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revista lato & sensu - Unama

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REVISTA<br />

LATO & SENSU<br />

v. 12, n. 1, jun. 2011<br />

Belém<br />

2011<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 1


REVISTA LATO & SENSU<br />

UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA<br />

REITOR<br />

Antonio de Carvalho Vaz Pereira<br />

PRÓ-REITOR DE ENSINO<br />

Evaristo Clementino Rezende dos Santos<br />

PRÓ-REITORA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO<br />

Núbia Maria de Vasconcelos Maciel<br />

COORDENADORA PEDAGÓGICA<br />

Zenilda Botti Fernandes<br />

EXPEDIENTE<br />

EDIÇÃO: Editora UNAMA<br />

RESPONSÁVEL: João Carlos Pereira<br />

SUPERVISÃO: Helder Leite<br />

COORDENAÇÃO: Zenilda Botti Fernandes<br />

ORGANIZAÇÃO: Francisca Magnólia de Oliveira Rego<br />

Diagramação: Elailson Santos<br />

NORMALIZAÇÃO: Maria Miranda<br />

REVISÃO: Noeli Mesquita<br />

IMPRESSÃO:<br />

Campus Alcindo Cacela<br />

Av. Alcindo Cacela, 287<br />

Campus BR<br />

Rod. BR-316, km3<br />

Campus Quintino<br />

Trav. Quintino Bocaiúva, 1808<br />

Campus Senador Lemos<br />

Av. Senador Lemos, 2809<br />

66060-902 - Belém-Pará<br />

67113-901 - Ananindeua-PA<br />

66035-190 - Belém-Pará<br />

66120-901 - Belém-Pará<br />

Fone: (91) 4009-3000<br />

Fone: (91) 4009-9200<br />

Fone: (91) 4009-3300<br />

Fone: (91) 4009-7100<br />

Fax: (91) 3225-3909<br />

Fax: (91) 4009-9308<br />

Fax: (91) 4009-0622<br />

Fax: (91) 4009-7153<br />

Catalogação na fonte<br />

www.unama.br<br />

R454r Revista Lato & Sensu - Belém: UNAMA, v.12, n. 1, jun. 2011<br />

276 p.<br />

ISSN: 1519-8758<br />

1. UNAMA - Educação Superior. 2. UNAMA - Periódicos.<br />

CDD: 050<br />

2 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009


v.12 n. 1 2011<br />

SUMÁRIO<br />

• EDITORIAL ......................................................................................................................... 7<br />

BOLSISTAS DE EXTENSÃO<br />

• QUALIDADE DE VIDA E FUNCIONALIDADE: PROPOSTA DE TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO<br />

PARA PORTADORES DE PARAPARESIA ESPÁSTICA TROPICAL / MIEOLOPATIA ASSOCIADA AO HTLV-1 ................ 13<br />

Clayton Luiz Furtado Cirino<br />

Daniel Sobral Teixeira<br />

• REDES SOCIAIS NO CENÁRIO COMUNICACIONAL CONTEMPORÂNEO:<br />

UM ESTUDO DOS MYSPACE COMO DIFUSOR DE MÚSICA NO CIBERESPAÇO .................................................. 23<br />

Suellen Priscila Lopes da Silva<br />

Tiago Júlio de Farias Martins<br />

BOLSISTAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA<br />

• ANÁLISE DA DEGLUTIÇÃO EM PACIENTES PORTADORES DE HIV ................................................................... 35<br />

Thays Cardias Ferreira<br />

• FIBRAS PARA CONCRETO: O QUE O PARÁ ESTÁ PERDENDO? ......................................................................... 45<br />

Fernando França de Mendonça Filho<br />

• TOXINFECÇÃO ALIMENTAR POR SALMONELLA SPP: UMA REVISÃO ............................................................ 59<br />

Aline Duarte Lavor<br />

Gilson Celso Albuquerque Chagas Junior<br />

• ASPECTOS DA HANSENÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ....................................................................... 67<br />

Thayane Rodrigues Pereira Lima<br />

• AUTONOMIA FUNCIONAL DE IDOSOS: REVISÃO DE LITERATURA ................................................................. 75<br />

Thayssa Ferreira dos Santos<br />

• RESPONSABILIDADE SOCIAL: UM MEIO PARA SE CHEGAR À SUSTENTABILIDADE ........................................... 81<br />

Ivanete da Silva Pantoja<br />

• DISCURSOS MUNICIPALIZANTES: PENSANDO A GESTÃO DO ENSINO NO ESTADO DO PARÁ ............................ 89<br />

Herbert Tadeu Pereira de Matos Junior<br />

Lato & Sensu Belém v.12 n.1 p. 1-276 jun. 2011<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 3


• ARTE, FANTASIA E SOFRIMENTO PSÍQUCO: A ARTE COMO INSTRUMENTO DE ESCUTA AO PACIENTE<br />

ACOMETIDO POR UMA DOENÇA GRAVE ....................................................................................................... 97<br />

Jennifer Fonseca Lopes<br />

• AVALIAÇÃO DA PERDA DE MASSA DA COUVE MINIMAMENTE PROCESSADA ARMAZENADA<br />

EM DOIS TIPOS DE EMBALAGEM ............................................................................................................... 103<br />

Nashara Gleyce Farias Leão<br />

• ANÁLISE SENSORIAL: REVISÃO DE LITERATURA .......................................................................................... 107<br />

Tarciana Silva de França<br />

• REALIDADE, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DOS DIREITOS HUMANOS NA REGIÃO AMAZÔNICA:<br />

UMA REFLEXÃO SOBRE OS NOVOS ATORES INTERNACIONAIS FRENTE À COOPERAÇÃO ................................ 117<br />

Tienay Picanço da Costa Silva<br />

• O RESGATE DA ARBITRAGEM NO BRASIL: UMA PROPOSTA SEGURA E EFICAZ NA<br />

GUERRA CONTRA O TEMPO ...................................................................................................................... 127<br />

Carolina de Nazareth Silva Mendonça<br />

• O DISCURSO DESENVOLVIMENTISTA DA GLOBALIZAÇÃO E SEUS IMPACTOS NA DEMOCRACIA .................. 137<br />

Luiza Gaspar Feio<br />

BOLSISTAS DE MONITORIA<br />

• A ASCENSÃO DO TERCEIRO REICH: UMA ANÁLISE SOBRE O ESTADO NAZISTA DE 1933-1945 ....................... 145<br />

Antônio Carlos Pires Maia<br />

• OS ESTUDOS DA LINGUAGEM EM DIFERENTES CONTEXTOS E DIVERSOS ENFOQUES .................................. 153<br />

Fernanda Machado dos Santos<br />

• INTERVENÇÃO FISIOTERAPÊUTICA NA SÍNDROME DE MARFAN: RELATO DE CASO ...................................... 161<br />

Marcus Vinicius de Oliveira Resque<br />

• AS REFORMAS PROCESSUAIS CIVIS E O SOPESAMENTO DO STJ NO RESGUARDO<br />

DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................................................................................. 167<br />

Brahim Bitar de Sousa<br />

• ESTUDO CINESIOLÓGICO DO COMPLEXO ARTICULAR DO QUADRIL ........................................................... 175<br />

Iasmin Nazareth Silva Matni<br />

Willian Santana Ferreira<br />

• HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA: UM GRAVE PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA. REVISÃO DE LITERATURA .. 183<br />

Lillian dos Santos Carneiro<br />

• PUBALGIA, ESPORTE E FISIOTERAPIA ........................................................................................................ 187<br />

Antonio Eduardo Leite da Silva<br />

Carolina Nascimento Lemos Barboza<br />

4 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009


• FISIOTERAPIA DESPORTIVA: REABILITAÇÃO DE LESÕES DO FUTEBOL EM ATLETAS<br />

- REVISÃO DE LITERATURA ......................................................................................................................... 193<br />

Débora Camila Figueiredo de Souza<br />

Lidice Cristina Santos da Silva<br />

• A IMPORTÂNCIA DOS EXERCÍCIOS PLIOMÉTRICOS NA REABILITAÇÃO DE LESÕES:<br />

REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................................................................... 199<br />

Yuri de Sousa Azevedo<br />

• CONSEQUÊNCIAS DA AUSÊNCIA PATERNA NO DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL DOS FILHOS ................ 207<br />

Lídia Machado da Silva<br />

• A INTERVENSÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL NA REABILITAÇÃO DE PACIENTES<br />

COM SEQUELAS DE TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO: UM ESTUDO DE CASO ....................................... 213<br />

Walmir Pinheiro da Silva Neto<br />

• TRATAMENTO TERAPÊUTICO OCUPACIONAL JUNTO À CRIANÇA AUTISTA: ESTUDO DE CASO ..................... 219<br />

Elaine de Cássia Souza de Aviz<br />

Bruna Ferreira Ramos<br />

• AVALIAÇÃO DA ESTRUTURA FÍSICA E IMPLEMENTAÇÃO DAS BOAS PRÁTICAS EM UNIDADES<br />

DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO: REVISÃO DE LITERATURA.......................................................................... 225<br />

Aline Baldo<br />

• TRIAGEM AUDITIVA NEONATAL: REFLEXÕES, CONSIDERAÇÕES E RELEVÂNCIA ............................................ 235<br />

Raiza Gorbachev Ribeiro Aguiar<br />

• A ATUAÇÃO DA FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA EM PACIENTES COM DOENÇA PULMONAR<br />

OBSTRUTIVA CRÔNICA.............................................................................................................................. 243<br />

Jessica Nayara Gondim dos Santos<br />

• O AMICUS CURIAE E A ABERTURA HERMENÊUTICA EM PROL DA DEMOCRACIA:<br />

A INFLUÊNCIA DE PETER HÄBERLE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL .......................................................... 245<br />

Shayane do Socorro de Almeida da Paixão<br />

• ORÇAMENTO PÚBLICO E PODER LEGISLATIVO: O ORÇAMENTO PROGRAMA COMO INSTRUMENTO<br />

DE EFETIVAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS .................................................................................................. 257<br />

Bárbara Cozzi Gonçalves<br />

• A APLICAÇÃO DA TEORIA DA EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS “INTERPRIVATUS”<br />

NO CASO MUNIRA KHALIL EL OURRA E ADRIANA TITO MACIEL ................................................................. 267<br />

Isadora Cristina Cardoso de Vasconcelos<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 5


6 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009


EDITORIAL<br />

Caro Leitor,<br />

Oideal de uma Universidade levar o conhecimento à sociedade é perseguido de várias formas.<br />

Nas salas de aula, dentro dos “muros” da academia, os docentes e discentes têm a<br />

oportunidade de vivenciar parte desse processo, certamente numa escala bastante reduzida,<br />

pois ainda existem poucos brasileiros com acesso ao ensino superior. Entretanto, quando esses<br />

acadêmicos têm a oportunidade de ultrapassar as fronteiras físicas dos prédios que limitam a<br />

academia, acontece um processo extremamente rico e que dá ainda mais sentido à Universidade<br />

como instituição voltada para a construção e consolidação do saber humano. Nesse momento, há<br />

uma interação proativa da Universidade com o contexto em que ela existe, considerando toda sua<br />

multiplicidade. Nessa hora, todos são extensionistas e pesquisadores voltados para a melhoria da<br />

condição do homem e o melhor entendimento da nossa relação com o mundo em que vivemos.<br />

Nesta edição 2011.1 da Revista Lato & Sensu, você terá a oportunidade de ler e refletir sobre<br />

artigos acadêmicos voltados para os mais variados aspectos da humanidade. Desde a tragédia políticosocial<br />

que foi a ascensão do nazismo na primeira metade do século passado, até a<br />

contemporaneidade da difusão da beleza da música na internet, neste início de século XXI. Ao todo,<br />

são 34 artigos que também abordam temas de grande importância das áreas da saúde, direito,<br />

sociologia, engenharia, literatura, dentre outras. Isto reflete a pluralidade de interesses e temas de<br />

uma Universidade como a <strong>Unama</strong>.<br />

Ao divulgar os resultados das pesquisas e atividades de extensão de nossa comunidade<br />

acadêmica, acreditamos estar ultrapassando as nossas fronteiras e contribuindo para o<br />

desenvolvimento da Amazônia, do Brasil e do Mundo.<br />

Tenha uma boa leitura.<br />

Marcelo Adler<br />

Professor, Mestre em Administração de Empresas<br />

Diretor da Unespa – Mantenedora da <strong>Unama</strong><br />

Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 7


8 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009


ARTIGOS<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 9


10 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009


BOLSISTAS DE EXTENSÃO<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 11


QUALIDADE DE VIDA E FUNCIONALIDADE:<br />

PROPOSTA DE TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO PARA PORTADORES<br />

DE PARAPARESIA ESPÁSTICA TROPICAL/MIELOPATIA ASSOCIADA AO HTLV-1 1<br />

Clayton Luiz Furtado Cirino *<br />

Daniel Sobral Teixeira **<br />

RESUMO<br />

A paraparesia espástica tropical/mielopatia associada ao vírus linfotrópico de células T humanas<br />

(PET/MAH) é uma patologia de evolução lenta e progressiva, com sinais piramidais que leva ao<br />

comprometimento dos membros inferiores, representados pela hipertonia e fraqueza, dificultando<br />

a marcha do indivíduo. Em outras palavras inflinge seu ir e vir, comprometendo sua funcionalidade<br />

e qualidade de vida. O objetivo do artigo consiste em propor e refletir acerca de um<br />

protocolo de tratamento relevante a sintomatologia causada pela PET/MAH, por meio do método<br />

de facilitação neuromuscular proprioceptiva, de enfoque sempre positivo e que possibilita o<br />

indivíduo a explorar seu mais alto nível funcional. Desta forma, para o tratamento da sintomatologia<br />

da doença, faz-se necessário um programa de exercícios que vise não somente à melhora da<br />

condição física como também o treinamento funcional e potencializar as atividades desenvolvidas<br />

pelo indivíduo visualizando seu contexto social.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Paraparesia. HTLV. FNP. Qualidade de vida.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A Organizaçõa Mundial de Saúde (OMS)<br />

em 1989 definiu a Paraparesia Espástica Tropical/Mielopatia<br />

associada ao Vírus HTLV-I (PET/<br />

MAH) como uma paraparesia espástica tropical<br />

de evolução lenta e progressiva, com presença<br />

de sinais piramidais, variáveis graus de distúrbios<br />

esfincterianos e sensitivos, associado à presença<br />

de anticorpos para o HTLV-1 no sangue e<br />

no líquor (LCR) (LANNES et al., 2006; GRZESIUK e<br />

MASTINS, 1998).<br />

A PET/MAH é uma inflamação crônica e<br />

insidiosa que afeta a medula espinhal em níveis<br />

baixos (torácica baixa, lombar e sacra), sendo<br />

caracterizada por paraparesia espástica com sinais<br />

piramidais de evolução lenta e progressiva.<br />

Atualmente o aparecimento da doença está relacionado<br />

a infecção pelo vírus linfotrópico de<br />

células T humanas (HTLV) (LANNES et al., 2006;<br />

TOSTE et al., 2007).<br />

Esta inflamação da medula espinhal causada<br />

pela infiltração parenquimatosa de células<br />

CD4 (linfócito helper modificado), provoca diver-<br />

*<br />

Graduando do 8º semestre do curso de Fisioterapia da<br />

Universidade da Amazônia (UNAMA) e ex-bolsista de Extensão<br />

do Projeto O fazer Virtuoso. E-mail: clfcirino@hotmail.com.<br />

**<br />

Graduando do 8º semestre do curso de Fisioterapia da<br />

Universidade da Amazônia (UNAMA) e monitor das<br />

disciplinas de Fisioterapia nas enfermidades e distúrbios do<br />

sistema respiratório e cardiovascular. E-mail: danielsobral-<br />

13@ig.com.br.<br />

1<br />

Artigo elaborado sob orientação da profa. Mscª Dayse<br />

Danielle de Oliveira Silva, docente do curso de Fisioterapia<br />

da UNAMA da disciplina Fisioterapia nas Enfermidades e<br />

Distúbios Infanto Juvenis.<br />

13<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 13-21, jun. 2011


sos comprometimentos motores caracterizados<br />

por fraqueza e espasticidade em membros inferiores<br />

(MMII), comprometimentos sensitivos<br />

como parestesias e dores neuropáticas, distúrbios<br />

esfincterianos vesicais e intestinais, além<br />

de disfunção erétil no homem (LANNES et al.,<br />

2006; ISHAK et al., 2002).<br />

Devido ao quadro de fraqueza e espasticidade<br />

de MMII, a marcha também apresenta-se<br />

alterada. Apesar destas manifestações clínicas a<br />

PET/MAH é considerada uma doença de baixa<br />

letalidade, porém que afeta significamente a<br />

funcionalidade e a qualidade de vida do doente<br />

(TOSTE et al., 2007).<br />

2 ETIOLOGIA, REPERCUSSÃO NA QUALIDADE DE<br />

VIDA E FUNCIONALIDADE DOS PORTADORES DA<br />

PET/MAH<br />

O HTLV-1 é um retrovírus da família Retroviridae,<br />

subfamília Orthoretrovirinae e gênero<br />

Delta-retrovirus, o qual foi descrito na década<br />

de 80 sendo primeiramente isolado nos Estados<br />

Unidos (NOBRE et al., 2005; TOSTE et al., 2007;<br />

WANZELLER; LINHARES, 2002). O vírus está associado<br />

a diversas desordens inflamatórias articulares<br />

crônicas como artrite reumatóide, doenças<br />

hematológicas como leucemia/linfoma de<br />

células T, e doenças neurológicas sendo a mais<br />

comum a paraparesia espástica tropical/mielopatia<br />

(PET/MAH) (CARDOSO et al., 2009; PRIMO<br />

et al., 2009; CARVALHO et al., 2006).<br />

Existem duas formas do vírus, o HTLV-1 e<br />

HTLV-2, sendo o segundo descrito em 1982. As<br />

duas formas comportam-se de modos diferentes<br />

no organismo: enquanto o HTLV-1 pode provocar<br />

diversas complicações que prejudicam a<br />

funcionalidade, a segunda forma apresenta-se<br />

menos patológica, não ocasionando danos ao<br />

organismo infectado (LANNES et al., 2006; CAR-<br />

NEIRO-PROIETTI et al., 2006).<br />

A transmissão do vírus ocorre pelo contato<br />

com sangue (transfusão de sangue e seringas<br />

contaminadas) e com outros fluidos corpóreos<br />

(esperma, secreções vaginais e leite materno)<br />

(TOSTE et al., 2007).<br />

O vírus pode ser transmitido por duas<br />

vias, a vertical que é transmitido de mãe para<br />

filho, predominantemente pela amamentação,<br />

e pela via horizontal, cuja transmissão ocorre<br />

através do contato de fluídos corporais, como na<br />

relação sexual, uso de seringas contaminadas e<br />

contato com sangue. (CARDOSO et al., 2009;<br />

ARAÙJO et al., 2009; TOSTE et al., 2007).<br />

A PET/MAH é caracterizada por infiltração<br />

linfocitária no SNC. Segundo Carneiro-Proietii et<br />

al. (2006) essas lesões são resultados de um mecanismo<br />

autoimune. O HTLV possui geneticamente<br />

uma fita de RNA simples da qual é criado o DNA<br />

mutante dentro da célula hospedeira. Esse DNA<br />

produzido se junta ao DNA celular com a finalidade<br />

de reproduzir o vírus, este fenômeno é chamado<br />

de replicação. Em seguida, com o auxílio da enzima<br />

transcriptase reversa ocorre a produção de<br />

moléculas de cDNA – DNA complementares ao seu<br />

material genético. (LANNES et al., 2006).<br />

A célula do hospedeiro então irá reconhecer<br />

o material genético alterado e não irá o<br />

destruir. No caso do HTLV, o RNA tem exclusiva<br />

preferência pelos linfócitos T (células envolvidas<br />

na defesa do organismo contra corpos estranhos)<br />

(LANNES et al., 2006).<br />

Segundo Ribas e Melo (2002) os distúrbios<br />

da marcha, a fraqueza, o enrijecimento dos<br />

MMII e o comprometimento do equilíbrio dinâmico<br />

constituem os principais sinais e sintomas<br />

de apresentação da doença.<br />

Vários grupos musculares são acometidos,<br />

tornando a marcha espástica, reduzindo a<br />

velocidade e aumentando o gasto energético<br />

(LANNES et al., 2006). Para Ribas e Melo (2002) a<br />

espasticidade é o principal fator limitante para<br />

estes pacientes. A espasticidade por sua vez<br />

também irá ocasionar estímulos dolorosos devido<br />

aos espasmos musculares, tornando muito<br />

difícil a locomoção do indivíduo.<br />

Os indivíduos portadores da PET/MAH<br />

apresentam déficit motores de grandes morbi-<br />

14 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 13-21, jun. 2011


dades. Ao lado dos sintomas dolorosos, disfunção<br />

vesical, intestinal e da disfunção erétil, a<br />

marcha encontra-se lenta e progressivamente<br />

comprometida restringindo as chances do portador<br />

a enfrentar os desafios das atividades de<br />

vida diária (AVD’s), (RIBAS E MELO, 2002).<br />

As fases da marcha encontram-se comprometidas<br />

com os passos mais arrastados e lentos,<br />

provocando uma deficiência no sinergismo<br />

funcional entre as cinturas escapular e pélvica,<br />

observando-se uma acentuada imobilidade da<br />

articulação sacro-ilíaca (LANNES et al., 2006).<br />

Sendo assim, de acordo com os argumentos expostos<br />

acima, conclui-se que o grau de espasticidade<br />

e a fraqueza tornam-se os principais fatores<br />

limitantes da marcha.<br />

Dessa forma, a funcionalidade do indivíduo<br />

se demonstra fator primordialmente afetado, restringindo<br />

seu ir e vir, impondo barreiras nas suas<br />

relações sociais e além de afetar de forma prejudicial<br />

sua saúde mental, em outras palavras, tem<br />

implicações intrínsecas com sua qualidade de vida.<br />

Portanto torna-se inerente à discussão da interdependência<br />

de nível de independência funcional<br />

com o termo qualidade de vida, bem como a prosta<br />

de terapêuticas que visem à reabilitação considerando<br />

as referidas conceituações.<br />

3 PROPOSTA DE TRAMENTO FISIOTERAPÊUTICO<br />

BASEADO NO MÉTODO DE FASCILITAÇÃO NEU-<br />

ROMUSCULAR PROPRIOCEPTIVA (FNP)<br />

Não há um consenso na literatura acerca<br />

da existência de pesquisas sobre programas específicos<br />

de recuperação funcionais sensóriomotoras,<br />

comprovadamente eficazes, para as<br />

manifestações neurológicas do HTLV-I (CASTRO-<br />

COSTA et al., 2005).<br />

Diversos autores apontam a fisioterapia<br />

como terapêutica eficaz na diminuição dos sintomas<br />

característicos da PET/MAH: como a espasticidade,<br />

fraqueza em MMII, equilíbrio e dor,<br />

ou seja, proporciona uma melhor qualidade de<br />

vida e funcionalidade ao portador (LANNES, 2006;<br />

RIBAS; MELO, 2002; CASTRO-COSTA et al., 2005).<br />

Segundo Lannes et al. (2006) pesquisas<br />

abordando recuperação funcional envolvendo<br />

pacientes portadores de outras patologias que<br />

cursam com sintomas semelhantes aos da PET/<br />

MAH, podem servir de matéria-prima para elaboração<br />

de um programa específico de tratamento.<br />

Um conceito sistematizado por Herman<br />

Kabat (1951) e designado como Facilitação Neuromuscular<br />

Proprioceptiva (FNP) pode auxiliar<br />

na recuperação funcional e na melhora dos padrões<br />

da marcha desses indivíduos. As técnicas<br />

específicas utilizadas parecem facilitar os pacientes<br />

a alcançarem o seu mais alto nível funcional<br />

(LANNES et al., 2006).<br />

O conceito FNP não se comporta apenas<br />

como uma técnica e sim como uma filosofia de<br />

tratamento. O conjunto de técnicas abordados<br />

no conceito tem como objetivo facilitar a condução<br />

das respostas neuromusculares por meio<br />

da ativação dos receptores sensoriais relacionados<br />

ao movimento e ao posicionamento do corpo<br />

(SILVA; GESTER, 2009).<br />

Segundo Adler et al. (2007) o FNP tem<br />

como objetivo promover o movimento funcional<br />

por meio da facilitação, da inibição, do fortalecimento<br />

e do relaxamento de grupos musculares.<br />

Para isto o método de facilitação tem como<br />

recurso técnicas específicas constituídas de contrações<br />

musculares concêntricas, excêntricas e<br />

estáticas, podendo ou não ser usada com a aplicação<br />

de uma resistência de forma gradual e com<br />

procedimentos que facilitem a execução do<br />

movimento, ajustando-se aos limites e às necessidades<br />

de cada paciente.<br />

O método FNP possui diversas técnicas<br />

que podem ser utilizadas. Dentre elas as técnicas<br />

específicas propostas neste trabalho serão:<br />

a) Técnicas agonistas: consistem na utilização das<br />

técnicas de iniciação rítmica, combinação de<br />

isotônicas.<br />

b) Técnicas antagonistas: consistem em três técnicas<br />

- a reversão dinâmica de antagonistas e<br />

reversão de estabilizações.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 13-21, jun. 2011<br />

15


c) Técnicas de Relaxamento: consiste na técnica<br />

de contrair-relaxar.<br />

Inicialmente em cada sessão deve ser<br />

feita uma sequência de exercícios de alongamento<br />

para MMSS, MMII e coluna cervical. A técnica<br />

de contrair e relaxar com a respiração nasal<br />

profunda pode facilitar o ganho de ADM através<br />

do relaxamento da musculatura a ser alongada.<br />

O programa terapêutico baseado no método<br />

FNP deve evoluir respectivamente com o<br />

trabalho de membros superiores e tronco, membro<br />

inferior e tronco, o treino do rolar e ao final<br />

o treino de marcha, para melhor atender a demanda<br />

funcional do portador da PET/MAH de<br />

forma gradual e sistematizada.<br />

Para melhor assimilação descreveremos<br />

alguns exercícios sucintamente divididos por<br />

treino funcional, discorrendo seus principais<br />

objetivos, por meio da representação das figuras<br />

a seguir.<br />

Quadro 1: Padrão Bilateral Simétrico (MMSS)<br />

Figura 1: Início do Padrão Bilateral Simétrico (MMSS)<br />

Fonte: Do autor<br />

Figura 2: Fim do Padrão Bilateral Simétrico (MMSS)<br />

Fonte: Do autor<br />

a) Postura: Paciente em DD com MMSS em extensão, adução e rotação interna de ombro, cotovelos<br />

extendidos, punhos cerrados e mãos fechadas.<br />

b) Número de repetições: 3 séries de 30 segundos com intervalo de 1 minuto.<br />

c) Técnicas aplicadas: iniciação rítmica e combinação de isotônicos.<br />

d) Descrição: Na posição supracitada o paciente irá realizar uma flexão, abdução e rotação externa dos<br />

MMSS simultaneamente. O terapeuta irá promover a resistência ao movimento. Primeiro será feita a<br />

iniciação rítmica para ensinar o movimento e posteriormente a combinação de isotônicas seguindo o<br />

número de repetições citados.<br />

e) Princípios: estímulo verbal, estímulo visual, contato manual, irradiação, reforço e resistência.<br />

f) Comando: “Mãos para cima, levante seus braços.” “Eleve seus braços.”<br />

16 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 13-21, jun. 2011


Quadro 2: Padrão Bilateral de MMII para o Tronco<br />

Figura 3: Início do Padrão Bilateral de MMII para o<br />

tronco<br />

Fonte: Do autor<br />

Figura 4: Fim do Padrão Bilateral de MMII para o<br />

tronco<br />

Fonte: Do autor<br />

a) Postura: Paciente em DD, MMII fletidos em direção ao abdômen voltado para a direção do terapeuta.<br />

b) Número de repetições: 2 x 30 segundos com intervalos de 1 minuto da posição de flexão para extensão<br />

e 1 x 30 segundos da posição de extensão para flexão.<br />

c) Técnicas realizadas: iniciação rítmica e combinação de isotônicos.<br />

d) Descrição: Saindo da posição supracitada o paciente estende ambos os joelhos e quadris em direção ao<br />

terapeuta. O terapeuta segura os pés do paciente direcionando o movimento. Após as duas primeiras<br />

séries do exercício, o movimento é realizado no sentido contrário.<br />

e) Princípios: estímulo verbal, contato manual, irradiação, reforço e resistência.<br />

f) Comando: “Pés para baixo, estique as pernas para baixo e para fora.” “Empurre seus pés para minha<br />

direção.”<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 13-21, jun. 2011<br />

17


Quadro 3: Rolar - MMSS – Combinação Bilateral<br />

Figura 5: Combinação Bilateral (Posição inicial)<br />

Fonte: Do autor<br />

Figura 6: Combinação Bilateral (Posição final)<br />

Fonte: Do autor<br />

a) Postura: Paciente em DL com MMSS unidos pelas palmas das mãos.<br />

b) Número de repetições: 2 x 30 seg. para cada padrão com intervalo de 1 minuto. Realizado dos dois<br />

lados.<br />

c) Técnicas aplicadas: Iniciação rítmica, combinação de isotônicas.<br />

d) Descrição: O terapeuta com o contato nos braços do paciente estabiliza e fornece a resistencia que será<br />

vencida pelo movimento do mesmo. O movimento dos MMSS segue os padrões descritos no quadro 1 de<br />

forma que o paciente saia da posição de DL para DD com o movimento dos MMSS.<br />

e) Princípios: Visual, verbal, contato manual, irradiação, reforço e resistência.<br />

f) Comandos: “Traga os seus braços para a minha direção.” “ Traga seu tronco junto com os braços.”<br />

“Mantenha nesta posição.” “Deixe eu levar um pouco de volta.”<br />

18 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 13-21, jun. 2011


Quadro 4: Em pé - apoio unipodal<br />

Figura 7: Apoio unipodal (Posição inicial)<br />

Fonte: Do autor<br />

Figura 8: Apoio unipodal (Posição final)<br />

Fonte: Do autor<br />

a) Postura: Paciente em bipedestação na barra paralela. Terapeuta à frente fornecendo resistência ao<br />

movimento desejado.<br />

b) Número de repetições: 2 x 30 segundos para cada lado.<br />

c) Padrões: Ântero versão pélvica<br />

d) Técnicas aplicadas: Iniciação rítmica, combinação de isotônicas, reversão de estabilizações.<br />

e) Descrição: Paciente sustenta-se em um dos membros com o outro quadril fletido, deve estar acima de<br />

90º, se possível, para facilitar a extensão do quadril no membro oposto. Terapeuta com as mãos sob as<br />

cristas ilíacas do paciente: Aproximar através da pelve para encorajar a tomada de peso, utilizando<br />

combinações de isotônicas. Realizar pequenas reversões de estabilizações na pelve para resistir ao<br />

equilíbrio em todas as direções. No balanceio, utilizar reflexo repetido com resistência para facilitar a<br />

ântero elevação pélvica deste lado e usar cominações de isotônicas para facilitar a flexão do quadril.<br />

f) Princípios: Verbal, estímulo visual, contato manual, irradiação, reforço e resistência.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 13-21, jun. 2011<br />

19


4 DISCUSSÃO<br />

A PET/MAH afeta diversas funções do organismo<br />

infectado, sobretudo o sistema locomotor<br />

ocasionando fraqueza muscular, espasticidade<br />

e perda da propriocepção, tornando o indivíduo<br />

dependente de auxílio para a locomoção até<br />

ao uso da cadeira de rodas afetando diretamente<br />

sua funcionalidade e qualidade de vida.<br />

Desta forma para o tratamento da patologia<br />

faz-se necessário um programa de exercícios que vise<br />

não somente à melhora da condição física como também<br />

o treinamento funcional das atividades desenvolvidas<br />

pelo indivíduo em um contexto social.<br />

Ribas e Melo (2002) afirmam que a fisioterapia<br />

promove a melhora da qualidade de vida<br />

e diminuem a morbidade dos pacientes portadores<br />

da PET/MAH, por meio de exercícios ativos e/<br />

ou passivos, os quais melhoram a espasticidade,<br />

equilíbrio e preservam a integridade articular.<br />

O conceito de Facilitação Neuromuscular<br />

Proprioceptiva pressupõe que todo indivíduo<br />

possui um potencial existente não explorado,<br />

com enfoque terapêutico sempre positivo, utilizando<br />

aquilo que o paciente pode fazer, atingindo<br />

dessa maneira o seu mais alto nível funcional,<br />

além de ser uma técnica que possui uma abordagem<br />

global, tratando o indivíduo como um todo e<br />

não partes isoladas (ADLER et al., 2007).<br />

5 CONCLUSÃO<br />

Portanto, de acordo com o cenário exposto<br />

e a ausênsia de terapêuticas consolidadas<br />

que objetivam não somente a resolução da doença<br />

mas a promoção de saúde e qualidade de<br />

vida ao individuo portador da PET/MAH, o conceito<br />

FNP apresenta-se como uma estratégia<br />

terapêutica interessante para o tratamento dos<br />

sintomas consequentes da patologia, possilitando<br />

o paciente a explorar seu mais alto nível funcional,<br />

devolvendo e potencializando a independência<br />

funcional dos mesmos, consequentemente<br />

melhorando sua qualidade de vida.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ADLER, Susan S. et al. PNF-facilitação neuromuscular<br />

proprioceptiva: um guia ilustrado. São Paulo:<br />

Ed. Manole, 2007.<br />

ARAUJO, Abelardo Q.C. et al. HTLV-1 and neurological<br />

conditions: when to suspect and when to<br />

order a diagnostic test for HTLV-1 infection? Arq.<br />

Neuro-Psiquiatr, São Paulo, v. 67, n. 1, mar. 2009.<br />

CARDOSO, Daniela Fernandes et al. Influence of<br />

human t-cell lymphotropic virus type 1 (HTLV-1)<br />

Infection on laboratory parameters of patients<br />

with chronic hepatitis C virus. Rev. Inst. Med.<br />

trop. S. Paulo, São Paulo, v. 51, n. 6, dec. 2009.<br />

CARNEIRO-PROIETTI, Anna Bárbara F. et al. HTLV<br />

in the Americas: challenges and<br />

perspectives. Rev Panam Salud Publica, Washington,<br />

v. 19, n. 1, jan. 2006.<br />

CARVALHO, Mônica Martinelli Nunes de et al.<br />

Frequência de doenças reumáticas em indivíduos<br />

infectados pelo HTLV-1. Rev. Bras. Reumatol.,<br />

São Paulo, v. 46, n. 5, out. 2006.<br />

CASTRO-COSTA, Carlos Maurício de et al. Guia de<br />

manejo clínico do paciente com HTLV: aspectos<br />

neurológicos. Arq. Neuro-Psiquiatr. [online].<br />

v.63, n.2b, p. 548-551, 2005. ISSN 0004-282X.<br />

GRZESIUK, ANDERSON KUNTZ e MARTINS, PE-<br />

DRO DE MIRANDA. Paraparesia espástica tropical/<br />

mielopatia associada ao HTLV-I: re<strong>lato</strong> de<br />

dois casos diagnosticados em Cuiabá, Mato<br />

Grosso. Arq. Neuro-Psiquiatr. [online]. v.57,<br />

n.3b, p. 870-872, 1999. ISSN 0004-282X.<br />

ISHAK, Ricardo et al. HTLV-I associated myelopathy<br />

in the northern region of Brazil (Belém-Pará):<br />

20 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 13-21, jun. 2011


serological and clinical features of three<br />

cases. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., Uberaba, v.<br />

35, n. 3, June, 2002.<br />

LANNES, Priscilla et al. Paraparesia espástica tropical<br />

– Mielopatia associada ao vírus HTLV-1: possíveis<br />

estratégias cinesioterapêuticas para a melhora<br />

dos padrões de marcha em portadores sintomáticos.<br />

Rev. Neurociências, v.14, n.3, jul./set, 2006.<br />

NOBRE, Vandack et al. Lesões dermatológicas em<br />

pacientes infectados pelo vírus linfotrópico humano<br />

de células T do tipo 1 (HTLV-1). Rev. Soc.<br />

Bras. Med. Trop., Uberaba, v. 38, n. 1, Feb. 2005.<br />

PRIMO, J. et al. High HTLV-1 proviral load, a marker<br />

for HTLV-1 associated myelopathy/tropical spastic<br />

paraparesis, is also detected in patients with infective<br />

dermatitis associated with HTLV-1. Braz J<br />

Med Biol Res, Ribeirão Preto, v. 42, n. 8, ago. 2009.<br />

RIBAS, João Gabriel Ramos and MELO, Gustavo<br />

Correa Netto de. Mielopatia associada ao vírus<br />

linfotrópico humanode células T do tipo 1 (HTLV-<br />

1). Rev. Soc. Bras. Med. Trop. [online]. v.35, n.4,<br />

p. 377-384, 2002. ISSN 0037-8682.<br />

SILVA JÚNIOR A. B; OLIVEIRA I . M; ALCÂNTARA E. C;<br />

RESENDE E. S. Fatores de risco para síndromes coronarianas<br />

e descrição dos questionários de qualidade<br />

de vida Mac New Qlmi E Sf-36. Arq. Ciênc.<br />

Saúde Unipar, Umuarama, v.10, n.1, jan./mar. 2006.<br />

TOSTE, Fabiane P. et al. A contribuição da nutrição<br />

nos casos de paraparesia espástica tropical por HTLV-<br />

1. Augustus – Rio de Janeiro, v.12, n. 24, ago. 2007.<br />

WANZELLER, ALM; LINHARES, AC, et al. 2002. Prevalência<br />

de Anticorpos para HTLV-I/II em recémnascidos,<br />

em Belém, Pará. Rev. Paraense de<br />

Medicina, v. 16 (3) jul./set. 2002.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 13-21, jun. 2011<br />

21


REDES SOCIAIS NO CENÁRIO COMUNICACIONAL<br />

CONTEMPORÂNEO: UM ESTUDO DOS MYSPACE COMO<br />

DIFUSOR DE MÚSICA NO CIBERESPAÇO 1<br />

Suellen Priscila Lopes da Silva *<br />

Tiago Júlio de Farias Martins **<br />

RESUMO<br />

O presente ensaio busca propor análises acerca das redes sociais, focando principalmente no<br />

MySpace inserido no contexto do cenário comunicacional contemporâneo. Apontando, assim,<br />

diversos questionamentos que serão respondidos no decorrer deste ensaio, dentre eles:<br />

Qual a função desta ferramenta para o cenário comunicacional contemporâneo e para a música?<br />

Trata-se, portanto, de uma análise das redes sociais no cenário comunicacional contemporâneo<br />

no qual será baseada num estudo do MySpace como difusor de música no ciberespaço.<br />

Discorremos ainda sobre as possibilidades que esta rede pode oferecer ao Coro Cênico da<br />

UNAMA enquanto grupo produtor de conteúdo musical.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Redes sociais. MySpace. Ciberespaço. Coro Cênico UNAMA<br />

1 UM BREVE ESBOÇO DAS REDES SOCIAIS<br />

Antes de adentrarmos nas discussões a<br />

respeito do MySpace, sua caracterização, particularidades<br />

e como essa rede mudou a forma de<br />

divulgar, consumir e compartilhar músicas on line,<br />

é importante contextualizá-lo na contemporaneidade<br />

dentro da web 2.0 2 como uma rede social.<br />

As redes sociais oferecem mecanismos<br />

de interação social que buscam conectar os usu-<br />

*<br />

Jornalista, graduada em comunicação social – habilitação<br />

em jornalismo pela UNAMA e ex-bolsista do programa de<br />

Extensão Coro Cênico da Universidade da Amazônia – UNAMA.<br />

E-mail: suellenpriscilals@hotmail.com<br />

**<br />

Estudante do 7º semestre do curso de Comunicação Social<br />

com habilitação em Jornalismo da UNAMA (Universidade da<br />

Amazônia). Atuando com bolsista do programa de Extensão<br />

Coro Cênico da UNAMA no Núcleo Cultural desde 2010. E-<br />

mail: tiagojulio.martins@gmail.com<br />

1<br />

Artigo elaborado sob orientado da profa. Ms., Ivana Oliveira,<br />

supervisora de projetos experimentais.<br />

2<br />

Web 2.0 é a segunda geração de serviços da internet. Nela,<br />

os internautas deixam de ser apenas navegadores e passam<br />

a ser produtores de conteúdo. Outra característica marcante<br />

é a massificação das mídias sociais criando complexas<br />

comunidades virtuais.<br />

ários para proporcionar a comunicação mediada<br />

por computador, além de facilitar a conversação<br />

e os laços sociais existentes nesse espaço. Conforme<br />

explica Raquel Recuero,<br />

Redes sociais na Internet podem ser<br />

constituídas de duas maneiras: através<br />

da interação social mútua e da<br />

interação social reativa. A interação<br />

social mútua forma redes sociais<br />

onde laços são constituídos de um<br />

pertencimento relacional, que é<br />

emergente, caracterizado pelo “sentir-se<br />

parte” através das trocas comunicacionais.<br />

Essas redes são caracterizadas pela<br />

presença de laços mais fortes e de<br />

capital social de primeiro e segundo<br />

níveis (RECUERO, p.7).<br />

Redes como o Orkut, o YouTube, o Facebook<br />

e o próprio Myspace oferecem recursos<br />

específicos para usuários se relacionarem entre<br />

si no ciberespaço e estenderem sua vida social<br />

23<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 23-32, jun. 2011


para além das fronteiras físicas. Estes sites apresentam<br />

linguagens específicas e integram milhões<br />

de pessoas que passam a se organizar em<br />

comunidades virtuais.<br />

Com um perfil pessoal 3 criado, o usuário<br />

pode encontrar seus amigos, fazer novas amizades<br />

a partir de suas afinidades e gostos, participar<br />

de discussões e debates trocando ideias com outros<br />

internautas em tempo real e compartilhar conteúdos<br />

diversos produzidos pelo próprio usuário.<br />

Devido ao caráter complexo das redes<br />

sociais e a interação única que ela promove<br />

para os seus usuários, as relações entre os<br />

mesmos tornam-se igualmente complexas. No<br />

Myspace, por exemplo, o internauta pode<br />

acessar o perfil de uma banda americana e trocar<br />

informações com outros fãs estrangeiros<br />

ou apenas ouvir as músicas de graça e anonimamente<br />

sem se comunicar com ninguém.<br />

Recuero (2009) exemplifica a relação interpessoal<br />

complexa oriunda das redes sociais, ao<br />

afirmar que “na internet, por exemplo, é possível<br />

‘assinar’ uma lista de discussão, ou seja,<br />

participar de um grupo social sem interagir diretamente<br />

com seus membros, mas unicamente<br />

usufruindo das informações que circulam”.<br />

Figura 1: Página inicial do MySpace que oferece atalhos às demais ferramentas do site<br />

2 MYSPACE: UMA PROPOSTA DE ESTUDO<br />

Agora que fizemos um pequeno esboço<br />

conceituando o que é uma rede social, podemos<br />

caracterizar especificamente o MySpace<br />

dentro deste cenário. Criado em 2003,<br />

por Thomas Anderson e Chris DeWolf, a rede<br />

de relacionamento tem como principal característica<br />

a grande quantidade de músicas oferecidas<br />

aos usuários gratuitamente em formato<br />

MP3 4 através do perfil pessoal de bandas<br />

e artistas. Pessoas de todas as partes do<br />

mundo registram-se no site diariamente e<br />

postam seus trabalhos tornando-os públicos<br />

e acessíveis mesmo para quem não é registrado<br />

no MySpace. Dessa forma, por exemplo,<br />

um internauta de Belém pode descobrir<br />

e tornar-se fã de um cantor da França que não<br />

tem espaço na grande mídia para divulgar<br />

suas músicas, mas encontra reconhecimento<br />

e incentivos graças ao MySpace.<br />

Além disso, a rede oferece outras ferramentas<br />

para os usuários se relacionarem e terem<br />

acesso a conteúdos exclusivos de seus artistas.<br />

Elas podem ser acessadas facilmente<br />

através de atalhos na parte superior da homepage<br />

(ou página inicial)<br />

do MySpace.<br />

A homepage<br />

funciona como a página<br />

principal de um site<br />

de notícias, relacionando<br />

aos usuários, além<br />

da opção para fazer login<br />

(acessar) na rede,<br />

informativos sobre o<br />

que está acontecendo<br />

no MySpace e um link<br />

onde o internauta pode<br />

se cadastrar e ingressar<br />

na rede.<br />

3<br />

Cada usuário, ao se cadastrar no MySpace, personaliza um<br />

perfil que torna-se sua página pessoal. Esta página pode<br />

representar uma pessoa, banda, artista ou grupo musical.<br />

4<br />

MP3 é um formato compactado de áudio praticamente igual<br />

ao original. Arquivos MP3 são pequenos e a perda de<br />

qualidade da compressão não é percebida pelo ouvido<br />

humano.<br />

24<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 23-32, jun. 2011


2.1 RELACIONAMOS ABAIXO ESTAS FUNCIONA-<br />

LIDADES E SUA UTILIDADE PARA OS USUÁRIOS<br />

• Pessoas: ferramenta de busca que permite encontrar<br />

e entrar em contato com outros usuários<br />

através de uma pesquisa por meio de filtros<br />

definidos previamente pelo usuário.<br />

Figura 2: Home Page da ferramenta de busca para encontrar usuários.<br />

Figura 3: Ferramenta de pesquisa procurar bandas, cantores ou grupos musicais<br />

de várias partes do mundo.<br />

“Pessoas” mostra ainda uma seleção de<br />

usuários que estão on line, navegando pelo site e<br />

possivelmente disponíveis para um bate-papo em<br />

tempo real. O filtro avançado, além de selecionar<br />

os usuários por características básicas como sexo<br />

e localidade, utiliza informações mais específicas<br />

como religião, etnia e orientação sexual.<br />

Esta é uma ferramenta para achar pessoas,<br />

próximas ou distantes fisicamente, com características<br />

particulares.<br />

• Encontrar amigos: Outra<br />

ferramenta de pesquisa,<br />

porém, diferente<br />

da anterior. Aqui a pesquisa<br />

é direta: você digita<br />

o nome do usuário,<br />

banda ou artista e o<br />

MySpace o encontra se<br />

ele estiver na rede.<br />

Também é possível pesquisar<br />

digitando o email<br />

pessoal do outro usuário.<br />

Uma ferramenta<br />

muito útil e frequentemente<br />

utilizada pelos<br />

usuários para encontrar<br />

bandas e artistas.<br />

Porém, a forma<br />

mais eficaz de encontrar<br />

amigos no MySpace é<br />

utilizando a opção do<br />

lado direito: “Verifique<br />

seus catálogos de endereços<br />

de e-mail para ver<br />

quem já está no MySpace”.<br />

Através dela, o usuário<br />

fornece o seu email<br />

pessoal e o MySpace filtra<br />

entre os contatos<br />

que já estão no email os<br />

amigos que possuem<br />

perfil na rede. Logo, se<br />

os destinatários dos emails do usuário também<br />

estiverem no MySpace, será possível localizálos.<br />

A rede faz isso cruzando os emails dos servidores<br />

com os seus usuários.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 23-32, jun. 2011<br />

25


“Encontrar amigos” é a primeira ferramenta<br />

que o usuário costuma usar assim que<br />

ingressa no MySpace. Por meio dela torna-se<br />

simples ter acesso às músicas das bandas favoritas,<br />

manter contato com os artistas e iniciar a<br />

socialização na rede adicionando como amigos<br />

pessoas já conhecidas.<br />

• Música: A ferramenta música tem quatro subdivisões<br />

A primeira delas, “Minhas Músicas”, permite<br />

aos usuários fazerem upload 5 de suas músicas<br />

em MP3 e compartilharem com os demais<br />

26<br />

Figura 4: Ferramenta “Música”, organiza através de links informações específicas.<br />

Figura 5: Ferramenta “Paradas”, permite ao usuário ter acesso ao que<br />

está em alta na rede e sugere musicas.<br />

5<br />

Upload é o processo inverso do Download. Enquanto o<br />

segundo consiste em baixar arquivos da web, o Upload<br />

consiste no envio de um arquivo do computador do usuário<br />

para uma das centrais que geram o fluxo da internet onde<br />

ficará disponível para Download ou exibição.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 23-32, jun. 2011<br />

membros da rede. Utilizada principalmente pelos<br />

artistas e bandas, já que os usuários “comuns”<br />

não têm interesse em divulgar trabalhos que não<br />

são autorais.<br />

A segunda ferramenta é a principal: “Paradas”.<br />

Ela relaciona os artistas, músicas e videos<br />

mais populares (que estão sendo mais vezes<br />

executadas ou exibidas pelos usuários) a partir<br />

de três filtros muito interessantes: nacionalidade,<br />

gênero musical e<br />

selo de gravação. Dessa<br />

forma é possível conhecer<br />

os artistas mais populares<br />

da Inglaterra do<br />

gênero Pop, com apoio<br />

de grandes gravadoras e<br />

da publicidade, ou descobrir<br />

quais as principais<br />

bandas dos Estados<br />

Unidos que estão fazendo<br />

rock independente<br />

sem apoio da mídia ou<br />

de grandes selos.<br />

A ferramenta funciona como um termômetro<br />

medindo o que está em alta na rede e<br />

sempre dá boas dicas aos usuários do que ouvir<br />

a partir de seus gostos<br />

pessoais. Ela é popular<br />

entre os usuários e funciona<br />

como publicidade,<br />

além de dar um grande incentivo,<br />

aos artistas independentes<br />

que não figuram<br />

na mídia tradicional.<br />

A terceira ferramenta,<br />

ainda dentro de<br />

Músicas, chama-se “Shows”.<br />

Você fornece o<br />

nome de uma cidade ou<br />

o CEP e o MySpace relaciona<br />

os próximos shows que acontecerão no<br />

local e nas proximidades. A rede faz isso cruzando<br />

as informações nos perfis oficiais das<br />

bandas e os artistas.


Por fim, temos os “Fóruns”. Esta ferramenta<br />

não é muito utilizada, mas permite aos<br />

usuários criarem tópicos de discussão a partir de<br />

gêneros musicais. Funciona como qualquer outro<br />

fórum da internet 2.0: os usuários postam<br />

mensagens a qualquer momento e interagem<br />

numa grande conversa que, geralmente, não<br />

acontece em tempo real.<br />

Figura 6: Home Page dos vídeos populares e mais recentes.<br />

O MySpace relaciona ainda os vídeos<br />

que estão sendo acessados naquele momento,<br />

os últimos vídeos enviados por usuários e faz<br />

publicidade de vídeos clips que serão lançados<br />

por artistas famosos.<br />

• Jogos: ferramenta que oferece aos usuários<br />

uma série de jogos em flash 6 e aplicativos para<br />

os usuários se divertirem.<br />

Os jogos são divididos<br />

em uma série de categorias<br />

e o MySpace<br />

também fornece sugestão<br />

aos usuários.<br />

• Vídeos: semelhante a redes sociais mais populares<br />

como o YouTube, o MySpace oferece<br />

aos usuários a possibilidade de compartilhar<br />

• Eventos: Shows, vida<br />

noturna, eventos relacionados<br />

à arte e a cultura,<br />

festivais, compras...<br />

Uma série de programas<br />

relacionados pelo<br />

MySpace para os usuários<br />

a partir de suas localidades.<br />

A ferramenta permite ainda que<br />

o usuário monte um calendário e pesquise<br />

um evento específico.<br />

Figura 7: Home Page dos jogos mais populares do MySpace.<br />

e assistir vídeos. O sistema é muito mais simples,<br />

mas a base é a mesma. Os vídeos costumam<br />

ser relacionados por ordem de popularidade<br />

e também há uma opção para procurar<br />

vídeos dentro da rede.<br />

Além disso, o<br />

MySpace oferece a opção<br />

“Mais”, com algumas<br />

outras ferramentas<br />

específicas.<br />

Clicando em “Fóruns”,<br />

o usuário tem<br />

acesso a um conteúdo<br />

semelhante ao citado em<br />

3.1. Porém os debates giram<br />

em torno de temas<br />

mais variados, como relacionamentos<br />

amorosos<br />

e cinema. É um fórum mais movimentado que o<br />

primeiro, com maior participação dos usuários.<br />

6<br />

Animações interativas exibidas graças ao um programa<br />

chamado Adobe Flash Player que são muito utilizadas na<br />

web.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 23-32, jun. 2011<br />

27


“Comunidades” dá a possibilidade dos<br />

usuários ingressarem em fóruns de discussões<br />

específicos a partir de um conteúdo mais geral.<br />

Funciona exatamente como em outras redes de<br />

relacionamento mais populares, como o Orkut 7 .<br />

Os usuários criam uma identidade e se afirmam<br />

na rede expondo seus gostos ingressando de comunidades<br />

como “Eu amo Rock”, por exemplo.<br />

“Escolas” relaciona uma lista de escolas e<br />

universidades como se fossem comunidades. Assim,<br />

usuários podem encontrar colegas de classe<br />

através do MySpace. Infelizmente, há poucas escolas<br />

e universidades nacionais relacionadas na rede.<br />

28<br />

Figura 8: Home Page dos “eventos Recomendados”.<br />

Figura 9: Fórum “Ciência” e “Comédia” são alguns dos assuntos discutidos<br />

neste Fórum.<br />

7<br />

O Orkut até 2009 era a mídia social mais popular do Brasil.<br />

Atualmente divide espaço com o Twitter e há um fenômeno<br />

crescente de usuários migrando do Orkut para o Facebook.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 23-32, jun. 2011<br />

Finalmente, o “MySpace Brasil” é um<br />

perfil mantido pela rede voltado especificamente<br />

para atender os usuários brasileiros. Notícias,<br />

vídeos, fotos, músicas, aplicativos e outras utilidades<br />

da rede destinadas aos internautas nacionais.<br />

Até o momento, o perfil do MySpace Brasil<br />

possui 2505186 amigos.<br />

3 USUÁRIOS<br />

Depois deste<br />

esboço discorrendo sobre<br />

as principais ferramentas<br />

e funções do<br />

MySpace, falaremos<br />

agora sobre os perfis e<br />

explicaremos de maneira<br />

mais detalhada<br />

como os usuários interagem<br />

na rede e de que<br />

forma eles utilizam as<br />

funcionalidades do site<br />

para consumir este produto<br />

artístico tão popular que é a música.<br />

Como dito anteriormente, para interagir<br />

com os outros usuários e ter acesso a todos os<br />

conteúdos que o MySpace oferece é necessário<br />

efetuar um cadastro no site. Vale salientar, no<br />

entanto, que não é necessário<br />

este cadastro<br />

para ter acesso ao perfil<br />

de bandas e ouvir as<br />

músicas disponibilizadas<br />

na rede. O cadastro,<br />

porém, permite ao<br />

usuário criar um perfil<br />

ou página pessoal, se<br />

relacionar com os outros<br />

internautas integrados<br />

à rede e disponibilizar<br />

seus próprios<br />

conteúdos.<br />

Assim como em quase todas as redes sociais<br />

os usuários do MySpace são identificados


e criam sua rede de relacionamento virtual baseada<br />

no sistema de perfis ou páginas pessoais.<br />

Essas páginas pessoais são muito semelhantes<br />

nas redes sociais mais populares como<br />

Orkut, YouTube, Facebook e o próprio MySpace.<br />

Eles são totalmente personalizáveis e mimetizam<br />

a imagem que o usuário quer passar<br />

de si na rede.<br />

Figura 10: Comunidades subdividas em grupos disponíveis para o usuário.<br />

No perfil do MySpace o usuário tem a<br />

possibilidade de fornecer diversas informações<br />

pessoais que o caracterizarão e identificarão seu<br />

Figura 11: Principais escolas brasileiras presentes no MySpace.<br />

perfil pessoal. As categorias são várias e vão de<br />

características físicas a traços de personalidade.<br />

Alguns exemplos: cor da pele, religião, altura,<br />

opção sexual, orientação política, humor, bandas<br />

favoritas, hobbies etc. Também é possível<br />

deixar algumas (ou todas) as características sem<br />

resposta.<br />

Além disso, o MySpace também permite<br />

aos usuários colocarem dados mais subjetivos e<br />

exclusivos em seu perfil. É possível, por exemplo,<br />

escrever uma pequena biografia contando<br />

quem você é e criar um<br />

álbum de fotos para dividir<br />

com seus amigos.<br />

Ressaltando ainda que,<br />

seguindo a tendência<br />

das grandes redes sociais,<br />

o MySpace oferece<br />

configurações personalizáveis<br />

de privacidade.<br />

Dessa forma é possível<br />

controlar quem tem<br />

acesso às informações e<br />

dados mais pessoais expostos<br />

nos perfis.<br />

4 A INTERATIVIDADE DA REDE<br />

A significação dicionarizada 8 para a palavra<br />

interatividade refere-se<br />

respectivamente:<br />

ao caráter ou condição<br />

de interativo. E a capacidade<br />

de interação ou<br />

permissão de interação,<br />

seja de um equipamento,<br />

sistema de comunicação<br />

ou de computação,<br />

dentre outros.<br />

A interação social<br />

é a principal característica<br />

da comunicação<br />

mediada por computador,<br />

por apresentar “um<br />

8<br />

Miniaurélio – 6 a Edição Revista e Atualizada, lançando em<br />

março de 2004/ Autor: Aurélio Buarque De Holanda.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 23-32, jun. 2011<br />

29


caráter social perene e diretamente relacionado<br />

com o processo comunicativo”. (RECUERO, 2004).<br />

Na perspectiva de Raquel Recuero o surgimento<br />

da rede mundial de computadores proporcionou<br />

que os usuários pudessem difundir<br />

Figura 12: Home Page do MySpace Brasil.<br />

informações de forma imediata e mais interativa.<br />

A pluralidade de canais surgidos com a popularização<br />

das mídias sociais fez com que a complexidade<br />

das trocas e relações sociais crescesse<br />

progressivamente. Essas interações, segundo<br />

Wasserman e Faust (apud RECUERO, 2005) são<br />

formadas por laços sociais que se conectam aos<br />

atores nas redes sociais.<br />

Por outro lado, para que haja interação,<br />

segundo um caráter social perene e diretamente<br />

relacionado com o processo comunicativo é<br />

preciso compreender o outro não como mera<br />

representação no campo virtual, mas como indivíduo<br />

com o qual pode se identificar e partilhar<br />

gostos comuns ou divergir de opiniões.<br />

Raquel mais uma vez enfatiza que as interações<br />

mediadas pelo computador podem ser<br />

metaforicamente comparadas como formadoras<br />

de laços sociais que apenas podem ser<br />

percebidas ou até mesmo compreendidas “na<br />

medida em que sites e sistemas de comunicação<br />

permitem que os usuários (atores) que criam<br />

perfis individualizados no ciberespaço”.<br />

(RECUERO, 2007).<br />

Tais interações compreendem, apesar de<br />

ocorrerem no espaço virtual, ganham status de<br />

relações sociais por mimetizarem a troca comunicacional<br />

entre os indivíduos como ocorre em<br />

uma conversa numa mesa de bar, por exemplo.<br />

Na prática, esta troca de<br />

mensagens constitui<br />

parte fundamental do<br />

processo comunicativo<br />

e as redes sociais só podem<br />

ser consideradas<br />

efetivamente “sociais”<br />

por possibilitarem esta<br />

interação entre os indivíduos<br />

(usuários). A necessidade<br />

humana básica<br />

de se comunicar possibilitou<br />

o sucesso do<br />

MySpace e de outras redes<br />

sociais baseadas na<br />

produção e troca de conteúdos pessoais.<br />

5 UMA REDE DE POSSIBILIDADES<br />

A experiência piloto que faremos através<br />

da criação de um perfil do Coro Cênico na<br />

<strong>Unama</strong> no MySpace nos permitirá avaliar de forma<br />

eficaz como esta rede social auxilia na difusão<br />

de conteúdos musicais pela web.<br />

Como dito ao longo do decorrer do presente<br />

artigo, a importância e a notoriedade do<br />

MySpace o tornaram uma referência de muitos<br />

artistas e bandas, inclusive os já consagrados. A<br />

rede funciona como uma espécie de “portfólio”,<br />

uma mostra do trabalho realizado. Nenhum perfil,<br />

seja de cantor ou grupo, disponibiliza toda a<br />

sua obra para ser ouvida gratuitamente. A estratégia<br />

é despertar a curiosidade do ouvinte que<br />

buscará mais informações a respeito das músicas<br />

ou dos artistas por meio de links que levarão<br />

a sites externos ao MySpace.<br />

Usaremos a mesma tática na criação do<br />

MySpace do Coro Cênico. Apesar do grande repertório<br />

que o grupo interpreta (os quatro CDs da<br />

30<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 23-32, jun. 2011


série Trilhas D’Água, por exemplo, somam mais<br />

de quarenta músicas) colocaremos à disposição<br />

do público apenas algumas interpretações que<br />

servirão como mostra do trabalho realizado dentro<br />

do Núcleo Cultural da Universidade. Tais canções<br />

serão suficientes para expor o trabalho diferenciado<br />

realizado pelo Coro Cênico, levando em<br />

consideração o resgate patrimonial e a valorização<br />

da cultura amazônica realizados pelo grupo.<br />

O trabalho do Coro já atraiu a atenção da<br />

mídia local e foi, inclusive, objeto de curiosidade<br />

de estudiosos alemães. Expandir as possibilidades<br />

e usufruir dos benefícios trazidos por<br />

uma ferramenta gratuita como o MySpace será<br />

importante para ampliar a divulgação do rico trabalho<br />

musical realizado pelo Coro.<br />

Na contemporaneidade, manter-se conectado<br />

e ter uma janela para mostrar sua produção<br />

é fundamental para conquistar público e obter<br />

reconhecimento. Um perfil no MySpace é<br />

como um “cartão de visitas”. A partir da criação da<br />

página do Coro Cênico na <strong>Unama</strong> pretendemos<br />

não apenas atrair público externo através da exposição<br />

de músicas com batidas e arranjos sonoros<br />

tão peculiares como a dos ritmos paraenses,<br />

mas também dar mostras do repertório e ganhar<br />

a empatia do público interno da universidade.<br />

Enfim, as possibilidades que a rede oferece<br />

são várias. Aliado a uma boa divulgação, o<br />

perfil do Coro Cênico no MySpace preencherá<br />

os pré-requisitos para obter sucesso e cumprir<br />

sua meta de dar mais visibilidade ao grupo.<br />

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Este esboço a respeito do MySpace, enquanto<br />

mídia social inserida na contemporaneidade,<br />

pretendeu mostrar como as ferramentas<br />

e serviços oferecidos pela web 2.0 estão modificando<br />

não só as relações interpessoais, mas também<br />

a maneira como consumimos produtos de<br />

entretenimento e a forma como passamos a buscá-los:<br />

nesse caso, a realidade virtual tornou-se<br />

mais prática e acessível que a física.<br />

O desenvolvimento dos recursos oferecidos<br />

pela web e a aceleração da inclusão digital,<br />

faz que mais e mais conteúdos sejam despejados<br />

na rede devido ao aumento crescente de<br />

produtores. Produtores de conteúdo, como os<br />

músicos, passaram a ter uma relação estreita com<br />

o MySpace. Muitos se adaptaram a nova ordem<br />

que se estabeleceu após a pequena revolução<br />

gerada pela web 2.0.<br />

Dessa forma, artistas, principalmente os<br />

independentes que não possuem o apoio de<br />

grandes gravadores e de agências publicitárias,<br />

passaram a tratar as redes sociais como válvula<br />

de escape para o sistema imposto. A democratização<br />

de seus conteúdos, conseguida por meio<br />

de redes como o MySpace, fez com que a música<br />

chegasse de forma mais espontânea aos ouvidos<br />

de possíveis fãs. Nesse contexto, a relações<br />

de amizade contribuíram tanto para a divulgação<br />

e o sucesso de certas bandas independentes<br />

que algumas delas (como o “Kings Of Leon”:<br />

www.myspace.com/kingsofleon) tocam em<br />

grandes festivais de música ao redor do mundo.<br />

Enfim, as novas formas de interação social<br />

advindas com a web 2.0, bem como os downloads<br />

e a pirataria provocaram uma crise na<br />

indústria fonográfica. Artistas e bandas tiveram<br />

que se readaptar à nova maneira com que os<br />

jovens, estatisticamente os principais consumidores,<br />

passaram a ouvir música. Os teóricos<br />

da comunicação e das mídias sociais não dão<br />

conta de explicar toda a complexidade do fenômeno<br />

devido ao fato da própria Comunicação<br />

ser uma ciência interdisciplinar e intrínseca<br />

a outras, como a sociologia e a antropologia.<br />

O que se pretendeu ao longo deste artigo foi<br />

fazer um pequeno rascunho a respeito da problemática<br />

e mostrar na prática como o MySpace<br />

e as redes sociais criam um novo modo de<br />

interagir socialmente e consumir músicas num<br />

contexto que está em constante movimento e<br />

transformação (contemporaneidade). Os prós<br />

e contras destas mudanças estão colocados e a<br />

discussão está aberta.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 23-32, jun. 2011<br />

31


Por outro lado, reconhecemos o potencial<br />

e a praticidade do MySpace como um excelente<br />

“cartão de visitas”. Acreditamos que a<br />

criação de um perfil do Coro Cênico da UNA-<br />

MA na rede trará benefícios ao grupo na medida<br />

em que tornará pública parte de sua produção<br />

musical (reunida na série “ Trilhas<br />

D’Água”). A integração com as redes sociais é<br />

uma tendência crescente e já adotada por<br />

muitos órgãos, empresas, instituições e organizações.<br />

A democratização do conteúdo é<br />

uma das principais características da web 2.0 e<br />

o perfil do Coro Cênico no MySpace possibilitará<br />

uma aproximação maior com o público<br />

externo e interno da universidade e, ao mesmo<br />

tempo, dará a oportunidade para que mais<br />

pessoas conheçam e se interessem pelo trabalho<br />

realizado pelo Núcleo Cultural.<br />

REFERÊNCIAS<br />

AMARAL, A. Fãs-usuários-produtores: uma análise<br />

das conexões musicais nas plataformas sociais<br />

MySpace e Last.fm. In: PERPETUO, I.F.; SIL-<br />

VEIRA, S.A. (Orgs.). O futuro da música depois<br />

da morte do CD. SP: Momento Editorial, p.91-<br />

106. 2009. Disponível em: http://<br />

www.futurodamusica.com.br<br />

CORRÊA, S.C; Abreu de Sousa, A; Osvald Ramos,<br />

D. O estudo das Redes sociais na comunicação digital:<br />

é preciso usar metáforas? Estudos em Comunicação,<br />

n. 6, p. 201-225, dez. 2009. Disponível<br />

em: http://www.ec.ubi.pt/ec/06/pdf/elizabethcorrea-redes-sociais.pdf<br />

Acesso em: 25 out. 2010.<br />

Info online. 2009. Redes sociais são mais usadas<br />

que e-mail. Disponível em: http://<br />

info.abril.com.br/aberto/infonews/032009/<br />

10032009-29.shl. Acesso em: 28 out. 2010.<br />

PINHEIRO, M. Subjetivação e consumo em sites de<br />

relacionamento. Revista Comunicação, Mídia e Consumo.<br />

São Paulo, v.5, p.103-121, nov. 2008. Disponível<br />

em: http://revcom2.portcom.intercom.org.br/<br />

index.php/comunicacaomidiaeconsumo/article/viewFile/5462/4984.<br />

Acesso em: 21 out.2010.<br />

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5462/4984. Acesso em: 21 out.2010<br />

RECUERO, Raquel. Considerações sobre a difusão<br />

de informações em redes sociais na internet.<br />

In: VIII INTERCOM - Congresso Brasileiro de<br />

Ciências da Comunicação da Região Sul, 2007,<br />

Passo Fundo – RS, 2007.<br />

______. Redes sociais na internet. Porto Alegre:<br />

Sulina, 2009. (Coleção Cibercultura).<br />

______. Redes sociais na Internet: considerações<br />

iniciais. In: XXVII INTERCOM - Congresso Brasileiro<br />

de Ciências da Comunicação, 2004, Rio Grande<br />

do Sul. Anais, 2004 Porto Alegre – RS.<br />

______. Redes Sociais no Ciberespaço: uma proposta<br />

de Estudo. In: XXVIII INTERCOM - Congresso<br />

Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2005,<br />

Rio de Janeiro. Anais, 2005.<br />

Sites:<br />

MYSPACE.COM – http://www.myspace.com<br />

32<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 23-32, jun. 2011


BOLSISTAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA<br />

33


ANÁLISE DA DEGLUTIÇÃO EM PACIENTES<br />

PORTADORES DE HIV 1 Thays Cardias Ferreira *<br />

RESUMO<br />

Objetivou-se com este estudo identificar os possíveis sinais de disfagia em pacientes infectados<br />

pelo HIV na cidade de Belém do Pará. Esta pesquisa foi realizada com 20 pacientes<br />

provenientes da instituição PARAVIDDA. Aplicou-se um questionário com 10 perguntas fechadas<br />

e realizou-se uma avaliação. Observou-se que 80% dos indivíduos não tiveram acesso ao<br />

atendimento fonoaudiológico, relataram dificuldades na alimentação tais como: diminuição<br />

salivar (3,8%), tosses ao se alimentar com sólido (3,8%), engasgos com líquido (11,5%), sólido<br />

(7,7%) e pastoso (7,7%) e dificuldade respiratória (15,4%). Da amostra de 20 pacientes, 13 apresentaram<br />

sensação de alimento parado na garganta e perda de peso acentuada. Notou-se que<br />

14 indivíduos apresentaram dentes em más condições. Concluí-se que grande parte dos pacientes<br />

não reconheceu os sinais clínicos de disfagia, no entanto utilizam estratégias para minimizar<br />

a sensação de alimento parado na garganta.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Fonoaudiologia. Deglutição. AIDS. Disfagia.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Segundo o Ministério da Saúde (2009) o<br />

vírus da imunodeficiência humana é o agente causador<br />

da AIDS. Esta síndrome traz uma série de<br />

manifestações biológicas e fisiológicas, acarretando<br />

várias consequências à vida do portador.<br />

Bastos apud Szwarcwald et al., (2000) relata<br />

que o primeiro caso de AIDS diagnosticado<br />

no Brasil foi na cidade de São Paulo em 1980.<br />

Neste período, os homossexuais, bissexuais,<br />

prostitutas, hemofílicos e demais pessoas que<br />

receberam sangue infectado eram considerados<br />

mais propensos a adquirir o vírus. Atualmente<br />

todos sabem que qualquer pessoa é vulnerável<br />

a este vírus, especialmente as pessoas que não<br />

tomam as devidas precauções.<br />

Quando o indivíduo adquire a Síndrome<br />

da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) seu sistema<br />

imunológico é afetado, desta maneira, tornam-se<br />

maiores as possibilidades de contrair<br />

doenças comuns, dentre elas: Pneumonia, Gripe,<br />

Tuberculose, Sarcoma de Kaposi etc. Essas<br />

doenças chamam-se oportunistas, quando atingem<br />

o soropositivo fazem com que ele fique<br />

mais fraco. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009)<br />

As maneiras de contrair o vírus da AIDS são:<br />

o sangue, a secreção vaginal e o leite materno, isso<br />

*<br />

Aluna do 8º semestre de Fonoaudiologia, ex-monitora das<br />

disciplinas Fundamentos de Fonoaudiologia e<br />

Fonoaudiologia nas Instituições I; bolsista do Projeto de<br />

Iniciação Científica.<br />

1<br />

Artigo elaborado sob orientação da profa. Cinthya da Silva<br />

Lynch, Pós-Doutora; docente do curso de Fonoaudiologia da<br />

Universidade da Amazônia – UNAMA; Fonoaudióloga do<br />

hospital universitário João de Barros Barreto.<br />

35<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 35-43, jun. 2011


quer dizer que a transmissão do vírus HIV pode<br />

ocorrer pela relação sexual (anal, oral, vaginal) se<br />

não houver uso do preservativo, transmissão sanguínea<br />

e transmissão vertical (da mãe para o bebê<br />

seja na gestação, parto ou aleitamento) (Ibdem).<br />

Quando é necessário realizar o diagnóstico<br />

da AIDS são realizados os seguintes testes:<br />

Elisa, este é o primeiro que deve ser realizado,<br />

caso seu resultado seja positivo, indica-se o teste<br />

de Imunofluorescência Indireta para o HIV-1<br />

por tratar-se de um teste que irá confirmar o resultado<br />

do teste anterior. O Western Blot também<br />

é indicado, porém seu preço é bastante elevado.<br />

E por fim é realizado o teste Rápido anti-<br />

HIV que detecta os anticorpos contra o HIV presentes<br />

na amostra de sangue em um tempo abaixo<br />

de 30 minutos, este também tem um custo<br />

bastante alto. O período em que o vírus não consegue<br />

ser detectado por exames realizados em<br />

laboratórios chama-se janela imunológica, sendo<br />

assim torna-se necessário verificar se no<br />

momento em que a pessoa for realizar os exames<br />

não está neste período (Ibdem).<br />

De acordo com a lei, Lei nº 6965 de 09/12/<br />

1981, artigo 1°, parágrafo único, Fonoaudiólogo,<br />

é o profissional com graduação plena em Fonoaudiologia,<br />

apto a atuar em pesquisa, prevenção,<br />

avaliação e terapia fonoaudiológicas nas<br />

áreas de comunicação: oral, escrita, voz, audição,<br />

bem como em aperfeiçoamento dos padrões<br />

de fala, voz e deglutição (BRASIL, 1981).<br />

Conselho Federal de Fonoaudiologia apud<br />

Bacha e Osório (2004) afirma que o fonoaudiólogo<br />

é um profissional da área da saúde, que pode<br />

atuar como autônomo e independente, e suas<br />

funções são exercidas nos setores púbicos e privados,<br />

que são responsáveis pela promoção de<br />

saúde, avaliação e diagnóstico, orientação, terapia<br />

(habilitação e reabilitação) e aperfeiçoamento<br />

dos aspectos fonoaudiológicos da função auditiva<br />

periférica e central, função vestibular, linguagem<br />

oral e escrita, voz, fluência, articulação da<br />

fala, sistema miofuncional orofacial, cervical e<br />

deglutição, podendo também atuar nas áreas de<br />

ensino, pesquisa e administrativa, além de ter<br />

atuação clínica, empresarial, escolar (escola especial<br />

e regular), hospitalar, dentre outros.<br />

Andrade (1999) afirma que entre as alterações<br />

fonoaudiológicas que pacientes portadores<br />

do vírus HIV podem apresentar, é imprescindível<br />

destacar na área cognitiva / perceptiva /<br />

memória / percepção visual); na área de comunicação<br />

(linguagem oral e escrita / voz / respiração);<br />

as funções neurovegetativas e na diminuição<br />

da prosódia. Sendo as alterações fonoaudiológicas<br />

mais comuns, a disartria e a disfagia.<br />

O paciente pode queixar-se de disfagia<br />

ao apresentar tais patologias orais: Candidíase,<br />

Herpes simples, Herpes Zoster, Ulcerações Aftosas,<br />

Glossite (inflamação da língua) e Sarcoma<br />

de Kaposi (ALVES, 2001).<br />

A deglutição é uma função biológica,<br />

complexa e coordenada, pela qual<br />

substâncias passam da cavidade oral<br />

para a faringe, laringe e por fim o estômago.<br />

Seu objetivo, além da alimentação<br />

é de proteger as vias aéreas. Para<br />

deglutirmos de forma segura necessitamos<br />

de uma coordenação precisa,<br />

sobretudo da fase oral e faríngea (BEN-<br />

VENUTI, PEREIRA E REVAY, 2005, p.6).<br />

Macedo Filho et al (1998) relatam que o<br />

termo disfagia quer dizer qualquer alteração que<br />

haja na deglutição, podendo estender-se da boca<br />

até o estômago. Suas causas podem ser inúmeras<br />

tais como: doenças neurológicas, cânceres<br />

de cabeça e pescoço, em indivíduos de todas as<br />

idades. A disfagia provoca uma queda na qualidade<br />

de vida e atinge aspectos sociais de um<br />

indivíduo. Este sintoma pode causar risco clínico<br />

de desidratação, desnutrição e aspiração de saliva,<br />

secreções ou alimentos para o pulmão.<br />

Para Villar, Furia e Mello Junior (2004) a disfagia<br />

é conceituada como um sintoma de uma doença<br />

que pode danificar qualquer parte do trato<br />

da deglutição, portanto, resulta na dificuldade do<br />

indivíduo manter-se nutricionalmente e também<br />

na interrupção do prazer na hora da alimentação.<br />

36<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 35-43, jun. 2011


Segundo Alves (2001) a terapia fonoaudiológica<br />

deve ser direcionada para cada paciente<br />

de acordo com suas dificuldades. A maior<br />

parte dos pacientes que apresentam Candidíase<br />

oral relata dificuldade no momento de deglutir,<br />

ou seja, apresentam disfagia, isso ocorre em virtude<br />

da língua encontrar-se bastante comprometida,<br />

fazendo com que o paciente apresente<br />

dor lingual (glossalgia), ardência, queimação e<br />

dor ao deglutir (odinofagia).<br />

No caso de disfagia a finalidade da terapia<br />

fonoaudiológica é ensinar o paciente a ter uma<br />

deglutição correta, para que esse processo não<br />

lhe cause qualquer tipo de sofrimento. Para que<br />

isto ocorra deverá haver a estimulação da deglutição<br />

através de exercícios, manobras e estratégias<br />

compensatórias que ajudem a diminuir os impactos<br />

ocasionados pela disfagia (Ibdem).<br />

De acordo com os estudos realizados por<br />

Araújo; Bicalho; Francesco (2005) a terapia fonoaudiológica<br />

para os disfágicos deve ser realizada<br />

levando-se em consideração o tipo e o grau<br />

de severidade da alteração. Tem como objetivo<br />

adequar as consistências, temperaturas, volumes<br />

dos alimentos, utensílios e posturas mais<br />

favoráveis para que o paciente se alimente de<br />

uma maneira mais segura e eficiente.<br />

Pesquisar um tema como este tem grande<br />

importância, especialmente para os fonoaudiólogos,<br />

já que estes trabalham na reabilitação<br />

de pacientes soropositivos, por este motivo, é<br />

imprescindível que o fonoaudiólogo tenha conhecimento<br />

de quais são as principais alterações<br />

que estes pacientes podem apresentar no que<br />

diz respeito a disfagia, para que assim possa ter<br />

uma atuação correta e proporcionar qualidade<br />

de vida a esses pacientes.<br />

Considerando a afirmação acima, conclui-se<br />

que o fonoaudiólogo tem uma atuação<br />

imprescindível para boa qualidade de vida do<br />

paciente soropositivo que tenha alterações na<br />

deglutição. Dessa maneira, o interesse em<br />

analisar os aspectos relacionados à deglutição<br />

do portador de HIV.<br />

2 OBJETIVO<br />

Identificar os possíveis sinais de disfagia<br />

em pacientes infectados pelo HIV na cidade de<br />

Belém do Pará.<br />

3 METODOLOGIA<br />

Inicialmente foi realizada a explanação do<br />

estudo para os participantes da pesquisa com a aplicação<br />

do termo de Consentimento Livre e Esclarecido<br />

justificando a necessidade e importância desta<br />

pesquisa em pacientes portadores do vírus HIV.<br />

Após o consentimento em participar da<br />

pesquisa, foi aplicado um questionário com perguntas<br />

fechadas, formulado pelo próprio pesquisador,<br />

com o objetivo de identificar as possíveis<br />

alterações percebidas pelos participantes<br />

da pesquisa com relação aos sinais clínicos de<br />

disfagia, quais as estratégias de compensação<br />

das seqüelas utilizadas, bem como de que maneira<br />

ocorre o acesso destes pacientes a serviços<br />

de saúde cujo fonoaudiólogo é o profissional<br />

responsável em tratar das alterações da deglutição<br />

e nível de conhecimento sobre a atuação<br />

do fonoaudiólogo em pacientes soropositivos<br />

sobre a disfagia.<br />

Em seguida foram realizadas avaliações<br />

fonoaudiológicas em pacientes portadores de<br />

AIDS provenientes da instituição PARAVIDDA<br />

(Grupo para Valorização, Integração e Dignificação<br />

do doente de AIDS).<br />

O protocolo de avaliação fonoaudiológica<br />

teve como objetivo identificar as possíveis<br />

alterações no sistema estomatognático, segundo<br />

Cott (1996). Este protocolo avaliou aspectos<br />

como: absorção oral, nível de comunicação, capacidades<br />

cognitivas, descrição do problema<br />

pelo paciente, mudanças recentes alimentares,<br />

tônus muscular, força e sensibilidade de língua,<br />

lábios e bochecha, funções respiratórias e laríngeas<br />

e reflexos orofaríngeos.<br />

Nas avaliações, foram utilizados os seguintes<br />

materiais de proteção individual: luvas,<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 35-43, jun. 2011<br />

37


jalecos e máscaras respiratórias em caso de infecções.<br />

Os alimentos utilizados na avaliação<br />

foram: pastoso (iogurte concentrado); líquido<br />

(suco) e sólido (biscoito tipo cream cracker).<br />

Foram incluídos 20 pacientes com o diagnóstico<br />

de HIV. Foram excluídos indivíduos que<br />

não apresentassem nenhum tipo de alteração<br />

fonoaudiológica resultante da doença estudada.<br />

Esta pesquisa incluiu riscos mínimos aos<br />

participantes, visto que as medidas de biosegurança<br />

foram seguidas para proteção tanto dos<br />

participantes, como do pesquisador. Todos os<br />

questionários e os dados coletados dos indivíduos<br />

desta pesquisa, bem como sua identificação,<br />

foram mantidos em sigilo, por se tratarem<br />

de grupo especial (portadores de HIV).<br />

As avaliações foram realizadas em sala<br />

específica de atendimento ao portador de HIV,<br />

na Instituição PARAVIDDA, em horários pré-agendados.<br />

Cada avaliação durou em média de 50<br />

minutos cada. Esta pesquisa teve a duração de 8<br />

meses (maio a dezembro de 2010).<br />

Os dados coletados em campo foram<br />

analisados quantitativamente em planilhas no<br />

modelo EXCELL para análise posterior, bem<br />

como a utilização do teste G para o cruzamento<br />

de dados, este trata-se de um teste não paramétrico<br />

para duas amostras independentes,<br />

semelhante em todos os aspectos ao teste Qui<br />

quadrado, para dados categóricos dispostos<br />

em tabelas de contingência 2 x 2; podendo<br />

todavia ser estendido para mais de duas amostras,<br />

cada uma com duas ou mais modalidades<br />

(VIEIRA E HOSSNE, 2001).<br />

4 RESULTADO E DISCUSSÃO<br />

Primeiramente serão descritos os resultados<br />

referentes à qualidade e ocorrência do<br />

acesso ao tratamento fonoaudiológico, em seguida<br />

descreveremos os sinais apresentados<br />

pelos indivíduos e as estratégias realizadas para<br />

minimizar os sinais de disfagia.<br />

Gráfico 1: Gráfico referente à realização de avaliação<br />

fonoaudiológica em portadores de HIV.<br />

Instituição PARAVIDDA, 2010.<br />

Fonte: Pesquisa de campo<br />

No gráfico 1, observamos que 80% dos indivíduos<br />

avaliados não tiveram nenhum acesso<br />

ao atendimento fonoaudiológico, como atendimento<br />

inicial de avaliação para disfagia. Realizar<br />

tratamento fonoaudiológico torna-se essencial,<br />

levando-se em consideração que tratar a AIDS inclui<br />

as doenças oportunistas dos sistemas nervoso,<br />

sensorial, endócrino, gastrointestinal, cardiovascular,<br />

hematopoiético, respiratório, músculoesquelético,<br />

urinário, tegumentar, fâneros e genital,<br />

que podem resultar em distúrbios na comunicação<br />

humana (ANDRADE, 1999).<br />

De acordo com Lemos (1992) o acompanhamento<br />

fonoaudiológico torna-se vital, já que<br />

a fala, a voz, a prosódia e funções oro-vegetativas<br />

estão alteradas, podendo haver modificações<br />

de acordo com cada pessoa, pois as alterações<br />

mais perceptíveis do portador do vírus HIV<br />

são a disartria e a disfagia.<br />

Gráfico 2: Gráfico referente à presença de dificuldade<br />

para se alimentar dos participantes da<br />

pesquisa. Instituição PARAVIDDA, 2010.<br />

Fonte: Pesquisa de campo<br />

38<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 35-43, jun. 2011


Gráfico 3: Gráfico referente às dificuldades de deglutição dos participantes da pesquisa, realizada<br />

na Instituição PARAVIDDA, 2010.<br />

Fonte: Pesquisa de campo<br />

No gráfico 2, observamos que 60% dos<br />

pacientes não relataram algum tipo de dificuldade<br />

para se alimentar. As alterações relatadas<br />

pelos demais participantes foram: diminuição salivar<br />

(3,8%), tosses ao se alimentar com sólido<br />

(3,8%), engasgos com líquido (11,5%), sólido<br />

(7,7%) e pastoso (7,7%) e dificuldade respiratória<br />

(15,4%). (Gráfico 3).<br />

Sabe-se que indivíduos portadores de<br />

HIV apresentam sinais clínicos de disfagia de<br />

diversos graus. Segundo Araújo, Bicalho e Francesco<br />

(2005) os sinais mais frequentes da disfagia<br />

são engasgos, tosse, regurgitamento nasal,<br />

resíduo alimentar na cavidade bucal, alteração<br />

na voz, emagrecimento, recusa alimentar, preferência<br />

por alimentos macios e pastosos e<br />

pneumonias de repetição, que se ocorridas em<br />

casos mais sérios podem levar à morte. Estes<br />

sinais podem ser percebidos ou não de acordo<br />

com o tempo de evolução da doença, causando<br />

maiores agravos clínicos e afetando a qualidade<br />

de vida. Os estudos de Veronesi (1991) afirmam<br />

que as manifestações clínicas mais comuns<br />

causadas por HIV pode sofrer variações, iniciando<br />

com a sintomatologia e chegando ao quadro<br />

mais completo da doença, ou seja, a AIDS.<br />

Este estudo evidenciou que apesar de a maioria<br />

dos participantes não relatarem dificuldades<br />

em se alimentar, os mesmos apresentam<br />

dificuldades em diversas consistências. O que<br />

demonstra o pouco acesso aos conhecimentos<br />

sobre disfagia em HIV.<br />

Tabela 1: Cruzamento de dados entre o item sensação de alimento parado em região faríngea e<br />

estratégias para minimizar a dificuldade no momento da deglutição. Instituição PARAVIDDA, 2010.<br />

Fonte: Pesquisa de campo<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 35-43, jun. 2011<br />

39


A tabela 1 demonstrou que de 20 pacientes<br />

com HIV, 13 sentem a sensação de alimento<br />

parado na região faríngea e utilizam como manobra<br />

para minimizar esta dificuldade, o uso de<br />

líquidos em seguida da deglutição 10 (76,9%),<br />

reflexo de tosse 2 (15,4%), uso de outras técnicas<br />

para auxílio no momento da dificuldade 2<br />

(15,4%) e o uso da manobra de esforço no momento<br />

da deglutição 1 (7,7%).<br />

Os pacientes que apresentam qualquer<br />

anormalidade na fase faríngea apresentam como<br />

manifestações o engasgo, tosse, náusea, regurgitação<br />

nasal ou dificuldade respiratória por aspiração.<br />

Esses sinais são ocasionados devido atraso<br />

ou ausência no reflexo de deglutição, incoordenação<br />

no fechamento da transição faringoesofágica<br />

(TFE), redução na contração da musculatura<br />

da laringe, alteração na elevação e fechamento<br />

da laringe. Existem três mecanismos que defendem<br />

os pulmões contra a aspiração. São eles: tosse,<br />

fechamento laríngeo e deglutição. Se por ventura<br />

esses mecanismos falharem resta a possibilidade<br />

de acabar com material aspirado por meio<br />

da ação ciliar das células da traqueia (PILZ, 1999).<br />

de sólidos, tosses e pigarros. Observados também<br />

neste estudo. Segundo Marchesan e Furkim<br />

(2003) a deglutição com esforço tem por objetivo<br />

aumentar a força muscular das estruturas que fazem<br />

parte do mecanismo da deglutição, auxiliando<br />

no envio e passagem do bolo pela orofaringe.<br />

Na tabela 2, observamos que 7 pacientes<br />

da amostra total apresentam feridas na cavidade<br />

oral e que para 6 (85,7%) dos mesmos, estas<br />

feridas dificultam a fisiologia da deglutição.<br />

As manifestações bucais podem ocasionar<br />

disfagia, ou seja, dificuldade para deglutir, em virtude<br />

das alterações existentes nos órgãos orofaciais,<br />

acompanhado ou não de projeção lingual e<br />

hipo ou hipertonia de lábios e língua (glossalgia),<br />

dor ao deglutir (odinofagia), ardência, queimação<br />

e comprometimento da parede posterior da faringe.<br />

As alterações mais comuns da deglutição acontecem<br />

nos casos de candidíase, herpes, Sarcoma<br />

de kaposi e ulcerações aftosas (SOUZA ET AL, 2000).<br />

Os sinais orais mais observados nos pacientes<br />

com o vírus HIV são: infecções de origens<br />

fúngicas como a candidíase; infecções bacterianas:<br />

GUNA, gengivite e periodontite; infecções<br />

Tabela 2: Cruzamento entre existência de feridas na boca e se as feridas atrapalham a deglutição.<br />

Fonte: Pesquisa de campo<br />

Para minimizar os riscos de aspiração alimentar,<br />

alguns indivíduos usam como recursos,<br />

manobras de limpeza de resíduos alimentares,<br />

tais como: o uso da manobra de esforço para deglutir,<br />

o uso de líquidos seguidos da deglutição<br />

virais: herpes simples, varicella zoster, papiloma<br />

vírus, leucoplasia pilosa; manifestações de origem<br />

desconhecida: estomatite aftosa recorrente e<br />

aumento das glândulas salivares; doenças neoplásicas:<br />

Sarcoma de Kaposi (RAITZ, 2002).<br />

40<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 35-43, jun. 2011


Gráfico 4: Dados referentes as mudanças recentes (perda de peso e diminuição do apetite), em<br />

pacientes portadores de HIV. Instituição PARAVIDDA, 2010.<br />

Fonte: Pesquisa de campo<br />

No gráfico 4, observou-se que 13 indivíduos<br />

do total da amostra apresentaram perda<br />

de peso acentuada. Pacientes com disfagia normalmente<br />

apresentam perda importante de<br />

peso. De acordo com Carbonnel e Cosnes (1997),<br />

existe possibilidade dos pacientes soropositivos<br />

emagrecerem em media 5kg por mês, de maneira<br />

bem rápida, isto pode ocorrer, caso haja<br />

associação a uma infecção secundária sistêmica<br />

em mais de 80% dos casos, ou emagrecer mais<br />

lentamente (1kg por mês, em média), indicando<br />

uma doença gastrintestinal (candidíase, criptosporidiose,<br />

ou outra) ou diminuição na quantidade<br />

de alimentos ingeridos.<br />

Na prática, as situações mais comuns são:<br />

emagrecimento progressivo ligado à diarréia crônica;<br />

ausência de recuperação de peso, apesar de tratamento<br />

medicamentoso eficaz e TN; emagrecimento<br />

progressivo sem causa conhecida; emagrecimento<br />

maciço nos doentes em fase terminal (Ibdem).<br />

Gráfico 5: Dados referentes as condições da cavidade oral em portadores de HIV. Instituição PARA-<br />

VIDDA, 2010.<br />

Fonte: Pesquisa de campo<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 35-43, jun. 2011<br />

41


No gráfico 5, 14 indivíduos apresentam<br />

dentes em más condições de conservação. De<br />

acordo com os estudos de Chen, Flaitz, Wullbrandt<br />

(2003) existe uma correlação positiva, estatisticamente<br />

entre o uso de anti-retroviral e a<br />

detecção de cárie dentária. Estes medicamentos<br />

apresentam uma grande quantidade de teor<br />

de sacarose, que em conjunto com outros fatores<br />

(dieta, redução do fluxo salivar) aumenta a<br />

ação dos ácidos sobre os tecidos dentais.<br />

As infecções bacterianas tais como: lesões<br />

de gengivite, periodontite e GUNA necessitam<br />

de tratamento específico. Segundo Lima<br />

et al (1994) essas doenças quando associadas ao<br />

HIV manifestam-se mais agressivamente. No<br />

caso da gengivite, a gengiva marginal encontrase<br />

eritematosa em “forma de banda”. Quanto a<br />

peridontite esta é semelhante às formas de doenças<br />

periodontal agressiva que pode ser observada<br />

na população em geral, no entanto em<br />

pacientes que não tem histórico de doenças periodontal.<br />

È importante que o diagnóstico seja<br />

detectado de forma correta, pois desta maneira<br />

auxilia para determinar o tratamento apropriado,<br />

assim prevenir danos periodontais que geralmente<br />

ocorre rapidamente, já que o tratamento<br />

acontece com o debridamento do tecido mole,<br />

raspagem e alisamento corono-radicular, uso de<br />

agentes antimicrobianos, como iodopolvidine e<br />

clorexidina, e orientação quanto higiene bucal<br />

e terapia de manutenção.<br />

5 CONCLUSÃO<br />

Muitos pacientes não reconheceram os<br />

sinais clínicos de disfagia como alterações na<br />

deglutição, porém apresentam a sensação de<br />

alimento parado na região faríngea e utilizam<br />

estratégias para minimizar as dificuldades que<br />

normalmente são encontradas em várias consistências<br />

como o uso de líquidos em seguida da<br />

deglutição, reflexo de tosse e o uso da manobra<br />

de esforço no momento da deglutição.<br />

O presente estudo destacou a importância<br />

da atuação do fonoaudiólogo com a deglutição de<br />

pacientes portadores de HIV, bem como a importância<br />

do acesso ao profissional fonoaudiólogo deste<br />

o início do curso da doença com o objetivo de<br />

minimizar as alterações da disfagia promovendo<br />

melhora na qualidade de vida destes pacientes.<br />

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43


44 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 2, p. 23-28, nov. 2010


FIBRAS PARA CONCRETO:<br />

O QUE O PARÁ ESTÁ PERDENDO?¹<br />

Fernando França de Mendonça Filho *<br />

RESUMO<br />

O Pará tem um histórico de resistência às mudanças por parte da construção civil. No Pará,<br />

isso é bastante visível quanto a tecnologia do concreto, pode-se até dizer que está estagnada.<br />

Existem diversas pesquisas sendo feitas, mas estas não estão sendo aderidas à prática, onde<br />

se segue sempre o mesmo modelo de concreto de fc k = 30 MPa com no máximo adição de<br />

aditivo redutor de água. Este artigo pretende chamar a atenção para outro tipo de concreto, o<br />

concreto reforçado com fibras (CRF), uma tecnologia comum em quase todo o Brasil que está<br />

demorando a chegar ao Pará. Ao longo do texto será comentado porque usar fibras, os conceitos<br />

básicos e como estas funcionam, mas o principal enfoque estará nas aplicações já consolidadas<br />

no Brasil e algumas internacionais, mostrando uma gama de possibilidades que não<br />

está sendo aproveitado pelos engenheiros e construtoras do Estado.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Concreto reforçado com fibras. Fibras de aço. Fibras de vidro. Fibras sintéticas.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

1.1 CONCRETO NO PARÁ<br />

O concreto é um material estrutural relativamente<br />

novo, que ainda tem muito a evoluir<br />

(HELENE; ANDRADE, 2010). A prática da<br />

confecção do mesmo varia de acordo com o<br />

país em questão, a Inglaterra, por exemplo,<br />

faz a maioria dos concretos com incorporação<br />

de ar para melhor adequação ao clima. O Brasil<br />

é um país com construções predominantemente<br />

feitas com base em concreto de cimento Portland,<br />

porém, os maiores avanços tecnológicos<br />

do material são provenientes de nações com<br />

grandes investimentos em pesquisa com os E.<br />

U. A., o Japão e algumas potências européias.<br />

Então o concreto brasileiro acaba por seguir<br />

as tendências internacionais, assim mantendo-se<br />

alguns anos atrasado para as novidades.<br />

No Pará este quadro é agravado principalmente<br />

pelos seguintes motivos:<br />

a) Baixo incentivo à pesquisa;<br />

b) Interesse pequeno do governo no ensino da<br />

região;<br />

c) Rochas com características desvantajosas para<br />

produção de concreto;<br />

______________________<br />

* Acadêmico do 7º semestre do curso de Engenharia Civil –<br />

UNAMA; Bolsista de Iniciação Científica. e-mail: fernandomendonca@hotmail.com.<br />

¹ Artigo escrito sobre a orientação do Professor MSc. José<br />

Rodrigues Zacarias da Silva Júnior<br />

45<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011


d) Pouca disposição de engenheiros em tentar<br />

inovações nos canteiros.<br />

Desta forma, o Estado avança imitando<br />

tecnologias já consolidadas em outras regiões<br />

do País. Tradicionalmente, projetam-se obras<br />

com f ck<br />

= 30MPa, sem controle de módulo de<br />

elasticidade, nem outra exigência. Atualmente<br />

as obras estão começando a incorporar a alvenaria<br />

estrutural, porém, em relação ao material<br />

concreto, não há grandes mudanças. Dificilmente<br />

vê-se uso de concretos auto-adensáveis<br />

fora de estacas hélice e mesmo nesse caso,<br />

não se faz controle para que seja determinado<br />

se o concreto é mesmo autoadensável. Não há<br />

re<strong>lato</strong>s do uso de concretos com f ck<br />

= 50MPa<br />

nem superiores, e raras são as obras que chegam<br />

aos 40 MPa. O concreto colorido também é<br />

pouco utilizado, tendo-se re<strong>lato</strong>s na região de<br />

aplicação somente em indústria de pré-moldados<br />

por um curto período de tempo. Além disso,<br />

há poucos casos de uso de adições minerais<br />

em grandes obras.<br />

O caso de fibras no concreto é uma tecnologia<br />

que ainda não foi completamente firmada,<br />

porém já é amplamente utilizada para<br />

diversos fins no Brasil inteiro. É comum até<br />

em Manaus, que também pertence a região<br />

Norte. Logo, considera-se que o Pará precisa<br />

renovar os conceitos firmados tão rigorosamente<br />

de concretos unicamente com adição<br />

de plastificante e retardador de pega para que<br />

deixe de estar tecnologicamente atrasado em<br />

nível nacional.<br />

1.2 POR QUE USAR FIBRAS NO CONCRETO?<br />

O concreto é um material estrutural com<br />

desempenho excelente à compressão, porém<br />

isto não se repete à tração e flexão. Certos tipos<br />

de fibras são adicionados visando ganhos em<br />

resistência à flexão, tração e/ou cisalhamento e<br />

podem chegar ao ponto de diminuir a quantidade<br />

de armadura na peça. Para casos de requisição<br />

em peças muito finas, onde é costumeiro se<br />

usar telas de aço, há re<strong>lato</strong>s de desempenho<br />

melhor com grande economia para a substituição<br />

deste tipo de armadura por fibras (MEHTA;<br />

MONTEIRO, 2008).<br />

Outro problema do concreto é a sua fragilidade,<br />

o material não é capaz de assumir<br />

grandes deformações antes de romper, o que<br />

acaba afetando a capacidade de absorver energia<br />

após a fratura (praticamente inexistente) e<br />

o desempenho em requisições dinâmicas. Porém<br />

já se usam fibras para combater todas essas<br />

deficiências atualmente. Segue a figura 1.1<br />

exemplificando.<br />

Figura 1.1: Diferença entre peças frágeis sem o<br />

reforço de fibras e peças compósitas dúcteis.<br />

(PARAMESWARAN, 2009)<br />

No Pará, existe o problema da retração<br />

térmica, sendo que rápidas mudanças de temperatura<br />

podem prejudicar concretagens médias<br />

como lajes. O uso de polipropileno, fibra<br />

encontrada comercialmente no Estado, em<br />

baixíssimos teores é suficiente para precaver<br />

este problema sem representar um custo adicional<br />

exorbitante.<br />

Existem ainda vários outros aspectos benéficos<br />

que serão melhor explorados nos capítulos<br />

de aplicações.<br />

46<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011


2 OBJETIVOS<br />

Este artigo pretende chamar a atenção<br />

do meio técnico às possibilidades de aplicação<br />

da tecnologia descrita. Assim como introduzir o<br />

assunto aos interessados novas idéias para otimizar<br />

os processos construtivos.<br />

loco, a partir de adição simples no caminhão<br />

betoneira, como mostra a figura 3.3.<br />

Figura 3.1: Processo Hatschek de produção de<br />

fibrocimento. (SAVASTANO; SANTOS, 2010).<br />

3 CONCEITOS BÁSICOS DE CRF<br />

Os pesquisadores Caetano et al (2004)<br />

conceituam fibras como um material discreto e<br />

descontínuo, a princípio inerte, com a função de<br />

transferir parte de suas propriedades a matriz,<br />

assim criando um compósito com certas características<br />

nitidamente melhores. Essa definição é<br />

particularmente adequada porque não descrimina<br />

os materiais quanto sua composição química,<br />

nem geométrica.<br />

A matriz pode ser um concreto convencional<br />

(o conceito já inclui todos os componentes<br />

menores como água, cimento, agregados,<br />

aditivos e adições minerais), uma argamassa<br />

simples ou misturas especiais como concreto<br />

autoadensável, concretos de alto desempenho,<br />

concretos leves e até a invenção recente do<br />

concreto translúcido.<br />

Compósitos são a combinação da matriz<br />

com as fibras, é um termo já antigo em engenharia<br />

mecânica. O ponto de vista do material<br />

compósito normalmente tenta abranger as macro-propriedades,<br />

manifestadas de modo a demonstrar<br />

a atuação das fibras em conjunto com<br />

os componentes da matriz. Neste caso o compósito<br />

é o concreto reforçado com fibras (CRF).<br />

A mistura da fibra com a matriz de concreto<br />

pode ocorrer por meio de máquinas especiais,<br />

como o caso do processo Hatschek<br />

para a produção de placas, exemplificado na<br />

figura 3.1; na central dosadora, variando os<br />

processos de acordo com cada empresa (normalmente<br />

a fibra vai junto com o agregado<br />

graúdo, como mostra a figura 3.2); ou brevemente<br />

antes do lançamento do concreto in<br />

É normal que o abatimento da mistura<br />

diminua proporcionalmente a quantidade de fibras,<br />

efeito que já é previsto nos processos industriais<br />

de CRF, porém há aqueles que estranhem<br />

em obras nas quais as fibras são adicionadas<br />

pré-lançamento. Há um ganho geral de coesão<br />

e viscosidade com a incorporação de fibras,<br />

propriedades que afetam diretamente o teste<br />

de Slump, porém isto não apresenta muita influência<br />

prática na construção, pois quando o<br />

CRF sofre vibração mecânica no estado fresco<br />

sua reologia volta ao normal.<br />

Figura 3.2: Fibras de aço adicionadas ao concreto<br />

antes da mistura e seu estado quando já misturadas.<br />

(FUGII et al, 2010).<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011<br />

47


Figura 3.3: Adição pré-lançamento de fibras de<br />

aço. (NUNES, 2006).<br />

Ao considerar implementar esta tecnologia<br />

em uma obra, deve-se sempre lembrar que<br />

é necessário que seja feito um estudo do traço<br />

de concreto a ser utilizado, de forma que as fibras<br />

não agem por igual em qualquer relação<br />

água/cimento, dimensão de agregados, teor de<br />

argamassa e outros fatores. Caso se acrescente<br />

uma quantidade típica de fibras sem nenhum<br />

estudo prévio é possível que as mesmas não resultem<br />

nos efeitos esperados e até pior, podem<br />

gerar “ouriços”, aglomerados de fibras que diminuem<br />

as propriedades mecânicas do compósito<br />

por causa da mistura ineficiente ou incompatibilidade<br />

de materiais.<br />

toda a carga do compósito. Com uma<br />

carga cada vez maior sobre o compósito,<br />

as fibras tendem a transferir a<br />

tensão adicional para a matriz através<br />

de tensões de aderência. Se as<br />

tensões de aderência não excederem<br />

a resistência de aderência, então<br />

pode haver fissuração adicional na<br />

matriz. Esse processo de fissuração<br />

múltipla continuará até que haja<br />

rompimento das fibras ou até que o<br />

escorregamento local acumulado leva<br />

ao arrancamento da fibra.<br />

Para facilitar a visualização do descrito,<br />

seguem as figuras 4.1 e 4.2 demonstrando o discutido:<br />

Figura 4.1: Linhas de tensão em concreto convencional.<br />

(FIGUEIREDO, 2000).<br />

Figura 4.2: Linhas de tensão em CRF. (FIGUEIRE-<br />

DO, 2000).<br />

4 MODELOS DE TRANSFERÊNCIA<br />

Para explicar a influência das fibras sobre<br />

o concreto e entender seu comportamento<br />

durante carregamento ou surgimento de tensões<br />

diversas a comunidade científica está se empenhando<br />

em criar modelos de transferência. Sobre<br />

o assunto, Shah apud Mehta e Monteiro<br />

(2008) afirma:<br />

48<br />

O compósito suportará cargas cada<br />

vez maiores após a primeira fissuração<br />

da matriz, caso a resistência das<br />

fibras ao arrancamento na primeira<br />

fissura for maior que a carga na primeira<br />

fissuração; [...] em uma seção<br />

fissurada, a matriz não resiste a nenhuma<br />

tensão e as fibras suportam<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011<br />

Nota-se que as linhas de tensão normalmente<br />

se concentram na ponta da fissura para o<br />

concreto sem reforço, porém, com a presença<br />

de fibras é possível que estas hajam como ponte<br />

de transferência para as tensões que se acumulariam<br />

nas fissuras.<br />

4.1 TEOR<br />

Por teor, entende-se uma relação com a<br />

quantidade de fibras a ser adicionada. Inicialmente<br />

era dado pela porcentagem em volume de concreto<br />

que as fibras representavam, mas atualmente<br />

também existe a opção de se referir a partir do


peso a ser adicionado por uma unidade de volume.<br />

Por exemplo, para uma fibra de aço comercial<br />

no Estado pode-se especificar que a mistura<br />

deve conter aproximadamente 0,5% de fibras de<br />

aço, o que seria equivalente a 40 kg/m³.<br />

Mehta e Monteiro (2008) fazem a seguinte<br />

divisão de CRFs em função da fração volumétrica<br />

de fibras incorporadas a matriz :<br />

a) Baixa fração volumétrica (2%): Este teor causa<br />

o endurecimento por deformação, um sistema<br />

mais avançado do uso de fibras que permite<br />

a criação dos chamados compósitos de<br />

alto desempenho e compósitos de ultra alto<br />

desempenho.<br />

4.2 FATOR DE FORMA<br />

O rompimento das fibras está ligado,<br />

além da resistência propriamente dita, ao seu<br />

comprimento longitudinal, ou seja, caso esta tenha<br />

um comprimento exagerado, romperá com<br />

uma tensão muito baixa, porém se o comprimento<br />

for pequeno demais, a fibra se soltará mais facilmente<br />

da matriz, assim não alcançando a tensão<br />

desejada novamente (FIGUEIREDO, 2000).<br />

O comprimento é uma das duas grandezas<br />

inseridas na grandeza denominada fator de<br />

forma. Esta é um dos fatores determinantes de<br />

eficiência do reforço (FIGUEIREDO; HELENE, 1997),<br />

assim o parágrafo anterior pode ser interpretado<br />

da seguinte maneira: pode ser considerado que<br />

as tensões na fibra vão aumentando linearmente<br />

dos extremos para o centro, então a tensão será<br />

máxima quando a tensão na fibra for igual tensão<br />

de cisalhamento entre a fibra e a matriz.<br />

Segue figura 4.3 simplificando a grandeza<br />

comentada:<br />

Figura 4.3: Esquematização do fator de forma.<br />

(FIGUIEREDO, 2000).<br />

Sobre isso, Nunes (2006) diz que aumentando<br />

o fator de forma enquanto se mantém o<br />

comprimento, o espaçamento entre as fibras<br />

diminuirá, assim será possível mais delas atuarem<br />

como mecanismo de transferência no mesmo<br />

lugar.<br />

4.3 GEOMETRIA<br />

Outra forma de aumentar o desempenho<br />

da fibra está na deformação de sua geometria.<br />

Tomando como exemplo uma fibra de aço com o<br />

formato idêntico ao da figura 3.3 submetida a um<br />

ensaio de arrancamento da matriz, esta resistiria<br />

somente até que a tensão de aderência fosse alcançada,<br />

então ela se desprenderia do concreto e<br />

restaria pouca resistência gerada pelo atrito.<br />

Caso a fibra, composta pelo mesmo aço<br />

e envolta pelo mesmo concreto, tivesse uma<br />

geometria deformada (tomasse como exemplo<br />

o formato de gancho nas extremidades), após<br />

o desprendimento ainda seria necessário que<br />

se gastasse energia para deformar o aço de<br />

modo a fibra se tornar quase reta para então<br />

poder ser arrancada.<br />

Para tanto é necessário que a matriz<br />

agüente tal energia sem rompimento localizado<br />

fora da interface. Segue a figura 4.4 do processo<br />

da fibra descrita sobre um gráfico da energia gasta<br />

no ensaio de arrancamento da mesma em uma<br />

matriz transparente:<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011<br />

49


Figura 4.4: Ensaio de arrancamento de fibra de<br />

aço com deformação nas pontas e evolução do<br />

gráfico tensão x escorregamento. (WEILER;<br />

GROSSE, 1996).<br />

Figura 4.5: Esquema de perda de aderência entre<br />

a fibra e a matriz. (BENTUR; MINDESS, 2007).<br />

4.4 ADERÊNCIA<br />

A ligação das tensões feitas pelas fibras<br />

pode ser perdida de duas maneiras, pelo rompimento<br />

das fibras ou pelo arrancamento destas.<br />

O rompimento está ligado a resistência à tensão<br />

e comprimento do material e varia de acordo<br />

com a fibra escolhida. Já o arrancamento inclui<br />

outros fatores que dificultam uma previsão mais<br />

acurada. Isso porque está ligado com a aderência<br />

fibra-matriz que por sua vez possui uma zona<br />

de transição distinta para cada combinação de<br />

fibras e matrizes diferentes. Segue a figura 4.5<br />

para ilustrar uma fibra de aço se descolando da<br />

matriz de argamassa.<br />

Durante uma fissura inicialmente se tem<br />

a fibra colada na matriz e certa concentração de<br />

portlandita na interface (A), então ocorre o desprendimento<br />

da fibra rompendo a ligação com a<br />

interface (B), em seguida há um pequeno ganho<br />

de energia em relação a B gerado pelo atrito entre<br />

a rugosidade da fibra e a camada solta de portlandita<br />

(C), e finalmente parte do C-S-H também<br />

se desprende para contribuir com o atrito<br />

que resta antes da fibra se separar definitivamente<br />

da matriz (D).<br />

5 PRINCIPAIS FIBRAS<br />

Os principais tipos de fibra foram determinados<br />

pelo comitê ACI 544 como sendo:<br />

Aço: É o tipo com maior quantidade de<br />

literatura, a fibra que normalmente serve<br />

como referência. Podem ser de vários tamanhos<br />

e formas e possuem norma nacional própria<br />

(ABNT NBR 15530:2007). Têm várias formas<br />

e dimensões, como mostra a figura 5.1.<br />

São fabricadas a partir de corte ou amassamento<br />

de arames, ou até mesmo manuseio<br />

siderúrgico. Podem possuir grandes resistências<br />

a tração (entre 345 e 2100 MPa) e são utilizadas<br />

para aumentar tenacidade do concreto,<br />

complementar armaduras ou até mesmo<br />

substituir reforço armado. Também mostram<br />

durabilidade semelhante à de armaduras convencionais.<br />

Existem casos de produção de concretos<br />

de pós reativos visando atingir resistências<br />

próximas ou até maiores que 200 MPa onde é<br />

necessário a adição de fibras de aço por dois<br />

motivos. O primeiro é que as propriedades de<br />

resistência à tração e flexão não crescem pro-<br />

50<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011


Figura 5.1: Diversos tipos de fibras de aço. (PA-<br />

RAMESWARAN, 2009).<br />

porcionalmente à compressão, então grandes<br />

teores de fibras são adicionados para tanto (entre<br />

2% e 4%). O outro é a tendência à explosão,<br />

com 200 MPa de resistência e sem fibras o concreto<br />

se torna altamente frágil e sua ruptura<br />

ocorre de forma muito violenta, as fibras de aço<br />

sanam a situação de modo a reter os fragmentos.<br />

A figura 5.2 mostra um exemplo de concreto<br />

de pós reativos reforçado com fibras de aço.<br />

Figura 5.2: Passarela da paz em Cheong, Coréia.<br />

Concreto de altíssimo desempenho reforçado<br />

com fibras de aço, recorde mundial de esbelteza.<br />

(MEHTA; MONTEIRO, 2008).<br />

Vidro: O princípio básico das fibras de vidro<br />

está em produzir compostos muito finos com<br />

grandes teores de fibra (5%), onde normalmente<br />

a matriz é de argamassa. São produzidas como<br />

filamentos quentes que resfriam juntos, normalmente<br />

são contínuas, o que dá a possibilidade<br />

de alinhamento a elas que outras fibras dificilmente<br />

possuem. A maior desvantagem está na<br />

baixa resistência a alcalinidade de fibras de vidro<br />

comuns, atualmente já existem algumas<br />

adaptadas a esse problema, porém sua durabilidade<br />

ainda não é ideal. Porém estas continuam<br />

sendo usadas por produzirem compósitos baratos,<br />

bem leves e habilidade de moldagem em<br />

fôrmas verticais. Alguns exemplos de estruturas<br />

com fibras de vidro são encontrados mais a<br />

frente no artigo.<br />

Sintéticas: É o tipo mais variado, algumas<br />

das fibras são feitas especificamente para reforço<br />

de concreto. A mais usada atualmente é a de polipropileno,<br />

uma fibra produzida a partir da resina<br />

homopolimérica de polipropileno com ponto de<br />

fusão bom (165ºC) e custo moderado. Esta se tornou<br />

popular por fazer efeito em baixíssimos teores<br />

(< 0,5%), não reter água e ter uma boa resistência<br />

a meios alcalinos, mas só é usada em funções<br />

estruturais a partir de processos especiais, no Brasil<br />

é adicionada em teores bem baixos pré-lançamento.<br />

Um exemplo de uso de polipropileno é para<br />

diminuir abertura de fissuras em uma caixa d’água,<br />

onde o controle desleixado pode ter consequências<br />

de custos elevadíssimos, a figura 5.3 mostra a<br />

estrutura mencionada.<br />

O mercado vem acolhendo várias outras<br />

fibras sintéticas, como fibras de acrílico, nylon,<br />

poliéster, poliolefina, polietileno, carbono, aramida,<br />

acrílica de alta resistência e PVA. Algumas<br />

destas são usadas semelhantemente às de polipropileno,<br />

outras estão sendo estudadas como<br />

alternativas mais econômicas às fibras de aço.<br />

Naturais: Fibras naturais podem ser de<br />

vários tipos (folhas, madeira, superfície de frutas<br />

e sementes etc), em geral, não combatem<br />

bem a alcalinidade da pasta, então mostram uma<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011<br />

51


Figura 5.3: Caixa d’água construída com concreto<br />

reforçado com polipropileno para controlar a abertura<br />

das fisssuras. (BENTUR; MINDESS, 2007).<br />

durabilidade muito deficiente. São usadas como<br />

soluções muito econômicas para peças pouco<br />

requisitadas. Mesmo assim, ainda há muito incentivo<br />

para estudos com essas fibras, pois elas<br />

representam uma solução sustentável, na qual<br />

a produção gasta relativamente pouca energia e<br />

polui muito pouco. Podem ser usadas também<br />

para produzir peças de telhado a partir do processo<br />

da figura 3.1.<br />

6 APLICAÇÕES PELO BRASIL<br />

Muitos se enganam achando que a adição<br />

de fibras tem o intuito de substituir o reforço tradicional<br />

de barras ou malha de aço. Existem alguns<br />

casos em que o uso de fibras é, de fato, mais<br />

eficiente. Por exemplo, em camadas muito finas<br />

de concreto ou argamassa (entre 13 e 20 milímetros),<br />

fibras de vidro mostram um desempenho<br />

melhor que uma armação tradicional.<br />

Esse tipo de aplicação já está bem consolidado,<br />

apesar de haver discordâncias quanto ao<br />

teor de fibra a ser aplicado por causa da dificuldade<br />

de incorporação que cresce proporcionalmente<br />

a quantidade desejada em volume. Ainda<br />

sim existem diversos casos em que as fibras<br />

foram usadas em território brasileiro.<br />

Rodrigues (2010) afirma que o dimensionamento<br />

de pisos industriais usando CRF pelos<br />

52<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011<br />

métodos tradicionais resulta em alternativas<br />

pouco econômicas. Porém, o autor relata aplicações<br />

ainda tímidas no Brasil em que as fibras são<br />

usadas para aumentar o comprimento das placas<br />

compositoras dos pisos. Tem-se placas de até<br />

12 metros para teores de 20 a 25 kg/m³, acima<br />

disso e se a espessura da placa for maior que 16<br />

cm, passa-se a usar 30 kg/m³. O mesmo diz já<br />

existirem dezenas de obras no país usando esse<br />

sistema com placas de 30 a 40 metros de comprimento.<br />

Segue figura 6.1 mostrando sistema de<br />

regularização do piso feito com CRF, sendo que<br />

neste caso é necessário mais atenção para evitar<br />

o aparecimento de fibras na superfície.<br />

Figura 6.1: Etapa de regularização do concreto<br />

com o rodo de corte. (RODRIGUES, 2010).<br />

Essa tem se mostrado uma das maiores<br />

aplicações no Brasil, assim como o reforço de<br />

tubos de concreto. Mas o reforço de tubos de<br />

concreto já possui norma, a ABNT NBR 8890:2007.<br />

Esta aplicação já se mostrou mais eficiente que<br />

o reforço de tela várias vezes, e ainda demonstrou<br />

o dobro da economia. A nova norma já diferencia<br />

os ensaios de rompimento de tubos com<br />

fibras e tubos com telas para levar em conta a<br />

ductilidade do material, porém como estes ensaios<br />

são muito caros para serem executados, os<br />

bancos de dados ainda não estão com tantos resultados<br />

quanto poderiam estar. Fugii et al (2010)<br />

mostrou uma série de rompimentos de tubos<br />

simples classe 1 com dimensões de 0,6 metro de<br />

diâmetro e 1,5 metro de comprimento. No referido<br />

experimento foram testados 5 teores de fibras<br />

(de 10 a 30 kg/m³) quanto a carga mínima de


dano, carga de ruptura e recarregamento, nos<br />

quais os teores de 20 kg/m³ e 25 kg/m³ apresentaram<br />

melhores resultados. Segue figura 6.2 do<br />

rompimento de um dos tubos do estudo:<br />

Figura 6.3: Concreto com fibras de aço usado como<br />

revestimento definitivo da Linha Amarela do<br />

metrô de São Paulo. (FRANCO; GALLOVICH, 2008).<br />

Figura 6.2: Ensaio de compressão diametral em<br />

tubo de concreto com adição de fibras de aço<br />

após a ruptura. (FUGII et al, 2010).<br />

Também há a confecção de túneis com concreto<br />

normalmente reforçado com fibras de aço.<br />

Esta prática se torna cada vez mais comum no território<br />

nacional, porém não existe uma normatização<br />

própria para tal. As construções são feitas com<br />

base no empirismo do engenheiro ou com base<br />

em métodos particulares de grandes empresas que<br />

não estão disponíveis ao público. Assim, não está<br />

havendo reprodução de conhecimento.<br />

Sobre isso, Figueiredo (2008) defende que<br />

já existem métodos nacionais de dosagem de concreto<br />

reforçado com fibras de aço tanto para concreto<br />

projetado quanto para concreto convencional<br />

e o que falta é a determinação dos engenheiros<br />

usarem. Também afirma que a “regra de consumo<br />

mínimo” ainda é aplicada para fibras porque há<br />

uma ausência de controle corriqueiro das mesmas,<br />

sendo que estas só são ensaiadas em peças de grandes<br />

dimensões nas quais os testes acontecem pouquíssimas<br />

vezes. O autor julga que a maior dificuldade<br />

em se estabelecer e normatizar um controle<br />

de desempenho do compósito está na falta<br />

de normatização brasileira para dimensionamento<br />

de túneis, de forma que os parâmetros a serem<br />

controlados se tornam inúmeros. Segue Figura<br />

6.3 com um concreto com fibras de aço usado<br />

em uma linha de metrô de São Paulo.<br />

Analogamente ao uso em pisos industriais,<br />

existe o uso em pavimentos rígidos. As mesmas<br />

regras gerais se aplicam neste caso. Sobre<br />

isso, Nunes (2006) comenta que os métodos de<br />

estimativa de retração estão muito defasados,<br />

em sua tese ele afirma que com um controle<br />

maior é possível fazer uma estimativa muito<br />

mais acurada que permitiria a previsão de teor<br />

necessário de fibras na dosagem do concreto a<br />

ser aplicado. Este realizou experimentos em placas<br />

de 4,4 metros de largura por 40 metros de<br />

comprimentos sem juntas de controle com consumos<br />

de fibras iguais a 0, 10, 30 e 60 kg/m³, e<br />

controlar a fissuração (concretagem mostrada na<br />

figura 6.4). Porém, Nunes (2006) alerta que as<br />

fibras por si só não são capazes de lidar com todos<br />

os problemas de fissuração, pois tanto no<br />

modelo analítico quanto no experimental, o<br />

consumo tenderia ao infinito. Assim é sensato<br />

controlar a quantidade de cimento ou curar cuidadosamente<br />

os pavimentos, mesmo que estes<br />

sejam reforçados com fibras.<br />

Há ainda o uso em concreto projetado.<br />

Silva (1997) reforça duas vantagens bem conhecidas<br />

que se repetem no caso de concreto projetado.<br />

Uma é o desempenho superior das fibras<br />

sobre o reforço de tela de aço, sendo que para<br />

vários teores, o CRF apresentou maior tenacida-<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011<br />

53


Figura 6.4: Pistas de 4,40 x 40 m concretadas com<br />

fibras de aço. (NUNES, 2006).<br />

de e maior carga máxima antes da fissura que a<br />

alternativa. A outra é a resistência maior à corrosão,<br />

sendo que as fibras de aço são descontínuas,<br />

então há maior chance de que a corrosão<br />

aconteça de maneira muito mais pontual que no<br />

caso da tela. Há ainda a questão de a fibra ter o<br />

diâmetro menor, de modo que durante o processo<br />

de corrosão, a expansão dela representará<br />

tensões internas menores e provavelmente<br />

causará menos danos à estrutura.<br />

Outro aspecto que merece ser mencionado<br />

é a redução no índice de reflexão. Para este<br />

tipo de lançamento, sempre haverá massa que<br />

não adere a peça, para ter um controle do quanto<br />

está se perdendo de concreto se determina o<br />

índice de reflexão. Há re<strong>lato</strong>s de fibras diminuindo<br />

em 67,26%, causando grande economia<br />

mesmo sem se mencionar funções estruturais.<br />

A figura 6.5, a seguir, mostra a adição de fibras<br />

ao concreto projetado:<br />

Figura 6.5: Adição de fibras de aço ao concreto<br />

projetado. (SILVA, 1997)<br />

7 APLICAÇÕES PELO MUNDO<br />

Como afirmado inicialmente, o Brasil não<br />

é líder mundial no uso de fibras no concreto.<br />

Assim, é de se esperar que algumas aplicações<br />

ainda não tenham chegado aqui apesar de já estarem<br />

sendo utilizadas no exterior.<br />

Um exemplo de economia foi um caso<br />

em uma refinaria na Suécia, onde a utilização de<br />

CRF para estabilização de um talude representou<br />

um custo US$50.000,00 inferior a opção com<br />

concreto reforçado com malha de ferro a um teor<br />

de apenas 55 kg/m³. Aconteceu algo parecido<br />

em Washington, E. U. A., quando se usou o reforço<br />

de fibras para estabilizar um talude ao longo<br />

de uma estrada de ferro que seguia próxima<br />

ao rio Snake, neste caso foi usado um teor de<br />

120 a 150 kg/m³. (MEHTA; MONTEIRO, 2008).<br />

Uma das áreas mais crescente é a de prémoldados.<br />

Deseja-se sempre que as peças prémoldadas<br />

contenham o melhor acabamento possível,<br />

para tanto, não devem conter fissuras por<br />

retração apesar de seus tamanhos variáveis. As fibras<br />

são uma grande arma contra este problema,<br />

assim como podem ser usadas também para o aumento<br />

da tenacidade. Neste caso, ganha-se com o<br />

manuseio das peças, já que elementos de concreto<br />

são muito frágeis, é complicado movê-los com<br />

velocidade, porém com o aumento de absorção<br />

de energia a situação é bem abrandada. A figura<br />

7.1 mostra uma peça pré-moldada com dimensões<br />

consideráveis que foi moldada com fibras de aço.<br />

Figura 7.1: Desmoldagem de elemento de telhado<br />

pré-moldado (SHAH; FERRARA, 2008).<br />

54<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011


Sobre o assunto, Bentur e Mindess (2007)<br />

alegam que a performance das fibras pode ser, no<br />

geral, igual a da malha metálica quanto ao desempenho<br />

estrutural, mas elas representam uma economia<br />

de tempo e mão de obra muito grande na<br />

confecção dos produtos por meio da eliminação<br />

da necessidade de posicionamento de armadura<br />

ou jaula e concretagem em volta. Há ainda a vantagem<br />

de maior resistência ao impacto, que além do<br />

que já foi mencionado, serve para proteger as bordas<br />

ou pontas das peças, partes de grandes incidências<br />

de lesões. A figura 7.2 mostra peças prémoldadas<br />

de CRF produzidas rapidamente em larga<br />

escala graças à velocidade de moldagem.<br />

Figura 7.2: Peças pré-moldadas de CRF em escala<br />

industrial. (PEREIRA, 2009).<br />

Bharatkumar e colaboradores (2008)<br />

descrevem uma mistura em que o concreto usava<br />

fibras de chumbo para torná-lo mais resistente<br />

a radiação e fibras de aço para sanar o<br />

decréscimo de desempenho causado pelo primeiro<br />

tipo de fibra. Esta é uma aplicação ainda<br />

muito recente com poucos dados disponíveis,<br />

o Centro de Pesquisa de Engenharia Estrutural<br />

de Chennai, Índia e o Centro de Pesquisa Atômica<br />

Bhabha de Mumbai, Índia mostraram resultados<br />

promissores.<br />

Outro uso pouco convencional foi a contenção<br />

de um teste de turbina em Westinghouse Electric<br />

Corp., Philadelphia, E. U. A., onde foi usado um<br />

teor de fibras de aço de 71 kg/m³ para reduzir a espessura<br />

necessária para um terço da original.<br />

Uma situação em que as fibras são o reforço<br />

primário do concreto é o uso em placas de<br />

revestimentos de fachada e elementos de telhado.<br />

Nesses casos as peças são bem finas e<br />

podem ser produzidas através de vários processos,<br />

Bentur e Mindess (2007) descrevem alguns:<br />

• Folha de cimento e celulose: Substituem<br />

muitas vezes os compósitos anteriormente<br />

feitos com amianto, são produzidos pelo processo<br />

Hastchek.<br />

• Folha de cimento e lascas de madeira: Podem<br />

ser produzidos desde o lançamento<br />

simples até processos com pressão e tratamento<br />

térmico.<br />

• Folha de cimento com vidro: Diversos processos<br />

de fabricação, há casos de pré-assentamento<br />

do vidro e lançamento do concreto envolta.<br />

• Folha de cimento com polipropileno: Normalmente<br />

misturado pré-lançamento, uma alternativa<br />

muito barata.<br />

• Folha de cimento com reforço híbrido: Normalmente<br />

carbono e PVA, com celulose como<br />

fibra intermediária.<br />

Nestes casos, como a função é não estrutural,<br />

os compósitos são dosados com atenção<br />

em dois principais aspectos, o crescimento<br />

de tensões internas que possam gerar fissuração<br />

ou uma tendência da peça a entortar graças<br />

às suas dimensões muito finas, e a durabilidade<br />

do conjunto, já que este estará suscetível a<br />

todas as intempéries imagináveis, assim como<br />

rápidas mudança de temperaturas. A figura 7.3<br />

mostra dois elementos de fachada produzidos<br />

com fibras de vidro.<br />

Figura 7.3: Elementos de fachadas feitos de concreto<br />

reforçado com fibra de vidro (BENTUR;<br />

MINDESS, 2007)<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011<br />

55


Ao redor do mundo se tem feito reparo em<br />

grandes represas e outras estruturas hidráulicas que<br />

devam suportar cavitação e erosão severa pela água,<br />

assim como tem se construído as novas já usando<br />

este artifício. As fibras mostram um diferencial neste<br />

ponto, pois além de melhorar o desempenho,<br />

ajudam a conter a fissuração, de modo a retardar a<br />

principal causa de diminuição de vida útil.<br />

O comitê ACI 210 fala de vários episódios<br />

de barragens e estruturas semelhantes<br />

que passaram por reformas ou reforços. Entre<br />

eles, menciona-se o caso da barragem<br />

Dworshak, North Fork, E. U. A. Esta foi uma<br />

barragem que entrou em operação em 1973<br />

com aproximadamente 220 metros de altura<br />

por 1000 metros de comprimento e quase 5<br />

milhões de metros cúbicos de concreto. Um<br />

ano depois se encontrou erosões severas, algumas<br />

com 56 centímetros de profundidade<br />

(Figura 7.4) e até remoção de barras de armadura.<br />

Para os locais com maiores danos, as<br />

armaduras foram repostas e a nova concretagem<br />

foi executada com CRF de aço por uma<br />

grande extensão (figura 7.5). No ano seguinte<br />

inspeções mostraram que não havia problemas.<br />

Nos anos subsequentes as inspeções<br />

mostraram que é necessário que se repare<br />

com certa frequência as partes com argamassa<br />

polimérica, porém as áreas com CRF mostram<br />

danos desprezíveis.<br />

Figura 7.4: Grande profundidade de erosão passando<br />

as barras de armadura na represa Dworshak.<br />

(ACI 210, 1999).<br />

Figura 7.5: Grande extensão de reparo com CRF<br />

feito na represa Dworshak. (ACI 210, 1999).<br />

Ainda vale mencionar paredes com<br />

grandes resistências tanto à compressão quanto<br />

à flexão, usa-se um núcleo de concreto convencional<br />

e duas camadas de aproximadamente<br />

5 mm de CRF de vidro ou outra. Já foram<br />

levantadas construções de até 4 andares usando<br />

esse sistema para paredes. Seijo (2008) diz<br />

que o uso de paredes reforçadas com fibras é<br />

corriqueiro em áreas com perigo de furacões<br />

nos Estados Unidos.<br />

Em sua tese, a autora supracitada produziu<br />

paredes de concreto pré-fabricadas usando<br />

agregados leves a base de espuma reforçadas<br />

com fibras de vidro (figura 7.6). Seu objetivo<br />

era reduzir cargas de projeto e, por conseguinte<br />

custos em armadura; criar compósitos<br />

mais dúcteis; reduzir tempo de execução de<br />

alvenaria, assim diminuindo custos de mão-deobra;<br />

e ainda prover um bom isolamento térmico<br />

e acústico. Para teste foram feitas estruturas<br />

em escala real e preenchidas com um airbag<br />

até a ruptura. A figura 7.7 mostra o teste<br />

número 3 onde a parede rompeu de forma dúctil<br />

a uma pressão que equivalente a uma velocidade<br />

de vento de 410 km/h.<br />

56<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011


Figura 7.6: Concretagem de paredes pré-moldadas<br />

com fibras de vidro. (SEIJO, 2008).<br />

Figura 7.7: Avaliação de desempenho do modelo<br />

em escala real de paredes reforçadas com fibras<br />

de vidro. (SEIJO, 2008).<br />

O comitê ACI 544.1 (2002) discutiu extensamente<br />

sobre as principais propriedades, modelagens<br />

analíticas, dosagens, aplicações, e necessidades<br />

de pesquisas quanto aos concretos<br />

reforçados com fibras. O documento gerado (ACI<br />

544.1R-96 2002) é um bom compêndio de conhecimento<br />

da tecnologia até o momento de publicação<br />

e serve como excelente meio de aprofundamento<br />

de conhecimentos para os que se interessaram<br />

em CRF. Ressaltam-se duas aplicações<br />

contidas no documento:<br />

• Fornos e estruturas refratárias envolvidos nos<br />

processos siderúrgicos, metalúrgicos, de refinamento<br />

de petróleo e produção de cimento<br />

Portland. Um exemplo é o revestimento de vasos<br />

na indústria petroquímica onde as temperaturas<br />

envolvidas estão entre 315ºC a 982ºC.<br />

• Uso extensivo de fibras naturais para construções<br />

de casas de baixo custo, peças de telhados,<br />

canos, silos, tanques de água e gás, calhas,<br />

isolamento de som e fogo e outros na África.<br />

REFERÊNCIAS<br />

7 CONCLUSÕES<br />

Pode-se dizer que as aplicações de CRF<br />

estão limitadas a criatividade do engenheiro em<br />

tirar proveito de todas as vantagens possíveis<br />

com essa tecnologia. Ou seja, o profissional deve<br />

saber adaptar os ganhos com a adição de fibras<br />

às necessidades da área.ou às fraquezas do sistema<br />

construtivo local.<br />

ACI 210.1R-94; Compendium of Case Histories on<br />

Repair of Erosion-Damaged Concrete in Hydraulic<br />

Structures, ACI Manual of concrete Pratice –<br />

Part 1 – ACI International, 1999.<br />

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58<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011


TOXINFECÇÃO ALIMENTAR POR SALMONELLA SPP.:<br />

UMA REVISÃO 1 Aline Duarte Lavor *<br />

Gilson Celso Albuquerque Chagas Junior **<br />

RESUMO<br />

A salmonela é uma bactéria muito comum no dia a dia. Por essa razão há necessidade de um<br />

cuidado especial ao preparar refeições, manipular utensílios de cozinha durante o preparo<br />

das refeições, manter a higiene pessoal etc. A salmonela tornou-se a responsável por uma das<br />

mais comuns zoonoses dos nossos tempos – a salmonelose. Talvez por ser de fácil contaminação,<br />

essa bactéria também é muito fácil de ser eliminada, se observado alguns pontos de<br />

higiene, além disso, o calor também pode eliminá-la. Logo objetivou-se fazer um breve levantamento<br />

sobre o histórico e os índices de contaminação por salmonela, observando os<br />

dados obtidos no material bibliográfico da UNAMA e de plataformas de pesquisas virtuais. Ao<br />

elaborá-lo, concluiu-se que ao seguir práticas simples de higiene e conscientizar a população,<br />

pode-se evitar as doenças transmitidas por alimentos causadas por essa bactéria.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Salmonela. Salmonelose. Infecção alimentar. Higiene.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Segundo a Organização Mundial da Saúde<br />

(OMS), “a alimentação deve ser disponível<br />

em quantidade e qualidade nutricionalmente<br />

adequadas, além de ser livre de contaminações<br />

que possam levar ao desenvolvimento de doenças<br />

de origem alimentar”. Alimentos contaminados<br />

são nocivos à saúde das pessoas que os<br />

consomem, provocando diversas enfermidades.<br />

Dados epidemiológicos mostram que os agentes<br />

etiológicos são, na maioria das vezes, microorganismos,<br />

e a contaminação pode ocorrer em<br />

diversas fases do processamento do alimento.<br />

Dessa forma, são necessárias medidas de controle<br />

em todas as etapas do processamento: colheita,<br />

conservação, manipulação, transporte,<br />

armazenamento, preparo e distribuição dos alimentos<br />

(BOULOS e BUNHO, 1999).<br />

As toxinfecções alimentares de origem<br />

microbiana têm sido reconhecidas como o problema<br />

de saúde pública mais abrangente no<br />

* Acadêmica do 5º semestre do Curso de Nutrição da UNAMA<br />

e monitora da disciplina Microbiologia e Higiene dos<br />

Alimentos.<br />

** Acadêmico do 3º semestre do Curso de Nutrição da UNAMA<br />

e bolsista/pesquisador do Programa de Iniciação Científica<br />

2011.<br />

1<br />

Artigo elaborado sob orientação da profa. Ms.c. Ana Carla<br />

Alves Pelais, ministrante das disciplinas Microbiologia e<br />

Higiene dos Alimentos e Tecnologia dos Alimentos, na<br />

Universidade da Amazônia – UNAMA.<br />

59<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 59-66, jun. 2011


mundo atual e causa importante na diminuição<br />

da produtividade, das perdas econômicas que<br />

afetam os países, empresas e simples consumidores<br />

(MICHELOTTI e NASCIMENTO, 2002 apud<br />

MESQUITA et al., 2006).<br />

A Salmonella é uma das principais bactérias<br />

envolvidas em surtos de doenças transmitidas<br />

por alimentos, ocasionando perdas econômicas<br />

em todo o mundo. Nos Estados Unidos por<br />

exemplo, estima-se um gasto de um bilhão por<br />

ano com esses surtos, pois, 1,4 milhões de casos<br />

de salmonelose são registrados anualmente, e<br />

destes 40.000 são confirmados laboratorialmente,<br />

aproximadamente mais de quinhentos casos<br />

são fatais e 2% apresentam artrite crônica como<br />

complicação. A Salmonella ocupa o segundo lugar<br />

como agente etiológico mais envolvido em doença<br />

diarréica (C.D.C, 2001 apud CÂMARA, 2002).<br />

No Brasil, em estudo realizado em São<br />

Paulo, a salmonela foi a terceira bactéria mais<br />

isolada em crianças menores de um ano de idade<br />

com diarréia aguda (FOCACCIA e VERONESI,<br />

1999 apud CÂMARA, 2002 ) .<br />

Dentro deste contexto, objetivou-se nesse<br />

artigo informar as pessoas em relação à bactéria<br />

Salmonella, o que é, quais os tipos de contaminações<br />

que podem ocorrer, complicações, como evitar<br />

possíveis intoxicações e o tratamento.<br />

2 OBJETIVO<br />

Realizar um levantamento bibliográfico<br />

sobre os índices, causas, tratamentos e consequências<br />

da intoxicação alimentar no Brasil pela bactéria<br />

Salmonella, e seus sorotipos mais comuns.<br />

3 METODOLOGIA<br />

Este artigo foi elaborado através de dados<br />

obtidos no material bibliográfico disponível<br />

na Biblioteca Central situada no “campus” Alcindo<br />

Cacela da Universidade da Amazônia (UNA-<br />

MA), artigos publicados virtualmente nas plataformas<br />

Scielo, BVS, dados disponíveis nos sítios<br />

virtuais do Ministério da Saúde e Ministério da<br />

Agricultura. Todas as literaturas foram analisadas<br />

de forma criteriosa.<br />

4 REFERENCIAL TEÓRICO<br />

4.1 UM BREVE HISTÓRICO E CARACTERÍSTICAS DA<br />

SALMONELLA SPP.<br />

A Salmonella foi inicialmente descrita<br />

pelo veterinário-bacteriologista norte-americano<br />

Daniel E. Salmón e pelo patologista Theobald<br />

Smith (Figura 1) no estudo “Investigações sobre<br />

Peste Suína”, em 1885 durante um surto dessa<br />

patologia no Estado de Nova Iorque, EUA. (HIS-<br />

TORIA DE LA MEDICINA, 2001).<br />

Inicialmente acreditava-se que a salmonela<br />

era a responsável pela peste suína (ou cólera do<br />

porco), o que ficou provado em estudos posteriores<br />

que o real causador da patologia era um vírus<br />

do gênero Pestisvirus spp. (AGROREDE, 2007).<br />

As bactérias do gênero Salmonella compreendem<br />

bacilos gram-negativos, não-formadores<br />

de esporos (FRANCO e LANDGRAF, 2008,<br />

p. 55) e em sua maioria classificados como peritríquios,<br />

quanto à disposição de seus flagelos<br />

(TORTORA, 2005, p. 79) o que os classificam como<br />

seres móveis, exceto a S. gallinarum e a S. pullorum,<br />

que são imóveis. São seres anaeróbios facultativos,<br />

ou seja, sobrevivem tanto na presença<br />

quanto na ausência de oxigênio e possuem<br />

uma temperatura ideal para a multiplicação de<br />

35-37º C, sendo a mínima de 5º C e máxima de<br />

47º C, por outro lado alguns valores máximos e<br />

mínimos podem variar de acordo com o sorotipo<br />

(FRANCO e LANDGRAF, 2008, p. 57).<br />

Baú (2010) afirma que as espécies de Salmonella<br />

eram classificadas de acordo com sua<br />

epidemiologia, reações bioquímicas e estruturas<br />

antigênicas, o que continuam prevalecendo<br />

até os dias de hoje, na maioria dos laboratórios.<br />

Embora haja dificuldade e divergências em alguns<br />

aspectos, pode-se entender que os sorotipos<br />

de Salmonella pertencem a duas espécies:<br />

60<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 59-66, jun. 2011


Salmonella bongori, a qual contém dezoito sorovares,<br />

e Salmonella entérica, a qual contém<br />

2.460 ou mais sorovares, divididos em seis subespécies:<br />

S. entérica, S. salamae, S. arizonae, S.<br />

diarizone, S. houtenae e S. indica.<br />

A taxonomia do gênero Salmonella é baseada<br />

na composição de seus antígenos de superfície,<br />

que são os antígenos somáticos (O), os<br />

flagelares (H) e os capsulares (Vi) (FRANCO e<br />

LANDGRAF, 2008, p. 55).<br />

Os antígenos O são designados por números<br />

arábicos (1, 2, 4 etc.). Os antígenos H são designados<br />

por letras minúsculas do alfabeto e por<br />

números arábicos. Só existe um tipo imunológico<br />

de antígeno Vi, encontrado somente em S. typhi,<br />

S. Dublin e S. hirschfeldii. Os antígenos O e Vi são<br />

termorresistentes, não sendo destruídos pelo<br />

aquecimento a 100º C por duas horas. Os antígenos<br />

H são termolábeis. Para determinação do sorotipo<br />

de uma Salmonella, os antígenos H que recobrem<br />

a célulaprecisam ser eliminados pelo<br />

aquecimento (FRANCO e LANDGRAF, 2008, p. 55).<br />

Ainda, segundo Franco e Landgraf (2008,<br />

p. 56), o potencial hidrogeniônico (pH) ideal<br />

para a proliferação de salmonella é em torno<br />

da neutralidade (pH=7,0), sendo que valores de<br />

pH superiores a 9,0 e inferiores a 4,0 são letais<br />

para as bactérias.<br />

4.2 CONTAMINAÇÃO ALIMENTAR POR SALMONE-<br />

LLA SPP<br />

Salmonelas são difundidas através da ingestão<br />

de alimentos e água contaminados com<br />

restos de animais. Segundo Hazelwood e McLean<br />

(1994, p. 40) a salmonela é encontrada nos intestinos<br />

do homem e de animais, e nos pêlos e patas<br />

de ratos, camundongos e pulgas. Os principais alimentos<br />

vetores de Salmonela são leite, queijo,<br />

ovos e carnes (principalmente as de aves).<br />

Segundo Franco e Landgraf (2008, p. 57)<br />

as doenças causadas por Salmonella costumam<br />

ser subdivididas em três grupos: a febre tifoide,<br />

causada pela Salmonella tiphy, as febres entéricas,<br />

causadas por Salmonella paratiphy e as salmoneloses<br />

(as enterocolites), causadas pelas<br />

demais salmonelas.<br />

Ainda segundo Hazelwood e McLean<br />

(1994, p. 40), a contaminação se dá quase sempre<br />

por consumo de alimentos mal cozidos,<br />

como o leite não fervido; ingestão de alimentos<br />

congelados, mal cozidos ou mal descongelados;<br />

e através de contaminação cruzada, onde, por<br />

exemplo, a bactéria pode se difundir do alimento<br />

mal descongelado ao entrar em contato com<br />

um alimento já cozido e pronto para servir.<br />

Segundo o estudo de Gasparetto (2001),<br />

os principais alimentos envolvidos na contaminação<br />

por Salmonella spp. são: carnes de aves,<br />

saladas elaboradas com carnes de aves, ovos e<br />

derivados, carne bovina e produtos cárneos. Ainda<br />

segundo Gasparetto (2001), nos últimos anos<br />

observou-se em todo o mundo um aumento de<br />

salmonelose humana relacionada ao consumo<br />

de frangos, ovos e derivados.<br />

Em estudo desenvolvido por Nadvorny et<br />

al. (2003), alimentos preparados com ovos contaminados<br />

por salmonela foram responsáveis por<br />

72,2% dos casos de salmonelose no estado do Rio<br />

Grande do Sul e entre os anos de 1987 e 2000 e as<br />

carnes de frango por 11,4% dos casos.<br />

Gasparetto (2001), afirma que a bactéria<br />

pode se proliferar no trato-gastrointestinal das<br />

galinhas e, subsequentemente, contaminar a carcaça<br />

de frango e os miúdos, o que ocorre com mais<br />

frequência durante o processamento do animal.<br />

Brasil (2009) determina novas regras de<br />

rotulagem em ovos, uma vez que os mesmos são<br />

responsáveis por mais da metade de contaminação<br />

pela bactéria salmonela no País. No Brasil,<br />

dos 2974 casos de toxinfecção alimentar registrados<br />

entre os anos de 1999 e 2008, 1275<br />

(42,9%) foram causados por Salmonella spp., sendo<br />

que ovos crus e mal cozidos e carnes de aves<br />

lideraram os alimentos fontes de contaminação<br />

com 378 pessoas contaminadas (SVS, 2008).<br />

Segundo Brasil (2009), os rótulos de embalagens<br />

de ovos devem conter os dizeres “O<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 59-66, jun. 2011<br />

61


consumo deste alimento cru ou mal cozido pode<br />

causar danos à saúde” e “Manter os ovos preferencialmente<br />

refrigerados”.<br />

4.3 SURTOS DE FEBRE TIFÓIDE E DEMAIS SALMO-<br />

NELOSES<br />

Dentre os principais surtos causados por<br />

Salmonella está a febre tifoide e as enterocolites<br />

(salmoneloses).<br />

4.3.1 Febre Tifoide<br />

Segundo Brasil [200-], a febre tifoide é<br />

causada pela espécie S. typhi, sendo o homem o<br />

único habitat dessa espécie. As pessoas que adquirem<br />

a febre tifoide transportam a bactéria na<br />

corrente sanguínea e no trato intestinal. Depois<br />

de ter ocorrido a infecção aguda, um pequeno<br />

número de pacientes (de 2 a 5%) passa a ser portador,<br />

armazenando a bactéria no intestino. Essas<br />

pessoas constituem importantes fontes para<br />

contaminação do ambiente e para continuidade<br />

da doença entre os humanos.<br />

a) Transmissão:<br />

Brasil [200-] relata que a transmissão da<br />

S. typhi ocorre, principalmente, de forma indireta<br />

através de água e alimentos contaminados<br />

com fezes ou urina de paciente ou portador. A<br />

contaminação de alimentos, geralmente, se dá<br />

pela manipulação por portadores ou pacientes<br />

com manifestações clínicas discretas, por isso a<br />

febre tifoide é também conhecida como a “doença<br />

das mãos sujas”. Os legumes regados com<br />

água contaminada, produtos do mar mal cozidos<br />

ou crus (moluscos e crustáceos), leite e derivados<br />

não pasteurizados, produtos congelados e<br />

enlatados podem veicular salmonelas.<br />

b) Sintomas:<br />

De acordo com Brasil [200-], os sintomas<br />

são febre alta, dores de cabeça, mal-estar geral,<br />

falta de apetite, bradicardia relativa, hepatoesplenomegalia<br />

(aumento do fígado), manchas<br />

rosadas no tronco (roséola tífica, raramente observada),<br />

obstipação intestinal ou diarréia e tosse<br />

seca. Ultimamente, o quadro clássico completo<br />

é de observação rara, sendo mais frequente<br />

um quadro em que a febre é a manifestação<br />

mais expressiva, acompanhada por alguns dos<br />

demais sinais e sintomas citados anteriormente.<br />

Nas crianças, a doença costuma ser menos<br />

grave do que nos adultos, sendo acompanhada<br />

frequentemente de diarréia. Embora seja uma<br />

doença aguda, a febre tifoide evolui gradualmente;<br />

a pessoa afetada, muitas vezes, é medicada<br />

com antimicrobianos, simplesmente por<br />

estar apresentando uma febre de etiologia não<br />

conhecida.<br />

Dessa forma, o quadro clínico fica mascarado<br />

e a doença deixa de ser diagnosticada precocemente.<br />

A hemorragia intestinal, principal<br />

complicação da febre tifoide, é causada pela ulceração<br />

das placas de Peyer, que, às vezes, leva<br />

à perfuração intestinal. Todavia, quando a febre<br />

tifóide evolui com bacteremia, qualquer órgão<br />

pode ser afetado. Existem outras complicações<br />

menos frequentes que são retenção urinária,<br />

pneumonia e colecistite.<br />

c) Diagnóstico Laboratorial:<br />

Para Lima (2003), o diagnóstico laboratorial<br />

é feito através do Hemograma e, Bioquímica<br />

do sangue. O diagnóstico específico da febre tifoide<br />

baseia-se sempre no isolamento da bactéria:<br />

Hemocultura: tem alta sensibilidade, principalmente<br />

durante a primeira semana de infecção;<br />

deve ser solicitada obrigatoriamente para<br />

todos os casos suspeitos, independente da fase<br />

em que se encontre; sugere-se a coleta de pelo<br />

menos duas amostras antes de se iniciar a antibioticoterapia;<br />

Coprocultura: tem maior sensibilidade<br />

a partir da terceira semana de infecção;<br />

é particularmente importante no pós-tratamento<br />

a fim de se identificar o estado de portador<br />

crônico; Mielocultura: é o método de maior sensibilidade<br />

para o isolamento de salmonela e se<br />

62<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 59-66, jun. 2011


mantém positiva mesmo quando do uso prévio<br />

de antimicrobianos.<br />

Segundo dados do DATASUS, só no período<br />

de 2004 a 2006, foram registrados cerca de<br />

599 casos de febre tifoide no Brasil, sendo que<br />

desses casos 293 pessoas eram do sexo feminino<br />

e 306 eram do sexo masculino. Regionalizando<br />

esses dados, no Estado do Pará, durante o<br />

período de 2005 a 2006 foram registrados cerca<br />

de 79 casos da doença.<br />

4.3.2 Demais Salmoneloses<br />

Desde a década de 1970, os índices de<br />

salmoneloses vêm crescendo no País (KOT-<br />

TWITZ, 2010 apud ANDRIGHETO, 2006).<br />

Landgraf et al. (1985), mostram em estudo,<br />

um surto de toxi-infecção alimentar por S.<br />

bredeney ocorrido na cidade de Araraquara, Estado<br />

de São Paulo. O surto em questão foi observado<br />

em 561 dos 922 operários de uma fábrica<br />

da cidade que haviam sido servidos de comida<br />

suspeita de contaminação. Aproximadamente<br />

7,5% dos trabalhadores precisaram ser hospitalizados,<br />

porém, não houve registros de óbitos.<br />

Após análises na comida servida, foram isoladas<br />

culturas de Salmonella e após a tipagem,<br />

foram identificadas como S. beredey.<br />

Peresi et. al. (1998), através de inquéritos<br />

epidemiológicos levantaram os surto de enfermidades<br />

transmitidas por alimentos causados por<br />

Salmonella Entetitidis, em decorrência de terem<br />

sido observados diversos casos de salmoneloses<br />

em um período de 1993 a 1997 no Noroeste do<br />

Estado de São Paulo. Em 23 surtos analisados no<br />

estudo de Peresi et. al. (1998), a grande maioria<br />

tinha sido em decorrência a ingestão de ovos crus<br />

ou mal cozidos. O que pode ter acarretado a proliferação<br />

de Salmonella Enteritidis nos ovos pode<br />

ter sido a maneira de estocagem desse produto<br />

em temperaturas entre 18º e 30ºC, o que favorece<br />

a proliferação dessa bactéria.<br />

Os surtos de salmoneloses no Estado do<br />

Rio Grande do Sul foram objetos de investigação<br />

do estudo de Nadvorny et. al. (2003). Foram<br />

estudados os 99 relatórios finais de ocorrência<br />

dos casos de salmoneloses no ano de 2000. Após<br />

análise, foram diagnosticados 74 casos tendo<br />

como responsáveis a Salmonella spp. Desses 47<br />

casos, 57 foram em decorrência da ingestão de<br />

ovos contaminados e 9 casos em decorrência da<br />

ingestão de carne de frango portadores de Salmonella<br />

spp.. Nadvorny et. al. (2003) reforçam<br />

que o acondicionamento de ovos e seus derivados<br />

a uma temperatura inferior a 5ºC ou cozimento<br />

a uma temperatura superior a 60ºC já é<br />

capaz de eliminar a bactéria. A presença de S.<br />

Enteritidis foi registrada, mas isso não significa<br />

que o consumidor será contaminado. Por outro<br />

lado, há de se haver uma manipulação adequada<br />

do alimento contaminado.<br />

A incidência de gastroenterite causadas<br />

por Salmonella spp. e Shigella spp. em crianças<br />

foi alvo de estudo de Rodrigues et. al. (2006).<br />

Das 63 amostras coletadas de crianças de 3 a 8<br />

anos de idade, foram encontradas 49 cepas de<br />

Salmonella spp. e 14 de Shigella spp. o que reforça<br />

dados anteriores e atuais: o gênero Salmonella<br />

sp. figura entre os micro-organismos mais<br />

comumente isolados em infecções intestinais.<br />

Kaku et al. (1995), na analise de surto alimentar<br />

por Salmonella Enteritidis no Estado de<br />

São Paulo, considerou que a introdução da bactéria<br />

pode ter acontecido pelos ovos e sua permanência<br />

e disseminação foi favorecida por lavagem<br />

e desinfecção insuficientes dos equipamentos<br />

e utensílios, uma vez que as coproculturas<br />

das merendeiras foram negativas para Salmonella,<br />

o que indica que as mesmas não eram<br />

portadoras e não foram envolvidas no surto.<br />

Kottwitz et. al. (2010) estudaram os dados<br />

epidemiológicos dos casos de salmoneloses<br />

ocorridos no Estado do Paraná entre os anos<br />

de 1999 e 2008. Como no estudo de Nadvorny et.<br />

al. (2003), alimentos à base de ovos, carnes e<br />

derivados foram associados a 45,0; 34,8 e 20,2%<br />

dos 286 surtos de salmoneloses ocorridos no Estado.<br />

Como observado no estudo de Peresi et.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 59-66, jun. 2011<br />

63


al. (1998), a S. Enteretidis foi responsável por<br />

87,8% das cepas isoladas dos pacientes e em<br />

80,6% das cepas provenientes dos alimentos<br />

envolvidos nos surtos.<br />

Ainda observando o estudo de Kottwitz<br />

et. al. (2010), 49,7% dos surtos estão relacionados<br />

a reuniões familiares, indicando assim, provavelmente<br />

a prevalência da contaminação cruzada,<br />

portanto, sugeriu-se maior empenho de<br />

educação higiênico-sanitária por parte da Vigilância<br />

Sanitária, tanto para manipuladores domésticos<br />

quanto para comerciais.<br />

4.4 TRATAMENTOS<br />

Ao se manifestarem sintomas, como vômitos,<br />

diarréia intensa, náuseas e cefaléia, o individuo<br />

deve rapidamente procurar por assistência<br />

médica, e uma vez diagnosticado com contaminação<br />

por Salmonella spp., deve-se seguir as<br />

recomendações médicas.<br />

A infecção por Salmonella spp. geralmente<br />

perdura por um período de 5 a 7 dias, na maioria<br />

dos casos não é necessária a assistência de<br />

medicamentos. Entretanto, quando ocorrer a<br />

contaminação por S. typhi, a assistência médica<br />

deve ser redobrada devido à ingestão de antibióticos<br />

como ampicilina e clorofenicol que auxiliam<br />

no tratamento da doença (ABC DA SAÚDE,<br />

[200-]; BARSA, 2001, p. 96). Em casos de diarréias<br />

e vômitos severos, a re-hidratação se faz necessária<br />

devido a constante perda de líquidos e eletrólitos<br />

do organismo. (ABC DA SAÚDE, [200-]).<br />

4.5 COMO EVITAR A TOXI-INFECÇÃO ALIMENTAR<br />

POR SALMONELLA SPP<br />

A salmonela é uma bactéria perigosa, mas<br />

bem fácil de evitar sua contaminação. De acordo<br />

com Franco e Landgraf (2008), o calor é forma eficiente<br />

para destruir a Salmonella. No momento<br />

da cocção, deve-se atingir no mínimo a temperatura<br />

de 70-74°C por 2 minutos ou 65°C por 15 minutos<br />

no centro geométrico do alimento, para que<br />

as bactérias sejam reduzidas a níveis aceitáveis<br />

(SILVA JÚNIOR, 1995). Se a temperatura correta<br />

de cocção não for atingida, as bactérias podem<br />

sobreviver. Além disso, é extremamente importante<br />

levar em consideração a composição do alimento<br />

onde a salmonela se encontra, pois a presença<br />

de sacarose, por exemplo, dobra a resistência<br />

térmica de S. typhimurium, e na presença<br />

de água, a resistência é muito inferior àquela apresentada<br />

em ambiente seco. Experimentos conduzidos<br />

com ovos desidratados e ovos inteiros<br />

indicam que a resistência térmica nos ovos desidratados<br />

pode ser de seiscentos e cinquenta vezes<br />

maior do que nos ovos líquidos.<br />

SBRT (2009) apud Meira (2009) afirma que<br />

logo após a postura, o ovo de galinha fica bastante<br />

vulnerável à ação de micro-organismos. A<br />

principal metodologia de conservação é a refrigeração,<br />

com o objetivo de controlar sua qualidade.<br />

Mas antes da refrigeração, uma boa opção<br />

é o processo de lavagem, que remove resíduos<br />

orgânicos como proteínas e açúcares aderidos à<br />

superfície da casca do ovo. A lavagem equivale<br />

à ação de detergente, enxágue e depois solução<br />

clorada. O método de impregnação da casca com<br />

óleo mineral é uma outra alternativa de limpeza<br />

do ovo, pois há o fechamento dos poros, evitando<br />

a desidratação e perda de gás carbônico.<br />

Hazelwood e Mclean (1994, p. 42), recomendam<br />

que antes de levar os alimentos ao<br />

fogo, devem-se descongelar os alimentos congelados<br />

por completo, principalmente carnes de<br />

aves no refrigerador e não debaixo de água corrente<br />

na pia. Não deixar haver o contato entre<br />

alimentos cruz e cozidos, para não haver contaminação<br />

cruzada. Nunca consumir alimentos não<br />

tratados, como o leite cru sem ferver.<br />

5 CONCLUSÃO<br />

A Salmonella spp. é uma bactéria patogênica<br />

de bastante incidência não só no Brasil,<br />

mas em diversas partes do mundo. Apesar de<br />

ser considerada de alto risco, é muito fácil se<br />

64<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 59-66, jun. 2011


prevenir contra ela. Com educação higiênicosanitárias<br />

suficiente e bastante presente, podese<br />

evitar surtos da bactéria facilmente. Ações<br />

simplórias, como o simples fato de se lavar a mão<br />

antes de manipular alimentos, cozinhar bem os<br />

alimentos ou até mesmo mudar hábitos alimentares,<br />

podem prevenir as complicações causadas<br />

por ela causada.<br />

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66<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 59-66, jun. 2011


ASPECTOS DA HANSENÍASE:<br />

UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 1<br />

Thayane Rodrigues Pereira Lima *<br />

RESUMO<br />

Objetivou-se com este artigo identificar a etiologia da hanseníase, o quadro clínico o qual ela<br />

desencadeia e seus tratamentos, sendo realizado para isso um levantamento bibliográfico a<br />

respeito da doença. Pois, o Brasil é considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS)<br />

como o segundo país com a maior incidência da hanseníase. Esse título lhe é atribuído tanto<br />

pelo abandono do tratamento pelos portadores da doença, quanto pelos seus aspectos socioeconômicos.<br />

Essa patologia de cunho infeccioso e evolução lenta é geradora de diversas<br />

lesões que causam alterações de sensibilidade e neurites, podendo ocasionar graves deformidades<br />

e consequente perda da capacidade funcional. E embora seu tratamento adequado<br />

resulte em comprovada cura, os impactos não só físicos, mas também emocionais e sociais<br />

perduram tanto sobre a vida do paciente como de seus familiares.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Hanseníase. Alteração de sensibilidade. Neurite. Doenças tropicais.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A hanseníase, também conhecida como<br />

morfeia, mal de Hansen ou mal de Lázaro, ainda<br />

representa um grave problema de saúde pública<br />

no Brasil, devido aos seus consideráveis índices<br />

ainda registrados e as repercussões físicas,<br />

psicológicas e sociais que são geradas aos seus<br />

portadores (FERREIRA; ALVAREZ, 2005). O Brasil<br />

é considerado, pela Organização Mundial de Saúde<br />

(OMS), como o segundo país com o maior<br />

número de casos dessa patologia, perdendo<br />

apenas para Índia, o que representa, desse<br />

modo, 90% dos casos da doença registrados nas<br />

Américas (SANTOS et al., 2010).<br />

Os números referentes aos portadores<br />

da hanseníase podem ainda não se apresentarem<br />

como fidedignos, em virtude de seu longo<br />

período de incubação e em decorrência dos seus<br />

sinais e sintomas, em alguns casos, serem insidiosos,<br />

assim como, devido à baixa cobertura do<br />

Programa de Controle da Hanseníase, fato esse<br />

que produz dificuldades para a realização de seu<br />

diagnóstico, criando condições para existir uma<br />

prevalência oculta (GOULART et al., 2002a).<br />

* Acadêmica do sétimo semestre do curso de fisioterapia.<br />

Bolsista de Iniciação Científica da Universidade da Amazônia<br />

- UNAMA. E-mail: thayanerplima@hotmail.com<br />

1<br />

Artigo elaborado sob orientação da profa. Iranete Corpes<br />

Oliveira França, Fisioterapeuta; docente do curso de<br />

Fisioterapia da Universidade da Amazônia - UNAMA.<br />

Mestranda em desenvolvimento e meio ambiente urbano.<br />

E-mail: iranetecorpes@oi.com.br<br />

67<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 67-74, jun. 2011


Em 1999, o Brasil assumiu o compromisso<br />

de eliminar a hanseníase até o ano de 2005,<br />

condição essa considerada alcançada quando o<br />

índice da doença objetivada apresenta-se menor<br />

que um doente a cada 10.000 habitantes.<br />

Contudo, ao final de 2005, o coeficiente de prevalência<br />

dessa patologia foi de 1,48 casos a cada<br />

10.000 habitantes. Identificando-se que as regiões<br />

portadoras dos maiores índices referentes a<br />

essa patologia são a região Norte, Nordeste e<br />

Centro-oeste, que concentram 53,5% dos casos<br />

detectados no país (BRASIL, 2008).<br />

2 OBJETIVO<br />

Identificar a etiologia da hanseníase, o<br />

quadro clínico o qual ela desencadeia e seus tratamentos.<br />

3 METODOLOGIA<br />

Este artigo foi realizado através de uma<br />

pesquisa de revisão bibliográfica na Biblioteca Central<br />

da Universidade da Amazônia (UNAMA), <strong>revista</strong>s<br />

científicas eletrônicas e periódicos, entre os dias<br />

13 e 22 de Abril de 2011. Para a realização de pesquisa<br />

eletrônica foram utilizados os descritores<br />

hanseníase, formas clínicas da hanseníase, classificação<br />

funcional dos portadores de hanseníase e<br />

atuação fisioterapêutica na hanseníase.<br />

4 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA<br />

4.1 DEFINIÇÃO<br />

A hanseníase é uma doença infecto-contagiosa,<br />

caracterizada por uma grande variabilidade<br />

em seu curso clínico e de evolução lenta.<br />

Ela é causada pelo bacilo álcool-ácido resistente<br />

Mycobacterium leprae. Sendo uma doença dermato-neurológica<br />

que acomete predominantemente<br />

os nervos periféricos, pele e mucosas,<br />

devido a uma predileção de seu bacilo causador,<br />

situação essa que favorece uma condição incapacitante<br />

quando a patologia atinge graus avançados,<br />

acometendo primordialmente os olhos,<br />

as mãos e os pés (CARVALHO; ALVAREZ, 2000;<br />

FERREIRA; ALVAREZ, 2005; GOULART et al., 2002a;<br />

MORENO et al., 2003).<br />

4.2 FORMAS CLÍNICAS<br />

Segundo a classificação de Ridley-Jopling,<br />

em 1962, a hanseníase pode ser classificada<br />

nas formas: indeterminada; tuberculóide; dimorfa,<br />

podendo está ser subdividida em dimorfa<br />

tuberculóide, dimorfa dimorfa e dimorfa virchowiana;<br />

virchowiana, com sub-divisão em virchowiana<br />

polar e virchowiana subpolar; hanseníase<br />

históide e eritema nodoso hanseníco<br />

(GUINTO et al., 1990).<br />

Na hanseníase indeterminada, as lesões<br />

cutâneas consistem em uma única mancha plana<br />

ou em um pequeno número de manchas, em geral<br />

levemente hipocrômicas ou levemente eritematosas,<br />

de forma aproximadamente arredondada<br />

ou oval. Essas lesões geralmente são notadas<br />

nas superfícies cutâneas expostas, apresentando<br />

uma perda mínima de sensibilidade nas regiões<br />

em que estão situadas (GUINTO et al., 1990).<br />

Na hanseníase tuberculóide, que é uma<br />

forma estável da patologia, as lesões são solitárias<br />

ou em pequeno número, de cor avermelhada ou<br />

hipocrômica, sendo ovaladas ou arredondadas, com<br />

uma demarcação circundante. As bordas podem<br />

ser levemente elevadas em torno de seu contorno<br />

ou em seus segmentos. A superfície das lesões é<br />

seca, podendo evidenciar-se uma perda de pelos<br />

nessas áreas com diminuição da sensibilidade ou<br />

anestesia evidente (GUINTO et al., 1990).<br />

A hanseníase dimorfa é uma forma instável<br />

da doença, em que as lesões cutâneas são<br />

uniformemente elevadas ou possuem uma mancha<br />

central. Elas podem ser poucas ou numerosas,<br />

com uma cor avermelhada ou acastanhada,<br />

possuindo uma superfície lisa e brilhante, que<br />

pode ser também seca, tendo uma localização frequentemente<br />

assimétrica (GUINTO et al., 1990).<br />

68<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 67-74, jun. 2011


Na forma clínica dimorfa tuberculóide os<br />

nervos cutâneos e periféricos podem apresentar<br />

um espessamento palpável. Na forma dimorfa<br />

dimorfa, além das lesões poderem se apresentar<br />

na forma arredondada ou ovalada, elas<br />

podem estar presentes na forma de faixas que<br />

se confundem com a pele normal circundante,<br />

com uma perda de sensibilidade não definida.<br />

Já na dimorfa virchowiana, as lesões cutâneas,<br />

que podem ser elevadas ou infiltradas, são multiformes<br />

e de tamanho variável, sendo numerosas<br />

e disseminadas, com uma distribuição bilateral,<br />

mas não simétrica (GUINTO et al., 1990).<br />

A hanseníase virchowiana polar possui<br />

lesões cutâneas disseminadas e simétricas, sob<br />

a forma de elevação difusa, com hiperpigmentação.<br />

Em seus estágios iniciais as partes afetadas<br />

são lisas e brilhantes, contudo, nos estágios<br />

avançados há a presença de nodulações e enrugações<br />

na pele, que podem evoluir para ulcerações.<br />

As deformidades geradas podem incluir a<br />

perda das sobrancelhas e a atrofia dos músculos<br />

das mãos e dos pés, repercutindo na forma de<br />

dedos em garra e contraturas musculares. O envolvimento<br />

nervoso nessa forma ocorre tardiamente,<br />

sendo bilateral e simétrico, o que gera<br />

um estado de anestesia (GUINTO et al., 1990).<br />

Verifica-se na hanseníase virchowiana<br />

subpolar características similares as encontradas<br />

na hanseníase virchowiana polar, contudo, podem<br />

ser detectadas algumas lesões dimorfas<br />

assimétricas residuais, com lesões nervosas assimétricas,<br />

além de as sobrancelhas poderem<br />

estar preservadas (GUINTO et al., 1990).<br />

A hanseníase históide é uma manifestação<br />

da hanseníase virchowiana, apresentandose<br />

de maneira recidiva, sendo caracterizada por<br />

nódulos na pele que se desenvolvem em áreas<br />

previamente não afetadas, podendo ocorrer em<br />

zonas pouco comuns na superfície corporal<br />

(GUINTO et al., 1990). O eritema nodoso hanseníco<br />

consiste em nódulos transitórios de palpação<br />

dolorosa e de vários tamanhos, eles podem<br />

sofrer ulcerações, e caso sejam múltiplos, podem<br />

aparecer em estágios de desenvolvimento<br />

diferentes em qualquer superfície da pele<br />

(GUINTO et al., 1990).<br />

4.3 MECANISMO DE TRANSMISSÃO<br />

O contágio da hanseníase ocorre através<br />

do contato direto com uma pessoa portadora do<br />

bacilo de Hansen, que não está fazendo o tratamento,<br />

quando ela elimina para o meio exterior<br />

o agente patogênico da doença através das vias<br />

aéreas superiores, durante a fala, espirro ou tosse.<br />

A partir disso, o desencadeamento da doença<br />

no hospedeiro é dependente da manifestação<br />

do bacilo em seu organismo, podendo ocorrer,<br />

até mesmo, após um longo período de incubação,<br />

que dura em média de dois a sete anos.<br />

Assim, a hanseníase é uma patologia de alta virulência<br />

em função das incapacidades geradas e<br />

baixa patogenicidade, o que representa o baixo<br />

grau de transmissão da doença (BRASIL, 2002).<br />

Verifica-se que ela atinge indistintamente<br />

todos os sexos, obtendo uma maior prevalência<br />

em homens, assim como, todas as idades,<br />

contudo, os registros da doença em pessoas com<br />

idade inferior a quinze anos são menos frequentes.<br />

Outros fatores relacionados à incidência da<br />

doença correspondem às baixas condições socioeconômicas<br />

da população, pois geralmente<br />

essa camada social convive em um mesmo espaço<br />

com um elevado número de pessoas, situação<br />

essa que favorece a transmissão da doença<br />

(BRASIL, 2002; HINRICHSEN, et al., 2004).<br />

Algumas pessoas, que são contagiadas,<br />

apresentam resistência ao bacilo da hanseníase,<br />

abrigando, dessa forma, um pequeno número<br />

desse agente, o que é insuficiente para<br />

infectar outras pessoas, correspondendo, desta<br />

feita, aos casos denominados de paucibacilares,<br />

onde as pessoas enquadradas neles podem<br />

curar-se espontaneamente. Já as pessoas<br />

que não apresentam resistência ao bacilo,<br />

possuem um número acentuado desse agente<br />

no organismo, o que favorece a transmissão<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 67-74, jun. 2011<br />

69


da patologia, esses casos recebem a denominação<br />

de multibacilares. Contudo, quando o<br />

tratamento é realizado de maneira correta, o<br />

portador deixa de ser um transmissor, pois as<br />

primeiras doses da medicação matam os bacilos<br />

(BRASIL, 2002).<br />

4.4 QUADRO CLÍNICO<br />

A hanseníase manifesta-se através de sinais<br />

e sintomas dermatológicos, como as lesões<br />

cutâneas com área central com diminuição ou perda<br />

da sensibilidade, e sinais e sintomas neurológicos,<br />

como a diminuição ou a ausência de sensibilidade<br />

nos dermátomos correspondente aos nervos<br />

periféricos acometidos, sendo que, quando eles<br />

não são tratados de maneira adequada, podem<br />

evoluir para a ocorrência de deformidades, devido<br />

à perda de sensibilidade nas regiões inervadas<br />

por esses nervos e pela perda de força muscular<br />

nos músculos também inervados por eles. Verifica-se,<br />

assim, que as lesões geradas pela hanseníase<br />

podem acometer qualquer região corporal, contudo,<br />

ocorrem com maior frequência nos olhos,<br />

nas mãos e nos pés (BRASIL, 2002).<br />

Na hanseníase considera-se o conceito de<br />

lesões primárias e lesões secundárias, sendo que,<br />

as lesões primárias são aquelas em que as lesões<br />

são diretamente atribuídas à ação do bacilo nos<br />

tecidos ou por processos inflamatórios, como por<br />

exemplo, as alterações neurais, já as lesões secundárias<br />

são aquelas em que as lesões são decorrentes<br />

da presença de anestesia do tegumento<br />

ou das alterações das paralisias motoras, como<br />

nos casos de úlcera plantar (BRASIL, 2001).<br />

Clinicamente, a hanseníase apresenta-se<br />

com uma neuropatia mista, por comprometer as<br />

fibras nervosas sensitivas, motoras e autonômicas,<br />

fato esse que pode ocasionar uma hipersensibilidade<br />

do nervo. Verificando-se que as estruturas<br />

nervosas mais acometidas são os nervos:<br />

facial, trigêmio, ulnar, mediano, radial, fibular<br />

comum e tibial posterior. Além disso, a sensibilidade<br />

do paciente apresenta-se alterada em sua<br />

forma térmica, dolorosa e tátil. Podendo ser acrescida<br />

uma dor intensa, edema e déficit motor. Contudo,<br />

em alguns portadores, as neurites podem<br />

não ser acompanhadas de quadro álgico e de hipersensibilidade<br />

do nervo, caracterizando a neurite<br />

silenciosa (BRASIL, 2001).<br />

Quando o ramo zigomático do nervo facial<br />

é atingido, ocorre uma alteração no piscamento<br />

em vários graus de intensidade, sendo<br />

que, na forma mais severa, há grande redução<br />

ou ausência do fechamento das pálpebras. Ocorre,<br />

dessa maneira, o chamado fenômeno de Bell,<br />

cujo paciente ao tentar fechar os olhos, possui o<br />

seu globo ocular girando para cima e para fora,<br />

escondendo a córnea e o faz crer que ele fechou<br />

os olhos. A deficiência no piscamento prejudica<br />

a formação do filme lacrimal e desidrata, conseqüentemente,<br />

as células do epitélio corneano<br />

(ARAÚJO, 2003; MORENO et al., 2003).<br />

Nos membros superiores, os principais<br />

nervos acometidos são o nervo ulnar, o nervo<br />

mediano e o nervo radial, o que gera tanto alterações<br />

sensitivas como motoras. Ao haver o acometimento<br />

do nervo ulnar, é desencadeada uma<br />

hiperextensão da articulação metacarpo-falangiana<br />

e flexão das falanges digitais do segundo<br />

ao quinto dedo, o que gera a chamada garra ulnar,<br />

devido à uma paralisia dos músculos interósseos<br />

e lumbricais (BRASIL, 2001).<br />

Já com a lesão do nervo mediano ocorre<br />

perda do movimento de oponência do polegar,<br />

devido à paralisia dos músculos abdutor curto<br />

do polegar, flexor curto do polegar e do oponente<br />

do polegar. O acometimento do nervo radial<br />

gera a chamada “mão caída”, em virtude de<br />

ele inervar a musculatura extensora dos punhos<br />

e dedos, o que declina funcionalmente a realização<br />

do movimento de extensão (BRASIL, 2001).<br />

Já nos membros inferiores, com o acometimento<br />

do nervo fibular comum, verificase<br />

um comprometimento na realização dos<br />

movimentos de dorsiflexão do pé e extensão<br />

dos dedos, devido a uma redução da inervação<br />

dos músculos desse segmento corporal, o<br />

70<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 67-74, jun. 2011


que culmina no posicionamento do pé em flexão<br />

plantar com uma acentuada rigidez, levando<br />

a uma deformidade conhecida como pé<br />

eqüino. Há ainda o comprometimento dos<br />

músculos eversores do tornozelo, podendo<br />

levar a uma deformidade denominada de pé<br />

equino-varo. Com o atingimento do nervo tibial<br />

posterior, os dedos do pé também podem<br />

atingir um posicionamento em garra, devido a<br />

um comprometimento da musculatura intrínseca<br />

do pé (BRASIL, 2001).<br />

Em relação à perda de sensibilidade, o<br />

paciente portador da hanseníase pode perder a<br />

capacidade de reação de proteção, fazendo com<br />

que ao sofrer uma queimadura, não retire o segmento<br />

corporal da exposição ao agente agressor,<br />

o que leva a formação de maiores traumas e<br />

lesões, além de dificultar, também, o processo<br />

de cicatrização (BRASIL, 2001).<br />

4.5 DIAGNÓSTICO<br />

O diagnóstico clínico da hanseníase é realizado<br />

através do exame físico do paciente, onde<br />

é feita uma avaliação dermatoneurológica, contudo,<br />

é necessária a realização de um diagnóstico<br />

diferencial, pois existem variadas doenças<br />

que apresentam sintomatologia semelhante à<br />

hanseníase, exigindo-se, portanto, um acentuado<br />

conhecimento a respeito das características<br />

da patologia em questão (ARAÚJO, 2003).<br />

Através da avaliação dermatológica pretende-se<br />

identificar as lesões de pele que apresentem<br />

alterações de sensibilidade, verificando-se<br />

para isso manchas, placas, infiltrações e<br />

nódulos, juntamente com o período de seu surgimento.<br />

Devendo-se realizar nessa coleta pesquisas<br />

de sensibilidade térmica, dolorosa e tátil,<br />

comparando-se a área sã com a área lesada.<br />

Esse exame permite diferenciar a hanseníase de<br />

doenças como a pitiríase Versicolor (pano branco)<br />

e o vitiligo que não alteram a sensibilidade<br />

de seu portador (BRASIL, 2001).<br />

Na avaliação neurológica são identificadas<br />

as neurites, incapacidades e deformidades,<br />

visando-se, ainda, a diferenciação de patologias<br />

como a síndrome do túnel do carpo e a neuropatia<br />

diabética, podendo, até mesmo, ser indicada<br />

a biópsia do nervo. É notório que no estágio inicial<br />

da patologia a hanseníase não apresenta um<br />

dano neural significativo, contudo, sem uma intervenção<br />

adequada, os danos gerados pelo<br />

comprometimento nervoso evoluem passando<br />

a ser evidente a perda da capacidade de suar, a<br />

perda de pelos e de sensibilidade, assim como,<br />

a fraqueza muscular (ARAÚJO, 2003).<br />

Devendo-se fazer a palpação dos troncos<br />

nervosos acessíveis e a avaliação funcional<br />

(sensitiva, motora e autonômica) daqueles mais<br />

freqüentemente comprometidos pela doença.<br />

Sendo, então, nos membros superiores o nervo<br />

mediano, o ulnar e o radial, e nos membros inferiores<br />

o tibial posterior e o fibular comum. Já<br />

para a identificação de neurite silenciosa, é requerido<br />

o teste de sensibilidade com os monofilamentos<br />

de Semmes-Weisntein, assim como<br />

a avaliação de força muscular das áreas inervadas<br />

pelos nervos já citados (ARAÚJO, 2003).<br />

Verifica-se ainda que como as grandes incapacidades<br />

desta patologia são geradas pelo<br />

comprometimento dos nervos periféricos, na avaliação<br />

deste paciente deve-se realizar a inspeção<br />

da face para a detecção de face leonina, madarose<br />

(ausência de pelos na sobrancelha), triquíase<br />

(implantação dos cílios na córnea) e ectrópio (desabamento<br />

da pálpebra inferior) (ARAÚJO, 2003).<br />

Através do exame laboratorial é realizada<br />

a baciloscopia, onde se observa o Mycobacterium<br />

leprae, a partir da realização de raspagens<br />

nas lesões, nas orelhas direita e esquerda<br />

e nos cotovelos direito e esquerdo. Contudo,<br />

embora esse exame apresente um resultado<br />

negativo, não deve ser descartada a presença da<br />

patologia, pois a baciloscopia mostra-se negativa<br />

nas formas tuberculóide e indeterminada,<br />

sendo, entretanto, positiva na forma virchowiana<br />

e demonstrando resultado variável na forma<br />

dimorfa (ARAÚJO, 2003).<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 67-74, jun. 2011<br />

71


Assim, a partir da identificação da hanseníase,<br />

passa-se a se classificar o estado de seu<br />

portador para melhores medidas de tratamento,<br />

levando-se em consideração a própria sintomatologia<br />

da doença, pois nos casos com até cinco<br />

lesões de pele, os paciente são classificados<br />

como paucibacilares, já nos casos com lesões<br />

superiores a cinco, os casos são classificados<br />

como multibacilares (BRASIL, 2002).<br />

maior é o comprometimento gerado pela doença<br />

(BRASIL, 2002).<br />

4.6 TRATAMENTO<br />

Em 1981, a Organização Mundial de Saúde<br />

(OMS), estabeleceu como tratamento padrão para<br />

todas as fases da hanseníase a poliquimioterapia<br />

(PQT), uma quimioterapia combinada com três<br />

Quadro 1<br />

Fonte: BRASIL, 2001.<br />

Outra classificação amplamente utilizada<br />

é a referente ao grau de incapacitação<br />

física gerado pela doença. Esta metodologia<br />

abrange o quadro atual das principais estruturas<br />

acometidas usualmente pela hanseníase,<br />

onde para cada estrutura há um grau de classificação<br />

que varia de 0 á 2. Terminada essa parte<br />

da avaliação, os índices obtidos nas três variáveis<br />

são somados e divididos por três para<br />

obter-se uma média dos valores encontrados,<br />

sendo que, quanto maior for a média obtida,<br />

drogas, sendo estas a rifampicina, a dapsona e a<br />

clofazimina. A rifampicina atua inibindo a síntese<br />

protéica bacteriana, contudo, apresenta efeitos<br />

colaterais como a hepatotoxidade, a psicose, a<br />

dispnéia e insuficiência renal. A dapsona age diminuindo<br />

ou bloqueando a síntese do ácido fólico<br />

bacteriano, entretanto, pode desencadear a<br />

gastrite e a cefaléia. Já a clofazimina interfere diretamente<br />

no DNA bacteriano, podendo desencadear<br />

a hiperpigmentação cutânea e a síndrome<br />

do intestino delgado (BRASIL, 2001).<br />

72<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 67-74, jun. 2011


A PQT, assim, mata o bacilo interrompendo<br />

a evolução da doença, o que previne as incapacidades<br />

e as deformidades causadas pela hanseníase,<br />

e evita a transmissão da doença para<br />

outras pessoas. Essa terapia medicamentosa é<br />

administrada de acordo com um esquema-padrão,<br />

e segundo a classificação operacional do<br />

doente, sendo esta a de Pauci ou Multibacilar.<br />

Para os pacientes classificados com hanseníase<br />

Paucibacilar o critério de alta consta de seis doses<br />

de PQT supervisionadas em até nove meses.<br />

Para os classificados com Multibacilar o critério<br />

corresponde a doze doses supervisionadas em<br />

até dezoito meses. Já no caso dos pacientes apresentarem<br />

intolerância a um dos medicamentos<br />

do esquema-padrão, é indicado um esquema<br />

alternativo com as drogas usualmente utilizadas<br />

(GOULART et al., 2002a).<br />

Observou-se, na percentagem de pacientes<br />

curados, que a efetividade do tratamento<br />

com a poliquimioterapia entre os casos paucibacilares<br />

e os multibacilares foi de 72% e 62%,<br />

respectivamente. Contudo, essa percentagem<br />

poderia ser mais elevada, caso não houvesse<br />

demasiados abandonos do tratamento. Esse<br />

abandono pode ser ocasionado em virtude dos<br />

efeitos colaterais gerados pelas medicações,<br />

verificando-se que essa situação pode levar ainda<br />

a adoção da monoterapia, o que aumenta a<br />

probabilidade de ocorrer uma resistência medicamentosa<br />

(GOULART et al., 2002a).<br />

Durante o tratamento quimioterápico deve<br />

haver a prevenção de incapacidades e de deformidades,<br />

assim como, a atuação junto a essas condições<br />

caso elas já estejam instaladas. Dessa forma,<br />

a fisioterapia assume papel fundamental no tratamento<br />

dos portadores dessa patologia, seja no tratamento<br />

das úlceras, que podem estar presentes,<br />

seja após a correção de deformidades como o pé o<br />

caído, ou mesmo na restauração do padrão funcional<br />

dos portadores de hanseníase (MARQUES;<br />

MOREIRA; ALMEIDA, 2003).<br />

Assim, entre as condutas fisioterapêuticas<br />

mais freqüentemente utilizadas estão: a<br />

massoterapia nas extremidades no sentido de<br />

proximal para distal, com a finalidade de favorecer<br />

a circulação nas mesmas; a cinesioterapia,<br />

para melhorar ou manter a função do segmento<br />

comprometido; a Estimulação Elétrica<br />

Funcional (FES), quando o dano neural não for<br />

completo, e as órteses de posicionamento para<br />

evitar o agravamento das incapacidades já instaladas<br />

(SILVA; AROCA, 2008).<br />

5 CONCLUSÃO<br />

Embora a hanseníase seja uma doença<br />

com cura comprovada, quando não são realizados,<br />

de maneira precoce, o diagnóstico e tratamento<br />

da mesma, ela pode evoluir com diferentes<br />

tipos e graus de incapacidades físicas<br />

(LAPA et al., 2006). Estimando-se que mais de<br />

25% dos pacientes registrados com hanseníase<br />

tenham algum tipo de incapacidade, sendo que,<br />

aproximadamente, a metade deles possua incapacidades<br />

graves (GOULART et al., 2002b).<br />

Assim, além das seqüelas que a doença<br />

pode acarretar, a hanseníase é caracterizada pelos<br />

conseqüentes transtornos emocionais e sociais<br />

aos quais submete tanto o doente, quanto<br />

a sua família, portanto, a hanseníase é, ainda<br />

hoje, um dos mais sérios problemas de saúde<br />

pública do Brasil (CARVALHO; ALVAREZ, 2000;<br />

LANA et al., 2000).<br />

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maio, 2008.<br />

74<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 67-74, jun. 2011


AUTONOMIA FUNCIONAL DE IDOSOS:<br />

REVISÃO DE LITERATURA 1 Thayssa Ferreira dos Santos *<br />

RESUMO<br />

O aumento da proporção de idosos na população brasileira traz à tona a respeito de eventos<br />

incapacitantes nessa faixa etária. A velhice tem sido associada à dependência e à perda do<br />

controle sobre a própria vida, tende a confirmar o envelhecimento como tempo de declínio e<br />

decadência. Assim a velhice tem sido pensada, quase sempre, como um processo degenerativo<br />

e nunca vista como um estudo para aumentar a autonomia desses idosos. Atualmente, a<br />

avaliação da aptidão física desperta grande interesse de profissionais da saúde, principalmente,<br />

devido ao fato de uma baixa aptidão física representar um fator de risco para algumas<br />

doenças crônico-degenerativas. Ao adotar um estilo de vida mais ativo, é notória a redução<br />

do número de mortes ocasionadas pelo sedentarismo. Assim, a inclusão da fisioterapia preventiva<br />

vem ganhando importância crescente na promoção da saúde do idoso.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Autonomia funcional. Idosos.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

O envelhecimento da população é um fenômeno<br />

mundial, um país para ser considerado<br />

envelhecido, segundo a Organização Mundial de<br />

Saúde, deve ter o contingente de idosos de sua<br />

população acima de 7%. A população idosa brasileira,<br />

segundo dados do Censo 2000, é de 8.9%<br />

(LOMBARDI; PARATI, 2000). O aumento da proporção<br />

de idosos na população brasileira traz à tona a<br />

respeito de eventos incapacitantes nessa faixa<br />

etária (YAFFE; BARNES; NEVITTI, 2001).<br />

O crescimento populacional é resultante<br />

de numerosos fatores que associadamente confluem<br />

e exercem um aumento sobre a expectativa<br />

de vida é insuficiente a menos que isto esteja<br />

associado a expectativa de vida ativa, saudável e<br />

funciona (ROSA; BENICIO; LATORRE, 2003).<br />

É sabido que, apesar de constituir um<br />

processo natural, a senescência não ocorre de<br />

forma homogênea. Cada pessoa é um ser único<br />

*<br />

Discente do quinto semestre do Curso de Fisioterapia e<br />

bolsista de Iniciação Científica com o projeto intitulado<br />

“Avaliação da influência de atividades terapêuticas na<br />

autonomia funcional de idosas”.<br />

1<br />

Artigo elaborado sob orientação da profa. Beatriz Araújo<br />

Cardoso, mestre da Universidade da Amazônia e orientadora<br />

do Projeto de Iniciação Científica.<br />

75<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 75-79, jun. 2011


que, ao longo da sua trajetória de vida, foi influenciado<br />

por eventos de natureza fisiológica<br />

de acordo com Stepieni, White e Wundke<br />

(2006), outros eventos são patológica, psicológica,<br />

social, cultural e econômica (MCMURDO;<br />

MILLAR; DALY, 2000), os quais podem<br />

atuar principalmente na velhice.<br />

Segundo Wooley e Luchian (2001), desde<br />

a antiguidade, a velhice tem sido associada à<br />

dependência e à perda do controle sobre a própria<br />

vida, tende a confirmar o envelhecimento<br />

como tempo de declínio e decadência. Assim a<br />

velhice tem sido pensada, quase sempre, como<br />

um processo degenerativo e nunca vista como<br />

um estudo para aumentar a autonomia desses<br />

idosos.<br />

O estudo da autonomia funcional em<br />

idosos é importante para entender como as pessoas<br />

vivem com o aumento da longevidade. Em<br />

países cujo processo de envelhecimento não é<br />

recente, há mais conhecimento sobre os<br />

padrões de capacidade funcional. No entanto,<br />

são poucos os estudos que envolvem esta questão<br />

(LIMA; BARRETO; GIATTI, 2003).<br />

Embora o conceito de capacidade funcional<br />

seja bastante complexo, abrangendo outros<br />

como os de deficiência, incapacidade, desvantagem,<br />

bem como os de autonomia e independência,<br />

na prática trabalha-se com o conceito<br />

de capacidade/incapacidades (PEREIRA; BUKS-<br />

MAN; PERRACINI, 2005.)<br />

A incapacidade funcional define-se pela<br />

presença de dificuldade no desempenho de certos<br />

gestos e de certas atividades da vida cotidiana<br />

ou mesmo pela impossibilidade de desempenhá-las<br />

(FLECK; KRAMER, 2006).<br />

Um destes fatores é a presença de afecções<br />

crônicas, que além do risco de vida, representam<br />

uma ameaça potencial à independência<br />

e à autonomia do idoso (PERRACINI; RAMOS,<br />

2002). Tem-se constatado que é muito fácil evitar<br />

mortes do que evitar a ocorrências de doenças<br />

crônicas e o desenvolvimento de incapacidades<br />

associadas ao envelhecimento. Quando<br />

ocorre comprometimento da capacidade funcional<br />

a ponto de impedir o cuidado da própria<br />

pessoa, a carga sobre a família e sobre o sistema<br />

de saúde pode ser muito grande (FLECK; KRA-<br />

MER, 2006).<br />

2 OBJETIVO<br />

Realizar uma revisão literaria atualizada<br />

sobre a autonomia funcional de idosos.<br />

3 MATERIAIS E MÉTODOS<br />

Este estudo constitui-se de uma revisão<br />

da literatura realizada entre janeiro de 2011 e<br />

abril de 2011, no qual realizou-se uma consulta<br />

em artigos científicos selecionados por meio de<br />

busca no banco de dados do Scielo e da Bireme,<br />

a partir das fontes Medline e Lilacs e em livros e<br />

periódicos presentes na Biblioteca da Universidade<br />

da Amazônia.<br />

4 REVISÃO DE LITERATURA<br />

4.1 ENVELHECIMENTO<br />

A população de idosos representa um<br />

contingente de quase 15 milhões de pessoas<br />

com 60 anos ou mais de idade (8,6% da população<br />

brasileira). As mulheres são maioria, 8,9 milhões<br />

(62,4%) dos idosos são responsáveis pelos<br />

domicílios e têm, em média, 69 anos de idade e<br />

3,4 anos de estudo.<br />

Ao longo do tempo vivido ocorre uma série<br />

de alterações que vai acontecendo no organismo.<br />

Este processo provoca mudanças nas funções<br />

e estrutura do corpo e o torna mais suscetível<br />

a uma série de fatores prejudiciais, estes podem<br />

ser tanto internos (falha imunológica, renovação<br />

celular comprometida, dentre outras) como<br />

externos (estresse ambiental) (MACIEL; GUERRA,<br />

2005). Para um individuo idoso a idade cronológica<br />

passa a ser de relevância muito menos do que<br />

no conceito de idade biológica funcional e assim<br />

76<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 75-79, jun. 2011


o idoso passa a sentir dificuldades de desenvolver<br />

as mesmas atividades que já estava acostumado<br />

a realizar (LIRA; FARINATTI; ARAUJO, 2002).<br />

A falta de independência com o decorrer da idade<br />

faz do idoso uma pessoa muitas vezes solitária<br />

e dependente (MACIEL; GUERRA, 2005).<br />

Um fator que deve ser mencionado é a<br />

questão da queda que é um problema significativo<br />

para muitos idosos (NITZ; HOURIGAN, 2001). A<br />

prevenção de quedas é um aspecto fulcral, de forma<br />

a promover a independência e qualidade de<br />

vida entre a população idosa, e minimizar os problemas<br />

que lhe estão associados. Neste contexto<br />

preventivo, a atividade física (o treino da força, em<br />

particular) é o principal meio para promover a saúde<br />

nos idosos, mostrando ser um instrumento efetivo<br />

na diminuição do risco de quedas entre esta<br />

população (VESNA; MALCONLM; SUSAN, 2001).<br />

O índice de idosos que já caíram é muito<br />

alto e isso só tende a aumentar (PEEL; BAKER;<br />

ROTH, 2005), pois cada vez mais os músculos de<br />

ação rápida (os dos membros que contém as fibras<br />

tipo II) diminuem a sua estabilidade e ação<br />

a um estímulo aumentando indiscutivelmente a<br />

total ou parcial dependência das pessoas próximas<br />

(MATSUDO; TURIBIO; ARAUJO, 2003).<br />

Nesse contexto, em fevereiro de 2006,<br />

foi publicado, por meio da Portaria nº. 399/GM,<br />

o documento das diretrizes do Pacto pela Saúde<br />

que contempla o Pacto pela Vida. Neste documento,<br />

a saúde do idoso aparece como uma das<br />

seis prioridades pactuadas entre as três esferas<br />

de governo, sendo apresentada uma série de<br />

ações que visam em última instância, à implementação<br />

de algumas das diretrizes da Política<br />

Nacional de Atenção à Saúde do Idoso.<br />

A publicação do Pacto pela Vida, particularmente<br />

no que diz respeito à saúde da população<br />

idosa, representa um avanço importante.<br />

Entretanto, muito há que se fazer para que<br />

o Sistema Único de Saúde dê respostas efetivas<br />

e eficazes às necessidades e demandas de<br />

saúde da população idosa brasileira.<br />

4.2 AUTONOMIAS DO IDOSO<br />

Quando ocorre comprometimento da<br />

capacidade funcional a ponto de impedir o cuidado<br />

de si, a carga sobre a família e sobre o sistema<br />

de saúde pode ser muito grande. Ajudando<br />

esse idoso a recuperar essa autonomia sobre<br />

si próprio, pode-se dizer que a qualidade de vida<br />

aumenta consideravelmente.<br />

Os fatores mais fortemente associados<br />

com as capacidades funcionais estão relacionados<br />

com a presença de algumas doenças,<br />

deficiências ou problemas médicos. Entretanto,<br />

observa-se, que a principal hipótese<br />

subjacente em alguns desses estudos é a de<br />

que a capacidade funcional é influenciada<br />

por fatores demográficos, socioeconômicos,<br />

culturais e psicossociais (CARVALHO; MAIA;<br />

ROCHA, 2006). Com isso nota-se a inclusão de<br />

comportamentos relacionados ao estilo de<br />

vida como fumar, beber, comer excessivamente,<br />

fazer exercícios, estresse psicossocial<br />

agudo ou crônico, ter senso de auto-eficácia<br />

e controle, manter relações sociais e de<br />

apoio como potenciais fatores explicativos da<br />

capacidade funcional. No nível pessoal, a autonomia<br />

é comprometida pela inabilidade<br />

resultando na depressão, isolamento e negação<br />

colocando o idoso em uma situação<br />

vulnerável a doenças pelo fato de seu envelhecimento<br />

biológico e/ou psicológico (FARI-<br />

NATTI; ARAUJO, 2003).<br />

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A autonomia funcional de idosas vem<br />

diminuindo de acordo com que a idade vai se<br />

elevando, pois as idosas passam a perder fibras<br />

musculares principalmente as do tipo II em que<br />

acomete principalmente dos membros inferiores<br />

e isso traz repercussões muitos sérias no<br />

decorrer da idade se não fizer nada para minimizar<br />

esse processo.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 75-79, jun. 2011<br />

77


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79


RESPONSABILIDADE SOCIAL:<br />

UM MEIO PARA SE CHEGAR À SUSTENTABILIDADE 1<br />

Ivanete da Silva Pantoja *<br />

RESUMO<br />

Este artigo apresenta a experiência obtida no estágio realizado na empresa Eletronorte 2 , mediada<br />

pelo programa “Clube da Boa Vizinhança: Uma vitrine do relacionamento entre empresa<br />

e sociedade” 3 . Tem como principais objetivos mostrar o quanto as práticas de Responsabilidade<br />

Social podem contribuir para o fortalecimento dos vínculos entre empresa e sociedade,<br />

bem como, configurar-se como um meio para se chegar à sustentabilidade. Os dados apresentados<br />

resultam da observação direta realizada com um grupo de mulheres e de crianças residentes<br />

em um bairro periférico de Belém. As atividades desenvolvidas com as mulheres estão<br />

voltadas para a realização de oficinas artesanais, palestras e rodas de conversa, com as crianças<br />

são realizadas atividades psicopedagógicas. Vale ressaltar que, estas ações são orientadas por<br />

um olhar multidisciplinar, originado no diálogo entre as Artes Visuais, Ciências Sociais, Pedagogia<br />

e Psicologia. E diante da perspectiva dessa interação, os resultados evidenciam que, as<br />

pessoas passam a confiar e dar credibilidade, às empresas que tem seus nomes associados a<br />

práticas de responsabilidade social, ou seja, aquelas comprometidas em promover o desenvolvimento<br />

sustentável.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Empresa. Responsabilidade Social. Sustentabilidade.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

O cenário de desigualdade social presente<br />

em nosso País evidencia a necessidade<br />

em promover o desenvolvimento humano e<br />

social. Geralmente, a causa dessa desigualdade<br />

é atribuída à falta ou ineficiência de políticas<br />

públicas que podem ser mais bem visualizadas<br />

diante da precariedade presente em áreas<br />

de exclusão. Desta forma, este modelo de<br />

“desenvolvimento industrial” vivenciado pela<br />

sociedade contemporânea tem contribuído<br />

gradativamente para a insustentabilidade da<br />

qualidade de vida das pessoas.<br />

Diante deste cenário as organizações<br />

objetivando adaptar-se a essa realidade, passam<br />

por mudanças que alteram sua visão empresarial,<br />

objetivos, estratégias de investimentos, de<br />

*<br />

Acadêmica do 9º semestre do curso de Psicologia da UNAMA;<br />

bolsista de Iniciação Científica e estagiária da IntegRHar<br />

Gestão Organizacional. E-mail: ivanetepantoja@hotmail.com<br />

1<br />

Artigo elaborado sob orientação da profa. Luzia Aquime, Pósgraduada<br />

em gestão de Recursos Humanos; ministrante da<br />

disciplina Estágio Supervisionado em Psicologia Organizacional<br />

e do Trabalho da Universidade da Amazônia – UNAMA<br />

2<br />

Empresa de distribuidora de energia do grupo Eletrobrás.<br />

3<br />

A elaboração do programa também contou com a<br />

participação dos estagiários: Allan Kardec (estudante do<br />

curso de artes visuais da UFPA), Simone Rici (estudante de<br />

Pedagogia da UFPA) e Maiara Lima (estudante do curso de<br />

ciências sociais da UFPA), sob coordenação de Virgínia Castro<br />

(psicóloga) e Lena Carolina (Administradora).<br />

81<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 81-87, jun. 2011


marketing, dentre outros, adequando assim, suas<br />

atividades ao conceito de desenvolvimento sustentável.<br />

Dentre estas atividades estão às práticas<br />

de responsabilidade social que comumente<br />

tem sido associada aos investimentos em projetos<br />

e programas sociais nem sempre duradouros<br />

por parte das empresas. Neste sentido, Félix<br />

(2003) faz as seguintes considerações:<br />

A responsabilidade social não se expressa<br />

como uma ação emergencial<br />

e pontual das empresas de ajuda<br />

social, mas sim, como uma perspectiva<br />

a longo prazo, de tomada de<br />

consciência das empresas no sentido<br />

de incorporarem em sua missão,<br />

em sua cultura e na mentalidade de<br />

seus dirigentes e colaboradores a<br />

busca do bem estar da população,<br />

por perceberem que o próprio desenvolvimento<br />

da organização depende<br />

da sociedade a qual pertencem e<br />

que, por sua vez, também é parte de<br />

cada um. (FELIX, 2003, p. 13).<br />

Diante desta afirmação, observa-se que,<br />

a conscientização por parte da maioria das empresas<br />

no que diz respeito ao real sentido da<br />

responsabilidade social ainda não ocorreu, pois<br />

as práticas realizadas por estas, geralmente estão<br />

direcionadas para ações pontuais que ainda<br />

que atendam de forma emergencial as demandas<br />

da sociedade, não passam de obrigações legais,<br />

conforme afirma Bueno & Cols (2002):<br />

É importante analisar a responsabilidade<br />

social empresarial verificando<br />

se os beneficiários da implantação<br />

dos programas sociais o são por<br />

direito ou por solidariedade das<br />

empresas. Se uma empresa cria um<br />

programa que oferece o que é de direito<br />

do público atingido, a empresa<br />

não estará sendo solidária, mas sim,<br />

justa. Oferecer empregos, não degradar<br />

o meio ambiente ou criar condições<br />

seguras de trabalho são ações<br />

sociais, porém configuram obrigações<br />

para as empresas e direitos<br />

para os públicos envolvidos. O que a<br />

empresa oferece além das suas obrigações<br />

é que pode ser considerado<br />

uma atuação social que a caracteriza<br />

como solidária (BUENO & COLS,<br />

2002, p.274).<br />

A partir das considerações do autor, as<br />

empresas para que possam ser visualizadas como<br />

solidárias devem agregar às suas práticas, ações<br />

que vão além de suas “obrigações”, mais que lhe<br />

permitam compreendê-las, como: “um conjunto<br />

de ações sociais empreendidas pelas organizações<br />

de maneira sistemática, envolvendo todos<br />

seus públicos, visando promover a melhoria<br />

da qualidade de vida e o bem comum” (RAMOS,<br />

1989, p.200). Dessa forma, caso haja impactos<br />

econômicos, sociais e ambientais, as ações devem<br />

ser consistentes e contínuas, atendendo a<br />

sociedade de forma integral e não somente por<br />

cumprimento de exigências legais.<br />

Ressalta-se que, as práticas e as gestões<br />

de responsabilidade social, necessitam ser alinhadas<br />

às diretrizes organizacionais, pois somente<br />

diante desta lógica será possível caminhar<br />

em direção ao processo de desenvolvimento<br />

sustentável.<br />

Para melhor compreensão das práticas<br />

de responsabilidade social, há de se considerar<br />

o significado de sustentabilidade, haja vista, suas<br />

diferenças e interligação. Nesse sentido De Lucca<br />

(2011) afirma que: “a responsabilidade social<br />

é uma gestão que a organização tem com seus<br />

públicos de interesse e sustentabilidade é resultante<br />

do desempenho, ou seja, a responsabilidade<br />

social é um meio para se chegar à sustentabilidade,<br />

é o como fazer “ 4 .<br />

Diante desta afirmação e na tentativa de<br />

adequar-se as exigências que demandam a realidade<br />

empresarial atual, algumas empresas passam<br />

a se preocupar com pessoas e meio onde estão<br />

inseridas, dentre elas destaca-se a Eletronorte.<br />

O compromisso da Eletronorte de levar<br />

energia e qualidade de vida para a Amazônia e<br />

4<br />

Ent<strong>revista</strong> de Dum de Lucca, Engenheiro PHD em inovação e<br />

sustentabilidade, retirada da Revista Melhor gestão de<br />

pessoas, ano, nº 280, p.48<br />

82<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 81-87, jun. 2011


para o Brasil passa a ser mantido com grande responsabilidade<br />

e ênfase nos aspectos éticos, sociais<br />

e ambientais. Tendo como referência programas<br />

e projetos sociais direcionados à melhoria<br />

da qualidade de vida e ao desenvolvimento<br />

sustentável de comunidades e regiões onde a<br />

Empresa atua.<br />

Um dos programas desenvolvidos é o “clube<br />

da boa vizinhança” que atende as demandas<br />

das comunidades do entorno da empresa, uma<br />

vez que esta se encontra localizada em um bairro<br />

marcado por um cenário de exclusão social.<br />

2 CONTEXTUALIZAÇAO DO CENÁRIO DE EXCLUSÃO<br />

A Eletronorte (Centrais Elétricas do Norte<br />

do Brasil S/A) está situada no bairro da Terra<br />

Firme, área periférica da cidade de Belém. Caracterizada<br />

pela precariedade dos serviços públicos,<br />

a maioria das pessoas acaba reagindo diante<br />

das dificuldades por meio da criminalidade,<br />

prostituição, envolvimento com drogas dentre<br />

outros, resultando no alto índice de violência.<br />

Composta por uma população possuidora<br />

de um capital cultural que não corresponde às<br />

expectativas das necessidades urbanas e se quer<br />

garante sua inserção no mercado de trabalho, o<br />

bairro assume a representação de uma tipologia<br />

favela, conforme afirma Rodrigues:<br />

O bairro da Terra Firme foi estruturado<br />

em sítio predominantemente alagável,<br />

ou seja, em área de baixada, a<br />

partir de uma extensa área institucional<br />

até hoje formalmente pertencente<br />

a Universidade Federal do Pará,<br />

dentro da 1ª légua patrimonial. Sua<br />

população em 1991 era de 59.231 habitantes,<br />

representando 4,5% da população<br />

do setor urbano. Não há duvidas<br />

que áreas de tipologia favela<br />

em baixadas estejam perfeitamente<br />

representadas pelo bairro (RODRI-<br />

GUES apud COUTO, 1996, p. 236).<br />

Diante deste contexto, torna-se necessário<br />

a implantação de programas e projetos sociais<br />

consistentes e duradouros que atendam as<br />

especificidades dos moradores desse bairro.<br />

Dentre esses programas, destaca-se o “Clube da<br />

Boa Vizinhança”, programa de Responsabilidade<br />

Social mantido pela Eletronorte.<br />

3 AS EXPERIÊNCIAS DO “CLUBE DA BOA VIZI-<br />

NHANÇA”<br />

Inicialmente o contato com os moradores<br />

do bairro da Terra Firme se deu por meio<br />

de ações de conscientização ambiental para<br />

os moradores do entorno da Eletronorte, objetivando<br />

minimizar a proliferação do acúmulo<br />

de lixo da área. Até então, as palestras eram<br />

coordenadas pela área de Meio ambiente com<br />

o apoio da área de Responsabilidade Social.<br />

Diante dos interesses dos moradores em frequentar<br />

tais atividades, os integrantes da área<br />

de Responsabilidade Social, refletiram acerca<br />

da possibilidade da elaboração do “clube da<br />

boa vizinhança”, que além de comtemplar<br />

esse público já participante, estenderia suas<br />

atividades de forma a atingir outras temáticas,<br />

assim como, outro público alvo, uma vez<br />

que nas palestras de conscientização a demanda<br />

eram de adultos.<br />

Desta forma, visando a fortalecer o vínculo<br />

entre empresa e comunidade, o clube inicia<br />

suas ações estrategicamente em Julho de 2010<br />

no período das férias escolares com a realização<br />

de uma colônia de férias direcionando suas atividades<br />

para crianças moradoras do bairro, dando<br />

origem posteriormente ao “Clube das crianças”.<br />

A convivência com as crianças diante das<br />

atividades nos mostrou a necessidade em trabalhar<br />

a família, e para representar esta instituição<br />

escolhemos a figura da mãe para realizarmos<br />

um trabalho paralelo, possibilitando posteriormente<br />

o surgimento do “clube de mães”,<br />

ou seja, por meio das crianças chegamos ao contato<br />

de suas mães.<br />

As atividades do “clube de mães” aconteciam<br />

em dias e horários diferentes das atividades<br />

do “clube das crianças” conforme descrito<br />

a seguir:<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 81-87, jun. 2011<br />

83


4 DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES: A MULTIDISCIPLI-<br />

NARIEDADE NO PROCESSO DE INTERVENÇÃO<br />

As atividades realizadas pelo clube originam-se<br />

do diálogo entre as áreas de Artes Visuais,<br />

Ciências Sociais, Pedagogia e Psicologia.<br />

Apesar das ações envolverem participantes de<br />

faixa etária diferentes utilizou-se a mesma modalidade<br />

de intervenção para todos, sendo esta,<br />

a observação direta. Vale ressaltar, que as atividades<br />

também são realizadas tendo como foco<br />

os objetivos do milênio 5 , atendendo a três dos<br />

oito objetivos instituídos pela ONU.<br />

No clube das crianças as atividades socioeducativas<br />

e/ou psicopedagógicas, assim<br />

como, as oficinas de materiais recicláveis atendem<br />

ao segundo e sétimo objetivo do milênio<br />

sendo estes respectivamente: Educação básica<br />

de qualidade para todos e qualidade de vida e<br />

meio ambiente.<br />

Já o clube de mães que visa ao empoderamento<br />

6 da mulher, promovendo a autoestima<br />

através da arte, atende ao terceiro objetivo que<br />

presa pela igualdade entre os sexos e a valorização<br />

da mulher.<br />

Para que as ações possam ser realizadas a<br />

área de responsabilidade social conta com a parceria<br />

do voluntariado corporativo, cujos colaboradores<br />

da empresa fazem doações e dispõem<br />

seus serviços dentro de suas especificidades, fazendo<br />

com que estas ações passem a representar<br />

um elo de solidariedade advindo destes.<br />

Atualmente, o projeto em sua totalidade,<br />

é composto por três ações: 1) Clube das crianças,<br />

2) o Clube de mães e a 3) Mostra de Artes<br />

Recortes urbanos.<br />

5<br />

Em 2000, a ONU – Organização das Nações Unidas, ao analisar<br />

os maiores problemas mundiais, estabeleceu 8 Objetivos<br />

do Milênio – ODM, que no Brasil são chamados de 8 Jeitos de<br />

Mudar o Mundo.<br />

6<br />

Para Paulo Freire a pessoa, grupo ou instituição empoderada<br />

é aquela que realiza por si mesma, as mudanças e ações que<br />

a levem a evoluir e se fortalecer. (FREIRE apud VALOURA 2008).<br />

4.1 “CLUBE DAS CRIANÇAS”<br />

Este clube por meio de atividades psicopedagógicas<br />

propicia um espaço socioeducativo para<br />

crianças de 7 a 11 anos. O objetivo seria estimular a<br />

cidadania, consciência ambiental, estímulo à leitura<br />

etc. Vale ressaltar que as atividades são coordenadas<br />

pela estagiária de pedagogia. Os materiais utilizados<br />

nas atividades variam dependendo da temática a ser<br />

desenvolvida, sendo que os mais recorrentes são;<br />

<strong>revista</strong>s e jornais para recortes, tintas para pinturas,<br />

material reciclável como garrafa pet dentre outros.<br />

Os encontros ocorrem duas vezes ao mês no turno da<br />

tarde na sala de atividades psicopedagógicas, localizada<br />

no bloco C e eventualmente na área de Lazer do<br />

EPA, conforme mostra a figura 1.<br />

Figura 1: Atividades psicopedagógicas<br />

Fonte: Do autor<br />

4.2 “CLUBE DE MÃES”<br />

O “Clube de Mães” que visa a proporcionar<br />

o empoderamento ao grupo de mulheres,<br />

tem como público alvo, as mães das crianças participantes<br />

do programa. Suas ações se dividem<br />

em três, sendo: o curso de pintura em tecido,<br />

que além de proporcionar autoestima através<br />

da arte, configura-se como fonte de geração de<br />

renda, as palestras e as rodas de conversa.<br />

84<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 81-87, jun. 2011


O curso de pintura em tecido é coordenado<br />

pelo estagiário do curso de Artes, as palestras<br />

que abordam temas relacionados à cidadania,<br />

saúde, direitos humanos e Meio ambiente<br />

são ministradas pelos colaboradores voluntários<br />

e estagiários da empresa de acordo com suas<br />

áreas de atuação, já as rodas de conversas que<br />

consiste em proporcionar um espaço de acolhimento<br />

psicológico por meio da escuta, é coordenado<br />

pela estagiária do curso de psicologia.<br />

Vale ressaltar que, o trabalho da Psicologia não<br />

se resume a esse dia específico, pois, permeia<br />

todas as atividades do clube.<br />

Os encontros ocorrem duas vezes na semana,<br />

especificamente as quartas e quintas feiras,<br />

nos horários de 9h as 11h30 na sala de atividades<br />

psicopedagógicas localizada no BL C, conforme<br />

mostram as figuras 2 e 3.<br />

4.3 MOSTRA DE ARTES RECORTES URBANOS<br />

A Mostra de Arte “Recortes Urbanos” é uma<br />

ação que visa a estimular as crianças a refletir sobre<br />

as peculiaridades de seus ambientes de convívio<br />

por meio da prática artística. A ação tem como<br />

público alvo as crianças do bairro da Terra Firme,do<br />

bairro Curió Utinga e as crianças que participam do<br />

projeto “Pontearte” executado pelo Museu de<br />

Artes de Belém. Para o desenvolvimento da ação,<br />

o estagiário de artes visuais ministra oficinas de<br />

desenho e pintura às crianças das respectivas comunidades<br />

como estímulo à criatividade dos mesmos<br />

conforme mostra a figura 4.<br />

Figura 4: Oficina de desenho e pintura<br />

Figura 2: Rodas de conversas<br />

Fonte: Do autor<br />

Fonte: Do autor<br />

Figura 3: Curso de pintura em tecido<br />

Desta forma, as ações descritas anteriormente<br />

realizadas pela Eletronorte, apresentamse<br />

como um ideal do que seria de fato a prática<br />

de uma empresa socialmente responsável. Considerando<br />

que esta experiência tem nos conduzido<br />

a resultados sustentáveis conforme observados<br />

no cotidiano do programa, podemos dizer<br />

que essa iniciativa deu certo.<br />

5 A INICIATIVA QUE DEU CERTO<br />

Fonte: Do autor<br />

Ainda que os resultados do programa sejam<br />

processuais, uma vez que implicam diretamen-<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 81-87, jun. 2011<br />

85


te na mudança de comportamento das pessoas,<br />

no cotidiano do projeto de agosto até os dias atuais<br />

puderam ser observados algumas mudanças:<br />

Considerando que o clube da boa vizinhança<br />

originou de uma proposta de conscientização<br />

ambiental com os moradores, foi iniciada<br />

uma campanha de coleta seletiva, objetivando<br />

a redução do lixo local, onde os moradores passaram<br />

a deixar seus resíduos sólidos nos containers<br />

7 da empresa para que posteriormente pudessem<br />

ser direcionados a instituições que trabalham<br />

com reciclagem, reutilização e redução<br />

de lixo. No sentido de reforçar essa prática foram<br />

trabalhadas com as crianças oficinas utilizando<br />

materiais recicláveis.<br />

Mudanças no comportamento das crianças<br />

também puderam ser constatadas. Inicialmente<br />

tanto as crianças quanto os pais achavam<br />

que as atividades trabalhadas de maneira lúdica<br />

eram voltadas apenas para o lazer. Após um tempo<br />

compreenderam que estas, visavam algo<br />

além, como a formação de cidadania.<br />

Observa-se que, quando as crianças chegaram<br />

ao programa eram bastante irreverentes,<br />

era como se não soubessem brincar, hoje,<br />

estas estão descobrindo nesse espaço formas<br />

diversas de direcionar suas energias para atividades<br />

construtivas. Esse fato pode ser visualizado<br />

tanto diante da observação do comportamento<br />

das crianças, como na fala das mães, conforme<br />

descrita a seguir:<br />

Minha filha tá gostando muito de vim pra<br />

cá, ela diz que tá aprendendo muita coisa<br />

legal, se ela não tivesse vindo era pra tá<br />

pela rua que nem essas outras que agente<br />

vê por aí, ainda mais que ela ta cheio de<br />

problemas depois que o pai abandonou<br />

agente ai é bom porque aqui ela se distrai.<br />

A Maria (nome fictício) conta os dias para<br />

vim pra cá ela pregou o calendário de<br />

atividades que vocês deram na porta da<br />

geladeira aí fica olhando e perguntando<br />

se é dia (diz descontraída).<br />

7<br />

Coletor de Lixo para coleta seletiva e reciclagem.<br />

Com relação ao clube de mães; quando<br />

chegaram ao programa mantinham-se<br />

pouco participativas, não tomavam iniciativas<br />

e nem davam opiniões, atualmente observa-se<br />

que devido ao espaço de integração,<br />

discussão, formação de consciência crítica<br />

e escuta, elas demonstram-se com mais<br />

autonomia. Se antes nas palestras só escutavam,<br />

hoje participam, dão suas opiniões,<br />

sugerem, se antes esperavam que o oficineiro<br />

arrumasse os materiais para iniciar o<br />

curso, hoje elas colaboram.<br />

Observa-se no grupo o prazer em participar,<br />

em querer ver o resultado de seus produtos<br />

(pintura tecido) que muitas delas nem<br />

sabiam que eram capazes de desenvolver.<br />

Essa afirmação pode ser melhor evidenciada<br />

na fala de uma das participantes:<br />

Quando eu vim no primeiro dia e vi o que<br />

o professor ensinou pensei que nunca ia<br />

saber fazer, eu não queria nem vim mais,<br />

mais depois que vi que eu tava conseguindo<br />

ai mudei de ideia, to melhorando<br />

né professor?(diz descontraída).<br />

Segundo re<strong>lato</strong>s das participantes elas<br />

comentam em suas casas tudo o que aprendem<br />

na Eletronorte, e dizem que os maridos apoiam,<br />

um re<strong>lato</strong> interessante foi a de uma senhora que<br />

diz ter ligado para a filha que mora em Brasília<br />

para contar sobre as coisas que estava aprendendo.<br />

Segundo ela, a filha apoiou e disse está feliz<br />

pela iniciativa da empresa, ou seja,<br />

percebemos que os benefícios não são<br />

apenas para as mulheres que participam diretamente<br />

do programa, pois, acabam sendo estendidas<br />

para outros âmbitos relacionais, passando<br />

a beneficiar indiretamente este segundo<br />

grupo (família, vizinhos etc.).<br />

Além destes, outros resultados positivos<br />

foram visualizados, a exemplo: devido à divulgação<br />

das ações pela estagiária de ciências sociais para o<br />

público interno, houve o aumento de pessoas compondo<br />

o cadastro de voluntariado, após seis meses<br />

de atuação, o programa teve suas atividades repli-<br />

86<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 81-87, jun. 2011


cadas para outra substação da Eletrotorne (Miramar),<br />

este também ao ser apresentado no evento: XII Painel<br />

dos Estagiários de 2010 alcançou premiação (1º<br />

lugar) na categoria administrativa. Estes fatos têm<br />

mostrado a seriedade e a eficiência do programa.<br />

6 CONCLUSÃO<br />

A experiência obtida mostrou que, ser<br />

socialmente responsável requer atender as<br />

expectativas sociais, com transparência, mantendo<br />

a coerência entre o discurso e a prática.<br />

Pois, a conduta e decisões de uma empresa<br />

no cotidiano são resultados de seus valores e<br />

princípios. “O Clube da Boa Vizinhança” é uma<br />

bela representação desses valores, uma vez<br />

que, ao contribuir com o processo de desenvolvimento<br />

sustentável, configura-se como<br />

uma vitrine do relacionamento entre empresa<br />

e sociedade.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BUENO, E. L.; SERPA, P. T.; SENA, R. B.; OLIVEIRA, R. J.<br />

B. & SOEIRO, S. A responsabilidade social e o papel<br />

da comunicação. Em responsabilidade social das<br />

empresas: a contribuição das universidades. São<br />

Paulo/Petópolis: Instituto Ethos, 2002. p.273-302.<br />

Félix, L. F. F. O ciclo virtuoso do desenvolvimento<br />

responsável. Em responsabilidade social das empresas:<br />

a contribuição das universidades. São Paulo/Petrópolis:<br />

Instituto Ethos, v. 2, p. 13-42, 2003.<br />

LUCCA, De. Nova norma responsável. Revista Melhor<br />

Gestão de Pessoas, São Paulo, n. 280, p. 48, 2011.<br />

RAMOS, A. A nova ciência das organizações. Rio<br />

de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1989.<br />

RODRIGUES, E. Aventura urbana: urbanização,<br />

trabalho e meio ambiente em Belém. Belém<br />

NAEA/ UFPA. 1996.<br />

VALOURA, L. de C. Paulo Freire. O educador brasileiro<br />

autor do termo empoderamento, em seu<br />

sentido transformador. Disponível em: http//<br />

www.fatorbrasis.org/ arquivos/Paulo_Freire.<br />

Acesso em : 5 set. 2010.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 81-87, jun. 2011<br />

87


88 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 2, p. 55-68, nov. 2010


DISCURSOS MUNICIPALIZANTES:<br />

PENSANDO A GESTÃO DO ENSINO NO ESTADO DO PARÁ 1<br />

Herbert Tadeu Pereira de Matos Junior *<br />

RESUMO<br />

Esta pesquisa estrutura conhecimento sobre o processo de descentralização do ensino público<br />

brasileiro que edifica a relação entre escolas e comunidades na gestão da educação pública em<br />

nível básico. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu os municípios como entes federativos<br />

autônomos na questão da formulação e da gestão da política educacional de nível fundamental<br />

- Sistema Municipal de Ensino. A Municipalização do ensino tem na autogestão da educação,<br />

considerando a articulação das áreas sociais de ensino (escola), saúde, previdência social e<br />

serviços básicos a intenção de atuar no educando em sua totalidade, encarando-o como individuo<br />

em suas interações sociais, para quem a educação propicia mudanças no todo.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Educação. Municipalização. Gestão. Comunidades.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Nas ultimas décadas pode ser observado<br />

um movimento de proporções mundiais relacionado<br />

aos sistemas de políticas públicas,<br />

tendo como similaridade o aspecto da necessidade<br />

de um redirecionamento na oferta dos<br />

serviços públicos à população. Objetivando<br />

melhorias ligadas à qualidade de serviço, os<br />

governos buscam estruturar de maneira mais<br />

dinâmica a inter-relação entre o cidadão e as<br />

instituições públicas. O trabalho aqui exposto<br />

debruça-se diante do planejamento educacional<br />

baseado na política de descentralização de<br />

ensino, mais restritamente ao caso nacional e<br />

regional (Brasil – Pará) de descentralização do<br />

ensino escolar público.<br />

Os preceitos de descentralização da administração<br />

escolar pública estão presentes já<br />

nos ideais e disposições constitucionais referentes<br />

a um regime de mutua cooperação para a<br />

promoção do ensino público brasileiro, este trabalho<br />

busca relação entre uma determinada parte<br />

desta cooperação, comunidade e escola, as-<br />

*<br />

Acadêmico do curso de Psicologia, 7° semestre; bolsista do<br />

programa de Iniciação Científica 2011. Domiciliado na<br />

Tv.Benjamin Constant n.990, apto.204. Telefone:32301366<br />

ou 32232646, email: herbert_matos@hotmail.com.<br />

1<br />

Artigo elaborado sob orientação da profa. Ms. Alyne Alvarez<br />

Silva, docente do curso de Psicologia da Universidade da<br />

Amazônia - UNAMA.<br />

89<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 89-95, jun. 2011


sim, o caminho percorrido terá como destino o<br />

Conselho Escolar (Artigo 14, da Lei 9.394/1996,<br />

que dispõe sobre a Lei de Diretrizes e Bases da<br />

Educação Nacional), o qual proporciona maior<br />

interação entre a comunidade e escola, através<br />

de mecanismos de gestão coletiva, atribuições<br />

de gerenciamento e pedagógicas, tendo como<br />

finalidade adequar os conteúdos ministrados a<br />

comunidade envolvida neste.<br />

Tal perspectiva, em última análise, demonstra<br />

a construção de subjetividades no espaço<br />

escolar como maneira de propiciar uma<br />

educação crítica aos estudantes, ao passo em<br />

que, o conhecimento da comunidade sobre os<br />

cotidianos e necessidades destes proporciona a<br />

criação de modos próprios para intervir sobre a<br />

qualidade técnica e pedagógica educacional,<br />

suprindo as demandas singulares.<br />

A educação aqui pensada pelas égides da<br />

promoção de integração do sujeito ao social é<br />

responsável pelo aumento da produtividade e<br />

do consumo, instrumento para o desenvolvimento<br />

das Nações (BORGES. 2004).<br />

O crédito da gênese do ideal de descentralização<br />

política e administrativa na educação<br />

brasileira está ligado aos modelos de gestão de<br />

ensino público utilizado nos E.U.A.<br />

No caso do Brasil como já observado,<br />

a luta pela descentralização da<br />

administração educacional e pelo<br />

empoderamento da comunidade escolar<br />

se confundiu ao menos no inicio<br />

com o processo de redemocratização<br />

do país, e com a crítica ao Estado<br />

autoritário e seu modelo de<br />

gestão das políticas sociais. Assim<br />

como nos EUA, a existência de um<br />

sistema federal em que Estados e<br />

municípios detêm poder significativo<br />

sobre a administração de suas<br />

redes educacionais favoreceu a fragmentação<br />

das políticas descentralizadoras.<br />

Ademais, de meados dos<br />

anos 80 até o inicio do governo Fernando<br />

Henrique Cardoso (1994-2002),<br />

o governo federal não se empenhou<br />

de forma consistente na promoção<br />

de reformas descentralizadas de<br />

gestão estadual e municipal ou no<br />

repasse de recursos e atribuições<br />

para as demais unidades federadas<br />

(ALMEIDA, 1995, p.84).<br />

A reforma descentralizadora atua como<br />

solução para os entraves da burocracia estatal e<br />

eficiência de serviço; é o contraposto do regime<br />

burocrático de ensino público, caráter compartilhado<br />

como primeiro momento da estrutura educacional<br />

dos países supracitados. Na intenção de<br />

articular políticas de educação e de desenvolvimento,<br />

a descentralização constrói uma gestão<br />

colegiada, baseada na mutua cooperação, pensando<br />

o planejamento educacional de ensino<br />

público a partir de seus atores sociais, e de sua<br />

relação com a demanda da população. As prevalências<br />

nacionais históricas de índices não satisfatórios<br />

da educação relatam o descaso que separou<br />

uma década entre a Constituição e a LDB –<br />

Lei de Diretrizes e Bases da Educação. “Assim, a<br />

introdução de formas inovadoras de administração<br />

dependeu, a principio, dos governos estaduais<br />

e municipais, variando muito em termos de<br />

natureza, ritmo e intensidade” (BORGES, 2004).<br />

Segundo o relatório do SINTEPP (1997), objetivase<br />

a reforma do planejamento educacional do<br />

ensino público, tendo em vista a problematização<br />

do centralismo, como exposto a seguir:<br />

O insucesso da articulação constatado<br />

nos resultados das políticas<br />

educativas conduziu, dentre outras<br />

conclusões, debitar-se o fracasso ao<br />

centralismo, com suas implicações<br />

de “burocratismo” e rigidez administrativa.<br />

Ou seja, os maus resultados<br />

da educação – com repercussões negativas<br />

no desenvolvimento – deveuse<br />

à forma centralizada de planejamento<br />

e implementação de políticas<br />

educacionais (SINTEPP, 1997, p.4).<br />

A descentralização do ensino público<br />

visa levar a gestão do ensino para gerencia da<br />

comunidade a quem o serviço é prestado, vista<br />

como principal interessada em seu funcionamento.<br />

Através da participação da comunidade<br />

90<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 89-95, jun. 2011


tem-se o objetivo de promover o empoderamento<br />

social, ideal e sinônimo de integração do sujeito;<br />

de progresso e eficiência de serviço, qualidades<br />

ligada à atuação dos sujeitos no social.<br />

2 PROBLEMATIZANDO OS CONCEITOS DE GESTÃO<br />

O conceito de centralização está relacionado<br />

ao poder decisório exercido por uma única<br />

esfera da organização, relegando assim as demais<br />

estruturas apenas o papel de executar as<br />

políticas e decisões tomadas nas esferas superiores.<br />

No sentido contrario, uma organização é<br />

descentralizada quando o processo de gestão e<br />

gerencia da instituição é compartilhado por seus<br />

diversos níveis de atuação. Os termos utilizados<br />

para designar esta atuação podem variar: descentralização;<br />

“empowerment”, contudo, seus<br />

significados estão intimamente ligados à gestão<br />

coletiva nas instituições.<br />

O conceito de empoderamento vem<br />

associado na literatura à criação de<br />

estruturas independentes e autogeridas.<br />

De modo geral, o termo pode<br />

ser definido como a capacidade de<br />

determinado grupo ou individuo controlar<br />

seu próprio ambiente, envolvendo<br />

não apenas o acesso a recursos<br />

materiais e controle sobre as<br />

decisões relevantes, mas também<br />

em disposição psicológica compatível<br />

com o autogoverno (HANDLER,<br />

1996, apud BORGES, 2004, p. 83).<br />

Deste modo, a descentralização atua como<br />

forma de combate à burocracia no Estado: abertura<br />

de novas formas de inserção da comunidade e<br />

maior controle da população sobre os gastos. Contudo<br />

o conceito de descentralização é relativo a<br />

uma gestão participativa, onde os envolvidos através<br />

de uma relação de gestão compartilhada atuam<br />

de maneira conjunta. Tal conceito está sujeito<br />

e pode adaptar-se a novas utilidades.<br />

O empoderamento vem associado à<br />

descentralização política, na medida<br />

em que esta envolve a transferência<br />

de poder decisório a grupos<br />

ou indivíduos previamente sub-representados<br />

ou desfavorecidos e a<br />

criação de unidades administrativas<br />

relativamente independentes. A descentralização<br />

em caráter administrativo,<br />

em contraste, é mais limitada,<br />

pois tende a levar apenas à descentralização<br />

dentro das estruturas burocráticas<br />

existentes (por exemplo,<br />

com a transferência de tarefas administrativas<br />

do Ministério da Educação<br />

para as escolas), não levando<br />

ao empoderamento dos grupos previamente<br />

excluídos do processo decisório<br />

(SAMOFF, 1990; SUNDAR, 2001,<br />

apud BORGES, 2004, p.79).<br />

Assim, municipalização, relativa à descentralização<br />

do sistema público de serviços,<br />

converge como ponto de identificação entre os<br />

diversos setores ideológicos de administração<br />

pública, sendo vista como responsável por angariar<br />

aceites sobre diferentes ideologia 2 de<br />

atuação e estrutura de gestão educacional, sobe<br />

as quais nos fala Borges (2004, p. 78):<br />

Na medida em que a descentralização<br />

e o “empoderamento” (empowerment)<br />

da comunidade escolar<br />

têm sido advogados por grupos de<br />

variados matizes ideológicos, indo<br />

da direita neoconservadora à esquerda<br />

socialista e social-democrata,<br />

os argumentos em torno destas<br />

propostas têm sido com freqüências<br />

díspares. Entretanto, em que pesem<br />

as divergências ideológicas entre os<br />

defensores das reformas descentralizantes,<br />

é possível identificar um<br />

claro ponto de convergência. Tratase<br />

da crença de que é necessário desestatizar<br />

a escola pública e submetê-la<br />

ao controle da comunidade,<br />

reduzindo, inversamente, o poder<br />

dos vários agentes do Estado - políticos,<br />

administradores e professores<br />

- sobre a instituição educacional.<br />

2<br />

De fato, tanto as perspectivas de esquerda quanto de direita<br />

parecem apostar na “libertação” da sociedade civil das<br />

amarras estatais (BECKMAN, 1993) como o remédio mais<br />

adequado para os males do centralismo burocrático.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 89-95, jun. 2011<br />

91


A tese de municipalização é um movimento<br />

que ganhou expressão nacional no Brasil<br />

da década de 80, a partir da IV Conferência<br />

Brasileira de Educação em Goiânia (1986). Na<br />

ocasião, a municipalização do ensino surgiu<br />

como um caminho em direção à solução dos<br />

entraves educacionais brasileiros, quando designou<br />

aos municípios à função de eixo decisivo<br />

sobre o ensino ministrado, garantindo a<br />

qualidade e eficácia através da participação<br />

popular e, assim, atendendo às necessidades<br />

e relativas demandas dos sujeitos educacionais.<br />

Nesse sentido, propõe-se, através daquilo<br />

que se convencionou chamar de “processo<br />

de municipalização” no Brasil, que a escola<br />

pública precisa ser entregue ao controle da<br />

comunidade para melhor atendê-la e também<br />

a seus interesses.<br />

3 ESTABELECENDO PARÂMETROS MAIS PALPÁVEIS<br />

Em parâmetros nacionais, a ideia de municipalização<br />

de ensino data da época da Constituição<br />

Federal de 1946, entretanto as reviravoltas<br />

de governos que marca a história do Brasil<br />

impossibilitaram sua efetividade. Todavia, novas<br />

são as possibilidades de execução oferecidas<br />

pela atual CF de 88.<br />

2004). Desse período vem a municipalização do<br />

ensino pré-escolar no Brasil. A Lei de Diretrizes<br />

e Bases (LDB) 3 e a Lei do Fundef (hoje FUN-<br />

DEB, com a abrangência da Lei sobre o Ensino<br />

Médio e Educação Infantil) surgem como dispositivos<br />

político-legais destinados a estabelecer<br />

critérios de descentralização do ensino público,<br />

definindo o município como ente federativo<br />

autônomo na questão da formulação e da gestão<br />

da política educacional.<br />

A criação do FUNDEF, o indutor da<br />

Municipalização do Ensino Fundamental<br />

no país, Brasil, advém da promulgação<br />

da emenda Constitucional<br />

n° 14/96 que disciplinou os gastos com<br />

a educação, provocando uma alteração<br />

no fornecimento de vagas e financiando<br />

as mesmas por dependência<br />

administrativa. (PEMEF-PA, s/d).<br />

A municipalização consiste, na transferência<br />

dos serviços de educação do Governo Estadual<br />

para os municípios que desejarem, podendo<br />

dar-se de maneira diferente em cada estado<br />

brasileiro. Com base nesta assertiva, a justificativa<br />

para efetivar o processo de municipalização<br />

na política educacional do Pará tem origem<br />

na necessidade de organizar a oferta de<br />

A Constituição Federal diz: a União,<br />

os Estados, o Distrito Federal e os<br />

Municípios organizarão em regime<br />

de colaboração os seus sistemas de<br />

ensino (art.211). Os municípios atuarão<br />

prioritariamente no ensino fundamental<br />

e pré-escolar (parágrafo 2°,<br />

art.211). Os municípios aplicarão 25%<br />

mínimo da receita resultante de impostos<br />

(art. 211) (SINTEPP, 1997, p.6).<br />

No final da década de 80 foi grande o incentivo<br />

à participação dos municípios em programas<br />

de parcerias, multiplicando-se convênios<br />

entre os estados e municípios com intuito de<br />

viabilizar o transporte de alunos, à merenda escolar,<br />

às construções de escolas etc. (BORGES,<br />

3<br />

A Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/96) - LDB - é a lei orgânica<br />

e geral da educação brasileira. Como o próprio nome diz, dita<br />

as diretrizes e as bases da organização do sistema<br />

educacional. Segundo o ex-ministro Paulo Renato Souza - que<br />

ao lado do então presidente Fernando Henrique Cardoso<br />

sancionou a LDB que vigora até hoje - “o mais interessante<br />

da LDB é que ela foge do que é, infelizmente o mais comum<br />

na legislação brasileira: ser muito detalhista. A LDB não é<br />

detalhista, ela dá muita liberdade para as escolas, para os<br />

sistemas de ensino dos municípios e dos estados, fixando<br />

normas gerais. Acho que é realmente uma lei exemplar”. A<br />

primeira Lei de Diretrizes e Bases foi criada em 1961. Uma<br />

nova versão foi aprovada em 1971 e a terceira, ainda vigente<br />

no Brasil, foi sancionada em 1996.<br />

Alguns pontos da LDB vigente desde então são considerados<br />

ganhos importantes para os cidadãos: “a União deve gastar<br />

no mínimo 18% e os estados e municípios no mínimo 25% de<br />

seus orçamentos na manutenção e desenvolvimento do<br />

ensino público” (art. 69); o Ensino fundamental passa a ser<br />

obrigatório e gratuito (art. 4) e; a educação infantil (creches<br />

e pré-escola) se torna oficialmente a primeira etapa da<br />

educação básica. (BRASIL, 1996)<br />

92<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 89-95, jun. 2011


ensino aos municípios do Estado, condizente com<br />

as demandas locais, as quais consistem segundo<br />

o Programa Estadual de Municipalização do Ensino<br />

Fundamental do Estado do Pará (1995-99):<br />

Na afirmativa de ausência de vagas<br />

nas escolas, na evasão associada a<br />

qualidade de ensino, na repetência<br />

e queda da finalidade do ensino, todos<br />

esses indicativos apontam a centralização<br />

e falta de autonomia dos<br />

municípios como entrave a efetivação<br />

do ensino público.(PEMEF-PA, s/d).<br />

4<br />

O Plano Decenal de Educação para Todos – SEDUC, que a<br />

referendou no Plano Estadual de Educação – 1995/99 pelo<br />

Governo do Estado do Pará, define como meta prioritária<br />

oferecer às crianças, aos jovens e adultos, oportunidades<br />

educativas com qualidade que lhes permitam obter um nível<br />

satisfatório de aprendizagem.”<br />

No estado do Pará, o processo de municipalização<br />

tem inicio a partir da solicitação das prefeituras<br />

junto a SEDUC para contratar a transferência<br />

da gestão, ou seja, ao desejar fazer parte do programa<br />

de municipalização do Estado do Pará, a prefeitura<br />

solicitante informa à SEDUC sobre o segmento<br />

do ensino que deseja realizar a municipalização.<br />

Essa transferência da gestão se processa<br />

por meio de uma avaliação da demanda da população<br />

em relação ao ensino, solicitação por<br />

parte dos municípios em relação à SEDUC e ao<br />

programa 4 , podendo ser relativa ao ensino infantil;<br />

ensino fundamental; médio; supletivo;<br />

EJA, qualquer segmento que desejar ter sob gestão<br />

do município.<br />

Após avaliação da SEDUC, são definidas<br />

as ações estratégicas de atuação para o desenvolvimento<br />

do ensino ofertado no município,<br />

dentre tais ações encontra-se a criação dos Conselhos<br />

Escolares, este entendido como canal de<br />

comunicação entre escola e as necessidades da<br />

população, ou seja, a população através do conselho<br />

pode levar até a escola seus conhecimentos<br />

e duvidas, assim, assegurar um ensino voltado<br />

para as demandas locais, ou ainda as reformas<br />

na estrutura física das instituições, transporte<br />

escolar etc.<br />

Após a avaliação dos técnicos da SEDUC<br />

sobre as necessidades para implementação do<br />

processo de municipalização e devida assinatura<br />

do contrato de municipalização, o investimento<br />

do governo federal e estadual passa a ser atribuído<br />

a prefeitura, além do FUNDEF como um<br />

complemento à renda que o município disponibilizar<br />

ao setor educacional. Os municípios, segundo<br />

o artigo 221 da Constituição Federal, deveriam<br />

aplicar 25% mínimo da receita resultante<br />

de imposto, o ICMS do ano vigente, porém a realidade<br />

é que o complemento funciona como o<br />

total de gastos das prefeituras. (GEMAQUE &<br />

GUTIERRES, 2007).<br />

O que torna possível o processo de municipalização<br />

da educação, é a criação do Fundo<br />

de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino<br />

Fundamental e de Valorização do Magistério<br />

através da Emenda Constitucional n°14/96, da<br />

Lei Federal n°9.424, de 24/12/96, e da Lei Estadual<br />

n°6044 de 16/04/97 que disciplinam o estabelecimento<br />

de convênios para a transferência<br />

de alunos; recursos humanos; matérias e<br />

encargos financeiros entre Estados e Municípios<br />

têm como objetivo a melhoria na qualidade<br />

da Educação, através da descentralização da<br />

gestão, tomando a ação local mais próxima e<br />

ágil através dos conselhos escolares e da participação<br />

da comunidade.<br />

A partir do governo seguinte, no ano de<br />

2006, o FUNDEF foi ampliado para abarcar a Educação<br />

Básica, que passa a compreender além do<br />

ensino fundamental, o ensino infantil, passando<br />

assim a ser denominado FUNDEB – Fundo de<br />

Manutenção e Desenvolvimento da Educação<br />

Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação,<br />

com vigência até o ano de 2014.<br />

O FUNDEB, além de compreender o ensino<br />

fundamental de forma mais ampla, vai também<br />

focar na formação dos professores deste<br />

segmento, os quais não mais deverão ter apenas<br />

magistério ou formação técnica para exer-<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 89-95, jun. 2011<br />

93


cer a profissão, mas terão que obter título do<br />

ensino superior. O incentivo 5 proveniente do<br />

FUNDEB é depositado na conta do município com<br />

um valor referente ao número de alunos matriculados<br />

naquele ano, quanto à distribuição do<br />

ICMS da gestão anual do Governo Federal.<br />

Este processo é caracterizado pela<br />

transferência de alunos matriculados<br />

no ano da assinatura do convênio,<br />

de servidores estaduais em nível<br />

de cedência, cessão de uso de<br />

prédios escolares e equipamentos,<br />

para serem gerenciados pela Secretaria<br />

Municipal de Ensino. Contudo,<br />

para receber o financiamento dos<br />

recursos do FUNDEF e seus recursos<br />

de acompanhamento (controle, repartição,<br />

transferência e aplicação)<br />

os municípios têm obrigações, tais<br />

como: elaboração do Plano Municipal<br />

de Educação; Estatuto do Magistério;<br />

Plano de Carreira do Magistério;<br />

Planejamento da rede física escolar;<br />

Reforma; ampliação e construção<br />

de prédios escolares; Fortalecimento<br />

da merenda e transporte escolar.<br />

(PEMEF-PA, s/d).<br />

5<br />

“Considerando as diretrizes definidas pelas Constituições<br />

Federal e Estadual em vigor, que obriga os Estados e os<br />

Municípios a organizarem, em regime de colaboração mútua,<br />

seus sistemas de ensino; Considerando a criação do Fundo<br />

de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e<br />

de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB),<br />

através da Lei n°. 11.494/2007 de 20 junho de 2007 e a Lei<br />

Estadual n°. 6.044 de 16/04/97, que disciplinam o<br />

estabelecimento de convênios para a transferência de<br />

alunos, recursos humanos, materiais e encargos financeiros<br />

entre Estado e Municípios, com vistas a melhoria da<br />

qualidade da educação;”(SINTEPP, 1997)<br />

A introdução de estruturas colegiadas na<br />

gestão de ensino é complementada com o reforço<br />

da autonomia da escola, por meio de transferência<br />

direta dos recursos a serem aplicados à<br />

escola ou prefeitura. O modelo envolve a transferência<br />

de autoridade dos professores e burocratas<br />

para os pais dos estudantes, para os próprios<br />

estudantes e outros representantes da comunidade<br />

escolar; bem como o repasse do poder<br />

decisório para conselhos escolares compostos<br />

por representastes da comunidade e eleições<br />

diretas dos administradores educacionais.<br />

Entre as inovações institucionais no<br />

campo da educação se destacam os<br />

conselhos escolares com representantes<br />

dos professores, pais e estudantes<br />

e a eleição direta dos diretores<br />

da escola. Desde meados dos<br />

anos 80, alguns Estados vêm transferindo<br />

recursos diretamente para a<br />

escola, conferindo aos conselhos escolares<br />

o poder de preparar e aprovar<br />

o orçamento, com o apoio do diretor.<br />

(BARROS et al., 1999 apud BOR-<br />

GES, 2004, p.80).<br />

Apesar dessa possibilidade de reorganização<br />

do sistema educacional brasileiro, que<br />

supostamente deverá torná-lo mais contextualizado<br />

e a aprendizagem possivelmente mais<br />

significativa e gerida segundo demandas locais,<br />

encontram-se muitas dificuldades nesse processo<br />

devido à falta de uma prática político-pedagógica<br />

para a tomada de consciência necessária<br />

que resulte numa gestão participativa com<br />

a comunidade.<br />

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

As dificuldades relacionadas à implementação<br />

do projeto de municipalização tornam-no<br />

um discurso sem fundamentos práticos, afinal,<br />

o trabalho dos conselhos tem um serio entrave<br />

de funcionamento relacionado ao desconhecimento<br />

da população sobre as políticas públicas<br />

de gestão colegiada. O desafio de Municipalizar<br />

o Ensino Fundamental era uma das diretrizes<br />

definidas pela Constituição Federal e Estadual<br />

em vigor. Em contra partida, a realidade mostra<br />

que o processo caminha a passos diferentes no<br />

que diz respeito aos Estados e Municípios se organizarem<br />

em regime de colaboração mútua,<br />

assim como seus sistemas de ensino. Diferentemente<br />

do que se estabelece na utilização do termo<br />

cooperação, o que se vê é um jogo de interesses<br />

relacionados à definição de responsabili-<br />

94<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 89-95, jun. 2011


dades isoladas entre as instâncias, fato este, histórico<br />

e responsável pelo momento presente de<br />

serviços estaduais e municipais trabalhando em<br />

regime de competição, ocasionando por vezes o<br />

não suprimento da demanda local e uma educação<br />

demasiadamente deficitária.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ALMEIDA, M.H.T. Federalismo e políticas sociais.<br />

Revista Brasileira de Ciências Sociais, n.28,<br />

p.88-108, 1995.<br />

BECKMAN, B. The liberation of civil society: Neoliberal<br />

ideology and political theory. Review of<br />

African political economy, 58, p.20-33, 1993.<br />

BORGES, A. Lições de reformas da gestão educacional:<br />

Brasil, EUA e Grã-Bretanha. Perspec. São<br />

Paulo [online], v.18, n.3. 2004 Disponível em:<br />

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em: 18.fev.2011.<br />

BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei 9394/<br />

96, de Iniciativa do MEC, Institui o Plano Nacional<br />

de Educação.<br />

HANDLER, J.F. Down from bureaucracy: the ambiguity<br />

of privatization and empowerment. Princeton:<br />

Princeton University Press, 1996.<br />

SEDUC-PA. Plano Estadual de Municipalização do Ensino<br />

Fundamental. Governo do Estado do Pará, s/d.<br />

SAMOFF. Decentralization: the politics of interventionism.<br />

Development and change, v.21,<br />

p.513 - 530, 1990.<br />

SINTEPP. Sindicato dos Trabalhadores em Educação<br />

Pública do Pará. Municipalização do Ensino fundamental<br />

no Pará. Modismo neoliberal? v. 2, 1997.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 89-95, jun. 2011<br />

95


ARTE, FANTASIA E SOFRIMENTO PSÍQUICO:<br />

A ARTE COMO INSTRUMENTO DE ESCUTA AO PACIENTE<br />

ACOMETIDO POR UMA DOENÇA GRAVE 1<br />

Jennifer Fonseca Lopes *<br />

RESUMO<br />

Este artigo irá apresentar os dados parciais obtidos a partir da pesquisa de Iniciação Científica<br />

realizada de fevereiro a dezembro de 2011, e aborda o estudo da relação entre a Psicanálise<br />

e as Artes Plásticas, e a importância do recurso artístico na manifestação do sofrimento<br />

psíquico do sujeito acometido por alguma doença grave, ou seja, da arte como forma de<br />

contato do sujeito com seu Pathos. Para isto, buscou-se identificar como a arte pode servir<br />

de instrumento para que o sujeito enfermo expresse suas fantasias, medos, angústias e<br />

desejos. O método utilizado foi com base em pesquisas bibliográficas em textos psicanalíticos,<br />

bem como com autores contemporâneos ligados às artes plásticas. A ilustração artística<br />

utilizada é do artista plástico paraense Ismael Nery. Conclui-se que a arte pode ser um<br />

importante instrumento de intervenção do Psicólogo e Psicanalista em sua atuação no contexto<br />

de hospitalização de pacientes acometidos por doenças graves.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Arte. Fantasia. Pathos. Psicanálise<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Segundo Amendoeira (2008), a expressão<br />

artística tem desempenhado diferentes funções<br />

nas diversas comunidades humanas e no<br />

decorrer da história. Ela é um meio de comunicação<br />

com o mundo que manifesta posturas individuais<br />

perante a vida, sendo a obra de arte<br />

um dos processos pelo qual o homem comunica<br />

suas ideias. Desta forma, pode-se considerar a<br />

arte como um instrumento de conhecimento,<br />

pois serve para ver e interpretar o mundo. “Ela é<br />

reveladora do fluxo de imagens do inconsciente<br />

possibilitando o acesso ao mundo psíquico” (JAS-<br />

PERS, 1971, apud AMENDOEIRA, 2008).<br />

A arte pode ser entendida como uma forma<br />

pela qual o homem manifesta seus medos e<br />

encantamentos. Portanto, a produção artística é<br />

capaz de nos relatar um pouco da de uma pessoa<br />

e, transformar o sofrimento psíquico em experiência<br />

para o sujeito, contribuindo para que o<br />

mesmo dê outro rumo para a pulsão que antes<br />

lhe causara dor.<br />

* Acadêmica do 8º semestre do Curso de Psicologia da<br />

Universidade da Amazônia – UNAMA; Bolsista de Iniciação<br />

Científica. E-mail: lopesjenni@gmail.com<br />

1<br />

Artigo elaborado sob orientação da profa. Elizabeth Samuel<br />

Levy, Psicanalista; supervisora de Estágio em Psicologia<br />

Clínica e da Saúde da Universidade da Amazônia – UNAMA;<br />

mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação da<br />

Universidade Federal do Pará – UFPA; orientadora do Projeto<br />

de Pesquisa que deu origem a este artigo. E-mail:<br />

bethslevy@gmail.com<br />

97<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 97-101, jun. 2011


O estudo do percurso da criação artística de Ismael<br />

Nery, poderá nos de auxiliar na compreensão<br />

das experiências de uma pessoa acometida<br />

por uma doença grave, e sua expressão artística<br />

a partir disso. As obras produzidas por este<br />

artista podem ser consideradas como materialização<br />

das projeções de sua vida, suas memórias<br />

e evocações de conflitos.<br />

O presente artigo irá apresentar os dados<br />

parciais obtidos a partir da pesquisa de Iniciação<br />

Científica realizada de fevereiro a dezembro<br />

de 2011. Assim, pretende-se fazer um estudo<br />

acerca da arte, da fantasia e do sofrimento<br />

psíquico, de forma a compreender melhor como<br />

o sujeito acometido por uma doença grave pode<br />

expressar-se através de sua arte, usando-se para<br />

isto, uma obra do Artista Ismael Nery para compreender<br />

um pouco esta relação.<br />

2 ARTE, FANTASIA E SOFRIMENTO PSÍQUICO<br />

A expressão artística é uma forma de comunicação<br />

que manifesta posturas individuais<br />

perante a realidade. A partir da mesma o homem<br />

pode comunicar suas ideias tornando-se,<br />

desta forma, um instrumento de conhecimento,<br />

pois serve para ver e interpretar o mundo.<br />

Além disto, ela é reveladora do fluxo de imagens<br />

do inconsciente possibilitando o acesso à<br />

realidade psíquica. Esta realidade psíquica é<br />

constituída, para Freud, pela fantasia.<br />

Em estudos feitos por Sigmund Freud no<br />

texto Escritores Criativos e Devaneios (1908),<br />

Freud associa o brincar da criança pequena com<br />

a criação poética e afirma que as principais ocupações<br />

das crianças são os brinquedos e os jogos,<br />

e as mesmas levam a brincadeira muito a<br />

sério. Porém, apesar de todo o investimento que<br />

fazem no mundo da brincadeira, elas conseguem<br />

distinguir a realidade do brincar, e buscam ligar<br />

as situações imaginadas às coisas visíveis e tangíveis<br />

do mundo real, e isto é o que diferencia o<br />

“brincar” infantil do “fantasiar”. A partir desta<br />

análise, Freud sugere que o escritor criativo se<br />

comporta como a criança pequena, pois cria um<br />

mundo próprio no qual investe uma grande<br />

quantidade de emoção, ao mesmo tempo em<br />

que mantém uma separação nítida entre o mesmo<br />

e a realidade. (FREUD,1908)<br />

Ao falar dos escritores criativos, Freud<br />

(1908) afirma que a irrealidade do mundo criativo<br />

do escritor traz consequências importantes<br />

para a técnica de sua arte, pois, se muitos<br />

aspectos do mundo criativo fossem reais, não<br />

causariam tanto prazer, e este prazer pode ser<br />

proporcionado pela fantasia. Ainda segundo<br />

Freud, quando as pessoas crescem, elas param<br />

de brincar e renunciam a esse prazer. Porém,<br />

na realidade, esse prazer não é verdadeiramente<br />

renunciado, pois, ao parar de brincar,<br />

a criança em crescimento apenas abdica<br />

do elo com os objetos reais e, em vez de brincar,<br />

ela passa a fantasiar.<br />

Freud (1908) afirma que o que rege as<br />

fantasias são os desejos insatisfeitos, e toda fantasia<br />

é a realização de um desejo, uma correção<br />

da realidade insatisfatória.<br />

Segundo Coutinho Jorge (2010, p.12)<br />

“como a realidade externa erige continuamente<br />

obstáculos às demandas da satisfação da pulsão,<br />

a fantasia acaba sendo igualmente uma atividade<br />

contínua que ocupa uma região considerável<br />

do aparelho psíquico.”. A fantasia constitui a realidade<br />

psíquica de cada sujeito, ela mediatiza o<br />

encontro do sujeito com o real.<br />

Portanto, a arte pode ser entendida<br />

como um meio pelo qual cada indivíduo procura<br />

buscar sentido de suas experiências internas,<br />

ameaçadoras ou não, que o identificam como<br />

ser humano. Por meio da expressão artística tornamo-nos<br />

capazes de compartilhar com os outros<br />

nossos medos e encantamentos.<br />

Toda obra de arte possui duas partes principais,<br />

distintas, mas diretamente interligadas,<br />

que são o “conteúdo manifesto” e a “significação<br />

latente”. Este primeiro é o que se destaca<br />

aos olhos e que o público em geral compreende,<br />

trata-se do lado estético da obra, a técnica<br />

98<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 97-101, jun. 2011


do artista, do seu estilo. O conteúdo manifesto<br />

corresponde, então a expressão superficial e<br />

exterior, o lado do revestimento que cobre o<br />

verdadeiro sentido do motivo da inspiração artística.<br />

A segunda, a significação latente, “[...] é<br />

a parte íntima da obra de arte, o seu lado simbólico,<br />

a fantasia que mascara os impulsos inconfessáveis<br />

da vida íntima do artista e somente a<br />

ele o interessa. Ao artista, portanto está reservada<br />

essa parte obscura de seu trabalho.” (CE-<br />

SAR, 1944, apud ANDRIOLO, 2003).<br />

A partir da identificação destas duas partes<br />

distintas, passa-se a examinar o significado simbólico<br />

das imagens, na análise das obras de arte.<br />

Na inspiração artística, vemos, por uma<br />

análise aprofundada da vida e das<br />

obras dos grandes artistas, os desejos<br />

reprimidos aparecerem do subconsciente<br />

e se mostrarem apagados<br />

em símbolos ou temas diversos em<br />

todas as suas produções [...] (CESAR,<br />

1934, apud ANDRIOLO, 2003, p. 79).<br />

Desta forma, o artista é capaz de estabelecer<br />

e dominar uma relação de expressão com<br />

seu próprio inconsciente, capaz de realizar e<br />

desenvolver potencialidades que são sufocadas.<br />

Ele encontrará, através da arte, uma forma de<br />

expressar seu desejo e satisfazer a pulsão, que<br />

fora reprimida. A produção artística pode, então,<br />

possibilitar simbolização do sofrimento psíquico<br />

vivido pelo sujeito que usa deste recurso<br />

para falar de si.<br />

A Psicopatologia Fundamental e a Psicanálise,<br />

organizam-se em torno do sofrimento<br />

psíquico. Trata-se, segundo Cecarelli (2005) “[...]<br />

de resgatar o pathos, como paixão, e escutar o<br />

sujeito que traz uma voz única a respeito de seu<br />

pathos transformando aquilo que causa sofrimento<br />

em experiência, em ensinamento interno.”<br />

Para este autor, transformar o pathos em<br />

experiência significa, também, considerá-lo não<br />

apenas como um estado transitório mas, como<br />

“algo que alarga ou enriquece o pensamento”<br />

(BERLINCK, 1998, apud CECARELLI, 2005).<br />

A partir da dimensão do desejo, que<br />

submetido às leis da linguagem escapa<br />

a qualquer apreensão direta de<br />

sua finalidade, Freud postula que o<br />

sujeito - louco ou não - sempre que<br />

fala, fala do, e a partir de, seu pathos,<br />

que aqui confunde-se com a trama<br />

discursiva que o constitui. É esta<br />

trama, inicialmente encarnada pelo<br />

Outro, que possibilita que o pathos,<br />

como passividade, alienação, transforme-se,<br />

na situação terapêutica,<br />

em percepção, em experiência. (CE-<br />

CARELLI, 2005).<br />

O processo de adoecer traz consigo muitas<br />

mudanças para o cotidiano da pessoa enferma.<br />

Segundo Schmidt e Mata (2008, p. 191), “a<br />

doença representa um ataque ao corpo, não só<br />

em sua dimensão anátomo-fisiológica, mas também<br />

às referências simbólicas que cada um possui<br />

a respeito deste corpo.”. Desta forma, a doença<br />

produz em cada indivíduo reações particulares<br />

que terão relação com as condições individuais<br />

desenvolvidas pelo indivíduo, para lidar<br />

com a doença.<br />

A enfermidade é a “experiência dos<br />

sintomas e do sofrimento”, “a experiência<br />

vivida do monitoramento dos<br />

processos corporais”, incluindo a<br />

“categorização e a explicação, em<br />

sentidos do senso comum acessíveis<br />

a todas as pessoas leigas, das formas<br />

de angústia causadas pelos processos<br />

fisiopatológicos.” (LIRA, NA-<br />

TIONS, CATRIB, 2004, p. 150).<br />

Além disso, os mesmos autores afirmam<br />

que “quando se fala em enfermidade, inclui-se<br />

o julgamento do paciente de como ele pode lidar<br />

com a angústia e com os problemas práticos<br />

em sua vida diária, que ela cria.” (LIRA; NATIONS;<br />

CATRIB, 2004, p. 150).<br />

Na enfermidade, o sujeito torna-se vulnerável<br />

e fragilizado, como se retornasse a um<br />

estado primitivo de desamparo que, no sentido<br />

freudiano, torna-se análogo ao bebê que precisa<br />

do outro para sobreviver. Cabe ao psicólogo,<br />

escutar, seja por meio da fala, ou dos sinais pos-<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 97-101, jun. 2011<br />

99


síveis, este sofrimento trazido pelo sujeito,<br />

como afirma Levy (2008).<br />

Entendemos que a Psicanálise possa<br />

modificar a relação do sujeito em tratamento<br />

com suas pulsões, permitindo o acesso aos conteúdos<br />

inconscientes e trazendo-os para a consciência,<br />

permitindo outro destino de satisfação<br />

das pulsões, decifrando o sentido de seus sintomas.<br />

(LEVY, 2008, p.76).<br />

Ao escutar o sofrimento trazido pelo sujeito,<br />

o psicanalista, além de possibilitar o alívio<br />

dos sintomas, poderá levar este sujeito ao encontro<br />

com sua subjetividade, o que poderá ajudar<br />

no tratamento. Freud nos mostra que o sujeito<br />

poderá expressar suas fantasias de diversas<br />

formas e sempre levando em conta como<br />

cada um manifesta sua subjetividade.<br />

Para Amendoeira (2008), a atividade criativa<br />

fornece um canal de expressão emocional e de<br />

comunicação para o paciente. A relação entre atividade<br />

artística e a natureza torna possível assimilar<br />

novas representações psíquicas, experimentar<br />

um novo sentido de identidade e de recuperar o<br />

contato com fontes internas de vitalidade.<br />

Portanto, a atividade artística pode ser<br />

utilizada como um recurso para o sujeito que<br />

sofre com uma doença possa falar de seu sofrimento<br />

e de sua dor. E, como afirma Cecarelli<br />

(2005, p.7), “É por ‘falar’ que a dor solicita escuta.<br />

Escuta essa que, sendo terapêutica, possibilita<br />

o recuo necessário para transformá-la<br />

em experiência.”.<br />

Pode-se observar como este sofrimento<br />

pode ser expresso através da obra “Visão Interna<br />

– Agonia”, 1931 (Ver figura 1), do artsita plástico<br />

Ismael Nery, diagnosticado com Tuberculose.<br />

O artista retrata seu medo, e seu sofrimento<br />

diante da doença que afetara seu pulmão, orgão<br />

em evidência na obra do artista.<br />

A partir da observação desta obra, podese<br />

notar que a arte pode ser um recurso utilizado<br />

pelo sujeito para entrar em contato com seu<br />

pathos, seu sofrimento psíquico, e do Psicólogo<br />

e Psicanalista para “escutar” o sofrimento deste<br />

sujeito e, a partir desta escuta analítica no hospital,<br />

contribuir para o alívio da dor do paciente<br />

enfermo, por meio da simbolização de suas fantasias<br />

através da arte.<br />

Desta forma, considera-se a expressão<br />

artística, como uma ferramenta muito interessante<br />

que pode ser utilizada pelo Psicólogo /<br />

Psicanalista dentro dos hospitais, auxiliando no<br />

avanço do paciente, contribuindo para que a<br />

pulsão que antes lhe causara dor, siga outro destino,<br />

podendo gerar auto conhecimento e contribuindo<br />

para a diminuição dos sintomas da<br />

doença, bem como melhorando as formas de<br />

enfrentamento da doença física.<br />

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A partir do estudo realizado em torno do<br />

tema, considera-se que a arte é um instrumento<br />

importante de expressão do sofrimento psíquico,<br />

no acompanhamento de pacientes acometidos<br />

por doenças graves, através da simbolização<br />

de seus medos, angústias, desejos e fantasias.<br />

Considera-se que pode ser utilizado como recurso<br />

na intervenção do Psicólogo / Psicanalista<br />

em sua atuação, mais especificamente no contexto<br />

de hospitalização de pacientes acometidos<br />

por doenças graves.<br />

Sabemos que a expressão ou simbolização<br />

dos sentimentos de um sujeito enfermo,<br />

poderá resultar em melhores condições<br />

de enfrentamento das doenças, repercutindo<br />

em seu quadro clínico, pois aspectos como<br />

ansiedade e depressão, são elementos fundamentais<br />

para o agravamento de certas enfermidades.<br />

Assim como o falar, o desenhar, o<br />

pintar, ou qualquer tipo de expressão, poderão<br />

beneficiar os pacientes na forma como<br />

cada um poderá transformar seu sofrimento<br />

psíquico em experiência, levando-se em conta<br />

o potencial artístico do sujeito, permeado<br />

pelos seus processos inconscientes.<br />

100<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 97-101, jun. 2011


REFERÊNCIAS<br />

AMENDOEIRA, Maria Cristina Reis. O trabalho<br />

da arte e construção da subjetividade no feminino.<br />

São Paulo: Revista Brasileira de Psicanálise,<br />

v. 42, n. 4, 2008.<br />

ANDRIOLO, Arley. A “Psicologia da Arte” no<br />

Olhar de Osório Cesar: Leituras e Escritos. São<br />

Paulo: Psicologia Ciência e Profissão, v. 23, n. 4,<br />

p. 74-81, 2003.<br />

CECARELLI, Paulo Roberto. O Sofrimento Psíquico<br />

na Perspectiva da Psicopatologia Fundamental.<br />

Maringá: Psicologia em Estudo, v.<br />

10, n. 3, 2006.<br />

COUTINHO JORGE, Marco Antônio. Fundamentos<br />

da Psicanálise de Freud a Lacan: a clínica da<br />

fantasia. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. v. 2.<br />

FREUD, Sigmund. Escritores criativos e devaneio. In:<br />

FREUD, Sigmund. Edição Standard Brasileira das Obras<br />

Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1980.<br />

LEVY, Elizabeth S. Desamparo, transferência e<br />

hospitalização em Centro de Terapia Intensiva.<br />

(Dissertação de Mestrado) – UFPA, Belém, 2008.<br />

LIRA, Geison Vasconcelos; NATIONS, Marilyn;<br />

CATRIB, Ana Maria Fontenelle. Cronicidade e<br />

Cuidados de Saúde: o que a antropologia da saúde<br />

tem a nos ensinar? Fortaleza: Texto Contexto<br />

Enferm, v. 13, n, 1, p. 147-155, 2004.<br />

SCHMIDT, Eder; MATA, Gustavo Ferreira. A relação<br />

médico-paciente e as condições de cronicidade.<br />

Juiz de Fora: Revista Brasileira de Clínica<br />

Médica, n. 6, 2008.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 97-101, jun. 2011<br />

101


102


AVALIAÇÃO DA PERDA DE MASSA DA COUVE<br />

MINIMAMENTE PROCESSADA ARMAZENADA<br />

EM DOIS TIPOS DE EMBALAGEM 1<br />

Nashara Gleyce Farias Leão *<br />

RESUMO<br />

Frutas e hortaliças minimamente processadas envolvem um conjunto de operações que<br />

elimina partes não comestíveis, tendo como resultado produtos com menores porções, ficando<br />

apto para o consumo imediato, mantendo todas as qualidades organolépticas do<br />

produto in natura. A couve foi embalada em dois tipos de embalagens diferentes, uma com<br />

filme de policloreto de vinila (PVC) cobrindo bandejas de oliestireno expandido (isopor) e<br />

Politerefta<strong>lato</strong> de etileno (PET), com a finalidade de observar sua conservação em ambas,<br />

com 3 tempos distintos 0, 7 e 15 dias, ficando armazenada sob refrigeração (10ºC) no decorrer<br />

do experimento. O processamento mínimo da couve armazenada em embalagens PET e<br />

PVC possibilitou a troca de gases da hortaliça em questão, de formas diferentes das citadas<br />

na literatura.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Couve. Embalagem. PET. PVC.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A origem da palavra vegetal é do latim<br />

vegere que significa revigorar, reavivar. Dentro<br />

do grupo dos vegetais encontram-se as hortaliças<br />

que são os tecidos que podem ser consumidos<br />

como alimento e inclui vários subgrupos<br />

como raízes, tubérculos, bulbos, talos, flores,<br />

folhas, sementes e frutos de determinadas plantas.<br />

Já as frutas, também do latim fructus, tem<br />

co significado de fruição, gratificação, satisfação,<br />

prazer. Tem a característica de apresentar sabor<br />

adocicado. São originados de frutos, partes comestíveis<br />

carnudas que envolvem sementes, ou<br />

ovários maduros (ARAÚJO et al. 2008).<br />

Quanto à composição e valor nutricional<br />

das frutas e hortaliças, são os grupos de alimentos<br />

responsáveis por oferecer além de água,<br />

minerais, vitaminas, fibras e compostos funcionais<br />

(ARAÚJO et al. 2008).<br />

Alguns destes alimentos apresentam<br />

compostos (enzimas, compostos fenólicos)<br />

que são responsáveis por causar uma mudança<br />

nas características sensoriais destes produ-<br />

*<br />

Acadêmica do curso de Nutrição do 6º semestre da<br />

Universidade da Amazônia-UNAMA); bolsista do Projeto de<br />

Iniciação Científica.<br />

1<br />

Artigo elaborado sob orientação da profa. Ana Carla Alves<br />

Pelais, doutoranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos;<br />

docente do curso de Nutrição da Universidade da Amazônia<br />

- UNAMA. anapelais@gmail.com.<br />

103<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 103-106, jun. 2011


tos que acabam por diminuir a qualidade, o<br />

tempo de prateleira e valor de mercado dos<br />

mesmos. Para minimizar estes efeitos usa-se<br />

a tecnologia como ferramenta, como por<br />

exemplo, técnicas de branqueamento, pasteurização,<br />

esterilização, adição de salmoura, açúcar,<br />

ácidos, que são eleitos para cada fruta ou<br />

hortaliça por suas características como pH, acidez,<br />

enzimas, presença ou não de certos compostos<br />

entre outros fatores, e mesmo assim,<br />

em geral, se combina duas ou mais técnicas<br />

para um produto final de qualidade (ARAÚJO<br />

et al. 2008; BASTOS et al. 2008).<br />

De acordo com Spoto e Miguel (2006),<br />

frutas e hortaliças minimamente processadas<br />

envolvem um conjunto de operações que elimina<br />

partes não comestíveis, como cascas, talos<br />

e sementes, tendo como resultado produtos<br />

com menores porções, ficando apto para o<br />

consumo imediato, mantendo todas as qualidades<br />

organolépticas do produto in natura.<br />

Para as autoras, para se chegar a esse produto,<br />

o processo envolve lavagem, descascamento,<br />

corte, santização, centrifugação, embalagem e<br />

armazenamento, tudo sobadequadas condições<br />

de higiene, com o objetivo de propiciar<br />

sua qualidade, aumentar sua vida útil, mantendo<br />

o mesmo sabor e aparência apresentado pelas<br />

frutas e hortaliças in natura. Esse processamento<br />

envolve a manipulação de tecidos vivos, que vão<br />

continuar fisiologicamente ativos, para tanto, precisam<br />

para sua conservação, parâmetros como respiração,<br />

transpiração e produção de etileno.<br />

Para Puschmann et al. (2003), a couve<br />

(Brassica Oleracea var. acephala), é uma hortaliça<br />

com rápida perda de turgescência e senescência<br />

após a colheita, ela pode ser encontrada<br />

comercialmente minimamente processada, no<br />

entanto com pouco prazo de validade, é de<br />

grande importância na nutrição humana, sendo<br />

muito produzidas no centro-sul do Brasil, é<br />

uma planta de temperaturas amena, se desenvolve<br />

melhor no outono e inverno, no entanto<br />

se adapta a climas variados.<br />

2 MATERIAL E MÉTODOS<br />

O processamento da couve realizou-se de<br />

acordo com o fluxograma ilustrado na figura 1.<br />

Figura 1: Fluxograma da couve minimamente<br />

processada.<br />

Inicialmente realizou-se a pesagem do<br />

ingrediente, sua limpeza e fatiamento em tiras<br />

longas e finas (aproximadamente 1 cm), higienização<br />

em solução clorada a 200 ppm por 10 minutos<br />

seguido do enxágüe com solução a 5 ppm<br />

em 5º C. Após esta etapa realizou-se a secagem<br />

de forma manual com auxílio da peneira plástica.<br />

Por fim, embalou-se a couve em dois tipos<br />

de embalagens diferentes; filme de policloreto<br />

de vinila (PVC) cobrindo bandejas de<br />

poliestireno expandido (isopor) e politerefta<strong>lato</strong><br />

de etileno (PET), com a finalidade de observar<br />

sua conservação em ambas, em 3 tempos distintos:<br />

0, 7 e 15 dias, ficando armazenada sob refrigeração<br />

(10ºC) no decorrer do experimento.<br />

Realizou-se a análise da perda de massa<br />

ocorrida na couve acondicionada nas duas embalagens<br />

por meio de pesagem das embalagens<br />

contendo a couve. A perda de massa foi expressa<br />

por meio de porcentagem da obtida pela fórmula:<br />

{(mi – mf) /mi} x 100; onde mi – massa<br />

inicial e mf – massa final.<br />

104<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 103-106, jun. 2011


3 RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />

Na figura 2, pode-se observar os resultados<br />

da perda de massa nas duas embalagens estudadas.<br />

Figura 2: Porcentagem de perda de massa da couve<br />

minimamente processada e armazenada sob<br />

temperatura de 10° C em embalagens PET e PVC.<br />

Observa-se nas embalagens PET uma<br />

menor perda de massa do que nas embalagens<br />

de isopor cobertas com filme de PVC, como ilustrado<br />

na Figura 2. No entanto, estudos mostram<br />

que as embalagens PET demosntram um ambiente<br />

muito propício ao ressecamento da hortaliça,<br />

sendo não recomendável para a comercialização<br />

pelo seu curto período de aceitação sensorial<br />

(CARNELOSSI et al. 2002).<br />

Segundo Sarantópoulos et al. (2003) e<br />

Puschmann et al. (2003) a couve é uma hortaliça<br />

com alta taxa de respiração, cerca de 280ml CO2/<br />

kg/hora a 25º C, o que pede uma embalagem<br />

que permita uma circulação de gases, no entanto<br />

esta embalagem deve fornecer proteção ao<br />

alimento e diminuir ao máximo a perda de água.<br />

Puschmann et al. (2003) também afirma<br />

que para a couve a embalagem mais indicada é a<br />

poliolefina multicamadas e que 10 ºC diminui em<br />

até 50% o tempo de prateleira do produto, provavelmente<br />

por aumentar em até 30% a taxa de respiração<br />

comparada com uma armazenagem a 5° C<br />

(TELES, 2001), favorece crescimento microbiano,<br />

perda de vitamina C e progressão da senescência<br />

em comparação a couve armazenada a 5º C.<br />

Sarantópoulos et al.(2003) recomenda<br />

testar embalagens distintas das usadas no seu<br />

estudo, que são Filme de policloreto de vinila<br />

(PVC) esticável envolvendo bandejas de poliestireno<br />

expandido, saco plástico termossoldado<br />

de filme poliolefínico coextrusado e saco plástico<br />

termossoldado, microperfurado a laser, já que<br />

todas as amostras, a uma temperatura de 5° C,<br />

preservam as folhas de couve por 8 dias apenas.<br />

Já em estudo de Carnelossi et al. (2002), a estabilidade<br />

em relação ao componentes vitamina<br />

C, sólidos solúveis, carotenóides e clorofila em<br />

armazenamento sob temperatura de 5° C e em<br />

embalagem de poliolefina multicamadas é uma<br />

boa opção para o armazenamento até 10 dias.<br />

4 CONCLUSÃO<br />

O processamento mínimo da couve armazenada<br />

em embalagens PET e PVC possibilitou<br />

a troca de gases da hortaliça em questão, de<br />

formas diferentes das citadas na literatura. Portanto,<br />

necessita-se de estudos com outras embalagens<br />

com componentes diferentes capazes<br />

de possibilitar a respiração das folhas de couve<br />

e ao mesmo tempo protegê-las da desidratação.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ARAÚJO, W. M. C. et al. Alquimia dos alimentos.<br />

Universidade de Brasília, Brasília: SENAC, 2008.<br />

BASTOS, M. S. R. Ferramentas da ciência e tecnologia<br />

para a segurança dos alimentos. Fortaleza:<br />

Embrapa, 2008.<br />

CARNELOSSI, M. A. G. et al. Conservação de folhas<br />

de couve minimamente processadas. Revista<br />

Brasileira de Produtos Agroindustriais. v.4. n.2.<br />

Campina Grande: Asociación Latinoamericana e<br />

del Caribe de Ingeniería Agrícola (ALIA), 2002.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 103-106, jun. 2011<br />

105


PUSCHMANN, N. F. F. S. et al. Tecnologia de processamento<br />

mínimo de couve. 2003. In: SEMI-<br />

NÁRIO INTERNACIONAL DE PÓS-COLHEITA E PRO-<br />

CESSAMENTO MÍNIMO DE FRUTAS E HORTALIÇAS.<br />

[1.], 2002, Brasília – DF. Anais... Brasíla – DF: EM-<br />

BRAPA, 2002.<br />

SARANTÓPOULOS, C. I. G. L. et al. Efeitos da embalagem<br />

e da temperatura de estocagem na qualidade<br />

couve minimamente processada. Brazilian<br />

Journal of Food Technology. v. 6. n. z. 2003.<br />

SPOTO, M. H. F.; MIGUEL, A. C. A. Processamento<br />

mínimo e congelamento. In: OETTERER, M.; RE-<br />

GITANO-D’ARCE, M. A. B.; SPOTO, M. H. F. Fundamentos<br />

de ciência e tecnologia de alimentos.<br />

Barueri: Manole, 2006.<br />

TELES, C.S. Avaliação física, química e sensorial de<br />

couve (Brassica olereacea var. acephala) minimamente<br />

processada, armazenada sob atmosfera modificada.<br />

108 f. Tese (Mestrado em Fisiologia Vegetal)<br />

- Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2001.<br />

106<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 103-106, jun. 2011


ANÁLISE SENSORIAL:<br />

REVISÃO DE LITERATURA 1 Tarciana Silva de França *<br />

RESUMO<br />

Análise Sensorial é uma ciência destinada a avaliar a aceitação de produtos no mercado, pesquisando<br />

os gostos e preferências de consumidores. Objetivo: Realizar uma revisão bibliográfica<br />

sobre análise sensorial, bem como exemplificar seus métodos e mostrar suas utilidades<br />

dentro da tecnologia de alimentos. Método: Este estudo foi realizado através da pesquisa de<br />

dados bibliográficos da Biblioteca Central da Universidade da Amazônia (UNAMA), dados do<br />

Scielo, Google acadêmico e livros do acervo pessoal. Conclusão: Através da aplicabilidade<br />

destes métodos pode-se avaliar critérios como consistência, sabor, aroma, textura, e aparência<br />

dos produtos alimentícios, e com os resultados identificar a aceitação e preferência acerca<br />

dos produtos submetidos à análise.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Análise sensorial. Alimento. Aceitabilidade.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A análise sensorial é realizada em função<br />

das respostas transmitidas pelos indivíduos<br />

às diversas sensações que se originam de reações<br />

fisiológicas e são resultantes de alguns estímulos,<br />

gerando a interpretação das propriedades<br />

intrínsecas aos produtos. Para isto é necessário<br />

que haja entre as partes, indivíduos e produtos,<br />

contato e interação (LUTZ, 2008). Tal ciência<br />

é utilizada para avaliar a aceitação do produto<br />

no mercado, pesquisando os gostos e preferências<br />

de consumidores (ARAÚJO et al., 2007).<br />

A avaliação sensorial intervém nas diferentes<br />

etapas do ciclo de desenvolvimento de<br />

produtos; como na seleção e caracterização de<br />

matérias primas, na seleção do processo de elaboração,<br />

no estabelecimento das especificações<br />

das variáveis das diferentes etapas do processo,<br />

na otimização da formulação, na seleção dos<br />

sistemas de envase e das condições de armazenamento<br />

e no estudo de vida útil do produto<br />

final (PENNA, 1999).<br />

*<br />

Acadêmica do curso de Nutrição do 6º semestre da<br />

Universidade da Amazônia (UNAMA); bolsista do Projeto de<br />

Iniciação Científica.<br />

1<br />

Artigo elaborado sob orientação da profa. Ana Carla Alves<br />

Pelais, doutoranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos;<br />

docente do curso de Nutrição da Universidade da Amazônia<br />

- UNAMA. anapelais@gmail.com.<br />

107<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 107-116, jun. 2011


Um alimento além de seu valor nutritivo<br />

deve produzir satisfação e ser agradável ao consumidor,<br />

isto é resultante do equilíbrio de diferentes<br />

parâmetros de qualidade sensorial. Em um<br />

desenvolvimento de um novo produto é imprescindível<br />

otimizar parâmetros, como forma, cor,<br />

aparência, odor, sabor, textura, consistência e a<br />

interação dos diferentes componentes, com a finalidade<br />

de alcançar um equilíbrio integral que<br />

se traduza em uma qualidade excelente e que<br />

seja de boa aceitabilidade (PENNA, 1999).<br />

A Análise Sensorial é uma ferramenta<br />

moderna utilizada para o desenvolvimento de<br />

novos produtos, reformulação dos produtos já<br />

estabelecidos no mercado, estudo de vida de<br />

prateleira (shelf life), determinação das diferenças<br />

e similaridades apresentadas entre produtos<br />

concorrentes, identificação das preferências<br />

dos consumidores por um determinado produto<br />

e, finalmente, para a otimização e melhoria<br />

da qualidade (SGS DO BRASIL, 2010).<br />

2 OBJETIVO<br />

O presente trabalho tem como objetivo<br />

realizar uma revisão bibliográfica sobre análise<br />

sensorial, bem como exemplificar seus métodos<br />

e mostrar suas utilidades dentro da tecnologia<br />

de alimentos.<br />

3 METODOLOGIA<br />

Este estudo foi realizado através da pesquisa<br />

de dados bibliográficos da Biblioteca Central<br />

da Universidade da Amazônia (UNAMA), dados do<br />

Scielo, Google acadêmico e livros do acervo pessoal<br />

no período de fevereiro a março de 2011.<br />

4 REFERENCIAL TEÓRICO<br />

4.1 HISTÓRICO<br />

A análise sensorial de alimentos foi aplicada<br />

pela primeira vez na Europa para controlar<br />

a qualidade de cervejarias e destilarias. Sua aplicação<br />

também foi presenciada na Segunda Guerra<br />

Mundial devido à necessidade de se produzir<br />

alimentos de qualidade e que não fossem rejeitados<br />

pelos soldados do exército devido à realização<br />

de ent<strong>revista</strong> com os mesmos, e permitiram<br />

concluir que a rejeição era devido à deterioração<br />

dos alimentos servidos e após a observação,<br />

permitiram concluir que a rejeição havia<br />

ocorrido em função de uma deterioração, em<br />

maior ou menor grau, de algumas ou de todas as<br />

características ou atributos perceptíveis do alimento<br />

(CHAVES, 1998; BÔAS; ANDRADE, 2008).<br />

Assim, foi possível levantar hipóteses<br />

para determinar as possíveis causas que produziram<br />

essa deterioração, observando-se todas as<br />

fases da cadeia alimentar: a qualidade da matéria<br />

prima, o processo de produção, distribuição,<br />

armazenamento e elaboração do alimento. A<br />

disciplina que permite investigar essas causas é<br />

a Análise Sensorial, que inicialmente se baseava<br />

na avaliação subjetiva das observações relacionadas<br />

à aparência, odor, textura/consistência e<br />

sabor do alimento. Com o avanço tecnológico,<br />

houve um desenvolvimento de técnicas e métodos<br />

sensoriais, para acompanhar o processo de<br />

produção e distribuição dos alimentos, e assim,<br />

foi possível realizá-la de forma científica. A partir<br />

desta necessidade surgiram então os métodos de<br />

aplicação da degustação, estabelecendo a análise<br />

sensorial como base científica (CHAVES, 1998).<br />

No Brasil a prática chegou em 1954 no laboratório<br />

de degustação da seção de Tecnologia do<br />

Instituto Agronômico de Campinas (SP), para avaliar<br />

o café (VIANA, 2005). Os primeiros registros da<br />

análise sensorial sendo empregada com a finalidade<br />

de controle de qualidade em indústrias de<br />

alimentos datam da década de 40, mas somente<br />

em 1980, esta área começou a ter maior ênfase,<br />

quando o Institute of Food Technologists (IFT) organizou<br />

seminários sobre o tema (VIANA, 2005).<br />

Atualmente, análise sensorial é bastante<br />

utilizada no setor de alimentos com o intuito de<br />

avaliar a aceitabilidade mercadológica e a quali-<br />

108<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 107-115, jun. 2011


dade do produto, sendo parte inerente ao plano<br />

de controle de qualidade de uma indústria. É por<br />

meio dos órgãos dos sentidos que se procedem<br />

tal avaliação, e, como são executadas por pessoas,<br />

é importante um criterioso preparo das amostras<br />

testadas e adequada aplicação do teste para<br />

se evitar influência de fatores psicológicos, como,<br />

por exemplo, cores que podem remeter a conceitos<br />

pré-formados (VIANA, 2005).<br />

4.2 ANÁLISE SENSORIAL<br />

A NBR 12806 define análise sensorial<br />

como uma disciplina científica usada para evocar,<br />

medir, analisar e interpretar reações das características<br />

dos alimentos e materiais como são<br />

percebidas pelos sentidos da visão, olfato, gosto,<br />

tato e audição (ABNT, 1993a).<br />

As percepções sensoriais dos alimentos<br />

são interações complexas que envolvem estes<br />

cinco sentidos. No caso o sabor, é usualmente<br />

definido como impressões sensoriais que ocorrem<br />

na cavidade bucal, como resultado do odor<br />

e vários efeitos sensoriais, tais como frio, queimado,<br />

adstringência e outros (GEISE, 1995). Assim,<br />

a avaliação sensorial detecta diferenças<br />

entre os produtos baseado nas diferenças perceptíveis<br />

na intensidade de desses atributos<br />

(FERREIRA et al., 2000).<br />

Considerando, ainda, o binômio alimentoqualidade,<br />

a avaliação sensorial tem um papel fundamental,<br />

uma vez que é utilizada como instrumento<br />

chave na seleção de produtos, na pesquisa<br />

e desenvolvimento de novos produtos, na definição<br />

do padrão de identidade e qualidade do alimento<br />

e, na avaliação da aceitação pelo consumidor<br />

(FERREIRA et al., 2000; BÔAS; ANDRADE, 2008).<br />

A análise sensorial normalmente é realizada<br />

por uma equipe montada para analisar as<br />

características organolépticas de um produto<br />

para um determinado fim, como por exemplo,<br />

avaliar a aceitabilidade mercadológica e a qualidade<br />

do produto, sendo parte inerente ao plano<br />

de controle de qualidade de uma indústria, através<br />

da seleção da matéria prima a ser utilizada<br />

em um novo produto, o efeito de processamento,<br />

a qualidade da textura, o sabor, a estabilidade<br />

de armazenamento, a reação do consumidor,<br />

entre outros (VIANA, 2005).<br />

A qualidade de um alimento está diretamente<br />

relacionada com a sensação que desperta,<br />

podendo ser prazerosa ou não, sendo percebida<br />

por meio de sinais elétricos que são enviados<br />

ao cérebro pelo sistema nervoso, através de<br />

neurônios. No momento em que o indivíduo<br />

entra em contato com o alimento, este estará<br />

recebendo estímulos em seus sentidos, no qual<br />

são decorrentes de características inatas deste<br />

alimento, e nesse primeiro momento é denominado<br />

de sensação. A partir do momento em<br />

que o indivíduo filtra, interpreta e reconstrói as<br />

informações recebidas pelos sentidos, ocorre à<br />

percepção (ARAÚJO et al., 2007).<br />

No entanto, no momento de oferta de<br />

preparações alimentícias a indivíduos ou a grupos<br />

é importante atender às expectativas relacionadas<br />

a todos os sentidos. As informações<br />

captadas pelo indivíduo se somam a por isso,<br />

individualizar cada característica no planejamento<br />

de receitas é de fundamental importância<br />

para que o resultado final seja bem aceito (ARA-<br />

ÚJO et al., 2007).<br />

4.2.1 Órgãos dos Sentidos<br />

a) Olhos<br />

A visão normalmente é responsável pelo<br />

primeiro contato com o alimento, selecionando<br />

os alimentos que serão ou não ingeridos posteriormente.<br />

Através da visão, pode-se definir os aspectos<br />

físicos de um alimento, tais como: tamanho,<br />

forma, cor, textura, entre outros. As sensações<br />

despertadas no organismo, através dos sentidos,<br />

podem interferir em uma avaliação positiva<br />

ou negativa pelo indivíduo. Sendo assim, produtos<br />

visualizados antes do preparo podem atuar<br />

como um fator de intervenção na avaliação sensorial<br />

de alimentos (ARAÚJO et al., 2007).<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 107-115, jun. 2011<br />

109


No olho humano, ocorre um fenômeno<br />

complexo se um sinal luminoso incide sobre a<br />

capa fotossensível, a retina, provocando impulsos<br />

elétricos que, conduzidos pelo nervo óptico<br />

ao cérebro, geram a sensação visual que é, então,<br />

percebida e interpretada. O olho, como órgão fotorreceptor,<br />

percebe a luz, o brilho, as cores, as<br />

formas, os movimentos e o espaço (LUTZ, 2008).<br />

Além disso, a aparência é outro fator de<br />

extrema importância na aceitação dos alimentos.<br />

Com o intuito de atender as expectativas<br />

que despertem no indivíduo o estímulo para ingerir<br />

a refeição fornecida, recomenda-se a combinação<br />

de cores, adequando à montagem da<br />

preparação. Alguns outros aspectos podem interferir<br />

no julgamento pela visão: fadiga ocular,<br />

iluminação não uniforme, a cor do ambiente,<br />

dentre outros (ARAÚJO et al., 2007).<br />

b) Nariz<br />

O olfato é um sentido que respondem<br />

milhares de receptores nervosos e estímulos de<br />

energia química, que vai permitir a identificação<br />

de aroma e odor dos produtos. O odor é a<br />

propriedade sensorial perceptível pelo órgão<br />

olfativo quando certas substâncias voláteis são<br />

espiradas. O aroma tendo também a propriedade<br />

sensorial perceptível pelo órgão olfativo,<br />

durante a degustação (ARAÚJO et al., 2007).<br />

A mucosa do nariz humano possui milhares<br />

de receptores nervosos e o bulbo olfativo está<br />

ligado no cérebro a um “banco de dados” capaz<br />

de armazenar, em nível psíquico, os odores sentidos<br />

pelo indivíduo durante toda a vida. Na percepção<br />

do odor, as substâncias desprendidas e<br />

aspiradas são solubilizadas pela secreção aquosa<br />

que recobre as terminações ciliadas, entrando em<br />

contato com os receptores nervosos e produzindo<br />

impulsos elétricos Estes, quando chegam ao<br />

cérebro, geram informações que, comparadas aos<br />

padrões conhecidos por ele se encaixam como<br />

num sistema de “chave-fechadura” (LUTZ, 2008).<br />

A sensibilidade varia com o indivíduo e<br />

diminui com a idade. A não percepção de um<br />

certo odor é referida como anosmia específica.<br />

A total anosmia é possível. A interpretação mental<br />

de um odor pode ser ilusória e efeitos variáveis<br />

são possíveis, quando, por exemplo, o â-<br />

feniletanol pode dar cheiro de rosa ou cheiro de<br />

poeira (DUTCOSKY, 2007).<br />

c) Língua<br />

O paladar é um sentido químico fundamental<br />

no que diz respeito à análise dos alimentos.<br />

A percepção de sabores nos alimentos é<br />

estimulada através do receptor sensorial do paladar,<br />

denominado papila, composta por células<br />

gustativas, onde transmite-se estímulos ao sistema<br />

nervoso central e que por sua vez, aciona<br />

as secreções salivares, gástricas, pancreáticas e<br />

intestinais, caracterizando o início do processo<br />

digestivo (DUTCOSKY, 2007).<br />

Na boca, a língua é o maior órgão sensório<br />

e está recoberta por uma membrana cuja<br />

superfície contém as papilas, onde se localizam<br />

as células gustativas ou botões gustativos<br />

e os corpúsculos de Krause, com as sensações<br />

táteis. O mecanismo de transmissão<br />

da sensação gustativa se ativa quando estimulado<br />

por substâncias químicas solúveis que<br />

se difundem pelos poros e alcançam as células<br />

receptoras que estão conectadas, de forma<br />

única ou conjuntamente com outras, a<br />

uma fibra nervosa que transmite a sensação<br />

ao cérebro (LUTZ, 2008).<br />

As sensações gustativas identificadas na<br />

língua são o doce, salgado, amargo, azedo e atualmente,<br />

o umami observados na figura 1. O sabor<br />

percebido nos diferentes tipos de gostos é<br />

determinado normalmente através do estado de<br />

nutrição momentâneo do organismo, que influencia<br />

principalmente na qualidade da dieta do<br />

indivíduo (DUTCOSKY, 2007).<br />

Sabor doce: Está intimamente relacionado<br />

com alimentos que contém em sua composição<br />

álcool, açúcares e derivados. Normalmente<br />

possuem o gosto agradável e são percebidos<br />

principalmente na ponta da língua<br />

110<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 107-115, jun. 2011


Sabor salgado: Ocasionado devido à presença<br />

de sais de sódio. São identificados principalmente<br />

na parte lateral da língua.<br />

Sabor amargo: Normalmente é considerado<br />

um gosto desagradável, geralmente alimentos<br />

com esse sabor são rejeitados. Está relacionado<br />

com as substâncias do sabor salgado. Seu<br />

sabor é percebido principalmente na base da língua.<br />

Exemplo disso, são a cafeína e a nicotina.<br />

Sabor azedo: Caracterizado pela presença<br />

de ácidos contidos no alimento. Podem ser refletidos<br />

principalmente na parte lateral da língua.<br />

Sabor umami: Identificado em substâncias<br />

realçadoras dos demais gostos citados anteriormente.<br />

São percebidas quando há ingestão<br />

de partículas de glutamato, inosinato, sais de<br />

cálcio, sais de ferro. O que garante um sabor agradável<br />

a alguns alimentos, associando um sabor<br />

alcalino ou metálico a uma mistura de solução<br />

de sal e açúcar (DUTCOSKY, 2007).<br />

d) Mãos<br />

O tato permite a percepção através da<br />

sensibilidade cutânea, os receptores do tato (impulsos<br />

nervosos) estão distribuídos no interior<br />

da boca, lábios e nas mãos. Através deste sentido<br />

químico, pode-se avaliar sensações táteis,<br />

textura, temperatura dos alimentos e entre outras<br />

sensações (DUTCOSKY, 2007).<br />

É o reconhecimento da forma e estado<br />

dos corpos por meio do contato direto com a pele.<br />

Ao tocar o alimento com as mãos ou com a boca, o<br />

indivíduo facilmente avalia sua textura, mais do<br />

que quando utiliza a visão e a audição (LUTZ, 2008).<br />

e) Ouvidos<br />

A audição auxilia na percepção da textura<br />

e consistência de alimentos e bebidas. Os aspectos<br />

percebidos pelo tato e audição, simultaneamente,<br />

referem-se à gaseificação, à gomosidade,<br />

à crocância e outros atributos da textura<br />

(DUTCOSKY, 2007).<br />

Para avaliar a capacidade de discriminação<br />

de indivíduos, algumas características peculiares<br />

dos produtos podem ser empregadas utilizando<br />

simultaneamente os sentidos da audição e tato,<br />

como por exemplo: a dureza do pé-de-moleque, a<br />

crocância do biscoito ou da batata frita, a mordida<br />

da maçã ou da azeitona e o grau de efervescência<br />

da bebida carbonatada, cujos sons ou ruídos são<br />

reconhecidos pela quebra e mordida entre os dentes<br />

e o borbulhar do alimento (LUTZ, 2008).<br />

Os sons provenientes da mastigação e<br />

deglutição caracterizam os alimentos. Sendo assim,<br />

a experiência sensorial anteriormente vivenciada<br />

por um indivíduo, permite que ele seja<br />

estimulado quanto aos alimentos que irá consumir<br />

posteriormente. Os sons emitidos através<br />

das mordidas ou mastigação completam a percepção<br />

da textura e fazem parte da satisfação de<br />

comer (DUTCOSKY, 2007).<br />

4.3 MÉTODOS DA ANÁLISE SENSORIAL<br />

Até o século XIX a produção de alimentos<br />

com adequada qualidade sensorial dependia da<br />

acuidade sensorial de experts que estavam no<br />

comando da produção ou tomavam decisões acerca<br />

das alterações no processo, com o intuito de<br />

garantir características desejáveis ao produto.<br />

Atualmente a análise sensorial acredita uma maior<br />

confiabilidade ao julgamento de uma equipe de<br />

pessoas, para que haja diminuição de riscos advindos<br />

da dependência de um expert, o que pode<br />

não refletir o que os consumidores esperam do<br />

produto, podendo comprometer o processo de<br />

produção (ARAÚJO et al., 2007).<br />

Segundo Dutcosky (2007), a escolha de<br />

um método de análise sensorial, pode ser classificada<br />

a partir da resposta de uma das seguintes<br />

questões:<br />

O produto é aceito pelos consumidores?<br />

Existe diferença perceptível entre o produto<br />

em estudo e algum produto convencional<br />

similar? (Dois produtos podem ser diferentes,<br />

mas igualmente aceitos); Quais os principais pontos<br />

de diferença? (Que qualidades sensoriais estão<br />

presentes? Quais as suas intensidades?).<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 107-115, jun. 2011<br />

111


4.3.1 Testes utilizados em análise sensorial<br />

a) Testes Discriminativos<br />

Os métodos discriminativos estabelecem<br />

diferenciação qualitativa e/ou quantitativa entre<br />

as amostras e incluem os testes de diferença<br />

e os testes de sensibilidade (ABNT, 1993b). São<br />

testes em que não se requer conhecer a sensação<br />

subjetiva que produz um alimento a uma<br />

pessoa, mas apenas se deseja estabelecer se<br />

existe diferença ou não entre duas ou mais<br />

amostras e, em alguns casos, a magnitude ou<br />

importância dessa diferença (ANZALDÚA-MORA-<br />

LES, 1994).<br />

São testes muito usados para seleção e<br />

monitoramento de equipe de julgadores, para<br />

determinar se existe diferença devido à substituição<br />

de matéria-prima, alterações de processo<br />

devido à embalagem ou ao tempo de armazenamento<br />

(FERREIRA et al., 2000).<br />

Os Testes realizados como discriminativo<br />

são descritos por Baddini (2010):<br />

- Teste Duo-Trio: determina se existe diferença<br />

entre uma amostra e um padrão.<br />

- Comparação Pareada: determina se existe diferença<br />

entre duas amostras com relação a um<br />

atributo sensorial.<br />

b) Teste Sensorial Afetivo<br />

Os testes afetivos são usados para<br />

avaliar a preferência e/ou aceitação de produtos.<br />

Geralmente um grande número de julgadores<br />

é requerido para essas avaliações. Os<br />

julgadores não são treinados, mas são selecionados<br />

para representar uma população<br />

alvo (IFT, 1981).<br />

Os testes afetivos são uma importante<br />

ferramenta, pois acessam diretamente a opinião<br />

do consumidor já estabelecido ou potencial de<br />

um produto, sobre características específicas do<br />

produto ou idéias sobre o mesmo, por isso são<br />

também chamados de testes de consumidor<br />

(FERREIRA et al., 2000).<br />

A escala hedônica afetiva mede o gostar<br />

ou desgostar de um alimento. A avaliação da<br />

escala hedônica é convertida em escores numéricos<br />

e analisados estatisticamente para determinar<br />

a diferença no grau de preferência entre<br />

amostras (IFT, 1981; LAND e SHEPHERD, 1988;<br />

ABNT, 1998) como observado nas figuras 1, 2 e 3.<br />

Figura 1: Modelo de escala hedônica facial de 1 a 5<br />

pontos utilizada para testes de análise sensorial.<br />

Fonte: FNDE, 2006.<br />

Figura 2: Modelo de escala hedônica (estruturada<br />

verbal, numérica, bipolar, nove pontos).<br />

- Teste Triangular: verifica se existe diferença<br />

entre duas amostras que sofreram processos<br />

diferentes.<br />

- Teste de Comparação Múltipla: verifica e estima<br />

o grau de diferença entre várias amostras<br />

e outra padrão.<br />

Fonte: ABNT, NBR 14141, 1998.<br />

O teste de ordenação é um teste no qual<br />

uma série de três ou mais amostras são apresentadas<br />

simultaneamente. Ao provador é solicitado<br />

que ordene as amostras de acordo com a intensidade<br />

ou grau de atributo específico (ABNT,1994).<br />

112<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 107-115, jun. 2011


Figura 3: Modelo de ficha para teste de ordenação<br />

dada ao provador.<br />

Amostra: Julgador: Data:<br />

Você está recebendo quatro amostras codificadas. Avalie cada<br />

uma, colocando-as em ordem crescente da intensidade do<br />

atributo específico.<br />

Comentários:<br />

primeira segunda terceira quarta<br />

Fonte: ABNT, NBR 13170 / 1994<br />

c) Teste Sensorial Descritivo<br />

Os métodos descritivos podem ser testes<br />

de avaliação de atributos (por meio de escalas),<br />

perfil de sabor, perfil de textura, análise<br />

descritiva quantitativa - ADQ e teste de tempointensidade<br />

(ABNT, 1993b).<br />

Nos testes descritivos procura-se definir<br />

as propriedades do alimento e medi-la da maneira<br />

mais objetiva possível. Aqui não são importantes<br />

as preferências ou aversões dos julgadores,<br />

e não é tão importante saber se as diferenças<br />

entre as amostras são detectadas, e sim<br />

qual é a magnitude ou intensidade dos atributos<br />

do alimento (ANZALDÚA-MORALES, 1994).<br />

Na avaliação de atributos dos produtos alimentícios<br />

utilizam-se escalas, que determinam a<br />

grandeza (intensidade da sensação) e a direção das<br />

diferenças entre as amostras, e através das escalas<br />

é possível saber o quanto as amostras diferem entre<br />

si e qual a amostra que apresenta maior intensidade<br />

do atributo sensorial que está sendo medido.<br />

O perfil de características é um teste que avalia a<br />

aparência, cor, odor, sabor e textura de um produto<br />

comercializado ou em desenvolvimento. É amplamente<br />

recomendado em desenvolvimento de novos<br />

produtos, para estabelecer a natureza das diferenças<br />

entre amostras ou produtos, em controle da<br />

qualidade (TEIXEIRA, MEINERT e BARBETTA, 1987).<br />

4.3.2 Condições para realização dos testes<br />

De acordo com Dutcosky (2007), os testes<br />

devem ser realizados em locais tranquilos, onde<br />

o provador fique inteiramente envolvido a degustação.<br />

O local a ser realizado deve ser longe<br />

de odores, de barulho, e de fácil acesso. Para uma<br />

melhor percepção dos provadores os mesmos<br />

devem ser separados em cabines individuais, prevenindo<br />

assim a interação entre os julgadores.<br />

As cabines sensoriais devem seguir dimensões<br />

adequadas ao conforto e individualidade<br />

do julgador, recomenda-se a área das cabines<br />

90 cm de largura e 90 cm de profundidade<br />

(dividindo-se 60 cm para a mesa interna e com<br />

mais 30 cm de vão de entrada) e altura da mesa<br />

de 75 cm (DUTCOSKY, 2007).<br />

A iluminação deve ser com luz natural ou<br />

fluorescente natural, porém deve-se ter o recurso<br />

adicional de lâmpadas coloridas para mascarar<br />

a cor de certas amostras ou homogeneizá-las. A<br />

temperatura no local da análise deve estar em<br />

torno de 22 ºC, com umidade relativa do ar entre<br />

50 e 55%. As paredes devem ser brancas ou de<br />

cores neutras, e a área de preparo das amostras<br />

não deve ser visível aos juízes (VIANA, 2005).<br />

4.4 PROCEDIMENTOS PARA OS TESTES SENSORIAIS<br />

Para a execução dos testes deve ser necessário<br />

respeitar as recomendações estabelecidas<br />

do horário sendo por tanto duas horas antes<br />

ou depois das refeições. Deve ser oferecido<br />

água, pão ou biscoito água e sal para fazer o branco<br />

entre as amostras, e sempre orientar os provadores<br />

à provar as amostras dadas da esquerda<br />

para a direita (DUTCOSKY, 2007). Segundo Bôas e<br />

Andrade (2008), o horário ideal seria no período<br />

matinal entre às 09:00 e 11:00 pois os degustadores<br />

estarão mais disponíveis e atentos.<br />

O laboratório de análise sensorial deve<br />

conter: cabine individual, para aplicação dos testes,<br />

deve ser limpa, livre de ruídos e odores e<br />

apresentar área com boa ventilação e iluminação<br />

uniforme (FERREIRA et al., 2000).<br />

A amostra servida deve ser precisamente<br />

controlada com o mínimo de manuseio do produto<br />

e rapidez no preparo. Quanto à quantidade<br />

e temperatura da amostra deve ser definida e<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 107-115, jun. 2011<br />

113


padronizada de acordo com o teste a ser empregado.<br />

Com tudo, o conhecimento do que se pretende<br />

analisar é de extrema importância para<br />

que o degustador não julgue o produto com interpretações<br />

pessoais, mas o avalie o mais objetivamente<br />

possível (DUTCOSKY, 2007).<br />

Deve-se usar recipientes limpos, sem<br />

odores e sabores. Para líquidos usa-se aço inox,<br />

vidrarias (mais indicado), e alguns plásticos.<br />

Aconselha-se usar cerâmica para bebidas quentes<br />

e vidro para bebidas frias. Para sólidos e<br />

semi-sólidos pratos ou pires de papel. Os talheres<br />

devem ser de aço inox (DUTCOSKY, 2007).<br />

Quanto aos critérios dos provadores, cada<br />

degustador, no uso dos seus sentidos, é a ferramenta<br />

analítica na avaliação sensorial. Portanto,<br />

ele deve apresentar: adequada sensibilidade,<br />

senso crítico, concentração, habilidade de<br />

descrever suas percepções sensoriais utilizando<br />

uma terminologia adequada, memória sensorial,<br />

pois são características que influenciam<br />

diretamente a avaliação e/ou o julgamento do<br />

produto e, em dimensão maior do que outros<br />

fatores como ambiente de trabalho, tempo,<br />

equipamento etc (BÔAS; ANDRADE, 2008).<br />

É importante observar nos membros da<br />

equipe, também, o grau de interesse, disponibilidade,<br />

objetividade, curiosidade intelectual<br />

e estabilidade. Os provadores devem ter, ainda,<br />

apetite normal e boa saúde, sendo dispensados<br />

quando gripados, por exemplo; preferencialmente,<br />

não devem apresentar aparelhos ortodônticos<br />

e próteses dentárias; fumantes e não<br />

fumantes são pessoas igualmente úteis para<br />

compor a equipe, porém é aconselhável não fumar,<br />

não mascar chiclete e não tomar café, uma<br />

hora antes do teste (BÔAS; ANDRADE, 2008).<br />

As fichas devem ser atrativas e simples e<br />

formuladas de acordo com as característica de<br />

quem vai preenchê-las. Deixar espaço em branco<br />

para data e nome (BÔAS; ANDRADE, 2008).<br />

Quanto às codificações nas amostras, devem ser<br />

feitas de maneira que os provadores não possam<br />

distinguir as amostras ou pelos vícios dos<br />

códigos. Um código feito com três dígitos ao acaso<br />

pode ser apresentado para cada amostra, de<br />

modo que cada provador receba amostras codificadas<br />

diferentemente.<br />

5 CONCLUSÃO<br />

Após verificar o histórico, as aplicações e<br />

os métodos que podem ser utilizados para realizar<br />

a análise sensorial de um determinado produto,<br />

concluí-se que a realização das análises é<br />

de extrema importância. Pois, através da aplicabilidade<br />

destes métodos poderemos avaliar critérios<br />

como consistência, sabor, aroma, textura,<br />

e aparência dos produtos alimentícios, e com os<br />

resultados identificar a aceitação e preferência<br />

acerca dos produtos submetidos à análise.<br />

A realização de análise sensorial é fundamental<br />

para garantir a inserção de novos produtos<br />

no mercado alimentício. Sendo assim o<br />

emprego deste procedimento auxilia as grandes<br />

indústrias alimentícias a identificar o grau de<br />

aceitabilidade dos consumidores em relação ao<br />

produto que poderá ser lançado no mercado.<br />

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1993a.<br />

ABNT. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS<br />

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ABNT. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS<br />

TÉCNICAS. NBR 14141: escalas utilizadas em análise<br />

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1998.<br />

114<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 107-115, jun. 2011


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Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 107-115, jun. 2011<br />

115


116


REALIDADE, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DOS<br />

DIREITOS HUMANOS NA REGIÃO AMAZÔNICA:<br />

UMA REFLEXÃO SOBRE OS NOVOS ATORES<br />

INTERNACIONAIS FRENTE À COOPERAÇÃO 1<br />

Tienay Picanço da Costa Silva *<br />

RESUMO<br />

A árdua garantia dos Direitos Humanos desafia o Sistema Internacional, enquanto o contexto<br />

multilateral e interdependente das relações internacionais impõe e comprova o fato de que,<br />

cada vez mais, o alcance aos fins comuns dos Estados não dependem tão somente do uso da<br />

força e aplicação do poder, mas também da cooperação. O presente artigo sugere uma reflexão<br />

acerca da garantia dos Direitos Humanos propiciada por novos atores internacionais, assumindo<br />

a Cooperação Internacional como estratégia de desenvolvimento social, potencialmente capaz<br />

de superar a realidade e os desafios da Região Amazônica, traçando perspectivas humanitárias<br />

no âmbito local.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos. Cooperação Internacional. Novos Atores. Região Amazônica.<br />

Relações Internacionais.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

O caráter universalista dos Direitos Humanos<br />

reconhece que as necessidades básicas<br />

referentes à manutenção da dignidade humana<br />

são inerentes a todo e qualquer indivíduo, e, por<br />

conseguinte, converte os problemas humanitários<br />

ao âmbito global. Esta concepção, difundida<br />

ainda em 1948, ano de declaração da carta dos<br />

Direitos Humanos, trazia consigo, desde o início,<br />

o ideal de fraternidade entre estados e indivíduos,<br />

situada sob a instituição da Organização<br />

das Nações Unidas e promovendo significante<br />

iniciativa de cooperação internacional.<br />

É pertinente ressaltar que, após mais de<br />

seis décadas da declaração dos Direitos Humanos<br />

e da Carta de São Francisco, os parâmetros<br />

referentes ao direito das gentes e à cooperação<br />

internacional sofreram alterações naturais. O<br />

século XX expôs novos desafios à comunidade<br />

*<br />

Acadêmica do 5º Semestre do curso Relações Internacionais<br />

e bolsista do Programa de Iniciação Científica da<br />

Universidade da Amazônia – UNAMA, com o projeto “O UNICEF<br />

e a promoção dos Direitos Humanos da Infância e<br />

Adolescência na Região Metropolitana de Belém”. Contato:<br />

tienay.costa@gmail.com<br />

1<br />

Artigo elaborado sob orientação do prof. Mário Tito Almeida,<br />

mestre em Economia; assessor de Relações Internacionais<br />

da Universidade da Amazônia - UNAMA. Orientador de<br />

Iniciação Científica. Contato: mario.tito@unama.br<br />

117<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 117-126, jun. 2011


global, sobretudo, de cunho político e social,<br />

gerando novas problemáticas humanitárias e<br />

tornando a manutenção dos Direitos Humanos e<br />

o Sistema Internacional ainda mais complexos.<br />

Tal complexidade tem resultado na urgente necessidade<br />

de desenvolver esforços coletivos<br />

mais enfáticos em prol da superação de desafios<br />

acerca da cooperação, tanto em nível internacional<br />

quanto regional.<br />

A partir da segunda metade do século XX,<br />

a comunidade global direcionou-se a um processo<br />

de afastamento do modelo estruturado sob a<br />

visão centro-dominante do Estado, uma vez que<br />

novos atores internacionais integram-se ao Sistema<br />

Internacional. Deste modo, empresas transnacionais,<br />

Organizações Internacionais e Organizações<br />

não Governamentais se impõem como significantes<br />

agentes, propulsores de novas relações<br />

e capazes de interferir no direcionamento das<br />

políticas globais e nacionais. A presença destes<br />

novos atores internacionais não desconsidera a<br />

autoridade e soberania dos Estados 2 , o que ocorre<br />

é uma adequação ao contexto das relações internacionais<br />

contemporâneas, a qual se situa em<br />

meio aos impulsos da globalização e a crescente<br />

dinamização das relações de interdependência.<br />

É considerando este quadro mais complexo,<br />

interdependente e dinamizado, que a Teoria<br />

Neoliberal das Relações Internacionais encontrase<br />

fundamentada, admitindo a cooperação entre<br />

os atores globais, porém, sem repercutir a visão<br />

utópica dos Idealistas. Joseph Nye e Robert Keohane,<br />

principais teóricos neoliberais, assumem<br />

que “há muitas formas de conexões entre as sociedades<br />

além das relações políticas de governo”<br />

(KEOHANE e NYE apud JACKSON e SORENSEN,<br />

2007) a ação dos novos atores internacionais é a<br />

representatividade destas conexões, as quais<br />

2<br />

Os Estados, a partir da concordância em participar de uma<br />

Organização Internacional por meio de tratados, cede parte<br />

da sua soberania à referida instituição. Para Eiiti Sato, (2003),<br />

a questão da soberania ainda é um obstáculo à cooperação,<br />

havendo relutância – em diferentes níveis – por parte dos<br />

países, em, sobretudo, admitirem outra instância<br />

internacional além do Estado.<br />

aproximam governos e sociedades civis, descentralizando<br />

as influências no Sistema Internacional,<br />

e potencializando a Cooperação em prol do<br />

enfrentamento a problemas comuns, sobretudo,<br />

os que envolvem questões humanitárias. Deste<br />

modo, a interdependência<br />

Implica reconhecer a cooperação internacional<br />

não apenas como um<br />

instrumento político das relações<br />

internacionais (barganha e disputa<br />

de poder), mas como um mecanismo<br />

jurídico de efetivação de direitos.<br />

Essa interpretação permite que seja<br />

dado um salto qualitativo nos direitos<br />

humanos (TORRONTEGUY, 2010).<br />

A relação entre interdependência e cooperação<br />

internacional é lógica; Havendo influência<br />

mútua entre as políticas dos atores internacionais,<br />

a exigência de maior potencialidade<br />

de ação conjunta se torna natural. Entretanto, a<br />

lógica da teoria constantemente não acompanha<br />

a sua aplicação prática.<br />

Os liberais, às vezes, sustentam que<br />

a interdependência significa paz e cooperação,<br />

infelizmente não é assim<br />

tão simples. As lutas pelo poder continuam<br />

até mesmo em um mundo de<br />

interdependência (NYE, 2009, p.25).<br />

Deste modo, dialéticas entre poder e<br />

dependência dominam as relações internacionais,<br />

evidenciando desigualdades sociais e interesses<br />

políticos conflitantes, os quais dificultam<br />

a execução de esforços coordenados em prol<br />

da manutenção dos Direitos Humanos; “A interdependência<br />

complexa é um experimento racional<br />

que nos permite imaginar um tipo de política<br />

mundial diferente” NYE (op.cit.), visto isso,<br />

a grande questão é buscar balancear o nível de<br />

comprometimento dos atores internacionais e<br />

locais em imaginar novas políticas, e, sobretudo,<br />

executá-las de modo eficiente.<br />

As políticas desenvolvidas com vista na<br />

garantia dos Direitos Humanos necessitam de<br />

118<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 117-126, jun. 2011


3<br />

A violação dos direitos humanos, a partir do conceito<br />

restrito de dignidade e liberdade, considera essencialmente<br />

o uso de violência explícita (crime de guerra, escravidão,<br />

abuso de poder etc.) não abrangendo os modos implícitos<br />

de violência aplicados contra o indivíduo.<br />

4<br />

A região denominada ‘Amazônia Legal’ corresponde à 61%<br />

do território Brasileiro,sendo compreendida pela totalidade<br />

dos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e de<br />

Roraima, acrescida de parte dos estados do Mato Grosso,<br />

Maranhão e Tocantins. A região alcança, aproximadamente,<br />

5.217.423 km².<br />

abordagem e implantação diferenciadas para que<br />

sejam eficazes. Isto se deve, dentre outras coisas,<br />

às questões humanitárias contemporâneas,<br />

as quais se diversificaram, do mesmo modo que<br />

as relações no Sistema Internacional, adquirindo<br />

maior grau de complexidade. A garantia dos Direitos<br />

Humanos afastou-se, gradativamente, do<br />

conceito restrito de liberdade e dignidade 3 , passando<br />

a fundamentar-se na violação de direitos<br />

do indivíduo que concirna à privação dos meios<br />

viabilizadores de seu desenvolvimento frente à<br />

sociedade, envolvendo o acesso às políticas públicas<br />

de saúde e educação, segurança, alimentação,<br />

além de direitos econômicos e culturais.<br />

Neste cenário, considerando a diversidade<br />

e indivisibilidade de direitos do indivíduo e o<br />

multilateralismo protagonizado pelos diversos<br />

atores internacionais, emerge o desafio de garantir<br />

os Direitos Humanos no século XXI e a relevância<br />

e pertinência da cooperação internacional<br />

como estratégia de desenvolvimento social.<br />

A cooperação internacional é potencialmente<br />

eficaz de promover a melhoria qualitativa<br />

das problemáticas humanitárias, não unicamente<br />

em nível global, mas igualmente em âmbito<br />

regional superando déficits políticos e históricos<br />

como os da Região Amazônica, envolta<br />

em visibilidade concomitante a um descaso.<br />

A Amazônia Legal 4 situa-se em um cenário<br />

periférico, o qual embora seja centro de discussões,<br />

sobretudo, de cunho ambiental, apresenta<br />

dados alarmantes a respeito da violação<br />

aos Direitos Humanos, demonstrando que políticas<br />

em prol da superação da realidade social<br />

ainda são deficitárias. Segundo o Relatório ‘Violação<br />

dos Direitos Humanos na Amazônia: conflito<br />

e violência na fronteira paraense’ (2005), as<br />

políticas governamentais para o Estado do Pará<br />

e Amazônia de modo geral “estiveram – e ainda<br />

estão – profundamente ligadas a obras de infraestrutura<br />

e exploração dos recursos naturais”,<br />

fato que incita a discussão acerca da ênfase governamental<br />

e internacional direcionada à Amazônia<br />

e propõe a necessidade de rever políticas<br />

e estratégias humanitárias na Região.<br />

Sobre o contexto Amazônico aqui abordado,<br />

At Silva (2004) afirma que:<br />

Um dos grandes desafios para a compreensão<br />

da Amazônica contemporânea<br />

é refletir suas vias de desenvolvimento<br />

e perspectivas no cenário<br />

das transformações tencionadas<br />

pelas demandas políticas, econômicas,<br />

sociais e ecológicas num mundo<br />

cada vez mais globalizado e interdependente.<br />

Frente a isso, o presente artigo propõe a<br />

reflexão acerca da ação de novos atores internacionais<br />

ao que concerne a cooperação internacional,<br />

utilizando se da Região Amazônica como contexto,<br />

a fim de evidenciar que as dificuldades de ação conjunta,<br />

envolvendo Estado e demais instituições,<br />

necessitam ser <strong>revista</strong>s e combatidas a partir de uma<br />

perspectiva interna, para que, posteriormente, reflitam<br />

internacionalmente de modo positivo e possam<br />

transcender limitações históricas.<br />

O exercício acadêmico em questão divide-se<br />

em três etapas complementares. A primeira<br />

consiste na apresentação da realidade amazônica<br />

no que se refere aos Direitos Humanos,<br />

seguida pela etapa a qual incide na exposição<br />

dos desafios que envolvem o alcance aos Direitos<br />

Humanos e à cooperação em prol da superação<br />

de problemáticas humanitárias na região;<br />

Por fim, a terceira e última etapa do artigo trata<br />

de traçar perspectivas acerca da manutenção dos<br />

Direitos Humanos e da cooperação internacional<br />

na Região Amazônica, considerando as possibilidades<br />

de ação conjunta de novos atores internacionais<br />

em âmbito local.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 117-126, jun. 2011<br />

119


2 A REALIDADE DA REGIÃO AMAZÔNICA<br />

As peculiaridades e especificidades da<br />

Região Amazônica, ao serem externadas, tendem<br />

a se mistificar. Por vezes, a singularidade<br />

dos aspectos físicos, históricos e culturais é absorvida<br />

fundamentalmente de modo positivo e<br />

exótico, o que não favorece uma análise mais<br />

crítica acerca da composição - ainda muito desconhecida<br />

- da região. Tal fato contribui para que,<br />

nas últimas décadas, a Amazônia dos recursos<br />

naturais e a Amazônia das problemáticas humanitárias<br />

não sejam evidenciadas, discutidas e<br />

elevadas ao âmbito global em iguais proporções.<br />

É fundamental ressaltar que a distinção de<br />

nomenclatura feita acima não se deve a fronteiras<br />

físicas ou a diferentes níveis de relevância entre o<br />

social e o ambiental, o que ocorre é apenas a errônea<br />

separação destes dois aspectos, e o não alcance<br />

à realidade da Região Amazônica no que se refere<br />

à garantia dos Direitos Humanos. Talvez haja<br />

um entendimento deficitário a respeito de que,<br />

paralelamente à magnitude internacional da Amazônia,<br />

às belezas naturais e ao discurso de conservação,<br />

há uma realidade social crítica na região.<br />

O ocorrente esquecimento ou até desconhecimento<br />

das populações da região amazônica<br />

é resultado de interações sociais as quais se<br />

construíram historicamente desde o século XVII,<br />

com o início efetivo da colonização. A Amazônia<br />

sofreu um intenso e acelerado processo de modificação,<br />

o que interferiu fortemente na vida<br />

da população local, a qual vivia, em sua maioria,<br />

da agricultura de subsistência, da pesca e da coleta<br />

de recursos da floresta. O crescimento econômico<br />

proporcionou que uma parcela minoritária<br />

da sociedade se desenvolvesse, enquanto<br />

a grande parcela esteve à parte do processo de<br />

desenvolvimento. Sendo assim, os modos de<br />

ocupação e o extrativismo local colaboraram para<br />

a desestruturação social e atenuação das problemáticas<br />

humanitárias da Região Amazônica.<br />

As relações econômicas com o restante<br />

do país raramente visaram à inserção e o desenvolvimento<br />

social, fato exemplificado através da<br />

expansão da economia da borracha, no século XX;<br />

mesmo com as possibilidades de desenvolvimento,<br />

e a aparente riqueza da Belle Époque amazônica<br />

5 , não houve a preocupação de internalizar renda,<br />

diversificar a produção e, sobretudo, reverter<br />

os lucros em qualidade de vida para a população<br />

de modo geral, do mesmo modo que ao refletir-se<br />

sobre o Programa de Integração Nacional<br />

– PIN 6 - de 1970, percebe-se que os projetos<br />

de construir rodovias que aproximassem a Amazônia<br />

do restante do país, foram idealizados apenas<br />

como instrumento de ocupação, com o intuito<br />

de favorecimento a exploração da região e não<br />

de integração positiva da população.<br />

Além dos fatores históricos, a estruturação<br />

física é igualmente determinante à formação<br />

e compreensão da realidade social de uma<br />

região. Deste modo,<br />

a dimensão estrutural física é um fator<br />

crucial, especialmente na Região<br />

Amazônica. Ela em sua dimensão física<br />

se constitui de vários espaços<br />

não-homogêneos, com vários ecossistemas<br />

distintos, e variações acentuadas<br />

de geomorfologia, solos, flora,<br />

fauna, características climáticas,<br />

criando condicionantes a sua exploração<br />

econômica e ocupação social.<br />

(Coleção de Estudos Regionais sobre<br />

os ODM 7 – Região Norte, 2007).<br />

5<br />

Período em que a região norte, sobretudo as cidades de<br />

Belém e Manaus, importaram a cultura cosmopolita da<br />

Europa do século XIX em reflexo do desenvolvimento que a<br />

extração da borracha e a indústria pneumática trouxe a<br />

região.<br />

6<br />

O Plano de Integração Nacional foi implantado pelo<br />

presidente Médici durante o militarismo e instituiu-se<br />

através do decreto-lei Nº1106, de 16 de julho de 1970, com<br />

o intuito de preencher os vazios demográficos do Brasil<br />

através da contrução de estradas que ligariam as regiões do<br />

país. As grandes rodovias, como a transamazônica fez parte<br />

deste projeto.<br />

7<br />

Objetivos de Desenvolvimento do Milênio instituídos através<br />

da Declaração do Milênio das Nações Unidas em setembro<br />

do ano 2000, os quais consistem em oito metas sociais<br />

concretas a serem alcançadas até 2015 pelos 192 Estados<br />

membros da ONU.<br />

120<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 117-126, jun. 2011


A partir deste entendimento, é possível<br />

perceber o quão complexa é a inserção nacional e<br />

internacional na Amazônia e o quão grande é a<br />

necessidade de adequá-la aos novos moldes das<br />

relações internacionais e de desenvolverem-se<br />

políticas de cooperação eficazes à garantia dos Direitos<br />

Humanos, respeitando as especificidades<br />

locais, as singularidades geográficas e as demais<br />

especificidades da região, as quais, de certo modo,<br />

desafiam o alcance às necessidades básicas e à<br />

melhoria da qualidade de vida da população.<br />

O quadro social da Região Amazônica apresenta<br />

sob a extensão agrária e ocupação territorial<br />

não homogênea os conflitos fundiários mais<br />

críticos do país, os quais resultam em centenas de<br />

assassinatos e na banalização da vida nos interiores<br />

dos municípios da região; a concentração de<br />

terras e de renda esconde sob o ciclo de exploração<br />

humana e natural, a extrema pobreza e a maior<br />

incidência de trabalho escravo no Brasil, acompanhados<br />

da falta de assistência à população, da<br />

dificuldade de acesso à saúde e à educação, evidenciando<br />

altos níveis de mortalidade infantil,<br />

subnutrição e evasão escolar.<br />

Os estados da região norte, os quais compõem<br />

a Amazônia legal em quase sua totalidade,<br />

detêm dados acerca da realidade social desfavoráveis,<br />

incluindo as menores rendas per capita<br />

e os menores Índices de Desenvolvimento<br />

Humano – IDH –. Observa-se na região<br />

uma maior predominância da proporção<br />

de pobres e indigentes localizados,<br />

bem como uma maior porcentagem<br />

de municípios excluídos 8 "<br />

(POSHMAN AMORIM, 2003 apud COLE-<br />

ÇÃO ODM, op.cit.).<br />

8<br />

O ordenamento quanto aos municípios excluídos segue o<br />

chamado índice de exclusão social, que leva em<br />

consideração três aspectos (com suas devidas<br />

ponderações): padrão de vida digno, mediado pela pobreza<br />

dos chefes de família no município, a taxa de emprego<br />

formal sobre a população em idade ativa (PIA) e uma Proxy<br />

para a desigualdade de renda; o conhecimento medido<br />

pela taxa de alfabetização de pessoas acima de cinco anos<br />

e o número médio de anos de estudo do chefe do domicílio<br />

e , por fim, o risco juvenil, medido pela porcentagem de<br />

jovens na população e número de homicídios por 100 mil<br />

habitantes (POSHMAN AMORIM, op.cit.)<br />

Nesta perspectiva, “Pará, Acre, Amazonas<br />

apresentam 72%, 91% e 94% dos municípios,<br />

respectivamente, com o IDH abaixo da média<br />

nacional.” (Coleção ODM op.cit.), o que é reflexo<br />

da pobreza advinda, dentre outras coisas, da<br />

má distribuição de renda.<br />

A situação dos municípios da Região Amazônica<br />

abrange as realidades rurais e urbanas, e<br />

traduzem o esquecimento das populações tradicionais<br />

da região que incluem indígenas, quilombolas,<br />

caboclos e ribeirinhos, “ignorados<br />

pelas estatísticas oficiais e milhares de pessoas<br />

continuam a nascer e a morrer no interior todos<br />

os anos sem que o poder público tome conhecimento<br />

da sua existência” (Coleção ODM op.cit.),<br />

e privados do acesso aos Direitos Humanos.<br />

É notório o fato de que as problemáticas<br />

humanitárias e a pobreza aqui discutida se contrastam<br />

com a riqueza interna da região, logo, a<br />

realidade apresentada não advém da escassez<br />

de recursos, nem tão somente de fatores históricos<br />

e dimensões estruturais, mas também da<br />

ainda insuficiente integração política entre os<br />

setores público e privado da sociedade, e entre<br />

os novos atores internacionais que dividem a<br />

responsabilidade do desenvolvimento social<br />

com os Estados.<br />

Desde a conferência das Nações Unidas<br />

para o Meio Ambiente – CNUMAD - 9 em 1992 e a<br />

implantação do PPG7 10 em 1995, evidenciou-se<br />

certa abertura a diferentes atores sociais na<br />

Amazônia e o significativo aumento de acordos<br />

envolvendo a cooperação internacional. A partir<br />

de então “passou a constituir-se em um com-<br />

9<br />

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o<br />

Desenvolvimento (CNUMAD), também conhecida como ECO-<br />

92, realizou-se entre os dias 3 e 14 de junho do ano de 1992,<br />

no Rio de Janeiro. A conferência apresentou como intuito<br />

conciliar desenvolvimento sócio-econômico e preservação<br />

ambiental.<br />

10<br />

Sigla referente ao Programa Piloto para a Proteção das<br />

Florestas Tropicais do Brasil, o qual consiste em uma<br />

iniciativa de Estado em parceria com parceria com a<br />

sociedade e comunidade internacional. O objetivo é o<br />

desenvolvimento de estratégias que protejam a Floresta<br />

Amazônica e a Mata Atlântica, associando desenvolvimento<br />

sustentável e melhorias de qualidade de vida das<br />

populações locais.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 117-126, jun. 2011<br />

121


plexo espaço multidimensional modelado por<br />

poderes e ações de atores transnacionais” (PRES-<br />

SLER, 2010), entretanto, sabe-se que os níveis<br />

de interesse e eficácia das ações desses atores<br />

para com os Direitos Humanos não são facilmente<br />

evidenciados, e que embora haja as propostas<br />

positivas de “reduzir a pobreza” e “preservar<br />

o meio ambiente” – as quais representam um<br />

grande avanço – os investimentos externos, as<br />

ações do PNUD 11 e as estratégias locais e nacionais<br />

voltadas à Região Amazônica ainda são deficitárias.<br />

Sobre a presença mais ativa de novos<br />

atores na região, Pressler (op.cit.) expõe,<br />

se suscita a ideia de que está sendo<br />

desenvolvido o capital social e a<br />

qualidade de vida na região Amazônica.<br />

Entretanto, ao visitar comunidades,<br />

algumas delas inclusas nos<br />

projetos da cooperação internacional,<br />

constata-se outra realidade. A<br />

imagem encontrada nas comunidades<br />

tradicionais difere da apresentada<br />

em eventos, projetos, documentos,<br />

relatórios e narrativas das organiz<br />

ações.<br />

Tal fato reforça ainda mais o desafio de<br />

implantar os Direitos Humanos na Região Amazônica<br />

de modo eficaz, gerando satisfação social<br />

e transformando a realidade local.<br />

3 OS DESAFIOS À GARANTIA DOS DIREITOS HU-<br />

MANOS<br />

Diante das circunstâncias envolvendo a<br />

realidade social amazônica, surgem diversos<br />

desafios, que, embora mereçam o devido reconhecimento<br />

de suas complexidades, não devem<br />

ser aceitos como barreiras intransponíveis à garantia<br />

dos Direitos Humanos.<br />

11<br />

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento<br />

(PNUD) é um órgão integrado ao Sistema da Organização das<br />

Nações Unidas, o qual tem por mandato promover o<br />

desenvolvimento e eliminar a pobreza mundial através de<br />

projetos sociais difundidos internacionalmente.<br />

A Região Amazônica é cenário de um processo<br />

exploratório ainda em curso e, embora<br />

compreenda-se que os fatores históricos, envolvendo<br />

desde as relações coloniais até o atual<br />

momento reflitam em danos sociais críticos, as<br />

dificuldades humanitárias não devem ser aceitas<br />

como uma realidade imutável. Os déficits<br />

históricos necessitam ser transpostos para que<br />

se instalem, de modo homogêneo, as condições<br />

básicas de vida na região.<br />

Situa-se então, sob tal conjuntura, um<br />

imponente desafio a ser superado, o qual depende<br />

não somente da ação política de atores<br />

locais e internacionais, mas, sobretudo, de uma<br />

mudança de consciência no que se refere ao ceticismo<br />

acerca das potencialidades de transformações<br />

sociais instalado no senso comum.<br />

Sobre a mudança das realidades históricas<br />

e o alcance aos Direitos Humanos, Piovesan<br />

(2005) assegura que:<br />

Se os direitos humanos não são um<br />

dado, mas um construído, há que se<br />

ressaltar que as violações a estes<br />

direitos também o são. Isto é, as violações,<br />

as exclusões, as discriminações<br />

e as intolerâncias são um<br />

construído histórico, a ser urgentemente<br />

desconstruído. Há que se assumir<br />

o risco de romper com a cultura<br />

da “naturalização” e da “banalização”<br />

das desigualdades e das exclusões,<br />

que, enquanto construídos<br />

históricos, não compõem de forma<br />

inexorável o destino da humanidade.<br />

Há que se enfrentar essas amarras,<br />

mutiladoras do protagonismo e<br />

da dignidade e da potencialidade de<br />

seres humanos.<br />

Ao contrário dos aspectos históricos, a<br />

dimensão estrutural física não é construída, mas<br />

simplesmente um fato, que em sua naturalidade<br />

deve ser contornada e adaptada aos novos<br />

moldes de integração e cooperação internacional.<br />

A constituição geográfica e demográfica diferenciada<br />

da Região Amazônica exige das políticas<br />

nacionais ou de cooperação internacional<br />

122<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 111-120, 117-126, jun. 2011


direcionadas à região um maior potencial estratégico,<br />

o qual envolva os problemas sociais de<br />

modo distinto das demais realidades nacionais.<br />

Tal fato, se somado as diversas dificuldades de<br />

coordenação políticas inerentes às relações humanas,<br />

torna-se um fator ainda mais conflitante<br />

aos Direitos Humanos.<br />

Apontar os aspectos que dificultam a reversão<br />

dos problemas sociais é em si desafiador.<br />

Para Torronteguy (op.cit.).<br />

Ocorre que muitas vezes o desafio<br />

para a efetivação de direitos não<br />

está na existência de um contencioso<br />

internacional, mas, bem ao contrário,<br />

está na falta de coordenação<br />

entre políticas nacionais. Não raro,<br />

os obstáculos para a efetivação de<br />

direitos são de ordem transnacional,<br />

o que exige esforço concertado de<br />

diversos países. Por vezes, trata-se<br />

de um direito que o Estado, por seus<br />

próprios meios, não consegue prover<br />

ao povo por meio de políticas<br />

públicas eficazes.<br />

Ao tratar-se da Região Amazônica, o alcance<br />

a qualidade de vida é ao mesmo tempo,<br />

um de desafio de ordem interna e transnacional.<br />

Falta sensibilidade às políticas públicas nacionais<br />

e aos programas internacionais de desenvolvimento<br />

social, insensibilidade esta, decorrente,<br />

dentre outras coisas, da falta de conhecimento<br />

devido acerca da realidade e especificidades<br />

da região.<br />

Frente a isso, a insuficiência de conhecimento<br />

– resultante na insuficiência de ação – deve<br />

ser combatida para que se evite qualquer mudança<br />

errônea de foco que distancie a sociedade brasileira<br />

e a comunidade internacional do enfrentamento<br />

aos problemas de cunho humanitário.<br />

Em relação às problemáticas ambientais,<br />

estas devem sim estar em foco, porém, como<br />

dito anteriormente, de modo conjunto com o<br />

desenvolvimento social. Neste sentido, o obstáculo<br />

consiste na conscientização de que os recursos<br />

naturais não são meramente fontes de<br />

crescimento econômico, e sim, meios para o<br />

desenvolvimento social e variável fundamental<br />

a análise da qualidade de vida.<br />

Há ainda outro obstáculo imposto pela<br />

consciência social aos Direitos Humanos, dessa<br />

vez referente à aceitação do multilateralismo<br />

nas relações políticas e às mudanças de tendência<br />

do sistema internacional.<br />

A questão que se coloca é dos novos<br />

desafios que o Estado passa a enfrentar<br />

com a necessidade de manter<br />

a integridade da nação, a soberania<br />

e, ao mesmo tempo, adequarse<br />

ao aumento de temas sob regulação<br />

globalizada e com a interferência<br />

das agências multilaterais (CAS-<br />

TRO, 2005).<br />

É importante ressaltar que a certa relutância<br />

dos Estados em ceder soberania aos demais<br />

organismos interfere nas possibilidades de<br />

cooperação internacional e que os desafios em<br />

lidar com os novos atores das relações internacionais<br />

não se pertencem somente aos governos<br />

nacionais, uma vez que as relações multilaterais<br />

entre os novos agentes também ocorrem<br />

em âmbito local, sobretudo, se tratarem-se a<br />

respeito de uma região com enfoque global, que<br />

é o caso da Amazônia.<br />

Deste modo, a cooperação internacional<br />

em prol do desenvolvimento social amazônico<br />

depende também da aceitação de interferência<br />

externa por parte das populações tradicionais e<br />

dos agentes locais. Para Almeida (apud PRESS-<br />

LER (op.cit.), na região amazônica<br />

o campo da mediação se tornou mais<br />

complexo, com novas possibilidades<br />

de regulação, e verifica-se uma recusa<br />

cada vez maior por parte das<br />

comunidades e povos tradicionais<br />

de delegar poderes a agências e<br />

agentes externos.<br />

Tal recusa aos agentes externos deve-se<br />

ainda à baixa confiança do senso comum acerca<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 117-126, jun. 2011<br />

123


dos interesses e intenções políticas que acompanham<br />

a ação dos atores internacionais na Região<br />

Amazônica e neste sentido, a falta de eficácia<br />

social dos compromissos internacionais assumidos<br />

para a Amazônia contribui para isto.<br />

Há ainda outro importante desafio que se<br />

relaciona ao alcance dos Direitos Humanos: a adaptação<br />

da inserção econômica da Região Amazônica<br />

frente às novas necessidades internas e externas.<br />

A reserva de capital natural que insere a<br />

Amazônia nas Agendas Globais necessita ser – ao<br />

mesmo tempo em que preservada como bem<br />

coletivo – a fonte de crescimento econômico, viabilizadora<br />

de desenvolvimento social e geradora<br />

de qualidade de vida às populações locais.<br />

Deste modo, a inserção da Amazônia<br />

como objeto de exploração, embora não seja<br />

mais a mesma do século XX, ainda necessita ser<br />

mais bem adequada aos novos padrões de interdependência<br />

e cooperação, para que os interesses<br />

externos não terminem por suprimir as<br />

possibilidades de mudança e superação das problemáticas<br />

humanitárias locais, adjacentes à<br />

exploração de recursos naturais.<br />

4 PERSPECTIVAS REGIONAIS<br />

O alcance aos Direitos Humanos na região<br />

ainda é frágil e limitado, e o crescimento econômico<br />

regional não assume a melhoria da qualidade<br />

de vida da população como prioridade. Entretanto,<br />

o início do tímido processo de alteração de<br />

consciência sobre a necessidade de desenvolver<br />

a região a partir do desenvolvimento humano é<br />

inegável, fato que traduz certo otimismo.<br />

Neste sentido, as perspectivas para a<br />

Região Amazônica, se negativas em sua totalidade,<br />

destoar-se-iam do potencial de desenvolvimento<br />

que a Amazônia carrega em seus recursos<br />

naturais; potencial este, que abrange diretamente<br />

as esferas sociais locais. Apesar disto, a<br />

região vem sendo centro de discussões políticas<br />

e econômicas que contornam, quase que inconscientemente,<br />

as questões sociais, criando-se um<br />

imaginário exógeno que não alcança a realidade<br />

da população regional, o qual mantém a Amazônia<br />

“numa centralidade ambiental de caráter<br />

monumental e exótico” (STEINBRENNER, 2007).<br />

Falta ainda à Amazônia deter da visibilidade<br />

global como um meio fundamental ao alcance<br />

dos direitos fundamentais às suas populações tradicionais,<br />

impondo interesses internos à comunidade<br />

internacional, a qual desconhece grande parte<br />

das problemáticas humanitárias locais.<br />

Sobre o desconhecimento da Região<br />

Amazônica sua importância global, ARAGÓN<br />

(2009) ressalta:<br />

Es necesario, por lo tanto, desmitificar<br />

la Amazonía, que cada uno la<br />

defina conforme sus propios intereses,<br />

creando muchas veces nuevos<br />

mitos para justificar sus acciones. La<br />

Amazonía se tornó, quiérase o no,<br />

una cuestión nacional y global, pero<br />

que aún hoy como antes y a pesar de<br />

los múltiples avances falta mucho<br />

por conocerse.<br />

Frente a isso, antes de pensar na Amazônia<br />

legal como patrimônio internacional e sobrepujá-la<br />

dos mais diversos interesses, é necessário<br />

conhecê-la. Caso contrário, as tentativas<br />

de cooperação em prol dos Direitos Humanos<br />

não serão eficazes.<br />

A cooperação internacional na Região<br />

Amazônica deve ocorrer em parceria às políticas<br />

nacionais e locais, tal qual às iniciativas do setor<br />

privado. Para tal, é fundamental o reconhecimento<br />

de que:<br />

la Amazonía se transformó tornándose<br />

una cuestión global y nacional,<br />

destacando en la región nuevos actores,<br />

nuevas redes, nuevas instituciones,<br />

ONGs nacionales e internacionales,<br />

aumentando el poder local de las<br />

comunidades en la reivindicación de<br />

sus intereses las cuales demandan<br />

incorporación activa en las propuestas<br />

de desarrollo y en la repartición<br />

de sus benefícios (ARAGÓN, op.cit.).<br />

124<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 117-126, jun. 2011


Logo, o afastamento do ideal de região<br />

problema, o qual remeta ao vazio demográfico<br />

tão difundido no século XX vem dando lugar<br />

a um cenário propício ao desenvolvimento<br />

econômico e humano, capaz de proporcionar<br />

a qualidade de vida às populações tradicionais<br />

a partir de subsídios advindos da cooperação<br />

internacional.<br />

A partir destes novos padrões, embasados<br />

no multilateralismo e na interdependência<br />

dos novos atores internacionais, a Amazônia<br />

é potencialmente capaz de promover a firmação<br />

dos Direitos Humanos, desde que sejam<br />

recondicionados os modos de integração nacional<br />

e internacional da região e que se conduzam<br />

as pressões ambientais rumo ao desenvolvimento<br />

social.<br />

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Ao considerar a realidade e os desafios<br />

envolvendo os Direitos Humanos e a cooperação<br />

internacional na Região Amazônica é natural<br />

atribuir aos novos atores internacionais,<br />

grande parcela da responsabilidade em transformar<br />

políticas em melhoria da qualidade de<br />

vida. De fato, as relações internacionais contemporâneas<br />

tendem a delegar responsabilidades<br />

aos novos agentes, entretanto, é mantida<br />

ainda extrema importância na ação do Estado,<br />

sobretudo no que se refere às políticas de<br />

conscientização da sociedade civil sobre a necessidade<br />

de conhecer, proteger e transformar<br />

a Amazônia em território igualmente rico nos<br />

aspectos naturais e sociais.<br />

O alcance aos Direitos Humanos deve ser<br />

entendido como principal válvula propiciadora de<br />

desenvolvimento, uma vez que as políticas e economias<br />

de Estados e regiões se perpetuarão instáveis<br />

enquanto os direitos básicos dos indivíduos,<br />

construtores de toda e qualquer sociedade,<br />

não forem garantidos. A Amazônia precisa atentar<br />

a tal fato para que a melhoria da qualidade de<br />

vida da população seja posta como prioridade.<br />

Ao longo do exercício acadêmico aqui<br />

proposto, muito foi dito sobre a visibilidade internacional<br />

da Amazônia; o intuito maior é direcionar<br />

a atenção para as divergências de interesses<br />

que cercam a região e o modo com que a<br />

contínua exploração, – ocorrida sob a condição<br />

de país periférico exportador de reservas de capital<br />

natural – interfere na eficácia da cooperação<br />

com vista no alcance aos Direitos Humanos.<br />

Si se pudiera resumir en una frase la<br />

razón de tanta atención del mundo<br />

sobre la Amazonía actualmente se podría<br />

decir que es por la inmensa reserva<br />

de capital natural que ella posee<br />

[...] Es ese el nuevo contexto en que La<br />

Amazonía se encuentra y este contexto<br />

enmarca la formulación de políticas<br />

públicas com una nueva visión y el establecimiento<br />

de una cooperación en<br />

nuevos términos (ARÁGON op.cit.).<br />

São exatamente as possibilidades de se<br />

estabelecer novos parâmetros de cooperação que<br />

promovem um distanciamento ainda maior entre<br />

a Amazônia colonial e a Amazônia do século<br />

XXI; embora haja ocorrido o intenso crescimento<br />

demográfico e a ampliação das fronteiras sociais,<br />

a presença dos novos atores internacionais na<br />

região – e todo o poderio de interferência política<br />

destes – caminha para o desenvolvimento humano<br />

e à supressão das barreiras históricas.<br />

Por fim, fica claro que as perspectivas humanitárias<br />

positivas aqui citadas dependem, dentre<br />

outras coisas, do conhecimento da realidade<br />

local e de um direcionamento diferenciado das<br />

políticas nacionais à Amazônia a partir de um novo<br />

olhar às populações tradicionais; Além de depender,<br />

sobretudo, do entendimento de que a manutenção<br />

do foco internacional sobre a região Amazônica<br />

é inevitável e natural, e que as questões de<br />

cunho ambiental devem ser somadas à promoção<br />

dos Direitos Humanos, para que os novos atores<br />

internacionais, em parceria dos diversos setores<br />

da sociedade, garantam a mudança dos paradigmas<br />

sociais que envolvem a Região Amazônica.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 117-126, jun. 2011<br />

125


REFERÊNCIAS<br />

ARAGÓN, Luis E. Nuevos temas regionales para<br />

el estudio de la Amazonía en el actual contexto<br />

internacional. In: Amazonia y água: desarollo<br />

sostenible em El siglo XXI, Hernando Bernal Zamudio,<br />

Carlos Hugo Sierra, Mario Angulo Tarancón<br />

& Miren Onandia Olalde, Unesco, 2009.<br />

AT SILVA. Desafios políticos e socioambientais<br />

da governança global na Amazônia: a emergência<br />

do programa piloto para a proteção das florestas<br />

tropicais do Brasil, 2004. Disponível em:<br />

w w w. a n n a p a s . o r g . b r / e n c o n t r o 2 / . . . /<br />

albertosilva.pdf. Acesso em: 2 abr. 2011.<br />

CASTRO, Edna. Estado e políticas públicas na<br />

Amazônia: gestão pública de desenvolvimento.<br />

In: COELHO, Maria Célia Nunes e MATHIS, Armin.<br />

Políticas públicas e desenvolvimento local na<br />

Amazônia: uma Agenda de Debate. Belém:<br />

NAEA, 2005.<br />

CPT, Comissão Pastoral da Terra - Justiça Global<br />

Terra de Direitos. Relatório de Violação dos Direitos<br />

Humanos na Amazônia: Conflito e violência na<br />

fronteira paraense. 2005. Disponível em: http://<br />

fdcl-berlin.de/fileadmin/fdcl/Publikationen/<br />

re<strong>lato</strong>rioparaportugues.pdf. Acesso em: 9 abr. 2011.<br />

JACKSON, Robert e SORENSEN, Georg. Introdução<br />

às relações internacionais, [S.l.]: Ed. Zahar, 2007.<br />

NYE , Joseph S.Jr. Cooperação e conflito nas relações<br />

internacionais. [S.l.]: Ed.Gente. 2009.<br />

PIOVESAN, Flavia. Ações Afirmativas da perspectivas<br />

dos direitos humanos. Cadernos de Pesquisa,<br />

v. 35, p 43-55, 2005.<br />

PRESSLER, Neusa. Amazônia e cooperação internacional:<br />

discursos e contradições. Disponível<br />

em: http://www.anppas.org.br/encontro5/cd/<br />

artigos/GT15-274-651-20100903180844.pdf. Acesso<br />

em: 9 abr.2011.<br />

SATO, Eiiti. Conflito e cooperação nas relações<br />

internacionais: as organizações internacionais<br />

no século XXI. 2003. Disponível em: http://<br />

www.scielo.br/pdf/rbpi/v46n2/v46n2a07.pdf.<br />

Acesso em: 29 mar.2011.<br />

STEINBRENNER, Rosane Albino. Centralidade<br />

ambiental X invisibilidade urbana (ou novos fantasmas<br />

da Amazônia). In: ARAGÓN , Luiz E.;<br />

OLIVEIRA,José Aldemir de (Orgs.). Amazônia no<br />

cenário Sul-Americano. [S.l.:s.n.], 2007.<br />

TORRONTEGUY, Marco Aurélio Antas. O papel da<br />

cooperação internacional para a efetivação de<br />

direitos humanos: o Brasil, os países africanos<br />

de língua oficial portuguesa e o direito à saúde.<br />

RECIIS – R. Eletr. de Com. Inf. Inov. Saúde. Rio de<br />

Janeiro, v.4, n.1, p.58-67, mar. 2010.<br />

Universidade Federal do Pará (UFPA). Redes de<br />

laboratórios acadêmicos para o acompanhamento<br />

dos objetivos de desenvolvimento do milênio.<br />

Belém, 2007. (Coleção de Estudos Regionais<br />

sobre os ODM - Região Norte).<br />

126<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 117-126, jun. 2011


O RESGATE DA ARBITRAGEM NO BRASIL:<br />

UMA PROPOSTA SEGURA E EFICAZ NA GUERRA CONTRA O TEMPO<br />

Carolina de Nazareth Silva Mendonça *<br />

RESUMO<br />

Sendo a arbitragem um tema polêmico, seja porque as informações que se tem a respeito do<br />

assunto, nem sempre são divulgadas ou colocadas 1 à livre disposição do indivíduo, quando este<br />

procura o judiciário para resolver algum conflito; seja porque, apesar de ser um meio alternativo<br />

pouco conhecido, mas seguro e eficaz no desenlace de contendas que versem sobre bens patrimoniais<br />

disponíveis; mesmo quando se decidindo por tal via, em momento algum se priva o<br />

cidadão do seu direito de buscar a solução jurisdicional. Surgem dúvidas do tipo: porque optar<br />

pela arbitragem quando se pode recorrer às “vias de fato”? Porque mesmo tendo uma solução<br />

arbitral, ainda assim, algumas pessoas buscam a prestação jurisdicional? Destarte, o trabalho<br />

objetiva aclarar as ideias quanto à aplicabilidade e funcionalidade arbitral.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Arbitragem. Eficácia. Efetividade. Conflitos. Prestação jurisdicional.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Em tempos em que a duração razoável<br />

do processo se torna quase uma utopia perante<br />

a demanda jurisdicional, constatada a partir da<br />

evidente crise do judiciário 1 . Observa-se que o<br />

instituto arbitral vem sendo resgatado 2 , tornan-<br />

*<br />

Estudante do segundo ano do curso de Direito e bolsista do<br />

Projeto de Iniciação Científica da Universidade da Amazônia<br />

- UNAMA.<br />

1<br />

Nesse sentido, Calmon: “Não há consenso ao especificar as<br />

causas e muito menos em indicar soluções para a crise da<br />

justiça, mas é unânime a constatação da desproporção entre<br />

a oferta de serviços e a quantidade de conflitos a resolver<br />

[...]”.CALMON, Petrônio. Fundamentos da mediação e da<br />

conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 05.<br />

2<br />

PEREIRA, Dagolberto Calazans Araújo. Arbitragem: uma<br />

alternativa na solução de litígios. Disponível em: . Acesso<br />

em: 20 abr. 2011.<br />

do-se uma ótima opção, uma vez que combina<br />

eficácia, celeridade e efetividade.<br />

Neste sentido, a arbitragem, no Brasil,<br />

por mais que estivesse estabelecida desde a<br />

Constituição de 1824 3 se tornou letra morta, devido<br />

à mentalidade de que, somente a resposta<br />

jurisdicional 4 , seria efetiva aos conflitos sociais.<br />

3<br />

No Art. 160 da Constituição de 1824: “Nas civeis, e nas<br />

penaes civilmente intentadas, poderão as Partes nomear<br />

Juizes Arbitros. Suas Sentenças serão executadas sem<br />

recurso, se assim o convencionarem as mesmas Partes.”<br />

Disponível em: < http://pdba.georgetown.edu/<br />

Constitutions/Brazil/brazil1824.html#mozTocId821706 >.<br />

Acesso em: 20 abr. 2011.<br />

4<br />

Poder do Estado (judiciário) em solucionar conflitos, advindos<br />

das intensas relações sociais, mediante aplicação do direito<br />

objetivo ao caso concreto. Sendo sua função, a atribuir a<br />

todos o direito a prestação judicial.<br />

127<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 127-135, jun. 2011


No entanto, internacionalmente, o sistema<br />

arbitral foi amplamente difundido muito<br />

mais do que em relação âmbito nacional, devido<br />

à expansão das intensas relações comerciais,<br />

após a Segunda Guerra Mundial 5 . Constatandose,<br />

assim, a criação da primeira Corte Internacional<br />

de Arbitragem, datada de 1923 que se consolidou<br />

no início do Século XX. 6<br />

Dessa forma, o objetivo maior do presente<br />

trabalho é apresentar informações relevantes,<br />

de forma coerente, para que se forme uma<br />

opinião concreta acerca da relevância da matéria,<br />

contribuindo para a possível desobstrução<br />

futura do sistema judiciário e esclarecer algumas<br />

dúvidas que ainda norteiam o tema, o que<br />

tem gerado inúmeras incertezas e contribuído<br />

com o afastamento do uso via alternativa e consequentemente,<br />

em grande escala, com o atual<br />

caos do judiciário.<br />

2 PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ARBI-<br />

TRAGEM<br />

Importante salientar que a arbitragem, é<br />

uma espécie do gênero “heterocomposicão” a<br />

qual, “é a modalidade de solução de litígios derivada<br />

da atuação de um terceiro, que fixa a regra a<br />

ser cumprida pelo vencido, sob pena de execução<br />

forçada.” (SANTANA, 2010. p. 5) Subdividindo-se<br />

entre aquela citada e jurisdição que “é levada<br />

a cabo por um terceiro (magistrado), investido<br />

de poder e função para tal, por meio do instrumento<br />

do processo.” (SANTANA, 2010. p. 4).<br />

Outra espécie conhecida é a autocomposição,<br />

na qual as próprias partes envolvidas no<br />

litígio procuram chegar a um acordo, sem interferência<br />

de terceiros; tendo como modalidades:<br />

“a) desistência (renúncia à pretensão); b) submissão<br />

(renúncia à resistência oferecida à pretensão)<br />

c) transação (em concessões recíprocas)”.<br />

(CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2007. p. 27).<br />

Como se observa, outros meios de se resolver<br />

contendas passaram a ser utilizados,<br />

quando a autodefesa 7 , primeiro modo de solução<br />

de litígios, em que a força e vontade do mais<br />

forte sempre prevalecia sobre o mais fraco, evidenciada<br />

na famosa Lei do talião do “olho por<br />

olho e dente por dente”; foi sendo vedada, devido<br />

representar riscos de destruição para o próprio<br />

Estado.<br />

Assim, a arbitragem pode ser entendida<br />

como mais um importante meio de solução de<br />

conflitos, dentre outros já apresentados, que é<br />

mediada por um terceiro, chamado de o árbitro,<br />

imparcial que, sem se afastar do “due process of<br />

law” 8 , assegura o princípio da autonomia privada<br />

e da boa fé às partes; e versa sobre bens patrimoniais<br />

disponíveis, ou seja, aqueles, que<br />

possam ser negociados, vendidos, alugados, cedidos;<br />

como por exemplo: questões comerciais<br />

e industriais de modo geral, questões condominiais<br />

e imobiliárias, questões pecuárias e agrárias,<br />

questões de trânsito de veículos automotores,<br />

questões do consumidor, questões de transporte,<br />

dentre outras 9 . E que, mais adiante, serão<br />

apresentados subsídios que constatarão a<br />

5<br />

INÁCIO, Sandra Regina da Luz. As Vantagens da Prática<br />

Arbitral para Soluções das Controvérsias das Micro e<br />

Pequenas Empresas. 2008. Disponível em. Acesso em: 20 abr. 2011.<br />

6<br />

ALVES, Eliana Calmon. A arbitragem internacional. Disponível<br />

em:. Acesso em:<br />

20 abr. 2011.<br />

7<br />

Mister frisar que hoje, na maioria dos ordenamentos<br />

jurídicos ocidentais, a autodefesa não é mais aceita pelo<br />

ordenamento jurídico. E no Brasil, “[...] poderá até mesmo<br />

ser considerada como crime de ‘exercício arbitrário das<br />

próprias razões’, constante no art. 345 do CP.” (SANTANA,<br />

2010. p. 5) E somente nas hipóteses de o Estado, hoje forte e<br />

soberano, não puder arcar com toda e qualquer solução de<br />

conflitos individuais.<br />

8<br />

Neste sentido: CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. GRINOVER,<br />

Ada Pelegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do<br />

processo. 23 ed. São Paulo: Malheiros editores, 2007, p.88.<br />

9<br />

SILVA, Gustavo Pamplona. Arbitragem: aspectos gerais da Lei<br />

9.307-96. Disponível em: < http://<br />

www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1412>.<br />

Acesso em: 20 abr. 2011.<br />

128<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 127-135, jun. 2011


força de sua decisão equiparando-a a sentença<br />

jurisdicional.<br />

3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E À LUZ DA CONSTITUI-<br />

ÇÃO BRASILEIRA<br />

A partir do momento em que a sociedade<br />

percebeu que a autotutela 10 não representava<br />

um meio justo de resolver seus conflitos, o<br />

homem passou a buscar ajuda de terceiros, como<br />

nos lembra Cintra, Grinover e Dinamarco:<br />

[...] eles começaram a preferir, ao invés<br />

da solução parcial dos seus conflitos<br />

(parcial= por ato das próprias<br />

partes), uma solução amigável e imparcial,<br />

através de árbitros, pessoas<br />

de sua confiança mútua em que as<br />

partes se louvam para que se resolvam<br />

os conflitos. (CINTRA, GRINOVER,<br />

DINAMARCO, 2007. p. 27).<br />

Na sociedade grega, por exemplo, na<br />

qual os árbitros eram os anciãos, devido acreditarem<br />

que sendo os mais velhos, deteriam todo<br />

o conhecimento imprescindível; tanto o transmitido<br />

por seus ancestrais, quanto dos costumes<br />

de determinada sociedade; ou ainda os sacerdotes,<br />

pela sua provável ligação com os deuses.<br />

Como se observa, bem antes da instauração<br />

do Estado, em Roma, a arbitragem já era utilizada<br />

para sanar problemas sociais. E, com o advento<br />

deste, perdeu seu caráter privado, uma vez que,<br />

passou a ditar as regras e a tomar sobre si, todos os<br />

possíveis conflitos existentes na sociedade.<br />

No período medieval, teve grande destaque,<br />

sendo sancionada pelo Código Canônico<br />

11 (Codex Iuris Canonici) e vastamente utilizada<br />

no comércio para dirimir conflitos entre senhores<br />

feudais, comerciantes, cavaleiros etc.;<br />

como nos lembra Albuquerque:<br />

[...] na Idade Média, devido à grande<br />

variedade de ordenamentos jurídicos,<br />

e a falta de centralização de<br />

poder, a arbitragem é incentivada,<br />

cabendo ao Direito Canônico a sua<br />

regulamentação, com a adoção dos<br />

princípios básicos do Direito Romano.<br />

Existiam ao fim da Idade Média,<br />

duas formas de arbitragem: a voluntária<br />

e a obrigatória onde as partes<br />

eram obrigadas a cumprir a determinação<br />

dos árbitros, mesmo embora<br />

estes fossem pessoas privadas 12 .<br />

Também esteve presente na monarquia<br />

medieval lusitana, instituindo-se, mais tarde,<br />

nas Ordenações Afonsinas, Manuelitas e Filipinas;<br />

permanecendo, nessas últimas, sob o nome<br />

“Dos Juízos Arbitrais” que data de 1603 a 1824,<br />

ou seja, esteve presente até após a independência<br />

do Brasil, devido aplicação da legislação<br />

da Metrópole na colônia.<br />

Então, em 1824, a Constituição Imperial,<br />

corrigiu as distorções 13 deixadas pelas ordenações<br />

Filipinas, e previu o uso da arbitragem, garantindo<br />

sentença sem recurso.<br />

A partir de 1850, com o regulamento 737,<br />

foi que se iniciou a legislar sobre a arbitragem<br />

no Brasil. Observando-se uma gama de Códigos,<br />

Leis e Decretos, que vieram para torná-la obrigatória,<br />

como o regulamento citado, o qual a tornava<br />

forçosa em determinados assuntos comerciais;<br />

revogar, como por exemplo, a Lei 1.350 de<br />

13 de setembro de 1866 que revogou o juízo arbitral<br />

compulsório; para regulamentar e disciplinar<br />

a matéria, como por exemplo, os arts. 1.031<br />

a 1.046 do antigo Código de Processo Civil, onde<br />

estava presente e que com o advento do código<br />

atual (Código Comercial de 1850), foi regulamen-<br />

10<br />

Nesse sentido: Sarrecchia, Sérgio. Autotutela ou justiça com<br />

as próprias mãos no direito brasileiro?. Disponível em:< http:/<br />

/blog.hsn-advogados.com.br/2007/12/20/autotutela-oujus<br />

tica- com-as -proprias- maos- no-di reito- brasi leiro/>.<br />

Acesso em: 20 abr. 2011.<br />

11<br />

CODIGO de Direito Canônico. Disponível em < http://<br />

www.vatican.va/archive/ESL0020/_P6Q.HTM>. Acesso em:<br />

20 abr. 2011.<br />

12<br />

ALBUQUERQUE, Clóvis Antunes Carneiro de Filho. A<br />

arbitragem no direito brasileiro pela Lei Nº 9.307/96.<br />

Disponível em: .<br />

Acesso em: 20 abr. 2011.<br />

13<br />

Incompatibilidade social, muitos princípios e normas do<br />

direito português eram inadequados à colônia e outros<br />

precisavam de adaptação para sua aplicação.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 127-135, jun. 2011<br />

129


tada e disciplinada nos arts. 1.072 e 1.102; ou ainda<br />

para torná-la voluntária, como exemplo, decreto<br />

3.900 regulamentou e disciplinou a Lei que<br />

havia abolido o juízo arbitral obrigatório 14 .<br />

Assim, no que tange à famosa Lei de arbitragem,<br />

elaborada pelo senador Marco Maciel,<br />

mister ressaltar que antes de ser sancionada,<br />

permaneceu aguardando julgamento por 5 anos<br />

no STF (Superior Tribunal Federal).<br />

Tal atraso na homologação da Lei deveuse,<br />

primeiro, à suposta inconstitucionalidade do<br />

art. 4 o , no qual: “A cláusula compromissória é a<br />

convenção através da qual as partes em um contrato<br />

comprometem-se a submeter à arbitragem<br />

os litígios que possam vir a surgir, relativamente<br />

a tal contrato” (art. 4, caput, Lei nº 9.307/96) 15 .<br />

Desta forma, por mais que as partes se comprometessem<br />

a resolver seus possíveis embates<br />

através da arbitragem, a qualquer momento,<br />

estariam competentes a recorrer ao Judiciário 16 .<br />

Segundo por, ser indispensável à legitimação<br />

do laudo arbitral, após a sentença arbitral,<br />

para que então, suscitasse os mesmos efeitos<br />

da sentença estatal, ou seja, ainda que o aforismo<br />

fosse apresentado, era necessária a homologação<br />

judicial (princípio da inafastabilidade<br />

do controle jurisdicional) 17 .<br />

14<br />

FRANCO, Loren Dutra. Processo civil: Origem e Evolução<br />

Histórica. Disponível em: < http://www.viannajr.edu.br/<br />

<strong>revista</strong>/dir/doc/art_20002.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2011.<br />

15<br />

Nesse sentido: SILVA, Gustavo Pamplona. Arbitragem:<br />

aspectos gerais da Lei 9.307-96. Disponível em: < http://<br />

www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1412>.<br />

Acesso em 20 abr. 2011.<br />

16<br />

SILVA, Gustavo Pamplona. Arbitragem: aspectos gerais da Lei<br />

9.307-96. Disponível em: < http://<br />

www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1412>.<br />

Acesso em: 20 abr. 2011.<br />

17<br />

Art. 6º Não havendo acordo prévio sobre a forma de instituir<br />

a arbitragem, a parte interessada manifestará à outra parte<br />

sua intenção de dar início à arbitragem, por via postal ou por<br />

outro meio qualquer de comunicação, mediante<br />

comprovação de recebimento, convocando-a para, em dia,<br />

hora e local certos, firmar o compromisso arbitral. Parágrafo<br />

único. Não comparecendo a parte convocada ou,<br />

comparecendo, recusar-se a firmar o compromisso arbitral,<br />

poderá a outra parte propor a demanda de que trata o art. 7º<br />

desta Lei, perante o órgão do Poder Judiciário a que,<br />

originariamente, tocaria o julgamento da causa. Disponível<br />

em: .<br />

Acesso em: 20 abr. 2011.<br />

Então, a Lei de Arbitragem nº. 9.307 que<br />

disciplinou a arbitragem no Brasil, tornando-a<br />

mais atual e maleável, foi ratificada em 23 de<br />

setembro de 1996. Como lembra Inácio:<br />

Não obstante, no ordenamento jurídico<br />

brasileiro a prática iniciou-se<br />

em 1867, mas somente em 1996 promulgou-se<br />

a lei 9.307/96 em nosso<br />

ordenamento delegando poderes à<br />

área privada para solução dos conflitos<br />

relacionados a direitos patrimoniais<br />

disponíveis, favorecendo<br />

principalmente à área empresarial<br />

uma excelente alternativa para a resolução<br />

de seus conflitos sem se<br />

submeter à tutela estatal. Acresçase<br />

ainda que, com a promulgação da<br />

lei, nosso país avançou no processo<br />

de aculturação e fortalecimento da<br />

justiça privada em diversos cantos<br />

do país, facilitando a resolução de<br />

conflitos nos mais variados setores,<br />

inclusive, os relacionados à parte<br />

empresarial 18 .<br />

No entanto, a possível inconstitucionalidade<br />

da Lei continuou gerando controvérsias,<br />

agora, sob acusação de ferir o princípio da ampla<br />

defesa 19 e impossibilitar o acesso a justiça. 20 Por<br />

fim, em 2001 o Supremo Tribunal Federal recusou<br />

o recurso e a alegou constitucional. Desde<br />

então, a arbitragem se consolidou no país.<br />

Como lembra André Camerlingo Alves 21 :<br />

18<br />

Segundo Dolinger e Tiburcio, atualmente, o princípio da<br />

apreciação da inafastabilidade do controle jurisdicional<br />

pelo Poder Judiciário está consagrado no inciso XXXV do art.<br />

5º da Constituição de 1988, que assim dispõe:”A Lei não<br />

excluirá da apreciação do Poder Judiciário leso ou ameaça<br />

ao direito.”. DOLINGER, Jacob. CARMEN, Tiburcio. Direito<br />

Internacional Privado: arbitragem comercial internacional.<br />

2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.<br />

19<br />

CF., SANTANA, 2010. p.8.<br />

20<br />

Importante ressaltar, que: “Acesso à justiça não se<br />

identifica, pois, com a mera admissão ao processo, ou<br />

possibilidade de ingresso em juízo [...] [...] para que haja<br />

efetivo acesso à justiça, é indispensável que o maior número<br />

de peossoas seja admitido a demandar e a defender-se<br />

adequadamente.” (CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2007, p.<br />

39-40).<br />

21<br />

ALVES, André Camerlingo. A constitucionalidade da lei de<br />

arbitragem: Jurisprudência comentada. Disponível em:<br />

. Acesso em: 20 abr. 2011.<br />

130<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 127-135, jun. 2011


Em 30 de abril de 2004, foi publicado<br />

no Diário da Justiça da União, o celebrado<br />

acórdão do Supremo Tribunal<br />

Federal, no qual declarava, novamente,<br />

a constitucionalidade da<br />

Lei 9.307/96. E que pela sua importância,<br />

hoje, é considerada um marco<br />

na história recente da arbitragem,<br />

no Brasil.<br />

Assim, embora estivesse p<strong>revista</strong> e sancionada,<br />

de forma a atuar na resolução de conflitos,<br />

conforme se constatou; Hoffman nos mostra<br />

que não foi bem assim que aconteceu no Brasil:<br />

No entanto, embora a lei tenha sido<br />

instituída para funcionar como um<br />

mecanismo eficaz e rápido na solução<br />

do litígio, ficou muito aquém de<br />

seu objetivo. Melhor dizendo, quase<br />

não possui aplicabilidade no direito<br />

Brasileiro, por desinformação,<br />

desconfiança e falta de divulgação<br />

e publicidade. Talvez o maior erro,<br />

não da Lei propriamente, mas de divulgação,<br />

tenha sido a falta de esclarecimentos<br />

e de adaptações para<br />

que pudesse ser empregada, já que<br />

no Brasil não há tendência para o<br />

uso desse tipo de mecanismo. A<br />

maioria das pessoas que necessita<br />

de intervenção para a solução de um<br />

litígio opta pelo Poder Judiciário,<br />

contando com a suposta segurança<br />

e certeza de justiça na prestação jurisdicional,<br />

não admitindo um sistema<br />

que, na concepção equivocada,<br />

não traga a força e o amparo que<br />

se esperam do sistema judicial. (HO-<br />

FFMAN, 2006, p. 139).<br />

E ainda sobre esse aspecto, critica:<br />

O grande mal que atinge a arbitragem<br />

está no desconhecimento sobre<br />

seu funcionamento entre os advogados<br />

que, despreparados nem sequer<br />

concebem a utilização desse eficaz<br />

meio de solução de conflitos, não<br />

inserindo em contratos a cláusula<br />

compromissória. A falta de prática e<br />

uso acarreta a inviabilidade de as<br />

próprias partes imaginarem essa<br />

solução [...] (HOFFMAN, 2006, p. 140).<br />

Destarte, o instituto arbitral necessita de<br />

maior reconhecimento para que, juntamente<br />

com o judiciário possa tutelar da melhor forma<br />

os direitos fundamentais, para que não venha a<br />

se tornar letra morta.<br />

4 POR QUE ARBITRAGEM?<br />

4.1 PRINCÍPIOS BASILARES<br />

São inquestionáveis os efeitos que a demora<br />

na resposta jurisdicional possa conferir à<br />

sociedade, gerando uma gama de fatores negativos<br />

para o sistema, traduzindo-se principalmente<br />

na ineficiência do Judiciário, no que tange<br />

ao desempenho dos juízes, bem como de suas<br />

deliberações; não se esquecendo de citar os custos<br />

que são gerados em detrimento do embargo,<br />

dificultando o acesso à Justiça, bem como as<br />

formalidades que, muitas vezes em demasia,<br />

acabam fazendo com que o processo perca sua<br />

verdadeira essência: avaliar a veracidade dos<br />

fatos, definir às partes seus direitos e deveres,<br />

dirimindo quaisquer medidas protelatórias.<br />

Desta forma, importante ressaltar os<br />

princípios que se apresentam favoráveis à possível<br />

escolha do instituto arbitral como melhor<br />

opção para quem busca resposta célere, efetiva<br />

e eficaz para seus embates. E nesse sentido<br />

Alem 22 , menciona :<br />

A autonomia da vontade (privada); quando<br />

não respeitada, propicia insegurança jurídica,<br />

uma vez que a autonomia e liberdade de contratar<br />

são preceitos da cidadania e consequentemente<br />

da efetividade da Democracia brasileira,<br />

pelo princípio da subjetividade 23 .<br />

22<br />

ALEM, Fábio Pedro. Arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2009, p.<br />

13-14.<br />

23<br />

“O princípio da subjetividade neutraliza e equaliza as partes<br />

contratantes ao estabelecer que todos são igualmente livres<br />

e iguais para contratar”. Disponível em:.<br />

Acesso em 20<br />

abr. 2011.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 127-135, jun. 2011<br />

131


24<br />

“A autonomia da vontade, princípio fundamental na<br />

realização dos contratos internacionais, permite às partes<br />

a escolha da lei para reger a obrigação. A lex mercatoria,<br />

entendida como um novo direito surgido da comunidade de<br />

comerciantes pode ser chamada, segundo alguns<br />

doutrinadores, a regular o contrato”. Disponível em: . Acesso em20 abr. 2011.<br />

25<br />

SILVA, Gustavo Pamplona. Arbitragem: aspectos gerais da Lei<br />

9.307-96. Disponível em: < http://<br />

www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1412>.<br />

Acesso em 20 abr. 2011.<br />

26<br />

Disponível em:http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/<br />

anotada/2754736/art-5-inc-liv-da-constituicao-federal-de-<br />

88>. Acesso em: 20 abr. 2011.<br />

27<br />

Disponível em:< http://www.tacisp.com.br/lei.htm>. Acesso<br />

em: 20 abr.2011.<br />

A livre eleição da lei aplicável, desde que<br />

não haja violação dos bons costumes e da ordem<br />

pública; aos litigantes, cabe escolher livremente<br />

as regras de direito que serão aplicadas<br />

na arbitragem, respeitando-se sempre os bons<br />

costumes e a ordem pública.<br />

A possibilidade de aplicação de jurisdição<br />

por equidade, princípios gerais do direito ou<br />

lex mercatoria 24 ; é garantido a possibilidade de<br />

tratamento equânime entre as partes, vantagem<br />

que se evidencia mais no âmbito internacional.<br />

E como cita Gustavo Pamplona: “Os árbitros desenvolvem<br />

o mesmo raciocínio lógico dos juízes,<br />

porém, se o compromisso o autoriza, eles poderão<br />

não ficar adstritos à aplicação do direito positivo<br />

e poderão decidir por eqüidade.” 25 .<br />

O devido processo legal (igualdade, contraditório,<br />

ampla defesa, imparcialidade e independência<br />

jurídica dos árbitros, livre convencimento<br />

motivado dos árbitros, dentre outros princípios<br />

constitucionais); às partes será garantida,<br />

conforme o estabelecido no Art. 5 o , LIV da Constituição<br />

Federal 26 .<br />

Efeito vinculante da cláusula arbitral<br />

(mecanismo utilizado para submeter um contrato<br />

à arbitragem, que se torna obrigatória entre as<br />

partes que fazem parte do negócio jurídico); tendo-se<br />

estabelecido anteriormente cláusula ou<br />

compromisso arbitral, destacando o art. 3 o da Lei<br />

9.307/96 27 : “as partes interessadas podem submeter<br />

a solução dos seus litígios ao juízo arbitral<br />

mediante convenção de arbitragem, assim entendida<br />

a cláusula compromissória e o compromisso<br />

arbitral”.<br />

A Inevitabilidade dos efeitos da sentença<br />

arbitral (fazendo coisa julgada material e constituindo<br />

título executivo judicial); conforme o<br />

art. 31 o da Lei 9.307/96 28 : “A sentença arbitral produz,<br />

entre as partes e seus sucessores, os mesmos<br />

efeitos da sentença proferida pelos órgãos<br />

do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui<br />

título executivo.”<br />

A autonomia da cláusula compromissória<br />

e contrato (eventual irregularidade do contrato<br />

não invalida a cláusula compromissória);<br />

Conforme versa o art. 8 o : “A cláusula compromissória<br />

é autônoma em relação ao contrato em<br />

que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade<br />

deste não implica, necessariamente, a nulidade<br />

da cláusula compromissória.” 29 .<br />

E a competência; de acordo com o estabelecido<br />

no art. 8 o , parágrafo único: “Caberá ao árbitro<br />

decidir de ofício, ou por provocação das partes,<br />

as questões acerca da existência, validade e<br />

eficácia da convenção de arbitragem e do contrato<br />

que contenha a cláusula compromissória.”<br />

4.2 VANTAGENS E DESVANTAGENS<br />

Alem 30 imputa como vantagens: a celeridade<br />

do procedimento (em média 18 meses); a<br />

liberdade que as partes possuem em escolher<br />

as regras a serem aplicadas; a flexibilidade e informalidade<br />

do procedimento (a critério das<br />

partes); o sigilo (o conteúdo do processo fica<br />

restrito às partes e ao árbitro, este submetido<br />

ao sigilo profissional); especialização dos árbitros<br />

(livre escolha das partes em decidirem-se<br />

por um dos árbitros que tenham especialidade<br />

na matéria da lide); relação custo-benefício (em<br />

28<br />

Disponível em:< http://www.tacisp.com.br/lei.htm>. Acesso<br />

em: 20 abr.2011.<br />

29<br />

CBMA. Disponível em:< http://cbma.com.br/o-que-eclausula-compromissoria/>.<br />

Acesso em: 20 abr. 2011.<br />

30<br />

ALEM, op. cit., p.26-27<br />

132<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 127-135, jun. 2011


geral, os custos da arbitragem são menos dispendiosos<br />

do que a via jurisdicional, visto que a<br />

celeridade contribui amplamente para tal); análise<br />

profunda dos assuntos levados à arbitragem,<br />

devido maior disponibilidade de tempo dos árbitros;<br />

possibilidade de decisão arbitral com base<br />

na equidade (como já exposto) ao invés de decisão<br />

com base exclusivamente no direito e a presença<br />

de meios legais para se evitar decisões<br />

arbitrais suspeitas (corrupção ou influência indevida<br />

sobre um dos árbitros).<br />

Entre as desvantagens, apresentadas estão:<br />

O risco de haver influências irregular<br />

de cada parte sobre o árbitro por<br />

si indicado, por se tratar de solução<br />

privada de conflitos (embora existam<br />

meios de coibir essa prática); risco<br />

de o laudo arbitral não conter os requisitos<br />

legais necessários para ter<br />

validade de título executivo judicial,<br />

cabendo às partes e à instituição<br />

arbitral (quando houver) prezar pela<br />

completude do laudo e sua legalidade;<br />

ausência do poder de polícia<br />

que impõe ao árbitro requerer auxílio<br />

ao juiz togado para dar cumprimento<br />

a medida liminar deferida<br />

durante o curso da arbitragem; ausência<br />

do poder de polícia e coerção<br />

por parte dos árbitros, o que inviabiliza<br />

a execução arbitral, correndose<br />

o risco de haver demora para se<br />

obter o benefício alcançado com a<br />

decisão arbitral; risco de os árbitros<br />

indicados não conhecerem satisfatoriamente<br />

a matéria objeto do litígio<br />

e deixarem de proferir as decisões<br />

corretas, sem a possibilidade<br />

de recurso para as partes e inter alia;<br />

e o alto custo da arbitragem institucional<br />

para se obter uma administração<br />

de alto nível e confiável, com<br />

um regulamento analisado por especialistas<br />

em arbitragem. (ALEM,<br />

2009. p. 28).<br />

Como se observa, as vantagens em se optar<br />

pela sentença arbitral, na resolução de conflitos<br />

privados, são maiores do que as desvantagens,<br />

apresentadas pelo autor. No entanto, as partes<br />

devem, antes de optarem pela decisão arbitral,<br />

ter certeza dos seus reais objetivos, estarem dispostas<br />

a manter a cláusula arbitral, terem ciência<br />

de suas possibilidades financeiras; boa vontade<br />

para possíveis acordos e, principalmente ciência<br />

do conteúdo do art. 31 da Lei 9.307/96, para que se<br />

evite perda de tempo e dinheiro.<br />

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Segundo verificado, a arbitragem não é<br />

assunto novo no país, uma vez que sua origem<br />

histórica remonta até antes mesmo do advento<br />

do Estado. No entanto, o que se observou foi a<br />

perda de seu caráter privado (nas sociedades em<br />

que não se tinha a figura do Estado), a partir do<br />

momento em que o povo delega poderes ao Estado<br />

e este torna-se forte o suficiente para trazer<br />

respostas concretas a todos os problemas<br />

gerados pela sociedade.<br />

Sobre esta ótica, se constatou de onde ela<br />

decorre, bem como, se conheceu as outras vias<br />

alternativas para a solução de litígios. Constatando<br />

que a arbitragem e a solução jurisdicional não<br />

são os únicos meios para se resolver contendas.<br />

Nesse aspecto, a análise de sua evolução<br />

histórica, foi de grande valia ao reconhecimento<br />

e compreendimento dos reflexos percebidos,<br />

hoje, na sociedade como um todo.<br />

Verificou-se que, a arbitragem sempre<br />

esteve p<strong>revista</strong> desde a Constituição de 1824. E, a<br />

partir daí, se observa uma série de Códigos, Leis,<br />

decretos e acórdãos que vieram ou revogar o juízo<br />

arbitral compulsório ou regulamentar e disciplinar<br />

a Lei; tornando-a sempre permanente nos<br />

Códigos Civil e Processual, mas que, no entanto,<br />

tornaram-na letra morta na Constituição.<br />

Então, faz-se mister ressalvar que o fato<br />

de ter permanecido como letra morta na constituição,<br />

como exposto, deveu-se às alegações de<br />

inconstitucionalidade, em observância ao artigo<br />

4 o da lei de arbitragem e, por se fazer necessária a<br />

homologação judicial, em um dado período; citando<br />

também a última discussão em torno da<br />

alegação de ferir o princípio da ampla defesa.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 127-135, jun. 2011<br />

133


Porém, todos esses debates acerca da<br />

possível inconstitucionalidade, foram findos<br />

quando o STF, em 2004 ratificou a constitucionalidade<br />

proferida em 2001. No entanto, não se<br />

pode deixar de reconhecer que todos esses<br />

embates repercutiram de maneira negativa no<br />

tocante à arbitragem.<br />

Em longo prazo, gerou o desconhecimento<br />

para com a matéria, bem como sua existência e<br />

previsão em Lei; insegurança para com a sentença<br />

arbitral (quando há) e consequentemente, o agravo<br />

do caos judicial. Pois, se esses meios fossem<br />

mais dissipados, após as conturbações ao longo da<br />

história, na sociedade; o judiciário provavelmente<br />

não estaria tão embargado e incrédulo.<br />

De forma sucinta, foram avaliados, os<br />

princípios mais importantes da arbitragem, segundo<br />

Alem, bem como seus pontos positivos e<br />

negativos. Destarte, sendo comprovados maior<br />

presença daqueles do que destes; o que contribuiu<br />

substancialmente para afirmar que, a arbitragem,<br />

é uma via alternativa de natureza jurídica<br />

processual, ou seja, se concretizada por uma<br />

conexão contenciosa, privada, e insurgida de<br />

bens constitucionalmente protegidos, segundo<br />

autonomia das partes em contratar.<br />

Assim, não foi o escopo do presente trabalho<br />

esgotar, nem viabilizar um estudo amplo<br />

acerca da arbitragem, mas sim apresentar subsídios<br />

coerentes e suficientemente concretos, para<br />

que se desperte o interesse em torno da relevância<br />

do tema, permitindo a secularização futura de<br />

uma mentalidade jurisdicional que tem embargado<br />

e contribuído, de certa forma, para a ineficiência<br />

jurisdicional. Almejando, mais além, objetivos<br />

obtidos no tempo esperado, maior efetividade<br />

da tutela jurisdicional e o fortalecimento<br />

do princípio da liberdade e da vontade, assim<br />

como dos direitos fundamentais expressamente<br />

garantidos pela Constituição Brasileira.<br />

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Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 127-135, jun. 2011<br />

135


136 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 2, p. 107-112, nov. 2010


O DISCURSO DESENVOLVIMENTISTA DA GLOBALIZAÇÃO<br />

E SEUS IMPACTOS NA DEMOCRACIA<br />

Ai, palavras, ai, palavras que estranha<br />

potência, a vossa!<br />

Cecília Meireles<br />

Luiza Gaspar Feio *<br />

RESUMO<br />

O presente artigo aborda o tema do discurso desenvolvimentista da globalização e seus<br />

impactos na democracia a partir da análise do levantamento de dados bibliográficos, a<br />

abordar o desenvolvimento tecnicista; o discurso da globalização; e a democracia na era da<br />

globalização; e as necessidades pluralizadas e a exclusão social;<br />

PALAVRAS-CHAVE: Globalização. Democracia e Desenvolvimento.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Este trabalho materializa a pesquisa do<br />

discurso ideológico construído a partir da globalização,<br />

a desmistificar as aparentes contribuições<br />

benéficas tidas em decorrência deste fenômeno,<br />

a partir dos interesses dos variados<br />

agentes, como multinacionais e potências estatais,<br />

a interferirem no globo. A proferirem discurso<br />

falseado pelo desenvolvimento. Porém a<br />

pergunta que deve ser feita é: o desenvolvimento<br />

de quem? Das grandes empresas ou da qualidade<br />

de vida da população?<br />

Desta forma, a relevância se encontra na<br />

apresentação de uma nova faceta da globalização:<br />

a da perversidade. A distanciar o ideal democrático<br />

do governo para o povo, pelo fato do<br />

sistema capitalista ser pautado no consumismo<br />

e na competitividade, a objetivar o lucro, independentemente<br />

de quem será o prejudicado, e<br />

neste caso será o povo.<br />

2 O DESENVOLVIMENTO TECNICISTA<br />

As técnicas de produção foram criadas a<br />

partir das necessidades de aquisição de alimentos,<br />

moradia ou transporte, por exemplo, com a<br />

finalidade de saciar as exigências, inicialmente,<br />

de sobrevivência do homem, a produzir ferramentas<br />

como o machado de pedras, pontas de<br />

lanças e outros objetos.<br />

Com a descoberta do fogo, conjuntamen-<br />

*<br />

Estudante do 6º semestre do curso de Direito – UNAMA;<br />

Bolsista de Iniciação Científica, sob a orientação do Prof. Dr.<br />

Luiz Alberto G. S. Rocha.<br />

137<br />

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te com os metais, ocorreu o avanço dos instrumentos<br />

de trabalho. Posteriormente a descoberta do<br />

ferro e a possibilidade de transformação dessa<br />

matéria-prima em objeto representaram para o ser<br />

humano, grandes avanços no aperfeiçoamento de<br />

seus instrumentos de trabalhos, como as foices,<br />

facões, lanças, machadinhas e correntes.<br />

O aperfeiçoamento dos instrumentos de<br />

trabalho, a serem frutos do desenvolvimento<br />

tecnológico propiciou ao ser humano o poder<br />

de intervenção sobre a natureza. Pois, pôde, assim,<br />

interferir de forma mais abrangente e profunda<br />

no meio ambiente, a transformá-lo conforme<br />

seus desejos e suas necessidades.<br />

Desta forma, o homem passou da Idade<br />

da Pedra para a Idade dos Metais até chegar na<br />

produção manufaturada, em que os artesãos, a<br />

princípio utilizavam a produção para seu próprio<br />

consumo, e posteriormente com o objetivo de<br />

troca. Mas com a Revolução Industrial, a presença<br />

das máquinas se tornou maciça, a ocasionar<br />

grandes mudanças na produção, a passar a ser<br />

de grande escala.<br />

O século XX também foi palco de profundas<br />

transformações nas técnicas desenvolvidas<br />

pelo ser humano, a ter como foco das atenções<br />

as novas tecnologias da informação e da comunicação,<br />

pois foram a alavanca para as mudanças,<br />

não apenas das formas das ferramentas de<br />

trabalho, mas de todas as esferas da sociedade,<br />

como o lazer e o entretenimento.<br />

De acordo com Milton Santos o “representativo<br />

do sistema de técnicas atual é a chegada<br />

da técnica da informação, por meio da cibernética,<br />

da informática, da eletrônica” (SAN-<br />

TOS, 2003, p. 25). A possibilitar a intercomunicação<br />

com as técnicas existentes, e o dilatamento<br />

do uso do tempo, a ter como consequência a<br />

convergência dos momentos e o aceleramento<br />

do processo histórico.<br />

Portanto, o que se verifica é a presença<br />

de uma ideologia do desenvolvimento a partir<br />

das técnicas atuais, a remeter a teoria positivista<br />

do francês August Comte, ao formular a<br />

tese, que o progresso somente seria alcançado<br />

através da ordem da ciência. A influenciar a implementação<br />

da República sem povo, de 1889<br />

no Brasil.<br />

Logo, deve ser perguntado: que desenvolvimento<br />

é este? O desenvolvimento das<br />

multinacionais que investem progressivamente<br />

em tecnologia para obtenção de maiores lucros<br />

ou dos cidadãos que merecem vida digna?<br />

Desta forma, é de grande relevância a<br />

distinção do conceito de modernidade e modernização.<br />

Canclini em seu livro “Culturas Híbridas”,<br />

afirma que o século XX foi pautado do modernismo<br />

sem modernização. Pois a criação de novas<br />

técnicas são consumíveis por grupos favorecidos<br />

economicamente, a não se alcançado pela<br />

massa que desfruta das técnicas “ultrapassadas”<br />

pela modernidade, ao dizer:<br />

O peso cotidiano dessas “deficiências”<br />

faz com que a atitude mais freqüente<br />

perante os debates pós-modernos<br />

seja, na América Latina, a subestimação<br />

irônica. Para que vamos<br />

ficar nos preocupando com a pósmodernidade<br />

se, no nosso continente,<br />

os avanços modernos não chegaram<br />

de todo nem a todos? Não tivemos<br />

uma industrialização sólida,<br />

nem uma tecnificação generalizada<br />

da produção agrária, nem uma organização<br />

sociopolítica baseada na racionalidade<br />

formal e material que,<br />

conforme lemos de Kant e Weber,<br />

teria sido transformado em senso<br />

comum no Ocidente, o modelo de<br />

espaço público onde os cidadãos<br />

conviveriam democraticamente e<br />

participariam da evolução social.<br />

Nem o progressismo evolucionista,<br />

nem o racionalismo democrático foram,<br />

entre nós, causas populares<br />

(CANCLINI, 1998, p.24-25).<br />

Então, o desenvolvimento tecnicista, que<br />

originou o a globalização, é pautado pelo discurso<br />

do desenvolvimento e da modernização, a<br />

estar disponível aos interesses de grupos detentores<br />

do poder político e econômico.<br />

138<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 137-142, jun. 2011


3 O DISCURSO DA GLOBALIZAÇÃO<br />

Entende-se por globalização o processo<br />

de interligação econômica e<br />

cultural, em nível planetário, que ganhou<br />

intensidade a partir de 1980,<br />

devido sobretudo ao crescimento<br />

vertiginoso dos principais centros<br />

nervosos das sociedades modernas:<br />

os mercados financeiros e as redes<br />

de informação. O fenômeno decorre<br />

basicamente da expansão dos sistemas<br />

de comunicação por satélites,<br />

da revolução da telefonia e da presença<br />

da informática na maior parte<br />

dos setores de produção e de serviços,<br />

inclusive por meio de redes planetárias<br />

como a internet. Impulsionado<br />

por notáveis transformações<br />

tecnológicas e por uma onda de simpatia<br />

pelas teses ditas neoliberais<br />

(BARSA, 2002, p. 126).<br />

O conceito apresentado de globalização é<br />

da Enciclopédia Barsa, mas não difere de outros<br />

que são proferidos cotidianamente nas mídias,<br />

na escola ou em uma conversa informal, a apresentar<br />

tal fenômeno como o nirvana das tecnologias,<br />

que assegura a modernização para todos.<br />

Por isso, o discurso clichê sobre a globalização<br />

é comparado por Milton Santos como uma<br />

fábula, mas por ser massificadamente divulgado<br />

torna-se um conceito concreto dotado de certezas<br />

e verdades. Pois, ao falar no processo de<br />

interligação econômica e cultural, em nível planetário,<br />

ou simplesmente em aldeia global, remete-se<br />

à ideia das convergências dos momentos,<br />

a difundir a noção de tempo e espaço contraídos.<br />

Porém, omitem a informação que somente<br />

poderão desfrutar das vantagens deste<br />

fenômeno os que podem pagar por eles.<br />

Também é transmitido o pensamento da<br />

homogeneização, por meio da globalização, em<br />

que a corrente universalista seria aplicada para<br />

padronizar os costumes, as crenças, a política, as<br />

ideologias ou as normas estatais. Mas como poderia<br />

ser possível a exclusão do mérito das identidades<br />

de cada grupo, e das suas riquezas culturais,<br />

muitas delas milenares? Com isso, o mundo<br />

torna-se cada vez desunido, a valorarem a unificação<br />

e a exclusão das diferenças do que a compressão<br />

e respeito das outras facetas culturais.<br />

Entende-se com este posicionamento ideológico,<br />

o distanciamento da verdadeira cidadania,<br />

por haver o contraponto do respeito das diferentes<br />

e das oportunidades que devem ser oferecidas<br />

para os grupos que não fazem parte do<br />

padrão cultural da globalização; entre a idéia exageradamente<br />

divulgada pelos meios de comunicação,<br />

que é a do consumismo, a contribuir para<br />

atenuação da desigualdade social e a pobreza.<br />

No livro “A mundialização do Capital”,<br />

François Chesnais afirma que a palavra de ordem<br />

da atualidade é “adaptar-se”, em prol do<br />

progresso técnico, a ser benéfico e necessário<br />

para o desenvolvimento.<br />

A necessária adaptação pressupõe<br />

que a liberalização e a desregulamentação<br />

sejam levadas a cabo, que<br />

as empresas tenham absoluta liberdade<br />

de movimentos e que todos os<br />

campos da vida social, sem exceção,<br />

sejam submetidos à valorização do<br />

capital privado (CHESNAIS, 1996, p.25).<br />

Logo, os grupos que regem a globalização<br />

possuem interesses que se mascaram nas<br />

entre linhas do discurso desenvolvimentista, a<br />

utilizarem de mecanismos camuflados, como o<br />

PIB, ao dizer que o país está crescendo economicamente,<br />

pelo fato do seu produto interno bruto<br />

estar aumentando, mas na verdade é o índice<br />

do crescimento de grandes empresas, muitas<br />

vezes multinacionais, que exploram a matériaprima,<br />

a mão de obra, e o mercado consumidor<br />

dos países “em desenvolvimento”, com a intenção,<br />

exclusivamente, de lucro. A remeter o jogo<br />

político e ideológico exercido para a obtenção<br />

do poder segundo Thompson:<br />

Na reformulação do conceito de ideologia<br />

procuro reenfocar esse conceito<br />

numa série de problemas que<br />

se referem às inter-relações entre<br />

sentido (significado) e poder. Argu-<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 137-142, jun. 2011<br />

139


mentarei que o conceito de ideologia<br />

pode ser usado para se referir às<br />

maneiras como o sentido (significado)<br />

serve, em circunstâncias particulares,<br />

para estabelecer e sustentar<br />

relações de poder que são sistematicamente<br />

assimétricas – que eu chamarei<br />

de “relações de dominação”.<br />

Ideologia, falando de uma maneira<br />

mais ampla, é sentido a serviço do poder<br />

(THOMPSON, 1995, p.16).<br />

Desta forma, o discurso da globalização<br />

é tido como manipulador, e que protege e direciona<br />

os interesses de grupos com a finalidade<br />

da obtenção do poder político. Pois como afirma<br />

Milton Santos para que se possa compreender o<br />

processo de internacionalização do mundo capitalista<br />

é necessário o estado das técnicas e da<br />

política, ou seja, das tecnologias informacionais<br />

e do discurso da globalização.<br />

4 A DEMOCRACIA NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO:<br />

GOVERNO PELO POVO E PARA O POVO?<br />

Diante dos argumentos expostos a denunciar<br />

a perversidade da globalização, deve-se<br />

confessar que não se pode negar a existência de<br />

tal fenômeno e rejeitá-la, a desejar a implantação<br />

de qualquer outro tipo de regime que possa<br />

atender as necessidades dos que estão insatisfeitos<br />

com o transcorrer dos fatos.<br />

Então, a globalização deve ser aceita<br />

como uma realidade, mas que pode ser ajustada<br />

em prol dos interesses da sociedade, a poder<br />

ser moldada a partir da inversão de subordinação<br />

em relação ao âmbito econômico e político,<br />

em que o capital e as decisões empresariais e<br />

financeiras recebam o grau de prioridade menor<br />

do que possuem.<br />

Pois, afinal, antes de se pensar na fase<br />

do capitalismo, que é palco para os acontecimentos<br />

da atualidade, deveria se pensar primeiramente<br />

no regime de governo vigente: a democracia.<br />

A ter como requisitos para seu funcionamento<br />

pleno a estruturação de vários sistemas,<br />

que são as condições instrumentais do regime,<br />

a fazerem parte os fatores sociais, psicossociais,<br />

culturais e econômicos.<br />

Manoel Gonçalves Ferreira Filho ao analisar<br />

a pesquisa de Seymour Lipset baseda na<br />

relação na democracia e desenvolvimento econômico,<br />

que verificou a relação da renda per capita<br />

elevada com a maior eficácia da democracia,<br />

conclui a ausência da precedência do nível<br />

de desenvolvimento econômico para a existência<br />

do regime democrático.<br />

Logo, para ele teria três condições socioeconômicas<br />

fundamentais para a eficácia da democracia,<br />

a levar em consideração o desenvolvimento<br />

econômico: o pluralismo social, com a<br />

desconcentração e dispersão dos fatores de Poder,<br />

e ausência de desigualdades extremadas.<br />

É neste contexto que as diversidades em<br />

todos os aspectos, que vão desde as econômicas<br />

até as culturais, devem ser analisadas como<br />

maior atenção em meio aos discursos desenvolvimentistas<br />

que já são familiares na história do<br />

Brasil, como no período do governo de Jucelino<br />

Kubitschek. Afirma Ferreira Filho:<br />

O processo de desenvolvimento desencadeado<br />

no governo Kubitschek,<br />

o desenvolvimentismo – associado à<br />

inflação que provocou -, deu lugar a<br />

um agravamento dos conflitos sociais<br />

– reivindicatórios nas grandes cidades,<br />

em torno da terra, no campo.<br />

Neste quadro, é que adveio a revolução<br />

de 1964 e a dominação do Poder<br />

pelos militares, por cerca de vinte<br />

anos. Ingênua, por isso, foi a política<br />

do governo Kennedy que, com a<br />

Aliança para o Progresso, pretendeu,<br />

pelo mero estímulo à promoção do<br />

desenvolvimento econômico, levar<br />

todo o “terceiro mundo” para a democracia,<br />

nos moldes norte-americanos<br />

(FERREIRA FILHO, 2001, p.74).<br />

Portanto, que democracia é desejada<br />

para a atualidade? Não se pode ficar à mercê da<br />

demagogia. Enquanto a verdadeira democracia,<br />

que resguarda os direitos de todos os grupos,<br />

sejam eles excluídos ou não, se torne uma miragem,<br />

uma ilusão.<br />

140<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 137-142, jun. 2011


5 AS NECESSIDADES PLURALIZADAS E A EXCLU-<br />

SÃO SOCIAL<br />

O mundo é regido pela regra da maioria,<br />

seja em uma decisão de qual bolo comprar<br />

entre amigos até a escolha do presidente<br />

que governará o país. É uma regra, que por<br />

muitos é vista como o fundamento da democracia,<br />

o estímulo para a sua eficácia. Porém,<br />

todo decisão é acatada por uma maioria que<br />

tem seus desejos e interesses atendidos,<br />

uma maioria que na maior parte é manipulada<br />

por discursos como o da globalização, a<br />

conformar-se com a exploração econômica, a<br />

trazer consequências no âmbito social e cultural,<br />

por exemplo.<br />

A massa manipulada pelo discurso desenvolvimentista<br />

acredita que seus interesses<br />

são os mesmos dos grupos detentores do poder,<br />

porém são grupos que possuem suas particularidades,<br />

a se diferirem pelos seus anseios e necessidades,<br />

que deveriam ser resguardadas pela<br />

democracia, mas são ludibriados pelo poder.<br />

Não se está apenas a focar as diferenças<br />

do interior de cada país, porém também a<br />

do globo, pois, como já foi mencionado, os<br />

países possuem culturas diferentes, que vão<br />

refletir na economia, na política, e nas normas<br />

vigentes; a não se enquadrarem no padrão<br />

da globalização. Isto acontece principalmente<br />

com as culturas milenares. Portanto, a<br />

soberania dos países devem ser resguardadas,<br />

a não ser democrático a intervenção com a intenção<br />

de se impor outros padrões culturais,<br />

políticos, econômico e sociais que não sejam<br />

os vigentes de cada um.<br />

É neste debate sobre a modernidade e<br />

os princípios democráticos, que Celso Campilongo<br />

afirma:<br />

Quando se fala no “fim da história”,<br />

no “fim das ideologias”, no advento<br />

das sociedades “pós-modernas” –<br />

conceitos deliberadamente polêmicos<br />

porque, entre outras razões,<br />

prospectivos –, a vigilância quanto<br />

à intangibilidade dos princípios democráticos<br />

deve ser redobrada. Muitas<br />

vezes, em nome das liberdades<br />

individuais e da não interferência<br />

na propriedade privada e no mercado,<br />

o discurso político-jurídico minimiza<br />

a outra liberdade, isto é, a<br />

liberdade de participação na produção<br />

do direito e na construção<br />

das instituições (CAMPILONGO,<br />

1997, p. 124).<br />

Então, as necessidades pluralizadas emanadas<br />

de diversificados grupos precisam ser prioridade<br />

na política globalizada da atualidade,<br />

para que se possa evitar a exclusão social, e minimizar<br />

as desigualdades sociais.<br />

6 CONCLUSÃO<br />

De acordo com a temática exposta se conclui<br />

que o discurso desenvolvimentista da globalização<br />

influencia diretamente na eficácia da<br />

democracia, a ter como ideologia o consumismo<br />

exacerbado do capitalismo, a não se preocupar<br />

com as necessidades dos grupos que fazem parte,<br />

também, do regime democrático tão citado<br />

nos discursos, como os eleitoreiros.<br />

Desta forma, a sonhada democracia se<br />

transformou em demagogia, a ser regida pelos<br />

interesses dos grupos detentores do poder político<br />

e econômico. Logo, este debate é de grande<br />

relevância para a sociedade para que os cidadãos<br />

possam discernir os discursos manipuladores<br />

da verdadeira democracia, com o objetivo<br />

de se criar mecanismos de lutas pelos direitos<br />

particulares de cada indivíduo.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 137-142, jun. 2011<br />

141


REFERÊNCIAS<br />

CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e democracia.<br />

São Paulo: Max Limonad, 1997.<br />

CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias<br />

para entrar e sair da modernidade. 2.ed.<br />

São Paulo: Universidade de São Paulo, 1998.<br />

CHESNAIS, François. A mundialização do capital.<br />

São Paulo: Xamã, 1996.<br />

FARIAS, José Eduardo. O direito na economia globalizada.<br />

1. ed. 2ª Tiragem. São Paulo: Malheiros,<br />

2000.<br />

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia<br />

no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001.<br />

IANNI, Octavio. A era do globalismo. Rio de Janeiro:<br />

Civilização Brasileira, 1996.<br />

Nova Enciclopédia Barsa. 6. ed. São Paulo: Barsa<br />

Planeta Internacional Ltda., 2002.<br />

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do<br />

pensamento único à consciência universal. 10.<br />

ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.<br />

THOMPSON, J. Ideologia e cultura moderna: teoria<br />

social crítica na era dos meios de comunicação<br />

de massa. Tradução de Grupo de Estudos sobre<br />

Ideologia Comunicação e Representações<br />

Sociais da Pós-Graduação do Instituto de Psicologia<br />

da PUCRS. Petrópolis: Vozes, 1995.<br />

142<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 137-142, jun. 2011


BOLSISTAS DE MONITORIA<br />

143


144


A ASCENSÃO DO TERCEIRO REICH:<br />

UMA ANÁLISE SOBRE O ESTADO NAZISTA DE 1933-1945 1<br />

Antônio Carlos Pires Maia *<br />

RESUMO<br />

Este artigo tem como finalidade analisar o fenômeno do nazismo que surgiu na Alemanha, no<br />

período de 1933 a 1945, e esclarecer a ascensão ao poder, quais os efeitos desse regime na<br />

sociedade da época, bem como na sociedade atual.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Ideologia Nazista. Regime Totalitário. Aparelhos de Estado.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Este artigo pretende analisar o fenômeno<br />

do nazismo, a fim de contribuir para uma formação<br />

crítica acerca do fenômeno político-nazismo.<br />

Na análise desta temática torna-se importante<br />

estar atento não somente aos fatores<br />

históricos, mas também aos fatores socioeconômicos<br />

que propiciaram o surgimento do regime<br />

nazista na Alemanha. Como ponto de análise<br />

inicial torna-se necessário uma cuidadosa retrospectiva<br />

histórica a certos aspectos, que nortearão<br />

uma análise mais detalhada.<br />

Quatro questões norteadoras conduziram<br />

a análise: Como se deu a tomada do Estado<br />

Alemão? Qual o papel da ideologia nazista? De<br />

que modo os aparelhos ideológicos de Estado<br />

foram usados? Quais os reflexos da ideologia<br />

nazista sob a população na Alemanha?<br />

2 PASSO A PASSO PARA O DOMÍNIO DO ESTADO<br />

ALEMÃO<br />

Ao analisarmos os fatores socioeconômicos<br />

da época – década de 20, notamos que a República<br />

de Weimar foi instaurada no final da primeira<br />

guerra mundial em 1918, com o objetivo<br />

de transformar a Alemanha em um país demo-<br />

*<br />

Graduando do Curso de Ciências Sociais, na Universidade da<br />

Amazônia – UNAMA; ex-monitor de Ciência Política e<br />

Economia Política nos anos de 2009 e 2010.<br />

1<br />

Artigo elaborado sob orientação da profa. Ms. Rubia<br />

Monteiro Pimentel Lavoura, graduada em Ciências<br />

Econômicas, pelo Centro de Ensino Superiores do Pará<br />

(1981); em Ciências Sociais pela Universidade Federal do<br />

Pará (1989); mestra em Ciências Sociais pela Universidade<br />

Federal do Rio Grande do Norte (1998). Atualmente é<br />

professora e Coordenadora do curso de Ciências Sociais na<br />

Universidade da Amazônia – UNAMA. Tem experiência na área<br />

de Sociologia, com ênfase em Sociologia, atuando<br />

principalmente nos seguintes temas: pesquisa em<br />

educação, metodologia da pesquisa, política; política<br />

clássica; política marxista.<br />

145<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 145-151, jun. 2011


crático sob o comando de um parlamento. Cabe<br />

a observação de Ambrose (1944) que concebe o<br />

fenômeno como uma república formada por líderes<br />

imperialistas e pseudocidadãos, uma vez<br />

que os mesmos não se sentiam republicanos.<br />

Outro ponto importante são os reflexos<br />

do Tratado de Versalhes, que impunha sanções<br />

em grande escala para a Alemanha derrotada no<br />

final da primeira guerra mundial.<br />

O tratado proibia o alistamento militar,<br />

reduzia o exército alemão a um número de menos<br />

de um terço do exército regular, expropriava<br />

a Alemanha de 13,5% de seu território e extinguia<br />

a força aérea, obrigava a Alemanha a pagar<br />

uma enorme quantia em dinheiro como reparação<br />

de guerra aos países aliados, entre as<br />

regiões retiradas da Alemanha encontram se a<br />

região do Ruhr rica em ferro.<br />

Analisando esses fatores é possível observar<br />

uma profunda crise econômica e social<br />

que se concretiza definitivamente com a quebra<br />

da bolsa de valores em Nova York no ano de<br />

1929, com a profunda crise econômica.<br />

Com a crise econômica em nível global,<br />

uma série de empréstimos são cancelados. Sem<br />

os subsídios dos países europeus e dos Estados<br />

Unidos a Alemanha sofre com desemprego, superinflação,<br />

desvalorização da moeda nacional,<br />

levando o marco alemão a uma extrema desvalorização,<br />

a exemplo: um dólar valia o mesmo<br />

que 130 bilhões de marcos alemães, gerando,<br />

assim, um enfraquecimento da República de<br />

Weimar que começou a sofrer um processo de<br />

desestruturação.<br />

A República enfraquecida pela crise começa<br />

a perder apoio das camadas burguesas, e a<br />

população mostra-se pouco receptiva a ideia de<br />

uma democracia que não estava trazendo mais<br />

benefícios.<br />

Os efeitos da crise, somados com o descontentamento<br />

em relação ao tratado de Versalhes,<br />

aumentaram em muito a popularidade e a<br />

aceitação do partido nazista, partido esse desprezado<br />

nas eleições para o parlamento antes<br />

da crise. Com toda essa popularidade a alta burguesia<br />

alemã o vê como uma opção preferencial<br />

para a representação de seus interesses, e um<br />

modo de combater a influência comunista crescente<br />

por toda a Europa.<br />

Com o apoio da burguesia o partido nazista<br />

começa a crescer e ganhar aliados e outros<br />

partidos populistas e nacionalistas começam a<br />

agregar-se sob a liderança de Hitler.<br />

Observada a questão econômica verifica-se que<br />

com a aproximação cada vez maior ao grande<br />

capital, o partido e sua ideologia só tendem a<br />

crescer e se solidificar no íntimo da sociedade<br />

alemã tão fragilizada pela crise.<br />

Para exemplificar esse crescimento de<br />

popularidade tem-se as eleições para o parlamento,<br />

exemplo: o número de membros do partido<br />

nazista no Parlamento em 1925 era de 3 parlamentares.<br />

Observa-se isso antes do apoio econômico<br />

burguês e antes da crise econômica; contudo,<br />

apenas um ano depois da crise (1930) o<br />

número de parlamentares sobe de 3 para 107, e<br />

dois anos depois (1932) esses lugares sobem<br />

novamente para 230 membros no parlamento,<br />

sendo assim, a maioria absoluta. Isso evidencia<br />

toda a representatividade do partido e o apoio<br />

do povo e da burguesia empresarial. Estes foram<br />

fatores decisivos para a nomeação de Hitler<br />

ao cargo de chanceler.<br />

O apoio do empresariado alemão é compreensivo,<br />

como nos afirma Fest (2006) tornavase<br />

melhor um governo de extrema direita, que<br />

defendesse os direitos dos grandes empresários<br />

aos modelos comunistas com seus sindicatos<br />

e lutas por direitos trabalhistas.<br />

Em 1933 observamos o ponto de expressão<br />

máxima de influência de Hitler e do partido<br />

nazista através de grande suporte da população<br />

e apoio incondicional de outros partidos de direita<br />

que exigem sua nomeação para o cargo de<br />

chanceler.<br />

Menos de um mês depois de sua nomeação<br />

a chanceler, o prédio histórico do parlamento<br />

alemão é incendiado e a culpa é direcionada<br />

146<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 145-151, jun. 2011


aos partidos comunistas, com o uso de uma máquina<br />

de propaganda avassaladora, de forma<br />

marcante como aparelho ideológico de Estado.<br />

Hitler consegue a aprovação da Lei dos<br />

Plenos Poderes, lei essa que outorgava poder<br />

ao chanceler, permitindo ao mesmo promover<br />

mudanças na constituição, em relação aos direitos<br />

civis, associações, manifestações contrárias<br />

ao governo, e a própria imprensa estaria sob o<br />

controle do governo. Com a morte do presidente<br />

da republica Von Hindenburg em 1934, o cargo<br />

de presidente é unificado ao de chanceler<br />

criando um cargo autocrático denominado de<br />

Führer (Guia), em plebiscito quanto à unificação<br />

e à aceitação de Hitler como comandante supremo<br />

Führer (38. 362.760 votos a favor e 4. 294.654<br />

contra), decisão essa que permitiu que Adolf<br />

Hitler governasse com punhos de ferro a Alemanha<br />

de 1934 a 1945.<br />

3 UMA IDEOLOGIA NAZISTA<br />

2<br />

Eugenia como o estudo dos agentes sob o controle social<br />

que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais<br />

das futuras gerações seja física seja mentalmente. Em<br />

outras palavras, melhoramento genético. A eugenia toma<br />

caráter negativo, particularmente após o surgimento da<br />

eugenia nazista, que veio a ser parte fundamental da<br />

ideologia de pureza racial, a qual culminou no Holocausto.<br />

Quando se fala em ideologia, inúmeros conceitos<br />

surgem, contudo, ao estudarmos mais detalhadamente<br />

essa ideologia que propiciou o nazismo<br />

e o holocausto veremos suas peculiaridades.<br />

Não se pode unificar uma única base da<br />

ideologia nazista, visto que na verdade existiam<br />

ideologias que se mesclavam, dando origem assim<br />

a diversas vertentes, como exemplo algumas<br />

estavam relacionadas a superioridade da<br />

raça ariana, outras ao espaço vital alemão.<br />

Acerca dessas variedades ideológicas<br />

contidas na Alemanha, nota-se que algumas afirmavam<br />

à superioridade da raça, estando essa<br />

direcionada a “pureza racial”, outras ligadas ao<br />

Espaço vital defendido pela expansão territorial,<br />

a eugenia 2 * é outro exemplo dessas ideologias<br />

que foram muito divulgadas através da Europa<br />

como pólo da cultura mundial. Alicerçadas<br />

em fortes doses de darwinismo social e evolucionismo<br />

unilinear, que serão vitais na formação<br />

do anti-semitismo na década de 30.<br />

O racismo científico era ensinado nas<br />

universidades não somente na Europa, mas também<br />

nos Estados Unidos.<br />

Dentre todos os demais casos de antagonismo<br />

coletivo, o anti-semitismo<br />

é o único por sua sistematicidade<br />

sem precedentes, por sua intensidade<br />

ideológica, por sua disseminação<br />

supranacional e supraterritorial,<br />

pela mistura singular de fontes,<br />

tributários locais e ecumênicos.<br />

(BAUMAN, 1998, p.19).<br />

Para a consolidação da ideologia nazista<br />

foram mescladas teorias do racismo científico,<br />

com misticismo e religião, cuja “religião racial”<br />

era pregada e publicada no jornal oficial do partido<br />

nazista, pelo redator de imprensa Julius<br />

Streicher membro do partido nazista. É importante<br />

ressaltar que o jornal do partido é peça<br />

fundamental no que se refere a propagar uma<br />

ideologia nazista.<br />

Vê-se, portanto, uma simbiose entre a<br />

ideologia e partido, em que de modo incisivo os<br />

mesmos traçam uma plataforma de ação que visava,<br />

essencialmente, a construir um Estado baseado<br />

na confiança, honra, disciplina, ordem e<br />

dedicação, e que deveria possuir, além do velho<br />

sonho de uma unidade harmoniosa, também, a<br />

ideia não menos sugestiva de uma nação poderosa<br />

e temida.<br />

Essa nação deveria ser acima de tudo forte,<br />

uma Alemanha para os alemães – Deutschland<br />

Über Alles (Alemanha acima de tudo). Esse<br />

renascimento como um todo homogêneo e antisemita<br />

contava com um programa político econômico<br />

sintetizado em 25 pontos: 1) Reunião de<br />

todos os alemães na grande Alemanha; 2) Abolição<br />

do tratado de Versalhes; 3) Reivindicação do<br />

espaço vital; 4) Definição de cidadão: somente<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 145-151, jun. 2011<br />

147


quem for de sangue alemão; 5) Exclusão dos judeus<br />

das comunidades alemãs; 6) Quem não for<br />

cidadão estará sujeito às leis dos estrangeiros;<br />

7) Quem não for cidadão poderá ser expulso no<br />

caso do Estado não estar em condições de assegurar<br />

alimento a comunidade alemã; 8) Os cargos<br />

públicos estão reservados aos cidadãos; 9)<br />

Direito e dever de trabalho; 10) Abolição das rendas<br />

não derivadas do trabalho; 11) Eliminação<br />

da escravidão do interesse; 12) Confisco dos lucros<br />

de guerra; 13) Nacionalização das indústrias<br />

monopolistas; 14) Participação dos trabalhadores<br />

nos lucros das grandes empresas; 15) Incremento<br />

da previdência para a velhice; 16) Fortalecimento<br />

da classe media; 17) Reforma agrária;<br />

18) Punição dos usurários, açambarcadores, traficantes<br />

do mercado-negro com pena de morte;<br />

19) Substituição do direito Romano pelo direito<br />

Alemão; 20) Reforma da escola no sentido nacionalista;<br />

21) Proteção da mãe e da criança; 22)<br />

Criação de um exercito popular; 23) Limitação<br />

da liberdade de imprensa e de arte; 24) Liberdade<br />

de credo religioso, desde que não contrarie a<br />

moralidade da raça germânica; 25) Criação de<br />

uma forte autoridade central do Reich.<br />

Analisando pontos dessa grande lista, um<br />

de maior relevância é o ponto 3, que possibilitou<br />

o partido criar a expressão “espaço vital”,<br />

uma vez que para os mesmo, uma raça pura e<br />

predeterminada a comandar precisa de espaço,<br />

isso claramente justifica ideologicamente uma<br />

política expansionista.<br />

Shand (1999) nos afirma que “esses pontos<br />

foram meras artimanhas propagandísticas,<br />

pois o partido nazista nunca cumpriu.” Depois de<br />

estar no governo Hitler (2001) declarou “não é<br />

mais hora de programas e sim de trabalho de verdade”.<br />

Contudo a ideologia nazista tinha como<br />

principal objetivo criar uma raça pura, como forma<br />

de acelerar o processo de criação dessa raça.<br />

Observa-se uma larga aceitação do conceito de<br />

eugenia, termo cunhado em 1883 por Francis Galton,<br />

que significava “bem nascido”. Sendo assim,<br />

os “bem nascidos” tinham por dever conduzir a<br />

raça pura para a vitória, ou seja, a supremacia sobre<br />

as raças impuras e incapazes.<br />

O processo de eugenia se estendia a eliminação<br />

de pessoas com deficiências físicas e<br />

mentais classificada como eugenia negativa, a<br />

centros de reprodução humana que visavam a<br />

criação da raça pura através de filhos de alemães<br />

dentro do padrão físico-psicológicos aceitos<br />

como modelo pelo partido. Essa segunda modalidade<br />

era denominada de eugenia positiva.<br />

4 OS APARELHOS IDEOLÓGICOS DO ESTADO<br />

ALEMÃO<br />

Segundo Althusser (1985) existem aparelhos<br />

repressivos e ideológicos. A fim de elucidar<br />

tais conceitos temos como exemplo de aparelhos<br />

ideológicos: família, escola, igreja, judiciário, partidos<br />

políticos, entre outros. Em relação ao aparelho<br />

repressivo, esse se personifica na administração,<br />

exército, polícia, tribunais, prisões.<br />

Nesta concepção, vários aparelhos ideológicos<br />

foram usados na Alemanha nazista, o principal<br />

deles foi a escola. Veremos que os programas<br />

escolares foram drasticamente reformulados<br />

de modo a atender os interesses do Estado.<br />

Os programas escolares modificados possuíam<br />

teorias raciais nazistas, e não somente a<br />

ideologia nazista foi incorporada ao conteúdo,<br />

mas campos do conhecimento acabaram por surgir<br />

a exemplo de uma ciência alemã pura, física<br />

alemã, matemática alemã livre da influência<br />

bolchevique e judaica.<br />

Acreditamos portanto ter boas razões<br />

para afirmar que, por trás dos jogos<br />

de seu Aparelho Ideológico de Estado<br />

político, que ocupava o primeiro<br />

plano do palco, a burguesia estabeleceu<br />

como seu aparelho de Estado<br />

n° 1, e portanto dominante, o aparelho<br />

escolar, que, na realidade, substitui<br />

o antigo aparelho ideológico de<br />

Estado dominante, a Igreja, em suas<br />

funções. Podemos acrescentar: o par<br />

Escola-Família substitui o par Igreja-Família.<br />

(ALTHUSSER, 1985, p. 78).<br />

148<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 145-151, jun. 2011


Através da educação os alemães passaram<br />

a ver a religião judaica como uma “raça”, e<br />

como raça impura e responsável pelos problemas<br />

da sociedade alemã.<br />

Se os programas escolares foram modificados,<br />

os professores também foram, professores judeus<br />

foram proibidos de ensinar, quem pretendesse<br />

lecionar deveria passar por um treinamento sob<br />

observação de funcionários do partido nazista.<br />

O uso da escola como aparelho ideológico<br />

torna-se comum em regimes totalitários, contudo,<br />

observa-se que na Alemanha nazista, houve<br />

uma evolução no que se diz em escola totalitária.<br />

Em 1922 foi fundada a Juventude Hitlerista, com a<br />

motivação de treinar os futuros “arianos puros”.<br />

Dessa forma, logo as antigas escolas foram<br />

abandonadas, toda a educação de jovens e<br />

crianças fica a cargo da juventude hitlerista. Observa-se<br />

aí uma massificação ao extremo no uso<br />

do aparelho ideológico: os pais eram obrigados<br />

a deixar os filhos ingressarem com pena de serem<br />

presos caso se recusassem. Em 1937 há uma<br />

evolução nesse sistema de “treinamento”, são<br />

criadas as escolas para formação de intelectuais<br />

do partido, para os filhos da elite.<br />

Haviam três tipos de escola: as Escolas Adolf<br />

Hitler, para onde iam os jovens a partir de 12 anos<br />

que se destacavam em suas escolas de base, os<br />

Institutos de Educação Nacional e Políticos para<br />

onde eram direcionados os jovens que iriam para<br />

a carreira militar, esses eram supervisionados pelas<br />

SS (tropa de elite nazista), e os Castelos da Ordem<br />

cuja seleção era criteriosa, a elite da elite formava<br />

os cavaleiros do terceiro reich.<br />

Outros aparelhos ideológicos largamente<br />

usados pelos nazistas foram o cinema, arte,<br />

arquitetura e literatura.<br />

A Alemanha torna-se então, um Führerstaat,<br />

um Estado totalitário, apoiado em<br />

um partido único, o Nacional-Socialista,<br />

que, com apenas 25 mil membros<br />

em 1927, chegou a reunir 8 milhões em<br />

1938, uma mostra mais que significativa<br />

do apoio incondicional do povo alemão<br />

(RIBEIRO, 2005, p.41).<br />

Dentro do mundo do cinema a essência<br />

do anti-semitismo e a massificação ideológica<br />

ganharam proporções nunca vistas, o filme<br />

Triumph des Willens (O Triunfo da Vontade), filmado<br />

em 1934 durante o congresso nacionalsocialista<br />

alemão, produzido pela cineasta Leni<br />

Reifenstahl.<br />

O documentário mostrou-se uma arma<br />

poderosa, uma real expressão do que o aparelho<br />

ideológico pode quanto instrumento massificador<br />

de multidões, paradas aos moldes das<br />

grandes paradas romanas. No filme Hitler é saudado<br />

por milhares como líder supremo.<br />

Dentro da literatura foi criada uma enorme<br />

e vasta literatura nazista, que era racista, antisemita<br />

e nacionalista remontando um passado de<br />

pureza e predestinação ao poder da raça ariana.<br />

Quanto à arquitetura foi planejada para<br />

reforçar a ideia de uma nova nação, um novo<br />

mundo onde o nacional-socialismo esmagaria as<br />

raças inferiores e traria glórias para a raça pura, a<br />

exemplo temos as grandes construções das sedes<br />

do partido nazista, todas espelhadas nos<br />

grandes palácios da antiguidade, de forma alusiva<br />

a um passado triunfante.<br />

Em relação aos partidos políticos, não há<br />

oposição uma vez que os mesmo são o único<br />

partido legal. As manifestações políticas do partido<br />

pregavam que a Alemanha estava em guerra<br />

contra as outras nações, onde essas nações<br />

eram os capitalistas e em contraponto a Alemanha<br />

seria a força proletária, unida como nação a<br />

fim de tomar o poder, das mãos dos judeus frustrando<br />

assim seu plano de dominação mundial.<br />

O impacto do nazismo não se restringiu a<br />

Alemanha, mas a sua influência possibilitou a<br />

derrubada de muitos outros governos liberais por<br />

toda a Europa e América latina, propagou uma<br />

confiança na direita mundial, movimentos antiliberais<br />

e fascistas brotaram mundo a fora, como<br />

afirma um historiador renomado: “não foi por acaso<br />

[...] que ditadores da realeza da Europa Oriental,<br />

burocratas, oficiais e Franco (na Espanha) imitassem<br />

o fascismo” (LINZ, 1975, p.206).<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 145-151, jun. 2011<br />

149


5 O PROCESSO DE DESUMANIZAÇÃO E SEUS EFEI-<br />

TOS NA SOCIEDADE ALEMÃ<br />

Após anos de uma ideologia pautada na<br />

eugenia, antissemitismo e arianismo, mostra-se<br />

compreensível que a população aceite de modo<br />

natural com o conceito de raças, e apta a acreditar<br />

em apenas uma verdade, a que só existe uma<br />

raça pura, a raça ariana, as demais são incapazes<br />

e inferiores devem ser eliminadas com o intento<br />

Máximo, a fim não comprometer a pureza da<br />

raça ariana.<br />

De acordo com Milgram (1964), a notícia mais<br />

assustadora trazida pelo holocausto e pelo soubemos<br />

acerca de seus executores não foi a probabilidade<br />

de que “isso” pudesse acontecer a nós, mas a<br />

ideia de que nós poderíamos fazer o mesmo.<br />

A ideologia se instalou de modo a criar<br />

um código de normas de como o cidadão pertencente<br />

a raça ariana deveria se portar, não e<br />

difícil entender como o cidadão alemão outrora<br />

fiel súdito do Kaiser (imperador), torna-se servo<br />

de um ditador tão eloqüente quanto Hitler e seu<br />

discurso de raças.<br />

A modernidade traz outro atenuante<br />

quanto à brutalidade, como afirma Milgram<br />

(1964) “é difícil infligir dor a quem você pode<br />

tocar, é mais fácil provocar dor a quem esta a<br />

distância, e mais fácil ainda a quem você não<br />

pode ouvir, ou ver. Testes foram realizados a fim<br />

de afirmar essa hipótese, um desses testes, consistia<br />

em carregar um ovo em uma colher, toda<br />

vez que o ovo caísse a segunda pessoa apertava<br />

um botão que acionava uma descarga elétrica<br />

no indivíduo que deixou o ovo cair, o teste mostrou<br />

pessoas relutantes em apertar o botão<br />

quando conheciam ou quando podiam ver a pessoa<br />

recebendo a descarga elétrica, contudo<br />

quando não conheciam ou não podiam ver, não<br />

hesitaram em apertar o botão.<br />

Testes como esse, mostram que o ser<br />

humano está em uma dualidade de pensamentos,<br />

e o que é ético ou moral depende exclusivamente<br />

da ideologia.<br />

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

O horror que o nazismo trouxe com o holocausto<br />

representa no íntimo do povo alemão<br />

uma antítese da civilidade moderna, ou quem<br />

sabe apenas mostrou que há um outro lado, um<br />

lado podre no qual duvidamos de sua coexistência<br />

com o lado moderno, civilizado e familiar.<br />

Vemos que o povo alemão foi condicionado<br />

e treinado de modo a realizar um processo<br />

de desumanização do povo judeu, afinal e difícil<br />

realizar atos de crueldade extrema a um ser humano.<br />

É nesse ponto que a alienação enraizada<br />

no intimo da sociedade alemã, enxerga o povo<br />

judeu como sub-raça, subumanos.<br />

A sociedade alemã foi transformada e condicionada<br />

a obedecer sem pensar ou questionar,<br />

a estar ao serviço do Estado. A individualização é<br />

totalmente retirada da consciência popular, a homogeneidade<br />

é o ponto chave, slogans como:<br />

“Somente uma Alemanha” ou “um povo, um reich,<br />

um führer” são parte de uma massificante ideologia<br />

nazista, que tem o propósito de tornar os<br />

indivíduos parte de um enorme corpo social, apto<br />

e de prontidão com apenas um objetivo primário<br />

atender as ordens do Estado Nazista e erradicar<br />

as raças inferiores e impuras.<br />

E nesse ponto que observamos o processo<br />

de “adestramento” dentro dos indivíduos civis<br />

ou militares mostrando-se em um nível de<br />

mecanização, no qual os indivíduos foram treinados<br />

por uma ideologia aterradoramente cruel,<br />

ao ponto que a “solução final”, termo utilizado<br />

pelos nazistas, para o processo de sistematização<br />

fabril do extermínio dos judeus.<br />

A ciência das inovações tecnológicas que<br />

nos trouxe os eletrodomésticos e outros inúmeros<br />

produtos para o consumo, é a mesma que<br />

possibilitou o extermínio mecanizado, eficiente<br />

e estrutural de um povo.<br />

Torna-se importante promover cada vez<br />

mais estudos relacionados a temática históricosociológica<br />

em relação ao nazi-fascismo, estudos<br />

esses baseados inteiramente em uma explicação<br />

150<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 145-151, jun. 2011


detalhada da tomada do poder de Estado, tornando-os<br />

totalitários e autocráticos. Assim propiciando<br />

uma profunda reflexão sobre esses regimes tão<br />

desumanos e destrutivos para a humanidade.<br />

Depois de realizar um detalhado processo<br />

de remontagem histórica fica mais que<br />

claro os meios pelos quais uma minoria instaura<br />

um regime totalitário, desumano, alienador<br />

e arrasta toda uma sociedade destruindo<br />

milhares de vidas.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado.<br />

Rio de Janeiro: Graal, 1985.<br />

AMBROSE, Stephen E. O Dia D 6 de junho de 1944:<br />

a batalha culminante da segunda grande guerra.<br />

Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.<br />

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e holocausto.<br />

Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1998.<br />

BONA, Rafael. A propagação de uma ideologia: a<br />

propaganda Nazista. Revista Leonardo, Santa<br />

Catarina, v.3, n. 10, p.25-27, jun. 2005.<br />

CURI, Fabiano. A escola totalitária. Revista Educação,<br />

Rio de Janeiro, v.13, n. 151, p. 50-52, fev. 2009.<br />

FEST, Joachim C. Hitler. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,<br />

2006.<br />

GOODRICH, Nicholas. As raízes ocultistas do nazismo.<br />

São Paulo: Editores Associados, 1994.<br />

HILTER, Adolf. Mein Kampf: Minha Luta. São Paulo:<br />

Ed. Centauro, 2001.<br />

HOBSBAWM, Eric J. A era dos extremos: o breve<br />

século XX (1914 – 1991). São Paulo: Companhia<br />

das Letras, 2008.<br />

LYNZ, Juan. Totalitarian and authoritarian regimes.<br />

Cambridge: Greenstein, 1975.<br />

MARX, Karl. Ideologia alemã. São Paulo: Martins<br />

Fontes, 2007.<br />

MESZAROS, Istvan. O poder da ideologia. São<br />

Paulo: Boitempo Editorial, 2004.<br />

MILGRAM, Stanley. The individual in a social<br />

world. New York press, 1971.<br />

RIBEIRO JR, João. O que é nazismo. São Paulo:<br />

Ed. Brasiliense, 2005.<br />

SHAND, Terry. Historias da segunda guerra mundial:<br />

re<strong>lato</strong>s de soldados nazistas. São Paulo: Eagle<br />

Media, 1999. v.1 e v.2 (Soldados de Hitler). 2<br />

DVDs.<br />

SMITHSON, Darlow. Mentes brilhantes a serviço<br />

de Hitler. São Paulo: Chanel Four, 2007. v.1 e v.2<br />

(A ciência e a suástica). 3 DVDs.<br />

SPINDEL, Arnaldo. O que são ditaduras. São Paulo:<br />

Ed. Brasiliense, 1985.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 145-151, jun. 2011<br />

151


152 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 2, p. 119-124, nov. 2010


OS ESTUDOS DA LINGUAGEM EM DIFERENTES<br />

CONTEXTOS E DIVERSOS ENFOQUES 1<br />

Fernanda Machado dos Santos *<br />

RESUMO<br />

Este artigo pretende analisar os enfoques atribuídos aos estudos da linguagem diacronicamente,<br />

registrando as delimitações do objeto de estudo da ciência da linguagem – linguística. Busca-se<br />

compreender a evolução dos estudos linguísticos e identificar as novas vertentes neste<br />

campo de estudo.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Linguagem. Objeto. Ciência. Linguística.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Este artigo busca analisar os enfoques<br />

atribuídos aos estudos da linguagem, mostrando<br />

as diferentes abordagens teóricas a fim de<br />

mostrar a necessidade de estudos da linguagem<br />

voltados ao aspecto social, enfatizando a importância<br />

dos estudos sociolinguísticos (ou apenas<br />

linguísticos) que entende a língua como a forma<br />

de inserir o indivíduo em um grupo social.<br />

A análise desses estudos nos possibilitará<br />

perceber de que forma tais autores abordam<br />

a linguagem, identificando a ênfase dada a um<br />

estudo da língua de forma a valorizar não somente<br />

seus aspectos abstratos, mas levar em consideração<br />

aspectos concretos e externos à língua<br />

que podem ser responsáveis, por exemplo, por<br />

modificações que ela sofre em determinada<br />

época, ou seja, estudar a língua de forma contextualizada,<br />

a fim de desmistificar o real objeto<br />

de estudo da linguística.<br />

Torna-se relevante trabalhar com assuntos<br />

relacionados à linguagem, haja vista que, somos<br />

seres da linguagem, e interagimos em sociedade<br />

através dela. Por isso, estudar sobre a língua<br />

falada, especificamente, significa estudar<br />

sobre aquilo que nos torna um ser social, sobre<br />

parte da nossa cultura. Necessita-se pensar, en-<br />

*<br />

Graduanda do 7º semestre do Curso de Letras e monitora da<br />

disciplina Português I (Gramática Histórica), na Universidade<br />

da Amazônia – UNAMA.<br />

1<br />

Artigo elaborado sob orientação da profa. MS. Maria das<br />

Graças Alves Salim, graduada em Letras e Artes pela<br />

Universidade Federal do Pará (1977); especialização em<br />

Língua Portuguesa pela Universidade Estadual do Ceará<br />

(1993); mestrado em Linguística pela Universidade Federal<br />

do Pará (1998). Atualmente é professora da Universidade da<br />

Amazônia.<br />

153<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 153-159, jun. 2011


tão, em língua não apenas baseado na teorização,<br />

mas levando a teoria mais além, abordar a<br />

língua, por exemplo, como meio utilizado em<br />

atitudes de dominação e até exclusão social, em<br />

que presenciamos a língua como marca da hierarquização<br />

social.<br />

O foco central desses estudos deve estar<br />

baseado na análise e compreensão de questões<br />

da linguagem, não só no que diz respeito ao funcionamento<br />

e estrutura da língua, mas também<br />

no que diz respeito ao fenômeno da linguagem<br />

dentro do aspecto social, tendo em vista que um<br />

estudo pautado na relação entre língua e sociedade<br />

tem se tornado o propósito mais relevante<br />

dos estudos linguísticos atuais.<br />

Tudo isso mostra a importância desses<br />

estudos, já que a língua retrata as características<br />

de um povo de uma determinada época, possibilitando<br />

identificar, assim, marcas presentes na<br />

fala de um indivíduo pertencente a uma época,<br />

que jamais será identificada em outro indivíduo<br />

de uma época distinta.<br />

2 A CIÊNCIA DA LINGUAGEM<br />

A linguística adquiriu caráter científico<br />

a partir do início do século XX como definição<br />

para a ciência que estuda a linguagem. Os estudos<br />

linguísticos passaram a ser considerados<br />

científicos a partir do Curso de Linguística<br />

Geral de Ferdinand de Saussure, o qual determinou<br />

como objeto de estudo a língua. Ele<br />

conseguiu demonstrar uma proposta de estudo<br />

que atendesse às exigências dos estudos<br />

científicos da época. De forma objetiva e através<br />

de estudos bem delimitados, definiu-se<br />

uma ciência que se dedicaria ao estudo da linguagem.<br />

Ao realizar sua proposta, ele proporcionou<br />

fundamentos que serão indispensáveis<br />

aos estudos posteriores.<br />

Assim, a linguística dedica-se em estudar<br />

a língua falada, analisando suas demonstrações<br />

em determinada época. Distingue-se da filologia,<br />

por exemplo, que se dedica ao estudo<br />

histórico-comparativo das línguas, porém, priorizando<br />

suas demonstrações em textos escritos<br />

associados ao contexto literário e cultural.<br />

Diferencia-se, ainda, da Semiótica ou Semiologia,<br />

que dedica seus estudos não só aos<br />

signos linguísticos, ou seja, sistema de signos<br />

que representam a linguagem verbal, mas engloba<br />

todo e qualquer sistema de signos instituídos,<br />

como os pertencentes às artes visuais,<br />

vestuário, fotografia, gestos, sinais de trânsito<br />

etc. A definição para esses estudos é ressaltada<br />

por Saussure<br />

Dessarte, qualquer que seja o lado<br />

por que se aborda a questão, em nenhuma<br />

parte se nos oferece integral<br />

o objeto da Linguística. Sempre encontraremos<br />

o dilema: ou nos aplicamos<br />

a um lado apenas de cada<br />

problema e nos arriscamos a não<br />

perceber as dualidades assinaladas<br />

acima, ou, se estudarmos a linguagem<br />

sob vários aspectos ao mesmo<br />

tempo, o objeto da Lingüística nos<br />

aparecerá como um aglomerado confuso<br />

de coisas heteróclitas, sem liame<br />

entre si. Quando se procede assim,<br />

abre-se a porta a várias ciências<br />

Psicologia, Antropologia, Gramática<br />

normativa, Filologia etc, que separamos<br />

claramente da Lingüística,<br />

mas que, por culpa de um método<br />

incorreto, poderiam reivindicar a linguagem<br />

como um de seus objetos.<br />

Há, segundo nos parece, uma solução<br />

para todas essas dificuldades:<br />

é necessário colocar-se primeiramente<br />

no terreno da língua e tomála<br />

como norma de todas as outras<br />

manifestações da linguagem. (SAUS-<br />

SURE, 1995, p. 16-17).<br />

Saussure substitui o modelo de estudo<br />

diacrônico pelo sincrônico da estrutura das línguas,<br />

baseando-se em uma determinada época<br />

e em um tempo específico. Além disso, definiu<br />

conceitos que foram posteriormente denominados<br />

de dicotomias, sendo elas língua vs. fala,<br />

sincronia vs. diacronia, significado vs. significante<br />

e sintagma vs. paradigma.<br />

154<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 153-159, jun. 2011


É a essa definição de linguística que<br />

F. de Saussure, após uma condenação<br />

desses predecessores que não<br />

definiram seu objeto, dedica os primeiros<br />

capítulos de seu Curso. O termo<br />

linguagem encobre um conjunto<br />

de realidades muito diversas, fisiológicas<br />

e psicológicas, auditivas e vocais,<br />

e todas as ciências, ou quase<br />

todas, podem nela encontrar objetos<br />

que lhe dizem respeito. O domínio<br />

próprio de uma linguística não é evidente,<br />

embora F. de Saussure esteja<br />

certo da possibilidade de tal ciência<br />

antes mesmo de descobrir seu objeto<br />

de estudo. (DUBOIS, 2006, p.390).<br />

Quanto ao modelo de estudo estruturalista<br />

saussuriano podem-se destacar dois traços<br />

característicos de sua análise, uma em relação<br />

à língua como objeto de estudo, e a outra<br />

como a abordagem de estudo sincrônica. Saussure<br />

entende a língua como sistema de signos<br />

linguísticos constituídos socialmente, considerando-a<br />

homogênea e, apesar de coletiva, imutável<br />

pelos indivíduos. Essa abordagem demonstra<br />

a compreensão de língua como sistema<br />

que, apesar de convencional, não é compreendido<br />

logicamente pelos seus falantes no<br />

que tange aos seus processos linguísticos, já<br />

que a língua era vista como algo externo ao<br />

homem, o que o impossibilitava de realizar<br />

qualquer modificação.<br />

O estruturalismo priorizava a análise das<br />

estruturas que compõem a língua e descrevêlas,<br />

sem precisar fazer relação com a abordagem<br />

história pela qual essa língua perpassou, pois<br />

determinava o estudo diacrônico da língua independente<br />

do estudo sincrônico, como linhas<br />

paralelas que não conseguiam se entrelaçar.<br />

Outros estudiosos da linguagem tomaram<br />

como base as proposições realizadas por<br />

Saussure aos estudos da língua para delimitarem<br />

seus estudos, tanto no que diz respeito a<br />

seguir o modelo estruturalista, quanto a confrontá-lo<br />

através de outras propostas de estudo.<br />

3 OUTRAS ABORDAGENS SOBRE A LINGUAGEM<br />

Na segunda metade do século XX, o linguista<br />

Noam Chomsky desenvolveu outro conceito<br />

que se distanciava do estruturalismo<br />

saussuriano. Chomsky delimitou seu estudo através<br />

de uma gramática gerativa.<br />

a gramática generativa mudou o foco<br />

de atenção do comportamento lingüístico<br />

real ou potencial e dos produtos<br />

deste comportamento para o<br />

sistema de conhecimento que sustenta<br />

o uso e a compreensão da língua,<br />

e, mais profundamente, para a<br />

capacidade inata que permite aos<br />

humanos atingir tal conhecimento<br />

(CHOMSKY, p. 43, 1994).<br />

A gramática gerativa pautava-se no raciocínio<br />

de que as sentenças são construídas a<br />

partir de um processo cerebral e que a linguagem<br />

ocorre em dois níveis: o superficial e o<br />

profundo. O superficial abrangia as sentenças<br />

resultantes do pensamento, fala e escrita; e o<br />

profundo poderia ser entendido como um suporte<br />

lógico, no qual o raciocínio aconteceria<br />

sem o uso de palavras.<br />

[...] a maioria das propostas mais rigorosas<br />

de desenvolvimento da teoria<br />

lingüística [...] tentam formular<br />

métodos de análise que um investigador<br />

poderia efetivamente utilizar<br />

se dispusesse do tempo suficiente<br />

para construir uma gramática de uma<br />

língua diretamente a partir de dados<br />

brutos. Parece-me muito discutível<br />

que este objetivo seja alcançável<br />

de forma minimamente interessante<br />

e suspeito de que qualquer<br />

tentativa neste sentido conduza a<br />

um intrincado conjunto de processos<br />

analíticos cada vez mais elaborados<br />

e complexos que não estarão aptos<br />

a fornecer soluções para muitas<br />

questões relevantes sobre a natureza<br />

da estrutura lingüística. (CHOMSKY,<br />

1957, p. 58).<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 153-159, jun. 2011<br />

155


Nesse sentido, sentenças na voz ativa e voz<br />

passiva, por exemplo, eram consideradas semelhantes.<br />

Quando analisadas em nível superficial<br />

identificava-se diferenças na estrutura sintática,<br />

mas quando era analisada em nível profundo entendia-se<br />

que as duas sentenças possuíam significações<br />

comuns, ou seja, diziam a mesma coisa.<br />

Partindo desse pressuposto o objeto de<br />

análise do linguista passava a ser definido pelas<br />

transformações entre um estágio e outro. É a<br />

partir desse raciocínio que se define a gramática<br />

gerativa, na tentativa de descrever uma gramática<br />

que pudesse gerar todas as possíveis sentenças<br />

que a língua fosse capaz, a partir de um<br />

conjunto limitado de regras e constituintes.<br />

Chomsky delimitou seu estudo de forma<br />

semelhante às dicotomias saussurianas, delimitada<br />

entre o conhecimento das regras da língua<br />

que o falante-ouvinte possui e o emprego desse<br />

conhecimento em situações concretas de uso<br />

da língua. O primeiro denomina-se competência,<br />

e o segundo desempenho. A partir dessa<br />

delimitação, que determinava o enfoque dado<br />

ao estudo da linguagem, Chomsky prioriza o estudo<br />

da competência, diferenciando-se já dos linguistas<br />

anteriores.<br />

Segundo Chomsky (1957) esse parâmetro<br />

de análise levava em consideração que se o<br />

falante possui competência linguística, ele consequentemente<br />

conseguirá criar e desenvolver<br />

sentenças, além de demonstrar possíveis falhas<br />

relacionadas ao desempenho. Assim, podemos<br />

relacionar essa acepção com outros tipos de<br />

competência, por exemplo, no que diz respeito<br />

a utilizar uma máquina de costura e ser capaz de<br />

fazer diversos tipos de roupas, assim como, identificar<br />

e reconhecer algum possível erro no ato<br />

da costura (desempenho).<br />

A acepção de Chomsky sobre a linguagem<br />

mostrava-se oposta à de Saussure, visto que<br />

se este considerava a língua como algo externo<br />

ao homem, aquele a entendia como interno, já<br />

que a competência linguística era considerada<br />

como capacidade inata ao homem.<br />

A gramática gerativa definiu, então, seu<br />

estudo pautado na observação e análise das<br />

manifestações da língua, levando-se em consideração<br />

esquemas abstratos. Assim, recusavase<br />

em analisá-la a partir de dados colhidos em<br />

situações distintas do falante, já que acreditava<br />

que as línguas possuíam traços de sua origem<br />

comum armazenados no cérebro. Esses estudos<br />

analisavam a sintaxe da língua, que era considerada<br />

como autônoma e central, já que se acreditava<br />

que era onde se encontram as explicações<br />

acerca da linguagem.<br />

O enfoque do gerativismo estava direcionado<br />

ao estudo das frases, de forma a valorizar<br />

análises sincrônicas e diacrônicas ao mesmo<br />

tempo, também considerando a língua como<br />

conjunto sistêmico.<br />

Essa proposta de estudo caracterizava-se<br />

em descritiva e explicativa, na medida em que<br />

tomava como ponto de partida esquemas abstratos<br />

e chegava-se em dados concretos representados<br />

por construções frasais consideradas gramaticais,<br />

ou seja, àquelas existentes na língua.<br />

As ideias de Chomsky resultaram em significativas<br />

contribuições aos estudos linguísticos<br />

e, por isso, as teorias que surgiram posteriormente<br />

tomavam como referência essas ideias, seja<br />

no sentido de concordância ou discordância.<br />

4 POR UMA REFLEXÃO DISCURSIVA DA LINGUAGEM<br />

Depois dos estudos gerativistas o foco<br />

da discussão da linguagem deixava o plano sintático<br />

e passava ao plano do discurso, priorizando<br />

os estudos da língua em uso, em funcionamento.<br />

Deu-se lugar aos pensamentos de<br />

Bakhtin demonstrando uma concepção de linguagem,<br />

levando-se em consideração toda a<br />

sua complexidade, voltada para o fenômeno da<br />

interlocução. Bakhtin (1986) afirma que a língua<br />

vive e evolui historicamente na comunicação<br />

verbal concreta, não no sistema linguístico<br />

abstrato das formas da língua, nem do psiquismo<br />

individual dos falantes.<br />

156<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 153-159, jun. 2011


A verdadeira substância da língua<br />

não é constituída por um sistema<br />

abstrato de formas linguísticas, nem<br />

pela enunciação monológica isolada,<br />

nem pelo ato psicofisiológico de<br />

sua produção, mas pelo fenômeno<br />

social da interação verbal, realizada<br />

através da enunciação ou das<br />

enunciações. A interação verbal constitui<br />

assim a realidade fundamental<br />

da língua. (BAKHTIN, 1986, p.123).<br />

As reflexões de Bakhtin revelavam-se<br />

divergentes às de Saussure, pois não acreditava<br />

que a língua pudesse ser entendida como abstrata,<br />

homogênea e imutável, e tampouco que<br />

ela fosse transmitida por gerações sem que os<br />

falantes pudessem modificá-la.<br />

Essas ideias confrontavam ainda às de<br />

Saussure quanto à relação do falante com a linguagem.<br />

Ele critica a concepção formalista/estruturalista<br />

da linguagem, e propõe um estudo<br />

pautado em análises a partir de relações dialógicas,<br />

substituindo as análises linguísticas no plano<br />

da língua enquanto estrutura abstrata. Sua<br />

proposta direciona o estudo de uma nova disciplina<br />

– a metalinguística – que ultrapassava os<br />

limites da linguística estruturalista, e valorizava<br />

o discurso. As análises linguísticas não eram ignoradas,<br />

mas agora eram aplicadas através de<br />

pesquisas metalinguísticas.<br />

Enquanto Saussure considerava a língua<br />

“em si e por si” justificando as suas modificações<br />

no tempo e através das forças sociais, Bakhtin<br />

considera o falante o responsável por essas<br />

modificações, pois entendia que este se constituía<br />

“na e pela” língua. A partir disso, passou a<br />

entender a língua como um sistema constituído<br />

por signos ideológicos que refletiam as mudanças<br />

sofridas na sociedade.<br />

Bakhtin define o real objeto de estudo<br />

como o exercício da fala em sociedade, ou seja,<br />

o enunciado, pretendendo, dessa forma, entender<br />

como funcionava a linguagem humana<br />

enquanto fenômeno. Seus estudos estavam<br />

voltados para um objeto em constante movimento,<br />

modificação, que substituiria àquele<br />

abstrato e imutável.<br />

[...] o essencial na tarefa de descodificação<br />

não consiste em reconhecer<br />

a forma utilizada, mas compreendê-la<br />

num contexto concreto preciso,<br />

compreender sua significação<br />

numa enunciação particular. Em<br />

suma, trata-se de perceber seu caráter<br />

de novidade e não somente sua<br />

conformidade à norma. Em outros<br />

termos, o receptor, pertencente à<br />

mesma comunidade lingüística,<br />

também considera a forma lingüística<br />

utilizada como um signo variável<br />

e flexível e não como um sinal imutável<br />

e sempre idêntico a si mesmo<br />

(BAKHTIN, 1986, p. 93).<br />

A linguagem era compreendida como<br />

prática social, justificando-se na língua sua realidade<br />

material como um processo que evolui<br />

ininterruptamente. Assim, seu objeto de estudo<br />

– o enunciado – só poderia ser analisado dentro<br />

de uma interação verbal, durante um diálogo,<br />

para entender o funcionamento da linguagem<br />

humana enquanto fenômeno.<br />

Essa abordagem nos revela a incoerência<br />

de estudar a língua enquanto sistema imutável<br />

e homogêneo já que ela acontece em sociedade,<br />

a qual se mostra heterogênea e em constante<br />

processo evolutivo de mudança. Então,<br />

nota-se a importância que esses estudos proporcionaram<br />

para que surgissem novas vertentes<br />

de análises mais contemporâneas da linguagem<br />

enquanto fenômeno.<br />

5 NOVAS TENDÊNCIAS TEÓRICAS PARA O ESTU-<br />

DO LINGUÍSTICO<br />

As ideias de Bakhtin revolucionaram as<br />

pesquisas no campo linguístico do século XX,<br />

superando a abordagem estruturalista e gerativista<br />

da linguagem. Os estudos anteriores abordavam<br />

a língua como produto social, visto que<br />

ela se realiza em sociedade como instrumento<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 153-159, jun. 2011<br />

157


de comunicação entre os indivíduos. Entretanto,<br />

percebe-se que, apesar desse entendimento,<br />

não havia uma abordagem que analisasse a<br />

língua e os elementos de caráter social, descrevendo-a<br />

como produto heterogêneo.<br />

A partir dessa concepção de estudo da<br />

linguagem surgem os estudos da língua voltados<br />

aos aspectos sociais e, consequentemente,<br />

ao seu caráter heterogêneo, através da disciplina<br />

sociolinguística, que realizará seus estudos<br />

dando enfoque à diversidade linguística.<br />

Essa nova proposta de estudo propunhase<br />

a descrever a heterogeneidade da língua representada<br />

pela diversidade justificada por influências<br />

de fatores externos – fatores sociais.<br />

Como representante mais conhecido da sociolinguística<br />

surge William Labov (1972) para dar<br />

um enfoque mais abrangente da relação entre<br />

língua e sociedade.<br />

Labov, em meados do século XX, revela<br />

sua concepção de linguagem, que diverge da<br />

estruturalista e gerativista, analisando a modalidade<br />

de fala em seu contexto social. Seus pensamentos<br />

aproximam-se de Bakhtin quanto à<br />

dinamicidade da língua e seu processo contínuo<br />

de mudança, analisando a partir de então as variações<br />

que a língua manifesta através da fala.<br />

Nesse sentido, vê-se a constatação de<br />

uma divergência quanto aos estudos anteriores,<br />

que não levavam em conta os estudos da fala,<br />

passando, a partir de então, a ter um enfoque<br />

maior nos estudos contemporâneos.<br />

Então, Labov (1972) e Herzog (2006) iniciam<br />

uma abordagem de estudo pautada em uma<br />

teoria da mudança linguística, levando-se em<br />

consideração os fatores internos e externos da<br />

língua. Nessa teoria consideram-se cinco aspectos<br />

a serem analisados: fatores condicionantes,<br />

transição, encaixamentos linguístico e social, avaliação<br />

e a implementação.<br />

Os fatores condicionantes são relativos aos<br />

elementos sociais e linguísticos que dariam condições<br />

para que ocorresse a mudança linguística.<br />

O período de transição refere-se ao momento em<br />

que uma estrutura é substituída por outra, traço<br />

característico de um estudo diacrônico. Os encaixamentos<br />

linguísticos e sociais são relativos às alterações<br />

que a língua sofre adequando-se a diferentes<br />

contextos sociais, funcionando diferentemente.<br />

A avaliação dessas variáveis da língua<br />

pelos indivíduos pertencentes a uma comunidade<br />

de fala possui relação direta ao processo de<br />

transição. E por fim a implementação é saber como<br />

e quando uma mudança foi implementada e saber<br />

quando o fenômeno deixa de ser considerado<br />

mudança e passa a ser considerado parte da<br />

estrutura sociolinguística de uma comunidade.<br />

Essas novas tendências de estudo da língua,<br />

que trabalham em uma perspectiva sincrônica<br />

e diacrônica conjuntamente, têm contribuído<br />

e avançado nos estudos da linguagem enquanto<br />

fenômeno social. Assim, torna-se de<br />

grande relevância pesquisas atuais que buscam<br />

compreender as estruturas linguísticas e suas<br />

respectivas variações, relacionando com os fatores<br />

extralinguísticos, e entender a língua, através<br />

da fala, não mais com caráter homogêneo,<br />

mas agora como heterogêneo, buscando entendê-la<br />

não mais “em si e para si”, mas enquanto<br />

produto social.<br />

Outros aspectos relevantes de estudo<br />

foram delimitados, como por exemplo o contexto<br />

social de uso da língua, que passou a fazer<br />

parte das análises sociolinguísticas na tentativa<br />

de explicar as modificações linguísticas. E a partir<br />

dessa concepção de análise é que se entende<br />

o indivíduo como responsável por mudanças<br />

ocorridas na língua em uso.<br />

Na explicação da mudança lingüística,<br />

é possível alegar que os fatores<br />

sociais pesam sobre o sistema lingüístico<br />

como um todo [...] Assim, a<br />

tarefa do lingüista não é tanto demonstrar<br />

a motivação social de uma<br />

mudança quanto determinar o grau<br />

de correlação social que existe e<br />

mostrar como ela pesa sobre o sistema<br />

lingüístico abstrato (WEINREI-<br />

CH, LABOV e HERZOG, 2006, p.123).<br />

158<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 153-159, jun. 2011


Dessa forma, Weinreich, Labov e Herzog<br />

(2006) partem do pressuposto de que a ocorrência<br />

de mudanças linguísticas acontece em qualquer<br />

língua, e a Sociolinguística Variacionista pretende<br />

compreender como elas se dão nos sistemas<br />

das línguas, e qual a sua relação com os processos<br />

variáveis de análise sincrônica, em que<br />

há uma restrita ligação entre os fatores linguísticos<br />

e sociais.<br />

A partir desse parâmetro de estudo entende-se<br />

a língua como um sistema não homogêneo,<br />

mas heterogêneo, em que as variações<br />

são inerentes ao sistema linguístico em uso, o<br />

qual funciona como meio de comunicação entre<br />

os indivíduos de uma comunidade de fala, e que<br />

é onde ocorrem mudanças através de fatores linguísticos<br />

e sociais.<br />

6 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES<br />

Este artigo demonstrou as diferentes abordagens<br />

que os estudiosos atribuíram aos estudos<br />

linguísticos. Partimos do advento de uma ciência<br />

que se dedicara ao estudo da linguagem a partir<br />

de Saussure, através de suas contribuições que<br />

possibilitaram os estudos posteriores. Passamos<br />

por Chomsky demonstrando suas reflexões acerca<br />

da língua e suas confrontações às ideias de<br />

Saussure. Depois chegamos a Bakhtin e apresentamos<br />

sua proposta de abordagem discursivo-ideológica,<br />

até chegar a Labov, que é considerado o<br />

precursor das pesquisas contemporâneas.<br />

Dessa forma, apresentamos os diferentes<br />

enfoques e diferentes contextos pelos quais os estudos<br />

linguísticos passaram, mostrando a complexidade<br />

de se entender o funcionamento do cérebro<br />

humano, para compreender o domínio que indivíduo<br />

tem da linguagem a ponto de modificá-la.<br />

Pode-se, então, mostrar a necessidade<br />

de estudos da linguagem voltados ao aspecto<br />

social, enfatizando a importância dos estudos<br />

linguísticos que entendem a língua como a forma<br />

de inserir o indivíduo em um grupo social,<br />

enfatizando agora o que as teorias anteriormente<br />

deixavam de lado, para enfim, entender como<br />

a língua realmente funciona.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem:<br />

problemas fundamentais do método sociológico da<br />

ciência da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2004.<br />

CHOMSKY, Noam. Linguagem e mente. Brasília:<br />

Universidade de Brasília, 1998.<br />

DUBOIS, Jean. Dicionário de linguística. São Paulo:<br />

Cultrix, 2006.<br />

MONTEIRO, José lemos. Para compreender Labov.<br />

Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.<br />

ORLANDI, Eni Pulcinelli. Linguagem e seu funcionamento:<br />

as formas do discurso. 2. ed. Campinas,<br />

SP: Pontes, 1987.<br />

ORLANDI, Eni Pulcinelli. O que é linguística. São<br />

Paulo: Brasiliense, 1995.<br />

SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística geral.<br />

2. ed. São Paulo: Cultrix, 1995.<br />

TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolinguística.<br />

São Paulo: Ática, 2006.<br />

WEEDWOOD, Bárbara. História concisa da linguística.<br />

São Paulo: Parábola, 2002.<br />

WEINREICH, U.; LABOV, W.; HERZOG, M. Fundamentos<br />

empíricos para uma teoria da mudança<br />

linguística. São Paulo: Parábola editorial, 2006.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 153-159, jun. 2011<br />

159


160


INTERVENÇÃO FISIOTERAPÊUTICA NA SÍNDROME DE MARFAN:<br />

RELATO DE CASO 1 Marcus Vinicius de Oliveira Resque *<br />

RESUMO<br />

A Sindrome de Marfan é uma doença genética autossômica que atinge predominantemente o<br />

tecido conjuntivo, ocasionando alterações nos sistemas musculoesquelético, ocular e cardiovascular.<br />

O fisioterapeuta deve realizar uma avaliação precisa dos indivíduos portadores desta<br />

síndrome a fim de elaborar o melhor plano de tratamento para uma reabilitação eficaz. Objetivo:<br />

Relatar o caso de um paciente portador da Síndrome de Marfan, relacionando os aspectos<br />

teóricos encontrados nas literaturas com o quadro clínico apresentado pelo mesmo e as principais<br />

condutas fisioterapêuticas. Metodologia: O artigo foi elaborado com base na semiologia,<br />

catalogados na ficha de avaliação do paciente e atendimento fisioterapêutico, juntamente<br />

com uma revisão de literatura a cerca do assunto, em banco de dados virtuais e na biblioteca da<br />

UNAMA e da UEPA. Conclusão: Uma patologia pouco comum no país, e o fisioterapeuta tem um<br />

papel fundamental no manejo clínico desses pacientes, principalmente nas disfunções osteomio-articulares.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Síndrome de Marfan. Fisioterapia. Tratamento.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A Síndrome de Marfan (SM) é uma doença<br />

de herança autossômica dominante do tecido<br />

conjuntivo, que envolve principalmente os sistemas<br />

musculoesquelético, ocular e cardiovascular<br />

(NEPTUNE et al., 2003).<br />

A principal causa de morte prematura nos<br />

pacientes afetados pela síndrome é dilatação progressiva<br />

da raiz da aorta e da aorta ascendente,<br />

causando incompetência e dissecção aórtica. Quanto<br />

à incidência, os valores são conflitantes, variando<br />

de 4 a 6 indivíduos em 100.000. (BROOKE, 2008).<br />

O quadro clínico é muito variado, e<br />

pode ser observada uma expressividade variável,<br />

ou seja, nem sempre um indivíduo afetado<br />

tem todas as características clínicas. Por<br />

*<br />

Acadêmico do 8º semestre do curso de Fisioterapia da<br />

Universidade da Amazônia e monitor das disciplinas:<br />

Fisioterapia nas Enfermidades e Distúrbios do Sistema<br />

Nervoso e Fisioterapia nas Enfermidades e Distúrbios<br />

Infanto-Juvenis<br />

1<br />

Artigo elaborado sob orientação da profª Luciane Lobato<br />

Sobral, professora das disciplinas de Fisiopatologia Humana<br />

e Fisioterapia nas Enfermidades e Distúrbios do Sistema<br />

Nervoso da Universidade da Amazônia; mestre em<br />

Fisioterapia Neurológica pela Universidade Metodista de<br />

Piracicaba (2007).<br />

161<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 161-165, jun. 2011


isso, é necessário examinar cuidadosamente<br />

os pais e os familiares próximos. Da mesma<br />

forma que um indivíduo discretamente afetado<br />

pode vir a ter um filho muito acometido,<br />

ou vice-versa (ONODERA, 2004).<br />

Os pacientes com a Síndrome de Marfan<br />

geralmente são medicados com betabloqueadores<br />

de forma a diminuir a frequência cardíaca e<br />

o inotropismo do coração (força de contração). Em<br />

caso de aneurisma da aorta, recorre-se a intervenção<br />

cirúrgica. É ainda importante que o doente seja<br />

alertado para a importância de uma correta higiene<br />

oral, de forma a prevenir a entrada de bactérias<br />

por essa via e evitar assim complicações<br />

como endocardites (BROOKE, 2008).<br />

O tratamento fisioterapêutico é parte<br />

integrante da equipe interdisciplinar que visa<br />

ao auxílio terapêutico nos pacientes portadores<br />

da Síndrome de Marfan. (PEREZ, 2004).<br />

O papel do fisioterapeuta é de normalizar<br />

as alterações musculoesqueléticas, como minimizar<br />

as deformidades e reduzir a hipermobilidade<br />

das articulações, além de promover um condicionamento<br />

cardiorrespiratório (DUPRAT, 2002).<br />

2 OBJETIVO<br />

Pesquisa na literatura, dados relacionados<br />

à Síndrome de Marfan, a fim de relacionar os<br />

aspectos teóricos, incluindo fisiopatologia e o<br />

quadro clínico, com os achados obtidos na avaliação<br />

fisioterapêutica e na prática clínica.<br />

Para isso, foi realizado um re<strong>lato</strong> de caso<br />

de um menino de 12 anos, portador da Síndrome<br />

de Marfan, pois o objetivo foi identificar as<br />

principais manifestações clínicas deste paciente,<br />

a fim de elaborar um protocolo de tratamento<br />

eficaz para reabilitação do mesmo.<br />

3 METODOLOGIA<br />

Este artigo foi desenvolvido na Clínica de<br />

Reabilitação – Fisiosaúde, durante um estágio<br />

extracurricular supervisionado na área pediátrica,<br />

no período de 23 de novembro a 20 de dezembro<br />

de 2010. Os dados foram obtidos por<br />

meio de uma avaliação fisioterapêutica, onde<br />

foi realizada uma anamnese precisa com informações<br />

relatadas pela genitora do paciente,<br />

bem como um exame físico e cognitivo, a fim de<br />

reportar as principais alterações clínicas.<br />

Logo em seguida, foram pesquisados dados<br />

na literatura acerca do assunto, como: conceito,<br />

epidemiologia, quadro clínico, principais<br />

sequelas, tratamento clínico e fisioterapêutico.<br />

Utilizou-se para tal, pesquisa em bancos de dados<br />

virtuais como Bireme e Scielo, no período<br />

de novembro a dezembro de 2010, além de levantamento<br />

bibliográfico nas bibliotecas da Universidade<br />

da Amazônia (UNAMA) e Universidade<br />

Estadual do Pará (UEPA).<br />

4 REFERENCIAL TEÓRICO<br />

4.1 CONCEITO<br />

A patologia foi descrita por um pediatra<br />

francês, Antoine Bernard-Jean Marfan, em 1896.<br />

Com este primeiro re<strong>lato</strong> e outros subseqüentes,<br />

ficou estabelecido que se tratava de uma<br />

doença genética com transmissão autossômica<br />

dominante, com expressividade variável intra e<br />

inter familiar (ONODERA, 2004).<br />

A síndrome de Marfan, também conhecida<br />

como Aracnodactilia, é uma desordem<br />

do tecido conjuntivo caracterizada por membros<br />

anormalmente longos. A doença também afeta<br />

outras estruturas do corpo, incluindo<br />

o esqueleto, os pulmões, os olhos, o coração e<br />

os vasos sanguíneos (NEPTUNE et al., 2003).<br />

4.2 EPIDEMIOLOGIA<br />

A incidência da SM ocorre acerca de 2 a 3<br />

em 10.000 indivíduos, embora essa estimativa<br />

dependa de um reconhecimento melhor de todos<br />

os indivíduos acometidos e aqueles com predisposição<br />

genética (BRAZÃO, 2009).<br />

162<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 161-165, jun. 2011


Como 75% dos indivíduos têm um dos<br />

pais afetados, torna-se de suma importância o<br />

aconselhamento genético. A expectativa de vida<br />

média tem aumentado significativamente desde<br />

1972, aproximando-se da população geral.<br />

Isto se deve, pelo menos em parte, aos benefícios<br />

alcançados pela cirurgia cardiovascular e pela<br />

terapia farmacológica com betabloqueadores<br />

(DUPRAT; PEREIRA, 2002).<br />

4.3 FISIOPATOLOGIA<br />

As principais informações médicas a respeito<br />

dão conta que a base genética na maioria<br />

dos casos consiste na mutação de um gene situado<br />

no cromossomo 15, a fibrilina (FBN1), importante<br />

componente na formação das fibras<br />

elásticas. Sua produção anormal resulta em fibras<br />

elásticas anormais produzindo as alterações<br />

que caracterizam a síndrome. Estas mutações<br />

podem ser encontradas em 90% dos indivíduos<br />

que preenchem os critérios de diagnóstico clínico.<br />

(NEPTUNE et al., 2003).<br />

A artéria aorta e os ligamentos são ricos<br />

em fibras elásticas, fato que explica as alterações<br />

dessas estruturas serem as principais sequelas<br />

dos portadores da síndrome (LEITE, 2003).<br />

4.4 QUADRO CLÍNICO<br />

As características clínicas da SM envolvem<br />

alterações nas estruturas dos sistemas músculoesqueléticos,<br />

ocular e cardiovascular, além da clínica<br />

genética da história familiar (BRAZÃO, 2009).<br />

No sistema músculo-esquelético podem<br />

ser observadas: aracnodactilia, envergadura ou<br />

altura abaixo da média para idade (95%), deformidade<br />

torácica (pectus escavado), pa<strong>lato</strong> alto e<br />

arqueado, hiperflexibilidade articular, deformidades<br />

da coluna vertebral (escolioses) e pés planos<br />

(DUPRAT; PEREIRA, 2002).<br />

A ectopia do cristalino e a miopia estão<br />

presentes nos portadores da síndrome. As alterações<br />

no sistema cardiovascular envolvem o prolapso<br />

da válvula mitral, amplificação da aorta, levando<br />

uma dissecção dessa artéria pois a mesma<br />

ficará sobrecarregada durante a sístole, incapacitando<br />

os pacientes de SM a não realizarem caminhadas<br />

e/ou exercícios físicos (GARCIA, 2007).<br />

4.5 DIAGNÓSTICO<br />

Por meio do exame clínico, o médico<br />

identifica as alterações cardíacas, oculares e<br />

musculoesqueléticas. O ecocardiograma é indicado<br />

para visualizar o déficit de função da válvula<br />

mitral e a dilatação da aorta, enquanto o exame<br />

genético é usado para verificar a mutação do<br />

cromossomo 15 (fibrilina), são os meios de diagnóstico<br />

da SM (BRAZÃO, 2009).<br />

4.6 TRATAMENTO CLÍNICO<br />

Apesar da Síndrome de Marfan não ter<br />

cura, há muitas opções para controlar os sintomas,<br />

pois a patologia é rara, e se torna importante<br />

encontrar um médico que seja conhecedor<br />

sobre a circunstância, para a prescrição de<br />

medicamentos e orientações para os familiares<br />

(OLIVEIRA, 1999).<br />

O médico deve indicar o uso de betabloqueadores<br />

para diminuir a frequência cardíaca,<br />

o exame físico anual para controlar os sintomas<br />

e os exames oftalmológicos para ectopia do cristalino<br />

e miopia, presentes nos portadores da síndrome.<br />

(GARCIA, 2007).<br />

4.7 TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO<br />

O tratamento fisioterapêutico visa ao<br />

auxílio terapêutico nos pacientes portadores da<br />

Síndrome de Marfan. A atuação deve ser considerada<br />

de fundamental importância, pois possui<br />

atuação em diversos sistemas tais como musculoesquelético,<br />

cardiovascular e respiratório<br />

(ONODERA, 2004).<br />

A atuação quanto ao aparelho locomotor<br />

se baseia no objetivo de minimizar as deformi-<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 161-165, jun. 2011<br />

163


dades da coluna vertebral, como<br />

cifose, escoliose, alteração da caixa torácica e<br />

aracnodactilia. A hipermobilidade das articulações<br />

faz com que estes indivíduos sejam mais<br />

propensos a desenvolver lesões e luxações, cabendo<br />

ao fisioterapeuta incluir no protocolo<br />

exercícios resistidos que reverta esse quadro<br />

(NEPTUNE et al., 2003).<br />

No sistema cardiovascular se objetiva a<br />

melhora do condicionamento cardiorrespiratório,<br />

com atividades do tipo aeróbias e de baixa<br />

intensidade (ONODERA, 2004).<br />

Os pacientes com SM apresentam deformidades<br />

da caixa torácica, tendo maior probabilidade<br />

ao desenvolvimento de doenças respiratórias,<br />

devido à diminuição do volume corrente<br />

e da capacidade pulmonar. As principais complicações<br />

pulmonares são: bronquiectasia, bolhas<br />

enfisematosas, pneumotórax espontâneo<br />

e fibrose pulmonar (PEREZ, 2004).<br />

A fisioterapia atua de forma imprescindível<br />

no pré e pós-operatório dos pacientes que<br />

realizam cirurgias ortopédicas e cardiovasculares,<br />

diminuindo o número de complicações e<br />

consequentemente o tempo de internação<br />

(ONODERA, 2004).<br />

5 RELATO DE CASO<br />

Paciente, do sexo masculino, 12 anos,<br />

procedente de Belém do Pará, com histórico familiar<br />

de Síndrome de Marfan, foi encaminhado<br />

por um neurologista para a realização de 20 sessões<br />

de fisioterapia, o qual fez um apurado exame<br />

físico e solicitou um ecocardiograma, sendo<br />

observada uma disfunção da válvula mitral, mas<br />

não houve necessidade de intervenção cirúrgica.<br />

Diante dos achados obtidos, o neurologista<br />

fechou o diagnóstico clinico de SM.<br />

Na avaliação fisioterapêutica, ao exame<br />

físico, foi observada uma discreta escoliose para<br />

direita, hipermobilidade global das articulações,<br />

aracnodactilia no dedo mínimo, tórax pectus escavado,<br />

miopia e altura maior para a idade<br />

(1,70m). Durante a anamnese, foi relatado um<br />

cansaço respiratório durante a realização de atividades<br />

físicas em sua escola e seguidos quadros<br />

de luxação articular do ombro.<br />

Durante a avaliação fisioterapêutica, o<br />

paciente não apresentou déficits cognitivos e<br />

sensitivos, sendo observado pelo terapeuta uma<br />

hiperatividade do mesmo.<br />

6 PROTOCOLO DE TRATAMENTO DO CASO<br />

O paciente foi submetido há 20 sessões<br />

de fisioterapia, na Clínica de Reabilitação - Fisiosaúde,<br />

duas vezes por semana e aproximadamente<br />

45 minutos por dia.<br />

Inicialmente, o terapeuta realizou movimentos<br />

resistidos para as articulações de membros<br />

superiores (MMSS) e inferiores (MMII), ou<br />

seja, uma cinesioterapia ativo-resistida com auxílio<br />

de halteres e caneleiras, objetivando-se<br />

reverter a clínica de hipermobilidade das articulações.<br />

Para o quadro de escoliose, a cinesioflexibilidade<br />

passiva para a coluna vertebral foi utilizada<br />

como meio de reverter esse quadro.<br />

De forma intercalada, o paciente realizou<br />

exercícios na bicicleta ergométrica, por um<br />

período de 10 minutos para um melhor condicionamento<br />

cardiorrespiratório.<br />

Após 10 sessões, o paciente apresentou<br />

uma discreta melhora na hipermobilidade articular<br />

e na dispneia, relatando um melhor desempenho<br />

nas suas atividades de vida diária. A<br />

partir da 11ª sessão, o enfoque maior foi para<br />

reverter o quadro de escoliose, pois além dos<br />

alongamentos passivos, o paciente foi encaminhado<br />

para realizar juntamente com o tratamento,<br />

sessões de reeducação postural global (RPG).<br />

Por fim, a reavaliação do paciente mostrou<br />

uma significativa melhora no seu quadro<br />

clínico. Primeiramente, o paciente não re<strong>lato</strong>u<br />

os seguidos quadros de luxação articular durante<br />

suas atividades em casa e na escola, isto é,<br />

uma melhora no excesso de mobilidade articular.<br />

Concomitante a isso, o paciente informou<br />

164<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 161-165, jun. 2011


uma redução nos quadros de dispneia e melhor<br />

qualidade de vida. O dedo mínimo com sinais de<br />

aracnodactilia mostrou uma discreta correção.<br />

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A Síndrome de Marfan é uma doença pouco<br />

comum no país, mas afeta um percentual de<br />

indivíduos que necessitam de um acompanhamento<br />

multidisciplinar para além de corrigir suas alterações<br />

em diversos sistemas do corpo humano,<br />

realizar suas atividades de vida diária e instrumental<br />

de forma eficaz, pois em determinados quadros,<br />

esses pacientes necessitam de uma atenção<br />

do psicólogo, já que as características clínicas podem<br />

afastar o portador de SM da sociedade.<br />

O papel do fisioterapeuta nesses pacientes<br />

é de fundamental importância, pois as<br />

principais características clínicas apresentadas<br />

por esses indivíduos podem ser revertidas por<br />

esse profissional, além de melhorar suas aptidões<br />

nas atividades do seu cotidiano.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BROOKE, Benjamin S. et al. Angiotensin II Blockade<br />

and Aortic-Root Dilation in Marfan’s Syndrome.<br />

Nengl j med, p. 358; 26, june, 2008.<br />

CAMPOS, Lúcia et al. Manifestações osteoarticulares<br />

nas doenças não reumatológicas. Pediatria,<br />

São Paulo, 23(2), p. 168-78, 2001.<br />

DUPRAT, Ana Cristina; PEREIRA, Cristina. Síndrome<br />

de Marfan. Tese apresentada a Fundação<br />

Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto<br />

Alegre para obtenção de título de graduação em<br />

medicina em novembro de 2002.<br />

GARCIA, José Luis Gamboa. Síndrome de Marfan.<br />

MEDISAN, 2007. 11(4).<br />

LEITE, Maria de Fátima et al. Síndrome de Marfan:<br />

forma precoce e grave em irmãos. Arq Bras<br />

Cardiol, v. 81, n. 1, p.85-8, 2003.<br />

NEPTUNE, Enir R. et al. Dysregulation of TGF-â activation<br />

contributes to pathogenesis in Marfan<br />

syndrome. Nature genetics, v. 33, march, 2003.<br />

OLIVEIRA, Roberto Magalhães Carneiro. Síndrome<br />

de Marfan e Dissecção Carotídea Bilateral.<br />

Rev. Neurociências 7(3): 145-148, 1999.<br />

ONODERA, Erika Cristina. O que é Síndrome de Marfan.<br />

Disponível em: http://www.marfan.com.br/<br />

s o b r e _ m a r f a n / s i n d r o m e /<br />

sindromemarfan.asp?area=1. Acesso em: 05 mar. 2011.<br />

PEREZ, Ana Beatriz. Vivendo com Marfan. Disponível<br />

em: http://www.marfan.com.br/. Acesso<br />

em: 05 mar. 2011.<br />

SOBRINHO, Ruy Pires de Oliveira. Padrão de perfil<br />

metacarpofalangiano no diagnóstico da Síndrome<br />

de Marfan e outros quadros Marfanóides.<br />

Tese apresentada ao Instituto de Biologia<br />

da Universidade Estadual de Campinas para obtenção<br />

de título de Mestre em Ciências em agosto<br />

1995.<br />

VILLASENOR, Carlos Pineda. Síndrome de Marfan.<br />

Archivos de Cardiologia de México, v.74, Supl. 2,<br />

60 Aniversario/Abril-Junio, 2004: S482-S484.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 161-165, jun. 2011<br />

165


166


AS REFORMAS PROCESSUAIS CIVIS E O SOPESAMENTO DO<br />

STJ NO RESGUARDO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS<br />

Brahim Bitar de Sousa *<br />

RESUMO<br />

É inelutável que o Poder Legislativo pauta sua atuação nos anseios mais latentes na sociedade,<br />

bem assim nos interesses que melhor atendam aos desígnios dos entes federativos.<br />

Ocorre que as normas, resultado desses fatores, nem sempre logram êxito em engendrar<br />

benefícios para o ordenamento jurídico, mormente quando se distanciam da visão sistêmica<br />

de interpretação da ordem constitucional. Nesse sentido, o presente ensaio possui o desiderato<br />

de analisar as normas processuais civis recentes que se olvidaram da conjuntura<br />

constitucional ampla e elegeram como fundamento fatores isolados de resultado imediato;<br />

bem como identificar o sopesamento do Superior Tribunal de Justiça no restabelecimento,<br />

através da hermenêutica jurídica, do status quo de máxima efetividade de todos os direitos<br />

e garantias constitucionalmente salvaguardados.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Tribunais Superiores. Hermenêutica. Máxima efetividade. Direitos e garantias<br />

fundamentais. Interpretação sistemática.<br />

1 INTRÓITO<br />

A Ciência do Direito, para manter a natureza<br />

dinâmica que lhe é particular, jamais pode<br />

se olvidar de seu desiderato mais íntimo, qual<br />

seja, o de funcionar como exteriorização social<br />

mantenedora da ordem e estabilidade das próprias<br />

relações sociais, tanto no aspecto preventivo,<br />

quanto no de solução dos conflitos eventualmente<br />

– e inarredavelmente – existentes.<br />

Igualmente, para atender o dito desiderato,<br />

deve sempre se atualizar a fim de coadunar<br />

suas regras de conduta com as tendências e<br />

atividades sociais hodiernas, o que se dá por intermédio<br />

da doutrina, jurisprudência, reforma<br />

das normas jurídicas positivadas e produção acadêmica<br />

científica.<br />

No específico do Direito brasileiro, vige<br />

o sistema legal do Civil Law, em função do qual<br />

as normas jurídicas são aglomeradas em livros,<br />

positivados através de um processo legislativo<br />

institucionalizado e aos quais se atribui o caráter<br />

de imperatividade erga omnes, ao passo que<br />

ao Poder Judiciário reserva-se a aplicação, interpretação<br />

e integração das normas existentes.<br />

*<br />

Bacharel em Direito pela Universidade da Amazônia –<br />

UNAMA (2010) e ex-monitor da disciplina Direito Processual<br />

Civil – Conhecimento I.<br />

167<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 167-174, jun. 2011


Por serem as normas positivadas o critério<br />

primário de padronização de condutas, devese<br />

dispensar ao Órgão que as leva a efeito, qual<br />

seja, o Poder Legislativo, especial atenção, vez<br />

que sua atuação é de singular importância para a<br />

garantia da legitimidade das regras vigentes.<br />

Sem prejuízo dessa atuação legislativa,<br />

não se pode olvidar que, num Estado de Direito,<br />

as próprias normas já existentes – sobretudo as<br />

de hierarquia constitucional – funcionam como<br />

limitações a esse poder, de sorte que quaisquer<br />

normas que, não obstante tenham observado os<br />

ditames formais de edição, contrariem princípios,<br />

regras, enfim, normas fundamentais consagradas<br />

na ordem constitucional, não merecem<br />

acolhida por esta mesma ordem, o que se efetiva<br />

através do controle de constitucionalidade<br />

concentrado ou difuso das normas editadas pelo<br />

Poder Legislativo ou Constituinte reformador.<br />

Este controle de constitucionalidade, por<br />

sua vez, é exercido pelo Poder Judiciário, como<br />

se disse, tanto de forma concentrada, através<br />

das ações específicas; quanto de forma incidental,<br />

através do cotejo da norma impugnada com<br />

a ordem constitucional vigente.<br />

Dessa estrutura de atuação do Estado, resta<br />

evidente que, no processo de formulação e aplicação<br />

das normas, os Poderes Legislativo e Judiciário<br />

funcionam como eixos paradigmáticos de sustentação<br />

da harmonia sociojurídica, ora emprestando,<br />

ora retirando vigência e validade das reformas<br />

legais ou constitucionais, razão pela qual seus<br />

recentes atos merecem incursão acadêmica mais<br />

detida e pormenorizada, mormente no que se refere<br />

às relativas ao âmbito processual.<br />

2 A TENDÊNCIA LEGIFERANTE MODERNA EM<br />

MATÉRIA PROCESSUAL<br />

Para que se entenda qual a tendência legiferante<br />

em matéria processual, ou seja, como e<br />

por que estão sendo levadas a efeito as modificações<br />

atinentes ao processo, mister se faz se entenda,<br />

antes, o que é o próprio processo.<br />

Ora, o processo teve oportunidade na<br />

história para uniformizar e controlar a atuação<br />

estatal, no que tange ao exercício do seu poderdever<br />

de solucionar os conflitos resultantes da<br />

vida em sociedade – jurisdição.<br />

Não obstante, outra não pode ser a forma<br />

de padronização da atividade jurisdicional<br />

do Estado, senão o prévio estabelecimento dos<br />

atos que compõem todo o processo, de modo a<br />

construir uma sequência lógica e integrada por<br />

atos aptos a produzir todos os efeitos e condições<br />

necessárias para a prática do ato subsequente,<br />

até culminar com a prática do último e,<br />

igualmente, com a solução da controvérsia<br />

A partir dessa singela interpretação histórico-teleológica<br />

do processo, pode-se formular<br />

um conceito analítico do mesmo, consistente<br />

no instrumento por meio do qual é praticado<br />

o conjunto de atos pré-ordenados e inderrogáveis<br />

ao adequado exercício do poder jurisdicional<br />

do Estado, cuja existência e validade de um<br />

ato precedem a do outro.<br />

Corroborando essa intelecção, Humberto<br />

Theodoro Júnior (2008, p. 46) assevera:<br />

Para exercer a função jurisdicional,<br />

o Estado cria órgãos especializados.<br />

Mas estes órgãos encarregados da<br />

jurisdição não podem atuar discricionária<br />

ou livremente, dada a própria<br />

natureza da atividade que lhes compete.<br />

Subordinam-se, por isso mesmo,<br />

a um método ou sistema de atuação,<br />

que vem a ser o processo.<br />

Entre o pedido da parte e o provimento<br />

jurisdicional se impõe a prática<br />

de uma série de atos que formam<br />

o procedimento judicial (isto é,<br />

a forma de agir em juízo), e cujo conteúdo<br />

sistemático é o processo.<br />

Cediço do que seja o processo, podese<br />

passar às mudanças que têm sido engendradas<br />

pelo Poder Legislativo nessa seara,<br />

considerando que essas considerações propedêuticas<br />

lograram desobstaculizar sua estável<br />

compreensão.<br />

168 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 167-174, jun. 2011


1<br />

Por essa instrumentalidade, somente para fins<br />

esclarecedores, entenda-se a característica do processo que<br />

conduz à primazia da finalidade à qual o ato – ou o próprio<br />

processo – seria proposto em relação à perfeição dos meios<br />

pelos quais esse último teria sido realizado.<br />

Desde a edição do Código de Processo<br />

Civil de 1939, já se pôde perceber a preocupação<br />

legislativa com a efetividade da prestação jurisdicional,<br />

vez que passou a adotar, dentre outros,<br />

o Princípio da Oralidade como eixo norteador do<br />

processo, o que foi repetido no Código de 1973,<br />

sem prejuízo das demais alterações substanciais,<br />

todas, aliás, levando ao entendimento hoje consagrado<br />

da instrumentalidade do processo 1 e da<br />

maior relevância da solução da demanda.<br />

Desde o início deste século (XXI), entretanto,<br />

uma maior preocupação com a celeridade<br />

do processo tem emergido das Casas do Congresso<br />

Nacional, especialmente após a promulgação,<br />

em 30 de dezembro de 2004, da Emenda<br />

Constitucional nº. 45, que, dentre outras modificações,<br />

acrescentou ao art. 5º da Constituição<br />

o inciso LXXVIII, garantindo a todos, no âmbito<br />

judicial ou administrativo, “a razoável duração<br />

do processo e os meios que garantam a celeridade<br />

de sua tramitação”.<br />

A partir dessa inserção constitucional, prescrevendo<br />

a razoável duração do processo e a sua<br />

corolária celeridade como direito fundamental, o<br />

legislador infraconstitucional tem demonstrado<br />

uma reiterada atuação na tentativa de dar efetividade<br />

àquele escopo, através, por exemplo, da eliminação<br />

de recursos nos procedimentos especiais;<br />

atribuição aos magistrados dos segundo grau<br />

de jurisdição dos mais amplos poderes decisórios<br />

monocráticos e edição de ritos de julgamento das<br />

demandas que consideram despicienda a própria<br />

citação para a resolução do respectivo mérito.<br />

Dentre as reformas processuais mais recentes,<br />

pode-se destacar a Lei nº. 11.187/05, que<br />

reformulou as hipóteses de cabimento do recurso<br />

de agravo; a Lei nº. 11.232/05, que introduziu o<br />

sincretismo processual, através da revogação dos<br />

dispositivos relativos à execução de título executivo<br />

judicial, transformando-os em fase de cumprimento<br />

de sentença; a Lei nº. 11.276/06, que vedou<br />

a interposição de recursos contra os despachos<br />

e inseriu a figura da súmula impeditiva de<br />

recurso a Lei nº. 11.277/06, que acrescentou o art.<br />

285-A ao CPC; a Lei nº. 11.418/06, que regulamentou<br />

o instituto da repercussão geral para a interposição<br />

do recurso extraordinário; a Lei nº. 11.419/<br />

06, que dispõe sobre a informatização do processo<br />

judicial; a Lei nº. 11.441/07, que possibilitou a<br />

realização de inventário, partilha e separação e<br />

divórcio con<strong>sensu</strong>ais pela via administrativa; e a<br />

Lei nº. 11.672/08, que estabeleceu o rito de julgamento<br />

dos recursos especiais repetitivos.<br />

Como se vê, várias foram as alterações do<br />

legislador no Código de Processo Civil no intuito<br />

de garantir a razoável duração do processo, sem<br />

embargo, aliás, das inserções legislativas com essa<br />

mesma intenção contidas nas Leis extravagantes,<br />

como a da Lei nº. 9.099/95, que preceitua a irrecorribilidade<br />

das decisões interlocutórias.<br />

Destarte, constata-se que, hodiernamente,<br />

paira sobre o Congresso Nacional uma inarredável<br />

tendência de contínua aceleração do processo,<br />

sejam quais forem as razões: pela legítima<br />

pretensão de dar efetividade à prestação jurisdicional<br />

e solução célere aos conflitos sociais;<br />

ou por motivos menos honrosos de pueril economia<br />

de tempo e pecúnia, no afã de melhorar<br />

os índices do litígio judicial no território pátrio.<br />

3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E OUTROS DI-<br />

REITOS FUNDAMENTAIS<br />

Clara a moderna tendência legiferante,<br />

não se pode olvidar que o direito fundamental<br />

à razoável duração do processo não figura<br />

como único eixo norteador das reformas processuais,<br />

de sorte que outros direitos e garantias<br />

fundamentais e até princípios constitucionais 2<br />

2<br />

Já que, doravante, se passará ao cotejo das reformas<br />

processuais à luz também dos princípios constitucionais,<br />

impõem-se a conceituação desse último, sendo válida, nesse<br />

particular, a intelecção de Luís Roberto Barroso (2003, p.<br />

151), segundo o qual, “os princípios constitucionais são as<br />

normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou<br />

qualificações essenciais da ordem jurídica que institui”.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 167-174, jun. 2011 169


não podem restar objurgados no processo de<br />

formulação das normas jurídicas positivadas.<br />

Com efeito, direitos fundamentais outros,<br />

como o acesso à justiça (CF, art. 5º, inciso<br />

XXXV), a ampla defesa e o contraditório (CF, art.<br />

5º, inciso LV), bem assim a própria lógica funcional<br />

do processo merecem igual primazia e atenção<br />

do legislador, em que pese não conduzam a<br />

resultados estatísticos imediatos.<br />

Ao eleger como fundamento somente<br />

um direito fundamental – o da razoável duração<br />

do processo – e tentar elevá-lo ao fastígio, sem<br />

que seja dado o devido respeito aos demais direitos<br />

fundamentais e princípios da ordem constitucional,<br />

propõe-se o legislador a uma perniciosa<br />

incursão, porquanto perturbadora da segurança<br />

jurídica, justiça e paz social.<br />

Ora, possibilitar, por exemplo, o julgamento<br />

liminar do mérito das demandas (na forma<br />

do art. 285-A do CPC) e uma vasta gama de<br />

poderes monocráticos ao magistrado re<strong>lato</strong>r de<br />

processos em sede de Juízo recursal é estabelecer<br />

normas jurídicas avessas, respectivamente,<br />

à necessária cognição das pormenoridades dos<br />

casos concretos e à lógica recursal de revisão<br />

colegiada das decisões prolatadas pelos juízes<br />

de primeiro grau de jurisdição.<br />

Comentando o específico art. 285-A do<br />

CPC, Paulo Roberto de Gouvêa Medina (2006, p.<br />

153) teceu precisa consideração, que, aliás, resume<br />

toda a problemática que gravita em torno<br />

da prática legislativa em comento. Confira-se:<br />

A preocupação que vem dominando<br />

a reforma do Código de Processo Civil<br />

no sentido de simplificá-lo e dele<br />

fazer instrumento que, de fato, viabilize<br />

o exercício eficiente da jurisdição,<br />

chegou, aí, ao paroxismo. Sob<br />

o pretexto de propiciar, na hipótese<br />

de que trata, desfecho imediato para<br />

o processo, evitando a prática de<br />

atos supostamente inúteis ou a repetição<br />

de ações em torno das quais<br />

já se tenha firmado orientação judicial,<br />

na verdade, o dispositivo restringiu,<br />

gravemente, o direito de ação<br />

e fez tabula rasa de princípios constitucionais<br />

do processo, sem cuja observância<br />

não se pode falar em devido<br />

processo legal.<br />

Ressalte-se, não se está a criticar a tentativa<br />

de assegurar a celeridade de tramitação<br />

dos processos. Esse desiderato é imprescindível<br />

para a própria manutenção da ordem e harmonia<br />

sociais, vez que deixar se protraírem os litígios<br />

no tempo é furtar-se o Estado ao seu papel de<br />

mantenedor daquela ordem e harmonia, ao arrepio,<br />

pois, do próprio preâmbulo da Constituição<br />

Republicana, cuja força cogente prevê uma<br />

sociedade fundada nessas premissas.<br />

O que se pretende é alertar para a turbulência<br />

de se conceber reformas processuais inspiradas<br />

em tal fator, sem que se faça uma interpretação<br />

sistemática da ordem constitucional, possibilitando,<br />

assim, a mitigação desmedida dos demais<br />

direitos fundamentais e princípios constitucionais.<br />

Nessa esteira de raciocínio, convém destacar<br />

o que preconiza a conjugação do Princípio<br />

da Unidade da Constituição com o da Máxima<br />

Efetividade das Normas Constitucionais. Mas<br />

antes de se examinar tais desdobramentos na<br />

sistemática de aplicação das normas processuais,<br />

deve-se recorrer a duas exímias elucidações<br />

conceituais pinçadas da doutrina pátria.<br />

Primeiramente, relativamente ao Princípio<br />

da Unidade da Constituição, exatas são as<br />

palavras de João Pedro Gebran Neto (2002, p.<br />

119), in verbis:<br />

Como ponto de orientação, guia de<br />

discussão e factor hermenêutico de<br />

decisão, o princípio da unidade obriga<br />

o intérprete a considerar a Constituição<br />

na sua globalidade e a procurar<br />

harmonizar os espaços de tensão<br />

existentes entre as normas constitucionais<br />

a concretizar [...]. Daí que<br />

o intérprete deva sempre considerar<br />

as normas constitucionais não como<br />

normas isoladas e dispersas, mas<br />

sim como preceitos integrados num<br />

sistema interno unitário de normas<br />

e princípios.<br />

170<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 167-174, jun. 2011


Já no que toca ao Princípio da Máxima<br />

Efetividade das Normas Constitucionais, ou simplesmente<br />

efetividade, Luís Roberto Barroso<br />

(2003, p. 248) leciona:<br />

[...] a efetividade significa, portanto,<br />

a realização do direito, o desempenho<br />

concreto de sua função social.<br />

Ela representa a materialização,<br />

no mundo dos fatos, dos preceitos<br />

legais e simboliza a aproximação,<br />

tão íntima quanto possível, entre o<br />

dever-ser normativo e o ser da realidade<br />

social.<br />

A par do que preceituam ditos Princípios<br />

constitucionais, a conjugação de ambos não deixa<br />

margem a dúvidas de que, na formulação das<br />

normas, todos os direitos fundamentais e princípios<br />

constitucionais merecem acatamento do<br />

legislador infraconstitucional, de sorte que a<br />

todos seja conferido o maior grau de concretude<br />

no mundo palpável, sob pena de se perpetrar<br />

violação não a esses mesmos direitos ou princípios<br />

isoladamente considerados, mas a toda a<br />

ordem constitucional em que estão insertos.<br />

Adite-se que, ainda que essa intelecção<br />

seja preterida pelo Poder Legislativo, o Poder<br />

Judiciário, através da aplicação da norma e das<br />

técnicas de hermenêutica, deve dispensar esforços<br />

em lograr atender tal construção principiológica,<br />

ainda que o primeiro tenha se furtado<br />

dessa imposição.<br />

Não se alegue, nessa conjectura, que estaria<br />

o Poder Judiciário se substituindo no papel<br />

de legislador, configurando o chamado ativismo<br />

judicial. Estaria, tão somente, exercendo sua função<br />

magna de controlador da constitucionalidade<br />

das normas criadas pelo Poder Legislativo, através<br />

do controle difuso ou incidental das mesmas.<br />

Esse controle, outrossim, deve observar<br />

regras basilares de aplicação das normas, dentre<br />

as quais figuram a interpretação extensiva<br />

quanto aos direitos e garantias fundamentais<br />

prescritos e interpretação restritiva quanto aos<br />

dispositivos que limitem o exercício de um ou<br />

mais direitos individuais, o que merecerá análise<br />

jurisprudencial oportuna.<br />

Nesse diapasão, entretanto, o que não<br />

se pode perder de vista é que, no processo legislativo,<br />

independentemente das razões e pretensões<br />

do legislador, está ele adstrito à observância<br />

dos preceitos constitucionais, sobretudo<br />

aos desdobramentos jurídicos dos seus princípios,<br />

de sorte que o produto de sua prática se coadune<br />

com toda a sistemática constitucional de<br />

máxima efetividade e aplicabilidade imediata<br />

dos direitos e garantias fundamentais.<br />

4 APLICAÇÃO DA NORMA E HERMENÊUTICA JU-<br />

RÍDICA<br />

Deu-se ênfase no tópico predecessor aos<br />

critérios de positivação da norma pelo Poder<br />

Legislativo. A esta altura, proceder-se-á ao cotejo<br />

analítico desses mesmos critérios, mas à luz<br />

da praxe de aplicação da norma, vale dizer, no<br />

âmbito do Poder Judiciário.<br />

Comentou-se até aqui que ao Poder Legislativo<br />

não é dado o poder de escolher a que normas<br />

deve obediência e acatamento, sendo-lhe<br />

imposta, na verdade, reverência à unidade da Constituição,<br />

na medida em que todos os seus preceitos<br />

merecem um tratamento equânime e que lhes<br />

confira – repita-se, a todos – máxima efetividade.<br />

Ocorre que, em virtude do princípio da<br />

presunção de constitucionalidade das Leis, essas,<br />

ainda que claramente incompatíveis com a<br />

constituição, não perdem sua eficácia automaticamente<br />

ao obterem vigência, passando a compor,<br />

com efeito, o ordenamento jurídico do Estado<br />

em que foram arquitetadas.<br />

Passa a importar, então, a forma como<br />

serão aplicadas essas Leis, o que se faz mediante<br />

a prudência do Judiciário, donde saber, desde<br />

já, que sua atuação é plenamente idônea a ensejar<br />

o restabelecimento do status quo de máxima<br />

efetividade de todos os direitos e garantias<br />

fundamentais e não somente daquele eleito<br />

pelo legislador como pró-eminente.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 167-174, jun. 2011<br />

171


No específico das normas processuais,<br />

várias, como se viu, têm sido as reformas no sentido<br />

de dar plena aplicabilidade ao direito fundamental<br />

à razoável duração do processo e a sua<br />

corolária celeridade.<br />

Sem embargo do controle direto de constitucionalidade<br />

dessas reformas, é certo que o<br />

Poder Judiciário pode, ainda que de forma incidental,<br />

dar a devida interpretação aos dispositivos<br />

do ordenamento jurídico, de forma a harmonizá-los<br />

com o próprio ordenamento em que<br />

estão inseridos.<br />

É através da hermenêutica jurídica que o<br />

magistrado poderá, pois, extrair das normas processuais<br />

a exegese que melhor se coadune com<br />

os princípios constitucionais e demais direitos e<br />

garantias fundamentais, o que se corrobora com<br />

a seguinte preleção:<br />

Condição para a manutenção da harmonia<br />

do sistema jurídico é que a<br />

concepção de suas regras técnicas<br />

seja obediente à ideologia constitucional<br />

que o inspira, evitada a<br />

todo o custo a antinomia. A aplicação<br />

das regras processuais deve darse,<br />

portanto, consoante uma hermenêutica<br />

sistemática, respeitadas as<br />

normas principiológicas que influem<br />

decisivamente na concepção do<br />

conjunto ordenado de elementos.<br />

(SÁ; PIMENTA, 2006, p. 137).<br />

E o Poder Judiciário, em especial o Superior<br />

Tribunal de Justiça, tem dado inúmeros<br />

exemplos de que essa disposição principiológica<br />

de aplicação restritiva das normas mitigadoras<br />

dos direitos fundamentais é essencial para a<br />

manutenção do sistema jurídico.<br />

Numa análise até perfunctória, pôde-se<br />

pinçar 3 (três) decisões de cunho hermenêutico<br />

que conduziu o STJ a preconizar uma nova exegese<br />

de aplicação da norma processual.<br />

A primeira é relativa à utilização do procedimento<br />

previsto pelo art. 285-A do CPC, que<br />

autoriza o juiz, sendo a causa exclusivamente<br />

de direito e já tendo sido proferida sentença no<br />

Juízo de total improcedência em outra causa<br />

idêntica, a prolatar sentença liminar de mérito,<br />

dispensando-se a realização da citação.<br />

Como sustentar a plena aplicabilidade<br />

desse rito sem que se violem os Princípios do<br />

Acesso ao Judiciário, da Segurança Jurídica e,<br />

principalmente, do Contraditório?<br />

Justamente para limitar ou restringir a<br />

aplicabilidade desse processamento (se é que<br />

se possa falar em processo) rapidíssimo, o STJ<br />

vem firmando o entendimento de que não basta<br />

a mera reprodução da sentença já proferida<br />

em outros casos idênticos para a legítima invocação<br />

daquele dispositivo.<br />

É necessário que os posicionamentos<br />

doutrinários e jurisprudenciais encampados por<br />

essa sentença paradigma estejam uníssonos com<br />

a tese uniformizada pelo STJ, sob pena de conferir<br />

tamanho arbítrio ao juiz que não haveria<br />

como se falar em respeito aos Princípios constitucionais<br />

elencados anteriormente. 3<br />

A segunda, por sua vez, diz respeito aos<br />

poderes monocráticos dos Magistrados re<strong>lato</strong>res<br />

de processos em grau recursal. Antes, a despeito<br />

da natureza colegiada desse Juízo, uma série de<br />

decisões monocráticas proferidas por esses magistrados<br />

quedavam-se incólumes e inatacáveis,<br />

tais como as que julgavam o pedido de antecipação<br />

dos efeitos da tutela recursal e a que convertia<br />

o agravo de instrumento em retido.<br />

Para dar aplicabilidade aos princípios<br />

constitucionais da segurança jurídica e da colegialidade<br />

das decisões proferidas pelos Tribunais,<br />

o STJ vem consolidando o entendimento<br />

de que: a) no caso da decisão que conceda ou<br />

indefira a antecipação dos efeitos da tutela recursal,<br />

a Súmula nº 622 do STF, que veda o recurso<br />

pela via do agravo regimental não se harmoniza<br />

com a redação do art. 317 do Regimento Intero<br />

do próprio STF e com o art. 258 do Regimen-<br />

3<br />

Nesse sentido e por todos, o AgRg no Ag 1161425/RJ, Rel.<br />

Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em<br />

06/05/2010, DJe 13/05/2010.<br />

172<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 167-174, jun. 2011


to Interno do STJ, pelo que seria devido aplicar,<br />

por analogia, o art. 39 da Lei 8.038, de 1990, 4 ensejando,<br />

pois, a possibilidade de manejo do recurso<br />

de agravo regimental contra ditas decisões;<br />

5 e b) para as decisões que convertam o<br />

agravo de instrumento em agravo retido, o parágrafo<br />

único do art. 527 do CPC, que somente<br />

prevê a possibilidade de reforma dessa decisão<br />

mediante reconsideração 6 , também não se coaduna<br />

com o princípio da Colegialidade das decisões<br />

dadas pelos Tribunais, motivo pelo qual a<br />

aplicação analógica do art. 39 da Lei nº. 8.038/90<br />

é a exegese que melhor satisfaz o desígnio de<br />

dito princípio constitucional. 7<br />

Por derradeiro, está a recente mudança<br />

de entendimento do STJ no que se refere ao dies<br />

a quo do prazo para cumprimento de sentença e<br />

ao momento de incidência da multa de 10% (dez<br />

por cento) do art. 475-J do CPC, em caso de não<br />

cumprimento voluntário da mesma.<br />

Há até pouco tempo, a tese majoritária<br />

do STJ era a de que, na condenação em quantia<br />

certa, o prazo para cumprimento da sentença se<br />

iniciava automaticamente após o seu trânsito em<br />

julgado, sendo supérflua nova intimação para<br />

esse fim, consoante interpretação literal do art.<br />

475-J do CPC, após o qual, aliás, já incidia a multa<br />

de 10% (dez por cento). 8<br />

Recentemente, outra exegese vem ganhando<br />

espaço na prestação jurisdicional daquela<br />

Corte Especial, desta vez dando primazia<br />

4<br />

Art. 39 - Da decisão do Presidente do Tribunal, de Seção, de<br />

Turma ou de Re<strong>lato</strong>r que causar gravame à parte, caberá<br />

agravo para o órgão especial, Seção ou Turma, conforme o<br />

caso, no prazo de cinco dias<br />

5<br />

Nesse sentido, confiram-se os seguintes arestos: AgRg no Ag<br />

827.242/MT, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado<br />

em 07/12/2006, DJ 01/02/2007 p. 427 e AgRg na MC 6566/MT,<br />

Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado<br />

em 05/08/2003, DJ 01/09/2003 p. 217.<br />

6<br />

A redação que faz alusão a essa irrecorribilidade foi<br />

determinada pela Lei nº. 11.187/05. Antes da alteração, o<br />

dispositivo dizia respeito tão somente ao modo de<br />

protocolização da resposta do agravado.<br />

7<br />

Já para esse outro caso, veja-se o AgRg nos EDcl no REsp<br />

1115445/DF, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado<br />

em 11/05/2010, DJe 24/05/2010.<br />

8<br />

Vide o AgRg no Ag 1265900/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti,<br />

Terceira Turma, julgado em 20/04/2010, DJe 07/05/2010.<br />

a uma interpretação mais sistemática ao CPC,<br />

de forma a associar o art. 475-J com os arts. 475-<br />

B e 614, II, ambos também do CPC, o que culmina,<br />

pois, com a ilação de que a fase de cumprimento<br />

de sentença não se inicia automaticamente,<br />

sendo imperiosa a intimação do devedor<br />

para o seu cumprimento voluntário, a partir<br />

de quando, no caso de não cumprimento, é<br />

que incide a multa do 475-J. 9<br />

Guardadas, por óbvio, as particularidades<br />

de cada acórdão, o que se levou a efeito foi justamente<br />

a revisão dos valores jurídicos até então<br />

vigentes, mediante a utilização de meios sistemáticos<br />

de interpretação e conhecimento da<br />

mens legis, de sorte a resgatar a eficácia de outros<br />

direitos fundamentais que restaram admoestados<br />

pela orientação jurisprudencial ou disposição<br />

legal até então vigorante.<br />

Procedendo a uma incursão mais profunda,<br />

pode-se extrair que a motivação subjacente<br />

em ditos arestos, na verdade, pressupôs um<br />

novo sopesamento 10 dos princípios em colisão,<br />

vez que não se limitou o STJ a dar maior aplicabilidade<br />

aos princípios que entendeu ineficazes<br />

em cada caso, num pueril raciocínio silogístico;<br />

mas definiu novos parâmetros de aplicabilidade<br />

da mediação legislativa existente, suplantando<br />

a própria ratio legis.<br />

Ora, o sopesamento que pairava anteriormente<br />

estabelecia a precedência condicionada<br />

do princípio da razoável duração do processo,<br />

em detrimento de outros como o contraditório<br />

e a colegialidade das decisões em sede recursal.<br />

Essa precedência, contudo, era resultado de uma<br />

exegese que estatuía a restrição desmedida des-<br />

9<br />

Encampando essa tese mais sistemática, o REsp 940274/MS,<br />

Rel. Ministro Humberto Gomes De Barros, Rel. p/ Acórdão<br />

Ministro João Otávio De Noronha, Terceira Turma, julgado<br />

em 07/04/2010, DJe 31/05/2010.<br />

10<br />

A fim de elidir eventuais dúvidas nesse particular, mostrase<br />

oportuna a precisa lição de Virgílio Afonso da Silva (2008,<br />

p. 154), segundo o qual esse sopesamento consiste num<br />

procedimento crítico bilateral, efetivado mediante a<br />

consideração, de um lado, da intensidade da restrição de<br />

um princípio e, de outro, do grau de fomentação do outro<br />

princípio que com aquele colide no caso concreto, de tal<br />

sorte a se extrair, a título de solução, a precedência<br />

condicionada de um em relação ao outro.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 167-174, jun. 2011<br />

173


ses últimos, sem que houvesse uma fomentação<br />

do primeiro que justificasse essa restrição.<br />

Daí porque o STJ, revolvendo os princípios<br />

colidentes em cada caso, preconizou a primazia<br />

da interpretação sistemática do ordenamento,<br />

por pressupor um sopesamento entre princípios<br />

que melhor se coadunava com a conjugação<br />

dos princípios da Unidade da Constituição e<br />

da Máxima Efetividade das Normas Constitucionais<br />

que deve orientar todo o paradigma de interpretação<br />

constitucional.<br />

5 CONCLUSÃO<br />

De todo o raciocínio até aqui desenvolvido,<br />

vê-se que a razoável duração do processo, que<br />

vem sendo o fator paradigma de atuação legislativa<br />

processual civil, em que pese mereça as honras<br />

do deferimento Legislativo, não representa a<br />

satisfação de todos os princípios constitucionais,<br />

estando, na verdade, em grau horizontal de hierarquia<br />

com os demais direitos fundamentais.<br />

Portanto, no processo legislativo, se<br />

deve buscar esse escopo de forma comedida,<br />

sem que se excedam os limites estabelecidos<br />

pelos demais direitos fundamentais, dando aplicabilidade<br />

à unidade da Constituição e não a<br />

parcelas específicas de suas disposições.<br />

Vale consignar, nesse particular, que, no<br />

que se refere à amplitude de atuação do Poder<br />

Legislativo, cada direito ou garantia fundamental<br />

funciona, a contrariu <strong>sensu</strong>, como limite material<br />

àquela, na medida em que cada núcleo<br />

essencial desses direitos não pode, ainda que<br />

em homenagem a outro, ser suprimido no processo<br />

legislativo, com fulcro nos desdobramentos<br />

principiológicos do art. 60, § 4º, inciso IV, da<br />

Constituição Republicana.<br />

Outrossim, mesmo que se olvide o legislador<br />

desses limites materiais de produção das<br />

normas, incumbe ao Poder Judiciário, na aplicação<br />

das mesmas ao caso concreto, fazer uso da<br />

equidade e hermenêutica, a fim de restabelecer<br />

o estado de máxima efetividade de todos os<br />

direitos e garantias fundamentais.<br />

E, no contexto moderno de produção legiferante<br />

vultosa e focada na celeridade processual,<br />

ressai enaltecer o papel do intérprete na<br />

conjuntura jurídica, em especial daqueles que<br />

uniformizam os parâmetros nacionais de aplicação<br />

e interpretação da norma, vale dizer, os magistrados<br />

investidos no poder jurisdicional prestado<br />

pelos Tribunais Superiores.<br />

Destarte, são esses intérpretes, de fato<br />

comprometidos com a harmonia do conjunto<br />

normativo pátrio, sobretudo com os princípios<br />

constitucionais, que representam validamente<br />

o viés mantenedor da ordem a que está adstrito<br />

o Estado, seja desenvolvendo, seja adaptando<br />

as exegeses que melhor se coadunam<br />

com os desideratos justificadores da própria<br />

existência estatal.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da<br />

Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional<br />

transformadora. São Paulo: Saraiva, 2003.<br />

GEBRAN NETO, João Pedro. A aplicação imediata<br />

dos direitos e garantias individuais: a busca<br />

de uma exegese emancipatória. São Paulo: Editora<br />

Revista dos Tribunais, 2002.<br />

MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Sentença emprestada:<br />

uma nova figura processual. Revista de Processo,<br />

São Paulo, SP, n. 135, p. 152-160, maio, 2006.<br />

SÁ, Djanira Maria Radamés de; PIMENTA, Haroldo.<br />

Reflexões iniciais sobre o art. 285-A do Código<br />

de Processo Civil. Revista de Processo, São<br />

Paulo, SP, n. 133, p. 136-149. mar. 2006.<br />

SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito:<br />

os direitos fundamentais nas relações entre particulares.<br />

1 ed., 2. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2008.<br />

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito<br />

processual civil. 49. ed. Rio de Janeiro: Forense,<br />

2008. V. 1.<br />

174<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 167-174, jun. 2011


ESTUDO CINESIOLÓGICO DO COMPLEXO<br />

ARTICULAR DO QUADRIL 1<br />

Iasmin Nazareth Silva Matni *<br />

Willian Santana Ferreira **<br />

RESUMO<br />

O quadril é a mais proximal das articulações do membro inferior, formado pelo ísquio, púbis<br />

e ílio, é sinovial, apresenta uma cápsula e fortes ligamentos que recobrem-na cilindricamente<br />

e proporcionam estabilidade e mobilidade. Metodologia: Esta pesquisa foi realizada através<br />

de uma revisão de literatura em livros disponíveis na Biblioteca Central da Universidade<br />

da Amazônia. Referencial teórico: A principal articulação do quadril é complexa, possui três<br />

ossos e quatro ligamentos, estando sujeita a lesões musculares ou ósseas. Devido a essas<br />

lesões a fisioterapia possui o papel de reabilitação. Considerações finais: Essa articulação é<br />

forte, possui ligamentos que reforçam a cápsula proporcionando movimentos triplanares<br />

que a tornam mais suscetível a lesões e tendo na fisioterapia um meio de reabilitá-las.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Quadril. Articulação. Estabilidade<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

c l i n i c a l a g e . c o m . b r c l i n i c a l a g e . c o m . b r<br />

clinicalage.com.br clinicalage.com.br<br />

Segundo Jarmey (2008) o quadril é a mais<br />

proximal das articulações do membro inferior, sendo<br />

formado por três ossos: o ísquio, o púbis e o ílio,<br />

que se juntam com a idade, mas no embrião são<br />

bem distinguíveis. É uma articulação sinovial esferóide<br />

formada pelo encaixe da cabeça do fêmur no<br />

acetábulo do osso do quadril. (figura 1)<br />

É muito importante na sustentação do<br />

peso corporal e em atividades como: sentar-levantar,<br />

caminhada, salto, corrida. A cabeça do<br />

fêmur, arredondada e convexa, articula-se com<br />

o acetábulo côncavo da pelve. (KYSNER, 2005).<br />

O quadril tem como características a estabilidade<br />

e a grande mobilidade, somente inferior<br />

à do ombro (PALMER & EPLER, 2000).<br />

Figura 1: Anatomia do quadril<br />

Fonte: clinicalage.com.br<br />

*<br />

Acadêmica do curso de Fisioterapia da Universidade da<br />

Amazônia – UNAMA, monitora das disciplinas de Cinesiologia<br />

e Cinesioterapia e Reeducação Funcional. E-MAIL:<br />

yasmimatny@hotmail.com<br />

**<br />

Acadêmico do curso de Fisioterapia da Universidade da<br />

Amazônia – UNAMA, monitor das disciplinas de Cinesiologia<br />

e Cinesioterapia e Reeducação Funcional. E-MAIL:<br />

will_fisioterapia@hotmail.com<br />

1<br />

Trabalho elaborado sob orientação do prof.Nelson Higino de<br />

Oliveira Filho, fisioterapeuta especialista; professor do curso<br />

de Fisioterapia da Universidade da Amazônia – UNAMA.<br />

175<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 175-181, jun. 2011


2 METODOLOGIA<br />

Esta pesquisa foi realizada através de um<br />

revisão de literatura e publicações de artigos científicos,<br />

todos disponíveis na Biblioteca Central<br />

da Universidade da Amazônia – UNAMA, na<br />

sessão de livros e periódicos.<br />

MOVIMENTOS ARTICULARES<br />

Segundo Rasch (1991) Sendo uma articulação<br />

triaxial, o quadril possui movimento nos<br />

três planos: (figura 2).<br />

Figura 2: Movimentos do quadril<br />

3 REFERÊNCIAL TEÓRICO<br />

Segundo Lippert (2000) a cápsula da articulação<br />

do quadril é extremamente forte e espessa<br />

recobrindo a articulação do quadril de uma forma<br />

cilíndrica fixando-se proximalmente em torno do<br />

lábio do acetábulo e distalmente no colo do fêmur.<br />

Três ligamentos reforçam a cápsula e incluem:<br />

o ligamento iliofemoral – que limita a<br />

extensão do quadril e a rotação do fêmur em<br />

torno de seu eixo longitudinal; o ligamento pubofemoral<br />

que restringe a abdução, a extensão<br />

e a rotação lateral do quadril e o ligamento isquiofemoral<br />

– situado atrás, refreia a rotação<br />

medial do quadril(RASCH 1991).<br />

Emerge da incisura acetabular o ligamento<br />

redondo, sendo intracapsular, e que contém um<br />

vaso sanguíneo que supre a cabeça do fêmur – a<br />

artéria do ligamento redondo. O lábio do acetábulo<br />

é uma borda fibrocartilagínea que reveste o acetábulo<br />

e protege a superfície óssea, servindo para<br />

aprofundar o encaixe, desse modo aumentando a<br />

estabilidade da articulação e reduzindo as forças<br />

na articulação e retardando o inicio ou a ocorrência<br />

de lesões e desgaste (LIPPERT 2000).<br />

As bolsas sinoviais do quadril – Trocantérica,<br />

Iliopectínea e Isquiática - têm como finalidade<br />

diminuir o atrito entre tecidos moles e projeções<br />

ósseas. Duas bolsas frequentemente lesionadas<br />

ou inflamadas são a bolsa trocantérica<br />

e a bolsa do iliopsoas (iliopectínea). A bolsa trocantérica<br />

recobre o trocanter maior do fêmur e<br />

serve de origem ao tensor da fascia lata. A bolsa<br />

do iliopsoas está localizada entre a cápsula articular<br />

e o músculo iliopsoas na face anterior da<br />

articulação. (RASCH, 1991).<br />

Fonte: Cinesiologia Clinica<br />

Flexão, extensão e hiperextensão que<br />

ocorrem no plano sagital com aproximadamente<br />

0° a 125°-140° de flexão e 0° a 15° de hiperextensão.<br />

A extensão é o retorno a partir da flexão.<br />

A abdução e adução ocorrem no plano<br />

frontal com aproximadamente<br />

0° a 30°- 45° de abdução. A adução normalmente<br />

é considerada como o retorno à posição<br />

anatômica, embora exista aproximadamente<br />

um adicional de 0° a 25° possíveis além da<br />

posição anatômica.<br />

No plano transverso, a rotação medial e<br />

lateral, é algumas vezes chamada rotação interna<br />

e externa, respectivamente. Há aproximadamente<br />

0° a 30-45° de movimento possível em<br />

cada direção a partir da posição anatômica (PAL-<br />

MER & EPLER, 2000)<br />

Os dois ossos do quadril estão unidos<br />

anteriormente, e ao Sacro, posteriormente.<br />

176<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 175-181, jun. 2011


O sacro também está unido ao Cóccix.<br />

Estes quatro ossos (dois ossos do quadril,<br />

o sacro e o cóccix) são coletivamente conhecidos<br />

como pelve ou cíngulo do membro inferior<br />

– excluindo-se, portanto, o fêmur (LI-<br />

PPERT, 2000).<br />

MUSCULATURA<br />

Cerca de vinte dois músculos atuam na<br />

articulação do quadril (RASCH,1991).<br />

De acordo com Lippert (2000) estes músculos<br />

podem ser agrupados de acordo com sua localização<br />

e um pouco por sua função. Os músculos anteriores<br />

tendem a ser flexores, os laterais tendem<br />

a ser abdutores, os posteriores tendem a ser extensores<br />

e os mediais tendem a ser adutores.<br />

O quadril tem um grupo de músculos uniarticulares<br />

que fornecem a maior parte do controle<br />

e um grupo de músculos biarticulares mais compridos,<br />

que proporcionam amplitude de movimento<br />

(RASCH,1991 ). Os membros do grupo flexor<br />

incluem o Psoas e o Ilíaco, agonistas primários, e<br />

o Reto femoral. O Psoas (maior e menor) exerce<br />

um papel importante não apenas como flexor do<br />

quadril, mas também como estabilizador da articulação<br />

do quadril. Como sua origem são os corpos<br />

e discos intervertebrais de T12-L5, o psoas<br />

provavelmente tem alguma influência sobre as<br />

vértebras lombares na hiperextensão. O músculo<br />

ilíaco, assim como o psoas,desempenha um<br />

papel predominante na flexão do quadril sob todas<br />

as condições e amplitudes de movimento. O<br />

reto femoral, membro do grupo do quadríceps da<br />

coxa, é o único músculo do grupo que atua sobre<br />

o quadril é um importante flexor e auxilia também<br />

na rotação lateral e na abdução do quadril<br />

como acessório (RASCH,1991).<br />

Rasch (1991) também ressalta que o grupo<br />

extensor do quadril inclui os músculos do jarrete<br />

(isquiotibiais) – Semimembranáceo, Semitendíneo<br />

e cabeça longa do Bíceps femoral. O bíceps<br />

femoral, que tem duas origens separadas,<br />

cada uma com uma inervação distinta, é ativo na<br />

extensão do quadril, enquanto os músculos semimembranaceo<br />

e semitendineo são ativos na<br />

extensão contra a resistência.<br />

O músculo glúteo máximo também é um<br />

forte extensor durante esforços pesados ou<br />

moderados, além de ser rotador lateral e, dependendo<br />

da face do músculo em consideração<br />

(superior ou inferior), abdutor (do quadril fletido)<br />

ou adutor (contra uma resistência). Embora<br />

não seja um músculo postural importante, é<br />

moderadamente ativo durante a flexão excêntrica<br />

do tronco e muito ativo na extensão concêntrica.<br />

Durante a posição ereta, a rotação do<br />

tronco pode provocar atividade do músculo glúteo<br />

máximo no lado oposto à rotação, um movimento<br />

que representa essencialmente uma rotação<br />

lateral do quadril (RASCH, 1991).<br />

O grupo adutor do quadril é composto<br />

pelos músculos - grácil, adutor longo, adutor curto,<br />

adutor magno e pectíneo. Situados na face<br />

medial da coxa, os adutores formam a maior parte<br />

da massa muscular nesta área, criando certa<br />

contradição da relação estrutura-função. Esperarse-ia<br />

que um grupo muscular desse tamanho desempenhasse<br />

um papel crucial na locomoção,<br />

postura e movimentos gerais. Uma explicação<br />

para o tamanho da massa dos adutores é que ocorrem<br />

pelo menos duas ações articulares secundárias<br />

no quadril para cada adutor, bem como ações<br />

em potencial no joelho. Além do óbvio papel de<br />

adução, a rotação medial é atribuída aos músculos<br />

adutores longo e magno observando que o<br />

adutor longo demonstra atividade durante a flexão<br />

do quadril, por esta razão diz-se que os dançarinos<br />

e ginastas estão sujeitos à laceração das<br />

fibras desse músculo próximo a sua fixação tendínea<br />

no púbis quando executam aberturas dos<br />

membros inferiores (RASCH, 1991).<br />

De acordo com (RASCH, 1991) o grupo<br />

abdutor é composto de vários músculos que atuam<br />

predominantemente em outras ações articulares.<br />

Poucas atividades exigem abdução vigorosa<br />

do quadril. O músculo glúteo médio é<br />

considerado agonista para esta ação e exerce um<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 175-181, jun. 2011<br />

177


papel importante na estabilização da pelve durante<br />

a locomoção e na prevenção do sinal de<br />

Trendelenburg (inclinação pélvica lateral ou queda<br />

do quadril). (Figura 3).<br />

Figura 3: Sinal de Trendelenburg<br />

lateral do fêmur em torno de seu eixo longitudinal.<br />

Os glúteos médio e mínimo, tensor da fascia<br />

lata, adutores longo e magno e grácil podem servir<br />

á rotação medial do fêmur. A rotação lateral é<br />

uma função de parte do glúteo máximo, reto femoral<br />

e um grupo de seis músculos geralmente<br />

agrupados como rotadores laterais – os músculos<br />

Piriforme, Obturador interno, Obturador externo<br />

e Gêmeos superior e inferior, executam basicamente<br />

apenas à rotação lateral, embora o Piriforme,<br />

Obturador interno e os Gêmeos possam ajudar a<br />

abduzir o quadril fletido (RASCH, 1991).<br />

MÚSCULOS BIARTICULARES<br />

Fonte:radiologianota10.blogspot.com<br />

Outros músculos que podem auxiliar na<br />

abdução quando o movimento encontra resistência,<br />

quando o quadril está numa determinada<br />

posição, ou sob ambas as circunstâncias, incluem<br />

o glúteo mínimo, o gluteo máximo, o reto<br />

femoral, o sartório e o tensor da fascia lata. O<br />

papel do tensor da fascia lata depende da rotação<br />

(medial ou lateral) do quadril. O mecanismo<br />

abdutor inclui os glúteos médios e máximo e está<br />

relacionado à necessidade da abertura superior<br />

da pelve ser tracionada em direção ao trocanter<br />

maior durante a fase de estação da locomoção.<br />

Os abdutores do membro inferior que sustentam<br />

o peso impedem o decaimento da pelve para<br />

o lado contralateral, o que seria causado pelo<br />

peso da massa corporal acima do quadril e pelas<br />

características inerciais do membro inferior em<br />

oscilação (RASCH, 1991).<br />

Numerosos músculos previamente apresentados<br />

contribuem para a rotação medial ou<br />

São aqueles que atravessam várias articulações<br />

e criam movimento significativo<br />

nessas articulações. Um exemplo da atividade<br />

de um músculo biarticular é o paradoxo do<br />

psoas, no qual o psoas, enquanto flete o quadril,<br />

causa hiperextensão da coluna lombar<br />

através de inclinação pélvica anterior, embora<br />

o psoas seja considerado flexor do tronco<br />

(RASCH, 1991). (figura 4)<br />

Figura 4: Paradoxo do psoas<br />

Fonte: Cinesiologia e Anatomia.<br />

Segundo Rasch (1991) no paradoxo de<br />

Lombard observa-se quando músculos biarticulares<br />

flexores geram um movimento na direção<br />

contrária – p.ex: a ação dos flexores do quadril e<br />

joelhos atuarem para elevar o corpo ao levantar<br />

de uma cadeira.<br />

178<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 175-181, jun. 2011


LESÕES DA ARTICULAÇÃO DO QUADRIL<br />

A articulação do quadril é extremamente<br />

estável e tem uma grande amplitude de movimento.<br />

Enquanto para atletas, o joelho parece<br />

mais suscetível a lesões muito graves, para a<br />

população não atlética há estatísticas assustadoras<br />

acerca de fraturas do quadril. Por exemplo,<br />

a osteoporose, uma condição óssea degenerativa<br />

que afeta principalmente mulheres acima<br />

de 45 anos de idade, é a causa de 1,3 milhão<br />

de fraturas por ano. Destas fraturas, 200.000 são<br />

no quadril e 40.000 destas causam complicações<br />

que levam à morte. As fraturas do quadril, então<br />

representam a principal causa de morte em<br />

indivíduos idosos (RASCH, 1991). (figura 5).<br />

movimento, as potentes contrações musculares<br />

associadas à região durante atividades como as<br />

diversas formas de locomoção e as abruptas mudanças<br />

de direção e posição, comuns em atividades<br />

desportivas e recreativa (RASCH, 1991).<br />

Segundo Rasch (1991) a distensão do psoas<br />

pode ocorrer quando o indivíduo encontra<br />

uma forte resistência durante a flexão do quadril<br />

(figura 6).<br />

Figura 6: Distensão do psoas<br />

Figura 5: Fratura do colo do fêmur<br />

Fonte:medicinageriatrica.com.br<br />

medicinageriatrica.com.brmedicinageriatrica.com.br<br />

A lesão de tecidos moles na região do quadril<br />

é uma ocorrência bem mais comum em atletas<br />

que em não atletas. Lesões relacionadas à distensão<br />

muscular são freqüentemente relatadas,<br />

sendo que alguns fatores que tornam essa região<br />

suscetível a lesões são a extrema amplitude de<br />

Fonte: fisioterapiapassofundo.blogspot.com<br />

A distensão dos músculos do jarrete<br />

(isquiotibiais:semimembranaceo,semitendineo<br />

e bíceps femoral) foi atribuído a contrações potentes<br />

do quadríceps femoral associada a um<br />

retardo no relaxamento do isquiotibial antagonista.<br />

(RASCH, 1991) (figura 7).<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 175-181, jun. 2011<br />

179


Figura 7: Distensão dos músculos do jarrete<br />

Figura 8: Luxação Posterior do Quadril<br />

Fonte: prodot.com.br<br />

A osteoartrite/osteoartrose ou doença<br />

degenerativa do quadril é uma enfermidade crônico-degererativa<br />

que promove alterações na cartilagem<br />

articular, sendo a doença músculo-esquelética<br />

mais comum em todo o mundo. (figura 9) A<br />

Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que<br />

25% dos indivíduos acima dos 65 anos sofrem de<br />

dor e incapacidade associadas a esta doença.<br />

Fonte: fisioterapiapassofundo.blogspot.com<br />

Figura 9: doença degenerativa do quadril<br />

Alguns tipos de artes marciais, chutes<br />

acima do nível do tórax são acompanhados de<br />

uma flexão e rotação medial do quadril que<br />

podem lesar os rotadores laterais. Os cavaleiros,<br />

e especialmente dançarinos e ginastas,<br />

frequentemente lesam os músculos adutores<br />

(Distensões), porque a dança e ginástica suscitam<br />

atividades envolvendo aberturas anteriores<br />

e laterais.<br />

Traumatismos na direção anteroposterior<br />

sobre o joelho em indivíduos sentados em<br />

colisões automobilísticas podem levar à luxação<br />

posterior do Quadril. (RASCH, 1991) (figura 8).<br />

Fonte: strykerlatinamerica.comstrykerlatinamerica.com<br />

4 PAPEL DA FISIOTERAPIA<br />

Primeiramente é indispensável que o<br />

profissional tenha o cuidado na avaliação cinético-funcional<br />

das patologias, utilizando-se para<br />

isto vários testes específicos, exames complementares<br />

como os radiológicos, além de sinais e<br />

sintomas característicos, favorecendo, assim, uma<br />

180<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 175-181, jun. 2011


conduta específica para o quadro da patologia,<br />

sempre levando em consideração a anatomia e a<br />

biomecânica da articulação (SHEPHERD, 1995).<br />

O papel do fisioterapeuta no tratamento<br />

das patologias vai consistir principalmente<br />

na aplicação de dispositivos imobilizantes<br />

– caso necessário – na elaboração de<br />

tratamento e na explicação dada aos parentes<br />

residentes com o paciente para um maior<br />

cuidado com mesmo, além da conscientização<br />

dos mesmos em auxiliar o prognóstico<br />

(SHEPHERD, 1995).<br />

Para Turek (1998) A cinesioterapia será de<br />

fundamental importância em todos os momentos<br />

do tratamento convencional e pós-operatório.<br />

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A articulação do quadril é bastante<br />

complexa promovendo estabilidade e grande<br />

mobilidade ao membro inferior sendo muito<br />

importante na sustentação do peso corporal<br />

proporcionando atividades como correr, caminhar,<br />

sentar-levantar, dentre outros. Proporcionando<br />

esta estabilidade, é composto por<br />

quatro ligamentos o que permite movimentos<br />

triplanares utilizando cerca de vinte e dois<br />

músculos, sendo que uns grupos musculares<br />

são uni-articulares em detrimento de outros<br />

que são bi-articulares.<br />

Por esta articulação apresenta-se de<br />

modo complexo, encontra-se propensa a certas<br />

patologias e disfunções tendo que, às vezes, se<br />

submeter a algum processo cirúrgico. Consequentemente,<br />

para tratar essas patologias o fisioterapeuta<br />

possui um papel diferenciado, pois<br />

terá a função de reabilitar esse membro através<br />

de exercícios cinesioterapêuticos em solo ou em<br />

meio aquático, causando o mínimo de dor e complicações<br />

para o seu paciente.<br />

REFEÊNCIAS<br />

LIPPERT, Lynn. Cinesiologia clínica. 2.ed. [s.l.]:<br />

Revinter, 2000.<br />

PALMER, M. Lynn; EPLER, Márcia E. Fundamentos<br />

das técnicas de avaliação musculoesqueléticas.<br />

2. ed. [s.l.]: Guanabara Koogan, 2000.<br />

RASCH, Philip J. Cinesiologia e anatomia. 7. ed.<br />

[s.l.]: Guanabara Koogan, 1991.<br />

SHEPHERD, Robert. B. Fisioterapia em pediatria.<br />

3. ed. [s.l]: Editora Santos, 1995.<br />

TUREK, Samuel. Fundamentos da anatomia clínica.<br />

Rio de Janeiro: Filiada, 1998.<br />

KYSNER,Carolyn. Exercícios terapêuticos. 4. ed.<br />

São Paulo: Manole, 2005.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 175-181, jun. 2011<br />

181


182


HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA:<br />

UM GRAVE PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA.<br />

REVISÃO DE LITERATURA 1 Lillian dos Santos Carneiro *<br />

RESUMO<br />

A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é uma afecção que prejudica o sistema circulatório.<br />

Dados estatísticos do Ministério da Saúde mostram que 22,3% a 43,9% da população é atingida<br />

por ela, dependendo da cidade onde o estudo foi conduzido. Objetivo: Realizar uma revisão<br />

de literatura destacando a prevenção dos possíveis agravos que a Hipertensão Arterial Sistêmica<br />

pode ocasionar ao organismo do indivíduo. Metodologia: Foi realizado um levantamento<br />

bibliográfico em março de 2011 por meio da biblioteca virtual, <strong>revista</strong>s científicas e no<br />

acervo da Biblioteca Central da Universidade da Amazônia. Conclusão: A Hipertensão Arterial<br />

Sistêmica é um grave problema de saúde pública que precisa ser controlada para que possa<br />

evitar as complicações desta doença, através de uma assistência de saúde e boa conduta do<br />

paciente com relação ao seu tratamento.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Hipertensão Arterial Sistêmica. Agravos. Saúde Pública.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é<br />

uma patologia que compromete a circulação sanguínea<br />

nos vasos por meio do aumento da pressão<br />

nas paredes das artérias e segundo o Ministério da<br />

Saúde (2006, p.7) foram registrados, no Brasil, em<br />

torno de 17 milhões de casos (35%) em uma população<br />

com idade igual ou superior a 40 anos.<br />

Em nível municipal, um estudo feito pela<br />

Organização Pan-Americana da Saúde (2008,<br />

p.235) apontou que em Belém o percentual de<br />

indivíduos que referiram ter diagnóstico clínico<br />

de hipertensão em pelo menos uma consulta,<br />

entre os que referiram ter realizado exame para<br />

medir a pressão arterial nos últimos dois anos,<br />

na população de 25 anos ou mais foram 18,7% do<br />

sexo masculino e 23,5% do sexo feminino.<br />

Diante dessa epidemiologia, a Hipertensão<br />

Arterial Sistêmica (HAS) tornou-se um problema<br />

grave de saúde pública no Brasil, sendo<br />

um importante fator de risco para o desenvolvimento<br />

de doenças cardiovasculares, cerebrovasculares<br />

e renais.<br />

Silva (2006, p.15) afirma que a saúde está<br />

intrinsecamente ligada com a qualidade de vida,<br />

assim sendo de fundamental importância conhecer<br />

os principais agravos da HAS para, desta forma,<br />

prevenir e reduzir os índices de mortalidade<br />

nesta população.<br />

*<br />

Acadêmica do quinto semestre de Enfermagem, ex-monitora<br />

da disciplina Morfofisiologia Humana e atual bolsista de<br />

Iniciação Científica com o projeto intitulado “Fatores de<br />

Risco para Hipertensão Arterial Sistêmica para os docentes<br />

da Universidade da Amazônia”.<br />

1<br />

Artigo elaborado sob orientação da profª Beatriz Araújo<br />

Cardoso, professora Mestre da Universidade da Amazônia e<br />

orientadora do Projeto de Iniciação Científica.<br />

183<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 183-185, jun. 2011


2 OBJETIVO<br />

Realizar uma revisão de literatura destacando<br />

a prevenção dos possíveis agravos que a<br />

Hipertensão Arterial Sistêmica pode ocasionar<br />

ao organismo do indivíduo.<br />

3 MATERIAIS E MÉTODOS<br />

Este artigo foi realizado pó meio de um<br />

levantamento bibliográfico em março de 2011 por<br />

meio da biblioteca virtual, <strong>revista</strong>s científicas e<br />

livros acerca do assunto e livros do acervo da Biblioteca<br />

Central da Universidade da Amazônia.<br />

4 REVISÃO DE LITERATURA<br />

4.1 DISLIPIDEMIA<br />

A dislipidemia consiste em níveis de colesterol<br />

elevados. Segundo as Diretrizes Brasileiras<br />

de Hipertensão Arterial (2007, p.60) e o<br />

Ministério da Saúde (2006, p.35) quando o paciente<br />

hipertenso não faz uma dieta pobre em<br />

gordura e aumenta o seu nível de colesterol, tende<br />

a ser um grande candidato, futuramente, a<br />

ter uma doença arterial coronariana:<br />

É frequente a associação entre dislipidemia<br />

e hipertensão arterial, juntos<br />

representam mais de 50% do risco atribuível<br />

da doença arterial coronariana<br />

(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006, p.35).<br />

Os indivíduos hipertensos beneficiam-se<br />

bastante com a diminuição do colesterol, e as<br />

intervenções terapêuticas para reduzindo não<br />

só o colesterol, mas também a pressão arterial<br />

diminuindo, assim, a morbidade e a mortalidade<br />

em diversas condições de risco.<br />

4.2 ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO (AVE)<br />

O Acidente Vascular Encefálico, também<br />

conhecido como Acidente Vascular Cerebral ou<br />

Derrame, consiste em ruptura de vasos sanguíneos<br />

extravasando o sangue na região encefálica.<br />

Em pacientes hipertensos, como ocorre o<br />

aumento da pressão nas artérias, essa força também<br />

se estende aos vasos que irrigam o cérebro,<br />

porém são extremamente finos sendo de<br />

fácil rompimento. Vale ressaltar que o AVE também<br />

pode acometer indivíduos normotensos.<br />

É importante frisar que segundo o Ministério<br />

da Saúde (2006, p.35) as pessoas que são<br />

hipertensas e fazem o uso do medicamento de<br />

maneira correta, tais como inibidores da Enzima<br />

Conversora da Angiotensina (ECA), diuréticos,<br />

bloqueadores do canal de cálcio, é benéfico para<br />

a prevenção primária do AVE, pois no momento<br />

em que se diminui a pressão arterial, a mesma se<br />

propaga por todos os vasos arteriais, inclusive os<br />

do encéfalo, porém com cuidado em pacientes<br />

idosos nessa diminuição da pressão devido ao risco<br />

de rebaixamento da perfusão cerebral.<br />

4.3 DOENÇA CORONARIANA<br />

A Doença Arterial Coronariana conhecida,<br />

também, como cardiopatia isquêmica, consiste<br />

em problemas de perfusão nos vasos que irrigam<br />

o coração que são as coronárias, desta forma vem<br />

a denominação da patologia. Em pacientes que<br />

possui história de cardiopatia isquêmica na família,<br />

deve-se atentar ao não uso de medicamentos<br />

a base de ácido acetilsalicílico, pois o mesmo pode<br />

vir a desenvolver a doença coronariana. Portanto,<br />

de acordo com a Associação Brasileira de Cardiologia<br />

(2007, p.61), os beta-bloqueadores são<br />

fármacos de preferência devido a sua ação antiisquêmica,<br />

além dos inibidores da ECA.<br />

4.4 INSUFICIÊNCIA CARDÍACA<br />

A Insuficiência Cardíaca se dá no momento<br />

em que o coração, mas especificamente o ventrículo<br />

esquerdo, não consegue bombear o sangue<br />

de maneira que responda as necessidades<br />

do organismo. Quando o paciente hipertenso<br />

não segue as orientações feitas pelo profissional<br />

de saúde que o acompanha, obviamente a<br />

184<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 183-185, jun. 2011


sua pressão eleva-se fazendo com que o coração<br />

não suporte a pressão que está sendo realizada<br />

nele, tornando-o insuficiente para o desempenho<br />

de sua função, pois “não funciona adequadamente<br />

sobre pressão”. Por este motivo<br />

que o Ministério da Saúde (2006, p.36) refere ao<br />

uso de diuréticos associados ou não, levando<br />

sempre em consideração se o paciente possui<br />

ou não insuficiência renal.<br />

4.5 DOENÇA RENAL CRÔNICA OU INSUFICIÊNCIA<br />

RENAL CRÔNICA (IRC)<br />

A Doença Renal Crônica (IRC) é quando<br />

os rins perdem a sua funcionalidade parcial ou<br />

totalmente que consiste em filtrar o sangue,<br />

deixando circulante no corpo excretas tóxicas<br />

que deveriam ser eliminadas. A Associação Brasileira<br />

de Cardiologia (2007, p.67) mostra que<br />

pacientes hipertensos são grandes pretendentes<br />

a desenvolver a IRC e o Ministério da Saúde<br />

(2006, p.36) diz que cerca de 80% a 90% dos pacientes<br />

de diálise são hipertensos. Diante desses<br />

dados é necessário que o paciente faça um controle<br />

rigoroso da pressão arterial para que não<br />

sobrecarregue os rins e desenvolva a doença.<br />

5 CONCLUSÃO<br />

Tendo em vista as gravidades que a hipertensão<br />

arterial sistêmica pode trazer, não só ao<br />

sistema cardiovascular, mas em outros sistemas<br />

como o renal e o nervoso, torna-se indispensável<br />

que os pacientes com suspeita ou já diagnosticados<br />

hipertensos e mesmo os normotensos que<br />

possuem hereditariedade tenham hábitos alimentares<br />

saudáveis, pratiquem atividade física,<br />

evitar o uso de tabaco e de agentes estressores,<br />

uso medicamentos adequadamente, se prescrito.<br />

Com esse acompanhamento rigoroso há a prevenção<br />

do agravo da hipertensão arterial (pacientes<br />

hipertensos) ou mesmo impedir o aparecimento<br />

da HAS (pacientes pré-hipertensos), além<br />

de adquirir uma ótima qualidade de vida.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de<br />

Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica.<br />

Hipertensão arterial sistêmica para o Sistema<br />

Único de Saúde / Ministério da Saúde, Secretaria<br />

de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção<br />

Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.<br />

CARVALHO, A.C.C.; FILHO, R.M.; BASTOS, V.P. Manual de<br />

Orientação Clínica Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS).<br />

Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, 2010.<br />

GUYTON, A.C. Fisiologia Humana. 6. ed. Rio de<br />

Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.<br />

V DIRETRIZES BRASILEIRAS DE HIPERTENSÃO AR-<br />

TERIAL. Cardiologia, Hipertensão e Nefrologia.<br />

Arq Bras Cardiol. v.89, n.3, p. 24 e 79, 2007.<br />

REDE INTERAGENCIAL DE INFORMAÇÃO PARA A<br />

SAÚDE. Indicadores Básicos para a Saúde no Brasil:<br />

conceitos e aplicações / Rede Interagencial<br />

de Informação para a Saúde - Ripsa. 2. ed. Brasília:<br />

Organização Pan-Americana da Saúde, 2008.<br />

SILVA, J. L. L.; LIMA, R. P. Orientações a prevenção<br />

da Hipertensão Arterial Sistêmica e seus agravos:<br />

alguns apontamentos.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 183-185, jun. 2011<br />

185


186


PUBALGIA, ESPORTE E FISIOTERAPIA 1<br />

Antonio Eduardo Leite da Silva *<br />

Carolina Nascimento Lemos Barboza **<br />

RESUMO<br />

A sínfise púbica é uma articulação do tipo anfiartrose, que se localiza entre os ossos púbicos,<br />

sendo cada superfície articular recoberta por cartilagem hialina e separada por um disco fibrocartilaginoso.<br />

Entre as patologias que afetam a articulação, encontramos a Pubalgia, caracterizada<br />

por uma síndrome inflamatória dolorosa da sínfise púbica. E entre as causas da Pubalgia<br />

encontramos as sequelas de cirurgia urológica, as infecções e a atividade física intensa relacionada<br />

aos esportes. Objetivo: Realizar uma revisão de literatura sobre uma das patologias<br />

mais frequentes na articulação da sínfise púbica. Método: Foram consultadas diversas literaturas<br />

de autores considerados referência no assunto, Internet e artigos científicos. Conclusão: A<br />

Pubalgia é uma condição patológica que leva o indivíduo a limitações funcionais graves, impedindo<br />

que a pessoa realize suas atividades de vida diária e no caso de um atleta, o seu desempenho<br />

como esportista.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Pubalgia. Sínfise Púbica. Fisioterapia. Esporte.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A sínfise púbica é uma articulação do tipo<br />

anfiartrose, localizada entre os ossos púbicos,<br />

sendo cada superfície articular recoberta por cartilagem<br />

hialina e separada por um disco fibrocartilaginoso<br />

que funciona como dissipador das<br />

forças de impacto na pelve durante a marcha<br />

(REIS et al., 2008).<br />

O movimento nessa articulação é limitado,<br />

sendo estabilizado superiormente pelo ligamento<br />

suprapúbico, inferiormente pela porção<br />

arcada do ligamento púbico e anteriormente pelo<br />

ligamento interpúbico. Além desses ligamentos<br />

estabilizadores, encontramos superiormente as<br />

inserções musculares do reto do abdômen em<br />

todo o corpo do púbis, auxiliando na estabilidade.<br />

E entre as patologias que comprometem essa<br />

articulação, encontramos a Pubalgia, ou Osteíte<br />

Púbica, que se caracteriza por uma síndrome in-<br />

*<br />

Acadêmico do 8º Semestre do Curso de Fisioterapia da<br />

Universidade da Amazônia – UNAMA. Monitor das disciplinas<br />

Agentes Eletrotermofototerapêuticos e Propedêutica em<br />

Fisioterapia, no ano 2009/2 e 2010/2. E-mail:<br />

edusilva779@hotmail.com<br />

**<br />

Graduada em Fisioterapia pela Universidade da Amazônia.<br />

Monitora das disciplinas de Bioquímica Aplicada à<br />

Fisioterapia e Farmacodinâmica, no ano de 2008/2. E-mail:<br />

carolina_barboza7@hotmail.com<br />

1<br />

Trabalho elaborado sob orientação do prof. Erielson dos<br />

Santos Bossini, especialista em Fisioterapia Motora<br />

Ambu<strong>lato</strong>rial e Hospitalar – Ortopedia e Especialista em<br />

Fisioterapia no Aparelho Locomotor no Esporte pela UNIFESP<br />

– EPM; professor do curso de Fisioterapia da Universidade<br />

da Amazônia – UNAMA, das disciplinas: Prática<br />

Supervisionada em Fisioterapia Osteomioarticular e<br />

Agentes Eletrotermofototerapêuticos.<br />

187<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 187-192, jun. 2011


flamatória dolorosa (aguda ou crônica) da sínfise<br />

púbica, com radiação para a região adutora, abdominal<br />

e região crural, que piora progressivamente<br />

com o esforço físico e melhora com o repouso<br />

e fisioterapia (SOUSA et al., 2005).<br />

Essa patologia foi descrita pela primeira vez<br />

em 1924 pelo urologista Beer, em um paciente pósoperatório<br />

de cirurgia suprapúbica. E entre as principais<br />

hipóteses causadoras da Pubalgia encontramos<br />

as sequelas de cirurgia urológica, as infecções<br />

e a atividade física intensa, principalmente relacionada<br />

a esportes como o atletismo com corredores<br />

de longa distância, o rúgbi, o tênis e principalmente<br />

entre os jogadores de futebol (IDE; CARO-<br />

MANO, 2002; SOUSA et al., 2005).<br />

Renstrom (2000) destaca que de todas<br />

essas modalidades esportivas o maior índice<br />

porcentual de casos é entre jogadores de futebol<br />

(50%), os corredores de longa distância tem<br />

(20%) dos casos, já os jogadores de rúgbi tem<br />

(18%), os tenistas (8%) e as demais atividades<br />

com os 4% restantes.<br />

Esses atletas são submetidos a um grande<br />

número de jogos e treinos, não havendo<br />

muitas vezes um tempo necessário para o repouso<br />

ou para um programa adequado de alongamentos,<br />

o que predispõe o seu aparecimento.<br />

A falta ou a inadequada execução de alongamento<br />

da musculatura adutora da coxa somado<br />

ao excesso de exercícios abdominais que<br />

esses atletas realizam, ou por uma lesão por<br />

tração na origem dos músculos da sínfise púbica<br />

(adutor longo, adutor curto e grácil), podem<br />

causar desequilíbrio muscular e consequentemente<br />

o surgimento da Pubalgia (FAL-<br />

CHETTI; ZABOTI, 2006).<br />

Segundo Souza e Badaró (2004) e Reis et<br />

al., (2008), tudo isso é devido aos movimentos<br />

corporais compensatórios causados por gestos<br />

repetitivos durante a atividade física, sendo então<br />

a Pubalgia relativamente comum em atletas.<br />

Essa área da sínfise púbica é particularmente<br />

suscetível às forças de cisalhamento durante<br />

determinadas atividades atléticas, como a<br />

corrida, o salto e o chute. Nesse momento, a sínfise<br />

movimenta-se para cima e para baixo, chegando<br />

a rotar levemente, o que facilita o microtrauma.<br />

Como é pequeno o suprimento sanguíneo<br />

nessa área, ela não está muito bem preparada<br />

para suportar esse estresse, podendo, então,<br />

desenvolver a patologia (BRIDI, 2010).<br />

Os atletas com osteíte púbica apresentam<br />

dor difusa na pelve, abdome inferior e irradiação<br />

para região perineal e raiz da coxa, o que<br />

torna obrigatório o diagnóstico diferencial com<br />

outras patologias, como: hérnia inguinal, prostatite,<br />

orquite, nefrolitíase, osteomielite, espondilite<br />

anquilosante, artrite reumatoide e metástase<br />

tumoral (VIEIRA et al., 2001).<br />

O presente artigo tem como objetivo fazer<br />

uma revisão de literatura sobre uma das patologias<br />

mais frequentes na articulação da sínfise<br />

púbica, Pubalgia, mostrando sua prevalência<br />

nas mais diversas modalidades esportivas e associando<br />

a patologia com uma abordagem fisioterapêutica.<br />

2 METODOLOGIA<br />

O procedimento de realização deste artigo<br />

foi através de uma revisão bibliográfica, que<br />

tem como objetivo reunir, analisar e conduzir<br />

uma síntese dos resultados de múltiplos estudos<br />

referentes ao tema proposto. Portanto, para<br />

a realização deste artigo foram consultados na<br />

literatura, livros de diversos autores, artigos científicos,<br />

periódicos, monografias, dissertações<br />

e acervo bibliográfico dos próprios autores. Usando<br />

como banco de dados as bibliotecas da Universidade<br />

da Amazônia (UNAMA) e da Universidade<br />

Estadual do Pará (UEPA) e as plataformas<br />

de pesquisas do GOOGLE, SCIELO, MEDLINE e LI-<br />

LACS, os quais abordam o tema em questão.<br />

Os descritores de texto utilizados na pesquisa<br />

foram: Pubalgia, Sínfise Púbica, Fisioterapia<br />

e Esporte. A pesquisa bibliográfica adotou<br />

materiais para seu estudo do período de 2000<br />

até o ano de 2010.<br />

188<br />

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3 FISIOPATOLOGIA<br />

Para Moussalle et al., (2007) a fisiopatologia<br />

dessa lesão é multifatorial, sendo um processo<br />

inflamatório, autolimitante, secundária a um<br />

trauma ou fraturas por estresse, cirurgia pélvica,<br />

parto ou movimentos repetitivos (micro trauma<br />

repetitivo), por um desequilíbrio de forças atuando<br />

na sínfise púbica (forças de cisalhamento e<br />

de tração), por desproporção entre a força muscular<br />

e a área de inserção tendinosa no púbis.<br />

Entretanto, Azevedo, Pires e Carneiro<br />

(2000) afirmam que ainda não há um consenso<br />

na literatura sobre a causa exata e concreta do<br />

que leva a pubalgia e nem como esse processo<br />

inflamatório se inicia, tendo, portanto, os estudiosos<br />

trabalhado com as seguintes hipóteses<br />

para o surgimento da Pubalgia:<br />

3.1 HIPÓTESE: ADUTORES DO QUADRIL<br />

A origem da pubalgia está diretamente relacionada<br />

com a musculatura adutora. Sua utilização<br />

excessiva no futebol associada à preparação inadequada<br />

causaria estresse repetitivo sobre a sínfise<br />

púbica, o que iniciaria o processo. O encurtamento<br />

dessa musculatura causado pelo estiramento não<br />

tratado faria com que o jogador, tentando utilizar<br />

toda a amplitude de movimento, aumentasse o estresse<br />

e a força de cisalhamento sobre a junção miotendinosa,<br />

iniciando o processo de irritação mecânica,<br />

inflamação e reabsorção óssea.<br />

3.2 HIPÓTESE: ROTATORES DO QUADRIL<br />

Segundo os autores, em 12 casos de osteíte<br />

púbica estudados em atletas, foi observado<br />

em todos os casos um déficit significativo de<br />

rotação interna do quadril. Quando o movimento<br />

do quadril é restrito, forças de cisalhamento<br />

vão ser geradas na articulação, levando a movimentos<br />

compensatórios internos ou externos de<br />

uma hemipelve sobre a outra quando o quadril<br />

estiver estendido ou movimentos de deslocamento<br />

superior ou inferior quando o quadril estiver<br />

fletido. Estes movimentos alterariam o funcionamento<br />

normal das articulações sacroilíacas<br />

e do púbis, causando problemas mecânicos.<br />

3.3 HIPÓTESE: OS ISQUIOTIBIAIS<br />

O encurtamento dos isquiotibiais é a causa<br />

primária do desenvolvimento da pubalgia no<br />

jogador de futebol. No movimento do chute ideal,<br />

a perna de apoio permanece na maioria das<br />

vezes esticada, o reto femoral fixa o púbis em<br />

uma posição inferior enquanto o reto abdominal<br />

abaixa o ombro e caixa torácica do lado do apoio.<br />

A perna que chuta também deve permanecer, na<br />

maioria das vezes, esticada. Deste lado, a contração<br />

do reto abdominal eleva o púbis, já que não<br />

há fixação por parte do reto femoral. Para potencializar<br />

a ação do reto abdominal, o ombro homolateral<br />

ao chute se desloca para trás e para cima.<br />

Os oblíquos elevam o ilíaco do lado do chute.<br />

3.4 HIPÓTESE: ARTICULAÇÃO SACROILÍACA<br />

Segundo os autores, essas três articulações<br />

(púbis e duas sacroilíacas) interrompem a<br />

continuidade óssea do anel pélvico e, se uma<br />

das três se torna instável, forças de cisalhamento<br />

são criadas, o que transmite instabilidade e<br />

estresse a outras porções do anel. Assim, uma<br />

instabilidade da sacroilíaca pode resultar em um<br />

futuro problema no púbis e vice-versa.<br />

4 CLASSIFICAÇÃO DA PUBALGIA<br />

De acordo com Orchard et al., (2000), ha<br />

dois tipos de pubalgia: As traumáticas (agudas),<br />

que aparecem por agressão na sínfise púbica, em<br />

decorrência do estiramento dos ligamentos, de<br />

tensão inesperada dos adutores e/ou tração do<br />

ramo púbico. E as crônicas que ocorrem por um<br />

desequilíbrio muscular.<br />

Para Ide e Caromano (2002), a pubalgia<br />

também pode ser classificada como Pubalgia<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 187-192, jun. 2011<br />

189


Traumática (ocorre por estresse), Pubalgia Infecciosa<br />

(está relacionada com o pós-operatório<br />

uroginecológica) e a Pubalgia Inflamatória que<br />

é secundária a trauma ou cirurgia pélvica.<br />

5 QUADRO CLÍNICO<br />

Os sintomas principais incluem dor na<br />

região púbica, dor na origem dos adutores e<br />

dor escrotal, aumento da dor com apoio unipodal<br />

e exercícios de alta intensidade, sensação<br />

de ardor na região da virilha, crepitação<br />

na sínfise púbica, espasmos de adutor, diminuição<br />

da amplitude de movimento do quadril<br />

e dor lombar. Na maioria dos pacientes os<br />

sintomas são autolimitados e desaparecem<br />

gradualmente em semanas ou meses, porém,<br />

nos pacientes submetidos aos esforços físicos,<br />

essa dor pode tornar-se progressiva e intensa,<br />

incapacitando-os para as atividades esportivas<br />

(SOUSA et al., 2005).<br />

Álvarez (2003) relata que os sintomas da<br />

pubalgia diferem de um atleta para outro e em<br />

casos graves, o atleta pode apresentar-se com<br />

marcha antálgica ou bamboleante, em virtude<br />

de espasmos dos adutores.<br />

6 DIAGNÓSTICO<br />

O diagnóstico é fundamentalmente clínico,<br />

feito através de uma análise sintomática<br />

associada a uma minuciosa avaliação biomecânica<br />

de fatores intrínsecos, relacionados<br />

com o próprio atleta e de fatores extrínsecos,<br />

relacionados diretamente com a prática desportiva.<br />

Por apresentar sintomas pubianos e<br />

peripubianos, algumas patologias dessa região<br />

podem ser confundidas com a pubalgia, daí a<br />

importância do diagnóstico diferencial. E uma<br />

vez diagnosticada a pubalgia, torna-se necessário<br />

o tratamento imediato, pois caso a patologia<br />

se torne crônica, o tratamento fica um<br />

tanto quanto complicado e uma cirurgia não é<br />

descartada (FALCHETTI; ZABOTI, 2006).<br />

7 TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO<br />

O tratamento para pubalgia decorrente<br />

das alterações musculares e ósseas é conservador,<br />

baseado no repouso, uso de anti-inflamatórios<br />

hormonais e não-hormonais, sistêmicos<br />

ou locais, além de infiltrações de corticóides e<br />

sessões de fisioterapia, que auxiliará na completa<br />

recuperação do paciente (ÁLVAREZ, 2003).<br />

O tratamento adequado é multidisciplinar,<br />

pois o médico diagnostica e prescreve os<br />

medicamentos, o fisioterapeuta elabora um programa<br />

adequado de reabilitação e o preparador<br />

físico atua na perpetuação dos resultados obtidos,<br />

sendo que o tratamento preventivo é a<br />

melhor opção, daí a importância de um programa<br />

adequado de exercícios de alongamentos<br />

antes e depois dos treinos e jogos. A fase de<br />

reabilitação pode ser dividida em aguda, onde<br />

se inicia o treinamento aeróbico, os alongamentos<br />

e fortalecimentos dos grupos musculares e<br />

por último, a fase de retorno ao esporte, quando<br />

se trabalha a propriocepção específica, e dependendo<br />

da evolução, o retorno total ao esporte<br />

(LASMAR; LASMAR; CAMANHO, 2002).<br />

O tratamento da pubalgia caracteriza-se por<br />

tempo prolongado de três a nove meses. O tratamento<br />

fisioterapêutico abrange a aplicação de eletrotermofototerapia,<br />

bandagens funcionais, acupuntura,<br />

cinesioterapia, hidroterapia, alongamentos<br />

e exercícios proprioceptivos. A fisioterapia esportiva<br />

possui importante papel não só no processo<br />

de tratamento e reabilitação do atleta, mas também<br />

na implementação de medidas de caráter preventivo<br />

(MOUSSALLE et al., 2007).<br />

O objetivo do tratamento fisioterapêutico<br />

consiste em diminuir a dor e a inflamação, aumentar<br />

a resistência do tendão ou tendões acometidos,<br />

restabelecer o equilíbrio muscular, melhorar<br />

a estabilidade do quadril e da coluna. O<br />

fisioterapeuta poderá utilizar técnicas de terapia<br />

manual e correções posturais como RPG (Reeducação<br />

Postural Global) para proporcionar uma recuperação<br />

segura, completa e sem recidivas.<br />

190<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 187-192, jun. 2011


De acordo com Ide e Caromano (2002),<br />

quando classificamos a pubalgia em aguda ou<br />

crônica, nos deparamos com objetivos e condutas<br />

fisioterapêuticas diferentes. Na pubalgia<br />

aguda, recomenda-se como abordagem terapêutica,<br />

repouso, crioterapia (especialmente em pós<br />

exercício), terapia medicamentosa (anti-inflamatórios<br />

não hormonais), eletroterapia (promovendo<br />

controle da resposta inflamatória), hidroterapia,<br />

alongamentos e fortalecimentos da<br />

musculatura pélvica de modo geral, principalmente<br />

de adutores e abdominais. Na pubalgia<br />

crônica, o tratamento fisioterapêutico objetiva<br />

devolver a mobilidade normal, a articulação do<br />

púbis e corrigir os desequilíbrios osteomioarticulares<br />

(disfunções sacrilíacas, obliquidades pélvicas<br />

e desequilíbrios musculares).<br />

A intervenção cirúrgica é raramente indicada<br />

e se faz necessário quando o tratamento<br />

conservador não obtém resultados satisfatórios<br />

em até três meses, em casos em que o atleta<br />

necessite de cura rápida ou em estágios muito<br />

avançados da doença (CIPRIANO, 2005).<br />

7.1 TESTES ORTOPÉDICOS<br />

Segundo Cipriano (2005) e Cohen e Abdalla<br />

(2005), os testes ortopédicos são fundamentais no<br />

auxílio do diagnóstico diferencial da pubalgia.<br />

7.1.1 Teste de Compressão das Asas Ilíacas: com<br />

o paciente em decúbito lateral, comprimir a crista<br />

ilíaca no sentido látero lateral. Exacerbação<br />

da dor pode indicar comprometimento da sínfise<br />

púbica ou da articulação sacro ilíaca.<br />

7.1.2 Teste dos Adutores: com o paciente em decúbito<br />

dorsal e flexão de quadril de aproximadamente<br />

80º, solicitar adução ativa e impor resistência.<br />

Dor aguda intensa na região cruro-inguinal.<br />

7.1.3 Manobra de Grava: a manobra é realizada<br />

com o paciente em decúbito dorsal, quando se<br />

realiza a flexão, abdução e rotação lateral do<br />

quadril apoiando o tornozelo em nível do joelho<br />

contralateral, sendo que uma mão do examinador<br />

posiciona-se na asa do ilíaco oposto e a outra<br />

no joelho que está sendo examinado, forçando<br />

a abdução. A manobra é positiva quando<br />

o paciente refere dor intensa nos adutores.<br />

7.1.4 Teste do Flamingo: paciente em posição<br />

ortostática, instruí-lo a permanecer em apoio<br />

unipodal e saltar, o que aumenta o esforço sobre<br />

a articulação. Este teste aumenta a pressão<br />

na articulação do quadril, sacrilíaca e sínfise púbica.<br />

Dor aumentada pode indicar processo inflamatório<br />

no lado da perna de apoio.<br />

7.1.5 Teste de Flexão de pé e dos Isquiotibiais: o<br />

terapeuta posiciona-se atrás do paciente e pedelhe<br />

para que se incline para frente como se quisesse<br />

tocar os pés com as mãos. O teste é negativo<br />

se o paciente tocar os pés sem que se altere<br />

a estática dos joelhos ou do arco plantar. O teste<br />

será positivo se o paciente não conseguir chegar<br />

à ponta dos pés ou se a estática do joelho ou do<br />

arco plantar se alterarem.<br />

8 CONCLUSÃO<br />

A Pubalgia é uma condição patológica<br />

que leva a o individuo a limitações funcionais<br />

graves, impedindo que a pessoa realize suas atividades<br />

de vida diária e no caso de um atleta, o<br />

seu desempenho como esportista. Portanto, por<br />

meio de uma extensa analise e revisões na literatura<br />

a qual aborda o assunto Pubalgia apresentamos<br />

nesse artigo o conceito, a fisiopatologia,<br />

a classificação, o quadro clinico e métodos<br />

diagnósticos, tratamento e o papel da fisioterapia<br />

no que diz respeito à avaliação e tratamento<br />

desse paciente com pubalgia, salientando sempre<br />

que o tratamento precoce pode evitar o desencadeamento<br />

ou desacelerar a progressão do<br />

quadro patológico e proporcionar ao paciente<br />

um bem estar, permitindo-o realizar suas atividades<br />

de vida diária normalmente.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 187-192, jun. 2011<br />

191


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192<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 187-192, jun. 2011


FISIOTERAPIA DESPORTIVA:<br />

REABILITAÇÃO DE LESÕES DO FUTEBOL EM ATLETAS<br />

– REVISÃO DE LITERATURA 1<br />

Débora Camila Figueiredo de Souza *<br />

Lidice Cristina Santos da Silva **<br />

RESUMO<br />

Devido a um aumento importante da procura por realizar atividades físicas, a Fisioterapia<br />

Desportiva vem tomando grandes proporções de caráter preventivo e na reabilitação de<br />

atletas e sedentários, sendo o futebol o esporte mais praticado por brasileiros tanto de<br />

forma profissional como amadora, podendo ocasionar lesões que irão afetar seu desempenho<br />

funcional. Objetivo: Realizar uma revisão bibliográfica sobre a fisioterapia desportiva,<br />

enfocando no futebol e reabilitação de atletas. Método: Foram utilizados livros, artigos científicos,<br />

pesquisados e analisados com base nos achados na Biblioteca da Universidade da<br />

Amazônia e bibliotecas virtuais. Conclusão: Para que o atleta possa voltar o mais rápido possível<br />

a sua condição normal, se faz necessário a intervenção fisioterapêutica, a fim de reabilitar<br />

e prevenir para que o mesmo não sofra recidivas ou lesione outra região.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Fisioterapia desportiva. Futebol. Lesões Musculares.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A população mundial tem procurado<br />

cada vez mais praticar esportes, não só a fim de<br />

promover a saúde, mas a procura da perfeição<br />

estética. Pra alcançar este objetivo, muitos se<br />

submetem a exercícios fatigantes, não respeitando<br />

seus limites fisiológicos Dentre esses<br />

exercícios, muitos procuram esportes coletivos,<br />

com o intuito não só de atingir a perfeição física,<br />

mas também de interagir com outras pessoas<br />

(CLEBIS, 2001).<br />

Vários esportes são escolhidos, como o<br />

Vôlei, Natação, Artes Marciais e Futebol, sendo<br />

este último um dos mais praticados no mundo<br />

inteiro (ABDALA, 2003).<br />

O Futebol é uma modalidade esportiva<br />

muito popular no Brasil, onde exerce extrema<br />

influência na sociedade no ponto de vista do<br />

lazer e da prática esportiva. Estima-se que cerca<br />

de mais de 400 milhões de pessoas praticam<br />

esse esporte, sendo assim, há uma grande incidência<br />

de lesões em esporte coletivo. Cada vez<br />

mais a medicina desportiva tem avançado, fazendo<br />

com que o conhecimento sobre a fisiologia<br />

e esforço do atleta ficasse mais específico<br />

*<br />

Acadêmica do 7º semestre do curso de Fisioterapia da<br />

Universidade da Amazônia – UNAMA, monitora das<br />

disciplinas de Fisiot. nas enf. e dist. Osteomiarticulares e<br />

Fisiot. nos distubios geriátricos. Email :<br />

Kmilafigueiredo_90@hotmail.com<br />

**<br />

Acadêmica do 7º semestre do curso de Fisioterapia da<br />

Universidade da Amazônia – UNAMA,monitora das<br />

disciplinas de Fisiot. nas enf. e dist. Osteomiarticulares e<br />

Fisiot. nos distubios geriátricos. Email :<br />

lidicecssilva@gmail.com<br />

¹ Trabalho orientado pela fisioterapeuta Taína Alves Teixeira,<br />

professora da disciplina Fisiot. nas enf. e dist.<br />

Osteomiarticulares da Universidade da Amazônia.<br />

193<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 193-198, jun. 2011


e aprimorado, permitindo então propor protocolos<br />

específicos para cada atleta. Porém, o<br />

excesso de exercícios e treinamentos leva o<br />

atleta a um desgaste músculo-esquelético, causando<br />

assim lesões (ALMEIDA, 2007).<br />

Segundo Menezes (2009), as lesões musculares<br />

estão em primeiro lugar, com 39,2%, seguido<br />

de contusões (24,1%), entorses (17,9%),<br />

tendinites (13,4%) e fraturas e luxações (5,4%).<br />

Geralmente, a recuperação dessas lesões giram<br />

em torno de 7 (sete) dias, mas se dá destaque às<br />

contusões, que levam em torno de 8 a 30 dias<br />

para terem recuperação completa. Com o aumento<br />

das exigências físicas, um grau maior de<br />

lesões que se originam de um futebol cada vez<br />

mais competitivo. Atualmente, o jogo é mais<br />

intenso do que era há alguns anos, e isso faz<br />

muita diferença. O desgaste é maior, podendo<br />

também influenciar.<br />

2 METODOLOGIA<br />

Foram utilizados livros, artigos científicos,<br />

pesquisados e analisados com base nos<br />

achados na Biblioteca da Universidade da Amazônia<br />

e bibliotecas virtuais, tais como Scielo e<br />

Pubmed, no período de 01/04/2011 até o dia 19/<br />

04/2011.<br />

3 OBJETIVO<br />

Este artigo tem como objetivo revisar literaturas<br />

sobre a Fisioterapia Desportiva, enfocando<br />

no futebol, principais lesões e reabilitação<br />

de atletas.<br />

4 FUTEBOL<br />

O Futebol é o esporte mais praticado no<br />

mundo, com 203 países associados à Federação<br />

Internacional de Futebol (FIFA). Originou-se em<br />

2600 a.C., onde obtiveram re<strong>lato</strong>s de algo parecido<br />

na China com bolas de bambu. No Brasil, o<br />

futebol originou-se em 1746, proscrito como<br />

“jogo da bola causador de desordens” pela Câmara<br />

Municipal de São Paulo. A origem mais conhecida<br />

dá-se por Charles Muller em 1984 na Inglaterra.<br />

A FIFA é a responsável pela organização<br />

do futebol, sendo responsável pelas regras<br />

e calendários de eventos mundiais. Com o decorrer<br />

dos anos, a evolução dos sistemas táticos<br />

e marcações, além da substituição do “futebol<br />

arte” pelo “futebol força”, exigindo maior preparo<br />

físico e estratégias de marcação agressiva<br />

(COHEN, 2005).<br />

Este esporte exige intensos trabalhos<br />

anaeróbios acompanhado a longos períodos de<br />

exercícios aeróbios. Em um jogo, um atleta geralmente<br />

percorre 10 km, dividido em correr,<br />

andar, trote, velocidade e corrida de costas. Este<br />

também tem como característica movimentos<br />

bruscos a cada 6 segundos, o que torna o atleta<br />

mais propenso a lesões e necessitando de um<br />

trabalho cada vez mais rápido de recuperação.<br />

Fatores intrínsecos e extrínsecos estão ligados a<br />

essas lesões como, idade, lesões prévias, instabilidade<br />

articular, preparação física e habilidade,<br />

sobrecarga de exercícios, número excessivo<br />

de jogos, qualidade dos campos, equipamentos<br />

inadequados e faltas violentas (COHEN, 2005).<br />

A preparação adequada diminui o número<br />

de lesões, e isso se deve a um período de prétemporada<br />

aos campeonatos longos. Muitos campos<br />

possuem pisos inadequados, tendendo assim<br />

a levar maior índice de lesões (SIMÕES, 2005).<br />

O chute é o movimento mais estudado e<br />

mais executado pelos atletas do futebol. Ele é<br />

uma variação da corrida e modificação do andar,<br />

e seus pontos críticos são: o posicionamento do<br />

membro de suporte, o balanço do membro de<br />

chute e o posicionamento do corpo para o contato<br />

com a bola (BARBIERI, 2005).<br />

O desenvolvimento do chute ocorre de<br />

acordo com o aperfeiçoamento do movimento,<br />

que tem como características: Posicionamento<br />

do membro de suporte ao lado e ligeiramente<br />

atrás da bola; O membro de chute é<br />

primeiramente levado para trás e o joelho é<br />

194<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 193-198, jun. 2011


flexionado; O movimento para frente é iniciado<br />

por uma rotação do quadril sob o membro<br />

de suporte e com o avanço da coxa do membro<br />

de chute. O joelho continua flexionado neste<br />

estágio; Uma vez iniciada a ação do chute, a coxa<br />

começa a desacelerar até ficar essencialmente<br />

imóvel no momento de contato com a bola;<br />

Durante essa desaceleração, ocorre a extensão<br />

vigorosa do joelho, sendo quase uma extensão<br />

completa no contato com a bola; O membro<br />

mantém o movimento após o contato com a<br />

bola e inicia uma flexão, finalizando o movimento<br />

(BARBIERI, 2005).<br />

O m em bro de supo rte tem eleva -<br />

da importância pa ra o chute. Este<br />

membro tem a função de oferecer<br />

equilíbrio (po stura) e a juda r na<br />

trajetória da bola. O membro de<br />

chute direc iona a bola e determ i-<br />

na seu resulta do. Ele é ba stante<br />

estudado por ser muito importante<br />

pa ra um excelente desempenho.<br />

A velocidade relativa da bola<br />

no chute de força má xima co m o<br />

dorso do pé com o membro preferido<br />

e não preferido e relac io na -<br />

ram a velo c idade da bola c om a s<br />

diferenç as bio mecâ nica s observ a-<br />

da s durante o s chutes Para pa rtic<br />

ipa rem deste estudo sete joga -<br />

do res que c huta ra m c om força<br />

máxima imitando um pênalti, tentando<br />

acertar um alvo de 1 m 2 posicio<br />

nado a 4 m de distânc ia da<br />

bola . Os participantes foram marc<br />

ado s na s a rtic ula ç õ es dos m em -<br />

bros inferiores, sendo rea liza do<br />

po sterio rmente uma a ná lise 2 D<br />

c o m extra po laç ã o do s po nto s. A<br />

velocidade da bola foi determinada<br />

no s dez prim eiros qua dro s<br />

após a bola ter deixado o pé. Enc<br />

o ntrara m que a velo cida de da<br />

bola foi maior para o membro dominante<br />

(18.6 m.s 1 ) do que para o<br />

nã o dominante (17.0 m.s 1 ), sendo<br />

isto c ausa do pela s diferenç a s na<br />

v elo c idade do pé e na m ec â nic a<br />

de colisão dos membros dominante<br />

e não dominante (DÖRGE, 2002).<br />

Apesar de todos os benefícios que o esporte<br />

traz para o organismo, podem ocorrer algumas<br />

lesões, sendo o esporte o maior responsável<br />

por lesões ostemiarticulares. No futebol<br />

o movimento de ‘chute’ executado pelos jogadores,<br />

pode ocasionar inúmeras lesões, sendo<br />

elas musculares, ósseas, ligamentares ou articulares<br />

(ATALAIA, 2007).<br />

5 PRINCIPAIS LESÕES<br />

Lesão desportiva é definida como qualquer<br />

limitação, óssea, muscular, tendinosa ou articular<br />

adquirida, durante a prática desportiva,<br />

causando limitações funcionais, redução ou interrupção<br />

da atividade esportiva (PEREIRA, 2007).<br />

As lesões esportivas sempre foram motivo<br />

de preocupação para a vida esportiva de um<br />

atleta, devido ao comprometimento em seu retorno<br />

à sua prática esportiva na maioria dos casos<br />

por trauma direto, tendo o contato de um<br />

jogador com outro, geralmente são provocadas<br />

por métodos inadequados de treinamento, por<br />

alterações estruturais que sobrecarregam mais<br />

determinadas partes do corpo do que outras e<br />

pela fraqueza muscular, tendinosa e ligamentar<br />

(KURATA, 2007).<br />

Estas lesões podem estar diversificadas<br />

em algumas áreas do corpo sendo 72 2% mais ou<br />

menos das lesões ocorrem em membros inferiores,<br />

16,8% na cabeça e coluna vertebral e 6%<br />

em membros superiores. Essas lesões podem ser<br />

divididas em várias partes do corpo, porém as<br />

maiores incidências são em membros inferiores,<br />

podendo ser divididas em sub-regiões<br />

como: coxa 34,5 %, tornozelo 17,6 % e joelho<br />

11,8%. (COHEN, 2005).<br />

A partir desses dados, perceber-se que<br />

além de ser especificadas ou diversificadas pela<br />

região acometida, pode-se classificar de acordo<br />

com o seu diagnóstico, ou seja, dependendo da<br />

estrutura ou sistema acometido. Segundo sua incidência<br />

de acometimentos, as lesões muscula-<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 193-198, jun. 2011<br />

195


es ficam em primeiro lugar, posteriormente vêm<br />

contusões, entorses, tendinites, fraturas e luxações,<br />

sendo estas por traumas diretos, os que são<br />

mais frequentes em atletas. (KURATA, 2007).<br />

Essas lesões musculares podem ser entendidas<br />

como qualquer alteração, fisiológica ou<br />

histológica nos músculos, podendo ser classificadas<br />

em diretas ou indiretas, parciais ou totais,<br />

traumáticas ou atraumáticas (COHEN, 2005).<br />

Lesões diretas e traumáticas são aquelas<br />

mais comuns em esporte de contato direto, podendo<br />

ser elas estiramentos, contusões e lacerações,<br />

já as lesões indiretas são mais acometidas<br />

em esportes individuais, e com grande exigência<br />

da potencia muscular. Nas lesões parciais, a força<br />

muscular está diminuída, porém permanece sua<br />

capacidade contrátil, já nas lesões totais a mobilidade<br />

articular está alterada, podendo ser nula e<br />

ter assimetria mesmo em repouso. E ainda tem<br />

as lesões atraumáticas, que são cãibras e dores<br />

musculares tardias (SIMÕES, 2005).<br />

Essas lesões podem ser causadas por<br />

vários fatores, alguns autores ressaltam a fadiga<br />

muscular, como principal fator para que<br />

ocorram essas lesões, podendo alterar o funcionamento<br />

do músculo levando a um desequilíbrio<br />

do mesmo. Outro fator que pode colaborar<br />

para essas lesões, é a influência de<br />

minerais como íon e cálcio quando ocorre a<br />

morte celular, ocasionados por desequilíbrio<br />

destes íons no interior da celular e o que leva<br />

a uma penetração maior de cálcios no interior<br />

destas células. E além dos fatores citados acima,<br />

temos a alimentação também como fator<br />

contribuinte para prevenir ou ocasionar essas<br />

lesões, ou seja, elas suprem o consumo energético<br />

relacionado ao funcionamento do organismo<br />

e ao trabalho realizado, no caso a atividade<br />

física (CLEBIS, 2001).<br />

Os maiores riscos de lesão muscular ocorrem<br />

durante a contração excêntrica, pois, neste<br />

tipo de ação, realiza-se trabalho de força e de<br />

alongamento ao mesmo tempo, aumentando,<br />

assim, o estresse sobre os tecidos, levando a um<br />

alongamento, provocando uma extensão além<br />

do normal de alguns sarcômeros, causando, desta<br />

forma, danos aos mesmos. Levando em consideração<br />

o grau de comprometimento das fibras<br />

musculares, elas podem ser classificadas como:<br />

lesão de grau 1, onde há ruptura mínima das fibras;<br />

lesão de grau 2, onde ocorre laceração<br />

muscular com significante hemorragia e lesão<br />

de grau 3, como sendo aquela onde ocorre completa<br />

perda de função e continuidade da maior<br />

parte ou de todo o músculo (CLEBIS, 2001).<br />

Para que os atletas possam voltar as suas<br />

atividades normais, é necessária a intervenção<br />

fisioterapêutica de forma mais rápido possível,<br />

até que esse atleta esteja em condições normais,<br />

ou o mais próximo da sua realidade.<br />

6 REABILITAÇÃO<br />

A fisioterapia no esporte vem se mostrando<br />

a cada dia mais indispensável,<br />

tendo-se em vista que o grau de<br />

competitividade é maior, levando os<br />

atletas, mediante seus treinamentos,<br />

a um patamar bem próximo do seu<br />

limite individual (KURATA, 2007).<br />

A reabilitação é um programa dinâmico<br />

de exercícios, prescrito para prevenir ou reverter<br />

os efeitos da inatividade, e durante ela<br />

o atleta recupera a funcionalidade que tinha<br />

em períodos de competição, mas quando o esporte<br />

é de alto nível, a reabilitação combina<br />

exercícios e as modalidades terapêuticas a fim<br />

de propiciar o retorno mais rápido possível do<br />

atleta, no mesmo nível de condicionamento<br />

ou acima do que ele possuía antes da lesão. O<br />

retorno do atleta à prática esportiva competitiva<br />

deve ser gradual e obedecer a critérios<br />

rigorosos de monitoramento e índices funcionais<br />

(ANDREWS, 2000).<br />

Para que atletas possam voltar às atividades<br />

é necessário: amplitude de movimento<br />

normal, força, potência e resistência muscular<br />

adequada, capacidade cardiovascular, flexibilidade,<br />

coordenação e propriocepção. Os atle-<br />

196<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 193-198, jun. 2011


tas devem estar sempre com as suas qualidades<br />

físicas adequadas: mobilidade, resistência,<br />

força, coordenação e velocidade. Quando uma<br />

dessas qualidades diminui por um déficit no desempenho<br />

ou uma lesão, deve-se trabalhar na<br />

reabilitação intermediária, entre o tratamento<br />

clínico e a volta do atleta aos treinamentos, para<br />

que ele estabilize as suas qualidades e volte a<br />

ter o mesmo rendimento de antes para poder<br />

treinar junto com a equipe (KURATA, 2007).<br />

Não existe um protocolo fechado para a<br />

reabilitação de atletas, cada indivíduo e lesão<br />

deve ser tratada de forma particular, atendendo<br />

a necessidade do paciente. Sendo necessária,<br />

uma boa avaliação, contendo história, exame físico,<br />

exames complementares, elaboração de<br />

um protocolo de tratamento voltado àquela lesão,<br />

objetivos desse protocolo a curto e longo<br />

prazo, reavaliação periódica, adaptação do plano<br />

de tratamento e desenvolver um plano de<br />

tratamento para atuar de forma preventiva, após<br />

a lesão (ANDREWS, 2000).<br />

Para que essa reabilitação seja da melhor<br />

forma, o fisioterapeuta deve ter noção da biomecânica<br />

dos movimentos realizados no esporte, fisiologia<br />

da ação muscular, articular e sistêmica e<br />

atuar de forma interdisciplinar com o técnico da<br />

equipe de futebol. Esta reabilitação pode ser até<br />

ser levada como um desafio, para o fisioterapeuta,<br />

pois o mesmo tem como função fazer o atleta<br />

voltar a sua atividade, e prevenir recidivas da lesão<br />

(KURATA, 2007; ANDREWS, 2000).<br />

7 CONCLUSÃO<br />

As lesões desportivas estão cada vez<br />

mais frequentes, devido ao grande aumento<br />

de pessoas que estão procurando a realizar atividades<br />

físicas, tendo em vista o que muitos<br />

se profissionalizam nesse ramo e apesar de<br />

muitos benefícios para o organismo, essas atividades<br />

se não executadas da forma correta,<br />

ou por algum trauma direto ou indiretamente<br />

pode está contribuindo para lesionar ossos,<br />

tecidos musculares, ligamentos etc. O futebol<br />

é principal modalidade esportiva que pode<br />

ocasionar lesões, por ser este o esporte mais<br />

executado no mundo e que exige um excelente<br />

preparo físico, devido aos movimentos<br />

necessários durante o jogo, tais como correr,<br />

saltar e chutar. A partir desses movimentos<br />

executados de forma errônea, ou por excesso<br />

dos mesmos, temos as lesões musculares que<br />

são os tipos de lesões mais freqüentes nesses<br />

atletas, sendo elas por traumas diretos ou indiretos<br />

e lesões parciais ou totais, levando<br />

esse atleta a menor condicionamento físico e<br />

muitas vezes tendo que interromper a realização<br />

da atividade, para que esse atleta volte<br />

o mais rápido possível a sua condição normal,<br />

se faz necessário a intervenção fisioterapêutica,<br />

como foi mostrado nesse estudo, pois os<br />

mesmos tem como função de reabilitar e prevenir<br />

este atleta para que não sofra reincidências<br />

da lesão.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ALMEIDA, R. E.; LIMA, E. V.; SILVA, D. A.; SILVA, T. D. O.<br />

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Disponível em: Acesso em: 15 abr.11.<br />

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– Uma revisão de literatura. Revista Portuguesa<br />

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Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 193-198, jun. 2011<br />

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CLEBIS, K. N.; NATALI, M. R. M. Lesões musculares provocadas<br />

por exercícios excêntricos. Revista brasileira<br />

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COHEN, M.; ABDALLA, J. R. Lesões no esporte diagnóstico,<br />

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MONSEN, E. B. Biomechanical differences in soccer<br />

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KURATO, M. D. JÚNIOR, M. J.; NOWOTNY, P. J. Incidência<br />

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e amador. Revista da Faculdade de Ciências<br />

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Revista brasileira de fisioterapia, v. 9, n.<br />

2, p.123-128, 2005.<br />

198<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 193-198, jun. 2011


A IMPORTÂNCIA DOS EXERCÍCIOS PLIOMÉTRICOS<br />

NA REABILITAÇÃO DE LESÕES:<br />

REVISÃO DE LITERATURA¹<br />

Yuri de Sousa Azevedo *<br />

RESUMO<br />

O treinamento pliométrico na reabilitação visa a evitar recidivas da lesão, cujo treinamento<br />

deve ser introduzido na conduta fisioterapêutica para que o paciente retorne para suas atividades<br />

de forma adequada, já que tem a intenção de melhorar a capacidade explosiva do paciente<br />

por meio do “método de choque”, o qual melhora a função neuromuscular. A pliometria desenvolve<br />

a melhora da velocidade de resposta do aparelho neuromuscular, possibilitando realizar<br />

manobras rápidas e inesperadas, diminuindo o risco de lesões, fortalecendo a musculatura e<br />

equilibrando as forças dos músculos agonistas e antagonistas.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Pliometria. Exercícios pliométricos. Ciclo alongamento-encurtamento. Reabilitação.<br />

Lesões.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

No treino do desporto a utilização do treinamento<br />

de força muscular ocupa grande espaço<br />

na literatura, o que pode ser definido como<br />

um tipo de exercício que requer que os músculos<br />

se movam ou tentem se mover contra uma<br />

força de oposição. O termo treinamento de força<br />

abrange uma grande variedade de tipos de<br />

treinamentos, incluindo os exercícios pliométricos<br />

(BALGA; MORAES, 2007).<br />

Exercícios como salto e arremesso têm<br />

como principal mecanismo de ação a alternância<br />

de contrações musculares, que se denominam<br />

de ciclo alongamento-encurtamento, visando,<br />

assim, ao aumento da eficiência mecânica<br />

dos movimentos onde ocorre uma contração<br />

muscular excêntrica seguida de uma ação concêntrica<br />

(ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />

Descreve-se por treinamento pliométrico,<br />

exercícios que possuem o objetivo de valorizar<br />

o ciclo alongamento-encurtamento dos grupos<br />

musculares, maximizando assim a produção<br />

de força ou melhorando o desempenho esportivo.<br />

A pliometria é utilizada especialmente para<br />

o desenvolvimento da força explosiva, como<br />

toques rápidos, em diversas modalidades esportivas.<br />

Demonstra-se como uma forma de treinamento<br />

vital para esportes que utilizam a potência<br />

com elevadas cargas externas. O treinamen-<br />

*<br />

Graduando do 7º Semestre do curso de Fisioterapia pela<br />

Universidade da Amazônia, Monitor de Fisioterapia nas<br />

Enfermidades e distúrbio Neurológico e Fisioterapia na<br />

Enfermidade e distúrbios infanto-juvenis.<br />

**<br />

Artigo elaborado sob orientação da profa. Luciane Lobato<br />

Sobral da Universidade da Amazônia. Graduada em<br />

Fisioterapia pela Universidade da Amazônia. Mestre em<br />

Fisioterapia pela UNIMEP e especialista em Fisioterapia<br />

Neurológica pela UMESP.<br />

199<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 199-205, jun. 2011


to pliométrico, também, vem sendo utilizado na<br />

reabilitação física de pessoas acometidas por<br />

lesões músculo-esqueléticas, que prejudicam o<br />

ciclo da marcha e a realização de sua prática esportiva<br />

(PIRES et al., 2011).<br />

2 OBJETIVO<br />

Demonstrar a necessidade de um fisioterapeuta<br />

na prática do treinamento pliométrico,<br />

evidenciar o conhecimento da técnica cinesioterapêutica<br />

e da pliometria na reabilitação das<br />

lesões por meio de uma revisão da literatura.<br />

3 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS<br />

Para a realização do presente artigo, realizou-se<br />

um levantamento bibliográfico utilizando<br />

como base de dados as bibliotecas virtuais<br />

SCIELO, MEDLINE e PUBMED, pesquisa em livros e<br />

periódicos na biblioteca central da Universidade<br />

da Amazônia no período de fevereiro e março de<br />

2011. Utilizando como palavras-chave: pliometria;<br />

exercícios pliométrico; ciclo alongamento-encurtamento,<br />

reabilitação; lesão; desporto.<br />

4 EXERCÍCIOS PLIOMÉTRICOS<br />

4.1 HISTÓRICO<br />

O termo pliometria foi introduzido pelo<br />

treinador norte americano Fred Wilt em 1975. Essa<br />

técnica se tornou popular nos anos 60 e 70 e foi<br />

responsabilizada pelo sucesso dos atletas do leste<br />

europeu na época. Os treinadores norte-americanos<br />

já usavam saltos com bancos e o pular corda,<br />

porém não conheciam sua base fisiológica. Dentre<br />

os estudiosos da área, destacou-se o treinador soviético<br />

Yuri Verkhoshanski, pois ao final da década<br />

de 60 começou a transformar o que eram apenas<br />

saltos aleatórios, em treinamento pliométrico organizado.<br />

Descobrindo em seus estudos aplicados<br />

em atletas, melhoras em todo sistema neuromuscular<br />

(BOMPA, 2004; PRENTICE, 2003).<br />

4.2 FISIOLOGIA DOS EXERCÍCIOS PLIOMÉTRICOS<br />

Por meio do ciclo alongamento-encurtamento,<br />

provoca-se a potenciação elástica, mecânica<br />

e reflexa dos músculos esqueléticos, com o<br />

propósito de melhorar a capacidade de reação do<br />

sistema neuromuscular e armazenar energia elástica<br />

durante o pré-alongamento, para que seja<br />

utilizada durante a fase concêntrica do movimento.<br />

Visando a facilitar o aumento do recrutamento<br />

muscular em um menor tempo, os exercícios<br />

pliométricos promovem a estimulação dos proprioceptores<br />

corporais. A técnica também tem<br />

grande importância no ganho de potência e auxilia<br />

na melhora do desempenho do controle neuromuscular<br />

(ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />

Para melhor entendimento dos exercícios<br />

pliométricos, deve-se conhecer melhor os três elementos<br />

básicos que compõem a estrutura muscular:<br />

o elemento contrátil, os elementos elásticos<br />

em série e os elementos elásticos em paralelo<br />

(VRETAROS, 2003; ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />

O elemento contrátil gera a energia, pois é<br />

constituído pelo complexo actina-miosina. Os elásticos<br />

em série possuem a função de acúmulo e liberação<br />

da energia potencial elástica, que se encontra<br />

em série com o elemento contrátil e possui uma<br />

parte ativa, situada na zona contrátil do músculo e<br />

uma parte passiva, correspondente ao tendão. Os<br />

elementos elásticos em paralelo cuja constituição é<br />

derivada dos tecidos conectivos, o qual corresponde<br />

ao sarcolema, ao endomísio, ao perimísio e ao<br />

epimísio, sendo que respondem pela resistência ao<br />

movimento após um alongamento muscular (VRE-<br />

TAROS, 2003; ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />

Quando o músculo contrai concentricamente,<br />

a maior parte da força produzida é proveniente<br />

do componente contrátil, ou seja, da<br />

interação entre os filamentos de actina e miosina<br />

e pouca energia elástica é armazenada. Na<br />

contração muscular excêntrica, o músculo é alongado<br />

e o componente elástico em série também,<br />

dessa forma, uma quantidade maior de energia<br />

elástica é estocada (ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />

200<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 199-205, jun. 2011


Acredita-se que ocorre um aumento significativo<br />

na produção de força muscular concêntrica<br />

quando esta é imediatamente precedida por<br />

uma contração muscular excêntrica, devido à reutilização<br />

dessa energia elástica pelo músculo.<br />

Cerca de 28% da energia é estocada pelo componente<br />

elástico em série ativo, enquanto que 72%<br />

pelo componente elástico em série passivo, ou<br />

seja, o tendão é o principal responsável pela absorção<br />

de energia elástica durante uma ação excêntrica<br />

(ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />

COHEN (2005) relata que esse trabalho é<br />

caracterizado pelo estiramento rápido dos músculos<br />

colocados previamente em tensão, que<br />

desenvolvem um esforço potente e explosivo<br />

nesse momento.<br />

4.3 FASES DO CICLO ALONGAMENTO-ENCURTA-<br />

MENTO<br />

O ciclo alongamento-encurtamento é dividido<br />

em três fases: a fase excêntrica ou de préalongamento,<br />

a fase de amortização e a fase concêntrica<br />

ou de encurtamento. A fase excêntrica<br />

é descrita como preparatória, o qual estimula os<br />

receptores musculares e carrega os músculos<br />

com energia elástica. A fase de amortização é o<br />

tempo entre o começo da contração excêntrica<br />

até o começo da contração concêntrica e a terceira<br />

e última fase é a de contração ou encurtamento,<br />

ou seja, a fase final do movimento pliométrico,<br />

a qual gera o movimento explosivo<br />

(ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />

4.4 A PREVENÇÃO DE LESÕES ATRAVÉS DA PLIO-<br />

METRIA<br />

A pliometria pode ser utilizada como forma<br />

de prevenção de lesões. O treinamento pliométrico<br />

prepara o corpo (músculos, articulações,<br />

ligamentos e tendões) para eventuais choques<br />

nas atividades físicas e da vida diária, aumentando,<br />

assim, a coordenação das habilidades<br />

neuromusculares (FERRÃO, 2010).<br />

O treino específico e o desenvolvimento de<br />

programas de habilidade têm potencialidades para<br />

reduzir o risco de lesão ligamentar em desportos<br />

que envolvam o salto (por exemplo, o voleibol). O<br />

treinamento pliométrico mostra resultados positivos,<br />

para a prevenção de lesões ligamentares na articulação<br />

do joelho (OLIVEIRA; BARROSO, 2007).<br />

Estudos em que comparam a mecânica<br />

da queda, do salto e a força da extremidade do<br />

membro inferior antes e depois do treino, notaram<br />

um desequilíbrio da força muscular entre o<br />

ísquio-tibial e o quadríceps, durante o momento<br />

da queda e do salto. Após a intervenção com<br />

treinamento pliométrico durantes seis semanas,<br />

foi verificado que a força da extremidade inferior<br />

e o pico da força de aterrissagem aumentaram<br />

de forma significativa e houve uma diminuição<br />

do desequilíbrio entre o ísquio-tibial e o<br />

quadríceps (OLIVEIRA, 2007).<br />

4.5 REABILITAÇÃO DE ATLETAS POR MEIO DO TREI-<br />

NO PLIOMÉTRICO<br />

A pliometria é utilizada no treinamento<br />

dos atletas, visando à melhora da reatividade<br />

muscular, facilitando o reflexo miotático e dessensibilização<br />

dos órgãos tendinosos de golgi,<br />

além de melhorar a coordenação intra e extraarticular.<br />

Esses efeitos tornam o treinamento<br />

pliométrico eficaz na reabilitação de lesões de<br />

atletas, passando, assim, a ser parte mais comum<br />

do programa de reabilitação após semanas ou<br />

meses de reabilitação, dependendo do tipo da<br />

lesão e do quadro álgico apresentando pelo desporto,<br />

inicia-se a fase dos exercícios pliométricos,<br />

onde será recriada a contração excêntricaconcêntrica<br />

que se faz necessária nas atividades<br />

esportivas do atleta (ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />

A progressão das atividades funcionais<br />

varia muito conforme o protocolo. Para a realização<br />

de atividades como mudanças de direção, saltos,<br />

giros e pliometria são incluídos gradualmente<br />

no programa, quando necessário. O retorno à<br />

prática esportiva varia conforme o protocolo, sen-<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 199-205, jun. 2011<br />

201


do que estes servem como guia na prescrição das<br />

condutas fisioterapêuticas pós-operatórias devendo,<br />

portanto, ser flexíveis e individualizados<br />

conforme o tipo de enxerto, fixação, lesões associadas<br />

e a técnica cirúrgica empregada (LUZ, 2009).<br />

Essa forma de exercícios é apropriada somente<br />

nos estágios avançados de reabilitação, em<br />

indivíduos jovens e ativos que precisam alcançar<br />

um alto nível de desempenho físico em uma atividade<br />

específica, pois são exercícios da alta intensidade<br />

e velocidade que enfatizam o desenvolvimento<br />

de potência muscular e coordenação.<br />

Disparos rápidos de força em padrões de movimentos<br />

funcionais são geralmente necessários<br />

quando se deseja que o paciente retorne as atividades<br />

ocupacionais, recreativas ou esportivas que<br />

requerem alto desempenho (KISNER, 1998).<br />

Andrews, Harrelson e Wilk (2000) declaram<br />

que a pliometria deverá ser aplicada nos<br />

estágios finais da reabilitação. Sendo que a região<br />

envolvida deverá estar com ausência de<br />

edema e de dor, sem restrições na amplitude de<br />

movimento, flexibilidade e medidas de força<br />

equivalentes ao membro contralateral.<br />

4.6 INDICAÇÃO DOS EXERCÍCIOS PLIOMÉTRICO<br />

Existem re<strong>lato</strong>s na literatura do uso de<br />

pliometria em inúmeros tipos de lesões e em<br />

diferentes articulações do corpo. Um programa<br />

de exercícios pliométricos pode ser bastante útil<br />

na reabilitação de atletas que realizam movimentos<br />

acima da cabeça, como os arremessadores<br />

e pode ser usado para toda a extremidade<br />

superior no tratamento de patologias como síndrome<br />

do impacto ombro, instabilidade de ombro,<br />

lesões do cotovelo e no pós-cirúrgico de<br />

lesões do lábio glenoidal. Além disso, esses exercícios<br />

podem ser utilizados nas lesões do membro<br />

inferior, dentre as quais, destacam-se tendinopatias,<br />

lesões musculares, entorses de tornozelo,<br />

lesões de ligamento cruzado anterior<br />

(LCA), ligamento cruzado posterior (LCP) e após<br />

reparo meniscal (COHEN; ABDALLA, 2003).<br />

4.7 CONTRAINDICAÇÃO DOS EXERCÍCIOS PLIO-<br />

MÉTRICOS<br />

A contraindicação para se efetuar exercícios<br />

pliométricos dos membros inferiores e superiores<br />

são inflamação aguda, dor, patologias<br />

de pós-operatório imediato e instabilidades<br />

macroscopicamente evidentes. A contraindicação<br />

mais significativa a um programa intenso de<br />

exercícios pliométricos é para pacientes que não<br />

estavam envolvidos a um programa de fortalecimento<br />

muscular (BANDY; SANDERS, 2003).<br />

5 PROGRAMA DO TREINAMENTO PLIOMÉTRICO<br />

O programa deve iniciar com o aquecimento,<br />

que pode ser dividido em geral e específico.<br />

O primeiro envolve atividades como corrida<br />

lenta, seguida de exercícios calistênicos (que<br />

são exercícios que o indivíduo utiliza o peso do<br />

próprio corpo como resistência) e alongamentos.<br />

O segundo engloba atividades repetidas que<br />

preconizam os padrões neuromusculares da habilidade<br />

esportiva. Após o aquecimento, o paciente<br />

deve ser exposto a atividades que visam à<br />

aprendizagem da técnica. Nessa fase, o terapeuta<br />

deverá ensinar pontos importantes, como a<br />

aterrissagem correta, respeitando a velocidade<br />

exigida pelo exercício e o alinhamento adequado<br />

do corpo. Exercícios de baixa intensidade ou<br />

impacto, como saltos bilaterais no lugar são usados<br />

nessa fase (ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />

Em seguida, deve-se aumentar o nível de<br />

dificuldade e expor o sistema articular e miotendíneo<br />

a uma maior carga por meio de exercícios<br />

de nível moderado e finalmente, o programa<br />

evolui até o retorno do atleta ao esporte.<br />

A velocidade de progressão depende da gravidade<br />

de lesão (ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />

Os principais tipos de exercícios para<br />

membros inferiores são os saltos no lugar, ou<br />

seja, os membros inferiores aterrisam no mesmo<br />

lugar de onde saltaram, saltos com mudança<br />

de direção, nos quais os membros inferiores ater-<br />

202<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 199-205, jun. 2011


isam em um ponto diferente de onde saltaram,<br />

que pode ser para o lado, para frente ou na diagonal<br />

e saltos em profundidade que utilizam<br />

caixas de madeira e requerem maior experiência,<br />

pois são mais agressivos, exigindo mais das<br />

qualidades reativas e de explosão muscular (ROS-<br />

SI; BRANDALIZE, 2006).<br />

Não há consenso quanto ao volume, intensidade<br />

e frequência ideais para a reabilitação<br />

de atletas, porém se sabe que diferentemente<br />

do treinamento esportivo, no qual os<br />

exercícios chegam a um nível máximo, os exercícios<br />

pliométricos na reabilitação podem chegar<br />

a níveis submáximos. As sessões devem ser realizadas<br />

em dias alternados e os exercícios devem<br />

ser progressivos, começando com aqueles<br />

mais simples e de baixa intensidade e evoluindo<br />

para os mais complexos e de maior intensidade,<br />

porém sem alcançar o nível máximo, pois<br />

esses são realizados após o retorno do atleta ao<br />

treinamento esportivo. A frequência do treino<br />

deve ser de no máximo 2 a 3 vezes por semana<br />

(ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />

Para KISNER (1998), antes de iniciar o treino<br />

pliométrico, o paciente deve ter uma base<br />

de força muscular e resistência a fadiga adequada<br />

no músculo que será excitado. Deve-se elaborar<br />

um programa com atividades funcionais<br />

específicas em mente e incluir padrões de movimento<br />

em cadeia cinética aberta ou fechada<br />

que sejam semelhantes à atividade desejada.<br />

Todos os exercícios devem ser precedidos<br />

por aquecimento apropriados, estes devem<br />

começar com atividades de alongamento-encurtamento<br />

bilaterais e progredir para<br />

atividades unilaterais quando possível, a resistência<br />

(carga) pode ser aumentada para progredir<br />

a atividade, colocando pesos ou aumentando<br />

cuidadosamente a altura da plataforma<br />

de onde o paciente salta, finalmente o número<br />

de repetições ou séries de exercício pode<br />

ser aumentado para sobrecarregar progressivamente<br />

os grupos musculares importantes<br />

(GONÇALVES; LANDWEHR, 2011).<br />

5.1 CUIDADOS COM O TREINAMENTO PLIOMÉ-<br />

TRICO<br />

O tempo de repouso é uma variável muito<br />

importante a ser considerada, pois a pliometria<br />

pode causar fadiga, que é o resultado do esgotamento<br />

de energia contida nos músculos. No<br />

momento em que ocorre a fadiga, o controle<br />

motor fica deficitário e os efeitos do treinamento<br />

se perdem (ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />

Como a pliometria é um exercício de impacto,<br />

que envolve várias articulações, o alinhamento<br />

corporal correto deve ser orientado e<br />

corrigido pelo fisioterapeuta. O excesso de exercícios<br />

sem um período de repouso adequado,<br />

assim como a aplicação da pliometria em fase<br />

inicial do tratamento são fatores que podem piorar<br />

a lesão ou até mesmo causar novas lesões.<br />

(ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />

Na pliometria, podem ser geradas cargas<br />

biomecânicas extremas e o tecido conjuntivo<br />

dos pés, tornozelo, quadril e discos intervertebrais<br />

amortecem o choque para dissipar o estresse<br />

imposto por um salto. As lesões ocorrem<br />

quando forças exteriores agem nas articulações,<br />

excedendo a integridade estrutural dos músculos,<br />

ossos, e tecidos conjuntivos, por isso um<br />

programa de treinamento de força deve ser realizado<br />

antes do início dos exercícios pliométricos<br />

e deve envolver tanto a musculatura dos<br />

membros, como os estabilizadores da postura,<br />

como os abdominais e extensores da coluna<br />

(ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />

5.2 INTRODUÇÃO DO PROGRAMA DE PLIOMETRIA<br />

NA REABILITAÇÃO<br />

Na reabilitação do atleta, os exercícios<br />

pliométricos são introduzidos a partir da 21ª semana<br />

de pós-operatório, sendo que durante a<br />

21ª à 24ª semana, os exercícios devem ser unidirecionais,<br />

associados a um aumento da intensidade<br />

da corrida, freadas bruscas em várias direções,<br />

bicicleta normal, intensificação de salto,<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 199-205, jun. 2011<br />

203


chute de bola de borracha e salto com obstáculos<br />

médios. Já a partir da 25ª semana é feito um<br />

aumento progressivo de todas as atividades e<br />

os exercícios pliométricos deixam de ser unidirecionais<br />

e passam a ser em todas as direções<br />

(PAIVA, 2007).<br />

6 CONCLUSÃO<br />

A introdução do treinamento pliométrico<br />

na reabilitação de lesões traz melhoras significativas,<br />

porém necessita de cuidados, para que<br />

não prejudiquem o retorno as atividades de vida<br />

diária. A pliometria proporciona melhorias na<br />

coordenação intramuscular por meio do desenvolvimento<br />

da atividade dos receptores sensoriais,<br />

que protegem e geram uma inervação básica<br />

dos tendões, proporcionando o ganho de<br />

força explosiva.<br />

Assim, a introdução do treino pliométrico<br />

na reabilitação, pode tanto prevenir quanto<br />

tratar as lesões, sendo que o fisioterapeuta deve<br />

estar inserido no programa de reabilitação, visando<br />

a uma melhor adequação do treino, além<br />

de ensinar as práticas como a melhor aterrissagem,<br />

com a intenção de diminuir as recidivas das<br />

lesões, através da melhora do funcionamento<br />

do aparelho neuromuscular.<br />

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física nas lesões desportivas. 2. ed. Rio<br />

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para intervenção.Rio de Janeiro: Ed<br />

Guanabara Koogan, 2003.<br />

BOMPA, T. O. Pliometria para o desenvolvimento<br />

máximo da potência. São Paulo: Phorte, 2004.<br />

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em: 17 mar.2011.<br />

FERRÃO, M. F. A. Efeitos de treino pliométrico<br />

na capacidade de salto vertical e horizontal após<br />

período de destreino: estudo realizado em jovens<br />

púberes. Disponível em: http://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/42144.<br />

Acesso<br />

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KISNER, C.; COLBY,L.A. Exercícios terapêuticos: fundamentos<br />

e técnicas. 3ed. São Paulo: Manole, 1998.<br />

LUZ, B. S. da. Análise da simetria em tarefas motoras<br />

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ligamento cruzado anterior.<br />

OLIVEIRA, A. R. de S. V. de.; Barroso, M. F. C. P.<br />

Caracterização e análise das lesões músculo-esqueléticas<br />

em atletas de alta competição de voleibol.<br />

Disponível em: Acesso em: 17 mar.2011.<br />

PAIVA, E. S.; NEVES, S. S.; FREITAS, T. H. de; CABA-<br />

NAS, A. Exercícios físicos como auxiliares na prevenção<br />

e reabilitação do joelho: bases teóricas.<br />

Disponível em: Acesso em: 20 mar. 2011.<br />

204<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 199-205, jun. 2011


PIRES, A. B.; MATOS, A. R. de O.; SILVA, R. S. da;<br />

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http://www.efdeportes.com/efd152/teinamento-pliometrico.htm>.<br />

Acesso em: 09 mar. 2011.<br />

PRENTICE, W. E. Técnicas de reabilitação em medicina<br />

esportiva. 3. ed. São Paulo: Manole, 2002.<br />

ROSSI, L. P.; BRANDALIZE, M. Pliometria aplicada<br />

à reabilitação de atletas. Disponível em: Acesso em: 09 mar.2011.<br />

VRETAROS, A. Considerações acerca da prescrição<br />

de exercícios pliométricos no tênis de campo. Disponível<br />

em: . Acesso em: 9 mar.2011.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 199-205, jun. 2011<br />

205


206 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 2, p. 161-170, nov. 2010


CONSEQUÊNCIAS DA AUSÊNCIA PATERNA NO<br />

DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL DOS FILHOS 1<br />

Lídia Machado da Silva *<br />

RESUMO<br />

A presença paterna é de suma importância para o desenvolvimento saudável dos filhos. Dessa<br />

forma, crianças que crescem sem pai apresentam o domínio psicossocial mais afetado, o qual<br />

engloba as emoções, a subjetividade e as relações interpessoais. Em uma sociedade sem pai<br />

as pessoas apresentam baixa tolerância à frustração e dificuldade em cumprir regras, já que a<br />

figura paterna é quem proporciona o limite aos filhos. O presente artigo tem por objetivo<br />

descrever as consequências emocionais da ausência paterna no desenvolvimento dos filhos<br />

na perspectiva de autores como Risé, Serôdio e Eizirik, assim como explorar uma temática que<br />

ainda é pouco pesquisada na comunidade científica, uma vez que a literatura foca principalmente<br />

na figura materna. A pesquisa, que possui caráter qualitativo-descritivo, foi realizada<br />

por meio de levantamento bibliográfico.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Ausência paterna. Efeitos subjetivos. Desenvolvimento dos filhos.<br />

A figura paterna é de suma importância<br />

para o desenvolvimento infantil, porém não é<br />

um assunto amplamente explorado pela literatura,<br />

uma vez que esta foca principalmente na<br />

figura materna. Dessa forma, o presente artigo<br />

tem por objetivo descrever as consequências<br />

emocionais da ausência paterna no desenvolvimento<br />

dos filhos na perspectiva de autores<br />

como Risé, Serôdio e Eizirik, assim como explorar<br />

uma temática que ainda é pouco pesquisada<br />

na comunidade científica. Para este estudo foi<br />

adotado a revisão de literatura no<br />

período de Março a Abril de 2011. A pesquisa<br />

possui caráter qualitativo-descritivo realizada<br />

por meio de levantamento na biblioteca da<br />

Universidade da Amazônia (UNAMA), em acervo<br />

particular e em sites eletrônicos buscando<br />

artigos científicos Scientific Eletronic Library On-<br />

*<br />

Acadêmica do 4º semestre do Curso de Psicologia e Monitora<br />

da disciplina Bases Anátomo Fisiológicas do Comportamento<br />

Humano. Reside na Av. Alcindo Cacela, 624. Tel.: 32260454.<br />

E-mail: lidiasilva26@gmail.com.<br />

1<br />

Artigo elaborado sob orientação da profa. Ms. Alyne Alvarez<br />

da Silva, docente do curso de Psicologia da Universidade da<br />

Amazônia – UNAMA.<br />

207<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 207-211, jun. 2011


line (SCIELO); Goglee Acadêmico. Foram utilizadas<br />

as palavras chaves: Ausência Paterna; Efeitos<br />

subjetivos; Desenvolvimento dos filhos.<br />

De acordo com Osório (1996), as funções<br />

familiares (materna, paterna, filial, fraterna e<br />

conjugal) não são desempenhadas somente pela<br />

pessoa designada àquela função. Portanto, o<br />

papel paterno poderia ser desempenhado adequadamente<br />

pelo pai ou por outra figura masculina<br />

presente na vida da criança, como um tio,<br />

um avô etc. Nesse sentido, o papel paterno teria<br />

como função:<br />

interpor-se entre mãe e filho para<br />

facilitar o processo de dessimbiotização<br />

2 e encaminhar a aquisição da<br />

identidade deste ao longo de seu<br />

desenvolvimento psicológico (OSÓ-<br />

RIO, 1996, p. 18).<br />

Ou seja, para o autor a figura paterna<br />

tem fundamental relevância no processo de independização<br />

do indivíduo, que é, de acordo<br />

com Osório (1996), através do qual a pessoa torna-se<br />

um indivíduo com vontade própria. Além<br />

disso, a figura paterna não influenciaria somente<br />

nesse aspecto, mas também na socialização<br />

da criança e educação moral (RISÉ, 2007).<br />

Porém, em virtude das modificações culturais,<br />

econômicas e sociais que o conceito de<br />

família vem sofrendo com o passar do tempo, o<br />

conceito de paternidade também se modificou<br />

de forma considerável. É importante frisar que as<br />

contribuições sociais da paternidade variam dependendo<br />

da época histórica e do contexto social.<br />

Antes da Reforma Protestante, de acordo com<br />

Risé (2007), o pai exercia a função de guardião<br />

dos filhos e de provedor de proteção e conhecimento,<br />

além de promover a educação moral e<br />

religiosa dos filhos, como diz Cia, Willians & Aiello<br />

(2005). Porém, após as 95 teses propostas por<br />

Lutero, iniciou-se um processo que Risé (2007)<br />

chama de secularização da família, que consiste<br />

na transferência das responsabilidades de educação<br />

do pai para a mulher mãe. Tal processo é<br />

intensificado nos séculos XVII e XVIII com o surgimento<br />

da Revolução Industrial, em que os pais<br />

passam a trabalhar durante longos períodos nas<br />

indústrias, fazendo com que o convívio com a família<br />

diminua ainda mais e, consequentemente,<br />

o convívio com os filhos também, transferindo a<br />

responsabilidade da educação das crianças para<br />

as mães (COLEY, 2001 apud CIA et. al., 2005).<br />

Assim, percebe-se que o envolvimento<br />

paterno no desenvolvimento infantil se restringiu<br />

cada vez mais e, com a revolução feminista,<br />

que se fortaleceu com o movimento hippie na<br />

década de sessenta, o número de mulheres exercendo<br />

atividades remuneradas aumentou e isso<br />

refletiu no ambiente familiar, já que antes era o<br />

homem que ocupava a posição de maior poder<br />

do grupo. Essa “emancipação” das mulheres fez<br />

com que elas deixassem de assumir a total responsabilidade<br />

em relação aos filhos e cobrassem<br />

mais a presença paterna para o compartilhamento<br />

da educação das crianças. Há que se considerar<br />

ainda, a transferência do papel de educadores,<br />

enquanto pais, à escola. Tal fato também acarretou<br />

uma transformação na família e a reorganização<br />

dos papéis familiares, bem como a diminuição<br />

do número de famílias nucleares intactas 3 ,<br />

pois, como as mulheres se tornaram autossuficientes<br />

financeiramente e os homens estavam ausentes,<br />

o número de divórcios aumentou e isso<br />

promoveu acréscimo de famílias monoparentais<br />

e recasadas. Assim, foi possível reconhecer que<br />

os pais desempenham funções complexas e multidimensionais<br />

e que a criança, em sua constituição,<br />

sofre influência de diversos ambiente, além<br />

do familiar (CIA et. al., 2005).<br />

Segundo Serôdio (2009), essa ausência<br />

paterna, que foi aumentando gradativamente,<br />

afeta todos os domínios do desenvolvimento. Tal<br />

2<br />

Processo que gira em torno da elaboração do vínculo de<br />

dependência entre mãe e filho/filha (OSÓRIO, 1996).<br />

3<br />

É um núcleo familiar que inclui o pai e a mãe biológicos e sua<br />

prole (OSÓRIO, 1996).<br />

208<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 207-211, jun. 2011


desenvolvimento é dividido em três grandes domínios<br />

indissociáveis: biossocial, cognitivo e psicossocial,<br />

porém o presente artigo foca somente<br />

o desenvolvimento psicossocial, que, dentre os<br />

três, é o mais afetado, de acordo com Papalia &<br />

Olds (2000). Esse domínio engloba “as emoções,<br />

a personalidade 4 e as relações interpessoais com<br />

os membros da família, com amigos e com a comunidade<br />

em geral” (BERGER, 2003, p. 3) e se apresenta<br />

como domínio base, pois mudança e instabilidade<br />

emocional afetam o funcionamento físico<br />

e cognitivo (PAPALIA & OLDS, 2000).<br />

De acordo com Berger (2003), o desenvolvimento<br />

humano apresenta cinco características<br />

fundamentais: é multidirecional, já que a<br />

modificação nem sempre é linear; é multicontextual,<br />

cada pessoa pertence a diversos contextos;<br />

é multicultural, pois vivemos em configurações<br />

culturais diferenciadas; é multidisciplinar,<br />

é estudado por diversas áreas acadêmicas;<br />

e é plástico porque todas as características de<br />

todos os indivíduos podem ser alteradas em<br />

qualquer ponto da vida.<br />

No entanto, Ferrari (1999, apud EIZIRIK<br />

& BERGMANN, 2004), se esquivando da concepção<br />

multidirecional e multicontextual para pensar<br />

o desenvolvimento humano, considera que<br />

o desenvolvimento psicossocial da criança fica<br />

comprometido a partir da falta de uma das figuras<br />

(materna ou paterna), já que isso gera uma<br />

sobrecarga no papel do outro e, consequentemente,<br />

um desequilíbrio que pode comprometer<br />

a forma como se constitui o filho/filha, pois<br />

“a presença de ambos os pais é que permite à<br />

criança viver de forma mais natural os processos<br />

de identificação e diferenciação” (FERRA-<br />

RI, 1999 apud EIZIRIK & BERGMANN, 2004, p.<br />

331). Essa biparentalidade na infância é o fator<br />

que permite a aprendizagem de mais de um<br />

estilo de relação (com a mãe e com o pai). De<br />

4<br />

A noção de personalidade deverá ser entendida aqui em<br />

termos de subjetividade, isto é, o modo como nos<br />

constituímos sujeitos ou o que nos possibilita no decorrer<br />

de nossa história de vida ser quem somos.<br />

acordo com Serôdio (2009), o pai tem função<br />

fundamental no processo de socialização da<br />

criança, dessa forma, a autora considera que a<br />

formação do autoconceito infantil depende da<br />

interação e dos modelos oferecidos no âmbito<br />

familiar e social. O modelo familiar se torna<br />

monoparental no momento em que o pai não<br />

está mais fisicamente presente na casa, e isso<br />

geralmente se dá por meio do que Risé (2007)<br />

chama de indústria do divórcio. Sendo assim,<br />

o pai é um dos maiores perdedores<br />

das separações conjugais, não como<br />

homem, mas como pai. Com a separação<br />

ou o fim do casamento, tende<br />

a distanciar-se dos filhos, quer por<br />

opção ou falta de jeito, quer por imposição<br />

legal (BALANCHO, 2003 apud<br />

SERÔDIO, 2009, p. 20).<br />

Além disso, o comportamento materno<br />

e a reação da mãe na ausência do pai exercem<br />

grande influência sobre os filhos, pois, segundo<br />

Eizirik & Bergmann (2004), a interação mãe/filho<br />

e os recursos emocionais da mãe são os mediadores<br />

do efeito dessa ausência na criança.<br />

Um dos recursos que a mãe pode utilizar<br />

é o que o psiquiatra americano Richard Gardner<br />

denominou de Síndrome da Alienação Parental,<br />

que consiste no processo de programar a criança<br />

para distanciar-se e odiar o genitor ausente, neste<br />

caso o pai, sem qualquer justificativa plausível<br />

(DIAS, 2009). Dias (2009) e Fonseca (2009) concordam<br />

que o objetivo da síndrome é sempre o mesmo:<br />

eliminar o convívio e o vínculo afetivo-emocional<br />

entre a criança e o pai e que sempre ocorre<br />

a partir de um sentimento de vingança advindo<br />

da elaboração inadequada do luto da separação,<br />

pois, muitas vezes, após o término do matrimônio<br />

a mulher se sente traída, abandonada e isso<br />

faz com que ela passe desvalorizar e destruir a<br />

figura paterna para o filho. É importante frisar que,<br />

em alguns casos, a mãe provoca o distanciamento<br />

de forma indireta através de chantagens emocionais<br />

que fazem com que o filho (a) se sinta<br />

culpado por “abandoná-la”.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 207-211, jun. 2011<br />

209


5<br />

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em<br />

2003 ocorreram cerca de 900 mil suicídios no mundo. Em<br />

2004, somente no Brasil, foram aproximadamente oito mil<br />

suicídios numa média de 4,5 por 100 mil habitantes. Dentre<br />

as possíveis causas, segundo o pesquisador Carlos Felipe<br />

D’Oliveira (Médico do Ministério da Saúde, Representante<br />

Nacional da Associação Internacional de Prevenção do<br />

Suicídio, Coordenador de Saúde do MERCOSUL), estão as<br />

separações conjugais e o abuso de álcool e drogas<br />

correspondendo à 15% do total de suicídios cometidos<br />

(Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/<br />

visualizar_texto.cfm?idtxt=25076).<br />

A Síndrome da Alienação Parental é considerada<br />

como comportamento abusivo, uma<br />

vez que compromete o desenvolvimento da criança,<br />

pois, quando adulto, a pessoa pode apresentar<br />

um grave complexo de culpa por ter sido<br />

cúmplice de uma injustiça contra o pai. Por outro<br />

lado, com a ausência da figura paterna, a criança<br />

passa a adotar um modelo mais centralizado<br />

na figura materna e isso gera a tendência de<br />

repetição desse comportamento no futuro, segundo<br />

Fonseca (2009). Além disso, a criança pode<br />

apresentar outros sintomas, como doenças psicossomáticas,<br />

alto nível de ansiedade e nervosismo,<br />

depressão, agressividade e comportamento<br />

hostil, transtornos de identidade, desorganização<br />

psíquica, tendências ao consumo de<br />

álcool e drogas e suicídio (FONSECA, 2009). Risé<br />

(2007) concorda com Fonseca (2009) em relação<br />

ao elevado número de suicídios 5 em famílias com<br />

ausência paterna, no entanto, explica que isso<br />

se dá por causa da baixa autoestima dos filhos;<br />

também concorda com relação ao aumento do<br />

número de alcoolistas e dependentes químicos,<br />

incluindo a obesidade como consequência da<br />

falta do genitor. O autor igualmente acrescenta<br />

que em uma sociedade sem pai as pessoas apresentam<br />

baixa tolerância à frustração e dificuldade<br />

em cumprir regras, em que a figura paterna é<br />

quem proporciona o limite aos filhos.<br />

Segundo Risé (2007), na perspectiva psicanalítica,<br />

os danos da ausência paterna mais<br />

aparentes nos rapazes seriam a dificuldade em<br />

controlar e utilizar “positivamente” a sua agressividade,<br />

o que teria relação com os altos índices<br />

de criminalidade, os quais seriam liderados<br />

por jovens de até 24 anos; e a perda de identidade<br />

masculina, que é brilhantemente metaforizada<br />

por<br />

Robert Bly, no seu livro Iron John (livro<br />

de referência do Movimento dos homens<br />

americanos), conta o sonho de um jovem<br />

criado pela mãe, uma mulher inteligente,<br />

lésbica, cercada por um grupo<br />

de amigas de personalidades interessantes<br />

e empreendedoras. O homem<br />

sonhou correr à noite, à luz da<br />

lua, com uma matilha de lobos. Chegando<br />

a um rio, as lobas se detiveram<br />

e, inclinando-se sobre a água, cada<br />

uma via a própria imagem. O sonhador<br />

também se inclinou sobre a água<br />

para olhar, mas não viu nada. Não<br />

podia se ver como loba, porque loba<br />

não era. Mas tampouco como lobo, ou<br />

como homem, porque a sua identidade<br />

instintiva, sexual, não se havia<br />

constituído. Nenhum pai lha havia<br />

transmitido. O jovem sem pai que não<br />

é ‘iniciado’ ao masculino, não tem rosto,<br />

não tem gênero: é portador de uma<br />

identidade incerta, ambígua e, assim,<br />

tem medo. O homem ‘matrizado’, iniciado<br />

pela mãe, é como um cão sem<br />

faro: não possui instintivamente uma<br />

direção, ignora em quais territórios,<br />

em quais formas a sua identidade<br />

masculina o levaria a encontrar alegria<br />

e realização. (RISÉ, 2007, p. 55).<br />

Diferentemente do rapaz, segundo o mesmo<br />

autor, a moça que sofre ausência paterna apresenta<br />

um alto nível de insegurança ao iniciar sua<br />

relação com a sociedade, o que é atribuído à baixa<br />

autoestima, gerando comportamentos de renúncia,<br />

autolesão ou, como é mais comum hoje,<br />

uma competitividade exagerada, que visa a mascarar<br />

a sua insegurança e substituir a aprovação e<br />

o reconhecimento do pai (pessoal) pela aprovação<br />

e reconhecimento da sociedade, do chefe,<br />

do grupo no qual quer ser aceita etc. (impessoal).<br />

Porém, mesmo que ela obtenha o reconhecimento<br />

externo tão almejado, este não consegue substituir<br />

em hipótese alguma o bem-estar e a tranquilidade<br />

advindos de uma relação boa e estável<br />

com o pai. Dessa forma, a mulher, em virtude des-<br />

210<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 207-211, jun. 2011


sa sede de aprovação, pode passar a apresentar<br />

patologias graves, em que a mais comum é a anorexia,<br />

pois lhe falta o olhar amoroso e orgulhoso<br />

do pai para concretizar o projeto pessoal da filha<br />

enquanto pessoa (RISÉ, 2007).<br />

Como já foi dito no decorrer deste artigo,<br />

a importância da participação paterna na relação<br />

de cuidar é imprescindível, porém, Gadotti (2003)<br />

frisa que a relação entre pais e filhos é dialética,<br />

ou seja, de unidade e de oposição, entretanto não<br />

pode resumir-se somente na oposição, pois esta<br />

não dá liberdade ao filho e transforma o pai em<br />

um ditador, já que a sua autoridade é acentuada;<br />

tampouco pode resumir-se somente na unidade,<br />

pois, dessa forma, se esvai a autoridade paterna<br />

e o filho se sente sem pai, abandonado. Além de<br />

ser dialética, essa relação não se baseia somente<br />

na presença física do pai, pois suprir as necessidades<br />

materiais dos filhos não equivale a estar<br />

presente para eles. Estar presente é o compreender,<br />

o respeitar e ser aberto, sincero e firme. Tais<br />

posturas são mais valiosas do que qualquer coisa<br />

que se possa comprar.<br />

Dessa forma, não desconsiderando a figura<br />

materna, percebe-se que a presença efetiva do<br />

pai ou de alguém que ocupe esse papel na vida da<br />

pessoa contribui para o equilíbrio psicoemocional<br />

necessário para o desenvolvimento humano, possibilitando<br />

um modo de ser mais adequado ao que<br />

se exige para viver em sociedade, no que diz respeito<br />

à aceitação das regras e limites, tolerando<br />

melhor as frustrações, em virtude de uma maior<br />

autoestima, um sentimento de autoconfiança diante<br />

das adversidades da vida.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BERGER, K. O desenvolvimento da pessoa: da infância<br />

à terceira idade. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2003.<br />

CIA, F.; WILLIANS, L. C. A.; AIELLO, A. L. R. Influências<br />

paternas no desenvolvimento infantil:<br />

revisão da literatura. Psicologia Escolar e Educacional.<br />

São Carlos, SP, v. 9, n. 2, p. 225-233, 2005.<br />

DIAS, M. B. Síndrome da alienação parental, o<br />

que é isso? Revista do CAO Cível, Belém, PA, v.<br />

1, n. 15, p. 45-48, jan./dez. 2009.<br />

EIZIRIK, M.; BERGMANN, D. S. A ausência paterna<br />

e sua repercussão no desenvolvimento da<br />

criança e do adolescente: um re<strong>lato</strong> de caso.<br />

Revista de Psiquiatria, RS, v. 26, n. 3, p. 330-336,<br />

set./dez. 2004.<br />

FONSECA, P. M. P. C. Síndrome da alienação parental.<br />

Revista do CAO Cível, Belém, PA, v. 1, n.<br />

15, p. 49-60, jan./dez. 2009.<br />

GADOTTI, M. Dialética do amor paterno. Coleção<br />

questões da nossa época. 6. ed. rev. ampl.<br />

São Paulo: Cortez, 2003. 105 p.<br />

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Manual de Prevenção do<br />

Suicídio. Disponível em: Acesso em: 21<br />

abr.2011.<br />

OSÓRIO, L. C. Família hoje. Porto Alegre: Artes<br />

Médicas, 1996.<br />

PAPALIA, D. E.; OLDS, S. W. Desenvolvimento<br />

humano. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.<br />

RISÉ, C. A inaceitável ausência do pai: paternidade<br />

e seus desafios na sociedade atual. São Paulo:<br />

Cidade Nova, 2007.<br />

SERÔDIO, S. G. A função paterna e o desenvolvimento<br />

infantil: gratificação parenta e da<br />

presença versus ausência dos primórdios no<br />

autoconceito da criança. 2009. 68 f. Mestrado<br />

Integrado em Psicologia (Seção de Psicologia<br />

Clínica e da Saúde/ Núcleo de Psicologia Clínica<br />

e Dinâmica) – Faculdade de Psicologia e<br />

de Ciências da Educação, Universidade de Lisboa,<br />

2009.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 207-211, jun. 2011<br />

211


212 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 2, p. 171-178, nov. 2010


A INTERVENÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL NA<br />

REABILITAÇÃO DE PACIENTES COM SEQUELAS DE<br />

TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO: UM ESTUDO DE CASO 1<br />

Walmir Pinheiro da Silva Neto *<br />

RESUMO<br />

Traumatismo Crânioencefálico (TCE) é qualquer agressão traumática que acarreta lesão anatômica<br />

ou funcional no encéfalo e pode resultar em sequelas motoras, sensoriais, cognitivas<br />

ou comportamentais. Objetivou-se através desta pesquisa descrever a intervenção terapêutica<br />

ocupacional nas sequelas de TCE e delimitar os passos para a reabilitação neurológica. O<br />

re<strong>lato</strong> da pesquisa baseia-se em um estudo de caso envolvendo um paciente atendido na<br />

Clínica Escola de Terapia Ocupacional da Universidade da Amazônia (<strong>Unama</strong>), no período de<br />

setembro a dezembro de 2010. Os modelos de referência utilizados foram Neuroevolutivo e<br />

da Ocupação Humana. Conclui-se que a intervenção terapêutica ocupacional continua favorece<br />

a reabilitação de pacientes com sequelas de TCE, visto que o objetivo concentra-se em<br />

minimizar as possíveis limitações, resgatar e adequar a capacidade funcional dos usuários,<br />

garantindo, assim, independência e autonomia nas áreas da ocupação humana.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Traumatismo Crânioencefálico. Reabilitação. Terapia Ocupacional.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Traumatismo crânioencefálico (TCE) é<br />

definido como um insulto ao cérebro, não degenerativo<br />

ou congênito, provocado por uma força<br />

física externa. Este trauma pode produzir um estado<br />

alterado ou diminuído de consciência, dessa<br />

forma decorrendo deficiências dos desempenhos<br />

cognitivos, comportamental, emocional ou<br />

físico (TROMBLY, 2008).<br />

A reabilitação de pacientes que sofreram<br />

traumatismo crânioencefálico-TCE é um processo<br />

longo e complexo frente às particularidades<br />

da evolução neurológica. Por isso, é de fundamental<br />

importância que o terapeuta ocupacional<br />

inicie sua intervenção o mais precocemente<br />

possível (TEIXEIRA, 2003).<br />

O planejamento terapêutico deve ser individualizado,<br />

a partir das necessidades de cada<br />

indivíduo, como ressalta Camargo (2003, p.117).<br />

Pessoas nascidas normais, que tenham<br />

seu cérebro lesado ao longo da infância,<br />

adolescência ou idade adulta, podem<br />

apresentar seqüelas variadas em decorrência<br />

do tipo, localização e extensão da<br />

lesão. São pacientes, em geral, muito diferentes<br />

entre si, o que exige da equipe<br />

de reabilitação um diagnóstico preciso<br />

das incapacidades físicas, cognitivas e<br />

emocionais e um plano de tratamento<br />

individualizado e flexível.<br />

*<br />

Acadêmico do 6º semestre do curso de Terapia Ocupacional<br />

da UNAMA e Monitor da Disciplina Terapia Ocupacional<br />

Aplícada á Neurologia.<br />

1<br />

Artigo elaborado sobre a orientação da profª Ms Rogeria<br />

Pimentel de Araujo Monteiro.<br />

213<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 213-217, jun. 2011


A terapia Ocupacional poderá intervir<br />

junto a esse paciente, buscando resgatar seu<br />

papel ocupacional através do desenvolvimento<br />

de atividades humanas com base em sua situação<br />

neuropsicomotora, avaliando e intervindo<br />

em tais aspectos como: tônus, equilíbrio, marcha,<br />

coordenação motora global, postura, atenção,<br />

concentração, raciocínio etc.; e, principalmente,<br />

os aspectos que irão interferir diretamente<br />

nas atividades de vida diária e instrumental<br />

desse cliente.<br />

É por tudo isso que, focalizamos no presente<br />

artigo a intervenção da terapia ocupacional<br />

no processo de reabilitação de pessoas acometidas<br />

por sequela de TCE, visando a uma melhor adaptação<br />

da mesma ao convívio social, rotina diária,<br />

superando, gradativamente, suas limitações.<br />

2 METODOLOGIA<br />

O estudo possui caráter qualitativo. O re<strong>lato</strong><br />

da pesquisa tem como base um estudo de<br />

caso envolvendo um paciente atendido na Clinica<br />

Escola de Terapia Ocupacional da Universidade<br />

da Amazônia - <strong>Unama</strong>, Os atendimentos tiveram<br />

duração de quatro meses, iniciado em setembro<br />

e finalizados em dezembro de 2010. Foram realizados<br />

através da prática da disciplina de Terapia<br />

Ocupacional Aplicada à Neurologia. Objetivouse<br />

atendimentos voltados à reabilitação neurológica,<br />

com a utilização de atividades e recursos<br />

adaptados para a mesma, Os modelos de referência<br />

da terapia ocupacional, utilizados foram<br />

Neuroevolutivo e da Ocupação Humana.<br />

3 DISCUSSÃO TEMÁTICA<br />

3.1 O QUE É TRAUMATISMO CRÂNIOENCEFÁLICO<br />

(TCE)?<br />

Segundo Ribas, Gherpelli e Manreza<br />

(1996) Traumatismo Crânioencefálico (TCE) é<br />

qualquer agressão de ordem traumática que acarreta<br />

lesão anatômica ou comprometimento funcional<br />

do couro cabeludo crânio, meninges, encéfalo<br />

ou dos seus vasos.<br />

Ainda de acordo com os autores supra<br />

citados, ao sofrer um TCE, o conteúdo intracraniano<br />

pode se encontrar parado ou estar efetivando<br />

três tipos de deslocamentos, que são os<br />

movimentos de translação, angulação e rotação,<br />

e é submetido a dois tipos básicos de efeitos de<br />

aceleração-desaceleração. A combinação destes<br />

dois efeitos traumáticos sobre o segmento encefálico<br />

vem causar lesões através de diferentes<br />

mecanismos, a saber:<br />

a) O mecanismo que causa lesões através do<br />

próprio impacto direto, denominado golpe;<br />

b) O contragolpe, responsável por lesões diametralmente<br />

opostas ao local do traumatismo,<br />

causados pelo deslocamento encefálico;<br />

c) O mecanismo de impacto que ocorre entre as<br />

estruturas intracranianas menos e mais fixas<br />

devido aos diferentes deslocamentos, visto<br />

que os locais de maior atrito e impacto interno<br />

são as das fossas temporais e frontais, a<br />

asa maior e menor do osso esfenoide, o clives,<br />

a porção petrosa do osso temporal, a foice<br />

e o bordo livre do tentóreo; sobre essas<br />

estruturas se chocam as terminações nervosas<br />

e vasculares com elas relacionadas.<br />

Além desses mecanismos, devemos lembrar<br />

também o aumento súbito da pressão intracraniana<br />

consequente ao comprometimento<br />

da drenagem venosa, mas compressões jugulares<br />

e da veia cava superior.<br />

4 CAUSAS DO TRAUMA<br />

Segundo Radomski (2008) A maior causa<br />

de TCE está nos acidentes com veículos motorizados,<br />

com o maior índice de mortalidade e morbidade<br />

para o condutor, com maior frequência, pessoas<br />

do sexo masculino. Quedas são as segundas<br />

causas mais comum da lesão, atingindo em maior<br />

quantidade pessoas da terceira idade. E em ter-<br />

214<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 213-217, jun. 2011


ceiro lugar está a violência entre indivíduos, que<br />

pode ser gerada por brigas em particular ou abuso<br />

do álcool pode entrar em questão.<br />

Importante ressaltar a ocorrência de TCE<br />

nas diferentes áreas de trabalho, acidentes ou<br />

quedas são parcialmente frequentes nesse âmbito,<br />

principalmente quando não apresenta qualidade<br />

e salubridade na área de trabalho.<br />

5 QUADRO CLÍNICO<br />

5.1 TIPO DE TCE:<br />

Segundo Radomski (2008) o TCE pode ser<br />

classificado em três tipos:<br />

Severo: Perda da consciência por aproximadamente<br />

seis horas; pontuação inicial na escala de<br />

coma de Glasgow de em média 8 ou menos.<br />

Moderado: Pontuação de inicio com 9 a 12 na<br />

escala de coma de Glasgow. Amnésia pós-traumática<br />

de 1 a 24 horas (BOND, 1990).<br />

Leve: Distúrbio funcional de fisiológico do cérebro,<br />

induzido pelo trauma, tal como manifestado<br />

por ao menos em um dos seguintes sintomas:<br />

Em qualquer período há perda da consciência,<br />

memória e atenção para a utilização de<br />

atividades imediatas, déficit neurológico focal<br />

podendo ser ou não transitório.<br />

A escala de Glasgow pode ser utilizada para classificação<br />

do TCE, conforme respostas dos níveis de<br />

sequelas apresentadas pelo paciente (tabela 1).<br />

6 A ATUAÇÃO DO TERAPEUTA OCUPACIONAL<br />

Fischer e kakisaka (2003) ressaltam que<br />

o método da T.O para tratar o paciente com TCE<br />

se dá partir de três momentos: no primeiro busca-se<br />

o “Despertar”, termo usado visto que nessa<br />

fase o paciente apresenta pouca ou nenhuma<br />

resposta motora e passa a maior parte do tempo<br />

deitado. Seu posicionamento adequado no leito<br />

e, quando possível, também na cadeira de<br />

rodas, é essencial e tem como objetivos: manu-<br />

Tabela 1 - Escala de coma de Glasgow<br />

Escore<br />

Resposta<br />

4 Espontânea<br />

3 Ao estímulo verbal<br />

2 Ao estímulo doloroso<br />

1 Ausente<br />

6<br />

5<br />

4<br />

3<br />

2<br />

1<br />

5<br />

4<br />

3<br />

2<br />

1<br />

Obedece comando<br />

Localizador<br />

Retirada ao estímulo doloroso<br />

Flexão ao estímulo doloroso<br />

(postura decorticada)<br />

Extensão ao estímulo doloroso<br />

(postura descerebrada)<br />

Ausente<br />

Orientado<br />

Confuso<br />

Palavras inapropriadas<br />

Sons inespecíficos<br />

Ausente<br />

Abertura ocular<br />

Melhor resposta motora<br />

Melhor resposta verbal<br />

Resposta modificada para lactentes<br />

Espontânea<br />

Ao estímulo verbal<br />

Ao estímulo doloroso<br />

Ausente<br />

Movimentação espontânea<br />

Localizador (retirada ao toque)<br />

Retirada ao estímulo doloros<br />

Flexão ao estímulo doloroso<br />

(postura decorticada)<br />

Extensão ao estímulo doloros<br />

(postura descerebrada)<br />

Ausente<br />

Balbucia<br />

Choro irritado<br />

Choro à dor<br />

Gemido à dor<br />

Ausente<br />

TCE severo (escore Glasgow: 3-8); TCE moderado (escore Glasgow: 9-12); TCE leve (escore Glasgow: 13-15).<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 213-217, jun. 2011<br />

215


tenção, prevenção de úlceras de pressão, deformidades,<br />

contraturas e melhoria da capacidade<br />

respiratória. No segundo momento objetiva-se<br />

“Adequar”, que se caracteriza pela adequação<br />

do paciente às atividades da vida diária, de acordo<br />

com os déficits cognitivos evidentes. A seleção<br />

de atividades apropriadas a essa fase deve<br />

considerar, além do quadro motor, os possíveis<br />

déficits cognitivos e a característica do paciente<br />

nesse momento, a agitação e/ou confusão. No<br />

terceiro momento, o “Reorganizar”, os objetivos<br />

da terapia ocupacional são, entre outros, diminuir<br />

gradativamente a estrutura externa do<br />

ambiente do paciente e aumentar sua participação<br />

nos cuidados pessoais, além do estabelecimento<br />

de uma postura simétrica com a distribuição<br />

de peso, utilização dos diferentes métodos<br />

para a adequação de tônus, integração de<br />

hemicorpos durante a realização das atividades,<br />

e introdução de experiência sensorial normal.<br />

Nessa fase, os exercícios poderão ser direcionados<br />

de acordo com o interesse do paciente<br />

em ritmos , quando possível, mantendo todas as<br />

suas atividades anteriores ao acidente. Para que<br />

isso ocorra, é imprescindível que o terapeuta solicite,<br />

ao máximo, a participação do paciente e da<br />

família, questionando seus objetivos e anseios.<br />

7 ESTUDO DE CASO<br />

Senhor W.S. 58 anos, sexo masculino, ex<br />

pedreiro (mestre de obra) apresenta sequelas<br />

de traumatismo crânio encefálico, tais como: hemiplegia<br />

e hemiparesia no lado esquerdo do<br />

corpo, dificuldade na marcha e alteração no tônus<br />

muscular (hipertonia). O trauma ocorreu no<br />

ano de 2003 em um acidente de trabalho, caiu<br />

sobre a sua cabeça uma placa de metal, W. no<br />

momento não perdeu a consciência apenas sentiu<br />

dor no local atingido e um inchaço no mesmo.<br />

Após um ano o paciente sentiu intensa dor<br />

na cabeça e procurou um pronto atendimento,<br />

após exames foi diagnosticado como TCE levefechado,<br />

com um tipo intenso de hematoma intracerebral.<br />

Houve a necessidade de processo<br />

cirúrgico de craniotomia com drenagem de hematoma<br />

intracerebral. Após sete dias o paciente<br />

recebeu alta médica, em seguida iniciaram os<br />

efeitos secundários do TCE já mencionados anteriormente.<br />

As sequelas aparentes no senhor<br />

W. interferiram no seu desempenho ocupacional,<br />

autonomia e independência o que influenciou<br />

totalmente na mudança da sua performance<br />

ocupacional, o usuário parou de trabalhar<br />

devido suas limitações funcionais, sobrevivendo<br />

apenas com uma bolsa auxílio do governo. As<br />

queixas do senhor W. referiam-se a alteração<br />

do tônus no MS e dificuldades na marcha, influenciando<br />

em suas AVD e AIVDS como: arrumação<br />

da casa de forma mais ágil, lavar as roupas, e<br />

principalmente no preparo de seu próprio alimento.<br />

“Quero poder cortar direito uma carne e<br />

preparar um bife”; “Quero cortar direito o meu<br />

pão no café da manhã”, disse o usuário.No ano<br />

de 2010 senhor W. procurou o serviço de terapia<br />

ocupacional da clínica escola da Universidade da<br />

Amazônia – <strong>Unama</strong>, onde foi realizado uma anamnese<br />

e uma avaliação. Diante disso gerou-se<br />

um plano de tratamento voltado as principais<br />

necessidades do usuário. Inicialmente objetivouse<br />

um tratamento mais global das funções interrompidas<br />

do cliente para depois passar para partes<br />

mais específicas das funções. Foi trabalhada<br />

a força muscular, a amplitude de movimento, a<br />

normalização de tônus, a adequação postural e<br />

a marcha, a sensibilidade (ver figuras 1 e 2) e os<br />

aspectos psicoemocionais para a melhor aceitação<br />

da perda de identidade laboral. Foram utilizados<br />

para esse tratamento inicial recursos da<br />

cinesioatividade como aramados, encaixes e<br />

massa terapêutica para trabalhar a coordenação<br />

motora, amplitude de movimento e força muscular,<br />

também utilizado atividade lúdico-expressiva<br />

para aspectos emocionais. Após evoluções<br />

do tratamento inicial, seguiu-se com especificidades<br />

maiores como realização de circuitos psicomotores<br />

(utilizando escada, bambolês, cones<br />

e bolas), alongamento corporal e treino de ati-<br />

216<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 213-217, jun. 2011


vidade da vida diária e instrumental da vida diária.<br />

Diante do descrito, após um mês de atendimento<br />

visualizou-se a adequação da marcha<br />

(trabalho com o circuito psicomotor nas escadas<br />

da clínica), a normalização do tônus no<br />

MMSS esquerdo, onde sentia mais dificuldade<br />

para as realizações das atividades, pois mesmo<br />

o usuário sendo destro, o braço e mão auxiliadores<br />

não ‘’funcionavam’’ ou eram “esquecidos”<br />

pelo mesmo, com o trabalho da normalização<br />

de tônus o membro superior esquerdo<br />

voltou a ser mais ativo em atividades, trabalhou-se<br />

também o tronco através de atividades<br />

com a bola suíça e o MIE, gerando melhor<br />

mobilidade e favorecendo a marcha (trabalhado<br />

com o circuito psicomotor e alongamento),<br />

reduzindo as sequelas da hemiplégica. Após o<br />

feedback da reabilitação neuromotora do paciente,<br />

visto a melhora em seu padrão tônico,<br />

postural e da marcha, foi designado para a finalização<br />

dos atendimentos do semestre o treino<br />

de atividades da vida diária e instrumentais da<br />

vida diária (AVD & AIVD) percebendo assim no<br />

usuário o melhor desempenho para estas atividades<br />

após os meses corridos de atendimento.<br />

Foi proposto no laboratório de AVD o treino<br />

de AVD e AIVD através da organização da cozinha<br />

para a realização da atividade, separação<br />

de materiais para o preparo do alimento, o preparo<br />

propriamente dito do alimento, finalização<br />

do produto (alimento, nesse caso foram<br />

biscoitos) e por último lavar louças, conforme<br />

ilustra as figuras 3 e 4. Verificou-se que as atividades<br />

propostas tiveram fim totalmente satisfatório,<br />

demonstrando que o senhor W. superou<br />

suas limitações em cada etapa finalizada<br />

dos passos do tratamento, garantindo assim cada<br />

vez mais autonomia e independência para uma<br />

melhor qualidade de vida e suprindo, assim, de<br />

forma positiva suas principais queixas. Os resultados<br />

do tratamento do senhor W. Comprovaram<br />

que pacientes com sequelas de TCE podem<br />

paralisar ou eliminar limitações neurofuncionais<br />

causadas por traumas cranianos.<br />

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Diante do exposto, podemos concluir<br />

que a intervenção precoce e um acompanhamento<br />

terapêutico ocupacional contínuo constituem<br />

uma grande contribuição no desenvolvimento<br />

da reabilitação da pessoa vítima de traumatismo<br />

crânioencefálico (TCE), já que o objetivo do<br />

tratamento concentra-se em minimizar o aparecimento<br />

de possíveis sequelas ou a eliminação<br />

delas, se não tratadas precoce e adequadamente,<br />

poderão impor a pessoa a uma limitação maior,<br />

diminuindo sua capacidade motora, funcional<br />

e cognitiva e dificultando sua autonomia nas<br />

AVDs e AIVDs.<br />

REFERÊNCIAS<br />

CAMARGO, Cristiane Isabela de Almeida. Traumatismo<br />

Cranioencefálico. In: TEIXEIRA, et al.<br />

Terapia ocupacional na reabilitação física. São<br />

Paulo: Roca, 2003. p.117-125.<br />

CAVALCANTI, Alessandra; GALVÃO, Claudia. Terapia<br />

ocupacional: fundamentação e prática. Rio<br />

de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007.<br />

FISCHER, Ana Luiza e KAKISAKA, Suely Massami.<br />

Traumatismo Cranioencefálico. In TEIXEIRA,<br />

et al. Terapia ocupacional na reabilitação física.<br />

São Paulo: Roca, 2003. p.551-564.<br />

RIBAS, Gherpelli ; MANREZA . Neurologia<br />

para fisioterapeutas. São Paulo: editora Ateneus,<br />

1996.<br />

TEIXEIRA, et al. Terapia ocupacional na reabilitação<br />

física. São Paulo: Roca, 2003. 571 p.<br />

TROMBLY, Catherine A. RADOMSKI, Mary<br />

Vining.Terapia ocupacional para disfunções<br />

físicas.[s.L]: Livraria Santos, 2005 e 2008.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 213-217, jun. 2011<br />

217


218 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 2, p.179-184, nov. 2010


TRATAMENTO TERAPÊUTICO OCUPACIONAL<br />

JUNTO À CRIANÇA AUTISTA: ESTUDO DE CASO 1<br />

Elaine de Cássia Souza de Aviz *<br />

Bruna Ferreira Ramos **<br />

RESUMO<br />

O autismo infantil é um transtorno global do desenvolvimento e se caracteriza por uma<br />

alteração no DNPM (Desenvolvimento Neuropsicomotor), na linguagem, dificuldades nas<br />

interações sociais, a falta de contato visual, entre outros. O diagnóstico é realizado através<br />

da observação da criança e informação dos pais ou familiares e o tratamento envolve uma<br />

equipe interdisciplinar e dentre os profissionais destaca-se o terapeuta ocupacional. Objetivou-se<br />

com esta pesquisa verificar a eficácia do brincar como recurso terapêutico ocupacional<br />

junto à criança com provável diagnóstico de autismo. A metodologia adotada foi<br />

o re<strong>lato</strong> de caso de uma criança de 6 anos, sexo feminino, acompanhada na Clínica de<br />

Terapia Ocupacional da UNAMA (Universidade da Amazônia). O tratamento baseou-se<br />

nos modelos Neurodesenvolvimental e Lúdico. Concluiu-se que o brincar revelou-se uma<br />

importante ferramenta terapêutica para a criança, favorecendo a evolução dos aspectos<br />

cognitivos e a interações sociais.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Autismo. Terapia Ocupacional. Brincar.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Quando uma criança nasce, toda mãe espera<br />

que seu bebê tenha um desenvolvimento<br />

normal. Começa pelo engatinhar, andar, falar, reconhecer<br />

seus familiares e brincar. Entretanto, o<br />

que fazer quando essa criança apresenta comportamentos<br />

diferentes? Tais como: não interage com<br />

nenhuma criança, não fala ou tem uma linguagem<br />

restrita, age como se fosse surda e fica isolada.<br />

Estes sintomas podem ser de autismo.<br />

Segundo a Classificação Estatística Internacional<br />

de Doenças – CID-10, o autismo infantil<br />

“é um transtorno global do desenvolvimento caracterizado<br />

por um desenvolvimento anormal ou<br />

*<br />

Acadêmica do 6º semestre do curso de Terapia Ocupacional<br />

e monitora da disciplina de Terapia Ocupacional aplicada à<br />

Reabilitação.<br />

**<br />

Acadêmica do 6º semestre do curso de Terapia Ocupacional<br />

e ex-monitora das disciplinas de: Fundamentos da Terapia<br />

Ocupacional e Neuroanatomia e Neurofisiologia.<br />

¹ Artigo orientado pela professora Ms. Rogéria Pimentel de<br />

Araújo, docente do curso de Terapia Ocupacional da<br />

Universidade da Amazônia.<br />

219<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 219-223, jun. 2011


alterado da criança, manifestado antes dos três<br />

anos de idade, apresentando uma perturbação<br />

característica do funcionamento em cada um dos<br />

domínios seguintes: interações socias, comunicação,<br />

comportamento focalizado e repetitivo”. É<br />

importante que a mãe ou o cuidador fiquem atentos<br />

a qualquer manifestação que a criança apresente<br />

ao longo de seu desenvolvimento.<br />

Na fase lactente, existem, com frequência,<br />

a falta de contato visual, relações deficientes<br />

com indivíduos – chaves, e dificuldade com a<br />

reciprocidade do relacionamento social (WI-<br />

LIARD & SPACKMAN, 2008). No desenvolver da<br />

idade, a criança permanece com algumas características<br />

da fase lactente e outras vão surgindo.<br />

A Autism Society of American (ASA) relata<br />

alguns sintomas que as crianças autistas apresentam:<br />

1. Falta ou atraso na linguagem falada;<br />

2. O uso repetitivo da linguagem motora e/ou<br />

maneirismo (por exemplo, bater as mãos, girando<br />

objetos);<br />

3. Pouco ou nenhum contato com os olhos;<br />

4. Falta de interesse nas relações entre colegas;<br />

5. Falta de jogo espontâneo ou faz de conta;<br />

6. Persistente fixação em partes de objetos.<br />

O Manual de Diagnóstico e Estatístico da<br />

Perturbação Mental (DSM – IV) apresenta como<br />

características diagnósticas essenciais para o autismo<br />

infantil a presença do desenvolvimento anormal<br />

na interação social com outras crianças ou até<br />

os irmãos, na comunicação e um repertório restrito<br />

nas atividades e interesses. É relevante salientar<br />

que não há exames laboratoriais para se diagnosticar<br />

o autismo. O diagnóstico é realizado na<br />

observação da criança e informação que os pais ou<br />

familiares relatam ao médico responsável.<br />

Segundo Kupertein apud Nobre (2009),<br />

o autismo muitas vezes é confundido com outras<br />

doenças como Esquizofrenia, Transtorno de<br />

Asperger, Transtorno Desintegrativo da Infância,<br />

entre outros. Há, na realidade, condições que<br />

podem estar associadas ao autismo que levam<br />

ao diagnóstico equivocado, por exemplo, acessos<br />

de raiva, agitação, agressividade, autoagressão,<br />

catatonia, déficit de atenção, déficit auditivo,<br />

hidrocefalia, epilepsia, irritabilidade, hiperatividade,<br />

entre outros.<br />

A causa do autismo ainda não é definida.<br />

Kupertein apud Nobre (2009) relata que estudos<br />

demonstram que fatores biológicos, embora<br />

ainda não exista um marcador biológico específico,<br />

estão implicados na etiologia do transtorno<br />

autista. Os fatores genéticos também aparecem<br />

com papel importante para a causa do autismo,<br />

ou seja, surge através de multifatores.<br />

Já Bettelheim apud Amy (1995) traz a seguinte<br />

hipótese de que a criança encontra no<br />

isolamento austístico o único recurso possível a<br />

uma experiência intolerável do mundo exterior,<br />

experiência negativa vivida muito precocemente<br />

em sua relação com a mãe e seu ambiente<br />

familiar.<br />

O autismo é um distúrbio permanente e,<br />

embora muitos permaneçam gravemente incapacitados,<br />

cerca de um terço dos indivíduos com<br />

autismo é capaz de alcançar nível de independência<br />

pessoal e ocupacional (WILIARD & SPA-<br />

CKMAN, 2008). A demora no processo de diagnóstico<br />

e aceitação é prejudicial ao tratamento,<br />

uma vez que identificação precoce deste transtorno<br />

global do desenvolvimento permite um<br />

encaminhamento adequado e influencia significativamente<br />

na evolução da criança. Já que o<br />

autismo não tem cura. Portanto, para tratar uma<br />

criança autista é necessário, primeiramente, ter<br />

o diagnóstico concluído o mais precocemente<br />

para melhores resultados durante o tratamento.<br />

Uma equipe multidisciplinar composta por<br />

Psicólogo, Neurologista, Fonoaudiólogo, Terapeuta<br />

Ocupacional, Pedagogo, é essencial para<br />

o tratamento da criança autista. Aqui, neste trabalho,<br />

vamos destacar o papel do Terapeuta<br />

Ocupacional para proporcionar um desenvolvimento<br />

adequado da criança autista, assim como<br />

uma vida independente.<br />

220 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 219-223, jun. 2011


De acordo com Érika Nobre (2009) a terapia<br />

ocupacional é uma profissão da área da saúde que<br />

trabalha com os déficits físicos, mentais (transtornos<br />

psíquicos e cognitivos) e sociais, através do uso<br />

da atividade humana. O papel do terapeuta ocupacional<br />

é o de proporcionar ao paciente o máximo<br />

nível de independência e funcionalidade, para<br />

que este não seja excluído da sociedade.<br />

Uma das ferramentas de intervenção do<br />

terapeuta ocupacional é o brincar. A brincadeira é<br />

um ato natural e necessário para o desenvolvimento<br />

e funcionamento saudável da criança, tendo função<br />

importante na formação do ser humano como<br />

um todo (LIMA, 2009). A partir da brincadeira que a<br />

criança começa a perceber o mundo e a si mesma,<br />

isto é, a estimular os seus aspectos cognitivos e a<br />

noção de esquema e imagem corporal.<br />

Desta forma, segundo Mota (2004), usando<br />

como recurso o brinquedo e o brincar, os Terapeutas<br />

Ocupacionais estarão contribuindo para<br />

estimular as habilidades da criança, promovendo<br />

seu desenvolvimento, melhorando o convívio em<br />

sociedade, tornando-a independente e capaz de<br />

adquirir e assimilar novos conhecimentos, formando<br />

adultos equilibrados e capazes de construir uma<br />

sociedade mais harmoniosa e saudável.<br />

Logo, no tratamento de crianças autistas,<br />

o terapeuta ocupacional deve primeiramente<br />

realizar uma avaliação para verificar o grau de<br />

comprometimento da criança autista. É necessária<br />

a presença dos pais para relatar o comportamento<br />

da criança em casa, na escola e sua relação<br />

com amigos e família. Em seguida, o recurso<br />

terapêutico ocupacional utilizado é a brincadeira,<br />

cujo objetivo é estimular a socialização<br />

com outras crianças e/ou familiares, trabalhar<br />

os aspectos cognitivos (atenção, concentração,<br />

memória, entre outros), os aspectos motores, a<br />

percepção espacial e temporal.<br />

2 OBJETIVO<br />

Verificar a eficácia do brincar como recuso<br />

terapêutico ocupacional junto à criança com<br />

provável diagnóstico de autismo.<br />

3 ESTUDO DE CASO<br />

G.R.C, 6 anos, sexo feminino, sem diagnóstico<br />

estabelecido, residente com a avó materna.<br />

Foi encaminhada para avaliação e acompanhamento<br />

terapêutico ocupacional com queixa de dificuldade<br />

de atenção. De acordo com a avaliação<br />

psicomotora realizada, a paciente apresentava tônus<br />

normal, equilíbrio dinâmico pouco comprometido<br />

e o estático normal. Não apresentava noção<br />

de esquema e imagem corporal, nem orientação<br />

espaço-temporal. A lateralidade também estava<br />

comprometida. Não se observou alteração de dissociação<br />

motora nem da praxia global ou fina. Em<br />

relação aos aspectos comportamentais, a paciente<br />

apresentava pouca tolerância nas atividades e não<br />

possuía limites. No aspecto perceptivo, G.R.C. exibia<br />

déficit auditivo leve à direita e moderado à esquerda.<br />

Os aspectos cognitivos encontravam-se<br />

comprometidos. Nas Atividades de Vida Diária<br />

(AVD), a paciente mostrava-se dependente na higiene,<br />

vestuário e comunicação, porém independente<br />

na alimentação. A partir do comportamento<br />

da criança no decorrer das sessões de avaliação e<br />

na comparação com a literatura, chegou-se a um<br />

diagnóstico provável de autismo, solicitou-se assim<br />

avaliação com um neuropediatra a confirmação<br />

diagnóstica.<br />

4 METODOLOGIA<br />

A pesquisa seguiu a estratégia de revisão<br />

de literatura, análise comparativa entre o<br />

conteúdo e a intervenção terapêutica ocupacional<br />

e os resultados alcançados com os atendimentos<br />

da terapia ocupacional.<br />

As atividades que foram desenvolvidas<br />

com a paciente tiveram como embasamento teórico<br />

os modelos Neurodesenvolvimental e lúdico<br />

segundo Hagedorn (2003). Foi utilizado<br />

como referencial teórico Francisco (2001) com o<br />

modelo Humanista.<br />

Os atendimentos foram realizados na Clínica<br />

de Terapia Ocupacional da UNAMA (CLIN-<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 219-223, jun. 2011 221


TO). Realizaram-se atendimentos de forma individual<br />

e o número de sessões realizadas foram<br />

7 do total de 10. Os recursos humanos foram<br />

acadêmicas de terapia ocupacional e a terapeuta<br />

ocupacional. Os recursos físicos utilizados foram<br />

os laboratórios de Psicomotricidade e Recursos<br />

Terapêuticos. Os recursos materiais foram<br />

papel A4, cartolina, tinta, espelho, pincel,<br />

canetinha, bambolê, bola, jogos de imagem e<br />

esquema corporal, entre outros.<br />

5 RESULTADOS<br />

No início das sessões de Terapia Ocupacional,<br />

a paciente chegava a CLINTO agitada e<br />

não respondia aos comandos das acadêmicas.<br />

As primeiras atividades propostas tiveram com<br />

objetivo estimular os aspectos cognitivos, através<br />

de jogos de memória, dominó e quebracabeça.<br />

Estas atividades não tiveram resultados<br />

satisfatórios, pois a paciente dispersavase<br />

com muita frequência, devido ter muitas<br />

pessoas no laboratório.<br />

Para trabalhar melhor a atenção, a concentração,<br />

a memória e o equilíbrio dinâmico<br />

da paciente optou-se por um espaço mais reservado.<br />

Logo, no laboratório de Psicomotricidade<br />

foi realizada uma atividade em forma<br />

de circuito. A atividade teve resultados satisfatórios,<br />

pois foi também estimulada a tolerância<br />

da criança (esperar sua vez, iniciar e<br />

concluir a atividade). Ela respondeu aos comandos<br />

e cumpriu as regras.<br />

Um dos atendimentos teve como propósito<br />

trabalhar a coordenação motora fina da paciente<br />

e a concentração, através do ábaco de agulhas,<br />

em que ela teve que encaixar um cadarço<br />

nos seus respectivos orifícios no corpo de um peixe.<br />

Ela realizou com sucesso essa atividade.<br />

Em um dos trabalhos expressivos, foi utilizada<br />

tinta, pincel e o espelho para trabalhar a<br />

percepção da paciente. A paciente, durante a<br />

realização da atividade, mostrava-se concentrada,<br />

motivada e alegre. Uma das ultimas sessões<br />

da paciente, a qual a tarefa também era expressiva,<br />

foi utilizado canetinhas e papel A4, a paciente<br />

estava calma e desenhava de forma livre.<br />

Esse trabalho foi muito gratificante, pois se observou<br />

um bom feedback.<br />

Através dos atendimentos, foi possível<br />

verificar algumas evoluções, entre elas estão:<br />

aumento da tolerância e respostas aos comandos<br />

e melhora no nível de atenção e concentração.<br />

6 DISCUSSÃO<br />

De acordo com as bibliografias referentes<br />

à Terapia Ocupacional uma das ferramentas<br />

do Terapeuta Ocupacional é o brincar, (LIMA,<br />

2009). E devido a um provável diagnóstico de<br />

autismo, segundo a avaliação da paciente, utilizou-se<br />

o brincar como recurso para os atendimentos<br />

da criança e a partir da brincadeira observou-se<br />

o desenvolvimento da percepção da<br />

criança diante de si mesma e do ambiente externo,<br />

estimulando, assim, seus aspectos cognitivos<br />

e noção de esquema e imagem corporal.<br />

A partir desta referência e dos resultados<br />

mostrados no estudo de caso comprovou-se<br />

que o brincar mostrou-se uma ferramenta terapêutica<br />

ocupacional muito importante, e que<br />

apesar de terem ocorrido poucos atendimentos,<br />

os aspectos cognitivos (atenção, concentração,<br />

memória) alterados foram resgatados e até mesmo<br />

estimulados, obtendo-se assim um bom desempenho<br />

para buscar, posteriormente, autonomia<br />

e independência.<br />

7 CONCLUSÕES<br />

Concluiu-se que o tratamento da Terapia<br />

Ocupacional, ainda que a curto prazo, mostrouse<br />

eficaz junto a paciente com provável diagnóstico<br />

de autismo, favorecendo a melhora da tolerância<br />

e dos aspectos cognitivos, dando ênfase<br />

a importância do brincar que, tornou-se o<br />

principal instrumento de trabalho nos atendimento<br />

realizados.<br />

222 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 219-223, jun. 2011


REFERÊNCIAS<br />

AMY, M. D. Enfrentando o autismo. Rio de Janeiro:<br />

Ateneus, 1995. Cap. 4, p.53.<br />

ASA (Autism Society of American) 1978. Disponível<br />

em: www.autismo,com.br. Acesso em: 4 nov. 2010.<br />

Classificação Internacional de Doenças - CID 10. Lista<br />

CID 10. Disponível em: www.medicinaneti.com.br/<br />

cid10. Acesso em: 4 nov. 2010.<br />

FRANCISCO, B.R. Terapia ocupacional. 2.ed. São<br />

Paulo: Papirus, 2001.<br />

HAGEDORN, R. Fundamentos para a prática em<br />

terapia ocupacional. 3. ed. São Paulo: Editora<br />

Rocco, 2003.<br />

LIMA, E. A. B. A terapia ocupacional e o brincar,<br />

2009. Disponível em: www.alumiar.com/saudev.<br />

Acesso em: 8 nov. 2010.<br />

Manual de Diagnóstico e Estatístico da Perturbação<br />

Mental (DSM – IV). Disponível em:<br />

www.autismo.com.br. Acesso em: 4 nov. 2010.<br />

MOTTA,A. Para a terapia ocupacional o brincar é coisa<br />

séria, 2004. Disponível em: www.andreiamota.com/<br />

brincar.html. Acesso em: 8 nov. 2010.<br />

NOBRE, E. Terapia ocupacional, 2009. Disponível<br />

em: www.terapeutaocupacional.com.br/definicao.<br />

Acesso em: 8 nov. 2010.<br />

WILIARD & SPACKMAN. Terapia ocupacional - Autismo.<br />

Guanabara Koogan: Rio de Janeiro, 2008.<br />

p.589 e 590.<br />

YASKO, A. Autismo e tratamento médico, 2008.<br />

Disponível em: www.sites.google.com. Acesso<br />

em: 9 nov. 2010.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 219-223, jun. 2011 223


224


AVALIAÇÃO DA ESTRUTURA FÍSICA E IMPLEMENTAÇÃO DAS<br />

BOAS PRÁTICAS EM UNIDADES DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO:<br />

REVISÃO DE LITERATURA 1 Aline Baldo *<br />

RESUMO<br />

Introdução: A Unidade de Alimentação e Nutrição (UAN) é o local de trabalho ou órgão de<br />

uma empresa, que tem como finalidade o desempenho de atividades relacionadas à alimentação<br />

e nutrição, independente da situação na escala hierárquica ocupada na empresa.<br />

Objetivo: Realizar uma revisão de literatura para avaliar as condições físicas das edificações<br />

e instalações de várias UAN’s, assim como a execução das Boas Práticas nos estabelecimentos<br />

a fim de verificar o nível de Não-Conformidades e Conformidades apresentadas pelos<br />

estabelecimentos. Metodologia: Foi realizado um levantamento bibliográfico, através de<br />

pesquisas nas bibliotecas da Universidade da Amazônia (UNAMA) e virtuais . Conclusão:<br />

Assim, constatou-se que as UAN’s revisadas apresentam áreas em condições insatisfatórias,<br />

não atendendo as legislações vigentes necessitando de manutenções e reformas. Contudo,<br />

verifica-se que há um esforço por parte dos diretores da unidade, que se dedicam para<br />

realizar melhorias, superando as dificuldades encontradas.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Unidade de Alimentação e Nutrição. Edificações. Não conformidade. Boas<br />

Práticas<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Unidade de Alimentação e Nutrição<br />

(UAN) é uma unidade de trabalho ou órgão de<br />

uma empresa, que tem por finalidade desempenhar<br />

atividades relacionadas à alimentação e<br />

nutrição. A mesma, de acordo com, é responsável<br />

por fornecer alimentos com boas qualidades<br />

nutricionais, sensoriais e higiênico-sanitárias<br />

(ANTUNES, 2006; TEIXEIRA et al., 2004).<br />

A UAN deve fornecer uma refeição equilibrada<br />

nutricionalmente, que apresente um bom<br />

nível de higiene sendo adequada ao comensal,<br />

deve ainda, satisfazê-lo quanto ao serviço oferecido,<br />

desde o ambiente físico, incluindo tipo, convivência<br />

e condições de higiene de instalações e<br />

equipamentos disponíveis (PROENÇA, 1996).<br />

O planejamento físico de uma UAN é importante<br />

tanto na questão econômica, como na<br />

funcionalidade da cozinha, pois evita cruzamen-<br />

*<br />

Acadêmica do curso de Nutrição da Universidade da<br />

Amazônia (UNAMA).<br />

1<br />

Artigo elaborado sob orientação da profa. Msc. Pilar Moraes,<br />

docente do curso de Nutrição UNAMA/CCBS.<br />

225<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 225-233, jun. 2011


tos desnecessários de gêneros alimentícios e<br />

funcionários; má utilização de equipamentos ou<br />

a falta dos mesmos limitando o cardápio; localização<br />

desapropriada e falta de ventilação (TEI-<br />

XEIRA et al., 2004).<br />

As instalações são consideradas todas as<br />

redes que proporcionam uma infra-estrutura à<br />

UAN, para dispor de um espaço específico para<br />

armazenagem de alimentos, tendo que ser seguido<br />

alguns critérios como: localização, piso,<br />

paredes, forros e tetos, portas e janelas, iluminação,<br />

ventilação, instalações sanitárias, vestiários,<br />

lixo, esgotamento sanitário (SILVA, 2007).<br />

Segundo a RDC 216, devem possuir revestimento<br />

liso, impermeável e lavável. Sendo mantidos<br />

íntegros, conservados, livres de rachaduras,<br />

trincas, goteiras, vazamentos, infiltrações, bolores,<br />

descascamentos, dentre outros e não devem transmitir<br />

contaminantes aos alimentos (CVS, 2004).<br />

As normas e procedimentos para se atingir<br />

um determinado padrão de identidade e qualidade<br />

de um produto ou serviço são chamadas<br />

Boas Práticas de Fabricação (BPF), cuja eficácia e<br />

efetividade consistem em ser implementadas<br />

por meio do controle do Processo, e avaliadas<br />

por intermédio da inspeção e/ou da investigação<br />

(BRASIL, 1993).<br />

Para estabelecer e executar um plano de<br />

BPF em uma UAN, é indispensável que a estrutura<br />

física esteja de acordo com à legislação vigente<br />

(MONTE et al., 2004), onde a construção e<br />

reformas da área de produção e em outras áreas<br />

próximas devem estar baseadas no tamanho<br />

adequado e na especificação de equipamentos,<br />

móveis e utensílios (ARRUDA, 2002).<br />

2 JUSTIFICATIVA<br />

O alimento seguro é tema de suma importância<br />

na prevenção de Doenças Transmitidas<br />

por alimentos (DTA’s), o que gera ação de<br />

regulamentação para medidas de controle e prevenção,<br />

como as existentes para Unidades de<br />

Alimentação e Nutrição (UAN’s).<br />

Através da Revisão de Literatura, pretende-se<br />

avaliar a infraestrutura de UAN’s e se as<br />

mesmas seguem as Boas Práticas de Manipulação<br />

dentro dos estabelecimentos.<br />

Por isso este estudo vem a ser de grande<br />

contribuição em virtude da necessidade de produção<br />

e oferta de alimento seguro a população e<br />

da existência de legislação regulamentadora deste,<br />

é visível a importância de identificar as conformidades<br />

e não conformidades com a legislação<br />

nas unidades produtos de refeições para que<br />

se possa ter um cenário desta situação e poder<br />

pensar nas estratégias de melhorias para o setor.<br />

3 OBJETIVO<br />

Realizar uma revisão de literatura para<br />

avaliar as condições físicas das edificações e instalações<br />

de várias UAN’s e suas influências na<br />

execução das Boas Práticas.<br />

4 MATERIAIS E MÉTODOS<br />

Este estudo foi realizado através de um<br />

levantamento bibliográfico com pesquisas em<br />

bibliotecas virtuais e <strong>revista</strong>s científicas, acerca<br />

do assunto e livros da Biblioteca da Universidade<br />

da Amazônia.<br />

Foi feito uma busca bibliográfica encontrando<br />

10 artigos a cerca do tema, dos quais 3<br />

revelaram resultados de métodos de avaliação<br />

das Boas Práticas de Fabricação de Alimentos e<br />

infraestrutura de UAN’s, referentes a três cidades<br />

do Brasil.<br />

Foram utilizados livros também na busca<br />

de informações.<br />

5 REVISÃO DE LITERATURA<br />

5.1 ESTRUTURA FÍSICA E BOAS PRÁTICAS DE FA-<br />

BRICAÇÃO DAS UAN’s<br />

A ventilação, a temperatura e a umidade<br />

estão implicitamente interligadas. A ventilação<br />

226 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 225-233, jun. 2011


deve ser adequada para propiciar a renovação<br />

do ar, garantindo o conforto térmico. A circulação<br />

do ar deve ser assegurada por meios naturais<br />

ou por equipamentos devidamente direcionados,<br />

não sendo permitido uso de ventiladores<br />

nas áreas de processamento e manipulação<br />

de alimentos (TEIXEIRA et. al., 2004).<br />

Há também os fatores que proporcionam<br />

condições favoráveis ao ambiente de trabalho,<br />

como a localização, a configuração geométrica,<br />

o piso, as paredes e divisórias, as portas e janelas,<br />

os forros e tetos e as instalações. A melhor<br />

localização é no andar térreo, voltada para o nascente<br />

e em bloco isolado (TEIXEIRA et. al., 2004).<br />

Durante a produção, processamento e<br />

consumo dos alimentos podem ocorrer contaminações<br />

químicas e biológicas decorrentes das<br />

práticas inadequadas aumentando assim o risco<br />

da ocorrência de doenças transmitidas por alimentos<br />

(DTA) (PRAXEDES, 2003).<br />

5.1.1 Município de Duque de Caxias – RJ<br />

Todas as UANs no município de Duque de<br />

Caxias, RJ apresentaram não conformidades relacionadas<br />

à estrutura física, onde podemos observar<br />

falhas com relação ao cruzamento de áreas<br />

sujas e limpas apenas em uma UAN confrontando<br />

com o Centro de Vigilância Sanitária (CVS, 2004),<br />

que determina que a edificação e as instalações<br />

devem ser projetadas de forma a possibilitar um<br />

fluxo ordenado e sem cruzamentos em todas as<br />

etapas da preparação de alimentos e a facilitar as<br />

operações de manutenção, limpeza e, quando for<br />

o caso, desinfecção (SILVA, D. O. et. al., 2009).<br />

As outras três UANs não possuem assoalhos<br />

e paredes dentro daquilo que é preconizado<br />

pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária<br />

(ANVISA) que determina acabamento liso, impermeável,<br />

lavável, de cores claras, isento de<br />

fungos e em bom estado de conservação. E deve<br />

ter ângulo arredondado no contato com o piso e<br />

o teto (CVS, 1999). Não apresentam instalações<br />

sanitárias adequadas para higienização das mãos<br />

de acordo com a CVS (2004), que enfatiza a necessidade<br />

de produtos destinados à higiene pessoal<br />

tais como papel higiênico, sabonete líquido<br />

inodoro e produto anti-séptico e toalhas de papel<br />

não reciclado ou outro sistema higiênico e<br />

seguro para secagem das mãos (BRASIL, 1994).<br />

Com relação à limpeza e higienização dos<br />

utensílios é determinado que sejam distintos<br />

daqueles usados para higienização das partes dos<br />

equipamentos que entrem em contato com o<br />

alimento (CVS, 2004), o que não foi observado<br />

em uma das UANs.<br />

No controle de água somente foram observados<br />

não conformidade em duas UANs sendo<br />

que uma não utiliza água filtrada para a fabricação<br />

do gelo não estando de acordo com a ANVI-<br />

SA que determina que o gelo para utilização em<br />

alimentos deve ser fabricado com água potável<br />

de acordo com os Padrões de Identidade e Qualidade<br />

Vigentes (CVS, 1999). Já a outra não está de<br />

acordo com a legislação em vigor no que diz respeito<br />

à manutenção e higienização dos reservatórios<br />

de água, uma vez que as caixas d’água não<br />

são mantidas fechadas adequadamente, não existe<br />

um programa de limpeza dos reservatórios de<br />

água e não há monitorização e registro do teor de<br />

cloro d’água nos reservatórios.<br />

O reservatório de água deve estar isento<br />

de rachaduras, infiltrações e mantido sempre<br />

tampado, devendo ser limpo e desinfetado<br />

ao ser instalado, a cada seis meses e na ocorrência<br />

de acidente que possa contaminar a água<br />

(enchente, animais mortos, sujeira). (MAR-<br />

QUES, et.al., 2006).<br />

Foram observados não conformidades<br />

em todas as UANs estudadas no município,<br />

uma vez que estas não preconizam que os manipuladores<br />

devem lavar cuidadosamente as<br />

mãos ao chegar no trabalho, antes e após manipular<br />

alimentos, após qualquer interrupção<br />

do serviço, após tocar materiais contaminados,<br />

após usar os sanitários e sempre que fizer necessário,<br />

contradizendo as normas descritas<br />

na CVS (2004).<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 225-233, jun. 2011 227


5.1.2 Município de Fortaleza – CE<br />

Verificou-se que a unidade de alimentação<br />

e nutrição (UAN) localizada em Fortaleza-CE<br />

é bem organizada hierarquicamente, com direção<br />

e coordenação especializada (LIBERATO, K.<br />

B. L. et. al., 2008).<br />

Pode-se constatar que a UAN segue seu<br />

funcionamento em conformidade com a RDC<br />

nº216/2004 da ANVISA, sendo os Procedimentos<br />

Operacionais Padronizados (POP’s) de Higiene das<br />

Instalações Físicas realizadas frequentemente e<br />

de forma eficaz, por profissionais capacitados.<br />

Assim, o Manual de Boas Práticas tem sido aplicado<br />

na rotina da unidade (BRASIL, 2004).<br />

Quanto à localização, segue as recomendações<br />

de ABERC (2003), estando em um bloco isolado<br />

e no andar térreo, sendo considerado o ideal,<br />

pois facilita ao acesso, bem como a iluminação natural<br />

e ótimas condições de ventilação. A área de<br />

produção da UAN está dividida nas seguintes áreas:<br />

pré-preparo e preparo de carnes; pré-preparo<br />

e preparo de saladas; área de cocção e área de fritura.<br />

Todas elas estão bem localizadas, separadas<br />

por barreiras físicas, favorecendo ao fluxo contínuo<br />

de produção. (TEIXEIRA, 2004). Também são<br />

higienizadas seguindo os Pop’s da instituição.<br />

Assim, verificou-se que possuem iluminação<br />

natural e artificial para iluminar alguns<br />

pontos escuros. As paredes, teto, portas e divisórias<br />

possuem cor branca favorecendo a luminosidade<br />

dos ambientes. A ventilação é natural<br />

e favorecida por exaustores que renovam o ar,<br />

aqueles localizados na área de fritura favorecem<br />

para o ambiente livre de gordura, fumaça e vapor<br />

(LIBERATO, K. B. L. et. al., 2008).<br />

O teto possui cor clara (branca) e superfície<br />

lisa, contudo, não está isento de bolores,<br />

manchas causadas pela umidade e descascamentos.<br />

As paredes e divisórias estão de acordo com<br />

as características mencionadas por ABERC (2003),<br />

possuindo cores claras, com acabamento liso,<br />

impermeáveis e resistentes a limpezas freqüentes,<br />

não possuindo fungos e nem bolores.<br />

As portas não são dotadas de fechamento<br />

automático e não são ajustadas perfeitamente<br />

aos batentes. O piso destas áreas atende a<br />

algumas recomendações, sendo de cor branca,<br />

antiderrapante e lavável, porém há alguns azulejos<br />

trincados e quebrados necessitando substituição<br />

(TEIXEIRA, 2003). Os ralos localizam-se<br />

em pontos estratégicos, facilitando o escoamento<br />

da água durante as lavagens, no entanto, não<br />

são sifonados a fim de impedir o acesso de vetores<br />

e pragas urbanas. (BRASIL, 2004).<br />

As instalações elétricas são embutidas e<br />

protegidas por tubulações externas, tendo manutenção<br />

pelos funcionários especializados,<br />

conforme recomendações de ABERC (2003) e<br />

Brasil (2004). Não foi registrada nenhuma janela<br />

nas áreas de produção. As pias para a lavagem<br />

das mãos dispõem de torneiras acionadas manualmente,<br />

localizadas em pontos estratégicos.<br />

5.1.3 Município de Cascavel – PR<br />

As unidades de alimentação e nutrição da<br />

cidade de Cascavel – PR, a principal dificuldade<br />

encontrada durante o levantamento dos dados<br />

nos locais visitados foi à falta de conhecimento<br />

dos responsáveis pelas UANs com relação às normas<br />

e termos técnicos avaliados pelos itens constantes<br />

do check list. Um dos restaurantes apresentou<br />

o maior índice de não conformidades, sendo<br />

uma delas em relação á área externa, onde<br />

havia objetos em desuso, focos de proliferações<br />

de insetos e roedores (RODRIGUES, S. et. al., 2008).<br />

A área deve ser livre de focos de insalubridade,<br />

sem lixo, objetos em desuso, animais,<br />

insetos e roedores. Deve ter acesso direto e independente,<br />

não comum a outros usos (habitação)<br />

(BRASIL, 2004). As áreas circundantes não<br />

devem oferecer fatores que ajudem na proliferação<br />

de insetos e roedores (MANUAL DO RES-<br />

PONSÁVEL TÉCNICO, 2002).<br />

Todos os restaurantes apresentaram não<br />

conformidades em relação ao piso, teto, portas<br />

e janelas, como rachaduras, descascamento, co-<br />

228<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 225-233, jun. 2011


es escuras etc. O piso deve ser de material liso,<br />

resistente, impermeável, lavável, de cores claras,<br />

sem rachaduras, antiderrapante, de fácil higienização.<br />

A parede deve ter acabamento liso,<br />

de cor clara, impermeáveis, resistentes à limpeza,<br />

sem fungos e bolores. Ter ângulos arredondados<br />

no contato com o piso e teto para facilitar<br />

a limpeza. O teto deve ser isento de vazamentos<br />

e goteiras. Deve possuir acabamento liso,<br />

impermeável, lavável, em cor clara e bom estado<br />

de conservação. Não deve possuir trincas,<br />

rachaduras, umidade, bolor e descascamento.<br />

Deve-se encontrar em perfeitas condições de<br />

limpeza e não deve possuir aberturas que não<br />

estejam devidamente protegidas com tela removível<br />

para limpeza (ABERC, 2003).<br />

O restaurante A apresentou não conformidade<br />

quanto à ventilação, havendo a condensação<br />

de vapores formando goteiras e causando<br />

um desconforto térmico. É necessário retirar da<br />

cozinha os vapores causados pelo processo de<br />

cocção, pois estes podem causar problemas nas<br />

instalações, nos operadores e até deteriorar gêneros<br />

alimentícios (SILVA FILHO, 1995). O conforto<br />

térmico pode ser assegurado seguindo o<br />

critério 1/10 de área de abertura nas paredes,<br />

permitindo assim a circulação do ar (MANUAL<br />

DO RESPONSÁVEL TÉCNICO, 2001).<br />

Quanto às instalações sanitárias todos os<br />

restaurantes apresentaram alguma não conformidade.<br />

Não havia sanitários independentes<br />

para cada sexo, sem papel toalha e sabonete líquido<br />

nem lixeiras com acionamento não manual.<br />

Em uma UAN as instalações sanitárias e os<br />

vestiários devem estar em adequado estado de<br />

conservação, separados para ambos os sexos,<br />

com vasos sanitários que possuam tampas, mictórios<br />

com descarga e lavatórios, tendo 1 (um)<br />

para cada 20 funcionários. Estes não podem estar<br />

em comunicação direta com as áreas de produção<br />

e refeitório (ABERC, 2003).<br />

Quanto as Boas Práticas de Manipulação,<br />

não apresentava planilhas de controle de higienização<br />

das instalações nem responsável técnico<br />

devidamente capacitado para este fim. Neste<br />

item também se pode observar que não era seguida<br />

a diluição recomendada pelo fabricante<br />

(RODRIGUES, S. et. al., 2008). Todos os funcionários<br />

devem ser bem treinados quanto aos procedimentos<br />

de higienização aos quais devem ser descritos<br />

e registrados formalmente (ABERC, 2003).<br />

Há uma má distribuição dos equipamentos,<br />

estando estes dispostos de uma forma que<br />

dificulta a higienização adequada. Os equipamentos<br />

são um item considerado de derradeira<br />

importância, pois influenciam diretamente na<br />

produção dos alimentos, sendo este um fator a<br />

ser devidamente planejado na questão físicofuncional<br />

em uma UAN (MEZOMO, 2002).<br />

No restaurante não há um responsável<br />

devidamente capacitado para a higienização dos<br />

equipamentos, nem planilhas de registro, frequência<br />

adequada de higienização e diluição inadequada<br />

dos produtos. Segundo a Vigilância Sanitária<br />

os equipamentos, móveis e utensílios devem<br />

ser devidamente higienizados por um funcionário<br />

devidamente capacitado. Sendo estas registradas<br />

e realizadas em freqüência adequada,<br />

onde devem ser tomadas precauções para impedir<br />

a contaminação dos alimentos por produtos<br />

saneantes, pela suspensão de partículas e pela<br />

formação de aerossóis (ANVISA, 2003). Para a higienização<br />

de utensílios e equipamentos devese<br />

utilizar detergente neutro e o enxágue final<br />

deve ser feito com solução de Hipoclorito de Sódio<br />

a 200ppm de cloro ativo (ARRUDA, 2006).<br />

Os produtos utilizados para higienização<br />

não estavam guardados em local adequado e não<br />

se apresentavam em um bom estado de conservação.<br />

A localização da área reservada para guardar<br />

os objetos usados na higienização da UAN como,<br />

vassouras rodos, esfregões, panos de chão, baldes<br />

etc, deve estar em um ponto de fácil acesso na<br />

área interna da Unidade (TEIXEIRA et. al., 2004).<br />

Em relação ao item vestuário, os manipuladores<br />

não utilizam uniformes. Os mesmos<br />

estavam usando roupas curtas como saia, calçados<br />

abertos, os cabelos estavam presos por boné<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 225-233, jun. 2011<br />

229


e algumas das funcionárias estavam usando<br />

adornos. Os manipuladores devem usar uniformes<br />

completos, sendo estes de cor clara, proteção<br />

para os cabelos e práticas adequadas de asseio<br />

pessoal. Trabalhar com a roupa usada na rua<br />

e o uso de adornos são práticas errôneas que<br />

podem carrear patógenos para os alimentos durante<br />

a manipulação (QUEIROZ, 2001).<br />

Os funcionários da área de produção devem<br />

apresentar uniformes limpos, com calçados<br />

fechados e os cabelos totalmente protegidos.<br />

Devem possuir boa apresentação, unhas curtas,<br />

sem esmaltes e sem adornos (ABERC, 2003).<br />

Pode-se observar a lavagem incorreta<br />

das mãos, não havia cartazes explicativos na área<br />

de lavagem das mãos, sendo que a pia usada para<br />

este fim era a mesma para preparar os alimentos.<br />

Os resultados apresentados foram semelhantes<br />

ao presente estudo, cuja lavagem das<br />

mãos e a freqüência estavam incorretas (QUEI-<br />

ROZ, 2001). Os manipuladores devem possuir<br />

hábitos higiênicos adequados e proceder à lavagem<br />

das mãos, antes da manipulação de alimentos<br />

após a utilização dos sanitários ou em qualquer<br />

mudança de função (ABERC, 2003).<br />

Em relação ao item programa de controle<br />

de saúde não havia supervisão periódica nem<br />

registro de exames realizados. Esse controle<br />

deve ser realizado freqüentemente, sendo exigido<br />

pela Vigilância Sanitária (SÃO PAULO, 1999).<br />

Quanto ao item programa de capacitação<br />

dos manipuladores, apresentou-se em desconformidade,<br />

não havendo treinamentos sobre<br />

manipulação dos alimentos e higiene pessoal.<br />

O treinamento tem por finalidade capacitar<br />

o funcionário a executar tarefas pertinentes<br />

a sua função para evitar que aconteçam erros<br />

durante a produção dos alimentos, conscientizando-o<br />

sobre a importância de seu papel<br />

dentro da instituição. A qualidade dos alimentos<br />

não se dá apenas pela adequação das instalações,<br />

melhores equipamentos, métodos e<br />

matérias-primas adequadas (SANTOS, 2001). A<br />

questão do manipulador é elemento essencial<br />

na implantação das boas práticas, sendo assim,<br />

todas as pessoas que participam deste serviço<br />

necessitam estar devidamente conscientes sobre<br />

a importância de oferecer um alimento seguro<br />

ao consumidor (ARRUDA, 2002).<br />

O manipulador pode ser considerado uma<br />

fonte de disseminação de microorganismos, tanto<br />

pelo seu próprio organismo, quando possui alguma<br />

enfermidade ou por bactérias presente naturalmente<br />

na pele e nas mucosas, ou mesmo por<br />

práticas errôneas de manipulação e acondicionamento<br />

dos alimentos (PRAXEDES, 2003).<br />

6 RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />

Após a análise da Revisão de Literatura,<br />

verifica-se que as UAN’s observadas apresentaram<br />

alguns pontos em conformidade e não conformidades<br />

com a legislação vigente e recomendações<br />

bibliográficas.<br />

Apenas uma das UAN’s citadas nas consultas<br />

bibliográficas, localizada em Fortaleza –<br />

CE segue seu funcionamento em conformidade<br />

com a RDC nº216/2004 da ANVISA, sendo os<br />

Procedimentos Operacionais Padronizados<br />

(POP’s) de Higiene das Instalações Físicas realizadas<br />

frequentemente e de forma eficaz, por<br />

profissionais capacitados. Assim, o Manual de<br />

Boas Práticas tem sido aplicado na rotina da<br />

unidade (BRASIL, 2004).<br />

Porém algumas deficiências foram diagnosticadas,<br />

como azulejos do piso trincados, bolores<br />

e infiltrações no teto, portas não ajustadas aos<br />

batentes, ralos não sifonados e torneiras das pias<br />

de lavagem das mãos acionadas manualmente.<br />

De acordo com a RDC 275/2002 as portas<br />

externas devem possuir fechamento automático<br />

e com barreiras adequadas para impedir entrada<br />

de vetores e outros animais, em adequado<br />

estado de conservação (livre de trincas, rachaduras,<br />

umidade, bolor, descascamentos e<br />

outros). Os pisos devem ter ralos sifonados e<br />

grelhas colocados em locais adequados de forma<br />

a facilitar o escoamento e proteger contra a<br />

230<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 225-233, jun. 2011


entrada de baratas, roedores. Fator de extrema<br />

importância, pois evita o cantaminação por isetos<br />

e roedores na área de produção.<br />

As outras UAN’s, dos municípios de Duque<br />

de Caxias – RJ e Cascavel – PR, apresentaram<br />

não conformidades relacionadas à estrutura<br />

física, quando podemos observar falhas com<br />

relação ao cruzamento de áreas sujas e limpas,<br />

confrontando com o Centro de Vigilância Sanitária<br />

(CVS, 2004), que determina que a edificação<br />

e as instalações devem ser projetadas de<br />

forma a possibilitar um fluxo ordenado e sem<br />

cruzamentos em todas as etapas da preparação<br />

de alimentos e a facilitar as operações de manutenção,<br />

limpeza e, quando for o caso, desinfecção<br />

(SILVA, D. O. et. al., 2009).<br />

É importante não haver a contaminação<br />

cruzada dos gêneros, pois isso pode acarretar<br />

problemas na produção das refeições e causar<br />

danos à saúde do comensal.<br />

Um dos restaurantes de Cascavel – PR<br />

apresentou o maior índice de não conformidades,<br />

sendo uma delas em relação a área externa,<br />

onde havia objetos em desuso, focos de proliferações<br />

de insetos e roedores (RODRIGUES, S. et.<br />

al., 2008). Deve ter acesso direto e independente,<br />

não comum a outros usos (habitação), (BRA-<br />

SIL, 2004), sendo um fator de extrema importância<br />

para o alimento seguro, pois a área deve ser<br />

livre de focos de insalubridade, sem lixo, objetos<br />

em desuso, animais, insetos e roedores.<br />

Outro fator importante encontrado foi<br />

à falta de conhecimento dos responsáveis pelas<br />

UANs com relação às normas e termos técnicos<br />

avaliados pelos itens constantes do check<br />

list. Segundo a RDC 275/2002, os funcionários<br />

devem estar devidamente capacitados para<br />

execução dos POPs.<br />

7 RECOMENDAÇÕES<br />

Há necessidadede investimentos direcionados<br />

a treinamentos de profissionais e melhorias<br />

na estrutura física das cozinhas, modernização<br />

das instalações e equipamentos, além<br />

do uso de novas tecnologias, a fim de minimizar<br />

e se possível eliminar os perigos e pontos críticos<br />

de controle nas UANs agindo tanto na redução<br />

de acidentes e incidentes nestes ambientes<br />

ocupacionais, quanto na prevenção de toxinfecções<br />

alimentares daqueles cidadãos que consomem<br />

alimentos preparados nestas cozinhas.<br />

O treinamento tem por finalidade capacitar<br />

o funcionário a executar tarefas pertinentes<br />

a sua função para evitar que aconteçam erros<br />

durante a produção dos alimentos, conscientizando-o<br />

sobre a importância de seu papel<br />

dentro da instituição (ARRUDA, 2002).<br />

A questão do manipulador é elemento<br />

essencial na implantação das boas práticas, sendo<br />

assim, todas as pessoas que participam deste<br />

serviço necessitam estar devidamente conscientes<br />

sobre a importância de oferecer um alimento<br />

seguro ao consumido.<br />

8 CONCLUSÃO<br />

Conclui-se que existem falhas no processo<br />

de implantação e execução das ferramentas<br />

de controle de qualidade (BPs e POPs) nas<br />

etapas de preparação, conservação e distribuição<br />

dos alimentos das UANs investigadas. Conforme<br />

observado, um conjunto substancial das<br />

não conformidades pode ser corrigido por meio<br />

de treinamento e capacitação dos manipuladores,<br />

utilizando-se, por exemplo, recursos disponíveis<br />

no local.<br />

Além disso, a necessidade de uma maior<br />

fiscalização nos estabelecimentos responsáveis<br />

pela produção de refeições é evidente,<br />

devido ao alto índice de inadequação dos mesmos.<br />

Podendo concluir que não estão sendo<br />

seguindo as exigências preconizadas pela RDC<br />

275. Vale ressaltar que nos estabelecimentos<br />

em que havia a presença efetiva de uma nutricionista<br />

os resultados encontrados foram mais<br />

satisfatórios, podendo ressaltar a sua importância<br />

em uma UAN.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 225-233, jun. 2011<br />

231


REFERÊNCIAS<br />

ABERC. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS<br />

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serviço de refeições para coletividade. 8.ed. São<br />

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ANTUNES, M. A. Sistema multimídia de apoio à<br />

decisão em procedimentos de higiene para unidades<br />

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Campinas, v.19, n. 1, jan./fev. 2006.<br />

ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária,<br />

Portaria 2003. Disponível em: http://<br />

www.anvisa.gov.br/alimentos/bpf.htm. Acesso<br />

em: 20 de out. 2008.<br />

ARRUDA, G. A. Manual de boas práticas – Unidade<br />

de Alimentação e Nutrição. 2. ed. São Paulo:<br />

Ponto Crítico, 2002.<br />

ARRUDA, G. A. Manual de boas práticas. 3. ed.<br />

São Paulo: Ponto Crítico, 2006.<br />

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria 1428, de<br />

23 de novembro de 1993.<br />

BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Norma<br />

Regulamentadora n. 24 de 29/12/1994. Condições<br />

sanitárias e de conforto nos locais de trabalho.<br />

Brasília, 1994.<br />

CENTRO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Portaria CVS-<br />

6/1999 de 10/03/1999. Regulamento técnico sobre<br />

os parâmetros e critérios para o controle higiênico<br />

sanitário em estabelecimentos de alimentos.<br />

São Paulo, 1999.<br />

CENTRO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (C.V.S.), RDC-216/<br />

2004 de 15/09/2004. Regulamento técnico de boas<br />

práticas para serviços de alimentação. Brasília, 2004.<br />

LIBERATO, K. B. L.; LANDIM, M. C.; COSTA E. A.<br />

estrutura física da área de produção de uma unidade<br />

de alimentação e nutrição (uan) localizada<br />

em Fortaleza-CE. Fortaleza, CE, 2008.<br />

MANUAL do responsável técnico. Rio de Janeiro:<br />

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Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 225-233, jun. 2011<br />

233


234


TRIAGEM AUDITIVA NEONATAL:<br />

REFLEXÕES, CONSIDERAÇÕES E RELEVÂNCIA 1<br />

Raiza Gorbachev Ribeiro Aguiar *<br />

RESUMO<br />

A audição é a via sensorial mais importante para a aquisição e desenvolvimento normal da fala<br />

e da linguagem. Este sentido também contribui para que o indivíduo tenha um desenvolvimento<br />

social, educacional e psíquico adequado ao seu desenvolvimento global e a uma integração<br />

social plena. A deficiência auditiva tem sido alvo de vários estudos epidemiológicos<br />

com o objetivo de identificar seus fatores de risco e suas implicações, a fim de elaborar ações<br />

de saúde e assistência adequadas. Em princípio, a recomendação emanada pelos diversos<br />

comitês propõe que a avaliação seja abrangente e universal, atingindo todas as crianças ao<br />

nascimento ou no máximo até os três meses de idade. Após muitas lutas para tornar obrigatório<br />

a triagem auditiva neonatal, no dia 2 de agosto de 2010, foi sancionada a lei federal n°12.303/<br />

2010, que torna obrigatória e gratuita a realização da triagem auditiva neonatal através do<br />

exame de emissões otoacústicas evocadas (EOAs), em todos os hospitais e maternidade nas<br />

crianças que nascerem em suas dependências. Este estudo faz uma reflexão e discussão sobre<br />

a questão da triagem auditiva neonatal.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Audição. Triagem auditiva neonatal. Desenvolvimento.<br />

A audição é a via sensorial mais importante<br />

para a aquisição e desenvolvimento normal<br />

da fala e da linguagem. Este sentido também<br />

contribui para que o indivíduo tenha um<br />

desenvolvimento social, educacional e psíquico<br />

adequado ao seu desenvolvimento global e a<br />

uma integração social plena.<br />

A privação desse sentido pode trazer sérias<br />

consequências, podendo deixar o indivíduo<br />

parcial ou totalmente à parte do contexto linguístico<br />

ao qual pertence. Dependendo do grau da<br />

perda auditiva, o consequente isolamento social<br />

poderá deixá-lo inseguro, frustrado e, quem<br />

sabe, deprimido (BASSETO, 1998).<br />

Sabe-se que nos primeiros anos de vida<br />

acontece a maturação e plasticidade do Sistema<br />

Auditivo Central, sendo este período importante<br />

para o desenvolvimento das habilidades auditivas<br />

e qualquer interferência nesse sistema por<br />

* Acadêmica do 7º semestre do Curso de Fonoaudiologia e<br />

Monitora da disciplina Prática em Audiologia do Centro de<br />

Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade da Amazônia<br />

– UNAMA. Email: raizagorbachev@yahoo.com.br.<br />

1<br />

Artigo elaborado sob orientação da profa. Francisca<br />

Canindé Rosário da Silva Araújo, Mestre em<br />

Fonoaudiologia; orientadora de Monitoria da disciplina<br />

Prática em Audiologia do Centro de Ciências Biológicas e<br />

da Saúde da Universidade da Amazônia – UNAMA.<br />

fga.francisca@uol.com.br<br />

235<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 235-241, jun. 2011


menor que seja, poderá prejudicar seriamente o<br />

desenvolvimento da global de uma criança.<br />

A perda auditiva não decorre de causa<br />

única, pode ser causada por vários fatores: hereditários<br />

ou congênitos, infecções, doenças ou<br />

eventos traumáticos que podem afetar os mais<br />

diversos sítios da orelha e do seu processamento<br />

(NORTHERN E DOWNS, 2005).<br />

De acordo com os autores acima, os cuidados<br />

na detecção precoce e tratamento dos prejuízos<br />

quanto ás perdas auditivas, devem ser do<br />

conhecimento dos profissionais envolvidos com<br />

estes desde o nascimento, pois a perda auditiva<br />

é um mal oculto, especialmente em lactentes e<br />

outras crianças pequenas, e se não diagnosticada<br />

e tratada em tempo hábil, pode levar ao retardo<br />

no desenvolvimento da fala e da linguagem.<br />

A Integridade anátomo-fisiológica do sistema<br />

auditivo é um pré-requisito para a aquisição<br />

e desenvolvimento de linguagem, mas ouvir<br />

não é só detectar o som, envolve habilidades<br />

auditivas que dependem de maturação e exposição<br />

ao meio acústico. A criança deve ser capaz<br />

de prestar atenção, detectar, discriminar e localizar<br />

sons, além de memorizar e integrar experiências<br />

auditivas para atingir o reconhecimento<br />

e compreensão de fala (AZEVEDO 1997).<br />

A audição, apesar de muito importante,<br />

não é o único fator para o desenvolvimento da<br />

linguagem. Deve-se levar em conta: maturação,<br />

integridade neurológica, desenvolvimento emocional<br />

e nível linguístico.<br />

As perdas auditivas na primeira infância<br />

são as mais difíceis de serem detectadas devido<br />

ao comportamento comum dos bebês. É neste<br />

período que se inicia o processo de maturação<br />

do sistema auditivo central, ocorrendo aí também<br />

a maior parte da especialização neuronal.<br />

O sistema auditivo é uma das primeiras estruturas<br />

a se formar no feto. Com apenas 12 semanas<br />

a orelha interna já está praticamente formada.<br />

Northern e Downs (2005) referem que a<br />

orelha interna é o único órgão a atingir completa<br />

diferenciação e tamanho adulto na 20ª semana<br />

de gestação. Nesta mesma idade, o pavilhão auricular<br />

atinge a forma adulta, embora continue a<br />

crescer até aos 9 anos de idade. Na 32ª semana de<br />

gestação completa-se a ossificação do martelo e<br />

da bigorna, desenvolvem-se as células aéreas<br />

mastóides, pneumatização do antro, pneumatização<br />

do epitímpano, sendo que o estribo continua<br />

a desenvolver-se até a idade adulta. Ao nascimento,<br />

embora o processo de mielinização não<br />

esteja completo as vias neurais já são funcionais,<br />

e a partir da experimentação acústica, novas conexões<br />

neurais se estabelecem possibilitando a<br />

maturação do sistema auditivo.<br />

Weber e Diefendorf (2001) referem que<br />

a deficiência auditiva é a doença mais frequente<br />

encontrada no período neonatal, quando comparada<br />

a outras patologias.<br />

O diagnóstico precoce possibilita a intervenção<br />

clínicoeducacional, além de permitir um<br />

prognóstico mais favorável em relação ao desenvolvimento<br />

da fala e da linguagem<br />

A perda auditiva é a deficiência congênita<br />

mais frequente e mais prevalente dentre<br />

aquelas rotineiramente triadas em programas de<br />

saúde preventivos. A perda auditiva é uma alteração<br />

muito prevalente no período neonatal<br />

(WEBER e DIEFENDORF, 2001).<br />

O Joint Committee on Infant Hearing<br />

(JCIH), desde 1972, tem identificado indicadores<br />

(fatores) específicos de riscos associados à<br />

perda auditiva em recém-nascidos e crianças.<br />

Esses indicadores de risco têm sido aplicados com<br />

dois propósitos: identificar crianças que têm prioridade<br />

de serem submetidas à avaliação audiológica<br />

e crianças que devem receber acompanhamento<br />

audiológico e monitoramento médico<br />

após a triagem neonatal devido à possibilidade<br />

de perda progressiva de audição ou déficit<br />

auditivo de aparecimento tardio (HOOD, 1999).<br />

Assim, a deficiência auditiva tem sido<br />

alvo de vários estudos epidemiológicos com o<br />

objetivo de identificar seus fatores de risco e<br />

suas implicações, a fim de elaborar ações de saúde<br />

e assistência adequadas.<br />

236 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 235-241, jun. 2011


É muito importante o conhecimento dos<br />

prejuízos da perda auditiva para o desenvolvimento<br />

da linguagem. O termo deficiência auditiva<br />

é aplicado em todos os níveis de diminuição<br />

da capacidade auditiva, desde o grau leve ao profundo.<br />

(NORTHERN e DOWNS, 2005).<br />

Segundo Kury et al. (2000), crianças com<br />

perdas mínimas estão frequentemente atrasadas<br />

na escola, podem apresentar problemas sutis<br />

de linguagem, dificuldades de leitura e ainda<br />

problemas comportamentais. Com limiares de<br />

audibilidade entre 41 e 55 dBNA, configurando<br />

perdas moderadas, a criança pode apresentar<br />

dificuldades auditivas e de compreensão de fala<br />

em situações ideais, sua fala pode apresentar<br />

problemas de articulação e estes indivíduos são<br />

candidatos ao uso de próteses auditivas.<br />

Indivíduos com limiares auditivos entre<br />

56dBNA e 70dBNA compreendem a fala apenas<br />

se esta for intensa ou muito próxima, apresentam<br />

grande dificuldade em situações de comunicação<br />

em grupos ou na presença de ruído ambiental,<br />

podem parecer “desatentas”. Com o uso<br />

da amplificação sonora, podem desenvolver a<br />

fala e a linguagem (LEWIS et al., 1987).<br />

Limiares entre 71dBNA a 90dBNA permitem<br />

escutar apenas a voz quando emitidas próximas<br />

a orelha. Indivíduos com este grau de perda<br />

auditiva podem identificar o ruído ambiente<br />

e as vogais, porém não identificam as consoantes.<br />

A fala e a linguagem não se desenvolverão<br />

espontaneamente. Em limiares acima de 90dB a<br />

audição não é o meio primário para o desenvolvimento<br />

da fala e da linguagem.<br />

Não devemos desconsiderar as perdas auditivas<br />

unilaterais. Hodgson (1989), afirma que crianças<br />

portadoras de perdas unilaterais encontram<br />

maiores dificuldades que crianças ouvintes normais<br />

para compreender a fala, na presença do ruído ou<br />

em ambientes reverberantes, mesmo quando a<br />

orelha boa estiver posicionada em direção à fala.<br />

Estas crianças podem desempenhar adequadamente<br />

suas funções em muitas situações, mas terão<br />

dificuldades em localizar a fonte sonora.<br />

Um programa de detecção auditiva deve<br />

fazer uma descrição completa da perda auditiva,<br />

se esta é unilateral ou bilateral, o grau (leve,<br />

moderado, severo, profundo) e o tipo da perda<br />

(condutiva, neurossensorial ou mista) e, se possível,<br />

sua etiologia.<br />

Os sinais de alerta para surdez, o comportamento<br />

da criança, devem ser conhecidos por profissionais<br />

envolvidos no processo de avaliação da<br />

audição, para adequada orientação aos pais.<br />

Para Azevedo 1996 estes são os principais<br />

indícios de alerta:<br />

• 4 meses – criança não acorda ou se mexe em<br />

resposta ao barulho logo que começa a dormir;<br />

• 4 a 5 meses – sem pista visual, a criança não<br />

vira a cabeça ou os olhos para a fonte sonora;<br />

• 6 meses – sem pista visual, a criança não se<br />

vira para a fonte sonora;<br />

• 8 meses – a criança não tenta imitar os sons<br />

feito pelos pais;<br />

• 8 a 12 meses – perda da variedade na melodia<br />

e sons durante a silabação;<br />

• 12 meses – aparentemente não entende frases<br />

simples sem pistas visuais;<br />

• 2 anos – fala pouco ou ausente;<br />

• 3 anos – fala ininteligível, omissões de consoantes<br />

iniciais, não forma frases com 2 ou 3<br />

palavras e fala principalmente vogais;<br />

• 5 anos – o final das palavras está sempre faltando.<br />

• Até 6 meses de idade a criança surda vocaliza<br />

como a criança ouvinte e isso aumenta na<br />

presença da mãe; é um sinal de desenvolvimento<br />

social, não necessariamente de sua<br />

capacidade de ouvir.<br />

Intervenção Precoce<br />

A detecção e intervenção de qualquer intercorrência<br />

na via auditiva são necessárias nos<br />

primeiros meses de vida, já que a idade da criança<br />

na ocasião do diagnóstico faz grande diferença.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 235-241, jun. 2011 237


A detecção da deficiência auditiva até os<br />

6 meses de idade garante o desenvolvimento<br />

da compreensão e expressão de linguagem, assim<br />

como o desenvolvimento social comparável<br />

aos das crianças normais da mesma faixa etária<br />

independente do grau da perda auditiva (YUSHI-<br />

NAGA-ITANO et all, 1998).<br />

O diagnóstico precoce de qualquer alteração<br />

auditiva, periférica e/ou central é posição<br />

unânime dos comitês, nacionais e internacionais,<br />

tais como: Europa (Conferência sobre Triagem<br />

Auditiva Neonatal - NHS, 1998, 2000, 2002); Brasil<br />

(Comitê Brasileiro sobre Perdas Auditivas na<br />

Infância - CBPAI, 1999), EUA (Comitê de Fala e<br />

Audição da Academia Americana de Pediatria, O<br />

Joint Committee on Infant Hearing - JCIH (1982,<br />

1990,1994, 2000). Este último aponta como principal<br />

objetivo a detecção das crianças com perdas<br />

auditivas, o mais precocemente possível.<br />

Todas as crianças com deficiência auditiva devem<br />

ser identificadas até 3 meses de idade e<br />

receber intervenção até os 6 meses.<br />

Em princípio, a recomendação emanada<br />

pelos diversos comitês propõe que a avaliação<br />

seja abrangente e universal, atingindo todas as<br />

crianças ao nascimento ou no máximo até os três<br />

meses de idade. Até 1994, era aceito uma avaliação<br />

cobrindo, particularmente, as crianças pertencentes<br />

ao grupo de risco. A partir desse ano o<br />

JCIH sugeriu que a triagem seja universal, pois<br />

somente 50% dos casos de deficiência auditiva<br />

são pertencentes ao grupo de risco.<br />

O JCIH 2000 (Joint Committee on Infant Hearing<br />

Year 2000 Position Statement) e AAP 2000 (American<br />

Academy of Pediatrics) recomendam que os<br />

procedimentos objetivos sejam utilizados para triagem<br />

auditiva neonatal e universal. Ainda assim, na<br />

mesma recomendação, o comitê observa a necessidade<br />

de procedimentos como avaliação de reflexo<br />

cócleo-palpebral e avaliação auditiva comportamental<br />

para estabelecimento de diagnóstico.<br />

O Joint Committee on Infant Hearing<br />

(2000) é quem direciona os passos a serem seguidos<br />

para a triagem auditiva, a seguir:<br />

Os procedimentos da triagem auditiva devem<br />

ser objetiva, bilateral, por medida eletrofisiológica<br />

como o Potencial Evocado Auditivo de Tronco<br />

Cerebral (PEATC) e as Emissões Otoacústicas Evocadas<br />

(EOAE). O mínimo de 95% dos nascimentos devem<br />

ser triados. O reteste deve acontecer entre 15<br />

e 30 dias e a conclusão diagnóstica até 3 meses.<br />

A protetização para a deficiência auditiva<br />

deve ser bilateral e acontecer até em 1 mês<br />

de idade, após confirmação, o início da intervenção<br />

deve ser até 6 meses de idade.<br />

Ao nascimento todas as crianças deverão<br />

ter acesso à triagem auditiva usando um método<br />

fisiológico durante sua internação hospitalar;<br />

• todas as crianças que não passarem na triagem<br />

deverão ser submetidas à avaliação audiológica<br />

e médica para confirmar a presença de<br />

perda auditiva antes dos 3 meses de idade;<br />

• todas as crianças que tiverem perda auditiva<br />

permanente deverão receber intervenção<br />

antes dos 6 meses de idade;<br />

• todas as crianças que passarem na triagem<br />

auditiva, mas que tiverem indicadores de risco<br />

para outras desordens auditivas e/ou atraso<br />

de fala e linguagem deverão receber acompanhamento<br />

audiológico e médico e monitorização<br />

do desenvolvimento da comunicação;<br />

• crianças e famílias terão seus direitos garantidos<br />

através de informações sobre escolhas,<br />

tomadas de decisões e consentimentos;<br />

• a triagem auditiva e os resultados da avaliação<br />

deverão ter a mesma proteção que qualquer<br />

outra informação médica ou educacional;<br />

• os programas de triagem deverão utilizar um<br />

sistema de gerenciamento de informações<br />

por computador.<br />

• a qualidade do serviço deverá ser monitorada<br />

e deverá demonstrar concordância com<br />

a legislação e determinação fiscal e;<br />

• os serviços para crianças portadoras de deficiência<br />

auditiva deverão ser coordenados por<br />

médicos, fonoaudiólogos, famílias, profissionais<br />

da área médica, ou/e agentes locais.<br />

238<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 235-241, jun. 2011


INDICADORES DE RISCO<br />

Neonatos (nascimento até 28 dias),<br />

Permanência em UTI neonatal por 48 horas<br />

ou mais, qualquer síndrome associada com<br />

deficiência auditiva, história familiar de disacusia<br />

neurossensorial, anormalidades craniofaciais<br />

e infecções intrauterinas como citomegalovírus,<br />

herpes, toxoplasmose ou rubéola.<br />

Neonatos e crianças (nascimento até 2 anos)<br />

Hipertensão pulmonar persistente com<br />

ventilação mecânica; condições que necessitem<br />

de oxigenação extracorpórea; síndromes associadas<br />

com deficiência auditiva progressiva, incluindo<br />

neurofibromatose, osteopetrosis e<br />

Ushers; desordens neurodegenerativas como<br />

neuropatias sensoriomotoras, como ataxia de<br />

Friedreichs e Síndrome Charcot-Marie-Tooth;<br />

traumas cranianos e otites médias recorrentes,<br />

persistentes com efusão por mais de 3 meses.<br />

No Brasil existe o Grupo de Apoio à Triagem<br />

Auditiva Neonatal Universal – GATANU, foi<br />

criado em 1 o de maio de 1998. O GATANU é uma<br />

organização não governamental formada por<br />

especialistas da área, cujos objetivos são:<br />

• aumentar a consciência coletiva para o problema<br />

da surdez infantil no Brasil;<br />

• divulgar a necessidade da realização da triagem<br />

auditiva neonatal universal (TANU), assegurando<br />

que o diagnóstico e a intervenção<br />

ocorram até 6 meses de idade, conforme as<br />

recomendações nacionais e internacionais;<br />

• normalizar e padronizar o exame de Emissões<br />

Otoacústicas Evocadas/PEATE-BERA e o protocolo<br />

de TANU;<br />

• cadastrar os serviços de triagem auditiva neonatal<br />

existentes no Brasil;<br />

• incentivar o aprimoramento das técnicas de<br />

triagem, diagnóstico e habilitação;<br />

• desenvolver um estudo multicêntrico para levantar<br />

a prevalência brasileira da deficiência<br />

auditiva nos bebês normais e de alto risco;<br />

• documentar o perfil audiológico das crianças<br />

com deficiência auditiva identificadas nos programas<br />

de TANU, acompanhando o seu desenvolvimento<br />

linguístico, social e cognitivo.<br />

A implantação da TANU é possível e traz<br />

enormes benefícios aos recém-nascidos (RN) identificados<br />

precocemente com alterações auditivas.<br />

Entretanto, o GATANU reconhece as dificuldades<br />

na implementação da TANU em todas<br />

as maternidades do país, aceitando um período<br />

inicial de implantação da triagem auditiva neonatal<br />

aos recém-nascidos de risco para surdez e<br />

gradualmente ampliando a toda maternidade.<br />

Os programas de TANU constituem desafios<br />

nas áreas da triagem, diagnóstico, protetização<br />

e intervenção, necessitando, portanto, a<br />

atenção de todos os profissionais envolvidos na<br />

saúde infantil.<br />

O Programa de Triagem Auditiva Neonatal<br />

do Grupo de Apoio à Triagem Auditiva Neonatal<br />

Universal (Gatanu) recomenda que a triagem<br />

ou rastreamento auditivo obedeça às seguintes<br />

etapas:<br />

- o diagnóstico audiológico deve ser realizado<br />

através de, EOA, BERA, Imitaciometria e Avaliação<br />

Auditiva Comportamental;<br />

- o passo seguinte deve ser a protetização: indicação,<br />

seleção e adaptação de prótese auditiva<br />

e consequentemente, a intervenção<br />

fonoaudiológica especializada em audiologia<br />

educacional.<br />

Azevedo (2000) refere que as emissões<br />

otoacústicas são energias sonoras de fraca intensidade,<br />

que amplificadas podem ser captadas<br />

no meato acústico externo, na ausência de<br />

estímulo acústico (emissões otoacústicas espontâneas)<br />

ou evocada por estímulo acústico (emissões<br />

otoacústicas evocadas). As emissões otoacústicas<br />

podem ser captadas por um microfone<br />

acoplado a uma sonda colocado no conduto auditivo<br />

externo. Este exame avalia a integridade<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 235-241, jun. 2011<br />

239


coclear, sendo próprio para realização da Triagem<br />

Auditiva Neonatal Universal (TANU), pois é<br />

simples, rápido (média de 5 minutos), objetivo,<br />

sensível, não-invasivo e de baixo custo.<br />

A Audiometria de Tronco Cerebral<br />

(BERA) avalia a condução eletrofisiológica do<br />

estímulo auditivo da porção periférica até o<br />

Tronco Cerebral.<br />

Tanto as EOA quanto o BERA possuem<br />

bons índices de sensibilidade e especificidade.<br />

Os dois exames complementam-se no momento<br />

do diagnóstico audiológico. Entretanto,<br />

não podemos desconsiderar o princípio da<br />

confirmação, que recomenda que os resultados<br />

de qualquer teste audiométrico isoladamente<br />

não podem ser considerados válidos<br />

sem a identificação independente de outro<br />

teste. Os testes fisiológicos não são suficientes;<br />

o audiologista precisa de informações sobre<br />

as habilidades auditivas globais da criança,<br />

deve investigar como a criança utiliza a sua<br />

audição para a comunicação.<br />

Em todas as faixas etárias devem ser observados<br />

cautelosamente o estímulo sonoro utilizado,<br />

os critérios de falha utilizados, o ruído<br />

ambiental e o estado da criança.<br />

Todos os pais devem estar cientes da realização<br />

da triagem e receber o resultado após a<br />

conclusão do processo de identificação.<br />

Toda criança identificada com algum problema,<br />

de natureza auditiva deve ser encaminhada<br />

para um serviço de diagnóstico, quando<br />

serão realizados a avaliação otorrinolaringológica<br />

e os exames complementares. Após confirmação<br />

do tipo e grau da perda auditiva o bebê<br />

deverá ser encaminhado para um programa de<br />

intervenção precoce que poderá abranger: orientações<br />

para a família, orientações quanto ao<br />

uso do aparelho de amplificação sonora individual<br />

(AASI) ou implante coclear, além da terapia<br />

fonoaudiológica, esta pode ser iniciada mesmo<br />

antes da conclusão diagnóstica, sempre que se<br />

considerar necessário.<br />

Um programa de triagem auditiva neonatal<br />

deve ser multidisciplinar com a colaboração<br />

dos fonoaudiólogos, pediatras e enfermeiros.<br />

Apesar das dificuldades em sua aplicação,<br />

deve ser estimulada e realizada em todos os<br />

berçários. A TAN deve ser considerada um passo<br />

inicial para o manuseio da perda auditiva, sendo<br />

de extrema importância, a partir do diagnóstico,<br />

o seu tratamento e a orientação familiar.<br />

Após muitas lutas para tornar obrigatório<br />

a triagem auditiva neonatal, no dia 2 de agosto<br />

de 2010, foi sancionada a lei federal n°12.303/<br />

2010, que torna obrigatória e gratuita a realização<br />

da triagem auditiva neonatal através do<br />

exame de emissões otoacústicas evocadas<br />

(EOAs), em todos os hospitais e maternidade<br />

nas crianças que nascerem em suas dependências.<br />

Espera-se que todos os hospitais e maternidades<br />

do território nacional ofereçam o teste,<br />

e que o poder público possa se conscientizar<br />

da importância deste serviço para a população,<br />

possibilitando que os hospitais e maternidades<br />

possam ser devidamente equipados,<br />

além de corpo técnico especializado para realizar<br />

um serviço de qualidade.<br />

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Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 235-241, jun. 2011


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. Acesso em: 5 abr. 2011.<br />

GATANU - Grupo de Apoio a Triagem Auditiva<br />

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. Acesso em: 5 abr. 2011.<br />

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Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 235-241, jun. 2011<br />

241


242


A ATUAÇÃO DA FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA EM<br />

PACIENTES COM DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA 1<br />

Jessica Nayara Gondim dos Santos *<br />

RESUMO<br />

A DPOC é um grupo de doenças do sistema respiratório com elevada incidência tendo como<br />

principal causa o tabagismo; na qual ocorre acometimento do parênquima pulmonar na forma<br />

do enfisema pulmonar, ou de maneira a diminuir o fluxo de ar que passa pelos brônquios como<br />

é o caso da bronquite crônica, sendo suas principais formas de acometimento. O objetivo deste<br />

presente artigo foi investigar os principais tratamentos realizados pela fisioterapia.<br />

PALAVRAS-CHAVE: DPOC. Reabilitação pulmonar. Fisioterapia respitória.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A doença pulmonar obstrutiva crônica<br />

(DPOC) é considerada um dos maiores problemas<br />

de saúde pública do mundo está em número<br />

cada vez maior no ranking das causas de morbidade<br />

e mortalidade das doenças crônicas (PI-<br />

CANÇO, 2007).<br />

O termo doença pulmonar obstrutiva<br />

crônica é um termo amplo que muitas vezes é<br />

aplicado a pacientes com enfisema, bronquite<br />

crônica ou os dois; levando a uma interpretação<br />

incorreta da extensão destes pacientes que possuem<br />

enfisema ou bronquite (WEST,1996).<br />

Recentemente a DPOC foi classificada<br />

como uma doença caracterizada pela limitação ao<br />

fluxo aéreo, não totalmente reversível, geralmente<br />

progressiva e associada a uma resposta<br />

inflamatória anormal dos pulmões, a partículas<br />

ou gases nocivos como é o caso do cigarro, este é<br />

uma das principais causas de DPOC na qual há a<br />

inflamação direta dos pulmões (PICANÇO, 2007).<br />

Quando o processo inflamatório crônico<br />

produz alterações brônquicas, temos a bronquite<br />

crônica, na qual é definida pela presença constante<br />

ou aumentos recorrentes das secreções<br />

brônquicas suficientes para causar expectoração.<br />

Entretanto a alteração encontrada no parênqui-<br />

*<br />

Acadêmica do 3° semestre do curso de fisioterapia, monitora<br />

da disciplina Morfofisiologia Humana no curso de fisioterapia<br />

na UNAMA. Email: jessica_nayara_santos@hotmail.com<br />

1<br />

Artigo elaborado sob orientação do prof. Msc. Rodrigo<br />

Santiago Barbosa Rocha.<br />

243<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 243-246, jun. 2011


ma pulmonar é definida como enfisema pulmonar<br />

que é definido anatomicamente como um<br />

alargamento anormal e permanente dos espaços<br />

aéreos distais ao bronquíolo terminal, acompanhado<br />

de destruição de suas paredes, ou seja,<br />

destruição dos alvéolos (PICANÇO, 2007).<br />

No enfisema pulmonar o pulmão vai<br />

apresentar perda de paredes alveolares e consequente<br />

destruição de partes do leito capilar,<br />

as pequenas vias aéreas estão estreitadas, tortuosas<br />

e reduzidas em número, além disso, possuem<br />

paredes finas e delgadas. O enfisema pulmonar<br />

afeta do parênquima distal ao bronquíolo<br />

terminal e assim pode ser classificado de vários<br />

tipos de enfisema: enfisema centroacinoso,<br />

na qual a destruição é limitada à parte central do<br />

lóbulo e dos ductos alveolares periféricos; enfisema<br />

panacinoso, onde há mais distensão e destruição<br />

do lóbulo inteiro; enfisema paresseptal,<br />

nesta classificação a doença é mais acentuada<br />

no pulmão adjacente aos septos interlobulares<br />

e o enfisema bolhoso que o paciente desenvolve<br />

grandes áreas císticas ou bolhas (WEST, 1996).<br />

Na bronquite crônica devido à produção<br />

excessiva de muco na árvore brônquica observase<br />

a diminuição da luz dos vasos dos brônquios, o<br />

qual é produzido em excesso devido à hipertrofia<br />

das glândulas mucosas nos grandes brônquios<br />

e assim pequenas vias aéreas são estreitadas e<br />

mostram alterações inflamatórias incluindo infiltrado<br />

celular e edema das paredes (WEST,1996).<br />

A fisioterapia respiratória é um componente<br />

de grande valor no tratamento de pacientes<br />

com DPOC, tendo como objetivo melhorar o<br />

comportamento funcional do paciente. A fisioterapia<br />

pode trabalhar com esses pacientes realizando<br />

exercícios de desinsuflação pulmonar,<br />

manobras de higiene brônquica, treinamento do<br />

músculo respiratório, utilização de ventilação<br />

mecânica não-invasiva e atividade física voltada<br />

à melhora da capacidade física e qualidade de<br />

vida (PICANÇO, 2007).<br />

Em pacientes com alterações na ausculta<br />

pulmonar com a evidência de secreção devem<br />

ser submetidos à técnica de desobstrução brônquica,<br />

pelo qual é diminuída a quantidade e a<br />

viscosidade das secreções brônquicas. Como visto<br />

anteriormente o paciente com DPOC apresenta<br />

limitação ventilatória que leva à diminuição<br />

da atividade física, com consequente descondicionamento<br />

muscular, depressão, ansiedade e<br />

piora da qualidade de vida, para esses pacientes<br />

um programa de reabilitação pulmonar é essencial<br />

para a melhora do quadro (PICANÇO, 2007).<br />

2 OBJETIVO<br />

Realizar uma meta-análise a partir de artigos<br />

científicos que abordem a utilização da fisioterapia<br />

respiratória em pacientes com DPOC,<br />

analisando assim a resposta obtida após o tratamento<br />

fisioterapêutico.<br />

3 MATERIAIS E MÉTODOS<br />

Neste presente trabalho foi realizada<br />

uma revisão sistemática de meta-análise, que<br />

buscando identificar estudos publicados sobre<br />

a utilização da fisioterapia respiratória em<br />

pacientes com DPOC foram analisados 29 artigos<br />

publicados em periódicos regionais e nacionais,<br />

datados no período de 1996 a 2006,<br />

porém apenas 08 foram selecionados a partir<br />

da identificação de estudos realizados a partir<br />

de ensaios clínicos não-randomizados; a base<br />

de dados utilizados foram retirados de bibliotecas<br />

eletrônicas como o LILACS, BIREME e<br />

PUBMED através das palavras-chave : DPOC,<br />

reabilitação pulmonar, fisioterapia respitória.<br />

A amostra total analisada foi de 212 pacientes<br />

selecionados a partir do diagnóstico de DPOC<br />

tanto na sua fase moderada à fase grave da<br />

doença, todos esses pacientes selecionados<br />

para a população eram ex-fumantes. Foram<br />

excluídos da amostra as crianças e todos aqueles<br />

que possuem alguma disfunção cardiovascular.<br />

Na seleção dos artigos não houve restrição<br />

de faixa etária da população nesses estu-<br />

244 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 243-246, jun. 2011


dos, e também não houve restrição quanto ao<br />

sexo da população dos mesmos estudos analisados.<br />

Quanto ao idioma os artigos científicos<br />

restringiram-se ao português.<br />

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES<br />

Nos 09 artigos pesquisados sobre a reabilitação<br />

pulmonar em pacientes com DPOC houve<br />

a utilização de diversos tipos de terapias: a<br />

oxigenoterapia, a caminhada com carga progressiva,<br />

a caminhada com a acompanhamento, teste<br />

da caminhada dos 06 minutos, a prescrição de<br />

exercícios físicos, alongamento, bicicleta ergométrica,<br />

exercício com carga para membros inferiores<br />

e membros superiores, exercício sem<br />

carga para membros superiores e inferiores.<br />

As terapias mais utilizadas durante os<br />

estudos foram: 06 estudos utilizaram o exercício<br />

físico como meio de reabilitar seus pacientes de<br />

DPOC, 3 estudos utilizaram exclusivamente o<br />

Teste de Caminhada de 6 minutos (TC6) e 2 estudos<br />

utilizaram a oxigenoterapia.<br />

Os exercícios físicos, no qual o TC6 está<br />

incluso, reabilitaram os pacientes de forma<br />

mais efetiva onde a partir do bom desenvolvimento<br />

de TC6 representa uma menor dificuldade<br />

em realizar as atividades físicas diárias e,<br />

conseqüentemente, menor impacto da doença<br />

na vida dos pacientes.<br />

5 CONCLUSÃO<br />

A fisioterapia no programa de reabilitação<br />

pulmonar tem como objetivo melhorar a<br />

qualidade de vida do paciente portador de DPOC<br />

através da melhora da capacidade respiratória<br />

até então severamente comprometida, e mudando<br />

assim conseqüentemente vários aspectos<br />

na vida deste paciente, alterando fatores<br />

como a insônia, ansiedade, depressão e outros<br />

que também podem ter seus índices incrementados<br />

pela atuação do fisioterapeuta. Diante de<br />

todo o programa de reabilitação pulmonar o teste<br />

de caminhada de 6 minutos mostrou-se o<br />

melhor para demonstrar a sobrevida do paciente,<br />

e um melhor desempenho no TC6 (Teste de<br />

caminhada de 6 minutos) significa menor dificuldade<br />

em realizar as atividades físicas diárias<br />

e, conseqüentemente, menor impacto da doença.<br />

O TC6, além disso, pode ser um importante<br />

indicador clínico de capacidade funcional.<br />

REFERÊNCIAS<br />

COSTA, D. et AL. Influência da Ventilação na invasiva<br />

do BIPAP sobre a tolerância ao exercício<br />

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com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica<br />

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GODOY, V. D.; GODOY, R. S.Redução nos níveis de<br />

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PICANÇO, P. S. A. Fisioterapia Pneumológica.<br />

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RODRIGUES, S. L.; VIEGAS, C. A. C. Estudo da correlação<br />

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teste de caminhada de 6 minutos em pacientes<br />

com DPOC. Jornal de Pneumologia, São Paulo-<br />

SP, v.6, n.28, p. 324-328, nov./dez. 2002.<br />

RODRIGUES, S. L.; VIEGAS, C. A. C.; LIMA, T.<br />

Efetividade da reabilitação pulmonar como<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 243-246, jun. 2011 245


tratamento coadjuvante do DPOC. Jornal de<br />

Pneumologia, São Paulo-SP, v. 2, n.28, p. 65-<br />

70, mar./abr. 2002.<br />

ROSA, F. W. et al. Avaliação da capacidade de<br />

exercício em portadores de Doença Pulmonar<br />

Obstrutiva Crônica com acompanhamento. Jornal<br />

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2, n. 32, p. 106-113, 2006.<br />

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positiva continuas nas vias aéreas (CIPAP) durante<br />

atividade física em esteira ergométrica em<br />

portadores de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica.<br />

Jornal de Pneumologia, São Paulo-SP, v. 3,<br />

n.28, p. 131-136, maio/jun. 2002.<br />

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da reabilitação pulmonar na capacidade de<br />

exercício, força na musculatura inspiratória e<br />

qualidade de vida dos portadores de Doença<br />

Pulmonar Obstrutiva crônica. Jornal Brasileiro<br />

de Pneumologia, São Paulo-SP, v. 2, n. 31, p.<br />

118-124, mar./abri. 2005.<br />

246<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 243-246, jun. 2011


O AMICUS CURIAE E A ABERTURA HERMENÊUTICA<br />

EM PROL DA DEMOCRACIA:<br />

A INFLUÊNCIA DE PETER HÄBERLE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 1<br />

Shayane do Socorro de Almeida da Paixão *<br />

RESUMO<br />

O presente trabalho mostrará como a proposta de uma hermenêutica constitucional aberta<br />

aos vários intérpretes da Constituição, feita por Peter Häberle, influenciará a jurisprudência<br />

do Supremo Tribunal Federal quanto à participaçãodo Amicus Curiae como interventor<br />

no controle abstrato de constitucionalidade. Ainda, a evolução da luta pelos direitos fundamentais,<br />

principalmente após a Segunda Guerra Mundial, corroborará a tese de que este<br />

sujeito deve intervir no processo cognoscitivo hermenêutico-constitucional a fim de ampliar<br />

o “leque” de abordagens sobre o tema a ser discutido. Destarte, tal ingresso endossa a<br />

importância do Amicus Curiae como elemento basilar para o soerguimento de um Estado<br />

Democrático de Direito.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Hermenêutica. Intérpretes da Constituição. Amicus Curiae. Controle de<br />

Constitucionalidade. Democracia.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A palavra hermenêutica guarda sua origem<br />

etimológica no Deus grego Hermes, divindade<br />

associada à comunicação. Seu nome tem<br />

origem, segundo os historiadores, na palavra<br />

grega “herme”, que designava os montes de pedras<br />

usadas para indicar os caminhos. (CABRAL,<br />

2003, p.111-112)<br />

A interpretação resulta da existência humana,<br />

pois tudo o que se vê resulta do recorte de<br />

um todo em partes diferentes conforme forem<br />

os seus observadores. Vários indivíduos não percebem<br />

a mesma imagem de forma idêntica, pois<br />

cada um carrega uma carga de valores formada<br />

pelo meio em que vive o que os faz interpretar o<br />

mundo de forma diferente.Assim, torna-se deveras<br />

importante que haja várias interpretações<br />

sobre a mesma coisa, pois, desta forma, é possí-<br />

*<br />

Acadêmica do 3° semestre de Direito da Universidade da<br />

Amazônia-UNAMA. Monitora da disciplina de Teoria Geral do<br />

Processo. (shayanepaixao@hotmail.com)<br />

1<br />

Artigo elaborado sob a orientação da professora Msc. Ágatha<br />

Gonçalves Santana - Mestre em Direitos Humanos e Relações<br />

Privadas pela Universidade Federal do Pará - Ufpa; Professora<br />

Adjunta I da Universidade da Amazônia - <strong>Unama</strong>, onde leciona<br />

as disciplinas Teoria Geral do Processo e Direito Processual<br />

Civil; Advogada civilista. Agradecimentos à Professora<br />

Pauliane do Socorro Lisboa Abraão pela orientação material<br />

e intelectual.<br />

247<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 247-255, jun. 2011


vel suprir os “pontos cegos” eventualmente deixados<br />

pelo recorte interpretativo de outrem.<br />

Além disso, não há interpretação que seja imutável,<br />

pois segundo Karl Popper (2004, p.13),<br />

A cada passo adiante, a cada problema<br />

que resolvemos, não só descobrimos<br />

problemas novos e não solucionados,<br />

porém, também, que<br />

aonde acreditávamos pisar em solo<br />

firme e seguro, todas as coisas são,<br />

na verdade, inseguras e em estado<br />

de alteração contínua.<br />

É sobre este enfoque que irá ser discutido<br />

a importância do Amicus Curiae como auxiliador<br />

no processo interpretativo constitucional,<br />

o qual atua como interventor nas ações diretas<br />

de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias<br />

de constitucionalidade.<br />

Ainda, este tem sua participação ampliada<br />

a partir da Lei Federal 9.868/99, a qual dispõe<br />

sobre a possibilidade de sua participação nos<br />

casos de relevância social e no qual o seu interesse<br />

seja conexo com a causa.<br />

Intentar-se-á demonstrar, desta forma,<br />

que a participação do AmicusCuriae é deveras<br />

importante para a concretização do processo<br />

hermenêutico, no qual a consolidação de um<br />

Estado Democrático de Direito, depende da participação<br />

social, sendo necessário que a proposta<br />

de uma Sociedade Aberta dos Intérpretes da<br />

Constituição seja aplicada.<br />

2 A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS:<br />

O AMICUS CURIAE COMO EXPRESSÃO DO DIREI-<br />

TO DE PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO CONSTITU-<br />

CIONAL<br />

A evolução histórica do Estado demonstra<br />

que os anseios da sociedade mudam e, por<br />

isso, os contornos deste Ente ao qual delegamos<br />

poderes, através do contrato social, também<br />

mudam. Revoluções e reformas exteriorizam<br />

a vontade do indivíduo pela instauração de<br />

uma nova organização estatal, na qual sejam tutelados<br />

as vontades e desejos dos indivíduos que<br />

vivem em sociedade.<br />

Assim, o Direito, como organizador das<br />

relações interpessoais, deve evoluir conjuntamente<br />

com as necessidades das pessoas, para<br />

que a sua finalidade de garantir o bem comum<br />

não fique anacrônica.<br />

Isto deve ocorrer para que as relações<br />

que emanam de uma nova estruturação social<br />

possam ser normatizadas, haja vista que esta ciência<br />

pertence ao mundo da cultura e é o reflexo<br />

do conjunto de interações sociais, representado<br />

pelo ir e vir das ações humanas, materializado<br />

nos costumes, pensamentos e ideologias,<br />

afinal como nos ensina Miguel Reale(1999, p.66)<br />

o direito é “fato, valor e norma”.<br />

Desta forma, a modificação na estrutura<br />

do Estado é nada mais que uma reorganização<br />

de um dos seus elementos, o povo. O exemplo<br />

mais evidentedesta reestruturação deu-se com<br />

a Revolução Francesa e o seu lema de liberdade,<br />

igualdade e fraternidade, o qual exteriorizava a<br />

vontade dos indivíduos pelo reconhecimento<br />

dos seus direitos fundamentais. Este período de<br />

reivindicações atua no sentido de refrear as ações<br />

do Estado, cobrando deste uma postura de abstenção,<br />

ou seja, lutava-se pelas liberdades individuais,<br />

como o direito à inviolabilidade do domicílio,<br />

à liberdade, de reunião, de culto etc.<br />

É neste momento, também, que se tem o<br />

marco do movimento constitucionalista com a modificação<br />

das cartas magnas de alguns países que,<br />

por vontade própria ou por pressão popular, aderem<br />

à declaração de Direitos do Homem e do Cidadão<br />

(1789) (FRANÇA, 2011) e passam a seguir o modelo<br />

da Constituição Francesa (1791) (idem, 2011).<br />

Neste sentido, um grande momento de<br />

luta pelos direitos individuais ganha proporções<br />

colossais, refletindo inclusive no Brasil. Este país,<br />

que se tornou independente em 1822, continuou<br />

vendo em seu povo os resquícios de um<br />

passado bem próximo, no qual o Estado livra-se<br />

de Portugal, mas os escravos não conseguem<br />

quebrar os grilhões da subjugação.<br />

248 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 247-255, jun. 2011


Depois deste primeiro momento de luta<br />

contra um Estado absolutista que suprimia a liberdade<br />

debaixo do seu amplo poder, vivenciase<br />

outra fase, agora distinta daquela. O Século<br />

XX é palco de uma onda liberalista, no qual o<br />

Estado tem influências na esfera do indivíduo a<br />

fim de lhe dá condições para o desenvolvimento<br />

de uma vida digna.<br />

Diz-se que esta segunda geração dos direitos<br />

fundamentais caracteriza-se pela prestação<br />

positiva do Estado, refletindo na tutela à saúde,<br />

educação, trabalho, assistência social, lazer etc. Sob<br />

este aspecto, vê-se uma primazia da tutela dos direitos<br />

individuais e sociais, em face deste escorço<br />

histórico. Não obstante, na metade do século passado,<br />

notamos uma mudança na nuance de proteção<br />

aos direitos, na qual as convenções de proteção<br />

ao Meio ambiente trarão à tona a preocupação<br />

com os direitos coletivos e difusos.<br />

Este é o terceiro momento ou terceira<br />

geração de luta pelos direitos fundamentais, marcado<br />

pelo término da Segunda Guerra Mundial.<br />

Contudo, no Brasil, esta terceira etapa<br />

demora a se concretizar, pois “enquanto na Europa<br />

a redemocratização se deu logo após a<br />

Segunda Guerra Mundial, no Brasil e, na América<br />

Latina em geral, esse processo veio depois,<br />

nas décadas de 1980 e 1990, quando se<br />

pôs fim a inúmeros governos totalitaristas”<br />

(ABRAÃO, 2011, p.20).<br />

Não obstante, atualmente, presenciamos<br />

o quarto momento na luta pelos direitos<br />

fundamentais, o qual se configura pela busca de<br />

uma tutela democrática, assim como a de uma<br />

proposta de abertura social. Neste sentido ensina<br />

Paulo Bonavides (2006, p.571),<br />

São direitos de quarta geração o direito<br />

à democracia, o direito à informação<br />

e o direito ao pluralismo.<br />

Deles depende a concretização da<br />

sociedade aberta para o futuro, em<br />

sua dimensão de máxima universalidade,<br />

para a qual parece o mundo<br />

inclinar-se no plano de todas as relações<br />

de convivência.<br />

Assim, este quarto momento de lutas pela<br />

participação democrática e pluralidade, unidos ao<br />

terceiro momento de busca pela tutela de direitos<br />

coletivos e difusos, torna mais proeminente<br />

e necessária a participação de todos os indivíduos<br />

na busca por respostas aos novos anseios.<br />

Sob este aspecto, temos a participação<br />

do Amicus Curiae como elemento fundamental<br />

para a concretização deste escorço histórico de<br />

luta pela concretização dos Direitos fundamentais.<br />

A origem do Amicus curiae remonta o período<br />

romano, mas foi certamente na Suprema<br />

Corte Norte Americana que este se desenvolveu.<br />

O sistema do Common Law, através do Stare<br />

decisis, permite que uma decisão judicial, tomada<br />

sobre um caso particular, afete casos semelhantes<br />

que venham a ocorrer futuramente.<br />

(MACIEL, 2010, p.7-8)<br />

Assim, há casos célebres na jurisprudência<br />

norte americana, que demonstram a força da<br />

intervenção do Amicus Curiae, como por exemplo,<br />

no caso Peterson v. Mclean Credit Union, no<br />

qual 112 entidades privadas, 47 StateAttoneryGenerals,<br />

66 senadores dentre outros, foram admitidos<br />

como Amici Curiae. No caso Gideon v. Wainright,<br />

1963, em que se debateu sobre a constitucionalidade<br />

de um julgamento sem a assistência<br />

de um advogado, mais de 20 Estados-Membros<br />

da Federação, pessoas e órgãos participaram<br />

como Amici Curiae (idem, 2010, p.7-8).<br />

3 A ABERTURA HERMENÊUTICA E O AMICUS<br />

CURIAE<br />

Neste diapasão, nota-se um lento, mais<br />

promissor rompimento de uma “tampa hermética”<br />

das interpretações, agora com a possibilidade<br />

da efetiva participação do povo na apresentação<br />

de alternativas. É neste momento que<br />

ganha força o Amicus Curiae, sendo “o sujeito<br />

processual, pessoa natural ou jurídica, de representatividade<br />

adequada que atua em processos<br />

objetivos e alguns subjetivos cuja matéria for<br />

relevante” (PINTO, Apud, CÂMARA, p.223),<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 247-255, jun. 2011 249


foi utilizado no Brasil pela primeira<br />

vez pela Lei nº. 6.616, de 16 de dezembro<br />

de 1978, que acrescentou artigos<br />

à Lei nº. 6.385, de 7 de dezembro<br />

de 1976, que dispõe sobre o mercado<br />

de valores mobiliários e cria a<br />

Comissão de Valores Mobiliários. A<br />

partir daí, vários instrumentos legislativos<br />

se utilizaram desse instituto,<br />

sempre sob o intuito de se utilizar<br />

de uma pessoa, grupo de pessoas,<br />

órgão ou entidade para auxiliar<br />

a Corte na resolução da lide (MAGA-<br />

LHÃES, 2009)<br />

A sua intervenção nas ações diretas de<br />

inconstitucionalidade e nas ações declaratórias<br />

de constitucionalidade está p<strong>revista</strong> na lei 9.868/<br />

99, em seu artigo 7°, parágrafo 2º, demonstrando<br />

a relevância que ganha este instituto,<br />

Art. 7º. (...)<br />

Parágrafo 2º. O re<strong>lato</strong>r, considerando<br />

a relevância da matéria e a representatividade<br />

dos postulantes,<br />

poderá, por despacho irrecorrível,<br />

admitir, observado o prazo fixado no<br />

parágrafo anterior, a manifestação<br />

de outros órgãos ou entidades.<br />

A participação do Amicus Curiae ganha relevância<br />

a partir da possibilidade de sua sustentação<br />

oral nas ações diretas de constitucionalidade,<br />

podendo participar efetivamente, desde<br />

que siga algumas diretrizes, quais são:<br />

• Relevância da matéria: com isto quis dizer o<br />

legislador sobre a relação relevante entre a<br />

atuação da entidade e a matéria que está sendo<br />

julgada. Contudo, não há critérios precisos<br />

para a intervenção do Amicus Curiae.<br />

• Momento da intervenção: O Amicus pode intervir<br />

em qualquer momento do julgamento<br />

da ação e tal como na assistência este pegará<br />

o processo no estado em que se encontrar.<br />

• Prazo para manifestação: Embora não haja<br />

norma para este prazo, o Amicus disporá do<br />

mesmo prazo das partes para produzir sua sustentação<br />

oral, 30 dias.<br />

• Capacidade postulatória: A lei não dispõe sobre<br />

a exigência de advogados, contudo subentende-se<br />

que este seja necessário, posto que<br />

este deva assinar a petição inicial.<br />

Assim, ao Amicus Curiae permite-se a<br />

participação, desde que seja através da representatividade<br />

adequada por órgãos ou entidades,<br />

sabendo-se que a assistência é vedada pelo<br />

regimento interno da Corte Suprema.<br />

Vejo isto como um fenômeno de mimetismo<br />

de ações, logo se há causas idênticas e<br />

têm-se argumentos válidos e novos, deve-se<br />

buscar a habilitação no processo como Amicus<br />

Curiae expondo interesses conexos com o tema<br />

ou, ainda, colocando informações técnicas importantes<br />

para dirimir a lide.<br />

Destarte, se a decisão da Suprema Corte<br />

é dotada de efeitos erga omnes e tem carga<br />

vinculativa, segundo ensina Gilmar Mendes<br />

(2010, p.1214),”A emenda constitucional n. 3, de<br />

17-03-1993 firmou a competência para conhecer<br />

e julgar a ação declaratória de constitucionalidade<br />

de lei ou ato normativo federal, processo<br />

cuja decisão definitiva de mérito possuirá eficácia<br />

contra todos e efeito vinculante”. Sendo assim,<br />

é indispensável que todas as pessoas que<br />

tem interesse sobre o debate, possam intervir.<br />

4 A SOCIEDADE ABERTA DOS INTÉRPRETES DA<br />

CONSTITUIÇÃO: A PROPOSTA DE ABERTURA<br />

HERMENÊUTICA DE PETER HÄBERLE NO SUPRE-<br />

MO TRIBUNAL FEDERAL<br />

Ainda sob esta análise, nota-se quão deveras<br />

importante é o Amicus Curiaepara o Estado<br />

democrático de Direito, no qual o devido processo<br />

legal e a participação dos cidadãos nas decisões<br />

estatais são dois escopos fundamentais.<br />

Esta ideia ganhou força no Supremo Tribunal<br />

Federal após a publicação da Obra de Peter<br />

Habërle (1997, p. 13), um dos maiores constitucionalistas<br />

da contemporaneidade, o qual discorre<br />

em sua obra sobre a abertura que deve<br />

250<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 247-255, jun. 2011


haver nas sociedades atuais para a participação<br />

popular, pois ressalta que:<br />

no processo de interpretação constitucional<br />

estão potencialmente vinculados<br />

todos os órgãos estatais,<br />

todas as potências públicas, todos<br />

os cidadãos e grupos, não sendo<br />

possível estabelecer-se um elenco<br />

cerrado e ou fixado com numerus clausus<br />

de intérpretes da Constituição.<br />

Destarte, o Amicus Curiae expressa uma<br />

modificação na hermenêutica constitucional,<br />

antes fechada a um grupo de operadores oficiais<br />

e que, hodiernamente, ganha o apoio da população<br />

em processos de controle direto de constitucionalidade.<br />

Pensa-se, por exemplo, como<br />

seria difícil a interpretação do artigo 231 da Constituição<br />

do Brasil sem a ajuda dos índios, antropólogos<br />

e indigenistas.<br />

Art. 231 - São reconhecidos aos índios<br />

sua organização social, costumes,<br />

línguas, crenças e tradições, e os direitos<br />

originários sobre as terras que<br />

tradicionalmente ocupam, competindo<br />

à União demarcá-las, proteger e<br />

fazer respeitar todos os seus bens.<br />

Ainda, afirma Peter Habërle (idem,<br />

1997, p. 3).<br />

O pensamento do possível ou o pensamento<br />

pluralista de alternativas<br />

abre suas perspectivas para “novas”<br />

realidades, para o fato de que a realidade<br />

de hoje pode corrigir a de ontem,<br />

especialmente a adaptação às<br />

necessidades do tempo de uma visão<br />

normativa, sem que se considere<br />

o novo como o melhor.<br />

Sob esta análise, o indivíduo como vivente<br />

de uma sociedade em contínua transformação<br />

conhece, até certo ponto, as vontades e<br />

anseios da comunidade em que está inserido.<br />

Por isso, deve-se permitir que este participe<br />

do processo democrático, o qual não se encerra<br />

na capacidade de votar e ser votado, mas ultrapassa<br />

esta esfera, devendo atingir, outrossim,<br />

o processo cognoscitivo e aplicativo constitucional,<br />

afinal a “Constituição da República<br />

para exprimir a idéia de que a constituição se<br />

refere não apenas ao Estado, mas a própria comunidade<br />

política, ou seja, à res pública” (CA-<br />

NOTILHO, 2003, p. 88).<br />

Ainda, não se deve deixar configurar o<br />

temor de uma “perda de foco” na análise constitucional,<br />

pois de acordo com (HESS, 1998, p. 64).<br />

Se esses pontos de vista contêm premissas<br />

materialmente apropriadas<br />

e férteis, então elas possibilitam deduções<br />

que conduzem para a resolução<br />

do problema ou, então, contribuem.<br />

Nisso, não está na descrição<br />

do intérprete quais topoi ele, da multiplicidade<br />

dos pontos de vista possíveis,<br />

quer considerar. Ele deve, por<br />

um lado empregar somente tais pontos<br />

de vista para a concretização que<br />

estão relacionados com o problema;<br />

a determinação pelo problema exclui<br />

topoi não apropriados.<br />

Ademais, esta efetiva participação é fundamental<br />

para a criação de alternativas, por que<br />

Imaginemos um funil, onde a abertura<br />

superior e ma ior representa<br />

a ga ma de interpretaç ões sobre<br />

uma determ inada matéria, formula<br />

da s pelos diverso s legitima do s.<br />

À medida que o proc esso se desenvolve,<br />

percebe-se que o número<br />

de interpretações diminui. Muita<br />

s são refo rm ula da s, outra s se<br />

fundem. Há um verdadeiro processo<br />

de liquidifica ção dessas interpretaçõ<br />

es até que a C orte Constituciona<br />

l defina qua l ou quais são<br />

aceitáveis e adequadas para aquela<br />

matéria. [...] O aumento na participa<br />

ção produz irá o surgim ento<br />

de nova s alternativ as, a s qua is<br />

propiciarão ao juiz co nstitucional<br />

um c ontato m aior co m a realidade,<br />

decidindo, assim, teo ric amente,<br />

de forma mais adequada, justa<br />

e legítima. (AMARAL, 2006).<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 247-255, jun. 2011<br />

251


Assim, nota-se a importante intervenção<br />

de indivíduos na análise constitucional, em especial<br />

do Amicus Curiae, para que se possam<br />

ampliar os horizontes de interpretações tentando<br />

formular, portanto, com mais eficácia respostas<br />

às necessidades sociais, além de tornar, não<br />

obstante, mais consistente a hermenêutica constitucional,<br />

poiso ir e vir dialético do entendimento<br />

humano é fundamental para o aumento da<br />

compreensão, tendo em vista que quanto mais<br />

este cresce, mais a teia de significados aumenta,<br />

possibilitando, assim, umagama de interpretações<br />

que mesmo sendo diferentes não excluem<br />

as anteriores, complementando-se em um<br />

processo enriquecedor para o objeto.<br />

Celso Ribeiro de Bastos (2002, p. 133)<br />

comenta sobre a fundamental importância para<br />

o Direito Brasileiro dos ensinamentos de Peter<br />

Häberle através da proposta de uma sociedade<br />

aberta aos intérpretes da Constituição,<br />

Häberle considera como participante<br />

do processo judicial, ao lado daqueles<br />

órgãos que desempenham uma<br />

função estatal, outros que não são<br />

necessariamente órgãos do Estado<br />

como o requerente e o recorrido, o<br />

autor e o réu, aqueles têm direito de<br />

manifestação ou integração à lide, pareceristas,<br />

experts, peritos, grupos de<br />

pressão organizados. A lição é todo<br />

aproveitável no Direito Brasileiro.<br />

Tal afirmativa ressalta a proposta de abertura<br />

interpretativa, não obstante, tal intervenção<br />

qualificada ainda dificulta a abertura constitucional<br />

que se desenvolve aos poucos, pois esta<br />

necessidade de estar constituído em partido<br />

político ou órgão ainda freia o acesso á Justiça<br />

daqueles que não fazem parte destes.<br />

5 O AMICUS CURIAE COMO ELEMENTO PARA A CON-<br />

CRETIZAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS<br />

É cediço que o homem é fruto do tempo<br />

em que vive e por este é condicionado. Pensamentos,<br />

ideologias, comportamento e ações,<br />

todos estes são fruto do indivíduo dentro de um<br />

momento histórico. E a Constituição como norte<br />

de orientação do ordenamento jurídico não é<br />

diferente. É por isso que esta deve se adequar à<br />

sociedade quando necessário, haja vista que é a<br />

responsável por impor o dever-ser.<br />

Assim, a hermenêutica constitucional caracteriza-se<br />

pela teoria da concretização, sendo o<br />

seu precípuo objetivo a aplicação aos casos concretos<br />

das normas constitucionais. E se este é o<br />

principal objetivo e o caso concreto surge a partir<br />

de fatos sociais e tais, sãoo resultado do comportamento<br />

do indivíduo, quem podemos julgar mais<br />

competente para discorrer sobre um problema<br />

que emana do seio social? O povo torna-se, indubitavelmente,<br />

apto para compreender as normas<br />

constitucionais, pois a interpretação resulta, outrossim,<br />

de uma adequação histórica, vivida e<br />

construída pelos próprios indivíduos.<br />

Devemos entender que há indivíduos cerrados<br />

para esta interpretação, não obstante a abertura<br />

aos intérpretes de uma sociedade democrática<br />

de Direito deve acontecer, pois, ao se interpretar<br />

um dispositivo com a participação do povo,<br />

este pode se tornar bem mais, haja vista que parte<br />

dos indivíduos que usufruirão desta norma contribui<br />

para a sua formação. Ainda, a Constituição<br />

da República Brasileira mostra-se como programática,<br />

segundo os ensinamentos de J.J.Gomes<br />

Canotilho (2003, p. 217), apresentando diretrizes<br />

para a sua interpretação, haja vista que “A constituição<br />

comandaria a ação do Estado e imporia aos<br />

órgãos competentes a realização de metas programáticas<br />

nela estabelecidas.”<br />

Por isso, deve o povo participar da aplicação<br />

destes direcionamentos aos casos reais, haja<br />

vista que “a interpretação constitucional é “concretização”<br />

(Konkretisierung).”(HESS, 2009, p.108).<br />

Este papel de aplicação das normas constitucionais<br />

à realidade vivenciada demonstra ser<br />

necessária e fundamental participação do Amicus<br />

Curiae como expositor da vontade social perante<br />

um tema relevante, “pois o processo de<br />

formação de uma unidade política e de uma or-<br />

252<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 247-255, jun. 2011


dem jurídica é antes de tudo, um processo histórico<br />

concreto, que necessita de colaboração<br />

consciente da coletividade”. (SILVA, 2000, p. 350).<br />

Ainda, as novas realidades apresentadas<br />

pelos indivíduos, contribuem demasiadamente<br />

para a interpretação da Constituição, haja vista que<br />

esta antes se caracterizava por ser fundamentalmente<br />

hermética, ou seja, fechada aos indivíduos<br />

que não faziam parte do “meio jurídico”, todavia,<br />

O método sistemático, caracterizado<br />

pelo seu hermetismo, e que marcou o<br />

positivismo filosófico dos séculos<br />

anteriores, não correspondia mais às<br />

perplexidades e inseguranças causadas<br />

por um mundo de novos e variados<br />

valores, notadamente quando as<br />

atrocidades do nazismo, cometidas<br />

sob a proteção da lei, mostraram que<br />

a lei nem sempre é justa. Daí a atuação<br />

do Tribunal de Nuremberg, no imediato<br />

pós-guerra, ao decidir conforme<br />

os princípios gerais de moral universal.<br />

(CAMARGO, 2003, p. 139-140).<br />

A partir desta afirmação, vê-se um apego<br />

mais acurado aos princípios gerais dos direitos,<br />

renegando à legislação, um papel importante,<br />

mas que não se sobrepujeaos direitos fundamentais<br />

ao qual o homem tem direito, com o<br />

disfarce de cumprir a lei. Tal fato nota-se nos<br />

regimes totalitários, não só no Nazismo, mas<br />

também no fascismo, os quais eram constitucionais,<br />

porém socialmente “imorais”.<br />

Konrad Hesse (2002), em sua obra a força<br />

normativa da Constituição, debate sobre como a<br />

constituição deve ser uma mescla entre a ciência<br />

da realidade e a ciência normativa, devendo equilibrar<br />

as relações político-sociais que fazem parte<br />

do seio social, impondo, outrossim, a sua supremacia<br />

como norte do ordenamento jurídico.<br />

Assim, a aplicação ao caso concreto, orientado<br />

pelas normas constitucionais possibilita<br />

que os indivíduos que pertencem à comunidade<br />

em contínua transformação possam ser agentes<br />

desta aplicação. A Constituição deve ser entendida<br />

como a “ordem jurídica fundamental de uma<br />

comunidade ou o plano estrutural para a confirmação<br />

jurídica de uma comunidade, segundo<br />

certos princípios fundamentais”. (HESSE, apud,<br />

MÁRTIRES COELHO, 2010).<br />

É, sobretudo, por este motivo que a “virada”<br />

hermenêutica começa a ganhar forma, pois<br />

cresce a necessidade de se democratizar esta interpretação,<br />

para que as pessoas que ajudam a<br />

interpretar a norma possam se sentir mais atuantes<br />

e, desta forma, lutem para a modificação de<br />

um cenário social. Desta forma, o Amicus curiae<br />

tem este papel de participação na interpretação<br />

constitucional, visando ao que os interesses do<br />

povo sejam bem mais atendidos pelos juristas.<br />

Uma demonstração efetiva e deveras<br />

importante da participação do Amicus Curiae<br />

configura-se na ADIN 2.130/ SC<br />

AÇÃO DIRETA DE INSCONTITUCIONALIDA-<br />

DE. INTERVENÇÃO PROCESSUAL DO AMI-<br />

CUS CURIAE. POSSIBILIDADE. LEI 98.68/<br />

99(ART. 7°§2°). SIGNIFICADO POLÍTICO-<br />

JURÍDICO DA ADMISSÃO DO AMICUS CU-<br />

RIAE NO SISTEMA DE CONTROLE NORMA-<br />

TIVO ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDA-<br />

DE. PEDIDO DE ADMISSÃO DEFERI-<br />

DO.(2009, Jusbrasil disponível em: http:/<br />

/www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia).<br />

Esta participação do Amicus Curiae revela<br />

que este vem sendo aceito pelo Supremo Tribunal<br />

como fonte de opiniões acerca de matérias constitucionais,<br />

as quais podem ser mais bem suscitadas<br />

e dirimidas através da intervenção deste sujeito<br />

como intérprete. Ainda, o Amicus Curiae não diminui<br />

a velocidade dos processos em curso no Supremo<br />

Tribunal Federal, pois segundo Medina (2010<br />

p. 26) o que causa a sobrecarga da Corte Excelsa é o<br />

controle incidental, ou seja, a quantidade de Recursos<br />

extraordinários, Agravos de Instrumentos e<br />

outros que chegam até o Supremo.<br />

Sendo assim, vê-se que a Abertura Constitucional,<br />

vem de certa forma, sendo concretizada<br />

pela atuação do Amicus Curiae, inclusive<br />

com a possibilidade de sustentação oral, o que<br />

permite maior relevância de sua atuação.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 247-255, jun. 2011<br />

253


Ainda sob esta análise, é plausível<br />

que a intervenção dos amigos na corte leva a<br />

uma aceitação, por parte do povo, de uma nova<br />

ordem jurídica estabelecida, por que “direito<br />

histórico necessita, fundamentalmente, de aceitação,<br />

pressuposto para o estabelecimento de<br />

um consenso a respeito dos conteúdos da ordem<br />

jurídica” (SILVA, 2000, P. 358). Ainda, sobre<br />

isto, dispõe Konrad Hesse (2002, p.36) “esse consenso<br />

fundamental garante não necessariamente<br />

“exatidão”, porém, sim, a existência duradoura<br />

da ordem jurídica, pois quando ela falta, coação<br />

autoritária pode ocupar o seu lugar; [...]”.<br />

Desta forma, analisa-se que a participação<br />

do indivíduo no processo de adequação das<br />

normas constitucionais à realidade histórica vivida,<br />

possibilita uma aceitação maior da coletividade<br />

sobre as modificações instauradas. Pense-se<br />

no caso do julgamento das células-tronco (ADI<br />

3.510), na qual o Procurador Geral da República<br />

impugnava a constitucionalidade de dispositivos<br />

da Lei de Biossegurança (Lei n. 11.105/2005) que<br />

permitia a pesquisa com células-tronco.<br />

Damares Medina (2010, p. 79), expõe<br />

sobre o tema em análise que:<br />

Na ADI 3.510, a questão constitucional<br />

controvertida (pesquisas com células-tronco<br />

embrionárias) reunia<br />

vários aspectos que favoreciam a participação<br />

de terceiros interessados.<br />

O ingresso desses atores sociais, por<br />

sua vez, cumpriu a função de informar<br />

à corte acerca das escolhas e orientações<br />

políticas de vários setores<br />

da sociedade, além de indicar a grande<br />

complexidade técnica da matéria,<br />

uma vez que as pesquisas com as<br />

células-tronco estão na vanguarda do<br />

conhecimento técnico- científico.<br />

Neste diapasão, nota-se que a participação<br />

de vários segmentos sociais no debate de<br />

um tema polêmico, abre uma gama de compreensões<br />

sobre o que deve ser interpretado. Isto<br />

demonstra que o ingresso de Amici Curiaepossibilita<br />

que o tema sub judice seja bem mais debatido<br />

pelo Judiciário, com vistas a concretizar as<br />

normas da constituição.<br />

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Tal fato demonstra que se galga cada<br />

vez mais rumo à democracia participativa almejada<br />

por países que sofreram os horrores da supressão<br />

da liberdade nos períodos ditatoriais.<br />

O quarto momento de busca pelo pluralismo<br />

e pela abertura social, ganha força com<br />

o Amicus Curiae, sendo possível, através dele,<br />

ampliar as concepções acerca de uma determinada<br />

matéria constitucional em discussão.<br />

Assim, a presença deste sujeito processual<br />

reforça o acesso à Democracia que está sendo<br />

construída, a qual deve se erguer em bases sólidas<br />

de participação popular, afinal é mais fácil aceitar<br />

algo de que se participa em sua criação. A nova<br />

hermenêutica proposta por Peter Häberle a partir<br />

da Sociedade Aberta dos intérpretes da Constituiçãosedimenta<br />

a participação dos indivíduos no processo<br />

cognoscitivo da constituição como um conjunto<br />

normatizado da sociedade e rompe, por sua<br />

vez, a tampa hermética que separa o povo dos juízes<br />

responsáveis por julgar a aplicação concreta da<br />

força normativa da constituição.<br />

Ainda, o ingresso do Amicus Curiae em<br />

questões controvertidas, possibilita uma maior<br />

aceitação sobre a decisão tomada, haja vista que<br />

quanto maior a gama de compreensões expostas<br />

sobre o tema, mais estas podem representar<br />

os desejos do povo.<br />

Além disso, a realidade histórica permite<br />

que se adéquem às normas programáticas ditadas<br />

pelo legislador ao caso concreto, o qual<br />

advém de uma transformação social vivenciada<br />

pelos indivíduos componentes do seio social.<br />

Assim, embora se tenha percorrido um<br />

caminho considerável a partir da permissão do<br />

Amicus Curiae nos controles diretos de constitucionalidade,<br />

ainda vislumbra-se uma imensa<br />

estrada a ser desbravada em direção à concretização<br />

do Estado Democrático de Direito.<br />

254<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 247-255, jun. 2011


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Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 247-255, jun. 2011<br />

255


256 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 2, p.207-216, nov. 2010


ORÇAMENTO PÚBLICO E PODER LEGISLATIVO:<br />

O ORÇAMENTO PROGRAMA COMO INSTRUMENTO DE<br />

EFETIVAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 1<br />

Bárbara Cozzi Gonçalves *<br />

RESUMO<br />

Este trabalho objetiva traçar uma análise do papel do orçamento na implementação das<br />

políticas públicas no País, com foco na distribuição de renda e capacidade tributária contributiva<br />

e de que forma isto reflete os anseios de Justiça Social na sociedade brasileira. Tece<br />

ainda, considerações a respeito do Poder Legislativo enquanto voz ativa do cidadão na elaboração<br />

das leis e aprovação do Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias<br />

(LDO) e Lei do Orçamento Anual (LOA). Pesquisa majoritariamente baseada na análise crítica<br />

da realidade social, lei e doutrina existente sobre o tema.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Orçamento. Poder Legislativo. Justiça Social.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A capacidade contributiva é tema recorrente<br />

no direito tributário brasileiro e, sendo<br />

assim, é normal que assuntos como Reforma Tributária,<br />

políticas de integração nacional ou ainda<br />

a tão controversa redistribuição de renda,<br />

despertam polêmicas acirradas na esfera jurídica<br />

e política, que refletem no contexto social.<br />

O orçamento público constitui uma maneira<br />

efetiva de resolução de uma série de conflitos<br />

e problemas de gestão que afetam o país.<br />

O Estado, para intervir na vida dos indivíduos e,<br />

especialmente, na atividade econômica, necessita<br />

de um corpo técnico-jurídico harmônico e<br />

bem organizado, que lhe dê os subsídios para<br />

amparar esta ingerência da esfera pública na privada.<br />

Em se tratando de Direito Financeiro e Tributário,<br />

o foco se volta para a análise do orçamento<br />

público e dos tributos como via de execução<br />

do objetivo estatal do bem comum.<br />

Falar de orçamento público pressupõe falar<br />

de jogo de interesses, de poder e de dinheiro.<br />

*<br />

Acadêmica do 7º semestre do curso de Direito da <strong>Unama</strong>,<br />

monitora de Introdução ao Direito I, ex- monitora de Direito<br />

Tributário I, estagiária da Procuradoria Geral do Estado,<br />

setor Procuradoria Fiscal.<br />

¹ Artigo elaborado sob orientação do prof. Ms. Jeferson<br />

Antônio Fernandes Bacelar, graduado em Direito;<br />

Especialista em Docência do Ensino Superior e Mestre em<br />

Direito do Estado.<br />

257<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 257-266, jun. 2011


A arrecadação desempenha um importante papel<br />

nos estados modernos e na vida dos indivíduos que<br />

os compõem; e a forma como são redistribuídos os<br />

montantes arrecadados mexe com a vida das pessoas<br />

mesmo que elas nem se apercebam disto. As<br />

instabilidades financeiras, as crises econômicas,<br />

tudo influi na dinâmica da atividade econômica do<br />

Estado, que, por sua vez, acaba por controlar os<br />

destinos econômicos do País direta ou indiretamente,<br />

requerendo uma constante necessidade de<br />

equilíbrio que garanta o mínimo de estabilidade a<br />

economia e uma fuga do déficit.<br />

Esta abrangência em vários setores da<br />

organização estatal é que faz com que se infere<br />

que a história dos tributos se confunde com a<br />

evolução do Estado e como o seu conceito veio<br />

se firmando ao longo dos séculos, desde a Antiguidade,<br />

quando o patrimônio do soberano se<br />

confundia com o Tesouro Público até os dias atuais<br />

(OLIVEIRA, 2010).<br />

O Direito Constitucional, neste ponto,<br />

aparece para dispor sobre os limites ao poder<br />

de tributar e os princípios gerais que, por conexão,<br />

são aproveitados na matéria tributária. Sobretudo,<br />

o tributar pressupõe, para ser legítimo,<br />

a solidariedade das contribuições de cada um,<br />

na medida das suas possibilidades.<br />

Este trabalho não tem por objetivo tratar<br />

de matéria financeira pura, mas cabe aqui uma<br />

pequena digressão a respeito de assunto que<br />

muito tem em comum com a realização da justiça<br />

social, pois, se não é um fim em si mesma, a<br />

matéria orçamentária é meio de realização dos<br />

fins do Estado.<br />

2 ASPECTOS ORÇAMENTÁRIOS E ADMINISTRA-<br />

ÇÃO PÚBLICA<br />

Na Antiguidade, entre os romanos, já<br />

havia a concepção de que o Império, para subsistir,<br />

necessitava de riquezas, o que explicaria a<br />

sua natureza belicosa. As guerras de conquistas<br />

no Lácio ficaram famosas pelos imensos despojos<br />

dos povos derrotados; eram os tributos pagos<br />

a César e seus generais, sinônimo de “presente”<br />

ou “homenagem” que o vencido tinha<br />

obrigação de prestar ao vencedor (GREEN, 2006).<br />

A singularidade de Roma se deve à noção,<br />

ainda que primitiva, de limite entre o patrimônio<br />

próprio do imperador e o erarium do Império, mesmo<br />

quando a figura do Estado e a do Soberano estivessem<br />

fundidas numa só pessoa (OLIVEIRA,<br />

2010). O conceito de tributo se modifica na proporção<br />

que se torna mais intensa a atividade econômica<br />

do Estado. Esta vem a ser “a atuação estatal<br />

voltada para obter, gerir e aplicar os recursos financeiros<br />

necessários à consecução das finalidades<br />

do Estado que, em última análise, se resumem<br />

na realização do bem comum” (HARADA, 2010).<br />

A atividade econômica, assim, compreende<br />

um conjunto de medidas, muito amplo,<br />

tanto no objeto, quanto no alcance da ação deste<br />

mesmo objeto, que atua em vários segmentos<br />

do Estado, e, ousamos dizer, não se pode<br />

pressupor um Estado atuante, presente na vida<br />

dos seus governados, sem meios de ação. Tais<br />

meios, entende-se, integram o conceito de tributo,<br />

no sentido social a que se presta.<br />

O histórico da tributação no Brasil é complexo,<br />

e de uma forma ou de outra, sempre denotou<br />

algo de injusto no campo da arrecadação<br />

e gerência dos impostos. Deveras, somente a<br />

partir da Constituição de 1934 foi instituída uma<br />

seção exclusivamente dedicada à matéria orçamentária<br />

(OLIVEIRA, 2010). Ao analisar o orçamento<br />

público, agora como orçamento-programa,<br />

deve- se levar em conta que é lei que cumpre,<br />

a princípio, duas funções, uma política e<br />

outra econômica, que são determinantes para<br />

os rumos do país (TORRES, 2006). Ao lado destas,<br />

há doutrinadores que consideram, ainda, uma<br />

função técnica e outra jurídica aliadas às supracitadas<br />

(OLIVEIRA, 2010). Há ainda outras duas funções,<br />

a saber, a de direção e coordenação, que<br />

exerce o orçamento na organização geral do Estado.<br />

Ele dirige e ao mesmo tempo coordena,<br />

através da política de gastos, os rumos econômicos<br />

e sociais da nação.<br />

258 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 257-266, jun. 2011


Dentro destas funções político-econômicas<br />

se insere a função social. Ao analisar aspectos<br />

políticos, aponta-se a noção de democracia e participação<br />

popular que vinculam tanto o processo<br />

legislativo que compõe as peças orçamentárias,<br />

quanto eventuais decisões que venham a ser tomadas.<br />

Soma-se a pobreza, fator determinante<br />

de atraso – e descaso – que reflete negativamente<br />

no crescimento nacional. Os tributos existem<br />

porque o Estado necessita de meios de ação para<br />

alcançar o bem comum, o controle social que exerce<br />

sobre os cidadãos se dando de maneira quase<br />

imperceptível. No entanto, é flagrante a importância<br />

social inserida dentro das ideias de arrecadação<br />

e democracia, sobretudo quando falamos<br />

na divisão das receitas públicas auferidas e de<br />

como e onde serão efetuadas as despesas.<br />

Assim, o conceito moderno de orçamento<br />

compreende a ideia de que 1) trata-se não<br />

mais de uma peça meramente contábil, 2) influi<br />

direta e indiretamente na vida dos indivíduos<br />

componentes do Estado, para tanto, 3) é lei, de<br />

caráter transitório, a ser renovada em períodos<br />

determinados, conforme o rito, e, por este motivo<br />

4) possui princípios que lhe são próprios.<br />

Existe, por certo, todo um procedimento<br />

a ser observado. O direito pátrio prevê que três<br />

peças juntas irão compor o orçamento, são elas:<br />

o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias<br />

(LDO) e a Lei do Orçamento Anual<br />

(LOA), a Lei nº 4.320 de 17 de março de 1964,<br />

servindo como compêndio de regras gerais de<br />

direito financeiro.<br />

P<strong>revista</strong>s constitucionalmente no art. 165<br />

da CF/88, são mecanismos que atuam em conjunto<br />

e que de certa forma se sobrepõem, para<br />

bem formar a cadeia do ciclo financeiro que ilustra<br />

toda a influência e o alcance do poder da<br />

União sobre os demais entes federados.<br />

De forma sucinta, o Plano Plurianual funciona<br />

como um grande cronograma de Governo.<br />

Para Harada (2010) é orçamento que “[...] resulta,<br />

em última análise, das necessidades ditadas<br />

pela política governamental”, sendo útil à ordem<br />

econômica e social ao fazer “[...] o papel de programação<br />

econômica, direcionando a ação do<br />

governo para vários setores da atividade”.<br />

A partir daí, destaca-se o papel da Administração<br />

Pública na execução dos programas de<br />

governo. A expressão “Administração Pública”<br />

tem acepções diversas, conforme o enfoque que<br />

lhe é dado. Pode significar tanto a atividade ou<br />

função administrativa considerada em si mesma,<br />

quanto pelo critério formal, o conjunto de<br />

órgãos que respondem pela função administrativa,<br />

sendo que no critério material equivale a<br />

atividades que o Estado executa concretamente;<br />

por fim, seria confundida com o próprio Estado<br />

(GASPARINI, 1995).<br />

Como ente que lida diretamente com os<br />

administrados, e prestadora de serviços essenciais<br />

à população, deve interagir, nas suas políticas<br />

de atuação, com as diretrizes orçamentárias no<br />

que for possível. Sendo dinâmica, não haveria<br />

porque não ser participativa. Isto se daria de forma<br />

muito simples se fosse o orçamento vinculado<br />

à oitiva do que o contribuinte necessita de fato,<br />

usando a força do Executivo, que é, afinal, o responsável<br />

pela iniciativa da proposta orçamentária.<br />

Critérios como integração nacional e diminuição<br />

das disparidades regionais que deveriam nortear<br />

este tipo de ação (art. 3º, III, CF/88).<br />

A primeira, ainda que não de forma expressa,<br />

está p<strong>revista</strong> através de dispositivos que<br />

alocam, entre os objetivos da República, garantir<br />

o desenvolvimento nacional (art. 3º, II, CF/<br />

88), pois, não há que se falar em desenvolvimento<br />

nacional sem integração plena entre os estados.<br />

Atualmente, é lamentável o papel atribuído<br />

à administração no que diz respeito à participação<br />

no quadro do orçamento público; seria<br />

natural que tivesse uma função mais ativa, já que<br />

serve aos interesses dos administrados, tudo<br />

dentro dos limites legais.<br />

Célebre é o entendimento de que, em<br />

regra, a Administração Pública em seus atos só<br />

pode fazer aquilo que a lei determina, com exceções<br />

que estão p<strong>revista</strong>s no corpo da própria<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 257-266, jun. 2011 259


lei (MEIRELLES, 1986). Neste sentido, seria interessante<br />

desenvolver a Administração participativa,<br />

através de mecanismos de dados e consulta<br />

confiados à responsabilidade dos entes da<br />

Administração Pública Direta ou Indireta, que<br />

gerariam relatórios permanentes e atualizados<br />

referentes ao seu setor de atuação, onde constariam<br />

as principais demandas referentes aos<br />

serviços prestados.<br />

Desta forma, autarquias como o Banco<br />

Central, por exemplo, participariam enviando<br />

relatórios com dados referentes aos juros, cotações,<br />

quantidade de papel moeda em circulação,<br />

assim como informações acerca do perfil<br />

médio de cada segmento de usuário das redes<br />

de banco, o que permitiria ter um panorama geral<br />

de onde e como aplicar os gastos e em que<br />

setores fazer investimentos. O mesmo poderia<br />

ser feito quanto aos dados de demanda do Sistema<br />

Único de Saúde - SUS, prestador de serviço<br />

público mais do que essencial. Estas informações<br />

preciosas, devidamente colhidas e organizadas,<br />

são importantes para saber aonde são<br />

mais necessários os recursos do Estado, pois, ainda<br />

que o Governo Federal disponibilize dados<br />

análogos em vários sítios eletrônicos, a exemplo<br />

do sítio da Controladoria Geral da União e do<br />

próprio Ministério da Fazenda, não se pode dizer,<br />

ainda, que se tenha hoje, no Brasil, uma rede<br />

de dados integrada com dados de vários órgãos<br />

públicos com funções afins.<br />

A Administração Pública também atende<br />

à justiça social ao cumprir com obrigações<br />

negativas frente ao particular, a exemplo do limite<br />

imposto à atividade que gera o chamado<br />

excesso de exação, crime que se configura quando<br />

um funcionário público exige tributo ou contribuição<br />

social que sabe ou que deveria saber<br />

indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança<br />

meio vexatório ou gravoso, que a lei não<br />

autoriza, conforme preceitua o art. 316, § 1º, do<br />

Código Penal. Machado (2010), contudo, pondera<br />

que “[...] na prática esta disposição legal é inoperante”,<br />

pois não são poucas as cobranças de<br />

tributos efetuadas de modo desprovido de legalidade<br />

no cotidiano.<br />

Lei de Diretrizes Orçamentárias, por sua<br />

vez, compreenderá as metas e prioridades da<br />

administração pública federal, incluindo as despesas<br />

de capital para o exercício financeiro subsequente,<br />

orientará a elaboração da Lei Orçamentária<br />

Anual, disporá sobre as alterações na<br />

legislação tributária e estabelecerá a política de<br />

aplicação das agências financeiras oficiais de fomento,<br />

conforme o art. 165, § 2º, da Constituição<br />

Federal de 1988 – CF/88. A doutrina não é<br />

pacífica no que concerne ao conceito de agência,<br />

sendo que “[...] a terminologia ainda é muito<br />

nova, para permitir uma classificação das agências<br />

no direito brasileiro” (DI PIETRO, 2007), o<br />

que não impede que atuem de forma significativa<br />

ao baixar atos normativos que vinculam os<br />

que com elas tratam. Isto não configura, contudo,<br />

exercício de função legislativa, e sim intervenção<br />

em determinados setores da sociedade,<br />

como o fazem na esfera econômica as agências<br />

reguladoras (a exemplo da Agência Nacional de<br />

Petróleo- ANP).<br />

Por fim, a Lei do Orçamento Anual - LOA,<br />

atenderá ao disposto no § 5º do art. 165, da CF/88.<br />

Entre outros elementos que a compõem, destaca-se<br />

o orçamento fiscal (que são as receitas e<br />

despesas) dos poderes da União, seus fundos,<br />

órgãos e entidades da Administração Direta e Indireta,<br />

o da seguridade social e o orçamento de<br />

investimentos das empresas que a União, direta<br />

ou indiretamente, tem a maioria do capital social<br />

com direito a voto. O orçamento anual coincide<br />

com o civil, que vai de 1º de Janeiro a 31 de Dezembro,<br />

vigendo pelo período de um ano; dentro<br />

da LOA se insere a questão do orçamento participativo<br />

instituído no âmbito dos municípios, p<strong>revista</strong><br />

no art. 44 da Lei nº 10.257, de 10 de julho de<br />

2001, o Estatuto da Cidade.<br />

Este tópico será devidamente abordado<br />

mais a frente, quando das considerações em torno<br />

da democracia representativa e que força<br />

política ela representa.<br />

260<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 257-266, jun. 2011


3 DIREITOS CONSTITUCIONAIS X INTERESSES<br />

POLÍTICOS<br />

A Constituição de 1988 se destaca na história<br />

do constitucionalismo brasileiro, pelo fato<br />

de ser a primeira a tratar dos direitos e garantias<br />

individuais e coletivos de forma multifacetária,<br />

contemplando em seu corpo, para tanto, um artigo<br />

específico (já que é nítida a importância do<br />

art. 5º e seus incisos).<br />

Internacionalmente, ganha destaque<br />

pelo avanço no campo dos direitos sociais e humanos<br />

e pela visão privilegiada que confere aos<br />

princípios nela elencados, considerando-os normas<br />

de efeito imediato. Ainda que o art. 5º do<br />

texto constitucional não o diga de maneira explícita,<br />

é fato que encerra uma série de direitos<br />

e garantias atinentes à ordem econômico-financeira<br />

em seus incisos (art. 5º, II). A dignidade da<br />

pessoa humana, que tem uma abrangência ímpar,<br />

pois é direito metaindividual e difuso, está<br />

fortemente inserida no contexto das relações<br />

de justa tributação e políticas voltadas para este<br />

fim. O indivíduo, enquanto ser político dotado<br />

de consciência e anseios, espera do Estado que<br />

cumpra as obrigações que gradativamente avocou<br />

para si durante a sua construção histórica.<br />

Enquanto ente onipotente e onipresente na vida<br />

do indivíduo que convive em sociedade juridicamente<br />

organizada, é necessário que o Estado<br />

esteja preparado para não somente garantir direitos<br />

constitucionais, mas dar real possibilidade<br />

de exercê-los na prática.<br />

O mau emprego dos recursos da arrecadação<br />

no Brasil dispensa dados estatísticos, já<br />

que a realidade pode constatar o que aqui se<br />

afirma. Em parte, isto se deve a um alto índice<br />

de corrupção, má gestão das finanças públicas e<br />

má arrecadação aliadas a uma política de repasses<br />

deficitária, dentre outras razões, que não<br />

caberiam nesta exposição. No mais das vezes,<br />

se tributa errado – e muito mal. Merece destaque<br />

o fato de que há uma série de hipóteses de<br />

incidência que deveriam ser repensadas. O fato<br />

gerador, previsto na hipótese de incidência, gera<br />

a obrigação tributária; por conta disto, rever as<br />

hipóteses onde incide a tributação é importante<br />

para assegurar o cidadão enquanto integrante<br />

da cena política.<br />

Tome-se o exemplo do Imposto de Renda<br />

- IR, que atinge renda e proventos de qualquer<br />

natureza e está previsto no art. 43 do CTN. Nos<br />

incisos I e II, se encontram os conceitos dos objetos<br />

da sua hipótese de incidência. Renda é o produto<br />

do capital, do trabalho ou da combinação de<br />

ambos (art. 43, I) enquanto os proventos de qualquer<br />

natureza serão aqueles acréscimos patrimoniais<br />

não compreendidos no inciso anterior (art.<br />

43, II). A justificativa jurídica para que se incida a<br />

tributação sobre a renda do indivíduo seria melhor<br />

redistribuir a renda e servir à redução das<br />

desigualdades regionais (MACHADO, 2010). Na<br />

prática, porém, o que se percebe é uma sensível<br />

redução na capacidade de consumo do contribuinte,<br />

que reduz o papel das pequenas rendas na<br />

economia. O IR ajuda a implementar uma série<br />

projetos regionais e a reduzir as disparidades entre<br />

os Estados. Por conta da sua importante função<br />

social e fiscal, fica a cargo da União. Seria absurdo<br />

propor a extinção do imposto sobre a renda,<br />

por um motivo muito simples: se a obrigação<br />

de pagar o tributo é compulsória, há que se frisar<br />

também que é geral. Assim, ninguém, a priori,<br />

está isento desta prestação.<br />

Isentos estão aqueles que não podem<br />

arcar com o ônus da obrigação tributária porque<br />

significaria comprometer o mínimo para a subsistência<br />

– esta é uma das razões por que o salário<br />

mínimo não é tributado pelo IR. Acontece que<br />

a renda mínima acaba comprometida da mesma<br />

forma, escapa de um tributo para tropeçar em<br />

outros. Tributos que incidem direta ou indiretamente<br />

no preço final dos produtos (IPI, ICMS,<br />

taxas diversas), repercutem no poder aquisitivo<br />

do cidadão, fazendo com que o salário mínimo<br />

não supra os requisitos de existência digna, elencados<br />

no art. 6º da CF. Em tese, a renda é tributável<br />

porque necessário. Não há, hoje, de fato,<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 257-266, jun. 2011<br />

261


imposto mais lucrativo aos cofres da União, pelo<br />

menos não imposto que tenha uma base de estimativa<br />

de receita relativamente equilibrada.<br />

Tecidas estas considerações, fácil é perceber<br />

que a forma como a renda é tributada deve<br />

ser <strong>revista</strong>. Há vários mecanismos que podem ser<br />

implantados, e que tem a vantagem de movimentar<br />

de forma rápida e eficiente a economia. Impostos<br />

como o IPI (Imposto Sobre Produtos Industrializados)<br />

pela sua natureza extrafiscal, tem<br />

alíquotas muito variáveis e estão sujeitos às cotações<br />

de mercado. Reduzir as alíquotas é um meio<br />

de gerar receitas ao Estado. A recente de redução<br />

do IPI a zero para os produtos da chamada linha<br />

branca, fez com que itens de consumo duráveis<br />

(geladeiras e afins) se tornassem acessíveis a pessoas<br />

de classes menos favorecidas.<br />

A princípio, reduzir imposto, sobretudo<br />

em tempos de crise, não faz sentido, mas os efeitos<br />

podem ser sentidos de forma gradativa,<br />

quando não de imediato: se a economia não alavanca,<br />

ela tão pouco decresce: manter o mercado<br />

interno funcionando, gera renda para a população<br />

e mantém o comércio interno forte:<br />

quando indivíduos à margem da sociedade e do<br />

mercado têm acesso a bens de consumo e empregos<br />

que antes estavam muito distantes da<br />

sua realidade cotidiana, transparece a Justiça<br />

Social. A tributação em excesso, falta de planejamento<br />

adequado e hipóteses de incidência<br />

mal definidas fazem com que a organização tributária<br />

do estado brasileiro se converta numa<br />

verdadeira incentivadora da sonegação, ao trabalhar<br />

com limites implausíveis para a cobrança<br />

de tributos, nem com estrutura de arrecadação<br />

que possibilite uma eficaz e eficiente fiscalização<br />

e controle por parte da Administração Pública.<br />

O imenso poder que detém a União, quanto<br />

à arrecadação e o número de imposto que a competência<br />

tributária lhe atribui, dificulta ainda<br />

mais todo o processo do repasse de receitas no<br />

sistema da federação; em suma, o sistema federativo<br />

por vezes se assemelha a um sistema unitário<br />

(MACHADO, 2010).<br />

Este tópico ficaria incompleto, porém,<br />

sem algumas linhas acerca dos princípios da isonomia<br />

e da legalidade: ao lado da dignidade da<br />

pessoa humana, que de forma implícita e explícita,<br />

permeia toda a Constituição, são, de longe, os<br />

mais imediatos na relação Fisco-Contribuinte.<br />

Se há uma característica que acompanha<br />

todos os seres humanos é seu estado de permanente<br />

diferenciação uns dos outros. De fato, os<br />

indivíduos são desiguais entre si, e cabe à Constituição,<br />

enquanto norma maior de um Estado, tentar<br />

conciliar estas diferenças, sendo injusto tratar<br />

os desiguais como se iguais fossem. A igualdade<br />

se materializa quando a lei, para evitar que se<br />

façam injustiças, trata de forma desigual os desiguais,<br />

na proporção da sua desigualdade (SILVA,<br />

2009). Isto se dá através dos mecanismos de garantias<br />

aos direitos fundamentais. Percebe-se,<br />

logo no caput do art. 5º e ao longo de todo o seu<br />

texto, a preocupação do constituinte em deixar<br />

claro que a isonomia é princípio que rege uma<br />

série relações jurídicas, seja entre o particular e o<br />

Estado, seja entre os próprios particulares.<br />

Garantir a isonomia é, em certa medida,<br />

garantir uma ordem social justa. À primeira vista,<br />

um olhar desatento pode enxergar nesta diferenciação<br />

entre igualdade material e formal uma<br />

afronta aos princípios elementares de Direito;<br />

porém, se tal critério de igualdade subsiste, é com<br />

o intuito de preservar e aplicar à realidade dos<br />

fatos o que a Constituição prevê. A lei, é certo,<br />

não faz discriminações. Mas a lei é geral e abstrata<br />

e deve ser adaptada ao caso concreto. Não se<br />

pode esperar de um juiz que aplique uma lei da<br />

mesma forma para todos os casos que lhe forem<br />

apresentados, ainda que eles tenham elementos<br />

conexos que os enquadrem no mesmo tipo de<br />

ação, sob o risco de se cometer uma injustiça.<br />

Sonegar, assim, seria não somente atentar<br />

contra todos aqueles que cumprem as suas<br />

obrigações com o Fisco e a ordem econômica<br />

em geral, mas sim contra a sociedade inteira.<br />

Seria ir de encontro à capacidade contributiva<br />

de cada cidadão, na medida em que deixam de<br />

262<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 257-266, jun. 2011


ser recolhidos os mesmos tributos de contribuintes<br />

que, em regra, teriam os meios necessários<br />

para adimplir a obrigação e, com isto, são reduzidos<br />

recursos que poderiam reverter em benefícios<br />

para a coletividade. Os gastos públicos<br />

com pessoal, em excesso, também constituem<br />

atos que ferem preceito de justiça, pois negam<br />

à população o acesso a serviços públicos de qualidade,<br />

por conta do desperdício de dotações<br />

orçamentárias. A ideia de que o Estado é perdulário<br />

por natureza e gasta muito em benefício de<br />

poucos não é vã (MACHADO, 2010).<br />

A linha que une a isonomia com a esfera<br />

tributária, assim, é evidente: a tributação deve ser<br />

gradativa e igualitária no sentido de atender à capacidade<br />

contributiva de cada indivíduo. É a materialização<br />

dos limites ao poder de tributar, atrelada<br />

à garantia que a legalidade confere à cobrança<br />

dos tributos em geral, já que, sabe-se, a capacidade<br />

contributiva não pode servir de justificativa para<br />

cobrança de tributo instituído de forma ilegal (MA-<br />

CHADO, 2010). Quando analisado pelo prisma do<br />

direito constitucional, o direito tributário possui<br />

várias vertentes teóricas acerca da igualdade que<br />

deve permear a tributação. Há quem defenda o<br />

critério das teorias subjetivas e objetivas, ao explicar<br />

o tributar levando em conta a isonomia.<br />

As primeiras dividem-se em dois segmentos<br />

que pendem para o princípio do benefício<br />

e do sacrifício igual. O primeiro considera os<br />

benefícios auferidos em função da atividade estatal<br />

e alcança, desta forma, a renda e a propriedade,<br />

utilizando o critério da proporção; o segundo,<br />

é um pouco mais singular, tomando por<br />

base os custos que o Estado efetua em favor de<br />

determinado segmento de indivíduos, que deverão<br />

ser por eles suportados (SILVA,2009).<br />

Grandes empresas que recebessem investimentos<br />

estatais, assim, deveriam pagar<br />

mais impostos aos cofres públicos. Ainda que o<br />

sistema de concessão pública não deva ser desprestigiado,<br />

chama-se, neste ponto, atenção<br />

para medidas mais eficazes voltadas às empresas<br />

de médio porte, sem esquecer das micro e<br />

pequenas empresas que, não raro, contam no<br />

mais das vezes com verdadeiros paliativos tributários,<br />

à maneira do Simples Nacional.<br />

4 DEMOCRACIA REPRESENTATIVA, POLÍTICAS<br />

PÚBLICAS PARTICIPAÇÃO POPULAR<br />

O conceito de democracia remonta aos<br />

tempos da pólis grega. Existem inúmeras idéias<br />

do que vem a ser democracia, a concepção como<br />

o “governo do povo, pelo povo e para o povo”,<br />

sendo a que melhor capta o sentido político reveste<br />

o termo (BONAVIDES, 2007). A democracia<br />

direta, tal como conceberam os gregos atenienses,<br />

já não é mais aplicável à realidade contemporânea<br />

por razões de ordem prática. A organização<br />

que se confere ao Estado e aos poderes que o<br />

compõem sendo muito diferente do tempo das<br />

primeiras manifestações políticas deste gênero.<br />

Como forma de democracia clássica, onde<br />

mais se evidenciou no mundo antigo a participação<br />

dos cidadãos nas decisões da comunidade,<br />

também possuiu limitações que, mormente<br />

o avanço que significou à época, representava<br />

um modus vivendi discriminatório a vários segmentos<br />

sociais, excluindo da Ágora as mulheres,<br />

os estrangeiros e os escravos.<br />

Para evitar abusos, o Estado repartiu as<br />

funções entre os poderes Legislativo, Executivo<br />

e Judiciário, sendo que estes não são incomunicáveis<br />

entre si; são, em verdade, independentes,<br />

porém harmônicos (art. 2º, CF/88). Tal divisão<br />

a que fundamenta e ampara a democracia<br />

representativa, que é o modelo adotado em vários<br />

estados modernos, o Brasil se inserindo nesta<br />

categoria. Assim, o sistema jurídico constitucional<br />

prevê uma série de mecanismos que mesclam<br />

democracia representativa (indireta, portanto),<br />

e democracia direta. Referendo, plebiscito,<br />

iniciativa popular são os meios que a Constituição<br />

elenca para o exercício da soberania popular<br />

de forma direta, ao lado do sufrágio universal,<br />

que se dará de forma direta, secreta e de<br />

igual valor para todos (art. 14, CF/88).<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 257-266, jun. 2011<br />

263


A democracia indireta, consequência do natural<br />

do agigantamento do Estado, contribui para o<br />

exercício real de direitos ao fornecer meios que permitem<br />

ao cidadão participar das decisões políticas sem<br />

se limitar às urnas: a participação popular ajuda no<br />

real exercício da soberania popular e, por reflexão, a<br />

fortalecer o Estado Democrático de Direito.<br />

Interessante é o conceito que dá à Lei nº<br />

12.288, de 20 de julho de 2010, o Estatuto da Igualdade<br />

Racial, em seu art. 1º, V, ao termo “políticas<br />

públicas”, sendo assim compreendidas “as ações,<br />

iniciativas e programas adotados pelo Estado no<br />

cumprimento de suas atribuições institucionais”.<br />

Este conjunto de ações, que visam ao<br />

bem estar coletivo e à prática da cidadania, são<br />

importantes quando se analisa o modelo de democracia<br />

representativa que vigora no Brasil. O<br />

poder legislativo, ao lado do executivo, trabalha<br />

para a confecção do orçamento público; a<br />

ação conjunta destes dois poderes é determinante<br />

ver estas políticas efetivadas. O poder legislativo<br />

necessita estar comprometido com a<br />

função que exerce, qual seja, a de legislar em<br />

nome do povo e servir de eco à sua voz.<br />

Tratar de todo o processo legislativo que<br />

envolve a votação e aprovação do orçamento, em<br />

todos os seus pormenores, não seria interessante a<br />

esta discussão; mais do que o rito legislativo, é pertinente<br />

ao tema a política dos repasses das receitas<br />

arrecadadas e de como isto favorece a corrupção.<br />

Quando da elaboração da atual Constituição,<br />

houve proposta no sentido de tornar este<br />

mecanismo mais transparente e eficaz, com a criação<br />

de órgão que se dedicasse diretamente a distribuição<br />

das receitas. Assim, foi sugerida a adoção<br />

de Conselhos dos Estados e Municípios que iriam<br />

dispor sobre as normas elencadas no art. 159 da CF<br />

e suas alíneas. A proposta foi recebida com entusiasmo<br />

num primeiro momento, sendo descartada<br />

por motivos óbvios (MACHADO, 2010).<br />

Posteriormente, apareceram os motivos<br />

da rejeição: os parlamentares entenderam que a<br />

implantação dos Conselhos faria com que perdessem<br />

uma das funções que consideram como suas,<br />

que é a capacidade de atrair dotações para os seus<br />

estados (MACHADO, 2010). Partindo de considerações<br />

deste tipo, não é difícil perceber que representatividade<br />

no sistema legislativo brasileiro,<br />

está longe do ideal. Em termos de orçamento,<br />

a participação popular conta com alguns mecanismos<br />

de participação, como o já citado art. 44,<br />

da Lei nº 10. 257 de 10 de julho de 2001. O Estatuto<br />

da Cidade prevê, no âmbito dos municípios, que<br />

sejam promovidos “debates, audiências e consultas<br />

públicas sobre as propostas do plano plurianual,<br />

lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento<br />

anual, como condição obrigatória para sua<br />

aprovação pela Câmara Municipal”.<br />

Impossível disposição mais clara, a lei vincula<br />

plenamente a aprovação do orçamento ao<br />

crivo popular. Logo, as sugestões recebidas pelos<br />

parlamentares não podem ser tomadas somente<br />

como sugestões de efeito consultivo, pois elas<br />

vinculam, sim, a ação legislativa (OLIVEIRA, 2010).<br />

Contrariando a lei, isto dificilmente se vê na prática<br />

e as alegações são sempre as mesmas: como<br />

conciliar tantas vontades? Como ouvir tanto seguimentos?<br />

Certo que não se pode fugir à lei alegando<br />

simples princípio da reserva do possível.<br />

Contudo, ignorar que a carência da sociedade,<br />

em seus vários aspectos, faz com que<br />

muitos cidadãos enxerguem a função legislativa<br />

como algo inatingível, fora da sua realidade, e<br />

não são poucos a acreditar que os que a exercem<br />

lhe são superiores- quando, na verdade, são<br />

os primeiros servidores do país e, como tais, estão<br />

a serviço do povo e não “prestando um favor”.<br />

Séculos de clientelismo e coronelismo, aliados<br />

a uma precária formação intelectual, ajudam<br />

a cimentar esta mentalidade.<br />

5 A INFORMAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE<br />

CONTROLE E FISCALIZAÇÃO<br />

O direito à informação, em especial a informação<br />

acerca das contas públicas, possibilita<br />

ao cidadão manter uma atividade de controle e<br />

fiscalização permanentes.<br />

264<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 257-266, jun. 2011


Existem órgãos, previstos na Constituição,<br />

para exercer estas atribuições. O art. 71 contém<br />

disposições acerca do Tribunal de Contas da União,<br />

que, originariamente, possuía a função controlar<br />

a legalidade dos atos da execução orçamentária,<br />

sendo que hoje ultrapassa a esfera do simples<br />

exame da legalidade (HARADA, 2010). Contudo,<br />

Tribunais de Contas não são tribunais no sentido<br />

jurídico do termo. Julgam as contas e não as pessoas<br />

que as prestam; ainda que haja súmula do<br />

STF (vide Súmula nº 347), que possa dar margem<br />

a este entendimento, o que vale é o disposto na<br />

norma constitucional (HARADA, 2010).<br />

O ato de fiscalizar as contas através do<br />

seu julgamento é, por si só, instrumento que<br />

possibilita às pessoas comuns saber o que se<br />

passa nos bastidores políticos, não sendo meras<br />

expectadoras, mas sujeitos atuantes do processo<br />

político. Destacamos que a competência dos<br />

tribunais é válida em todo território nacional,<br />

havendo Tribunais de Contas também nos estados<br />

e, antes da carta constitucional vigente, em<br />

alguns municípios como São Paulo e Rio de Janeiro.<br />

Nos demais municípios, a fiscalização ocorria<br />

através das Câmaras Municipais em parceria<br />

com os Tribunais de Contas dos Estados ou pelos<br />

Conselhos de Contas Municipais, instituídos<br />

pelo governo estadual (HARADA, 2010).<br />

Não obstante, surge um questionamento<br />

pertinente: quem cuidaria de fiscalizar possíveis<br />

abusos que ocorressem nas diligências promovidas<br />

por estes tribunais? De todas as funções essenciais<br />

à justiça, o Ministério Público merece<br />

destaque como órgão responsável por defender<br />

os interesses e direitos da coletividade. Historicamente,<br />

surge na França medieval, em 1302,<br />

como órgão que reunia os procuradores do rei.<br />

Em terras brasileiras, o Ministério Público só surgiria<br />

em 1832, citado de forma rápida pelo Código<br />

Criminal do Império, como “o promotor da ação<br />

penal” (MORAES, 2002). De fato, é instituição que,<br />

além de essencial, promove a Justiça – e a esfera<br />

financeira não escapa às suas denúncias. Há regra<br />

que prevê a atuação de um Ministério Público junto<br />

aos Tribunais de Contas, aonde seriam aplicadas<br />

as mesmas regras concernentes à admissão<br />

de seus membros, e as prerrogativas e garantias<br />

que são próprias deste órgão (art. 73, § 2º, I, CF/<br />

88). Muitas divergências surgiram acerca da sua<br />

vinculação quanto à estrutura, se estariam basicamente<br />

dentro da estrutura do Ministério Público<br />

da União ou se seriam vinculados ao próprio<br />

Tribunal de Contas (MORAES, 2002).<br />

Independente destas divergências doutrinárias,<br />

disposições desta linha atestam a busca<br />

de integração entre sociedade e Poder Público,<br />

exigindo informações referentes aos seus<br />

gastos, suas políticas, para que possa ser soberana<br />

no exercício do seu papel democrático.<br />

Pressupor democracia ou justiça, que subsista<br />

na ignorância de fatos de relevante interesse<br />

público é insensatez: mais do que saber, é preciso<br />

não apenas saber pela metade, bem como é<br />

preciso um judiciário vigilante, munido de órgãos<br />

auxiliares competentes, para que esteja apto a<br />

punir e a proteger quando necessário. A plena<br />

interação entre Ministério Público, Tribunais de<br />

Contas e poderes da União serve não somente à<br />

ideia de justiça social, mas, ao direito de informação<br />

que é garantia constitucional.<br />

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A informação política de que dispõe um<br />

povo depende muito dos fatores sociais que o<br />

cercam e a capacidade de questionar, de buscar<br />

o próprio direito, é proporcional à capacidade<br />

que cada um possui de entender o mundo à sua<br />

volta. Os tributos trabalham para gerar as receitas<br />

que irão suprir as necessidades coletivas, o<br />

que inclui todos os componentes do Estado, sem<br />

exceção – e não apenas um grupo em especial.<br />

Para uma existência digna, a combinação de educação,<br />

saúde e segurança, sustentadas por uma<br />

sólida estrutura estatal que permita à economia<br />

florescer é o que ajuda uma nação a chegar a ser<br />

uma potência não apenas na indústria, mas também<br />

no setor social.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 257-266, jun. 2011<br />

265


Tais considerações não são novas e não se<br />

extinguirão neste texto. Há uma tendência, algo<br />

exagerada, em rotular certas ideias reiteradas ao<br />

longo dos anos como “ultrapassadas”, o que não<br />

quer dizer que elas sejam menos pertinentes e<br />

imediatas. Exigir uma postura mais responsável<br />

em relação ao orçamento-programa não é pedir<br />

dos governantes nada além das suas atribuições,<br />

pois não foi uma única vez que não se votou o<br />

orçamento do exercício subsequente por conta<br />

de disputas políticas em torno de verbas.<br />

Acabar com estas disputas depende muito<br />

de uma mudança radical nas diretrizes de governo<br />

e de mentalidades. O Direito, ciência inerte,<br />

só se modifica se provocado e sozinho não é<br />

capaz de fazer muito, ainda menos a lei. Ação,<br />

comprometimento e força política são elementos-chave<br />

para provocar grandes mudanças.<br />

A justiça social permeia o direito tributário<br />

como se por ele passasse uma linha divisória<br />

entre os vários segmentos da sociedade.<br />

A um tema tão relevante, não convém manter<br />

a visão simplista de que seja algo restrito ao<br />

corpo da lei, sem aplicação prática, sem justificativa<br />

de ser senão enquanto norma programática,<br />

mera utopia, portanto. O Brasil é o país<br />

das utopias possíveis. Boa parte de tudo quanto<br />

já se discutiu acerca de matéria política referente<br />

a mudanças sociais significativas é<br />

perfeitamente possível.<br />

Falta apenas a vontade tomar a frente dos<br />

planos.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 14. ed. São<br />

Paulo: Malheiros, 2007.<br />

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo.<br />

20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007.<br />

GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 4.<br />

ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1995.<br />

GREEN, Vivian Hubert. A loucura dos reis: histórias de<br />

poder e destruição, de Calígula a Saddam Hussein. Trad.<br />

Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.<br />

HARADA. Kiyoshi. Direito financeiro e tributário.<br />

19. ed. rev. e ampl. São Paulo, Atlas, 2010.<br />

MACHADO. Hugo de Brito. Curso de direito tributário.<br />

31. ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2010.<br />

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo<br />

brasileiro. 12. ed. atual. São Paulo: Revista dos<br />

Tribunais, 1986.<br />

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional.<br />

12. ed. São Paulo: Atlas, 2002.<br />

OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de direito<br />

financeiro. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista<br />

dos Tribunais, 2010.<br />

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional<br />

positivo. 32. ed. rev. e atual. São Paulo:<br />

Malheiros, 2009.<br />

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro<br />

e tributário. 13. ed. Rio de Janeiro: Renovar,<br />

2006.<br />

266<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 257-266, jun. 2011


A APLICAÇÃO DA TEORIA DA EFICÁCIA DOS DIREITOS<br />

FUNDAMENTAIS “INTERPRIVATUS” NO CASO MUNIRA<br />

KHALIL EL OURRA E ADRIANA TITO MACIEL 1<br />

Isadora Cristina Cardoso de Vasconcelos *<br />

RESUMO<br />

Com base na aplicação da teoria da eficácia dos direitos fundamentais entre sujeitos de direitos<br />

privados ou “interprivatus”, este artigo analisou a decisão judicial que dirimiu o litígio do casal<br />

homossexual Munira Khalil El Ourra e Adriana Tito Maciel. Tal litígio consistiu na pretensão do<br />

referido casal na concessão do nome de duas mães aos seus filhos, ou seja, a dupla maternidade,<br />

sendo tal fato considerado novo em termos de registro civil de menores. Para gerar as crianças, o<br />

casal recorreu às técnicas de reprodução assistida, o que ocasionou em uma feliz gestação de<br />

gêmeos. A referida decisão judicial foi inédita por vencer preconceitos e provar que, mesmo que<br />

a passos lentos, a Justiça é garantidora por excelência dos direitos de todos.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Reprodução Assistida. Dupla Maternidade. Litígio. Direitos Fundamentais.<br />

Justiça.<br />

1 O CASO MUNIRA KHALIL EL OURRA E ADRIANA<br />

TITO MACIEL<br />

1.1 AVANÇO DA MEDICINA: TÉCNICAS DE REPRO-<br />

DUÇÃO ASSISTIDA<br />

O caso a ser abordado por este artigo é o<br />

do casal Munira Khalil El Ourra e Adriana Tito<br />

Maciel. As duas se conheceram, moram juntas<br />

desde então e resolveram ter filhos. Para tal,<br />

recorreram aos métodos avançados da medicina<br />

de reprodução assistida.<br />

Segundo Zeno Veloso,<br />

[...] a filiação pode ser consequência<br />

de reprodução assistida, que nos<br />

países de língua francesa se denomina<br />

procréationmédicalement assistée.<br />

[...] A procriação assistida ocorre<br />

através dos seguintes processos: inseminação<br />

artificial, fecundação artificial<br />

com transferência do embrião<br />

e maternidade de empréstimo (“barriga-de-aluguel”).<br />

(1997, p. 150).<br />

O método utilizado pelo casal em questão<br />

foi a inseminação artificial que consiste na<br />

* Acadêmica do 5º semestre do curso de Direito da UNAMA,<br />

monitora da disciplina Introdução ao Direito I. E-mail: isavasconcelos@live.com<br />

1<br />

Artigo orientado pela Profª. Msc. Ágatha Gonçalves Santana,<br />

Mestre em Direitos Humanos e Relações Privadas pela<br />

Universidade Federal do Pará (UFPA); Professora Adjunta I<br />

da Universidade da Amazônia, onde ministra no curso de<br />

Direito as disciplinas Teoria Geral do Processo e Direito<br />

Processual Civil. Advogada Civilista.<br />

267<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 267-276, jun. 2011


implantação de espermatozoides no óvulo. A<br />

fecundação pode ocorrer diretamente no órgão<br />

genital feminino ou em laboratório, denominada<br />

de fertilização in vitro, no qual se faz tal técnica<br />

e, posteriormente, se implanta o embrião no<br />

útero. A inseminação artificial pode ser dois tipos:<br />

homóloga e heteróloga. A primeira ocorre<br />

quando o material masculino utilizado no procedimento<br />

é do próprio marido ou companheiro.<br />

A segunda ocorre quando o material masculino<br />

é de fonte de terceiro.<br />

A técnica utilizada, neste caso, foi a de<br />

inseminação artificial heteróloga (fertilização”in<br />

vitro”) na qual os óvulos de Munira Khalil foram<br />

fertilizados por espermatozoides de um indivíduo<br />

doador do sexo masculino, que pela política<br />

de reprodução assistida brasileira, nunca terá sua<br />

identidade conhecida.<br />

RESOLUÇÃO CFM nº 1.957/10<br />

IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES<br />

2 - Os doadores não devem conhecer<br />

a identidade dos receptores e viceversa.<br />

3 - Obrigatoriamente será mantido o<br />

sigilo sobre a identidade dos doadores<br />

de gametas e embriões, bem<br />

como dos receptores. Em situações<br />

especiais, as informações sobre doadores,<br />

por motivação médica, podem<br />

ser fornecidas exclusivamente<br />

para médicos, resguardando-se a<br />

RESOLUÇÃO CFM nº 1.358/1992<br />

II - USUÁRIOS DAS TÉCNICAS DE RA<br />

1 - Toda mulher, capaz nos termos da lei, que<br />

tenha solicitado e cuja indicação não se afaste<br />

dos limites desta Resolução, pode ser receptora<br />

das técnicas de RA, desde que tenha concordado<br />

de maneira livre e consciente em documento<br />

de consentimento informado.<br />

2 - Estando casada ou em união estável, será<br />

necessária a aprovação do cônjuge ou do<br />

companheiro, após processo semelhante de<br />

consentimento informado. (CONSELHO<br />

FEDERAL DE MEDICINA, 1992).<br />

identidade civil do doador. (CONSE-<br />

LHO FEDERAL DE MEDICINA, 2010).<br />

Os óvulos fertilizados foram implantados<br />

em Adriana Tito, no qual resultou em uma gestação<br />

com sucesso de gêmeos. Tem-se aqui um<br />

caso peculiar de dupla maternidade, pois há duas<br />

mães, sendo uma mãe biológica, doadora do<br />

material genético (Munira) e uma mãe gestacional<br />

(Adriana).Hoje, pessoas solteiras e casais<br />

homossexuais podem recorrer a tais métodos,<br />

fato que antigamente não ocorria. O presidente<br />

do Conselho Federal de Medicina (CFM) Roberto<br />

D’Ávila, afirmou recentemente que a nova<br />

medida adotada:<br />

[...] permite que a técnica seja desenvolvida<br />

em todas as pessoas, independentemente<br />

de estado civil ou<br />

orientação sexual. É uma demanda<br />

da sociedade moderna. A medicina<br />

não tem preconceitos e deve respeitar<br />

todos de maneira igual. (CONSE-<br />

LHO FEDERAL DE MEDICINA, 2011).<br />

Logo, as alterações nas regras dos métodos<br />

de reprodução assistida são bem vindas na<br />

medida em que são uma evolução, atendendo<br />

aos anseios da sociedade contemporânea. Tais<br />

alterações incidem justamente pela ampliação<br />

das pessoas atingidas pela nova resolução, fato<br />

que antigamente não ocorria:<br />

RESOLUÇÃO CFM nº 1.957/2010<br />

II - PACIENTES DAS TÉCNICAS DE RA<br />

1 - Todas as pessoas capazes, que tenham solicitado<br />

o procedimento e cuja indicação não se<br />

afaste dos limites desta resolução, podem<br />

ser receptoras das técnicas de RA desde que<br />

os participantes estejam de inteiro acordo e<br />

devidamente esclarecidos sobre o mesmo, de<br />

acordo com a legislação vigente. (CONSELHO<br />

FEDERAL DE MEDICINA, 2010).<br />

268<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 267-276, jun. 2011


É certo que houve uma evolução nesse sentido.<br />

Maria Berenice Dias pontua muito bem acerca<br />

de tal evolução: “Agora o sonho de ter filhos e<br />

de constituir família está ao alcance de qualquer<br />

um. Ninguém precisa ter par, manter relações sexuais,<br />

ser fértil para tornar-se pai ou mãe” (DIAS,<br />

2009). Portanto, as técnicas de inseminação artificial<br />

possibilitam aos casais homoafetivos constituírem<br />

famílias sem que haja quaisquer contatos<br />

heterossexuais. O casal se utilizou de tal técnica, o<br />

que resultou numa gestação feliz de gêmeos. Todavia,<br />

quando há nascimento, todo o indivíduo<br />

deve possuir um nome e, neste caso, há duas mães<br />

e nenhum pai, então, como proceder?<br />

1.2 NOME: UM PROBLEMA?<br />

Nos casos de nascimento, a criança tem<br />

direito ao nome civil, sendo este um direito fundamental<br />

intrínseco à pessoa humana, pois ele<br />

é uma identificação que acompanha o indivíduo<br />

durante e até depois do fim de sua existência.<br />

Portanto, o nome civil é um direito personalíssimo<br />

do ser humano.<br />

Caio Mário da Silva Pereira, citado por<br />

Maria Berenice Dias, afirma que os direitos personalíssimos<br />

“são direitos indisponíveis, inalienáveis,<br />

vitalícios, intransmissíveis, extrapatrimoniais,<br />

irrenunciáveis, imprescritíveis e oponíveis<br />

erga omnes (a todos)” (PEREIRA apud DIAS, 2011,<br />

p. 125). Portanto, todos têm direito a possuir um<br />

nome, pois ele permite identificação, intimidade,<br />

individualização como pessoa, comprovação<br />

de sua origem familiar, sendo o nome um valor<br />

inserido dentro do conceito de dignidade da<br />

pessoa humana da Constituição Federal de 1988:<br />

Art. 1º A República Federativa do Brasil,<br />

formada pela união indissolúvel<br />

dos Estados e Municípios e do<br />

Distrito Federal, constitui-se em Estado<br />

Democrático de Direito e tem<br />

como fundamentos:<br />

I - a soberania;<br />

II - a cidadania;<br />

III - a dignidade da pessoa humana; (BRA-<br />

SIL, 2010, p. 24).<br />

O nome é composto por dois elementos:<br />

oprenome e o sobrenome. O prenome é aquele<br />

que promove a individualização da pessoa, sendo<br />

de livre escolha dos pais. Já o sobrenome é<br />

“[...] o sinal que identifica a procedência da pessoa,<br />

indicando sua filiação ou estirpe, sendo, por<br />

isso, imutável, podendo advir do apelido de família<br />

paterno, materno ou de ambos” (DINIZ,<br />

2007, p. 203). Logo, o nome completo de um indivíduo<br />

é composto pelo prenome, sobrenome da<br />

mãe e o patronímico do pai (sobrenome do pai).<br />

E no caso dos gêmeos em questão? É certo<br />

que eles devem possuir nomes civis, ou seja,<br />

uma identificação própria que revele sua ascendência<br />

familiar, todavia, a questão é muito mais<br />

complexa, pois temos um tipo de família que sofre<br />

bastante preconceito social: a homoafetiva.<br />

O Poder Judiciário reconhecendo a complexidade<br />

do caso, porém, não se omitindo frente<br />

a ele, decidiu pela procedência de ação declaratória<br />

de maternidade, porém, ineditamente, de dupla<br />

maternidade aos gêmeos, contudo, não havendo<br />

o nome de um pai, afirmando que o homem<br />

envolvido foi somente doador de material genético,<br />

não caracterizando, portanto, ter a incumbência<br />

de ser um pai. Logo, a problemática não envolve<br />

em si somente o nome, mas a aceitação dosnovos<br />

tipos familiares advindos do seio social, como<br />

a do caso em questão. Portanto, se faz mistero aprofundamento<br />

no estudo da família para entender<br />

as raízes do problema foco deste estudo.<br />

2 DIREITO DE FAMÍLIA E DIREITO HOMOAFETIVO<br />

2.1 FAMÍLIA: UMA ANÁLISE<br />

Para se entender melhor o caso em questão<br />

é necessário se aprofundar nas raízes do estudo<br />

da família sob diversos prismas em virtude<br />

da complexidade do tema “família”.A família é o<br />

núcleo base de toda e qualquer sociedade, tendo<br />

sua importância ressaltada dentro do texto<br />

constitucional de 1988: “Art. 226.A família, base<br />

da sociedade, tem especial proteção do Estado”.<br />

(BRASIL, 2010, p. 85).<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 267-276, jun. 2011<br />

269


Seu conceito sociológico, segundo Anthony<br />

Giddens, é:<br />

Um grupo de indivíduos ligados entre<br />

si por laços de sangue, matrimônio<br />

ou adoção, que formam uma unidade<br />

econômica, cujos membros<br />

adultos são responsáveis pela formação<br />

dos filhos. Todas as sociedades<br />

conhecidas envolvem algum<br />

tipo de sistema familiar, ainda que<br />

a natureza das relações familiares<br />

seja amplamente variável. Embora,<br />

nas sociedades modernas, a principal<br />

forma familiar seja a família nuclear,<br />

também encontramos, com frequência,<br />

uma variedade de relações<br />

familiares ampliadas. (2005, p. 85).<br />

Esse conceito é moderno, abrangendo a<br />

evolução social dentro da família, (novos tipos de<br />

família, adoção etc.), porém, a situação nem sempre<br />

foi assim. As sociedades ocidentais viram surgir<br />

novos padrões familiares que antes eram inimagináveis<br />

para as gerações predecessoras.<br />

A família tem suas origens em duas percepções.<br />

A primeira é que o ser humano possui<br />

o instinto de procriação da espécie, já a outra é<br />

que tem aversão à solidão. Percebe-se a tendência<br />

da vida aos pares em termos gerais no<br />

mundo animal. Portanto, a vida aos pares é um<br />

fator natural, todavia, “[...] a família é um agrupamento<br />

informal, de formação espontânea no<br />

meio social, cuja estruturação se dá através do<br />

direito” (DIAS, 2011, p. 27).<br />

A família também é uma construção cultural.<br />

Como afirma Rodrigo da Cunha Pereira,<br />

adotando a linha ideológica de Jacques Lacan, a<br />

família “[...] dispõe de uma estruturação psíquica<br />

na qual todos ocupam um lugar, possuem uma<br />

função – lugar do pai, da mãe, lugar dos filhos –,<br />

sem, entretanto, estarem necessariamente ligados<br />

biologicamente” (2003, p. 13). E sendo uma<br />

construção cultural, é importante ressaltar que<br />

na medida em que a sociedade evoluiu, vários<br />

tipos de famílias vieram surgindo, como já anteriormente<br />

foi citado. Dessa forma, podemos<br />

destacar dentre tais tipos: a família nuclear (tradicional),<br />

ampliadas ou extensas e, por fim, as<br />

consideradas alternativas.<br />

A família nuclear ou tradicional é o<br />

dito “modelo” cultural que está entranhado<br />

socialmente. Ela é, conforme Anthony Giddens,<br />

“[...] dois adultos vivendo juntos num<br />

núcleo doméstico com suas crianças” (2005,<br />

p. 152). A família ampliada, extensa ou parental<br />

é uma rede um pouco mais além do<br />

núcleo familiar, abrangendo parentes diretos<br />

ou colaterais consanguíneos, vivendo em<br />

relacionamento mais próximo e contínuo<br />

uns com os outros. Portanto, avós, tios, sobrinhos,<br />

por exemplo, estariam abrangidos<br />

por este tipo de família. Por fim, existem as<br />

denominadas alternativas, que vão além das<br />

estruturas familiares citadas anteriormente.<br />

Há diversas subdivisões das famílias alternativas,<br />

dentre as quais se pode destacar:<br />

as monoparentais, as comunitárias, uma<br />

nova tendência denominada eudemonista e<br />

ashomossexuais.<br />

As famílias monoparentais são aquelas<br />

chefiadas por um dos genitores, sendo que geralmente<br />

é a mulher que exerce essa função<br />

de chefia. As estruturas familiares comunitárias<br />

são aquelas que a responsabilidade em<br />

relação aos filhos é descentralizada dos genitores<br />

passando para todos os membros adultos<br />

da família. Já a família eudemonista enfatiza<br />

justamente a questão da busca pela felicidade<br />

em conjunto pela família, pois esta se<br />

tem laços de amor e afeto.<br />

Por fim, a família homossexual ou homoafetiva<br />

é aquela em que há uma ligação conjugal<br />

entre dois indivíduos do mesmo sexo, que podem<br />

incluir filhos adotados, ou próprios. Esta é<br />

a família analisada neste estudo e convém traçar<br />

considerações mais aprofundadas, em virtude<br />

da complexidade da mesma, nem tanto entre<br />

os seus membros, mas, principalmente, em<br />

relação à visão social – preconceituosa – que se<br />

tem sobre essa família.<br />

270<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 267-276, jun. 2011


2.2 FAMÍLIA HOMOAFETIVA<br />

A família homoafetiva é um dos tipos<br />

dentro da pluralidade dos tipos de organizações<br />

familiares existentes no seio social. Ela é<br />

rechaçada socialmente em virtude de questões<br />

de marginalidade nas quais a sexualidade<br />

dos homossexuais é colocada, como se fosse<br />

uma doença, uma anormalidade. De fato, é<br />

um grande tabu conversar sobre sexualidade<br />

e, ainda mais sobre homossexualidade. Isso<br />

se deve ao receio, à vergonha, ao tabu inserido<br />

na sociedade no que concerne aos temas<br />

da sexualidade. Logo, vale ressaltar alguns<br />

pontos sobre as estruturações psicológicas<br />

que são passadas aos indivíduos no decorrer<br />

de seu processo de desenvolvimento, tendo<br />

como elo fundamental a família como aquele<br />

que perpassa os valores atuais.<br />

Em termos psíquicos, como já foi afirmado,<br />

cada membro da família uma função dentro<br />

de uma estruturação psíquica, sem que haja de<br />

fato uma ligação biológica de fato. Tal afirmação<br />

é de fundamental importância para ser adequada<br />

ao Direito, pois privilegia outros tipos de família<br />

e o afeto como principal vínculo entre os<br />

membros familiares.<br />

Sigmund Freud, em Totem e Tabu, apresentou<br />

que nos grupos sociais existem ideias<br />

enraizadas as quais tais grupos se submetem,<br />

muitas vezes sem saber ao certo o porquê das<br />

mesmas. O Totem era “[...] a base de todas as<br />

obrigações sociais e restrições morais das tribos”<br />

(PEREIRA, 2003, p. 17). Já o Tabu era em si “[...]<br />

entre os primitivos as interdições e proibições”<br />

(PEREIRA, 2003, p. 18).<br />

Essa s pro ibiçõ es referem -se principa<br />

lm ente contra a liberdade de<br />

prazer e contra a liberdade de movimento<br />

e comunicação [...]. Os tabus<br />

sobre anima is, que co nsistem<br />

fundamentalmente em pro ibiçõ es<br />

de m atá -los e com ê-lo s, co nstituem<br />

o núcleo do totemismo. (FREUD,<br />

1974, p. 36).<br />

A ideia do Tabu se aplica até hoje nos problemas<br />

na discussão da sexualidade. Os indivíduos<br />

tem vergonha, receio, um grande tabu ao<br />

se falar sobre ela. Prefere-se deixar de lado tal<br />

discussão, porém, em termos de família, ela se<br />

torna uma questão fundamental, pois as relações<br />

familiares são frutos de vontade, de desejo,<br />

culminando obviamente na sexualidade. E<br />

felizmente, no decorrer do tempo, os valores<br />

morais e sexuais foram mudando e a família,<br />

sendo aquela que se adequa e transmite tais<br />

valores, foi se adequando à evolução.<br />

O Estado não pôde mais controlar as<br />

formas de constituição das famílias.<br />

Ela é mesmo plural. O gênero de família<br />

comporta várias espécies,<br />

como a do casamento, que maior proteção<br />

recebe do Estado, das uniões<br />

estáveis e a comunidade dos pais e<br />

seus descendentes (art. 226, CF). Essas<br />

e outras formas vêm exprimir a<br />

liberdade dos sujeitos de constituírem<br />

a família da forma que lhes convier,<br />

no espaço de sua liberdade. (PE-<br />

REIRA, 2003, p. 32).<br />

Portanto, as famílias são plurais e, neste<br />

trabalho, o foco do estudo é a família homoafetiva,<br />

como já foi dito anteriormente. Porém, vale<br />

antes ressaltar algumas questões sobre homossexualidade<br />

e homossexualismo, sendo os pontos<br />

fundamentais do preconceito dirigido a este<br />

tipo de família.<br />

A homossexualidade é o ato das relações<br />

afetivas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo.<br />

Já o homossexualismo foi relacionado com doença,<br />

inclusive constado na Classificação Internacional<br />

das Doenças (CID) até a 9ª revisão de<br />

1975-1993, porém, a 10ª revisão do CID, em 1993,<br />

retirou o termo “homossexualismo” como uma<br />

anomalia humana. Em virtude da conotação pejorativa<br />

contida no termo “homossexualismo”,<br />

é mais comum a utilização do termo “homossexualidade”,<br />

inclusive esta aceita pelo movimento<br />

de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e<br />

travestis. (LGBTT).<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 267-276, jun. 2011<br />

271


A homossexualidade existe desde os primórdios<br />

da humanidade. Há re<strong>lato</strong>s desde a Grécia<br />

sobre a existência da homossexualidade dentro<br />

de um padrão de normalidade comportamental,<br />

porém, tal fato não é corrente nas sociedades<br />

atuais, ou seja, a homossexualidade ainda é tratada<br />

como uma anormalidade ou patologia.<br />

A questão de ser uma anormalidade ou<br />

até justificando uma doença seria puramente a<br />

legitimação de que a homossexualidade, por estar<br />

fora de padrões morais e sociais considerados<br />

normais, deveria ser relegada à marginalidade,<br />

às denominações de patologias que devem ser<br />

evitadas pelos seres humanos. Seria a mesma<br />

coisa que dizer que ser negro, mulher, indígena,<br />

ser de alguma tribo social diferente poderia ser<br />

encarado como alguma doença. Contudo, não<br />

existe legitimação científica nenhuma de que ser<br />

homossexual é uma patologia, portanto, nada justifica<br />

o preconceito contra os homossexuais.<br />

Então, por que o tema homossexualidade<br />

tanto incomoda as pessoas? Por que o receio<br />

de explorar tal tema? Por que tanto preconceito?<br />

O psicanalista Jurandir Freire, indagado a<br />

respeito respondeu:<br />

Minha proposta é deixarmos de identificar<br />

socialmente pessoas por suas<br />

preferências sexuais [...]. Porque nos<br />

interessamos tanto pela preferência<br />

sexual das pessoas a ponto de julgarmos<br />

muito importante identificálas<br />

sociomoralmente por este predicado?<br />

Que disse que este mau hábito<br />

cultural tem de ser eterno? É isto<br />

que, a meu ver, importa. Quando e de<br />

que maneira poderemos ensinar, convencer,<br />

persuadir as novas gerações<br />

de que classificar sociomoralmente<br />

pessoas por suas inclinações sexuais<br />

é uma estupidez que teve, historicamente,<br />

péssimas consequências<br />

éticas. Muitos sofreram por isto; muitos<br />

mataram e morreram por esta<br />

crença inconsequentee humanamente<br />

perniciosa. (1995, p. 3).<br />

Pensamentos como este de Jurandir Freire,<br />

dentre outros cientistas e pessoas da sociedade<br />

em geral que podem fazer a diferença para<br />

não se perpetuar a cultura estigmatizada sobre a<br />

homossexualidade. Em termos jurídicos, a lei brasileira<br />

ainda não tomou conhecimento em linhas<br />

explícitas sobre a homossexualidade. Só há casamento<br />

entre pessoas de orientação heterossexual,<br />

ou seja, entre pessoas de sexo diferente.<br />

Contudo, se faz mister ressaltar que, mesmo a<br />

passos lentos, a jurisprudência brasileira já demonstra<br />

avanços significativos sobre dissoluções<br />

de uniões estáveis e consequente partilha de<br />

bens de relações homoafetivas, sobre filhos de<br />

pais homossexuais, como no caso deste estudo.<br />

O assunto é polêmico e o profissional de<br />

Direito encontra muitas dificuldades na discussão<br />

do mesmo e em até encontrar material científico<br />

sobre tal assunto. Contudo, apesar das dificuldades,<br />

a questão é justamente introduzir a<br />

reflexão que a homossexualidade não é doença<br />

e que as uniões homoafetivas são fatores correntes<br />

no seio social. O Direito deve acompanhar<br />

a sociedade, afinal ele é produto da mesma.<br />

Portanto, legitimar tais uniões é um passo<br />

fundamental, pois é um grupo que não pode ter<br />

seus direitos negados de se unir, de constituir<br />

uma família reconhecida juridicamente e, claro,<br />

socialmente, como qualquer outra família.<br />

3 A TEORIA DA EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDA-<br />

MENTAIS “INTERPRIVATUS”<br />

Paraa análise da decisão judicial do caso<br />

envolvido neste estudo, se faz mister falar da Teoria<br />

da Eficácia dos Direitos Fundamentais ”interprivatus”<br />

e, obviamente, alguns apontamentos<br />

sobre os Direitos Fundamentais, sendo que estes<br />

possuem diversos posicionamentos doutrinários,<br />

dentre as quais alguns serão citados.<br />

O professor José Carlos Vieira de Andrade,<br />

citado por Rodrigo Nakahira, leciona que os direitos<br />

fundamentais são “[...] direitos absolutos, imutáveis<br />

e intemporais, inerentes à qualidade de<br />

homem dos seus titulares e constituem um núcleo<br />

restrito que se impõe a qualquer ordem jurídica”<br />

272<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 265-274, 267-276, jun. 2011


(ANDRADE apud NAKAHIRA, 2007, p. 15). Já os direitos<br />

fundamentais são, segundo José Joaquim<br />

Gomes Canotilho citado por Moraes:<br />

A função de direitos de defesa dos<br />

cidadãos sob uma dupla perspectiva:<br />

(1) constituem, num plano jurídico-objectivo,<br />

normas de competência<br />

negativa para os poderes públicos,<br />

proibindo fundamentalmente as<br />

ingerências destes na esfera jurídica<br />

individual; (2) implicam, num plano<br />

jurídico-subjectivo, o poder de<br />

exercer positivamente direitos fundamentais<br />

(liberdade positiva) e de<br />

exigir omissões dos poderes públicos,<br />

de forma a evitar agressões lesivas<br />

por parte dos mesmos (liberdade<br />

negativa)” (CANOTILHO apud<br />

MORAES, 2010, p.30).<br />

Portanto, os direitos fundamentais são,<br />

em linhas gerais, são direitos e garantias individuais<br />

e coletivas dos indivíduos que garantem condições<br />

adequadas de vida a eles, limitando o poder<br />

do Estado em termos de lesão a tais direitos, além<br />

de impor que o Estado aja em prol dos cidadãos.<br />

A Constituição da República Federativa do<br />

Brasil de 1988, dentro de seu Título II, trouxe os<br />

direitos e garantias fundamentais como gênero<br />

subdividindo-se os mesmos em cinco capítulos<br />

(espécies): direitos individuais e coletivos, direitos<br />

sociais; nacionalidade; direitos políticos e partidos<br />

políticos. Por tais direitos estarem previstos<br />

no tecido constitucional, possuem a chamada<br />

Eficácia Irradiante dos Direitos Fundamentais, em<br />

virtude de que a Constituição ser a lei hierarquicamente<br />

superior a todas as outras leis do nosso<br />

país. Daniel Sarmento a respeito disso ensina:<br />

[...] significa que os valores que dão<br />

lastro aos direitos fundamentais<br />

penetram por todo o ordenamento<br />

jurídico, condicionando a interpretação<br />

das normas legais e atuando<br />

como impulsos e diretrizes para o<br />

legislador, a administração e o judiciário.<br />

A eficácia irradiante, neste<br />

sentido, enseja a “humanização” da<br />

ordem jurídica, ao exigir que todas<br />

as suas normas sejam, no momento<br />

de aplicação, reexaminadas pelo<br />

operador do direitos com novas lentes,<br />

que terão cores de dignidade<br />

humana, da igualdade substantiva<br />

e da justiça social, impressas no tecido<br />

constitucional (2006, p. 124).<br />

Tais direitos são garantidos a todos, portanto,<br />

tendo também eficácia “inteprivatus”, ou<br />

seja, estes direitos tem extensão dentro das relações<br />

privadas como, por exemplo, no mercado,<br />

na sociedade civil, na empresa, na família e<br />

etc.Vale citar também que pelo fator da eficácia<br />

irradiante dos direitos fundamentais, há a eficácia<br />

vertical dos direitos fundamentais, sendo<br />

esta divergente da eficácia “interprivatus”, em<br />

virtude de que a primeira atinge somente os<br />

poderes públicos, já a segunda atinge os particulares.<br />

Desta forma, sem sombra de dúvidas,<br />

os direitos fundamentais abrangem todo e qualquer<br />

âmbito do seio social.<br />

Portanto, considera-se que os direitos<br />

fundamentais atingem a todos, tanto nas relações<br />

privadas quanto nos atos emanados dos entes do<br />

poder público. No caso deste estudo, especialmente<br />

nos atos proferidos pelo Poder Judiciário,<br />

no caso da decisão inédita no país em análise deste<br />

estudo, foi concedida a dupla maternidade a gêmeos,<br />

como foi citado anteriormente. Em tal decisão<br />

é latente o quanto foram considerados os<br />

Direitos Fundamentais do casal Munira Khalil e<br />

Adriana Tito pelo Juiz Dr. Fábio Eduardo Basso,<br />

fato que será mais aprofundado a seguir.<br />

4 ANÁLISE DA DECISÃO JUDICIAL DO CASO COM<br />

BASE NA TEORIA DA EFICÁCIA “INTERPRIVATUS”<br />

DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS<br />

A decisão proferida pelo Juiz Dr. Fábio<br />

Eduardo Basso, da 6ª Vara de Família e Sucessões<br />

de Santo Amaro (Comarca de São Paulo)<br />

em relação à pretensão do casal Munira Khalil e<br />

Adriana Tito ao Poder Judiciário foi considerada<br />

inédita por dar benefício inédito a uma união<br />

homoafetiva. Tal benefício foi o da concessão<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 267-276, jun. 2011<br />

273


de dupla maternidade às crianças envolvidas no<br />

caso, ou seja, na certidão de nascimento dos<br />

menores constam dois nomes de mães e nenhum<br />

nome de um pai, sendo tal fato não muito<br />

normal dentro de decisões prolatadas pelo Poder<br />

Judiciário.<br />

Anteriormente neste estudo foi mencionado<br />

que todas as decisões emanadasdo Poder<br />

Judiciário devem ser baseadas no texto constitucional,<br />

respeitando principalmente os direitos fundamentais<br />

concernentes a todos os indivíduos. José<br />

Joaquim Gomes Canotilho ensina a respeito:<br />

Aos tribunais cabe a tarefa clássica<br />

da ‘defesa dos direitos e interesses<br />

legalmente protegidos dos cidadãos<br />

(CRP, artigo 205°/2). Os tribunais, porém,<br />

não estão apenas ‘ao serviço<br />

da defesa dos direitos fundamentais’;<br />

eles próprios, como órgãos do<br />

poder público, devem considerar-se<br />

vinculados pelos direitos fundamentais.<br />

Esta vinculação dos tribunais<br />

efectiva-se ou concretiza-se: (1) através<br />

do processo aplicado no exercício<br />

da função jurisdicional ou (2) através<br />

da determinação e direcção das decisões<br />

judiciais pelos direitos fundamentais<br />

materiais. (1993, p. 586).<br />

A decisão do Juiz Dr. Fábio Eduardo Basso<br />

não fugiu a esta regra. Por mais que o caso fosse<br />

polêmico, o magistrado, representando o Estado-Juiz<br />

e tendo, portanto, o dever da eficácia<br />

vertical dos direitos fundamentais, não se absteve<br />

do mesmo e utilizou fundamentação constitucional<br />

embasada em tais direitos que todo e<br />

qualquer ser humano possuem em suas relações<br />

privadas (“interprivatus”) ou nas mesmas com o<br />

Estado. Sua fundamentação no processo de ação<br />

declaratória de maternidade consistiu em:<br />

Alicerça a solução e pelo que por si<br />

e em si diz, o princípio da dignidade da<br />

pessoa humana (art. 1º, III, da CF). Igualmente,<br />

a liberdade, o direito a se ter<br />

filhos e de planejá-los de maneira responsável<br />

(arts. 5º, caput e 226, § 7º, do<br />

CF). Ainda, o dever da não-discriminação<br />

e igualdade, àsvárias formas de família<br />

e aos filhos que delas se originem<br />

(arts. 3º, IV, 226, e 227, caput e § 3º, da<br />

CF), e, consequentemente, o direito<br />

ao estado de filiação e ao nome, reciprocamente<br />

entre pais e filhos, não só para<br />

a perfeita e própria identificação, mas<br />

também daqueles e da célula familiar<br />

de que derivam. Ao final certo<br />

que respeitados, na hipótese, os<br />

superiores interesses dos menores<br />

de idade. Posto isto, JULGO PROCE-<br />

DENTE o pedido para reconhecer E. K.<br />

T. e A. L. K. T. também filhos de M. K.<br />

E. O., a mãe biológica, atribuindo-se<br />

a eles e a ela todos os direitos relativos<br />

à filiação e ao parentesco. As<br />

crianças manterão o nome, passando<br />

a constar, em retificação, no respectivo<br />

assento de nascimento, que<br />

filhos de A. T. M. e M. K. E. O., tendo<br />

por avós J. S. M. e I. T. A., e K. A. E. O. e<br />

M. F. A (fls. 26 e 110).(BRASIL, 2010).<br />

A solução dada ao processo foi baseada<br />

primeiramente no princípio da dignidade humana<br />

contido no Art. 1º, III, da Constituição Federal.<br />

Em tal princípio, a dignidade é considerada<br />

um valor moral e espiritual intrínseco aos seres<br />

humanos, nas quais estes podem se autodeterminar<br />

em suas vidas de forma consciente e responsável<br />

e que, segundo Moraes “[...] traz consigo<br />

a pretensão ao respeito por parte das demais<br />

pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável<br />

que todo o estatuto jurídico deve assegurar”<br />

(2010, p.22). Vale ressaltar que tal princípio<br />

é considerado o norte para o sistema dos<br />

direitos fundamentais, pois todos os outros direitos<br />

decorrem dele.<br />

Posteriormente, foi elencada no excerto<br />

da jurisprudência em análise”a liberdade e o<br />

direito a se ter filhos e de planejá-los de maneira<br />

responsável” contidos no Art. 5º, caput e Art.<br />

226, § 7º da Constituição de 1988.<br />

Nos ensinamentos de Paulo Gonet Branco,<br />

“as liberdade são proclamadas partindo-se da<br />

perspectiva da pessoa humana como ser me busca<br />

da auto-realização, responsável pela escolha<br />

dos meios aptos para realizar as suas potenciali-<br />

274<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 267-276, jun. 2011


dades” (2010, p. 586). Logo, foi garantida a liberdade<br />

de ter filhos ao casal, desde que cumpram<br />

com o dever de favorecer todas as condições para<br />

que os menores cresçam em condições dignas.<br />

A posteriori, se mencionou na decisão<br />

judicial “o dever da não discriminação e igualdade,<br />

às várias formas de família e aos filhos que<br />

delas se originem (arts. 3º, IV, 226, e 227, caput e<br />

§ 3º, da CF), e, consequentemente, o direito ao<br />

estado de filiação e ao nome, reciprocamente<br />

entre pais e filhos, não só para a perfeita e própria<br />

identificação, mas também daqueles e da<br />

célula familiar de que derivam”. Isto significa que<br />

todos os cidadãos devem ser tratados de forma<br />

igual pela lei, de forma a vedar qualquer tipo de<br />

discriminação. Vale ressaltar também a garantia<br />

do nome às crianças envolvidas, pois ele é um<br />

direito personalíssimo intrínseco ao ser humano<br />

que promove identificação e comprovação<br />

de estirpe familiar, sendo um direito inserido<br />

dentro do princípio da dignidade humana, como<br />

já foi afirmado anteriormente.<br />

Portanto, neste caso, a família homoafetiva<br />

em questão não deve de forma alguma ter<br />

seus direitos cerceados pela condição de sua<br />

sexualidade, visto que tal família tem plenas<br />

condições de favorecer condições dignas ao processo<br />

de desenvolvimento das crianças envolvidas,<br />

tanto que o magistrado optou pela procedência<br />

da ação, dando a dupla maternidade no<br />

registro civil dos menores envolvidos.<br />

Em virtude de todo o exposto, é fundamental<br />

reconhecer o quanto tal decisão judicial<br />

é inédita e importante para nortear casos similares<br />

que por ventura vierem a surgir, já que a<br />

condição de homossexualidade é um fato extremamente<br />

antigo e corrente na sociedade, e<br />

não se pode negar às pessoas em tal condição os<br />

seus direitos, dentre os quais o desejo de constituir<br />

uma família, pois todos são iguais em deveres<br />

e direitos e Justiça tem por dever garantir<br />

a efetividade dos mesmos.<br />

Os elementos de liberdade e igualdade<br />

estabelecidos sob o pálio da dignidade da pessoa<br />

humana devem ser assegurados a todos, que têm<br />

o direito de firmar sua felicidade e bem estar<br />

como melhor se adéque em sua vida, desde que<br />

não fira os direitos de outras pessoas. No caso em<br />

tela, o estabelecimento dos direitos dos homossexuais<br />

é o reconhecimento de um avanço para<br />

toda uma sociedade pluralista, no caminho de uma<br />

real e efetiva democracia justa e humanitária.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio<br />

Mártires; FERREIRA, Gilmar Mendes. Curso<br />

de direito constitucional. 5. ed. rev. e atual. São<br />

Paulo: Saraiva, 2010.<br />

BRASIL. Constituição Federal de 1988, de 5 de<br />

outubro de 1988. Organização do texto: Ana Joyce<br />

Angher. Vade Mecum Universitário de Direito. 9.<br />

ed. São Paulo: Rideel, 2011.<br />

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Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 267-276, jun. 2011


277


imagem da Capa:<br />

Jorge Eiró, "Tranças das Amazonas",<br />

da série "Labirinto Líquido" (2004)<br />

gravura digital, 30 x 50 cm.<br />

278

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