br />

Considerando os aspectos social e humano, a construção necessita oferecer condições<br />

de conforto que possam apresentar um nível razoável de quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> aos usuários,<br />

onde é importante conhecer e avaliar os níveis de conforto térmico nessa habitação.<br />

Visando conhecer a reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> habitação de bloco cerâmico construído no Campus<br />

<strong>da</strong> UEL, pretende-se sistematizar as informações relativas ao desempenho térmico, e confrontá-las<br />

com parâmetros fixados pelo Projeto de Normas <strong>da</strong> ABNT. Considerando que o país se encontra em<br />

processo de normatização, torna-se interessante confrontar a reali<strong>da</strong>de com as diretrizes que estão<br />

sendo defini<strong>da</strong>s no projeto de normas com os valores encontrados realmente na construção.<br />

* Arquiteto e Urbanista. Formado pela Universi<strong>da</strong>de Estadual de Londrina em 1986. Professor do curso de Arquitetura e<br />

Urbanismo na <strong>UniFil</strong>. Mestrando em Engenharia de Edificações e Saneamento <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Estadual de Londrina. E-mail:<br />

neva<strong>da</strong> @uel.br / robertom@creapr.org.br<br />

** Arquiteto e Urbanista formado pela <strong>UniFil</strong> em 2003 e em Engenharia Civil pela PUC-PR em 2000. Mestrando em<br />

Engenharia de Edificações e Saneamento <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Estadual de Londrina. E-mail godoylesky@sercomtel.com.br<br />

*** Arquiteto e Urbanista. Mestrando em Engenharia de Edificações e Saneamento <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Estadual de Londrina. E-<br />

mail: reginaldo.mm@dilk.com.br<br />

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Análise de Desempenho Térmico de Protótipo Habitacional de Bloco Cerâmico<br />

Para a medição <strong>da</strong>s temperaturas e umi<strong>da</strong>de, foi utilizado um registrador <strong>da</strong>talogger<br />

marca HOBO na parte interna e externa <strong>da</strong> edificação. Como ferramenta de simulação, foi<br />

utilizado o software ARQUITROP e também foram desenvolvidos cálculos para ca<strong>da</strong> elemento<br />

construtivo referente à transmitância térmica, capaci<strong>da</strong>de térmica, atraso térmico e fator solar.<br />

Assim, o trabalho visa apurar o nível de desempenho térmico do protótipo<br />

habitacional e também parâmetros que determinam o desempenho térmico; e então confrontá-los<br />

com a norma <strong>da</strong> ABNT 2003.<br />

2. CONTEÚDO<br />

134<br />

No presente trabalho, a pesquisa verifica “in loco”, o comportamento térmico de<br />

um protótipo habitacional construído em bloco cerâmico, levando em consideração o que estabelece<br />

o projeto de norma <strong>da</strong> ABNT, que é composta por cinco partes, e encontra-se em fase final de<br />

avaliação.<br />

Esta norma visa estabelecer uma forma simplifica<strong>da</strong> para avaliar o desempenho<br />

térmico de habitação, garantindo limites mínimos de conforto térmico. A metodologia adota um<br />

zoneamento bioclimático do Brasil, que propõe a divisão do território brasileiro em oito zonas quanto<br />

ao clima, a<strong>da</strong>ptado <strong>da</strong> carta bioclimática sugeri<strong>da</strong> por Givoni. Para ca<strong>da</strong> uma destas zonas, são<br />

apresenta<strong>da</strong>s recomen<strong>da</strong>ções técnico-construtivas de adequação climática que visam à otimização<br />

do desempenho térmico <strong>da</strong>s edificações:<br />

- Tamanho <strong>da</strong>s aberturas para ventilação;<br />

- Proteção <strong>da</strong>s aberturas;<br />

- Ve<strong>da</strong>ções externas (tipo de parede externa e cobertura, considerando-se a<br />

transmitância térmica, atraso térmico e absortância à radiação solar).<br />

A norma estabelece valores admissíveis para as características termofísicas dos<br />

materiais de construção para ca<strong>da</strong> zona climática: transmitância (ì), capaci<strong>da</strong>de térmica (CT) e<br />

absortância (á).<br />

A parte prática do trabalho foi realiza<strong>da</strong> com o protótipo habitacional em bloco<br />

cerâmico, que se encontra dentro do Campus Universitário, onde se realizou a avaliação do desempenho<br />

térmico através de três métodos: característica <strong>da</strong> edificação (cálculo simplificado), simulações<br />

térmicas, e medição.<br />

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Foto 1 - Facha<strong>da</strong> sul.<br />

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Foto 2 - Facha<strong>da</strong> leste e norte.<br />

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Foto 3 - Facha<strong>da</strong> oeste.<br />

Foram desenvolvidos cálculos através do método estabelecido pelo projeto de norma<br />

<strong>da</strong> ABNT 02:135.07-001, parte 2, determinando-se para ca<strong>da</strong> elemento construtivo a<br />

transmitância, capaci<strong>da</strong>de térmica, atraso térmico e fator solar. Os cálculos foram realizados com<br />

auxílio do software “transmitância”, do LABEEE <strong>da</strong> UFSC – Universi<strong>da</strong>de Federal de Santa<br />

Catarina. Os resultados obtidos encontram-se nas tabelas abaixo:<br />

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Para o desenvolvimento do método de simulação foi utilizado como ferramenta de<br />

trabalho o software Arquitrop, que se baseia no método <strong>da</strong> admitância, do LABEEE <strong>da</strong> UFSC –<br />

Universi<strong>da</strong>de Federal de Santa Catarina. Junto com as medições foram identifica<strong>da</strong>s a tipologia<br />

construtiva <strong>da</strong> habitação, a orientação, e as características dos materiais utilizados nas paredes,<br />

pisos, coberturas e janelas.<br />

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Gráfico 1 – Temperaturas defini<strong>da</strong>s pelo software de simulação Arquitrop para o “dia típico” de<br />

verão.<br />

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Roberto Mititaka Ike<strong>da</strong>, Michelle Reichert <strong>da</strong> Silva de Godoy Leski e Reginaldo de Matos Manzano<br />

Tabela 3 – Temperaturas defini<strong>da</strong>s pelo software de simulação Arquitrop para o “dia típico” de<br />

verão.<br />

137<br />

Gráfico 2 – Temperaturas defini<strong>da</strong>s pelo software de simulação Arquitrop para o “dia típico” de<br />

inverno.<br />

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Tabela 4 – Temperaturas defini<strong>da</strong>s pelo software de simulação Arquitrop para o “dia típico” de<br />

inverno.<br />

138<br />

Para a realização <strong>da</strong>s medições dos parâmetros térmicos <strong>da</strong> habitação foi utilizado<br />

um registrador de temperatura e umi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>ta-logger marca HOBO. Foram feitas medições de<br />

temperatura interna e externa durante, aproxima<strong>da</strong>mente, 118 dias, de 04/06/2004 a 30/09/2004,<br />

com uma periodici<strong>da</strong>de dos registros de 1 hora. Posteriormente, à medição dos parâmetros térmicos<br />

definidos, realizou-se o tratamento dos <strong>da</strong>dos. Determinou-se para o estudo de caso o “dia<br />

típico de verão” e o “dia típico de inverno” de acordo com as especificações <strong>da</strong> norma, para fins de<br />

comparação com a mesma. Como referência utilizou-se o “dia típico” de verão e o de inverno <strong>da</strong><br />

ci<strong>da</strong>de de São Paulo, por ser a locali<strong>da</strong>de mais próxima e de mesma zona climática. Os resultados<br />

obtidos, quando confrontados com a norma, comprovam que a casa tem demonstrado desempenho<br />

térmico compatível com o nível “M”, ou seja: as temperaturas internas apresenta<strong>da</strong>s durante o<br />

verão foram inferiores a 29 ºC e, no inverno, foram superiores a 12ºC.<br />

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Gráfico 3 – “Dia típico de verão”, determinado de acordo com a norma.<br />

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Gráfico 4 – “Dia típico de inverno”, determinado de acordo com a norma.<br />

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3. CONSIDERAÇÕES GERAIS<br />

A norma apresenta facili<strong>da</strong>de de aplicação; porém verificou-se que a mesma não<br />

apresenta clareza no entendimento de alguns itens. Isto pode ser constatado no item que se refere<br />

à ventilação (o que se deve considerar como aberturas: portas e/ou janelas?).<br />

No que concerne à temperatura mínima estabeleci<strong>da</strong> para o “dia típico” de inverno,<br />

a norma apresenta equívocos de digitação, especificando como valores máximos.<br />

Analisando os resultados auferidos através dos métodos de cálculo simplificado e<br />

medição, concluiu-se que a edificação atende aos parâmetros estabelecidos pela norma. Já os<br />

resultados por simulação, não corroboram com os dos outros dois métodos, apresentando como<br />

principal divergência as temperaturas nos picos térmicos: mais eleva<strong>da</strong>s que o clima externo.<br />

4. REFERÊNCIAS<br />

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. Projeto de Norma 02:135.07-001: Desempenho<br />

térmico de edificações. Rio de Janeiro, 2003.<br />

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. Norma 02:136.01-001: Desempenho de<br />

edifícios habitacionais de até cinco pavimentos. Rio de Janeiro, 2004.<br />

GIVONI, B. Confort climate analysis and building design guidelines. Energy and Buildings, v.18,<br />

n.1, p.11-23, 1992.<br />

140<br />

LAMBERTS, R.; DUTRA, L.; PEREIRA, F. O. R. Eficiência energética na arquitetura. São<br />

Paulo: ProLivros, 2004.<br />

LAMBERTS, Roberto. Desempenho térmico de edificações. Definições, símbolos e uni<strong>da</strong>des.<br />

Cálculo <strong>da</strong> transmitância térmica e <strong>da</strong> resistência térmica de elementos e componentes. Zoneamento<br />

bioclimático brasileiro e diretrizes construtivas para habitações unifamiliares de interesse social.<br />

Florianópolis: UFSC (<strong>download</strong>s) http://www.laeee.ufsc.br/conforto/normas/index.htm<br />

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Roberto Mititaka Ike<strong>da</strong>, Michelle Reichert <strong>da</strong> Silva de Godoy Leski e Reginaldo de Matos Manzano<br />

ANEXOS<br />

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Figura 1 - Planta <strong>da</strong> Casa<br />

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Figura 2 - Corte Longitudinal<br />

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Janaina Rodrigues Pitas<br />

HOMENS DE NEGÓCIO: A INTERIORIZAÇÃO DA METRÓPOLE E DO<br />

COMÉRCIO NAS MINAS SETECENTISTAS *<br />

(São Paulo: Hucitec, 1999, 289p., 21cm.) ** Janaina Rodrigues Pitas ***<br />

RESUMO:<br />

“Homens de negócio: a interiorização <strong>da</strong> metrópole e do comércio nas Minas setecentistas” é fruto<br />

<strong>da</strong> tese de doutorado, defendi<strong>da</strong> pela professora Júnia Ferreira Furtado, adjunta do Departamento<br />

de História Social <strong>da</strong> USP. Ela também é autora dos livros <strong>da</strong> ‘capa verde’: “A vi<strong>da</strong> do Distrito<br />

Diamantino no período <strong>da</strong> Real Extração”; “Chica <strong>da</strong> Silva e o contratador dos diamantes: o outro<br />

lado do mito e organizadora de diálogos oceânicos”; “Minas Gerais e as novas abor<strong>da</strong>gens para<br />

uma história do Império Ultramarino Português”. Em ‘Homens de negócio’ a historiadora coloca<br />

como objeto de estudo o comércio e os comerciantes nas Minas durante o século XVIII, nos<br />

revelando os braços do poder metropolitano, os quais, inseriram na socie<strong>da</strong>de colonial alguns<br />

paradigmas, a fim de formá-la e controlá-la. Atuando através de diversas abor<strong>da</strong>gens: direito público<br />

(institucional) e privado (práticas cotidianas), essa obra tece as relações entre colônia e metrópole,<br />

apresenta antagonismos e singulari<strong>da</strong>des, fatos que denotam os aspectos de afirmação de<br />

uma socie<strong>da</strong>de nascente, pois, ao mesmo tempo em que a colônia recebia de Portugal elementos<br />

culturais na constituição <strong>da</strong> sua identi<strong>da</strong>de, ela resistia por meio de certos grupos e estruturas<br />

sociais peculiares, e também sofria com a disseminação <strong>da</strong> política autoritária e repressiva.<br />

ABSTRACT:<br />

“Businessmen: the interiorizing of metropolis and trade in the seventeenth-century Minas” is the<br />

product of Doctorate thesis by Professor Júnia Ferreira Furtado, adjunct to the Social History<br />

Department of USP. She is also the author of “green cover” books “Life in the Diamantino District<br />

at the time of the Royal Mining” and “Chica <strong>da</strong> Silva and the diamond contractor: the other side of<br />

the myth” and organizer of the oceanic dialogs “Minas Gerais and the new approaches to a history<br />

of the Ultramarine Portuguese Empire”.<br />

In “Businessmen”, the historian’s study subject is trading and traders in the Minas area during the<br />

eighteenth century, revealing the arms of the metropolitan power which inserted paradigms into the<br />

colonial society in order to form and control it. Working through several approaches – public law<br />

(institutional) and private law (<strong>da</strong>ily practices) – this work shows the relationships between the<br />

colony and the metropolis, presents antagonisms and singularities, facts which denote the affirmation<br />

aspects of a rising society, for, at the same time as it received from Portugal cultural elements<br />

for the constitution of its identity, it resisted through certain groups and peculiar social structures<br />

and also suffered with the dissemination of the authoritarian and repressive policy.<br />

A autora dividiu essas idéias em quatro capítulos: Fi<strong>da</strong>lgos e Lacaios; O Fio <strong>da</strong><br />

Narrativa; As Minas Endemonia<strong>da</strong>s; e Negociantes e Caixeiros. No primeiro capítulo ela analisa o<br />

aparecimento e inserção dos cristãos-novos, comerciantes, na metrópole e colônia; além disso,<br />

observa a forte relação dos judeus com o sistema financeiro e a opressão religiosa a que esses<br />

foram submetidos. Também, nos lembra que a Coroa, paulatinamente, aliciava-se aos novos convertidos<br />

no intento de reerguer-se economicamente; adicionalmente, o processo de inserção dos<br />

homens de negócios se <strong>da</strong>va pela compra de títulos nobiliárquicos e pelo ingresso nas Ordens<br />

Religiosas.<br />

* FURTADO, Júnia Ferreira (Autora <strong>da</strong> obra).<br />

** A obra aqui resenha<strong>da</strong> foi elabora<strong>da</strong> para um trabalho acadêmico em História do Brasil II, no ano de 2005, ministra<strong>da</strong> pela<br />

Professora Dra. Enezila de Lima, na Universi<strong>da</strong>de Estadual de Londrina.<br />

*** Gradua<strong>da</strong> em História pela Universi<strong>da</strong>de Estadual de Londrina. Aluna do Curso de Especialização em História Social pela<br />

mesma instituição - E-mail: janahistoria@pop.com.br jpitas@filadelfia.br<br />

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Visualizamos tais fatos ao analisar as correspondências de Francisco Pinheiro,<br />

comerciante, analfabeto, que entrara na Ordem dos Cavaleiros de Cristo, aspecto que significava<br />

prestígio na socie<strong>da</strong>de portuguesa, a qual estava embasa<strong>da</strong> sobre uma mentali<strong>da</strong>de de tradições. E<br />

isso se expressava através do Triunfo Eucarístico nas Minas, uma esfera em que se representava<br />

a posição social do indivíduo através <strong>da</strong> ostentação e insígnias de poder, aspectos de uma socie<strong>da</strong>de<br />

hierarquiza<strong>da</strong>.<br />

Nesse período, tínhamos a ambivalência na Companhia Geral de Comércio, que<br />

decorria, ora pela discriminação conduzi<strong>da</strong> pela Inquisição em relação aos negociantes, ora pela<br />

possibili<strong>da</strong>de de que esses ci<strong>da</strong>dãos promovessem o desenvolvimento econômico.<br />

Uma política de integração efetiva, que se tornou possível no governo do Marquês<br />

de Pombal, que teve a clareza <strong>da</strong> importância do capital ju<strong>da</strong>ico. Pombal, ao reorganizar a máquina<br />

administrativa, procurou parcerias para obter maior controle sobre a colônia, por meio dos próprios<br />

comerciantes, visto que o comércio era um importante mecanismo de interiorização <strong>da</strong> metrópole<br />

na colônia. Dessa forma, a Coroa utilizava-se dos homens de negócio no intento de estender o seu<br />

poder aos lugares mais distantes, em especial, no auge aurífero <strong>da</strong>s Minas; ou seja, as cadeias<br />

informais de poder real que se estendiam pelo comércio tinham o papel de garantir na colônia a<br />

subsistência <strong>da</strong> população, a penetração em lugares distantes e a cobrança de tributos, mesmo que<br />

indiretamente.<br />

Outro fator, de suma importância para estabelecer o domínio administrativo foi a<br />

distribuição de cargos e favores, um universo político de redes clientelares, ‘a economia do dom’,<br />

em que fazia parte <strong>da</strong>s práticas formais e informais do poder <strong>da</strong> Coroa escalonar a socie<strong>da</strong>de<br />

colonial em hierarquias. Contudo, ocorria uma incompatibili<strong>da</strong>de de interesses entre a Coroa e os<br />

seus subordinados, pois imiscuía-se o ‘público’ no ‘privado’. Na ‘economia do dom’ muitas vezes a<br />

vontade particular suplantava os interesses públicos. Observamos que essa relação apresentava as<br />

singulari<strong>da</strong>des <strong>da</strong> colônia e a penetração <strong>da</strong>s idéias vin<strong>da</strong>s de Portugal, implicando, respectivamente,<br />

na insubmissão e submissão dos colonos.<br />

O segundo capítulo destaca o uso <strong>da</strong>s correspondências nas ativi<strong>da</strong>des mercantis,<br />

“pontes” entre o velho e o novo mundo, as quais, forneciam trocas de informações que poderiam<br />

culminar na prosperi<strong>da</strong>de comercial portuguesa. Embora a palavra escrita ganhasse maiores proporções,<br />

a orali<strong>da</strong>de, ain<strong>da</strong>, tinha seu peso nas relações de confiança (familiares); era uma questão<br />

de honra cumprir os acordos firmados através <strong>da</strong> palavra. Somente a partir dos empreendimentos<br />

<strong>da</strong> política pombalina, que buscavam a ordenação dos negócios mercantis, tivemos o aprimoramento<br />

do uso <strong>da</strong> escrita nos treinamentos para comerciantes, métodos eficazes na escrituração e na<br />

organização comercial. O avanço do comércio ocasionava mu<strong>da</strong>nças na percepção do tempo;<br />

concomitantemente, tínhamos o tempo de Deus e o tempo do mercador; nesse último, era o lucro<br />

quem ditava aos homens de negócios o uso apropriado do tempo. As correspondências e a abertura<br />

de novas rotas terrestres eram auxiliares nesse processo, pois difundiam novas concepções de<br />

valores, reproduzindo novas relações sociais.<br />

O terceiro capítulo <strong>da</strong> obra aqui resenha<strong>da</strong> busca conhecer como se deu a formação<br />

populacional nas Minas a partir <strong>da</strong> descoberta do ouro; sendo um sistema agrícola e escravista<br />

comportava e recebia continuamente as correntes migratórias, as quais, necessitavam de medi<strong>da</strong>s<br />

restritivas, pois temia-se que ocorresse despovoamento nas outras regiões. Vinham para as Minas:<br />

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Janaina Rodrigues Pitas<br />

paulistas, judeus, ciganos, portugueses, entre outros. Alguns considerados como insubmissos, mas<br />

que, convenientemente para o reino, adentravam o sertão e as Minas. O impacto desse fato na<br />

estrutura social provocava: casamentos tardios, crianças ilegítimas, miscigenações, famílias extensas,<br />

muitos homens que permaneciam solteiros por conta do fato <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de mineradora ser<br />

transitória, além <strong>da</strong> falta de mulheres brancas e livres, culminando em um mosaico cultural.<br />

É possível verificar nos autos, os esforços <strong>da</strong> Igreja para moralizar o comportamento<br />

<strong>da</strong>quela população; as Devassas registravam inúmeros delitos, como o concubinato. Novamente<br />

o aspecto que reforçava esse controle mútuo era o grande valor <strong>da</strong>do à palavra, já que a<br />

maioria dos colonos era constituí<strong>da</strong> por analfabetos; sendo assim, as denúncias faziam-se pelo<br />

“ouvi dizer” de outros.<br />

Os movimentos violentos eram freqüentes nas Minas; algumas pessoas como o<br />

Conde Assumar, atribuíam ao clima quente a razão para as inúmeras tensões. A rebeldia, de difícil<br />

controle pelas autori<strong>da</strong>des, se devia, em parte, pela grande mobili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> população; homens acostumados<br />

a viver sem lei, dispostos a tudo, sem na<strong>da</strong> ou pouco a perder. Por diversas vezes a<br />

formação corporativa <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de era composta de sol<strong>da</strong>dos, sem muitas opções de sobrevivência,<br />

aliciados à criminali<strong>da</strong>de ou chefiados por potentados que agiam de acordo com seus interesses<br />

particulares. Outro aspecto a ser destacado, era a ocorrência de motins de escravos e as<br />

desordens entre os mineiros durante a cobrança do quinto, que configuravam o quadro conturbado<br />

de resistências nas Minas.<br />

O quarto e último capítulo destaca as ativi<strong>da</strong>des comercias nas Minas, a urbanização,<br />

o crescimento do número de profissionais liberais (advogados, boticários, taberneiros, médicos,<br />

entre outros ofícios) e dos desclassificados. O processo de formação de redes de abastecimento<br />

interno, em especial a agricultura de alimentos, a pecuária e os engenhos de açúcar, aspectos<br />

de produção que eram complementados com as mercadorias importa<strong>da</strong>s, necessárias aos mineiros.<br />

A tributação sobre a comercialização expressava o controle e o interesse <strong>da</strong> Coroa<br />

de expandir-se por variados meios. O comércio realizado pelos ci<strong>da</strong>dãos brancos e ricos era<br />

visto pela metrópole com bons olhos, enquanto que, os realizados pelos mascates e negras de<br />

tabuleiros eram tidos como vetores <strong>da</strong> desordem. O abastecimento de carne, fiscalizado constantemente<br />

por ser um produto de grande deman<strong>da</strong>, era a principal fonte de impostos. Os medicamentos,<br />

a carne de frango e a ‘água ardente’ sofreram, também, uma especial vigilância, pois concorriam<br />

para o lucro e para a ordem social.<br />

Houve ain<strong>da</strong>, cui<strong>da</strong>dos metropolitanos em relação à nomeação dos cargos administrativos<br />

na colônia, a fim de que os interesses do Reino coincidissem com os dos seus representantes;<br />

sendo assim, o poder do rei não era pulverizado. Contudo, de início somente os “homens<br />

bons”, ricos e brancos podiam nomear os vereadores. Eram os pertencentes à elite, proprietários<br />

de terras e escravos (garantias de status social), diferenciavam-se dos demais por não exercerem<br />

ativi<strong>da</strong>des manuais, uma vez que os ofícios mecânicos eram “desqualificados”. O avultamento dos<br />

negócios tornava a distinção dos ci<strong>da</strong>dãos pelas suas posses imprescindível, conflitando, assim,<br />

com a valorização através de laços nobiliárquicos e hierárquicos.<br />

Os cristãos-novos, no intento de controlar o comércio estabeleciam entre seus<br />

familiares redes corporativas visando estender e fortalecer suas relações mercantis. A abertura de<br />

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rotas terrestres e o comércio dos escravos foram fatores importantes nesse período de expansão<br />

<strong>da</strong>s fronteiras, em que se almeja perpetuar a manutenção de um sistema rendoso e uma pequena<br />

cama<strong>da</strong> social compartilhava os interesses metropolitanos: os homens de negócios.<br />

Podemos dizer que o descobrimento do ouro nas Minas no final do século XVII,<br />

estimulou o crescimento do número de rotas comerciais, e que o processo de interiorização promovido<br />

pela metrópole na colônia revelou o papel do comerciante, já que esse, ao se estabelecer na<br />

“nova terra” estendia, nas suas relações, o poder <strong>da</strong> Coroa; mas também interagia com as necessi<strong>da</strong>des<br />

dos colonos.<br />

A expansão comercial, em decorrência do aumento na deman<strong>da</strong> de produtos, necessitou<br />

de precisão nos cálculos a fim de que se garantisse o lucro. Associado a isso, tivemos a<br />

revolução comercial que ocorria a partir <strong>da</strong> criação de nova rotas de comércio, sistemas de transporte,<br />

armazenamento, distribuição de mercados e comunicação mais eficientes. Cartas comerciais<br />

eram veículos de reprodução do poder na colônia, além de movimentos não institucionais, e<br />

leituras culturais realiza<strong>da</strong>s por várias cama<strong>da</strong>s sociais.<br />

O desenvolvimento <strong>da</strong> correspondência possibilitou que se conhecesse um pouco<br />

<strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de em transição, <strong>da</strong> Medieval para a Moderna, que permeava aquela socie<strong>da</strong>de. Em<br />

específico, a autora estudou a correspondência de Francisco Pinheiro, homem de negócios, português.<br />

Utilizou-se de documentos que permitiram conhecer as relações desse personagem com os<br />

comerciantes nas Minas; os correspondentes estavam compreendidos entre familiares, negociantes<br />

e compadrios. Outras fontes de estudo foram os livros de Devassas <strong>da</strong>s Visitações Eclesiásticas<br />

no século XVIII nas Minas, que relatam os crimes relacionados à heresia ju<strong>da</strong>ica.<br />

De acordo com a autora, os aspectos fun<strong>da</strong>mentais entre a Coroa e os comerciantes<br />

foram: dominar o mercado de abastecimento, o qual, mantinha a crescente população urbana;<br />

concentrar os impostos referentes às ativi<strong>da</strong>des comerciais e complementar os ganhos <strong>da</strong> metrópole,<br />

através <strong>da</strong> tributação dos metais; a utilização de mecanismos em que os comerciantes faziam<br />

<strong>da</strong> dependência dos colonos devido a endivi<strong>da</strong>mento uma forma de controle. Sobretudo devemos<br />

salientar que o Reino em conjunto com os comerciantes, muitas vezes envolvidos por teias clientelares,<br />

forneceram elementos para a formação heterogênea <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de brasileira, integrando súditos do<br />

além-mar ao Império Português, em um processo histórico que compreendia “o súdito fiel e o<br />

rebelde colono”.<br />

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TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


Janaina Rodrigues Pitas<br />

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TERRA E CULTURA - Nº 43 - Ano 22 - Julho a Dezembro 2006


AOS COLABORADORES<br />

A Revista TERRA E CULTURA é uma<br />

publicação semestral <strong>da</strong> <strong>UniFil</strong>. Tem por<br />

finali<strong>da</strong>de divulgar artigos científicos e/ou<br />

culturais que possam contribuir para o conhecimento,<br />

o desenvolvimento e a discussão nos<br />

diversos ramos do saber. Um artigo encaminhado<br />

para publicação deve obedecer às<br />

seguintes normas:<br />

1- Estar consoante com as finali<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />

Revista.<br />

2- Ser escrito em língua portuguesa e digitado<br />

em espaço duplo, papel tamanho ofício,<br />

mantendo margens laterais de 3 cm (de<br />

acordo com a ABNT). Recomen<strong>da</strong>-se<br />

que o número de páginas não ultrapasse a<br />

15 (quinze).<br />

3- Tabelas e gráficos devem ser numerados<br />

consecutivamente e endereçados por seu<br />

título, sugerindo-se a não repetição dos<br />

mesmos <strong>da</strong>dos em gráficos e tabelas<br />

conjuntamente.<br />

4- Fotografias poderão ser publica<strong>da</strong>s.<br />

Publicar-se-ão trabalhos originais que se<br />

enquadrem em uma <strong>da</strong>s seguintes categorias:<br />

4.1- Relato de Pesquisa: apresentação de<br />

investigação sobre questões direta ou<br />

indiretamente relevantes ao conhecimento<br />

científico, através de <strong>da</strong>dos analisados com<br />

técnicas estatísticas pertinentes.<br />

4.2- Artigo de Revisão Bibliográfica: destinado<br />

a englobar os conhecimentos disponíveis sobre<br />

determinado tema, mediante análise e interpretação<br />

<strong>da</strong> bibliografia pertinente.<br />

4.3- Análise Crítica: será bem-vin<strong>da</strong>, sempre<br />

que um trabalho dessa natureza possa apresentar<br />

especial interesse.<br />

4.4- Atualização: destina<strong>da</strong> a relatar informações<br />

técnicas atuais sobre tema de interesse<br />

para determina<strong>da</strong> especiali<strong>da</strong>de.<br />

4.5- Resenha: não poderá ser mero resumo,<br />

pois deverá incluir uma apreciação crítica.<br />

4.6- Atuali<strong>da</strong>des e informações: texto destinado<br />

a destacar acontecimentos contemporâneos<br />

sobre áreas de interesse científico.<br />

5- Re<strong>da</strong>ção – No caso de relato de pesquisa,<br />

embora permitindo liber<strong>da</strong>de de estilos aos<br />

autores, recomen<strong>da</strong>-se que, de um modo<br />

geral, sigam à clássica divisão:<br />

Introdução – proposição do problema e <strong>da</strong>s<br />

hipóteses em seu contexto mais amplo, incluindo<br />

uma análise <strong>da</strong> bibliografia pertinente;<br />

Metodologia-descrição dos passos principais<br />

de seleção <strong>da</strong> amostra, escolha ou elaboração<br />

dos instrumentos, coleta de <strong>da</strong>dos e procedimentos<br />

estatísticos de tratamento de <strong>da</strong>dos;<br />

Resultados e Discussão – apresentação dos<br />

resultados de maneira clra e concisa,seguidos<br />

de interpretação dos resultados e <strong>da</strong> análise de<br />

suas implicações e limitações. Nos casos de<br />

Revisão Bibliográfica, Análises Críticas,<br />

Atualizações e Resenhas, recomen<strong>da</strong>-se que<br />

os autores observem às tradicionais etapas:<br />

Introdução, Desenvolvimento e Conclusões.<br />

6- O artigo deverá apresentar resumo e<br />

palavras chaves em português e abstract<br />

e key words em inglês.<br />

7- Deve ser entregue na forma de disquete.<br />

8- As Referências deverão ser lista<strong>da</strong>s por<br />

ordem alfabética do último sobrenome do<br />

primeiro autor, respeitando a última edição<br />

<strong>da</strong>s Normas <strong>da</strong> ABNT.<br />

9- Indicar, por uma chama<strong>da</strong> de asterisco, em<br />

nota de ro<strong>da</strong>pé, a qualificação técnicoprofissional<br />

do(s) autor(es).<br />

10- Informar o E-mail do autor ou do co-autor<br />

que deverá ser contatado pelo público<br />

leitor.<br />

A publicação do trabalho nesta Revista dependerá<br />

<strong>da</strong> observância <strong>da</strong>s normas acima<br />

sugeri<strong>da</strong>s, <strong>da</strong> apreciação por parte do Conselho<br />

Editorial e dos pareceres emitido pelos<br />

Consultores. Serão selecionados os artigos<br />

apresentados de acordo com a relevância a<br />

atuali<strong>da</strong>de do tema, com o n° de artigos por<br />

autor, e com a atuali<strong>da</strong>de do conhecimento<br />

dentro <strong>da</strong> respectiva área.<br />

Conselho Editorial de<br />

TERRA E CULTURA.<br />

Av Juscelino Kubitscheck,1626<br />

86020-000 – Londrina-PR.<br />

Telefone: (43) 3375-7401<br />

E-mail: <strong>revista</strong>terraecultura@unifil.br

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