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entidade mantenedora: instituto filadélfia de londrina - UniFil

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TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39<br />

i<br />

CENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIA<br />

ENTIDADE MANTENEDORA:<br />

INSTITUTO FILADÉLFIA DE LONDRINA<br />

Diretoria:<br />

Agnello Correa <strong>de</strong> Castilho ...............................Presi<strong>de</strong>nte<br />

Ana Maria <strong>de</strong> Moraes Gomes............................Diretora Vice-Presi<strong>de</strong>nte<br />

Wellington Werner.............................................Diretor Primeiro Secretário<br />

Lélia Monteiro <strong>de</strong> Melo Bronzeti ........................Diretora Segunda Secretária<br />

Alberto Luiz Cândido Wust ...............................Diretor Primeiro Tesoureiro<br />

José Severino ....................................................Diretor Segundo Tesoureiro<br />

Osni Ferreira (Rev.) ...........................................Chanceler<br />

Eleazar Ferreira .................................................Reitor


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39<br />

ii


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39<br />

iii<br />

ISSN 0104-8112<br />

TERRA E CULTURA<br />

1<br />

Ano XX - nº 39 - julho a <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2004<br />

CONSELHO EDITORIAL<br />

PRESIDENTE<br />

Ta<strong>de</strong>u Elisbão<br />

CONSELHEIROS<br />

A<strong>de</strong>mir Morgenstern Padilha<br />

Damares Tomasin Biazin<br />

João Juliani<br />

Joaquim Pacheco <strong>de</strong> Lima<br />

José Martins Trigueiro Neto<br />

Juliana Harumi Suzuki<br />

Maria Eduvirges Marandola<br />

Marisa Batista Brighenti


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39<br />

iv


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39<br />

v<br />

CENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIA<br />

REITOR:<br />

Dr. Eleazar Ferreira<br />

PRÓ-REITORA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO:<br />

Profª. Vera Lúcia Lemos Basto Echenique<br />

COORDENADORA DE CONTROLE ACADÊMICO:<br />

Profª. Isabel Barbim<br />

COORDENADORA DE AÇÃO ACADÊMICA:<br />

Profª. Vera Aparecida <strong>de</strong> Oliveira Colaço (até 30/09/04)<br />

PRÓ-REITOR DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO:<br />

Prof. Nardir Antonio Sperandio<br />

COORDENADOR DE PROJETOS ESPECIAIS E ASSESSOR DO REITOR:<br />

Prof. Reynaldo Camargo Neves<br />

COORDENADOR DE PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS:<br />

Prof. Ta<strong>de</strong>u Elisbão<br />

COORDENADORES DE CURSOS DE GRADUAÇÃO:<br />

Administração<br />

Arquitetura e Urbanismo<br />

Ciências Biológicas<br />

Ciências Contábeis<br />

Direito<br />

Enfermagem<br />

Farmácia<br />

Fisioterapia<br />

Nutrição<br />

Pedagogia<br />

Psicologia<br />

Secretariado Executivo<br />

Tecnologia em Proc. <strong>de</strong> Dados<br />

Teologia<br />

Turismo<br />

Prof. Luís Marcelo Martins<br />

Prof. Gílson Jacob Bergoc<br />

Prof. João Antônio Cyrino Zequi<br />

Prof. Eduardo Nascimento da Costa<br />

Prof. Osmar Vieira da Silva<br />

Profª. Damares Tomasin Biazin<br />

Profª. Lenita Brunetto Bruniera<br />

Profª. Gladys Cely Faker Lavado<br />

Profª. Flávia Hernan<strong>de</strong>z Fernan<strong>de</strong>z<br />

Profª. Marta Regina Furlan <strong>de</strong> Oliveira<br />

Prof. João Juliani<br />

Profª. Izabel Fernan<strong>de</strong>s Garcia <strong>de</strong> Souza<br />

Prof. Adail Roberto Nogueira<br />

Prof. Rev. Silas Barbosa Dias<br />

Prof. João dos Santos Filho<br />

Rua Alagoas, nº 2.050 - CEP 86.020-430<br />

Fone: (0xx43) 3375-7400 - Londrina - Paraná


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39<br />

vi


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39<br />

vii<br />

SUMÁRIO<br />

EDITORIAL ...................................................................................................... 1<br />

O PARANÁ E O FUTURO DO MERCOSUL................................................ 3<br />

Adalberto Brandalize<br />

Luiz Santo Brogiato<br />

ESTRATÉGIA EMPRESARIAL – UMA QUESTÃO DE VIDA OU MOR-<br />

TE ................................................................................................................. 19<br />

Adalberto Brandalize<br />

OS IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NO MUNDO DO TRABALHO<br />

...................................................................................................................... 32<br />

Ângela Maria <strong>de</strong> Sousa Lima<br />

EDUCAÇÃO BRASILEIRA: REFLEXÕES E PERSPECTIVAS ............. 50<br />

Agnaldo Kupper<br />

POR UMA PROPOSTA DE ALFABETIZAÇÃO CIDADÃ COM CRIAN-<br />

ÇAS SURDAS ............................................................................................ 61<br />

Renate Huhmann Klein<br />

ESTRUTURAÇÃO DE AULA PRÁTICA BASEADA NA GERMINAÇÃO<br />

DE SEMENTES DE Vellozia flavicans Mart. ex Schult (VELLOZIACEAE)<br />

...................................................................................................................... 71<br />

Dario Palhares


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39<br />

viii<br />

AVALIAÇÃO DOS RELACIONAMENTOS FAMILIAR E SOCIAL E DAS<br />

EXPECTATIVAS DO NOVO MODELO DE INTERVENÇÃO JUNTO A<br />

PACIENTES DO CAPS ............................................................................. 77<br />

Mariana Finco<br />

Paula Solci<br />

Vanessa Rocha<br />

Carmen Garcia <strong>de</strong> Almeida<br />

CIÚME: NORMAL OU DOENTIO ? ........................................................... 85<br />

Ariane Duarte<br />

Cláudia Furiatti<br />

Fernanda Valentim<br />

Merilu Longhin<br />

Maria Cecília Balthazar<br />

ANÁLISE CRÍTICA TEÓRICA DA EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE<br />

CLIMA ORGANIZACIONAL ................................................................. 91<br />

Maria Aparecida Ferreira <strong>de</strong> Aguiar<br />

E<strong>de</strong>lvais Keller<br />

AS ALTERAÇÕES DO COMPORTAMENTO E O SUPORTE PARA UMA<br />

VIDA MELHOR ATRAVÉS DA CRENÇA RELIGIOSA ................... 114<br />

Ricardo Baracho dos Anjos<br />

José Antônio Baltazar<br />

AS RELAÇÕES FAMILIARES, A ESCOLA, E SUA INFLUÊNCIA NO<br />

DESENVOLVIMENTO INFANTO-JUVENIL E NA APRENDIZAGEM<br />

.................................................................................................................... 126<br />

José Antonio Baltasar<br />

Lúcia Helena Tiosso Moretti


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39<br />

ix<br />

OS HACKERS E A PIRATARIA CIBERNÉTICA ............................... 136<br />

Carlos Francisco Borges Ferreira Pires<br />

Rogério Martins <strong>de</strong> Paula<br />

Simone Vinhas <strong>de</strong> Oliveira<br />

Renata Silveira <strong>de</strong> Paiva<br />

Yeza Bozo Tonin<br />

Fernanda Dias Franco<br />

Valkíria Aparecida Lopes Ferraro<br />

ATENDENDO À KPA REQUISITOS DO CMM ATRAVÉS DO RUP E FER-<br />

RAMENTAS RATIONAL ....................................................................... 145<br />

Fábio Luiz Gambarotto<br />

A<strong>de</strong>mir Morgenstern Padilha<br />

HIPERVOLEMIA E FLEBITE RELACIONADAS À ADMINISTRAÇÃO<br />

DE MEDICAMENTOS............................................................................ 155<br />

Marcelo Ruela <strong>de</strong> Oliveira<br />

Andréia Bendine Gastaldi


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39<br />

x


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 1<br />

EDITORIAL<br />

TERRA E CULTURA nesta ocasião dá a público este seu Nº 39 completando<br />

a sua programação editorial para o corrente ano <strong>de</strong> 2004, o 20º da sua<br />

existência profícua, sempre semeando idéias e fazendo pensar.<br />

Nos últimos anos o Centro Universitário Filadélfia (<strong>UniFil</strong>) expandiu-se<br />

sobremaneira e consolidou ainda mais a sua posição no cenário educacional do<br />

país e, da mesma forma a Revista também viu-se robustecida.<br />

Cresceu a relação <strong>de</strong> instituições <strong>de</strong> ensino superior (IES) e <strong>de</strong> pesquisa que<br />

passaram a figurar na mala-direta para recebimento <strong>de</strong> exemplares a cada edição.<br />

O ingresso <strong>de</strong>sses novos <strong>de</strong>stinatários <strong>de</strong>u-se por iniciativa das próprias Instituições,<br />

que formalizaram o seu interesse através das respectivas bibliotecas.<br />

Neste contexto TERRA E CULTURA vê ampliar a sua área <strong>de</strong> abrangência<br />

a cada ano, fato que consubstancia um dos seus objetivos, claramente estabelecido<br />

pelo Conselho Editorial. Paralelamente têm sido firmados contratos <strong>de</strong> permuta<br />

com Instituições que também publicam periódicos <strong>de</strong> divulgação científicocultural,<br />

o que é muito salutar para a <strong>UniFil</strong>, e também para os novos parceiros.<br />

O N.º 39 está rico e atraente através dos 14 artigos que foram selecionados<br />

para integrá-lo. Mesmo assim a Revista encontra-se permanentemente receptiva a<br />

críticas e sugestões, bem como a contribuições na forma <strong>de</strong> novos artigos para<br />

compor os Nº 40, 41 ........<br />

O Conselho Editorial


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 2


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 3<br />

O PARANÁ E O FUTURO DO MERCOSUL<br />

*<br />

Adalberto Brandalize<br />

**<br />

Luiz Santo Brogiato<br />

RESUMO<br />

1<br />

Historicamente, o início do MERCOSUL se <strong>de</strong>u em 1947 com Simão Bolívar,<br />

com este cidadão pregando uma integração continental entre as nações. Após<br />

mais <strong>de</strong> 50 anos, po<strong>de</strong>mos afirmar que o MERCOSUL é uma realida<strong>de</strong>. É verda<strong>de</strong><br />

que há alguns aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> percurso, mas são todos removidos, graças à boa vonta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> nossos representantes. Os processos <strong>de</strong> integração econômica regional<br />

acarretam mudanças significativas no sistema <strong>de</strong> relações industriais na respectiva<br />

região. O processo <strong>de</strong> re<strong>de</strong>mocratização <strong>de</strong> vários países do continente fez com<br />

que antigas rivalida<strong>de</strong>s não mais existissem, trazendo como conseqüência o fato<br />

<strong>de</strong> nações como a Argentina e o Brasil passaram a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r literalmente a<br />

integração, mais especificamente, o Cone-Sul, na América do Sul, face à proximida<strong>de</strong><br />

geográfica e às afinida<strong>de</strong>s culturais. O Comércio entre as nações, representado<br />

pelas Exportações, é a alavanca do crescimento e do <strong>de</strong>senvolvimento dos<br />

países, uma vez que o Capital <strong>de</strong> Investimento anda escasso e com elevado custo.<br />

As ações do Estado do Paraná têm procurado fazer avançar o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

da economia, com base na reestruturação e expansão competitivas da<br />

economia internacional, como forma <strong>de</strong> estimular a criação <strong>de</strong> empregos, o aumento<br />

da renda e a elevação, <strong>de</strong> modo sustentável, do padrão <strong>de</strong> vida da população.<br />

O presente estudo enfoca os principais países parceiros e os produtos que<br />

vêm aumentando nos últimos anos a sua participação nas exportações do Paraná,<br />

bem como busca <strong>de</strong>monstrar a importância das exportações para o Paraná e para<br />

os países membros do MERCOSUL.<br />

PALAVRAS-CHAVE: MERCOSUL; Exportações; Integração; Parceiros<br />

Comerciais.<br />

*<br />

Administrador <strong>de</strong> Empresas. Professor Universitário e <strong>de</strong> Pós-Graduação. Consultor Empresarial.<br />

Mestre em Administração. Pesquisador e autor <strong>de</strong> artigos científicos. Executivo, palestrante, autor <strong>de</strong><br />

projetos <strong>de</strong> extensão. Coor<strong>de</strong>nador Acadêmico <strong>de</strong> Pós-Graduação. Conciliador do Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />

do Estado do Paraná. E-mail: branda@sercomtel.com.br - www.professorbrandalize.hpg.com.br<br />

**<br />

Economista. Professor Universitário e <strong>de</strong> Pós-Graduação. Mestrando em Administração pela UEL.<br />

Consultor Empresarial. Especialista em Qualida<strong>de</strong> Total e Gerência <strong>de</strong> Marketing. Palestrante, Pesquisador<br />

e Executivo. Coor<strong>de</strong>nador Acadêmico e <strong>de</strong> Pós-Graduação. Conciliador do Tribunal <strong>de</strong><br />

Justiça do Estado do Paraná.<br />

E-mail: brogiato@pop.com.br


ABSTRACT<br />

TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 4<br />

Historically, the beginning of MERCOSUL occurred in 1947, with Simon<br />

Bolivar preaching in favor of a continental integration among the nations. After<br />

over 50 years, we can affirm that MERCOSUL is a reality. It is true that some<br />

inci<strong>de</strong>nts exist, but they are all removed thanks to the good will of our representatives.<br />

The regional economical integration processes cause significant changes in the system<br />

of industrial relationships in the given area.The re-<strong>de</strong>mocratization process of several<br />

countries of the continent put an end to the old rivalries, making the nations like<br />

Argentina and Brazil to literally start advocating for integration, particularly the<br />

South Cone, in South America, due to their geographical proximity and the cultural<br />

likeness. The Tra<strong>de</strong> among the nations, represented by the Exports, is the growth<br />

and <strong>de</strong>velopment lever of the countries, since the Investment Capital has been scarce<br />

and of a high cost. The actions of the State of Paraná have been trying to promote<br />

advancement in the process of economy <strong>de</strong>velopment based on the competitive<br />

restructuring and expansion of international economy as a form of stimulating the<br />

creation of jobs, income increase, and the elevation, in a sustainable way, of the<br />

population’s standard of living. The study focuses on the main partner-countries<br />

and the products that have increased, in the last years, their participation in the<br />

exports of Paraná. It also tries to <strong>de</strong>monstrate the importance of the exports to the<br />

State of Paraná and to the member-countries of MERCOSUL.<br />

KEY-WORDS: MERCOSUL; Exports; Integration; Commercial Partners.<br />

INTRODUÇÃO<br />

Este artigo objetiva proporcionar um exercício <strong>de</strong> análise prospectiva sobre<br />

o itinerário futuro do Estado do Paraná em relação ao MERCOSUL, com base em<br />

uma discussão não exaustiva dos principais problemas e oportunida<strong>de</strong>s que se<br />

colocam para a sua evolução política e econômica.<br />

Em 1947, surge o Tratado Interamericano <strong>de</strong> Ajuda Recíproca (TIAR); em<br />

1960, a Associação Latino-Americana <strong>de</strong> Livre Comércio – ALALCA; em 1961,<br />

a Assistência Recíproca Petroleira Estatal Latino-Americana; em 1968, a Associação<br />

Latino-América <strong>de</strong> Instituições Financeiras para o Desenvolvimento; em 1969,<br />

o Grupo Andino; em 1975, o Sistema Econômico Latino-Americano – SELA; em<br />

1980, a Associação Latino-America <strong>de</strong> Integração – ALADI.<br />

Verifica-se que, durante décadas, boa parte do crescimento da maioria dos<br />

países da América Latina sofreu influência do mo<strong>de</strong>lo da Comissão Econômica


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 5<br />

para a América Latina e o Caribe, e tinha como base a substituição das importações,<br />

com a ajuda <strong>de</strong> um Estado centralizador e indutor do processo <strong>de</strong> industrialização<br />

e <strong>de</strong> produção.<br />

Mas, no início da década <strong>de</strong> 80, em meio aos problemas da dívida externa e<br />

do impacto crescente da globalização dos mercados, além da importância <strong>de</strong> novas<br />

tecnologias, este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>smoronou-se.<br />

O Brasil vem gradativamente, nos últimos anos, assumindo uma posição <strong>de</strong><br />

vanguarda nas negociações para minimizar as diferenças em relação aos países/<br />

parceiros. É inevitável salientar a posição geográfica privilegiada do Estado do<br />

Paraná em relação ao MERCOSUL.<br />

“Não obstante essa realida<strong>de</strong>, do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> suas possibilida<strong>de</strong>s<br />

efetivas e potenciais <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, não se<br />

po<strong>de</strong>ria recusar o fato <strong>de</strong> que o Brasil <strong>de</strong>tém, <strong>de</strong> fato, a chave<br />

estratégica do itinerário político e econômico do MERCOSUL<br />

no século XXI, mesmo consi<strong>de</strong>rando-se que este país não ostenta,<br />

objetivamente, nenhum comportamento econômico “imperial”<br />

e que ele se tenha <strong>de</strong>spido <strong>de</strong> qualquer veleida<strong>de</strong> política<br />

uniteralista ao engajar-se <strong>de</strong>cisivamente no projeto<br />

integracionista com a Argentina a partir <strong>de</strong> meados dos anos<br />

80” (CASELLA, 2000:15).<br />

Ë importante observar que a América Latina recebeu gran<strong>de</strong> parte dos investimentos<br />

estrangeiros realizados em países em <strong>de</strong>senvolvimento - na década <strong>de</strong><br />

90, 80%. Como exemplo verifica-se que, em 1991, foram recebidos trinta e seis<br />

bilhões <strong>de</strong> dólares. Demonstrando confiabilida<strong>de</strong> do sistema financeiro internacional<br />

em relação à região, essas tendências permanecem nos dias atuais.<br />

O objetivo da consolidação dos blocos é substituir a concorrência entre nações<br />

pela concorrência entre regiões, mas também há toda uma estratégia <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa<br />

para a formação <strong>de</strong> outros blocos <strong>de</strong> mercado, garantindo a sobrevivência dos<br />

que já existem.<br />

Devido às proximida<strong>de</strong>s culturais <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> Estado e <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>,<br />

o MERCOSUL está a caminho <strong>de</strong> superar as dificulda<strong>de</strong>s econômicas, políticas<br />

e jurídicas peculiares a países em <strong>de</strong>senvolvimento, buscando adaptação aos<br />

tempos mo<strong>de</strong>rnos, possibilitando, assim, um projeto comunitário dotado <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

vitalida<strong>de</strong> econômica, social e cultural.<br />

Assistimos, atualmente, a gran<strong>de</strong>s mudanças no que se refere ao Estado<br />

Mo<strong>de</strong>rno frente às novas experiências <strong>de</strong> integração econômica, e a uma constan-


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 6<br />

te reorganização dos espaços regionais e blocos econômicos; portanto, é uma reorganização<br />

do capital mundial que, em última análise, é resultante do processo<br />

<strong>de</strong> globalização/internacionalização das economias regionais.<br />

Este estudo preten<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> breve relato sobre a evolução histórica do<br />

MERCOSUL, fornecer informações no tocante aos produtos e parceiros comerciais<br />

mais importantes do Estado do Paraná, bem como um panorama do comércio<br />

exterior paranaense, com o intuito <strong>de</strong> servir <strong>de</strong> material <strong>de</strong> apoio a empresas,<br />

profissionais ou instituições que possuam em seu rol <strong>de</strong> ações, alguma ativida<strong>de</strong><br />

relacionada ao tema aqui dissecado.<br />

DESENVOLVIMENTO<br />

1. Breve Retrospectiva Histórica<br />

O MERCOSUL é uma tentativa <strong>de</strong> atingir o mais alto nível <strong>de</strong> integração<br />

econômica, encetada, originalmente, por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai,<br />

nos termos do conteúdo do “Tratado para Constituição <strong>de</strong> Mercado Comum”,<br />

assinado em Assunção, aos 26 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1991, e emendado pelo “protocolo<br />

adicional ao Tratado <strong>de</strong> Assunção sobre a estrutura institucional do MERCOSUL”,<br />

assinado em Ouro Preto, aos 17 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1994. Dois novos países, na<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> membros associados, Bolívia e Chile, acoplaram-se ao mo<strong>de</strong>lo<br />

quadripartite, após o término do período inicial <strong>de</strong> transição.<br />

O Projeto MERCOSUL, segundo seus i<strong>de</strong>alizadores, foi criado para constituir-se<br />

na realização do mercado comum sub-regional e, segundo o primeiro Tratado<br />

<strong>de</strong> Assunção, <strong>de</strong>veria ter entrado em funcionamento em primeiro <strong>de</strong> janeiro<br />

<strong>de</strong> 1995, o que efetivamente não aconteceu. Não é, entretanto, objetivo do presente<br />

trabalho aprofundar-se nesta direção.<br />

Era <strong>de</strong> se esperar que os países integrantes já pu<strong>de</strong>ssem ter <strong>de</strong>finido, pelo<br />

menos, um sistema <strong>de</strong> parida<strong>de</strong> cambial com faixas mínimas <strong>de</strong> variação, entre as<br />

pertinentes moedas <strong>de</strong> cada país, bem como um afinamento das legislações e uma<br />

velocida<strong>de</strong> maior nas ações <strong>de</strong> <strong>de</strong>rrubar as barreiras alfan<strong>de</strong>gárias e legais.<br />

2. MERCOSUL x ALCA<br />

Faz-se necessário aventar a hipótese da dissolução do MERCOSUL com a<br />

ALCA, e é notório que a ALCA não tem os mesmos objetivos integracionistas do<br />

MERCOSUL, embora os Estados Unidos possuam objetivos bem mais amplos.<br />

Neste sentido, citamos a seguir um, <strong>de</strong>ntre outros entraves, nesse processo:


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 7<br />

“... a julgar pelas assimetrias persistentes e por uma certa busca<br />

<strong>de</strong> vantagens unilaterais, como parece ser a tentativa do<br />

Paraguai <strong>de</strong> preservar os aspectos mais distorcivos <strong>de</strong> sua atual<br />

condição <strong>de</strong> ‘entreposto aduaneiro’ da produção eletrônica <strong>de</strong><br />

baixa qualida<strong>de</strong>, que é <strong>de</strong>spejada em seu território a partir <strong>de</strong><br />

países asiáticos emergentes.” (CASELLA, 2000:20).<br />

O Brasil tem se mostrado reticente aos interesses da ALCA, e tem,<br />

concomitantemente, buscado <strong>de</strong>senvolver e avançar nas estratégias do<br />

MERCOSUL, pois se nota o interesse dos Estados Unidos em obter vantagens<br />

com a ALCA e em negociar o que é <strong>de</strong> seu exclusivo interesse. Portanto, os autores<br />

<strong>de</strong>ste trabalho visualizam como perspectiva mais real a evolução do<br />

MERCOSUL e, como tem sido acenado nos últimos meses, o interesse <strong>de</strong> agregação<br />

<strong>de</strong> outros países sul-americanos.<br />

Existe uma nova realida<strong>de</strong>: o nascimento <strong>de</strong> um novo nível <strong>de</strong> negociação<br />

coletiva no âmbito <strong>de</strong> mercados comuns ou blocos econômicos é, pois, <strong>de</strong>corrência<br />

das mudanças estruturais que afetam as indústrias, e mudanças <strong>de</strong> percepção,<br />

por parte das organizações sindicais, gestores <strong>de</strong> capital, conhecimento e tecnologia.<br />

3. Futuro do MERCOSUL<br />

As opções mais prováveis que se apresentam situam-se no campo <strong>de</strong> seu<br />

aprofundamento interno. Conforme citado por Casella, essas opções situam-se<br />

nos terrenos econômico e comercial, no âmbito <strong>de</strong> sua extensão regional, no esforço<br />

das ligações com outros blocos econômicos mundiais e no apoio que o<br />

MERCOSUL <strong>de</strong>ve e po<strong>de</strong> buscar no multilateralismo comercial, como condição<br />

<strong>de</strong> seu sucesso regional e internacional, enquanto exercício <strong>de</strong> diplomacia<br />

geoeconômica. O problema da soberania nacional e sua transformação é complexo,<br />

e seu estudo envolve a consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> fatores, além <strong>de</strong> ser<br />

extremamente polêmico, <strong>de</strong>vido às realida<strong>de</strong>s, diferenças regionais e políticas<br />

protecionistas.<br />

O MERCOSUL é uma realida<strong>de</strong> econômica <strong>de</strong> dimensões continentais. Somando<br />

uma área total <strong>de</strong> pouco menos <strong>de</strong> 12 milhões <strong>de</strong> quilômetros quadrados, o<br />

que correspon<strong>de</strong> a mais <strong>de</strong> quatro vezes a União Européia, o MERCOSUL representa<br />

um mercado potencial <strong>de</strong> 200 milhões <strong>de</strong> habitantes e um PIB acumulado <strong>de</strong><br />

mais <strong>de</strong> 1 trilhão <strong>de</strong> dólares, o que o coloca entre as quatro maiores economias do<br />

mundo, logo atrás do Nafta, da União Européia e do Japão.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 8<br />

O MERCOSUL é um dos principais pólos <strong>de</strong> atração <strong>de</strong> investimentos do<br />

mundo. As razões para este sucesso não são poucas: o MERCOSUL é, ao mesmo<br />

tempo, a quarta economia mundial e a principal reserva <strong>de</strong> recursos naturais do<br />

planeta. Suas reservas <strong>de</strong> energia estão entre as mais importantes, em especial as<br />

<strong>de</strong> minério e as hidroelétricas. Sua re<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicações é <strong>de</strong>senvolvida e passa<br />

por constante processo <strong>de</strong> renovação. Mais <strong>de</strong> dois milhões <strong>de</strong> quilômetros <strong>de</strong><br />

estradas unem nossas principais cida<strong>de</strong>s e nossas populações viajam através <strong>de</strong><br />

mais <strong>de</strong> seis mil aeroportos. As perspectivas futuras do setor das comunicações<br />

são extremamente promissoras com a privatização, pois a exploração <strong>de</strong>ste mercado<br />

é muitas vezes maior.<br />

O futuro <strong>de</strong>ste fenômeno enseja um processo integracionista no Cone Sul,<br />

conforme observado na Europa, e visa permitir o estabelecimento <strong>de</strong> uma cooperação<br />

e coor<strong>de</strong>nação política institucionalizada, e po<strong>de</strong>rá, até mesmo, <strong>de</strong>sembocar,<br />

a longo prazo, em um processo semelhante ao da Europa-92, e envolver as<br />

diversas dimensões: união econômica (moeda e banco central); coor<strong>de</strong>nação da<br />

segurança comum; ampliação da área social (direitos individuais e coletivos).<br />

4. Produtos e Países do MERCOSUL e suas Relações Comerciais<br />

Em relação ao ano <strong>de</strong> 2002, as exportações paranaenses, evi<strong>de</strong>nciando os<br />

principais países <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino, estão dispostas no Quadro 1-Principais <strong>de</strong>stinos -<br />

2002, e, como se po<strong>de</strong> observar, os países sul americanos com maior intercâmbio<br />

comercial são: Argentina (13), Paraguai (17) e Chile (20). Pelo quadro, po<strong>de</strong>-se<br />

concluir que há muito a ser feito para a efetivação do comércio no MERCOSUL.<br />

Sobre o mesmo ano <strong>de</strong> 2002, as exportações paranaenses, evi<strong>de</strong>nciando os<br />

principais produtos, estão dispostas no Quadro 2-Principais Produtos - 2002, e,<br />

como po<strong>de</strong> ser observado, exportou-se muito produto sem industrialização ou semiindustrializado,<br />

processo esse que agrega pouco valor, e que traz menor riqueza,<br />

além <strong>de</strong> não gerar os empregos correspon<strong>de</strong>ntes ao processo <strong>de</strong> manufaturamento.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 9<br />

Quadro 1 – PRINCIPAIS DESTINOS – 2002.<br />

ORDEM PAÍSES US$ %<br />

1 Estados Unidos 1.013.021.651 17,77<br />

2 China 421.518.564 7,39<br />

3 França 324.321.498 5,69<br />

4 Reino Unido 308.084.634 5,40<br />

5 Países Baixos (Holanda) 276.663.953 4,85<br />

6 Alemanha 264.313.224 4,64<br />

7 Espanha 241.580.324 4,24<br />

8 Itália 193.126.500 3,39<br />

9 México 177.680.965 3,12<br />

10 Rússia, Fe<strong>de</strong>ração da 149.521.801 2,62<br />

11 Irã, República Islâmica do 143.571.286 2,52<br />

12 Coréia, República da (Sul) 138.064.697 2,42<br />

13 Argentina 137.259.362 2,41<br />

14 Japão 125.419.752 2,20<br />

15 Arábia Saudita 116.623.581 2,05<br />

16 Portugal 113.099.599 1,98<br />

17 Paraguai 97.594.592 1,71<br />

18 Hong Kong 87.123.374 1,53<br />

19 Índia 84.432.186 1,48<br />

20 Chile 78.214.991 1,37<br />

Sub-total 4.491.236.534 78,79<br />

Demais Países 1.208.962.841 21,21<br />

T O T A L 5.700.199.375 100<br />

FONTE: ALICEWEB/SECEX.<br />

Decompondo a pauta das exportações paranaenses em grupos <strong>de</strong> produtos,<br />

evi<strong>de</strong>ncia-se, primeiramente, o comportamento do complexo soja, que acentuou<br />

ainda mais a sua participação, passando a respon<strong>de</strong>r por 34,27% do total exportado<br />

pelo Estado. Os embarques <strong>de</strong> soja em grão e na forma <strong>de</strong> óleo foram os que<br />

geraram maiores adicionais <strong>de</strong> receita, significando acréscimos <strong>de</strong> 27,87% e<br />

42,73%, respectivamente.<br />

O Gráfico 1 – Histórico das Exportações Paranaenses para a Argentina, <strong>de</strong>monstra<br />

queda no volume <strong>de</strong> US$ no período <strong>de</strong> 2000 a 2002, <strong>de</strong>corrente do agravamento<br />

da crise econômica da Argentina, principal parceiro no MERCOSUL.<br />

Porém, este cenário apresenta sensível recuperação em 2003.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 10<br />

QUADRO 2 – PRINCIPAIS PRODUTOS – 2002.<br />

ORDEM DESCRIÇÃO / PRODUTOS US$ %<br />

1 OUTROS GRÃOS DE SOJA, MESMO TRITURADOS 856.200.522 15,02<br />

2 BAGAÇOS E OUTROS RES. SÓL.EXTR DE ÓLEO DE SOJA 756.894.551 13,28<br />

3 AUTOMÓVEIS, MOTOR EXPLOSÃO, 1.500 CM3, 3000, ATÉ 6 PAS. 605.015.348 10,61<br />

4 ÓLEO DE SOJA, EM BRUTO, MESMO DEGOMADO 266.859.156 4,68<br />

5 OUTROS MOT. EXPLOSÃO, P/ VEÍC, CAP 87, SUP. 1.000 CM3 261.988.955 4,60<br />

6 MILHO EM GRÃO, EXCETO PARA SEMEADURA 232.357.585 4,08<br />

7 PEDAÇOS E MIUDEZAS, COMEST. GALOS/GALINHAS, CONG. 184.389.147 3,23<br />

8 OUTRAS MADEIRAS COMP., COM FOLHAS DE ESP. 6MM. 161.625.179 2,84<br />

9 CARNES GALOS/GALINHAS, NÃO CORTADAS EM PED. CONG. 146.907.817 2,58<br />

10 AÇÚCAR DE CANA, EM BRUTO 128.549.624 2,26<br />

11 MADEIRAS CONÍFERAS, SERR./CORT. FLS.ETC - ESP 6MM. 103.575.397 1,82<br />

12 AUTOM. MOTOR DIESEL, 1.500 CM3, ATÉ 2.500, ATÉ 6 PAS. 97.213.082 1,71<br />

13 CAFÉ SOLÚVEL, MESMO DESCAFEINADO 83.597.389 1,47<br />

14 CONSUMO DE BORDO – COMBUST. E LUBRIF. P/EMB. 70.882.715 1,24<br />

15 MOLDURAS DE MAD., P/QUADROS, FOTOG., ESP., ETC. 70.328.841 1,23<br />

16 INJETORES PARA MOTORES DIESEL OU SEMI-DIESEL 53.889.787 0,95<br />

17 OUTRAS CARNES DE SUÍNOS CONGELADAS 46.301.171 0,81<br />

18 PORTAS, RESPEC. CAIXILHOS, ALIZARES E SOLEIRAS MAD. 39.588.386 0,69<br />

19 BOMBAS INJET. COMB. P/ MOTOR DIESEL/SEMI 39.121.620 0,69<br />

20 OUTROS ÓLEOS DE SOJA 38.221.501 0,67<br />

SUB-TOTAL 4.243.507.773 74,44<br />

DEMAIS PRODUTOS 1.456.691.602 25,56<br />

T O T A L 5.700.199.375 100,00<br />

FONTE: ALICEWEB/SECEX.<br />

GRÁFICO 1 – HISTÓRICO DAS EXPORTAÇÓES PARANAENSES PARA<br />

A ARGENTINA - PERÍODO DE 2000 A 2003.<br />

500.000<br />

400.000<br />

300.000<br />

200.000<br />

100.000<br />

0<br />

2.000 2001 2002<br />

Seqüência1 474.302 356.534 137.259


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 11<br />

Em 2003, um fator positivo foi o aumento <strong>de</strong> 86,37% das vendas para o<br />

MERCOSUL, especialmente para a Argentina, com crescimento <strong>de</strong> 141,30%,<br />

passando <strong>de</strong> US$ 79,2 milhões, em 2002, para 191,1 milhões, nos primeiros oito<br />

meses <strong>de</strong> 2003, conforme <strong>de</strong>monstrado no Quadro 3 - PRINCIPAIS PARCEIROS<br />

COMERCIAIS DO PARANÁ.<br />

O Estado do Paraná é responsável por 16,80% do superávit brasileiro (US$<br />

15.132,0 milhões), representando o 2º maior superávit <strong>de</strong> todos os estados brasileiros,<br />

sendo que a participação do Estado nas exportações brasileiras saltou, <strong>de</strong><br />

7,87% nos primeiros oito meses <strong>de</strong> 2002, para 10,43% em igual período <strong>de</strong> 2003.<br />

O Estado do Paraná é o 3º estado exportador, com US$ 4.748,4 milhões –<br />

10,32%; o Rio Gran<strong>de</strong> do Sul é o 2º estado exportador, com US$ 5.060,5 – 11,12%<br />

do total brasileiro; e o Estado <strong>de</strong> São Paulo, o 1º estado exportador, que mesmo<br />

assim reduziu a sua participação no total das exportações brasileiras, <strong>de</strong> 34,00%<br />

para 31,14%. O crescimento <strong>de</strong> suas exportações colocou o Paraná na disputa<br />

pelo segundo lugar no ranking nacional, juntamente com Minas Gerais e Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul. O primeiro lugar é <strong>de</strong> São Paulo.<br />

QUADRO 3 - PRINCIPAIS PARCEIROS COMERCIAIS DO PARANÁ.<br />

JANEIRO A AGOSTO<br />

ORDEM PRINCIPAIS PAÍSES 2003 2002 Variação<br />

%(A/B)<br />

2002 2003 US$/F.O.B.<br />

(A)<br />

%<br />

s/Tota<br />

l<br />

US$/F.O.B.<br />

(B)<br />

%<br />

s/Total<br />

01º. 01º. Estados Unidos 667.291.935 14,05 652.980.936 22,40 2,19<br />

09º. 02º. China, Rep. Pop. da 600.808.791 12,65 88.495.311 3,04 578,92<br />

04º. 03º. Alemanha 323.169.794 6,81 141.398.091 4,85 128,55<br />

05º. 04º. Paises Baixos (Holanda) 232.929.552 4,91 135.603.845 4,65 71,77<br />

07º. 05º. Espanha 201.869.155 4,25 109.947.846 3,77 83,60<br />

02º. 06º. Reino Unido 201.328.065 4,24 205.289.822 7,04 -1,93<br />

16º. 07º. Irã, Rep.Islâmica do 196.262.197 4,13 54.042.136 1,85 263,17<br />

13º. 08º. Argentina 191.067.275 4,02 79.181.074 2,72 141,30<br />

08º. 09º. Itália 174.108.858 3,67 102.108.468 3,50 70,51<br />

03º. 10º. França 154.896.966 3,26 166.692.275 5,72 -7,08<br />

11º. 11º. Rússia, Fed. da 134.007.703 2,82 80.654.364 2,77 66,15<br />

13º. 12º. Coréia do Sul 127.188.776 2,68 70.053.297 2,40 81,56<br />

18º. 13º. Arábia Saudita 102.398.229 2,16 40.064.663 1,37 155,58<br />

06º. 14º. México 95.099.007 2,00 110.740.781 3,80 -14,12<br />

10º. 15º. Japão 80.084.467 1,69 87.799.450 3,01 -8,79<br />

15º. 16º. Paraguai 78.143.702 1,65 56.547.739 1,94 38,19<br />

19º. 17º. Hong Kong 75.097.665 1,58 39.687.402 1,36 89,22<br />

20º. 18º. Canadá 74.121.928 1,56 34.109.053 1,17 117,31<br />

24º. 19º. Índia 60.454.474 1,27 26.184.740 0,90 130,88<br />

17º. 20º. Chile 55.089.529 1,16 44.247.015 1,52 24,50<br />

36º. 21º. Romênia 51.409.869 1,08 10.827.382 0,37 374,81<br />

21º. 22º. Bélgica 47.175.830 0,99 32.923.248 1,13 43,29<br />

48º. 23º. Indonésia 44.238.756 0,93 5.493.657 0,19 705,27<br />

25º. 24º. África Do Sul 44.193.420 0,93 25.938.780 0,89 70,38


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 12<br />

26º. 25º. Taiwan (Formosa) 43.424.033 0,91 25.101.444 0,86 72,99<br />

23º. 26º. Marrocos 32.824.672 0,69 27.759.340 0,95 18,25<br />

27º. 27º. Suécia 32.727.825 0,69 18.440.211 0,63 77,48<br />

14º. 28º. Portugal 31.078.966 0,65 69.857.565 2,40 -55,51<br />

35º. 29º. Emir. Árabes Unidos 27.934.172 0,59 10.890.878 0,37 156,49<br />

70º. 30º. Tailândia 27.389.120 0,58 2.346.498 0,08 N/A<br />

39º. 31º. Israel 24.350.408 0,51 8.686.852 0,30 180,31<br />

44º. 32º. Senegal 23.048.870 0,49 6.035.675 0,21 281,88<br />

41º. 33º. Dinamarca 21.827.307 0,46 7.924.808 0,27 175,43<br />

38º. 34º. Coveite 20.110.068 0,42 9.155.147 0,31 119,66<br />

37º. 35º. Equador 18.630.636 0,39 10.224.384 0,35 82,22<br />

46º. 36º. Angola 18.610.111 0,39 5.923.027 0,20 214,20<br />

32º. 37º. Porto Rico 18.503.236 0,39 14.714.401 0,50 25,75<br />

55º. 38º. Malásia 17.039.648 0,36 4.459.223 0,15 282,12<br />

28º. 39º. Uruguai 16.577.868 0,35 17.612.043 0,60 -5,87<br />

34º. 40º. Colômbia 16.446.510 0,35 13.580.899 0,47 21,10<br />

SUB-TOTAL 4.402.959.393 92,71 2.653.723.770 91,01 65,92<br />

DEMAIS PAÍSES 345.466.606 7,29 261.910.956 8,99 31,90<br />

TOTAL GERAL 4.748.425.999 100,00 2.915.634.726 100,00 62,86<br />

Elaboração: FIEP - Centro Internacional <strong>de</strong> Negócios do Paraná.<br />

Fonte: MDIC – Minist. Desenv., Ind. e Com., SECEX – Sec. Com. Exterior – Sist.<br />

AliceWeb.<br />

Destacamos o crescimento das exportações nos primeiros oito meses <strong>de</strong> 2003,<br />

por países <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino, em valores absolutos, comparados com o mesmo período<br />

do ano anterior:<br />

CHINA – 2º parceiro comercial do Paraná em 2003 – passando <strong>de</strong> US$<br />

88.495 mil para US$ 600.808 mil, crescimento <strong>de</strong> US$ 512.313 mil (578,92%).<br />

Produtos em <strong>de</strong>staque: Soja em Grão, Motores para Veículos, Óleo <strong>de</strong> Soja Bruto<br />

e Refinado, Bombas Injetoras, Papéis <strong>de</strong> Camada Múltipla, Ma<strong>de</strong>ira Serrada,<br />

Couros Bovinos;<br />

ALEMANHA – 3º parceiro em 2003 - <strong>de</strong> US$ 141.398 mil para US$ 323.169<br />

mil; crescimento <strong>de</strong> US$ 181.771 mil (128,55%). Produtos em <strong>de</strong>staque: Soja em<br />

Grão, Carnes <strong>de</strong> Frango, Injetores para Motores a Diesel, Farelo <strong>de</strong> Soja, Ma<strong>de</strong>ira<br />

Compensada, Café não Torrado e Café Solúvel;<br />

IRÃ – 7º parceiro em 2003 - <strong>de</strong> US$ 54.042 mil para US$ 196.262 mil,<br />

crescimento <strong>de</strong> US$ 142.220 mil (263,17%). Produtos em <strong>de</strong>staque: Óleo <strong>de</strong> Soja<br />

Bruto, Soja em Grão, Milho em Grão, Papel/Cartão Kraftliner, Carnes <strong>de</strong> Frango;<br />

ARGENTINA – Já é o 8º parceiro em 2003 - <strong>de</strong> US$ 79.181 mil para US$<br />

191.067 mil; crescimento <strong>de</strong> US$ 111.886 mil (141,30%). Produtos em <strong>de</strong>staque:<br />

Automóveis com Motor a Explosão/Diesel, Máquinas e Aparelhos para Colheita,<br />

Papéis/Cartões Kraft e Cuche, Tratores, Motores a Explosão, Refrigeradores/Congeladores.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 13<br />

Como po<strong>de</strong>mos verificar, a Argentina, que em 2002 estava na 13ª colocação<br />

em termos <strong>de</strong> parceria comercial, com a recuperação ora <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ada por sua<br />

economia, já aparece, nos primeiros oito meses <strong>de</strong> 2003, na 8ª colocação, e, a<br />

persistir este crescimento, ao final <strong>de</strong> 2003, <strong>de</strong>verá ocupar a 5ª ou 4ª colocação,<br />

assumindo, assim, posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque no cenário das exportações. Destacamos<br />

também a participação do Paraguai, em 17º lugar, do Chile, em 20º, do Uruguai,<br />

em 39º e da Colômbia, em 40º lugar. Vale ressaltar que nossos parceiros do<br />

MERCOSUL são potenciais importadores, po<strong>de</strong>ndo doravante melhorar significativamente<br />

suas participações na pauta <strong>de</strong> exportação brasileira.<br />

Observa-se no quadro 04 – Evolução do Resultado dos Principais Blocos<br />

Econômicos, que o Superávit da Balança Comercial Brasileira em relação ao<br />

Mercosul vem crescendo segundo um percentual relativo muito superior aos <strong>de</strong>mais<br />

blocos econômicos.<br />

QUADRO 4 - Evolução do Resultado dos Principais Blocos Econômicos.<br />

BLOCOS ECONÔMICOS 2003 % 2002 % % Cresc.<br />

UNIÃO EUROPÉIA - UE 12.973.888.703 24,6 10.944.023.714 25,2 18,55<br />

ESTADOS UNIDOS (INCLUSIVE<br />

PORTO RICO)<br />

ÁSIA (EXCLUSIVE ORIENTE<br />

MÉDIO)<br />

12.647.952.668 24 11.292.117.659 26 12,01<br />

8.720.032.582 16,5 6.380.042.373 14,7 36,68<br />

ALADI (EXCLUSIVE MERCOSUL) 5.045.391.867 9,56 4.701.362.637 10,8 7,32<br />

MERCADO COMUM DO SUL -<br />

MERCOSUL<br />

3.868.676.109 7,33 2.363.545.064 5,43 63,68<br />

DEMAIS BLOCOS 9.534.402.696 18,1 7.836.998.794 18 21,66<br />

52.790.344.625 100 43.518.090.241 100<br />

No crescimento percentual ocorrido em 2003, em relação a 2002, <strong>de</strong>stacamos<br />

o Mercosul, com 63,68%. Este crescimento se <strong>de</strong>veu à recuperação econômica<br />

da Argentina, principal parceira do Bloco. Em segundo lugar, está a União<br />

Européia, seguida pelos Estados Unidos. Vale ressaltar a importância do crescimento<br />

<strong>de</strong> 12,01% dos Estados Unidos, uma vez que este é o principal parceiro<br />

comercial do Brasil. Não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> relatar também o crescimento do<br />

Mercado Asiático, do qual a China já é nosso 2º parceiro comercial.<br />

O relacionamento comercial entre o Brasil e o Mercosul e, particularmente,<br />

o Estado do Paraná, está em franca expansão, <strong>de</strong>vendo chegar ao final <strong>de</strong> 2003 a<br />

valores próximo a 7 milhões <strong>de</strong> dólares.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 14<br />

Destacamos, a seguir, nos gráficos 02 e 03, a evolução do Balanço Comercial<br />

Brasileiro e Paranaense no período <strong>de</strong> 2000 até a 1ª semana <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong><br />

2003, verificando o alto grau <strong>de</strong> crescimento do saldo comercial. É importante<br />

também <strong>de</strong>stacarmos que no Paraná houve um crescimento muito acelerado das<br />

exportações e, em contrapartida, a importação sofreu reduções significativas.<br />

Gráfico 2 – Evolução da Balança Comercial Brasileira.<br />

70000<br />

60000<br />

50000<br />

40000<br />

30000<br />

20000<br />

10000<br />

0<br />

-10000<br />

2000 2001 2002 2003<br />

EXPORTAÇÃO 55086 58223 60362 61900<br />

IMPORTAÇÃO 55837 55572 47241 41127<br />

SALDO COML -751 2651 13121 20773<br />

Gráfico 3 – Evolução da Balança Comercial Paranaense.<br />

7000<br />

6000<br />

5000<br />

4000<br />

3000<br />

2000<br />

1000<br />

0<br />

-1000<br />

2000 2001 2002 2003<br />

EXPORTAÇÕES 4392 5318 5700 6152<br />

IMPORTAÇÕES 4685 4930 3333 2870<br />

SALDO COMERCIAL -293 388 2367 3282


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 15<br />

Observa-se, comparativamente, nas balanças comerciais brasileiro e<br />

paranaense, que a evolução do saldo comercial vem crescendo, com quedas substanciais<br />

no volume das importações e crescimentos nas exportações, e, mais especificamente,<br />

no caso paranaense do balanço <strong>de</strong> pagamento, se evi<strong>de</strong>ncia uma evolução<br />

tal que o saldo supera as importações a partir do ano 2002.<br />

De janeiro a outubro, o superávit da balança comercial chegou a US$ 3,228<br />

bilhões, ou 58,64% a mais sobre o mesmo período <strong>de</strong> 2002 (US$ 2,035 bilhões);<br />

é também o melhor resultado do Estado em todos os tempos.<br />

O representante da Secretaria Estadual <strong>de</strong> Indústria, Comércio e Assuntos<br />

do Mercosul, Santiago Gallo, lembrou que 42 dos 50 principais produtos da pauta<br />

<strong>de</strong> exportação do Paraná apresentaram aumento no acumulado do ano. “O crescimento<br />

do comércio internacional paranaense dobrou em menos <strong>de</strong> 10 anos”, <strong>de</strong>clarou<br />

Gallo.<br />

5. Vantagens e Desenvovimento do MERCOSUL<br />

5.1. Vantagens<br />

• O Brasil conta com um gran<strong>de</strong> e <strong>de</strong>senvolvido parque industrial, que supera<br />

os dos outros 4 países do bloco, e o Paraná está em gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque.<br />

• No turismo, as praias paranaenses atraem uma gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> argentinos<br />

e uruguaios no período <strong>de</strong> verão, e Foz do Iguaçu, da mesma<br />

forma, atrai por suas belezas naturais, através das Cataratas do Iguaçu.<br />

Conseqüentemente, o MERCOSUL propicia uma integração maior neste<br />

setor.<br />

• A entrada <strong>de</strong> produtos dos outros países, com baixo custo, po<strong>de</strong>, até certo<br />

ponto, ajudar para que aconteça uma queda <strong>de</strong> preços, já que existe uma<br />

competição pelo melhor preço e qualida<strong>de</strong>.<br />

• As empresas paranaenses po<strong>de</strong>rão, cada vez mais, expandir seus mercados,<br />

com a consolidação do bloco, <strong>de</strong> uma forma muito mais facilitada.<br />

• Os países que compõem o MERCOSUL estão <strong>de</strong>spertando maiores interesses<br />

para investimentos estrangeiros, uma vez que o tamanho do mercado<br />

é consi<strong>de</strong>rável, fazendo com que a economia <strong>de</strong> cada país cresça ainda<br />

mais.<br />

• A interação econômica também propicia um aumento na oferta <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>obra<br />

qualificada, e, particularmente no Paraná, esta qualificação está em<br />

andamento e é preocupação constante por parte dos empresários.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 16<br />

5.2. Desvantagens<br />

• A agricultura da Argentina possui vantagens em relação à brasileira, pois<br />

seus solos são mais férteis que os nossos.<br />

• A língua po<strong>de</strong> se tornar um entrave, já que 4 países falam espanhol; entretanto,<br />

o Brasil, que fala português, possui a maior população.<br />

• A moeda única que, como a língua, se não for bem discutida, po<strong>de</strong>rá<br />

tornar-se um problema para o <strong>de</strong>senvolvimento do MERCOSUL.<br />

• A cultura fica ameaçada porque há vários contrastes <strong>de</strong> país para país, e,<br />

possivelmente, haja um conflito neste setor. Por vivenciar a cultura <strong>de</strong><br />

outro país, a do nosso país po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r sua importância.<br />

• A infra-estrutura da Argentina e do Chile conta com boas rodovias e portos<br />

bem equipados, todos em excelentes condições para o escoamento da<br />

produção.<br />

6. Conclusões<br />

O MERCOSUL é mais uma tentativa integracionista que se faz na América<br />

Latina, envolvendo o Brasil, a Argentina, o Paraguai e o Uruguai, possibilitando,<br />

em caso positivo, aumento do mercado consumidor, além <strong>de</strong> maiores chances <strong>de</strong><br />

participação na economia mundial. Não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar a integração,<br />

também, do Chile e da Bolívia.<br />

Devido à proximida<strong>de</strong> cultural, <strong>de</strong> formação do Estado <strong>de</strong> Direito e da nacionalida<strong>de</strong>,<br />

o MERCOSUL, caso se superem as dificulda<strong>de</strong>s econômicas, políticas<br />

e jurídicas peculiares a países em <strong>de</strong>senvolvimento que buscam sua adaptação aos<br />

tempos mo<strong>de</strong>rnos, po<strong>de</strong>rá vir a ser um projeto comunitário dotado <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> vitalida<strong>de</strong><br />

social e cultural. Observa-se também que o MERCOSUL é um instrumento<br />

<strong>de</strong> conciliação entre alguns países da América do Sul (Argentina, Brasil, Paraguai<br />

e Uruguai) e, somente com essa união <strong>de</strong> várias economias, será possível a obtenção<br />

<strong>de</strong> tecnologias mais avançadas e investimentos mais vantajosos a um preço<br />

mais reduzido. Porém, os países que não estiverem preparados para abertura <strong>de</strong><br />

mercado sofrerão com a vinda <strong>de</strong> produtos estrangeiros no mercado interno para<br />

concorrer com produtos nacionais. Outro fator preocupante é o <strong>de</strong>scrédito dos<br />

investidores internacionais com relação às crises que ocorrem em países da América<br />

Latina, acabando por comprometer todo o bloco econômico do MERCOSUL.<br />

Na hipótese da dissolução do MERCOSUL face à implementação e implantação<br />

da ALCA, <strong>de</strong>vemos observar que os objetivos integracionistas do<br />

MERCOSUL não serão os mesmos, embora os Estados Unidos possuam objetivos<br />

bem mais amplos. O Brasil tem se mostrado reticente aos interesses da ALCA


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 17<br />

e, concomitantemente, tem buscado se <strong>de</strong>senvolver e avançar nas estratégias do<br />

MERCOSUL.<br />

O Paraná, por estar em situação extremamente estratégica, é o maior beneficiado<br />

sob os pontos-<strong>de</strong>-vista econômico e <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s. Sob o ponto-<strong>de</strong>-vista<br />

econômico, já pu<strong>de</strong>mos sentir, nos últimos mese, os efeitos <strong>de</strong> uma economia com<br />

certa estabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do bloco econômico, uma vez que a Argentina, o Brasil,<br />

o Paraguai e o Uruguai convergem para a estabilida<strong>de</strong> política. As dificulda<strong>de</strong>s<br />

econômicas <strong>de</strong> cunho estrutural, com apoio dos mecanismos internacionais, como,<br />

por exemplo, o FMI, ten<strong>de</strong>m a se normalizarem. Esta normalização possibilitará a<br />

paises como o Brasil e a Argentina encontrarem novamente o caminho para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento, possibilitando uma melhoria na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida dos cidadãos.<br />

Sob o ponto <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s, este é o momento e a hora para que as empresas<br />

se profissionalizem, agregando valor a seus produtos, aumentando os postos<br />

<strong>de</strong> trabalhos e aproveitando todas as possibilida<strong>de</strong>s que a lei oportuniza, visando<br />

aumentar a produção.<br />

A exportação <strong>de</strong> bens e serviços é, na verda<strong>de</strong>, a gran<strong>de</strong> saída para o problema<br />

<strong>de</strong> falta <strong>de</strong> capital que o país sofre. O Paraná já está na frente.<br />

O MERCOSUL é o caminho mais curto e compensador para o nosso Estado,<br />

pois, basta atravessarmos a fronteira, para estarmos integrados. A vonta<strong>de</strong> política<br />

<strong>de</strong> nossos governantes <strong>de</strong>ve obe<strong>de</strong>cer a uma tendência natural, a integração.<br />

Este é o caminho e a solução, <strong>de</strong> imediato, para nossos problemas, quer <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />

econômica, quer <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m cultural, quer <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m política ou institucional. O<br />

comércio é o gran<strong>de</strong> elo <strong>de</strong> ligação entre as nações co-irmãs.<br />

As negociações para a consolidação do MERCOSUL em 2003 acumularam<br />

um significativo avanço. Exemplificando: por ocasião da última reunião <strong>de</strong> Cúpula<br />

do Mercosul, em Assunção, 18 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2003, o Brasil apresentou propostas<br />

para a constituição <strong>de</strong> um programa <strong>de</strong> médio prazo para o Mercosul, abrangendo:<br />

a) o programa para consolidação da união aduaneira e para o lançamento do mercado<br />

comum; b) os objetivos para 2006; c) o programa político, social e cultural,<br />

programa da união aduaneira; d) o programa <strong>de</strong> base para o mercado comum; e e)<br />

o programa da nova integração.<br />

A diversida<strong>de</strong> cultural, a fertilida<strong>de</strong> do solo, o crescimento econômico e os<br />

costumes <strong>de</strong> sua gente fazem do Paraná um estado sui generis e o coloca em<br />

privilegiada situação no cenário nacional.<br />

Projetando os dados acima, chegamos à estimativa para 2007 das exportações<br />

paranaenses que, mantidas as proporções, estarão em, aproximadamente, US$<br />

11 bilhões.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 18<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

CARVALHO, Maria Auxiliadora <strong>de</strong>; SILVA, César Roberto Leite. Economia Internacional.<br />

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Rio <strong>de</strong> Janeiro; Renovar, 2000.<br />

CAVES, Richard E. Economia internacional: comércio e transações globais.<br />

São Paulo: Saraiva, 2001.<br />

DAEMON, Dalton. Empresas <strong>de</strong> comércio internacional: organização e<br />

operacionalida<strong>de</strong>. Blumenau: FURB, 1994.<br />

MINERVINI, Nicola. Exportar: criativida<strong>de</strong> e internacionalização. São Paulo:<br />

Makeron Books, 1997.<br />

Brasil: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Intercâmbio<br />

Mercosul. Distrito Fe<strong>de</strong>ral, jul./2003.<br />

Brasil: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Balança<br />

Comercial Brasileira, jul./2003.<br />

Brasil: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Balança<br />

Comercial do Paraná, set/.2003.<br />

Brasil: Encomex - Encontros <strong>de</strong> Comércio Exterior. Ministério do Desenvolvimento<br />

Indústria e Comércio Exterior. Distrito Fe<strong>de</strong>ral, 2003.<br />

Paraná (Estado). Secretaria <strong>de</strong> Estado da Indústria, Comércio e Assuntos do<br />

Mercosul. Coor<strong>de</strong>nadoria <strong>de</strong> Assuntos do Mercosul. Paraná, 2003.<br />

PARENTE, Pedro. As oportunida<strong>de</strong>s caminham para o sul. Mercado Global. Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro, 2003, n.113, p.31-33, set. 2003.<br />

RISCHIBIETER, Carlos. A hora e vez do Paraná. Mercado Global. Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

2003, n.113, p.28-30, set. 2003.<br />

http://www.cexpar.com.br/paginas/links/links.htm - acesso em 30/11/2003.<br />

http://www.fiepr.com.br/ - acesso em 30/11/2003.<br />

http://www.fiepr.com.br/ - acesso em 01/12/2003.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 19<br />

ESTRATÉGIA EMPRESARIAL – UMA QUESTÃO<br />

DE VIDA OU MORTE<br />

* Adalberto Brandalize 1<br />

RESUMO<br />

As instituições <strong>de</strong> ensino superior com cursos <strong>de</strong> Administração, incentivadas<br />

pela avaliação anual, e as empresas pressionadas pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se manterem<br />

competitivas no mercado, e ainda consi<strong>de</strong>rando o compromisso com a formação<br />

<strong>de</strong> profissionais qualificados e atualizados, precisam rever alguns fundamentos,<br />

e também pensar estrategicamente na tarefa <strong>de</strong> formação e/ou aperfeiçoamento<br />

<strong>de</strong> executivos.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Estratégias; Executivo; Mercado; Cliente.<br />

ABSTRACT<br />

Motivated by the annual evaluation and the companies by the need to keep<br />

being competitive in the market, and consi<strong>de</strong>ring the commitment with the qualified<br />

and updated professionals’ formation, teaching institutions with business<br />

administration courses need to review some foundations and also think strategically<br />

in the formation and/or improvement of executive personnel.<br />

KEY-WORDS: Strategies; Executive Personnel; Market; Customer.<br />

* Graduado em Administração <strong>de</strong> Empresas pela UEL. Mestrando em Administração-Gestão <strong>de</strong><br />

Negócios/UEL. Especialista em Finanças e O&M. Ex-executivo e consultor empresarial. Docente<br />

da <strong>UniFil</strong> nos Colegiados <strong>de</strong> Administração, Ciências Contábeis e Processamento <strong>de</strong> Dados.<br />

E-Mail: adbranda@uol.com.br


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 20<br />

INTRODUÇÃO<br />

Na edição do provão para os Cursos <strong>de</strong> Administração <strong>de</strong> Empresas <strong>de</strong> 2001,<br />

pô<strong>de</strong> ser, facilmente, constatado que boa parte das questões abordou o pensamento<br />

estratégico. Em palestra recente proferida pelo Professor Eduardo Botelho, este<br />

afirmou que o governo dos Estados Unidos gasta mais dólares em reciclagem <strong>de</strong><br />

executivos do que na formação. Quanto gasta o governo brasileiro?<br />

O treinamento e a reciclagem <strong>de</strong> executivos é uma das áreas mais críticas da<br />

administração. A falta <strong>de</strong> estruturação das ativida<strong>de</strong>s típicas <strong>de</strong> um executivo serve<br />

como barreira para a formulação e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> programas <strong>de</strong>stinados, especialmente,<br />

ao treinamento e à reciclagem dos corpos <strong>de</strong> níveis médio e superior<br />

nas empresas.<br />

Uma característica predominante entre os <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r nas empresas<br />

é que estas pessoas, geralmente, contam com uma formação específica e <strong>de</strong> nível<br />

superior e, às vezes, pós-graduação, além <strong>de</strong> um razoável acúmulo <strong>de</strong> experiência<br />

na gestão <strong>de</strong> algum tipo <strong>de</strong> negócio, <strong>de</strong>partamento ou setor da empresa. Além<br />

disso, estas pessoas dispõem <strong>de</strong> pouco tempo. Outro fator <strong>de</strong> influência é que,<br />

<strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> elas executarem tarefas tão distintas e não repetitivas, fica-se<br />

com a impressão <strong>de</strong> que seria praticamente impossível treiná-las em um espaço <strong>de</strong><br />

tempo razoável e com a profundida<strong>de</strong> necessária.<br />

Os executivos <strong>de</strong>vem pensar estrategicamente; portanto, precisam estar treinados<br />

para isto e a empresa precisa possuir um plano estratégico consistente e ágil.<br />

Por que as empresas fazem planos estratégicos? Quantas fazem um plano estratégico<br />

a<strong>de</strong>quado às suas necessida<strong>de</strong>s? Antes <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r à interrogação anterior, <strong>de</strong>fine-se<br />

a seguir o conceito <strong>de</strong> estratégia e, em seguida, o que são planos estratégicos:<br />

Conceito <strong>de</strong> Estratégia: “O conceito <strong>de</strong> estratégia nasceu da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

realizar objetivos em situações <strong>de</strong> concorrência, como acontece na guerra, nos jogos<br />

e nos negócios. A realização do objetivo significa anular ou frustrar o objetivo<br />

do concorrente, especialmente quando se trata <strong>de</strong> inimigo ou adversário que está<br />

atacando ou sendo atacado. A palavra estratégia, também envolve certa conotação<br />

<strong>de</strong> astúcia, <strong>de</strong> tentativa <strong>de</strong> enganar ou superar o concorrente com a aplicação <strong>de</strong><br />

algum procedimento inesperado, que provoca ilusão ou que o faz agir como não<br />

<strong>de</strong>veria, mas segundo os interesses do estrategista” (MAXIMIANO, 2000:392).<br />

Plano Estratégico: “Planejar é uma estratégia para aumentar as chances <strong>de</strong><br />

sucesso em um mundo <strong>de</strong> negócios que muda constantemente. É evi<strong>de</strong>nte que os<br />

planos estratégicos não são uma garantia. O planejamento estratégico não é uma<br />

ciência que mostra o que é certo ou errado em relação ao futuro. O planejamento<br />

estratégico é um processo que prepara você para o que está por vir. A elaboração<br />

<strong>de</strong> um plano aumenta a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que, no futuro, a sua empresa esteja no


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 21<br />

lugar certo na hora certa” (TIFFANY/PETERSON, 1998:9).<br />

Sabe-se que, para se chegar a uma boa estratégia, o ponto <strong>de</strong> partida é ter um<br />

objetivo correto, que é, simplesmente, um excelente retorno sobre o investimento<br />

<strong>de</strong> longo prazo. Por mais simples que pareça, o certo é que muitas empresas <strong>de</strong><br />

todo mundo não conseguem enten<strong>de</strong>r realmente este objetivo central da empresa.<br />

Geralmente, contentam-se com objetivos <strong>de</strong> curto prazo, mais fáceis <strong>de</strong> alcançar,<br />

mas que não permitem ver além do amanhã e, portanto, pouco ou nada têm <strong>de</strong><br />

estratégia.<br />

A estratégia da maioria das empresas está contida no plano/ planejamento<br />

estratégico, que po<strong>de</strong> ser conceituado como um processo gerencial que possibilita<br />

ao executivo estabelecer o rumo a ser seguido pela empresa, com vistas a obter<br />

um nível <strong>de</strong> otimização na relação da empresa com o seu ambiente.<br />

A pesquisa espelhada no Gráfico 1, realizada pela Consultoria Bain &<br />

Company, com 4.137 executivos <strong>de</strong> empresas <strong>de</strong> 15 países, e publicada na Revista<br />

Exame <strong>de</strong> 23/09/98, ano 32, nº 20, constante <strong>de</strong> um artigo <strong>de</strong> Nelson Blecker,<br />

evi<strong>de</strong>ncia o trabalho estratégico como a ferramenta <strong>de</strong> gestão mais utilizada pelas<br />

empresas em 1997, com utilização <strong>de</strong> 90%.<br />

Gráfico 1 – As Ferramentas <strong>de</strong> Gestão.<br />

Que estão em alta...<br />

Planejamento estratégico<br />

Benchmarking<br />

Pagamento por <strong>de</strong>sempenho<br />

Competências essenciais<br />

Estratégia <strong>de</strong> crescimento*<br />

...e as que estão em baixa<br />

61%<br />

70%<br />

52%<br />

67%<br />

70%<br />

78%<br />

90%<br />

86%<br />

Medida <strong>de</strong> satisfação do cliente<br />

Qualida<strong>de</strong> total<br />

Reengenharia<br />

1993 1997 * Introduzido em 1996<br />

72%<br />

60%<br />

67%<br />

64%<br />

86%<br />

79%<br />

Fonte: Consultoria Bain & Company.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 22<br />

A metodologia utilizada para <strong>de</strong>senvolvimento do presente estudo foi o emprego<br />

<strong>de</strong> levantamentos bibliográficos, estatísticas publicadas, observação sistemática,<br />

Internet e contatos informais com executivos da região <strong>de</strong> Londrina. Foi efetuada a<br />

análise crítica, i<strong>de</strong>ntificando, or<strong>de</strong>nando e construindo o texto, com objetivo <strong>de</strong> abordar<br />

o parecer do autor e informações atuais sobre o tema. O tipo <strong>de</strong> pesquisa adotado<br />

foi o levantamento <strong>de</strong> dados em fontes secundárias e coleta <strong>de</strong> experiências.<br />

1. CONFLITOS, ERROS E ACERTOS NAS ESTRATÉGIAS EMPRESARIAIS<br />

Os últimos vinte anos geraram inúmeros exemplos <strong>de</strong> amargas lições. Ninguém<br />

foi poupado: Empresas e mercados, empresários e consumidores, governantes<br />

e governados, patrões e empregados. Através <strong>de</strong> antagonismos que geraram objetivos<br />

e interesses individuais e, às vezes, opostos, todos enten<strong>de</strong>ram que fatores<br />

como recessão, globalização, responsabilida<strong>de</strong> social, tecnologia, ambientalismo,<br />

ecologia, etc., po<strong>de</strong>riam uni-los ou colocá-los em oposição ou rivalida<strong>de</strong>.<br />

As diferenças e as novas forças em jogo expõem os conflitos, afastam as<br />

partes e agem como fatores <strong>de</strong>sintegradores das relações sociais. Não revelam,<br />

contudo, suas causas e, poucas vezes, promovem soluções e indicam caminhos ou<br />

alternativas. Estes conflitos raramente produzem vencedores, e nos levam a uma<br />

reflexão que <strong>de</strong>ve ser serena e <strong>de</strong>sapaixonada a respeito dos elementos que as<br />

originaram e à criação <strong>de</strong> estratégias para harmonização <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s e expectativas,<br />

às vezes, antagônicas.<br />

Esses conflitos, quanto à estratégia empresarial, po<strong>de</strong>m estar, por exemplo,<br />

nos consumidores para quem dois aspectos são <strong>de</strong>cisivos: a queda da<br />

renda familiar e a redução do nível <strong>de</strong> emprego. A combinação simultânea e<br />

cruel <strong>de</strong>ssas variáveis <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia um comportamento <strong>de</strong>fensivo, como: redução<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas, maior sensibilida<strong>de</strong> a preços, maior atenção aos seus<br />

direitos, redução do volume <strong>de</strong> compras, adiamento <strong>de</strong> serviços, busca <strong>de</strong><br />

promoções, diminuição da preferência por marcas tradicionais, opção por<br />

preços e versões básicos, mo<strong>de</strong>los econômicos e embalagens múltiplas com<br />

menor número <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s. Finalmente, o consumidor acaba por reduzir a<br />

quantida<strong>de</strong> e a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> itens e marcas.<br />

Esta nova postura e comportamento do consumidor promovem conseqüências<br />

óbvias na formulação <strong>de</strong> estratégias no ambiente empresarial, a saber, a redução<br />

no volume/quantida<strong>de</strong> e, conseqüentemente, nas vendas e receita, aumentando<br />

a proporcionalida<strong>de</strong> dos custos operacionais, reduzindo o giro dos estoques.<br />

As empresas menos ágeis e com um quadro profissional <strong>de</strong> menor competência,<br />

assistem ao <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong> seus ganhos financeiros. Concomitantemente, as


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 23<br />

medidas <strong>de</strong> combate à inflação e o enrijecimento da política monetária acabam<br />

por comprometer as margens <strong>de</strong> operação, e assim as peças contábeis e financeiras<br />

da empresa <strong>de</strong>monstram os resultados da falta <strong>de</strong> confiança e instabilida<strong>de</strong> da<br />

política governamental.<br />

Em contrapartida, as estratégias vencedoras, que levarem em conta o fato<br />

<strong>de</strong> que as dificulda<strong>de</strong>s não admitem vacilações e as empresas, cada uma ao seu<br />

modo, <strong>de</strong>verão reagir rapidamente, através <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões voltadas para: qualida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> produtos e serviços, contenção <strong>de</strong> custos, <strong>de</strong>smobilização <strong>de</strong> ativos,<br />

<strong>de</strong>scentralização das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> operações e ampliação dos prazos <strong>de</strong> pagamento<br />

aos fornecedores, conveniências ao consumidor, concentração <strong>de</strong> compras<br />

e promoção dos ganhos <strong>de</strong> escala, obviamente, observando as tendências<br />

<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> social e ambiental.<br />

Para ilustrar este conjunto <strong>de</strong> ações, relacionam-se a seguir alguns setores<br />

on<strong>de</strong> este processo torna-se mais latente: supermercados, postos <strong>de</strong> combustíveis,<br />

indústria automobilística, setor financeiro, lojas <strong>de</strong> <strong>de</strong>partamentos e as “ponto<br />

com”. A maioria das empresas, que existem somente na Internet, ocupam esse<br />

lugar privilegiado, porque as gran<strong>de</strong>s empresas <strong>de</strong>moram <strong>de</strong>mais para incorporar<br />

tecnologia e mo<strong>de</strong>rnizar suas operações.<br />

2. ADMINISTRAÇÃO: TEORIA X PRÁTICA<br />

Um dilema constante e sempre presente é como encontrar a dosagem a<strong>de</strong>quada<br />

entre o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> conceitos teóricos em administração e a utilização<br />

<strong>de</strong>sses conceitos através <strong>de</strong> aplicações práticas nos mais diferentes campos<br />

<strong>de</strong> atuação.<br />

Existem inconveniências no mais tradicional método <strong>de</strong> ensino, a exposição<br />

oral e preleção, embora não seja possível, em alguns casos, abdicar totalmente <strong>de</strong><br />

seu uso em <strong>de</strong>terminadas situações. Já há muito tempo parece haver um consenso<br />

entre os especialistas <strong>de</strong> que, para o ensino superior e treinamento <strong>de</strong> executivos,<br />

tal metodologia <strong>de</strong>ve ser reduzida ao mínimo indispensável. Alguns casos, quando<br />

se <strong>de</strong>sprezou o conhecimento teórico, os resultados apresentaram-se inconsistentes<br />

e muito aquém do esperado. Portanto, o aconselhável é a busca <strong>de</strong> um equilíbrio<br />

harmônico entre teoria e prática.<br />

Um fator <strong>de</strong> sucesso, <strong>de</strong> significativa importância para o executivo e acadêmico,<br />

é a habilida<strong>de</strong> e o conhecimento para lidar com os <strong>de</strong>safios dos Sistemas <strong>de</strong><br />

Informação Estratégicos, como segue:


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 24<br />

“O uso estratégico da tecnologia da informação permite que<br />

os gerentes consi<strong>de</strong>rem os sistemas <strong>de</strong> informação sob uma<br />

nova luz. A função dos sistemas <strong>de</strong> informação não é mais<br />

meramente uma necessida<strong>de</strong> das operações, ou seja, um conjunto<br />

<strong>de</strong> tecnologias para processar transações <strong>de</strong> negócios,<br />

apoiar processos empresariais e manter os registros da empresa.<br />

Ela vai além do suprimento auxiliar <strong>de</strong> informações e ferramentas<br />

para a tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões gerenciais. Agora, a função<br />

dos SI po<strong>de</strong> ajudar os gerentes a <strong>de</strong>senvolverem armas<br />

competitivas que utilizam a tecnologia da informação para<br />

implementar uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estratégias competitivas<br />

para vencer os <strong>de</strong>safios das forças competitivas enfrentadas<br />

por toda a organização.”(O’BRIEN, 2001:308).<br />

O autor do artigo “O amanhã já chegou”, Schwartz, explica que o cenário é<br />

um processo facilmente reconhecível que po<strong>de</strong> ser aplicado por pessoas ou empresas<br />

gran<strong>de</strong>s ou pequenas. Mas a dinâmica é tal que as pessoas vão repeti-lo<br />

sempre, sintonizando melhor as <strong>de</strong>cisões, elaborando mais cenários, fazendo o<br />

trabalho <strong>de</strong> levantamento <strong>de</strong> dados e pesquisa apropriados, revendo a história e<br />

suas aplicações. Estes cenários po<strong>de</strong>m ser excessivamente distantes, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo<br />

<strong>de</strong> como foram previstos. Eles po<strong>de</strong>m ser dissimulados, cruzados e recombinados<br />

<strong>de</strong> maneiras inesperadas.<br />

Cita o autor que imaginar cenários implica em perceber o futuro no presente.<br />

O cenário manipula dois mundos: o dos fatos e o das percepções. Seu objetivo é<br />

transformar informações que têm importância estratégica em novas percepções.<br />

Ao projetar as <strong>de</strong>cisões no ambiente da empresa e imaginar o futuro da mesma,<br />

estamos pensando estrategicamente, avaliando as <strong>de</strong>cisões e seus efeitos nos objetivos<br />

e resultados <strong>de</strong>ssa empresa.<br />

Todas as organizações são diferentes e todos os executivos gostariam <strong>de</strong><br />

levar suas conversas estratégicas com base em cenários que estivessem <strong>de</strong> acordo<br />

com suas idéias. Vejamos a seguir o Quadro 1 – “Como construir cenários – oito<br />

passos e conselhos úteis”, <strong>de</strong>senvolvido pelo autor, com base no artigo escrito por<br />

Peter Schwarts, na revista HSM-Management <strong>de</strong> abril-junho <strong>de</strong> 2000, nº 20, sob o<br />

título “O amanhã já chegou”.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 25<br />

Quadro 1 – Como construir cenários – oito passos e conselhos úteis.<br />

PASSO<br />

CENÁRIO<br />

1 I<strong>de</strong>ntifique a questão ou <strong>de</strong>cisão central.<br />

2 Determine as forças críticas no ambiente.<br />

3 Faça uma lista das forças principais que exercem alguma influência sobre os<br />

fatores-chave i<strong>de</strong>ntificados.<br />

4 Classifique-as quanto à or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> importância e grau <strong>de</strong> incerteza.<br />

5 Defina a lógica do cenário: os vetores em torno dos quais haverá mudança.<br />

6 Discorra sobre cada um dos elementos em jogo.<br />

7 Indique as conseqüências <strong>de</strong>ssa análise para a questão ou <strong>de</strong>cisão central.<br />

8 Estabeleça os indicadores que marcarão a evolução em direção a um outro<br />

cenário.<br />

CONSELHOS ÚTEIS<br />

- Mantenha sempre em mente a mecânica dos três cenários tradicionais: o otimista, o<br />

Fonte: Revista HSM-Management, nº 20, maio-junho 2000,<br />

artigo “O amanhã já chegou”, autor Peter Schwartz.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 26<br />

3. APRIMORAMENTO DO EXECUTIVO<br />

No ambiente empresarial, o executivo po<strong>de</strong> ser especialista em <strong>de</strong>terminada<br />

área ou po<strong>de</strong> ser um generalista; porém, enten<strong>de</strong>-se que a função <strong>de</strong> um executivo<br />

é a <strong>de</strong> tomar <strong>de</strong>cisões. Reproduz-se a seguir o texto sobre tomadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão:<br />

“Os tomadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões nas organizações são racionais?<br />

Examinam cuidadosamente os problemas, i<strong>de</strong>ntificam todos<br />

os critérios relevantes, utilizam a criativida<strong>de</strong> para i<strong>de</strong>ntificar<br />

todas as alternativas viáveis e, diligentemente, avaliam todas,<br />

para encontrar a que otimizará o resultado? Em algumas situações,<br />

sim. Quando quem toma <strong>de</strong>cisão se <strong>de</strong>fronta com um<br />

problema com poucos cursos <strong>de</strong> ação alternativos e quando o<br />

custo <strong>de</strong> avaliar alternativas é baixo, o mo<strong>de</strong>lo racional fornece<br />

uma <strong>de</strong>scrição bastante precisa do processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão. Mas<br />

tais situações são exceção. A maioria das <strong>de</strong>cisões no mundo<br />

real não segue o mo<strong>de</strong>lo racional. As pessoas, normalmente,<br />

se contentam em achar uma solução aceitável ou razoável para<br />

o seu problema, em lugar <strong>de</strong> encontrar uma solução otimizante.<br />

Dessa forma, os tomadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão, geralmente, fazem uso<br />

limitado <strong>de</strong> sua criativida<strong>de</strong>. As escolhas ten<strong>de</strong>m a confinarse<br />

às imediações do sintoma do problema e da alternativa corrente.<br />

Além disso, embora um número crescente <strong>de</strong> tomadores<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão conheça e seja capaz <strong>de</strong> utilizar a análise quantitativa,<br />

eles raramente o fazem. E quando o fazem, quase sempre<br />

é para apoiar objetivamente <strong>de</strong>cisões que foram tomadas<br />

subjetivamente. Como recentemente concluiu um especialista<br />

em processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão: ‘A maioria das <strong>de</strong>cisões importantes<br />

são tomadas por meio <strong>de</strong> julgamento e não por um mo<strong>de</strong>lo<br />

prescritivo <strong>de</strong>finido.’” (ROBBINS, 2000:66).<br />

Portanto, o que diferencia um bom executivo <strong>de</strong> um executivo “comum” é a<br />

sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tomar <strong>de</strong>cisões. Para aprimorar o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> um executivo,<br />

<strong>de</strong>ve-se enfatizar seu treinamento e reciclagem no processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>cisões. Isto exige o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> algumas capacida<strong>de</strong>s por parte dos<br />

executivos: capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise, capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> planejamento e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

implementação. A contínua prática em tomar <strong>de</strong>cisões aumenta o conhecimento e<br />

a experiência <strong>de</strong> todos os fatores relevantes envolvidos nessas <strong>de</strong>cisões.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 27<br />

No planejamento e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um programa <strong>de</strong> treinamento e<br />

reciclagem <strong>de</strong> executivos, <strong>de</strong>ve-se buscar metodologias que sejam capazes <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver<br />

e aprimorar essas habilida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> maneira mais eficiente.<br />

Ao analisar o histórico recente, encontram-se, principalmente após a década<br />

<strong>de</strong> 70, as contribuições dos especialistas nas diferentes áreas da administração<br />

que começam a valorizar a preocupação <strong>de</strong> integrar esses conhecimentos, buscando<br />

ressaltar o aspecto estratégico como <strong>de</strong> fundamental importância para o melhor<br />

posicionamento das empresas no ambiente competitivo em que são inseridas.<br />

O principal papel dos executivos será saber relacionar as capacida<strong>de</strong>s e os<br />

recursos que as empresas <strong>de</strong>têm, a fim <strong>de</strong> garantir a criação <strong>de</strong> uma vantagem<br />

competitiva sustentável.<br />

4. MÉTODOS DE ENSINO E O PENSAR ESTRATEGICAMENTE<br />

Tempos atrás, o surgimento do ensino programado, inicialmente pareceu ser<br />

uma alternativa válida, mas, ao que tudo indica, não apenas o treinamento específico<br />

<strong>de</strong> executivos, mas também para a educação em geral, ele não apresentou<br />

resultados significativos.<br />

Em seguida, foi <strong>de</strong>senvolvida a metodologia da discussão em pequenos grupos,<br />

através <strong>de</strong> seminários e/ou workshops, reuniões <strong>de</strong> brainstorming, tentando<br />

recuperar uma das alternativas da administração, a análise dos problemas a enfrentar<br />

por várias pessoas ou especialistas, partilhando entre si diferentes experiências,<br />

opiniões e pontos<strong>de</strong>-vista. Workshops (DIC. AURÉLIO ELETRÔNICO,<br />

1999): “Reunião <strong>de</strong> trabalho, ou <strong>de</strong> treinamento, em que os participantes discutem<br />

e/ou exercitam <strong>de</strong>terminadas técnicas.” Brainstormig (BATEMAN/SNELL,<br />

1998:526): “Processo em que os membros <strong>de</strong> um grupo geram tantas idéias a<br />

respeito <strong>de</strong> um problema quanto pu<strong>de</strong>rem; as críticas são evitadas até que todas as<br />

idéias sejam propostas.”<br />

O método do caso constitui-se em uma evolução natural, certamente um dos<br />

principais métodos ativos <strong>de</strong> ensino na área da administração e, talvez, o mais<br />

i<strong>de</strong>ntificado com esta área do conhecimento. Bem utilizado, po<strong>de</strong> estimular o treinando<br />

a pensar estrategicamente. É indiscutível a contribuição da discussão <strong>de</strong><br />

casos na formação e no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> milhares e milhares <strong>de</strong> executivos em<br />

todo o mundo. Vale ressaltar a experiência da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Harvard, nos Estados<br />

Unidos, e da Fundação Getúlio Vargas, no Brasil, no <strong>de</strong>senvolvimento e aplicação<br />

do método do caso.<br />

Variações da metodologia <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong> caso foram testadas e aplicadas: o<br />

método <strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong> projetos e o método do aprendizado em ação. A utiliza-


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 28<br />

ção <strong>de</strong> rotação no trabalho também se constitui em um exemplo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>de</strong> executivos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sses tipos <strong>de</strong> métodos.<br />

Estamos experimentando o processo <strong>de</strong> simulação, ou jogo <strong>de</strong> empresas, o<br />

qual procura criar uma analogia ou aproximação <strong>de</strong> uma situação real. Po<strong>de</strong>-se<br />

afirmar que o jogo <strong>de</strong> empresas se aproxima <strong>de</strong> um estudo <strong>de</strong> caso, mas com duas<br />

características adicionais básicas: o feed-back e a dimensão temporal. O feedback<br />

tem como característica distintiva a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experimentação, além <strong>de</strong><br />

que as pessoas envolvidas po<strong>de</strong>m avaliar os erros e acertos das <strong>de</strong>cisões tomadas.<br />

Os jogos <strong>de</strong> empresa exercitam o trabalho em grupo e simulam a competitivida<strong>de</strong><br />

inerente à vida empresarial; portanto, trazendo aspectos envolvidos no dia-a-dia<br />

dos negócios que são: envolvimento interpessoal e competição.<br />

5. ORGANIZAÇÃO: ESTRATÉGIA VOLTADA PARA O CLIENTE<br />

Inicialmente será utilizada a citação <strong>de</strong> SWARTZ (2000:56): “Num mundo incerto,<br />

em constante e vertiginosa mudança, planejar o futuro po<strong>de</strong> ser um exercício<br />

estratégico estimulante e, ao mesmo tempo, tranqüilizador.” Os cenários que se apresentam<br />

permitem analisar, a longo prazo, um mundo on<strong>de</strong> reina a incerteza, sendo que<br />

esta capacida<strong>de</strong> é fundamental para o executivo e para o acadêmico <strong>de</strong> Administração.<br />

Em artigos, livros e revistas, algumas das frases mais citadas hoje em dia são: “A<br />

organização <strong>de</strong>ve estar voltada ao cliente”, “Quem manda é o cliente”, “Vamos surpreen<strong>de</strong>r<br />

o cliente”, e outras frases <strong>de</strong> efeitos semelhantes. Preparar estrategicamente<br />

a organização para aproveitar a competência do cliente exigirá uma reforma dos sistemas<br />

tradicionais <strong>de</strong> gestão e das estruturas organizacionais. Inicialmente, os padrões<br />

da nova economia precisam levar em conta o capital intelectual e humano.<br />

Os princípios contábeis geralmente aceitos e adotados por todas as empresas<br />

foram projetados para negócios estáveis, que privilegiavam ativos fixos, como<br />

estoque, terreno e construções; outros investimentos como treinamento são tratados<br />

como <strong>de</strong>spesas. Mas a competência dos consumidores é um ativo intangível e<br />

<strong>de</strong>ve ser tratada como capital.<br />

As empresas terão que colocar em prática a avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong><br />

pessoas e negócios, com base em resultados, em vez <strong>de</strong> se apoiarem em revisões<br />

periódicas <strong>de</strong> orçamentos. Os instrumentos tradicionais foram projetados para<br />

enfocar os custos como principais <strong>de</strong>terminantes <strong>de</strong> preço. Porém, o consumidor<br />

obrigou as empresas a ajustarem seus custos e estratégias com base no preço que<br />

ele está propenso a pagar e os sistemas atuais não estão preparados para aten<strong>de</strong>r à<br />

reconfiguração constante da ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> suprimentos, resultante da multiplicida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> canais <strong>de</strong> distribuição.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 29<br />

Esta estratégia empresarial tem que avaliar as conseqüências <strong>de</strong> uma concorrência<br />

que tem o mercado como “juiz”, conseqüências estas que serão ainda<br />

mais drásticas. Negociar e dialogar com uma base <strong>de</strong> clientes diversificada, cônscia<br />

<strong>de</strong> seus direitos e po<strong>de</strong>r, em constante evolução em vários canais, exigirá muita<br />

flexibilida<strong>de</strong> organizacional.<br />

Os papéis <strong>de</strong>ntro da organização <strong>de</strong> cada área, não po<strong>de</strong>rão ser encarados<br />

como estáveis; as organizações terão que reconfigurar seus recursos constantemente:<br />

pessoal, infra-estrutura, tecnologia e capital, para acompanhar a evolução<br />

e mudanças constantes do mundo dos negócios e, assim, fazer frente aos <strong>de</strong>safios<br />

e oportunida<strong>de</strong>s que aparecerão.<br />

É previsível que a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> uma organização flexível provoque<br />

traumas emocionais em funcionários <strong>de</strong>satualizados da empresa. É menos<br />

traumatizante impor novas metas <strong>de</strong> práticas organizacionais a novas empresas do<br />

que a negócios estabelecidos. A experiência nos mostra que abrir uma nova empresa<br />

é sempre mais fácil do que mudar uma antiga; mas a mudança é uma questão<br />

<strong>de</strong> sobrevivência.<br />

No momento, o gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio para a alta gerência é prover a organização<br />

<strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong>, ao mesmo tempo em que promove mudanças. A única maneira <strong>de</strong><br />

conseguir isso é <strong>de</strong>senvolvendo um sólido conjunto <strong>de</strong> valores organizacionais.<br />

Po<strong>de</strong> parecer paradoxal, mas mudanças rápidas também exigem um centro estável.<br />

Os subordinados precisam confiar e ver capacida<strong>de</strong> na tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong><br />

seus comandantes. Embora os produtos, serviços, canais e negócios possam mudar<br />

impunemente, os seres humanos precisam <strong>de</strong> âncoras emocionais.<br />

Um foco igualmente importante é o explicitado a seguir:<br />

“Empresas excelentes sabem como se adaptar e respon<strong>de</strong>r a<br />

um ambiente continuamente mutante, praticando planejamento<br />

estratégico orientado para o mercado. Sabem como <strong>de</strong>senvolver<br />

e manter o equilíbrio entre seus objetivos, recursos, habilida<strong>de</strong>s<br />

e oportunida<strong>de</strong>s. Adotam o processo <strong>de</strong> planejamento<br />

estratégico em nível corporativo, <strong>de</strong> negócio e <strong>de</strong> produto. Os<br />

objetivos <strong>de</strong>senvolvidos em nível corporativo <strong>de</strong>scem aos níveis<br />

em que os planos estratégicos dos negócios e os planos <strong>de</strong><br />

marketing são preparados para guiar as ativida<strong>de</strong>s das empresas.<br />

O planejamento estratégico envolve ciclos repetidos <strong>de</strong><br />

análise, planejamento, implementação e controle.” (KOTLER,<br />

1996:91).


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 30<br />

O executivo, ao tomar <strong>de</strong>cisões estratégicas, trabalha observando o mercado,<br />

os objetivos da empresas, as ameaças e oportunida<strong>de</strong>s dos ambientes interno e<br />

externo, sempre com o objetivo <strong>de</strong> obter o melhor resultado para a empresa a<br />

longo prazo.<br />

6. CONCLUSÕES<br />

Em outra época, havia tempo <strong>de</strong> sobra para planejar e implementar estratégias,<br />

sobretudo porque não era difícil prever os próximos passos da concorrência.<br />

Hoje, a revolução à nossa volta é notável. Também é notável o papel <strong>de</strong>sempenhado<br />

pelas corporações em busca do êxito <strong>de</strong> uma campanha, pelo conhecimento e<br />

pelos ativos intelectuais. São esses os fatores que <strong>de</strong>finirão o papel dos executivos<br />

e, se forem abordados como exigem as circunstâncias, <strong>de</strong>rrubarão as fronteiras<br />

que separam as pessoas das organizações.<br />

As <strong>de</strong>cisões tomadas, estrategicamente, e <strong>de</strong> forma a<strong>de</strong>quada, além <strong>de</strong> criar<br />

organizações em que os recursos possam ser reconfigurados <strong>de</strong> forma transparente,<br />

com o menor esforço possível, voltados para o atendimento do cliente e com<br />

qualida<strong>de</strong>, certamente, são o atalho para o sucesso <strong>de</strong> um empreendimento empresarial.<br />

Os executivos precisam estar preparados para conviver com a constante<br />

mudança <strong>de</strong> seus negócios, sem traumas, enquanto i<strong>de</strong>ntificam os <strong>de</strong>safios que<br />

têm à sua frente. O novo mercado vai valorizar aqueles que tiverem a capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> negociação e colaboração. Apren<strong>de</strong>r, ensinar e transferir conhecimentos entre<br />

diversas áreas será uma habilida<strong>de</strong> importante, aliada à capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atrair e<br />

reter os funcionários certos.<br />

As mudanças na estratégia e no modo <strong>de</strong> pensar são <strong>de</strong>monstradas historicamente<br />

com muita proprieda<strong>de</strong>, como segue:<br />

“No passado, a relação entre uma empresa e seus concorrentes era como um<br />

teatro tradicional: os atores ficavam no palco, com papéis claramente <strong>de</strong>finidos, e<br />

o público, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> pagar ingresso, sentava calma e passivamente na platéia para<br />

assistir à peça. No mundo dos negócios, fabricantes, distribuidores e fornecedores<br />

conheciam e seguiam rigidamente papéis bem <strong>de</strong>finidos <strong>de</strong> relacionamento empresarial.<br />

Hoje a coisa mudou. A concorrência leva a um movimento semelhante<br />

ao do teatro experimental dos anos 60 e 70: todos – e os clientes entram aqui com<br />

<strong>de</strong>staque – po<strong>de</strong>m participar da ação principal.” (PRAHALAD e RAMASWAMY,<br />

2000:42).


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 31<br />

A empresa mo<strong>de</strong>rna, através <strong>de</strong> sua administração, terá como nova meta<br />

criar o futuro, aproveitando a competência, em uma re<strong>de</strong> avançada que inclua<br />

também os clientes. Construirá os cenários mais propícios para os resultados <strong>de</strong><br />

longo prazo.<br />

Há muitas empresas que se dão por satisfeitas em redigir a lista <strong>de</strong> seus<br />

pontos fortes e fracos, apesar <strong>de</strong> este ponto-<strong>de</strong>-vista ser obsoleto. Toda empresa<br />

precisa <strong>de</strong> um estrategista, cuja função é procurar influir na estrutura do setor <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong> no qual opera, e não, simplesmente, aceitar as regras impostas. A maioria<br />

das universida<strong>de</strong>s e faculda<strong>de</strong>s precisa urgentemente rever seus currículos e<br />

redirecionar os cursos <strong>de</strong> Administração para uma formação direcionada à estratégia<br />

empresarial.<br />

As empresas e instituições <strong>de</strong> ensino que pretendam vencer, hoje e futuramente,<br />

não têm alternativa: ou implementam estratégias inovadoras ou per<strong>de</strong>rão<br />

espaço para os concorrentes atentos a estes pontos cruciais.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

AURÉLIO, Dicionário Eletrônico - Século XXI, Versão 3.0, novembro <strong>de</strong> 1999.<br />

BATEMAN, Thomas S.; SNELL, Scott A. Administração - Management – Construindo<br />

vantagem competitiva. São Paulo: Atlas, 1998.<br />

BECKER, Nelson, Revista Exame, 23/09/98, ano 32, nº 20, 1998.<br />

KOTLER, Philip. Administração <strong>de</strong> marketing: análise, planejamento,<br />

implementação e controle. 4.ed. São Paulo: Atlas, 1996.<br />

MAXIMIANO, Antonio Cezar Amaru. Teoria geral da administração. 2.ed. São<br />

Paulo: Atlas, 2000.<br />

O’BRIEN, James A. Sistemas <strong>de</strong> informação e as <strong>de</strong>cisões gerenciais na era da<br />

Internet. São Paulo: Saraiva, 2001.<br />

PRAHALAD, C. K.; RAMASWAMY, Venkatram. Como incorporar as competências<br />

do cliente. HSM-Management, maio-junho 2000, p.42, nº 20.<br />

ROBBINS, Stephen P. Administração - mudanças e perspectivas. São Paulo:<br />

Saraiva, 2000.<br />

SCHWARTZ, Peter. O amanhã já chegou. HSM-Management, maio-junho 2000,<br />

p.56, nº 20.<br />

TIFFANY, Paul; PETERSON, Steven D. Planejamento estratégico - Série para<br />

dummies. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Campus, 1999.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 32<br />

OS IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NO MUNDO<br />

DO TRABALHO<br />

RESUMO<br />

1<br />

Ângela Maria <strong>de</strong> Sousa 1 Lima<br />

O artigo que segue faz uma discussão a respeito da relação trabalho e<br />

globalização. Para tanto, perpassa, rapidamente, pelo <strong>de</strong>bate das mudanças no<br />

mundo do trabalho, pela centralida<strong>de</strong> do estudo do trabalho nas Ciências Sociais<br />

e pela análise <strong>de</strong> alguns impactos da globalização, sobretudo na esfera econômica,<br />

sobre esse mesmo trabalho. Um dos principais objetivos do texto está em<br />

<strong>de</strong>monstrar como a emergência da socieda<strong>de</strong> global e as modificações que esta<br />

tem provocado nas relações capitalistas <strong>de</strong> produção, principalmente no Brasil,<br />

têm levado as Ciências Sociais a repensarem suas análises em torno <strong>de</strong>ssas problemáticas.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Globalização; Centralida<strong>de</strong> do Trabalho; Flexibilização;<br />

Terceirização; Crise Societária e Analítica.<br />

ABSTRACT<br />

This paper intends to discuss the relation between labor and globalization;<br />

therefore, it mentions the <strong>de</strong>bate on the changes in the labor world, the centrality<br />

of labor study in social sciences, and also the analyses of some globalization<br />

impacts, mainly economic one, on such labor. One of the main goals of this paper<br />

is to <strong>de</strong>monstrate how the emergence of global society and the changes it has been<br />

provoking into capitalist relation of production, mainly in Brazil, have ma<strong>de</strong> the<br />

social sciences to think over their analyses related to these matters.<br />

KEY-WORDS: Globalization; Centrality of Labor; Flexibility; Contractor;<br />

Societal and Analytical Crises.<br />

1<br />

Especialista em Sociologia e Sociologia da Educação (UEL). Mestre em Sociologia Política (UFPR).<br />

Doutoranda em Ciências Sociais (UNICAMP). Professora <strong>de</strong> Fundamentos Sócio-antropológicos<br />

da Educação, no Instituto Superior <strong>de</strong> Educação Mãe <strong>de</strong> Deus <strong>de</strong> Londrina.<br />

E-mail: angellamaria@pop.com.br


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 33<br />

INTRODUÇÃO<br />

A globalização econômica evi<strong>de</strong>nciou com mais intensida<strong>de</strong> os novos mecanismos<br />

i<strong>de</strong>ológico-políticos e econômicos utilizados pelo capital para intensificar<br />

a produção e, ao mesmo tempo, sufocar a organização dos trabalhadores. Através<br />

<strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> retroalimentação do capital, tais como: a terceirização, a<br />

flexibilização, a informalida<strong>de</strong>, a busca por mão-<strong>de</strong>-obra barata, o controle <strong>de</strong><br />

qualida<strong>de</strong>, entre outras, ela colaborou para o aumento da precarização, da exploração<br />

do trabalho e do trabalhador brasileiro.<br />

Com o incremento da exportação, empresários <strong>de</strong> vários setores, vêm investindo<br />

em agilida<strong>de</strong> e aumento do volume <strong>de</strong> produção para po<strong>de</strong>r aten<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>manda<br />

externa. Para tanto, priorizam a automação, empregando cada vez menos<br />

pessoas, ou seja, investem em ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> capital intensivo com poucos trabalhadores<br />

qualificados.<br />

Isso nos leva a pensar que a globalização atinge inúmeras questões sociais,<br />

sobretudo aquelas que se referem ao trabalhador e ao trabalho, e mais, que<br />

a raiz dos principais problemas sociais vivenciados pelos mesmos tem sua<br />

origem no modo <strong>de</strong> produção capitalista que, apesar das crises e das<br />

retroalimentações sofridas, mantém inalterada a sua base exploratória. Porém,<br />

é possível pensar que há formas <strong>de</strong> intervenção político-social, cultural e<br />

econômica neste processo.<br />

A atualida<strong>de</strong> da categoria trabalho<br />

Com a influência maciça dos computadores e dos softwares, passamos a<br />

presenciar discursos que tentam provar que entramos, com a globalização, em<br />

um mundo on<strong>de</strong> não mais existirão trabalhadores. Peter Drucker (apud,<br />

BERTOLINO, 1997, p.20) ajuda a ilustrar bem a voz i<strong>de</strong>ológica do<br />

empresariado nesse momento: “O <strong>de</strong>saparecimento da mão-<strong>de</strong>-obra como fator<br />

chave da produção emergirá como o crítico assunto pen<strong>de</strong>nte da socieda<strong>de</strong><br />

capitalista.”<br />

Sobre esse suposto fim do trabalho, FRIGOTTO afirma que o grau <strong>de</strong> extração<br />

da mais-valia continua voraz e o que se libera não é o tempo livre, mas tempo<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego, <strong>de</strong> trabalho precário e <strong>de</strong> aumento <strong>de</strong> sobrantes. “Na tese do mercado<br />

auto-regulado há consumidores soberanos que livremente tomam suas <strong>de</strong>cisões<br />

otimizadas. Na perspectiva do pós-mo<strong>de</strong>rnismo, no limite, cada um é sua<br />

teoria, é sua utopia e é seu projeto histórico.” (2000, p.12).


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 34<br />

Nesse sentido, também diz Antunes (apud BERTOLINO, 1997, p.19):<br />

“Supor a generalização <strong>de</strong>ssa tendência (a substituição da mão<strong>de</strong>-obra<br />

por máquinas) sob o capitalismo contemporâneo – nele<br />

incluído o enorme contingente <strong>de</strong> trabalhadores do Terceiro<br />

Mundo – seria um enorme <strong>de</strong>spropósito e acarretaria como<br />

conseqüência inevitável a própria <strong>de</strong>struição da economia <strong>de</strong><br />

mercado, pela incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> integralização do processo <strong>de</strong><br />

acumulação do capital. Não sendo nem consumidores, nem<br />

assalariados, os robôs não po<strong>de</strong>riam participar do mercado. A<br />

simples sobrevivência da economia capitalista estaria, <strong>de</strong>sse<br />

modo, comprometida.”<br />

Marx, em O Capital, (apud BERTOLINO, 1997, p.21) já havia previsto estas<br />

mudanças.<br />

“Sob sua forma máquina [...] o meio <strong>de</strong> trabalho se torna imediatamente<br />

o concorrente do trabalhador. A máquina cria uma<br />

população supérflua, isto é, inútil para as necessida<strong>de</strong>s momentâneas<br />

da exploração capitalista [...] em <strong>de</strong>terminado grau<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, um progresso extraordinário na produção<br />

po<strong>de</strong> ser acompanhado <strong>de</strong> uma diminuição não só relativa<br />

como absoluta do número <strong>de</strong> operários empregados.”<br />

MARX e ENGELS (1998) também já haviam <strong>de</strong>marcado, no Manifesto do<br />

Partido Comunista, que a burguesia não po<strong>de</strong> existir sem revolucionar continuamente<br />

os instrumentos <strong>de</strong> produção, e, por conseguinte, as relações <strong>de</strong> produção.<br />

Portanto, diferente <strong>de</strong> como pontua Claus OFFE (1989) - <strong>de</strong> que a esfera do<br />

trabalho e da produção per<strong>de</strong>u sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estruturação e <strong>de</strong> organização,<br />

li<strong>de</strong>rando, <strong>de</strong>ste modo, novos campos <strong>de</strong> ação, marcados por novos atores e por<br />

uma nova racionalida<strong>de</strong> - a centralida<strong>de</strong> do trabalho e da produção ainda se constitui<br />

em um fato sociológico fundamental para os sociólogos contemporâneos.<br />

Não compartilhamos com OFFE (1989) da idéia <strong>de</strong> que o trabalho tem se<br />

tornado objetivamente disforme e subjetivamente periférico, e nem com a afirmação<br />

<strong>de</strong> que a cultura cognitiva não está mais relacionada primeiramente com o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento das forças produtivas.<br />

Da mesma forma, questionamos a teoria <strong>de</strong> Habermas quando <strong>de</strong>screve a<br />

dinâmica das socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas, não como um antagonismo enraizado na


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 35<br />

esfera da produção, mas como uma colisão entre os subsistemas <strong>de</strong> ação racional-intencional,<br />

mediados pelo dinheiro e pelo po<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> um lado, e um mundoda-vida-cotidiana,<br />

que resiste obstinadamente a estes sistemas, <strong>de</strong> outro. Em um<br />

outro grupo <strong>de</strong> análise, po<strong>de</strong>mos citar, para fins <strong>de</strong> contestação, as teorias sociológicas<br />

<strong>de</strong> Foucault, <strong>de</strong> Touraine e <strong>de</strong> Gorz, <strong>de</strong> que a fábrica não é o centro <strong>de</strong><br />

relações <strong>de</strong> dominação, nem o local dos mais importantes conflitos sociais; que<br />

os parâmetros sociais e econômicos do <strong>de</strong>senvolvimento social foram substituídos<br />

por uma autoprogramação da socieda<strong>de</strong>; e que, nas socieda<strong>de</strong>s oci<strong>de</strong>ntais,<br />

tornou-se altamente enganoso equiparar o <strong>de</strong>senvolvimento das forças produtivas<br />

e a emancipação humana.<br />

A Sociologia <strong>de</strong> Gorz também parece não explicar as atuais mudanças<br />

ocorridas no mundo do trabalho. Gorz consi<strong>de</strong>ra, por exemplo, que o trabalho<br />

<strong>de</strong>ixou, há muito tempo, <strong>de</strong> fazer parte da liberda<strong>de</strong> do homem ou da sua i<strong>de</strong>ntificação<br />

com sua ativida<strong>de</strong> e passou para o reino da necessida<strong>de</strong>. Na sua perspectiva,<br />

o neoproletário passou a ser <strong>de</strong>terminado pelo trabalho que “...não<br />

pertence aos indivíduos que o executam e não é a sua ativida<strong>de</strong> própria: pertence<br />

ao aparelho <strong>de</strong> produção social, é repartido e programado por esse aparelho<br />

e permanece externo aos indivíduos aos quais se impõe.” (GORZ, 1987,<br />

p.90).<br />

Na visão do autor do presente ensaio, a libertação do proletário, difundida<br />

por Marx, torna-se impossível, pelo fato <strong>de</strong> o proletário pós-industrial não encontrar<br />

no trabalho social a fonte <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r possível como vê nele, a realida<strong>de</strong> do<br />

po<strong>de</strong>r dos aparelhos e <strong>de</strong> seu próprio não-po<strong>de</strong>r (GORZ, 1987, p.91). Nessa perspectiva,<br />

o trabalho, a cada dia, passa a ser exterior ao homem; aliena e inverte sua<br />

relação com o homem; ao invés <strong>de</strong> existir para o homem, o homem passa a existir<br />

a partir <strong>de</strong>le, tornando-se seu <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e escravo.<br />

Para GORZ, a evolução tecnológica não se apresenta como maneira <strong>de</strong> uma<br />

apropriação <strong>de</strong> produção social pelos produtores e, sim, caminha no sentido <strong>de</strong><br />

uma abolição dos produtores sociais, <strong>de</strong> uma marginalização do trabalho socialmente<br />

necessário sob o efeito da revolução informática (1987, p.91).<br />

O trabalho produtivo não está em extinção e nem a classe trabalhadora (proletariado).<br />

É verda<strong>de</strong> que o trabalho passou por diversas metamorfoses. O trabalho,<br />

ao longo das décadas, se reorganiza e se readapta aos processos e modos <strong>de</strong><br />

produção implantados pelo capitalismo, favorecendo sua manutenção.<br />

Como explica ANDRADE FILHO, o trabalho é uma expressão fundante do<br />

homem. Pelo trabalho, o homem potencializa o caminho da humanização e projeta<br />

seu futuro em uma nova forma <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>. O autor investiga o trabalho<br />

como ação transformadora das realida<strong>de</strong>s, em uma resposta aos <strong>de</strong>safios da natureza,<br />

relação dialética entre teoria e prática. Pelo trabalho, enten<strong>de</strong>, “...o homem


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 36<br />

se autoproduz, alterando sua visão <strong>de</strong> mundo e <strong>de</strong> si mesmo, do mundo econômico,<br />

político e social, com perspectivas éticas e direitos econômicos <strong>de</strong><br />

humanização.” (1999, p.29).<br />

São inúmeros os tipos atuais <strong>de</strong> trabalho a serem estudados. Do mesmo modo,<br />

novas condições <strong>de</strong> trabalho vão sendo <strong>de</strong>finidas e instituídas por intermédio do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento científico e tecnológico, <strong>de</strong> acordo com os interesses econômico-políticos.<br />

O significado do trabalho apresenta seus termos impostos por <strong>de</strong>terminado<br />

tipo <strong>de</strong> produção. Como mostra ANTUNES (2002), o trabalho <strong>de</strong>monstra<br />

hoje formas contemporâneas <strong>de</strong> vigência, nova configuração <strong>de</strong> classe trabalhadora,<br />

inovadas formas <strong>de</strong> interpenetração entre as ativida<strong>de</strong>s produtivas e as improdutivas,<br />

entre o sistema fabril e <strong>de</strong> serviços, entre as laborativas e <strong>de</strong> concepção<br />

e entre o conhecimento científico.<br />

Continua sendo fenômeno pertinente às Ciências Sociais a centralida<strong>de</strong> do<br />

mundo do trabalho e a positivida<strong>de</strong> do trabalho na vida humana, apesar das profundas<br />

mudanças que ocorrem em seu conteúdo, divisão e relação, ao longo do<br />

processo produtivo do sistema capitalista.<br />

Parece não ter ocorrido ainda a tão propagada substituição do trabalho pela<br />

ciência, ou a substituição da produção <strong>de</strong> mercadorias pela esfera da comunicação,<br />

da informação. O neoliberalismo e a reestruturação produtiva na era da acumulação<br />

flexível são respostas dadas pelo capitalismo para tentar sanar as crises<br />

por ele mesmo geradas. São conseqüências <strong>de</strong>ssa retroalimentação do capital: o<br />

aumento da exploração e da jornada <strong>de</strong> trabalho, o <strong>de</strong>semprego estrutural, o trabalho<br />

precarizado e a preocupação extremada com a produção <strong>de</strong> mercadorias, <strong>de</strong>gradando<br />

cada dia mais a relação entre o homem e a natureza (ANTUNES, 2002).<br />

A nova lógica do sistema produtor <strong>de</strong> mercadorias vem convertendo a concorrência<br />

e a busca pela produtivida<strong>de</strong> em um processo <strong>de</strong>strutivo que tem gerado<br />

uma imensa precarização do trabalho e o aumento monumental do exército industrial<br />

<strong>de</strong> reserva. Vivemos atualmente diante <strong>de</strong> um quadro crítico no que diz respeito<br />

ao mundo do trabalho e à lógica do capital, caracterizando, entre outros<br />

problemas, formas concretas <strong>de</strong> (<strong>de</strong>s)socialização humana e <strong>de</strong> fetichização das<br />

formas <strong>de</strong> representações vigentes (I<strong>de</strong>m, 2002, p.16).<br />

Como bem mostra ANTUNES (1996), a crise da socieda<strong>de</strong> do trabalho abstrato,<br />

que cria valores <strong>de</strong> troca, não po<strong>de</strong> ser entendida como a crise que inviabiliza<br />

o trabalho como fonte primeira, ponto <strong>de</strong> partida <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> emancipada.<br />

Pensamos que o trabalho, como também afirma CASTEL, continua sendo<br />

uma referência não só economicamente, mas também psicológica, cultural e simbolicamente<br />

dominante, como provam as reações dos que não o têm (1998, p.578).


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 37<br />

Neoliberalismo, globalização e algumas mudanças no mundo do trabalho<br />

Nossa intenção metodológica é repensar, neste item, alguns dos impactos da<br />

globalização e do neoliberalismo sobre o mundo do trabalho. Sabemos, porém,<br />

que, nesta brevíssima retomada histórico-sociológica, sacrificaremos a análise sobre<br />

as transformações no mundo do trabalho, que se efetuam no processo <strong>de</strong> mudanças,<br />

por exemplo, do sistema fordista norte-americano ao pós-toyotismo japonês.<br />

Para iniciá-lo, lembramos que, em face da crise enfrentada pelo modo <strong>de</strong><br />

produção capitalista, no final do século XX, a política neoliberal <strong>de</strong>sponta <strong>de</strong><br />

forma a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r leis estritamente mercadológicas, acenando com o fim do Estado<br />

<strong>de</strong> Bem-Estar-Social, da estabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> emprego, com o nascimento do Estado<br />

Mínimo, com o corte abrupto das <strong>de</strong>spesas previ<strong>de</strong>nciárias e gastos em geral<br />

com as políticas sociais (SILVA, 2002, p.42).<br />

Fundamental, mas não unívoca, a tese neoliberal funda-se em algumas posturas<br />

<strong>de</strong> ação, tais como: a retirada do Estado da economia; a idéia do Estado<br />

Mínimo; a restrição dos ganhos <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> e garantias <strong>de</strong> emprego e estabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> emprego; a volta das leis <strong>de</strong> mercado sem restrições; o aumento das<br />

taxas <strong>de</strong> juros para aumentar a poupança e arrefecer o consumo; a diminuição dos<br />

impostos sobre o capital e diminuição dos gastos e receitas públicas e, conseqüentemente,<br />

dos investimentos em políticas sociais (FRIGOTTO, 2000, p.80).<br />

Nesse contexto, o Estado assume um papel abstencionista, a burguesia<br />

monopolista é favorecida, o Estado reduzido ce<strong>de</strong> espaço para as empresas<br />

multinacionais e estas passam a exercer um controle sem paralelo sobre os recursos<br />

globais, a mão-<strong>de</strong>-obra e os mercados (RIFKIN, 1995).<br />

Segundo TOLEDO (1997, p.84), o neoliberalismo existente não é senão o<br />

Estado do gran<strong>de</strong> capital que, por meio da <strong>de</strong>rrota da classe operária, impôs rupturas<br />

ou limitações aos pactos corporativos do pós-guerra, implantou uma nova disciplina<br />

fabril e uma austerida<strong>de</strong> salarial, também nos gastos sociais, <strong>de</strong>scontando<br />

sobre os trabalhadores os custos das crises. A política neoliberal adotada pelo<br />

sistema capitalista apresenta a economia como válvula mestra da vida humana,<br />

estabelecendo valores e necessida<strong>de</strong>s in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do caráter, <strong>de</strong> modo a<br />

<strong>de</strong>terminar a id<strong>entida<strong>de</strong></strong> social e, principalmente, pessoal do homem.<br />

Novamente são processadas mudanças na id<strong>entida<strong>de</strong></strong> pessoal do novo tipo<br />

<strong>de</strong> trabalhador que se quer constituir. Esse processo “...mascara e fetichiza, alcança<br />

crescimento mediante a <strong>de</strong>struição criativa, cria novos <strong>de</strong>sejos e necessida<strong>de</strong>s,<br />

explora a capacida<strong>de</strong> do trabalho e do <strong>de</strong>sejo humanos, transforma espaços e<br />

acelera o ritmo da vida.” (HARVEY, 1992, p.307).<br />

É nesse quadro, totalmente opressor para o trabalhador, que, a partir dos<br />

anos 80, passamos a vivenciar uma flexibilização ainda maior da produção. O


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 38<br />

termo globalização relaciona-se agora a um fenômeno econômico que apresenta a<br />

imagem <strong>de</strong> uma única economia, <strong>de</strong> um único interesse. Em seu nome, “...a movimentação<br />

internacional dos capitais é liberada, o setor público produtivo é<br />

privatizado ou <strong>de</strong>smantelado e a política monetária prioriza a estabilida<strong>de</strong> dos<br />

preços em <strong>de</strong>trimento do crescimento econômico.” (SINGER, 2000, p.119).<br />

Segundo Singer, o excesso <strong>de</strong> oferta <strong>de</strong> força <strong>de</strong> trabalho solapa nesse momento<br />

as organizações sindicais e confere aparente credibilida<strong>de</strong> à tese liberal <strong>de</strong><br />

que todas as conquistas legais <strong>de</strong> direitos trabalhistas causam a diminuição da<br />

<strong>de</strong>manda por trabalho assalariado. Com a introdução da tecnologia no mundo do<br />

trabalho, várias alterações se efetivam ao longo do processo mediante relações <strong>de</strong><br />

produção, possibilitando que uma nova or<strong>de</strong>m social se promova e a<strong>de</strong>ntre na<br />

vida da socieda<strong>de</strong>. A tecnologia favorece a reconfiguração <strong>de</strong> valores pessoais e<br />

estruturais da socieda<strong>de</strong>.<br />

A tecnologia e a ciência escon<strong>de</strong>m as relações sociais que as produzem,<br />

impondo um novo tipo <strong>de</strong> organização do trabalho. Traçando um paralelo entre as<br />

primeiras tecnologias industriais e as novas, baseadas no computador, po<strong>de</strong>-se<br />

afirmar que ambas substituíram parcialmente o trabalhador, quer trocando sua<br />

força muscular por máquinas, quer substituindo a própria mente humana, colocando<br />

máquinas” inteligentes” no lugar dos seres humanos em toda a escala <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong> econômica (RIFKIN, 1995, p.5).<br />

A categoria não-trabalho surge no momento em que passa a se fazer presente<br />

o <strong>de</strong>semprego tecnológico. A eliminação <strong>de</strong> várias frentes <strong>de</strong> trabalho e sua<br />

não-substituição é um dos resultados do avanço tecnológico. Nesse quadro <strong>de</strong>terminado<br />

por questões econômicas e políticas, apenas quem possui qualificação<br />

profissional consegue espaço <strong>de</strong> atuação, mesmo lembrando que esse mercado<br />

não garante trabalho para todos aqueles que a<strong>de</strong>rem à capacitação e flexibilização<br />

dos conhecimentos. Nesse contexto, conceitos como globalização, flexibilização,<br />

reengenharia, nova gestão, qualida<strong>de</strong> total, trabalho enriquecido, ciclos <strong>de</strong> controle<br />

<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> se traduzem por métodos que buscam otimizar tempo, espaço,<br />

energia, matéria e trabalho vivo, proporcionando o aumento da produtivida<strong>de</strong>, a<br />

qualida<strong>de</strong> dos produtos.<br />

Em relação à qualida<strong>de</strong> total, ela apresenta como princípios a negação da<br />

durabilida<strong>de</strong> das mercadorias, pela redução da vida dos produtos, favorecendo o<br />

<strong>de</strong>sperdício e a <strong>de</strong>strutivida<strong>de</strong>. O processo <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> total é um processo <strong>de</strong><br />

organização do trabalho, cuja finalida<strong>de</strong> essencial, real, é a intensificação das<br />

condições <strong>de</strong> exploração da força <strong>de</strong> trabalho (ANTUNES, 2002, p.53).<br />

Esse projeto <strong>de</strong> recuperação da hegemonia atinge as mais diversas esferas<br />

da sociabilida<strong>de</strong>, exacerbando o individualismo contra as formas <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong><br />

e atuação coletiva e social, ocultando a dominação política. Como bem mostra


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 39<br />

DIAS (1999, p.80), nas formações sociais capitalistas, a naturalida<strong>de</strong> aparente do<br />

econômico oculta a dominação política e impe<strong>de</strong> que as classes subalternas tomem<br />

consciência <strong>de</strong>sse processo e realizam a construção <strong>de</strong> sua id<strong>entida<strong>de</strong></strong>, <strong>de</strong><br />

seus projetos. Segundo o mesmo autor, no campo <strong>de</strong> forças do Estado burguês,<br />

todo o jogo aparece como se dando entre indivíduos genéricos, abstratos, sem<br />

historicida<strong>de</strong>. O ocultamento da dominação política é uma necessida<strong>de</strong> objetiva.<br />

Assim, a aparência da liberda<strong>de</strong> individual é fundamental para a flui<strong>de</strong>z da forma<br />

<strong>de</strong> dominação, o que torna possível apresentar a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma classe como<br />

sendo a <strong>de</strong> todas as <strong>de</strong>mais. Continua o autor, pela supressão máxima da liberda<strong>de</strong><br />

(compra-venda <strong>de</strong> força <strong>de</strong> trabalho = exploração), cria-se a individualida<strong>de</strong> política,<br />

permitindo o ocultamento da opressão (construção do consenso). Afinal, como<br />

nos leva a pensar Dias, a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> mercado, sob o capitalismo, é uma aparência<br />

necessária.<br />

Com a liberalização dos processos <strong>de</strong> relações políticas e industriais, durante<br />

o final da década <strong>de</strong> 80, nas fábricas brasileiras po<strong>de</strong>mos observar a introdução<br />

<strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> produção “mais <strong>de</strong>senvolvido”, a expressão just-in-time<br />

taylorizado chega a ser usada por alguns para <strong>de</strong>screver uma fábrica parcialmente<br />

mo<strong>de</strong>rnizada em que aos trabalhadores eram dadas novas tarefas, mas <strong>de</strong>ntro das<br />

quais eles continuavam sob condições altamente monitorizadas e pressionadas<br />

(HUMPHREY, 1993, p.255 e 256).<br />

Os estudos sobre o processo <strong>de</strong> exploração do e no trabalho, têm sido enriquecidos<br />

por diversos recortes e abordagens no sentido <strong>de</strong> explicitar os mais variados<br />

elementos que interferiram e interferem nesse processo, não só no Brasil,<br />

mas em diversos países no mundo. Mas partimos da premissa <strong>de</strong> que, por mais<br />

que visualizemos significativos impactos da globalização sobre o mundo do trabalho,<br />

continua viva, para nós, a <strong>de</strong>fesa do pressuposto <strong>de</strong> que este fenômeno<br />

(trabalho) continua sendo central às Ciências Sociais.<br />

A título <strong>de</strong> ilustração, lembramos as pesquisas <strong>de</strong> HIRATA e PRETECEILLE<br />

(2002). Os autores discutem os principais mo<strong>de</strong>los teóricos dos estudos sobre a<br />

reestruturação econômica na França e as formulações acerca da exclusão,<br />

precarização, flexibilização e insegurança no e do trabalho. Salientam que, apesar<br />

do crescimento do <strong>de</strong>semprego e da redução dos postos <strong>de</strong> trabalho, a maioria dos<br />

pesquisadores franceses reafirma a centralida<strong>de</strong> do trabalho que, mesmo ausente,<br />

continua a ser tomado como referência na construção das id<strong>entida<strong>de</strong></strong>s sociais. Um<br />

dos pontos centrais <strong>de</strong>stacados pelos autores é a “dupla transformação do trabalho<br />

aparentemente paradoxal”, ou seja, <strong>de</strong> uma parte, os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> organização exigem<br />

estabilida<strong>de</strong> e envolvimento dos indivíduos no processo <strong>de</strong> trabalho (autonomia,<br />

iniciativa, responsabilida<strong>de</strong>, comunicação) e, <strong>de</strong> outra, os vínculos<br />

empregatícios que se tornam cada vez mais precários e instáveis. Os autores <strong>de</strong>s-


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 40<br />

cobrem que, atrás <strong>de</strong>sse paradoxo, há, na verda<strong>de</strong>, uma <strong>de</strong>gradação das condições<br />

<strong>de</strong> trabalho e uma forte intensificação do trabalho, ocasionando sérios problemas<br />

à saú<strong>de</strong>, uma vez que o apelo ao subjetivismo e o envolvimento do trabalhador<br />

não o poupam <strong>de</strong> sofrer.<br />

Na mesma linha <strong>de</strong> pensamento, há as pesquisas <strong>de</strong> FRANCO (2002). O<br />

autor reforça a tese <strong>de</strong> que se está longe o fim do trabalho e que o processo crescente<br />

<strong>de</strong> precarização das condições <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>corre do excesso, e não da<br />

falta, <strong>de</strong> trabalho. Suas atenções se voltam, sobretudo, às pesquisas sobre o Karoshi<br />

(morte súbita por excesso <strong>de</strong> trabalho) no Japão.<br />

Mesmo que a flexibilização e a precarização do trabalho sintetizem os diversos<br />

processos <strong>de</strong> transformações e <strong>de</strong> inovações no âmbito da organização do<br />

trabalho, das políticas <strong>de</strong> gestão e no campo <strong>de</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho, como fenômenos<br />

que se mundializaram, tais fenômenos apresentam especificida<strong>de</strong>s nacionais<br />

e, mesmo, regionais. As mutações no mundo do trabalho, <strong>de</strong> forma mais<br />

abrangente, afetam as localida<strong>de</strong>s, as organizações menores, a vida real dos trabalhadores<br />

envolvidos diferentemente, interferindo no processo real <strong>de</strong> trabalho, na<br />

nova sociabilida<strong>de</strong>, na id<strong>entida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> classe, na nova solidarieda<strong>de</strong> e na maior<br />

intensificação-exploração do trabalhador(a).<br />

Nesse processo <strong>de</strong> retroalimentação, <strong>de</strong> inferência <strong>de</strong> novos valores (capitalistas)<br />

na subjetivida<strong>de</strong> do trabalhador, gera-se, processualmente, uma sociabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sejável pelo capital.<br />

O trabalhador passa a ter dificulda<strong>de</strong> hoje <strong>de</strong> se i<strong>de</strong>ntificar enquanto classe,<br />

torna-se confuso entre empregado e empreen<strong>de</strong>dor, entre trabalhador terceirizado<br />

e trabalhador permanente; já que emprega outras pessoas no fabricação doméstica,<br />

na maioria das vezes, seus próprios familiares e amigos e divi<strong>de</strong> o ambiente <strong>de</strong><br />

trabalho com colegas oriundos dos mais diferentes tipos <strong>de</strong> contrato. O mesmo<br />

passa a se alimentar com uma enganosa liberda<strong>de</strong> e autonomia, que escon<strong>de</strong> uma<br />

i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> exploração, com piores condições <strong>de</strong> trabalho, maior jornada, ausência<br />

<strong>de</strong> direitos, arduamente conseguidos pela luta <strong>de</strong> classes.<br />

Um dado, para o Brasil, que nos ajuda a compreen<strong>de</strong>r os impactos da<br />

globalização no mundo do trabalho está no aumento da relação produtivida<strong>de</strong>/<br />

exclusão do trabalhador no mercado <strong>de</strong> trabalho. Apesar <strong>de</strong> os dados não serem<br />

muito atuais, BERTOLINO (1997, p.19) nos dá uma idéia <strong>de</strong>sses impactos. Como<br />

<strong>de</strong>talha o autor, <strong>de</strong> 1985 a 1990, a produtivida<strong>de</strong> na indústria nacional andou para<br />

trás ao ritmo <strong>de</strong> 0,4% ao ano. Em compensação, <strong>de</strong> 1990 a 1995, segundo o IBGE,<br />

a produtivida<strong>de</strong> aumentou em 49,5%. Em 1996, o aumento foi <strong>de</strong> 13,1%, em recor<strong>de</strong><br />

histórico. O autor se pergunta: “Qual é a explicação para essa mudança<br />

brusca na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção da força <strong>de</strong> trabalho brasileira?” Segundo ele,<br />

em primeiro lugar estão os investimentos em tecnologia, com a importação maci-


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 41<br />

ça <strong>de</strong> máquinas e equipamentos dotados <strong>de</strong> alta capacida<strong>de</strong> tecnológica. A segunda<br />

explicação repousa nas técnicas <strong>de</strong> organização do trabalho. O envolvimento<br />

dos funcionários com a gestão da produção, proporcionou substanciais aumentos<br />

<strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong>, com redução <strong>de</strong> quadro. “O sistema <strong>de</strong> equipes <strong>de</strong> trabalho chega<br />

a ponto <strong>de</strong> trabalhar sem a figura do chefe imediato, com liberda<strong>de</strong> para fixar o<br />

ritmo da produção, contratar ou <strong>de</strong>mitir colegas e discutir as melhorias no processo.”,<br />

ilustra o autor (I<strong>de</strong>m).<br />

Outros dois motivos ajudam a explicar o aumento da produtivida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> acordo<br />

com BERTOLINO (1997, p.20): as horas extras e a terceirização. Existe também<br />

o fenômeno da “terceirização para fora”, quando uma empresa passa a trazer<br />

mais componentes do exterior, em vez <strong>de</strong> fabricá-los internamente. Aliás, qualquer<br />

que seja o fator, aumento da produtivida<strong>de</strong> significa intensificação da exploração<br />

assalariada.<br />

Como explica BERTOLINO (1997, p.20):<br />

“As máquinas mo<strong>de</strong>rnas por si só não são capazes <strong>de</strong> aumentar<br />

a produtivida<strong>de</strong>. Elas obrigam os trabalhadores a acelerar a<br />

velocida<strong>de</strong> das operações. Com as novas técnicas <strong>de</strong> organização<br />

do trabalho, muitas vezes, os intervalos <strong>de</strong> paradas são<br />

eliminados. Além da energia muscular, o trabalhador é obrigado<br />

a uma concentração maior, o que ocasiona <strong>de</strong>sgaste psicológico.<br />

A tensão emocional é constante e as doenças profissionais<br />

crescem assustadoramente. São novas formas <strong>de</strong> exploração<br />

assalariada.”<br />

BERTOLINO (1997, p.20) <strong>de</strong>monstra que o aumento da produtivida<strong>de</strong> não<br />

é um recurso novo do capital. A cooperação simples nas oficinas capitalistas nas<br />

quais o processo <strong>de</strong> trabalho realizava-se ainda com a técnica manual do artesão,<br />

a manufatura em que ainda predominava a técnica artesanal, mas já com a divisão<br />

do trabalho, e a gran<strong>de</strong> indústria baseada no sistema <strong>de</strong> máquinas, já representavam<br />

três fases históricas fundamentais do <strong>de</strong>senvolvimento industrial para a elevação<br />

da produtivida<strong>de</strong>. A substituição das máquinas a vapor por outras movidas<br />

a diesel e a eletricida<strong>de</strong>, combinadas com a adoção <strong>de</strong> técnicas tayloristas-fordistas,<br />

também elevaram a produtivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma extraordinária, acrescenta o autor.<br />

Segundo BERTOLINO (1997, p.22), milhões <strong>de</strong> pessoas em todo o mundo<br />

já foram excluídas do mercado <strong>de</strong> trabalho formal. Por outro lado, o aumento <strong>de</strong><br />

produtivida<strong>de</strong> implica em aumento <strong>de</strong> renda. O problema está na forma como essa<br />

renda é apropriada e o ponto central não está no tamanho da classe operária, mas<br />

no seu papel histórico.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 42<br />

Com a globalização, caminhamos juntos com dois “monstros”, a exclusão e<br />

o po<strong>de</strong>r da i<strong>de</strong>ologia neoliberal, o primeiro, vítima do segundo. Para FRIGOTTO<br />

(2000, p.11), na forma específica que assume na virada do século, a globalização<br />

explicita, <strong>de</strong> um lado, uma espécie <strong>de</strong> vingança do capital contra a luta histórica<br />

dos trabalhadores, e suas vitórias parciais em barrar-lhe a violência; e, <strong>de</strong> outro, o<br />

aprofundamento da contradição entre o avanço extraordinário das forças produtivas<br />

e o caráter opaco das relações sociais.<br />

Como mostra o autor, neste contexto, a i<strong>de</strong>ologia neoliberal opera com uma<br />

força po<strong>de</strong>rosa buscando, a um tempo, ocultar as contradições e construir um<br />

senso comum da via única e inevitável da nova (<strong>de</strong>s)or<strong>de</strong>m mundial, tentando, a<br />

todo custo, minar a esperança <strong>de</strong> um projeto societário <strong>de</strong> caráter socialista.<br />

E, neste contexto, vivemos, segundo FRIGOTTO (2000, p.11), uma crise<br />

societária;<br />

“Por mais paradoxal que pareça, na base <strong>de</strong>sta crise está fundamentalmente<br />

a crise do capital que, para manter-se e recuperar<br />

taxas históricas <strong>de</strong> exploração, <strong>de</strong>smantela, sob o i<strong>de</strong>ário neoliberal<br />

da <strong>de</strong>sregulamentação e privatização, os direitos sociais conquistados<br />

pelos trabalhadores, <strong>de</strong> forma assimétrica em diferentes<br />

partes do mundo, especialmente neste último século.”<br />

Os mecanismos utilizados pelas empresas para sair das crises precisam ser<br />

contextualizados nos mecanismos usados pelo capital para se refazer a cada abalo<br />

econômico.<br />

No Brasil, outro impacto da globalização sobre o trabalho, sem dúvida, está no<br />

fato da flexibilização ter flexibilizado também os direitos sociais, duramente conquistados<br />

pelas lutas dos trabalhadores. A expansão do mercado em escala mundial<br />

os atingiu, particularmente. Segundo RÚDIGER (2003, p.42), estamos diante <strong>de</strong><br />

uma crise do direito do trabalho estreitamente ligada à <strong>de</strong>sconstrução e à reorganização<br />

do trabalhador coletivo em escala mundial, com seus <strong>de</strong>sdobramentos na esfera<br />

jurídica pelo esfarelamento do regramento da relação <strong>de</strong> emprego em múltiplas<br />

formas atípicas <strong>de</strong> normatização das relações <strong>de</strong> trabalho, um trabalho que é contratado<br />

no mercado mundial por meio <strong>de</strong> formas jurídicas diversificadas e flexíveis.<br />

A autora lembra que a atual situação do mercado <strong>de</strong> trabalho é apenas aparentemente<br />

flexível e <strong>de</strong>sregulamentada. Ocorre que a retirada do Estado como<br />

po<strong>de</strong>r regulador do mercado <strong>de</strong> trabalho e o enfraquecimento dos sindicatos como<br />

representantes, inclusive jurídicos, dos trabalhadores, somente fortalecem o po<strong>de</strong>r<br />

corporativo das gran<strong>de</strong>s empresas. Através da tecnologia da informação, as


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 43<br />

organizações empresariais conseguem controlar muito mais eficazmente a ação<br />

dos trabalhadores; propalam, então, uma falsa flexibilida<strong>de</strong> do trabalho.<br />

Ao inserir-se no mercado global, o Estado brasileiro, especialmente a partir<br />

da Constituição <strong>de</strong> 1988, per<strong>de</strong> gradativamente seu monopólio <strong>de</strong> promulgar regras,<br />

o que leva a uma particularização e privatização da regulação jurídica, no<br />

que tange à questão dos direitos dos trabalhadores. As organizações das empresas,<br />

nos mol<strong>de</strong>s da <strong>de</strong>scentralização produtiva, faz com que as precárias relações<br />

<strong>de</strong> trabalho ganhem uma legitimida<strong>de</strong> que antes não possuíam. Segundo RÚDIGER<br />

(2003), coincidência ou não, a partir dos anos 1990, o discurso da flexibilida<strong>de</strong> no<br />

ajuste econômico tem seu correspon<strong>de</strong>nte no discurso jurídico da flexibilização<br />

do direito do trabalho, principalmente a partir do momento que as empresas passam<br />

a organizar, <strong>de</strong> forma sistemática, o emprego toyotista <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra.<br />

No campo científico, por mais que creiamos que o referencial teórico-político<br />

marxista é o que melhor respon<strong>de</strong>, cientificamente e na prática, aos temas<br />

correlacionados ao capitalismo em curso, concordamos com FRIGOTTO (2000),<br />

quando aponta que, nesse período <strong>de</strong> crise societária, surge também uma crise das<br />

categorias <strong>de</strong> análise e dos referenciais teóricos, que buscam apreen<strong>de</strong>r esse movimento<br />

histórico.<br />

Featherstone <strong>de</strong>safia a sociologia a “...teorizar e encontrar formas <strong>de</strong> investigação<br />

sistemática que aju<strong>de</strong>m a clarificar estes processos globalizantes e estas formas<br />

<strong>de</strong>strutivas <strong>de</strong> vida social que tornam problemático o que por muito tempo foi<br />

visto como objeto mais básico da sociologia: a socieda<strong>de</strong> concebida quase exclusivamente<br />

como o Estado-Nação bem <strong>de</strong>limitado.” (apud SANTOS, 2002, p.26).<br />

Sobre essa crise <strong>de</strong> categoria <strong>de</strong> análise, argumenta IANNI (1994, p.147)<br />

dizendo que, no limiar do século XXI, as Ciências Sociais se <strong>de</strong>frontam com um<br />

<strong>de</strong>safio epistemológico novo. Segundo ele, pela primeira vez somos <strong>de</strong>safiados a<br />

pensar o mundo como uma socieda<strong>de</strong> global, ou seja, o pensamento científico, em<br />

suas produções mais notáveis, elaborado primordialmente com base na reflexão<br />

sobre a socieda<strong>de</strong> nacional, não é suficiente para apreen<strong>de</strong>r a constituição e os<br />

movimentos da socieda<strong>de</strong> global, socieda<strong>de</strong> esta ainda não suficientemente reconhecida<br />

e <strong>de</strong>codificada.<br />

Para IANNI (1994), a socieda<strong>de</strong> global apresenta <strong>de</strong>safios empíricos e<br />

metodológicos, ou históricos e teóricos, que exigem novos conceitos, outras categorias<br />

e diferentes interpretações. Segundo ele, o conhecimento acumulado sobre<br />

a socieda<strong>de</strong> nacional não é suficiente para esclarecer as novas configurações<br />

<strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> que é sempre internacional, multinacional, transnacional, mundial<br />

e propriamente global, mesmo porque, como o próprio autor elucida, a socieda<strong>de</strong><br />

global não é a mera extensão quantitativa e qualitativa da socieda<strong>de</strong> nacional.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 44<br />

Como mostra SANTOS (2002), olhando o processo <strong>de</strong> globalização, parece<br />

que estamos perante um fenômeno multifacetado com dimensões econômicas,<br />

políticas, culturais, religiosas e jurídicas interligadas <strong>de</strong> modo complexo. Por esta<br />

razão, as explicações monocausais e as interpretações monolíticas <strong>de</strong>ste fenômeno<br />

parecem pouco a<strong>de</strong>quadas.<br />

Sobre essa crise, que ocorre também nas explicações científicas sobre a socieda<strong>de</strong><br />

nacional/mundial, explicita RÚDIGER (2003, p.43), “O problema central<br />

que o fenômeno da globalização coloca para as ciências sociais é a dissociação<br />

do conceito <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> do Estado nacional. Com o <strong>de</strong>senvolvimento dos meios<br />

<strong>de</strong> comunicação e das empresas multinacionais, as socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> operar<br />

no contexto das relações intersocietárias para ser analisadas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma nova<br />

base <strong>de</strong> contextualização teórica.”<br />

A fábrica global sugere uma transformação quantitativa e qualitativa do capitalismo,<br />

além <strong>de</strong> todas as fronteiras, e subsumindo, formal ou realmente, todas<br />

as outras formas <strong>de</strong> organização social e técnica do trabalho, da produção e da<br />

reprodução ampliada do capital. Toda a economia nacional, seja qual for, torna-se<br />

província da economia global. O modo capitalista <strong>de</strong> produção entra em uma época<br />

propriamente global, e não apenas internacional ou multinacional. Assim, o<br />

mercado, as forças produtivas, a nova divisão internacional do trabalho, a reprodução<br />

ampliada do capital <strong>de</strong>senvolvem-se em escala mundial. É uma globalização<br />

que, progressiva e contraditoriamente, subsume real ou formalmente outras e diversas<br />

formas <strong>de</strong> organização das forças produtivas, envolvendo a produção material<br />

e espiritual (IANNI, 1994, p.12 e 13).<br />

Ainda para o mesmo autor, a fábrica global instala-se além <strong>de</strong> toda e qualquer<br />

fronteira, articulando capital, tecnologia, força <strong>de</strong> trabalho, divisão social e<br />

outras forças produtivas. Acompanhada pela publicida<strong>de</strong>, a mídia impressa e eletrônica,<br />

a indústria cultural, misturada em jornais e outros veículos <strong>de</strong> comunicação,<br />

dissolve fronteiras, agiliza os mercados, generaliza o consumismo, provoca a<br />

<strong>de</strong>sterritorização e a re-territorização das coisas, gentes e idéias, promove o<br />

redimensionamento <strong>de</strong> espaços e tempos (IANNI, 1994, p.14).<br />

“A fábrica global é tanto metáfora, quanto realida<strong>de</strong>, altamente<br />

<strong>de</strong>terminada pelas exigências da reprodução ampliada do<br />

capital. No âmbito da globalização, revelam-se, às vezes, transparentes<br />

e inexoráveis os processos <strong>de</strong> concentração e centralização<br />

do capital, articulando empresas e mercados, forças<br />

produtivas e centros <strong>de</strong>cisórios, alianças, estratégias e<br />

planejamentos <strong>de</strong> corporações, tecendo províncias, nações e<br />

continentes, ilhas e arquipélagos, mares e oceanos.” (IANNI,<br />

1994, p.12 e 13).


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 45<br />

Esse momento <strong>de</strong> crise serve também para que a i<strong>de</strong>ologia neoliberal aproveite<br />

para tentar firmar teses do fim do socialismo e emergência do pós-mo<strong>de</strong>rnismo.<br />

RUMMERT (2000, p.15) fala que esse projeto neoliberal está tentando difundir<br />

um ethos empresarial para a socieda<strong>de</strong>. Diríamos, para alguns, um chamado<br />

projeto <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, ou ainda, um projeto <strong>de</strong> pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.<br />

Em síntese, a globalização econômica é sustentada pelo consenso econômico<br />

neoliberal, cujas três principais inovações institucionais são: restrições drásticas<br />

à regulação estatal da economia, novos direitos <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> internacional<br />

para investidores estrangeiros, inventores e criadores <strong>de</strong> inovações susceptíveis<br />

<strong>de</strong> serem objeto <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> intelectual (Robinson, apud SANTOS, 2002, p.31),<br />

subordinação dos estados nacionais às agências multilaterais, tais como o Banco<br />

Mundial, o FMI e a Organização Mundial do Comércio. Isso, sem contar que são<br />

os países periféricos e semiperiféricos os que mais estão sujeitos às imposições do<br />

receituário neoliberal, uma vez que este é transformado pelas agências financeiras<br />

multilaterais em condições para a renegociação da dívida externa, através dos<br />

programas <strong>de</strong> ajustamento estrutural. Mas, dado o crescente predomínio da lógica<br />

financeira sobre a economia real, mesmo os estados centrais, cuja dívida pública<br />

tem vindo a aumentar, estão sujeitos às <strong>de</strong>cisões das agências financeiras, ou<br />

seja, das empresas internacionalmente acreditadas para avaliar a situação financeira<br />

dos Estados e os conseqüentes riscos e oportunida<strong>de</strong>s que eles oferecem aos<br />

investidores internacionais (SANTOS, 2002, p.31).<br />

Consi<strong>de</strong>rações finais: repensando algumas propostas <strong>de</strong> intervenção<br />

A bibliografia <strong>de</strong>dicada a pensar propostas <strong>de</strong> intervenção na relação trabalho/globalização<br />

é imensa. Não temos a pretensão <strong>de</strong> esgotá-la neste pequeno<br />

artigo. Uma proposta, porém, gostaríamos <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar. Estamos nos referindo à<br />

obra “Para além do Capital”, <strong>de</strong> István Mészáros. Sabemos que o objetivo do<br />

grandioso estudo não é <strong>de</strong>bater diretamente este fato; no entanto, relendo-o, ousamos<br />

retirar <strong>de</strong>ste uma proposição <strong>de</strong> saída para os problemas que enxergamos na<br />

relação trabalho/globalização.<br />

Para Mészáros, o capital só será extinto com o advento do sistema comunal<br />

<strong>de</strong> produção e consumo. Neste, <strong>de</strong>verá, efetivamente, <strong>de</strong>saparecer a divisão hierárquica<br />

do trabalho, <strong>de</strong> tal maneira que todos os agentes sociais gozarão <strong>de</strong> situação<br />

igualitária; assim, um novo sociometabolismo passará a ter vigência.<br />

Essa alternativa socialista <strong>de</strong> Mészáros implica na regulação pelos próprios<br />

produtores das metas do processo <strong>de</strong> trabalho, com eliminação dos planos impostos<br />

<strong>de</strong> cima; a distribuição da força <strong>de</strong> trabalho e dos bens produzidos se fará por consenso<br />

coletivo, afastando tanto a prepotência do po<strong>de</strong>r político quanto a anarquia do


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 46<br />

mercado. Segundo sua perspectiva, os produtores serão motivados por incentivos<br />

morais e materiais; os membros da socieda<strong>de</strong> assumirão responsabilida<strong>de</strong>s voluntárias<br />

no exercício <strong>de</strong> suas funções, suprimindo a irresponsabilida<strong>de</strong> institucionalizada,<br />

própria <strong>de</strong> todas as varieda<strong>de</strong>s do capital (apud GORENDER, 2003, p 7).<br />

Uma questão importante, a nosso ver, que Meszáros coloca nesta obra, é<br />

uma crítica acertada das utopias marxianas acerca da socieda<strong>de</strong> socialista, em<br />

particular, aquelas que se referem à messiânica atribuição ao proletariado da missão<br />

histórica da auto-re<strong>de</strong>nção, com simultânea re<strong>de</strong>nção da humanida<strong>de</strong>. Só a<br />

título <strong>de</strong> ilustração, lembramos que esta questão também é trabalhada por<br />

CASTORIADIS (1979). Esse último autor tece uma crítica sobre a tão propalada<br />

missão, que <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> a-histórica, mítica e pré-estabelecida, que Marx e os<br />

marxistas direcionam à classe proletariada, a saber, <strong>de</strong> romper com as relações<br />

capitalistas <strong>de</strong> produção, e questiona se o colapso da socieda<strong>de</strong> capitalista realmente<br />

se dará no socialismo. A questão central <strong>de</strong> Castoriadis neste texto: “Dúvidas<br />

na história das lutas operárias”, é mostrar a importância do fazer processual e<br />

da ação política da classe operária que também luta implicitamente contra o capitalismo,<br />

<strong>de</strong>smontando-o e corroendo-o por <strong>de</strong>ntro. Sobre a valorização do fazer<br />

operário, enxergando-os enquanto sujeitos políticos atuantes e como atores sociais,<br />

e sobre a importância <strong>de</strong> vermos a luta da classe trabalhadora em movimento,<br />

que po<strong>de</strong> se expressar sob múltiplas dimensões, inclusive contra opressões específicas<br />

<strong>de</strong>ntro do capitalismo, também escreve Weffort, em “Participação e Conflito<br />

Industrial: Contagem e Osasco, 1968” (1971), e em “Sindicatos e Política”<br />

(1975) (apud PAOLI; SÁDER; TELLES, 1984, p.148-149).<br />

Retornando à questão primeira <strong>de</strong> Meszáros, lembramos uma entrevista que o<br />

autor conce<strong>de</strong>u ao Ca<strong>de</strong>rno Mais da Folha <strong>de</strong> São Paulo, em 9 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2002.<br />

Perguntado sobre a distinção “capital” e “capitalismo”, o autor enuncia que o capital<br />

não po<strong>de</strong>r ser <strong>de</strong>rrubado/abolido, como se imagina freqüentemente, nem se po<strong>de</strong><br />

abolir o Estado e o trabalho enquanto tais. Para ele, só o capitalismo po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>rrubado/abolido,<br />

e mesmo isso apenas em bases estritamente temporárias, pois a or<strong>de</strong>m<br />

pós-capitalista permanece exposta ao perigo da restauração, se o necessário<br />

trabalho <strong>de</strong> erradicação não for perseguido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, em todas as dimensões da<br />

produção e reprodução, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> funções metabólicas imediatamente materiais até aspectos<br />

culturais mais mediados envolvidos nos intercâmbios individuais e societais.<br />

Quanto à relação ciência e técnica no sistema <strong>de</strong> comando do capital,<br />

Meszáros enten<strong>de</strong> que, <strong>de</strong> fato, a superação/erradicação do capital é impensável<br />

sem a superação da divisão hierárquica do trabalho social. Vemos, mais uma vez<br />

aqui, para o autor, que esta não po<strong>de</strong> ser simplesmente abolida, nem mesmo por<br />

medidas políticas imbuídas das mais sinceras intenções, enquanto não encontrarmos<br />

alternativas viáveis para as práticas sociometabólicas herdadas, agora


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 47<br />

reidificadas nas bem conhecidas formas <strong>de</strong> dominação e subordinação.<br />

Segundo Meszáros (apud NOBRE, 2002, p.12), muito da chamada “complexida<strong>de</strong>”<br />

no sistema capitalista, ou seja, a falta <strong>de</strong> transparência <strong>de</strong> suas interrelações<br />

produtivas e distributivas, <strong>de</strong>ve-se à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ocultar, não apenas<br />

dos capitalistas que competem entre si, mas, muito mais importante, do seu antagonista<br />

social: o trabalho, o que não <strong>de</strong>veria ser ocultado <strong>de</strong> maneira alguma em<br />

uma or<strong>de</strong>m reprodutiva organizada racionalmente. Na teoria <strong>de</strong> Meszáros, “dominar<br />

a complexida<strong>de</strong>” é, portanto, o mesmo que retomar o controle do processo <strong>de</strong><br />

reprodução social. Escon<strong>de</strong>r-se por trás <strong>de</strong> um conceito <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> “socialmente<br />

neutro”, em nome <strong>de</strong> “nossa ciência e tecnologia”, é obviamente fugir ao<br />

problema.<br />

A proposição <strong>de</strong> Mészáros, que segue, nos permite fechar o presente artigo<br />

com a sensação imediata <strong>de</strong> missão cumprida, dado a complexida<strong>de</strong> que é falar<br />

sobre propostas <strong>de</strong> intervenção na relação trabalho/globalização na Sociologia <strong>de</strong><br />

hoje. Para o referido autor, “...com relação à gran<strong>de</strong> tarefa histórica da superação<br />

do capital como um modo <strong>de</strong> controle sociometabólico que tudo engloba, temos<br />

que enfrentar um processo, em curso, <strong>de</strong> erradicação e reestruturação, paralelo à<br />

transformação bem sucedida das funções reprodutivas do sistema em alternativas<br />

com sentido e humanamente realizáveis.” (apud NOBRE, 2002, p.13). Grifo<br />

nosso.<br />

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TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 50<br />

EDUCAÇÃO BRASILEIRA: REFLEXÕES E<br />

PERSPECTIVAS<br />

* Agnaldo 1Kupper<br />

RESUMO<br />

O quadro educacional brasileiro é negro. De um lado, a educação pública<br />

minguando, apesar da atenção dispensada nos últimos anos. De outro lado, o<br />

ensino proporcionado por instituições particulares ganha espaço; porém, sem solucionar<br />

os graves problemas da educação do país, pois eleva a exclusão social.<br />

Pensar em uma educação cidadã torna-se difícil <strong>de</strong>vido aos métodos <strong>de</strong> seleção<br />

empregados para o ingresso no ensino superior. É difícil, assim, prever o <strong>de</strong>stino<br />

do sistema educacional brasileiro.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Educação Brasileira; Problemas; Estrutura; Perspectivas<br />

Futuras.<br />

RESUMEN<br />

El cuadro educativo brasileño es sombrío. Por un lado, la educación pública<br />

tien<strong>de</strong> a <strong>de</strong>crecer, a pesar <strong>de</strong> la atención dispensada en los últimos años. Por otro<br />

lado, la enseñanza proporcionada por las instituciones particulares gana espacios,<br />

sin embargo no consigue solucionar los graves problemas <strong>de</strong> la educación <strong>de</strong>l<br />

país, pues eleva aún más la exclusión social. Pensar en una educación para el<br />

ciudadano se torna difícil <strong>de</strong>bido a los métodos <strong>de</strong> selección para el ingreso a la<br />

enseñanza superior. Se vuelve difícil, <strong>de</strong> esta manera, prever el <strong>de</strong>stino <strong>de</strong>l sistema<br />

educativo brasileño.<br />

PALABRAS CLAVES: Educación Brasileña; Problemas; Estructura; Perspectivas<br />

Futuras.<br />

* Docente do Centro Universitário Filadélfia (<strong>UniFil</strong>). Docente no Ensino Médio, e cursos prévestibulares.<br />

Autor <strong>de</strong> livros didáticos e paradidáticos. Diretor pedagógico <strong>de</strong> instituição <strong>de</strong> ensino<br />

médio em Londrina. Docente do Centro Universitário Filadélfia – <strong>UniFil</strong>. Doutorando na área <strong>de</strong><br />

História e Socieda<strong>de</strong>. Chefe do Centro <strong>de</strong> Estudos e Pesquisas da SEMA-PR. Diretor do Ateneu –<br />

Ensino Médio e Vestibulares. Escritor.<br />

E-mail: ateneucpv@uol.com.br


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 51<br />

INTRODUÇÃO<br />

Talvez a <strong>de</strong>finição mais comum que se dê à educação seja esta: “Processo<br />

pelo qual se procura <strong>de</strong>senvolver as potencialida<strong>de</strong>s da pessoa humana e integrála<br />

na comunida<strong>de</strong> a qual pertença.” Esta é uma <strong>de</strong>finição clássica, sendo impossível<br />

precisar seu autor.<br />

No <strong>de</strong>correr da História e nas mais diversas socieda<strong>de</strong>s, os processos e objetivos<br />

educacionais se diferenciam enormemente, <strong>de</strong> acordo com complexos fatores<br />

culturais. Nas civilizações antigas do Oriente, visava-se com a educação a<br />

supressão da individualida<strong>de</strong> e a conservação do passado. Aos gregos, no entanto,<br />

a função da educação era, ao contrário do mundo oriental, dar ênfase ao <strong>de</strong>senvolvimento<br />

individual e aos aspectos estéticos e intelectuais (entre a maioria das<br />

cida<strong>de</strong>s-estado). Na Ida<strong>de</strong> Média, a educação oci<strong>de</strong>ntal sujeitou-se à religião. No<br />

século XX, o <strong>de</strong>senvolvimento das ciências sociais, sobretudo da Psicologia, colocou<br />

novos problemas para a educação e tal <strong>de</strong>senvolvimento foi responsável por<br />

inúmeras transformações; neste sentido, nomes como John Dewey, Jean Piaget e<br />

Maria Montessori, <strong>de</strong>stacam-se.<br />

Neste início <strong>de</strong> século XXI, em uma socieda<strong>de</strong> competitiva, supostamente<br />

globalizada em estruturas capitalistas, indagamos qual seria o futuro da educação,<br />

já que, ao que parece, o sistema educacional (particularmente no Brasil) não consegue<br />

acompanhar as transformações aparentes. Pedagogos e educadores parecem<br />

perdidos entre o que é atual e o que é necessário para o futuro.<br />

Os vestibulares, em especial, tornam-se fundamentais ou se estruturam como<br />

entraves para as metas <strong>de</strong> um processo educacional não exclu<strong>de</strong>nte e pleno?<br />

É o que procurarei discutir.<br />

OS ÚLTIMOS CEM ANOS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA<br />

Em outubro <strong>de</strong> 2003, o Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística anunciou<br />

dados que permitem projetar conclusões a respeito do século 20. Uma compilação<br />

dos dados nos trará a consi<strong>de</strong>ração que, no século em questão, o Brasil<br />

aumentou sua riqueza, mas não a dividiu; ou seja, a concentração <strong>de</strong> renda é abusiva:<br />

aquele 1% mais rico dos brasileiros ganhando praticamente o mesmo que a meta<strong>de</strong><br />

da população mais pobre.<br />

No que tange à educação, tais levantamentos nos trazem números assustadores:<br />

a taxa <strong>de</strong> matriculados até o ensino médio passa <strong>de</strong> 21%, em 1940, para 86%,<br />

em 1998. Como se percebe, em 1940, a escola era para poucos.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 52<br />

A principal característica da educação brasileira no século 20 foi a<br />

massificação do acesso ao ensino fundamental e médio, em que pesem a manutenção<br />

da seletivida<strong>de</strong> e não levando em consi<strong>de</strong>ração a qualida<strong>de</strong> educacional, em<br />

especial, a perda <strong>de</strong> nível no ensino público.<br />

De 1940 para 1960, a proporção <strong>de</strong> alunos matriculados no ensino fundamental<br />

e médio (usando os temas da atualida<strong>de</strong>) saltou <strong>de</strong> 21 para 31%. Foi só a partir da<br />

década <strong>de</strong> 60 que as matrículas cresceram em um ritmo maior do que o aumento da<br />

população em ida<strong>de</strong> escolar. A proporção chegou a 58% em 1978 e a 86% em 1998.<br />

O resultado: reduziu-se a taxa <strong>de</strong> analfabetismo, apesar da manutenção <strong>de</strong> um alto<br />

índice nos dias atuais, com <strong>de</strong>staque para os analfabetos funcionais.<br />

De qualquer forma, cremos que a <strong>de</strong>mocratização do ensino fundamental e<br />

médio só ocorrerá quando houver melhora da qualida<strong>de</strong>. A disseminação falseia a<br />

verda<strong>de</strong> educacional, ou seja, a massificação do ensino vem acompanhada pela<br />

perda <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>.<br />

O NÚMERO DE ANALFABETOS CAI 60% ENTRE 1970 E 2000:<br />

Taxa <strong>de</strong> analfabetismo<br />

População <strong>de</strong> 15 anos ou mais<br />

Número<br />

<strong>de</strong> analfabetos<br />

6.348.869 1900<br />

11.401.715 1920<br />

13.269.381 1940<br />

15.272.632 1950<br />

15.964.852 1960<br />

18.146.977 1970<br />

18.716.847 1980<br />

19.233.758 1991<br />

16.294.889 2000<br />

39,6<br />

33,6<br />

25,5<br />

20,1<br />

13,6<br />

50,5<br />

56<br />

65,1<br />

64,9<br />

<br />

De 1991 para 2000,<br />

pela primeira vez na<br />

história dos censos<br />

brasileiros, o número<br />

absoluto <strong>de</strong><br />

analfabetos diminuiu.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 53<br />

O ACESSO À EDUCAÇÃO AUMENTOU:<br />

1940<br />

3.313.384<br />

21%<br />

1960<br />

7.996.348<br />

31%<br />

1978<br />

23.992.222<br />

58%<br />

1998<br />

42.761.085<br />

86%<br />

COMPARAÇÃO COM OUTROS P AÍSES:


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 54<br />

DIVISÃO DOS ESTUDANTES:<br />

* Projeção da Unesco.<br />

** Apenas os principais cursos. Fontes: IBGE e Unesco.<br />

*** Primário, 1º grau ou ensino fundamental? A confusão com essas nomenclaturas se <strong>de</strong>ve a<br />

duas reformas na legislação educacional. Em 1971, o antigo primário (1ª a 4ª série) passou<br />

a ser conhecido como 1º grau e ganhou mais quatro séries, englobando também o antigo<br />

ginásio (5ª a 8ª série). O secundário virou o 2º grau, sendo formado pelas três séries posteriores<br />

ao 1º grau. Em 1996, a Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da Educação passou a chamar o<br />

1º grau <strong>de</strong> ensino fundamental, e o 2º grau, <strong>de</strong> ensino médio.<br />

É POSSÍVEL PREVER O FUTURO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA?<br />

Os problemas da educação brasileira são tantos e tão graves que fica difícil<br />

prever seu futuro.<br />

A gravida<strong>de</strong> do sistema é tal que, para percebê-la, basta focarmos nos últimos<br />

números oficiais do Ministério da Educação: 38% dos brasileiros po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados<br />

analfabetos funcionais, ou seja, não conseguem utilizar a leitura e a escrita<br />

na vida cotidiana. Pior ainda: 8% dos brasileiros são absolutamente analfabetos. 1<br />

O analfabetismo está longe <strong>de</strong> ser o único problema da educação do país,<br />

embora seja o maior reflexo da complexida<strong>de</strong> da situação. Ainda é gran<strong>de</strong> a quantida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> crianças em ida<strong>de</strong> escolar fora do contexto educacional e persiste a<br />

seletivida<strong>de</strong> da escola brasileira (quando boa parte <strong>de</strong> nossas crianças é expulsa<br />

dos bancos escolares, o que se <strong>de</strong>ve, entre outros fatores, à ina<strong>de</strong>quação do calendário<br />

escolar). Outros problemas relevantes insistem em atormentar o quadro educacional<br />

do país: o número insuficiente <strong>de</strong> prédios escolares (ina<strong>de</strong>quados para o<br />

ensino em sua essência), as péssimas condições salariais dos profissionais da educação<br />

pública, os parcos investimentos na reciclagem discente e as difíceis condições<br />

gerais <strong>de</strong> trabalho oferecidas aos professores.<br />

1<br />

Dados anunciados nos vários veículos <strong>de</strong> comunicação do país em setembro <strong>de</strong> 2003. Fonte:<br />

IBOPE (Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Opinião Pública e Estatística).


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 55<br />

Po<strong>de</strong>ríamos continuar a <strong>de</strong>sfilar problemas e mais problemas. Estes, cremos,<br />

são suficientes por serem amplamente ilustrativos.<br />

A educação brasileira, apesar das ações otimistas dos últimos anos, apresenta<br />

um quadro negro no que tange à estrutura. Mesmo os números apresentados<br />

pelo censo 2000 não nos <strong>de</strong>ixam aliviados.<br />

Os pessimistas po<strong>de</strong>m ressaltar que nove em <strong>de</strong>z crianças <strong>de</strong> zero a três anos<br />

não freqüentam creche. Po<strong>de</strong>m argumentar que cerca <strong>de</strong> um terço da população<br />

absoluta brasileira (31,4%) com mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, não completou sequer<br />

o primeiro ciclo do ensino fundamental, que vai até a 4ª série. Os dados mostram<br />

também que 59,9% da população com mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos não completaram oito<br />

anos nos bancos escolares. 2<br />

Os otimistas, por outro lado, po<strong>de</strong>m comparar os números do censo <strong>de</strong> 2000<br />

com os do censo <strong>de</strong> 1991. Aí, claro, vê-se avanço: a taxa <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> cresceu em<br />

todas as faixas etárias. Na faixa <strong>de</strong> cinco a seis anos, saltou <strong>de</strong> 37,2% para 71,9%;<br />

entre os que possuem <strong>de</strong> sete a quatorze anos, o país atingiu 94,9% das crianças na<br />

escola (era <strong>de</strong> 79,5% em 1991); o número dos que faziam curso <strong>de</strong> alfabetização<br />

saltou <strong>de</strong> 79 mil em 1991 para 536 mil em 2000; no topo da pirâmi<strong>de</strong> educacional,<br />

o número <strong>de</strong> mestrandos e doutorandos saltou <strong>de</strong> cinquenta e dois mil em 1991 para<br />

duzentos e <strong>de</strong>zoito mil em 2000, um incremento <strong>de</strong> 319%. Porém, apenas 6,8% da<br />

população brasileira com mais <strong>de</strong> 25 anos possui diploma universitário. 3<br />

Mas números são números. E números, por si só, não refletem qualida<strong>de</strong>.<br />

No entanto, a crise educacional não é só brasileira, é mundial; muito menos<br />

na estrutura, muito mais nos caminhos.<br />

No mundo contemporâneo, rico é quem tem conhecimento. Daí a indagação:<br />

a escola sabe guiar os alunos para a construção do conhecimento, em especial<br />

no Brasil, com seus problemas estruturais crônicos?<br />

I<strong>de</strong>ntificamos como quatro os pilares da educação: conhecer, fazer, conviver,<br />

ser. No que tange ao pilar conhecer, o dividimos em: apren<strong>de</strong>r e pensar. Aí é<br />

que mora o problema: a escola sabe fazer pensar?<br />

O mundo do trabalho capitalista espera conhecimento técnico, polivalência,<br />

atualização, cultura, comunicação, capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho em equipe, mobilida<strong>de</strong>,<br />

previsão <strong>de</strong> cenários, transferência <strong>de</strong> conhecimentos, promoção <strong>de</strong> mudanças,<br />

criações, criticida<strong>de</strong>, iniciativa, ética, solidarieda<strong>de</strong>, responsabilida<strong>de</strong>, justiça.<br />

Muita coisa, não é mesmo? Este mesmo mundo do trabalho não espera um ser<br />

<strong>de</strong>mocrata, mas humanista e múltiplo.<br />

2<br />

Recenseamento <strong>de</strong> 2000, divulgado pelo Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística, em números<br />

completos, em 2002.<br />

3<br />

Dados do Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística, divulgados em 2003.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 56<br />

As discussões dos teóricos da educação acabam sendo remetidas às mesmas<br />

conclusões: o aluno <strong>de</strong>ve ser o agente do saber; a interdisciplinarida<strong>de</strong> é fundamental;<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento das habilida<strong>de</strong>s, competências, inteligências, atitu<strong>de</strong>s<br />

e valores são indispensáveis, com o professor <strong>de</strong>vendo ser um especialista no<br />

processo <strong>de</strong> aprendizagem.<br />

Com tanta teoria, professores e coor<strong>de</strong>nadores escolares, não só ficam perdidos,<br />

como passam a se consi<strong>de</strong>rarem incompetentes. Pior para as coor<strong>de</strong>nações<br />

escolares, normalmente vistas como culpadas pelo processo.<br />

Na forma como a educação é hoje discutida e avaliada em sua aplicação,<br />

arriscamos a dizer que, em muitas instituições <strong>de</strong> ensino particular, há mera troca<br />

<strong>de</strong> valores monetários, com os pais querendo acreditar no que compram e as escolas,<br />

<strong>de</strong>ste tipo, querendo fazer acreditar no que ven<strong>de</strong>m. A educação trocável por<br />

dinheiro.<br />

Com tanta teoria e pouca praticida<strong>de</strong> no fazer educação, afirmamos que vivemos<br />

em um mundo educacional on<strong>de</strong> prevalecem as mentiras na maioria das<br />

instituições que se propõem a fazer, gerar ou “dar” educação.<br />

Mesmo parecendo não querer, a escola sabe que precisa adaptar-se à socieda<strong>de</strong><br />

da informação, já que, nos dias atuais, o simples acúmulo <strong>de</strong> conhecimentos<br />

não é garantia <strong>de</strong> sucesso profissional. Assim, vem o dilema: a escola <strong>de</strong>ve educar<br />

para o mercado ou para a vida? Eis a dúvida maior neste início <strong>de</strong> século XXI.<br />

Preocupado com o papel da escola, o governo Fernando Henrique Cardoso<br />

(1994-2002) editou a Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em 1996,<br />

conferindo maior autonomia às escolas, <strong>de</strong>sejando vê-las vinculadas ao mundo da<br />

prática social e do trabalho. Pela LDB, os conteúdos apresentam três alicerces:<br />

competências, habilida<strong>de</strong>s e atitu<strong>de</strong>s; on<strong>de</strong> é competente quem sabe apren<strong>de</strong>r, é<br />

hábil quem sabe fazer, e possui atitu<strong>de</strong> quem sabe conviver, trazendo-nos a troca<br />

<strong>de</strong> experiência calcada em relações horizontais professor-aluno, como principal<br />

paradigma. Espera-se, assim, mais do professor. Aí está o problema: é necessário<br />

reciclar esta figura que se tornou principal, ou seja, o docente. No caso do Brasil,<br />

com uma estrutura pública falha, dá-se “cobertura” a esta peça essencial? Difícil<br />

é fazer uma previsão otimista perante a estrutura vigente, quando o futuro da<br />

educação passa, obrigatoriamente, pelo professor.<br />

Com tantos <strong>de</strong>safios, cabe uma outra indignação: a escola é justa ao encher<br />

as cabeças dos alunos com conteúdos que pouco interessam? É correto exigir<br />

tanto esforço dos discentes por quase nada. Afirmamos que não cabe mais aquela<br />

escola tradicional, on<strong>de</strong> professores ensinam com base em um programa pré-estabelecido,<br />

programa este normalmente ditado por pessoas há muito fora das salas<strong>de</strong>-aula.<br />

Não cabe mais o ensino fragmentado e fragmentador. O conteúdo, o método<br />

e a gestão escolar precisam ser aperfeiçoados evolutivamente para que te-


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 57<br />

nhamos perspectivas na educação, para que saiamos do “faz <strong>de</strong> conta”. Uma nova<br />

visão <strong>de</strong> ser humano <strong>de</strong>ve ser inserida no aluno, caso contrário este a obterá fora<br />

dos bancos escolares.<br />

Foi-se o tempo da escola pública reconhecida. Foi-se o tempo em que a<br />

escola particular era ruim. A pública per<strong>de</strong>u-se no tempo; a particular ganhou o<br />

seu espaço. Mas a escola pública po<strong>de</strong> ser recuperada, pois possui as características<br />

para tal: é popular, é aberta e não sofre tanta interferência do <strong>de</strong>sejo dos pais,<br />

estando, portanto, mais acessível a inovações. A infância e a adolescência são<br />

mais intensas nas camadas sociais menos privilegiadas. Nas escolas particulares,<br />

crianças são transformadas em alunos; nos estabelecimentos públicos <strong>de</strong> ensino,<br />

em pessoas. Lev Vygotsky (1896-1934) afirmava que “O aprendizado é fruto da<br />

interação social”, assim como Montessori (1870-1952) já nos alertava: “É preciso<br />

seguir a criança”, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo a estruturação, pela educação, <strong>de</strong> pessoas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes;<br />

e criar pessoas autônomas é exigência no mundo globalizado atual.<br />

EDUCAÇÃO QUE SE CORRIGE<br />

Qual o futuro <strong>de</strong> uma educação “corrigida” por cursos pré-vestibulares?<br />

Até pelo fato <strong>de</strong>, <strong>de</strong> certa forma, este autor sobreviver <strong>de</strong>les, ficamos muito<br />

tranqüilo para afirmar: “Os cursinhos são urubus <strong>de</strong> uma educação conteudista e<br />

viciada.” Esta é uma afirmação pesada, mas que não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser verda<strong>de</strong>ira, até<br />

porque os cursos pré-vestibulares possuem a fama <strong>de</strong> corrigirem o processo educacional,<br />

<strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> lado pela educação que se quer cidadã.<br />

A educação enfocada na essência não permite, atualmente, que o ser adquira<br />

uma vaga no ensino superior (em especial público), já que, para tanto, exige ainda,<br />

o conteudismo, mesmo que busque certa criticida<strong>de</strong>. Neste sentido, os cursinhos<br />

fazem a festa! Este é um erro <strong>de</strong> quebra <strong>de</strong> seqüência, como se o que foi feito<br />

até então não tivesse valido a pena, como se a educação bem intencionada não<br />

servisse para muita coisa.<br />

Eliminar o vestibular? Como? Sei que, ao eliminá-lo, as escolas estariam<br />

livres para conduzir, guiar e até se ajustarem ao ensino. Ainda hoje, infelizmente,<br />

“forte” é a escola que faz seus alunos ingressarem em universida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

concorrência. Enquanto houver vestibular, ninguém estará livre para educar, para<br />

fazer e apren<strong>de</strong>r. Por outro lado, sem os vestibulares, o ensino fundamental e<br />

médio não teriam qualquer exigência <strong>de</strong> nível. Ingressar nas universida<strong>de</strong>s com o<br />

histórico escolar seria perigoso, até porque as escolas não possuem o mesmo nível<br />

<strong>de</strong> serieda<strong>de</strong>.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 58<br />

Rubem Alves 4 sugere, informalmente, o sorteio para o ingresso no ensino<br />

superior. O que po<strong>de</strong> soar como ironia, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> assim parecer quando o educador<br />

alerta que, sem a obrigação dos vestibulares, “...as <strong>de</strong>spesas com os cursinhos<br />

passariam a remeter-se como recursos para a criação <strong>de</strong> excelentes universida<strong>de</strong>s<br />

particulares, sem ônus para o governo.” O mesmo Rubem Alves afirma que “...após<br />

um ano <strong>de</strong> tortura inútil a que o aluno é submetido, caso não passe, vem o sentimento<br />

<strong>de</strong> injustiça, <strong>de</strong>pois o <strong>de</strong> inveja.” Algo a se pensar. Se o sorteio para as<br />

vagas no ensino superior, proposto por Alves, é injusto, o curso <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação<br />

vestibulocrata também o é.<br />

O fato é que não se po<strong>de</strong> sonhar com a educação positiva enquanto a fórmula<br />

<strong>de</strong> ingresso nos cursos <strong>de</strong> ensino superior passar pelos exames admissionais. Eis<br />

mais um entrave para se eliminar na busca da educação justa e humana.<br />

EDUCAÇÃO E CIDADANIA<br />

A <strong>de</strong>mocracia brasileira <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, entre outros, da educação para se aprimorar.<br />

Tal <strong>de</strong>mocracia é frágil, a começar pelas nossas cabeças, quando nos comportamos<br />

mais como votantes do que como eleitores. Mostra-se frágil também ao não<br />

respeitar as chamadas minorias, ao permitir a concentração dos meios <strong>de</strong> comunicação<br />

(o que <strong>de</strong>sestimula o respeito à pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> opiniões), ao não aceitar a<br />

rotativida<strong>de</strong> ampla dos governantes (em que pese a eleição <strong>de</strong> Luís Inácio Lula da<br />

Silva para a Presidência da República, em 2002), ao condicionar certa passivida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> boa parte da população brasileira. Este quadro só mudará, cremos, se antes<br />

<strong>de</strong> tudo vencermos as graves <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais e os obstáculos impostos à<br />

educação plena. Para tanto, não se po<strong>de</strong> pensar em uma educação exclu<strong>de</strong>nte.<br />

Não contribuindo para isto, assistimos hoje à proliferação exagerada das<br />

escolas particulares, que tomam o espaço do ensino público, em uma clara transferência<br />

<strong>de</strong> funções, por ter se tornado o Estado, obsoleto no setor. E por que isto<br />

acontece? Porque as famílias com razoáveis condições materiais sabem que a<br />

educação tornou-se o instrumento (talvez único) <strong>de</strong> ascensão social em uma socieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> poucas oportunida<strong>de</strong>s e que ten<strong>de</strong> a limitá-las ainda mais<br />

Porém, até mesmo as instituições particulares, na luta pela sobrevivência no<br />

mercado, portam-se parecidamente com clubes, impedindo que a escola execute<br />

sua verda<strong>de</strong>ira função: construir relações <strong>de</strong> convivência com pessoas diferentes<br />

em opiniões e interesses, ou seja, produzir conhecimento. Ao contrário, a escola<br />

4<br />

Rubem Alves, educador e psicanalista, em artigo escrito para a Folha <strong>de</strong> São Paulo (Ca<strong>de</strong>rno<br />

Sinapse, nº 17, <strong>de</strong> novembro/2003).


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 59<br />

passa a ser vista como boa (em uma socieda<strong>de</strong> altamente competitiva), caso consiga<br />

fazer com que seus alunos ultrapassem as barreiras impostas pelos vestibulares.<br />

Assim sendo, próprio <strong>de</strong> uma estrutura capitalista, a escola passa a interessar<br />

a simples consumidores. E conhecimento, reconhecimento <strong>de</strong> direitos, relações<br />

<strong>de</strong> confiança, solidarieda<strong>de</strong> e respeito, acabam ficando em segundo plano.<br />

Nos extremos, entre a educação insuficiente e a camuflada <strong>de</strong> autêntica, a<br />

educação questiona-se: Como planejar uma educação futura sendo a base altamente<br />

precária?<br />

Quem faz o discurso da educação, se o programa (ou currículo) normalmente<br />

vem <strong>de</strong> cima para baixo? Em que pesem as diretrizes e parâmetros curriculares<br />

nacionais, os conteúdos escolares são fardos a serem carregados, assim como a<br />

renovação metodológica que tais diretrizes e parâmetros impõem. A Constituição<br />

<strong>de</strong> 1988, em vigor, em seu artigo 206, estipula um ensino baseado no pluralismo<br />

<strong>de</strong> idéias e <strong>de</strong> concepções pedagógicas. Pe<strong>de</strong>-se o conhecimento baseado na compreensão<br />

<strong>de</strong> conceitos científicos, na busca <strong>de</strong> novos conhecimentos. Para tanto,<br />

<strong>de</strong>ve-se eliminar as disciplinas do currículo, dando lugar à aprendizagem por projetos.<br />

Pela situação da educação brasileira aqui apresentada, se vista sob conceito<br />

generalizado e global, existem condições para tal? Com tantos problemas envolvendo<br />

as estruturas educacionais, po<strong>de</strong>mos praticar o pensado? Qual é o agente<br />

motivador?<br />

O que faz <strong>de</strong> um professor um bom profissional? Talvez o interesse, talvez<br />

gostar do que faz (dois itens que se completam). Para que a ferramenta não se<br />

perca, é preciso valorizá-la. Parecem-nos pouco suficientes, ainda, programas como<br />

o CAPEMP (Coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Aperfeiçoamento <strong>de</strong> Professores do Ensino Médio<br />

e Educação Profissional), o PROBEEM (Programa Brasileiro <strong>de</strong> Apoio ao Educador<br />

do Ensino Médio) e a proposta do Governo Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> transformar o FUNDEP<br />

em Fundo Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento do Ensino Básico (FUNDEB), englobando<br />

a educação do ensino fundamental e a do ensino médio. Claro, são ações,<br />

mas que merecem aprofundamento teórico.<br />

Como fazer uma revolução na educação para po<strong>de</strong>rmos ter perspectivas reais<br />

para a mesma? Dando condições gerais básicas a alunos e docentes. Não falo<br />

em tecnologia avançada, mas em bases reais humanas. E, creio, estamos distantes<br />

disto. Discutir conceitos é pouco. Perdoe a nossa visão pessimista.<br />

A escola <strong>de</strong>mocrática, on<strong>de</strong> o filho do porteiro do prédio estudava com o<br />

filho do gran<strong>de</strong> engenheiro, advogado, médico, ou algo que o valha, acabou. A<br />

escola <strong>de</strong>mocrática <strong>de</strong>smoronou. O ensino público, empreen<strong>de</strong>dor em essência<br />

pela condição da mescla social, <strong>de</strong>sfez-se, particularizou-se.<br />

Saiamos da teoria. Invistamos na prática e na verda<strong>de</strong>.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 60<br />

CONCLUSÕES<br />

Triste é vasculhar tudo que foi aqui exposto e pensar nas crianças que, ingenuamente,<br />

divertem-se – sejam pobres ou ricas – e colocam nas mãos dos pais ou<br />

responsáveis, impotentes, suas perspectivas <strong>de</strong> futuro em uma socieda<strong>de</strong> altamente<br />

competitiva.<br />

Aos pais mais preocupados (ou que po<strong>de</strong>m se preocupar) vem a questão: o<br />

que fazer? Educar para o aprimoramento das potencialida<strong>de</strong>s natas ou preparar a<br />

criança para o que exige o mercado? Talvez tudo a seu tempo. Algo para o ensino<br />

fundamental, outro algo para o ensino médio. Ou seja, a leveza natural, primeiro;<br />

o trauma da cobrança, <strong>de</strong>pois.<br />

O fato é que, não po<strong>de</strong>ndo haver a escolha por um único caminho, o natural,<br />

o da valorização das potencialida<strong>de</strong>s, constrói-se um ser fragmentado.<br />

Uma vida educacional um tanto quanto hipócrita (para não dizer<br />

esquizofrênica) só cessará no dia em que a educação brasileira for construída em<br />

bases sólidas. Com tantos problemas estruturais, fica difícil planejá-la, pela falta<br />

do mínimo. Assim, do jeito em que está, a escola é seletiva, quando não <strong>de</strong>veria<br />

ser. Dentro <strong>de</strong>ste cenário, os números e as estatísticas ficam em segundo plano.<br />

Ou a educação brasileira estrutura-se em bases reais, o que, a nosso ver,<br />

passa também pelo fim dos vestibulares e, conseqüentemente, dos cursos prévestibulares,<br />

ou estaremos, perpetuamente, não po<strong>de</strong>ndo pensar a educação através<br />

dos seus fins. Não o fazendo, saibamos conscientemente: nunca seremos <strong>de</strong>mocráticos,<br />

nunca melhoraremos como pessoas. Uns são e serão, outros, não!<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1984.<br />

GADOTTI, M. Educação e po<strong>de</strong>r – Introdução à pedagogia do conflito. São<br />

Paulo: Cortez, 1982.<br />

INFORZATO, Hélio. Fundamentos sociais e educação. São Paulo: Nobel, 1971.<br />

RAMALHO, J. P. Prática educativa e socieda<strong>de</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 1976.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 61<br />

POR UMA PROPOSTA DE ALFABETIZAÇÃO CIDADÃ<br />

COM CRIANÇAS SURDAS<br />

RESUMO<br />

1<br />

Renate Huhmann 1 Klein<br />

O artigo que segue preten<strong>de</strong> analisar teoricamente a importância do processo<br />

<strong>de</strong> alfabetização das crianças portadoras <strong>de</strong> sur<strong>de</strong>z, <strong>de</strong>monstrando como<br />

este processo po<strong>de</strong> auxiliar no fortalecimento <strong>de</strong> suas conquistas sociais.<br />

Correlacionado a isto, o texto tem a intenção <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar como uma proposta<br />

<strong>de</strong> ensino formal para a criança especial po<strong>de</strong> estar interligada a um projeto <strong>de</strong><br />

educação-cidadã mais amplo, para nós, condição imprescindível à igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

oportunida<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>ve ser propiciada à criança portadora <strong>de</strong> sur<strong>de</strong>z, que ainda<br />

hoje, infelizmente, sofre o peso do preconceito social.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Criança Portadora <strong>de</strong> Sur<strong>de</strong>z; Educação Especial;<br />

Cidadania; Alfabetização.<br />

ABSTRACT<br />

The present article intends to analize in theory the importance of the<br />

education in first gra<strong>de</strong> elementary school for <strong>de</strong>af children showing how this<br />

process of instruction of reading and writing could help to fortify their social<br />

conquests. The text also intends to <strong>de</strong>monstrate how to bind a proposal of formal<br />

education for special children with a wi<strong>de</strong>r project of civil education which we<br />

consi<strong>de</strong>r an in<strong>de</strong>nyable condition for the equality of opportunities which must be<br />

offered to the <strong>de</strong>af children because, up to this day, these children suffer from<br />

social prejudices.<br />

KEY-WORDS: Deaf Children; Special Education; Citizenship; Work Offer.<br />

1<br />

Acadêmica do 5º. Período do Curso Normal Superior do Instituto Superior <strong>de</strong> Educação Mãe <strong>de</strong><br />

Deus. Estagiária voluntária do ILES - Londrina. E-mail: renate_huh@hotmail.com, Orientanda<br />

das professoras Ângela Maria <strong>de</strong> Sousa Lima e Andréia Maria Cavaminami Lugle. Este artigo é<br />

resultado <strong>de</strong> um primeiro trabalho <strong>de</strong> revisão bibliográfica da proposta <strong>de</strong> monografia da autora, em<br />

processo <strong>de</strong> elaboração, sobre a temática da alfabetização/educação <strong>de</strong> crianças surdas em Londrina.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 62<br />

INTRODUÇÃO<br />

Neste estudo será enfocada a alfabetização <strong>de</strong> crianças portadoras <strong>de</strong> sur<strong>de</strong>z.<br />

Ainda hoje existe, infelizmente, uma gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> inclusão <strong>de</strong>stas pessoas<br />

à socieda<strong>de</strong>. Muitas sofrem discriminações pelo fato <strong>de</strong> serem consi<strong>de</strong>radas diferentes.<br />

Devolver a elas a condição <strong>de</strong> exercer a cidadania, com direitos e <strong>de</strong>veres<br />

que lhes proporcionem bem-estar e integração igualitária no meio em que vivem, é<br />

uma das priorida<strong>de</strong>s a serem conquistadas, principalmente por nós, educadores.<br />

O acesso a essas informações ficaria mais <strong>de</strong>mocrático se fossem oferecidos<br />

cursos <strong>de</strong> formação profissional para as pessoas com sur<strong>de</strong>z, e divulgados através<br />

<strong>de</strong> noticiários televisivos, bem como outros meios <strong>de</strong> transmissão, utilizando-se<br />

legenda e/ou língua <strong>de</strong> sinais. Ocorre que existe um receio, <strong>de</strong> ambas as partes, <strong>de</strong><br />

se comunicar, pois os surdos têm medo da rejeição e as pessoas ouvintes, <strong>de</strong> não<br />

se fazerem enten<strong>de</strong>r.<br />

É necessário que haja uma interação entre as duas línguas, para que a pessoa<br />

cresça, <strong>de</strong>senvolvendo completamente suas capacida<strong>de</strong>s cognitivas, lingüísticas,<br />

afetivas e políticas. Às vezes, o limite do alcance <strong>de</strong>ssa educação restringe-se ao<br />

não acesso à re<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino, e, em outros casos, ao superprotecionismo dos pais.<br />

Disso po<strong>de</strong> <strong>de</strong>correr outro problema: sem se comunicar, as chances ficam reduzidas,<br />

e ainda maior será a dificulda<strong>de</strong> para entrar no mercado <strong>de</strong> trabalho, ficando,<br />

portanto, excluída <strong>de</strong>ste processo social. Algumas comunida<strong>de</strong>s sofrem ainda com<br />

a falta <strong>de</strong> profissionais preparados plenamente para assumirem o compromisso <strong>de</strong><br />

introduzir os surdos na socieda<strong>de</strong>, enquanto cidadãos, dando a eles o direito <strong>de</strong><br />

conhecerem sua segunda língua (a portuguesa).<br />

Autores como DORIA (1961) e, recentemente, SKLIAR (1997) estudaram<br />

mais amplamente a educação <strong>de</strong> surdos; porém, a especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nosso estudo<br />

está em mostrar a alfabetização da criança surda, afirmando que esta formação<br />

acadêmica dará a ela o direito <strong>de</strong> exercer melhor a sua cidadania.<br />

Parte-se do princípio <strong>de</strong> que as instituições <strong>de</strong> ensino precisam permitir à<br />

criança surda a aquisição <strong>de</strong> duas línguas: a <strong>de</strong> sinais (comunicação surda - 1ª<br />

língua) e a oral, dos ouvintes. Para que isto ocorra é necessário que a criança tenha<br />

contato com as duas línguas e sinta a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r e <strong>de</strong> utilizar ambas.<br />

Somente aplicar a língua oral é comprometer o futuro da criança surda. É também<br />

arriscar o seu <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo e pessoal; é negar-lhe a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

se i<strong>de</strong>ntificar culturalmente com os dois mundos aos quais ela pertence. É negarlhe<br />

a cidadania, incluindo aí seus direitos e <strong>de</strong>veres. Tendo este contato com as<br />

duas línguas, a criança surda terá muito mais recursos do que se conviver com<br />

apenas uma. Nunca é <strong>de</strong>mais saber uma outra língua, já que para ela isto se faz<br />

necessário para que consiga se comunicar com os “dois mundos”.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 63<br />

Assim, percebe-se a importância e a responsabilida<strong>de</strong> que, enquanto educadores,<br />

temos em facilitar a comunicação <strong>de</strong>stas crianças com a socieda<strong>de</strong> ouvinte,<br />

esclarecendo seus direitos como cidadãs que são.<br />

A escola, como representante <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> cultura socialmente construída<br />

e elaborada, é responsável também pela inclusão igualitária e humanística <strong>de</strong>stas<br />

pessoas. Esse trabalho po<strong>de</strong> se iniciar pelo tipo <strong>de</strong> alfabetização <strong>de</strong> crianças surdas<br />

que se <strong>de</strong>fenda; dito <strong>de</strong> outra forma, uma inclusão precisa vir acompanhada <strong>de</strong><br />

uma proposta <strong>de</strong> alfabetização que seja, para as crianças, um veículo para o fortalecimento<br />

<strong>de</strong> seus direitos enquanto cidadãs.<br />

Comunicação, educação e linguagem<br />

Não se tem registro <strong>de</strong> quando os homens começaram a <strong>de</strong>senvolver comunicações<br />

que pu<strong>de</strong>ssem ser consi<strong>de</strong>radas línguas. Hoje, a humanida<strong>de</strong> está dividida<br />

nos espaços geográficos <strong>de</strong>limitados politicamente e cada nação tem sua língua<br />

ou línguas oficiais. Um exemplo <strong>de</strong> país com dois idiomas oficiais é o Canadá,<br />

que possui o inglês e o francês.<br />

Mas, em todos os países, existem minorias lingüísticas que, por motivos <strong>de</strong><br />

etnia ou migração, mantêm suas línguas <strong>de</strong> origem.<br />

Quando se fala em bilingüismo, po<strong>de</strong>mos citar dois tipos: o social e o individual.<br />

O social refere-se a uma comunida<strong>de</strong> que, por algum motivo, precisa utilizar<br />

duas línguas; e o individual é a opção <strong>de</strong> um indivíduo para apren<strong>de</strong>r outra língua,<br />

além da sua materna. Geralmente, os membros das minorias lingüísticas se tornam<br />

indivíduos bilíngües por estarem inseridos em comunida<strong>de</strong>s lingüísticas que<br />

utilizam línguas distintas (FELIPE, 2001, p.96).<br />

Em todos os países, os surdos são minoria lingüística mas, não <strong>de</strong>vido à<br />

imigração ou à etnia. Eles são minoria lingüística por se organizarem em associações<br />

on<strong>de</strong> o fator principal <strong>de</strong> integração é a utilização <strong>de</strong> uma língua gestualvisual<br />

por todos os associados.<br />

A integração resi<strong>de</strong> no fato <strong>de</strong> terem um espaço on<strong>de</strong> não há repressão <strong>de</strong><br />

sua condição <strong>de</strong> surdo, po<strong>de</strong>ndo se expressar da maneira que mais os satisfaz,<br />

mantendo entre si uma situação prazerosa no ato <strong>de</strong> comunicação.<br />

Quando imigrantes vão para outros países, a língua que levam geralmente é<br />

a língua oficial <strong>de</strong> sua cultura, sendo respeitada enquanto língua no país para on<strong>de</strong><br />

migram. Mas, a língua dos surdos, por ser <strong>de</strong> outra modalida<strong>de</strong>, gestual-visual, e<br />

por ser utilizada por pessoas consi<strong>de</strong>radas “<strong>de</strong>ficientes” pelo fato <strong>de</strong> não po<strong>de</strong>rem,<br />

na maioria das vezes, se expressar como ouvintes, era <strong>de</strong>sprestigiada até bem<br />

pouco tempo, proibida <strong>de</strong> ser usada nas escolas e na casa <strong>de</strong> criança surda com<br />

pais ouvintes.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 64<br />

Para Felipe (2001, p.96), este <strong>de</strong>srespeito, fruto <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sconhecimento,<br />

gerou um preconceito. Pensava-se que este tipo <strong>de</strong> comunicação dos surdos não<br />

po<strong>de</strong>ria ser consi<strong>de</strong>rado uma língua e, se os surdos ficassem se comunicando por<br />

mímicas, eles não apren<strong>de</strong>riam a língua oficial <strong>de</strong> seu país. Mas as pesquisas que<br />

foram <strong>de</strong>senvolvidas na Europa e nos Estados Unidos mostraram o contrário.<br />

Se uma criança <strong>de</strong>ficiente auditiva pu<strong>de</strong>r apren<strong>de</strong>r a língua <strong>de</strong> sinais da sua<br />

comunida<strong>de</strong> surda, na qual está inserida, ela terá mais facilida<strong>de</strong> para apren<strong>de</strong>r a<br />

língua oral-auditiva da comunida<strong>de</strong> ouvinte, à qual também pertencerá porque,<br />

nesse aprendizado em que não po<strong>de</strong> ouvir os sons que emite, ela já trará<br />

internalizado o funcionamento e as estruturas lingüísticas <strong>de</strong> uma língua <strong>de</strong> sinais,<br />

po<strong>de</strong>ndo receber, em seu processo <strong>de</strong> aprendizagem, um feedback que serviu <strong>de</strong><br />

reforço para adquirir uma língua por processo natural e espontâneo.<br />

Isso ocorre porque todas as línguas se edificam a partir <strong>de</strong> universos culturais,<br />

variando apenas em termos da modalida<strong>de</strong> oral-auditiva ou gestual-visual e<br />

gramáticas particulares, transformando-se a cada geração em conseqüência da<br />

cultura da comunida<strong>de</strong> lingüística que a utiliza. É preconceito e ingenuida<strong>de</strong> dizer,<br />

hoje, que uma língua é superior a qualquer outra, não po<strong>de</strong>ndo elas ser classificadas<br />

em <strong>de</strong>senvolvidas, sub<strong>de</strong>senvolvidas ou, ainda, primitivas.<br />

As línguas se transformam a partir das comunida<strong>de</strong>s lingüísticas que as utilizam.<br />

Uma criança surda precisará se integrar à comunida<strong>de</strong> surda <strong>de</strong> sua cida<strong>de</strong><br />

para po<strong>de</strong>r ficar com um bom <strong>de</strong>sempenho na língua <strong>de</strong> sinais <strong>de</strong>ssa comunida<strong>de</strong>.<br />

Como os surdos estão em duas comunida<strong>de</strong>s, precisam <strong>de</strong> uma e da outra.<br />

Na perspectiva sócio-antropológica, busca-se trabalhar a leitura e a escrita <strong>de</strong> uma<br />

segunda língua para que o aluno surdo, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma dinâmica comunicativa e<br />

interacional, se utilize <strong>de</strong>ssa língua.<br />

O importante para o surdo é chamá-lo ao diálogo, para que, em um processo<br />

<strong>de</strong> interação, chegue à construção <strong>de</strong> significados e evi<strong>de</strong>ncie múltiplas compreensões<br />

e representações <strong>de</strong> mundo. Para isso, é preciso que se crie um ambiente<br />

bilingüístico e social a<strong>de</strong>quado às condições da criança surda.<br />

A fim <strong>de</strong> que sejam dadas condições para que a criança surda aprenda uma<br />

segunda língua, é necessário fazer um estudo em que se envolvam fatores sóciointeracionistas<br />

que necessitam estar presentes no seu cotidiano.<br />

Um dos fatores é a língua <strong>de</strong> sinais, pois, em um contexto sócio-interacionista,<br />

fica evi<strong>de</strong>nte que, para dominar a segunda língua, que é a escrita da língua portuguesa,<br />

é imprescindível ter adquirido normalmente a primeira, que, neste caso, é a língua dos<br />

sinais. Por intermédio <strong>de</strong> ambas, haverá um <strong>de</strong>senvolvimento normal da linguagem.<br />

Vygotsky (apud SKLIAR, 1997, p.120-121), em sua concepção sobre a sur<strong>de</strong>z<br />

e a educação dos surdos, <strong>de</strong>finiu este problema <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento como<br />

uma das mais complexas questões teóricas da pedagogia científica. Vygotsky, ci-


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 65<br />

tado na mesma obra (1997), se interessou muito cedo por esse tema e, no ano <strong>de</strong><br />

1924, escreveu alguns artigos. Reuniu textos <strong>de</strong> diversos autores para compor os<br />

seus próprios. Naquela década, anos 20, os surdos e suas escolas públicas estavam<br />

“sumidos” e Vygotsky dizia que estas estavam na maior pobreza pedagógica.<br />

Em relação ao problema da língua <strong>de</strong> sinais na educação dos surdos,<br />

esse teórico se posicionava claramente. Falava que a língua <strong>de</strong> sinais é o<br />

meio natural <strong>de</strong> comunicação e o instrumento do pensamento dos surdos. A<br />

poliglossia (várias línguas), ou seja, a habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se usarem várias formas <strong>de</strong><br />

língua oral e língua <strong>de</strong> sinais, é a forma mais eficiente para o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

criança surda. A língua <strong>de</strong> sinais, assim como a língua oral, é uma das formas mais<br />

importantes <strong>de</strong> ensinar a criança surda (apud, SKLIAR,1997, p.120-121).<br />

Vygotsky (apud, SKLIAR, 1997, p.120-121) criticava os métodos <strong>de</strong> ensino<br />

da língua oral, mostrando que o ensino da linguagem ao surdo está construído em<br />

contradição com a sua natureza; também duvidava que a língua <strong>de</strong> sinais fosse<br />

uma verda<strong>de</strong>ira linguagem a serviço da formação dos surdos e um instrumento<br />

para a medição <strong>de</strong> processos psicológicos.<br />

Alfabetização cidadã com crianças surdas<br />

Quando se reflete sobre a alfabetização <strong>de</strong> pessoas surdas, normalmente se<br />

pensa na dificulda<strong>de</strong> do estabelecimento da relação da escrita com o som (grafemafonema)<br />

para pessoas que não adquirem uma língua oral <strong>de</strong> forma natural. Analisando<br />

assim, as pessoas surdas <strong>de</strong>veriam apren<strong>de</strong>r a escrever o português com<br />

base na oralida<strong>de</strong>.<br />

Além da alfabetização, os alunos surdos <strong>de</strong>vem estar inseridos em um processo<br />

<strong>de</strong> aprendizagem da leitura e escrita do português, sua segunda língua. Uma<br />

segunda língua pressupõe uma primeira, isto é, a Língua Brasileira <strong>de</strong> Sinais <strong>de</strong>ve<br />

ser pressuposta para o ensino da língua portuguesa para os surdos.<br />

A educação das pessoas portadoras <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência auditiva, assim como <strong>de</strong><br />

qualquer cidadão, tem como finalida<strong>de</strong> promover o <strong>de</strong>senvolvimento das<br />

potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> todos os alunos. A apropriação dos conhecimentos acumulados<br />

no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> suas vidas ajuda, e muito, para que as crianças nas suas escolas,<br />

possam apren<strong>de</strong>r e <strong>de</strong>monstrar suas habilida<strong>de</strong>s e, ao mesmo tempo, manejar bem o<br />

conhecimento que também as humaniza, dando-lhes oportunida<strong>de</strong>s para que possam<br />

ter uma maior integração na socieda<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> não ocorra a exclusão <strong>de</strong>las.<br />

No século XX, foram criadas as condições que permitem a extensão da cidadania<br />

para a esfera social, conforme o <strong>de</strong>senvolvimento dos direitos sociais e<br />

econômicos referentes ao direito à educação, ao bem-estar, à saú<strong>de</strong>, ao trabalho,<br />

entre outros mais; em suma, dizem respeito às condições para a construção da<br />

cidadania social (GENTILI, 2001).


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 66<br />

Além do direito à educação, aos meios <strong>de</strong> sobrevivência, da escolha <strong>de</strong> profissão,<br />

existe o respeito do outro, que se traduz na integração do indivíduo na socieda<strong>de</strong>,<br />

no respeito à sua individualida<strong>de</strong> e no proporcionar-lhe a in<strong>de</strong>pendência para traçar<br />

seu próprio caminho na vida, e, conseqüentemente, viver plenamente a cidadania.<br />

Assim sendo, educar para o exercício da cidadania significa transmitir a<br />

todos os direitos que formalmente lhes são reconhecidos. Neste ponto, a educação<br />

<strong>de</strong>veria ser vista como um mecanismo <strong>de</strong> difusão, <strong>de</strong> socialização e do reconhecimento<br />

dos direitos civis, políticos e sociais que <strong>de</strong>finem o campo da cidadania.<br />

A cidadania implica sempre em uma ética cidadã. A questão fundamental<br />

resi<strong>de</strong> em <strong>de</strong>finir as ações pedagógicas que, <strong>de</strong>ntro ou fora da escola, sejam mais<br />

conscientes e coerentes com os princípios éticos que as sustentam.<br />

A formação <strong>de</strong> cidadãos é um <strong>de</strong>safio ético e político. Pensar na educação da<br />

cidadania significa pensar em valores, normas e direitos, legais e morais, que configuram<br />

a práxis cidadã e que, indissoluvelmente, <strong>de</strong>vem construir a prática educativa.<br />

Ser surdo é saber que se po<strong>de</strong> falar com as mãos e apren<strong>de</strong>r uma língua oralauditiva<br />

através <strong>de</strong>las; é conviver com pessoas que, em um universo <strong>de</strong> barulhos,<br />

<strong>de</strong>param-se com pessoas que estão percebendo o mundo, principalmente, pela<br />

visão; isso faz com que eles sejam diferentes e, não necessariamente, <strong>de</strong>ficientes.<br />

A diferença está no modo <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r o mundo, que gera valores, comportamento<br />

comum compartilhado e tradições sócio-interativas.<br />

A sur<strong>de</strong>z, <strong>de</strong>ntro da história, provoca discussões. O seu significado social<br />

está ligado à ausência da linguagem comum no meio em que vivemos, ou seja, a<br />

língua oral. Por muitos séculos, os portadores <strong>de</strong> sur<strong>de</strong>z foram ignorados socialmente,<br />

chegando a se acreditar que eles não pensassem. Acreditava-se que os<br />

surdos tinham que falar para serem integrados à socieda<strong>de</strong>.<br />

A preocupação com a educação dos surdos só começou por volta do século<br />

XVI, quando se reconheceu que eles <strong>de</strong>veriam ter uma língua própria, baseada em<br />

sinais, além da escrita.<br />

Atualmente busca-se uma maior interação <strong>de</strong>ssas pessoas <strong>de</strong>ntro das escolas<br />

e <strong>de</strong>ntro da socieda<strong>de</strong>.<br />

Falar em cidadania é falar <strong>de</strong> um tema muito amplo e complexo. Seu conceito<br />

parece vincular-se diretamente à idéia <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong>veres.<br />

De acordo com relatos do documento “Direitos como cidadãos” (2003), todas<br />

as pessoas, sem distinção, <strong>de</strong>veriam ter acesso à educação, à saú<strong>de</strong> e ao trabalho,<br />

que é o mínimo <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> que uma pessoa precisa ter para assim po<strong>de</strong>r<br />

acessar a esses direitos.<br />

Precisamos estar atentos e capazes para distinguir o que são direitos e garantias<br />

legais, para que não sejamos enganados e para que usufruamos <strong>de</strong> nossos<br />

direitos.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 67<br />

A igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>veria existir para todos, sem haver “diferenças”.<br />

Deveria existir uma política social igual para todos, sem distinção.<br />

As pessoas ditas “diferentes” necessitam ser in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes sem que precisem<br />

ser assistidas por outras. Elas precisam ser incluídas como cidadãs capazes e<br />

autônomas.<br />

As autorida<strong>de</strong>s competentes e a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>veriam ter uma maior consciência<br />

da gravida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa situação. Deveriam exigir o cumprimento das leis que aí<br />

estão e serem conscientes que o cidadão, com ou sem <strong>de</strong>ficiência, <strong>de</strong>ve ser informado<br />

e alertado <strong>de</strong> seus direitos e, assim, ser respeitado, para que possa caminhar<br />

sozinho e fazer avançar sua vida sem assistencialismo.<br />

A Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil (1988, cap. II, artigo 22,<br />

XIII, p.36), assegura a cidadania a todos, sem distinção. Partindo disso é que<br />

po<strong>de</strong>mos incluir as pessoas surdas como cidadãos. São sujeitos com direitos e<br />

<strong>de</strong>veres iguais a qualquer outra pessoa. A Constituição Fe<strong>de</strong>ral (1988, cap. II,<br />

artigo 24, XIV, p.38), garante proteção e integração social às pessoas portadoras<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiências, para que o <strong>de</strong>ficiente adquira proteção e seja integrado à socieda<strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> vive. Esta mesma Constituição (1988, cap. III, artigo 208, III, p.142) cita<br />

que é assegurado o “atendimento educacional aos portadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência, preferencialmente<br />

na re<strong>de</strong> regular <strong>de</strong> ensino”, garantindo que eles tenham direito à<br />

escolarida<strong>de</strong>, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> suas diferenças.<br />

Ainda na Constituição (1988), encontramos no cap. II, artigo 7º, p.24, o<br />

seguinte: “Proibe-se qualquer discriminação no tocante a salário e critérios <strong>de</strong><br />

admissão do trabalhador portador <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência.” Isso assegura-lhe um emprego<br />

no mercado <strong>de</strong> trabalho, tendo pleno direito como cidadão que é.<br />

Dentro do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990, cap. I, artigo 11, § 1º,<br />

p.3) encontramos que “...a criança e o adolescente portadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência receberão<br />

atendimento especializado” no que se refere ao Direito à Vida e à Saú<strong>de</strong>. Aqui,<br />

mais uma vez, vemos que tais pessoas têm seus direitos assegurados como cidadãos.<br />

Quanto à educação, no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990, cap.<br />

IV, artigo 53, III, p.10), assim como na Constituição <strong>de</strong> 1988, vê-se a garantia do<br />

“...atendimento educacional especializado aos portadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência, preferencialmente<br />

na re<strong>de</strong> regular <strong>de</strong> ensino.”<br />

Sobre o mercado <strong>de</strong> trabalho, o ECA (1990, cap V, artigo 66, p.12) diz que<br />

“...ao adolescente portador <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência é assegurado trabalho protegido.”<br />

Na LDB-96, Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da Educação Nacional (2002, cap. V,<br />

artigo 58, 59 e 60, (§1º ao 3º), 59 (do I ao V) e 60 no parágrafo único, p.17 e 18),<br />

encontramos leis que asseguram um espaço aos portadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiências. São<br />

leis direcionadas para educandos portadores <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s especiais, que dão<br />

apoio especializado à escola regular para aten<strong>de</strong>r tais educandos. Eles terão aten-


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 68<br />

dimento escolar em classes e serviços específicos se não houver integração em<br />

classes comuns do ensino regular. Terão educação especial <strong>de</strong> zero aos seis anos<br />

durante a educação infantil. Terão assegurado ensino específico, <strong>de</strong> acordo com<br />

as necessida<strong>de</strong>s especiais, professores especializados para um atendimento apropriado,<br />

bem como professores que capacitem esses educandos a ingressarem em<br />

classes comuns. Terão ainda educação especial para o mercado <strong>de</strong> trabalho, visando<br />

sua integração na vida em socieda<strong>de</strong> e igualda<strong>de</strong> nos programas sociais suplementares<br />

para o ensino regular.<br />

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997, p.46) afirmam que a autonomia<br />

não é realizada individualmente, mas em um processo coletivo, e implica na<br />

construção <strong>de</strong> valores e atitu<strong>de</strong>s.<br />

A criança não é um ser passivo que aceita tudo que lhe é transmitido sem<br />

contestar; e este é um ponto positivo. Através <strong>de</strong>sta atitu<strong>de</strong>, ela questionará, buscando<br />

construir seu potencial <strong>de</strong> modo que tenha um aprendizado eficaz e, sobretudo,<br />

com responsabilida<strong>de</strong>.<br />

Isto leva o aprendiz à reflexão e, em sua vivência, ao amadurecimento,<br />

assumindo a sua autonomia, estabelecendo <strong>de</strong> modo participativo a sua atuação<br />

na socieda<strong>de</strong>.<br />

As leis são muito generalistas quando se trata dos <strong>de</strong>ficientes; não percebem<br />

que estas pessoas possuem necessida<strong>de</strong>s diferentes. É necessário conhecer e respeitar<br />

mais a língua dos sinais, pois os surdos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong>la para se comunicar.<br />

A Língua Brasileira <strong>de</strong> Sinais, diferente da oral, tem, nos gestos e no sistema<br />

visual, a sua forma <strong>de</strong> comunicação. A regulamentação <strong>de</strong>la foi oficializada<br />

pela Lei 10.436 e já está em vigor há dois anos, sem ser cumprida. Esse tempo<br />

ainda se mostra insuficiente para garantir cidadania aos surdos, que representam<br />

2% da população brasileira. Esta lei oficializa uma 2ª língua para o Brasil, a Libras<br />

(FOLHA DE LONDRINA, 05/05/04, s/ p).<br />

A lei <strong>de</strong>termina que os serviços públicos garantam atendimento e tratamento<br />

a<strong>de</strong>quado aos portadores <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s especiais, o que não os obriga a ter<br />

intérpretes mas que torna possível o atendimento a estas pessoas, pessoas brasileiras<br />

que ainda estão sem direito à cidadania <strong>de</strong>ntro da sua vivência cotidiana.<br />

Isto também ocorre nas escolas que ainda não possuem capacitação e estruturas<br />

suficientes para permitir a inclusão <strong>de</strong> surdos no Ensino Regular.<br />

A obrigatorieda<strong>de</strong> da inclusão da Libras nos cursos <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> Educação<br />

Especial em nível médio e superior também é fixada pela Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 10.436,<br />

mas o ensino público, hoje, ainda não tem estrutura suficiente para aten<strong>de</strong>r a este<br />

tipo <strong>de</strong> educando.<br />

Existe uma lei que beneficia a esses brasileiros, mas, na prática, ela não tem<br />

funcionado. Isto é muito triste, pois retarda o processo <strong>de</strong> cidadania plena <strong>de</strong>stas


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 69<br />

pessoas.<br />

Tudo isto contribui, <strong>de</strong>ntro da questão da educação <strong>de</strong> surdos, para que<br />

consigam seu espaço <strong>de</strong>ntro da socieda<strong>de</strong>, assegurando-lhes, assim, os direitos<br />

para o exercício da cidadania, graduados e capazes, assumindo tarefas como qualquer<br />

cidadão.<br />

O gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio da escola é a superação da discriminação e a oferta <strong>de</strong><br />

oportunida<strong>de</strong>s para conhecer a riqueza da diversida<strong>de</strong> cultural que compõe o<br />

patrimônio brasileiro, valorizando a trajetória particular dos grupos especiais que<br />

se inserem na socieda<strong>de</strong>. A id<strong>entida<strong>de</strong></strong> surda é fundamentada pela consi<strong>de</strong>ração<br />

<strong>de</strong> que “...a escola tem a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir a todos os seus alunos o<br />

acesso aos saberes lingüísticos, necessários para o exercício da cidadania, direitos<br />

inalienáveis <strong>de</strong> todos.” (PPP, 2000, p.15).<br />

A escola precisa ajudar na conscientização política, histórica e social do<br />

educando, para que este possa participar do processo <strong>de</strong> construção da socieda<strong>de</strong>.<br />

Os princípios <strong>de</strong>feridos na sua formação são a estética da sensibilida<strong>de</strong>, a política<br />

da igualda<strong>de</strong>, a ética da id<strong>entida<strong>de</strong></strong>, questões que ajudam a garantir o exercício<br />

pleno da cidadania por parte <strong>de</strong> todos, sem distinção.<br />

CONCLUSÕES<br />

É um <strong>de</strong>safio para o surdo viver em uma socieda<strong>de</strong> cada vez mais socialmente<br />

exclu<strong>de</strong>nte. Esta não é uma luta individual, mas uma luta <strong>de</strong> pais, familiares e<br />

professores e, para que seja efetiva, necessitará da atuação e mobilização <strong>de</strong> toda<br />

a socieda<strong>de</strong>, inclusive da escola.<br />

Um retrato <strong>de</strong>ssa exclusão social está na discriminação que ocorre, mesmo<br />

que a lei proteja, porque, muitas vezes, não é cumprida.<br />

Infelizmente<br />

ainda há casos em que a criança especial, ou a própria família, <strong>de</strong>sconhece seus<br />

direitos e, por ignorá-los, não os cobra, ficando assim sem o acesso a eles. Por<br />

isso, há a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a escola e os educadores esclarecerem, informarem,<br />

conscientizarem, trazerem para as crianças vivências que <strong>de</strong>monstrem, com exemplos<br />

vivos, que a discriminação é uma doença social que precisa ser extinta urgentemente.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 70<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

ADAMUZ, Regina Célia. Os portadores <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s especiais: retrospectiva<br />

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DF, 1990.<br />

BRASIL. LDB (1996) Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasil.<br />

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Acesso em novembro/2003.<br />

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cursista. Brasília: Ministério da Educação. Secretaria <strong>de</strong> Educação Especial, 2001.<br />

FOLHA DE LONDRINA, 2004, s/ p. CADERNO 5, CIDADE – 05/05/04.<br />

GENTILI, Pablo. Educação e cidadania. In: GENTILI, Pablo; ALENCAR, Chico.<br />

Educar na esperança em tempos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sencanto. Petrópolis: Vozes 2001, p.67-76.<br />

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www.sistemamauno.com.br/notícias_educacionais/geral/ 0246. Acesso em junho/2004.<br />

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<strong>de</strong> Educação <strong>de</strong> Surdos. ILES, 2000, p.02 e 15.<br />

SKLIAR, Carlos. Uma perspectiva sócio-histórica sobre a psicologia e a educação<br />

dos surdos. In:_____(Org.). Educação e exclusão: abordagens sócio-antropológicas<br />

em educação especial. Porto Alegre: Mediação, 1997, p.106-153.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 71<br />

ESTRUTURAÇÃO DE AULA PRÁTICA BASEADA NA<br />

GERMINAÇÃO DE SEMENTES DE Vellozia flavicans<br />

Mart. ex Schult (VELLOZIACEAE)<br />

* Dario Palhares 1<br />

[Description of an experimental class based on the germination of Vellozia<br />

flavicans Mart. ex Schult (Velloziaceae) seeds]<br />

RESUMO<br />

É <strong>de</strong>scrita e discutida uma aula prática sobre resistência <strong>de</strong> sementes a altas<br />

temperaturas. Sementes <strong>de</strong> Vellozia flavicans (Velloziaceae) e <strong>de</strong> Phaseolus vulgaris<br />

(Leguminosae) foram postas para germinar após terem sido submetidas durante um<br />

minuto a água fervente e durante 2, 5 ou 10 minutos a 80 º C, a seco. Para obtenção <strong>de</strong><br />

alta temperatura a seco, duas panelas <strong>de</strong> alumínio, cheias <strong>de</strong> água, foram levadas à<br />

fervura. Uma <strong>de</strong>las foi esvaziada e posta a boiar sobre a água fervente da outra. Nenhuma<br />

semente imersa em água em ebulição germinou. P. vulgaris apresentou<br />

germinabilida<strong>de</strong> semelhante ao controle com dois minutos <strong>de</strong> tratamento térmico seco.<br />

Acima <strong>de</strong>sse tempo, nenhuma semente germinou. V. flavicans teve germinabilida<strong>de</strong><br />

semelhante ao controle em todos os tratamentos térmicos a seco. O <strong>de</strong>senho experimental<br />

é simples e ilustra aspectos básicos da fisiologia <strong>de</strong> sementes.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Velloziaceae; Leguminosae; Vellozia flavicans;<br />

Phaseolus vulgaris; Germinação; Altas Temperaturas.<br />

ABSTRACT<br />

An experimental class about seed resistance to high temperatures is <strong>de</strong>scribed.<br />

Vellozia flavicans (Velloziaceae) seeds and Phaseolus vulgaris (Leguminosae)<br />

seeds were put to germinate after being treated with boiling water for one minute<br />

or for 2, 5 or 10 minutes at 80 º C of dry temperature. To obtain high dry temperature,<br />

two pans were used to boil water. One of them was emptied and put to float on the<br />

boiling water of the other. None of the seeds immersed in boiling water germinated.<br />

With the two-minute treatment, P. vulgaris presented similar germination to the<br />

control, while with longer treatments, no germination occurred. V. flavicans<br />

* Médico graduado pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília - UnB. Mestre em Botânica pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília.<br />

Bolsista <strong>de</strong> Iniciação Científica pelo PIBIC/CNPq. Ex-Professor do Curso Pré-Vestibular da ASFUB.<br />

E-mail: dariompm@bol.com.br


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 72<br />

exhibited similar germination to the control with all dry treatments. The experiment<br />

is very simple and illustrates some basic aspects of seed physiology.<br />

KEY-WORDS: Velloziaceae; Leguminosae; Vellozia flavicans; Phaseolus<br />

vulgaris; Germination; High Temperatures.<br />

INTRODUÇÃO<br />

O presente trabalho consiste na <strong>de</strong>scrição e proposta da montagem <strong>de</strong> uma<br />

aula prática voltada para alunos <strong>de</strong> cursos técnicos <strong>de</strong> agricultura ou alunos <strong>de</strong><br />

graduação na área das ciências da vida, e se baseia na comparação da germinação<br />

<strong>de</strong> sementes <strong>de</strong> Vellozia flavicans (Velloziaceae) e Phaseolus vulgaris L.<br />

(Leguminosae) após exposição a temperaturas elevadas.<br />

As Vellozia s.p comumente ocorrem <strong>de</strong> maneira endêmica, apresentando,<br />

por vezes, estruturas adaptativas especializadas (MENEZES, 1971). No Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral e arredores, foram i<strong>de</strong>ntificadas cerca <strong>de</strong> 10 espécies, das quais Vellozia<br />

flavicans, popularmente conhecida como canela-<strong>de</strong>-ema, é a mais freqüente<br />

(JATOBÁ, 2001). Des<strong>de</strong> a <strong>de</strong>scrição do gênero, por Van<strong>de</strong>lli, foi percebido que as<br />

Velloziaceae ocupam <strong>de</strong>nsamente os campos on<strong>de</strong> crescem, chamados classicamente<br />

<strong>de</strong> campos <strong>de</strong> Vellozia (FREIRE, 1983; MELLO, 1991).<br />

Dados preliminares acerca das sementes <strong>de</strong> V. flavicans, obtidos no Laboratório<br />

<strong>de</strong> Termobiologia da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, mostram que a espécie<br />

apresenta sementes <strong>de</strong> germinabilida<strong>de</strong> ao redor <strong>de</strong> 95%, com uma velocida<strong>de</strong><br />

média <strong>de</strong> germinação <strong>de</strong> aproximadamente seis dias (conforme a temperatura <strong>de</strong><br />

incubação), e que toleram temperatura <strong>de</strong> até 100 º C a seco, sem perda <strong>de</strong><br />

germinabilida<strong>de</strong>. Pouco se conhece sobre as estratégias <strong>de</strong>ssa monocotiledônea<br />

para ocupação do ambiente. Aparentemente, trata-se <strong>de</strong> uma espécie cujas sementes<br />

não permanecem dormentes nas condições <strong>de</strong> armazenagem. As altas temperaturas<br />

não funcionam como estímulo à germinação; pelo contrário, evi<strong>de</strong>nciam<br />

uma forma <strong>de</strong> resistência das sementes a essa agressão.<br />

Metodologia<br />

Sementes <strong>de</strong> V. flavicans foram obtidas no Parque Nacional <strong>de</strong> Brasília e<br />

estocadas em frascos <strong>de</strong> vidro tampados, em ambiente fresco, seco e sombreado.<br />

Os experimentos ocorreram entre seis meses e um ano após a coleta e foram repetidos<br />

três vezes para a estruturação <strong>de</strong>sta aula prática.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 73<br />

Sementes <strong>de</strong> Phaseolus vulgaris, adquiridas no comércio varegista (supermercado)<br />

com um tempo inferior a seis meses <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a colheita, foram selecionadas<br />

mediante a exclusão daqueles grãos <strong>de</strong> aspecto “chocho” ou visivelmente danificados.<br />

Amostras <strong>de</strong> <strong>de</strong>z sementes <strong>de</strong> cada espécie foram submetidas aos seguintes<br />

tratamentos, resultando em doze grupos experimentais:<br />

-Controle;<br />

-imersão em água fervendo por um minuto;<br />

-80 º C a seco por 2, 5, 10 e 20 minutos;<br />

Para a obtenção da temperatura seca <strong>de</strong> 80 º C foi adotado o seguinte artifício:<br />

levaram-se ao fogo duas panelas <strong>de</strong> alumínio com água. Após franca ebulição<br />

da água <strong>de</strong> ambas as panelas, uma <strong>de</strong>las era esvaziada e, imediatamente após,<br />

colocada para boiar sobre a água fervente da outra. Esperavam-se alguns minutos<br />

para a total evaporação dos resquícios da água e media-se a temperatura do fundo<br />

da panela. As sementes eram então <strong>de</strong>spejadas e espalhadas <strong>de</strong> modo a haver<br />

pleno contato com o fundo.<br />

Após o tratamento, as sementes foram mantidas em recipientes com algodão<br />

hidrófilo ou gaze esterilizada, sempre ume<strong>de</strong>cidos com água potável. Todas<br />

os conjuntos<br />

ficaram guardados em uma varanda, expostas, <strong>de</strong>sta forma, às variações<br />

naturais <strong>de</strong> temperatura e luminosida<strong>de</strong>, porém protegidas <strong>de</strong> chuva. Após sete e<br />

quatorze dias <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do experimento, eram executadas as contagens do<br />

número <strong>de</strong> sementes germinadas em cada grupo.<br />

Resultados<br />

O acompanhamento dos artefatos experimentais mostrou uma temperatura<br />

estável, no fundo da panela, <strong>de</strong> 80 º C, durante meia hora <strong>de</strong> medições. A Tabela 1<br />

mostra as germinabilida<strong>de</strong>s verificadas ao final do período <strong>de</strong> observação.<br />

Discussão<br />

O <strong>de</strong>lineamento experimental teve por objetivo a montagem <strong>de</strong> uma aula<br />

prática. Dessa maneira, foram simplificadas as contagens <strong>de</strong> germinação <strong>de</strong> sementes<br />

para sete e quatorze dias, ao invés <strong>de</strong> contagens diárias, o que seria compatível<br />

com a rotina atual dos cursos técnicos e <strong>de</strong> graduação, em que os alunos se<br />

<strong>de</strong>dicam a várias disciplinas ao mesmo tempo.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 74<br />

Da mesma forma, procurou-se simplificar o experimento, trabalhando com<br />

amostras pequenas e um artifício simples para obtenção <strong>de</strong> altas temperaturas, e<br />

também colocando para germinar em ambiente bastante natural. Um laboratório<br />

que disponha <strong>de</strong> estufas, ou <strong>de</strong> câmaras <strong>de</strong> luz e temperatura, po<strong>de</strong>rá lançar mão<br />

<strong>de</strong>sses recursos, no sentido <strong>de</strong> controlar os dois fatores físicos que, sabidamente,<br />

influenciam a germinabilida<strong>de</strong> e a velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> germinação <strong>de</strong> sementes. Em<br />

todo caso, as duas espécies crescem satisfatoriamente, sem maiores <strong>de</strong>ficulda<strong>de</strong>s,<br />

nas condições climáticas do local on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>lineou e ensaiou esta aula prática.<br />

A vegetação do cerrado, exposta freqüentemente a queimadas, é composta<br />

<strong>de</strong> algumas plantas adaptadas à agressão por fogo. Estratégias vegetais para sobrevivência<br />

nesse ambiente incluem: rebrotamento pós-queimada, quebra <strong>de</strong><br />

dormência <strong>de</strong> sementes pela ação do fogo ou resistência <strong>de</strong> sementes a altas<br />

temperaturas (BELL, 1994; BORGHETTI, 2000; MORENO & OECHEL, 1991).<br />

Adaptação <strong>de</strong> plantas a ecossistemas submetidos a queimadas recorrentes não<br />

significa imunida<strong>de</strong> total ao fogo. HANLEY et al. (2001) expuseram sementes <strong>de</strong><br />

espécies do Mediterrâneo a altas temperaturas e constataram que, a partir <strong>de</strong> 120 º C<br />

por 5 minutos, ocorre gran<strong>de</strong> perda <strong>de</strong> viabilida<strong>de</strong>.<br />

Para diversos ecossistemas submetidos a queimadas recorrentes, comumente<br />

são <strong>de</strong>scritas espécies cujas sementes exigem altas temperaturas para ocorrer a<br />

quebra da dormência, ou para as quais a exposição prévia a temperaturas elevadas<br />

resulta em aumento das taxas <strong>de</strong> germinação (ROJAS et al. 1998). As espécies <strong>de</strong><br />

cerrado, tais quais a planta estudada neste trabalho, mais tipicamente produzem<br />

sementes que são apenas resistentes ao fogo, sendo excepcional a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

quebra <strong>de</strong> dormência ou estímulo ao crescimento após exposição a altas temperaturas<br />

(CARVALHO & RIBEIRO, 1994; MOREIRA, 2000).<br />

Algumas consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong>vem ser feitas a respeito <strong>de</strong>ste projeto <strong>de</strong> aula: os<br />

frutos <strong>de</strong> V. flavicans contêm gran<strong>de</strong>s quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sementes secas, <strong>de</strong> superfície<br />

irregular, aproximadamente 2 mm. <strong>de</strong> comprimento, que, provavelmente, se<br />

espalham sob a ação do vento. Portanto, são <strong>de</strong> fácil obtenção e armazenagem;<br />

contudo, o manuseio exige pinças para maior precisão do procedimento. A radícula<br />

é igualmente pequena, e sua visualização po<strong>de</strong> ser facilitada mediante o uso <strong>de</strong><br />

lupas. Os dois primeiros dias <strong>de</strong> embebição são, particularmente, um período crítico<br />

para a correta manutenção da umida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vido à gran<strong>de</strong> absorção <strong>de</strong> água<br />

pelas sementes (GARCIA & DINIZ, 2003).<br />

A proposta da aula po<strong>de</strong>ria ser assim sintetizada: uma primeira etapa <strong>de</strong> ida<br />

a um campo <strong>de</strong> Vellozia, para coleta <strong>de</strong> frutos maduros. Depois, no laboratório,<br />

realização do tratamento térmico acima <strong>de</strong>scrito. Os grupos <strong>de</strong> alunos se revezariam<br />

para manter úmidas as sementes: uma vez ao dia, colocando água, se necessário.<br />

Finalmente, leitura dos dados ao sétimo e ao décimo quarto dias e discussões


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 75<br />

a respeito <strong>de</strong>: resistência das sementes, ambiente on<strong>de</strong> as espécies crescem, estratégias<br />

evolutivas <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> sementes, conceito <strong>de</strong> viabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />

germinabilida<strong>de</strong>, exercício <strong>de</strong> levantamento <strong>de</strong> hipóteses para explicar as diferenças<br />

e o porquê <strong>de</strong> as sementes resistirem a 80 º C em ambiente seco, mas não à água<br />

em ebulição (provavelmente, sendo as sementes permeáveis à água, absorvem-na<br />

fervente, matando o embrião).<br />

Em conclusão, o <strong>de</strong>senho experimental aplica-se perfeitamente a uma aula<br />

prática. É <strong>de</strong> concepção simples, facilmente exeqüível e ilustra aspectos interessantes<br />

da fisiologia das sementes.<br />

Agra<strong>de</strong>cimentos<br />

Agra<strong>de</strong>ço ao Prof. Augusto César Franco e também ao Prof. Fabian Borghetti,<br />

pela colaboração prestada na preparação <strong>de</strong>ste artigo.<br />

Tabela 1: Germinabilida<strong>de</strong>s em cada grupo experimental, aos catorze dias<br />

<strong>de</strong> experimentação.<br />

P. vulgaris V. flavicans<br />

Controle 60 a 80% 70 a 100%<br />

Água fervente 0 0<br />

2 minutos a seco 60 a 80% 70 a 100%<br />

5 minutos a seco 0 60 a 100%<br />

10 minutos a seco 0 80 a 100%<br />

20 minutos a seco 0 70 a 100%


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 76<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

BELL, D. Interaction of fire, temperature and light in the germination response of<br />

16 species from the forest of south-western Australia. Australian Journal of<br />

Botany, 42, p.501-509, 1994.<br />

BORGHETTI, F. Ecofisiologia da germinação das sementes. Universa 8(1), p.149-<br />

180, 2000.<br />

CARVALHO, C; RIBEIRO, M. Efeitos <strong>de</strong> choques térmicos na germinação <strong>de</strong><br />

Peapalanthus speciosus Koern. (Eriocaulaceae) Acta Botanica Brasilica 8(2),<br />

p.205-211, 1994.<br />

FREIRE, G. Chaves Analíticas. 4 .ed. Coleção Mossoroense, volume CCC. Escola<br />

Superior <strong>de</strong> Agricultura <strong>de</strong> Mossoró.Mossoró (RN), 1983.<br />

GARCIA, Q; DINIZ, I. Comportamento germinativo <strong>de</strong> três espécies <strong>de</strong> Vellozia<br />

da Serra do Cipó, MG. Acta Botanica Brasilica, v.17, n.4, p. 487-494, 2003.<br />

HANLEY, M; FENNER, M; NEEMAN, G. Pregermination heat shock and<br />

seedling growth of fire-following Fabaceae from four mediterranean-climate<br />

regions. Acta Oecologica, 22, p.315-320, 2001.<br />

JATOBÁ, L. I<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> Grupos Funcionais <strong>de</strong> Plantas do Cerrado. Dissertação<br />

<strong>de</strong> Mestrado, Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, 2001.<br />

MELLO-SILVA, R. The infra-familial taxonomic circumscription of the<br />

Velloziaceae. Táxon, 40(1), p.45-51, 1991.<br />

MENEZES, N. Traqueí<strong>de</strong>s <strong>de</strong> transfusão no gênero Vellozia Vand. Ciência e Cultura<br />

23(3), p.389-409, 1971.<br />

MOREIRA, A. Effects of fire protection on savanna structure in Central Brazil.<br />

Journal of Biogeography, 27, p.1021-1029, 2000.<br />

MORENO, J; OECHEL, W. Fire intensity effects on germination of shrubs and<br />

herbs in southern California chaparral. Ecology ,72(6), p.1993-2004, 1991.<br />

ROJAS-ARÉCHIGA, M; VÁSQUEZ-YANES, C; OROZCO-SEGOVIA, A. Seed<br />

response to temperature of Mexican cacti species from two life forms. Plant<br />

Ecology, 135, p.207-214, 1998.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 77<br />

AVALIAÇÃO DOS RELACIONAMENTOS FAMILIAR E<br />

SOCIAL E DAS EXPECTATIVAS DO NOVO MODELO<br />

DE INTERVENÇÃO JUNTO A PACIENTES DO CAPS<br />

RESUMO<br />

* Mariana Finco<br />

* Paula Solci<br />

* Vanessa Rocha<br />

** Carmen Garcia <strong>de</strong> Almeida<br />

A redução das internações em manicômios vem diminuindo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1987,<br />

aumentando, <strong>de</strong>sta forma, a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> hospitais-dia e oficinas terapêuticas<br />

que parecem proporcionar uma melhor qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida aos pacientes durante o<br />

tratamento. O presente estudo foi realizado com pacientes do CAPS, com o objetivo<br />

<strong>de</strong> avaliar seu relacionamento familiar, social e suas expectativas, bem como<br />

a eficácia <strong>de</strong>sse novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> intervenção. Foram sujeitos da pesquisa 11 pessoas<br />

do sexo feminino e 21 do sexo masculino, com ida<strong>de</strong>s variando entre 15 e 55<br />

anos. A coleta <strong>de</strong> dados foi feita através <strong>de</strong> um instrumento contendo 20 questões.<br />

Os principais sintomas inicialmente apresentados pelos pacientes do CAPS foram:<br />

sentimentos <strong>de</strong> tristeza, <strong>de</strong>pressão e dores no corpo. O tratamento recebido<br />

foi avaliado como satisfatório, enquanto o relacionamento familiar e social foi<br />

avaliado como bom, aten<strong>de</strong>ndo assim às expectativas <strong>de</strong> que esse novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

intervenção possa ser consi<strong>de</strong>rado eficaz no tratamento da doença mental.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Hospital-Dia; Doença Mental; Tratamento.<br />

1<br />

ABSTRACT<br />

The reduction of internments in psychiatric hospitals have been <strong>de</strong>creasing<br />

since 1987, increasing, that way, the amount of day-hospitals and therapeutic<br />

workshops that seem to provi<strong>de</strong> a better life quality to the patients during the<br />

treatment. This study was carried out with CAPS’s patients aiming at evaluating<br />

their family and social relationships, and their expectations, as well as the<br />

effectiveness of this new intervention mo<strong>de</strong>l. They were 11 female subjects and<br />

* Acadêmica do Curso <strong>de</strong> Psicologia do Centro Universitário Filadélfia - <strong>UniFil</strong>.<br />

** Docente do Curso <strong>de</strong> Psicologia da <strong>UniFil</strong>. Orientadora da pesquisa. Doutora em Psicologia.<br />

E-Mail: carmen@sercomtel.com.br


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 78<br />

21 male subjects, their ages ranging from 5 to 55 years. The collection of data was<br />

ma<strong>de</strong> through a questionnaire containing 20 questions. The principal symptoms<br />

initially presented by the CAPS’s patients were: feelings of sadness, <strong>de</strong>pression<br />

and pains in the body. The treatment administered was evaluated as satisfactory,<br />

while the family and social relationships were evaluated as good, meeting the<br />

expectations that this new intervention mo<strong>de</strong>l can be consi<strong>de</strong>red effective in the<br />

treatment of the mental diseases.<br />

WORD-KEY: Day-Hospital; Mental Disease; Treatment.<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

Segundo DRUMOND e CASARE (2002), a reforma psiquiátrica iniciou-se<br />

no Brasil no final da década <strong>de</strong> 1970, através <strong>de</strong> um movimento dos trabalhadores<br />

em Saú<strong>de</strong> Mental, tecendo críticas, opondo resistência e apresentando projetos <strong>de</strong><br />

mudanças para as instituições e práticas psiquiátricas. Em 1980, houve o movimento<br />

da Reforma Sanitária e, juntos, estes movimentos passaram a estruturar<br />

mudanças no sistema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

Em 1987 aconteceu a I Conferência Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental, iniciando a<br />

<strong>de</strong>sinstitucionalização, acabando com os manicômios, o que resultou na criação<br />

<strong>de</strong> várias estruturas extra-hospitalares <strong>de</strong> atendimento psiquiátrico, como hospitais-dia,<br />

lares para abrigo e oficinas terapêuticas.<br />

De acordo com SANTOS (1997), po<strong>de</strong>-se direcionar a história da saú<strong>de</strong><br />

mental para os movimentos que inspiraram a criação <strong>de</strong> um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> tratamento<br />

da doença mental, o CAPS.<br />

Conforme o autor citado acima, CAPS é um Centro <strong>de</strong> Atenção Psicossocial,<br />

que constitui um serviço contratado, aten<strong>de</strong>ndo a problemas da saú<strong>de</strong> mental individual<br />

e coletiva, oferecendo serviços multidisciplinares a seus pacientes. Essa<br />

instituição oferece tratamento aos sintomas, com uma assistência aberta, intensiva<br />

e continuada aos pacientes, aten<strong>de</strong>ndo a <strong>de</strong>mandas espontâneas da população<br />

<strong>de</strong>ficiente em saú<strong>de</strong> mental em seus centros <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e também a pacientes da<br />

região, encaminhando e recebendo clientela <strong>de</strong> serviços ambulatoriais, hospitalares<br />

e <strong>de</strong> oficinas protegidas.<br />

A proposta do CAPS não é a <strong>de</strong> separar o indivíduo da socieda<strong>de</strong> e, sim, <strong>de</strong><br />

mantê-lo inserido nela. Ele se diferencia dos hospitais tradicionais pelo fato <strong>de</strong><br />

tratar <strong>de</strong> toda a família, através <strong>de</strong> reuniões semanais, oferecidas aos pacientes<br />

internados no hospital-dia e <strong>de</strong> curta permanência.<br />

De acordo com o site: (www.lincx.com.br), uma em cada seis pessoas apre-


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 79<br />

senta em algum momento da vida, distúrbios mentais que interferem no seu dia-adia.<br />

Muitas pessoas relutam em procurar serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental, <strong>de</strong>vido ao<br />

estigma <strong>de</strong> apresentar problemas emocionais.<br />

A doenças mentais têm efeitos <strong>de</strong>sfavoráveis sobre os cuidadores, pois cria<br />

uma atmosfera pouco amistosa e ten<strong>de</strong> a inibir as manifestações <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong><br />

e amparo que as famílias <strong>de</strong>sejam receber dos profissionais e da comunida<strong>de</strong>.<br />

Atualmente, o que se preconiza é a orientação e o apoio aos familiares. Os<br />

estudos sobre a emoção expressada, <strong>de</strong>monstram como a família interfere na evolução<br />

do quadro clínico, no número e no tempo médio das internações. Existe um<br />

consenso <strong>de</strong> que a intervenção familiar influi favoravelmente no curso das doenças.<br />

Entre as doenças mais freqüentes no CAPS, encontram-se: histeria, psicose<br />

e <strong>de</strong>pressão.<br />

- Histeria: é o termo que <strong>de</strong>signa genericamente as neuroses com<br />

sintomatologia corporal exuberante. É um transtorno emocional caracterizado por<br />

um exagero consi<strong>de</strong>rável da sugestibilida<strong>de</strong>, evi<strong>de</strong>nciada pelo fato <strong>de</strong> surpreen<strong>de</strong>r<br />

a plasticida<strong>de</strong> da personalida<strong>de</strong>.<br />

- Psicose: é uma alteração grave na função psicológica do indivíduo, que<br />

acarreta <strong>de</strong>ficiência na capacida<strong>de</strong> para distinguir, avaliar e apreciar a realida<strong>de</strong>.<br />

- Depressão: é uma doença do “corpo como um todo”, que compromete corpo,<br />

humor e pensamento. Ela afeta a forma como a pessoa se alimenta e dorme,<br />

como se sente em relação a si própria e como pensa sobre as coisas.<br />

2. OBJETIVOS<br />

GERAL: O objetivo <strong>de</strong>ste trabalho foi o <strong>de</strong> investigar os comportamentos <strong>de</strong><br />

pacientes submetidos a um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> intervenção psiquiátrica.<br />

ESPECÍFICOS:<br />

- I<strong>de</strong>ntificar as dificulda<strong>de</strong>s apresentadas pelos pacientes;<br />

- Avaliar o relacionamento social dos pacientes <strong>de</strong>ntro e fora da Instituição;<br />

- Avaliar o relacionamento familiar dos pacientes; e<br />

- Investigar expectativas e satisfação dos pacientes em relação ao tratamento.<br />

3. METODOLOGIA<br />

Sujeitos: 32, sendo 21 do sexo masculino e 11 do sexo feminino.<br />

Local: CAPS – Centro <strong>de</strong> Atendimento Psicossocial <strong>de</strong> Londrina.<br />

Material: Questionários aplicados em duas etapas.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 80<br />

4. PROCEDIMENTOS<br />

Foram realizadas visitas quinzenais ao CAPS, por três estagiárias da disciplina<br />

Estágio III – Núcleo Comum. Nessas visitas, as estagiárias fizeram observações,<br />

entrevistas e aplicaram questionários para coleta <strong>de</strong> dados junto aos pacientes.<br />

Em uma primeira etapa, os questionários foram aplicados a 4 pacientes da<br />

Instituição, escolhidos pela psicóloga Ana Emília. Em uma segunda etapa, os questionários<br />

foram elaborados, aplicados a 32 pacientes e, em seguida, os dados foram<br />

analisados.<br />

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />

Tabela 1: Distribuição dos sujeitos <strong>de</strong> acordo com o grau <strong>de</strong> satisfação com<br />

o tratamento recebido.<br />

Sexo Feminino<br />

Sexo Masculino<br />

Satisfação com tratamento Fac. F % Fac. F %<br />

Sim 9 82 21 100<br />

Não 2 18 0 0<br />

Total 11 100 21 100<br />

Os dados apresentados na Tabela 1 mostram que todos os sujeitos do sexo<br />

masculino (100 %) estão satisfeitos com o tratamento recebido na Instituição,<br />

seguidos da maioria do sexo feminino (82%), que também relatou estar satisfeita.<br />

Segundo DRUMOND E CASARE (2002), o CAPS tem como objetivo: prevenir<br />

rotulação, estigma e cronificação; prevenir <strong>de</strong>samparo e outras formas <strong>de</strong><br />

alheamento, garantindo permanência <strong>de</strong> vínculos sociais. A partir dos dados apresentados,<br />

verifica-se que os pacientes do CAPS estão satisfeitos com o tratamento,<br />

e isto parece <strong>de</strong>ver-ser ao fato <strong>de</strong> serem respeitados e não ficarem confinados a<br />

um só lugar, po<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>senvolver relações sociais e afetivas.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 81<br />

Tabela 2: Distribuição dos sujeitos <strong>de</strong> acordo com a avaliação do relacionamento<br />

familiar atual.<br />

Sexo Feminino Sexo Masculino<br />

Relacionamento familiar atual Fac. F % Fac. F %<br />

Péssimo 0 0 0 0<br />

Ruim 1 8 1 4<br />

Regular 2 15 2 9<br />

Bom 5 38 10 44<br />

Ótimo 2 15 7 31<br />

Isolamento 1 8 1 4<br />

Melhorou 1 8 1 4<br />

Com mulher é conflituoso 0 0 1 4<br />

Distante, enten<strong>de</strong>u a própria situação e eles 1 8 0 0<br />

estão cada vez mais distantes<br />

Total 13 100 23 100<br />

A tabela acima indica que 38% das mulheres entrevistadas avaliam como<br />

bom o relacionamento familiar, e 15%, como regular. Os dados do sexo masculino<br />

indicam que 44% avaliaram como bom o relacionamento, e 31% como ótimo.<br />

Os dados <strong>de</strong>sta pesquisa mostram que a maioria dos entrevistados, <strong>de</strong> ambos<br />

os sexos, relatou ter bom relacionamento familiar. A família é responsável pela<br />

educação e formação. Um bom convívio é eficaz na vida <strong>de</strong> qualquer pessoa.<br />

Segundo SOARES (2002), o ser humano não existe, a não ser na relação, sendo<br />

que a família representa um papel importante na saú<strong>de</strong> mental.<br />

De acordo com DRUMOND E CASARE (2002), o CAPS oferece tratamento<br />

do sintoma com uma assistência aberta, intensiva e continuada aos pacientes,<br />

que po<strong>de</strong>m apresentar variados processos psíquicos, como: dar autonomia ou impedimento<br />

para uma vida saudável. A ênfase dada pela Instituição é pautada nos<br />

pacientes em seu meio familiar.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 82<br />

Tabela 3: Distribuição dos sujeitos <strong>de</strong> acordo com a avaliação do relacionamento<br />

social atual.<br />

Sexo Feminino Sexo Masculino<br />

Relacionamento social atual<br />

Fac. F % Fac. F %<br />

Péssimo 0 0 1 5<br />

Ruim 0 0 1 5<br />

Regular 1 9 2 9<br />

Bom 8 73 12 57<br />

Ótimo 2 18 3 14<br />

Melhorou 0 0 1 5<br />

Estagnado, não tem relacionamento social 0 0 1 5<br />

Total 11 100 21 100<br />

Os dados apresentados na tabela acima mostram que a maioria dos entrevistados<br />

do sexo feminino (73%) avaliou o seu relacionamento social como bom,<br />

seguidos <strong>de</strong> 18%, que avaliaram ser ótimo, enquanto que a maioria dos entrevistados<br />

do sexo masculino (57%) avaliou o relacionamento atual como bom, sendo<br />

que 14% avaliaram-no como ótimo.<br />

Ainda segundo a tabela acima, po<strong>de</strong>mos observar que os sujeitos (femininos<br />

e masculinos) avaliam como ótimo o relacionamento social após sua inserção na<br />

Instituição. Segundo MACEDO (2003), <strong>de</strong>ve-se dar preferência ao tratamento<br />

ambulatorial, em que os pacientes freqüentam a instituição e retornam no final do<br />

dia a suas casas. Com isto, é provável que tenham uma reintegração a<strong>de</strong>quada, e<br />

passem a ter uma vida normal quando retornarem à comunida<strong>de</strong>.<br />

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Analisando os dados obtidos, po<strong>de</strong>mos constatar que a maioria dos pacientes<br />

procurou tratamento nesta Instituição <strong>de</strong>vido a sintomas por eles apresentados,<br />

como tristeza e <strong>de</strong>pressão, sendo que boa parte <strong>de</strong>les já havia recebido tratamento<br />

em outras instituições tradicionais.<br />

Po<strong>de</strong>-se perceber que a metodologia <strong>de</strong> tratamento tradicional utilizada, não<br />

foi efetiva na resolução da sintomatologia por eles apresentada, o que os levou a<br />

buscar uma forma alternativa <strong>de</strong> tratamento, a oferecida pelos hospitais-dia. As-


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 83<br />

sim, pu<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>tectar que aqueles que precisam <strong>de</strong> tratamento psiquiátrico estão<br />

buscando também esta nova forma <strong>de</strong> atendimento, sendo que um dos diferenciais<br />

em relação aos outros hospitais é que, este não faz uso <strong>de</strong> internações, po<strong>de</strong>ndo o<br />

paciente retornar para casa e, assim, não interromper o contato com a família. Um<br />

outro diferencial é a participação da família nas reuniões, com objetivo <strong>de</strong> acompanhar<br />

o tratamento, recebendo informações e orientações <strong>de</strong> como lidar com a<br />

medicação e com os próprios pacientes.<br />

Constatou-se também que o novo tratamento recebido pelos pacientes parece<br />

estar contribuindo para a satisfação <strong>de</strong>stes e atingindo também suas expectativas<br />

<strong>de</strong> melhora do quadro patológico apresentado. A satisfação com o tratamento<br />

po<strong>de</strong> ser percebida através dos relatos que citam estarem recebendo cuidados sem<br />

per<strong>de</strong>rem a liberda<strong>de</strong>, como ocorre em hospitais psiquiátricos tradicionais, on<strong>de</strong><br />

ficam o dia inteiro, sem contato externo, sedados, em um ambiente on<strong>de</strong> não ocorrem<br />

distrações. O CAPS, por sua vez, possui uma estrutura que oferece ativida<strong>de</strong>s<br />

diárias, planejadas para o entretenimento e a recuperação dos pacientes. Dentre<br />

elas, <strong>de</strong>stacamos os passeios realizados em diferentes locais da cida<strong>de</strong>, oficinas<br />

lúdicas, terapia ocupacional, salão <strong>de</strong> beleza e a realização <strong>de</strong> festas em diferentes<br />

períodos do ano, com a participação <strong>de</strong> familiares e amigos.<br />

Este novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> intervenção proporciona aos pacientes, contato social<br />

e familiar durante o tratamento, nos quais eles recebem um preparo psicológico<br />

que favorece o ajustamento às mais diversas situações <strong>de</strong> vida, ensinando-os a<br />

lidar com as adversida<strong>de</strong>s do mundo externo, contribuindo para melhorar a<br />

reinserção social e familiar. Os pacientes relataram que o relacionamento familiar,<br />

classificado por muitos como sendo bom, melhorou com o <strong>de</strong>correr do tratamento<br />

oferecido pelo CAPS. Esta informação confirma a importância do tratamento<br />

do doente com a participação e o acompanhamento dos familiares, para<br />

que este seja satisfatório. Com isto, po<strong>de</strong>-se também pensar em uma recuperação<br />

mais rápida e estável dos pacientes, pois estes estarão amparados, e sentirão como<br />

o papel da família é importante para ajudar na recuperação <strong>de</strong> um enfermo.<br />

Além do contato com os familiares ser satisfatório para os pacientes, po<strong>de</strong>se<br />

pensar que os assuntos que eles conversam entre si, no dia-a-dia, mostram parte<br />

<strong>de</strong> sua realida<strong>de</strong>, da liberda<strong>de</strong> que sentem em contarem a respeito do que está lhes<br />

acontecendo. Isto pô<strong>de</strong> ser confirmado quando os entrevistados passaram a informação<br />

<strong>de</strong> que o assunto mais discutido em família é saú<strong>de</strong> e <strong>de</strong>pois, religião.<br />

Um dado interessante que po<strong>de</strong>rá ser investigado posteriormente está relacionado<br />

com a internação <strong>de</strong> homens e mulheres, pois os familiares das mulheres<br />

internadas participam mais <strong>de</strong> seus tratamentos, quando comparado com a participação<br />

dos familiares <strong>de</strong> internos do sexo masculino.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 84<br />

Po<strong>de</strong>-se então concluir que este novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> tratamento que está sendo<br />

oferecido no hospital-dia, em questão neste estudo, está tratando efetivamente<br />

dos quadros patológicos apresentados pelos pacientes, sendo que a maioria <strong>de</strong>les<br />

mostrou-se satisfeita com o tratamento recebido e apta para avaliá-lo, bem como<br />

avaliar a situação na qual se encontram durante a internação.<br />

Estes pontos <strong>de</strong>vem ser enfatizados, pois, em um tratamento psiquiátrico<br />

tradicional com internação, isolamento e fortes medicações, os pacientes po<strong>de</strong>riam<br />

não ter condições <strong>de</strong> avaliar seu relacionamento familiar e social, nem comparálos,<br />

pois estariam, <strong>de</strong> certa forma, alienados e não inseridos no cotidiano com o<br />

qual estavam acostumados. Aqui po<strong>de</strong>mos então ressaltar novamente a eficácia<br />

do tratamento oferecido pelo CAPS.<br />

Antes da realização <strong>de</strong>ste trabalho, alguns mitos, crenças e concepções sobre<br />

o doente e a doença mental permeavam o nosso cotidiano. O contato com essa<br />

nova metodologia <strong>de</strong> intervenção permitiu-nos rever conceitos anteriormente estabelecidos,<br />

levando-nos a encarar o doente mental <strong>de</strong> uma forma mais humanizada,<br />

o que, com certeza, produzirá modificações em nossa postura profissional, contribuindo,<br />

assim, para uma melhor compreensão do doente, da doença mental e <strong>de</strong><br />

formas diferenciadas <strong>de</strong> intervenção.<br />

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

DRUMOND, Camila Zaina; CASARE, Maria Giovana Sanches. CAPS -Um Novo<br />

Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Assistência a Saú<strong>de</strong> Mental. Londrina; 2002 (Trabalho <strong>de</strong> Conclusão<br />

<strong>de</strong> Curso em Serviço Social – UEL).<br />

COSTA, Juarez Soares. Trabalho apresentado em mesa redonda do VI Congresso<br />

Brasileiro <strong>de</strong> Psiquiatria Clínica - Campinas, SP, em 14 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2002.<br />

http://www.sppc.med.br/mesas/juarescosta.htm - Acesso em 20 abr. 2003.<br />

CID-10.<br />

DSM-IV.<br />

SANTOS, Antônio W. G. dos. Avaliação Crítica dos Centros e Núcleos <strong>de</strong><br />

Atenção Psicossocial no Nor<strong>de</strong>ste: Perfil Organizacional dos Serviços. Fortaleza:<br />

UECE. (Dissertação <strong>de</strong> Mestrado), 1997.<br />

www.lincx.com.br/orientaçaomental/sau<strong>de</strong>menta.html - Acesso em 12 jun. 2003.


RESUMO<br />

TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 85<br />

CIÚME: NORMAL OU DOENTIO ?<br />

* Ariane Duarte<br />

* Cláudia Furiatti<br />

* Fernanda Valentim<br />

1<br />

* Merilu Longhin<br />

** Maria Cecília Balthazar<br />

É elaborado um estudo teórico-prático sobre o ciúme normal e o patológico. O<br />

objetivo <strong>de</strong>ste trabalho foi i<strong>de</strong>ntificar as características do ciúme normal e do patológico<br />

em pessoas com ida<strong>de</strong> a partir <strong>de</strong> 16 anos. A coleta <strong>de</strong> dados foi realizada com<br />

base em questionários que foram aplicados em uma população aleatória. As respostas<br />

obtidas foram divididas em 2 categorias: pessoas com comportamentos e atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

ciúme normal e pessoas com comportamentos e atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ciúme patológico. Com<br />

base na análise dos resultados, mais da meta<strong>de</strong> dos participantes <strong>de</strong>sta amostra <strong>de</strong>monstraram<br />

ser pessoas que conseguem lidar com o ciúme como um sentimento normal,<br />

sem que este venha a interferir em seus relacionamentos <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>strutiva.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Ciúme; Normal; Patológico.<br />

ABSTRACT<br />

A theoretical-practical study about normal and pathological types of jealousy.<br />

The objective of this paper was to i<strong>de</strong>ntify the features of normal and pathological<br />

jealousy of people over 16 years of age. The data collection was ma<strong>de</strong> by means<br />

of answers of a questionnaire and interviews, provi<strong>de</strong>d by a random population.<br />

The answers were divi<strong>de</strong>d into 2 categories: c people with behaviors and attitu<strong>de</strong>s<br />

of normal jealousy and people with behaviors and attitu<strong>de</strong>s of pathological jealousy.<br />

Result analyses showed that over half of the subjects can <strong>de</strong>al with jealousy as a<br />

normal feeling, without its <strong>de</strong>structive interference in their relationships.<br />

KEY-WORDS: Jealousy; Normal; Pathological.<br />

* Acadêmica do Curso <strong>de</strong> Psicologia do Centro Universitário Filadélfia – <strong>UniFil</strong>.<br />

E-mail: cfuriatti21@yahoo.com.br<br />

** Docente da disciplina Estágio do Núcleo Comum III no Curso <strong>de</strong> Psicologia da <strong>UniFil</strong>. Especialista<br />

em Psicologia Clínica pela Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Londrina – UEL.<br />

E-mail: mcbalthazar@uol.com.br


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 86<br />

INTRODUÇÃO<br />

“Estado emocional caracterizado pela ansieda<strong>de</strong>, sentimento <strong>de</strong> amor e <strong>de</strong>sejo<br />

<strong>de</strong> obter a segurança e a ternura que uma segunda pessoa <strong>de</strong>monstra a uma<br />

terceira.” (DICIONÁRIO DE PSICOLOGIA, 1978, p.53).<br />

O ciúme é um sentimento normal no ser humano. Esse sentimento é universal<br />

e inato, proveniente do <strong>de</strong>sejo da exclusivida<strong>de</strong> no amor <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada pessoa.<br />

O ciumento duvida da possibilida<strong>de</strong> do “todo-ter”, a saber, ainda que tenhamos<br />

um relacionamento, ele ou ela nunca será todo-nosso.<br />

Para LACAN (1966), o ciúme é um sentimento ligado a um tipo bem particular<br />

<strong>de</strong> experiência: “...uma i<strong>de</strong>ntificação com o irmão pendurado no seio da mãe.”<br />

Muitos autores consi<strong>de</strong>ram o ciúme como uma espécie <strong>de</strong> temor, que se<br />

refere ao <strong>de</strong>sejo que temos <strong>de</strong> conservar algum bem, variando apenas <strong>de</strong> acordo<br />

com o objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo.<br />

Existem pessoas que não conseguem expressar o ciúme, geralmente porque<br />

foram fortemente reprimidas na infância, por alguma circunstância. Demonstrar<br />

esse sentimento seria por em risco o afeto que lhes <strong>de</strong>dicavam. O ciúme é, muitas<br />

vezes, a manifestação caótica <strong>de</strong> elementos reprimidos no inconsciente, que vão<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> uma “louca” auto-estima, até um sentimento <strong>de</strong> culpa, passando por inúmeras<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> transformação. O ciúme não se assume, ele se fere e se refugia,<br />

tendo uma lógica que é participar do inconsciente.<br />

Surgindo <strong>de</strong> diversas formas, há sempre em sua origem um sentimento <strong>de</strong><br />

alguém se sentindo inferiorizado, <strong>de</strong>sprezado, minimizado, excluído por outro<br />

alguém. É na incerteza e na insegurança, baseado apenas em suposições, que o<br />

ciúme se instala.<br />

O ciúme po<strong>de</strong> ser classificado em três categorias diferentes. A primeira pertence<br />

ao ciúme normal, visando proteger a pessoa <strong>de</strong> um sentimento maior <strong>de</strong><br />

angústia; po<strong>de</strong>ndo também ser vivenciado <strong>de</strong> forma bissexual, ou seja, além <strong>de</strong> ter<br />

ciúme do parceiro perdido e raiva do rival, a pessoa po<strong>de</strong> ter também uma atração<br />

não reconhecida pelo outro do mesmo sexo.<br />

Uma segunda categoria, citada por LACHAUD (1995), que já po<strong>de</strong>ria passar<br />

como neurótica, está lastreada na vivência universal do triângulo edipiano;<br />

em suas implicações na competitivida<strong>de</strong> que nasce no indivíduo ao ter que disputar<br />

o amor da mãe com o pai, ou, no caso das meninas, do pai com a mãe. Freud já<br />

havia situado o rival que suscita o ciúme fraterno, em suas análises dos sonhos <strong>de</strong><br />

morte <strong>de</strong> um ser querido; na elaboração do complexo <strong>de</strong> Édipo (morte do progenitor<br />

do mesmo sexo), o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> morte é igual à i<strong>de</strong>ntificação. No início da vida<br />

do ser humano, <strong>de</strong> fato, a noção do próprio corpo não existe; aquele ou aquela que<br />

sofre <strong>de</strong> ciúme nos mostra o quanto o outro faz falta.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 87<br />

Na terceira categoria aparece o ciúme paranói<strong>de</strong>.<br />

“Paranóia: psicose caracterizada, sobretudo, por ilusões físicas. É um sistema<br />

<strong>de</strong>lirante durável, com ilusões <strong>de</strong> perseguição e gran<strong>de</strong>za, originado na<br />

esquizofrenia paranói<strong>de</strong>. Os ressentimentos são profundos e o paranóico, geralmente,<br />

procura atacar aqueles que estiveram presentes em seus conflitos, muitas<br />

vezes, por inclusão na fantasia. O paranóico se caracteriza também pelo seu<br />

egocentrismo e, em muitos casos, por bom nível <strong>de</strong> inteligência e vivacida<strong>de</strong> mental.”<br />

(DICIONÁRIO DE PSICOLOGIA, 1978, p.207).<br />

Em sua forma mais maligna e <strong>de</strong>lirante, o ciúme paranói<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>scobrir as<br />

fantasias subjacentes, que são exatamente a própria infi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ou o objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo<br />

:ser-lhe infiel. Para uma pessoa que pa<strong>de</strong>ça <strong>de</strong> ciúme <strong>de</strong>lirante, que está <strong>de</strong>ntro da<br />

forma clássica paranói<strong>de</strong>, o rival se torna alvo <strong>de</strong> toda parte ruim <strong>de</strong>ssa pessoa.<br />

Há ainda casos em que o ciúme se torna patológico, doentio, tornando-se<br />

uma obsessão <strong>de</strong>scontrolada. Traz para quem o sente, sentimentos negativos, como<br />

o <strong>de</strong> perda, e para o objeto <strong>de</strong> seu ciúme, um sofrimento ainda maior.<br />

O ciúme é, pois, uma prova <strong>de</strong> perda; o próprio sujeito se per<strong>de</strong> do resto,<br />

pois, na i<strong>de</strong>ntificação com o que ele acreditava ser o objeto do <strong>de</strong>sejo do “outro”,<br />

algo vacila <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seu próprio ser. Essa i<strong>de</strong>ntificação po<strong>de</strong> ser um bom mo<strong>de</strong>lo<br />

do “objeto amado”.<br />

Freud já afirmava que o ciúme se compõe essencialmente do “leito”, pela<br />

dor causada pelo objeto que achamos ter perdido, e pela humilhação narcísica.<br />

Enfim, o ciúme entra na relação vindo <strong>de</strong> fora, po<strong>de</strong>ndo ameaçar, <strong>de</strong>sestruturar<br />

ou romper a relação amorosa quando está “tudo bem”, trazendo como conseqüência<br />

<strong>de</strong> um para o outro, a vingança, a traição, a morte, as questões <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>, a<br />

inveja e a frigi<strong>de</strong>z.<br />

O interesse pelo tema justifica-se por ser um sentimento que permeia todo<br />

ser humano e todos os vínculos afetivos. Aparece nas relações conjugais, amorosas,<br />

rivalida<strong>de</strong>s fraternais e até nas relações sociais.<br />

Um dos pontos principais a ser investigado é a diferença entre o ciúme normal<br />

e o patológico. E, pensando nessa questão, é que nos preocupamos em examinar<br />

o tema e seus reflexos nas relações humanas.<br />

Ao empreen<strong>de</strong>r a pesquisa inicial, através <strong>de</strong> uma busca <strong>de</strong> títulos mais recentes,<br />

evi<strong>de</strong>nciou-se a carência <strong>de</strong> estudos sobre o assunto. À exceção <strong>de</strong> Freud,<br />

muito pouco se tem escrito sobre o ciúme.<br />

Em 1922, escreveu Freud, o ciúme é um estado afetivo normal.<br />

Um amor sem ciúme seria sinal <strong>de</strong> um ciúme bem recalcado pelo sujeito. O<br />

qual é observado na política familiar e social. A respeito do ciúme normal, diz<br />

FREUD (1922): “Ao dito ciúme normal, o ciumento busca a confissão, cabelos,<br />

marcas, cheiros, barulho, são testemunhas mudas, logo irrefutáveis. Tudo sinaliza


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 88<br />

para <strong>de</strong>signar o culpado. E o culpado é o outro. É uma dor ressentida <strong>de</strong> saber ou<br />

<strong>de</strong> crer que o objeto <strong>de</strong> amor está perdido. Este ciúme está ligado ao sexual, implica<br />

em um terceiro. E existem dois registros, o narcisismo e a homossexualida<strong>de</strong>.”<br />

Segundo Freud e Lacan, “...o sujeito só po<strong>de</strong> se amar através do OUTRO” –<br />

Outro fora EU.<br />

O ciumento não suporta a satisfação do outro, tampouco seu gozo. Procura e<br />

quer tudo. Procura privar o outro daquilo <strong>de</strong> que ele goza. Em outras palavras, o<br />

ciumento ten<strong>de</strong> para o narcisismo total e absoluto. Sem falhas. Ele nega o<br />

significante da falta do outro.<br />

Os ciúmes são sintomas que não po<strong>de</strong>mos, <strong>de</strong> modo algum, camuflar em<br />

uma cura. Não <strong>de</strong>vemos ignorá-los. Eles correspon<strong>de</strong>m a um <strong>de</strong>sconhecimento da<br />

falta fundamental, a ausência <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa contra esta falta.<br />

METODOLOGIA<br />

O objetivo do trabalho é i<strong>de</strong>ntificar as características que diferenciam o ciúme<br />

normal do patológico. Para tanto, foi realizada uma pesquisa através <strong>de</strong> questionário,<br />

com sujeitos com ida<strong>de</strong> acima <strong>de</strong> 16 anos, na cida<strong>de</strong> e Londrina e região.<br />

RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />

Os resultados obtidos referem-se às respostas <strong>de</strong> entrevistados, cujas ida<strong>de</strong>s<br />

variaram <strong>de</strong> 16 a 51 anos, sendo que 23% eram mulheres, 77% eram homens;<br />

solteiros em sua maioria; com 47,5% com nível <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> superior; 35%<br />

com segundo grau completo ou incompleto, e 17,5% com primeiro grau completo<br />

ou incompleto. Chamou a atenção o fato <strong>de</strong> apenas 2,5% das pessoas terem o<br />

primeiro grau incompleto.<br />

A baixa escolarida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar a exuberância <strong>de</strong> sinais e sintomas <strong>de</strong><br />

ciúmes sem disfarces ou pudores. Nasce uma interrogação: “As pessoas com escolarida<strong>de</strong><br />

formal reprimem o ciúme ou realmente não o sentem?” Esta é uma<br />

questão que merece maior investigação.<br />

Em situações cotidianas, tais como encontrar um ex-parceiro, 60% das pessoas<br />

reagiriam naturalmente; 27,5% sentiriam-se <strong>de</strong>sconfortáveis; 17,5% po<strong>de</strong>m<br />

ser consi<strong>de</strong>rados ciumentos, sendo que 10% ficariam transtornados e 7,5%, perturbados,<br />

assumindo assim sintomas <strong>de</strong> ciúmes.<br />

Quanto à permissão para o parceiro sair com os amigos, 40% dos entrevistados<br />

nunca ou quase nunca permitiriam, o que <strong>de</strong>monstra um grau <strong>de</strong> possessivida<strong>de</strong><br />

exagerado, contrariando os dados anteriores e po<strong>de</strong>ndo corroborar com a idéia do<br />

disfarce em pessoas mais escolarizadas.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 89<br />

No que se refere a contatos telefônicos, 92,5% dos entrevistados parecem<br />

não se preocupar com o interlocutor, interrogando apenas quem era ou qual o teor<br />

da conversa; e 70% nunca ou quase nunca investigam as ligações do celular do<br />

parceiro; 20% o fazem às vezes; 7,5% dos entrevistados, por outro lado, <strong>de</strong>nunciaram<br />

respostas sintomáticas <strong>de</strong> ciúmes: sempre checam o celular.<br />

Quanto a conversas com alguém na re<strong>de</strong> <strong>de</strong> computadores, 53% agiriam<br />

normalmente, 20% se aborreceriam ou iriam investigar; 10% reportaram que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ria<br />

do teor da conversa e que isso acarretaria dificulda<strong>de</strong>s ao relacionamento;<br />

5% respon<strong>de</strong>ram que não saberiam o que fazer ou, simplesmente, não respon<strong>de</strong>ram.<br />

Revelaram-se ciumentos os restantes 12,5%, <strong>de</strong>ntre os quais 5% teriam<br />

reações <strong>de</strong> <strong>de</strong>senlace ou <strong>de</strong> sérias alterações, como brigas, raiva e mágoa.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Contrariando as expectativas inicias, o presente trabalho <strong>de</strong>monstrou que<br />

poucas pessoas assumem ter características <strong>de</strong> ciumentos patológicos.<br />

No <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>sta pesquisa observou-se que a entrevista é o método mais<br />

produtivo para a coleta <strong>de</strong> dados neste caso, pois permite obter informações mais<br />

<strong>de</strong>talhadas, enquanto que, nos questionários, as respostas, muitas vezes, mostraram-se<br />

contraditórias, dificultando uma análise mais profunda e fi<strong>de</strong>digna.<br />

As respostas contraditórias po<strong>de</strong>m ser ilustradas na questão on<strong>de</strong> a maior<br />

parte dos entrevistados respon<strong>de</strong>u que nunca permitiria que o parceiro saísse com<br />

os amigos, mas que reagiria naturalmente se encontrasse o parceiro com um(a)<br />

ex-namoradoa(a).<br />

Houve dificulda<strong>de</strong> para se estabelecer uma base teórica sólida, é escassez <strong>de</strong><br />

referências bibliográficas que aprofun<strong>de</strong>m o tema, dificultando a obtenção <strong>de</strong> uma<br />

riqueza em <strong>de</strong>talhes sobre <strong>de</strong>terminados aspectos das pessoas ciumentas.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 90<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

COSTA, Moacir. Vida a dois.1.ed. São Paulo: Integral, 1991.<br />

DORIN, E. Dicionário <strong>de</strong> Psicologia; abrangendo terminologia <strong>de</strong> ciências<br />

correlatas. São Paulo: Melhoramentos, 1978, 300p.<br />

DREKURS, L. Rudolf. Psicologia do casamento. 20.ed. São Paulo, 1949.<br />

LACHAUD, Denise. Ciúmes. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Companhia <strong>de</strong> Freud, 2001, 148p.<br />

SILVA, T. Regina et al.. Ciúme: o medo da perda. São Paulo: Ática, 1996.<br />

ZIMERMAN, David. Vocabulário contemporâneo <strong>de</strong> psicanálise. Porto Alegre:<br />

Artmed, 2001, p.69 a 315.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 91<br />

ANÁLISE CRÍTICA TEÓRICA DA EVOLUÇÃO DO<br />

CONCEITO DE CLIMA ORGANIZACIONAL<br />

RESUMO<br />

* E<strong>de</strong>lvais 1 Keller<br />

** Maria Aparecida Ferreira <strong>de</strong> Aguiar<br />

A proposta do trabalho é <strong>de</strong>senvolver uma análise crítica teórica da evolução<br />

do conceito <strong>de</strong> clima organizacional tendo, como base, estudos empíricos e<br />

autores que trouxeram contribuição para a evolução do conceito, especialmente,<br />

estudiosos do comportamento organizacional, das relações grupais e das organizações.<br />

Esta análise <strong>de</strong>scritiva não se propõe a ficar somente na <strong>de</strong>scrição, mas<br />

em ser um exercício hermenêutico crítico. A justificativa para este estudo fundamenta-se<br />

no crescente interesse, pelas organizações, pelo clima organizacional<br />

como mecanismo <strong>de</strong> gestão <strong>de</strong> recursos humanos, <strong>de</strong> melhoria <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> e<br />

da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida no trabalho e nas organizações. A análise teórica crítica<br />

oferece indicadores não só da evolução do conceito, mas das características do<br />

que se enten<strong>de</strong> por clima organizacional, o que possibilita a compreensão do fenômeno<br />

e das suas vicissitu<strong>de</strong>s, além <strong>de</strong> facilitar a criação <strong>de</strong> metodologias a<strong>de</strong>quadas<br />

para intervenção neste fenômeno. O estudo trabalha algumas distinções<br />

entre clima e cultura organizacional, possibilitando, com isto, estabelecer<br />

parâmetros e metodologias para seus estudos específicos.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Empresa; Trabalho; Clima Organizacional.<br />

ABSTRACT<br />

The purpose of the present work is to <strong>de</strong>velop a critical theoretical analysis<br />

of the evolution of the concept of organizational atmosphere based on empiric<br />

studies and authors that contributed to the evolution of the concept, particularly<br />

experts in organizational behavior, in group and organizational relations. This<br />

<strong>de</strong>scriptive analysis intends not only to <strong>de</strong>scribe but also to be a critical<br />

hermeneutical exercise. The justification for this study is based on the increasing<br />

* Docente do Curso <strong>de</strong> Psicologia do Centro Universitário Filadélfia – <strong>UniFil</strong>. Mestre em Psicologia<br />

pela Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo – PUC-SP. Doutoranda em Psicologia Clínica<br />

pela PUC-SP. E-mail: ekeller@onda.com.br<br />

** Doutora em Psicologia pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo – USP. Docente do Programa <strong>de</strong> Mestrado<br />

em Administração da PUC-SP. Psicóloga organizacional.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 92<br />

interest, by the organizations, on the organizational atmosphere as a mechanism<br />

in the management of human resources, in the improvement of productivity and<br />

life quality in the workplace and in the organizations. The critical theoretical<br />

analysis offers indicators not only for the evolution of the concept but also for the<br />

characteristics of what is un<strong>de</strong>rstood by organizational atmosphere, making it<br />

possible for an un<strong>de</strong>rstanding of the phenomenon ands its specificities, besi<strong>de</strong>s<br />

facilitating the creation of a<strong>de</strong>quate methodologies for intervention in such<br />

phenomenon. The study also comprises some distinctions between organizational<br />

atmosphere and culture, providing the establishment of parameters and<br />

methodologies for their specific studies.<br />

KEY-WORDS: Enterprise; Work; Organizational Environment.<br />

INTRODUÇÃO<br />

O clima organizacional tem sido consi<strong>de</strong>rado fator <strong>de</strong> relevância para a gestão<br />

organizacional. As mudanças conseqüentes do processo <strong>de</strong> globalização, especialmente<br />

os processos <strong>de</strong> internacionalização das organizações, que trazem no<br />

seu bojo drásticas alterações nas relações internas, têm atraído a atenção <strong>de</strong> pesquisadores<br />

para o fenômeno do clima organizacional, incentivando seu estudo.<br />

VÁZQUEZ (1996) apresenta significativos dados históricos a respeito do estudo<br />

do clima organizacional, e alguns dos quais po<strong>de</strong>m ser apresentados para<br />

contextualizar historicamente a evolução do estudo do clima nas organizações.<br />

De acordo com VÁZQUEZ (1996), as primeiras pesquisas consi<strong>de</strong>radas científicas<br />

sobre o estudo do clima organizacional remontam à década <strong>de</strong> 1930. Nos<br />

anos <strong>de</strong> 1935, 1939 e 1951, a obra <strong>de</strong> Kurt Lewin serve <strong>de</strong> estímulo crescente para<br />

o interesse pelo contexto social. De modo específico, o trabalho experimental <strong>de</strong><br />

laboratório, realizado junto com Lippitt e White, sobre os estilos <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança grupal,<br />

introduz o “clima” como vínculo entre a pessoa e o ambiente, e, como tal, clima se<br />

refere às distintas situações que se originam como conseqüência da utilização dos<br />

tipos <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança. O caminho para o estudo do clima organizacional estava aberto.<br />

Os estudos anteriores à década <strong>de</strong> 1980 não permitiram <strong>de</strong>finir o clima <strong>de</strong><br />

modo uniforme, o que levou os estudiosos a uma série <strong>de</strong> comentários críticos, e a<br />

duvidar <strong>de</strong> sua utilida<strong>de</strong>, especialmente a partir do impulso sobre estudos focados<br />

na cultura organizacional, no mesmo período. O crescimento do <strong>de</strong>senvolvimento<br />

sobre o conceito <strong>de</strong> “cultura organizacional” é uma outra questão que se apresenta<br />

para a elucidação dos estudiosos: se clima e cultura são conceitos que se<br />

complementam ou são diferentes, e em que medida a cultura prevalece ou influi


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 93<br />

sobre o clima, ou ainda, se cultura é outro termo para <strong>de</strong>signar clima, questões<br />

levantadas por Erickson, em 1987, <strong>de</strong> acordo com VÁZQUEZ (1996).<br />

Na visão <strong>de</strong>ste último autor, durante muito tempo os termos clima e cultura<br />

foram utilizados <strong>de</strong> forma intercambiável. Por exemplo, para Katz e Kahn, em<br />

1983, toda organização cria sua própria cultura ou clima. Ainda que a proximida<strong>de</strong><br />

dos dois conceitos seja gran<strong>de</strong>, a diferenciação sugere outra questão: se a cultura<br />

<strong>de</strong>termina o clima, e vice-versa.<br />

A partir <strong>de</strong> Schnei<strong>de</strong>r, em 1985, começam a surgir posturas integradoras<br />

entre os conceitos <strong>de</strong> clima e cultura. O tratamento metodológico a que são submetidas<br />

as variáveis diferem em ambos os conceitos. No estudo do clima, ten<strong>de</strong>m<br />

a ser usados métodos quantitativos; e no estudo da cultura, métodos qualitativos.<br />

Conforme VÁZQUEZ (1996), a dinâmica da formação e troca <strong>de</strong>sses dois conceitos<br />

mostra semelhanças e diferenças, e se admite que estudos <strong>de</strong> clima e cultura<br />

po<strong>de</strong>m se beneficiar mutuamente, sendo que, através das forças das semelhanças<br />

e diferenças, foi possível a compreensão <strong>de</strong> um por meio do outro.<br />

Depois da Segunda Guerra Mundial, <strong>de</strong>vido à preocupação dos governos<br />

com o espírito que reinava no exército e na população, se encontra o clima associado<br />

com conceitos como “moral” no trabalho. Surgem os primeiros estudos que<br />

tentam captar esse espírito ou estado mental, entendido geralmente como conceito<br />

<strong>de</strong> grupo. Des<strong>de</strong> então, o termo clima é usado como conceito metafórico, <strong>de</strong>rivado<br />

da meteorologia. A palavra passou a ser usada em relação às organizações,<br />

transportando-se analogicamente para elas. Dessa forma, passou-se a estudar o<br />

clima das organizações através <strong>de</strong> dados obtidos por meios objetivamente<br />

mensuráveis, e que <strong>de</strong>screvem como as condições se apresentam durante um <strong>de</strong>terminado<br />

período <strong>de</strong> tempo. Payne e Pugh, em 1976, levam a analogia <strong>de</strong> clima<br />

atmosférico ao clima organizacional nas organizações, <strong>de</strong> maneira coerente, sendo<br />

a idéia do clima como um enlace dos níveis individual e organizacional <strong>de</strong><br />

análise, entre os quais se estabelece uma inter-relação. Para eles, as atitu<strong>de</strong>s e os<br />

comportamentos dos indivíduos, as variáveis estruturais e processuais e o meio<br />

ambiente estão na base do clima (VÁSQUEZ, 1996).<br />

Para complementar essa breve retrospectiva histórica, OLIVEIRA (1995)<br />

também contribui com alguns dados. Para esse autor, a expressão “clima”, para<br />

<strong>de</strong>signar a “atmosfera” ou o “ambiente interno” da empresa, é relativamente nova,<br />

mas sua idéia fundamental é mais antiga, pois, ao longo das várias décadas no<br />

<strong>de</strong>correr do século XX, as teorias e práticas gerenciais foram se transformando<br />

pelas contribuições <strong>de</strong> muitos estudiosos do tema, sendo que a noção <strong>de</strong> clima<br />

interno, mesmo sem ser assim <strong>de</strong>signada, foi também se modificando e se requintando,<br />

associada a vários movimentos representativos <strong>de</strong> escolas <strong>de</strong> gerência que<br />

dão ênfase aos aspectos humanos na organização.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 94<br />

OLIVEIRA (1995) refere-se ao clima organizacional como “clima interno”<br />

e afirma que essa idéia já estava embutida na proposta da Escola das Relações<br />

Humanas, na década <strong>de</strong> 1930. Segundo ele, provavelmente, o experimento <strong>de</strong><br />

Hawthorne foi a primeira ocasião em que o clima interno tenha sido estudado.<br />

Depois disso, <strong>de</strong> quando em quando, ele reaparecia nas décadas posteriores, <strong>de</strong><br />

1950 e 1960, aliado a dois movimentos significativos <strong>de</strong> teorias gerenciais: um<br />

<strong>de</strong>les, marcado pelos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> gerência <strong>de</strong>senvolvidos por teóricos como<br />

MacGregor, Likert, Argyris, Reddin, e posteriormente por Hersey e Blanchard; e<br />

um outro movimento, em que surgem os estudos <strong>de</strong>nominados <strong>de</strong> “laboratórios <strong>de</strong><br />

comportamento” ou “<strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong>”, e outros, chamados <strong>de</strong> “<strong>de</strong>senvolvimento<br />

organizacional”, <strong>de</strong>senvolvidos a partir das propostas iniciais <strong>de</strong> Kurt Lewin, Bennis<br />

e Beckhard. Os teóricos que implantaram a idéia da gra<strong>de</strong> gerencial, Blake e<br />

Mouton, estavam ligados a ambos os movimentos, fazendo a ponte entre os dois<br />

grupos <strong>de</strong> estudiosos. Nessa época, ainda não se falava em “clima nas organizações”,<br />

mas já havia uma constante preocupação com ele.<br />

Conforme OLIVEIRA (1995), a partir <strong>de</strong>sses movimentos nas teorias<br />

organizacionais, surgiram outros novos e rápidos movimentos, que se misturaram<br />

uns aos outros, e têm se mantido <strong>de</strong>ssa forma. Em outros <strong>de</strong>sdobramentos, o clima<br />

interno passou a ser um gran<strong>de</strong> objeto <strong>de</strong> estudo das teses <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida no<br />

trabalho, círculos <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, programas <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> total, e, mais recentemente,<br />

da cultura corporativa. A partir <strong>de</strong> então, o clima interno das organizações<br />

já não po<strong>de</strong> mais ser ignorado.<br />

Mariz <strong>de</strong> OLIVEIRA (1996) também aponta alguns dados históricos sobre a<br />

questão do clima organizacional. Para ele, o surgimento <strong>de</strong> novas teorias<br />

organizacionais, consi<strong>de</strong>radas em um contínuo evolutivo e aliadas à psicologia<br />

social, tem fornecido subsídios para a análise e a adaptação do homem ao seu<br />

campo organizacional. Nos anos 1960 e, mais acentuadamente, na década <strong>de</strong> 1970,<br />

surgiu, com a Teoria dos Sistemas, a preocupação com mo<strong>de</strong>los abertos <strong>de</strong> organização.<br />

Para os teóricos sistêmicos, a organização é vista em razão <strong>de</strong> comportamentos<br />

inter-relacionados, havendo uma tendência para atribuir maior <strong>de</strong>staque<br />

aos papéis exercidos pelos indivíduos.<br />

Conforme esse autor, é nessa conjuntura que surgiu, na literatura das teorias<br />

sobre as organizações, o conceito <strong>de</strong> “clima organizacional”, abrindo uma nova<br />

dimensão na busca <strong>de</strong> explicações para o <strong>de</strong>sempenho humano nas organizações.<br />

A partir <strong>de</strong>ssa constatação por parte <strong>de</strong> diferentes pesquisadores do assunto, surgem<br />

os estudos sobre as relações existentes entre o clima organizacional e outros<br />

aspectos significativos da vida das organizações, tais como: motivação, satisfação<br />

no trabalho, li<strong>de</strong>rança, produtivida<strong>de</strong>, rotativida<strong>de</strong>, moral, estresse, <strong>de</strong>sempenho.<br />

Assim, o clima organizacional passou a ser consi<strong>de</strong>rado uma variável importante


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 95<br />

a ser estudada por todos quantos se interessam pela busca <strong>de</strong> explicações para o<br />

<strong>de</strong>sempenho humano nas organizações.<br />

OBJETIVO<br />

O objetivo do presente artigo é realizar uma análise crítica teórica da evolução<br />

do conceito <strong>de</strong> clima organizacional, tomando como referência autores que<br />

trouxeram contribuição para a evolução do conceito nas teorias organizacionais.<br />

PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS<br />

Apresentação <strong>de</strong> uma análise <strong>de</strong>scritiva da evolução do conceito <strong>de</strong> clima<br />

organizacional que não se limite a ficar na <strong>de</strong>scrição, mas que esteja comprometida<br />

com um exercício hermenêutico crítico sobre o tema.<br />

A evolução dos conceitos e estudos científicos sobre clima organizacional<br />

As pesquisas iniciais <strong>de</strong> caráter científico sobre o clima organizacional se <strong>de</strong>senvolveram<br />

nos Estados Unidos da América, sendo que foram evoluindo à medida que<br />

evoluíam as teorias organizacionais. De acordo com alguns estudiosos do assunto,<br />

que reviram os aspectos históricos e a evolução do conceito <strong>de</strong> clima organizacional<br />

(EKVALL, 1985; VÁZQUEZ, 1996; Mariz <strong>de</strong> OLIVEIRA, 1996), os conceitos apresentados<br />

na literatura científica po<strong>de</strong>m ser divididos em três abordagens distintas:<br />

primeira abordagem - os conceitos enfatizam somente os atributos organizacionais;<br />

segunda abordagem - os conceitos dão <strong>de</strong>staque aos atributos organizacionais e à<br />

percepção dos membros da organização; terceira abordagem - os conceitos passam a<br />

dar ênfase aos atributos individuais e à percepção dos indivíduos.<br />

Segundo Mariz <strong>de</strong> OLIVEIRA (1996), a primeira utilização do conceito <strong>de</strong><br />

clima organizacional tem sido atribuída a Halpin e Croft, que a apresentam em<br />

1963, em um estudo sobre o referido tema. Porém, o termo foi usado, pela primeira<br />

vez, por F. G. Cornell, em um artigo publicado em março <strong>de</strong> 1955, intitulado<br />

“Administração socialmente perceptiva”, no qual o conceito apresentado mais<br />

parece pertencer à segunda abordagem. O clima organizacional foi <strong>de</strong>finido então<br />

como “[...] uma complexa combinação <strong>de</strong> interpretações (ou percepções, como<br />

preferem os psicólogos) das pessoas sobre seus trabalhos ou papéis na organização,<br />

suas interações com as outras pessoas, e suas interpretações dos papéis das<br />

outras pessoas na organização” (Cornell, apud Mariz <strong>de</strong> OLIVIERA, 1996, p.16).


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 96<br />

Já VÁZQUEZ (1996) afirma que o primeiro conceito formal sobre clima<br />

organizacional, <strong>de</strong>vido à sua importância histórica, pertence aos autores Katz e<br />

Kahn, formulado em 1966, com a predominância <strong>de</strong> atributos organizacionais,<br />

<strong>de</strong>sta forma:<br />

“O clima organizacional é o resultante <strong>de</strong> um número <strong>de</strong> fatores<br />

que se refletem na ‘cultura total’ da organização e se refere<br />

à organização como globalida<strong>de</strong>. O clima organizacional po<strong>de</strong><br />

enten<strong>de</strong>r-se como o sistema predominante <strong>de</strong> valores <strong>de</strong> uma<br />

organização, mediante o qual os investigadores preten<strong>de</strong>m<br />

chegar à i<strong>de</strong>ntificação do mesmo e conseguir que, combinando<br />

os climas com as características pessoais dos indivíduos, a<br />

organização seja mais efetiva.” (Katz e Kahn, apud VAZQUEZ,<br />

1966, p.41).<br />

Primeira Abordagem: Conceitos com predomínio dos atributos<br />

organizacionais<br />

Na primeira abordagem <strong>de</strong> formulação <strong>de</strong> conceitos <strong>de</strong> clima organizacional,<br />

segundo Mariz <strong>de</strong> OLIVEIRA (1996) e EKVALL (1985), segundo os quais se<br />

privilegiam os atributos organizacionais, a forma <strong>de</strong> mensuração é múltipla e se<br />

consi<strong>de</strong>ra o clima organizacional como um conjunto <strong>de</strong> atributos organizacionais<br />

ou proprieda<strong>de</strong>s mensuráveis através <strong>de</strong> vários métodos. As variáveis que constituem<br />

o clima organizacional nessa abordagem são compostas dos seguintes aspectos:<br />

tamanho da organização, estrutura, níveis da autorida<strong>de</strong>, complexida<strong>de</strong> do<br />

sistema, e assim por diante. Os estudiosos representantes <strong>de</strong>ssa abordagem são<br />

EVAN (1953), LAWRENCE e LORSH (1957), PRIEN e ROMAN (1971) e PUGH<br />

et al. (1969). Um conceito <strong>de</strong> clima representativo <strong>de</strong>ssa linha <strong>de</strong> pensamento é<br />

apresentado em 1964, por Forehand e Gilmer: “O clima organizacional é um conjunto<br />

<strong>de</strong> características que <strong>de</strong>screvem uma organização, as quais: a) distinguem<br />

uma organização <strong>de</strong> outras organizações; b) são relativamente duradouras no tempo;<br />

e c) influenciam o comportamento das pessoas na organização.” (Forehand e<br />

Gilmer, apud EKVALL, 1985, p.97 ; VÁZQUEZ, 1996, p.41; Mariz <strong>de</strong> OLIVEI-<br />

RA, 1996, p.19).<br />

Tagiuri, em 1968, afirma que os elementos psicológicos do conceito <strong>de</strong><br />

Forehand e Gilmer estariam em consonância com os que caracterizam a visão <strong>de</strong><br />

clima como uma característica do ambiente total, e apresenta a sua <strong>de</strong>finição: “O<br />

clima é uma qualida<strong>de</strong> relativamente duradoura do ambiente total que: a) é


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 97<br />

experenciada por seus ocupantes; b) influi em seu comportamento; c) po<strong>de</strong> ser<br />

<strong>de</strong>scrita em termos <strong>de</strong> valores <strong>de</strong> um conjunto particular <strong>de</strong> características (ou<br />

atributos) da organização.” (Tagiuri, apud VÁZQUEZ, 1996, p.42; Mariz <strong>de</strong> OLI-<br />

VEIRA, 1996, p.19; SANTOS, 2000, p.39).<br />

O conceito <strong>de</strong> clima organizacional <strong>de</strong> Katz e Kahn, anos mais tar<strong>de</strong>, continua<br />

sendo apresentado pelos autores com predominância <strong>de</strong> fatores organizacionais,<br />

da seguinte forma:<br />

“Toda organização cria sua própria cultura ou clima, com seus<br />

próprios tabus, costumes e usanças. O clima ou cultura do sistema<br />

reflete tanto as normas e valores do sistema formal como<br />

sua reinterpretação no sistema informal. O clima organizacional<br />

também reflete a história das porfias internas e externas, dos<br />

tipos <strong>de</strong> pessoas que a organização atrai, <strong>de</strong> seus processos <strong>de</strong><br />

trabalho e ‘leiaute’ físico, das modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicação e<br />

do exercício da autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do sistema.” (KATZ e<br />

KAHN, 1976, p. 85).<br />

Esses conceitos concebem o clima como uma realida<strong>de</strong> organizacional, <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> uma clara tradição que consi<strong>de</strong>ra o clima um atributo organizacional com<br />

existência in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte das percepções dos indivíduos. Essa abordagem prevaleceu<br />

nos conceitos e estudos <strong>de</strong> clima organizacional durante os anos 1980 até a<br />

década <strong>de</strong> 1990.<br />

Um conceito também consi<strong>de</strong>rado por VÁZQUEZ (1996), pertencente à<br />

primeira abordagem, é o que se refere ao clima organizacional como:<br />

“O ambiente humano <strong>de</strong>ntro do qual realizam o seu trabalho<br />

os empregados <strong>de</strong> uma companhia. Este se refere ao ambiente<br />

<strong>de</strong> um <strong>de</strong>partamento, uma unida<strong>de</strong> importante da companhia,<br />

como por exemplo, uma sucursal, ou da organização completa.<br />

O clima não se vê nem se toca, mas tem uma existência<br />

real. Da mesma forma que o ar <strong>de</strong> uma casa, ro<strong>de</strong>ia e afeta<br />

tudo que ocorre <strong>de</strong>ntro da organização. Por sua vez, o clima se<br />

vê afetado por quase tudo que ocorre <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la, como impressões<br />

digitais ou flocos <strong>de</strong> neve, as organizações pelos seus<br />

métodos <strong>de</strong> ação em sua totalida<strong>de</strong>, constituem o seu clima.”<br />

(Davis, apud Mariz <strong>de</strong> OLIVEIRA, 1996, p.23).


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 98<br />

Segunda Abordagem: Conceitos com predomínio dos atributos<br />

organizacionais com mensuração da percepção dos indivíduos<br />

A segunda abordagem <strong>de</strong> conceitos <strong>de</strong> clima organizacional, com enfoque<br />

em atributos organizacionais, passa a estudar o clima, consi<strong>de</strong>rando-o e avaliando-o<br />

através <strong>de</strong> recursos perceptuais dos membros organizacionais. Os estudos<br />

representativos <strong>de</strong>ssa linha são <strong>de</strong> LITWIN e STRINGER (1968), LIWTIN (1971)<br />

e PRITCHARD e KARASICH (1973). Entre esses autores, um dos conceitos mais<br />

referenciados na literatura é: “Um conjunto <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s mensuráveis do ambiente<br />

<strong>de</strong> trabalho, percebido direta ou indiretamente pelas pessoas que vivem e<br />

trabalham neste ambiente, e que influencia a motivação e o comportamento <strong>de</strong>ssas<br />

pessoas” (Liwtin e Stringer, apud Mariz <strong>de</strong> OLIVIERA, 1996, p.20).<br />

Nessa mesma perspectiva, o conceito <strong>de</strong> clima apresentado somente por<br />

LITWIN (1971) é o seguinte: “Clima organizacional é a qualida<strong>de</strong> ou proprieda<strong>de</strong><br />

do meio ambiente organizacional que: a) é percebida ou experimentada pelos<br />

membros da organização; e b) influencia o seu comportamento;” (LITWIN, 1971,<br />

p.111).<br />

O conceito <strong>de</strong> Pritchard e Karasich se refere ao clima como uma qualida<strong>de</strong><br />

relativamente permanente, pressupondo que clima organizacional:<br />

“[...] é a qualida<strong>de</strong> relativamente permanente do ambiente interno<br />

<strong>de</strong> uma organização, que distingue uma organização da<br />

outra: a) é resultante do comportamento e política dos membros<br />

da organização, especialmente da alta administração; b) é<br />

percebido pelos membros da organização; c) serve como base<br />

para interpretar a situação; d) atua como fonte <strong>de</strong> pressão para<br />

direcionar a ativida<strong>de</strong>.” (Pritchard e Karasich, apud Mariz <strong>de</strong><br />

OLIVEIRA, 1996, p.20; SANTOS, 1999, p.29; SANTOS,<br />

2000, p.39-40).<br />

Ainda no âmbito dos conceitos da segunda abordagem, segundo Mariz <strong>de</strong><br />

OLIVEIRA (1996), encontra-se o conceito apresentado em 1970 por Campbell et<br />

al., segundo o qual o clima organizacional é visto <strong>de</strong> forma peculiar por esses<br />

autores, pois, enquanto outros pesquisadores afirmam seemr os elementos críticos<br />

do clima organizacional as percepções individuais sobre a organização, esses<br />

teóricos os apontam como sendo uma variável situacional ou organizacional <strong>de</strong><br />

efeito principal, afirmando que o clima organizacional é:


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 99<br />

“[...] um conjunto <strong>de</strong> atributos específicos <strong>de</strong> uma organização<br />

particular que po<strong>de</strong> ser influenciado pelo modo como a<br />

organização se relaciona com seus membros e seu ambiente.<br />

Para cada membro, em particular, <strong>de</strong>ntro da organização, o<br />

clima toma a forma <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s e expectativas<br />

que <strong>de</strong>screvem a organização em termos, tanto <strong>de</strong> características<br />

estáticas (tal como o grau <strong>de</strong> autonomia), como <strong>de</strong> variáveis<br />

comportamentais <strong>de</strong> resultado ou eventos <strong>de</strong> saída.”<br />

(Campbell et al., apud EKVALL, 1985, p.97; VAZQUÉZ, 1996,<br />

p.43; Mariz <strong>de</strong> OLIVEIRA, 1996, p.20; SANTOS, 1999, p.29;<br />

SANTOS, 2000, p.40).<br />

Terceira Abordagem: Conceitos com predomínio <strong>de</strong> atributos individuais com<br />

mensuração baseada na percepção dos indivíduos<br />

Dentro da terceira abordagem <strong>de</strong> formulação <strong>de</strong> conceitos <strong>de</strong> clima<br />

organizacional, o enfoque mais voltado para atributos individuais envolve a<br />

mensuração perceptiva dos indivíduos. Dessa forma, vê-se o clima como um conjunto<br />

resultante das percepções individuais e das percepções globais manifestadas<br />

pelos indivíduos na organização, avaliadas através <strong>de</strong> recursos perceptuais.<br />

Os estudos que representam essa abordagem são dos seguintes autores: Schnei<strong>de</strong>r<br />

(1972, 1973), Schnei<strong>de</strong>r e Bartlett (1968) e Schnei<strong>de</strong>r e Hall (1972), conforme<br />

Mariz <strong>de</strong> OLIVEIRA (1996).<br />

De acordo com essa abordagem, os conceitos <strong>de</strong> clima envolvem os aspectos<br />

psicológicos das percepções e expressam uma nova visão sobre a organização.<br />

Pertencentes à terceira abordagem, se encontram conceitos dos estudiosos que se<br />

referem a aspectos cognitivos individuais e psicológicos presentes no clima<br />

organizacional. Os conceitos <strong>de</strong> clima organizacional passam a reunir, então, novas<br />

características:<br />

“[...] são representações cognitivas do indivíduo em relação a<br />

eventos e situações relativamente recentes, expressadas por<br />

ele, que refletem o significado psicológico e a significância da<br />

situação para o indivíduo, bem como as percepções que se<br />

criam, que são uma função <strong>de</strong> componentes históricos, a saber,<br />

esquemas cognitivos que refletem experiências<br />

idiossincráticas <strong>de</strong> aprendizagem.” (James e Sells, apud<br />

VÁZQUEZ, 1996, p.46).


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 100<br />

Em 1975, Schnei<strong>de</strong>r apresenta o seu conceito <strong>de</strong> clima com base na teoria<br />

cognitiva, e, a partir <strong>de</strong>le, os autores entram em controvérsia sobre a classificação<br />

do seu conceito. Mariz <strong>de</strong> OLIVEIRA (1996) o classifica como pertencente à<br />

segunda abordagem, àquela que privilegia os atributos organizacionais e utiliza<br />

medidas perceptuais. Porém, para EKVALL (1985), o conceito <strong>de</strong> Schnei<strong>de</strong>r po<strong>de</strong><br />

ser enquadrado na linha <strong>de</strong> pensamento da terceira abordagem, a qual dá ênfase<br />

aos atributos individuais e on<strong>de</strong> a mensuração é realizada <strong>de</strong> acordo com a percepção<br />

individual e grupal. Esse conceito é apresentado assim:<br />

“As percepções <strong>de</strong> clima são <strong>de</strong>scrições molares psicologicamente<br />

significativas que as pessoas po<strong>de</strong>m admitir para caracterizar<br />

as práticas e os processos <strong>de</strong> um sistema. Por suas práticas<br />

e processos um sistema po<strong>de</strong> criar muitos climas. As pessoas<br />

percebem os climas porque as percepções molares atuam<br />

como quadros <strong>de</strong> referência para a obtenção <strong>de</strong> alguma<br />

congruência entre o comportamento e as práticas e processos<br />

do sistema. Contudo, se o clima recompensa e sustenta a exibição<br />

das diferenças individuais, as pessoas em um mesmo<br />

sistema não irão se comportar igualmente. Além disso, porque<br />

a satisfação é uma avaliação pessoal do sistema, as pessoas no<br />

sistema ten<strong>de</strong>rão a admitir menos sobre sua satisfação do que<br />

sobre suas <strong>de</strong>scrições do clima do sistema.” (Schnei<strong>de</strong>r, apud<br />

Mariz <strong>de</strong> OLIVEIRA, 1996, p.20-21).<br />

A partir da terceira abordagem, os conceitos <strong>de</strong> clima organizacional passam<br />

a ser apresentados com a inclusão das percepções individuais e dos subgrupos<br />

sobre a situação organizacional, segundo as quais o indivíduo, isoladamente,<br />

interpreta os acontecimentos para compreendê-los, sendo que a soma dos<br />

dados revela a percepção grupal dos membros organizacionais como um todo.<br />

O conceito apresentado por Kolb et al. é consi<strong>de</strong>rado por Mariz <strong>de</strong> OLI-<br />

VEIRA (1996) como pertencente a essa terceira abordagem, isto é, à categoria<br />

dos conceitos com enfoque em atributos individuais, originado dos estudos dos<br />

pesquisadores Litwin e Stringer, cujos conceitos <strong>de</strong> clima foram classificados como<br />

pertencentes à segunda abordagem. Nessa perspectiva, os autores apresentam o<br />

clima organizacional como sendo: “As interações dos padrões <strong>de</strong> motivos dos<br />

membros <strong>de</strong> uma organização, combinam-se com os estilos <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança das pessoas-chave<br />

da organização, com suas normas e seus valores e com a estrutura da<br />

organização para criar o clima psicológico da mesma.” (KOLB et al., 1978, p.76).


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 101<br />

Para esses últimos autores, é importante que os administradores compreendam<br />

o conceito <strong>de</strong> clima organizacional, porque é através <strong>de</strong> sua criação que se<br />

po<strong>de</strong> manejar a motivação <strong>de</strong> seus empregados. A eficiência da organização po<strong>de</strong><br />

ser aumentada por meio da criação <strong>de</strong> um clima organizacional que satisfaça às<br />

necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> seus membros e, ao mesmo tempo, canalize esse comportamento<br />

motivado, na direção dos objetivos organizacionais. Na opinião <strong>de</strong> Kolb et al.,<br />

porém, a motivação não é o único enfoque que po<strong>de</strong> nortear o clima <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma<br />

organização:<br />

“Embora uma compreensão da motivação humana seja valiosa<br />

para o administrador em ativida<strong>de</strong>, vimos que a motivação<br />

não é o único <strong>de</strong>terminante do comportamento. [...] Pelo seu<br />

comportamento, pelas políticas, pelos procedimentos, pelos<br />

sistemas <strong>de</strong> recompensa e pelas estruturas que eles criam, os<br />

administradores po<strong>de</strong>m influenciar significativamente o clima<br />

motivacional <strong>de</strong> uma organização.” (KOLB et al., 1978,<br />

p.82).<br />

Esses mesmos autores afirmam que, ao escolher um sistema administrativo<br />

e uma estrutura organizacional, uma organização <strong>de</strong>ve consi<strong>de</strong>rar a interação entre<br />

as seguintes variáveis:<br />

a) as pessoas na organização, suas capacida<strong>de</strong>s e seus motivos;<br />

b) as tarefas organizacionais e os tipos <strong>de</strong> comportamentos<br />

necessários para a realização mais eficiente <strong>de</strong>ssas tarefas;<br />

c) o ambiente externo à organização e as exigências que ele<br />

faz à organização, em termos <strong>de</strong> criativida<strong>de</strong>, flexibilida<strong>de</strong>,<br />

qualida<strong>de</strong>, etc.;<br />

d) o clima organizacional, enquanto <strong>de</strong>terminado pelos estilos<br />

<strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança da administração da organização.<br />

Para KOLB et al. (1978), o objetivo do planejamento organizacional é combinar<br />

as pessoas com as tarefas que requeiram e inspirem seus motivos e habilida<strong>de</strong>s<br />

e planejar tarefas referentes às exigências e oportunida<strong>de</strong>s ambientais. A variável<br />

mais maleável das quatro é o clima organizacional, por servir como um instrumento<br />

administrativo efetivo para integrar a motivação individual com os objetivos<br />

e tarefas da organização.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 102<br />

“A eficiência da organização po<strong>de</strong> ser aumentada através da<br />

criação <strong>de</strong> um clima organizacional que satisfaça às necessida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> seus membros e, ao mesmo tempo, canalize esse comportamento<br />

motivado na direção dos objetivos<br />

organizacionais.” (KOLB et al., 1978, p.76).<br />

James e Jones (apud EKVALL, 1985) enfatizam em 1974 uma distinção<br />

teórica relevante: clima como atributo organizacional seria <strong>de</strong>signado como “clima<br />

organizacional”, e se utilizaria o termo “clima psicológico” nos estudos em<br />

que as <strong>de</strong>scrições individuais são reconhecidas e usadas como unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> análise,<br />

como característica individual. Dessa forma, foram ficando mais claros os<br />

conteúdos e as posições dos investigadores, sendo que alguns chegaram <strong>de</strong>nominar<br />

esta distinção <strong>de</strong> “discrepância climática”.<br />

“Em outras palavras, o que se estuda é a diferença entre o<br />

clima psicológico <strong>de</strong> cada indivíduo e o clima organizacional<br />

como um todo, e o efeito <strong>de</strong>sta diferença sobre as atitu<strong>de</strong>s,<br />

sentimentos e comportamentos individuais na organização. Esta<br />

discrepância na percepção do clima afeta a satisfação e a execução<br />

no trabalho.” (EKVALL, 1985, p.99).<br />

Sobretudo, em virtu<strong>de</strong> dos diversos conceitos <strong>de</strong> diferentes autores <strong>de</strong>scritos<br />

como pertencentes às três abordagens contextualizadas historicamente, que estudam<br />

o clima nas organizações, na opinião <strong>de</strong> Mariz <strong>de</strong> oliveira (1996), o conceito<br />

<strong>de</strong> clima organizacional permanece in<strong>de</strong>finido. Segundo ele, os resultados da investigação<br />

que realizou sobre a evolução dos conceitos são contraditórios, e não<br />

existe total concordância quanto à conceituação do constructo, seus <strong>de</strong>terminantes<br />

ou sua significação.<br />

Conceitos <strong>de</strong> Clima Organizacional segundo Pesquisadores Brasileiros<br />

Os conceitos <strong>de</strong> clima organizacional encontrados na literatura publicada por<br />

autores nacionais são muitos e contêm variáveis distintas associadas ao clima, e que<br />

recebem ênfases que seguem as mesmas tendências dos conceitos postulados pelos<br />

autores internacionais. Os primeiros conceitos que surgiram em nosso país dão predominância<br />

aos atributos organizacionais, especialmente à cultura organizacional,<br />

enquanto os posteriores enfatizam os atributos individuais e <strong>de</strong> grupos, ao consi<strong>de</strong>-


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 103<br />

rarem aspectos como: a satisfação no trabalho, os relacionamentos interpessoais no<br />

trabalho, a saú<strong>de</strong> ocupacional e a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida no trabalho.<br />

SOUZA (1978) é a autora brasileira consi<strong>de</strong>rada como pesquisadora pioneira<br />

nos estudos científicos <strong>de</strong> clima organizacional em nossas organizações, iniciados<br />

em meados dos anos 1970, e foi uma das que mais investigou esse tema no<br />

país até o momento. SOUZA (1980) afirma que o interesse pelo estudo <strong>de</strong> clima<br />

organizacional tomou feição científica na década <strong>de</strong> 1970. Antes disso, as referências<br />

eram <strong>de</strong> caráter geral e, muitas vezes, implícitas. Para essa pesquisadora,<br />

o clima organizacional é um fenômeno resultante <strong>de</strong> elementos da cultura<br />

organizacional, e possui três elementos: tecnologia, pressão das normas e aceitação<br />

dos afetos. Ela apresenta o seu conceito <strong>de</strong> clima organizacional com esses<br />

componentes da seguinte forma:<br />

“Clima organizacional é um fenômeno resultante da interação<br />

dos elementos da cultura. É uma <strong>de</strong>corrência do peso <strong>de</strong> cada<br />

um dos elementos culturais e seu efeito sobre os outros dois.<br />

A excessiva importância dada à tecnologia leva a um clima<br />

<strong>de</strong>sumano; a pressão das normas cria tensão; a aceitação dos<br />

afetos, sem <strong>de</strong>scuidar os preceitos e o trabalho, leva a climas<br />

<strong>de</strong> tranqüilida<strong>de</strong>, confiança, etc. E, como cada um dos três elementos<br />

culturais é formado por diversos componentes, são<br />

inúmeras as combinações possíveis entre eles, criando-se climas<br />

<strong>de</strong> maior ou menor rigi<strong>de</strong>z, realização ou emocionalida<strong>de</strong>.<br />

O clima é uma resultante das variáveis culturais. Quando estas<br />

são alteradas, ocasionam alterações no clima. Curiosamente,<br />

o clima é mais perceptível do que as suas fontes causais. É<br />

comparável a um perfume: percebe-se o efeito, sem conhecer<br />

os ingredientes, embora às vezes seja possível i<strong>de</strong>ntificar alguns<br />

<strong>de</strong>les.” (SOUZA, 1978, p.37-38).<br />

Na opinião <strong>de</strong>ssa autora, popularmente, o termo “clima” é usado sem dificulda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> compreensão, do ponto <strong>de</strong> vista científico; no entanto, sua <strong>de</strong>finição é<br />

mais difícil, e os autores divergem em sua conceituação. O conceito <strong>de</strong> clima<br />

proposto por ela é bastante referenciado na literatura nacional, sendo apresentado<br />

na maioria dos estudos nacionais a respeito do tema “clima organizacional”.<br />

Quanto à importância do estudo <strong>de</strong> clima nas organizações, essa autora afirma<br />

também que: “Estudos <strong>de</strong> clima organizacional são particularmente úteis, porque<br />

fornecem um diagnóstico geral da empresa, bem como indicações <strong>de</strong> áreas


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 104<br />

carentes <strong>de</strong> uma atenção especial. Não basta ‘sentir’ que o clima está mau, é preciso<br />

i<strong>de</strong>ntificar on<strong>de</strong>, porque e como agir para melhorá-lo” (SOUZA, 1982, p.14).<br />

Para SOUZA (1978), as variáveis que interferem no comportamento humano<br />

são múltiplas, difíceis <strong>de</strong> medir e, além disso, mutantes, sendo que, no entanto, o<br />

administrador não po<strong>de</strong> ignorá-las, já que estão presentes no processo empresarial.<br />

De acordo com GUTIERREZ (1988), evi<strong>de</strong>nciam-se as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

enten<strong>de</strong>r como as pessoas componentes <strong>de</strong> qualquer organização percebem as<br />

múltiplas mudanças que ocorrem, tanto no nível <strong>de</strong> ambiente externo como no<br />

interior da própria organização, e como reagem a elas. Para tanto, <strong>de</strong>stacam-se,<br />

como um importante auxílio para o manejo e a administração, os estudos que vêm<br />

sendo realizados sobre o clima organizacional.<br />

Na opinião <strong>de</strong> RICHTER (1982), uma das formas pouco difundidas entre<br />

nós, mas que traz muitas contribuições para o conhecimento e o manejo do funcionamento<br />

das organizações, é o estudo do clima organizacional, o qual, apesar da<br />

relevância do assunto, só passou a ser tratado cientificamente a partir da década<br />

<strong>de</strong> 1970, totalizando, hoje ainda, um pequeno número <strong>de</strong> pesquisas.<br />

Conforme XAVIER (1984), enten<strong>de</strong>-se por clima o fenômeno resultante da<br />

integração entre as personalida<strong>de</strong>s individuais e as exigências funcionais peculiares<br />

que ocorrem na organização. Daí por que afirmar que o clima organizacional é<br />

o reflexo característico que distingue uma organização <strong>de</strong> outras, consi<strong>de</strong>radas<br />

não somente quanto às suas estruturas físicas, mas também quanto às suas atitu<strong>de</strong>s<br />

e aos tipos <strong>de</strong> comportamentos que elas provocam no homem que trabalha<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>las.<br />

OLIVEIRA (1995) refere-se ao clima organizacional como clima interno.<br />

Segundo esse autor, tal clima jamais é algo claramente <strong>de</strong>finido. Ao contrário, é<br />

difuso, incorpóreo como uma espécie <strong>de</strong> fantasma, que se manifesta no dia-a-dia<br />

das organizações, em uma confusa trama <strong>de</strong> ações, reações e sentimentos jamais<br />

explicitados. Para esse autor, <strong>de</strong>vido à diversida<strong>de</strong> interpessoal e<br />

inter<strong>de</strong>partamental, existem vários climas internos manifestando-se<br />

concomitantemente na organização. A realização <strong>de</strong> pesquisas junto aos funcionários,<br />

no intuito <strong>de</strong> avaliar seu perfil socioeconômico e seu grau <strong>de</strong> motivação,<br />

satisfação e integração, po<strong>de</strong> trazer subsídios para a análise das diferenças<br />

subculturais.<br />

“Clima interno é o estado em que se encontra a empresa ou<br />

parte <strong>de</strong>la em dado momento, estado momentâneo e passível<br />

<strong>de</strong> alteração, mesmo em curto espaço <strong>de</strong> tempo, em razão <strong>de</strong><br />

novas influências surgidas, e que <strong>de</strong>corre das <strong>de</strong>cisões e ações


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 105<br />

pretendidas pela empresa, postas em prática ou não, e/ou das<br />

reações dos empregados a essas ações ou à perspectiva <strong>de</strong>las.<br />

Esse estado interno po<strong>de</strong> ter sido influenciado por <strong>de</strong>sdobramentos<br />

em novos acontecimentos, <strong>de</strong>cisões e ações internas.<br />

Esse estado po<strong>de</strong> ser levantado e compreendido em suas causas,<br />

manifestações e efeitos, por meio <strong>de</strong> técnicas apropriadas<br />

<strong>de</strong> pesquisa. Sua <strong>de</strong>scrição inclui a menção a <strong>de</strong>cisões, opiniões,<br />

atitu<strong>de</strong>s e/ou comportamentos dos empregados. Estes po<strong>de</strong>m<br />

ser vistos como um agregado <strong>de</strong> indivíduos que se comportam<br />

em unida<strong>de</strong> entre si, como coletivida<strong>de</strong> dotada <strong>de</strong> padrões<br />

culturais e/ou <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo interesses próprios.” (OLI-<br />

VEIRA, 1995, p.47).<br />

Segundo RESENDE e BENAITER (1997), o tema “clima organizacional”<br />

tem sido objeto <strong>de</strong> estudos por parte <strong>de</strong> especialistas da psicologia organizacional<br />

e da administração, por tratar-se <strong>de</strong> um fenômeno comportamental cujo entendimento<br />

tem <strong>de</strong>safiado os estudiosos. Nos últimos tempos, tem aumentado o interesse<br />

pelo assunto em virtu<strong>de</strong> da crescente tomada <strong>de</strong> consciência da sua relação<br />

com o <strong>de</strong>sempenho e os resultados das organizações.<br />

Segundo RESENDE e BENAITER (1997, p.52), o clima organizacional<br />

expressa “A situação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado momento da empresa que reflete a<br />

satisfação, o ânimo, os interesses, comportamentos e comprometimentos dos<br />

empregados, e os reflexos positivos ou negativos disso nos resultados<br />

organizacionais.”<br />

O enfoque que Resen<strong>de</strong> e Benaiter preten<strong>de</strong>m dar ao clima organizacional<br />

leva em conta as variáveis humanas, sociais, comportamentais e organizacionais<br />

que afetam os resultados das empresas, o que os leva a <strong>de</strong>finir o clima organizacional<br />

como “A percepção que a coletivida<strong>de</strong> dos empregados tem da organização, em<br />

virtu<strong>de</strong> da experimentação do conjunto <strong>de</strong> seus valores, crenças, atitu<strong>de</strong>s, relacionamentos<br />

(interno/externo), manifestações <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, estrutura, processos e<br />

políticas, e da forma pela qual eles reagem a este contexto” (RESENDE e<br />

BENAITER, 1997, p.52).<br />

Esses autores afirmam que o clima reflete, tanto a história como as circunstâncias<br />

das organizações, que, por sua vez, influenciam o comportamento das<br />

pessoas que nelas trabalham. O clima também po<strong>de</strong> ser influenciado por fatores<br />

externos, quando estes afetam direta ou indiretamente as pessoas. São exemplos<br />

<strong>de</strong>ssa influência situações tais, como: custo <strong>de</strong> vida elevado, instabilida<strong>de</strong> econômica<br />

e <strong>de</strong> negócios, crises sociais, etc.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 106<br />

Para SROUR (1998), o clima organizacional não apanha os modos<br />

institucionalizados <strong>de</strong> agir e pensar.<br />

“Seu eixo consiste em capturar a ‘temperatura social’ que prevalece<br />

na organização em um instante bem preciso.<br />

Correspon<strong>de</strong> a um corte sincrônico ou a um flagrante fotográfico,<br />

con<strong>de</strong>nsa a somatória <strong>de</strong> opiniões e <strong>de</strong> percepções conscientes<br />

dos membros, traduz as tensões e os anseios do pessoal<br />

— o ‘moral da tropa’, o ânimo presente. O clima<br />

organizacional mapeia o ambiente interno que varia segundo a<br />

motivação dos agentes, apreen<strong>de</strong> suas reações imediatas, suas<br />

satisfações e suas insatisfações pessoais; <strong>de</strong>senha um retrato<br />

dos problemas que a situação do trabalho, a i<strong>de</strong>ntificação com<br />

a organização e a perspectiva <strong>de</strong> carreira eventualmente provocam;<br />

e, por fim, expressa a distribuição estatística das atitu<strong>de</strong>s<br />

coletivas ou da atmosfera social existente como metáfora<br />

<strong>de</strong> um momento <strong>de</strong>terminado. Depen<strong>de</strong>ndo do estado <strong>de</strong> ânimo<br />

que predomina em cada subunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma organização,<br />

vários microclimas po<strong>de</strong>m coexistir. [...] Por ser subjetivo, o<br />

clima não representa as regularida<strong>de</strong>s simbólicas da<br />

coletivida<strong>de</strong>, indica apenas uma ‘pulsação’ da cultura<br />

organizacional, um flash <strong>de</strong> sua conjuntura.” (SROUR, 1998,<br />

p.176).<br />

Esse mesmo autor ressalta que não são intercambiáveis os conceitos <strong>de</strong> cultura<br />

organizacional e <strong>de</strong> clima organizacional e compara ambos os conceitos. No<br />

enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong>le, não se po<strong>de</strong>, então, confundir uma <strong>de</strong>scrição instantânea dos malestares<br />

ou do nível <strong>de</strong> satisfação dos indivíduos com os padrões culturais da organização,<br />

com suas práticas recorrentes ao longo do tempo. Em contraposição, as<br />

culturas organizacionais constituem sistemas <strong>de</strong> referências simbólicas e moldam<br />

as ações <strong>de</strong> seus membros segundo um certo figurino. Ao servir <strong>de</strong> elo entre o<br />

presente e o passado, contribuem para a permanência e a coesão da organização.<br />

E, diante das exigências que o ambiente externo provoca, diante das necessida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> integração interna que se renovam <strong>de</strong> maneira incansável, formam um conjunto<br />

<strong>de</strong> soluções relativas à sobrevivência, à manutenção e ao crescimento da organização.<br />

CODA (1992, 1997) evi<strong>de</strong>ncia a importância da percepção e do atendimento<br />

das necessida<strong>de</strong>s dos indivíduos, sujeitos <strong>de</strong> uma pesquisa <strong>de</strong> clima


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 107<br />

organizacional. Esse autor apresenta uma visão que parece mais próxima à terceira<br />

abordagem <strong>de</strong> conceitos, na qual enfatiza a questão da satisfação no trabalho,<br />

dando ênfase à percepção dos indivíduos. Para esse autor, o clima origina-se <strong>de</strong><br />

Klima e significa tendência, inclinação. Dessa forma, o<br />

“Clima Organizacional reflete, então, uma tendência ou inclinação<br />

a respeito <strong>de</strong> até que ponto as necessida<strong>de</strong>s da organização<br />

e das pessoas que <strong>de</strong>la fazem parte estariam efetivamente<br />

sendo atendidas, sendo esse aspecto um dos indicadores da<br />

eficácia organizacional. A Pesquisa <strong>de</strong> Clima Organizacional<br />

é o instrumento pelo qual é possível aten<strong>de</strong>r mais <strong>de</strong> perto às<br />

necessida<strong>de</strong>s da organização e do quadro <strong>de</strong> funcionários à<br />

sua disposição, à medida que caracteriza tendências <strong>de</strong> satisfação<br />

ou <strong>de</strong> insatisfação, tomando por base a consulta generalizada<br />

aos diferentes colaboradores da empresa. Caso surjam<br />

necessida<strong>de</strong>s críticas em termos <strong>de</strong> atendimento, um Programa<br />

<strong>de</strong> Ação po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>lineado para dar início a medidas que,<br />

nesse caso, apresentariam um cunho fortemente estratégico,<br />

por tentar consi<strong>de</strong>rar as variáveis comportamentais relevantes<br />

à situação.” (CODA, 1997, p.99).<br />

A pesquisa <strong>de</strong> clima organizacional, conforme CODA (1992, 1997),<br />

permite i<strong>de</strong>ntificar a maneira como cada um se sente em relação à empresa on<strong>de</strong><br />

trabalha. Para se tornar efetiva, tal pesquisa <strong>de</strong>ve resultar da <strong>de</strong>cisão política por<br />

parte da alta direção quanto a objetivos, itens a ser sondados, forma como será<br />

anunciada na empresa e, acima <strong>de</strong> tudo, como serão gerenciados os resultados.<br />

“É, em resumo, um Levantamento <strong>de</strong> Opiniões que caracteriza<br />

uma representação da realida<strong>de</strong> organizacional consciente,<br />

uma vez que objetiva retratar o que as pessoas acreditam estar<br />

acontecendo em <strong>de</strong>terminado momento na organização<br />

enfocada. Dessa forma, o papel <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> pesquisa é tornar<br />

claras as percepções dos funcionários sobre itens que, caso<br />

apresentem distorções in<strong>de</strong>sejáveis, po<strong>de</strong>m acabar afetando<br />

negativamente o nível <strong>de</strong> satisfação <strong>de</strong>stes funcionários na situação<br />

<strong>de</strong> trabalho.” (CODA, 1992, p.12).


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 108<br />

Para os pesquisadores Rizzatti e Colossi, clima organizacional abrange proprieda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> motivação humana. Eles formulam o seu conceito da seguinte forma:<br />

“O termo clima organizacional refere-se, especificamente, às<br />

proprieda<strong>de</strong>s motivacionais do ambiente organizacional, ou<br />

seja, àqueles aspectos que levam à provocação <strong>de</strong> diferentes<br />

espécies <strong>de</strong> motivação. Representa, portanto, uma soma <strong>de</strong><br />

expectativas geradas em uma situação e é um fenômeno <strong>de</strong><br />

grupo, resultante e característico <strong>de</strong> uma coletivida<strong>de</strong>. É um<br />

conceito que engloba, tanto os fatores humanos e materiais,<br />

como os abstratos, resultante do convívio humano<br />

institucional.” (RIZZATTI e COLOSSI, 1998, p.78).<br />

Segundo esses mesmos autores, o clima organizacional passou a ser<br />

consi<strong>de</strong>rado uma variável potencialmente importante a ser estudada por todos<br />

aqueles que buscam explicações, objetivando uma maior qualida<strong>de</strong> em organizações,<br />

seja com o intuito <strong>de</strong> propiciar a melhoria contínua do <strong>de</strong>sempenho e uma<br />

maior satisfação no trabalho, seja visando a i<strong>de</strong>ntificação das características passíveis<br />

<strong>de</strong> aprimoramento constante.<br />

De acordo com os mesmos pesquisadores, uma forma melhor <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r<br />

o conceito <strong>de</strong> clima organizacional é consi<strong>de</strong>rar algumas <strong>de</strong> suas proprieda<strong>de</strong>s,<br />

tanto através do estudo <strong>de</strong> aspectos conceituais, quanto através da análise e<br />

da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los específicos para a pesquisa <strong>de</strong> clima em <strong>de</strong>terminadas<br />

organizações. Para esses estudiosos, do ponto <strong>de</strong> vista teórico, o tema é relevante<br />

porque estuda o funcionamento da organização através <strong>de</strong> um elenco <strong>de</strong> variáveis<br />

entrelaçadas, fugindo da abordagem unilateral e linear. Do ponto <strong>de</strong> vista pragmático,<br />

ainda segundo os autores citados, a análise do clima serve para i<strong>de</strong>ntificar<br />

on<strong>de</strong> se situam as gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ficiências das organizações e mostrar em que direção<br />

possíveis esforços <strong>de</strong>vem ser envidados na busca <strong>de</strong> soluções que venham a favorecer<br />

uma melhor integração e compatibilida<strong>de</strong> entre as metas individuais e<br />

institucionais, o que, em conseqüência, po<strong>de</strong> se traduzir em um melhor <strong>de</strong>sempenho,<br />

tanto do pessoal quanto da organização como um todo.<br />

Conforme GRAÇA (1999), é preciso que os administradores tenham ouvidos<br />

interessados e olhos atentos para o comportamento das pessoas no trabalho. Isso só<br />

será possível quando estiverem convencidos, sensibilizados, da importância dos<br />

recursos humanos e do clima <strong>de</strong> suas organizações. Para esse autor, só é excelente a<br />

empresa que esten<strong>de</strong> excelência à qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> seus funcionários. O autor


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 109<br />

acredita que as pessoas, componentes <strong>de</strong> qualquer organização, percebem as múltiplas<br />

mudanças que ocorrem, tanto no nível <strong>de</strong> ambiente externo como no interior da<br />

própria organização, e reagem a elas, <strong>de</strong> forma que a eficiência da organização po<strong>de</strong><br />

ser aumentada pela criação <strong>de</strong> um clima organizacional que satisfaça às necessida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> seus membros e, ao mesmo tempo, canalize esse comportamento motivado,<br />

na direção dos objetivos organizacionais, criando um “clima <strong>de</strong> realização”.<br />

“Po<strong>de</strong>, pois, o clima organizacional ser traduzido por aquilo<br />

que as pessoas costumam chamar <strong>de</strong> ambiente <strong>de</strong> trabalho ou<br />

atmosfera psicológica, que envolve a relação entre empresa e<br />

colaboradores, traduzida no clima humano das organizações.”<br />

(GRAÇA, 1999, p.9).<br />

Na visão <strong>de</strong>sse autor, po<strong>de</strong>-se constatar que o diferencial competitivo <strong>de</strong><br />

uma organização, em um ambiente <strong>de</strong> maior disponibilização <strong>de</strong> técnicas e<br />

tecnologias, ocorrerá a partir do comprometimento das pessoas, tornando estratégico<br />

o conhecimento <strong>de</strong> expectativas, motivações, necessida<strong>de</strong>s e níveis <strong>de</strong> satisfação<br />

dos indivíduos, perante a organização, para a eficácia organizacional.<br />

Para SANTOS (1999, 2000), a teoria e o diagnóstico do clima organizacional<br />

<strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>senvolvidos para que a relação indivíduo–organização seja continuamente<br />

ajustada. Na sua opinião, embora estudos <strong>de</strong> clima organizacional sejam<br />

particularmente úteis, pois ajudam a enten<strong>de</strong>r melhor a dinâmica da relação indivíduo–organização,<br />

eles têm sido, muitas vezes, negligenciados como instrumentos<br />

<strong>de</strong> gestão estratégica nas instituições <strong>de</strong> pesquisa e <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Para essa autora, o assunto é complexo, uma vez que suas características<br />

multifacetárias, a resistência dos indivíduos sujeitos à indagação e a baixa disposição<br />

das organizações em querer pôr a <strong>de</strong>scoberto seus valores internos, são algumas<br />

justificativas fornecidas por tais organizações para inibir o estudo do seu<br />

clima. Ao realizar um processo <strong>de</strong> investigação científica do clima organizacional<br />

em uma instituição pública <strong>de</strong> pesquisa e <strong>de</strong>senvolvimento, essa mesma autora<br />

manifesta que acredita que as instituições <strong>de</strong> pesquisa, como sistemas produtores<br />

<strong>de</strong> bens e serviços, visam atingir certos níveis <strong>de</strong> eficácia e eficiência, a fim <strong>de</strong><br />

garantir a sua continuida<strong>de</strong>. Segundo essa pesquisadora, a eficácia po<strong>de</strong> ser<br />

alcançada pela adaptação da organização à dinâmica <strong>de</strong> seu ambiente externo.<br />

Tachizawa et al. relacionam o clima organizacional à satisfação: “O grau <strong>de</strong><br />

satisfação <strong>de</strong>monstrado pelos membros da uma organização na qual a motivação é<br />

fator fundamental para a realização dos trabalhos” (TACHIZAWA et al., 2001,<br />

p.241).


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 110<br />

Conforme tais autores, na mesma obra, clima organizacional também:<br />

“É o ambiente interno em que convivem os membros da organização,<br />

estando portanto, relacionado com o seu grau <strong>de</strong> motivação<br />

e satisfação. É influenciado pelo conjunto <strong>de</strong> crenças<br />

e valores que regem as relações entre essas pessoas, <strong>de</strong>terminando<br />

o que é ‘bom’ ou ‘ruim’ para elas e para a organização<br />

como um todo. Assim, o clima organizacional é favorável quando<br />

possibilita a satisfação das necessida<strong>de</strong>s pessoais, e <strong>de</strong>sfavorável<br />

quando frustra a realização <strong>de</strong>ssas necessida<strong>de</strong>s.”<br />

(TACHIZAWA et al., 2001, p.239).<br />

Conforme esses autores, enquanto a cultura organizacional se mantém durante<br />

toda a existência <strong>de</strong> uma empresa ou, pelo menos, durante parte <strong>de</strong>la, apontando os<br />

caminhos a serem seguidos em <strong>de</strong>terminadas etapas, o clima organizacional se modifica<br />

conjunturalmente. Os momentos por que passam as organizações em face das<br />

dificulda<strong>de</strong>s do mercado e das muitas crises que o país atravessa, a adoção <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnas<br />

tecnologias que dispensam pessoas, a contenção nas políticas <strong>de</strong> salários e<br />

benefícios, o aumento <strong>de</strong> exigências aos empregados, todos esses são fatores que<br />

po<strong>de</strong>m alterar o clima <strong>de</strong> uma organização e comprometer os seus resultados.<br />

Também <strong>de</strong> acordo com esses autores, a pesquisa <strong>de</strong> clima organizacional<br />

<strong>de</strong>ve abordar: entendimento da missão, crenças e valores, chefia e li<strong>de</strong>rança, relações<br />

interpessoais e salários e benefícios. A avaliação <strong>de</strong>sses elementos <strong>de</strong>ve ser<br />

vista como um importante instrumento estratégico para o planejamento eficaz das<br />

organizações. A pesquisa <strong>de</strong> clima busca fornecer informações sobre a atitu<strong>de</strong> do<br />

público interno com relação à organização, ou seja, suas expectativas, sua integração,<br />

em um <strong>de</strong>terminado contexto. Nesse aspecto, a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser entendida envolvendo<br />

os aspectos cognitivos, afetivos e comportamentais do indivíduo.<br />

Conclusões sobre a análise crítica teórica da evolução do conceito <strong>de</strong> clima<br />

organizacional<br />

Conforme BECK (1997), a globalização transforma o cotidiano das nações,<br />

das organizações e das pessoas, <strong>de</strong> tal forma que não se po<strong>de</strong> negar a sua realida<strong>de</strong><br />

bem como a sua força e a sua violência enquanto processo gerador <strong>de</strong> mudanças:<br />

o incerto, o inesperado, a ausência <strong>de</strong> controle e limites, fazem da globalização<br />

uma geradora permanente <strong>de</strong> riscos e incertezas em todas as esferas. Na esfera<br />

econômica, enormes quantias <strong>de</strong> dinheiro mudam em segundos <strong>de</strong> um país para o


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 111<br />

outro, provocando instabilida<strong>de</strong> econômica <strong>de</strong> dimensão jamais imaginada. As<br />

repentinas quedas das bolsas <strong>de</strong> valores ocorridas em vários países e centros econômicos,<br />

muitas vezes, provocadas por percepções econômicas, políticas ou sociais,<br />

nem sempre fundamentadas, são ingredientes <strong>de</strong>sse processo.<br />

Segundo o autor, quanto à dimensão técnica da globalização, na esfera da<br />

tecnologia, o <strong>de</strong>senvolvimento se dá <strong>de</strong> uma forma e com uma rapi<strong>de</strong>z jamais<br />

alcançadas: diferentes áreas são atingidas pelo surgimento <strong>de</strong> novas tecnologias,<br />

tendo como marco <strong>de</strong> radicalização <strong>de</strong> mudança a tecnologia da informação, que<br />

provocou uma profunda revolução no cenário do mundo, nas esferas social, econômica,<br />

industrial e política, bem como na vida das pessoas.<br />

O <strong>de</strong>senvolvimento da tecnologia da informação e do transporte <strong>de</strong> massa<br />

mudou o conceito <strong>de</strong> tempo e espaço. A informação, <strong>de</strong> forma contínua e<br />

indiscriminada, provoca conseqüências <strong>de</strong>sestruturantes, tanto para os indivíduos<br />

como para a socieda<strong>de</strong>, pois, nesse processo, as pessoas são expostas a novos<br />

conhecimentos, crenças, hábitos, valores e culturas diferenciadas, e são atingidas<br />

e contagiadas por eles (BECK,1997).<br />

Diante disso, o clima organizacional que reina nas organizações vem sofrendo<br />

influências <strong>de</strong>ssas macromudanças mundiais, que, por sua vez, afetam as organizações<br />

e diante das quais não se po<strong>de</strong> ficar indiferente.<br />

A partir da revisão histórica e da análise crítica teórica sobre a evolução do<br />

conceito <strong>de</strong> clima organizacional, po<strong>de</strong>-se supor que tal conceito ainda não foi totalmente<br />

<strong>de</strong>finido e vem se adaptando historicamente às diversas teorias organizacionais<br />

e concepções que os estudos científicos têm dado em relação aos aspectos do comportamento<br />

humano nas organizações. Entretanto, o clima organizacional tem permanecido<br />

como importante tópico <strong>de</strong> pesquisa. Moran e Volkwein (apud Mariz <strong>de</strong><br />

OLIVEIRA, 1996) acreditam que as evidências <strong>de</strong>monstram o relacionamento entre<br />

o clima organizacional e outras variáveis organizacionais, tais como satisfação<br />

no trabalho, <strong>de</strong>sempenho no trabalho, comunicação <strong>de</strong> grupo, li<strong>de</strong>rança, estrutura,<br />

compromisso e <strong>de</strong>sempenho organizacional.<br />

Esses pesquisadores estão convencidos da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> unificar os níveis<br />

<strong>de</strong> análise micro e macro, com o objetivo <strong>de</strong> promover o entendimento <strong>de</strong>sse<br />

fenômeno organizacional: o clima tem sido consi<strong>de</strong>rado útil para esforços <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

organizacional; a motivação e o comportamento dos indivíduos<br />

têm sido influenciados pelo clima organizacional. Por outro lado, os resultados<br />

empíricos <strong>de</strong>monstram que o clima exerce um efeito significativo sobre o <strong>de</strong>sempenho<br />

organizacional, e a evolução do conceito incorpora uma perspectiva que<br />

<strong>de</strong>sloca as análises em direções opostas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as mais estáticas, que enfocam<br />

qualida<strong>de</strong>s estruturais da organização, até as mais dinâmicas, que enfocam os<br />

processos da organização.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 112<br />

As três abordagens <strong>de</strong> conceitos apresentadas, que foram acompanhando as<br />

teorias organizacionais e as teorias sobre o comportamento organizacional, não <strong>de</strong>vem<br />

se esgotar por aqui. Enten<strong>de</strong>-se que as pesquisas sobre a gestão das pessoas nas<br />

organizações vão continuar sendo realizadas e, provavelmente, darão lugar a novas<br />

abordagens conceituais sobre o imbricado tema “clima organizacional”. As tendências<br />

apontam que os futuros conceitos e as próprias pesquisas sobre clima<br />

organizacional estarão cada vez mais voltados para as percepções, os sentimentos e<br />

as opiniões das pessoas e dos grupos humanos que fazem parte do mundo corporativo,<br />

pois se tem caminhado na direção da valorização dos membros das organizações<br />

como seres humanos dignos <strong>de</strong> sua condição humana e biopsicossocial.<br />

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TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 114<br />

AS ALTERAÇÕES DO COMPORTAMENTO E O<br />

SUPORTE PARA UMA VIDA MELHOR ATRAVÉS DA<br />

CRENÇA RELIGIOSA<br />

1<br />

* Ricardo Baracho dos Anjos<br />

** José Antônio Baltazar<br />

RESUMO<br />

O presente trabalho tem como objetivos <strong>de</strong>scobrir quais as <strong>de</strong>terminantes<br />

que levam uma pessoa a seguir uma religião e também mostrar a influência da<br />

religião no comportamento das pessoas, bem como enfatizar o aspecto terapêutico<br />

da religião funcionando como um suporte para o enfrentamento das adversida<strong>de</strong>s<br />

da vida. Esse tema surgiu <strong>de</strong>vido à ação do autor como lí<strong>de</strong>r religioso, e à inquietação<br />

diante <strong>de</strong> tantos movimentos religiosos estarem ocorrendo nos últimos anos.<br />

Foi i<strong>de</strong>alizado um questionário com 10 perguntas e aplicado a 96 pessoas, sendo<br />

48 homens e 48 mulheres, entre 18 e 65 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, resi<strong>de</strong>ntes na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Londrina-PR. O trabalho percorreu algumas teorias, como a <strong>de</strong> Freud, Jüng, Viorst<br />

e Frankl. Freud abordou a religião como sendo o lugar das nossas patologias;<br />

Jüng mostrou a religião inserida nos arquétipos; Viorst falou sobre a reconexão<br />

através da religião; e Frankl, que foi o objeto principal do presente trabalho, contribuiu<br />

com a Logoterapia, segundo a qual, a <strong>de</strong>scoberta do sentido para a vida é<br />

o que impulsiona as pessoas a uma vida melhor. Os resultados dos gráficos mostram<br />

as hipóteses levantadas e provam ser uma realida<strong>de</strong> a necessida<strong>de</strong> do homem<br />

crer em algo para ter um alívio e um suporte. Foi colocada a proposta <strong>de</strong> que<br />

a religião po<strong>de</strong> ser o sentido da vida, fazendo com que as pessoas tenham um<br />

comportamento saudável e um melhor enfrentamento <strong>de</strong> seus problemas da vida.<br />

PALAVRAS-Chave: Psicologia-Religião; Religiosida<strong>de</strong>; Fé.<br />

* Aca<strong>de</strong>mico do Curso <strong>de</strong> Psicologia do Centro Universitário Filadélfia – <strong>UniFil</strong>. Pastor da Igreja<br />

Presbiteriana In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do Jardim Leonor. Formado em Teologia pelo Seminário Teológico<br />

Rev. Antônio Godoy Sobrinho.<br />

E-mail: revbaracho@pop.com.br<br />

** Docente do Curso <strong>de</strong> Psicologia da <strong>UniFil</strong>. Mestre em Educação pela UNOESTE – Presi<strong>de</strong>nte<br />

Pru<strong>de</strong>nte. Psicólogo clínico.<br />

E-mail: jabaltazar@uol.com.br


ABSTRACT<br />

TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 115<br />

The present work aims at discovering the main reasons for a person to<br />

follow a certain religion, and also at showing the influence of religion in the people’s<br />

behavior, besi<strong>de</strong>s emphasizing the therapeutic aspect of the religion working as a<br />

support for the person to face life’s adversities. The theme occurred due to the<br />

author’s action as a religious lea<strong>de</strong>r and his uneasiness regarding so many religious<br />

movements that have been going on recently. A questionnaire was built with 10<br />

questions and applied to 96 people, being 48 men and 48 women, aged between<br />

18 and 65, residing the city of Londrina-PR.<br />

The work discusses some theories, such as Freud’s, Jüng’s, Viorst’s, and<br />

Frankl’s. Freud approached religion as the place of our pathologies; Jüng showed<br />

religion inserted in archetypes, Viorst talked about reconnection through religion,<br />

and Frankl, the main object of the present work, contributed with Logotherapy,<br />

according to which the discovery of the meaning of life is what impels people<br />

towards a better life. The result on the graphs show the hypothesis raised and<br />

man’s real need to have faith in something in or<strong>de</strong>r to have a relief and a support.<br />

A proposal is ma<strong>de</strong> that religion can be the meaning of life, providing people with<br />

a healthier behavior and a better chance to face the daily problems.<br />

KEY-WORDS: Psychology-Religion; Religiousness; Faith.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A questão da religião vem sendo amplamente discutida há muitíssimos anos.<br />

Observando estudos já realizados, vimos que os homens antigos tinham seus objetos<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>voção, seus escritos nas cavernas, para se referirem a seus <strong>de</strong>uses. Nos<br />

primeiros séculos, vimos a gran<strong>de</strong> dominação da igreja antiga, aliada ao Império<br />

Romano, momento este no qual todos estavam abaixo das leis que a igreja ditava.<br />

Depois, no século XVI, houve a Reforma Protestante e o surgimento dos chamados<br />

protestantes; isso sem contar os movimentos no oriente, com o budismo, o espiritismo,<br />

entre tantos e tantos grupos religiosos que existem. Este breve histórico nos faz<br />

chegar aqui ao Brasil, on<strong>de</strong> a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressões religiosas é surpreen<strong>de</strong>nte.<br />

E chegando ao nosso contexto, surgiu o interesse em estudar este tema, em<br />

analisar as alterações do comportamento e o suporte para uma vida melhor através<br />

da crença religiosa, ou seja, analisar como ocorre a transmissão <strong>de</strong>sse discurso <strong>de</strong><br />

a<strong>de</strong>são a um grupo religioso, qual é a visão que as pessoas têm da divinda<strong>de</strong> e qual<br />

significado elas dão às leis e estatutos <strong>de</strong> sua religião. Também há no presente<br />

trabalho, o interesse em observar se existe a crença <strong>de</strong> que a religião, realmente,


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 116<br />

mo<strong>de</strong>la vários tipos <strong>de</strong> caráter e se as pessoas <strong>de</strong>monstram confiança <strong>de</strong> que a<br />

religião dá um suporte para uma vida melhor.<br />

Para isso, pesquisaremos essas <strong>de</strong>terminantes, influências e crenças na região<br />

on<strong>de</strong> estamos, a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Londrina. Londrina é a terceira cida<strong>de</strong> do Sul do<br />

país e tem como uma das suas características uma gran<strong>de</strong> e variada expressão<br />

religiosa, com várias <strong>de</strong>nominações e templos espalhados pela cida<strong>de</strong>. O presente<br />

trabalho está fundamentado nos seguintes teóricos: Sigmund Freud, Carl Gustav<br />

Jüng, Judith Viorst, Viktor Emil Frankl, entre outros, mas nosso foco principal<br />

está em Frankl.<br />

Antes <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>rmos o movimento religioso, <strong>de</strong>vemos enten<strong>de</strong>r que o ato<br />

<strong>de</strong> crer sempre existiu. Cremos em idéias, em pessoas, em movimentos e em divinda<strong>de</strong>s.<br />

Vemos que em todas as expressões religiosas ocorre um fator fundamental,<br />

e esse fator é o da religião entendida e vivida como um suporte, como um<br />

instrumento <strong>de</strong> ajuda, <strong>de</strong> apoio, <strong>de</strong> motivação, <strong>de</strong> <strong>de</strong>scanso. Tendo como base essa<br />

idéia, po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r esse suporte como um preenchimento <strong>de</strong> um vazio interno,<br />

ou uma ajuda, <strong>de</strong>vido à não capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realização <strong>de</strong> maneira autônoma.<br />

Para explicar essa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um suporte, contaremos com a ajuda <strong>de</strong> Judith<br />

VIORST (2000) em seu livro Perdas Necessárias.<br />

VIORST (2000) diz que em nossa vida passamos por várias perdas e que<br />

estas são necessárias para nosso crescimento e para nossa socialização. Mas diz<br />

também que todas essas perdas da vida po<strong>de</strong>m não ser bem vividas se a principal<br />

perda da vida, que é frustrante - a separação da mãe via cordão umbilical e a<br />

separação da mãe através do aparecimento da própria id<strong>entida<strong>de</strong></strong> - não for bem<br />

superada. Ela diz que revivemos a perda da mãe com as <strong>de</strong>mais perdas da vida, e<br />

em toda a vida buscamos o caminho inverso, ou seja, o caminho da simbiose, do<br />

restabelecimento da paz, do porto seguro. Esta é a busca do amparo.<br />

Esse <strong>de</strong>samparo cria uma busca pelo “outro”, e esse vazio po<strong>de</strong> ser preenchido<br />

<strong>de</strong> várias maneiras, conscientes ou inconscientes. Começa uma busca pela<br />

conexão, ou re-conexão.<br />

“Nossa busca <strong>de</strong>ssa conexão - da restauração da integração<br />

total - po<strong>de</strong> ser um ato <strong>de</strong> doença ou <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, po<strong>de</strong> ser uma<br />

fuga temível do mundo ou um esforço para expandi-lo, po<strong>de</strong><br />

ser <strong>de</strong>liberada ou inconsciente. Por meio do sexo, por meio<br />

da religião, da natureza, da arte, por meio das drogas, da<br />

meditação, até com o exercício físico, tentamos obscurecer as<br />

fronteiras que nos separam. Tentamos escapar da prisão da<br />

separação. Às vezes conseguimos.” (VIORST, 2000. p.34).


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 117<br />

De vários caminhos para essa conexão, temos o caminho da religiosida<strong>de</strong>,<br />

isto é, um <strong>de</strong>us que po<strong>de</strong> nos proteger, cuidar, direcionar, confortar, etc. Não é a<br />

toa que essa divinda<strong>de</strong> é chamada <strong>de</strong> pai, mãe, senhora, entre outros nomes. Temos<br />

outros exemplos <strong>de</strong>ssa busca da conexão com a mãe. Como já falamos, essa<br />

busca pela conexão não é só pela religião, mas pelas drogas, pelo álcool, entre<br />

outras coisas. E a pessoa po<strong>de</strong> buscar essa conexão durante a vida toda, mesmo na<br />

meia-ida<strong>de</strong>, ou indo até à velhice.<br />

Temos também um outro caminho para essa busca da religiosida<strong>de</strong>, que tem a<br />

ver com a questão da não aceitação da individualida<strong>de</strong>. É a fuga das culpas através<br />

<strong>de</strong> um mecanismo <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa chamado projeção. FREUD (1913), em sua obra Totem<br />

e o Tabu - Animismo, Magia e Onipotência <strong>de</strong> Pensamentos, fala sobre a transição<br />

do pensamento humano, enfatizando a necessida<strong>de</strong> do sentimento religioso. Ele<br />

fala sobre os primeiros conceitos que o homem teve do mundo à sua volta como<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter um controle sobre ele. Assim sendo, apareceu o termo ‘animista’,<br />

que é a doutrina das almas, ou seja, a existência do caráter humano nos objetos<br />

inanimados. No início, o homem tinha o controle das coisas à sua volta. A transição<br />

<strong>de</strong>ssa fase animista para a religiosa aconteceu, justamente, <strong>de</strong>vido ao questionamento<br />

das atitu<strong>de</strong>s do homem através <strong>de</strong>sse domínio. O homem <strong>de</strong>scobriu que nem todas<br />

as fontes <strong>de</strong> prazer são aceitas pelos outros e isso gera culpa; por exemplo, “matar<br />

alguém” não é algo aceito pelos outros, há conseqüências não saudáveis. Esses sentimentos<br />

<strong>de</strong> culpa geraram muitos conflitos nos homens e isso fez surgir a projeção,<br />

ou seja, o caminho do animismo para a religião é a projeção.<br />

O homem sentiu a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> projetar seus <strong>de</strong>sejos proibidos em uma<br />

terceira pessoa. Po<strong>de</strong>mos então enten<strong>de</strong>r que o motivo da busca <strong>de</strong> uma religião -<br />

além do já discutido, que é a busca pela conexão <strong>de</strong>vido ao vazio da perda, da<br />

castração, da solidão - é também o <strong>de</strong> ter os seus erros individuais explicados<br />

socialmente, com o objetivo <strong>de</strong> ser aceito no grupo, ficar sem culpas e responsabilida<strong>de</strong>s,<br />

e reprimir certos sentimentos ruins. Essa projeção não é somente em <strong>entida<strong>de</strong></strong>s,<br />

mas em pessoas, instituições, etc.<br />

A onipotência <strong>de</strong> pensamentos não é alcançada e, <strong>de</strong>vido a isso, é criado um<br />

ser onipotente, que vai salvar o homem, livrá-lo da culpa. A projeção das coisas<br />

boas acontece através <strong>de</strong> um vínculo com Deus, é uma relação extrema, pois,<br />

sozinho o homem não consegue nada. É afirmar que tudo que acontece é segundo<br />

a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus. Exemplos <strong>de</strong> projeções para livrar-se das culpas são muito<br />

comuns. Devido ao <strong>de</strong>scontrole, a projeção gera uma personalida<strong>de</strong> obsessiva.<br />

Esse tipo <strong>de</strong> religião serve para controlar os impulsos; a religião vira um<br />

superego muito rígido. É comum em pessoas <strong>de</strong>ssas características <strong>de</strong>monstrarem<br />

uma gran<strong>de</strong> pieda<strong>de</strong> para compensar os maus pensamentos. Além <strong>de</strong> livrar o homem<br />

da culpa, a projeção serve para que o homem enfrente o problema fora <strong>de</strong>le


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 118<br />

mesmo. A religiosida<strong>de</strong> é tomada como uma maneira <strong>de</strong> camuflar muitas patologias.<br />

Outro teórico que nos ajuda na compreensão do sentimento religioso é Jüng.<br />

Ele segue um caminho, que é diferente do <strong>de</strong> Freud, dizendo que na constituição<br />

do aparelho psíquico há o chamado inconsciente coletivo. Nele está a experiência<br />

da espécie que está em nós, experiências vividas durante a história pelos nossos<br />

antepassados que são importantes para a sobrevivência. Esse inconsciente coletivo<br />

funciona como uma usina que armazena todas as experiências da nossa espécie.<br />

A essas marcas da espécie ele dá o nome <strong>de</strong> arquétipo, que é ligado ao inconsciente<br />

coletivo. O ser-humano tem vários arquétipos (mãe, filho, sábio) que são<br />

importantes para o <strong>de</strong>senvolvimento dos nossos papéis. Assim sendo, o medo é<br />

um arquétipo, isto é, nascemos com o medo, não o medo como fobia, mas um<br />

medo que cria mecanismos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, cria um alarme para po<strong>de</strong>rmos reagir.<br />

SILVEIRA (2000) diz que os arquétipos são “...resultantes do <strong>de</strong>pósito das impressões<br />

superpostas <strong>de</strong>ixadas por certas vivências fundamentais, comuns a todos<br />

os seres humanos, repetidas incontavelmente através <strong>de</strong> milênios”.<br />

Nesse campo dos arquétipos, Jüng fala do arquétipo sombra, que nos leva a<br />

<strong>de</strong>senvolver o inconsciente, e é nesse arquétipo que encontramos o sentimento<br />

religioso. Jüng é o primeiro psicólogo a falar que o homem vai além dos outros<br />

animais <strong>de</strong>vido à religiosida<strong>de</strong>. Há nesse arquétipo sombra, uma potencialida<strong>de</strong><br />

que impulsiona o ser humano a procurar uma <strong>entida<strong>de</strong></strong>/<strong>de</strong>us e com ela se relacionar<br />

através do ritual chamado religioso. Para Jung, todo ser humano crê em alguma<br />

coisa, e o homem precisa crer para <strong>de</strong>scobrir o porquê das coisas.<br />

“A noção <strong>de</strong> arquétipo, postulando a existência <strong>de</strong> uma base<br />

psíquica comum a todos os seres humanos, permite compreen<strong>de</strong>r<br />

por que em lugares e épocas distantes aparecem temas<br />

idênticos nos contos <strong>de</strong> fadas, nos mitos, nos dogmas e ritos<br />

das religiões, nas artes, na filosofia, nas produções do inconsciente<br />

<strong>de</strong> um modo geral - seja nos sonhos <strong>de</strong> pessoas normais,<br />

seja em <strong>de</strong>lírios <strong>de</strong> loucos.” (SILVEIRA, 2000, p.69).<br />

Ele fala da importância dos símbolos dogmáticos presentes na igreja, pois<br />

são dispositivos <strong>de</strong> segurança e meios <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa espirituais, que o protegem contra<br />

a experiência imediata das forças enraizadas no inconsciente, e que esperam<br />

sua libertação (JÜNG, 1999, p,53). Nisso encaixa-se a maioria das pessoas que<br />

precisam dos símbolos <strong>de</strong> fé para reforçar a sua religiosida<strong>de</strong>.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 119<br />

Mas o gran<strong>de</strong> nome que <strong>de</strong>ixamos para o final <strong>de</strong>sta parte e que realmente<br />

colaborou para a <strong>de</strong>finição dos nossos objetivos é o <strong>de</strong> Viktor Emil Frankl. Frankl<br />

foi discípulo <strong>de</strong> Freud e Adler e foi o criador da Logoterapia (Psicoterapia Existencial<br />

Humanista), que é conhecida como a terceira Escola Vienense <strong>de</strong><br />

Psicoterapia e que não é uma solução para o dilema da humanida<strong>de</strong>,”... mas uma<br />

tentativa <strong>de</strong> encontrar um sentido para a vida <strong>de</strong> cada pessoa, na sua realida<strong>de</strong>,<br />

em seu sofrimento, em sua existência, muitas vezes <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> propósitos.”<br />

(GOMES, 1992, p.27).<br />

Frankl começou a trabalhar com grupos <strong>de</strong> jovens <strong>de</strong> Viena, pois foi constatado<br />

que havia um alto número <strong>de</strong> suicídios nessa faixa etária e, com isso, ele<br />

<strong>de</strong>senvolveu a Logoterapia, que seria a técnica para ajudar a pessoa a encontrar o<br />

“para quê” viver, encontrar o sentido para a vida individual. Esse sentido seria o<br />

estímulo para se viver. Com seu trabalho ele conseguiu fazer com que o índice <strong>de</strong><br />

suicídios caísse bastante entre os jovens. Na segunda guerra, ele começou a trabalhar<br />

com os prisioneiros, seguindo a Logoterapia nos campos <strong>de</strong> concentração<br />

para que, se os prisioneiros encontrassem o sentido das suas vidas, então po<strong>de</strong>riam<br />

suportar todos aqueles momentos difíceis da guerra.<br />

Com isso, ele criou a técnica chamada DERREFLEXÃO, ou seja, se alguém<br />

está em um momento difícil da vida, mas se tem projetos para o futuro, então conseguirá<br />

superar esses momentos difíceis. Os prisioneiros eram motivados a pensar no<br />

reencontro com a família, com o trabalho e isso os motivava a superar as adversida<strong>de</strong>s.<br />

As pessoas atendidas por ele sobreviveram ao holocausto. A partir daí, Frankl<br />

<strong>de</strong>u um sentido muito importante à psicossomática, principalmente na resiliência.<br />

Dentro <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong> nós existe Deus, e ele faz com que tenhamos uma<br />

parte que nunca adoece; existe a possibilida<strong>de</strong> da cura, da solução, do fim da<br />

angústia. Esse é o sentido para a vida. Logoterapia quer dizer “sentido da cura” e<br />

é uma ciência que acredita na liberda<strong>de</strong> humana. Isso Frankl afirmava ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />

que o homem é que <strong>de</strong>termina o inconsciente, discordando <strong>de</strong> Freud, que entendia<br />

que é o inconsciente que <strong>de</strong>termina o homem. Para Frankl, o ser humano é responsável<br />

pelas coisas que faz e tem toda a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se superar, acionando o que<br />

está <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si mesmo, adormecido. Ele entendia que o ser-humano tem uma<br />

religiosida<strong>de</strong> inconsciente, pois, nos campos <strong>de</strong> concentração, em meio à angústia,<br />

ele percebeu que uma fé surgia, uma esperança no futuro fazia brotar o sentido<br />

da vida, a crença em Deus que parecia estar oculta. A isso ele chamou <strong>de</strong> dimensão<br />

noética ou espiritual humana.<br />

Com toda esta fundamentação teórica, queremos enfatizar que as alterações<br />

do comportamento e o suporte para uma vida melhor através da crença religiosa,<br />

são obtidos <strong>de</strong>vido ao sentido da vida que a pessoa encontra na religião. E na vida<br />

religiosa as pessoas encontram motivação, suporte necessário para uma vida me-


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 120<br />

lhor, com objetivos, realizações e criativida<strong>de</strong>. E, com base nessas informações da<br />

Logoterapia, queremos <strong>de</strong>stacar a religiosida<strong>de</strong> como sendo o sentido da vida das<br />

pessoas.<br />

OBJETIVO GERAL<br />

O principal objetivo <strong>de</strong>ste trabalho é analisar as <strong>de</strong>terminantes presentes na<br />

escolha <strong>de</strong> uma prática religiosa e seus reflexos na comunida<strong>de</strong>, através do estilo<br />

<strong>de</strong> vida e do comportamento.<br />

OBJETIVOS ESPECÍFICOS<br />

-Descobrir o que Deus representa para as pessoas;<br />

-Constatar o tempo da prática religiosa;<br />

-I<strong>de</strong>ntificar se houve influências para essa prática;<br />

-Definir o que Deus representa para as pessoas;<br />

-Descobrir o que a Bíblia representa para as pessoas;<br />

-Verificar se a religião exerce influência no comportamento;<br />

-Verificar se a religião é encarada como um auxílio, um suporte;<br />

-Descobrir o que o dirigente religioso representa para o seguidor;<br />

-I<strong>de</strong>ntificar se houve mudanças <strong>de</strong> religião;<br />

-Verificar se houve o recebimento <strong>de</strong> bênçãos ou milagres.<br />

METODOLOGIA<br />

Amostra<br />

Participaram <strong>de</strong>sta pesquisa cidadãos que moram na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Londrina/PR.<br />

Foram entrevistadas, ao todo, 96 pessoas, sendo 48 homens e 48 mulheres, com<br />

faixa etária <strong>de</strong> 18 a 65 anos, tendo ou não concluído o Ensino Fundamental, Médio<br />

ou Superior. Esta pesquisa foi inserida na metodologia <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> campo<br />

com a utilização <strong>de</strong> um questionário.<br />

Local <strong>de</strong> realização<br />

A pesquisa foi realizada na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Londrina/PR.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 121<br />

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS<br />

Analisando as respostas, chegamos aos resultados e, para facilitar a compreensão,<br />

dividimos os sujeitos em seis grupos, <strong>de</strong> acordo com as seguintes faixas<br />

etárias: 1) Homens (18 a 33 anos); 2) Mulheres (18 a 33 anos); 3) Homens (34 a<br />

49 anos); 4) Mulheres (34 a 49 anos); 5) Homens (50 a 65 anos) e 6) Mulheres (50<br />

a 65 anos).<br />

A primeira pergunta feita para todos foi: O que representa a religião para<br />

você? Para todos os grupos, a primeira resposta escolhida foi “Fé”, com uma<br />

média <strong>de</strong> 40,33%; e a segunda resposta <strong>de</strong> maior ocorrência entre todos foi “Proteção”,<br />

com uma média <strong>de</strong> 17, 66%. Em todas as faixas etárias, a maior incidência<br />

<strong>de</strong> porcentagem na resposta “Fé” foi do grupo <strong>de</strong> Homens e Mulheres <strong>de</strong> 50 a<br />

65 anos, com 53 e 55%, respectivamente. Em “Proteção”, a maior porcentagem<br />

foi obtida no grupo<strong>de</strong> Homens <strong>de</strong> 34 a 49 anos, com 23%.<br />

A segunda pergunta foi: Há quanto tempo você é praticante da sua religião?<br />

Em todos os grupos, a primeira resposta escolhida foi “Des<strong>de</strong> a infância”,<br />

com uma média <strong>de</strong> 69,16%; e a segunda resposta foi “Des<strong>de</strong> a adolescência”,<br />

com 27,33% <strong>de</strong> média. Em “Des<strong>de</strong> a adolescência”, houve maior incidência <strong>de</strong><br />

respostas na subamostra <strong>de</strong> Homens <strong>de</strong> 34 a 49 anos, com 30%.<br />

A terceira pergunta foi: Você foi influenciado por quem? A primeira resposta<br />

<strong>de</strong> todos os grupos foi “Família”, com uma média <strong>de</strong> 85,83%. A segunda<br />

resposta foi “Amigos”, com 13,25%.<br />

A quarta pergunta foi: O que Deus representa para você? A primeira resposta<br />

foi “Pai”, mas não se <strong>de</strong>u em todos os grupos; mesmo assim houve uma<br />

média <strong>de</strong> 27,75%. Os grupos que não respon<strong>de</strong>ram “Pai” (Mulheres <strong>de</strong> 18 a 33<br />

anos; Mulheres <strong>de</strong> 34 a 49 anos) escolheram a segunda resposta mais marcada,<br />

que foi “Protetor”, com 20,66% <strong>de</strong> média das escolhas.<br />

A quinta pergunta foi: O que a Bíblia significa para você? A primeira resposta,<br />

que apenas um grupo não escolheu (Mulheres <strong>de</strong> 50 a 65 anos), foi “Um<br />

guia <strong>de</strong> fé e prática”, com uma média <strong>de</strong> 56,6%. As mulheres <strong>de</strong> 50 a 65 anos<br />

escolheram como primeira resposta, a que foi a segunda escolhida pelos outros<br />

grupos: “Um elo <strong>de</strong> ligação com Deus”, que teve como segunda opção, uma<br />

média <strong>de</strong> 38%.<br />

A sexta pergunta foi: A religião po<strong>de</strong> exercer influência sobre o comportamento<br />

das pessoas? Houve uma unanimida<strong>de</strong> na escolha da primeira resposta,<br />

que foi “Sim”, e obteve uma média <strong>de</strong> 97,16%. No grupo das Mulheres <strong>de</strong> 50 a 65<br />

anos, houve a escolha da resposta “Não”, perfazendo uma média <strong>de</strong> 2,83%.<br />

A sétima pergunta foi: A religião é um gran<strong>de</strong> suporte para uma vida melhor?<br />

Todos os grupos tiveram como primeira resposta a alternativa “Sim”, que


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 122<br />

obteve uma média <strong>de</strong> 88,83%. A maior incidência <strong>de</strong> respostas foi entre os Homens<br />

<strong>de</strong> 50 a 65 anos, com 100% <strong>de</strong> escolha para a alternativa “Sim”. A resposta “Não”<br />

teve uma média <strong>de</strong> 11,16%, com maior incidência entre os Homens <strong>de</strong> 18 a 33 anos.<br />

A oitava pergunta foi: O que o dirigente religioso representa para você? A<br />

maior concentração <strong>de</strong> respostas foi na alternativa “Um mensageiro da palavra”,<br />

com uma média <strong>de</strong> 38,25%. Os grupos <strong>de</strong> Homens e Mulheres <strong>de</strong> 18 a 33<br />

anos tiveram como primeira resposta a alternativa “Um ser humano falível”, que<br />

obteve uma média <strong>de</strong> 19,33%.<br />

A nona pergunta foi: Você já mudou <strong>de</strong> religião? Em todos os grupos a<br />

escolha primeira caiu na alternativa “Não”, com uma média <strong>de</strong> 76,83%. A alternativa<br />

“Sim” teve uma média <strong>de</strong> 23,16%.<br />

E, por fim, a décima pergunta foi: Você já recebeu alguma bênção ou milagre?<br />

Em todos os grupos a primeira escolha caiu na alternativa “Sim”, com uma<br />

média <strong>de</strong> 80,5%, <strong>de</strong>stacando que, nos grupos <strong>de</strong> Homens e Mulheres <strong>de</strong> 50 a 65<br />

anos, a escolha foi <strong>de</strong> 100%. A alternativa “Não” teve uma média <strong>de</strong> 19,5%.<br />

Com todas essas respostas, po<strong>de</strong>mos, realmente, constatar que o ato <strong>de</strong> crer<br />

faz parte do ser-humano. E, a<strong>de</strong>ntrando o campo da religião, po<strong>de</strong>mos ver através<br />

<strong>de</strong>sses resultados que a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crer faz parte <strong>de</strong> uma gama das necessida<strong>de</strong>s<br />

do homem. O “Inconsciente Coletivo” - que é o local on<strong>de</strong> está armazenada a<br />

experiência da espécie, que é importante para a nossa sobrevivência - é quem<br />

mantém na espécie esse <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> crer, <strong>de</strong> ter fé em alguém. Isso se concretiza no<br />

presente trabalho, pois, para a maioria, a religião significa ter fé.<br />

E fé é um instrumento usado para que o homem possa colher coisas boas em<br />

sua vida. Há uma ligação muito forte entre fé e bênção. E a maioria dos entrevistados<br />

relatou ter recebido alguma bênção ou milagre em sua vida. Falar do Inconsciente<br />

Coletivo <strong>de</strong> Jüng é falar dos arquétipos, que são as marcas da espécie humana,<br />

importantes para o <strong>de</strong>senvolvimento dos nossos papéis. Mesmo que exista<br />

esse sentimento em cada um <strong>de</strong> nós, é necessário que ele seja <strong>de</strong>spertado. Estamos<br />

externando isso para <strong>de</strong>stacar a importância da família na transmissão do sentimento<br />

religioso. Isso porque, em nossa pesquisa, pu<strong>de</strong>mos constatar que a a<strong>de</strong>são<br />

a um <strong>de</strong>terminado grupo religioso, bem como a sua permanência nele, <strong>de</strong>veu-se à<br />

função da família em transmitir a fé; o outro aspecto a <strong>de</strong>stacar sendo que isso<br />

vem da infância. A família é a primeira socieda<strong>de</strong> do homem; é nela que o caráter<br />

começa a se formar, é ali que o Superego - que Freud <strong>de</strong>scobriu - começa a se<br />

construir, e também o sentimento religioso.<br />

Pu<strong>de</strong>mos ver também a figura do pai i<strong>de</strong>alizado na divinda<strong>de</strong>, um pai que<br />

funciona como um suporte para a vida. A maioria dos entrevistados disse que<br />

Deus representa um pai e um protetor. Judith VIORST (2000) chama a isso <strong>de</strong><br />

reconexão, ou seja, uma reconexão com o que antes havia uma conexão. Há vári-


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 123<br />

os caminhos para a reconexão com a mãe que foi perdida no nascimento, e uma<br />

<strong>de</strong>ssas está na religião, on<strong>de</strong> há a busca <strong>de</strong> um refúgio, <strong>de</strong> um protetor.<br />

Essa presença do pai intensifica-se através da palavra divina que é a Bíblia.<br />

Há um gran<strong>de</strong> respeito a esse símbolo. Em nossa pesquisa, a maior parte das<br />

repostas foi que a Bíblia é “Um guia <strong>de</strong> fé e prática”, vindo em segundo lugar que<br />

ela é “Um elo <strong>de</strong> ligação com Deus”. Jüng falou da importância dos símbolos<br />

dogmáticos, nos quais a Bíblia se encaixa, dizendo que eles são “...dispositivos <strong>de</strong><br />

segurança e meios <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa espirituais, que o protegem contra a experiência<br />

imediata das forças enraizadas no inconsciente, e que esperam sua libertação.”<br />

(JÜNG, 1999, p.53).<br />

Viktor Frankl <strong>de</strong>scobriu uma gran<strong>de</strong> fórmula para que as pessoas pu<strong>de</strong>ssem<br />

atravessar os momentos difíceis, assumindo um novo comportamento. Ele criou<br />

uma técnica chamada DERREFLEXÃO, que consiste em elaborar projetos para o<br />

futuro e que esses sirvam <strong>de</strong> motivadores para as lutas do presente. Para agüentar<br />

a luta, <strong>de</strong>ve-se ter caminhos para a vida. A crença e a vida religiosa po<strong>de</strong>m ser<br />

elementos <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> esperança nas pessoas. Muitas pessoas, que, por vários<br />

motivos, não encontram razão para as suas vidas, po<strong>de</strong>m fazê-lo através da crença<br />

e da religiosida<strong>de</strong>.<br />

Seguindo essa idéia, vemos o povo brasileiro, que sofre muitas coisas, mas<br />

sempre crê que tudo vai melhorar. E nessa crença, vão superando muitos obstáculos,<br />

alegando que tudo isso é “força <strong>de</strong> Deus, <strong>de</strong> Nossa Senhora, <strong>de</strong> Padim Ciço”,<br />

entre outros. Elas encontram o sentido para a vida, e <strong>de</strong> maneira muito saudável, e<br />

isso é possível. Religião não é simplesmente o <strong>de</strong>pósito das nossas patologias,<br />

como dizia Freud, ou o ópio do povo, como disse Marx. Infelizmente, há os<br />

charlatães e as igrejas financeiras que alienam e mantêm as doenças nas pessoas.<br />

O sentido para a vida, tendo como base a vida religiosa e a crença, po<strong>de</strong> dar<br />

ao homem suporte a<strong>de</strong>quado para a orientação <strong>de</strong> seu caráter, <strong>de</strong> sua emoção e <strong>de</strong><br />

suas responsabilida<strong>de</strong>s. Uma crença religiosa saudável é aquela que vem sendo<br />

plantada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a tenra ida<strong>de</strong>, com a supervisão familiar, com a discussão das<br />

dúvidas, visando o crescimento, e que torne o homem bem esclarecido sobre o seu<br />

papel na socieda<strong>de</strong>, gerando o bem-estar dos outros, a começar pelo seu próprio.<br />

Esse é um gran<strong>de</strong> suporte que a crença religiosa po<strong>de</strong> produzir.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Pu<strong>de</strong>mos ver que a crença religiosa é algo presente nas pessoas. Mesmo<br />

reconhecendo que muitas coisas mudaram no que se refere ao discurso do sagrado<br />

(muitas pessoas se <strong>de</strong>claram ateístas), ainda assim vemos uma valorização da vida


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 124<br />

religiosa. Mesmo que a pessoa não mu<strong>de</strong> <strong>de</strong> religião ou não a pratique muito, vemos<br />

que ela está na religião transmitida pela família. E mesmo que a pessoa não acredite no<br />

Cristianismo, ela se incorpora a outros grupos que também são religiosos e a levam a<br />

um <strong>de</strong>us. Ou seja, ter fé e confiança - sem medir a intensida<strong>de</strong> - é algo comum entre as<br />

pessoas, e sendo bem realizado, po<strong>de</strong> trazer muitos benefícios.<br />

Em todos os grupos entrevistados, pu<strong>de</strong>mos ver a valorização do sagrado.<br />

Vimos também que seus símbolos são elementos que fazem parte da nossa espécie<br />

e <strong>de</strong> suas culturas. Mesmo observando faixas etárias diferentes, chegamos à<br />

constatação <strong>de</strong> que a religião é um símbolo <strong>de</strong> proteção e <strong>de</strong> busca do equilíbrio<br />

emocional e social.<br />

Para Freud, a religião era o <strong>de</strong>pósito das patologias; para Jüng era o traço<br />

diferenciador do homem em relação aos outros animais; para Viorst era uma das<br />

várias maneiras <strong>de</strong> reconexão. Preferimos concordar com Jung, no que se refere<br />

aos arquétipos, ou seja, os traços da nossa espécie, que são armazenados para o<br />

nosso próprio bem. Somos da opinião <strong>de</strong> que o sentimento religioso é um arquétipo<br />

e que, se o unirmos com a Logoterapia <strong>de</strong> Frankl, po<strong>de</strong>mos ter uma receita<br />

agradável para encararmos a vida.<br />

A Logoterapia aplicada à religião po<strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>sta uma gran<strong>de</strong> comunida<strong>de</strong><br />

terapêutica, on<strong>de</strong> as pessoas apresentam suas lutas e dores na busca <strong>de</strong> estratégias<br />

para um melhor enfrentamento das crises a que somos sempre submetidos. Realmente,<br />

as alterações do comportamento e o suporte para uma vida melhor são<br />

possíveis com a DERREFLEXÃO através da crença religiosa. Esperamos que o<br />

presente trabalho possa <strong>de</strong>spertar futuros pesquisadores para irem, cada vez mais,<br />

além nesse interessantíssimo tema.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 125<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

GOMES, J.C.V. A Psicoterapia Existencial Humanista <strong>de</strong> Viktor Emil Frankl.<br />

São Paulo: Edições Loyola, 1992.<br />

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Standard. Volume XIII. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago, 1969.<br />

SILVEIRA, N. Jüng: vida e obra. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora Paz e Terra, 2000.<br />

VIORST, J. Perdas necessárias. São Paulo: Melhoramentos, 2000.<br />

BIBLIOGRAFIA ADICIONAL RECOMENDADA<br />

FREUD, S. Moisés e o Monoteísmo (1937-1939). In: FREUD, S. Obras completas<br />

da Edição Standard. Volume XXIIII. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago, 1969.<br />

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- São Paulo, Livraria Editora Ltda., 1975.<br />

SCHNEIDER, K. Psicopatologia Clínica. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1965.<br />

UNIFIL - CENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIA. Jornadas <strong>de</strong> Psicologia<br />

da Unifil. A ética e a ciência na cotidianida<strong>de</strong> da Psicologia, Londrina, 1999 e<br />

2000. In: SILVËRIO, L.G. A cotidianida<strong>de</strong> da relação psicologia e religião.<br />

Consi<strong>de</strong>rações históricas e ética profissional. p.80-84.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 126<br />

AS RELAÇÕES FAMILIARES, A ESCOLA, E SUA<br />

INFLUÊNCIA NO DESENVOLVIMENTO INFANTO-<br />

JUVENIL E NA APRENDIZAGEM<br />

RESUMO<br />

* José Antônio Baltasar<br />

** Lúcia Helena Tiosso Moretti<br />

A disfunção familiar e suas repercussões na formação <strong>de</strong> sintomas em crianças<br />

e adolescentes no contexto escolar são assuntos amplos e complexos que merecem<br />

ser apresentados e pesquisados, em vista do nível elevado <strong>de</strong> crianças e jovens<br />

que apresentam dificulda<strong>de</strong>s nesse campo do conhecimento. O objetivo <strong>de</strong>sta pesquisa<br />

foi compreen<strong>de</strong>r a formação dinâmica do contexto familiar e seus reflexos no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento infanto-juvenil e escolar. A metodologia que norteou o presente<br />

estudo foi a <strong>de</strong> Estudo <strong>de</strong> Caso, baseada nos pressupostos da psicanálise. A amostra<br />

da pesquisa foi composta por 13 famílias e 14 escolares, situados na faixa etária <strong>de</strong><br />

10 a 15 anos, apresentando queixas <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem. O estudo foi<br />

realizado no Serviço <strong>de</strong> Psicologia da <strong>UniFil</strong> – Centro Universitário Filadélfia em<br />

Londrina, Paraná, durante o ano <strong>de</strong> 2003. Para composição dos dados diagnósticos<br />

foram utilizados os seguintes instrumentos: Anamnese; a Hora do Jogo diagnóstica;<br />

Entrevistas com os adolescentes; Avaliação Familiar, segundo Soifer (1983); Levantamento<br />

da História Familiar dos pais; Entrevistas com Professores; e Técnicas<br />

Projetivas Gráficas: Procedimentos <strong>de</strong> Desenhos <strong>de</strong> Família com Estórias; Elaboração<br />

<strong>de</strong> laudos psicológicos; Entrevistas <strong>de</strong>volutivas aos pais e aos adolescentes e<br />

Recomendações Terapêuticas. Todos os dados foram analisados quantitativa e qualitativamente.<br />

Concluímos que o prolongamento e a intensida<strong>de</strong> dos distúrbios nos<br />

escolares indicam a formação <strong>de</strong> um processo neurótico. As atitu<strong>de</strong>s ina<strong>de</strong>quadas<br />

dos genitores foram as principais responsáveis pela formação <strong>de</strong> distúrbios na conduta<br />

da criança e do adolescente em <strong>de</strong>senvolvimento. Os pais <strong>de</strong>vem observar<br />

atentamente que a presença <strong>de</strong> sintomas em seus filhos po<strong>de</strong> significar problemas<br />

1<br />

* Docente do Curso <strong>de</strong> Psicologia da <strong>UniFil</strong>. Mestre em Educação pela UNOESTE – Presi<strong>de</strong>nte<br />

Pru<strong>de</strong>nte. Psicólogo clínico.<br />

E-mail: jabaltazar@uol.com.br<br />

** Doutora em Psicologia. Pós-Doutorada em Psicologia Clínica pela USP-SP. Ex-docente do Curso<br />

<strong>de</strong> Psicologia da <strong>UniFil</strong>. Ex-docente do Curso <strong>de</strong> Psicologia da Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Londrina<br />

– UEL.<br />

E-mail: lucia.ita@uol.com.br


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 127<br />

emocionais que <strong>de</strong>vem ser levados a sério, e <strong>de</strong>vem buscar orientação profissional<br />

e especializada. Os distúrbios elencados nesta pesquisa refletiram dificulda<strong>de</strong> genérica<br />

para a aprendizagem escolar ou para a conduta escolar normal.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Disfunções Familiares; Família; Escola.<br />

ABSTRACT<br />

The family dysfunction and its repercussions on the <strong>de</strong>velopment of symptoms<br />

in children and adolescents at school context are wi<strong>de</strong> and complex subjects that<br />

<strong>de</strong>serve to be presented and researched, in sight of the high level of children and<br />

young-adults that present difficulties in this area of knowledge. The objective of<br />

this research was to un<strong>de</strong>rstand the dynamical formation of the family context and<br />

its reflexes on the child-youth and school <strong>de</strong>velopment. The methodology that<br />

gui<strong>de</strong>d the present study was the Case Study, based on the Psychoanalysis theory.<br />

The sample used in this research was composed of 13 families and 14 stu<strong>de</strong>nts,<br />

aged between 10 and 15 years, with complaints of learning difficulties. The research<br />

was placed at the <strong>UniFil</strong> Psychological Service, at <strong>UniFil</strong>–Centro Universitário<br />

Filadélfia - in Londrina, Paraná, during the year of 2003. For the composition of<br />

the diagnosis data, the following instruments were used: Anamnesis; the Game<br />

Time diagnosis; Interviews with adolescents; Family Evaluation, according to<br />

Soifer (1983); Survey of the parents’ Family History; Interviews with Teachers;<br />

and Graphic Projection Techniques: Drawing Procedures of Families with Stories;<br />

Elaboration of psychological reports; returnable Interviews to the parents and to<br />

the teenagers; and Therapeutic Recommendations. All the data was analyzed<br />

quantitatively and qualitatively. We conclu<strong>de</strong> that the extension and the intensity<br />

of the stu<strong>de</strong>nts’ disturbances indicate the <strong>de</strong>velopment of a neurotic process. The<br />

ina<strong>de</strong>quate attitu<strong>de</strong>s of the genitors were the main responsible for the <strong>de</strong>velopment<br />

of disturbances on the child and adolescent behavior in their growth. The parents<br />

ought to observe attentively that the presence of symptoms in their children may<br />

mean emotional problems that must be taken seriously and they have to seek<br />

professional and specialized orientation. The disturbances listed in this research<br />

reflected the general difficulty on school learning or on normal school behavior.<br />

KEY-WORDS: Family Dysfunction; Family; School.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 128<br />

INTRODUÇÃO<br />

A dinâmica familiar <strong>de</strong> crianças e jovens com problemas <strong>de</strong> conduta é carregada<br />

<strong>de</strong> muitos conflitos, nos quais os mesmos têm, como missão, realizar os<br />

<strong>de</strong>sejos e sonhos perdidos dos pais, inclusive suas incapacida<strong>de</strong>s (<strong>de</strong> ser mo<strong>de</strong>lo,<br />

<strong>de</strong> amar, <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar afeto, <strong>de</strong> relacionamento, <strong>de</strong> cuidados, etc.).A função<br />

paterna e sua injunção na personalida<strong>de</strong> dos filhos colocam or<strong>de</strong>m no caos, evitando<br />

o <strong>de</strong>samparo e se traduzindo em segurança.<br />

A disfunção familiar e suas repercussões na formação <strong>de</strong> sintomas em crianças<br />

e adolescentes no contexto escolar são assuntos complexos que merecem ser<br />

pesquisados, em vista do elevado número <strong>de</strong> crianças e jovens que apresentam<br />

dificulda<strong>de</strong>s nesse campo do conhecimento.<br />

SOIFER (1983) aborda algumas configurações familiares que po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar<br />

o surgimento <strong>de</strong> sintomas em todos os membros da família, tais como: uma<br />

separação conjugal; prisão <strong>de</strong> um dos pais; enfermida<strong>de</strong>s na família; gestação e<br />

adoção in<strong>de</strong>sejada; pais alcoolistas; usuários <strong>de</strong> drogas; mães com <strong>de</strong>pressão pósparto;<br />

entre outras.<br />

A família é <strong>de</strong>finida como estrutura social básica, com entrejogo diferenciado<br />

<strong>de</strong> papéis, integrada por pessoas que convivem por tempo prolongado, em uma<br />

inter-relação recíproca com a cultura e a socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntro da qual se vai <strong>de</strong>senvolvendo<br />

a criatura humana, premida pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> limitar a situação<br />

narcísica e transformar-se em um adulto capaz, sendo a <strong>de</strong>fesa da vida seu objetivo<br />

primordial. As funções básicas da família po<strong>de</strong>m ser sintetizadas em duas:<br />

ensino e aprendizagem. (SOIFER, 1983)<br />

WINNICOTT (1989) fala da importância dos pais no <strong>de</strong>senvolvimento salutar<br />

do bebê, enfatizando, principalmente, a mãe, como primeira cuidadora, que,<br />

por sua vez, também precisa ser cuidada, ou seja, ter condições a<strong>de</strong>quadas para<br />

dar suporte ao filho. Para ele, o holding serve para <strong>de</strong>screver uma conduta emocional<br />

da mãe a respeito <strong>de</strong> seu filho. Ao redor dos êxitos e fracassos <strong>de</strong>ste holding<br />

situam-se os diferentes graus <strong>de</strong> perturbação psíquica. Em famílias nas quais o<br />

processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento é vivenciado como ameaçador, os padrões <strong>de</strong><br />

interação e as funções individuais tornam-se, aos poucos, enrijecidos, até que,<br />

finalmente, a patologia da criança se instala.<br />

O estudo da família e sua importância na estruturação <strong>de</strong> sintomas em seus<br />

membros tem sido abordado por vários estudiosos que acreditam que as condições<br />

nas quais ocorre o <strong>de</strong>senvolvimento da criança <strong>de</strong>terminam uma intrincada<br />

série <strong>de</strong> relações intersubjetivas, estruturadoras <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> fantasias e <strong>de</strong> significados<br />

que só po<strong>de</strong>m ser corretamente avaliadas se forem incluídas em uma<br />

psicodinâmica familiar.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 129<br />

SOIFER (1983) aponta a incidência do papel da família na enfermida<strong>de</strong> da<br />

criança, concluindo que é difícil classificar um único membro como doente em<br />

uma família, e propondo-se a estudar o entrejogo das relações familiares e sua<br />

significação para o aparecimento da “doença” em um paciente i<strong>de</strong>ntificado. Na<br />

complexa relação do indivíduo e sua família, nessa extensa i<strong>de</strong>ntificação, relação<br />

<strong>de</strong> aprendizagem afetiva, o indivíduo irá registrar uma gama <strong>de</strong> sentimentos inconscientes<br />

e <strong>de</strong>sconhecidos, que po<strong>de</strong>m ter efeitos prejudiciais e inibidores, que<br />

guardam segredos e mitos <strong>de</strong> família.<br />

A aprendizagem se inicia no lar, com ativida<strong>de</strong>s básicas nas quais a família<br />

ensina o respeito, o amor e a solidarieda<strong>de</strong>, o que é básico para a convivência<br />

humana, e social e para estabelecer o equilíbrio entre os impulsos <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição<br />

internos. A criança chega à escola levando consigo aspectos constitucionais e<br />

vivências familiares; porém o ambiente escolar será também uma peça fundamental<br />

em seu <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

KÜPFER (2000) comenta que o ato <strong>de</strong> educar está no cerne da visão psicanalítica<br />

do sujeito. É pela educação que um adulto marca seu filho com marcas <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sejo; assim, o ato educativo po<strong>de</strong> ser ampliado a todo ato <strong>de</strong> um adulto dirigido<br />

a uma criança. A escolha da escola pela família é um ponto que requer avaliação<br />

para que se possa enten<strong>de</strong>r o que levou a família a tal <strong>de</strong>cisão, quais as fantasias e<br />

expectativas, se consi<strong>de</strong>rarmos que cada instituição, bem como as famílias, têm<br />

também suas características e peculiarida<strong>de</strong>s; algumas têm um sistema mais “rígido”,<br />

outras são mais “flexíveis”.<br />

A família precisa saber por que optou por esta ou aquela escola, o que torna<br />

necessário conhecer a instituição tanto quanto possível. As escolas não são organizadas<br />

para receber “qualquer criança”, assim como as crianças não necessitam<br />

<strong>de</strong> se adaptar a “qualquer escola”. A função da escola é educar, isto é, conforme o<br />

significado etimológico da palavra, “colocar para fora” o potencial do indivíduo,<br />

e oferecer um ambiente propício ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ssas potencialida<strong>de</strong>s; ao<br />

contrário <strong>de</strong> ensinar, que significa in + signo, ou seja, colocar “signos para <strong>de</strong>ntro”<br />

do indivíduo.<br />

OUTEIRAL e CEREZER (2003) relatam que a escola e a educação vivem<br />

um momento <strong>de</strong> perplexida<strong>de</strong>, sem <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> como conciliar as necessida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> em mudança permanente (com contestação, transformações e<br />

mudanças <strong>de</strong> paradigmas e valores) e uma proposta educacional que prepare “o<br />

homem do futuro”. Temos <strong>de</strong> pensar, então, que nem sempre a escola “tem razão”,<br />

e que, muitas vezes, a apreciação do adolescente é correta. A escola é feita por<br />

indivíduos (professores, supervisores, orientadores e diretores são “pessoas”) que<br />

lidam melhor, ou pior, com <strong>de</strong>terminadas situações. Os pais têm que estar atentos<br />

para situações que se <strong>de</strong>rivam <strong>de</strong>sses fatos.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 130<br />

O que confere à escola importância vital no processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do<br />

adolescente é o fato <strong>de</strong> ela ter características <strong>de</strong> ser uma simulação da vida, na<br />

qual existem regras a serem seguidas, mas que po<strong>de</strong>m ser transgredidas sem que<br />

se sofram as conseqüências impostas pela socieda<strong>de</strong>, e ser esta uma oportunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r com a transgressão.<br />

Deve-se levar em conta, também, que a relação do aluno com a escola é<br />

afetada pela significação que os pais dão a ela, aos estudos <strong>de</strong> seu filho e às relações<br />

<strong>de</strong>le com os <strong>de</strong>mais alunos. Pais que tenham sido submetidos a uma<br />

escolarização muito rígida po<strong>de</strong>m, inconscientemente, buscar uma escola permissiva<br />

que “compense” a sua vivência escolar <strong>de</strong> sofrimento. Po<strong>de</strong>m, por outro lado,<br />

fazer com que seus filhos sofram tanto quanto eles e “passem” por tal situação<br />

para po<strong>de</strong>rem se tornar “tão educados” quanto eles.<br />

Objetivos<br />

• Compreen<strong>de</strong>r a formação dinâmica do contexto familiar e seus reflexos<br />

no <strong>de</strong>senvolvimento infanto-juvenil e escolar;<br />

• Efetuar levantamento e estudo dos conflitos familiares e seus reflexos em<br />

forma <strong>de</strong> sintomas em crianças e adolescentes;<br />

• Realizar psicodiagnóstico familiar e individual;<br />

• Indicar recomendações terapêuticas à escola, à família e seus membros;<br />

• Desenvolver processo psicoterápico.<br />

Metodologia<br />

A pesquisa foi realizada segundo a Metodologia <strong>de</strong> Estudo <strong>de</strong> Caso.<br />

População Amostrada<br />

1. Participaram <strong>de</strong>ste estudo 13 famílias da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Londrina, que procuraram<br />

o Serviço <strong>de</strong> Psicologia, buscando ajuda para os filhos que apresentavam<br />

dificulda<strong>de</strong>s escolares e <strong>de</strong> aprendizagem; 2. 14 escolares, 8 do sexo masculino e<br />

6 do feminino, situados na faixa etária <strong>de</strong> 10 a 15 anos, cursando da 2ª à 7ª série<br />

do ensino fundamental.<br />

Local <strong>de</strong> Realização<br />

A pesquisa foi realizada no Serviço <strong>de</strong> Psicologia da <strong>UniFil</strong> – Centro Universitário<br />

Filadélfia, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Londrina (PR), no período <strong>de</strong> fevereiro a <strong>de</strong>zembro<br />

<strong>de</strong> 2003.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 131<br />

Procedimento <strong>de</strong> Coleta e Análise dos Dados<br />

A coleta dos dados contou com a colaboração <strong>de</strong> 3 docentes, supervisores <strong>de</strong><br />

estágio, e <strong>de</strong> 11 estagiários que cursavam o 5º ano <strong>de</strong> Psicologia da <strong>UniFil</strong> –<br />

Centro Universitário Filadélfia, <strong>de</strong> Londrina, durante o ano letivo <strong>de</strong> 2003. O<br />

trabalho obe<strong>de</strong>ceu às seguintes etapas:<br />

- Leitura e seleção das triagens realizadas no ano <strong>de</strong> 2002 e início <strong>de</strong> 2003,<br />

nas quais estavam as queixas relacionadas aos problemas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

infanto-juvenil com repercussão no contexto escolar;<br />

- Seleção das triagens para uma entrevista inicial com os pais das crianças e<br />

dos adolescentes, visando explicar o trabalho a ser <strong>de</strong>senvolvido com a família;<br />

- Seleção dos instrumentos utilizados na coleta <strong>de</strong> dados: Anamnese (realizada<br />

com os pais das crianças e dos adolescentes); A Hora do Jogo Diagnóstica -<br />

Entrevistas com os adolescentes - Avaliação familiar – Aplicação da prova Procedimentos<br />

<strong>de</strong> Desenhos <strong>de</strong> Famílias com Estórias (TRINCA, 1991) - Realização <strong>de</strong><br />

entrevistas com professores - Composição dos dados diagnósticos - Entrevistas<br />

<strong>de</strong>volutivas aos pais, às crianças, aos adolescentes e aos professores - Recomendações<br />

terapêuticas - Tratamento psicoterápico.<br />

Resultados e Discussão<br />

Em 35,71% dos casos, foi observada ausência <strong>de</strong> um significante paterno<br />

presente que colaborasse na educação do filho junto à mãe. Dos casos analisados,<br />

28,57% apontaram mães solteiras que tinham a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> educar e cuidar<br />

<strong>de</strong> seus filhos. A separação dos pais, <strong>de</strong> 28,57% dos entrevistados, mostrou<br />

ser um problema para a dinâmica familiar. Dos 14 casos <strong>de</strong>scritos, 28,57% dos<br />

pais eram alcoolistas; a presença <strong>de</strong> um pai agressivo e violento e a criança tendo<br />

que conviver com a situação <strong>de</strong> conflito, estiveram presentes em 21,43% dos casos.<br />

Dos 14 escolares, 57,14% sofreram, pelo menos uma, reprovação escolar;<br />

50,0% apresentaram baixa auto–estima; 42,86% exibiram angústia e ansieda<strong>de</strong>;<br />

42,86% <strong>de</strong>monstraram problemas <strong>de</strong> relacionamento na escola; 28,57% tiveram<br />

dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relacionamento com professores; e 28,57% apresentaram rendimento<br />

escolar baixo. A agressivida<strong>de</strong> foi observada em 57,14% dos jovens; problemas<br />

<strong>de</strong> relacionamento na escola foram apontados em 42,85%; ausência <strong>de</strong><br />

limites, em 28,54%; e 7,14% da amostra haviam furtado dinheiro dos pais, cometido<br />

vandalismo social, <strong>de</strong>sinteresse generalizado, etc.


Conclusões<br />

TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 132<br />

Muitos conflitos neuróticos da infância, da adolescência e dos adultos jovens<br />

po<strong>de</strong>m estar ligados à patologia dos sistemas familiares. As atitu<strong>de</strong>s dos pais<br />

e da família costumam propiciar seu estabelecimento. São famílias que apresentam<br />

falhas nos valores morais, e sérias tendências a transgressões éticas e das<br />

normas sociais: a criança cresce entregue a si mesma, sendo-lhe permitido que<br />

faça qualquer coisa, mesmo com o risco <strong>de</strong> um aci<strong>de</strong>nte, e só o que importa é que<br />

não incomo<strong>de</strong> os <strong>de</strong>mais. Crianças e adolescentes “pe<strong>de</strong>m limites” e estes os ajudam<br />

a organizarem suas mentes. Os adultos po<strong>de</strong>rão também ter dificulda<strong>de</strong>s em<br />

colocar “limites” em função <strong>de</strong> problemas passados com seus próprios pais, tendo<br />

sido “reprimidos” nas suas infâncias e adolescências.<br />

Muitos acreditam que as crianças que proce<strong>de</strong>m <strong>de</strong> famílias “disfuncionais”<br />

ou “carentes” são incapazes e <strong>de</strong>smotivadas, e <strong>de</strong>stinadas a falhar na sua escolarida<strong>de</strong>,<br />

tendo o seu futuro já pre<strong>de</strong>terminado na socieda<strong>de</strong>.<br />

Os pais têm a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer parte do processo educacional <strong>de</strong><br />

seus filhos, não somente os professores e <strong>de</strong>mais componentes da escola. A escola<br />

<strong>de</strong>ve ter uma mentalida<strong>de</strong> aberta, procurando conhecer e enten<strong>de</strong>r as necessida<strong>de</strong>s<br />

e interesses reais <strong>de</strong> seus alunos, suas famílias e comunida<strong>de</strong>; e ser <strong>de</strong>la parte<br />

integrante e não uma ilha elitista e formal. As interações informais entre pais e<br />

professores, baseadas no respeito mútuo e clareza <strong>de</strong> comunicação, po<strong>de</strong>m fortalecer<br />

a colaboração e o engajamento dos pais e educandos nos objetivos e ativida<strong>de</strong>s<br />

da escola, evitando assim a alienação.<br />

As atitu<strong>de</strong>s ina<strong>de</strong>qüadas dos pais foram as principais responsáveis pela formação<br />

<strong>de</strong> distúrbios <strong>de</strong> conduta dos jovens. Tais distúrbios refletiram-se em dificulda<strong>de</strong><br />

genérica para a aprendizagem escolar e/ou para a conduta escolar normal.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

ACKERMANN, N. W. Diagnóstico e tratamento das relações familiares. Porto<br />

Alegre: Artes Médicas, 1986.<br />

BOWLBY, J. Cuidados maternos e saú<strong>de</strong> mental. São Paulo: Martins Fontes, 1981.<br />

CAPELLATO, I. A Gran<strong>de</strong> família. O <strong>de</strong>senvolvimento da afetivida<strong>de</strong>. Revista<br />

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CAPELATTO, I. R. Diálogos sobre a afetivida<strong>de</strong>: o nosso lugar <strong>de</strong> cuidar. Entrevistas<br />

a Patrícia Zanin Heitzmann. Londrina: ONG VIR A SER, Grupo<br />

Transdisciplinar pela Conservação da Vida em Socieda<strong>de</strong>, contracapa, 2001.<br />

FREUD, S. Obras psicológicas completas da Edição Standard. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Imago, 1969.


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TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 136<br />

OS HACKERS E A PIRATARIA CIBERNÉTICA<br />

* Carlos Francisco Borges Ferreira Pires<br />

* Rogério Martins <strong>de</strong> Paula<br />

RESUMO<br />

* Simone Vinhas <strong>de</strong> Oliveira<br />

1<br />

* Renata Silveira <strong>de</strong> Paiva<br />

* Yeza Bozo Tonin<br />

* Fernanda Dias Franco<br />

** Valkíria Aparecida Lopes Ferraro<br />

O presente trabalho tem o objetivo <strong>de</strong> apresentar os diferentes tipos <strong>de</strong> invasores<br />

cibernéticos, suas características e níveis <strong>de</strong> periculosida<strong>de</strong>. Aborda o problema<br />

atual da pirataria, o surgimento dos arquivos MP3, sua repercussão pela<br />

Internet, e como o mercado atual está enfrentando a situação. Não somente a<br />

indústria fonográfica sofre prejuízos; o problema atinge também a indústria <strong>de</strong><br />

softwares. Por fim, procura-se fazer um paralelo dos fatos analisados, evi<strong>de</strong>nciando<br />

que a pirataria não é um problema que se encontra isolado, estando intimamente<br />

ligado a uma condição social, cultural e econômica.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Internet; Hacker; Invasão; Pirataria; Software; MP3;<br />

Prejuízos; Conscientização.<br />

ABSTRACT<br />

The present work aims at presenting the different kinds of Internet invasions,<br />

their characteristics and levels of peril. It approaches the current problem of piracy,<br />

the appearance of MP3 archives, their great acceptation on the Internet, and the<br />

way current market id facing the situation. The piracy problem does not target<br />

only the phonographic industry but also the production of software. Finally, there<br />

is the preoccupation to show that piracy is not an isolate problem. It is closely<br />

linked to social, cultural, and economical conditions.<br />

* Acadêmico(a) do Curso <strong>de</strong> Direito da Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Londrina – UEL.<br />

** Docente do Centro Universitário Filadélfia – <strong>UniFil</strong>. Mestre em Direito das Relações Sociais<br />

pela Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Londrina - UEL. Doutora em Direito das Relações Sociais pela<br />

PUC-SP. Professora Adjunto-B do Curso <strong>de</strong> Graduação em Direito Civil. Docente do Curso <strong>de</strong><br />

Mestrado em Direito Negocial da UEL.<br />

E-mail: valkiria@sercomtel.com.br


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 137<br />

KEY WORDS: Internet; Hacker; Invasion; Piracy; Software; MP3;<br />

Damage; Awareness.<br />

INTRODUÇÃO<br />

Quando algum assunto sobre pirataria cibernética é discutido, a figura do<br />

hacker é imprescindível. A presença <strong>de</strong>ssa personagem é marcante por todo o<br />

universo da Internet. Além disso, a simples pronúncia da palavra “hacker” está,<br />

atualmente, relacionada aos piores e mais experientes invasores que navegam pela<br />

re<strong>de</strong>.<br />

Esta idéia, por sua vez, não está completamente errada, mesmo porque esses<br />

invasores são realmente muito experientes e competentes nas suas ativida<strong>de</strong>s, sendo<br />

elas lícitas ou ilícitas. Dessa forma, por serem os mais populares piratas da Internet,<br />

os hackers ficam em uma posição muito <strong>de</strong>licada, uma vez que tomam para si<br />

toda a culpa dos transtornos ocorridos na Internet.<br />

Da mesma maneira que existe diferença entre piratas, bucaneiros, corsários<br />

e flibusteiros, existem diferenças entre os tipos <strong>de</strong> invasores <strong>de</strong> computadores.<br />

Uns menos, outros mais terríveis que os famosos hackers.<br />

A presente pesquisa analisará os diferentes tipos <strong>de</strong> invasores, os problemas<br />

atuais sobre pirataria cibernética, bem como o fator comum entre os dois.<br />

1- DIFERENTES INVASORES<br />

Newbies ou Wannabe:<br />

Estes são os principiantes. Não conhecem programação <strong>de</strong> computadores.<br />

Apren<strong>de</strong>m uma técnica ou outra e, <strong>de</strong>vido a elas, se consi<strong>de</strong>ram gran<strong>de</strong>s invasores.<br />

Apren<strong>de</strong>ram a usar alguns programas já prontos para <strong>de</strong>scobrir senhas e invadir<br />

sistemas com servidores fracos. Geralmente, são usuários domésticos que costumam<br />

causar problemas com os usuários <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> bate-papo, como chat<br />

e ICQ. Devido a seus escassos conhecimentos, é fácil para uma pessoa se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong>sses invasores.<br />

Lammers:<br />

Lamer significa novato. Essa é a forma pela qual estes invasores são conhecidos<br />

pelos Hackers. São consi<strong>de</strong>rados uma versão mais apurada dos newbies, por<br />

conhecerem um pouco mais <strong>de</strong> programação <strong>de</strong> computador e técnicas <strong>de</strong>”<br />

hackerismo”. Eles po<strong>de</strong>m causar um pouco mais <strong>de</strong> dor <strong>de</strong> cabeça aos usuários<br />

domésticos e às pequenas empresas. Geralmente preferem trabalhar sozinhos.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 138<br />

Car<strong>de</strong>rs:<br />

Conhecem muito bem sobre programação <strong>de</strong> computador e possuem gran<strong>de</strong>s<br />

técnicas, inclusive técnicas próprias, <strong>de</strong> “hackerismo”.<br />

Os car<strong>de</strong>rs são os hackers especializados em roubos <strong>de</strong> números <strong>de</strong> cartões<br />

<strong>de</strong> crédito, bem como seu uso ilícito para realizarem compras pela Internet. Causam<br />

gran<strong>de</strong>s estragos e são, tecnicamente, muito difíceis <strong>de</strong> serem localizados.<br />

Esses especialistas costumam fazer seus ataques direcionados às operadoras <strong>de</strong><br />

cartões <strong>de</strong> crédito.<br />

Hackers:<br />

“Hacker” é a palavra <strong>de</strong>stinada àqueles invasores que são capazes <strong>de</strong> achar<br />

falhas em um sistema e consertá-las. Aliás, são pessoas que possuem uma gran<strong>de</strong><br />

facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise e assimilação para com o computador. Sabem que não existe<br />

sistema que não possua falhas. Para encontrá-las, utilizam as mais variadas técnicas,<br />

mesmo porque, quanto mais variado é o conhecimento, mais valioso este se<br />

torna. Muitas vezes, esses operadores chegam a criar seus próprios programas<br />

para que possam invadir <strong>de</strong>terminado sistema com mais eficiência.<br />

Não atacam computadores domésticos; as empresas são seus alvos preferidos.<br />

Quando atacam, causam pouco ou nenhum dano; contudo, é raro não conseguirem<br />

as informações que buscam.<br />

Crackers:<br />

Estes, sim, são perigosos. Os crackers não se diferem muito dos hackers,<br />

salvo pela sua se<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição. O prazer <strong>de</strong>les está em invadir computadores e<br />

causar o maior prejuízo possível pela Internet. São conhecidos como os “Cyber<br />

Terroristas”.<br />

Geralmente <strong>de</strong>ixam recados malcriados por on<strong>de</strong> passam e <strong>de</strong>stroem tudo<br />

que vêem pela frente.<br />

Também são atribuídos aos crackers programas que retiram travas em<br />

softwares, bem como os que alteram suas características, adicionando ou modificando<br />

opções, muitas vezes relacionadas à pirataria.<br />

Phreakers:<br />

Estes invasores são os hackers especializados em telefonia. Dentro <strong>de</strong> suas<br />

principais ativida<strong>de</strong>s, estão as ligações gratuitas, reprogramação <strong>de</strong> centrais telefônicas<br />

ou instalação <strong>de</strong> escutas (algo como: a cada vez que o telefone da vítima<br />

tocar, o <strong>de</strong>le também tocará e a conversa po<strong>de</strong>rá ser ouvida normalmente).


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 139<br />

O gran<strong>de</strong> problema é que esses invasores são praticamente impossíveis <strong>de</strong> se<br />

localizar, pois são capazes <strong>de</strong> forjar outros culpados para suas ações e permanecerem<br />

invisíveis quando rastreados. Os danos causados por esse tipo <strong>de</strong> invasão<br />

po<strong>de</strong>m ser extremamente drásticos.<br />

2- PIRATARIA E O PROBLEMA DOS MP3<br />

Os dicionários explicitam que constitui “pirataria” todo ato <strong>de</strong> se copiar obra<br />

comercializável sem autorização <strong>de</strong> seu criador.<br />

Na realida<strong>de</strong>, a obra não possui a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser particularmente<br />

comercializável, uma vez que, <strong>de</strong> acordo com a legislação pátria, constitui crime<br />

editar obra literária, artística ou científica, sem autorização do autor, como está<br />

expresso na lei Nº 9.610, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1998, que dispõe sobre os direitos<br />

autorais no país. O simples plágio já constitui crime.<br />

Mesmo que a pirataria no país venha diminuindo em números, estes ainda se<br />

encontram elevados e os prejuízos causados são igualmente terríveis, chegando a atingir<br />

cifras relevantes. Neste aspecto, encontram-se dois produtos que po<strong>de</strong>riam ser enquadrados<br />

como os mais procurados pelo público e, como corolário natural, os maiores<br />

causadores dos atuais índices <strong>de</strong> produtos pirateados: os softwares e as músicas.<br />

Os softwares são os programas <strong>de</strong> computador. O cidadão, ao comprar um<br />

software não adquire o direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> sobre a obra. Somente cabe-lhe usála,<br />

pois obteve apenas uma licença <strong>de</strong> uso exclusivo. Tendo adquirido um exemplar<br />

original, o usuário po<strong>de</strong>ria copiá-lo e comercializá-lo, unicamente, se obtivesse<br />

uma autorização anterior do autor.<br />

Além <strong>de</strong>stes <strong>de</strong>talhes supra mencionados, vale lembrar que cada pacote <strong>de</strong><br />

software possui um número <strong>de</strong> registro. Isto significa que cada software só po<strong>de</strong><br />

ser usado em apenas uma máquina ao mesmo tempo. Utilizá-lo em uma outra<br />

máquina, mesmo que seja da mesma empresa, constitui pirataria. Contudo, alguns<br />

programas, <strong>de</strong>vido a cláusulas em seus contratos, permitem o seu uso, limitado,<br />

em outras máquinas.<br />

Segundo a Software & Information Industry Association (SIIA), em parceria<br />

com o Business Software Alliance (BSA), nos últimos cinco anos, os prejuízos<br />

causados pelos piratas <strong>de</strong> softwares foram estipulados em 59 bilhões <strong>de</strong> dólares.<br />

Um outro <strong>instituto</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte estima que, somente no ano passado, o prejuízo<br />

ultrapassa a casa dos US$ 12 bilhões.<br />

De acordo com a ABES (Associação Brasileira das Empresas <strong>de</strong> Softwares),<br />

a taxa <strong>de</strong> pirataria <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> computador no país atinge a marca <strong>de</strong> 56%,<br />

com perdas próximas a US$ 920 milhões. Segundo a associação, os <strong>de</strong>z países<br />

com maiores prejuízos são, respectivamente, Estados Unidos, Japão, Inglaterra,


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 140<br />

Alemanha, China, França, Canadá, Itália, Brasil e Holanda, que, juntos, representam<br />

70% das perdas globais. Na Rússia, China e Paraguai, a pirataria interna está<br />

acima <strong>de</strong> 80% do que é vendido ao público.<br />

No que tange às músicas, em particular, <strong>de</strong>pois da criação dos arquivos MP3<br />

e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trocas pelos internautas, o problema se tornou muito maior.<br />

Um arquivo <strong>de</strong> MP3 nada mais é do que um arquivo compactado da música.<br />

Muito mais fácil <strong>de</strong> se trabalhar e <strong>de</strong> espalhá-los pela re<strong>de</strong>. O divisor <strong>de</strong> águas<br />

neste aspecto foi o programa conhecido como Napster. Este é um simples programa<br />

<strong>de</strong> compartilhamento <strong>de</strong> arquivos, que se tornou tão prejudicial à indústria<br />

fonográfica que até bandas, como a americana “Metallica”, foram ao judiciário<br />

pedir a proibição do programa, ou então que os responsáveis pelo mesmo cobrassem<br />

pelas músicas fornecidas. Hoje, o Napster encontra-se obsoleto, mas outros<br />

programas <strong>de</strong> compartilhamento <strong>de</strong> arquivos estão no mercado, po<strong>de</strong>ndo ser citados<br />

o KaZaa e o WinMX como sendo os mais conhecidos.<br />

Não existe uma maneira do governo controlar quem é usuário <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong><br />

negócio, mesmo porque, no Brasil, não é crime o internauta copiar arquivos musicais<br />

apenas para uso próprio, sem a intenção <strong>de</strong> reproduzi-los e comercializá-los.<br />

A única forma <strong>de</strong> garantir a proteção <strong>de</strong> arquivos musicais na re<strong>de</strong> é apostar em<br />

sistemas <strong>de</strong> segurança, tais como criptografia e senhas. O acesso a um arquivo<br />

MP3 pelo internauta se restringiria a somente escutar a música. Copiá-la e espalhála<br />

seria, no caso, impossível.<br />

Devido a esta incrível forma <strong>de</strong> chegada da Internet e dos arquivos MP3,<br />

várias gravadoras brasileiras estão se adaptando à nova situação.<br />

A Internet é uma ótima opção para mostrar lançamentos. Através da política<br />

da <strong>de</strong>gustação, as gravadoras fornecem parte ou até faixas inteiras <strong>de</strong> seus lançamentos<br />

para atiçarem os compradores. De toda sorte, esta é uma tática muito pertinente,<br />

pois, uma pesquisa recente da Nielsen/NetRatings, com internautas americanos,<br />

mostrou que os maiores compradores <strong>de</strong> CD´s originais são aqueles que<br />

fazem downloads <strong>de</strong> músicas. Por outro lado, gravadoras como a Paradoxx Music,<br />

mesmo acreditando que a Re<strong>de</strong> é uma forte ferramenta para a divulgação, não<br />

disponibiliza nenhuma faixa completa <strong>de</strong> seu catálogo.<br />

Não obstante esta manobra da indústria fonográfica significar uma atualização<br />

<strong>de</strong> seus negócios, buscando uma nova alternativa no mercado, a opinião não é<br />

unânime. Gravadoras <strong>de</strong> menor porte e <strong>de</strong> menor po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ntro do mercado, são<br />

prejudicadas com os MP3. A saída encontrada foi a divulgação gratuita <strong>de</strong> algumas<br />

faixas pela Re<strong>de</strong>.<br />

A Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos (APDIF) explica<br />

que constitui ilegalida<strong>de</strong>, nacional e internacional, não somente sites, mas<br />

todos os serviços que permitem armazenagem, distribuição, busca, comércio e


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 141<br />

execução <strong>de</strong> músicas através da Internet.<br />

Dessa forma, mesmo que constitua, <strong>de</strong> acordo com a legislação, contravenção<br />

utilizar músicas da Internet para consumo próprio, o usuário não cometeria<br />

pirataria se navegasse por sites <strong>de</strong> gravadoras que disponibilizassem graciosamente<br />

seus materiais originais.<br />

3 - A PIRATARIA COMO PROBLEMA ONTOLÓGICO<br />

A pirataria, contudo, não po<strong>de</strong> ser vista <strong>de</strong> maneira isolada. As áreas da<br />

realida<strong>de</strong> atingidas por sua prática, significam mais do que apenas o <strong>de</strong>srespeito<br />

aos direitos autorais ou a falta <strong>de</strong> educação em relação à produção intelectual.<br />

O problema está envolvido nas esferas social, cultural e econômica. Social,<br />

porque é inimaginável uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvida sem a presença da tecnologia<br />

da informática. Cultural, pois existe uma gran<strong>de</strong> discrepância entre um produto<br />

original e seu similar pirateado. Por fim, o problema é também econômico, pois,<br />

além <strong>de</strong> todo o contexto conflituoso, o usuário, muitas vezes, não tem condições<br />

<strong>de</strong> adquirir o produto original.<br />

No que tange aos softwares, po<strong>de</strong>-se afirmar que o computador tornou-se<br />

algo imprescindível em qualquer ambiente <strong>de</strong> trabalho. Nos dias <strong>de</strong> hoje, é uma<br />

ferramenta praticamente obrigatória. Nesse ponto, um cidadão que começa sua<br />

pequena empresa e necessita informatizá-la pagaria por um computador novo algo<br />

em torno <strong>de</strong> R$ 1.500. Para comprar todos os softwares necessários, gastaria mais<br />

R$ 3.000. Um total <strong>de</strong> R$ 4.500 para um único computador! Por outro lado, esse<br />

mesmo cidadão não gastaria R$ 200 para adquirir os mesmos programas pirateados.<br />

Com base na situação financeira da socieda<strong>de</strong> brasileira atual, é fácil adivinhar<br />

qual seria a saída escolhida, tendo como verda<strong>de</strong>, não tão absurda, que o cidadão<br />

sente-se obrigado a adquirir produtos piratas para que possa ter alguma chance no<br />

mercado <strong>de</strong> trabalho, tendo em vista a sua condição <strong>de</strong> emergência.<br />

Não há sombra <strong>de</strong> dúvidas que a produção <strong>de</strong> um software abrange vários<br />

outros fatores, como: cifras bilionárias, geração <strong>de</strong> empregos e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

um conhecimento técnico extremamente específico. Todavia, a gran<strong>de</strong> responsável<br />

pelo domínio da informática em todo o mundo, analisando-se através <strong>de</strong> uma<br />

visão mais realista, é a pirataria. Se não existissem tantos produtos piratas, variando<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> programas até computadores inteiros, haveria um número muito menor<br />

<strong>de</strong> micros, uma vez que o número <strong>de</strong> pessoas capazes financeiramente <strong>de</strong> adquirir<br />

tal produto seria, conseqüentemente, muito menor.<br />

Um relativismo sátiro, chegando quase a uma dicotomia própria da época<br />

contemporânea: a pirataria e a indústria da informática estão, a cada dia, cami-


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 142<br />

nhando ligadas por laços mais estreitos.<br />

Já a indústria fonográfica está em uma posição sutilmente diferente. Comparando<br />

os preços médios, em dólares, <strong>de</strong> CD´s em todo o mundo, o Japão é o país<br />

que os ven<strong>de</strong> pelo maior preço: algo em torno <strong>de</strong> US$ 22. O Brasil, o que os ven<strong>de</strong><br />

mais barato, variando entre US$ 12 e US$ 14.<br />

De toda a sorte, esta pesquisa nos parece mal formulada, uma vez que o<br />

principal ponto a ser analisado, não é o preço do CD em si, mas sim, quanto é a<br />

renda do cidadão para que possa comprar o produto. O importante é o preço relativo<br />

<strong>de</strong>ntro do mercado.<br />

Mesmo tendo um dos mais baixos preços do mundo, o CD produzido e<br />

comercializado no Brasil significa quase 13% do valor do salário mínimo do país.<br />

Um trabalhador que ganha um salário mínimo por mês não tem condições <strong>de</strong><br />

comprar sequer um CD original, mesmo porque seu similar pirata é encontrado na<br />

faixa dos cinco reais.<br />

O cantor e compositor brasileiro, Lobão, não mais possui contrato com gravadora<br />

alguma. De acordo com o cantor, as gravadoras beneficiam-se através <strong>de</strong><br />

uma política <strong>de</strong> exploração em relação ao artista. Atualmente, Lobão possui uma<br />

gravadora in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, ven<strong>de</strong> seus CD’s em bancas <strong>de</strong> jornal com valor <strong>de</strong>, aproximadamente,<br />

sete reais. Explica que seu lucro, ven<strong>de</strong>ndo o CD por este preço, é<br />

maior do que se o ven<strong>de</strong>sse por trinta reais através <strong>de</strong> uma gravadora.<br />

O problema da pirataria é mais complexo do que parece. Especialistas utilizam-se<br />

<strong>de</strong> argumentos, como a falta <strong>de</strong> educação da população, para fundamentar<br />

a prática do uso <strong>de</strong> produtos piratas e o <strong>de</strong>srespeito aos direito autorais.<br />

Mas, se os arquivos MP3 são tão perigosos para a indústria fonográfica,<br />

como se explica o nível crescente no mercado (<strong>de</strong> 15,5% em 2001, para 20,3%,<br />

em 2002) <strong>de</strong> aparelhos eletrônicos capazes <strong>de</strong> tocar arquivos <strong>de</strong> MP3? Por que o<br />

<strong>de</strong>srespeito é somente daqueles que utilizam CD´s piratas e não daqueles que<br />

fabricam os aparelhos que os reproduzem, estimulando o consumo da pirataria?<br />

O problema já atinge tamanha proporção que a União Européia criou uma<br />

agência para combater a pirataria e os hackers. O novo órgão coor<strong>de</strong>nará esforços<br />

para uma maior segurança na Internet, diante <strong>de</strong> seu uso crescente por parte <strong>de</strong><br />

empresas e indústrias do antigo continente.<br />

Porém, não é necessário atravessar o oceano para se encontrar terríveis<br />

hackers e criminosos virtuais. O Brasil conquistou o título <strong>de</strong> maior laboratório<br />

do cybercrime em todo o mundo, segundo um levantamento feito pela empresa<br />

britânica, mi2g. Os criminosos brasileiros agem nos mais variados campos, como<br />

roubo <strong>de</strong> id<strong>entida<strong>de</strong></strong>, frau<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cartões <strong>de</strong> crédito, violação <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> intelectual<br />

e protestos políticos.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 143<br />

Outro recor<strong>de</strong> alcançado pelos piratas brasileiros foi o número <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong><br />

hackers na lista TOP 10 (os <strong>de</strong>z mais ativos). O Brasil, simplesmente, ocupa todas<br />

as posições (informações que datam <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2002). Por este motivo, a<br />

língua oficial do “movimento hacker” na Internet é o português.<br />

CONCLUSÕES<br />

Este artigo não faz nenhuma apologia aos produtos piratas ou à prática do<br />

hackerismo. A população não é a maior culpada por isso, mas a principal vítima<br />

da exploração econômica. O valor <strong>de</strong> seu dinheiro sofre uma <strong>de</strong>svalorização tremenda<br />

e o valor dos produtos, ao contrário, sobe <strong>de</strong> maneira que, ou a maioria da<br />

população adquire o produto pirata, ou simplesmente não adquire produto algum.<br />

Infelizmente, são poucos os afortunados que po<strong>de</strong>m se dar ao luxo <strong>de</strong> ter somente<br />

produtos originais.<br />

Por outro lado, um ponto que é <strong>de</strong> extrema relevância: se a pessoa que é fã e<br />

simpatiza com tal artista ou banda, por exemplo, utilizar seus conhecimentos <strong>de</strong><br />

hacker para piratear ou adquirir o similar pirata, quem estaria disposto a adquirir<br />

o produto original? Quem incentivaria o artista ou o produtor <strong>de</strong> software senão<br />

os consumidores que admiram o seu trabalho?<br />

O dia em que questões como as aqui discutidas se tornarem sem importância,<br />

po<strong>de</strong>mos ter certeza que não mais haverá criação alguma, e tudo continuará<br />

do jeito que se encontrava antes. A conscientização é o caminho mais árduo a<br />

ser transpassado, mas, com certeza, é o que trará melhores resultados em um<br />

futuro próximo.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 144<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

BLUM, Carlos. Pirataria <strong>de</strong> software.<br />

In: setrem, 2004. Disponível em < http://www.setrem.com.br/~ez0025240/<br />

mono02.htm >. Acesso em: 05 mar., 2004 ás 16:32.<br />

LIRA, Francisco Rômulo Sampaio. Hackers e pirataria.<br />

In: taubatenetnews, 2004. Disponível em<br />

< http://www.taubatenetnews.com.br/arquivo/in_0308_1.html>. Acesso em: 04<br />

mar. 2004 às 23:53.<br />

ZOZIN, Janaína. Pirataria na Internet.<br />

In: interneteodireito, 2004. Disponível em:<br />

. Acesso em: 05 mar. 2004 às 16:46.<br />

_________. Hackerismo e pirataria.<br />

Disponível em: . Acesso<br />

em: 04 mar. 2004 às 22:44.<br />

_________. Brasil li<strong>de</strong>ra ranking mundial <strong>de</strong> hackers e crimes virtuais.<br />

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<br />

Acesso em: 05 mar. 2004 às 16:38.<br />

__________. União Européia cria agência contra pirataria na Internet.<br />

Disponível em: <br />

Acesso em: 04 mar. 2004 às 19:59.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 145<br />

ATENDENDO À KPA REQUISITOS DO CMM<br />

ATRAVÉS DO RUP E FERRAMENTAS RATIONAL<br />

RESUMO<br />

* Fábio Luiz Gambarotto 1<br />

** A<strong>de</strong>mir Morgenstern Padilha<br />

O CMM, Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Capacida<strong>de</strong> e Maturida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>senvolvido pela Carnage<br />

Mellon University, estabelece práticas <strong>de</strong> Engenharia <strong>de</strong> Software relacionadas<br />

com aspectos gerenciais, organizacionais e técnicos. Quando essas práticas são<br />

seguidas rotineiramente, as organizações se capacitam para atingir metas<br />

estabelecidas <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> custos, cronograma e produtivida<strong>de</strong> [2]. Já o RUP é<br />

um framework <strong>de</strong> processo <strong>de</strong> software que oferece uma abordagem, baseada em<br />

disciplinas, para atribuir tarefas e responsabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma organização<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento [3]. O objetivo do presente artigo é avaliar como o RUP aten<strong>de</strong><br />

à KPA requisitos do CMM-SW e, a partir <strong>de</strong>ssa avaliação, realizar um<br />

mapeamento <strong>de</strong>talhado das disciplinas, artefatos e ferramentas necessários para<br />

atingir as metas, compromissos, habilida<strong>de</strong>s, ativida<strong>de</strong>s, medições e análises, e<br />

verificação da implementação, necessários para aten<strong>de</strong>r aos requisitos <strong>de</strong>sta KPA.<br />

PALAVRAS-CHAVE: CMM; KPA; Requisitos; RUP.<br />

ABSTRACT<br />

CMM, the Capacity Maturity Mo<strong>de</strong>l, powered by Carnage Mellon University,<br />

establishes practices of Software Engineering related to managerial, organizational,<br />

and technical aspects. When these practices are routinely followed, the<br />

organizations are enabled to reach established goals of cost control, schedule and<br />

productivity [2]. The RUP, on the other hand, is a software process framework<br />

that offers an approach based on disciplines to attribute tasks and responsibilities<br />

within a <strong>de</strong>velopment organization [3]. The objective of this work is to evaluate<br />

how the RUP matches the KPA requirements of the SW-CMM and, based on<br />

* Graduado em Tecnologia <strong>de</strong> Processamento <strong>de</strong> Dados (TEC) pelo Centro Universitário Filadélfia<br />

– <strong>UniFil</strong>. Especialista em Engenharia <strong>de</strong> Software com UML. E-mail: faluga@bol.com.br<br />

**Docente do Centro Universitário Filadélfia – <strong>UniFil</strong>. Mestre em Ciência da Computação pela<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Campinas – UNICAMP. Consultor em Tecnologia da Informação. Orientador da<br />

pesquisa. E-mail: a<strong>de</strong>mir@forti.com.br


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 146<br />

such evaluation, to carry out a <strong>de</strong>tailed mapping of the disciplines, <strong>de</strong>vices, and<br />

tools necessary to reach the goals, commitments, abilities, activities, measurements<br />

and analyses, and implementation verification, necessary to match the KPA<br />

requirements.<br />

KEY-WORDS: CMM; KPA; Requirement; RUP.<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

Ao ganharem rapidamente maturida<strong>de</strong> e profissionalismo, os serviços <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> software e <strong>de</strong> componentes em regime <strong>de</strong> fábrica, registram<br />

um significativo crescimento na <strong>de</strong>manda, tornando-se competências corriqueiras<br />

nos portifólios <strong>de</strong> numerosos provedores <strong>de</strong> soluções <strong>de</strong> Tecnologia da Informação.<br />

[1]<br />

É nesse cenário <strong>de</strong> aquecimento, que as metodologias <strong>de</strong> gestão mais avançadas,<br />

visando à obtenção do máximo <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> nos projetos, como o mo<strong>de</strong>lo<br />

CMM 1 , emergem como um importante diferencial competitivo <strong>de</strong>ntro da comunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> engenharia <strong>de</strong> software, balizando cada vez mais as ativida<strong>de</strong>s do setor.<br />

É assim que o mo<strong>de</strong>lo CMM, sistematizado pelo SEI no esforço <strong>de</strong> mapear<br />

as melhores práticas mundiais <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> software, é apontado pelos<br />

especialistas como referência no preenchimento dos requisitos <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>. Em<br />

síntese, o objetivo <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo é fazer com que o contingente <strong>de</strong> profissionais<br />

alocados em um dado projeto trabalhe sob processos cíclicos, padronizáveis e<br />

mensuráveis, os quais, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da qualida<strong>de</strong> do produto final, sustentem,<br />

por si só, os níveis <strong>de</strong> serviços. O CMM confere, por conseguinte, maior<br />

previsibilida<strong>de</strong> aos processos, comprovando a sua maturida<strong>de</strong>. Este mo<strong>de</strong>lo visa<br />

ser um guia para avaliação e melhoria <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> software, divididos em 18<br />

áreas-chave <strong>de</strong> processo, distribuídos em 5 níveis <strong>de</strong> maturida<strong>de</strong>.<br />

O presente artigo propõe-se a abordar a primeira área-chave <strong>de</strong> processo do<br />

nível 2 do CMM (Gerenciamento <strong>de</strong> Requisitos) e como satisfazê-la através do<br />

RUP 2 e ferramentas Rational.<br />

1<br />

CMM: Capability Maturity Mo<strong>de</strong>l – Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Capacida<strong>de</strong> e Maturida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>senvolvido pelo SEI<br />

(Software Engineering Institute), sediado na Carnegie Mellon University, em Pittsburgh, Pennsylvania,<br />

Estados Unidos.<br />

2<br />

RUP: Rational Unified Process – Processo Unificado Racional.


2. C M M<br />

TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 147<br />

O CMM estabelece práticas <strong>de</strong> Engenharia <strong>de</strong> Software relacionadas com<br />

aspectos gerenciais, organizacionais e técnicos. Quando estas práticas são seguidas<br />

rotineiramente, as organizações se capacitam a atingir metas estabelecidas <strong>de</strong><br />

controle <strong>de</strong> custo, cronograma e produtivida<strong>de</strong>. [2]<br />

Esse mo<strong>de</strong>lo, basicamente, fornece 5 níveis <strong>de</strong> maturida<strong>de</strong> para processos<br />

<strong>de</strong> software (Inicial, Repetitivo, Definido, Gerenciado e Em Otimização). Cada<br />

um <strong>de</strong>sses níveis apresenta fundamentos sucessivos para a melhoria contínua do<br />

processo. Os níveis <strong>de</strong> maturida<strong>de</strong> fornecem priorida<strong>de</strong>s claras, as quais orientam<br />

a seleção <strong>de</strong> algumas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> melhoramento que, quando implementadas,<br />

possibilitam a evolução da maturida<strong>de</strong> do processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

No nível Inicial, o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento é <strong>de</strong>sorganizado e até caótico.<br />

Poucos processos são <strong>de</strong>finidos e o sucesso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> esforços individuais<br />

e heróicos.<br />

No nível Repetitivo, os processos básicos <strong>de</strong> gerenciamento <strong>de</strong> projeto estão<br />

estabelecidos e permitem acompanhar custos, cronograma e funcionalida<strong>de</strong>. É<br />

possível repetir o sucesso <strong>de</strong> um processo utilizado anteriormente em outros projetos<br />

similares.<br />

No nível Definido, tanto as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gerenciamento quanto <strong>de</strong> engenharia<br />

do processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> software estão documentadas, padronizadas<br />

e integradas em um padrão <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da organização. Todos os<br />

projetos utilizam uma versão aprovada e adaptada do processo padrão <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>de</strong> software da organização.<br />

No nível Gerenciado, são coletadas medidas <strong>de</strong>talhadas da qualida<strong>de</strong> do produto<br />

e processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> software. Tanto o produto quanto o processo<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> software são entendidos e controlados<br />

quantitativamente.<br />

No nível Em Otimização, o melhoramento contínuo do processo é conseguido<br />

através <strong>de</strong> um “feedback” quantitativo dos processos e pelo uso pioneiro <strong>de</strong><br />

idéias e tecnologias inovadoras.<br />

Exceto no nível 1, todos os níveis são <strong>de</strong>talhados em KPAs 3 . Essas áreas<br />

são, exatamente, aquilo em que a organização <strong>de</strong>ve focar para melhorar o seu<br />

processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> software. Para que uma empresa possa se qualificar<br />

em um <strong>de</strong>terminado nível <strong>de</strong> maturida<strong>de</strong> CMM, <strong>de</strong>ve estar realizando os<br />

processos relacionados às áreas-chave daquele <strong>de</strong>terminado nível.<br />

3<br />

KPA: Key Process Area – Área Chave <strong>de</strong> Processo.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 148<br />

3. RUP<br />

O RUP é um framework <strong>de</strong> processo <strong>de</strong> software. Ele oferece uma abordagem<br />

baseada em disciplinas para atribuir tarefas e responsabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

uma organização <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento. [3]<br />

Seu objetivo é transformar os requisitos do usuário em sistema <strong>de</strong> software.<br />

Sua característica fundamental é a <strong>de</strong> ser baseada em componentes, ou seja, o<br />

software <strong>de</strong>senvolvido é formado por componentes <strong>de</strong> software que se comunicam<br />

através <strong>de</strong> interfaces bem <strong>de</strong>finidas.<br />

O <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> software efetuado através do RUP é incremental e<br />

cada incremento é <strong>de</strong>senvolvido utilizando-se <strong>de</strong> quatro fases: iniciação, elaboração,<br />

construção e transição. A isto se chama ciclo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento. Após a<br />

fase <strong>de</strong> transição, o produto po<strong>de</strong> voltar a percorrer cada uma das fases, constituindo<br />

a fase <strong>de</strong> evolução, na qual se produz uma nova geração do produto.<br />

• Iniciação: fase <strong>de</strong> compreensão do problema e da tecnologia através da<br />

<strong>de</strong>finição dos casos <strong>de</strong> uso mais críticos;<br />

• Elaboração: fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição da arquitetura do software na qual os requisitos<br />

que mais impactam na arquitetura são capturados em forma <strong>de</strong><br />

casos <strong>de</strong> uso;<br />

• Construção: fase na qual o software é construído e preparado para a<br />

transição para os usuários. Além do código propriamente dito, também<br />

são produzidos os casos <strong>de</strong> teste e a documentação;<br />

• Transição: fase <strong>de</strong> treinamento dos usuários e transição do produto para<br />

utilização.<br />

Cada uma das quatro fases do RUP é adicionalmente dividida em iterações e<br />

finalizada com um ponto <strong>de</strong> checagem que verifica se os objetivos daquela fase<br />

foram alcançados. Toda iteração é organizada em disciplinas, que são conjuntos<br />

<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s realizadas por responsáveis que produzem artefatos. As principais<br />

disciplinas são <strong>de</strong>scritas a seguir:<br />

• Mo<strong>de</strong>lagem <strong>de</strong> Negócios: provê um entendimento comum entre os envolvidos<br />

no projeto, sobre quais os processos <strong>de</strong> negócio que <strong>de</strong>vem ser apoiados.<br />

• Requisitos: objetiva capturar os requisitos que serão atendidos pelo produto<br />

<strong>de</strong> software. Nas fases <strong>de</strong> iniciação e elaboração, a ênfase será maior<br />

nesta disciplina.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 149<br />

• Análise e Design: objetiva compreen<strong>de</strong>r mais precisamente os use cases<br />

<strong>de</strong>finidos na disciplina <strong>de</strong> requisitos, produzindo um mo<strong>de</strong>lo já voltado<br />

para a implementação, que <strong>de</strong>verá estar a<strong>de</strong>quado ao ambiente <strong>de</strong><br />

implementação.<br />

• Implementação: objetiva a organização do código em termos <strong>de</strong><br />

implementação <strong>de</strong> subsistemas, implementa as classes e objetos em termos<br />

<strong>de</strong> componentes, testa os componentes em termos <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s e integra<br />

os códigos produzidos.<br />

• Teste: objetiva analisar, através <strong>de</strong> testes, se os requisitos foram atendidos<br />

e certificar <strong>de</strong> que os <strong>de</strong>feitos serão removidos antes da implantação.<br />

• Implantação: objetiva produzir releases do produto e entregá-los aos usuários<br />

finais. Isto po<strong>de</strong> incluir ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> beta-teste, migração <strong>de</strong> dados<br />

ou software existente e aceitação formal.<br />

A Figura-1 mostra a página inicial do RUP, on<strong>de</strong> são exibidas as quatro fases<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e suas disciplinas.<br />

Figura-1: RUP – Fases e Disciplinas.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 150<br />

4. A DISCIPLINA DE REQUISITOS DO RUP<br />

Segundo o RUP, um requisito é <strong>de</strong>finido como uma condição ou uma capacida<strong>de</strong><br />

com a qual o sistema <strong>de</strong>ve estar <strong>de</strong> acordo. [4]<br />

Entretanto, requisitos não se referem apenas à funcionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejada para<br />

um sistema ou software (requisitos funcionais), mas também se referem às questões<br />

não funcionais (requisitos não funcionais).<br />

Existem vários tipos <strong>de</strong> requisitos. Um modo <strong>de</strong> categorizá-los é <strong>de</strong>scrito<br />

como o mo<strong>de</strong>lo FURPS+ [5], usando o acrônimo FURPS (Funcionalida<strong>de</strong>,<br />

Usabilida<strong>de</strong>, Confiabilida<strong>de</strong>, Desempenho e Suportabilida<strong>de</strong>) para <strong>de</strong>screver as<br />

principais categorias <strong>de</strong> requisitos com suas respectivas subcategorias.<br />

A Figura-2 mostra o workflow <strong>de</strong> Requisitos do RUP e apresenta suas<br />

ativida<strong>de</strong>s, que consomem e produzem artefatos.<br />

5. ATENDENDO A KPA REQUISITOS ATRAVÉS DO RUP<br />

O mo<strong>de</strong>lo CMM <strong>de</strong>fine, para cada área-chave <strong>de</strong> processo, metas, compromissos,<br />

habilida<strong>de</strong>s, ativida<strong>de</strong>s, medições e análises, e a verificação da<br />

implementação específica para cada uma <strong>de</strong>las.<br />

Na tabela seguir, será apresentado um mapeamento <strong>de</strong>talhado <strong>de</strong> como o<br />

RUP aten<strong>de</strong>rá à KPA Requisitos do CMM.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 151<br />

Tipo Requisito Artefato/Ferramenta/Ativida<strong>de</strong> Disciplina<br />

Metas Meta 1<br />

Meta 2<br />

Plano <strong>de</strong> Gerenciamento <strong>de</strong> Requisitos,<br />

Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Casos <strong>de</strong> Uso, Visão, Rational<br />

Rose, Requisite Pro, Clear Quest<br />

Requisitos<br />

Caso <strong>de</strong> Desenvolvimento<br />

Compromissos Compromisso 1 Plano <strong>de</strong> Gerenciamento <strong>de</strong> Requisitos,<br />

Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Casos <strong>de</strong> Uso, Requisite Pro<br />

Habilida<strong>de</strong> 1 Plano <strong>de</strong> Gerenciamento <strong>de</strong> Requisitos<br />

Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Casos <strong>de</strong> Uso,<br />

Habilida<strong>de</strong> 2<br />

Habilida<strong>de</strong>s<br />

Requisite Pro<br />

Plano <strong>de</strong> Desenvolvimento <strong>de</strong> Software<br />

Habilida<strong>de</strong> 3<br />

Plano <strong>de</strong> Gerenciamento <strong>de</strong> Requisitos<br />

Guia <strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>lagem <strong>de</strong> Casos <strong>de</strong> Uso, Guia <strong>de</strong><br />

Habilida<strong>de</strong> 4<br />

Ferramentas<br />

Ativida<strong>de</strong> 1<br />

Avaliação <strong>de</strong> Resultados<br />

Baseline, Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Casos <strong>de</strong> Uso,<br />

Ativida<strong>de</strong> 2 Solicitações dos Principais Envolvidos, Clear<br />

Ativida<strong>de</strong>s<br />

Quest<br />

Solicitação <strong>de</strong> Mudança, Plano <strong>de</strong><br />

Ativida<strong>de</strong> 3<br />

Gerenciamento <strong>de</strong> Configuração<br />

Plano <strong>de</strong> Gerenciamento <strong>de</strong> Requisitos,<br />

Medições e<br />

Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Casos <strong>de</strong> Uso<br />

Medição 1<br />

Análises<br />

Plano <strong>de</strong> Iteração, Plano <strong>de</strong> Métricas, Project<br />

Console, Soda, Requisite Pro<br />

Plano <strong>de</strong> Gerenciamento <strong>de</strong> Requisitos<br />

Verificação 1<br />

Registro <strong>de</strong> Revisão<br />

Verificação da<br />

Verificação 2<br />

Implementação<br />

Verificação 3<br />

Solicitação <strong>de</strong> Mudança<br />

Ambiente<br />

Requisitos<br />

Requisitos<br />

Gerência <strong>de</strong> Projeto<br />

Requisitos<br />

Ambiente<br />

Requisitos<br />

Gerência <strong>de</strong><br />

Configuração e<br />

Mudança<br />

Requisitos<br />

Gerenciamento <strong>de</strong><br />

Projeto<br />

Requisitos<br />

Gerenciamento <strong>de</strong><br />

Projeto<br />

Gerência <strong>de</strong><br />

Configuração e<br />

Mudança


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 152<br />

O Plano <strong>de</strong> Gerenciamento <strong>de</strong> Requisitos tem por objetivo <strong>de</strong>screver a<br />

documentação <strong>de</strong> requisitos, os tipos <strong>de</strong> requisitos e seus respectivos atributos,<br />

especificando as informações e os mecanismos <strong>de</strong> controle que <strong>de</strong>vem ser coletados<br />

e usados para avaliar, relatar e controlar mudanças nos requisitos do produto.<br />

O Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Casos <strong>de</strong> Uso é um mo<strong>de</strong>lo das funções pretendidas do sistema<br />

e seu ambiente, e serve como um contrato estabelecido entre o cliente e os<br />

<strong>de</strong>senvolvedores. O Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Casos <strong>de</strong> Uso é usado como fonte <strong>de</strong> informações<br />

essenciais para ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> análise, <strong>de</strong>sign e teste.<br />

O documento Visão <strong>de</strong>fine a visão que os envolvidos têm do produto a ser<br />

<strong>de</strong>senvolvido, em termos das necessida<strong>de</strong>s e características mais importantes. Esse<br />

documento fornece uma base <strong>de</strong> alto nível - algumas vezes contratual - para os<br />

requisitos técnicos mais <strong>de</strong>talhados por conter uma <strong>de</strong>scrição dos requisitos centrais<br />

pretendidos. Também po<strong>de</strong> conter uma especificação <strong>de</strong> requisitos formais.<br />

A Disciplina <strong>de</strong> Ambiente produz o Caso <strong>de</strong> Desenvolvimento, que documenta<br />

a metodologia para o projeto baseado nos padrões e políticas organizacionais.<br />

Esta metodologia inclui políticas, ferramentas e técnicas a serem utilizadas em<br />

todo o projeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> software.<br />

A Disciplina <strong>de</strong> Ambiente apresenta também guias e manuais que são úteis<br />

nessa habilida<strong>de</strong>, como o Guia <strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>lagem <strong>de</strong> Casos <strong>de</strong> Uso, que <strong>de</strong>screve<br />

como mo<strong>de</strong>lar os casos <strong>de</strong> uso, e o Guia <strong>de</strong> Ferramentas, que <strong>de</strong>screve como<br />

usar as ferramentas utilizadas nessa Área-Chave <strong>de</strong> Processo, abordando informações<br />

<strong>de</strong> instalação, versão, parâmetros <strong>de</strong> configuração, limitações na funcionalida<strong>de</strong><br />

e a funcionalida<strong>de</strong> que o projeto <strong>de</strong>cidiu não usar, artifícios, integração<br />

com outras ferramentas, incluindo procedimentos a serem seguidos, software a<br />

ser usado e princípios a serem aplicados.<br />

A Disciplina <strong>de</strong> Gerência <strong>de</strong> Projeto produz o Plano <strong>de</strong> Desenvolvimento <strong>de</strong><br />

Software, que é um artefato composto e abrangente que reúne todas as informações<br />

necessárias ao gerenciamento do projeto. Ele inclui vários artefatos separados, <strong>de</strong>senvolvidos<br />

durante a Fase <strong>de</strong> Iniciação, e é mantido durante todo o projeto.<br />

As Solicitações dos Principais Envolvidos contém qualquer tipo <strong>de</strong> solicitação<br />

dos clientes, usuários finais, pessoal <strong>de</strong> marketing, em relação ao sistema<br />

que será <strong>de</strong>senvolvido. Ele também po<strong>de</strong> conter referências a qualquer tipo <strong>de</strong><br />

fonte externa com a qual o sistema <strong>de</strong>ve estar <strong>de</strong> acordo.<br />

Uma Solicitação <strong>de</strong> Mudança é um artefato formalmente submetido, que é<br />

usado para rastrear todas as solicitações dos envolvidos (inclusive novas características,<br />

solicitações <strong>de</strong> melhoria, conserto <strong>de</strong> <strong>de</strong>feitos, mudança <strong>de</strong> requisitos, etc.),<br />

junto com as informações <strong>de</strong> status relacionadas durante todo o ciclo <strong>de</strong> vida do<br />

projeto. Todo o histórico <strong>de</strong> mudanças será mantido com a Solicitação <strong>de</strong> Mudança,<br />

o que inclui todas as mudanças <strong>de</strong> estado, datas e motivos para as mudanças.


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 153<br />

A Disciplina <strong>de</strong> Gerência <strong>de</strong> Configuração e Mudança produz o Plano <strong>de</strong><br />

Gerenciamento <strong>de</strong> Configuração, que <strong>de</strong>screve todas as ativida<strong>de</strong>s do<br />

Gerenciamento <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong> Configuração e Mudança (CCM) que serão executadas<br />

durante o ciclo <strong>de</strong> vida do produto ou do projeto. Ele <strong>de</strong>talha o cronograma<br />

<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s, as responsabilida<strong>de</strong>s atribuídas e os recursos necessários, como<br />

equipes, ferramentas e computadores.<br />

A Disciplina <strong>de</strong> Gerenciamento <strong>de</strong> Projeto produz o Plano <strong>de</strong> Iteração, que<br />

é um conjunto <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s e tarefas divididas por seqüência <strong>de</strong> tempo, com<br />

recursos atribuídos e <strong>de</strong>pendências <strong>de</strong> tarefas, para a iteração; é um plano sofisticado.<br />

É muito utilizado pelo Gerente <strong>de</strong> Projeto, para planejar tarefas e ativida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> iteração, programar necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> recursos e acompanhar o andamento em<br />

relação ao cronograma.<br />

Também, nessa disciplina, é produzido o Plano <strong>de</strong> Métricas, que <strong>de</strong>fine as<br />

metas <strong>de</strong> medição, as métricas associadas e as métricas primitivas a serem coletadas<br />

no projeto para monitorar o seu andamento, e o Registro <strong>de</strong> Revisão, que é criado<br />

para capturar os resultados da revisão <strong>de</strong> um artefato <strong>de</strong> projeto. Um Registro <strong>de</strong><br />

Revisão é o formulário que é preenchido para cada revisão.<br />

Sobre as ferramentas Rational, temos o Rational Rose, que é uma ferramenta<br />

gráfica para <strong>de</strong>senvolvimento e mo<strong>de</strong>lagem <strong>de</strong> componentes, o Requisite Pro, para<br />

controle dos requisitos, e o Clear Quest, para controle das mudanças dos mesmos.<br />

CONCLUSÕES<br />

O Gerenciamento <strong>de</strong> Requisitos constitui-se em uma ativida<strong>de</strong> central e complexa<br />

para os projetos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> software. O principal objetivo do<br />

processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> requisitos é concluir, com êxito, um acordo entre quem<br />

solicita e quem <strong>de</strong>senvolve, estabelecendo, clara e rigorosamente, o que <strong>de</strong>verá<br />

ser produzido.<br />

Este trabalho mostrou que, além <strong>de</strong> um processo claro <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> requisitos,<br />

é importante o processo <strong>de</strong> Gerência <strong>de</strong> Requisitos, haja vista que os mesmos<br />

sofrem evoluções (refinamentos e modificações) ao longo do projeto. Observou-se<br />

que o CMM apresenta uma clara preocupação com este aspecto, <strong>de</strong>finindo<br />

uma KPA especificamente para esta disciplina.<br />

Ao longo <strong>de</strong>ste trabalho, foi evi<strong>de</strong>nciado que o RUP apresenta todas as ferramentas<br />

necessárias para o processo <strong>de</strong> Gerência <strong>de</strong> Requisitos. Ao contrário do<br />

que se pensava inicialmente, apenas as disciplinas <strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>lagem <strong>de</strong> Negócios e<br />

Requisitos não são suficientes para aten<strong>de</strong>r à KPA Requisitos do nível 2 do CMM.<br />

Foram necessários o emprego <strong>de</strong> ferramentas automatizadas (ReqPro, Rational


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 154<br />

Rose, Clear Case e Clear Quest) e artefatos <strong>de</strong> outras disciplinas (Gerência <strong>de</strong><br />

Projetos, Ambiente e Gerência <strong>de</strong> Configuração e Mudanças). A tabela apresentada<br />

mostrou um resumo do tipo <strong>de</strong> requisito utilizado para aten<strong>de</strong>r à KPA Requisitos:<br />

os artefatos, ferramentas e ativida<strong>de</strong>s, e a qual disciplina os mesmos pertencem,<br />

Finalmente, pô<strong>de</strong>-se comprovar que as ativida<strong>de</strong>s, papéis e ferramentas apresentadas<br />

pelo RUP mostraram-se suficientes para aten<strong>de</strong>r à KPA Requisitos do<br />

CMM.<br />

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TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 155<br />

HIPERVOLEMIA E FLEBITE RELACIONADAS À<br />

ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS*<br />

1<br />

** Marcelo Ruela <strong>de</strong> Oliveira<br />

*** Andréia Bendine Gastaldi<br />

RESUMO<br />

O presente artigo trata-se <strong>de</strong> um levantamento bibliográfico que tem por<br />

objetivo trazer conhecimento científico sobre hipervolemia e flebite relacionadas<br />

à administração <strong>de</strong> medicamentos. A iniciativa para o estudo partiu da necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> se levar informações aos profissionais que trabalham com a administração<br />

<strong>de</strong> medicamentos, <strong>de</strong>sta forma enriquecendo o seu saber e aperfeiçoando a sua<br />

prática. O estudo bibliográfico levanta conhecimentos <strong>de</strong> fisiologia do sistema<br />

cardiocirculatório e <strong>de</strong> farmacologia, ressaltando as vias <strong>de</strong> administração <strong>de</strong><br />

medicamentos, seu <strong>de</strong>stino, efeitos químicos no organismo e volume <strong>de</strong> administração,<br />

associados ao quadro do paciente. Procurou-se investigar aspectos<br />

anatomofisiológicos importantes do sistema circulatório, assim como o mecanismo<br />

<strong>de</strong> ação, absorção e distribuição dos medicamentos, justificando a importância<br />

do saber científico para uma assistência <strong>de</strong> enfermagem isenta <strong>de</strong> erros e danos<br />

ao paciente. Em suma, objetivou-se oferecer subsídios ao profissional que<br />

presta cuidados relacionados à administração <strong>de</strong> medicamentos.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Administração <strong>de</strong> Medicamentos; Hipervolemia;<br />

Flebite.<br />

* Trabalho <strong>de</strong> revisão bibliográfica <strong>de</strong>senvolvido como monografia <strong>de</strong> conclusão do Curso Especialização<br />

em Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Terapia Intensiva do Centro Universitário Filadélfia - <strong>UniFil</strong>.<br />

** Enfermeiro graduado pela <strong>UniFil</strong>. Especialista em Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Terapia Intensiva pela <strong>UniFil</strong>.<br />

E-mail: marcelooliveira@sercomtel.com.br<br />

*** Docente do Curso <strong>de</strong> Enfermagem do Centro Universitário Filadélfia – <strong>UniFil</strong>. Docente do<br />

Curso Especialização em Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Terapia Intensiva da <strong>UniFil</strong>. Orientadora da pesquisa. Mestre<br />

em Assistência <strong>de</strong> Enfermagem pelas UFSSC/UFPR.<br />

E-mail: gastaldi@sercomtel.com.br


ABSTRACT<br />

TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 156<br />

The present article is a bibliographic research that aims at bringing scientific<br />

knowledge on hypervolumetry and phlebitis concerning the administration of<br />

medications. The motivation for this study came from the need to provi<strong>de</strong><br />

knowledge to the professionals who work with the administration of medication,<br />

enhancing their knowledge and improving their skill. The bibliographic study<br />

brings knowledge on the cardio-circulatory system and om pharmacology,<br />

emphasizing the administration mo<strong>de</strong> of medications, their <strong>de</strong>stination, chemical<br />

effects on the human organism, and volume to be administrated, consi<strong>de</strong>ring the<br />

patient’s general condition. The search was focused on important anatomicphysiologic<br />

aspects of the circulatory system, as well as aspects of the medications’<br />

action mechanism, absorption, and distribution, justifying the importance of<br />

scientific knowledge to a nursing care exempt of errors and damage to the patient,<br />

offering subsidies to the professional whose duty relates to the administration of<br />

medications.<br />

KEY-WORDS: Administration of Medications; Hypervolumetry; Phlebitis.<br />

INTRODUÇÃO<br />

Os medicamentos, <strong>de</strong> uma forma geral, são administrados com o objetivo <strong>de</strong><br />

levar um efeito benéfico ao paciente. Geralmente isto acontece na tentativa <strong>de</strong><br />

resolução <strong>de</strong> algum problema orgânico. A droga é administrada conforme indicação<br />

médica e está ligada diretamente ao problema do paciente. Po<strong>de</strong> também ser<br />

usada na profilaxia <strong>de</strong> alguns problemas que po<strong>de</strong>riam vir a acontecer com o paciente.<br />

Seja qual for a intenção da administração <strong>de</strong> medicamentos, a gran<strong>de</strong> maioria<br />

das drogas apresenta algum efeito colateral. Po<strong>de</strong>mos dizer, então, que drogas<br />

ou medicamentos produzem efeitos benéficos, o que é o objetivo da sua administração,<br />

mas também po<strong>de</strong>m causar efeitos maléficos, os chamados efeitos colaterais.<br />

Todos os medicamentos têm o que se chama, em um curioso eufemismo, <strong>de</strong><br />

“efeito secundário” e “contra-indicação”. Há <strong>de</strong> se ter cautela na administração<br />

dos medicamentos, observando seus efeitos benéficos, efeitos secundários e contra-indicações.<br />

Assim, po<strong>de</strong>-se avaliar a eficácia do medicamento para <strong>de</strong>terminado<br />

paciente (DUPUY & KARSENTY, 1979).<br />

A administração <strong>de</strong> medicamentos e drogas é uma das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvol-


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 157<br />

vidas pela enfermagem que mais requer conhecimento. Esse conhecimento está<br />

relacionado, não só ao preparo, mas também a como administrar e como evitar<br />

complicações. É importante o saber técnico para se executar a implementação<br />

terapêutica, bem como o saber teórico, necessário para reconhecer problemas relacionados<br />

à terapêutica medicamentosa.<br />

MANETTI et al. (1998), consi<strong>de</strong>rando as diversas ocorrências com medicação<br />

na enfermagem, citam alguns autores que relatam inúmeras ocorrências, como:<br />

administração <strong>de</strong> drogas a pacientes trocados, omissão e excesso <strong>de</strong> doses, cálculos<br />

<strong>de</strong> dosagens errôneos, vias <strong>de</strong> administração incorretas e aplicação <strong>de</strong> drogas incompatíveis,<br />

expondo o paciente e profissionais a risco <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes e suas implicações.<br />

Em se tratando <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Terapia Intensiva, alguns fatos, como gravida<strong>de</strong><br />

e instabilida<strong>de</strong> do quadro clínico apresentado pelo paciente, quantida<strong>de</strong> e<br />

diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> drogas prescritas, o próprio estresse do ambiente, falta <strong>de</strong> recursos<br />

humanos e, em alguns casos, o <strong>de</strong>spreparo do funcionário, interferem na administração<br />

<strong>de</strong> medicamentos. Com isso, a assistência per<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e o paciente<br />

pa<strong>de</strong>ce com os erros. Infelizmente, po<strong>de</strong>-se afirmar que este tipo <strong>de</strong> iatrogenia é<br />

freqüente em muitos hospitais, o que acarreta sérias conseqüências para o paciente,<br />

o profissional e a instituição.<br />

Frente aos diversos problemas relacionados à administração <strong>de</strong> medicamentos,<br />

<strong>de</strong>stacam-se dois que se relacionam <strong>de</strong> forma direta ao volume <strong>de</strong> diluição e à<br />

velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> administração <strong>de</strong> cada medicamento: o surgimento <strong>de</strong> hipervolemia<br />

e flebites.<br />

Relacionado ao volume <strong>de</strong> diluição, po<strong>de</strong> surgir a hipervolemia. Este estado<br />

é <strong>de</strong>corrente do excessivo ganho <strong>de</strong> líquidos pelo paciente, ou seja, a perda <strong>de</strong><br />

líquidos é muito inferior ao ganho. Como problemática ao paciente, surgem a<br />

sobrecarga cardíaca e o e<strong>de</strong>ma pulmonar, principalmente nos pacientes cardiopatas<br />

e nefropatas.<br />

O excesso do volume <strong>de</strong> líquidos po<strong>de</strong> estar relacionado à simples sobrecarga<br />

hídrica ou à diminuição da função dos mecanismos homeostáticos responsáveis<br />

pela regulação do equilíbrio hídrico (SMELTZER & BARE, 2002).<br />

Na flebite, há irritação do endotélio vascular, e os sinais e sintomas são:<br />

rubor, calor, e<strong>de</strong>ma e dor local. O surgimento <strong>de</strong> flebite reflete uma administração<br />

ina<strong>de</strong>quada <strong>de</strong> medicamentos, contaminação do sistema, ou então uma sensibilida<strong>de</strong><br />

aumentada do paciente para com o medicamento administrado.<br />

“A flebite é <strong>de</strong>finida como a inflamação <strong>de</strong> uma veia, <strong>de</strong>vido a uma irritação<br />

química e/ou mecânica. A incidência <strong>de</strong> flebite aumenta conforme o período <strong>de</strong><br />

tempo em que a linha EV é mantida no local, conforme a composição do líquido ou<br />

medicamento (especialmente seu pH e tonicida<strong>de</strong>)” (SMELTZER & BARE, 2002).


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 158<br />

Fundamentando o estudo<br />

Toda droga administrada ao paciente, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da sua via <strong>de</strong> administração,<br />

irá realizar seu efeito. A diferença nesse processo está no tempo que a<br />

droga leva para realizar seu efeito, consi<strong>de</strong>rando as diferentes vias <strong>de</strong> administração.<br />

A mesma droga po<strong>de</strong> ser administrada por mais <strong>de</strong> uma via, po<strong>de</strong>ndo ser<br />

mudada, também, a forma <strong>de</strong> apresentação. A melhor indicação para o paciente<br />

irá <strong>de</strong>terminar a via <strong>de</strong> administração, o que tem gran<strong>de</strong> importância na relação<br />

efeito da droga/benefício para o paciente. O percurso realizado pelas moléculas<br />

da droga <strong>de</strong>ntro do organismo envolve a sua absorção, distribuição e eliminação.<br />

Para ROSCHLAU & KALANT (1991), as drogas po<strong>de</strong>m ser administradas<br />

por <strong>de</strong>terminadas vias e serão absorvidas por alguns sítios corpóreos, como: pele,<br />

mucosa oral, estômago e intestino, cólon e reto, epitélio pulmonar, veia, artéria,<br />

fluído cerebroespinhal e, algumas cavida<strong>de</strong>s do corpo. Cada sítio <strong>de</strong>sses irá conduzir,<br />

<strong>de</strong> forma particular, os processos <strong>de</strong> absorção, distribuição e eliminação do<br />

fármaco. Com as injeções, conta-se com as vantagens <strong>de</strong> absorção mais rápida e<br />

mais segura da droga, possibilitando também a seleção mais exata da dose. Em<br />

geral, trazem <strong>de</strong>svantagens, como a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> rigorosa assepsia para evitar<br />

infecções e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dor para o paciente.<br />

O organismo humano necessita <strong>de</strong> hidratação constante, uma vez que a maior<br />

parte do nosso corpo é constituída por líquidos. As perdas <strong>de</strong> líquido pelo<br />

organismo são freqüentes, como também <strong>de</strong>ve ser provi<strong>de</strong>nciada a reposição. A<br />

origem da água está na ingestão <strong>de</strong> líquidos e na própria produção do organismo,<br />

através do seu metabolismo. A aquisição <strong>de</strong> água pelo organismo <strong>de</strong>ve estar relacionada<br />

às perdas. Observa-se que, quando há aumento na ingestão <strong>de</strong> líquidos,<br />

também ocorre aumento nas perdas, sendo que a principal via <strong>de</strong> excreção <strong>de</strong><br />

líquidos é a renal. Existem também outras vias, como a respiratória e a percutânea,<br />

sendo o ganho <strong>de</strong> líquidos obtido somente pela ingestão oral ou, no caso dos<br />

hospitais, pelas vias oral, enteral e parenteral.<br />

A água presente no corpo provém <strong>de</strong> duas fontes principais: 1) ingestão <strong>de</strong><br />

líquidos ou <strong>de</strong> água contida nos alimentos ingeridos, que chega a cerca <strong>de</strong> 2.100<br />

ml/dia; e 2) síntese no corpo, proveniente da oxidação dos carboidratos, o que<br />

po<strong>de</strong> chegar a cerca <strong>de</strong> 200 ml/dia. O que não se consi<strong>de</strong>ra como constante é a<br />

ingestão <strong>de</strong> líquidos, pois isso varia <strong>de</strong> indivíduo para indivíduo, e também é<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do clima. As perdas <strong>de</strong> líquidos acontecem por diferentes vias corporais.<br />

As perdas insensíveis referem-se à evaporação a partir do trato respiratório e<br />

da difusão através da pele. Juntos, concentram uma perda diária <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 700<br />

ml/dia. Pelas fezes também ocorre perda <strong>de</strong> água. O volume chega a cerca <strong>de</strong> 100<br />

ml/dia e po<strong>de</strong> atingir litros, no caso <strong>de</strong> diarréias. Os rins constituem o meio pelo


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 159<br />

qual ocorre a maior perda <strong>de</strong> água pelo corpo (GUYTON & HALL, 2002).<br />

Quando da internação do paciente, <strong>de</strong>vem ser avaliadas as suas condições<br />

hemodinâmicas para que se possa estabelecer a carga hídrica a ser administrada.<br />

Normalmente, esse procedimento é realizado pelo médico e as prescrições, tanto<br />

do soro <strong>de</strong> hidratação e/ou reposição, quanto da diluição dos medicamentos, é <strong>de</strong><br />

seu critério. O enfermeiro, no entanto, <strong>de</strong>ve acompanhar a evolução do paciente,<br />

observando seu grau <strong>de</strong> hidratação, condições hemodinâmicas e balanço hídrico.<br />

Com isso, é possível avaliar as funções cardíaca, renal e hepática. Dentro do<br />

balanço hídrico <strong>de</strong>ve-se consi<strong>de</strong>rar todo ganho do paciente, seja ele por infusão<br />

endovenosa, ingesta hídrica por via oral ou infusão <strong>de</strong> líquidos por sondas.<br />

Quando o paciente está recebendo infusão endovenosa, o volume que ele<br />

recebe é calculado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o soro <strong>de</strong> hidratação e/ou reposição até as mais diversas<br />

medicações que necessitam <strong>de</strong> diluição. O soro <strong>de</strong> hidratação e/ou reposição é <strong>de</strong><br />

infusão contínua e um <strong>de</strong> seus objetivos é manter o acesso venoso permeável. O<br />

volume <strong>de</strong>sse soro é variado e está também relacionado ao seu tempo <strong>de</strong> infusão.<br />

A <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong>sse procedimento também é <strong>de</strong> caráter médico. No entanto, o<br />

preparo, administração e controle da infusão são <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> da enfermagem.<br />

Da mesma forma, a enfermagem faz a diluição dos medicamentos (antibióticos,<br />

antiinflamatórios, antiácidos, etc.) para que não prejudique a função renal e<br />

evite a irritação do endotélio vascular.<br />

Diante <strong>de</strong> um quadro <strong>de</strong> hipervolemia em <strong>de</strong>senvolvimento, é essencial repensar<br />

o volume <strong>de</strong> líquidos administrados pelas diferentes vias <strong>de</strong> entrada. Os<br />

pacientes submetidos a uma ampla farmacoterapia recebem muitos medicamentos<br />

que necessitam <strong>de</strong> diluição e infusão controlada. Gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>sses medicamentos<br />

é diluída em 50 ml <strong>de</strong> SG 5% ou SF 0,9%, para ser administrada em um<br />

tempo <strong>de</strong> 30 a 50 minutos; no entanto, existem outros, como alguns antibióticos,<br />

que necessitam <strong>de</strong> um volume maior <strong>de</strong> diluição <strong>de</strong>vido à sua toxicida<strong>de</strong> e possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> irritação do endotélio vascular, mas <strong>de</strong>vem se aplicados no mesmo<br />

tempo <strong>de</strong> infusão. O excesso <strong>de</strong> líquido intravascular condiciona o enfermeiro a<br />

conter o volume <strong>de</strong> entrada; entretanto, o tempo <strong>de</strong> infusão das drogas, consi<strong>de</strong>rando<br />

as condições do paciente, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser relevante e po<strong>de</strong>mos, portanto, estendêlo<br />

um pouco mais. Sendo assim, para um medicamento diluído em 50 ml e administrado<br />

em 30 minutos, po<strong>de</strong>mos fazê-lo em 50 minutos com volume <strong>de</strong> diluição<br />

40% menor (30 ml). Já com o soro <strong>de</strong> hidratação e/ou reposição, po<strong>de</strong>-se diminuir<br />

o seu volume, aumentar o tempo <strong>de</strong> infusão, ou associar os procedimentos,<br />

lembrando que o tempo máximo <strong>de</strong> permanência <strong>de</strong> uma solução em infusão é <strong>de</strong><br />

24 horas, pois, além disso, po<strong>de</strong> levar à contaminação.<br />

Quando o paciente está em uso <strong>de</strong> dieta enteral, a avaliação <strong>de</strong>ve ser feita<br />

junto ao médico e ao nutricionista. Devem ser avaliadas as necessida<strong>de</strong>s nutricionais


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 160<br />

do paciente, procurando saber se é possível diminuir o volume líquido da dieta. O<br />

que po<strong>de</strong>mos implementar <strong>de</strong> imediato é reduzir o volume <strong>de</strong> hidratação após a<br />

dieta e, frente ao quadro <strong>de</strong> hipervolemia, apenas lavamos a sonda com água após<br />

a administração da dieta, para evitar obstrução da mesma.<br />

Na avaliação da hipervolemia, o profissional <strong>de</strong> enfermagem me<strong>de</strong> o volume<br />

<strong>de</strong> líquido ingerido e o débito em períodos <strong>de</strong> tempo regulares. Deve-se tomar<br />

o peso diário do paciente. A ausculta pulmonar é outro dado importante na<br />

monitorização do quadro hipervolêmico. Os sinais <strong>de</strong> e<strong>de</strong>ma po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>nunciar o<br />

início do quadro. O acúmulo <strong>de</strong> líquido surge nos tornozelos dos pacientes que<br />

<strong>de</strong>ambulam, e na região sacral daqueles acamados. A medida do perímetro dos<br />

membros com fita graduada permite avaliar o ganho <strong>de</strong> líquido do paciente<br />

(SMELTZER & BARE, 2002).<br />

A flebite envolve reações químicas, provocando a irritação do endotélio<br />

vascular. No momento do exame, procura-se pela presença <strong>de</strong> dor, a qual será um<br />

sinal objetivo e relatado pelo paciente. Os sinais subjetivos são: a presença <strong>de</strong><br />

hiperemia, calor, e<strong>de</strong>ma local e, em alguns casos, <strong>de</strong>staque da linha venosa, o que<br />

mais tar<strong>de</strong> irá caracterizar-se como fleboesclerose. A concentração do medicamento<br />

administrado e a sua natureza estão diretamente relacionados ao <strong>de</strong>senvolvimento<br />

do processo. Algumas medidas são <strong>de</strong> fundamental importância. A concentração<br />

do medicamento po<strong>de</strong> ser controlada pela velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> infusão, volume<br />

<strong>de</strong> diluição, ou com a associação <strong>de</strong>stes procedimentos. Na presença <strong>de</strong> um<br />

quadro hemodinâmico preservado, <strong>de</strong>ve-se diluir o medicamento em um volume<br />

maior <strong>de</strong> soro glicosado 5% ou soro fisiológico 0,9%, conforme prescrição médica,<br />

mantendo o gotejamento. Nessa situação, o volume a<strong>de</strong>quado <strong>de</strong> diluição para<br />

cada medicamento, somado ao volume constante <strong>de</strong> hidratação, minimiza o<br />

surgimento <strong>de</strong> flebites, já que o medicamento chega ao endotélio vascular menos<br />

concentrado.<br />

Quando a hemodinâmica do paciente está prejudicada, seja por nefropatias,<br />

cardiopatias ou outra condição clínica, não é recomendável aumentar o volume <strong>de</strong><br />

diluição, o que po<strong>de</strong>ria levar a uma sobrecarga circulatória; portanto, apenas se<br />

diminui o gotejamento, diminuindo também o volume <strong>de</strong> diluição. O medicamento,<br />

por ter sido diluído em menor volume, estará mais concentrado, precisando,<br />

assim, <strong>de</strong> maior tempo <strong>de</strong> infusão. Quando se prolonga a entrada do medicamento<br />

na re<strong>de</strong> venosa, o mesmo chega ao endotélio mais lentamente, permitindo que o<br />

soro <strong>de</strong> hidratação e/ou reposição, somado ao fluxo sangüíneo local, propicie uma<br />

melhor diluição do medicamento, minimizando seus efeitos lesivos ao endotélio.<br />

Outras situações relacionadas ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> flebites dizem respeito<br />

à contaminação do sistema, quer seja na manipulação dos equipos, quer seja<br />

pela longa permanência do mesmo sistema <strong>de</strong> equipos junto ao paciente. O im-


TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 161<br />

portante é a monitorização constante das condições clínicas do paciente, observando-se<br />

sua farmacoterapia para que seja possível minimizar o surgimento <strong>de</strong><br />

flebites.<br />

A observação constante da região on<strong>de</strong> se encontra a punção venosa é <strong>de</strong><br />

fundamental importância, pois evita o agravamento do processo inflamatório.<br />

Importante lembrar que, tanto para os pacientes conscientes, quanto para os inconscientes,<br />

a <strong>de</strong>tecção da flebite em seu início fica por conta do nosso po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

observação, já que os pacientes conscientes nem sempre se queixam <strong>de</strong> dor no<br />

local da punção venosa.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A administração <strong>de</strong> medicamentos, em princípio um benefício para o paciente,<br />

também po<strong>de</strong> lhe causar danos. A retrospectiva dos cuidados com a administração<br />

<strong>de</strong> medicamentos nos leva à análise da importância do conhecimento teórico<br />

associado ao <strong>de</strong>senvolvimento da prática. Sendo assim, <strong>de</strong>vemos sustentar que<br />

a prática da administração <strong>de</strong> medicamentos está associada à análise do quadro<br />

clínico do paciente, cabendo esta tarefa ao enfermeiro, que também administra o<br />

medicamento. O surgimento e <strong>de</strong>senvolvimento dos quadros <strong>de</strong> hipervolemia e<br />

flebite são <strong>de</strong> fácil <strong>de</strong>tecção, sendo necessária somente a observação constante do<br />

paciente. Os cuidados implementados com administração dos medicamentos constituem<br />

a etapa <strong>de</strong> prevenção.<br />

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