revista lato & sensu - Unama
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REVISTA<br />
LATO & SENSU<br />
v. 12, n. 1, jun. 2011<br />
Belém<br />
2011<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 1
REVISTA LATO & SENSU<br />
UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA<br />
REITOR<br />
Antonio de Carvalho Vaz Pereira<br />
PRÓ-REITOR DE ENSINO<br />
Evaristo Clementino Rezende dos Santos<br />
PRÓ-REITORA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO<br />
Núbia Maria de Vasconcelos Maciel<br />
COORDENADORA PEDAGÓGICA<br />
Zenilda Botti Fernandes<br />
EXPEDIENTE<br />
EDIÇÃO: Editora UNAMA<br />
RESPONSÁVEL: João Carlos Pereira<br />
SUPERVISÃO: Helder Leite<br />
COORDENAÇÃO: Zenilda Botti Fernandes<br />
ORGANIZAÇÃO: Francisca Magnólia de Oliveira Rego<br />
Diagramação: Elailson Santos<br />
NORMALIZAÇÃO: Maria Miranda<br />
REVISÃO: Noeli Mesquita<br />
IMPRESSÃO:<br />
Campus Alcindo Cacela<br />
Av. Alcindo Cacela, 287<br />
Campus BR<br />
Rod. BR-316, km3<br />
Campus Quintino<br />
Trav. Quintino Bocaiúva, 1808<br />
Campus Senador Lemos<br />
Av. Senador Lemos, 2809<br />
66060-902 - Belém-Pará<br />
67113-901 - Ananindeua-PA<br />
66035-190 - Belém-Pará<br />
66120-901 - Belém-Pará<br />
Fone: (91) 4009-3000<br />
Fone: (91) 4009-9200<br />
Fone: (91) 4009-3300<br />
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Fax: (91) 4009-7153<br />
Catalogação na fonte<br />
www.unama.br<br />
R454r Revista Lato & Sensu - Belém: UNAMA, v.12, n. 1, jun. 2011<br />
276 p.<br />
ISSN: 1519-8758<br />
1. UNAMA - Educação Superior. 2. UNAMA - Periódicos.<br />
CDD: 050<br />
2 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009
v.12 n. 1 2011<br />
SUMÁRIO<br />
• EDITORIAL ......................................................................................................................... 7<br />
BOLSISTAS DE EXTENSÃO<br />
• QUALIDADE DE VIDA E FUNCIONALIDADE: PROPOSTA DE TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO<br />
PARA PORTADORES DE PARAPARESIA ESPÁSTICA TROPICAL / MIEOLOPATIA ASSOCIADA AO HTLV-1 ................ 13<br />
Clayton Luiz Furtado Cirino<br />
Daniel Sobral Teixeira<br />
• REDES SOCIAIS NO CENÁRIO COMUNICACIONAL CONTEMPORÂNEO:<br />
UM ESTUDO DOS MYSPACE COMO DIFUSOR DE MÚSICA NO CIBERESPAÇO .................................................. 23<br />
Suellen Priscila Lopes da Silva<br />
Tiago Júlio de Farias Martins<br />
BOLSISTAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA<br />
• ANÁLISE DA DEGLUTIÇÃO EM PACIENTES PORTADORES DE HIV ................................................................... 35<br />
Thays Cardias Ferreira<br />
• FIBRAS PARA CONCRETO: O QUE O PARÁ ESTÁ PERDENDO? ......................................................................... 45<br />
Fernando França de Mendonça Filho<br />
• TOXINFECÇÃO ALIMENTAR POR SALMONELLA SPP: UMA REVISÃO ............................................................ 59<br />
Aline Duarte Lavor<br />
Gilson Celso Albuquerque Chagas Junior<br />
• ASPECTOS DA HANSENÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ....................................................................... 67<br />
Thayane Rodrigues Pereira Lima<br />
• AUTONOMIA FUNCIONAL DE IDOSOS: REVISÃO DE LITERATURA ................................................................. 75<br />
Thayssa Ferreira dos Santos<br />
• RESPONSABILIDADE SOCIAL: UM MEIO PARA SE CHEGAR À SUSTENTABILIDADE ........................................... 81<br />
Ivanete da Silva Pantoja<br />
• DISCURSOS MUNICIPALIZANTES: PENSANDO A GESTÃO DO ENSINO NO ESTADO DO PARÁ ............................ 89<br />
Herbert Tadeu Pereira de Matos Junior<br />
Lato & Sensu Belém v.12 n.1 p. 1-276 jun. 2011<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 3
• ARTE, FANTASIA E SOFRIMENTO PSÍQUCO: A ARTE COMO INSTRUMENTO DE ESCUTA AO PACIENTE<br />
ACOMETIDO POR UMA DOENÇA GRAVE ....................................................................................................... 97<br />
Jennifer Fonseca Lopes<br />
• AVALIAÇÃO DA PERDA DE MASSA DA COUVE MINIMAMENTE PROCESSADA ARMAZENADA<br />
EM DOIS TIPOS DE EMBALAGEM ............................................................................................................... 103<br />
Nashara Gleyce Farias Leão<br />
• ANÁLISE SENSORIAL: REVISÃO DE LITERATURA .......................................................................................... 107<br />
Tarciana Silva de França<br />
• REALIDADE, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DOS DIREITOS HUMANOS NA REGIÃO AMAZÔNICA:<br />
UMA REFLEXÃO SOBRE OS NOVOS ATORES INTERNACIONAIS FRENTE À COOPERAÇÃO ................................ 117<br />
Tienay Picanço da Costa Silva<br />
• O RESGATE DA ARBITRAGEM NO BRASIL: UMA PROPOSTA SEGURA E EFICAZ NA<br />
GUERRA CONTRA O TEMPO ...................................................................................................................... 127<br />
Carolina de Nazareth Silva Mendonça<br />
• O DISCURSO DESENVOLVIMENTISTA DA GLOBALIZAÇÃO E SEUS IMPACTOS NA DEMOCRACIA .................. 137<br />
Luiza Gaspar Feio<br />
BOLSISTAS DE MONITORIA<br />
• A ASCENSÃO DO TERCEIRO REICH: UMA ANÁLISE SOBRE O ESTADO NAZISTA DE 1933-1945 ....................... 145<br />
Antônio Carlos Pires Maia<br />
• OS ESTUDOS DA LINGUAGEM EM DIFERENTES CONTEXTOS E DIVERSOS ENFOQUES .................................. 153<br />
Fernanda Machado dos Santos<br />
• INTERVENÇÃO FISIOTERAPÊUTICA NA SÍNDROME DE MARFAN: RELATO DE CASO ...................................... 161<br />
Marcus Vinicius de Oliveira Resque<br />
• AS REFORMAS PROCESSUAIS CIVIS E O SOPESAMENTO DO STJ NO RESGUARDO<br />
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................................................................................. 167<br />
Brahim Bitar de Sousa<br />
• ESTUDO CINESIOLÓGICO DO COMPLEXO ARTICULAR DO QUADRIL ........................................................... 175<br />
Iasmin Nazareth Silva Matni<br />
Willian Santana Ferreira<br />
• HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA: UM GRAVE PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA. REVISÃO DE LITERATURA .. 183<br />
Lillian dos Santos Carneiro<br />
• PUBALGIA, ESPORTE E FISIOTERAPIA ........................................................................................................ 187<br />
Antonio Eduardo Leite da Silva<br />
Carolina Nascimento Lemos Barboza<br />
4 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009
• FISIOTERAPIA DESPORTIVA: REABILITAÇÃO DE LESÕES DO FUTEBOL EM ATLETAS<br />
- REVISÃO DE LITERATURA ......................................................................................................................... 193<br />
Débora Camila Figueiredo de Souza<br />
Lidice Cristina Santos da Silva<br />
• A IMPORTÂNCIA DOS EXERCÍCIOS PLIOMÉTRICOS NA REABILITAÇÃO DE LESÕES:<br />
REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................................................................... 199<br />
Yuri de Sousa Azevedo<br />
• CONSEQUÊNCIAS DA AUSÊNCIA PATERNA NO DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL DOS FILHOS ................ 207<br />
Lídia Machado da Silva<br />
• A INTERVENSÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL NA REABILITAÇÃO DE PACIENTES<br />
COM SEQUELAS DE TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO: UM ESTUDO DE CASO ....................................... 213<br />
Walmir Pinheiro da Silva Neto<br />
• TRATAMENTO TERAPÊUTICO OCUPACIONAL JUNTO À CRIANÇA AUTISTA: ESTUDO DE CASO ..................... 219<br />
Elaine de Cássia Souza de Aviz<br />
Bruna Ferreira Ramos<br />
• AVALIAÇÃO DA ESTRUTURA FÍSICA E IMPLEMENTAÇÃO DAS BOAS PRÁTICAS EM UNIDADES<br />
DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO: REVISÃO DE LITERATURA.......................................................................... 225<br />
Aline Baldo<br />
• TRIAGEM AUDITIVA NEONATAL: REFLEXÕES, CONSIDERAÇÕES E RELEVÂNCIA ............................................ 235<br />
Raiza Gorbachev Ribeiro Aguiar<br />
• A ATUAÇÃO DA FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA EM PACIENTES COM DOENÇA PULMONAR<br />
OBSTRUTIVA CRÔNICA.............................................................................................................................. 243<br />
Jessica Nayara Gondim dos Santos<br />
• O AMICUS CURIAE E A ABERTURA HERMENÊUTICA EM PROL DA DEMOCRACIA:<br />
A INFLUÊNCIA DE PETER HÄBERLE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL .......................................................... 245<br />
Shayane do Socorro de Almeida da Paixão<br />
• ORÇAMENTO PÚBLICO E PODER LEGISLATIVO: O ORÇAMENTO PROGRAMA COMO INSTRUMENTO<br />
DE EFETIVAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS .................................................................................................. 257<br />
Bárbara Cozzi Gonçalves<br />
• A APLICAÇÃO DA TEORIA DA EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS “INTERPRIVATUS”<br />
NO CASO MUNIRA KHALIL EL OURRA E ADRIANA TITO MACIEL ................................................................. 267<br />
Isadora Cristina Cardoso de Vasconcelos<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 5
6 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009
EDITORIAL<br />
Caro Leitor,<br />
Oideal de uma Universidade levar o conhecimento à sociedade é perseguido de várias formas.<br />
Nas salas de aula, dentro dos “muros” da academia, os docentes e discentes têm a<br />
oportunidade de vivenciar parte desse processo, certamente numa escala bastante reduzida,<br />
pois ainda existem poucos brasileiros com acesso ao ensino superior. Entretanto, quando esses<br />
acadêmicos têm a oportunidade de ultrapassar as fronteiras físicas dos prédios que limitam a<br />
academia, acontece um processo extremamente rico e que dá ainda mais sentido à Universidade<br />
como instituição voltada para a construção e consolidação do saber humano. Nesse momento, há<br />
uma interação proativa da Universidade com o contexto em que ela existe, considerando toda sua<br />
multiplicidade. Nessa hora, todos são extensionistas e pesquisadores voltados para a melhoria da<br />
condição do homem e o melhor entendimento da nossa relação com o mundo em que vivemos.<br />
Nesta edição 2011.1 da Revista Lato & Sensu, você terá a oportunidade de ler e refletir sobre<br />
artigos acadêmicos voltados para os mais variados aspectos da humanidade. Desde a tragédia políticosocial<br />
que foi a ascensão do nazismo na primeira metade do século passado, até a<br />
contemporaneidade da difusão da beleza da música na internet, neste início de século XXI. Ao todo,<br />
são 34 artigos que também abordam temas de grande importância das áreas da saúde, direito,<br />
sociologia, engenharia, literatura, dentre outras. Isto reflete a pluralidade de interesses e temas de<br />
uma Universidade como a <strong>Unama</strong>.<br />
Ao divulgar os resultados das pesquisas e atividades de extensão de nossa comunidade<br />
acadêmica, acreditamos estar ultrapassando as nossas fronteiras e contribuindo para o<br />
desenvolvimento da Amazônia, do Brasil e do Mundo.<br />
Tenha uma boa leitura.<br />
Marcelo Adler<br />
Professor, Mestre em Administração de Empresas<br />
Diretor da Unespa – Mantenedora da <strong>Unama</strong><br />
Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 7
8 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009
ARTIGOS<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 9
10 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009
BOLSISTAS DE EXTENSÃO<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 11
QUALIDADE DE VIDA E FUNCIONALIDADE:<br />
PROPOSTA DE TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO PARA PORTADORES<br />
DE PARAPARESIA ESPÁSTICA TROPICAL/MIELOPATIA ASSOCIADA AO HTLV-1 1<br />
Clayton Luiz Furtado Cirino *<br />
Daniel Sobral Teixeira **<br />
RESUMO<br />
A paraparesia espástica tropical/mielopatia associada ao vírus linfotrópico de células T humanas<br />
(PET/MAH) é uma patologia de evolução lenta e progressiva, com sinais piramidais que leva ao<br />
comprometimento dos membros inferiores, representados pela hipertonia e fraqueza, dificultando<br />
a marcha do indivíduo. Em outras palavras inflinge seu ir e vir, comprometendo sua funcionalidade<br />
e qualidade de vida. O objetivo do artigo consiste em propor e refletir acerca de um<br />
protocolo de tratamento relevante a sintomatologia causada pela PET/MAH, por meio do método<br />
de facilitação neuromuscular proprioceptiva, de enfoque sempre positivo e que possibilita o<br />
indivíduo a explorar seu mais alto nível funcional. Desta forma, para o tratamento da sintomatologia<br />
da doença, faz-se necessário um programa de exercícios que vise não somente à melhora da<br />
condição física como também o treinamento funcional e potencializar as atividades desenvolvidas<br />
pelo indivíduo visualizando seu contexto social.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Paraparesia. HTLV. FNP. Qualidade de vida.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
A Organizaçõa Mundial de Saúde (OMS)<br />
em 1989 definiu a Paraparesia Espástica Tropical/Mielopatia<br />
associada ao Vírus HTLV-I (PET/<br />
MAH) como uma paraparesia espástica tropical<br />
de evolução lenta e progressiva, com presença<br />
de sinais piramidais, variáveis graus de distúrbios<br />
esfincterianos e sensitivos, associado à presença<br />
de anticorpos para o HTLV-1 no sangue e<br />
no líquor (LCR) (LANNES et al., 2006; GRZESIUK e<br />
MASTINS, 1998).<br />
A PET/MAH é uma inflamação crônica e<br />
insidiosa que afeta a medula espinhal em níveis<br />
baixos (torácica baixa, lombar e sacra), sendo<br />
caracterizada por paraparesia espástica com sinais<br />
piramidais de evolução lenta e progressiva.<br />
Atualmente o aparecimento da doença está relacionado<br />
a infecção pelo vírus linfotrópico de<br />
células T humanas (HTLV) (LANNES et al., 2006;<br />
TOSTE et al., 2007).<br />
Esta inflamação da medula espinhal causada<br />
pela infiltração parenquimatosa de células<br />
CD4 (linfócito helper modificado), provoca diver-<br />
*<br />
Graduando do 8º semestre do curso de Fisioterapia da<br />
Universidade da Amazônia (UNAMA) e ex-bolsista de Extensão<br />
do Projeto O fazer Virtuoso. E-mail: clfcirino@hotmail.com.<br />
**<br />
Graduando do 8º semestre do curso de Fisioterapia da<br />
Universidade da Amazônia (UNAMA) e monitor das<br />
disciplinas de Fisioterapia nas enfermidades e distúrbios do<br />
sistema respiratório e cardiovascular. E-mail: danielsobral-<br />
13@ig.com.br.<br />
1<br />
Artigo elaborado sob orientação da profa. Mscª Dayse<br />
Danielle de Oliveira Silva, docente do curso de Fisioterapia<br />
da UNAMA da disciplina Fisioterapia nas Enfermidades e<br />
Distúbios Infanto Juvenis.<br />
13<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 13-21, jun. 2011
sos comprometimentos motores caracterizados<br />
por fraqueza e espasticidade em membros inferiores<br />
(MMII), comprometimentos sensitivos<br />
como parestesias e dores neuropáticas, distúrbios<br />
esfincterianos vesicais e intestinais, além<br />
de disfunção erétil no homem (LANNES et al.,<br />
2006; ISHAK et al., 2002).<br />
Devido ao quadro de fraqueza e espasticidade<br />
de MMII, a marcha também apresenta-se<br />
alterada. Apesar destas manifestações clínicas a<br />
PET/MAH é considerada uma doença de baixa<br />
letalidade, porém que afeta significamente a<br />
funcionalidade e a qualidade de vida do doente<br />
(TOSTE et al., 2007).<br />
2 ETIOLOGIA, REPERCUSSÃO NA QUALIDADE DE<br />
VIDA E FUNCIONALIDADE DOS PORTADORES DA<br />
PET/MAH<br />
O HTLV-1 é um retrovírus da família Retroviridae,<br />
subfamília Orthoretrovirinae e gênero<br />
Delta-retrovirus, o qual foi descrito na década<br />
de 80 sendo primeiramente isolado nos Estados<br />
Unidos (NOBRE et al., 2005; TOSTE et al., 2007;<br />
WANZELLER; LINHARES, 2002). O vírus está associado<br />
a diversas desordens inflamatórias articulares<br />
crônicas como artrite reumatóide, doenças<br />
hematológicas como leucemia/linfoma de<br />
células T, e doenças neurológicas sendo a mais<br />
comum a paraparesia espástica tropical/mielopatia<br />
(PET/MAH) (CARDOSO et al., 2009; PRIMO<br />
et al., 2009; CARVALHO et al., 2006).<br />
Existem duas formas do vírus, o HTLV-1 e<br />
HTLV-2, sendo o segundo descrito em 1982. As<br />
duas formas comportam-se de modos diferentes<br />
no organismo: enquanto o HTLV-1 pode provocar<br />
diversas complicações que prejudicam a<br />
funcionalidade, a segunda forma apresenta-se<br />
menos patológica, não ocasionando danos ao<br />
organismo infectado (LANNES et al., 2006; CAR-<br />
NEIRO-PROIETTI et al., 2006).<br />
A transmissão do vírus ocorre pelo contato<br />
com sangue (transfusão de sangue e seringas<br />
contaminadas) e com outros fluidos corpóreos<br />
(esperma, secreções vaginais e leite materno)<br />
(TOSTE et al., 2007).<br />
O vírus pode ser transmitido por duas<br />
vias, a vertical que é transmitido de mãe para<br />
filho, predominantemente pela amamentação,<br />
e pela via horizontal, cuja transmissão ocorre<br />
através do contato de fluídos corporais, como na<br />
relação sexual, uso de seringas contaminadas e<br />
contato com sangue. (CARDOSO et al., 2009;<br />
ARAÙJO et al., 2009; TOSTE et al., 2007).<br />
A PET/MAH é caracterizada por infiltração<br />
linfocitária no SNC. Segundo Carneiro-Proietii et<br />
al. (2006) essas lesões são resultados de um mecanismo<br />
autoimune. O HTLV possui geneticamente<br />
uma fita de RNA simples da qual é criado o DNA<br />
mutante dentro da célula hospedeira. Esse DNA<br />
produzido se junta ao DNA celular com a finalidade<br />
de reproduzir o vírus, este fenômeno é chamado<br />
de replicação. Em seguida, com o auxílio da enzima<br />
transcriptase reversa ocorre a produção de<br />
moléculas de cDNA – DNA complementares ao seu<br />
material genético. (LANNES et al., 2006).<br />
A célula do hospedeiro então irá reconhecer<br />
o material genético alterado e não irá o<br />
destruir. No caso do HTLV, o RNA tem exclusiva<br />
preferência pelos linfócitos T (células envolvidas<br />
na defesa do organismo contra corpos estranhos)<br />
(LANNES et al., 2006).<br />
Segundo Ribas e Melo (2002) os distúrbios<br />
da marcha, a fraqueza, o enrijecimento dos<br />
MMII e o comprometimento do equilíbrio dinâmico<br />
constituem os principais sinais e sintomas<br />
de apresentação da doença.<br />
Vários grupos musculares são acometidos,<br />
tornando a marcha espástica, reduzindo a<br />
velocidade e aumentando o gasto energético<br />
(LANNES et al., 2006). Para Ribas e Melo (2002) a<br />
espasticidade é o principal fator limitante para<br />
estes pacientes. A espasticidade por sua vez<br />
também irá ocasionar estímulos dolorosos devido<br />
aos espasmos musculares, tornando muito<br />
difícil a locomoção do indivíduo.<br />
Os indivíduos portadores da PET/MAH<br />
apresentam déficit motores de grandes morbi-<br />
14 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 13-21, jun. 2011
dades. Ao lado dos sintomas dolorosos, disfunção<br />
vesical, intestinal e da disfunção erétil, a<br />
marcha encontra-se lenta e progressivamente<br />
comprometida restringindo as chances do portador<br />
a enfrentar os desafios das atividades de<br />
vida diária (AVD’s), (RIBAS E MELO, 2002).<br />
As fases da marcha encontram-se comprometidas<br />
com os passos mais arrastados e lentos,<br />
provocando uma deficiência no sinergismo<br />
funcional entre as cinturas escapular e pélvica,<br />
observando-se uma acentuada imobilidade da<br />
articulação sacro-ilíaca (LANNES et al., 2006).<br />
Sendo assim, de acordo com os argumentos expostos<br />
acima, conclui-se que o grau de espasticidade<br />
e a fraqueza tornam-se os principais fatores<br />
limitantes da marcha.<br />
Dessa forma, a funcionalidade do indivíduo<br />
se demonstra fator primordialmente afetado, restringindo<br />
seu ir e vir, impondo barreiras nas suas<br />
relações sociais e além de afetar de forma prejudicial<br />
sua saúde mental, em outras palavras, tem<br />
implicações intrínsecas com sua qualidade de vida.<br />
Portanto torna-se inerente à discussão da interdependência<br />
de nível de independência funcional<br />
com o termo qualidade de vida, bem como a prosta<br />
de terapêuticas que visem à reabilitação considerando<br />
as referidas conceituações.<br />
3 PROPOSTA DE TRAMENTO FISIOTERAPÊUTICO<br />
BASEADO NO MÉTODO DE FASCILITAÇÃO NEU-<br />
ROMUSCULAR PROPRIOCEPTIVA (FNP)<br />
Não há um consenso na literatura acerca<br />
da existência de pesquisas sobre programas específicos<br />
de recuperação funcionais sensóriomotoras,<br />
comprovadamente eficazes, para as<br />
manifestações neurológicas do HTLV-I (CASTRO-<br />
COSTA et al., 2005).<br />
Diversos autores apontam a fisioterapia<br />
como terapêutica eficaz na diminuição dos sintomas<br />
característicos da PET/MAH: como a espasticidade,<br />
fraqueza em MMII, equilíbrio e dor,<br />
ou seja, proporciona uma melhor qualidade de<br />
vida e funcionalidade ao portador (LANNES, 2006;<br />
RIBAS; MELO, 2002; CASTRO-COSTA et al., 2005).<br />
Segundo Lannes et al. (2006) pesquisas<br />
abordando recuperação funcional envolvendo<br />
pacientes portadores de outras patologias que<br />
cursam com sintomas semelhantes aos da PET/<br />
MAH, podem servir de matéria-prima para elaboração<br />
de um programa específico de tratamento.<br />
Um conceito sistematizado por Herman<br />
Kabat (1951) e designado como Facilitação Neuromuscular<br />
Proprioceptiva (FNP) pode auxiliar<br />
na recuperação funcional e na melhora dos padrões<br />
da marcha desses indivíduos. As técnicas<br />
específicas utilizadas parecem facilitar os pacientes<br />
a alcançarem o seu mais alto nível funcional<br />
(LANNES et al., 2006).<br />
O conceito FNP não se comporta apenas<br />
como uma técnica e sim como uma filosofia de<br />
tratamento. O conjunto de técnicas abordados<br />
no conceito tem como objetivo facilitar a condução<br />
das respostas neuromusculares por meio<br />
da ativação dos receptores sensoriais relacionados<br />
ao movimento e ao posicionamento do corpo<br />
(SILVA; GESTER, 2009).<br />
Segundo Adler et al. (2007) o FNP tem<br />
como objetivo promover o movimento funcional<br />
por meio da facilitação, da inibição, do fortalecimento<br />
e do relaxamento de grupos musculares.<br />
Para isto o método de facilitação tem como<br />
recurso técnicas específicas constituídas de contrações<br />
musculares concêntricas, excêntricas e<br />
estáticas, podendo ou não ser usada com a aplicação<br />
de uma resistência de forma gradual e com<br />
procedimentos que facilitem a execução do<br />
movimento, ajustando-se aos limites e às necessidades<br />
de cada paciente.<br />
O método FNP possui diversas técnicas<br />
que podem ser utilizadas. Dentre elas as técnicas<br />
específicas propostas neste trabalho serão:<br />
a) Técnicas agonistas: consistem na utilização das<br />
técnicas de iniciação rítmica, combinação de<br />
isotônicas.<br />
b) Técnicas antagonistas: consistem em três técnicas<br />
- a reversão dinâmica de antagonistas e<br />
reversão de estabilizações.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 13-21, jun. 2011<br />
15
c) Técnicas de Relaxamento: consiste na técnica<br />
de contrair-relaxar.<br />
Inicialmente em cada sessão deve ser<br />
feita uma sequência de exercícios de alongamento<br />
para MMSS, MMII e coluna cervical. A técnica<br />
de contrair e relaxar com a respiração nasal<br />
profunda pode facilitar o ganho de ADM através<br />
do relaxamento da musculatura a ser alongada.<br />
O programa terapêutico baseado no método<br />
FNP deve evoluir respectivamente com o<br />
trabalho de membros superiores e tronco, membro<br />
inferior e tronco, o treino do rolar e ao final<br />
o treino de marcha, para melhor atender a demanda<br />
funcional do portador da PET/MAH de<br />
forma gradual e sistematizada.<br />
Para melhor assimilação descreveremos<br />
alguns exercícios sucintamente divididos por<br />
treino funcional, discorrendo seus principais<br />
objetivos, por meio da representação das figuras<br />
a seguir.<br />
Quadro 1: Padrão Bilateral Simétrico (MMSS)<br />
Figura 1: Início do Padrão Bilateral Simétrico (MMSS)<br />
Fonte: Do autor<br />
Figura 2: Fim do Padrão Bilateral Simétrico (MMSS)<br />
Fonte: Do autor<br />
a) Postura: Paciente em DD com MMSS em extensão, adução e rotação interna de ombro, cotovelos<br />
extendidos, punhos cerrados e mãos fechadas.<br />
b) Número de repetições: 3 séries de 30 segundos com intervalo de 1 minuto.<br />
c) Técnicas aplicadas: iniciação rítmica e combinação de isotônicos.<br />
d) Descrição: Na posição supracitada o paciente irá realizar uma flexão, abdução e rotação externa dos<br />
MMSS simultaneamente. O terapeuta irá promover a resistência ao movimento. Primeiro será feita a<br />
iniciação rítmica para ensinar o movimento e posteriormente a combinação de isotônicas seguindo o<br />
número de repetições citados.<br />
e) Princípios: estímulo verbal, estímulo visual, contato manual, irradiação, reforço e resistência.<br />
f) Comando: “Mãos para cima, levante seus braços.” “Eleve seus braços.”<br />
16 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 13-21, jun. 2011
Quadro 2: Padrão Bilateral de MMII para o Tronco<br />
Figura 3: Início do Padrão Bilateral de MMII para o<br />
tronco<br />
Fonte: Do autor<br />
Figura 4: Fim do Padrão Bilateral de MMII para o<br />
tronco<br />
Fonte: Do autor<br />
a) Postura: Paciente em DD, MMII fletidos em direção ao abdômen voltado para a direção do terapeuta.<br />
b) Número de repetições: 2 x 30 segundos com intervalos de 1 minuto da posição de flexão para extensão<br />
e 1 x 30 segundos da posição de extensão para flexão.<br />
c) Técnicas realizadas: iniciação rítmica e combinação de isotônicos.<br />
d) Descrição: Saindo da posição supracitada o paciente estende ambos os joelhos e quadris em direção ao<br />
terapeuta. O terapeuta segura os pés do paciente direcionando o movimento. Após as duas primeiras<br />
séries do exercício, o movimento é realizado no sentido contrário.<br />
e) Princípios: estímulo verbal, contato manual, irradiação, reforço e resistência.<br />
f) Comando: “Pés para baixo, estique as pernas para baixo e para fora.” “Empurre seus pés para minha<br />
direção.”<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 13-21, jun. 2011<br />
17
Quadro 3: Rolar - MMSS – Combinação Bilateral<br />
Figura 5: Combinação Bilateral (Posição inicial)<br />
Fonte: Do autor<br />
Figura 6: Combinação Bilateral (Posição final)<br />
Fonte: Do autor<br />
a) Postura: Paciente em DL com MMSS unidos pelas palmas das mãos.<br />
b) Número de repetições: 2 x 30 seg. para cada padrão com intervalo de 1 minuto. Realizado dos dois<br />
lados.<br />
c) Técnicas aplicadas: Iniciação rítmica, combinação de isotônicas.<br />
d) Descrição: O terapeuta com o contato nos braços do paciente estabiliza e fornece a resistencia que será<br />
vencida pelo movimento do mesmo. O movimento dos MMSS segue os padrões descritos no quadro 1 de<br />
forma que o paciente saia da posição de DL para DD com o movimento dos MMSS.<br />
e) Princípios: Visual, verbal, contato manual, irradiação, reforço e resistência.<br />
f) Comandos: “Traga os seus braços para a minha direção.” “ Traga seu tronco junto com os braços.”<br />
“Mantenha nesta posição.” “Deixe eu levar um pouco de volta.”<br />
18 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 13-21, jun. 2011
Quadro 4: Em pé - apoio unipodal<br />
Figura 7: Apoio unipodal (Posição inicial)<br />
Fonte: Do autor<br />
Figura 8: Apoio unipodal (Posição final)<br />
Fonte: Do autor<br />
a) Postura: Paciente em bipedestação na barra paralela. Terapeuta à frente fornecendo resistência ao<br />
movimento desejado.<br />
b) Número de repetições: 2 x 30 segundos para cada lado.<br />
c) Padrões: Ântero versão pélvica<br />
d) Técnicas aplicadas: Iniciação rítmica, combinação de isotônicas, reversão de estabilizações.<br />
e) Descrição: Paciente sustenta-se em um dos membros com o outro quadril fletido, deve estar acima de<br />
90º, se possível, para facilitar a extensão do quadril no membro oposto. Terapeuta com as mãos sob as<br />
cristas ilíacas do paciente: Aproximar através da pelve para encorajar a tomada de peso, utilizando<br />
combinações de isotônicas. Realizar pequenas reversões de estabilizações na pelve para resistir ao<br />
equilíbrio em todas as direções. No balanceio, utilizar reflexo repetido com resistência para facilitar a<br />
ântero elevação pélvica deste lado e usar cominações de isotônicas para facilitar a flexão do quadril.<br />
f) Princípios: Verbal, estímulo visual, contato manual, irradiação, reforço e resistência.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 13-21, jun. 2011<br />
19
4 DISCUSSÃO<br />
A PET/MAH afeta diversas funções do organismo<br />
infectado, sobretudo o sistema locomotor<br />
ocasionando fraqueza muscular, espasticidade<br />
e perda da propriocepção, tornando o indivíduo<br />
dependente de auxílio para a locomoção até<br />
ao uso da cadeira de rodas afetando diretamente<br />
sua funcionalidade e qualidade de vida.<br />
Desta forma para o tratamento da patologia<br />
faz-se necessário um programa de exercícios que vise<br />
não somente à melhora da condição física como também<br />
o treinamento funcional das atividades desenvolvidas<br />
pelo indivíduo em um contexto social.<br />
Ribas e Melo (2002) afirmam que a fisioterapia<br />
promove a melhora da qualidade de vida<br />
e diminuem a morbidade dos pacientes portadores<br />
da PET/MAH, por meio de exercícios ativos e/<br />
ou passivos, os quais melhoram a espasticidade,<br />
equilíbrio e preservam a integridade articular.<br />
O conceito de Facilitação Neuromuscular<br />
Proprioceptiva pressupõe que todo indivíduo<br />
possui um potencial existente não explorado,<br />
com enfoque terapêutico sempre positivo, utilizando<br />
aquilo que o paciente pode fazer, atingindo<br />
dessa maneira o seu mais alto nível funcional,<br />
além de ser uma técnica que possui uma abordagem<br />
global, tratando o indivíduo como um todo e<br />
não partes isoladas (ADLER et al., 2007).<br />
5 CONCLUSÃO<br />
Portanto, de acordo com o cenário exposto<br />
e a ausênsia de terapêuticas consolidadas<br />
que objetivam não somente a resolução da doença<br />
mas a promoção de saúde e qualidade de<br />
vida ao individuo portador da PET/MAH, o conceito<br />
FNP apresenta-se como uma estratégia<br />
terapêutica interessante para o tratamento dos<br />
sintomas consequentes da patologia, possilitando<br />
o paciente a explorar seu mais alto nível funcional,<br />
devolvendo e potencializando a independência<br />
funcional dos mesmos, consequentemente<br />
melhorando sua qualidade de vida.<br />
REFERÊNCIAS<br />
ADLER, Susan S. et al. PNF-facilitação neuromuscular<br />
proprioceptiva: um guia ilustrado. São Paulo:<br />
Ed. Manole, 2007.<br />
ARAUJO, Abelardo Q.C. et al. HTLV-1 and neurological<br />
conditions: when to suspect and when to<br />
order a diagnostic test for HTLV-1 infection? Arq.<br />
Neuro-Psiquiatr, São Paulo, v. 67, n. 1, mar. 2009.<br />
CARDOSO, Daniela Fernandes et al. Influence of<br />
human t-cell lymphotropic virus type 1 (HTLV-1)<br />
Infection on laboratory parameters of patients<br />
with chronic hepatitis C virus. Rev. Inst. Med.<br />
trop. S. Paulo, São Paulo, v. 51, n. 6, dec. 2009.<br />
CARNEIRO-PROIETTI, Anna Bárbara F. et al. HTLV<br />
in the Americas: challenges and<br />
perspectives. Rev Panam Salud Publica, Washington,<br />
v. 19, n. 1, jan. 2006.<br />
CARVALHO, Mônica Martinelli Nunes de et al.<br />
Frequência de doenças reumáticas em indivíduos<br />
infectados pelo HTLV-1. Rev. Bras. Reumatol.,<br />
São Paulo, v. 46, n. 5, out. 2006.<br />
CASTRO-COSTA, Carlos Maurício de et al. Guia de<br />
manejo clínico do paciente com HTLV: aspectos<br />
neurológicos. Arq. Neuro-Psiquiatr. [online].<br />
v.63, n.2b, p. 548-551, 2005. ISSN 0004-282X.<br />
GRZESIUK, ANDERSON KUNTZ e MARTINS, PE-<br />
DRO DE MIRANDA. Paraparesia espástica tropical/<br />
mielopatia associada ao HTLV-I: re<strong>lato</strong> de<br />
dois casos diagnosticados em Cuiabá, Mato<br />
Grosso. Arq. Neuro-Psiquiatr. [online]. v.57,<br />
n.3b, p. 870-872, 1999. ISSN 0004-282X.<br />
ISHAK, Ricardo et al. HTLV-I associated myelopathy<br />
in the northern region of Brazil (Belém-Pará):<br />
20 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 13-21, jun. 2011
serological and clinical features of three<br />
cases. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., Uberaba, v.<br />
35, n. 3, June, 2002.<br />
LANNES, Priscilla et al. Paraparesia espástica tropical<br />
– Mielopatia associada ao vírus HTLV-1: possíveis<br />
estratégias cinesioterapêuticas para a melhora<br />
dos padrões de marcha em portadores sintomáticos.<br />
Rev. Neurociências, v.14, n.3, jul./set, 2006.<br />
NOBRE, Vandack et al. Lesões dermatológicas em<br />
pacientes infectados pelo vírus linfotrópico humano<br />
de células T do tipo 1 (HTLV-1). Rev. Soc.<br />
Bras. Med. Trop., Uberaba, v. 38, n. 1, Feb. 2005.<br />
PRIMO, J. et al. High HTLV-1 proviral load, a marker<br />
for HTLV-1 associated myelopathy/tropical spastic<br />
paraparesis, is also detected in patients with infective<br />
dermatitis associated with HTLV-1. Braz J<br />
Med Biol Res, Ribeirão Preto, v. 42, n. 8, ago. 2009.<br />
RIBAS, João Gabriel Ramos and MELO, Gustavo<br />
Correa Netto de. Mielopatia associada ao vírus<br />
linfotrópico humanode células T do tipo 1 (HTLV-<br />
1). Rev. Soc. Bras. Med. Trop. [online]. v.35, n.4,<br />
p. 377-384, 2002. ISSN 0037-8682.<br />
SILVA JÚNIOR A. B; OLIVEIRA I . M; ALCÂNTARA E. C;<br />
RESENDE E. S. Fatores de risco para síndromes coronarianas<br />
e descrição dos questionários de qualidade<br />
de vida Mac New Qlmi E Sf-36. Arq. Ciênc.<br />
Saúde Unipar, Umuarama, v.10, n.1, jan./mar. 2006.<br />
TOSTE, Fabiane P. et al. A contribuição da nutrição<br />
nos casos de paraparesia espástica tropical por HTLV-<br />
1. Augustus – Rio de Janeiro, v.12, n. 24, ago. 2007.<br />
WANZELLER, ALM; LINHARES, AC, et al. 2002. Prevalência<br />
de Anticorpos para HTLV-I/II em recémnascidos,<br />
em Belém, Pará. Rev. Paraense de<br />
Medicina, v. 16 (3) jul./set. 2002.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 13-21, jun. 2011<br />
21
REDES SOCIAIS NO CENÁRIO COMUNICACIONAL<br />
CONTEMPORÂNEO: UM ESTUDO DOS MYSPACE COMO<br />
DIFUSOR DE MÚSICA NO CIBERESPAÇO 1<br />
Suellen Priscila Lopes da Silva *<br />
Tiago Júlio de Farias Martins **<br />
RESUMO<br />
O presente ensaio busca propor análises acerca das redes sociais, focando principalmente no<br />
MySpace inserido no contexto do cenário comunicacional contemporâneo. Apontando, assim,<br />
diversos questionamentos que serão respondidos no decorrer deste ensaio, dentre eles:<br />
Qual a função desta ferramenta para o cenário comunicacional contemporâneo e para a música?<br />
Trata-se, portanto, de uma análise das redes sociais no cenário comunicacional contemporâneo<br />
no qual será baseada num estudo do MySpace como difusor de música no ciberespaço.<br />
Discorremos ainda sobre as possibilidades que esta rede pode oferecer ao Coro Cênico da<br />
UNAMA enquanto grupo produtor de conteúdo musical.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Redes sociais. MySpace. Ciberespaço. Coro Cênico UNAMA<br />
1 UM BREVE ESBOÇO DAS REDES SOCIAIS<br />
Antes de adentrarmos nas discussões a<br />
respeito do MySpace, sua caracterização, particularidades<br />
e como essa rede mudou a forma de<br />
divulgar, consumir e compartilhar músicas on line,<br />
é importante contextualizá-lo na contemporaneidade<br />
dentro da web 2.0 2 como uma rede social.<br />
As redes sociais oferecem mecanismos<br />
de interação social que buscam conectar os usu-<br />
*<br />
Jornalista, graduada em comunicação social – habilitação<br />
em jornalismo pela UNAMA e ex-bolsista do programa de<br />
Extensão Coro Cênico da Universidade da Amazônia – UNAMA.<br />
E-mail: suellenpriscilals@hotmail.com<br />
**<br />
Estudante do 7º semestre do curso de Comunicação Social<br />
com habilitação em Jornalismo da UNAMA (Universidade da<br />
Amazônia). Atuando com bolsista do programa de Extensão<br />
Coro Cênico da UNAMA no Núcleo Cultural desde 2010. E-<br />
mail: tiagojulio.martins@gmail.com<br />
1<br />
Artigo elaborado sob orientado da profa. Ms., Ivana Oliveira,<br />
supervisora de projetos experimentais.<br />
2<br />
Web 2.0 é a segunda geração de serviços da internet. Nela,<br />
os internautas deixam de ser apenas navegadores e passam<br />
a ser produtores de conteúdo. Outra característica marcante<br />
é a massificação das mídias sociais criando complexas<br />
comunidades virtuais.<br />
ários para proporcionar a comunicação mediada<br />
por computador, além de facilitar a conversação<br />
e os laços sociais existentes nesse espaço. Conforme<br />
explica Raquel Recuero,<br />
Redes sociais na Internet podem ser<br />
constituídas de duas maneiras: através<br />
da interação social mútua e da<br />
interação social reativa. A interação<br />
social mútua forma redes sociais<br />
onde laços são constituídos de um<br />
pertencimento relacional, que é<br />
emergente, caracterizado pelo “sentir-se<br />
parte” através das trocas comunicacionais.<br />
Essas redes são caracterizadas pela<br />
presença de laços mais fortes e de<br />
capital social de primeiro e segundo<br />
níveis (RECUERO, p.7).<br />
Redes como o Orkut, o YouTube, o Facebook<br />
e o próprio Myspace oferecem recursos<br />
específicos para usuários se relacionarem entre<br />
si no ciberespaço e estenderem sua vida social<br />
23<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 23-32, jun. 2011
para além das fronteiras físicas. Estes sites apresentam<br />
linguagens específicas e integram milhões<br />
de pessoas que passam a se organizar em<br />
comunidades virtuais.<br />
Com um perfil pessoal 3 criado, o usuário<br />
pode encontrar seus amigos, fazer novas amizades<br />
a partir de suas afinidades e gostos, participar<br />
de discussões e debates trocando ideias com outros<br />
internautas em tempo real e compartilhar conteúdos<br />
diversos produzidos pelo próprio usuário.<br />
Devido ao caráter complexo das redes<br />
sociais e a interação única que ela promove<br />
para os seus usuários, as relações entre os<br />
mesmos tornam-se igualmente complexas. No<br />
Myspace, por exemplo, o internauta pode<br />
acessar o perfil de uma banda americana e trocar<br />
informações com outros fãs estrangeiros<br />
ou apenas ouvir as músicas de graça e anonimamente<br />
sem se comunicar com ninguém.<br />
Recuero (2009) exemplifica a relação interpessoal<br />
complexa oriunda das redes sociais, ao<br />
afirmar que “na internet, por exemplo, é possível<br />
‘assinar’ uma lista de discussão, ou seja,<br />
participar de um grupo social sem interagir diretamente<br />
com seus membros, mas unicamente<br />
usufruindo das informações que circulam”.<br />
Figura 1: Página inicial do MySpace que oferece atalhos às demais ferramentas do site<br />
2 MYSPACE: UMA PROPOSTA DE ESTUDO<br />
Agora que fizemos um pequeno esboço<br />
conceituando o que é uma rede social, podemos<br />
caracterizar especificamente o MySpace<br />
dentro deste cenário. Criado em 2003,<br />
por Thomas Anderson e Chris DeWolf, a rede<br />
de relacionamento tem como principal característica<br />
a grande quantidade de músicas oferecidas<br />
aos usuários gratuitamente em formato<br />
MP3 4 através do perfil pessoal de bandas<br />
e artistas. Pessoas de todas as partes do<br />
mundo registram-se no site diariamente e<br />
postam seus trabalhos tornando-os públicos<br />
e acessíveis mesmo para quem não é registrado<br />
no MySpace. Dessa forma, por exemplo,<br />
um internauta de Belém pode descobrir<br />
e tornar-se fã de um cantor da França que não<br />
tem espaço na grande mídia para divulgar<br />
suas músicas, mas encontra reconhecimento<br />
e incentivos graças ao MySpace.<br />
Além disso, a rede oferece outras ferramentas<br />
para os usuários se relacionarem e terem<br />
acesso a conteúdos exclusivos de seus artistas.<br />
Elas podem ser acessadas facilmente<br />
através de atalhos na parte superior da homepage<br />
(ou página inicial)<br />
do MySpace.<br />
A homepage<br />
funciona como a página<br />
principal de um site<br />
de notícias, relacionando<br />
aos usuários, além<br />
da opção para fazer login<br />
(acessar) na rede,<br />
informativos sobre o<br />
que está acontecendo<br />
no MySpace e um link<br />
onde o internauta pode<br />
se cadastrar e ingressar<br />
na rede.<br />
3<br />
Cada usuário, ao se cadastrar no MySpace, personaliza um<br />
perfil que torna-se sua página pessoal. Esta página pode<br />
representar uma pessoa, banda, artista ou grupo musical.<br />
4<br />
MP3 é um formato compactado de áudio praticamente igual<br />
ao original. Arquivos MP3 são pequenos e a perda de<br />
qualidade da compressão não é percebida pelo ouvido<br />
humano.<br />
24<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 23-32, jun. 2011
2.1 RELACIONAMOS ABAIXO ESTAS FUNCIONA-<br />
LIDADES E SUA UTILIDADE PARA OS USUÁRIOS<br />
• Pessoas: ferramenta de busca que permite encontrar<br />
e entrar em contato com outros usuários<br />
através de uma pesquisa por meio de filtros<br />
definidos previamente pelo usuário.<br />
Figura 2: Home Page da ferramenta de busca para encontrar usuários.<br />
Figura 3: Ferramenta de pesquisa procurar bandas, cantores ou grupos musicais<br />
de várias partes do mundo.<br />
“Pessoas” mostra ainda uma seleção de<br />
usuários que estão on line, navegando pelo site e<br />
possivelmente disponíveis para um bate-papo em<br />
tempo real. O filtro avançado, além de selecionar<br />
os usuários por características básicas como sexo<br />
e localidade, utiliza informações mais específicas<br />
como religião, etnia e orientação sexual.<br />
Esta é uma ferramenta para achar pessoas,<br />
próximas ou distantes fisicamente, com características<br />
particulares.<br />
• Encontrar amigos: Outra<br />
ferramenta de pesquisa,<br />
porém, diferente<br />
da anterior. Aqui a pesquisa<br />
é direta: você digita<br />
o nome do usuário,<br />
banda ou artista e o<br />
MySpace o encontra se<br />
ele estiver na rede.<br />
Também é possível pesquisar<br />
digitando o email<br />
pessoal do outro usuário.<br />
Uma ferramenta<br />
muito útil e frequentemente<br />
utilizada pelos<br />
usuários para encontrar<br />
bandas e artistas.<br />
Porém, a forma<br />
mais eficaz de encontrar<br />
amigos no MySpace é<br />
utilizando a opção do<br />
lado direito: “Verifique<br />
seus catálogos de endereços<br />
de e-mail para ver<br />
quem já está no MySpace”.<br />
Através dela, o usuário<br />
fornece o seu email<br />
pessoal e o MySpace filtra<br />
entre os contatos<br />
que já estão no email os<br />
amigos que possuem<br />
perfil na rede. Logo, se<br />
os destinatários dos emails do usuário também<br />
estiverem no MySpace, será possível localizálos.<br />
A rede faz isso cruzando os emails dos servidores<br />
com os seus usuários.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 23-32, jun. 2011<br />
25
“Encontrar amigos” é a primeira ferramenta<br />
que o usuário costuma usar assim que<br />
ingressa no MySpace. Por meio dela torna-se<br />
simples ter acesso às músicas das bandas favoritas,<br />
manter contato com os artistas e iniciar a<br />
socialização na rede adicionando como amigos<br />
pessoas já conhecidas.<br />
• Música: A ferramenta música tem quatro subdivisões<br />
A primeira delas, “Minhas Músicas”, permite<br />
aos usuários fazerem upload 5 de suas músicas<br />
em MP3 e compartilharem com os demais<br />
26<br />
Figura 4: Ferramenta “Música”, organiza através de links informações específicas.<br />
Figura 5: Ferramenta “Paradas”, permite ao usuário ter acesso ao que<br />
está em alta na rede e sugere musicas.<br />
5<br />
Upload é o processo inverso do Download. Enquanto o<br />
segundo consiste em baixar arquivos da web, o Upload<br />
consiste no envio de um arquivo do computador do usuário<br />
para uma das centrais que geram o fluxo da internet onde<br />
ficará disponível para Download ou exibição.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 23-32, jun. 2011<br />
membros da rede. Utilizada principalmente pelos<br />
artistas e bandas, já que os usuários “comuns”<br />
não têm interesse em divulgar trabalhos que não<br />
são autorais.<br />
A segunda ferramenta é a principal: “Paradas”.<br />
Ela relaciona os artistas, músicas e videos<br />
mais populares (que estão sendo mais vezes<br />
executadas ou exibidas pelos usuários) a partir<br />
de três filtros muito interessantes: nacionalidade,<br />
gênero musical e<br />
selo de gravação. Dessa<br />
forma é possível conhecer<br />
os artistas mais populares<br />
da Inglaterra do<br />
gênero Pop, com apoio<br />
de grandes gravadoras e<br />
da publicidade, ou descobrir<br />
quais as principais<br />
bandas dos Estados<br />
Unidos que estão fazendo<br />
rock independente<br />
sem apoio da mídia ou<br />
de grandes selos.<br />
A ferramenta funciona como um termômetro<br />
medindo o que está em alta na rede e<br />
sempre dá boas dicas aos usuários do que ouvir<br />
a partir de seus gostos<br />
pessoais. Ela é popular<br />
entre os usuários e funciona<br />
como publicidade,<br />
além de dar um grande incentivo,<br />
aos artistas independentes<br />
que não figuram<br />
na mídia tradicional.<br />
A terceira ferramenta,<br />
ainda dentro de<br />
Músicas, chama-se “Shows”.<br />
Você fornece o<br />
nome de uma cidade ou<br />
o CEP e o MySpace relaciona<br />
os próximos shows que acontecerão no<br />
local e nas proximidades. A rede faz isso cruzando<br />
as informações nos perfis oficiais das<br />
bandas e os artistas.
Por fim, temos os “Fóruns”. Esta ferramenta<br />
não é muito utilizada, mas permite aos<br />
usuários criarem tópicos de discussão a partir de<br />
gêneros musicais. Funciona como qualquer outro<br />
fórum da internet 2.0: os usuários postam<br />
mensagens a qualquer momento e interagem<br />
numa grande conversa que, geralmente, não<br />
acontece em tempo real.<br />
Figura 6: Home Page dos vídeos populares e mais recentes.<br />
O MySpace relaciona ainda os vídeos<br />
que estão sendo acessados naquele momento,<br />
os últimos vídeos enviados por usuários e faz<br />
publicidade de vídeos clips que serão lançados<br />
por artistas famosos.<br />
• Jogos: ferramenta que oferece aos usuários<br />
uma série de jogos em flash 6 e aplicativos para<br />
os usuários se divertirem.<br />
Os jogos são divididos<br />
em uma série de categorias<br />
e o MySpace<br />
também fornece sugestão<br />
aos usuários.<br />
• Vídeos: semelhante a redes sociais mais populares<br />
como o YouTube, o MySpace oferece<br />
aos usuários a possibilidade de compartilhar<br />
• Eventos: Shows, vida<br />
noturna, eventos relacionados<br />
à arte e a cultura,<br />
festivais, compras...<br />
Uma série de programas<br />
relacionados pelo<br />
MySpace para os usuários<br />
a partir de suas localidades.<br />
A ferramenta permite ainda que<br />
o usuário monte um calendário e pesquise<br />
um evento específico.<br />
Figura 7: Home Page dos jogos mais populares do MySpace.<br />
e assistir vídeos. O sistema é muito mais simples,<br />
mas a base é a mesma. Os vídeos costumam<br />
ser relacionados por ordem de popularidade<br />
e também há uma opção para procurar<br />
vídeos dentro da rede.<br />
Além disso, o<br />
MySpace oferece a opção<br />
“Mais”, com algumas<br />
outras ferramentas<br />
específicas.<br />
Clicando em “Fóruns”,<br />
o usuário tem<br />
acesso a um conteúdo<br />
semelhante ao citado em<br />
3.1. Porém os debates giram<br />
em torno de temas<br />
mais variados, como relacionamentos<br />
amorosos<br />
e cinema. É um fórum mais movimentado que o<br />
primeiro, com maior participação dos usuários.<br />
6<br />
Animações interativas exibidas graças ao um programa<br />
chamado Adobe Flash Player que são muito utilizadas na<br />
web.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 23-32, jun. 2011<br />
27
“Comunidades” dá a possibilidade dos<br />
usuários ingressarem em fóruns de discussões<br />
específicos a partir de um conteúdo mais geral.<br />
Funciona exatamente como em outras redes de<br />
relacionamento mais populares, como o Orkut 7 .<br />
Os usuários criam uma identidade e se afirmam<br />
na rede expondo seus gostos ingressando de comunidades<br />
como “Eu amo Rock”, por exemplo.<br />
“Escolas” relaciona uma lista de escolas e<br />
universidades como se fossem comunidades. Assim,<br />
usuários podem encontrar colegas de classe<br />
através do MySpace. Infelizmente, há poucas escolas<br />
e universidades nacionais relacionadas na rede.<br />
28<br />
Figura 8: Home Page dos “eventos Recomendados”.<br />
Figura 9: Fórum “Ciência” e “Comédia” são alguns dos assuntos discutidos<br />
neste Fórum.<br />
7<br />
O Orkut até 2009 era a mídia social mais popular do Brasil.<br />
Atualmente divide espaço com o Twitter e há um fenômeno<br />
crescente de usuários migrando do Orkut para o Facebook.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 23-32, jun. 2011<br />
Finalmente, o “MySpace Brasil” é um<br />
perfil mantido pela rede voltado especificamente<br />
para atender os usuários brasileiros. Notícias,<br />
vídeos, fotos, músicas, aplicativos e outras utilidades<br />
da rede destinadas aos internautas nacionais.<br />
Até o momento, o perfil do MySpace Brasil<br />
possui 2505186 amigos.<br />
3 USUÁRIOS<br />
Depois deste<br />
esboço discorrendo sobre<br />
as principais ferramentas<br />
e funções do<br />
MySpace, falaremos<br />
agora sobre os perfis e<br />
explicaremos de maneira<br />
mais detalhada<br />
como os usuários interagem<br />
na rede e de que<br />
forma eles utilizam as<br />
funcionalidades do site<br />
para consumir este produto<br />
artístico tão popular que é a música.<br />
Como dito anteriormente, para interagir<br />
com os outros usuários e ter acesso a todos os<br />
conteúdos que o MySpace oferece é necessário<br />
efetuar um cadastro no site. Vale salientar, no<br />
entanto, que não é necessário<br />
este cadastro<br />
para ter acesso ao perfil<br />
de bandas e ouvir as<br />
músicas disponibilizadas<br />
na rede. O cadastro,<br />
porém, permite ao<br />
usuário criar um perfil<br />
ou página pessoal, se<br />
relacionar com os outros<br />
internautas integrados<br />
à rede e disponibilizar<br />
seus próprios<br />
conteúdos.<br />
Assim como em quase todas as redes sociais<br />
os usuários do MySpace são identificados
e criam sua rede de relacionamento virtual baseada<br />
no sistema de perfis ou páginas pessoais.<br />
Essas páginas pessoais são muito semelhantes<br />
nas redes sociais mais populares como<br />
Orkut, YouTube, Facebook e o próprio MySpace.<br />
Eles são totalmente personalizáveis e mimetizam<br />
a imagem que o usuário quer passar<br />
de si na rede.<br />
Figura 10: Comunidades subdividas em grupos disponíveis para o usuário.<br />
No perfil do MySpace o usuário tem a<br />
possibilidade de fornecer diversas informações<br />
pessoais que o caracterizarão e identificarão seu<br />
Figura 11: Principais escolas brasileiras presentes no MySpace.<br />
perfil pessoal. As categorias são várias e vão de<br />
características físicas a traços de personalidade.<br />
Alguns exemplos: cor da pele, religião, altura,<br />
opção sexual, orientação política, humor, bandas<br />
favoritas, hobbies etc. Também é possível<br />
deixar algumas (ou todas) as características sem<br />
resposta.<br />
Além disso, o MySpace também permite<br />
aos usuários colocarem dados mais subjetivos e<br />
exclusivos em seu perfil. É possível, por exemplo,<br />
escrever uma pequena biografia contando<br />
quem você é e criar um<br />
álbum de fotos para dividir<br />
com seus amigos.<br />
Ressaltando ainda que,<br />
seguindo a tendência<br />
das grandes redes sociais,<br />
o MySpace oferece<br />
configurações personalizáveis<br />
de privacidade.<br />
Dessa forma é possível<br />
controlar quem tem<br />
acesso às informações e<br />
dados mais pessoais expostos<br />
nos perfis.<br />
4 A INTERATIVIDADE DA REDE<br />
A significação dicionarizada 8 para a palavra<br />
interatividade refere-se<br />
respectivamente:<br />
ao caráter ou condição<br />
de interativo. E a capacidade<br />
de interação ou<br />
permissão de interação,<br />
seja de um equipamento,<br />
sistema de comunicação<br />
ou de computação,<br />
dentre outros.<br />
A interação social<br />
é a principal característica<br />
da comunicação<br />
mediada por computador,<br />
por apresentar “um<br />
8<br />
Miniaurélio – 6 a Edição Revista e Atualizada, lançando em<br />
março de 2004/ Autor: Aurélio Buarque De Holanda.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 23-32, jun. 2011<br />
29
caráter social perene e diretamente relacionado<br />
com o processo comunicativo”. (RECUERO, 2004).<br />
Na perspectiva de Raquel Recuero o surgimento<br />
da rede mundial de computadores proporcionou<br />
que os usuários pudessem difundir<br />
Figura 12: Home Page do MySpace Brasil.<br />
informações de forma imediata e mais interativa.<br />
A pluralidade de canais surgidos com a popularização<br />
das mídias sociais fez com que a complexidade<br />
das trocas e relações sociais crescesse<br />
progressivamente. Essas interações, segundo<br />
Wasserman e Faust (apud RECUERO, 2005) são<br />
formadas por laços sociais que se conectam aos<br />
atores nas redes sociais.<br />
Por outro lado, para que haja interação,<br />
segundo um caráter social perene e diretamente<br />
relacionado com o processo comunicativo é<br />
preciso compreender o outro não como mera<br />
representação no campo virtual, mas como indivíduo<br />
com o qual pode se identificar e partilhar<br />
gostos comuns ou divergir de opiniões.<br />
Raquel mais uma vez enfatiza que as interações<br />
mediadas pelo computador podem ser<br />
metaforicamente comparadas como formadoras<br />
de laços sociais que apenas podem ser<br />
percebidas ou até mesmo compreendidas “na<br />
medida em que sites e sistemas de comunicação<br />
permitem que os usuários (atores) que criam<br />
perfis individualizados no ciberespaço”.<br />
(RECUERO, 2007).<br />
Tais interações compreendem, apesar de<br />
ocorrerem no espaço virtual, ganham status de<br />
relações sociais por mimetizarem a troca comunicacional<br />
entre os indivíduos como ocorre em<br />
uma conversa numa mesa de bar, por exemplo.<br />
Na prática, esta troca de<br />
mensagens constitui<br />
parte fundamental do<br />
processo comunicativo<br />
e as redes sociais só podem<br />
ser consideradas<br />
efetivamente “sociais”<br />
por possibilitarem esta<br />
interação entre os indivíduos<br />
(usuários). A necessidade<br />
humana básica<br />
de se comunicar possibilitou<br />
o sucesso do<br />
MySpace e de outras redes<br />
sociais baseadas na<br />
produção e troca de conteúdos pessoais.<br />
5 UMA REDE DE POSSIBILIDADES<br />
A experiência piloto que faremos através<br />
da criação de um perfil do Coro Cênico na<br />
<strong>Unama</strong> no MySpace nos permitirá avaliar de forma<br />
eficaz como esta rede social auxilia na difusão<br />
de conteúdos musicais pela web.<br />
Como dito ao longo do decorrer do presente<br />
artigo, a importância e a notoriedade do<br />
MySpace o tornaram uma referência de muitos<br />
artistas e bandas, inclusive os já consagrados. A<br />
rede funciona como uma espécie de “portfólio”,<br />
uma mostra do trabalho realizado. Nenhum perfil,<br />
seja de cantor ou grupo, disponibiliza toda a<br />
sua obra para ser ouvida gratuitamente. A estratégia<br />
é despertar a curiosidade do ouvinte que<br />
buscará mais informações a respeito das músicas<br />
ou dos artistas por meio de links que levarão<br />
a sites externos ao MySpace.<br />
Usaremos a mesma tática na criação do<br />
MySpace do Coro Cênico. Apesar do grande repertório<br />
que o grupo interpreta (os quatro CDs da<br />
30<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 23-32, jun. 2011
série Trilhas D’Água, por exemplo, somam mais<br />
de quarenta músicas) colocaremos à disposição<br />
do público apenas algumas interpretações que<br />
servirão como mostra do trabalho realizado dentro<br />
do Núcleo Cultural da Universidade. Tais canções<br />
serão suficientes para expor o trabalho diferenciado<br />
realizado pelo Coro Cênico, levando em<br />
consideração o resgate patrimonial e a valorização<br />
da cultura amazônica realizados pelo grupo.<br />
O trabalho do Coro já atraiu a atenção da<br />
mídia local e foi, inclusive, objeto de curiosidade<br />
de estudiosos alemães. Expandir as possibilidades<br />
e usufruir dos benefícios trazidos por<br />
uma ferramenta gratuita como o MySpace será<br />
importante para ampliar a divulgação do rico trabalho<br />
musical realizado pelo Coro.<br />
Na contemporaneidade, manter-se conectado<br />
e ter uma janela para mostrar sua produção<br />
é fundamental para conquistar público e obter<br />
reconhecimento. Um perfil no MySpace é<br />
como um “cartão de visitas”. A partir da criação da<br />
página do Coro Cênico na <strong>Unama</strong> pretendemos<br />
não apenas atrair público externo através da exposição<br />
de músicas com batidas e arranjos sonoros<br />
tão peculiares como a dos ritmos paraenses,<br />
mas também dar mostras do repertório e ganhar<br />
a empatia do público interno da universidade.<br />
Enfim, as possibilidades que a rede oferece<br />
são várias. Aliado a uma boa divulgação, o<br />
perfil do Coro Cênico no MySpace preencherá<br />
os pré-requisitos para obter sucesso e cumprir<br />
sua meta de dar mais visibilidade ao grupo.<br />
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Este esboço a respeito do MySpace, enquanto<br />
mídia social inserida na contemporaneidade,<br />
pretendeu mostrar como as ferramentas<br />
e serviços oferecidos pela web 2.0 estão modificando<br />
não só as relações interpessoais, mas também<br />
a maneira como consumimos produtos de<br />
entretenimento e a forma como passamos a buscá-los:<br />
nesse caso, a realidade virtual tornou-se<br />
mais prática e acessível que a física.<br />
O desenvolvimento dos recursos oferecidos<br />
pela web e a aceleração da inclusão digital,<br />
faz que mais e mais conteúdos sejam despejados<br />
na rede devido ao aumento crescente de<br />
produtores. Produtores de conteúdo, como os<br />
músicos, passaram a ter uma relação estreita com<br />
o MySpace. Muitos se adaptaram a nova ordem<br />
que se estabeleceu após a pequena revolução<br />
gerada pela web 2.0.<br />
Dessa forma, artistas, principalmente os<br />
independentes que não possuem o apoio de<br />
grandes gravadores e de agências publicitárias,<br />
passaram a tratar as redes sociais como válvula<br />
de escape para o sistema imposto. A democratização<br />
de seus conteúdos, conseguida por meio<br />
de redes como o MySpace, fez com que a música<br />
chegasse de forma mais espontânea aos ouvidos<br />
de possíveis fãs. Nesse contexto, a relações<br />
de amizade contribuíram tanto para a divulgação<br />
e o sucesso de certas bandas independentes<br />
que algumas delas (como o “Kings Of Leon”:<br />
www.myspace.com/kingsofleon) tocam em<br />
grandes festivais de música ao redor do mundo.<br />
Enfim, as novas formas de interação social<br />
advindas com a web 2.0, bem como os downloads<br />
e a pirataria provocaram uma crise na<br />
indústria fonográfica. Artistas e bandas tiveram<br />
que se readaptar à nova maneira com que os<br />
jovens, estatisticamente os principais consumidores,<br />
passaram a ouvir música. Os teóricos<br />
da comunicação e das mídias sociais não dão<br />
conta de explicar toda a complexidade do fenômeno<br />
devido ao fato da própria Comunicação<br />
ser uma ciência interdisciplinar e intrínseca<br />
a outras, como a sociologia e a antropologia.<br />
O que se pretendeu ao longo deste artigo foi<br />
fazer um pequeno rascunho a respeito da problemática<br />
e mostrar na prática como o MySpace<br />
e as redes sociais criam um novo modo de<br />
interagir socialmente e consumir músicas num<br />
contexto que está em constante movimento e<br />
transformação (contemporaneidade). Os prós<br />
e contras destas mudanças estão colocados e a<br />
discussão está aberta.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 23-32, jun. 2011<br />
31
Por outro lado, reconhecemos o potencial<br />
e a praticidade do MySpace como um excelente<br />
“cartão de visitas”. Acreditamos que a<br />
criação de um perfil do Coro Cênico da UNA-<br />
MA na rede trará benefícios ao grupo na medida<br />
em que tornará pública parte de sua produção<br />
musical (reunida na série “ Trilhas<br />
D’Água”). A integração com as redes sociais é<br />
uma tendência crescente e já adotada por<br />
muitos órgãos, empresas, instituições e organizações.<br />
A democratização do conteúdo é<br />
uma das principais características da web 2.0 e<br />
o perfil do Coro Cênico no MySpace possibilitará<br />
uma aproximação maior com o público<br />
externo e interno da universidade e, ao mesmo<br />
tempo, dará a oportunidade para que mais<br />
pessoas conheçam e se interessem pelo trabalho<br />
realizado pelo Núcleo Cultural.<br />
REFERÊNCIAS<br />
AMARAL, A. Fãs-usuários-produtores: uma análise<br />
das conexões musicais nas plataformas sociais<br />
MySpace e Last.fm. In: PERPETUO, I.F.; SIL-<br />
VEIRA, S.A. (Orgs.). O futuro da música depois<br />
da morte do CD. SP: Momento Editorial, p.91-<br />
106. 2009. Disponível em: http://<br />
www.futurodamusica.com.br<br />
CORRÊA, S.C; Abreu de Sousa, A; Osvald Ramos,<br />
D. O estudo das Redes sociais na comunicação digital:<br />
é preciso usar metáforas? Estudos em Comunicação,<br />
n. 6, p. 201-225, dez. 2009. Disponível<br />
em: http://www.ec.ubi.pt/ec/06/pdf/elizabethcorrea-redes-sociais.pdf<br />
Acesso em: 25 out. 2010.<br />
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PINHEIRO, M. Subjetivação e consumo em sites de<br />
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São Paulo, v.5, p.103-121, nov. 2008. Disponível<br />
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Acesso em: 21 out.2010.<br />
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RECUERO, Raquel. Considerações sobre a difusão<br />
de informações em redes sociais na internet.<br />
In: VIII INTERCOM - Congresso Brasileiro de<br />
Ciências da Comunicação da Região Sul, 2007,<br />
Passo Fundo – RS, 2007.<br />
______. Redes sociais na internet. Porto Alegre:<br />
Sulina, 2009. (Coleção Cibercultura).<br />
______. Redes sociais na Internet: considerações<br />
iniciais. In: XXVII INTERCOM - Congresso Brasileiro<br />
de Ciências da Comunicação, 2004, Rio Grande<br />
do Sul. Anais, 2004 Porto Alegre – RS.<br />
______. Redes Sociais no Ciberespaço: uma proposta<br />
de Estudo. In: XXVIII INTERCOM - Congresso<br />
Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2005,<br />
Rio de Janeiro. Anais, 2005.<br />
Sites:<br />
MYSPACE.COM – http://www.myspace.com<br />
32<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 23-32, jun. 2011
BOLSISTAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA<br />
33
ANÁLISE DA DEGLUTIÇÃO EM PACIENTES<br />
PORTADORES DE HIV 1 Thays Cardias Ferreira *<br />
RESUMO<br />
Objetivou-se com este estudo identificar os possíveis sinais de disfagia em pacientes infectados<br />
pelo HIV na cidade de Belém do Pará. Esta pesquisa foi realizada com 20 pacientes<br />
provenientes da instituição PARAVIDDA. Aplicou-se um questionário com 10 perguntas fechadas<br />
e realizou-se uma avaliação. Observou-se que 80% dos indivíduos não tiveram acesso ao<br />
atendimento fonoaudiológico, relataram dificuldades na alimentação tais como: diminuição<br />
salivar (3,8%), tosses ao se alimentar com sólido (3,8%), engasgos com líquido (11,5%), sólido<br />
(7,7%) e pastoso (7,7%) e dificuldade respiratória (15,4%). Da amostra de 20 pacientes, 13 apresentaram<br />
sensação de alimento parado na garganta e perda de peso acentuada. Notou-se que<br />
14 indivíduos apresentaram dentes em más condições. Concluí-se que grande parte dos pacientes<br />
não reconheceu os sinais clínicos de disfagia, no entanto utilizam estratégias para minimizar<br />
a sensação de alimento parado na garganta.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Fonoaudiologia. Deglutição. AIDS. Disfagia.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Segundo o Ministério da Saúde (2009) o<br />
vírus da imunodeficiência humana é o agente causador<br />
da AIDS. Esta síndrome traz uma série de<br />
manifestações biológicas e fisiológicas, acarretando<br />
várias consequências à vida do portador.<br />
Bastos apud Szwarcwald et al., (2000) relata<br />
que o primeiro caso de AIDS diagnosticado<br />
no Brasil foi na cidade de São Paulo em 1980.<br />
Neste período, os homossexuais, bissexuais,<br />
prostitutas, hemofílicos e demais pessoas que<br />
receberam sangue infectado eram considerados<br />
mais propensos a adquirir o vírus. Atualmente<br />
todos sabem que qualquer pessoa é vulnerável<br />
a este vírus, especialmente as pessoas que não<br />
tomam as devidas precauções.<br />
Quando o indivíduo adquire a Síndrome<br />
da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) seu sistema<br />
imunológico é afetado, desta maneira, tornam-se<br />
maiores as possibilidades de contrair<br />
doenças comuns, dentre elas: Pneumonia, Gripe,<br />
Tuberculose, Sarcoma de Kaposi etc. Essas<br />
doenças chamam-se oportunistas, quando atingem<br />
o soropositivo fazem com que ele fique<br />
mais fraco. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009)<br />
As maneiras de contrair o vírus da AIDS são:<br />
o sangue, a secreção vaginal e o leite materno, isso<br />
*<br />
Aluna do 8º semestre de Fonoaudiologia, ex-monitora das<br />
disciplinas Fundamentos de Fonoaudiologia e<br />
Fonoaudiologia nas Instituições I; bolsista do Projeto de<br />
Iniciação Científica.<br />
1<br />
Artigo elaborado sob orientação da profa. Cinthya da Silva<br />
Lynch, Pós-Doutora; docente do curso de Fonoaudiologia da<br />
Universidade da Amazônia – UNAMA; Fonoaudióloga do<br />
hospital universitário João de Barros Barreto.<br />
35<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 35-43, jun. 2011
quer dizer que a transmissão do vírus HIV pode<br />
ocorrer pela relação sexual (anal, oral, vaginal) se<br />
não houver uso do preservativo, transmissão sanguínea<br />
e transmissão vertical (da mãe para o bebê<br />
seja na gestação, parto ou aleitamento) (Ibdem).<br />
Quando é necessário realizar o diagnóstico<br />
da AIDS são realizados os seguintes testes:<br />
Elisa, este é o primeiro que deve ser realizado,<br />
caso seu resultado seja positivo, indica-se o teste<br />
de Imunofluorescência Indireta para o HIV-1<br />
por tratar-se de um teste que irá confirmar o resultado<br />
do teste anterior. O Western Blot também<br />
é indicado, porém seu preço é bastante elevado.<br />
E por fim é realizado o teste Rápido anti-<br />
HIV que detecta os anticorpos contra o HIV presentes<br />
na amostra de sangue em um tempo abaixo<br />
de 30 minutos, este também tem um custo<br />
bastante alto. O período em que o vírus não consegue<br />
ser detectado por exames realizados em<br />
laboratórios chama-se janela imunológica, sendo<br />
assim torna-se necessário verificar se no<br />
momento em que a pessoa for realizar os exames<br />
não está neste período (Ibdem).<br />
De acordo com a lei, Lei nº 6965 de 09/12/<br />
1981, artigo 1°, parágrafo único, Fonoaudiólogo,<br />
é o profissional com graduação plena em Fonoaudiologia,<br />
apto a atuar em pesquisa, prevenção,<br />
avaliação e terapia fonoaudiológicas nas<br />
áreas de comunicação: oral, escrita, voz, audição,<br />
bem como em aperfeiçoamento dos padrões<br />
de fala, voz e deglutição (BRASIL, 1981).<br />
Conselho Federal de Fonoaudiologia apud<br />
Bacha e Osório (2004) afirma que o fonoaudiólogo<br />
é um profissional da área da saúde, que pode<br />
atuar como autônomo e independente, e suas<br />
funções são exercidas nos setores púbicos e privados,<br />
que são responsáveis pela promoção de<br />
saúde, avaliação e diagnóstico, orientação, terapia<br />
(habilitação e reabilitação) e aperfeiçoamento<br />
dos aspectos fonoaudiológicos da função auditiva<br />
periférica e central, função vestibular, linguagem<br />
oral e escrita, voz, fluência, articulação da<br />
fala, sistema miofuncional orofacial, cervical e<br />
deglutição, podendo também atuar nas áreas de<br />
ensino, pesquisa e administrativa, além de ter<br />
atuação clínica, empresarial, escolar (escola especial<br />
e regular), hospitalar, dentre outros.<br />
Andrade (1999) afirma que entre as alterações<br />
fonoaudiológicas que pacientes portadores<br />
do vírus HIV podem apresentar, é imprescindível<br />
destacar na área cognitiva / perceptiva /<br />
memória / percepção visual); na área de comunicação<br />
(linguagem oral e escrita / voz / respiração);<br />
as funções neurovegetativas e na diminuição<br />
da prosódia. Sendo as alterações fonoaudiológicas<br />
mais comuns, a disartria e a disfagia.<br />
O paciente pode queixar-se de disfagia<br />
ao apresentar tais patologias orais: Candidíase,<br />
Herpes simples, Herpes Zoster, Ulcerações Aftosas,<br />
Glossite (inflamação da língua) e Sarcoma<br />
de Kaposi (ALVES, 2001).<br />
A deglutição é uma função biológica,<br />
complexa e coordenada, pela qual<br />
substâncias passam da cavidade oral<br />
para a faringe, laringe e por fim o estômago.<br />
Seu objetivo, além da alimentação<br />
é de proteger as vias aéreas. Para<br />
deglutirmos de forma segura necessitamos<br />
de uma coordenação precisa,<br />
sobretudo da fase oral e faríngea (BEN-<br />
VENUTI, PEREIRA E REVAY, 2005, p.6).<br />
Macedo Filho et al (1998) relatam que o<br />
termo disfagia quer dizer qualquer alteração que<br />
haja na deglutição, podendo estender-se da boca<br />
até o estômago. Suas causas podem ser inúmeras<br />
tais como: doenças neurológicas, cânceres<br />
de cabeça e pescoço, em indivíduos de todas as<br />
idades. A disfagia provoca uma queda na qualidade<br />
de vida e atinge aspectos sociais de um<br />
indivíduo. Este sintoma pode causar risco clínico<br />
de desidratação, desnutrição e aspiração de saliva,<br />
secreções ou alimentos para o pulmão.<br />
Para Villar, Furia e Mello Junior (2004) a disfagia<br />
é conceituada como um sintoma de uma doença<br />
que pode danificar qualquer parte do trato<br />
da deglutição, portanto, resulta na dificuldade do<br />
indivíduo manter-se nutricionalmente e também<br />
na interrupção do prazer na hora da alimentação.<br />
36<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 35-43, jun. 2011
Segundo Alves (2001) a terapia fonoaudiológica<br />
deve ser direcionada para cada paciente<br />
de acordo com suas dificuldades. A maior<br />
parte dos pacientes que apresentam Candidíase<br />
oral relata dificuldade no momento de deglutir,<br />
ou seja, apresentam disfagia, isso ocorre em virtude<br />
da língua encontrar-se bastante comprometida,<br />
fazendo com que o paciente apresente<br />
dor lingual (glossalgia), ardência, queimação e<br />
dor ao deglutir (odinofagia).<br />
No caso de disfagia a finalidade da terapia<br />
fonoaudiológica é ensinar o paciente a ter uma<br />
deglutição correta, para que esse processo não<br />
lhe cause qualquer tipo de sofrimento. Para que<br />
isto ocorra deverá haver a estimulação da deglutição<br />
através de exercícios, manobras e estratégias<br />
compensatórias que ajudem a diminuir os impactos<br />
ocasionados pela disfagia (Ibdem).<br />
De acordo com os estudos realizados por<br />
Araújo; Bicalho; Francesco (2005) a terapia fonoaudiológica<br />
para os disfágicos deve ser realizada<br />
levando-se em consideração o tipo e o grau<br />
de severidade da alteração. Tem como objetivo<br />
adequar as consistências, temperaturas, volumes<br />
dos alimentos, utensílios e posturas mais<br />
favoráveis para que o paciente se alimente de<br />
uma maneira mais segura e eficiente.<br />
Pesquisar um tema como este tem grande<br />
importância, especialmente para os fonoaudiólogos,<br />
já que estes trabalham na reabilitação<br />
de pacientes soropositivos, por este motivo, é<br />
imprescindível que o fonoaudiólogo tenha conhecimento<br />
de quais são as principais alterações<br />
que estes pacientes podem apresentar no que<br />
diz respeito a disfagia, para que assim possa ter<br />
uma atuação correta e proporcionar qualidade<br />
de vida a esses pacientes.<br />
Considerando a afirmação acima, conclui-se<br />
que o fonoaudiólogo tem uma atuação<br />
imprescindível para boa qualidade de vida do<br />
paciente soropositivo que tenha alterações na<br />
deglutição. Dessa maneira, o interesse em<br />
analisar os aspectos relacionados à deglutição<br />
do portador de HIV.<br />
2 OBJETIVO<br />
Identificar os possíveis sinais de disfagia<br />
em pacientes infectados pelo HIV na cidade de<br />
Belém do Pará.<br />
3 METODOLOGIA<br />
Inicialmente foi realizada a explanação do<br />
estudo para os participantes da pesquisa com a aplicação<br />
do termo de Consentimento Livre e Esclarecido<br />
justificando a necessidade e importância desta<br />
pesquisa em pacientes portadores do vírus HIV.<br />
Após o consentimento em participar da<br />
pesquisa, foi aplicado um questionário com perguntas<br />
fechadas, formulado pelo próprio pesquisador,<br />
com o objetivo de identificar as possíveis<br />
alterações percebidas pelos participantes<br />
da pesquisa com relação aos sinais clínicos de<br />
disfagia, quais as estratégias de compensação<br />
das seqüelas utilizadas, bem como de que maneira<br />
ocorre o acesso destes pacientes a serviços<br />
de saúde cujo fonoaudiólogo é o profissional<br />
responsável em tratar das alterações da deglutição<br />
e nível de conhecimento sobre a atuação<br />
do fonoaudiólogo em pacientes soropositivos<br />
sobre a disfagia.<br />
Em seguida foram realizadas avaliações<br />
fonoaudiológicas em pacientes portadores de<br />
AIDS provenientes da instituição PARAVIDDA<br />
(Grupo para Valorização, Integração e Dignificação<br />
do doente de AIDS).<br />
O protocolo de avaliação fonoaudiológica<br />
teve como objetivo identificar as possíveis<br />
alterações no sistema estomatognático, segundo<br />
Cott (1996). Este protocolo avaliou aspectos<br />
como: absorção oral, nível de comunicação, capacidades<br />
cognitivas, descrição do problema<br />
pelo paciente, mudanças recentes alimentares,<br />
tônus muscular, força e sensibilidade de língua,<br />
lábios e bochecha, funções respiratórias e laríngeas<br />
e reflexos orofaríngeos.<br />
Nas avaliações, foram utilizados os seguintes<br />
materiais de proteção individual: luvas,<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 35-43, jun. 2011<br />
37
jalecos e máscaras respiratórias em caso de infecções.<br />
Os alimentos utilizados na avaliação<br />
foram: pastoso (iogurte concentrado); líquido<br />
(suco) e sólido (biscoito tipo cream cracker).<br />
Foram incluídos 20 pacientes com o diagnóstico<br />
de HIV. Foram excluídos indivíduos que<br />
não apresentassem nenhum tipo de alteração<br />
fonoaudiológica resultante da doença estudada.<br />
Esta pesquisa incluiu riscos mínimos aos<br />
participantes, visto que as medidas de biosegurança<br />
foram seguidas para proteção tanto dos<br />
participantes, como do pesquisador. Todos os<br />
questionários e os dados coletados dos indivíduos<br />
desta pesquisa, bem como sua identificação,<br />
foram mantidos em sigilo, por se tratarem<br />
de grupo especial (portadores de HIV).<br />
As avaliações foram realizadas em sala<br />
específica de atendimento ao portador de HIV,<br />
na Instituição PARAVIDDA, em horários pré-agendados.<br />
Cada avaliação durou em média de 50<br />
minutos cada. Esta pesquisa teve a duração de 8<br />
meses (maio a dezembro de 2010).<br />
Os dados coletados em campo foram<br />
analisados quantitativamente em planilhas no<br />
modelo EXCELL para análise posterior, bem<br />
como a utilização do teste G para o cruzamento<br />
de dados, este trata-se de um teste não paramétrico<br />
para duas amostras independentes,<br />
semelhante em todos os aspectos ao teste Qui<br />
quadrado, para dados categóricos dispostos<br />
em tabelas de contingência 2 x 2; podendo<br />
todavia ser estendido para mais de duas amostras,<br />
cada uma com duas ou mais modalidades<br />
(VIEIRA E HOSSNE, 2001).<br />
4 RESULTADO E DISCUSSÃO<br />
Primeiramente serão descritos os resultados<br />
referentes à qualidade e ocorrência do<br />
acesso ao tratamento fonoaudiológico, em seguida<br />
descreveremos os sinais apresentados<br />
pelos indivíduos e as estratégias realizadas para<br />
minimizar os sinais de disfagia.<br />
Gráfico 1: Gráfico referente à realização de avaliação<br />
fonoaudiológica em portadores de HIV.<br />
Instituição PARAVIDDA, 2010.<br />
Fonte: Pesquisa de campo<br />
No gráfico 1, observamos que 80% dos indivíduos<br />
avaliados não tiveram nenhum acesso<br />
ao atendimento fonoaudiológico, como atendimento<br />
inicial de avaliação para disfagia. Realizar<br />
tratamento fonoaudiológico torna-se essencial,<br />
levando-se em consideração que tratar a AIDS inclui<br />
as doenças oportunistas dos sistemas nervoso,<br />
sensorial, endócrino, gastrointestinal, cardiovascular,<br />
hematopoiético, respiratório, músculoesquelético,<br />
urinário, tegumentar, fâneros e genital,<br />
que podem resultar em distúrbios na comunicação<br />
humana (ANDRADE, 1999).<br />
De acordo com Lemos (1992) o acompanhamento<br />
fonoaudiológico torna-se vital, já que<br />
a fala, a voz, a prosódia e funções oro-vegetativas<br />
estão alteradas, podendo haver modificações<br />
de acordo com cada pessoa, pois as alterações<br />
mais perceptíveis do portador do vírus HIV<br />
são a disartria e a disfagia.<br />
Gráfico 2: Gráfico referente à presença de dificuldade<br />
para se alimentar dos participantes da<br />
pesquisa. Instituição PARAVIDDA, 2010.<br />
Fonte: Pesquisa de campo<br />
38<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 35-43, jun. 2011
Gráfico 3: Gráfico referente às dificuldades de deglutição dos participantes da pesquisa, realizada<br />
na Instituição PARAVIDDA, 2010.<br />
Fonte: Pesquisa de campo<br />
No gráfico 2, observamos que 60% dos<br />
pacientes não relataram algum tipo de dificuldade<br />
para se alimentar. As alterações relatadas<br />
pelos demais participantes foram: diminuição salivar<br />
(3,8%), tosses ao se alimentar com sólido<br />
(3,8%), engasgos com líquido (11,5%), sólido<br />
(7,7%) e pastoso (7,7%) e dificuldade respiratória<br />
(15,4%). (Gráfico 3).<br />
Sabe-se que indivíduos portadores de<br />
HIV apresentam sinais clínicos de disfagia de<br />
diversos graus. Segundo Araújo, Bicalho e Francesco<br />
(2005) os sinais mais frequentes da disfagia<br />
são engasgos, tosse, regurgitamento nasal,<br />
resíduo alimentar na cavidade bucal, alteração<br />
na voz, emagrecimento, recusa alimentar, preferência<br />
por alimentos macios e pastosos e<br />
pneumonias de repetição, que se ocorridas em<br />
casos mais sérios podem levar à morte. Estes<br />
sinais podem ser percebidos ou não de acordo<br />
com o tempo de evolução da doença, causando<br />
maiores agravos clínicos e afetando a qualidade<br />
de vida. Os estudos de Veronesi (1991) afirmam<br />
que as manifestações clínicas mais comuns<br />
causadas por HIV pode sofrer variações, iniciando<br />
com a sintomatologia e chegando ao quadro<br />
mais completo da doença, ou seja, a AIDS.<br />
Este estudo evidenciou que apesar de a maioria<br />
dos participantes não relatarem dificuldades<br />
em se alimentar, os mesmos apresentam<br />
dificuldades em diversas consistências. O que<br />
demonstra o pouco acesso aos conhecimentos<br />
sobre disfagia em HIV.<br />
Tabela 1: Cruzamento de dados entre o item sensação de alimento parado em região faríngea e<br />
estratégias para minimizar a dificuldade no momento da deglutição. Instituição PARAVIDDA, 2010.<br />
Fonte: Pesquisa de campo<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 35-43, jun. 2011<br />
39
A tabela 1 demonstrou que de 20 pacientes<br />
com HIV, 13 sentem a sensação de alimento<br />
parado na região faríngea e utilizam como manobra<br />
para minimizar esta dificuldade, o uso de<br />
líquidos em seguida da deglutição 10 (76,9%),<br />
reflexo de tosse 2 (15,4%), uso de outras técnicas<br />
para auxílio no momento da dificuldade 2<br />
(15,4%) e o uso da manobra de esforço no momento<br />
da deglutição 1 (7,7%).<br />
Os pacientes que apresentam qualquer<br />
anormalidade na fase faríngea apresentam como<br />
manifestações o engasgo, tosse, náusea, regurgitação<br />
nasal ou dificuldade respiratória por aspiração.<br />
Esses sinais são ocasionados devido atraso<br />
ou ausência no reflexo de deglutição, incoordenação<br />
no fechamento da transição faringoesofágica<br />
(TFE), redução na contração da musculatura<br />
da laringe, alteração na elevação e fechamento<br />
da laringe. Existem três mecanismos que defendem<br />
os pulmões contra a aspiração. São eles: tosse,<br />
fechamento laríngeo e deglutição. Se por ventura<br />
esses mecanismos falharem resta a possibilidade<br />
de acabar com material aspirado por meio<br />
da ação ciliar das células da traqueia (PILZ, 1999).<br />
de sólidos, tosses e pigarros. Observados também<br />
neste estudo. Segundo Marchesan e Furkim<br />
(2003) a deglutição com esforço tem por objetivo<br />
aumentar a força muscular das estruturas que fazem<br />
parte do mecanismo da deglutição, auxiliando<br />
no envio e passagem do bolo pela orofaringe.<br />
Na tabela 2, observamos que 7 pacientes<br />
da amostra total apresentam feridas na cavidade<br />
oral e que para 6 (85,7%) dos mesmos, estas<br />
feridas dificultam a fisiologia da deglutição.<br />
As manifestações bucais podem ocasionar<br />
disfagia, ou seja, dificuldade para deglutir, em virtude<br />
das alterações existentes nos órgãos orofaciais,<br />
acompanhado ou não de projeção lingual e<br />
hipo ou hipertonia de lábios e língua (glossalgia),<br />
dor ao deglutir (odinofagia), ardência, queimação<br />
e comprometimento da parede posterior da faringe.<br />
As alterações mais comuns da deglutição acontecem<br />
nos casos de candidíase, herpes, Sarcoma<br />
de kaposi e ulcerações aftosas (SOUZA ET AL, 2000).<br />
Os sinais orais mais observados nos pacientes<br />
com o vírus HIV são: infecções de origens<br />
fúngicas como a candidíase; infecções bacterianas:<br />
GUNA, gengivite e periodontite; infecções<br />
Tabela 2: Cruzamento entre existência de feridas na boca e se as feridas atrapalham a deglutição.<br />
Fonte: Pesquisa de campo<br />
Para minimizar os riscos de aspiração alimentar,<br />
alguns indivíduos usam como recursos,<br />
manobras de limpeza de resíduos alimentares,<br />
tais como: o uso da manobra de esforço para deglutir,<br />
o uso de líquidos seguidos da deglutição<br />
virais: herpes simples, varicella zoster, papiloma<br />
vírus, leucoplasia pilosa; manifestações de origem<br />
desconhecida: estomatite aftosa recorrente e<br />
aumento das glândulas salivares; doenças neoplásicas:<br />
Sarcoma de Kaposi (RAITZ, 2002).<br />
40<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 35-43, jun. 2011
Gráfico 4: Dados referentes as mudanças recentes (perda de peso e diminuição do apetite), em<br />
pacientes portadores de HIV. Instituição PARAVIDDA, 2010.<br />
Fonte: Pesquisa de campo<br />
No gráfico 4, observou-se que 13 indivíduos<br />
do total da amostra apresentaram perda<br />
de peso acentuada. Pacientes com disfagia normalmente<br />
apresentam perda importante de<br />
peso. De acordo com Carbonnel e Cosnes (1997),<br />
existe possibilidade dos pacientes soropositivos<br />
emagrecerem em media 5kg por mês, de maneira<br />
bem rápida, isto pode ocorrer, caso haja<br />
associação a uma infecção secundária sistêmica<br />
em mais de 80% dos casos, ou emagrecer mais<br />
lentamente (1kg por mês, em média), indicando<br />
uma doença gastrintestinal (candidíase, criptosporidiose,<br />
ou outra) ou diminuição na quantidade<br />
de alimentos ingeridos.<br />
Na prática, as situações mais comuns são:<br />
emagrecimento progressivo ligado à diarréia crônica;<br />
ausência de recuperação de peso, apesar de tratamento<br />
medicamentoso eficaz e TN; emagrecimento<br />
progressivo sem causa conhecida; emagrecimento<br />
maciço nos doentes em fase terminal (Ibdem).<br />
Gráfico 5: Dados referentes as condições da cavidade oral em portadores de HIV. Instituição PARA-<br />
VIDDA, 2010.<br />
Fonte: Pesquisa de campo<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 35-43, jun. 2011<br />
41
No gráfico 5, 14 indivíduos apresentam<br />
dentes em más condições de conservação. De<br />
acordo com os estudos de Chen, Flaitz, Wullbrandt<br />
(2003) existe uma correlação positiva, estatisticamente<br />
entre o uso de anti-retroviral e a<br />
detecção de cárie dentária. Estes medicamentos<br />
apresentam uma grande quantidade de teor<br />
de sacarose, que em conjunto com outros fatores<br />
(dieta, redução do fluxo salivar) aumenta a<br />
ação dos ácidos sobre os tecidos dentais.<br />
As infecções bacterianas tais como: lesões<br />
de gengivite, periodontite e GUNA necessitam<br />
de tratamento específico. Segundo Lima<br />
et al (1994) essas doenças quando associadas ao<br />
HIV manifestam-se mais agressivamente. No<br />
caso da gengivite, a gengiva marginal encontrase<br />
eritematosa em “forma de banda”. Quanto a<br />
peridontite esta é semelhante às formas de doenças<br />
periodontal agressiva que pode ser observada<br />
na população em geral, no entanto em<br />
pacientes que não tem histórico de doenças periodontal.<br />
È importante que o diagnóstico seja<br />
detectado de forma correta, pois desta maneira<br />
auxilia para determinar o tratamento apropriado,<br />
assim prevenir danos periodontais que geralmente<br />
ocorre rapidamente, já que o tratamento<br />
acontece com o debridamento do tecido mole,<br />
raspagem e alisamento corono-radicular, uso de<br />
agentes antimicrobianos, como iodopolvidine e<br />
clorexidina, e orientação quanto higiene bucal<br />
e terapia de manutenção.<br />
5 CONCLUSÃO<br />
Muitos pacientes não reconheceram os<br />
sinais clínicos de disfagia como alterações na<br />
deglutição, porém apresentam a sensação de<br />
alimento parado na região faríngea e utilizam<br />
estratégias para minimizar as dificuldades que<br />
normalmente são encontradas em várias consistências<br />
como o uso de líquidos em seguida da<br />
deglutição, reflexo de tosse e o uso da manobra<br />
de esforço no momento da deglutição.<br />
O presente estudo destacou a importância<br />
da atuação do fonoaudiólogo com a deglutição de<br />
pacientes portadores de HIV, bem como a importância<br />
do acesso ao profissional fonoaudiólogo deste<br />
o início do curso da doença com o objetivo de<br />
minimizar as alterações da disfagia promovendo<br />
melhora na qualidade de vida destes pacientes.<br />
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43
44 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 2, p. 23-28, nov. 2010
FIBRAS PARA CONCRETO:<br />
O QUE O PARÁ ESTÁ PERDENDO?¹<br />
Fernando França de Mendonça Filho *<br />
RESUMO<br />
O Pará tem um histórico de resistência às mudanças por parte da construção civil. No Pará,<br />
isso é bastante visível quanto a tecnologia do concreto, pode-se até dizer que está estagnada.<br />
Existem diversas pesquisas sendo feitas, mas estas não estão sendo aderidas à prática, onde<br />
se segue sempre o mesmo modelo de concreto de fc k = 30 MPa com no máximo adição de<br />
aditivo redutor de água. Este artigo pretende chamar a atenção para outro tipo de concreto, o<br />
concreto reforçado com fibras (CRF), uma tecnologia comum em quase todo o Brasil que está<br />
demorando a chegar ao Pará. Ao longo do texto será comentado porque usar fibras, os conceitos<br />
básicos e como estas funcionam, mas o principal enfoque estará nas aplicações já consolidadas<br />
no Brasil e algumas internacionais, mostrando uma gama de possibilidades que não<br />
está sendo aproveitado pelos engenheiros e construtoras do Estado.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Concreto reforçado com fibras. Fibras de aço. Fibras de vidro. Fibras sintéticas.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
1.1 CONCRETO NO PARÁ<br />
O concreto é um material estrutural relativamente<br />
novo, que ainda tem muito a evoluir<br />
(HELENE; ANDRADE, 2010). A prática da<br />
confecção do mesmo varia de acordo com o<br />
país em questão, a Inglaterra, por exemplo,<br />
faz a maioria dos concretos com incorporação<br />
de ar para melhor adequação ao clima. O Brasil<br />
é um país com construções predominantemente<br />
feitas com base em concreto de cimento Portland,<br />
porém, os maiores avanços tecnológicos<br />
do material são provenientes de nações com<br />
grandes investimentos em pesquisa com os E.<br />
U. A., o Japão e algumas potências européias.<br />
Então o concreto brasileiro acaba por seguir<br />
as tendências internacionais, assim mantendo-se<br />
alguns anos atrasado para as novidades.<br />
No Pará este quadro é agravado principalmente<br />
pelos seguintes motivos:<br />
a) Baixo incentivo à pesquisa;<br />
b) Interesse pequeno do governo no ensino da<br />
região;<br />
c) Rochas com características desvantajosas para<br />
produção de concreto;<br />
______________________<br />
* Acadêmico do 7º semestre do curso de Engenharia Civil –<br />
UNAMA; Bolsista de Iniciação Científica. e-mail: fernandomendonca@hotmail.com.<br />
¹ Artigo escrito sobre a orientação do Professor MSc. José<br />
Rodrigues Zacarias da Silva Júnior<br />
45<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011
d) Pouca disposição de engenheiros em tentar<br />
inovações nos canteiros.<br />
Desta forma, o Estado avança imitando<br />
tecnologias já consolidadas em outras regiões<br />
do País. Tradicionalmente, projetam-se obras<br />
com f ck<br />
= 30MPa, sem controle de módulo de<br />
elasticidade, nem outra exigência. Atualmente<br />
as obras estão começando a incorporar a alvenaria<br />
estrutural, porém, em relação ao material<br />
concreto, não há grandes mudanças. Dificilmente<br />
vê-se uso de concretos auto-adensáveis<br />
fora de estacas hélice e mesmo nesse caso,<br />
não se faz controle para que seja determinado<br />
se o concreto é mesmo autoadensável. Não há<br />
re<strong>lato</strong>s do uso de concretos com f ck<br />
= 50MPa<br />
nem superiores, e raras são as obras que chegam<br />
aos 40 MPa. O concreto colorido também é<br />
pouco utilizado, tendo-se re<strong>lato</strong>s na região de<br />
aplicação somente em indústria de pré-moldados<br />
por um curto período de tempo. Além disso,<br />
há poucos casos de uso de adições minerais<br />
em grandes obras.<br />
O caso de fibras no concreto é uma tecnologia<br />
que ainda não foi completamente firmada,<br />
porém já é amplamente utilizada para<br />
diversos fins no Brasil inteiro. É comum até<br />
em Manaus, que também pertence a região<br />
Norte. Logo, considera-se que o Pará precisa<br />
renovar os conceitos firmados tão rigorosamente<br />
de concretos unicamente com adição<br />
de plastificante e retardador de pega para que<br />
deixe de estar tecnologicamente atrasado em<br />
nível nacional.<br />
1.2 POR QUE USAR FIBRAS NO CONCRETO?<br />
O concreto é um material estrutural com<br />
desempenho excelente à compressão, porém<br />
isto não se repete à tração e flexão. Certos tipos<br />
de fibras são adicionados visando ganhos em<br />
resistência à flexão, tração e/ou cisalhamento e<br />
podem chegar ao ponto de diminuir a quantidade<br />
de armadura na peça. Para casos de requisição<br />
em peças muito finas, onde é costumeiro se<br />
usar telas de aço, há re<strong>lato</strong>s de desempenho<br />
melhor com grande economia para a substituição<br />
deste tipo de armadura por fibras (MEHTA;<br />
MONTEIRO, 2008).<br />
Outro problema do concreto é a sua fragilidade,<br />
o material não é capaz de assumir<br />
grandes deformações antes de romper, o que<br />
acaba afetando a capacidade de absorver energia<br />
após a fratura (praticamente inexistente) e<br />
o desempenho em requisições dinâmicas. Porém<br />
já se usam fibras para combater todas essas<br />
deficiências atualmente. Segue a figura 1.1<br />
exemplificando.<br />
Figura 1.1: Diferença entre peças frágeis sem o<br />
reforço de fibras e peças compósitas dúcteis.<br />
(PARAMESWARAN, 2009)<br />
No Pará, existe o problema da retração<br />
térmica, sendo que rápidas mudanças de temperatura<br />
podem prejudicar concretagens médias<br />
como lajes. O uso de polipropileno, fibra<br />
encontrada comercialmente no Estado, em<br />
baixíssimos teores é suficiente para precaver<br />
este problema sem representar um custo adicional<br />
exorbitante.<br />
Existem ainda vários outros aspectos benéficos<br />
que serão melhor explorados nos capítulos<br />
de aplicações.<br />
46<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011
2 OBJETIVOS<br />
Este artigo pretende chamar a atenção<br />
do meio técnico às possibilidades de aplicação<br />
da tecnologia descrita. Assim como introduzir o<br />
assunto aos interessados novas idéias para otimizar<br />
os processos construtivos.<br />
loco, a partir de adição simples no caminhão<br />
betoneira, como mostra a figura 3.3.<br />
Figura 3.1: Processo Hatschek de produção de<br />
fibrocimento. (SAVASTANO; SANTOS, 2010).<br />
3 CONCEITOS BÁSICOS DE CRF<br />
Os pesquisadores Caetano et al (2004)<br />
conceituam fibras como um material discreto e<br />
descontínuo, a princípio inerte, com a função de<br />
transferir parte de suas propriedades a matriz,<br />
assim criando um compósito com certas características<br />
nitidamente melhores. Essa definição é<br />
particularmente adequada porque não descrimina<br />
os materiais quanto sua composição química,<br />
nem geométrica.<br />
A matriz pode ser um concreto convencional<br />
(o conceito já inclui todos os componentes<br />
menores como água, cimento, agregados,<br />
aditivos e adições minerais), uma argamassa<br />
simples ou misturas especiais como concreto<br />
autoadensável, concretos de alto desempenho,<br />
concretos leves e até a invenção recente do<br />
concreto translúcido.<br />
Compósitos são a combinação da matriz<br />
com as fibras, é um termo já antigo em engenharia<br />
mecânica. O ponto de vista do material<br />
compósito normalmente tenta abranger as macro-propriedades,<br />
manifestadas de modo a demonstrar<br />
a atuação das fibras em conjunto com<br />
os componentes da matriz. Neste caso o compósito<br />
é o concreto reforçado com fibras (CRF).<br />
A mistura da fibra com a matriz de concreto<br />
pode ocorrer por meio de máquinas especiais,<br />
como o caso do processo Hatschek<br />
para a produção de placas, exemplificado na<br />
figura 3.1; na central dosadora, variando os<br />
processos de acordo com cada empresa (normalmente<br />
a fibra vai junto com o agregado<br />
graúdo, como mostra a figura 3.2); ou brevemente<br />
antes do lançamento do concreto in<br />
É normal que o abatimento da mistura<br />
diminua proporcionalmente a quantidade de fibras,<br />
efeito que já é previsto nos processos industriais<br />
de CRF, porém há aqueles que estranhem<br />
em obras nas quais as fibras são adicionadas<br />
pré-lançamento. Há um ganho geral de coesão<br />
e viscosidade com a incorporação de fibras,<br />
propriedades que afetam diretamente o teste<br />
de Slump, porém isto não apresenta muita influência<br />
prática na construção, pois quando o<br />
CRF sofre vibração mecânica no estado fresco<br />
sua reologia volta ao normal.<br />
Figura 3.2: Fibras de aço adicionadas ao concreto<br />
antes da mistura e seu estado quando já misturadas.<br />
(FUGII et al, 2010).<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011<br />
47
Figura 3.3: Adição pré-lançamento de fibras de<br />
aço. (NUNES, 2006).<br />
Ao considerar implementar esta tecnologia<br />
em uma obra, deve-se sempre lembrar que<br />
é necessário que seja feito um estudo do traço<br />
de concreto a ser utilizado, de forma que as fibras<br />
não agem por igual em qualquer relação<br />
água/cimento, dimensão de agregados, teor de<br />
argamassa e outros fatores. Caso se acrescente<br />
uma quantidade típica de fibras sem nenhum<br />
estudo prévio é possível que as mesmas não resultem<br />
nos efeitos esperados e até pior, podem<br />
gerar “ouriços”, aglomerados de fibras que diminuem<br />
as propriedades mecânicas do compósito<br />
por causa da mistura ineficiente ou incompatibilidade<br />
de materiais.<br />
toda a carga do compósito. Com uma<br />
carga cada vez maior sobre o compósito,<br />
as fibras tendem a transferir a<br />
tensão adicional para a matriz através<br />
de tensões de aderência. Se as<br />
tensões de aderência não excederem<br />
a resistência de aderência, então<br />
pode haver fissuração adicional na<br />
matriz. Esse processo de fissuração<br />
múltipla continuará até que haja<br />
rompimento das fibras ou até que o<br />
escorregamento local acumulado leva<br />
ao arrancamento da fibra.<br />
Para facilitar a visualização do descrito,<br />
seguem as figuras 4.1 e 4.2 demonstrando o discutido:<br />
Figura 4.1: Linhas de tensão em concreto convencional.<br />
(FIGUEIREDO, 2000).<br />
Figura 4.2: Linhas de tensão em CRF. (FIGUEIRE-<br />
DO, 2000).<br />
4 MODELOS DE TRANSFERÊNCIA<br />
Para explicar a influência das fibras sobre<br />
o concreto e entender seu comportamento<br />
durante carregamento ou surgimento de tensões<br />
diversas a comunidade científica está se empenhando<br />
em criar modelos de transferência. Sobre<br />
o assunto, Shah apud Mehta e Monteiro<br />
(2008) afirma:<br />
48<br />
O compósito suportará cargas cada<br />
vez maiores após a primeira fissuração<br />
da matriz, caso a resistência das<br />
fibras ao arrancamento na primeira<br />
fissura for maior que a carga na primeira<br />
fissuração; [...] em uma seção<br />
fissurada, a matriz não resiste a nenhuma<br />
tensão e as fibras suportam<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011<br />
Nota-se que as linhas de tensão normalmente<br />
se concentram na ponta da fissura para o<br />
concreto sem reforço, porém, com a presença<br />
de fibras é possível que estas hajam como ponte<br />
de transferência para as tensões que se acumulariam<br />
nas fissuras.<br />
4.1 TEOR<br />
Por teor, entende-se uma relação com a<br />
quantidade de fibras a ser adicionada. Inicialmente<br />
era dado pela porcentagem em volume de concreto<br />
que as fibras representavam, mas atualmente<br />
também existe a opção de se referir a partir do
peso a ser adicionado por uma unidade de volume.<br />
Por exemplo, para uma fibra de aço comercial<br />
no Estado pode-se especificar que a mistura<br />
deve conter aproximadamente 0,5% de fibras de<br />
aço, o que seria equivalente a 40 kg/m³.<br />
Mehta e Monteiro (2008) fazem a seguinte<br />
divisão de CRFs em função da fração volumétrica<br />
de fibras incorporadas a matriz :<br />
a) Baixa fração volumétrica (2%): Este teor causa<br />
o endurecimento por deformação, um sistema<br />
mais avançado do uso de fibras que permite<br />
a criação dos chamados compósitos de<br />
alto desempenho e compósitos de ultra alto<br />
desempenho.<br />
4.2 FATOR DE FORMA<br />
O rompimento das fibras está ligado,<br />
além da resistência propriamente dita, ao seu<br />
comprimento longitudinal, ou seja, caso esta tenha<br />
um comprimento exagerado, romperá com<br />
uma tensão muito baixa, porém se o comprimento<br />
for pequeno demais, a fibra se soltará mais facilmente<br />
da matriz, assim não alcançando a tensão<br />
desejada novamente (FIGUEIREDO, 2000).<br />
O comprimento é uma das duas grandezas<br />
inseridas na grandeza denominada fator de<br />
forma. Esta é um dos fatores determinantes de<br />
eficiência do reforço (FIGUEIREDO; HELENE, 1997),<br />
assim o parágrafo anterior pode ser interpretado<br />
da seguinte maneira: pode ser considerado que<br />
as tensões na fibra vão aumentando linearmente<br />
dos extremos para o centro, então a tensão será<br />
máxima quando a tensão na fibra for igual tensão<br />
de cisalhamento entre a fibra e a matriz.<br />
Segue figura 4.3 simplificando a grandeza<br />
comentada:<br />
Figura 4.3: Esquematização do fator de forma.<br />
(FIGUIEREDO, 2000).<br />
Sobre isso, Nunes (2006) diz que aumentando<br />
o fator de forma enquanto se mantém o<br />
comprimento, o espaçamento entre as fibras<br />
diminuirá, assim será possível mais delas atuarem<br />
como mecanismo de transferência no mesmo<br />
lugar.<br />
4.3 GEOMETRIA<br />
Outra forma de aumentar o desempenho<br />
da fibra está na deformação de sua geometria.<br />
Tomando como exemplo uma fibra de aço com o<br />
formato idêntico ao da figura 3.3 submetida a um<br />
ensaio de arrancamento da matriz, esta resistiria<br />
somente até que a tensão de aderência fosse alcançada,<br />
então ela se desprenderia do concreto e<br />
restaria pouca resistência gerada pelo atrito.<br />
Caso a fibra, composta pelo mesmo aço<br />
e envolta pelo mesmo concreto, tivesse uma<br />
geometria deformada (tomasse como exemplo<br />
o formato de gancho nas extremidades), após<br />
o desprendimento ainda seria necessário que<br />
se gastasse energia para deformar o aço de<br />
modo a fibra se tornar quase reta para então<br />
poder ser arrancada.<br />
Para tanto é necessário que a matriz<br />
agüente tal energia sem rompimento localizado<br />
fora da interface. Segue a figura 4.4 do processo<br />
da fibra descrita sobre um gráfico da energia gasta<br />
no ensaio de arrancamento da mesma em uma<br />
matriz transparente:<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011<br />
49
Figura 4.4: Ensaio de arrancamento de fibra de<br />
aço com deformação nas pontas e evolução do<br />
gráfico tensão x escorregamento. (WEILER;<br />
GROSSE, 1996).<br />
Figura 4.5: Esquema de perda de aderência entre<br />
a fibra e a matriz. (BENTUR; MINDESS, 2007).<br />
4.4 ADERÊNCIA<br />
A ligação das tensões feitas pelas fibras<br />
pode ser perdida de duas maneiras, pelo rompimento<br />
das fibras ou pelo arrancamento destas.<br />
O rompimento está ligado a resistência à tensão<br />
e comprimento do material e varia de acordo<br />
com a fibra escolhida. Já o arrancamento inclui<br />
outros fatores que dificultam uma previsão mais<br />
acurada. Isso porque está ligado com a aderência<br />
fibra-matriz que por sua vez possui uma zona<br />
de transição distinta para cada combinação de<br />
fibras e matrizes diferentes. Segue a figura 4.5<br />
para ilustrar uma fibra de aço se descolando da<br />
matriz de argamassa.<br />
Durante uma fissura inicialmente se tem<br />
a fibra colada na matriz e certa concentração de<br />
portlandita na interface (A), então ocorre o desprendimento<br />
da fibra rompendo a ligação com a<br />
interface (B), em seguida há um pequeno ganho<br />
de energia em relação a B gerado pelo atrito entre<br />
a rugosidade da fibra e a camada solta de portlandita<br />
(C), e finalmente parte do C-S-H também<br />
se desprende para contribuir com o atrito<br />
que resta antes da fibra se separar definitivamente<br />
da matriz (D).<br />
5 PRINCIPAIS FIBRAS<br />
Os principais tipos de fibra foram determinados<br />
pelo comitê ACI 544 como sendo:<br />
Aço: É o tipo com maior quantidade de<br />
literatura, a fibra que normalmente serve<br />
como referência. Podem ser de vários tamanhos<br />
e formas e possuem norma nacional própria<br />
(ABNT NBR 15530:2007). Têm várias formas<br />
e dimensões, como mostra a figura 5.1.<br />
São fabricadas a partir de corte ou amassamento<br />
de arames, ou até mesmo manuseio<br />
siderúrgico. Podem possuir grandes resistências<br />
a tração (entre 345 e 2100 MPa) e são utilizadas<br />
para aumentar tenacidade do concreto,<br />
complementar armaduras ou até mesmo<br />
substituir reforço armado. Também mostram<br />
durabilidade semelhante à de armaduras convencionais.<br />
Existem casos de produção de concretos<br />
de pós reativos visando atingir resistências<br />
próximas ou até maiores que 200 MPa onde é<br />
necessário a adição de fibras de aço por dois<br />
motivos. O primeiro é que as propriedades de<br />
resistência à tração e flexão não crescem pro-<br />
50<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011
Figura 5.1: Diversos tipos de fibras de aço. (PA-<br />
RAMESWARAN, 2009).<br />
porcionalmente à compressão, então grandes<br />
teores de fibras são adicionados para tanto (entre<br />
2% e 4%). O outro é a tendência à explosão,<br />
com 200 MPa de resistência e sem fibras o concreto<br />
se torna altamente frágil e sua ruptura<br />
ocorre de forma muito violenta, as fibras de aço<br />
sanam a situação de modo a reter os fragmentos.<br />
A figura 5.2 mostra um exemplo de concreto<br />
de pós reativos reforçado com fibras de aço.<br />
Figura 5.2: Passarela da paz em Cheong, Coréia.<br />
Concreto de altíssimo desempenho reforçado<br />
com fibras de aço, recorde mundial de esbelteza.<br />
(MEHTA; MONTEIRO, 2008).<br />
Vidro: O princípio básico das fibras de vidro<br />
está em produzir compostos muito finos com<br />
grandes teores de fibra (5%), onde normalmente<br />
a matriz é de argamassa. São produzidas como<br />
filamentos quentes que resfriam juntos, normalmente<br />
são contínuas, o que dá a possibilidade<br />
de alinhamento a elas que outras fibras dificilmente<br />
possuem. A maior desvantagem está na<br />
baixa resistência a alcalinidade de fibras de vidro<br />
comuns, atualmente já existem algumas<br />
adaptadas a esse problema, porém sua durabilidade<br />
ainda não é ideal. Porém estas continuam<br />
sendo usadas por produzirem compósitos baratos,<br />
bem leves e habilidade de moldagem em<br />
fôrmas verticais. Alguns exemplos de estruturas<br />
com fibras de vidro são encontrados mais a<br />
frente no artigo.<br />
Sintéticas: É o tipo mais variado, algumas<br />
das fibras são feitas especificamente para reforço<br />
de concreto. A mais usada atualmente é a de polipropileno,<br />
uma fibra produzida a partir da resina<br />
homopolimérica de polipropileno com ponto de<br />
fusão bom (165ºC) e custo moderado. Esta se tornou<br />
popular por fazer efeito em baixíssimos teores<br />
(< 0,5%), não reter água e ter uma boa resistência<br />
a meios alcalinos, mas só é usada em funções<br />
estruturais a partir de processos especiais, no Brasil<br />
é adicionada em teores bem baixos pré-lançamento.<br />
Um exemplo de uso de polipropileno é para<br />
diminuir abertura de fissuras em uma caixa d’água,<br />
onde o controle desleixado pode ter consequências<br />
de custos elevadíssimos, a figura 5.3 mostra a<br />
estrutura mencionada.<br />
O mercado vem acolhendo várias outras<br />
fibras sintéticas, como fibras de acrílico, nylon,<br />
poliéster, poliolefina, polietileno, carbono, aramida,<br />
acrílica de alta resistência e PVA. Algumas<br />
destas são usadas semelhantemente às de polipropileno,<br />
outras estão sendo estudadas como<br />
alternativas mais econômicas às fibras de aço.<br />
Naturais: Fibras naturais podem ser de<br />
vários tipos (folhas, madeira, superfície de frutas<br />
e sementes etc), em geral, não combatem<br />
bem a alcalinidade da pasta, então mostram uma<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011<br />
51
Figura 5.3: Caixa d’água construída com concreto<br />
reforçado com polipropileno para controlar a abertura<br />
das fisssuras. (BENTUR; MINDESS, 2007).<br />
durabilidade muito deficiente. São usadas como<br />
soluções muito econômicas para peças pouco<br />
requisitadas. Mesmo assim, ainda há muito incentivo<br />
para estudos com essas fibras, pois elas<br />
representam uma solução sustentável, na qual<br />
a produção gasta relativamente pouca energia e<br />
polui muito pouco. Podem ser usadas também<br />
para produzir peças de telhado a partir do processo<br />
da figura 3.1.<br />
6 APLICAÇÕES PELO BRASIL<br />
Muitos se enganam achando que a adição<br />
de fibras tem o intuito de substituir o reforço tradicional<br />
de barras ou malha de aço. Existem alguns<br />
casos em que o uso de fibras é, de fato, mais<br />
eficiente. Por exemplo, em camadas muito finas<br />
de concreto ou argamassa (entre 13 e 20 milímetros),<br />
fibras de vidro mostram um desempenho<br />
melhor que uma armação tradicional.<br />
Esse tipo de aplicação já está bem consolidado,<br />
apesar de haver discordâncias quanto ao<br />
teor de fibra a ser aplicado por causa da dificuldade<br />
de incorporação que cresce proporcionalmente<br />
a quantidade desejada em volume. Ainda<br />
sim existem diversos casos em que as fibras<br />
foram usadas em território brasileiro.<br />
Rodrigues (2010) afirma que o dimensionamento<br />
de pisos industriais usando CRF pelos<br />
52<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011<br />
métodos tradicionais resulta em alternativas<br />
pouco econômicas. Porém, o autor relata aplicações<br />
ainda tímidas no Brasil em que as fibras são<br />
usadas para aumentar o comprimento das placas<br />
compositoras dos pisos. Tem-se placas de até<br />
12 metros para teores de 20 a 25 kg/m³, acima<br />
disso e se a espessura da placa for maior que 16<br />
cm, passa-se a usar 30 kg/m³. O mesmo diz já<br />
existirem dezenas de obras no país usando esse<br />
sistema com placas de 30 a 40 metros de comprimento.<br />
Segue figura 6.1 mostrando sistema de<br />
regularização do piso feito com CRF, sendo que<br />
neste caso é necessário mais atenção para evitar<br />
o aparecimento de fibras na superfície.<br />
Figura 6.1: Etapa de regularização do concreto<br />
com o rodo de corte. (RODRIGUES, 2010).<br />
Essa tem se mostrado uma das maiores<br />
aplicações no Brasil, assim como o reforço de<br />
tubos de concreto. Mas o reforço de tubos de<br />
concreto já possui norma, a ABNT NBR 8890:2007.<br />
Esta aplicação já se mostrou mais eficiente que<br />
o reforço de tela várias vezes, e ainda demonstrou<br />
o dobro da economia. A nova norma já diferencia<br />
os ensaios de rompimento de tubos com<br />
fibras e tubos com telas para levar em conta a<br />
ductilidade do material, porém como estes ensaios<br />
são muito caros para serem executados, os<br />
bancos de dados ainda não estão com tantos resultados<br />
quanto poderiam estar. Fugii et al (2010)<br />
mostrou uma série de rompimentos de tubos<br />
simples classe 1 com dimensões de 0,6 metro de<br />
diâmetro e 1,5 metro de comprimento. No referido<br />
experimento foram testados 5 teores de fibras<br />
(de 10 a 30 kg/m³) quanto a carga mínima de
dano, carga de ruptura e recarregamento, nos<br />
quais os teores de 20 kg/m³ e 25 kg/m³ apresentaram<br />
melhores resultados. Segue figura 6.2 do<br />
rompimento de um dos tubos do estudo:<br />
Figura 6.3: Concreto com fibras de aço usado como<br />
revestimento definitivo da Linha Amarela do<br />
metrô de São Paulo. (FRANCO; GALLOVICH, 2008).<br />
Figura 6.2: Ensaio de compressão diametral em<br />
tubo de concreto com adição de fibras de aço<br />
após a ruptura. (FUGII et al, 2010).<br />
Também há a confecção de túneis com concreto<br />
normalmente reforçado com fibras de aço.<br />
Esta prática se torna cada vez mais comum no território<br />
nacional, porém não existe uma normatização<br />
própria para tal. As construções são feitas com<br />
base no empirismo do engenheiro ou com base<br />
em métodos particulares de grandes empresas que<br />
não estão disponíveis ao público. Assim, não está<br />
havendo reprodução de conhecimento.<br />
Sobre isso, Figueiredo (2008) defende que<br />
já existem métodos nacionais de dosagem de concreto<br />
reforçado com fibras de aço tanto para concreto<br />
projetado quanto para concreto convencional<br />
e o que falta é a determinação dos engenheiros<br />
usarem. Também afirma que a “regra de consumo<br />
mínimo” ainda é aplicada para fibras porque há<br />
uma ausência de controle corriqueiro das mesmas,<br />
sendo que estas só são ensaiadas em peças de grandes<br />
dimensões nas quais os testes acontecem pouquíssimas<br />
vezes. O autor julga que a maior dificuldade<br />
em se estabelecer e normatizar um controle<br />
de desempenho do compósito está na falta<br />
de normatização brasileira para dimensionamento<br />
de túneis, de forma que os parâmetros a serem<br />
controlados se tornam inúmeros. Segue Figura<br />
6.3 com um concreto com fibras de aço usado<br />
em uma linha de metrô de São Paulo.<br />
Analogamente ao uso em pisos industriais,<br />
existe o uso em pavimentos rígidos. As mesmas<br />
regras gerais se aplicam neste caso. Sobre<br />
isso, Nunes (2006) comenta que os métodos de<br />
estimativa de retração estão muito defasados,<br />
em sua tese ele afirma que com um controle<br />
maior é possível fazer uma estimativa muito<br />
mais acurada que permitiria a previsão de teor<br />
necessário de fibras na dosagem do concreto a<br />
ser aplicado. Este realizou experimentos em placas<br />
de 4,4 metros de largura por 40 metros de<br />
comprimentos sem juntas de controle com consumos<br />
de fibras iguais a 0, 10, 30 e 60 kg/m³, e<br />
controlar a fissuração (concretagem mostrada na<br />
figura 6.4). Porém, Nunes (2006) alerta que as<br />
fibras por si só não são capazes de lidar com todos<br />
os problemas de fissuração, pois tanto no<br />
modelo analítico quanto no experimental, o<br />
consumo tenderia ao infinito. Assim é sensato<br />
controlar a quantidade de cimento ou curar cuidadosamente<br />
os pavimentos, mesmo que estes<br />
sejam reforçados com fibras.<br />
Há ainda o uso em concreto projetado.<br />
Silva (1997) reforça duas vantagens bem conhecidas<br />
que se repetem no caso de concreto projetado.<br />
Uma é o desempenho superior das fibras<br />
sobre o reforço de tela de aço, sendo que para<br />
vários teores, o CRF apresentou maior tenacida-<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011<br />
53
Figura 6.4: Pistas de 4,40 x 40 m concretadas com<br />
fibras de aço. (NUNES, 2006).<br />
de e maior carga máxima antes da fissura que a<br />
alternativa. A outra é a resistência maior à corrosão,<br />
sendo que as fibras de aço são descontínuas,<br />
então há maior chance de que a corrosão<br />
aconteça de maneira muito mais pontual que no<br />
caso da tela. Há ainda a questão de a fibra ter o<br />
diâmetro menor, de modo que durante o processo<br />
de corrosão, a expansão dela representará<br />
tensões internas menores e provavelmente<br />
causará menos danos à estrutura.<br />
Outro aspecto que merece ser mencionado<br />
é a redução no índice de reflexão. Para este<br />
tipo de lançamento, sempre haverá massa que<br />
não adere a peça, para ter um controle do quanto<br />
está se perdendo de concreto se determina o<br />
índice de reflexão. Há re<strong>lato</strong>s de fibras diminuindo<br />
em 67,26%, causando grande economia<br />
mesmo sem se mencionar funções estruturais.<br />
A figura 6.5, a seguir, mostra a adição de fibras<br />
ao concreto projetado:<br />
Figura 6.5: Adição de fibras de aço ao concreto<br />
projetado. (SILVA, 1997)<br />
7 APLICAÇÕES PELO MUNDO<br />
Como afirmado inicialmente, o Brasil não<br />
é líder mundial no uso de fibras no concreto.<br />
Assim, é de se esperar que algumas aplicações<br />
ainda não tenham chegado aqui apesar de já estarem<br />
sendo utilizadas no exterior.<br />
Um exemplo de economia foi um caso<br />
em uma refinaria na Suécia, onde a utilização de<br />
CRF para estabilização de um talude representou<br />
um custo US$50.000,00 inferior a opção com<br />
concreto reforçado com malha de ferro a um teor<br />
de apenas 55 kg/m³. Aconteceu algo parecido<br />
em Washington, E. U. A., quando se usou o reforço<br />
de fibras para estabilizar um talude ao longo<br />
de uma estrada de ferro que seguia próxima<br />
ao rio Snake, neste caso foi usado um teor de<br />
120 a 150 kg/m³. (MEHTA; MONTEIRO, 2008).<br />
Uma das áreas mais crescente é a de prémoldados.<br />
Deseja-se sempre que as peças prémoldadas<br />
contenham o melhor acabamento possível,<br />
para tanto, não devem conter fissuras por<br />
retração apesar de seus tamanhos variáveis. As fibras<br />
são uma grande arma contra este problema,<br />
assim como podem ser usadas também para o aumento<br />
da tenacidade. Neste caso, ganha-se com o<br />
manuseio das peças, já que elementos de concreto<br />
são muito frágeis, é complicado movê-los com<br />
velocidade, porém com o aumento de absorção<br />
de energia a situação é bem abrandada. A figura<br />
7.1 mostra uma peça pré-moldada com dimensões<br />
consideráveis que foi moldada com fibras de aço.<br />
Figura 7.1: Desmoldagem de elemento de telhado<br />
pré-moldado (SHAH; FERRARA, 2008).<br />
54<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011
Sobre o assunto, Bentur e Mindess (2007)<br />
alegam que a performance das fibras pode ser, no<br />
geral, igual a da malha metálica quanto ao desempenho<br />
estrutural, mas elas representam uma economia<br />
de tempo e mão de obra muito grande na<br />
confecção dos produtos por meio da eliminação<br />
da necessidade de posicionamento de armadura<br />
ou jaula e concretagem em volta. Há ainda a vantagem<br />
de maior resistência ao impacto, que além do<br />
que já foi mencionado, serve para proteger as bordas<br />
ou pontas das peças, partes de grandes incidências<br />
de lesões. A figura 7.2 mostra peças prémoldadas<br />
de CRF produzidas rapidamente em larga<br />
escala graças à velocidade de moldagem.<br />
Figura 7.2: Peças pré-moldadas de CRF em escala<br />
industrial. (PEREIRA, 2009).<br />
Bharatkumar e colaboradores (2008)<br />
descrevem uma mistura em que o concreto usava<br />
fibras de chumbo para torná-lo mais resistente<br />
a radiação e fibras de aço para sanar o<br />
decréscimo de desempenho causado pelo primeiro<br />
tipo de fibra. Esta é uma aplicação ainda<br />
muito recente com poucos dados disponíveis,<br />
o Centro de Pesquisa de Engenharia Estrutural<br />
de Chennai, Índia e o Centro de Pesquisa Atômica<br />
Bhabha de Mumbai, Índia mostraram resultados<br />
promissores.<br />
Outro uso pouco convencional foi a contenção<br />
de um teste de turbina em Westinghouse Electric<br />
Corp., Philadelphia, E. U. A., onde foi usado um<br />
teor de fibras de aço de 71 kg/m³ para reduzir a espessura<br />
necessária para um terço da original.<br />
Uma situação em que as fibras são o reforço<br />
primário do concreto é o uso em placas de<br />
revestimentos de fachada e elementos de telhado.<br />
Nesses casos as peças são bem finas e<br />
podem ser produzidas através de vários processos,<br />
Bentur e Mindess (2007) descrevem alguns:<br />
• Folha de cimento e celulose: Substituem<br />
muitas vezes os compósitos anteriormente<br />
feitos com amianto, são produzidos pelo processo<br />
Hastchek.<br />
• Folha de cimento e lascas de madeira: Podem<br />
ser produzidos desde o lançamento<br />
simples até processos com pressão e tratamento<br />
térmico.<br />
• Folha de cimento com vidro: Diversos processos<br />
de fabricação, há casos de pré-assentamento<br />
do vidro e lançamento do concreto envolta.<br />
• Folha de cimento com polipropileno: Normalmente<br />
misturado pré-lançamento, uma alternativa<br />
muito barata.<br />
• Folha de cimento com reforço híbrido: Normalmente<br />
carbono e PVA, com celulose como<br />
fibra intermediária.<br />
Nestes casos, como a função é não estrutural,<br />
os compósitos são dosados com atenção<br />
em dois principais aspectos, o crescimento<br />
de tensões internas que possam gerar fissuração<br />
ou uma tendência da peça a entortar graças<br />
às suas dimensões muito finas, e a durabilidade<br />
do conjunto, já que este estará suscetível a<br />
todas as intempéries imagináveis, assim como<br />
rápidas mudança de temperaturas. A figura 7.3<br />
mostra dois elementos de fachada produzidos<br />
com fibras de vidro.<br />
Figura 7.3: Elementos de fachadas feitos de concreto<br />
reforçado com fibra de vidro (BENTUR;<br />
MINDESS, 2007)<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011<br />
55
Ao redor do mundo se tem feito reparo em<br />
grandes represas e outras estruturas hidráulicas que<br />
devam suportar cavitação e erosão severa pela água,<br />
assim como tem se construído as novas já usando<br />
este artifício. As fibras mostram um diferencial neste<br />
ponto, pois além de melhorar o desempenho,<br />
ajudam a conter a fissuração, de modo a retardar a<br />
principal causa de diminuição de vida útil.<br />
O comitê ACI 210 fala de vários episódios<br />
de barragens e estruturas semelhantes<br />
que passaram por reformas ou reforços. Entre<br />
eles, menciona-se o caso da barragem<br />
Dworshak, North Fork, E. U. A. Esta foi uma<br />
barragem que entrou em operação em 1973<br />
com aproximadamente 220 metros de altura<br />
por 1000 metros de comprimento e quase 5<br />
milhões de metros cúbicos de concreto. Um<br />
ano depois se encontrou erosões severas, algumas<br />
com 56 centímetros de profundidade<br />
(Figura 7.4) e até remoção de barras de armadura.<br />
Para os locais com maiores danos, as<br />
armaduras foram repostas e a nova concretagem<br />
foi executada com CRF de aço por uma<br />
grande extensão (figura 7.5). No ano seguinte<br />
inspeções mostraram que não havia problemas.<br />
Nos anos subsequentes as inspeções<br />
mostraram que é necessário que se repare<br />
com certa frequência as partes com argamassa<br />
polimérica, porém as áreas com CRF mostram<br />
danos desprezíveis.<br />
Figura 7.4: Grande profundidade de erosão passando<br />
as barras de armadura na represa Dworshak.<br />
(ACI 210, 1999).<br />
Figura 7.5: Grande extensão de reparo com CRF<br />
feito na represa Dworshak. (ACI 210, 1999).<br />
Ainda vale mencionar paredes com<br />
grandes resistências tanto à compressão quanto<br />
à flexão, usa-se um núcleo de concreto convencional<br />
e duas camadas de aproximadamente<br />
5 mm de CRF de vidro ou outra. Já foram<br />
levantadas construções de até 4 andares usando<br />
esse sistema para paredes. Seijo (2008) diz<br />
que o uso de paredes reforçadas com fibras é<br />
corriqueiro em áreas com perigo de furacões<br />
nos Estados Unidos.<br />
Em sua tese, a autora supracitada produziu<br />
paredes de concreto pré-fabricadas usando<br />
agregados leves a base de espuma reforçadas<br />
com fibras de vidro (figura 7.6). Seu objetivo<br />
era reduzir cargas de projeto e, por conseguinte<br />
custos em armadura; criar compósitos<br />
mais dúcteis; reduzir tempo de execução de<br />
alvenaria, assim diminuindo custos de mão-deobra;<br />
e ainda prover um bom isolamento térmico<br />
e acústico. Para teste foram feitas estruturas<br />
em escala real e preenchidas com um airbag<br />
até a ruptura. A figura 7.7 mostra o teste<br />
número 3 onde a parede rompeu de forma dúctil<br />
a uma pressão que equivalente a uma velocidade<br />
de vento de 410 km/h.<br />
56<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011
Figura 7.6: Concretagem de paredes pré-moldadas<br />
com fibras de vidro. (SEIJO, 2008).<br />
Figura 7.7: Avaliação de desempenho do modelo<br />
em escala real de paredes reforçadas com fibras<br />
de vidro. (SEIJO, 2008).<br />
O comitê ACI 544.1 (2002) discutiu extensamente<br />
sobre as principais propriedades, modelagens<br />
analíticas, dosagens, aplicações, e necessidades<br />
de pesquisas quanto aos concretos<br />
reforçados com fibras. O documento gerado (ACI<br />
544.1R-96 2002) é um bom compêndio de conhecimento<br />
da tecnologia até o momento de publicação<br />
e serve como excelente meio de aprofundamento<br />
de conhecimentos para os que se interessaram<br />
em CRF. Ressaltam-se duas aplicações<br />
contidas no documento:<br />
• Fornos e estruturas refratárias envolvidos nos<br />
processos siderúrgicos, metalúrgicos, de refinamento<br />
de petróleo e produção de cimento<br />
Portland. Um exemplo é o revestimento de vasos<br />
na indústria petroquímica onde as temperaturas<br />
envolvidas estão entre 315ºC a 982ºC.<br />
• Uso extensivo de fibras naturais para construções<br />
de casas de baixo custo, peças de telhados,<br />
canos, silos, tanques de água e gás, calhas,<br />
isolamento de som e fogo e outros na África.<br />
REFERÊNCIAS<br />
7 CONCLUSÕES<br />
Pode-se dizer que as aplicações de CRF<br />
estão limitadas a criatividade do engenheiro em<br />
tirar proveito de todas as vantagens possíveis<br />
com essa tecnologia. Ou seja, o profissional deve<br />
saber adaptar os ganhos com a adição de fibras<br />
às necessidades da área.ou às fraquezas do sistema<br />
construtivo local.<br />
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58<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 45-58, jun. 2011
TOXINFECÇÃO ALIMENTAR POR SALMONELLA SPP.:<br />
UMA REVISÃO 1 Aline Duarte Lavor *<br />
Gilson Celso Albuquerque Chagas Junior **<br />
RESUMO<br />
A salmonela é uma bactéria muito comum no dia a dia. Por essa razão há necessidade de um<br />
cuidado especial ao preparar refeições, manipular utensílios de cozinha durante o preparo<br />
das refeições, manter a higiene pessoal etc. A salmonela tornou-se a responsável por uma das<br />
mais comuns zoonoses dos nossos tempos – a salmonelose. Talvez por ser de fácil contaminação,<br />
essa bactéria também é muito fácil de ser eliminada, se observado alguns pontos de<br />
higiene, além disso, o calor também pode eliminá-la. Logo objetivou-se fazer um breve levantamento<br />
sobre o histórico e os índices de contaminação por salmonela, observando os<br />
dados obtidos no material bibliográfico da UNAMA e de plataformas de pesquisas virtuais. Ao<br />
elaborá-lo, concluiu-se que ao seguir práticas simples de higiene e conscientizar a população,<br />
pode-se evitar as doenças transmitidas por alimentos causadas por essa bactéria.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Salmonela. Salmonelose. Infecção alimentar. Higiene.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Segundo a Organização Mundial da Saúde<br />
(OMS), “a alimentação deve ser disponível<br />
em quantidade e qualidade nutricionalmente<br />
adequadas, além de ser livre de contaminações<br />
que possam levar ao desenvolvimento de doenças<br />
de origem alimentar”. Alimentos contaminados<br />
são nocivos à saúde das pessoas que os<br />
consomem, provocando diversas enfermidades.<br />
Dados epidemiológicos mostram que os agentes<br />
etiológicos são, na maioria das vezes, microorganismos,<br />
e a contaminação pode ocorrer em<br />
diversas fases do processamento do alimento.<br />
Dessa forma, são necessárias medidas de controle<br />
em todas as etapas do processamento: colheita,<br />
conservação, manipulação, transporte,<br />
armazenamento, preparo e distribuição dos alimentos<br />
(BOULOS e BUNHO, 1999).<br />
As toxinfecções alimentares de origem<br />
microbiana têm sido reconhecidas como o problema<br />
de saúde pública mais abrangente no<br />
* Acadêmica do 5º semestre do Curso de Nutrição da UNAMA<br />
e monitora da disciplina Microbiologia e Higiene dos<br />
Alimentos.<br />
** Acadêmico do 3º semestre do Curso de Nutrição da UNAMA<br />
e bolsista/pesquisador do Programa de Iniciação Científica<br />
2011.<br />
1<br />
Artigo elaborado sob orientação da profa. Ms.c. Ana Carla<br />
Alves Pelais, ministrante das disciplinas Microbiologia e<br />
Higiene dos Alimentos e Tecnologia dos Alimentos, na<br />
Universidade da Amazônia – UNAMA.<br />
59<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 59-66, jun. 2011
mundo atual e causa importante na diminuição<br />
da produtividade, das perdas econômicas que<br />
afetam os países, empresas e simples consumidores<br />
(MICHELOTTI e NASCIMENTO, 2002 apud<br />
MESQUITA et al., 2006).<br />
A Salmonella é uma das principais bactérias<br />
envolvidas em surtos de doenças transmitidas<br />
por alimentos, ocasionando perdas econômicas<br />
em todo o mundo. Nos Estados Unidos por<br />
exemplo, estima-se um gasto de um bilhão por<br />
ano com esses surtos, pois, 1,4 milhões de casos<br />
de salmonelose são registrados anualmente, e<br />
destes 40.000 são confirmados laboratorialmente,<br />
aproximadamente mais de quinhentos casos<br />
são fatais e 2% apresentam artrite crônica como<br />
complicação. A Salmonella ocupa o segundo lugar<br />
como agente etiológico mais envolvido em doença<br />
diarréica (C.D.C, 2001 apud CÂMARA, 2002).<br />
No Brasil, em estudo realizado em São<br />
Paulo, a salmonela foi a terceira bactéria mais<br />
isolada em crianças menores de um ano de idade<br />
com diarréia aguda (FOCACCIA e VERONESI,<br />
1999 apud CÂMARA, 2002 ) .<br />
Dentro deste contexto, objetivou-se nesse<br />
artigo informar as pessoas em relação à bactéria<br />
Salmonella, o que é, quais os tipos de contaminações<br />
que podem ocorrer, complicações, como evitar<br />
possíveis intoxicações e o tratamento.<br />
2 OBJETIVO<br />
Realizar um levantamento bibliográfico<br />
sobre os índices, causas, tratamentos e consequências<br />
da intoxicação alimentar no Brasil pela bactéria<br />
Salmonella, e seus sorotipos mais comuns.<br />
3 METODOLOGIA<br />
Este artigo foi elaborado através de dados<br />
obtidos no material bibliográfico disponível<br />
na Biblioteca Central situada no “campus” Alcindo<br />
Cacela da Universidade da Amazônia (UNA-<br />
MA), artigos publicados virtualmente nas plataformas<br />
Scielo, BVS, dados disponíveis nos sítios<br />
virtuais do Ministério da Saúde e Ministério da<br />
Agricultura. Todas as literaturas foram analisadas<br />
de forma criteriosa.<br />
4 REFERENCIAL TEÓRICO<br />
4.1 UM BREVE HISTÓRICO E CARACTERÍSTICAS DA<br />
SALMONELLA SPP.<br />
A Salmonella foi inicialmente descrita<br />
pelo veterinário-bacteriologista norte-americano<br />
Daniel E. Salmón e pelo patologista Theobald<br />
Smith (Figura 1) no estudo “Investigações sobre<br />
Peste Suína”, em 1885 durante um surto dessa<br />
patologia no Estado de Nova Iorque, EUA. (HIS-<br />
TORIA DE LA MEDICINA, 2001).<br />
Inicialmente acreditava-se que a salmonela<br />
era a responsável pela peste suína (ou cólera do<br />
porco), o que ficou provado em estudos posteriores<br />
que o real causador da patologia era um vírus<br />
do gênero Pestisvirus spp. (AGROREDE, 2007).<br />
As bactérias do gênero Salmonella compreendem<br />
bacilos gram-negativos, não-formadores<br />
de esporos (FRANCO e LANDGRAF, 2008,<br />
p. 55) e em sua maioria classificados como peritríquios,<br />
quanto à disposição de seus flagelos<br />
(TORTORA, 2005, p. 79) o que os classificam como<br />
seres móveis, exceto a S. gallinarum e a S. pullorum,<br />
que são imóveis. São seres anaeróbios facultativos,<br />
ou seja, sobrevivem tanto na presença<br />
quanto na ausência de oxigênio e possuem<br />
uma temperatura ideal para a multiplicação de<br />
35-37º C, sendo a mínima de 5º C e máxima de<br />
47º C, por outro lado alguns valores máximos e<br />
mínimos podem variar de acordo com o sorotipo<br />
(FRANCO e LANDGRAF, 2008, p. 57).<br />
Baú (2010) afirma que as espécies de Salmonella<br />
eram classificadas de acordo com sua<br />
epidemiologia, reações bioquímicas e estruturas<br />
antigênicas, o que continuam prevalecendo<br />
até os dias de hoje, na maioria dos laboratórios.<br />
Embora haja dificuldade e divergências em alguns<br />
aspectos, pode-se entender que os sorotipos<br />
de Salmonella pertencem a duas espécies:<br />
60<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 59-66, jun. 2011
Salmonella bongori, a qual contém dezoito sorovares,<br />
e Salmonella entérica, a qual contém<br />
2.460 ou mais sorovares, divididos em seis subespécies:<br />
S. entérica, S. salamae, S. arizonae, S.<br />
diarizone, S. houtenae e S. indica.<br />
A taxonomia do gênero Salmonella é baseada<br />
na composição de seus antígenos de superfície,<br />
que são os antígenos somáticos (O), os<br />
flagelares (H) e os capsulares (Vi) (FRANCO e<br />
LANDGRAF, 2008, p. 55).<br />
Os antígenos O são designados por números<br />
arábicos (1, 2, 4 etc.). Os antígenos H são designados<br />
por letras minúsculas do alfabeto e por<br />
números arábicos. Só existe um tipo imunológico<br />
de antígeno Vi, encontrado somente em S. typhi,<br />
S. Dublin e S. hirschfeldii. Os antígenos O e Vi são<br />
termorresistentes, não sendo destruídos pelo<br />
aquecimento a 100º C por duas horas. Os antígenos<br />
H são termolábeis. Para determinação do sorotipo<br />
de uma Salmonella, os antígenos H que recobrem<br />
a célulaprecisam ser eliminados pelo<br />
aquecimento (FRANCO e LANDGRAF, 2008, p. 55).<br />
Ainda, segundo Franco e Landgraf (2008,<br />
p. 56), o potencial hidrogeniônico (pH) ideal<br />
para a proliferação de salmonella é em torno<br />
da neutralidade (pH=7,0), sendo que valores de<br />
pH superiores a 9,0 e inferiores a 4,0 são letais<br />
para as bactérias.<br />
4.2 CONTAMINAÇÃO ALIMENTAR POR SALMONE-<br />
LLA SPP<br />
Salmonelas são difundidas através da ingestão<br />
de alimentos e água contaminados com<br />
restos de animais. Segundo Hazelwood e McLean<br />
(1994, p. 40) a salmonela é encontrada nos intestinos<br />
do homem e de animais, e nos pêlos e patas<br />
de ratos, camundongos e pulgas. Os principais alimentos<br />
vetores de Salmonela são leite, queijo,<br />
ovos e carnes (principalmente as de aves).<br />
Segundo Franco e Landgraf (2008, p. 57)<br />
as doenças causadas por Salmonella costumam<br />
ser subdivididas em três grupos: a febre tifoide,<br />
causada pela Salmonella tiphy, as febres entéricas,<br />
causadas por Salmonella paratiphy e as salmoneloses<br />
(as enterocolites), causadas pelas<br />
demais salmonelas.<br />
Ainda segundo Hazelwood e McLean<br />
(1994, p. 40), a contaminação se dá quase sempre<br />
por consumo de alimentos mal cozidos,<br />
como o leite não fervido; ingestão de alimentos<br />
congelados, mal cozidos ou mal descongelados;<br />
e através de contaminação cruzada, onde, por<br />
exemplo, a bactéria pode se difundir do alimento<br />
mal descongelado ao entrar em contato com<br />
um alimento já cozido e pronto para servir.<br />
Segundo o estudo de Gasparetto (2001),<br />
os principais alimentos envolvidos na contaminação<br />
por Salmonella spp. são: carnes de aves,<br />
saladas elaboradas com carnes de aves, ovos e<br />
derivados, carne bovina e produtos cárneos. Ainda<br />
segundo Gasparetto (2001), nos últimos anos<br />
observou-se em todo o mundo um aumento de<br />
salmonelose humana relacionada ao consumo<br />
de frangos, ovos e derivados.<br />
Em estudo desenvolvido por Nadvorny et<br />
al. (2003), alimentos preparados com ovos contaminados<br />
por salmonela foram responsáveis por<br />
72,2% dos casos de salmonelose no estado do Rio<br />
Grande do Sul e entre os anos de 1987 e 2000 e as<br />
carnes de frango por 11,4% dos casos.<br />
Gasparetto (2001), afirma que a bactéria<br />
pode se proliferar no trato-gastrointestinal das<br />
galinhas e, subsequentemente, contaminar a carcaça<br />
de frango e os miúdos, o que ocorre com mais<br />
frequência durante o processamento do animal.<br />
Brasil (2009) determina novas regras de<br />
rotulagem em ovos, uma vez que os mesmos são<br />
responsáveis por mais da metade de contaminação<br />
pela bactéria salmonela no País. No Brasil,<br />
dos 2974 casos de toxinfecção alimentar registrados<br />
entre os anos de 1999 e 2008, 1275<br />
(42,9%) foram causados por Salmonella spp., sendo<br />
que ovos crus e mal cozidos e carnes de aves<br />
lideraram os alimentos fontes de contaminação<br />
com 378 pessoas contaminadas (SVS, 2008).<br />
Segundo Brasil (2009), os rótulos de embalagens<br />
de ovos devem conter os dizeres “O<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 59-66, jun. 2011<br />
61
consumo deste alimento cru ou mal cozido pode<br />
causar danos à saúde” e “Manter os ovos preferencialmente<br />
refrigerados”.<br />
4.3 SURTOS DE FEBRE TIFÓIDE E DEMAIS SALMO-<br />
NELOSES<br />
Dentre os principais surtos causados por<br />
Salmonella está a febre tifoide e as enterocolites<br />
(salmoneloses).<br />
4.3.1 Febre Tifoide<br />
Segundo Brasil [200-], a febre tifoide é<br />
causada pela espécie S. typhi, sendo o homem o<br />
único habitat dessa espécie. As pessoas que adquirem<br />
a febre tifoide transportam a bactéria na<br />
corrente sanguínea e no trato intestinal. Depois<br />
de ter ocorrido a infecção aguda, um pequeno<br />
número de pacientes (de 2 a 5%) passa a ser portador,<br />
armazenando a bactéria no intestino. Essas<br />
pessoas constituem importantes fontes para<br />
contaminação do ambiente e para continuidade<br />
da doença entre os humanos.<br />
a) Transmissão:<br />
Brasil [200-] relata que a transmissão da<br />
S. typhi ocorre, principalmente, de forma indireta<br />
através de água e alimentos contaminados<br />
com fezes ou urina de paciente ou portador. A<br />
contaminação de alimentos, geralmente, se dá<br />
pela manipulação por portadores ou pacientes<br />
com manifestações clínicas discretas, por isso a<br />
febre tifoide é também conhecida como a “doença<br />
das mãos sujas”. Os legumes regados com<br />
água contaminada, produtos do mar mal cozidos<br />
ou crus (moluscos e crustáceos), leite e derivados<br />
não pasteurizados, produtos congelados e<br />
enlatados podem veicular salmonelas.<br />
b) Sintomas:<br />
De acordo com Brasil [200-], os sintomas<br />
são febre alta, dores de cabeça, mal-estar geral,<br />
falta de apetite, bradicardia relativa, hepatoesplenomegalia<br />
(aumento do fígado), manchas<br />
rosadas no tronco (roséola tífica, raramente observada),<br />
obstipação intestinal ou diarréia e tosse<br />
seca. Ultimamente, o quadro clássico completo<br />
é de observação rara, sendo mais frequente<br />
um quadro em que a febre é a manifestação<br />
mais expressiva, acompanhada por alguns dos<br />
demais sinais e sintomas citados anteriormente.<br />
Nas crianças, a doença costuma ser menos<br />
grave do que nos adultos, sendo acompanhada<br />
frequentemente de diarréia. Embora seja uma<br />
doença aguda, a febre tifoide evolui gradualmente;<br />
a pessoa afetada, muitas vezes, é medicada<br />
com antimicrobianos, simplesmente por<br />
estar apresentando uma febre de etiologia não<br />
conhecida.<br />
Dessa forma, o quadro clínico fica mascarado<br />
e a doença deixa de ser diagnosticada precocemente.<br />
A hemorragia intestinal, principal<br />
complicação da febre tifoide, é causada pela ulceração<br />
das placas de Peyer, que, às vezes, leva<br />
à perfuração intestinal. Todavia, quando a febre<br />
tifóide evolui com bacteremia, qualquer órgão<br />
pode ser afetado. Existem outras complicações<br />
menos frequentes que são retenção urinária,<br />
pneumonia e colecistite.<br />
c) Diagnóstico Laboratorial:<br />
Para Lima (2003), o diagnóstico laboratorial<br />
é feito através do Hemograma e, Bioquímica<br />
do sangue. O diagnóstico específico da febre tifoide<br />
baseia-se sempre no isolamento da bactéria:<br />
Hemocultura: tem alta sensibilidade, principalmente<br />
durante a primeira semana de infecção;<br />
deve ser solicitada obrigatoriamente para<br />
todos os casos suspeitos, independente da fase<br />
em que se encontre; sugere-se a coleta de pelo<br />
menos duas amostras antes de se iniciar a antibioticoterapia;<br />
Coprocultura: tem maior sensibilidade<br />
a partir da terceira semana de infecção;<br />
é particularmente importante no pós-tratamento<br />
a fim de se identificar o estado de portador<br />
crônico; Mielocultura: é o método de maior sensibilidade<br />
para o isolamento de salmonela e se<br />
62<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 59-66, jun. 2011
mantém positiva mesmo quando do uso prévio<br />
de antimicrobianos.<br />
Segundo dados do DATASUS, só no período<br />
de 2004 a 2006, foram registrados cerca de<br />
599 casos de febre tifoide no Brasil, sendo que<br />
desses casos 293 pessoas eram do sexo feminino<br />
e 306 eram do sexo masculino. Regionalizando<br />
esses dados, no Estado do Pará, durante o<br />
período de 2005 a 2006 foram registrados cerca<br />
de 79 casos da doença.<br />
4.3.2 Demais Salmoneloses<br />
Desde a década de 1970, os índices de<br />
salmoneloses vêm crescendo no País (KOT-<br />
TWITZ, 2010 apud ANDRIGHETO, 2006).<br />
Landgraf et al. (1985), mostram em estudo,<br />
um surto de toxi-infecção alimentar por S.<br />
bredeney ocorrido na cidade de Araraquara, Estado<br />
de São Paulo. O surto em questão foi observado<br />
em 561 dos 922 operários de uma fábrica<br />
da cidade que haviam sido servidos de comida<br />
suspeita de contaminação. Aproximadamente<br />
7,5% dos trabalhadores precisaram ser hospitalizados,<br />
porém, não houve registros de óbitos.<br />
Após análises na comida servida, foram isoladas<br />
culturas de Salmonella e após a tipagem,<br />
foram identificadas como S. beredey.<br />
Peresi et. al. (1998), através de inquéritos<br />
epidemiológicos levantaram os surto de enfermidades<br />
transmitidas por alimentos causados por<br />
Salmonella Entetitidis, em decorrência de terem<br />
sido observados diversos casos de salmoneloses<br />
em um período de 1993 a 1997 no Noroeste do<br />
Estado de São Paulo. Em 23 surtos analisados no<br />
estudo de Peresi et. al. (1998), a grande maioria<br />
tinha sido em decorrência a ingestão de ovos crus<br />
ou mal cozidos. O que pode ter acarretado a proliferação<br />
de Salmonella Enteritidis nos ovos pode<br />
ter sido a maneira de estocagem desse produto<br />
em temperaturas entre 18º e 30ºC, o que favorece<br />
a proliferação dessa bactéria.<br />
Os surtos de salmoneloses no Estado do<br />
Rio Grande do Sul foram objetos de investigação<br />
do estudo de Nadvorny et. al. (2003). Foram<br />
estudados os 99 relatórios finais de ocorrência<br />
dos casos de salmoneloses no ano de 2000. Após<br />
análise, foram diagnosticados 74 casos tendo<br />
como responsáveis a Salmonella spp. Desses 47<br />
casos, 57 foram em decorrência da ingestão de<br />
ovos contaminados e 9 casos em decorrência da<br />
ingestão de carne de frango portadores de Salmonella<br />
spp.. Nadvorny et. al. (2003) reforçam<br />
que o acondicionamento de ovos e seus derivados<br />
a uma temperatura inferior a 5ºC ou cozimento<br />
a uma temperatura superior a 60ºC já é<br />
capaz de eliminar a bactéria. A presença de S.<br />
Enteritidis foi registrada, mas isso não significa<br />
que o consumidor será contaminado. Por outro<br />
lado, há de se haver uma manipulação adequada<br />
do alimento contaminado.<br />
A incidência de gastroenterite causadas<br />
por Salmonella spp. e Shigella spp. em crianças<br />
foi alvo de estudo de Rodrigues et. al. (2006).<br />
Das 63 amostras coletadas de crianças de 3 a 8<br />
anos de idade, foram encontradas 49 cepas de<br />
Salmonella spp. e 14 de Shigella spp. o que reforça<br />
dados anteriores e atuais: o gênero Salmonella<br />
sp. figura entre os micro-organismos mais<br />
comumente isolados em infecções intestinais.<br />
Kaku et al. (1995), na analise de surto alimentar<br />
por Salmonella Enteritidis no Estado de<br />
São Paulo, considerou que a introdução da bactéria<br />
pode ter acontecido pelos ovos e sua permanência<br />
e disseminação foi favorecida por lavagem<br />
e desinfecção insuficientes dos equipamentos<br />
e utensílios, uma vez que as coproculturas<br />
das merendeiras foram negativas para Salmonella,<br />
o que indica que as mesmas não eram<br />
portadoras e não foram envolvidas no surto.<br />
Kottwitz et. al. (2010) estudaram os dados<br />
epidemiológicos dos casos de salmoneloses<br />
ocorridos no Estado do Paraná entre os anos<br />
de 1999 e 2008. Como no estudo de Nadvorny et.<br />
al. (2003), alimentos à base de ovos, carnes e<br />
derivados foram associados a 45,0; 34,8 e 20,2%<br />
dos 286 surtos de salmoneloses ocorridos no Estado.<br />
Como observado no estudo de Peresi et.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 59-66, jun. 2011<br />
63
al. (1998), a S. Enteretidis foi responsável por<br />
87,8% das cepas isoladas dos pacientes e em<br />
80,6% das cepas provenientes dos alimentos<br />
envolvidos nos surtos.<br />
Ainda observando o estudo de Kottwitz<br />
et. al. (2010), 49,7% dos surtos estão relacionados<br />
a reuniões familiares, indicando assim, provavelmente<br />
a prevalência da contaminação cruzada,<br />
portanto, sugeriu-se maior empenho de<br />
educação higiênico-sanitária por parte da Vigilância<br />
Sanitária, tanto para manipuladores domésticos<br />
quanto para comerciais.<br />
4.4 TRATAMENTOS<br />
Ao se manifestarem sintomas, como vômitos,<br />
diarréia intensa, náuseas e cefaléia, o individuo<br />
deve rapidamente procurar por assistência<br />
médica, e uma vez diagnosticado com contaminação<br />
por Salmonella spp., deve-se seguir as<br />
recomendações médicas.<br />
A infecção por Salmonella spp. geralmente<br />
perdura por um período de 5 a 7 dias, na maioria<br />
dos casos não é necessária a assistência de<br />
medicamentos. Entretanto, quando ocorrer a<br />
contaminação por S. typhi, a assistência médica<br />
deve ser redobrada devido à ingestão de antibióticos<br />
como ampicilina e clorofenicol que auxiliam<br />
no tratamento da doença (ABC DA SAÚDE,<br />
[200-]; BARSA, 2001, p. 96). Em casos de diarréias<br />
e vômitos severos, a re-hidratação se faz necessária<br />
devido a constante perda de líquidos e eletrólitos<br />
do organismo. (ABC DA SAÚDE, [200-]).<br />
4.5 COMO EVITAR A TOXI-INFECÇÃO ALIMENTAR<br />
POR SALMONELLA SPP<br />
A salmonela é uma bactéria perigosa, mas<br />
bem fácil de evitar sua contaminação. De acordo<br />
com Franco e Landgraf (2008), o calor é forma eficiente<br />
para destruir a Salmonella. No momento<br />
da cocção, deve-se atingir no mínimo a temperatura<br />
de 70-74°C por 2 minutos ou 65°C por 15 minutos<br />
no centro geométrico do alimento, para que<br />
as bactérias sejam reduzidas a níveis aceitáveis<br />
(SILVA JÚNIOR, 1995). Se a temperatura correta<br />
de cocção não for atingida, as bactérias podem<br />
sobreviver. Além disso, é extremamente importante<br />
levar em consideração a composição do alimento<br />
onde a salmonela se encontra, pois a presença<br />
de sacarose, por exemplo, dobra a resistência<br />
térmica de S. typhimurium, e na presença<br />
de água, a resistência é muito inferior àquela apresentada<br />
em ambiente seco. Experimentos conduzidos<br />
com ovos desidratados e ovos inteiros<br />
indicam que a resistência térmica nos ovos desidratados<br />
pode ser de seiscentos e cinquenta vezes<br />
maior do que nos ovos líquidos.<br />
SBRT (2009) apud Meira (2009) afirma que<br />
logo após a postura, o ovo de galinha fica bastante<br />
vulnerável à ação de micro-organismos. A<br />
principal metodologia de conservação é a refrigeração,<br />
com o objetivo de controlar sua qualidade.<br />
Mas antes da refrigeração, uma boa opção<br />
é o processo de lavagem, que remove resíduos<br />
orgânicos como proteínas e açúcares aderidos à<br />
superfície da casca do ovo. A lavagem equivale<br />
à ação de detergente, enxágue e depois solução<br />
clorada. O método de impregnação da casca com<br />
óleo mineral é uma outra alternativa de limpeza<br />
do ovo, pois há o fechamento dos poros, evitando<br />
a desidratação e perda de gás carbônico.<br />
Hazelwood e Mclean (1994, p. 42), recomendam<br />
que antes de levar os alimentos ao<br />
fogo, devem-se descongelar os alimentos congelados<br />
por completo, principalmente carnes de<br />
aves no refrigerador e não debaixo de água corrente<br />
na pia. Não deixar haver o contato entre<br />
alimentos cruz e cozidos, para não haver contaminação<br />
cruzada. Nunca consumir alimentos não<br />
tratados, como o leite cru sem ferver.<br />
5 CONCLUSÃO<br />
A Salmonella spp. é uma bactéria patogênica<br />
de bastante incidência não só no Brasil,<br />
mas em diversas partes do mundo. Apesar de<br />
ser considerada de alto risco, é muito fácil se<br />
64<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 59-66, jun. 2011
prevenir contra ela. Com educação higiênicosanitárias<br />
suficiente e bastante presente, podese<br />
evitar surtos da bactéria facilmente. Ações<br />
simplórias, como o simples fato de se lavar a mão<br />
antes de manipular alimentos, cozinhar bem os<br />
alimentos ou até mesmo mudar hábitos alimentares,<br />
podem prevenir as complicações causadas<br />
por ela causada.<br />
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66<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 59-66, jun. 2011
ASPECTOS DA HANSENÍASE:<br />
UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 1<br />
Thayane Rodrigues Pereira Lima *<br />
RESUMO<br />
Objetivou-se com este artigo identificar a etiologia da hanseníase, o quadro clínico o qual ela<br />
desencadeia e seus tratamentos, sendo realizado para isso um levantamento bibliográfico a<br />
respeito da doença. Pois, o Brasil é considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS)<br />
como o segundo país com a maior incidência da hanseníase. Esse título lhe é atribuído tanto<br />
pelo abandono do tratamento pelos portadores da doença, quanto pelos seus aspectos socioeconômicos.<br />
Essa patologia de cunho infeccioso e evolução lenta é geradora de diversas<br />
lesões que causam alterações de sensibilidade e neurites, podendo ocasionar graves deformidades<br />
e consequente perda da capacidade funcional. E embora seu tratamento adequado<br />
resulte em comprovada cura, os impactos não só físicos, mas também emocionais e sociais<br />
perduram tanto sobre a vida do paciente como de seus familiares.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Hanseníase. Alteração de sensibilidade. Neurite. Doenças tropicais.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
A hanseníase, também conhecida como<br />
morfeia, mal de Hansen ou mal de Lázaro, ainda<br />
representa um grave problema de saúde pública<br />
no Brasil, devido aos seus consideráveis índices<br />
ainda registrados e as repercussões físicas,<br />
psicológicas e sociais que são geradas aos seus<br />
portadores (FERREIRA; ALVAREZ, 2005). O Brasil<br />
é considerado, pela Organização Mundial de Saúde<br />
(OMS), como o segundo país com o maior<br />
número de casos dessa patologia, perdendo<br />
apenas para Índia, o que representa, desse<br />
modo, 90% dos casos da doença registrados nas<br />
Américas (SANTOS et al., 2010).<br />
Os números referentes aos portadores<br />
da hanseníase podem ainda não se apresentarem<br />
como fidedignos, em virtude de seu longo<br />
período de incubação e em decorrência dos seus<br />
sinais e sintomas, em alguns casos, serem insidiosos,<br />
assim como, devido à baixa cobertura do<br />
Programa de Controle da Hanseníase, fato esse<br />
que produz dificuldades para a realização de seu<br />
diagnóstico, criando condições para existir uma<br />
prevalência oculta (GOULART et al., 2002a).<br />
* Acadêmica do sétimo semestre do curso de fisioterapia.<br />
Bolsista de Iniciação Científica da Universidade da Amazônia<br />
- UNAMA. E-mail: thayanerplima@hotmail.com<br />
1<br />
Artigo elaborado sob orientação da profa. Iranete Corpes<br />
Oliveira França, Fisioterapeuta; docente do curso de<br />
Fisioterapia da Universidade da Amazônia - UNAMA.<br />
Mestranda em desenvolvimento e meio ambiente urbano.<br />
E-mail: iranetecorpes@oi.com.br<br />
67<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 67-74, jun. 2011
Em 1999, o Brasil assumiu o compromisso<br />
de eliminar a hanseníase até o ano de 2005,<br />
condição essa considerada alcançada quando o<br />
índice da doença objetivada apresenta-se menor<br />
que um doente a cada 10.000 habitantes.<br />
Contudo, ao final de 2005, o coeficiente de prevalência<br />
dessa patologia foi de 1,48 casos a cada<br />
10.000 habitantes. Identificando-se que as regiões<br />
portadoras dos maiores índices referentes a<br />
essa patologia são a região Norte, Nordeste e<br />
Centro-oeste, que concentram 53,5% dos casos<br />
detectados no país (BRASIL, 2008).<br />
2 OBJETIVO<br />
Identificar a etiologia da hanseníase, o<br />
quadro clínico o qual ela desencadeia e seus tratamentos.<br />
3 METODOLOGIA<br />
Este artigo foi realizado através de uma<br />
pesquisa de revisão bibliográfica na Biblioteca Central<br />
da Universidade da Amazônia (UNAMA), <strong>revista</strong>s<br />
científicas eletrônicas e periódicos, entre os dias<br />
13 e 22 de Abril de 2011. Para a realização de pesquisa<br />
eletrônica foram utilizados os descritores<br />
hanseníase, formas clínicas da hanseníase, classificação<br />
funcional dos portadores de hanseníase e<br />
atuação fisioterapêutica na hanseníase.<br />
4 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA<br />
4.1 DEFINIÇÃO<br />
A hanseníase é uma doença infecto-contagiosa,<br />
caracterizada por uma grande variabilidade<br />
em seu curso clínico e de evolução lenta.<br />
Ela é causada pelo bacilo álcool-ácido resistente<br />
Mycobacterium leprae. Sendo uma doença dermato-neurológica<br />
que acomete predominantemente<br />
os nervos periféricos, pele e mucosas,<br />
devido a uma predileção de seu bacilo causador,<br />
situação essa que favorece uma condição incapacitante<br />
quando a patologia atinge graus avançados,<br />
acometendo primordialmente os olhos,<br />
as mãos e os pés (CARVALHO; ALVAREZ, 2000;<br />
FERREIRA; ALVAREZ, 2005; GOULART et al., 2002a;<br />
MORENO et al., 2003).<br />
4.2 FORMAS CLÍNICAS<br />
Segundo a classificação de Ridley-Jopling,<br />
em 1962, a hanseníase pode ser classificada<br />
nas formas: indeterminada; tuberculóide; dimorfa,<br />
podendo está ser subdividida em dimorfa<br />
tuberculóide, dimorfa dimorfa e dimorfa virchowiana;<br />
virchowiana, com sub-divisão em virchowiana<br />
polar e virchowiana subpolar; hanseníase<br />
históide e eritema nodoso hanseníco<br />
(GUINTO et al., 1990).<br />
Na hanseníase indeterminada, as lesões<br />
cutâneas consistem em uma única mancha plana<br />
ou em um pequeno número de manchas, em geral<br />
levemente hipocrômicas ou levemente eritematosas,<br />
de forma aproximadamente arredondada<br />
ou oval. Essas lesões geralmente são notadas<br />
nas superfícies cutâneas expostas, apresentando<br />
uma perda mínima de sensibilidade nas regiões<br />
em que estão situadas (GUINTO et al., 1990).<br />
Na hanseníase tuberculóide, que é uma<br />
forma estável da patologia, as lesões são solitárias<br />
ou em pequeno número, de cor avermelhada ou<br />
hipocrômica, sendo ovaladas ou arredondadas, com<br />
uma demarcação circundante. As bordas podem<br />
ser levemente elevadas em torno de seu contorno<br />
ou em seus segmentos. A superfície das lesões é<br />
seca, podendo evidenciar-se uma perda de pelos<br />
nessas áreas com diminuição da sensibilidade ou<br />
anestesia evidente (GUINTO et al., 1990).<br />
A hanseníase dimorfa é uma forma instável<br />
da doença, em que as lesões cutâneas são<br />
uniformemente elevadas ou possuem uma mancha<br />
central. Elas podem ser poucas ou numerosas,<br />
com uma cor avermelhada ou acastanhada,<br />
possuindo uma superfície lisa e brilhante, que<br />
pode ser também seca, tendo uma localização frequentemente<br />
assimétrica (GUINTO et al., 1990).<br />
68<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 67-74, jun. 2011
Na forma clínica dimorfa tuberculóide os<br />
nervos cutâneos e periféricos podem apresentar<br />
um espessamento palpável. Na forma dimorfa<br />
dimorfa, além das lesões poderem se apresentar<br />
na forma arredondada ou ovalada, elas<br />
podem estar presentes na forma de faixas que<br />
se confundem com a pele normal circundante,<br />
com uma perda de sensibilidade não definida.<br />
Já na dimorfa virchowiana, as lesões cutâneas,<br />
que podem ser elevadas ou infiltradas, são multiformes<br />
e de tamanho variável, sendo numerosas<br />
e disseminadas, com uma distribuição bilateral,<br />
mas não simétrica (GUINTO et al., 1990).<br />
A hanseníase virchowiana polar possui<br />
lesões cutâneas disseminadas e simétricas, sob<br />
a forma de elevação difusa, com hiperpigmentação.<br />
Em seus estágios iniciais as partes afetadas<br />
são lisas e brilhantes, contudo, nos estágios<br />
avançados há a presença de nodulações e enrugações<br />
na pele, que podem evoluir para ulcerações.<br />
As deformidades geradas podem incluir a<br />
perda das sobrancelhas e a atrofia dos músculos<br />
das mãos e dos pés, repercutindo na forma de<br />
dedos em garra e contraturas musculares. O envolvimento<br />
nervoso nessa forma ocorre tardiamente,<br />
sendo bilateral e simétrico, o que gera<br />
um estado de anestesia (GUINTO et al., 1990).<br />
Verifica-se na hanseníase virchowiana<br />
subpolar características similares as encontradas<br />
na hanseníase virchowiana polar, contudo, podem<br />
ser detectadas algumas lesões dimorfas<br />
assimétricas residuais, com lesões nervosas assimétricas,<br />
além de as sobrancelhas poderem<br />
estar preservadas (GUINTO et al., 1990).<br />
A hanseníase históide é uma manifestação<br />
da hanseníase virchowiana, apresentandose<br />
de maneira recidiva, sendo caracterizada por<br />
nódulos na pele que se desenvolvem em áreas<br />
previamente não afetadas, podendo ocorrer em<br />
zonas pouco comuns na superfície corporal<br />
(GUINTO et al., 1990). O eritema nodoso hanseníco<br />
consiste em nódulos transitórios de palpação<br />
dolorosa e de vários tamanhos, eles podem<br />
sofrer ulcerações, e caso sejam múltiplos, podem<br />
aparecer em estágios de desenvolvimento<br />
diferentes em qualquer superfície da pele<br />
(GUINTO et al., 1990).<br />
4.3 MECANISMO DE TRANSMISSÃO<br />
O contágio da hanseníase ocorre através<br />
do contato direto com uma pessoa portadora do<br />
bacilo de Hansen, que não está fazendo o tratamento,<br />
quando ela elimina para o meio exterior<br />
o agente patogênico da doença através das vias<br />
aéreas superiores, durante a fala, espirro ou tosse.<br />
A partir disso, o desencadeamento da doença<br />
no hospedeiro é dependente da manifestação<br />
do bacilo em seu organismo, podendo ocorrer,<br />
até mesmo, após um longo período de incubação,<br />
que dura em média de dois a sete anos.<br />
Assim, a hanseníase é uma patologia de alta virulência<br />
em função das incapacidades geradas e<br />
baixa patogenicidade, o que representa o baixo<br />
grau de transmissão da doença (BRASIL, 2002).<br />
Verifica-se que ela atinge indistintamente<br />
todos os sexos, obtendo uma maior prevalência<br />
em homens, assim como, todas as idades,<br />
contudo, os registros da doença em pessoas com<br />
idade inferior a quinze anos são menos frequentes.<br />
Outros fatores relacionados à incidência da<br />
doença correspondem às baixas condições socioeconômicas<br />
da população, pois geralmente<br />
essa camada social convive em um mesmo espaço<br />
com um elevado número de pessoas, situação<br />
essa que favorece a transmissão da doença<br />
(BRASIL, 2002; HINRICHSEN, et al., 2004).<br />
Algumas pessoas, que são contagiadas,<br />
apresentam resistência ao bacilo da hanseníase,<br />
abrigando, dessa forma, um pequeno número<br />
desse agente, o que é insuficiente para<br />
infectar outras pessoas, correspondendo, desta<br />
feita, aos casos denominados de paucibacilares,<br />
onde as pessoas enquadradas neles podem<br />
curar-se espontaneamente. Já as pessoas<br />
que não apresentam resistência ao bacilo,<br />
possuem um número acentuado desse agente<br />
no organismo, o que favorece a transmissão<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 67-74, jun. 2011<br />
69
da patologia, esses casos recebem a denominação<br />
de multibacilares. Contudo, quando o<br />
tratamento é realizado de maneira correta, o<br />
portador deixa de ser um transmissor, pois as<br />
primeiras doses da medicação matam os bacilos<br />
(BRASIL, 2002).<br />
4.4 QUADRO CLÍNICO<br />
A hanseníase manifesta-se através de sinais<br />
e sintomas dermatológicos, como as lesões<br />
cutâneas com área central com diminuição ou perda<br />
da sensibilidade, e sinais e sintomas neurológicos,<br />
como a diminuição ou a ausência de sensibilidade<br />
nos dermátomos correspondente aos nervos<br />
periféricos acometidos, sendo que, quando eles<br />
não são tratados de maneira adequada, podem<br />
evoluir para a ocorrência de deformidades, devido<br />
à perda de sensibilidade nas regiões inervadas<br />
por esses nervos e pela perda de força muscular<br />
nos músculos também inervados por eles. Verifica-se,<br />
assim, que as lesões geradas pela hanseníase<br />
podem acometer qualquer região corporal, contudo,<br />
ocorrem com maior frequência nos olhos,<br />
nas mãos e nos pés (BRASIL, 2002).<br />
Na hanseníase considera-se o conceito de<br />
lesões primárias e lesões secundárias, sendo que,<br />
as lesões primárias são aquelas em que as lesões<br />
são diretamente atribuídas à ação do bacilo nos<br />
tecidos ou por processos inflamatórios, como por<br />
exemplo, as alterações neurais, já as lesões secundárias<br />
são aquelas em que as lesões são decorrentes<br />
da presença de anestesia do tegumento<br />
ou das alterações das paralisias motoras, como<br />
nos casos de úlcera plantar (BRASIL, 2001).<br />
Clinicamente, a hanseníase apresenta-se<br />
com uma neuropatia mista, por comprometer as<br />
fibras nervosas sensitivas, motoras e autonômicas,<br />
fato esse que pode ocasionar uma hipersensibilidade<br />
do nervo. Verificando-se que as estruturas<br />
nervosas mais acometidas são os nervos:<br />
facial, trigêmio, ulnar, mediano, radial, fibular<br />
comum e tibial posterior. Além disso, a sensibilidade<br />
do paciente apresenta-se alterada em sua<br />
forma térmica, dolorosa e tátil. Podendo ser acrescida<br />
uma dor intensa, edema e déficit motor. Contudo,<br />
em alguns portadores, as neurites podem<br />
não ser acompanhadas de quadro álgico e de hipersensibilidade<br />
do nervo, caracterizando a neurite<br />
silenciosa (BRASIL, 2001).<br />
Quando o ramo zigomático do nervo facial<br />
é atingido, ocorre uma alteração no piscamento<br />
em vários graus de intensidade, sendo<br />
que, na forma mais severa, há grande redução<br />
ou ausência do fechamento das pálpebras. Ocorre,<br />
dessa maneira, o chamado fenômeno de Bell,<br />
cujo paciente ao tentar fechar os olhos, possui o<br />
seu globo ocular girando para cima e para fora,<br />
escondendo a córnea e o faz crer que ele fechou<br />
os olhos. A deficiência no piscamento prejudica<br />
a formação do filme lacrimal e desidrata, conseqüentemente,<br />
as células do epitélio corneano<br />
(ARAÚJO, 2003; MORENO et al., 2003).<br />
Nos membros superiores, os principais<br />
nervos acometidos são o nervo ulnar, o nervo<br />
mediano e o nervo radial, o que gera tanto alterações<br />
sensitivas como motoras. Ao haver o acometimento<br />
do nervo ulnar, é desencadeada uma<br />
hiperextensão da articulação metacarpo-falangiana<br />
e flexão das falanges digitais do segundo<br />
ao quinto dedo, o que gera a chamada garra ulnar,<br />
devido à uma paralisia dos músculos interósseos<br />
e lumbricais (BRASIL, 2001).<br />
Já com a lesão do nervo mediano ocorre<br />
perda do movimento de oponência do polegar,<br />
devido à paralisia dos músculos abdutor curto<br />
do polegar, flexor curto do polegar e do oponente<br />
do polegar. O acometimento do nervo radial<br />
gera a chamada “mão caída”, em virtude de<br />
ele inervar a musculatura extensora dos punhos<br />
e dedos, o que declina funcionalmente a realização<br />
do movimento de extensão (BRASIL, 2001).<br />
Já nos membros inferiores, com o acometimento<br />
do nervo fibular comum, verificase<br />
um comprometimento na realização dos<br />
movimentos de dorsiflexão do pé e extensão<br />
dos dedos, devido a uma redução da inervação<br />
dos músculos desse segmento corporal, o<br />
70<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 67-74, jun. 2011
que culmina no posicionamento do pé em flexão<br />
plantar com uma acentuada rigidez, levando<br />
a uma deformidade conhecida como pé<br />
eqüino. Há ainda o comprometimento dos<br />
músculos eversores do tornozelo, podendo<br />
levar a uma deformidade denominada de pé<br />
equino-varo. Com o atingimento do nervo tibial<br />
posterior, os dedos do pé também podem<br />
atingir um posicionamento em garra, devido a<br />
um comprometimento da musculatura intrínseca<br />
do pé (BRASIL, 2001).<br />
Em relação à perda de sensibilidade, o<br />
paciente portador da hanseníase pode perder a<br />
capacidade de reação de proteção, fazendo com<br />
que ao sofrer uma queimadura, não retire o segmento<br />
corporal da exposição ao agente agressor,<br />
o que leva a formação de maiores traumas e<br />
lesões, além de dificultar, também, o processo<br />
de cicatrização (BRASIL, 2001).<br />
4.5 DIAGNÓSTICO<br />
O diagnóstico clínico da hanseníase é realizado<br />
através do exame físico do paciente, onde<br />
é feita uma avaliação dermatoneurológica, contudo,<br />
é necessária a realização de um diagnóstico<br />
diferencial, pois existem variadas doenças<br />
que apresentam sintomatologia semelhante à<br />
hanseníase, exigindo-se, portanto, um acentuado<br />
conhecimento a respeito das características<br />
da patologia em questão (ARAÚJO, 2003).<br />
Através da avaliação dermatológica pretende-se<br />
identificar as lesões de pele que apresentem<br />
alterações de sensibilidade, verificando-se<br />
para isso manchas, placas, infiltrações e<br />
nódulos, juntamente com o período de seu surgimento.<br />
Devendo-se realizar nessa coleta pesquisas<br />
de sensibilidade térmica, dolorosa e tátil,<br />
comparando-se a área sã com a área lesada.<br />
Esse exame permite diferenciar a hanseníase de<br />
doenças como a pitiríase Versicolor (pano branco)<br />
e o vitiligo que não alteram a sensibilidade<br />
de seu portador (BRASIL, 2001).<br />
Na avaliação neurológica são identificadas<br />
as neurites, incapacidades e deformidades,<br />
visando-se, ainda, a diferenciação de patologias<br />
como a síndrome do túnel do carpo e a neuropatia<br />
diabética, podendo, até mesmo, ser indicada<br />
a biópsia do nervo. É notório que no estágio inicial<br />
da patologia a hanseníase não apresenta um<br />
dano neural significativo, contudo, sem uma intervenção<br />
adequada, os danos gerados pelo<br />
comprometimento nervoso evoluem passando<br />
a ser evidente a perda da capacidade de suar, a<br />
perda de pelos e de sensibilidade, assim como,<br />
a fraqueza muscular (ARAÚJO, 2003).<br />
Devendo-se fazer a palpação dos troncos<br />
nervosos acessíveis e a avaliação funcional<br />
(sensitiva, motora e autonômica) daqueles mais<br />
freqüentemente comprometidos pela doença.<br />
Sendo, então, nos membros superiores o nervo<br />
mediano, o ulnar e o radial, e nos membros inferiores<br />
o tibial posterior e o fibular comum. Já<br />
para a identificação de neurite silenciosa, é requerido<br />
o teste de sensibilidade com os monofilamentos<br />
de Semmes-Weisntein, assim como<br />
a avaliação de força muscular das áreas inervadas<br />
pelos nervos já citados (ARAÚJO, 2003).<br />
Verifica-se ainda que como as grandes incapacidades<br />
desta patologia são geradas pelo<br />
comprometimento dos nervos periféricos, na avaliação<br />
deste paciente deve-se realizar a inspeção<br />
da face para a detecção de face leonina, madarose<br />
(ausência de pelos na sobrancelha), triquíase<br />
(implantação dos cílios na córnea) e ectrópio (desabamento<br />
da pálpebra inferior) (ARAÚJO, 2003).<br />
Através do exame laboratorial é realizada<br />
a baciloscopia, onde se observa o Mycobacterium<br />
leprae, a partir da realização de raspagens<br />
nas lesões, nas orelhas direita e esquerda<br />
e nos cotovelos direito e esquerdo. Contudo,<br />
embora esse exame apresente um resultado<br />
negativo, não deve ser descartada a presença da<br />
patologia, pois a baciloscopia mostra-se negativa<br />
nas formas tuberculóide e indeterminada,<br />
sendo, entretanto, positiva na forma virchowiana<br />
e demonstrando resultado variável na forma<br />
dimorfa (ARAÚJO, 2003).<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 67-74, jun. 2011<br />
71
Assim, a partir da identificação da hanseníase,<br />
passa-se a se classificar o estado de seu<br />
portador para melhores medidas de tratamento,<br />
levando-se em consideração a própria sintomatologia<br />
da doença, pois nos casos com até cinco<br />
lesões de pele, os paciente são classificados<br />
como paucibacilares, já nos casos com lesões<br />
superiores a cinco, os casos são classificados<br />
como multibacilares (BRASIL, 2002).<br />
maior é o comprometimento gerado pela doença<br />
(BRASIL, 2002).<br />
4.6 TRATAMENTO<br />
Em 1981, a Organização Mundial de Saúde<br />
(OMS), estabeleceu como tratamento padrão para<br />
todas as fases da hanseníase a poliquimioterapia<br />
(PQT), uma quimioterapia combinada com três<br />
Quadro 1<br />
Fonte: BRASIL, 2001.<br />
Outra classificação amplamente utilizada<br />
é a referente ao grau de incapacitação<br />
física gerado pela doença. Esta metodologia<br />
abrange o quadro atual das principais estruturas<br />
acometidas usualmente pela hanseníase,<br />
onde para cada estrutura há um grau de classificação<br />
que varia de 0 á 2. Terminada essa parte<br />
da avaliação, os índices obtidos nas três variáveis<br />
são somados e divididos por três para<br />
obter-se uma média dos valores encontrados,<br />
sendo que, quanto maior for a média obtida,<br />
drogas, sendo estas a rifampicina, a dapsona e a<br />
clofazimina. A rifampicina atua inibindo a síntese<br />
protéica bacteriana, contudo, apresenta efeitos<br />
colaterais como a hepatotoxidade, a psicose, a<br />
dispnéia e insuficiência renal. A dapsona age diminuindo<br />
ou bloqueando a síntese do ácido fólico<br />
bacteriano, entretanto, pode desencadear a<br />
gastrite e a cefaléia. Já a clofazimina interfere diretamente<br />
no DNA bacteriano, podendo desencadear<br />
a hiperpigmentação cutânea e a síndrome<br />
do intestino delgado (BRASIL, 2001).<br />
72<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 67-74, jun. 2011
A PQT, assim, mata o bacilo interrompendo<br />
a evolução da doença, o que previne as incapacidades<br />
e as deformidades causadas pela hanseníase,<br />
e evita a transmissão da doença para<br />
outras pessoas. Essa terapia medicamentosa é<br />
administrada de acordo com um esquema-padrão,<br />
e segundo a classificação operacional do<br />
doente, sendo esta a de Pauci ou Multibacilar.<br />
Para os pacientes classificados com hanseníase<br />
Paucibacilar o critério de alta consta de seis doses<br />
de PQT supervisionadas em até nove meses.<br />
Para os classificados com Multibacilar o critério<br />
corresponde a doze doses supervisionadas em<br />
até dezoito meses. Já no caso dos pacientes apresentarem<br />
intolerância a um dos medicamentos<br />
do esquema-padrão, é indicado um esquema<br />
alternativo com as drogas usualmente utilizadas<br />
(GOULART et al., 2002a).<br />
Observou-se, na percentagem de pacientes<br />
curados, que a efetividade do tratamento<br />
com a poliquimioterapia entre os casos paucibacilares<br />
e os multibacilares foi de 72% e 62%,<br />
respectivamente. Contudo, essa percentagem<br />
poderia ser mais elevada, caso não houvesse<br />
demasiados abandonos do tratamento. Esse<br />
abandono pode ser ocasionado em virtude dos<br />
efeitos colaterais gerados pelas medicações,<br />
verificando-se que essa situação pode levar ainda<br />
a adoção da monoterapia, o que aumenta a<br />
probabilidade de ocorrer uma resistência medicamentosa<br />
(GOULART et al., 2002a).<br />
Durante o tratamento quimioterápico deve<br />
haver a prevenção de incapacidades e de deformidades,<br />
assim como, a atuação junto a essas condições<br />
caso elas já estejam instaladas. Dessa forma,<br />
a fisioterapia assume papel fundamental no tratamento<br />
dos portadores dessa patologia, seja no tratamento<br />
das úlceras, que podem estar presentes,<br />
seja após a correção de deformidades como o pé o<br />
caído, ou mesmo na restauração do padrão funcional<br />
dos portadores de hanseníase (MARQUES;<br />
MOREIRA; ALMEIDA, 2003).<br />
Assim, entre as condutas fisioterapêuticas<br />
mais freqüentemente utilizadas estão: a<br />
massoterapia nas extremidades no sentido de<br />
proximal para distal, com a finalidade de favorecer<br />
a circulação nas mesmas; a cinesioterapia,<br />
para melhorar ou manter a função do segmento<br />
comprometido; a Estimulação Elétrica<br />
Funcional (FES), quando o dano neural não for<br />
completo, e as órteses de posicionamento para<br />
evitar o agravamento das incapacidades já instaladas<br />
(SILVA; AROCA, 2008).<br />
5 CONCLUSÃO<br />
Embora a hanseníase seja uma doença<br />
com cura comprovada, quando não são realizados,<br />
de maneira precoce, o diagnóstico e tratamento<br />
da mesma, ela pode evoluir com diferentes<br />
tipos e graus de incapacidades físicas<br />
(LAPA et al., 2006). Estimando-se que mais de<br />
25% dos pacientes registrados com hanseníase<br />
tenham algum tipo de incapacidade, sendo que,<br />
aproximadamente, a metade deles possua incapacidades<br />
graves (GOULART et al., 2002b).<br />
Assim, além das seqüelas que a doença<br />
pode acarretar, a hanseníase é caracterizada pelos<br />
conseqüentes transtornos emocionais e sociais<br />
aos quais submete tanto o doente, quanto<br />
a sua família, portanto, a hanseníase é, ainda<br />
hoje, um dos mais sérios problemas de saúde<br />
pública do Brasil (CARVALHO; ALVAREZ, 2000;<br />
LANA et al., 2000).<br />
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74<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 67-74, jun. 2011
AUTONOMIA FUNCIONAL DE IDOSOS:<br />
REVISÃO DE LITERATURA 1 Thayssa Ferreira dos Santos *<br />
RESUMO<br />
O aumento da proporção de idosos na população brasileira traz à tona a respeito de eventos<br />
incapacitantes nessa faixa etária. A velhice tem sido associada à dependência e à perda do<br />
controle sobre a própria vida, tende a confirmar o envelhecimento como tempo de declínio e<br />
decadência. Assim a velhice tem sido pensada, quase sempre, como um processo degenerativo<br />
e nunca vista como um estudo para aumentar a autonomia desses idosos. Atualmente, a<br />
avaliação da aptidão física desperta grande interesse de profissionais da saúde, principalmente,<br />
devido ao fato de uma baixa aptidão física representar um fator de risco para algumas<br />
doenças crônico-degenerativas. Ao adotar um estilo de vida mais ativo, é notória a redução<br />
do número de mortes ocasionadas pelo sedentarismo. Assim, a inclusão da fisioterapia preventiva<br />
vem ganhando importância crescente na promoção da saúde do idoso.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Autonomia funcional. Idosos.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
O envelhecimento da população é um fenômeno<br />
mundial, um país para ser considerado<br />
envelhecido, segundo a Organização Mundial de<br />
Saúde, deve ter o contingente de idosos de sua<br />
população acima de 7%. A população idosa brasileira,<br />
segundo dados do Censo 2000, é de 8.9%<br />
(LOMBARDI; PARATI, 2000). O aumento da proporção<br />
de idosos na população brasileira traz à tona a<br />
respeito de eventos incapacitantes nessa faixa<br />
etária (YAFFE; BARNES; NEVITTI, 2001).<br />
O crescimento populacional é resultante<br />
de numerosos fatores que associadamente confluem<br />
e exercem um aumento sobre a expectativa<br />
de vida é insuficiente a menos que isto esteja<br />
associado a expectativa de vida ativa, saudável e<br />
funciona (ROSA; BENICIO; LATORRE, 2003).<br />
É sabido que, apesar de constituir um<br />
processo natural, a senescência não ocorre de<br />
forma homogênea. Cada pessoa é um ser único<br />
*<br />
Discente do quinto semestre do Curso de Fisioterapia e<br />
bolsista de Iniciação Científica com o projeto intitulado<br />
“Avaliação da influência de atividades terapêuticas na<br />
autonomia funcional de idosas”.<br />
1<br />
Artigo elaborado sob orientação da profa. Beatriz Araújo<br />
Cardoso, mestre da Universidade da Amazônia e orientadora<br />
do Projeto de Iniciação Científica.<br />
75<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 75-79, jun. 2011
que, ao longo da sua trajetória de vida, foi influenciado<br />
por eventos de natureza fisiológica<br />
de acordo com Stepieni, White e Wundke<br />
(2006), outros eventos são patológica, psicológica,<br />
social, cultural e econômica (MCMURDO;<br />
MILLAR; DALY, 2000), os quais podem<br />
atuar principalmente na velhice.<br />
Segundo Wooley e Luchian (2001), desde<br />
a antiguidade, a velhice tem sido associada à<br />
dependência e à perda do controle sobre a própria<br />
vida, tende a confirmar o envelhecimento<br />
como tempo de declínio e decadência. Assim a<br />
velhice tem sido pensada, quase sempre, como<br />
um processo degenerativo e nunca vista como<br />
um estudo para aumentar a autonomia desses<br />
idosos.<br />
O estudo da autonomia funcional em<br />
idosos é importante para entender como as pessoas<br />
vivem com o aumento da longevidade. Em<br />
países cujo processo de envelhecimento não é<br />
recente, há mais conhecimento sobre os<br />
padrões de capacidade funcional. No entanto,<br />
são poucos os estudos que envolvem esta questão<br />
(LIMA; BARRETO; GIATTI, 2003).<br />
Embora o conceito de capacidade funcional<br />
seja bastante complexo, abrangendo outros<br />
como os de deficiência, incapacidade, desvantagem,<br />
bem como os de autonomia e independência,<br />
na prática trabalha-se com o conceito<br />
de capacidade/incapacidades (PEREIRA; BUKS-<br />
MAN; PERRACINI, 2005.)<br />
A incapacidade funcional define-se pela<br />
presença de dificuldade no desempenho de certos<br />
gestos e de certas atividades da vida cotidiana<br />
ou mesmo pela impossibilidade de desempenhá-las<br />
(FLECK; KRAMER, 2006).<br />
Um destes fatores é a presença de afecções<br />
crônicas, que além do risco de vida, representam<br />
uma ameaça potencial à independência<br />
e à autonomia do idoso (PERRACINI; RAMOS,<br />
2002). Tem-se constatado que é muito fácil evitar<br />
mortes do que evitar a ocorrências de doenças<br />
crônicas e o desenvolvimento de incapacidades<br />
associadas ao envelhecimento. Quando<br />
ocorre comprometimento da capacidade funcional<br />
a ponto de impedir o cuidado da própria<br />
pessoa, a carga sobre a família e sobre o sistema<br />
de saúde pode ser muito grande (FLECK; KRA-<br />
MER, 2006).<br />
2 OBJETIVO<br />
Realizar uma revisão literaria atualizada<br />
sobre a autonomia funcional de idosos.<br />
3 MATERIAIS E MÉTODOS<br />
Este estudo constitui-se de uma revisão<br />
da literatura realizada entre janeiro de 2011 e<br />
abril de 2011, no qual realizou-se uma consulta<br />
em artigos científicos selecionados por meio de<br />
busca no banco de dados do Scielo e da Bireme,<br />
a partir das fontes Medline e Lilacs e em livros e<br />
periódicos presentes na Biblioteca da Universidade<br />
da Amazônia.<br />
4 REVISÃO DE LITERATURA<br />
4.1 ENVELHECIMENTO<br />
A população de idosos representa um<br />
contingente de quase 15 milhões de pessoas<br />
com 60 anos ou mais de idade (8,6% da população<br />
brasileira). As mulheres são maioria, 8,9 milhões<br />
(62,4%) dos idosos são responsáveis pelos<br />
domicílios e têm, em média, 69 anos de idade e<br />
3,4 anos de estudo.<br />
Ao longo do tempo vivido ocorre uma série<br />
de alterações que vai acontecendo no organismo.<br />
Este processo provoca mudanças nas funções<br />
e estrutura do corpo e o torna mais suscetível<br />
a uma série de fatores prejudiciais, estes podem<br />
ser tanto internos (falha imunológica, renovação<br />
celular comprometida, dentre outras) como<br />
externos (estresse ambiental) (MACIEL; GUERRA,<br />
2005). Para um individuo idoso a idade cronológica<br />
passa a ser de relevância muito menos do que<br />
no conceito de idade biológica funcional e assim<br />
76<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 75-79, jun. 2011
o idoso passa a sentir dificuldades de desenvolver<br />
as mesmas atividades que já estava acostumado<br />
a realizar (LIRA; FARINATTI; ARAUJO, 2002).<br />
A falta de independência com o decorrer da idade<br />
faz do idoso uma pessoa muitas vezes solitária<br />
e dependente (MACIEL; GUERRA, 2005).<br />
Um fator que deve ser mencionado é a<br />
questão da queda que é um problema significativo<br />
para muitos idosos (NITZ; HOURIGAN, 2001). A<br />
prevenção de quedas é um aspecto fulcral, de forma<br />
a promover a independência e qualidade de<br />
vida entre a população idosa, e minimizar os problemas<br />
que lhe estão associados. Neste contexto<br />
preventivo, a atividade física (o treino da força, em<br />
particular) é o principal meio para promover a saúde<br />
nos idosos, mostrando ser um instrumento efetivo<br />
na diminuição do risco de quedas entre esta<br />
população (VESNA; MALCONLM; SUSAN, 2001).<br />
O índice de idosos que já caíram é muito<br />
alto e isso só tende a aumentar (PEEL; BAKER;<br />
ROTH, 2005), pois cada vez mais os músculos de<br />
ação rápida (os dos membros que contém as fibras<br />
tipo II) diminuem a sua estabilidade e ação<br />
a um estímulo aumentando indiscutivelmente a<br />
total ou parcial dependência das pessoas próximas<br />
(MATSUDO; TURIBIO; ARAUJO, 2003).<br />
Nesse contexto, em fevereiro de 2006,<br />
foi publicado, por meio da Portaria nº. 399/GM,<br />
o documento das diretrizes do Pacto pela Saúde<br />
que contempla o Pacto pela Vida. Neste documento,<br />
a saúde do idoso aparece como uma das<br />
seis prioridades pactuadas entre as três esferas<br />
de governo, sendo apresentada uma série de<br />
ações que visam em última instância, à implementação<br />
de algumas das diretrizes da Política<br />
Nacional de Atenção à Saúde do Idoso.<br />
A publicação do Pacto pela Vida, particularmente<br />
no que diz respeito à saúde da população<br />
idosa, representa um avanço importante.<br />
Entretanto, muito há que se fazer para que<br />
o Sistema Único de Saúde dê respostas efetivas<br />
e eficazes às necessidades e demandas de<br />
saúde da população idosa brasileira.<br />
4.2 AUTONOMIAS DO IDOSO<br />
Quando ocorre comprometimento da<br />
capacidade funcional a ponto de impedir o cuidado<br />
de si, a carga sobre a família e sobre o sistema<br />
de saúde pode ser muito grande. Ajudando<br />
esse idoso a recuperar essa autonomia sobre<br />
si próprio, pode-se dizer que a qualidade de vida<br />
aumenta consideravelmente.<br />
Os fatores mais fortemente associados<br />
com as capacidades funcionais estão relacionados<br />
com a presença de algumas doenças,<br />
deficiências ou problemas médicos. Entretanto,<br />
observa-se, que a principal hipótese<br />
subjacente em alguns desses estudos é a de<br />
que a capacidade funcional é influenciada<br />
por fatores demográficos, socioeconômicos,<br />
culturais e psicossociais (CARVALHO; MAIA;<br />
ROCHA, 2006). Com isso nota-se a inclusão de<br />
comportamentos relacionados ao estilo de<br />
vida como fumar, beber, comer excessivamente,<br />
fazer exercícios, estresse psicossocial<br />
agudo ou crônico, ter senso de auto-eficácia<br />
e controle, manter relações sociais e de<br />
apoio como potenciais fatores explicativos da<br />
capacidade funcional. No nível pessoal, a autonomia<br />
é comprometida pela inabilidade<br />
resultando na depressão, isolamento e negação<br />
colocando o idoso em uma situação<br />
vulnerável a doenças pelo fato de seu envelhecimento<br />
biológico e/ou psicológico (FARI-<br />
NATTI; ARAUJO, 2003).<br />
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
A autonomia funcional de idosas vem<br />
diminuindo de acordo com que a idade vai se<br />
elevando, pois as idosas passam a perder fibras<br />
musculares principalmente as do tipo II em que<br />
acomete principalmente dos membros inferiores<br />
e isso traz repercussões muitos sérias no<br />
decorrer da idade se não fizer nada para minimizar<br />
esse processo.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 75-79, jun. 2011<br />
77
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Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 75-79, jun. 2011<br />
79
RESPONSABILIDADE SOCIAL:<br />
UM MEIO PARA SE CHEGAR À SUSTENTABILIDADE 1<br />
Ivanete da Silva Pantoja *<br />
RESUMO<br />
Este artigo apresenta a experiência obtida no estágio realizado na empresa Eletronorte 2 , mediada<br />
pelo programa “Clube da Boa Vizinhança: Uma vitrine do relacionamento entre empresa<br />
e sociedade” 3 . Tem como principais objetivos mostrar o quanto as práticas de Responsabilidade<br />
Social podem contribuir para o fortalecimento dos vínculos entre empresa e sociedade,<br />
bem como, configurar-se como um meio para se chegar à sustentabilidade. Os dados apresentados<br />
resultam da observação direta realizada com um grupo de mulheres e de crianças residentes<br />
em um bairro periférico de Belém. As atividades desenvolvidas com as mulheres estão<br />
voltadas para a realização de oficinas artesanais, palestras e rodas de conversa, com as crianças<br />
são realizadas atividades psicopedagógicas. Vale ressaltar que, estas ações são orientadas por<br />
um olhar multidisciplinar, originado no diálogo entre as Artes Visuais, Ciências Sociais, Pedagogia<br />
e Psicologia. E diante da perspectiva dessa interação, os resultados evidenciam que, as<br />
pessoas passam a confiar e dar credibilidade, às empresas que tem seus nomes associados a<br />
práticas de responsabilidade social, ou seja, aquelas comprometidas em promover o desenvolvimento<br />
sustentável.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Empresa. Responsabilidade Social. Sustentabilidade.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
O cenário de desigualdade social presente<br />
em nosso País evidencia a necessidade<br />
em promover o desenvolvimento humano e<br />
social. Geralmente, a causa dessa desigualdade<br />
é atribuída à falta ou ineficiência de políticas<br />
públicas que podem ser mais bem visualizadas<br />
diante da precariedade presente em áreas<br />
de exclusão. Desta forma, este modelo de<br />
“desenvolvimento industrial” vivenciado pela<br />
sociedade contemporânea tem contribuído<br />
gradativamente para a insustentabilidade da<br />
qualidade de vida das pessoas.<br />
Diante deste cenário as organizações<br />
objetivando adaptar-se a essa realidade, passam<br />
por mudanças que alteram sua visão empresarial,<br />
objetivos, estratégias de investimentos, de<br />
*<br />
Acadêmica do 9º semestre do curso de Psicologia da UNAMA;<br />
bolsista de Iniciação Científica e estagiária da IntegRHar<br />
Gestão Organizacional. E-mail: ivanetepantoja@hotmail.com<br />
1<br />
Artigo elaborado sob orientação da profa. Luzia Aquime, Pósgraduada<br />
em gestão de Recursos Humanos; ministrante da<br />
disciplina Estágio Supervisionado em Psicologia Organizacional<br />
e do Trabalho da Universidade da Amazônia – UNAMA<br />
2<br />
Empresa de distribuidora de energia do grupo Eletrobrás.<br />
3<br />
A elaboração do programa também contou com a<br />
participação dos estagiários: Allan Kardec (estudante do<br />
curso de artes visuais da UFPA), Simone Rici (estudante de<br />
Pedagogia da UFPA) e Maiara Lima (estudante do curso de<br />
ciências sociais da UFPA), sob coordenação de Virgínia Castro<br />
(psicóloga) e Lena Carolina (Administradora).<br />
81<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 81-87, jun. 2011
marketing, dentre outros, adequando assim, suas<br />
atividades ao conceito de desenvolvimento sustentável.<br />
Dentre estas atividades estão às práticas<br />
de responsabilidade social que comumente<br />
tem sido associada aos investimentos em projetos<br />
e programas sociais nem sempre duradouros<br />
por parte das empresas. Neste sentido, Félix<br />
(2003) faz as seguintes considerações:<br />
A responsabilidade social não se expressa<br />
como uma ação emergencial<br />
e pontual das empresas de ajuda<br />
social, mas sim, como uma perspectiva<br />
a longo prazo, de tomada de<br />
consciência das empresas no sentido<br />
de incorporarem em sua missão,<br />
em sua cultura e na mentalidade de<br />
seus dirigentes e colaboradores a<br />
busca do bem estar da população,<br />
por perceberem que o próprio desenvolvimento<br />
da organização depende<br />
da sociedade a qual pertencem e<br />
que, por sua vez, também é parte de<br />
cada um. (FELIX, 2003, p. 13).<br />
Diante desta afirmação, observa-se que,<br />
a conscientização por parte da maioria das empresas<br />
no que diz respeito ao real sentido da<br />
responsabilidade social ainda não ocorreu, pois<br />
as práticas realizadas por estas, geralmente estão<br />
direcionadas para ações pontuais que ainda<br />
que atendam de forma emergencial as demandas<br />
da sociedade, não passam de obrigações legais,<br />
conforme afirma Bueno & Cols (2002):<br />
É importante analisar a responsabilidade<br />
social empresarial verificando<br />
se os beneficiários da implantação<br />
dos programas sociais o são por<br />
direito ou por solidariedade das<br />
empresas. Se uma empresa cria um<br />
programa que oferece o que é de direito<br />
do público atingido, a empresa<br />
não estará sendo solidária, mas sim,<br />
justa. Oferecer empregos, não degradar<br />
o meio ambiente ou criar condições<br />
seguras de trabalho são ações<br />
sociais, porém configuram obrigações<br />
para as empresas e direitos<br />
para os públicos envolvidos. O que a<br />
empresa oferece além das suas obrigações<br />
é que pode ser considerado<br />
uma atuação social que a caracteriza<br />
como solidária (BUENO & COLS,<br />
2002, p.274).<br />
A partir das considerações do autor, as<br />
empresas para que possam ser visualizadas como<br />
solidárias devem agregar às suas práticas, ações<br />
que vão além de suas “obrigações”, mais que lhe<br />
permitam compreendê-las, como: “um conjunto<br />
de ações sociais empreendidas pelas organizações<br />
de maneira sistemática, envolvendo todos<br />
seus públicos, visando promover a melhoria<br />
da qualidade de vida e o bem comum” (RAMOS,<br />
1989, p.200). Dessa forma, caso haja impactos<br />
econômicos, sociais e ambientais, as ações devem<br />
ser consistentes e contínuas, atendendo a<br />
sociedade de forma integral e não somente por<br />
cumprimento de exigências legais.<br />
Ressalta-se que, as práticas e as gestões<br />
de responsabilidade social, necessitam ser alinhadas<br />
às diretrizes organizacionais, pois somente<br />
diante desta lógica será possível caminhar<br />
em direção ao processo de desenvolvimento<br />
sustentável.<br />
Para melhor compreensão das práticas<br />
de responsabilidade social, há de se considerar<br />
o significado de sustentabilidade, haja vista, suas<br />
diferenças e interligação. Nesse sentido De Lucca<br />
(2011) afirma que: “a responsabilidade social<br />
é uma gestão que a organização tem com seus<br />
públicos de interesse e sustentabilidade é resultante<br />
do desempenho, ou seja, a responsabilidade<br />
social é um meio para se chegar à sustentabilidade,<br />
é o como fazer “ 4 .<br />
Diante desta afirmação e na tentativa de<br />
adequar-se as exigências que demandam a realidade<br />
empresarial atual, algumas empresas passam<br />
a se preocupar com pessoas e meio onde estão<br />
inseridas, dentre elas destaca-se a Eletronorte.<br />
O compromisso da Eletronorte de levar<br />
energia e qualidade de vida para a Amazônia e<br />
4<br />
Ent<strong>revista</strong> de Dum de Lucca, Engenheiro PHD em inovação e<br />
sustentabilidade, retirada da Revista Melhor gestão de<br />
pessoas, ano, nº 280, p.48<br />
82<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 81-87, jun. 2011
para o Brasil passa a ser mantido com grande responsabilidade<br />
e ênfase nos aspectos éticos, sociais<br />
e ambientais. Tendo como referência programas<br />
e projetos sociais direcionados à melhoria<br />
da qualidade de vida e ao desenvolvimento<br />
sustentável de comunidades e regiões onde a<br />
Empresa atua.<br />
Um dos programas desenvolvidos é o “clube<br />
da boa vizinhança” que atende as demandas<br />
das comunidades do entorno da empresa, uma<br />
vez que esta se encontra localizada em um bairro<br />
marcado por um cenário de exclusão social.<br />
2 CONTEXTUALIZAÇAO DO CENÁRIO DE EXCLUSÃO<br />
A Eletronorte (Centrais Elétricas do Norte<br />
do Brasil S/A) está situada no bairro da Terra<br />
Firme, área periférica da cidade de Belém. Caracterizada<br />
pela precariedade dos serviços públicos,<br />
a maioria das pessoas acaba reagindo diante<br />
das dificuldades por meio da criminalidade,<br />
prostituição, envolvimento com drogas dentre<br />
outros, resultando no alto índice de violência.<br />
Composta por uma população possuidora<br />
de um capital cultural que não corresponde às<br />
expectativas das necessidades urbanas e se quer<br />
garante sua inserção no mercado de trabalho, o<br />
bairro assume a representação de uma tipologia<br />
favela, conforme afirma Rodrigues:<br />
O bairro da Terra Firme foi estruturado<br />
em sítio predominantemente alagável,<br />
ou seja, em área de baixada, a<br />
partir de uma extensa área institucional<br />
até hoje formalmente pertencente<br />
a Universidade Federal do Pará,<br />
dentro da 1ª légua patrimonial. Sua<br />
população em 1991 era de 59.231 habitantes,<br />
representando 4,5% da população<br />
do setor urbano. Não há duvidas<br />
que áreas de tipologia favela<br />
em baixadas estejam perfeitamente<br />
representadas pelo bairro (RODRI-<br />
GUES apud COUTO, 1996, p. 236).<br />
Diante deste contexto, torna-se necessário<br />
a implantação de programas e projetos sociais<br />
consistentes e duradouros que atendam as<br />
especificidades dos moradores desse bairro.<br />
Dentre esses programas, destaca-se o “Clube da<br />
Boa Vizinhança”, programa de Responsabilidade<br />
Social mantido pela Eletronorte.<br />
3 AS EXPERIÊNCIAS DO “CLUBE DA BOA VIZI-<br />
NHANÇA”<br />
Inicialmente o contato com os moradores<br />
do bairro da Terra Firme se deu por meio<br />
de ações de conscientização ambiental para<br />
os moradores do entorno da Eletronorte, objetivando<br />
minimizar a proliferação do acúmulo<br />
de lixo da área. Até então, as palestras eram<br />
coordenadas pela área de Meio ambiente com<br />
o apoio da área de Responsabilidade Social.<br />
Diante dos interesses dos moradores em frequentar<br />
tais atividades, os integrantes da área<br />
de Responsabilidade Social, refletiram acerca<br />
da possibilidade da elaboração do “clube da<br />
boa vizinhança”, que além de comtemplar<br />
esse público já participante, estenderia suas<br />
atividades de forma a atingir outras temáticas,<br />
assim como, outro público alvo, uma vez<br />
que nas palestras de conscientização a demanda<br />
eram de adultos.<br />
Desta forma, visando a fortalecer o vínculo<br />
entre empresa e comunidade, o clube inicia<br />
suas ações estrategicamente em Julho de 2010<br />
no período das férias escolares com a realização<br />
de uma colônia de férias direcionando suas atividades<br />
para crianças moradoras do bairro, dando<br />
origem posteriormente ao “Clube das crianças”.<br />
A convivência com as crianças diante das<br />
atividades nos mostrou a necessidade em trabalhar<br />
a família, e para representar esta instituição<br />
escolhemos a figura da mãe para realizarmos<br />
um trabalho paralelo, possibilitando posteriormente<br />
o surgimento do “clube de mães”,<br />
ou seja, por meio das crianças chegamos ao contato<br />
de suas mães.<br />
As atividades do “clube de mães” aconteciam<br />
em dias e horários diferentes das atividades<br />
do “clube das crianças” conforme descrito<br />
a seguir:<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 81-87, jun. 2011<br />
83
4 DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES: A MULTIDISCIPLI-<br />
NARIEDADE NO PROCESSO DE INTERVENÇÃO<br />
As atividades realizadas pelo clube originam-se<br />
do diálogo entre as áreas de Artes Visuais,<br />
Ciências Sociais, Pedagogia e Psicologia.<br />
Apesar das ações envolverem participantes de<br />
faixa etária diferentes utilizou-se a mesma modalidade<br />
de intervenção para todos, sendo esta,<br />
a observação direta. Vale ressaltar, que as atividades<br />
também são realizadas tendo como foco<br />
os objetivos do milênio 5 , atendendo a três dos<br />
oito objetivos instituídos pela ONU.<br />
No clube das crianças as atividades socioeducativas<br />
e/ou psicopedagógicas, assim<br />
como, as oficinas de materiais recicláveis atendem<br />
ao segundo e sétimo objetivo do milênio<br />
sendo estes respectivamente: Educação básica<br />
de qualidade para todos e qualidade de vida e<br />
meio ambiente.<br />
Já o clube de mães que visa ao empoderamento<br />
6 da mulher, promovendo a autoestima<br />
através da arte, atende ao terceiro objetivo que<br />
presa pela igualdade entre os sexos e a valorização<br />
da mulher.<br />
Para que as ações possam ser realizadas a<br />
área de responsabilidade social conta com a parceria<br />
do voluntariado corporativo, cujos colaboradores<br />
da empresa fazem doações e dispõem<br />
seus serviços dentro de suas especificidades, fazendo<br />
com que estas ações passem a representar<br />
um elo de solidariedade advindo destes.<br />
Atualmente, o projeto em sua totalidade,<br />
é composto por três ações: 1) Clube das crianças,<br />
2) o Clube de mães e a 3) Mostra de Artes<br />
Recortes urbanos.<br />
5<br />
Em 2000, a ONU – Organização das Nações Unidas, ao analisar<br />
os maiores problemas mundiais, estabeleceu 8 Objetivos<br />
do Milênio – ODM, que no Brasil são chamados de 8 Jeitos de<br />
Mudar o Mundo.<br />
6<br />
Para Paulo Freire a pessoa, grupo ou instituição empoderada<br />
é aquela que realiza por si mesma, as mudanças e ações que<br />
a levem a evoluir e se fortalecer. (FREIRE apud VALOURA 2008).<br />
4.1 “CLUBE DAS CRIANÇAS”<br />
Este clube por meio de atividades psicopedagógicas<br />
propicia um espaço socioeducativo para<br />
crianças de 7 a 11 anos. O objetivo seria estimular a<br />
cidadania, consciência ambiental, estímulo à leitura<br />
etc. Vale ressaltar que as atividades são coordenadas<br />
pela estagiária de pedagogia. Os materiais utilizados<br />
nas atividades variam dependendo da temática a ser<br />
desenvolvida, sendo que os mais recorrentes são;<br />
<strong>revista</strong>s e jornais para recortes, tintas para pinturas,<br />
material reciclável como garrafa pet dentre outros.<br />
Os encontros ocorrem duas vezes ao mês no turno da<br />
tarde na sala de atividades psicopedagógicas, localizada<br />
no bloco C e eventualmente na área de Lazer do<br />
EPA, conforme mostra a figura 1.<br />
Figura 1: Atividades psicopedagógicas<br />
Fonte: Do autor<br />
4.2 “CLUBE DE MÃES”<br />
O “Clube de Mães” que visa a proporcionar<br />
o empoderamento ao grupo de mulheres,<br />
tem como público alvo, as mães das crianças participantes<br />
do programa. Suas ações se dividem<br />
em três, sendo: o curso de pintura em tecido,<br />
que além de proporcionar autoestima através<br />
da arte, configura-se como fonte de geração de<br />
renda, as palestras e as rodas de conversa.<br />
84<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 81-87, jun. 2011
O curso de pintura em tecido é coordenado<br />
pelo estagiário do curso de Artes, as palestras<br />
que abordam temas relacionados à cidadania,<br />
saúde, direitos humanos e Meio ambiente<br />
são ministradas pelos colaboradores voluntários<br />
e estagiários da empresa de acordo com suas<br />
áreas de atuação, já as rodas de conversas que<br />
consiste em proporcionar um espaço de acolhimento<br />
psicológico por meio da escuta, é coordenado<br />
pela estagiária do curso de psicologia.<br />
Vale ressaltar que, o trabalho da Psicologia não<br />
se resume a esse dia específico, pois, permeia<br />
todas as atividades do clube.<br />
Os encontros ocorrem duas vezes na semana,<br />
especificamente as quartas e quintas feiras,<br />
nos horários de 9h as 11h30 na sala de atividades<br />
psicopedagógicas localizada no BL C, conforme<br />
mostram as figuras 2 e 3.<br />
4.3 MOSTRA DE ARTES RECORTES URBANOS<br />
A Mostra de Arte “Recortes Urbanos” é uma<br />
ação que visa a estimular as crianças a refletir sobre<br />
as peculiaridades de seus ambientes de convívio<br />
por meio da prática artística. A ação tem como<br />
público alvo as crianças do bairro da Terra Firme,do<br />
bairro Curió Utinga e as crianças que participam do<br />
projeto “Pontearte” executado pelo Museu de<br />
Artes de Belém. Para o desenvolvimento da ação,<br />
o estagiário de artes visuais ministra oficinas de<br />
desenho e pintura às crianças das respectivas comunidades<br />
como estímulo à criatividade dos mesmos<br />
conforme mostra a figura 4.<br />
Figura 4: Oficina de desenho e pintura<br />
Figura 2: Rodas de conversas<br />
Fonte: Do autor<br />
Fonte: Do autor<br />
Figura 3: Curso de pintura em tecido<br />
Desta forma, as ações descritas anteriormente<br />
realizadas pela Eletronorte, apresentamse<br />
como um ideal do que seria de fato a prática<br />
de uma empresa socialmente responsável. Considerando<br />
que esta experiência tem nos conduzido<br />
a resultados sustentáveis conforme observados<br />
no cotidiano do programa, podemos dizer<br />
que essa iniciativa deu certo.<br />
5 A INICIATIVA QUE DEU CERTO<br />
Fonte: Do autor<br />
Ainda que os resultados do programa sejam<br />
processuais, uma vez que implicam diretamen-<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 81-87, jun. 2011<br />
85
te na mudança de comportamento das pessoas,<br />
no cotidiano do projeto de agosto até os dias atuais<br />
puderam ser observados algumas mudanças:<br />
Considerando que o clube da boa vizinhança<br />
originou de uma proposta de conscientização<br />
ambiental com os moradores, foi iniciada<br />
uma campanha de coleta seletiva, objetivando<br />
a redução do lixo local, onde os moradores passaram<br />
a deixar seus resíduos sólidos nos containers<br />
7 da empresa para que posteriormente pudessem<br />
ser direcionados a instituições que trabalham<br />
com reciclagem, reutilização e redução<br />
de lixo. No sentido de reforçar essa prática foram<br />
trabalhadas com as crianças oficinas utilizando<br />
materiais recicláveis.<br />
Mudanças no comportamento das crianças<br />
também puderam ser constatadas. Inicialmente<br />
tanto as crianças quanto os pais achavam<br />
que as atividades trabalhadas de maneira lúdica<br />
eram voltadas apenas para o lazer. Após um tempo<br />
compreenderam que estas, visavam algo<br />
além, como a formação de cidadania.<br />
Observa-se que, quando as crianças chegaram<br />
ao programa eram bastante irreverentes,<br />
era como se não soubessem brincar, hoje,<br />
estas estão descobrindo nesse espaço formas<br />
diversas de direcionar suas energias para atividades<br />
construtivas. Esse fato pode ser visualizado<br />
tanto diante da observação do comportamento<br />
das crianças, como na fala das mães, conforme<br />
descrita a seguir:<br />
Minha filha tá gostando muito de vim pra<br />
cá, ela diz que tá aprendendo muita coisa<br />
legal, se ela não tivesse vindo era pra tá<br />
pela rua que nem essas outras que agente<br />
vê por aí, ainda mais que ela ta cheio de<br />
problemas depois que o pai abandonou<br />
agente ai é bom porque aqui ela se distrai.<br />
A Maria (nome fictício) conta os dias para<br />
vim pra cá ela pregou o calendário de<br />
atividades que vocês deram na porta da<br />
geladeira aí fica olhando e perguntando<br />
se é dia (diz descontraída).<br />
7<br />
Coletor de Lixo para coleta seletiva e reciclagem.<br />
Com relação ao clube de mães; quando<br />
chegaram ao programa mantinham-se<br />
pouco participativas, não tomavam iniciativas<br />
e nem davam opiniões, atualmente observa-se<br />
que devido ao espaço de integração,<br />
discussão, formação de consciência crítica<br />
e escuta, elas demonstram-se com mais<br />
autonomia. Se antes nas palestras só escutavam,<br />
hoje participam, dão suas opiniões,<br />
sugerem, se antes esperavam que o oficineiro<br />
arrumasse os materiais para iniciar o<br />
curso, hoje elas colaboram.<br />
Observa-se no grupo o prazer em participar,<br />
em querer ver o resultado de seus produtos<br />
(pintura tecido) que muitas delas nem<br />
sabiam que eram capazes de desenvolver.<br />
Essa afirmação pode ser melhor evidenciada<br />
na fala de uma das participantes:<br />
Quando eu vim no primeiro dia e vi o que<br />
o professor ensinou pensei que nunca ia<br />
saber fazer, eu não queria nem vim mais,<br />
mais depois que vi que eu tava conseguindo<br />
ai mudei de ideia, to melhorando<br />
né professor?(diz descontraída).<br />
Segundo re<strong>lato</strong>s das participantes elas<br />
comentam em suas casas tudo o que aprendem<br />
na Eletronorte, e dizem que os maridos apoiam,<br />
um re<strong>lato</strong> interessante foi a de uma senhora que<br />
diz ter ligado para a filha que mora em Brasília<br />
para contar sobre as coisas que estava aprendendo.<br />
Segundo ela, a filha apoiou e disse está feliz<br />
pela iniciativa da empresa, ou seja,<br />
percebemos que os benefícios não são<br />
apenas para as mulheres que participam diretamente<br />
do programa, pois, acabam sendo estendidas<br />
para outros âmbitos relacionais, passando<br />
a beneficiar indiretamente este segundo<br />
grupo (família, vizinhos etc.).<br />
Além destes, outros resultados positivos<br />
foram visualizados, a exemplo: devido à divulgação<br />
das ações pela estagiária de ciências sociais para o<br />
público interno, houve o aumento de pessoas compondo<br />
o cadastro de voluntariado, após seis meses<br />
de atuação, o programa teve suas atividades repli-<br />
86<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 81-87, jun. 2011
cadas para outra substação da Eletrotorne (Miramar),<br />
este também ao ser apresentado no evento: XII Painel<br />
dos Estagiários de 2010 alcançou premiação (1º<br />
lugar) na categoria administrativa. Estes fatos têm<br />
mostrado a seriedade e a eficiência do programa.<br />
6 CONCLUSÃO<br />
A experiência obtida mostrou que, ser<br />
socialmente responsável requer atender as<br />
expectativas sociais, com transparência, mantendo<br />
a coerência entre o discurso e a prática.<br />
Pois, a conduta e decisões de uma empresa<br />
no cotidiano são resultados de seus valores e<br />
princípios. “O Clube da Boa Vizinhança” é uma<br />
bela representação desses valores, uma vez<br />
que, ao contribuir com o processo de desenvolvimento<br />
sustentável, configura-se como<br />
uma vitrine do relacionamento entre empresa<br />
e sociedade.<br />
REFERÊNCIAS<br />
BUENO, E. L.; SERPA, P. T.; SENA, R. B.; OLIVEIRA, R. J.<br />
B. & SOEIRO, S. A responsabilidade social e o papel<br />
da comunicação. Em responsabilidade social das<br />
empresas: a contribuição das universidades. São<br />
Paulo/Petópolis: Instituto Ethos, 2002. p.273-302.<br />
Félix, L. F. F. O ciclo virtuoso do desenvolvimento<br />
responsável. Em responsabilidade social das empresas:<br />
a contribuição das universidades. São Paulo/Petrópolis:<br />
Instituto Ethos, v. 2, p. 13-42, 2003.<br />
LUCCA, De. Nova norma responsável. Revista Melhor<br />
Gestão de Pessoas, São Paulo, n. 280, p. 48, 2011.<br />
RAMOS, A. A nova ciência das organizações. Rio<br />
de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1989.<br />
RODRIGUES, E. Aventura urbana: urbanização,<br />
trabalho e meio ambiente em Belém. Belém<br />
NAEA/ UFPA. 1996.<br />
VALOURA, L. de C. Paulo Freire. O educador brasileiro<br />
autor do termo empoderamento, em seu<br />
sentido transformador. Disponível em: http//<br />
www.fatorbrasis.org/ arquivos/Paulo_Freire.<br />
Acesso em : 5 set. 2010.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 81-87, jun. 2011<br />
87
88 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 2, p. 55-68, nov. 2010
DISCURSOS MUNICIPALIZANTES:<br />
PENSANDO A GESTÃO DO ENSINO NO ESTADO DO PARÁ 1<br />
Herbert Tadeu Pereira de Matos Junior *<br />
RESUMO<br />
Esta pesquisa estrutura conhecimento sobre o processo de descentralização do ensino público<br />
brasileiro que edifica a relação entre escolas e comunidades na gestão da educação pública em<br />
nível básico. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu os municípios como entes federativos<br />
autônomos na questão da formulação e da gestão da política educacional de nível fundamental<br />
- Sistema Municipal de Ensino. A Municipalização do ensino tem na autogestão da educação,<br />
considerando a articulação das áreas sociais de ensino (escola), saúde, previdência social e<br />
serviços básicos a intenção de atuar no educando em sua totalidade, encarando-o como individuo<br />
em suas interações sociais, para quem a educação propicia mudanças no todo.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Educação. Municipalização. Gestão. Comunidades.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Nas ultimas décadas pode ser observado<br />
um movimento de proporções mundiais relacionado<br />
aos sistemas de políticas públicas,<br />
tendo como similaridade o aspecto da necessidade<br />
de um redirecionamento na oferta dos<br />
serviços públicos à população. Objetivando<br />
melhorias ligadas à qualidade de serviço, os<br />
governos buscam estruturar de maneira mais<br />
dinâmica a inter-relação entre o cidadão e as<br />
instituições públicas. O trabalho aqui exposto<br />
debruça-se diante do planejamento educacional<br />
baseado na política de descentralização de<br />
ensino, mais restritamente ao caso nacional e<br />
regional (Brasil – Pará) de descentralização do<br />
ensino escolar público.<br />
Os preceitos de descentralização da administração<br />
escolar pública estão presentes já<br />
nos ideais e disposições constitucionais referentes<br />
a um regime de mutua cooperação para a<br />
promoção do ensino público brasileiro, este trabalho<br />
busca relação entre uma determinada parte<br />
desta cooperação, comunidade e escola, as-<br />
*<br />
Acadêmico do curso de Psicologia, 7° semestre; bolsista do<br />
programa de Iniciação Científica 2011. Domiciliado na<br />
Tv.Benjamin Constant n.990, apto.204. Telefone:32301366<br />
ou 32232646, email: herbert_matos@hotmail.com.<br />
1<br />
Artigo elaborado sob orientação da profa. Ms. Alyne Alvarez<br />
Silva, docente do curso de Psicologia da Universidade da<br />
Amazônia - UNAMA.<br />
89<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 89-95, jun. 2011
sim, o caminho percorrido terá como destino o<br />
Conselho Escolar (Artigo 14, da Lei 9.394/1996,<br />
que dispõe sobre a Lei de Diretrizes e Bases da<br />
Educação Nacional), o qual proporciona maior<br />
interação entre a comunidade e escola, através<br />
de mecanismos de gestão coletiva, atribuições<br />
de gerenciamento e pedagógicas, tendo como<br />
finalidade adequar os conteúdos ministrados a<br />
comunidade envolvida neste.<br />
Tal perspectiva, em última análise, demonstra<br />
a construção de subjetividades no espaço<br />
escolar como maneira de propiciar uma<br />
educação crítica aos estudantes, ao passo em<br />
que, o conhecimento da comunidade sobre os<br />
cotidianos e necessidades destes proporciona a<br />
criação de modos próprios para intervir sobre a<br />
qualidade técnica e pedagógica educacional,<br />
suprindo as demandas singulares.<br />
A educação aqui pensada pelas égides da<br />
promoção de integração do sujeito ao social é<br />
responsável pelo aumento da produtividade e<br />
do consumo, instrumento para o desenvolvimento<br />
das Nações (BORGES. 2004).<br />
O crédito da gênese do ideal de descentralização<br />
política e administrativa na educação<br />
brasileira está ligado aos modelos de gestão de<br />
ensino público utilizado nos E.U.A.<br />
No caso do Brasil como já observado,<br />
a luta pela descentralização da<br />
administração educacional e pelo<br />
empoderamento da comunidade escolar<br />
se confundiu ao menos no inicio<br />
com o processo de redemocratização<br />
do país, e com a crítica ao Estado<br />
autoritário e seu modelo de<br />
gestão das políticas sociais. Assim<br />
como nos EUA, a existência de um<br />
sistema federal em que Estados e<br />
municípios detêm poder significativo<br />
sobre a administração de suas<br />
redes educacionais favoreceu a fragmentação<br />
das políticas descentralizadoras.<br />
Ademais, de meados dos<br />
anos 80 até o inicio do governo Fernando<br />
Henrique Cardoso (1994-2002),<br />
o governo federal não se empenhou<br />
de forma consistente na promoção<br />
de reformas descentralizadas de<br />
gestão estadual e municipal ou no<br />
repasse de recursos e atribuições<br />
para as demais unidades federadas<br />
(ALMEIDA, 1995, p.84).<br />
A reforma descentralizadora atua como<br />
solução para os entraves da burocracia estatal e<br />
eficiência de serviço; é o contraposto do regime<br />
burocrático de ensino público, caráter compartilhado<br />
como primeiro momento da estrutura educacional<br />
dos países supracitados. Na intenção de<br />
articular políticas de educação e de desenvolvimento,<br />
a descentralização constrói uma gestão<br />
colegiada, baseada na mutua cooperação, pensando<br />
o planejamento educacional de ensino<br />
público a partir de seus atores sociais, e de sua<br />
relação com a demanda da população. As prevalências<br />
nacionais históricas de índices não satisfatórios<br />
da educação relatam o descaso que separou<br />
uma década entre a Constituição e a LDB –<br />
Lei de Diretrizes e Bases da Educação. “Assim, a<br />
introdução de formas inovadoras de administração<br />
dependeu, a principio, dos governos estaduais<br />
e municipais, variando muito em termos de<br />
natureza, ritmo e intensidade” (BORGES, 2004).<br />
Segundo o relatório do SINTEPP (1997), objetivase<br />
a reforma do planejamento educacional do<br />
ensino público, tendo em vista a problematização<br />
do centralismo, como exposto a seguir:<br />
O insucesso da articulação constatado<br />
nos resultados das políticas<br />
educativas conduziu, dentre outras<br />
conclusões, debitar-se o fracasso ao<br />
centralismo, com suas implicações<br />
de “burocratismo” e rigidez administrativa.<br />
Ou seja, os maus resultados<br />
da educação – com repercussões negativas<br />
no desenvolvimento – deveuse<br />
à forma centralizada de planejamento<br />
e implementação de políticas<br />
educacionais (SINTEPP, 1997, p.4).<br />
A descentralização do ensino público<br />
visa levar a gestão do ensino para gerencia da<br />
comunidade a quem o serviço é prestado, vista<br />
como principal interessada em seu funcionamento.<br />
Através da participação da comunidade<br />
90<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 89-95, jun. 2011
tem-se o objetivo de promover o empoderamento<br />
social, ideal e sinônimo de integração do sujeito;<br />
de progresso e eficiência de serviço, qualidades<br />
ligada à atuação dos sujeitos no social.<br />
2 PROBLEMATIZANDO OS CONCEITOS DE GESTÃO<br />
O conceito de centralização está relacionado<br />
ao poder decisório exercido por uma única<br />
esfera da organização, relegando assim as demais<br />
estruturas apenas o papel de executar as<br />
políticas e decisões tomadas nas esferas superiores.<br />
No sentido contrario, uma organização é<br />
descentralizada quando o processo de gestão e<br />
gerencia da instituição é compartilhado por seus<br />
diversos níveis de atuação. Os termos utilizados<br />
para designar esta atuação podem variar: descentralização;<br />
“empowerment”, contudo, seus<br />
significados estão intimamente ligados à gestão<br />
coletiva nas instituições.<br />
O conceito de empoderamento vem<br />
associado na literatura à criação de<br />
estruturas independentes e autogeridas.<br />
De modo geral, o termo pode<br />
ser definido como a capacidade de<br />
determinado grupo ou individuo controlar<br />
seu próprio ambiente, envolvendo<br />
não apenas o acesso a recursos<br />
materiais e controle sobre as<br />
decisões relevantes, mas também<br />
em disposição psicológica compatível<br />
com o autogoverno (HANDLER,<br />
1996, apud BORGES, 2004, p. 83).<br />
Deste modo, a descentralização atua como<br />
forma de combate à burocracia no Estado: abertura<br />
de novas formas de inserção da comunidade e<br />
maior controle da população sobre os gastos. Contudo<br />
o conceito de descentralização é relativo a<br />
uma gestão participativa, onde os envolvidos através<br />
de uma relação de gestão compartilhada atuam<br />
de maneira conjunta. Tal conceito está sujeito<br />
e pode adaptar-se a novas utilidades.<br />
O empoderamento vem associado à<br />
descentralização política, na medida<br />
em que esta envolve a transferência<br />
de poder decisório a grupos<br />
ou indivíduos previamente sub-representados<br />
ou desfavorecidos e a<br />
criação de unidades administrativas<br />
relativamente independentes. A descentralização<br />
em caráter administrativo,<br />
em contraste, é mais limitada,<br />
pois tende a levar apenas à descentralização<br />
dentro das estruturas burocráticas<br />
existentes (por exemplo,<br />
com a transferência de tarefas administrativas<br />
do Ministério da Educação<br />
para as escolas), não levando<br />
ao empoderamento dos grupos previamente<br />
excluídos do processo decisório<br />
(SAMOFF, 1990; SUNDAR, 2001,<br />
apud BORGES, 2004, p.79).<br />
Assim, municipalização, relativa à descentralização<br />
do sistema público de serviços,<br />
converge como ponto de identificação entre os<br />
diversos setores ideológicos de administração<br />
pública, sendo vista como responsável por angariar<br />
aceites sobre diferentes ideologia 2 de<br />
atuação e estrutura de gestão educacional, sobe<br />
as quais nos fala Borges (2004, p. 78):<br />
Na medida em que a descentralização<br />
e o “empoderamento” (empowerment)<br />
da comunidade escolar<br />
têm sido advogados por grupos de<br />
variados matizes ideológicos, indo<br />
da direita neoconservadora à esquerda<br />
socialista e social-democrata,<br />
os argumentos em torno destas<br />
propostas têm sido com freqüências<br />
díspares. Entretanto, em que pesem<br />
as divergências ideológicas entre os<br />
defensores das reformas descentralizantes,<br />
é possível identificar um<br />
claro ponto de convergência. Tratase<br />
da crença de que é necessário desestatizar<br />
a escola pública e submetê-la<br />
ao controle da comunidade,<br />
reduzindo, inversamente, o poder<br />
dos vários agentes do Estado - políticos,<br />
administradores e professores<br />
- sobre a instituição educacional.<br />
2<br />
De fato, tanto as perspectivas de esquerda quanto de direita<br />
parecem apostar na “libertação” da sociedade civil das<br />
amarras estatais (BECKMAN, 1993) como o remédio mais<br />
adequado para os males do centralismo burocrático.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 89-95, jun. 2011<br />
91
A tese de municipalização é um movimento<br />
que ganhou expressão nacional no Brasil<br />
da década de 80, a partir da IV Conferência<br />
Brasileira de Educação em Goiânia (1986). Na<br />
ocasião, a municipalização do ensino surgiu<br />
como um caminho em direção à solução dos<br />
entraves educacionais brasileiros, quando designou<br />
aos municípios à função de eixo decisivo<br />
sobre o ensino ministrado, garantindo a<br />
qualidade e eficácia através da participação<br />
popular e, assim, atendendo às necessidades<br />
e relativas demandas dos sujeitos educacionais.<br />
Nesse sentido, propõe-se, através daquilo<br />
que se convencionou chamar de “processo<br />
de municipalização” no Brasil, que a escola<br />
pública precisa ser entregue ao controle da<br />
comunidade para melhor atendê-la e também<br />
a seus interesses.<br />
3 ESTABELECENDO PARÂMETROS MAIS PALPÁVEIS<br />
Em parâmetros nacionais, a ideia de municipalização<br />
de ensino data da época da Constituição<br />
Federal de 1946, entretanto as reviravoltas<br />
de governos que marca a história do Brasil<br />
impossibilitaram sua efetividade. Todavia, novas<br />
são as possibilidades de execução oferecidas<br />
pela atual CF de 88.<br />
2004). Desse período vem a municipalização do<br />
ensino pré-escolar no Brasil. A Lei de Diretrizes<br />
e Bases (LDB) 3 e a Lei do Fundef (hoje FUN-<br />
DEB, com a abrangência da Lei sobre o Ensino<br />
Médio e Educação Infantil) surgem como dispositivos<br />
político-legais destinados a estabelecer<br />
critérios de descentralização do ensino público,<br />
definindo o município como ente federativo<br />
autônomo na questão da formulação e da gestão<br />
da política educacional.<br />
A criação do FUNDEF, o indutor da<br />
Municipalização do Ensino Fundamental<br />
no país, Brasil, advém da promulgação<br />
da emenda Constitucional<br />
n° 14/96 que disciplinou os gastos com<br />
a educação, provocando uma alteração<br />
no fornecimento de vagas e financiando<br />
as mesmas por dependência<br />
administrativa. (PEMEF-PA, s/d).<br />
A municipalização consiste, na transferência<br />
dos serviços de educação do Governo Estadual<br />
para os municípios que desejarem, podendo<br />
dar-se de maneira diferente em cada estado<br />
brasileiro. Com base nesta assertiva, a justificativa<br />
para efetivar o processo de municipalização<br />
na política educacional do Pará tem origem<br />
na necessidade de organizar a oferta de<br />
A Constituição Federal diz: a União,<br />
os Estados, o Distrito Federal e os<br />
Municípios organizarão em regime<br />
de colaboração os seus sistemas de<br />
ensino (art.211). Os municípios atuarão<br />
prioritariamente no ensino fundamental<br />
e pré-escolar (parágrafo 2°,<br />
art.211). Os municípios aplicarão 25%<br />
mínimo da receita resultante de impostos<br />
(art. 211) (SINTEPP, 1997, p.6).<br />
No final da década de 80 foi grande o incentivo<br />
à participação dos municípios em programas<br />
de parcerias, multiplicando-se convênios<br />
entre os estados e municípios com intuito de<br />
viabilizar o transporte de alunos, à merenda escolar,<br />
às construções de escolas etc. (BORGES,<br />
3<br />
A Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/96) - LDB - é a lei orgânica<br />
e geral da educação brasileira. Como o próprio nome diz, dita<br />
as diretrizes e as bases da organização do sistema<br />
educacional. Segundo o ex-ministro Paulo Renato Souza - que<br />
ao lado do então presidente Fernando Henrique Cardoso<br />
sancionou a LDB que vigora até hoje - “o mais interessante<br />
da LDB é que ela foge do que é, infelizmente o mais comum<br />
na legislação brasileira: ser muito detalhista. A LDB não é<br />
detalhista, ela dá muita liberdade para as escolas, para os<br />
sistemas de ensino dos municípios e dos estados, fixando<br />
normas gerais. Acho que é realmente uma lei exemplar”. A<br />
primeira Lei de Diretrizes e Bases foi criada em 1961. Uma<br />
nova versão foi aprovada em 1971 e a terceira, ainda vigente<br />
no Brasil, foi sancionada em 1996.<br />
Alguns pontos da LDB vigente desde então são considerados<br />
ganhos importantes para os cidadãos: “a União deve gastar<br />
no mínimo 18% e os estados e municípios no mínimo 25% de<br />
seus orçamentos na manutenção e desenvolvimento do<br />
ensino público” (art. 69); o Ensino fundamental passa a ser<br />
obrigatório e gratuito (art. 4) e; a educação infantil (creches<br />
e pré-escola) se torna oficialmente a primeira etapa da<br />
educação básica. (BRASIL, 1996)<br />
92<br />
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ensino aos municípios do Estado, condizente com<br />
as demandas locais, as quais consistem segundo<br />
o Programa Estadual de Municipalização do Ensino<br />
Fundamental do Estado do Pará (1995-99):<br />
Na afirmativa de ausência de vagas<br />
nas escolas, na evasão associada a<br />
qualidade de ensino, na repetência<br />
e queda da finalidade do ensino, todos<br />
esses indicativos apontam a centralização<br />
e falta de autonomia dos<br />
municípios como entrave a efetivação<br />
do ensino público.(PEMEF-PA, s/d).<br />
4<br />
O Plano Decenal de Educação para Todos – SEDUC, que a<br />
referendou no Plano Estadual de Educação – 1995/99 pelo<br />
Governo do Estado do Pará, define como meta prioritária<br />
oferecer às crianças, aos jovens e adultos, oportunidades<br />
educativas com qualidade que lhes permitam obter um nível<br />
satisfatório de aprendizagem.”<br />
No estado do Pará, o processo de municipalização<br />
tem inicio a partir da solicitação das prefeituras<br />
junto a SEDUC para contratar a transferência<br />
da gestão, ou seja, ao desejar fazer parte do programa<br />
de municipalização do Estado do Pará, a prefeitura<br />
solicitante informa à SEDUC sobre o segmento<br />
do ensino que deseja realizar a municipalização.<br />
Essa transferência da gestão se processa<br />
por meio de uma avaliação da demanda da população<br />
em relação ao ensino, solicitação por<br />
parte dos municípios em relação à SEDUC e ao<br />
programa 4 , podendo ser relativa ao ensino infantil;<br />
ensino fundamental; médio; supletivo;<br />
EJA, qualquer segmento que desejar ter sob gestão<br />
do município.<br />
Após avaliação da SEDUC, são definidas<br />
as ações estratégicas de atuação para o desenvolvimento<br />
do ensino ofertado no município,<br />
dentre tais ações encontra-se a criação dos Conselhos<br />
Escolares, este entendido como canal de<br />
comunicação entre escola e as necessidades da<br />
população, ou seja, a população através do conselho<br />
pode levar até a escola seus conhecimentos<br />
e duvidas, assim, assegurar um ensino voltado<br />
para as demandas locais, ou ainda as reformas<br />
na estrutura física das instituições, transporte<br />
escolar etc.<br />
Após a avaliação dos técnicos da SEDUC<br />
sobre as necessidades para implementação do<br />
processo de municipalização e devida assinatura<br />
do contrato de municipalização, o investimento<br />
do governo federal e estadual passa a ser atribuído<br />
a prefeitura, além do FUNDEF como um<br />
complemento à renda que o município disponibilizar<br />
ao setor educacional. Os municípios, segundo<br />
o artigo 221 da Constituição Federal, deveriam<br />
aplicar 25% mínimo da receita resultante<br />
de imposto, o ICMS do ano vigente, porém a realidade<br />
é que o complemento funciona como o<br />
total de gastos das prefeituras. (GEMAQUE &<br />
GUTIERRES, 2007).<br />
O que torna possível o processo de municipalização<br />
da educação, é a criação do Fundo<br />
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino<br />
Fundamental e de Valorização do Magistério<br />
através da Emenda Constitucional n°14/96, da<br />
Lei Federal n°9.424, de 24/12/96, e da Lei Estadual<br />
n°6044 de 16/04/97 que disciplinam o estabelecimento<br />
de convênios para a transferência<br />
de alunos; recursos humanos; matérias e<br />
encargos financeiros entre Estados e Municípios<br />
têm como objetivo a melhoria na qualidade<br />
da Educação, através da descentralização da<br />
gestão, tomando a ação local mais próxima e<br />
ágil através dos conselhos escolares e da participação<br />
da comunidade.<br />
A partir do governo seguinte, no ano de<br />
2006, o FUNDEF foi ampliado para abarcar a Educação<br />
Básica, que passa a compreender além do<br />
ensino fundamental, o ensino infantil, passando<br />
assim a ser denominado FUNDEB – Fundo de<br />
Manutenção e Desenvolvimento da Educação<br />
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação,<br />
com vigência até o ano de 2014.<br />
O FUNDEB, além de compreender o ensino<br />
fundamental de forma mais ampla, vai também<br />
focar na formação dos professores deste<br />
segmento, os quais não mais deverão ter apenas<br />
magistério ou formação técnica para exer-<br />
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93
cer a profissão, mas terão que obter título do<br />
ensino superior. O incentivo 5 proveniente do<br />
FUNDEB é depositado na conta do município com<br />
um valor referente ao número de alunos matriculados<br />
naquele ano, quanto à distribuição do<br />
ICMS da gestão anual do Governo Federal.<br />
Este processo é caracterizado pela<br />
transferência de alunos matriculados<br />
no ano da assinatura do convênio,<br />
de servidores estaduais em nível<br />
de cedência, cessão de uso de<br />
prédios escolares e equipamentos,<br />
para serem gerenciados pela Secretaria<br />
Municipal de Ensino. Contudo,<br />
para receber o financiamento dos<br />
recursos do FUNDEF e seus recursos<br />
de acompanhamento (controle, repartição,<br />
transferência e aplicação)<br />
os municípios têm obrigações, tais<br />
como: elaboração do Plano Municipal<br />
de Educação; Estatuto do Magistério;<br />
Plano de Carreira do Magistério;<br />
Planejamento da rede física escolar;<br />
Reforma; ampliação e construção<br />
de prédios escolares; Fortalecimento<br />
da merenda e transporte escolar.<br />
(PEMEF-PA, s/d).<br />
5<br />
“Considerando as diretrizes definidas pelas Constituições<br />
Federal e Estadual em vigor, que obriga os Estados e os<br />
Municípios a organizarem, em regime de colaboração mútua,<br />
seus sistemas de ensino; Considerando a criação do Fundo<br />
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e<br />
de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB),<br />
através da Lei n°. 11.494/2007 de 20 junho de 2007 e a Lei<br />
Estadual n°. 6.044 de 16/04/97, que disciplinam o<br />
estabelecimento de convênios para a transferência de<br />
alunos, recursos humanos, materiais e encargos financeiros<br />
entre Estado e Municípios, com vistas a melhoria da<br />
qualidade da educação;”(SINTEPP, 1997)<br />
A introdução de estruturas colegiadas na<br />
gestão de ensino é complementada com o reforço<br />
da autonomia da escola, por meio de transferência<br />
direta dos recursos a serem aplicados à<br />
escola ou prefeitura. O modelo envolve a transferência<br />
de autoridade dos professores e burocratas<br />
para os pais dos estudantes, para os próprios<br />
estudantes e outros representantes da comunidade<br />
escolar; bem como o repasse do poder<br />
decisório para conselhos escolares compostos<br />
por representastes da comunidade e eleições<br />
diretas dos administradores educacionais.<br />
Entre as inovações institucionais no<br />
campo da educação se destacam os<br />
conselhos escolares com representantes<br />
dos professores, pais e estudantes<br />
e a eleição direta dos diretores<br />
da escola. Desde meados dos<br />
anos 80, alguns Estados vêm transferindo<br />
recursos diretamente para a<br />
escola, conferindo aos conselhos escolares<br />
o poder de preparar e aprovar<br />
o orçamento, com o apoio do diretor.<br />
(BARROS et al., 1999 apud BOR-<br />
GES, 2004, p.80).<br />
Apesar dessa possibilidade de reorganização<br />
do sistema educacional brasileiro, que<br />
supostamente deverá torná-lo mais contextualizado<br />
e a aprendizagem possivelmente mais<br />
significativa e gerida segundo demandas locais,<br />
encontram-se muitas dificuldades nesse processo<br />
devido à falta de uma prática político-pedagógica<br />
para a tomada de consciência necessária<br />
que resulte numa gestão participativa com<br />
a comunidade.<br />
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
As dificuldades relacionadas à implementação<br />
do projeto de municipalização tornam-no<br />
um discurso sem fundamentos práticos, afinal,<br />
o trabalho dos conselhos tem um serio entrave<br />
de funcionamento relacionado ao desconhecimento<br />
da população sobre as políticas públicas<br />
de gestão colegiada. O desafio de Municipalizar<br />
o Ensino Fundamental era uma das diretrizes<br />
definidas pela Constituição Federal e Estadual<br />
em vigor. Em contra partida, a realidade mostra<br />
que o processo caminha a passos diferentes no<br />
que diz respeito aos Estados e Municípios se organizarem<br />
em regime de colaboração mútua,<br />
assim como seus sistemas de ensino. Diferentemente<br />
do que se estabelece na utilização do termo<br />
cooperação, o que se vê é um jogo de interesses<br />
relacionados à definição de responsabili-<br />
94<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 89-95, jun. 2011
dades isoladas entre as instâncias, fato este, histórico<br />
e responsável pelo momento presente de<br />
serviços estaduais e municipais trabalhando em<br />
regime de competição, ocasionando por vezes o<br />
não suprimento da demanda local e uma educação<br />
demasiadamente deficitária.<br />
REFERÊNCIAS<br />
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Brasil, EUA e Grã-Bretanha. Perspec. São<br />
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96, de Iniciativa do MEC, Institui o Plano Nacional<br />
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HANDLER, J.F. Down from bureaucracy: the ambiguity<br />
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Princeton University Press, 1996.<br />
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Fundamental. Governo do Estado do Pará, s/d.<br />
SAMOFF. Decentralization: the politics of interventionism.<br />
Development and change, v.21,<br />
p.513 - 530, 1990.<br />
SINTEPP. Sindicato dos Trabalhadores em Educação<br />
Pública do Pará. Municipalização do Ensino fundamental<br />
no Pará. Modismo neoliberal? v. 2, 1997.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 89-95, jun. 2011<br />
95
ARTE, FANTASIA E SOFRIMENTO PSÍQUICO:<br />
A ARTE COMO INSTRUMENTO DE ESCUTA AO PACIENTE<br />
ACOMETIDO POR UMA DOENÇA GRAVE 1<br />
Jennifer Fonseca Lopes *<br />
RESUMO<br />
Este artigo irá apresentar os dados parciais obtidos a partir da pesquisa de Iniciação Científica<br />
realizada de fevereiro a dezembro de 2011, e aborda o estudo da relação entre a Psicanálise<br />
e as Artes Plásticas, e a importância do recurso artístico na manifestação do sofrimento<br />
psíquico do sujeito acometido por alguma doença grave, ou seja, da arte como forma de<br />
contato do sujeito com seu Pathos. Para isto, buscou-se identificar como a arte pode servir<br />
de instrumento para que o sujeito enfermo expresse suas fantasias, medos, angústias e<br />
desejos. O método utilizado foi com base em pesquisas bibliográficas em textos psicanalíticos,<br />
bem como com autores contemporâneos ligados às artes plásticas. A ilustração artística<br />
utilizada é do artista plástico paraense Ismael Nery. Conclui-se que a arte pode ser um<br />
importante instrumento de intervenção do Psicólogo e Psicanalista em sua atuação no contexto<br />
de hospitalização de pacientes acometidos por doenças graves.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Arte. Fantasia. Pathos. Psicanálise<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Segundo Amendoeira (2008), a expressão<br />
artística tem desempenhado diferentes funções<br />
nas diversas comunidades humanas e no<br />
decorrer da história. Ela é um meio de comunicação<br />
com o mundo que manifesta posturas individuais<br />
perante a vida, sendo a obra de arte<br />
um dos processos pelo qual o homem comunica<br />
suas ideias. Desta forma, pode-se considerar a<br />
arte como um instrumento de conhecimento,<br />
pois serve para ver e interpretar o mundo. “Ela é<br />
reveladora do fluxo de imagens do inconsciente<br />
possibilitando o acesso ao mundo psíquico” (JAS-<br />
PERS, 1971, apud AMENDOEIRA, 2008).<br />
A arte pode ser entendida como uma forma<br />
pela qual o homem manifesta seus medos e<br />
encantamentos. Portanto, a produção artística é<br />
capaz de nos relatar um pouco da de uma pessoa<br />
e, transformar o sofrimento psíquico em experiência<br />
para o sujeito, contribuindo para que o<br />
mesmo dê outro rumo para a pulsão que antes<br />
lhe causara dor.<br />
* Acadêmica do 8º semestre do Curso de Psicologia da<br />
Universidade da Amazônia – UNAMA; Bolsista de Iniciação<br />
Científica. E-mail: lopesjenni@gmail.com<br />
1<br />
Artigo elaborado sob orientação da profa. Elizabeth Samuel<br />
Levy, Psicanalista; supervisora de Estágio em Psicologia<br />
Clínica e da Saúde da Universidade da Amazônia – UNAMA;<br />
mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação da<br />
Universidade Federal do Pará – UFPA; orientadora do Projeto<br />
de Pesquisa que deu origem a este artigo. E-mail:<br />
bethslevy@gmail.com<br />
97<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 97-101, jun. 2011
O estudo do percurso da criação artística de Ismael<br />
Nery, poderá nos de auxiliar na compreensão<br />
das experiências de uma pessoa acometida<br />
por uma doença grave, e sua expressão artística<br />
a partir disso. As obras produzidas por este<br />
artista podem ser consideradas como materialização<br />
das projeções de sua vida, suas memórias<br />
e evocações de conflitos.<br />
O presente artigo irá apresentar os dados<br />
parciais obtidos a partir da pesquisa de Iniciação<br />
Científica realizada de fevereiro a dezembro<br />
de 2011. Assim, pretende-se fazer um estudo<br />
acerca da arte, da fantasia e do sofrimento<br />
psíquico, de forma a compreender melhor como<br />
o sujeito acometido por uma doença grave pode<br />
expressar-se através de sua arte, usando-se para<br />
isto, uma obra do Artista Ismael Nery para compreender<br />
um pouco esta relação.<br />
2 ARTE, FANTASIA E SOFRIMENTO PSÍQUICO<br />
A expressão artística é uma forma de comunicação<br />
que manifesta posturas individuais<br />
perante a realidade. A partir da mesma o homem<br />
pode comunicar suas ideias tornando-se,<br />
desta forma, um instrumento de conhecimento,<br />
pois serve para ver e interpretar o mundo.<br />
Além disto, ela é reveladora do fluxo de imagens<br />
do inconsciente possibilitando o acesso à<br />
realidade psíquica. Esta realidade psíquica é<br />
constituída, para Freud, pela fantasia.<br />
Em estudos feitos por Sigmund Freud no<br />
texto Escritores Criativos e Devaneios (1908),<br />
Freud associa o brincar da criança pequena com<br />
a criação poética e afirma que as principais ocupações<br />
das crianças são os brinquedos e os jogos,<br />
e as mesmas levam a brincadeira muito a<br />
sério. Porém, apesar de todo o investimento que<br />
fazem no mundo da brincadeira, elas conseguem<br />
distinguir a realidade do brincar, e buscam ligar<br />
as situações imaginadas às coisas visíveis e tangíveis<br />
do mundo real, e isto é o que diferencia o<br />
“brincar” infantil do “fantasiar”. A partir desta<br />
análise, Freud sugere que o escritor criativo se<br />
comporta como a criança pequena, pois cria um<br />
mundo próprio no qual investe uma grande<br />
quantidade de emoção, ao mesmo tempo em<br />
que mantém uma separação nítida entre o mesmo<br />
e a realidade. (FREUD,1908)<br />
Ao falar dos escritores criativos, Freud<br />
(1908) afirma que a irrealidade do mundo criativo<br />
do escritor traz consequências importantes<br />
para a técnica de sua arte, pois, se muitos<br />
aspectos do mundo criativo fossem reais, não<br />
causariam tanto prazer, e este prazer pode ser<br />
proporcionado pela fantasia. Ainda segundo<br />
Freud, quando as pessoas crescem, elas param<br />
de brincar e renunciam a esse prazer. Porém,<br />
na realidade, esse prazer não é verdadeiramente<br />
renunciado, pois, ao parar de brincar,<br />
a criança em crescimento apenas abdica<br />
do elo com os objetos reais e, em vez de brincar,<br />
ela passa a fantasiar.<br />
Freud (1908) afirma que o que rege as<br />
fantasias são os desejos insatisfeitos, e toda fantasia<br />
é a realização de um desejo, uma correção<br />
da realidade insatisfatória.<br />
Segundo Coutinho Jorge (2010, p.12)<br />
“como a realidade externa erige continuamente<br />
obstáculos às demandas da satisfação da pulsão,<br />
a fantasia acaba sendo igualmente uma atividade<br />
contínua que ocupa uma região considerável<br />
do aparelho psíquico.”. A fantasia constitui a realidade<br />
psíquica de cada sujeito, ela mediatiza o<br />
encontro do sujeito com o real.<br />
Portanto, a arte pode ser entendida<br />
como um meio pelo qual cada indivíduo procura<br />
buscar sentido de suas experiências internas,<br />
ameaçadoras ou não, que o identificam como<br />
ser humano. Por meio da expressão artística tornamo-nos<br />
capazes de compartilhar com os outros<br />
nossos medos e encantamentos.<br />
Toda obra de arte possui duas partes principais,<br />
distintas, mas diretamente interligadas,<br />
que são o “conteúdo manifesto” e a “significação<br />
latente”. Este primeiro é o que se destaca<br />
aos olhos e que o público em geral compreende,<br />
trata-se do lado estético da obra, a técnica<br />
98<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 97-101, jun. 2011
do artista, do seu estilo. O conteúdo manifesto<br />
corresponde, então a expressão superficial e<br />
exterior, o lado do revestimento que cobre o<br />
verdadeiro sentido do motivo da inspiração artística.<br />
A segunda, a significação latente, “[...] é<br />
a parte íntima da obra de arte, o seu lado simbólico,<br />
a fantasia que mascara os impulsos inconfessáveis<br />
da vida íntima do artista e somente a<br />
ele o interessa. Ao artista, portanto está reservada<br />
essa parte obscura de seu trabalho.” (CE-<br />
SAR, 1944, apud ANDRIOLO, 2003).<br />
A partir da identificação destas duas partes<br />
distintas, passa-se a examinar o significado simbólico<br />
das imagens, na análise das obras de arte.<br />
Na inspiração artística, vemos, por uma<br />
análise aprofundada da vida e das<br />
obras dos grandes artistas, os desejos<br />
reprimidos aparecerem do subconsciente<br />
e se mostrarem apagados<br />
em símbolos ou temas diversos em<br />
todas as suas produções [...] (CESAR,<br />
1934, apud ANDRIOLO, 2003, p. 79).<br />
Desta forma, o artista é capaz de estabelecer<br />
e dominar uma relação de expressão com<br />
seu próprio inconsciente, capaz de realizar e<br />
desenvolver potencialidades que são sufocadas.<br />
Ele encontrará, através da arte, uma forma de<br />
expressar seu desejo e satisfazer a pulsão, que<br />
fora reprimida. A produção artística pode, então,<br />
possibilitar simbolização do sofrimento psíquico<br />
vivido pelo sujeito que usa deste recurso<br />
para falar de si.<br />
A Psicopatologia Fundamental e a Psicanálise,<br />
organizam-se em torno do sofrimento<br />
psíquico. Trata-se, segundo Cecarelli (2005) “[...]<br />
de resgatar o pathos, como paixão, e escutar o<br />
sujeito que traz uma voz única a respeito de seu<br />
pathos transformando aquilo que causa sofrimento<br />
em experiência, em ensinamento interno.”<br />
Para este autor, transformar o pathos em<br />
experiência significa, também, considerá-lo não<br />
apenas como um estado transitório mas, como<br />
“algo que alarga ou enriquece o pensamento”<br />
(BERLINCK, 1998, apud CECARELLI, 2005).<br />
A partir da dimensão do desejo, que<br />
submetido às leis da linguagem escapa<br />
a qualquer apreensão direta de<br />
sua finalidade, Freud postula que o<br />
sujeito - louco ou não - sempre que<br />
fala, fala do, e a partir de, seu pathos,<br />
que aqui confunde-se com a trama<br />
discursiva que o constitui. É esta<br />
trama, inicialmente encarnada pelo<br />
Outro, que possibilita que o pathos,<br />
como passividade, alienação, transforme-se,<br />
na situação terapêutica,<br />
em percepção, em experiência. (CE-<br />
CARELLI, 2005).<br />
O processo de adoecer traz consigo muitas<br />
mudanças para o cotidiano da pessoa enferma.<br />
Segundo Schmidt e Mata (2008, p. 191), “a<br />
doença representa um ataque ao corpo, não só<br />
em sua dimensão anátomo-fisiológica, mas também<br />
às referências simbólicas que cada um possui<br />
a respeito deste corpo.”. Desta forma, a doença<br />
produz em cada indivíduo reações particulares<br />
que terão relação com as condições individuais<br />
desenvolvidas pelo indivíduo, para lidar<br />
com a doença.<br />
A enfermidade é a “experiência dos<br />
sintomas e do sofrimento”, “a experiência<br />
vivida do monitoramento dos<br />
processos corporais”, incluindo a<br />
“categorização e a explicação, em<br />
sentidos do senso comum acessíveis<br />
a todas as pessoas leigas, das formas<br />
de angústia causadas pelos processos<br />
fisiopatológicos.” (LIRA, NA-<br />
TIONS, CATRIB, 2004, p. 150).<br />
Além disso, os mesmos autores afirmam<br />
que “quando se fala em enfermidade, inclui-se<br />
o julgamento do paciente de como ele pode lidar<br />
com a angústia e com os problemas práticos<br />
em sua vida diária, que ela cria.” (LIRA; NATIONS;<br />
CATRIB, 2004, p. 150).<br />
Na enfermidade, o sujeito torna-se vulnerável<br />
e fragilizado, como se retornasse a um<br />
estado primitivo de desamparo que, no sentido<br />
freudiano, torna-se análogo ao bebê que precisa<br />
do outro para sobreviver. Cabe ao psicólogo,<br />
escutar, seja por meio da fala, ou dos sinais pos-<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 97-101, jun. 2011<br />
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síveis, este sofrimento trazido pelo sujeito,<br />
como afirma Levy (2008).<br />
Entendemos que a Psicanálise possa<br />
modificar a relação do sujeito em tratamento<br />
com suas pulsões, permitindo o acesso aos conteúdos<br />
inconscientes e trazendo-os para a consciência,<br />
permitindo outro destino de satisfação<br />
das pulsões, decifrando o sentido de seus sintomas.<br />
(LEVY, 2008, p.76).<br />
Ao escutar o sofrimento trazido pelo sujeito,<br />
o psicanalista, além de possibilitar o alívio<br />
dos sintomas, poderá levar este sujeito ao encontro<br />
com sua subjetividade, o que poderá ajudar<br />
no tratamento. Freud nos mostra que o sujeito<br />
poderá expressar suas fantasias de diversas<br />
formas e sempre levando em conta como<br />
cada um manifesta sua subjetividade.<br />
Para Amendoeira (2008), a atividade criativa<br />
fornece um canal de expressão emocional e de<br />
comunicação para o paciente. A relação entre atividade<br />
artística e a natureza torna possível assimilar<br />
novas representações psíquicas, experimentar<br />
um novo sentido de identidade e de recuperar o<br />
contato com fontes internas de vitalidade.<br />
Portanto, a atividade artística pode ser<br />
utilizada como um recurso para o sujeito que<br />
sofre com uma doença possa falar de seu sofrimento<br />
e de sua dor. E, como afirma Cecarelli<br />
(2005, p.7), “É por ‘falar’ que a dor solicita escuta.<br />
Escuta essa que, sendo terapêutica, possibilita<br />
o recuo necessário para transformá-la<br />
em experiência.”.<br />
Pode-se observar como este sofrimento<br />
pode ser expresso através da obra “Visão Interna<br />
– Agonia”, 1931 (Ver figura 1), do artsita plástico<br />
Ismael Nery, diagnosticado com Tuberculose.<br />
O artista retrata seu medo, e seu sofrimento<br />
diante da doença que afetara seu pulmão, orgão<br />
em evidência na obra do artista.<br />
A partir da observação desta obra, podese<br />
notar que a arte pode ser um recurso utilizado<br />
pelo sujeito para entrar em contato com seu<br />
pathos, seu sofrimento psíquico, e do Psicólogo<br />
e Psicanalista para “escutar” o sofrimento deste<br />
sujeito e, a partir desta escuta analítica no hospital,<br />
contribuir para o alívio da dor do paciente<br />
enfermo, por meio da simbolização de suas fantasias<br />
através da arte.<br />
Desta forma, considera-se a expressão<br />
artística, como uma ferramenta muito interessante<br />
que pode ser utilizada pelo Psicólogo /<br />
Psicanalista dentro dos hospitais, auxiliando no<br />
avanço do paciente, contribuindo para que a<br />
pulsão que antes lhe causara dor, siga outro destino,<br />
podendo gerar auto conhecimento e contribuindo<br />
para a diminuição dos sintomas da<br />
doença, bem como melhorando as formas de<br />
enfrentamento da doença física.<br />
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
A partir do estudo realizado em torno do<br />
tema, considera-se que a arte é um instrumento<br />
importante de expressão do sofrimento psíquico,<br />
no acompanhamento de pacientes acometidos<br />
por doenças graves, através da simbolização<br />
de seus medos, angústias, desejos e fantasias.<br />
Considera-se que pode ser utilizado como recurso<br />
na intervenção do Psicólogo / Psicanalista<br />
em sua atuação, mais especificamente no contexto<br />
de hospitalização de pacientes acometidos<br />
por doenças graves.<br />
Sabemos que a expressão ou simbolização<br />
dos sentimentos de um sujeito enfermo,<br />
poderá resultar em melhores condições<br />
de enfrentamento das doenças, repercutindo<br />
em seu quadro clínico, pois aspectos como<br />
ansiedade e depressão, são elementos fundamentais<br />
para o agravamento de certas enfermidades.<br />
Assim como o falar, o desenhar, o<br />
pintar, ou qualquer tipo de expressão, poderão<br />
beneficiar os pacientes na forma como<br />
cada um poderá transformar seu sofrimento<br />
psíquico em experiência, levando-se em conta<br />
o potencial artístico do sujeito, permeado<br />
pelos seus processos inconscientes.<br />
100<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 97-101, jun. 2011
REFERÊNCIAS<br />
AMENDOEIRA, Maria Cristina Reis. O trabalho<br />
da arte e construção da subjetividade no feminino.<br />
São Paulo: Revista Brasileira de Psicanálise,<br />
v. 42, n. 4, 2008.<br />
ANDRIOLO, Arley. A “Psicologia da Arte” no<br />
Olhar de Osório Cesar: Leituras e Escritos. São<br />
Paulo: Psicologia Ciência e Profissão, v. 23, n. 4,<br />
p. 74-81, 2003.<br />
CECARELLI, Paulo Roberto. O Sofrimento Psíquico<br />
na Perspectiva da Psicopatologia Fundamental.<br />
Maringá: Psicologia em Estudo, v.<br />
10, n. 3, 2006.<br />
COUTINHO JORGE, Marco Antônio. Fundamentos<br />
da Psicanálise de Freud a Lacan: a clínica da<br />
fantasia. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. v. 2.<br />
FREUD, Sigmund. Escritores criativos e devaneio. In:<br />
FREUD, Sigmund. Edição Standard Brasileira das Obras<br />
Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1980.<br />
LEVY, Elizabeth S. Desamparo, transferência e<br />
hospitalização em Centro de Terapia Intensiva.<br />
(Dissertação de Mestrado) – UFPA, Belém, 2008.<br />
LIRA, Geison Vasconcelos; NATIONS, Marilyn;<br />
CATRIB, Ana Maria Fontenelle. Cronicidade e<br />
Cuidados de Saúde: o que a antropologia da saúde<br />
tem a nos ensinar? Fortaleza: Texto Contexto<br />
Enferm, v. 13, n, 1, p. 147-155, 2004.<br />
SCHMIDT, Eder; MATA, Gustavo Ferreira. A relação<br />
médico-paciente e as condições de cronicidade.<br />
Juiz de Fora: Revista Brasileira de Clínica<br />
Médica, n. 6, 2008.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 97-101, jun. 2011<br />
101
102
AVALIAÇÃO DA PERDA DE MASSA DA COUVE<br />
MINIMAMENTE PROCESSADA ARMAZENADA<br />
EM DOIS TIPOS DE EMBALAGEM 1<br />
Nashara Gleyce Farias Leão *<br />
RESUMO<br />
Frutas e hortaliças minimamente processadas envolvem um conjunto de operações que<br />
elimina partes não comestíveis, tendo como resultado produtos com menores porções, ficando<br />
apto para o consumo imediato, mantendo todas as qualidades organolépticas do<br />
produto in natura. A couve foi embalada em dois tipos de embalagens diferentes, uma com<br />
filme de policloreto de vinila (PVC) cobrindo bandejas de oliestireno expandido (isopor) e<br />
Politerefta<strong>lato</strong> de etileno (PET), com a finalidade de observar sua conservação em ambas,<br />
com 3 tempos distintos 0, 7 e 15 dias, ficando armazenada sob refrigeração (10ºC) no decorrer<br />
do experimento. O processamento mínimo da couve armazenada em embalagens PET e<br />
PVC possibilitou a troca de gases da hortaliça em questão, de formas diferentes das citadas<br />
na literatura.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Couve. Embalagem. PET. PVC.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
A origem da palavra vegetal é do latim<br />
vegere que significa revigorar, reavivar. Dentro<br />
do grupo dos vegetais encontram-se as hortaliças<br />
que são os tecidos que podem ser consumidos<br />
como alimento e inclui vários subgrupos<br />
como raízes, tubérculos, bulbos, talos, flores,<br />
folhas, sementes e frutos de determinadas plantas.<br />
Já as frutas, também do latim fructus, tem<br />
co significado de fruição, gratificação, satisfação,<br />
prazer. Tem a característica de apresentar sabor<br />
adocicado. São originados de frutos, partes comestíveis<br />
carnudas que envolvem sementes, ou<br />
ovários maduros (ARAÚJO et al. 2008).<br />
Quanto à composição e valor nutricional<br />
das frutas e hortaliças, são os grupos de alimentos<br />
responsáveis por oferecer além de água,<br />
minerais, vitaminas, fibras e compostos funcionais<br />
(ARAÚJO et al. 2008).<br />
Alguns destes alimentos apresentam<br />
compostos (enzimas, compostos fenólicos)<br />
que são responsáveis por causar uma mudança<br />
nas características sensoriais destes produ-<br />
*<br />
Acadêmica do curso de Nutrição do 6º semestre da<br />
Universidade da Amazônia-UNAMA); bolsista do Projeto de<br />
Iniciação Científica.<br />
1<br />
Artigo elaborado sob orientação da profa. Ana Carla Alves<br />
Pelais, doutoranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos;<br />
docente do curso de Nutrição da Universidade da Amazônia<br />
- UNAMA. anapelais@gmail.com.<br />
103<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 103-106, jun. 2011
tos que acabam por diminuir a qualidade, o<br />
tempo de prateleira e valor de mercado dos<br />
mesmos. Para minimizar estes efeitos usa-se<br />
a tecnologia como ferramenta, como por<br />
exemplo, técnicas de branqueamento, pasteurização,<br />
esterilização, adição de salmoura, açúcar,<br />
ácidos, que são eleitos para cada fruta ou<br />
hortaliça por suas características como pH, acidez,<br />
enzimas, presença ou não de certos compostos<br />
entre outros fatores, e mesmo assim,<br />
em geral, se combina duas ou mais técnicas<br />
para um produto final de qualidade (ARAÚJO<br />
et al. 2008; BASTOS et al. 2008).<br />
De acordo com Spoto e Miguel (2006),<br />
frutas e hortaliças minimamente processadas<br />
envolvem um conjunto de operações que elimina<br />
partes não comestíveis, como cascas, talos<br />
e sementes, tendo como resultado produtos<br />
com menores porções, ficando apto para o<br />
consumo imediato, mantendo todas as qualidades<br />
organolépticas do produto in natura.<br />
Para as autoras, para se chegar a esse produto,<br />
o processo envolve lavagem, descascamento,<br />
corte, santização, centrifugação, embalagem e<br />
armazenamento, tudo sobadequadas condições<br />
de higiene, com o objetivo de propiciar<br />
sua qualidade, aumentar sua vida útil, mantendo<br />
o mesmo sabor e aparência apresentado pelas<br />
frutas e hortaliças in natura. Esse processamento<br />
envolve a manipulação de tecidos vivos, que vão<br />
continuar fisiologicamente ativos, para tanto, precisam<br />
para sua conservação, parâmetros como respiração,<br />
transpiração e produção de etileno.<br />
Para Puschmann et al. (2003), a couve<br />
(Brassica Oleracea var. acephala), é uma hortaliça<br />
com rápida perda de turgescência e senescência<br />
após a colheita, ela pode ser encontrada<br />
comercialmente minimamente processada, no<br />
entanto com pouco prazo de validade, é de<br />
grande importância na nutrição humana, sendo<br />
muito produzidas no centro-sul do Brasil, é<br />
uma planta de temperaturas amena, se desenvolve<br />
melhor no outono e inverno, no entanto<br />
se adapta a climas variados.<br />
2 MATERIAL E MÉTODOS<br />
O processamento da couve realizou-se de<br />
acordo com o fluxograma ilustrado na figura 1.<br />
Figura 1: Fluxograma da couve minimamente<br />
processada.<br />
Inicialmente realizou-se a pesagem do<br />
ingrediente, sua limpeza e fatiamento em tiras<br />
longas e finas (aproximadamente 1 cm), higienização<br />
em solução clorada a 200 ppm por 10 minutos<br />
seguido do enxágüe com solução a 5 ppm<br />
em 5º C. Após esta etapa realizou-se a secagem<br />
de forma manual com auxílio da peneira plástica.<br />
Por fim, embalou-se a couve em dois tipos<br />
de embalagens diferentes; filme de policloreto<br />
de vinila (PVC) cobrindo bandejas de<br />
poliestireno expandido (isopor) e politerefta<strong>lato</strong><br />
de etileno (PET), com a finalidade de observar<br />
sua conservação em ambas, em 3 tempos distintos:<br />
0, 7 e 15 dias, ficando armazenada sob refrigeração<br />
(10ºC) no decorrer do experimento.<br />
Realizou-se a análise da perda de massa<br />
ocorrida na couve acondicionada nas duas embalagens<br />
por meio de pesagem das embalagens<br />
contendo a couve. A perda de massa foi expressa<br />
por meio de porcentagem da obtida pela fórmula:<br />
{(mi – mf) /mi} x 100; onde mi – massa<br />
inicial e mf – massa final.<br />
104<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 103-106, jun. 2011
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />
Na figura 2, pode-se observar os resultados<br />
da perda de massa nas duas embalagens estudadas.<br />
Figura 2: Porcentagem de perda de massa da couve<br />
minimamente processada e armazenada sob<br />
temperatura de 10° C em embalagens PET e PVC.<br />
Observa-se nas embalagens PET uma<br />
menor perda de massa do que nas embalagens<br />
de isopor cobertas com filme de PVC, como ilustrado<br />
na Figura 2. No entanto, estudos mostram<br />
que as embalagens PET demosntram um ambiente<br />
muito propício ao ressecamento da hortaliça,<br />
sendo não recomendável para a comercialização<br />
pelo seu curto período de aceitação sensorial<br />
(CARNELOSSI et al. 2002).<br />
Segundo Sarantópoulos et al. (2003) e<br />
Puschmann et al. (2003) a couve é uma hortaliça<br />
com alta taxa de respiração, cerca de 280ml CO2/<br />
kg/hora a 25º C, o que pede uma embalagem<br />
que permita uma circulação de gases, no entanto<br />
esta embalagem deve fornecer proteção ao<br />
alimento e diminuir ao máximo a perda de água.<br />
Puschmann et al. (2003) também afirma<br />
que para a couve a embalagem mais indicada é a<br />
poliolefina multicamadas e que 10 ºC diminui em<br />
até 50% o tempo de prateleira do produto, provavelmente<br />
por aumentar em até 30% a taxa de respiração<br />
comparada com uma armazenagem a 5° C<br />
(TELES, 2001), favorece crescimento microbiano,<br />
perda de vitamina C e progressão da senescência<br />
em comparação a couve armazenada a 5º C.<br />
Sarantópoulos et al.(2003) recomenda<br />
testar embalagens distintas das usadas no seu<br />
estudo, que são Filme de policloreto de vinila<br />
(PVC) esticável envolvendo bandejas de poliestireno<br />
expandido, saco plástico termossoldado<br />
de filme poliolefínico coextrusado e saco plástico<br />
termossoldado, microperfurado a laser, já que<br />
todas as amostras, a uma temperatura de 5° C,<br />
preservam as folhas de couve por 8 dias apenas.<br />
Já em estudo de Carnelossi et al. (2002), a estabilidade<br />
em relação ao componentes vitamina<br />
C, sólidos solúveis, carotenóides e clorofila em<br />
armazenamento sob temperatura de 5° C e em<br />
embalagem de poliolefina multicamadas é uma<br />
boa opção para o armazenamento até 10 dias.<br />
4 CONCLUSÃO<br />
O processamento mínimo da couve armazenada<br />
em embalagens PET e PVC possibilitou<br />
a troca de gases da hortaliça em questão, de<br />
formas diferentes das citadas na literatura. Portanto,<br />
necessita-se de estudos com outras embalagens<br />
com componentes diferentes capazes<br />
de possibilitar a respiração das folhas de couve<br />
e ao mesmo tempo protegê-las da desidratação.<br />
REFERÊNCIAS<br />
ARAÚJO, W. M. C. et al. Alquimia dos alimentos.<br />
Universidade de Brasília, Brasília: SENAC, 2008.<br />
BASTOS, M. S. R. Ferramentas da ciência e tecnologia<br />
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Embrapa, 2008.<br />
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de couve minimamente processadas. Revista<br />
Brasileira de Produtos Agroindustriais. v.4. n.2.<br />
Campina Grande: Asociación Latinoamericana e<br />
del Caribe de Ingeniería Agrícola (ALIA), 2002.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 103-106, jun. 2011<br />
105
PUSCHMANN, N. F. F. S. et al. Tecnologia de processamento<br />
mínimo de couve. 2003. In: SEMI-<br />
NÁRIO INTERNACIONAL DE PÓS-COLHEITA E PRO-<br />
CESSAMENTO MÍNIMO DE FRUTAS E HORTALIÇAS.<br />
[1.], 2002, Brasília – DF. Anais... Brasíla – DF: EM-<br />
BRAPA, 2002.<br />
SARANTÓPOULOS, C. I. G. L. et al. Efeitos da embalagem<br />
e da temperatura de estocagem na qualidade<br />
couve minimamente processada. Brazilian<br />
Journal of Food Technology. v. 6. n. z. 2003.<br />
SPOTO, M. H. F.; MIGUEL, A. C. A. Processamento<br />
mínimo e congelamento. In: OETTERER, M.; RE-<br />
GITANO-D’ARCE, M. A. B.; SPOTO, M. H. F. Fundamentos<br />
de ciência e tecnologia de alimentos.<br />
Barueri: Manole, 2006.<br />
TELES, C.S. Avaliação física, química e sensorial de<br />
couve (Brassica olereacea var. acephala) minimamente<br />
processada, armazenada sob atmosfera modificada.<br />
108 f. Tese (Mestrado em Fisiologia Vegetal)<br />
- Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2001.<br />
106<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 103-106, jun. 2011
ANÁLISE SENSORIAL:<br />
REVISÃO DE LITERATURA 1 Tarciana Silva de França *<br />
RESUMO<br />
Análise Sensorial é uma ciência destinada a avaliar a aceitação de produtos no mercado, pesquisando<br />
os gostos e preferências de consumidores. Objetivo: Realizar uma revisão bibliográfica<br />
sobre análise sensorial, bem como exemplificar seus métodos e mostrar suas utilidades<br />
dentro da tecnologia de alimentos. Método: Este estudo foi realizado através da pesquisa de<br />
dados bibliográficos da Biblioteca Central da Universidade da Amazônia (UNAMA), dados do<br />
Scielo, Google acadêmico e livros do acervo pessoal. Conclusão: Através da aplicabilidade<br />
destes métodos pode-se avaliar critérios como consistência, sabor, aroma, textura, e aparência<br />
dos produtos alimentícios, e com os resultados identificar a aceitação e preferência acerca<br />
dos produtos submetidos à análise.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Análise sensorial. Alimento. Aceitabilidade.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
A análise sensorial é realizada em função<br />
das respostas transmitidas pelos indivíduos<br />
às diversas sensações que se originam de reações<br />
fisiológicas e são resultantes de alguns estímulos,<br />
gerando a interpretação das propriedades<br />
intrínsecas aos produtos. Para isto é necessário<br />
que haja entre as partes, indivíduos e produtos,<br />
contato e interação (LUTZ, 2008). Tal ciência<br />
é utilizada para avaliar a aceitação do produto<br />
no mercado, pesquisando os gostos e preferências<br />
de consumidores (ARAÚJO et al., 2007).<br />
A avaliação sensorial intervém nas diferentes<br />
etapas do ciclo de desenvolvimento de<br />
produtos; como na seleção e caracterização de<br />
matérias primas, na seleção do processo de elaboração,<br />
no estabelecimento das especificações<br />
das variáveis das diferentes etapas do processo,<br />
na otimização da formulação, na seleção dos<br />
sistemas de envase e das condições de armazenamento<br />
e no estudo de vida útil do produto<br />
final (PENNA, 1999).<br />
*<br />
Acadêmica do curso de Nutrição do 6º semestre da<br />
Universidade da Amazônia (UNAMA); bolsista do Projeto de<br />
Iniciação Científica.<br />
1<br />
Artigo elaborado sob orientação da profa. Ana Carla Alves<br />
Pelais, doutoranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos;<br />
docente do curso de Nutrição da Universidade da Amazônia<br />
- UNAMA. anapelais@gmail.com.<br />
107<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 107-116, jun. 2011
Um alimento além de seu valor nutritivo<br />
deve produzir satisfação e ser agradável ao consumidor,<br />
isto é resultante do equilíbrio de diferentes<br />
parâmetros de qualidade sensorial. Em um<br />
desenvolvimento de um novo produto é imprescindível<br />
otimizar parâmetros, como forma, cor,<br />
aparência, odor, sabor, textura, consistência e a<br />
interação dos diferentes componentes, com a finalidade<br />
de alcançar um equilíbrio integral que<br />
se traduza em uma qualidade excelente e que<br />
seja de boa aceitabilidade (PENNA, 1999).<br />
A Análise Sensorial é uma ferramenta<br />
moderna utilizada para o desenvolvimento de<br />
novos produtos, reformulação dos produtos já<br />
estabelecidos no mercado, estudo de vida de<br />
prateleira (shelf life), determinação das diferenças<br />
e similaridades apresentadas entre produtos<br />
concorrentes, identificação das preferências<br />
dos consumidores por um determinado produto<br />
e, finalmente, para a otimização e melhoria<br />
da qualidade (SGS DO BRASIL, 2010).<br />
2 OBJETIVO<br />
O presente trabalho tem como objetivo<br />
realizar uma revisão bibliográfica sobre análise<br />
sensorial, bem como exemplificar seus métodos<br />
e mostrar suas utilidades dentro da tecnologia<br />
de alimentos.<br />
3 METODOLOGIA<br />
Este estudo foi realizado através da pesquisa<br />
de dados bibliográficos da Biblioteca Central<br />
da Universidade da Amazônia (UNAMA), dados do<br />
Scielo, Google acadêmico e livros do acervo pessoal<br />
no período de fevereiro a março de 2011.<br />
4 REFERENCIAL TEÓRICO<br />
4.1 HISTÓRICO<br />
A análise sensorial de alimentos foi aplicada<br />
pela primeira vez na Europa para controlar<br />
a qualidade de cervejarias e destilarias. Sua aplicação<br />
também foi presenciada na Segunda Guerra<br />
Mundial devido à necessidade de se produzir<br />
alimentos de qualidade e que não fossem rejeitados<br />
pelos soldados do exército devido à realização<br />
de ent<strong>revista</strong> com os mesmos, e permitiram<br />
concluir que a rejeição era devido à deterioração<br />
dos alimentos servidos e após a observação,<br />
permitiram concluir que a rejeição havia<br />
ocorrido em função de uma deterioração, em<br />
maior ou menor grau, de algumas ou de todas as<br />
características ou atributos perceptíveis do alimento<br />
(CHAVES, 1998; BÔAS; ANDRADE, 2008).<br />
Assim, foi possível levantar hipóteses<br />
para determinar as possíveis causas que produziram<br />
essa deterioração, observando-se todas as<br />
fases da cadeia alimentar: a qualidade da matéria<br />
prima, o processo de produção, distribuição,<br />
armazenamento e elaboração do alimento. A<br />
disciplina que permite investigar essas causas é<br />
a Análise Sensorial, que inicialmente se baseava<br />
na avaliação subjetiva das observações relacionadas<br />
à aparência, odor, textura/consistência e<br />
sabor do alimento. Com o avanço tecnológico,<br />
houve um desenvolvimento de técnicas e métodos<br />
sensoriais, para acompanhar o processo de<br />
produção e distribuição dos alimentos, e assim,<br />
foi possível realizá-la de forma científica. A partir<br />
desta necessidade surgiram então os métodos de<br />
aplicação da degustação, estabelecendo a análise<br />
sensorial como base científica (CHAVES, 1998).<br />
No Brasil a prática chegou em 1954 no laboratório<br />
de degustação da seção de Tecnologia do<br />
Instituto Agronômico de Campinas (SP), para avaliar<br />
o café (VIANA, 2005). Os primeiros registros da<br />
análise sensorial sendo empregada com a finalidade<br />
de controle de qualidade em indústrias de<br />
alimentos datam da década de 40, mas somente<br />
em 1980, esta área começou a ter maior ênfase,<br />
quando o Institute of Food Technologists (IFT) organizou<br />
seminários sobre o tema (VIANA, 2005).<br />
Atualmente, análise sensorial é bastante<br />
utilizada no setor de alimentos com o intuito de<br />
avaliar a aceitabilidade mercadológica e a quali-<br />
108<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 107-115, jun. 2011
dade do produto, sendo parte inerente ao plano<br />
de controle de qualidade de uma indústria. É por<br />
meio dos órgãos dos sentidos que se procedem<br />
tal avaliação, e, como são executadas por pessoas,<br />
é importante um criterioso preparo das amostras<br />
testadas e adequada aplicação do teste para<br />
se evitar influência de fatores psicológicos, como,<br />
por exemplo, cores que podem remeter a conceitos<br />
pré-formados (VIANA, 2005).<br />
4.2 ANÁLISE SENSORIAL<br />
A NBR 12806 define análise sensorial<br />
como uma disciplina científica usada para evocar,<br />
medir, analisar e interpretar reações das características<br />
dos alimentos e materiais como são<br />
percebidas pelos sentidos da visão, olfato, gosto,<br />
tato e audição (ABNT, 1993a).<br />
As percepções sensoriais dos alimentos<br />
são interações complexas que envolvem estes<br />
cinco sentidos. No caso o sabor, é usualmente<br />
definido como impressões sensoriais que ocorrem<br />
na cavidade bucal, como resultado do odor<br />
e vários efeitos sensoriais, tais como frio, queimado,<br />
adstringência e outros (GEISE, 1995). Assim,<br />
a avaliação sensorial detecta diferenças<br />
entre os produtos baseado nas diferenças perceptíveis<br />
na intensidade de desses atributos<br />
(FERREIRA et al., 2000).<br />
Considerando, ainda, o binômio alimentoqualidade,<br />
a avaliação sensorial tem um papel fundamental,<br />
uma vez que é utilizada como instrumento<br />
chave na seleção de produtos, na pesquisa<br />
e desenvolvimento de novos produtos, na definição<br />
do padrão de identidade e qualidade do alimento<br />
e, na avaliação da aceitação pelo consumidor<br />
(FERREIRA et al., 2000; BÔAS; ANDRADE, 2008).<br />
A análise sensorial normalmente é realizada<br />
por uma equipe montada para analisar as<br />
características organolépticas de um produto<br />
para um determinado fim, como por exemplo,<br />
avaliar a aceitabilidade mercadológica e a qualidade<br />
do produto, sendo parte inerente ao plano<br />
de controle de qualidade de uma indústria, através<br />
da seleção da matéria prima a ser utilizada<br />
em um novo produto, o efeito de processamento,<br />
a qualidade da textura, o sabor, a estabilidade<br />
de armazenamento, a reação do consumidor,<br />
entre outros (VIANA, 2005).<br />
A qualidade de um alimento está diretamente<br />
relacionada com a sensação que desperta,<br />
podendo ser prazerosa ou não, sendo percebida<br />
por meio de sinais elétricos que são enviados<br />
ao cérebro pelo sistema nervoso, através de<br />
neurônios. No momento em que o indivíduo<br />
entra em contato com o alimento, este estará<br />
recebendo estímulos em seus sentidos, no qual<br />
são decorrentes de características inatas deste<br />
alimento, e nesse primeiro momento é denominado<br />
de sensação. A partir do momento em<br />
que o indivíduo filtra, interpreta e reconstrói as<br />
informações recebidas pelos sentidos, ocorre à<br />
percepção (ARAÚJO et al., 2007).<br />
No entanto, no momento de oferta de<br />
preparações alimentícias a indivíduos ou a grupos<br />
é importante atender às expectativas relacionadas<br />
a todos os sentidos. As informações<br />
captadas pelo indivíduo se somam a por isso,<br />
individualizar cada característica no planejamento<br />
de receitas é de fundamental importância<br />
para que o resultado final seja bem aceito (ARA-<br />
ÚJO et al., 2007).<br />
4.2.1 Órgãos dos Sentidos<br />
a) Olhos<br />
A visão normalmente é responsável pelo<br />
primeiro contato com o alimento, selecionando<br />
os alimentos que serão ou não ingeridos posteriormente.<br />
Através da visão, pode-se definir os aspectos<br />
físicos de um alimento, tais como: tamanho,<br />
forma, cor, textura, entre outros. As sensações<br />
despertadas no organismo, através dos sentidos,<br />
podem interferir em uma avaliação positiva<br />
ou negativa pelo indivíduo. Sendo assim, produtos<br />
visualizados antes do preparo podem atuar<br />
como um fator de intervenção na avaliação sensorial<br />
de alimentos (ARAÚJO et al., 2007).<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 107-115, jun. 2011<br />
109
No olho humano, ocorre um fenômeno<br />
complexo se um sinal luminoso incide sobre a<br />
capa fotossensível, a retina, provocando impulsos<br />
elétricos que, conduzidos pelo nervo óptico<br />
ao cérebro, geram a sensação visual que é, então,<br />
percebida e interpretada. O olho, como órgão fotorreceptor,<br />
percebe a luz, o brilho, as cores, as<br />
formas, os movimentos e o espaço (LUTZ, 2008).<br />
Além disso, a aparência é outro fator de<br />
extrema importância na aceitação dos alimentos.<br />
Com o intuito de atender as expectativas<br />
que despertem no indivíduo o estímulo para ingerir<br />
a refeição fornecida, recomenda-se a combinação<br />
de cores, adequando à montagem da<br />
preparação. Alguns outros aspectos podem interferir<br />
no julgamento pela visão: fadiga ocular,<br />
iluminação não uniforme, a cor do ambiente,<br />
dentre outros (ARAÚJO et al., 2007).<br />
b) Nariz<br />
O olfato é um sentido que respondem<br />
milhares de receptores nervosos e estímulos de<br />
energia química, que vai permitir a identificação<br />
de aroma e odor dos produtos. O odor é a<br />
propriedade sensorial perceptível pelo órgão<br />
olfativo quando certas substâncias voláteis são<br />
espiradas. O aroma tendo também a propriedade<br />
sensorial perceptível pelo órgão olfativo,<br />
durante a degustação (ARAÚJO et al., 2007).<br />
A mucosa do nariz humano possui milhares<br />
de receptores nervosos e o bulbo olfativo está<br />
ligado no cérebro a um “banco de dados” capaz<br />
de armazenar, em nível psíquico, os odores sentidos<br />
pelo indivíduo durante toda a vida. Na percepção<br />
do odor, as substâncias desprendidas e<br />
aspiradas são solubilizadas pela secreção aquosa<br />
que recobre as terminações ciliadas, entrando em<br />
contato com os receptores nervosos e produzindo<br />
impulsos elétricos Estes, quando chegam ao<br />
cérebro, geram informações que, comparadas aos<br />
padrões conhecidos por ele se encaixam como<br />
num sistema de “chave-fechadura” (LUTZ, 2008).<br />
A sensibilidade varia com o indivíduo e<br />
diminui com a idade. A não percepção de um<br />
certo odor é referida como anosmia específica.<br />
A total anosmia é possível. A interpretação mental<br />
de um odor pode ser ilusória e efeitos variáveis<br />
são possíveis, quando, por exemplo, o â-<br />
feniletanol pode dar cheiro de rosa ou cheiro de<br />
poeira (DUTCOSKY, 2007).<br />
c) Língua<br />
O paladar é um sentido químico fundamental<br />
no que diz respeito à análise dos alimentos.<br />
A percepção de sabores nos alimentos é<br />
estimulada através do receptor sensorial do paladar,<br />
denominado papila, composta por células<br />
gustativas, onde transmite-se estímulos ao sistema<br />
nervoso central e que por sua vez, aciona<br />
as secreções salivares, gástricas, pancreáticas e<br />
intestinais, caracterizando o início do processo<br />
digestivo (DUTCOSKY, 2007).<br />
Na boca, a língua é o maior órgão sensório<br />
e está recoberta por uma membrana cuja<br />
superfície contém as papilas, onde se localizam<br />
as células gustativas ou botões gustativos<br />
e os corpúsculos de Krause, com as sensações<br />
táteis. O mecanismo de transmissão<br />
da sensação gustativa se ativa quando estimulado<br />
por substâncias químicas solúveis que<br />
se difundem pelos poros e alcançam as células<br />
receptoras que estão conectadas, de forma<br />
única ou conjuntamente com outras, a<br />
uma fibra nervosa que transmite a sensação<br />
ao cérebro (LUTZ, 2008).<br />
As sensações gustativas identificadas na<br />
língua são o doce, salgado, amargo, azedo e atualmente,<br />
o umami observados na figura 1. O sabor<br />
percebido nos diferentes tipos de gostos é<br />
determinado normalmente através do estado de<br />
nutrição momentâneo do organismo, que influencia<br />
principalmente na qualidade da dieta do<br />
indivíduo (DUTCOSKY, 2007).<br />
Sabor doce: Está intimamente relacionado<br />
com alimentos que contém em sua composição<br />
álcool, açúcares e derivados. Normalmente<br />
possuem o gosto agradável e são percebidos<br />
principalmente na ponta da língua<br />
110<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 107-115, jun. 2011
Sabor salgado: Ocasionado devido à presença<br />
de sais de sódio. São identificados principalmente<br />
na parte lateral da língua.<br />
Sabor amargo: Normalmente é considerado<br />
um gosto desagradável, geralmente alimentos<br />
com esse sabor são rejeitados. Está relacionado<br />
com as substâncias do sabor salgado. Seu<br />
sabor é percebido principalmente na base da língua.<br />
Exemplo disso, são a cafeína e a nicotina.<br />
Sabor azedo: Caracterizado pela presença<br />
de ácidos contidos no alimento. Podem ser refletidos<br />
principalmente na parte lateral da língua.<br />
Sabor umami: Identificado em substâncias<br />
realçadoras dos demais gostos citados anteriormente.<br />
São percebidas quando há ingestão<br />
de partículas de glutamato, inosinato, sais de<br />
cálcio, sais de ferro. O que garante um sabor agradável<br />
a alguns alimentos, associando um sabor<br />
alcalino ou metálico a uma mistura de solução<br />
de sal e açúcar (DUTCOSKY, 2007).<br />
d) Mãos<br />
O tato permite a percepção através da<br />
sensibilidade cutânea, os receptores do tato (impulsos<br />
nervosos) estão distribuídos no interior<br />
da boca, lábios e nas mãos. Através deste sentido<br />
químico, pode-se avaliar sensações táteis,<br />
textura, temperatura dos alimentos e entre outras<br />
sensações (DUTCOSKY, 2007).<br />
É o reconhecimento da forma e estado<br />
dos corpos por meio do contato direto com a pele.<br />
Ao tocar o alimento com as mãos ou com a boca, o<br />
indivíduo facilmente avalia sua textura, mais do<br />
que quando utiliza a visão e a audição (LUTZ, 2008).<br />
e) Ouvidos<br />
A audição auxilia na percepção da textura<br />
e consistência de alimentos e bebidas. Os aspectos<br />
percebidos pelo tato e audição, simultaneamente,<br />
referem-se à gaseificação, à gomosidade,<br />
à crocância e outros atributos da textura<br />
(DUTCOSKY, 2007).<br />
Para avaliar a capacidade de discriminação<br />
de indivíduos, algumas características peculiares<br />
dos produtos podem ser empregadas utilizando<br />
simultaneamente os sentidos da audição e tato,<br />
como por exemplo: a dureza do pé-de-moleque, a<br />
crocância do biscoito ou da batata frita, a mordida<br />
da maçã ou da azeitona e o grau de efervescência<br />
da bebida carbonatada, cujos sons ou ruídos são<br />
reconhecidos pela quebra e mordida entre os dentes<br />
e o borbulhar do alimento (LUTZ, 2008).<br />
Os sons provenientes da mastigação e<br />
deglutição caracterizam os alimentos. Sendo assim,<br />
a experiência sensorial anteriormente vivenciada<br />
por um indivíduo, permite que ele seja<br />
estimulado quanto aos alimentos que irá consumir<br />
posteriormente. Os sons emitidos através<br />
das mordidas ou mastigação completam a percepção<br />
da textura e fazem parte da satisfação de<br />
comer (DUTCOSKY, 2007).<br />
4.3 MÉTODOS DA ANÁLISE SENSORIAL<br />
Até o século XIX a produção de alimentos<br />
com adequada qualidade sensorial dependia da<br />
acuidade sensorial de experts que estavam no<br />
comando da produção ou tomavam decisões acerca<br />
das alterações no processo, com o intuito de<br />
garantir características desejáveis ao produto.<br />
Atualmente a análise sensorial acredita uma maior<br />
confiabilidade ao julgamento de uma equipe de<br />
pessoas, para que haja diminuição de riscos advindos<br />
da dependência de um expert, o que pode<br />
não refletir o que os consumidores esperam do<br />
produto, podendo comprometer o processo de<br />
produção (ARAÚJO et al., 2007).<br />
Segundo Dutcosky (2007), a escolha de<br />
um método de análise sensorial, pode ser classificada<br />
a partir da resposta de uma das seguintes<br />
questões:<br />
O produto é aceito pelos consumidores?<br />
Existe diferença perceptível entre o produto<br />
em estudo e algum produto convencional<br />
similar? (Dois produtos podem ser diferentes,<br />
mas igualmente aceitos); Quais os principais pontos<br />
de diferença? (Que qualidades sensoriais estão<br />
presentes? Quais as suas intensidades?).<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 107-115, jun. 2011<br />
111
4.3.1 Testes utilizados em análise sensorial<br />
a) Testes Discriminativos<br />
Os métodos discriminativos estabelecem<br />
diferenciação qualitativa e/ou quantitativa entre<br />
as amostras e incluem os testes de diferença<br />
e os testes de sensibilidade (ABNT, 1993b). São<br />
testes em que não se requer conhecer a sensação<br />
subjetiva que produz um alimento a uma<br />
pessoa, mas apenas se deseja estabelecer se<br />
existe diferença ou não entre duas ou mais<br />
amostras e, em alguns casos, a magnitude ou<br />
importância dessa diferença (ANZALDÚA-MORA-<br />
LES, 1994).<br />
São testes muito usados para seleção e<br />
monitoramento de equipe de julgadores, para<br />
determinar se existe diferença devido à substituição<br />
de matéria-prima, alterações de processo<br />
devido à embalagem ou ao tempo de armazenamento<br />
(FERREIRA et al., 2000).<br />
Os Testes realizados como discriminativo<br />
são descritos por Baddini (2010):<br />
- Teste Duo-Trio: determina se existe diferença<br />
entre uma amostra e um padrão.<br />
- Comparação Pareada: determina se existe diferença<br />
entre duas amostras com relação a um<br />
atributo sensorial.<br />
b) Teste Sensorial Afetivo<br />
Os testes afetivos são usados para<br />
avaliar a preferência e/ou aceitação de produtos.<br />
Geralmente um grande número de julgadores<br />
é requerido para essas avaliações. Os<br />
julgadores não são treinados, mas são selecionados<br />
para representar uma população<br />
alvo (IFT, 1981).<br />
Os testes afetivos são uma importante<br />
ferramenta, pois acessam diretamente a opinião<br />
do consumidor já estabelecido ou potencial de<br />
um produto, sobre características específicas do<br />
produto ou idéias sobre o mesmo, por isso são<br />
também chamados de testes de consumidor<br />
(FERREIRA et al., 2000).<br />
A escala hedônica afetiva mede o gostar<br />
ou desgostar de um alimento. A avaliação da<br />
escala hedônica é convertida em escores numéricos<br />
e analisados estatisticamente para determinar<br />
a diferença no grau de preferência entre<br />
amostras (IFT, 1981; LAND e SHEPHERD, 1988;<br />
ABNT, 1998) como observado nas figuras 1, 2 e 3.<br />
Figura 1: Modelo de escala hedônica facial de 1 a 5<br />
pontos utilizada para testes de análise sensorial.<br />
Fonte: FNDE, 2006.<br />
Figura 2: Modelo de escala hedônica (estruturada<br />
verbal, numérica, bipolar, nove pontos).<br />
- Teste Triangular: verifica se existe diferença<br />
entre duas amostras que sofreram processos<br />
diferentes.<br />
- Teste de Comparação Múltipla: verifica e estima<br />
o grau de diferença entre várias amostras<br />
e outra padrão.<br />
Fonte: ABNT, NBR 14141, 1998.<br />
O teste de ordenação é um teste no qual<br />
uma série de três ou mais amostras são apresentadas<br />
simultaneamente. Ao provador é solicitado<br />
que ordene as amostras de acordo com a intensidade<br />
ou grau de atributo específico (ABNT,1994).<br />
112<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 107-115, jun. 2011
Figura 3: Modelo de ficha para teste de ordenação<br />
dada ao provador.<br />
Amostra: Julgador: Data:<br />
Você está recebendo quatro amostras codificadas. Avalie cada<br />
uma, colocando-as em ordem crescente da intensidade do<br />
atributo específico.<br />
Comentários:<br />
primeira segunda terceira quarta<br />
Fonte: ABNT, NBR 13170 / 1994<br />
c) Teste Sensorial Descritivo<br />
Os métodos descritivos podem ser testes<br />
de avaliação de atributos (por meio de escalas),<br />
perfil de sabor, perfil de textura, análise<br />
descritiva quantitativa - ADQ e teste de tempointensidade<br />
(ABNT, 1993b).<br />
Nos testes descritivos procura-se definir<br />
as propriedades do alimento e medi-la da maneira<br />
mais objetiva possível. Aqui não são importantes<br />
as preferências ou aversões dos julgadores,<br />
e não é tão importante saber se as diferenças<br />
entre as amostras são detectadas, e sim<br />
qual é a magnitude ou intensidade dos atributos<br />
do alimento (ANZALDÚA-MORALES, 1994).<br />
Na avaliação de atributos dos produtos alimentícios<br />
utilizam-se escalas, que determinam a<br />
grandeza (intensidade da sensação) e a direção das<br />
diferenças entre as amostras, e através das escalas<br />
é possível saber o quanto as amostras diferem entre<br />
si e qual a amostra que apresenta maior intensidade<br />
do atributo sensorial que está sendo medido.<br />
O perfil de características é um teste que avalia a<br />
aparência, cor, odor, sabor e textura de um produto<br />
comercializado ou em desenvolvimento. É amplamente<br />
recomendado em desenvolvimento de novos<br />
produtos, para estabelecer a natureza das diferenças<br />
entre amostras ou produtos, em controle da<br />
qualidade (TEIXEIRA, MEINERT e BARBETTA, 1987).<br />
4.3.2 Condições para realização dos testes<br />
De acordo com Dutcosky (2007), os testes<br />
devem ser realizados em locais tranquilos, onde<br />
o provador fique inteiramente envolvido a degustação.<br />
O local a ser realizado deve ser longe<br />
de odores, de barulho, e de fácil acesso. Para uma<br />
melhor percepção dos provadores os mesmos<br />
devem ser separados em cabines individuais, prevenindo<br />
assim a interação entre os julgadores.<br />
As cabines sensoriais devem seguir dimensões<br />
adequadas ao conforto e individualidade<br />
do julgador, recomenda-se a área das cabines<br />
90 cm de largura e 90 cm de profundidade<br />
(dividindo-se 60 cm para a mesa interna e com<br />
mais 30 cm de vão de entrada) e altura da mesa<br />
de 75 cm (DUTCOSKY, 2007).<br />
A iluminação deve ser com luz natural ou<br />
fluorescente natural, porém deve-se ter o recurso<br />
adicional de lâmpadas coloridas para mascarar<br />
a cor de certas amostras ou homogeneizá-las. A<br />
temperatura no local da análise deve estar em<br />
torno de 22 ºC, com umidade relativa do ar entre<br />
50 e 55%. As paredes devem ser brancas ou de<br />
cores neutras, e a área de preparo das amostras<br />
não deve ser visível aos juízes (VIANA, 2005).<br />
4.4 PROCEDIMENTOS PARA OS TESTES SENSORIAIS<br />
Para a execução dos testes deve ser necessário<br />
respeitar as recomendações estabelecidas<br />
do horário sendo por tanto duas horas antes<br />
ou depois das refeições. Deve ser oferecido<br />
água, pão ou biscoito água e sal para fazer o branco<br />
entre as amostras, e sempre orientar os provadores<br />
à provar as amostras dadas da esquerda<br />
para a direita (DUTCOSKY, 2007). Segundo Bôas e<br />
Andrade (2008), o horário ideal seria no período<br />
matinal entre às 09:00 e 11:00 pois os degustadores<br />
estarão mais disponíveis e atentos.<br />
O laboratório de análise sensorial deve<br />
conter: cabine individual, para aplicação dos testes,<br />
deve ser limpa, livre de ruídos e odores e<br />
apresentar área com boa ventilação e iluminação<br />
uniforme (FERREIRA et al., 2000).<br />
A amostra servida deve ser precisamente<br />
controlada com o mínimo de manuseio do produto<br />
e rapidez no preparo. Quanto à quantidade<br />
e temperatura da amostra deve ser definida e<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 107-115, jun. 2011<br />
113
padronizada de acordo com o teste a ser empregado.<br />
Com tudo, o conhecimento do que se pretende<br />
analisar é de extrema importância para<br />
que o degustador não julgue o produto com interpretações<br />
pessoais, mas o avalie o mais objetivamente<br />
possível (DUTCOSKY, 2007).<br />
Deve-se usar recipientes limpos, sem<br />
odores e sabores. Para líquidos usa-se aço inox,<br />
vidrarias (mais indicado), e alguns plásticos.<br />
Aconselha-se usar cerâmica para bebidas quentes<br />
e vidro para bebidas frias. Para sólidos e<br />
semi-sólidos pratos ou pires de papel. Os talheres<br />
devem ser de aço inox (DUTCOSKY, 2007).<br />
Quanto aos critérios dos provadores, cada<br />
degustador, no uso dos seus sentidos, é a ferramenta<br />
analítica na avaliação sensorial. Portanto,<br />
ele deve apresentar: adequada sensibilidade,<br />
senso crítico, concentração, habilidade de<br />
descrever suas percepções sensoriais utilizando<br />
uma terminologia adequada, memória sensorial,<br />
pois são características que influenciam<br />
diretamente a avaliação e/ou o julgamento do<br />
produto e, em dimensão maior do que outros<br />
fatores como ambiente de trabalho, tempo,<br />
equipamento etc (BÔAS; ANDRADE, 2008).<br />
É importante observar nos membros da<br />
equipe, também, o grau de interesse, disponibilidade,<br />
objetividade, curiosidade intelectual<br />
e estabilidade. Os provadores devem ter, ainda,<br />
apetite normal e boa saúde, sendo dispensados<br />
quando gripados, por exemplo; preferencialmente,<br />
não devem apresentar aparelhos ortodônticos<br />
e próteses dentárias; fumantes e não<br />
fumantes são pessoas igualmente úteis para<br />
compor a equipe, porém é aconselhável não fumar,<br />
não mascar chiclete e não tomar café, uma<br />
hora antes do teste (BÔAS; ANDRADE, 2008).<br />
As fichas devem ser atrativas e simples e<br />
formuladas de acordo com as característica de<br />
quem vai preenchê-las. Deixar espaço em branco<br />
para data e nome (BÔAS; ANDRADE, 2008).<br />
Quanto às codificações nas amostras, devem ser<br />
feitas de maneira que os provadores não possam<br />
distinguir as amostras ou pelos vícios dos<br />
códigos. Um código feito com três dígitos ao acaso<br />
pode ser apresentado para cada amostra, de<br />
modo que cada provador receba amostras codificadas<br />
diferentemente.<br />
5 CONCLUSÃO<br />
Após verificar o histórico, as aplicações e<br />
os métodos que podem ser utilizados para realizar<br />
a análise sensorial de um determinado produto,<br />
concluí-se que a realização das análises é<br />
de extrema importância. Pois, através da aplicabilidade<br />
destes métodos poderemos avaliar critérios<br />
como consistência, sabor, aroma, textura,<br />
e aparência dos produtos alimentícios, e com os<br />
resultados identificar a aceitação e preferência<br />
acerca dos produtos submetidos à análise.<br />
A realização de análise sensorial é fundamental<br />
para garantir a inserção de novos produtos<br />
no mercado alimentício. Sendo assim o<br />
emprego deste procedimento auxilia as grandes<br />
indústrias alimentícias a identificar o grau de<br />
aceitabilidade dos consumidores em relação ao<br />
produto que poderá ser lançado no mercado.<br />
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1998.<br />
114<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 107-115, jun. 2011
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Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 107-115, jun. 2011<br />
115
116
REALIDADE, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DOS<br />
DIREITOS HUMANOS NA REGIÃO AMAZÔNICA:<br />
UMA REFLEXÃO SOBRE OS NOVOS ATORES<br />
INTERNACIONAIS FRENTE À COOPERAÇÃO 1<br />
Tienay Picanço da Costa Silva *<br />
RESUMO<br />
A árdua garantia dos Direitos Humanos desafia o Sistema Internacional, enquanto o contexto<br />
multilateral e interdependente das relações internacionais impõe e comprova o fato de que,<br />
cada vez mais, o alcance aos fins comuns dos Estados não dependem tão somente do uso da<br />
força e aplicação do poder, mas também da cooperação. O presente artigo sugere uma reflexão<br />
acerca da garantia dos Direitos Humanos propiciada por novos atores internacionais, assumindo<br />
a Cooperação Internacional como estratégia de desenvolvimento social, potencialmente capaz<br />
de superar a realidade e os desafios da Região Amazônica, traçando perspectivas humanitárias<br />
no âmbito local.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos. Cooperação Internacional. Novos Atores. Região Amazônica.<br />
Relações Internacionais.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
O caráter universalista dos Direitos Humanos<br />
reconhece que as necessidades básicas<br />
referentes à manutenção da dignidade humana<br />
são inerentes a todo e qualquer indivíduo, e, por<br />
conseguinte, converte os problemas humanitários<br />
ao âmbito global. Esta concepção, difundida<br />
ainda em 1948, ano de declaração da carta dos<br />
Direitos Humanos, trazia consigo, desde o início,<br />
o ideal de fraternidade entre estados e indivíduos,<br />
situada sob a instituição da Organização<br />
das Nações Unidas e promovendo significante<br />
iniciativa de cooperação internacional.<br />
É pertinente ressaltar que, após mais de<br />
seis décadas da declaração dos Direitos Humanos<br />
e da Carta de São Francisco, os parâmetros<br />
referentes ao direito das gentes e à cooperação<br />
internacional sofreram alterações naturais. O<br />
século XX expôs novos desafios à comunidade<br />
*<br />
Acadêmica do 5º Semestre do curso Relações Internacionais<br />
e bolsista do Programa de Iniciação Científica da<br />
Universidade da Amazônia – UNAMA, com o projeto “O UNICEF<br />
e a promoção dos Direitos Humanos da Infância e<br />
Adolescência na Região Metropolitana de Belém”. Contato:<br />
tienay.costa@gmail.com<br />
1<br />
Artigo elaborado sob orientação do prof. Mário Tito Almeida,<br />
mestre em Economia; assessor de Relações Internacionais<br />
da Universidade da Amazônia - UNAMA. Orientador de<br />
Iniciação Científica. Contato: mario.tito@unama.br<br />
117<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 117-126, jun. 2011
global, sobretudo, de cunho político e social,<br />
gerando novas problemáticas humanitárias e<br />
tornando a manutenção dos Direitos Humanos e<br />
o Sistema Internacional ainda mais complexos.<br />
Tal complexidade tem resultado na urgente necessidade<br />
de desenvolver esforços coletivos<br />
mais enfáticos em prol da superação de desafios<br />
acerca da cooperação, tanto em nível internacional<br />
quanto regional.<br />
A partir da segunda metade do século XX,<br />
a comunidade global direcionou-se a um processo<br />
de afastamento do modelo estruturado sob a<br />
visão centro-dominante do Estado, uma vez que<br />
novos atores internacionais integram-se ao Sistema<br />
Internacional. Deste modo, empresas transnacionais,<br />
Organizações Internacionais e Organizações<br />
não Governamentais se impõem como significantes<br />
agentes, propulsores de novas relações<br />
e capazes de interferir no direcionamento das<br />
políticas globais e nacionais. A presença destes<br />
novos atores internacionais não desconsidera a<br />
autoridade e soberania dos Estados 2 , o que ocorre<br />
é uma adequação ao contexto das relações internacionais<br />
contemporâneas, a qual se situa em<br />
meio aos impulsos da globalização e a crescente<br />
dinamização das relações de interdependência.<br />
É considerando este quadro mais complexo,<br />
interdependente e dinamizado, que a Teoria<br />
Neoliberal das Relações Internacionais encontrase<br />
fundamentada, admitindo a cooperação entre<br />
os atores globais, porém, sem repercutir a visão<br />
utópica dos Idealistas. Joseph Nye e Robert Keohane,<br />
principais teóricos neoliberais, assumem<br />
que “há muitas formas de conexões entre as sociedades<br />
além das relações políticas de governo”<br />
(KEOHANE e NYE apud JACKSON e SORENSEN,<br />
2007) a ação dos novos atores internacionais é a<br />
representatividade destas conexões, as quais<br />
2<br />
Os Estados, a partir da concordância em participar de uma<br />
Organização Internacional por meio de tratados, cede parte<br />
da sua soberania à referida instituição. Para Eiiti Sato, (2003),<br />
a questão da soberania ainda é um obstáculo à cooperação,<br />
havendo relutância – em diferentes níveis – por parte dos<br />
países, em, sobretudo, admitirem outra instância<br />
internacional além do Estado.<br />
aproximam governos e sociedades civis, descentralizando<br />
as influências no Sistema Internacional,<br />
e potencializando a Cooperação em prol do<br />
enfrentamento a problemas comuns, sobretudo,<br />
os que envolvem questões humanitárias. Deste<br />
modo, a interdependência<br />
Implica reconhecer a cooperação internacional<br />
não apenas como um<br />
instrumento político das relações<br />
internacionais (barganha e disputa<br />
de poder), mas como um mecanismo<br />
jurídico de efetivação de direitos.<br />
Essa interpretação permite que seja<br />
dado um salto qualitativo nos direitos<br />
humanos (TORRONTEGUY, 2010).<br />
A relação entre interdependência e cooperação<br />
internacional é lógica; Havendo influência<br />
mútua entre as políticas dos atores internacionais,<br />
a exigência de maior potencialidade<br />
de ação conjunta se torna natural. Entretanto, a<br />
lógica da teoria constantemente não acompanha<br />
a sua aplicação prática.<br />
Os liberais, às vezes, sustentam que<br />
a interdependência significa paz e cooperação,<br />
infelizmente não é assim<br />
tão simples. As lutas pelo poder continuam<br />
até mesmo em um mundo de<br />
interdependência (NYE, 2009, p.25).<br />
Deste modo, dialéticas entre poder e<br />
dependência dominam as relações internacionais,<br />
evidenciando desigualdades sociais e interesses<br />
políticos conflitantes, os quais dificultam<br />
a execução de esforços coordenados em prol<br />
da manutenção dos Direitos Humanos; “A interdependência<br />
complexa é um experimento racional<br />
que nos permite imaginar um tipo de política<br />
mundial diferente” NYE (op.cit.), visto isso,<br />
a grande questão é buscar balancear o nível de<br />
comprometimento dos atores internacionais e<br />
locais em imaginar novas políticas, e, sobretudo,<br />
executá-las de modo eficiente.<br />
As políticas desenvolvidas com vista na<br />
garantia dos Direitos Humanos necessitam de<br />
118<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 117-126, jun. 2011
3<br />
A violação dos direitos humanos, a partir do conceito<br />
restrito de dignidade e liberdade, considera essencialmente<br />
o uso de violência explícita (crime de guerra, escravidão,<br />
abuso de poder etc.) não abrangendo os modos implícitos<br />
de violência aplicados contra o indivíduo.<br />
4<br />
A região denominada ‘Amazônia Legal’ corresponde à 61%<br />
do território Brasileiro,sendo compreendida pela totalidade<br />
dos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e de<br />
Roraima, acrescida de parte dos estados do Mato Grosso,<br />
Maranhão e Tocantins. A região alcança, aproximadamente,<br />
5.217.423 km².<br />
abordagem e implantação diferenciadas para que<br />
sejam eficazes. Isto se deve, dentre outras coisas,<br />
às questões humanitárias contemporâneas,<br />
as quais se diversificaram, do mesmo modo que<br />
as relações no Sistema Internacional, adquirindo<br />
maior grau de complexidade. A garantia dos Direitos<br />
Humanos afastou-se, gradativamente, do<br />
conceito restrito de liberdade e dignidade 3 , passando<br />
a fundamentar-se na violação de direitos<br />
do indivíduo que concirna à privação dos meios<br />
viabilizadores de seu desenvolvimento frente à<br />
sociedade, envolvendo o acesso às políticas públicas<br />
de saúde e educação, segurança, alimentação,<br />
além de direitos econômicos e culturais.<br />
Neste cenário, considerando a diversidade<br />
e indivisibilidade de direitos do indivíduo e o<br />
multilateralismo protagonizado pelos diversos<br />
atores internacionais, emerge o desafio de garantir<br />
os Direitos Humanos no século XXI e a relevância<br />
e pertinência da cooperação internacional<br />
como estratégia de desenvolvimento social.<br />
A cooperação internacional é potencialmente<br />
eficaz de promover a melhoria qualitativa<br />
das problemáticas humanitárias, não unicamente<br />
em nível global, mas igualmente em âmbito<br />
regional superando déficits políticos e históricos<br />
como os da Região Amazônica, envolta<br />
em visibilidade concomitante a um descaso.<br />
A Amazônia Legal 4 situa-se em um cenário<br />
periférico, o qual embora seja centro de discussões,<br />
sobretudo, de cunho ambiental, apresenta<br />
dados alarmantes a respeito da violação<br />
aos Direitos Humanos, demonstrando que políticas<br />
em prol da superação da realidade social<br />
ainda são deficitárias. Segundo o Relatório ‘Violação<br />
dos Direitos Humanos na Amazônia: conflito<br />
e violência na fronteira paraense’ (2005), as<br />
políticas governamentais para o Estado do Pará<br />
e Amazônia de modo geral “estiveram – e ainda<br />
estão – profundamente ligadas a obras de infraestrutura<br />
e exploração dos recursos naturais”,<br />
fato que incita a discussão acerca da ênfase governamental<br />
e internacional direcionada à Amazônia<br />
e propõe a necessidade de rever políticas<br />
e estratégias humanitárias na Região.<br />
Sobre o contexto Amazônico aqui abordado,<br />
At Silva (2004) afirma que:<br />
Um dos grandes desafios para a compreensão<br />
da Amazônica contemporânea<br />
é refletir suas vias de desenvolvimento<br />
e perspectivas no cenário<br />
das transformações tencionadas<br />
pelas demandas políticas, econômicas,<br />
sociais e ecológicas num mundo<br />
cada vez mais globalizado e interdependente.<br />
Frente a isso, o presente artigo propõe a<br />
reflexão acerca da ação de novos atores internacionais<br />
ao que concerne a cooperação internacional,<br />
utilizando se da Região Amazônica como contexto,<br />
a fim de evidenciar que as dificuldades de ação conjunta,<br />
envolvendo Estado e demais instituições,<br />
necessitam ser <strong>revista</strong>s e combatidas a partir de uma<br />
perspectiva interna, para que, posteriormente, reflitam<br />
internacionalmente de modo positivo e possam<br />
transcender limitações históricas.<br />
O exercício acadêmico em questão divide-se<br />
em três etapas complementares. A primeira<br />
consiste na apresentação da realidade amazônica<br />
no que se refere aos Direitos Humanos,<br />
seguida pela etapa a qual incide na exposição<br />
dos desafios que envolvem o alcance aos Direitos<br />
Humanos e à cooperação em prol da superação<br />
de problemáticas humanitárias na região;<br />
Por fim, a terceira e última etapa do artigo trata<br />
de traçar perspectivas acerca da manutenção dos<br />
Direitos Humanos e da cooperação internacional<br />
na Região Amazônica, considerando as possibilidades<br />
de ação conjunta de novos atores internacionais<br />
em âmbito local.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 117-126, jun. 2011<br />
119
2 A REALIDADE DA REGIÃO AMAZÔNICA<br />
As peculiaridades e especificidades da<br />
Região Amazônica, ao serem externadas, tendem<br />
a se mistificar. Por vezes, a singularidade<br />
dos aspectos físicos, históricos e culturais é absorvida<br />
fundamentalmente de modo positivo e<br />
exótico, o que não favorece uma análise mais<br />
crítica acerca da composição - ainda muito desconhecida<br />
- da região. Tal fato contribui para que,<br />
nas últimas décadas, a Amazônia dos recursos<br />
naturais e a Amazônia das problemáticas humanitárias<br />
não sejam evidenciadas, discutidas e<br />
elevadas ao âmbito global em iguais proporções.<br />
É fundamental ressaltar que a distinção de<br />
nomenclatura feita acima não se deve a fronteiras<br />
físicas ou a diferentes níveis de relevância entre o<br />
social e o ambiental, o que ocorre é apenas a errônea<br />
separação destes dois aspectos, e o não alcance<br />
à realidade da Região Amazônica no que se refere<br />
à garantia dos Direitos Humanos. Talvez haja<br />
um entendimento deficitário a respeito de que,<br />
paralelamente à magnitude internacional da Amazônia,<br />
às belezas naturais e ao discurso de conservação,<br />
há uma realidade social crítica na região.<br />
O ocorrente esquecimento ou até desconhecimento<br />
das populações da região amazônica<br />
é resultado de interações sociais as quais se<br />
construíram historicamente desde o século XVII,<br />
com o início efetivo da colonização. A Amazônia<br />
sofreu um intenso e acelerado processo de modificação,<br />
o que interferiu fortemente na vida<br />
da população local, a qual vivia, em sua maioria,<br />
da agricultura de subsistência, da pesca e da coleta<br />
de recursos da floresta. O crescimento econômico<br />
proporcionou que uma parcela minoritária<br />
da sociedade se desenvolvesse, enquanto<br />
a grande parcela esteve à parte do processo de<br />
desenvolvimento. Sendo assim, os modos de<br />
ocupação e o extrativismo local colaboraram para<br />
a desestruturação social e atenuação das problemáticas<br />
humanitárias da Região Amazônica.<br />
As relações econômicas com o restante<br />
do país raramente visaram à inserção e o desenvolvimento<br />
social, fato exemplificado através da<br />
expansão da economia da borracha, no século XX;<br />
mesmo com as possibilidades de desenvolvimento,<br />
e a aparente riqueza da Belle Époque amazônica<br />
5 , não houve a preocupação de internalizar renda,<br />
diversificar a produção e, sobretudo, reverter<br />
os lucros em qualidade de vida para a população<br />
de modo geral, do mesmo modo que ao refletir-se<br />
sobre o Programa de Integração Nacional<br />
– PIN 6 - de 1970, percebe-se que os projetos<br />
de construir rodovias que aproximassem a Amazônia<br />
do restante do país, foram idealizados apenas<br />
como instrumento de ocupação, com o intuito<br />
de favorecimento a exploração da região e não<br />
de integração positiva da população.<br />
Além dos fatores históricos, a estruturação<br />
física é igualmente determinante à formação<br />
e compreensão da realidade social de uma<br />
região. Deste modo,<br />
a dimensão estrutural física é um fator<br />
crucial, especialmente na Região<br />
Amazônica. Ela em sua dimensão física<br />
se constitui de vários espaços<br />
não-homogêneos, com vários ecossistemas<br />
distintos, e variações acentuadas<br />
de geomorfologia, solos, flora,<br />
fauna, características climáticas,<br />
criando condicionantes a sua exploração<br />
econômica e ocupação social.<br />
(Coleção de Estudos Regionais sobre<br />
os ODM 7 – Região Norte, 2007).<br />
5<br />
Período em que a região norte, sobretudo as cidades de<br />
Belém e Manaus, importaram a cultura cosmopolita da<br />
Europa do século XIX em reflexo do desenvolvimento que a<br />
extração da borracha e a indústria pneumática trouxe a<br />
região.<br />
6<br />
O Plano de Integração Nacional foi implantado pelo<br />
presidente Médici durante o militarismo e instituiu-se<br />
através do decreto-lei Nº1106, de 16 de julho de 1970, com<br />
o intuito de preencher os vazios demográficos do Brasil<br />
através da contrução de estradas que ligariam as regiões do<br />
país. As grandes rodovias, como a transamazônica fez parte<br />
deste projeto.<br />
7<br />
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio instituídos através<br />
da Declaração do Milênio das Nações Unidas em setembro<br />
do ano 2000, os quais consistem em oito metas sociais<br />
concretas a serem alcançadas até 2015 pelos 192 Estados<br />
membros da ONU.<br />
120<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 117-126, jun. 2011
A partir deste entendimento, é possível<br />
perceber o quão complexa é a inserção nacional e<br />
internacional na Amazônia e o quão grande é a<br />
necessidade de adequá-la aos novos moldes das<br />
relações internacionais e de desenvolverem-se<br />
políticas de cooperação eficazes à garantia dos Direitos<br />
Humanos, respeitando as especificidades<br />
locais, as singularidades geográficas e as demais<br />
especificidades da região, as quais, de certo modo,<br />
desafiam o alcance às necessidades básicas e à<br />
melhoria da qualidade de vida da população.<br />
O quadro social da Região Amazônica apresenta<br />
sob a extensão agrária e ocupação territorial<br />
não homogênea os conflitos fundiários mais<br />
críticos do país, os quais resultam em centenas de<br />
assassinatos e na banalização da vida nos interiores<br />
dos municípios da região; a concentração de<br />
terras e de renda esconde sob o ciclo de exploração<br />
humana e natural, a extrema pobreza e a maior<br />
incidência de trabalho escravo no Brasil, acompanhados<br />
da falta de assistência à população, da<br />
dificuldade de acesso à saúde e à educação, evidenciando<br />
altos níveis de mortalidade infantil,<br />
subnutrição e evasão escolar.<br />
Os estados da região norte, os quais compõem<br />
a Amazônia legal em quase sua totalidade,<br />
detêm dados acerca da realidade social desfavoráveis,<br />
incluindo as menores rendas per capita<br />
e os menores Índices de Desenvolvimento<br />
Humano – IDH –. Observa-se na região<br />
uma maior predominância da proporção<br />
de pobres e indigentes localizados,<br />
bem como uma maior porcentagem<br />
de municípios excluídos 8 "<br />
(POSHMAN AMORIM, 2003 apud COLE-<br />
ÇÃO ODM, op.cit.).<br />
8<br />
O ordenamento quanto aos municípios excluídos segue o<br />
chamado índice de exclusão social, que leva em<br />
consideração três aspectos (com suas devidas<br />
ponderações): padrão de vida digno, mediado pela pobreza<br />
dos chefes de família no município, a taxa de emprego<br />
formal sobre a população em idade ativa (PIA) e uma Proxy<br />
para a desigualdade de renda; o conhecimento medido<br />
pela taxa de alfabetização de pessoas acima de cinco anos<br />
e o número médio de anos de estudo do chefe do domicílio<br />
e , por fim, o risco juvenil, medido pela porcentagem de<br />
jovens na população e número de homicídios por 100 mil<br />
habitantes (POSHMAN AMORIM, op.cit.)<br />
Nesta perspectiva, “Pará, Acre, Amazonas<br />
apresentam 72%, 91% e 94% dos municípios,<br />
respectivamente, com o IDH abaixo da média<br />
nacional.” (Coleção ODM op.cit.), o que é reflexo<br />
da pobreza advinda, dentre outras coisas, da<br />
má distribuição de renda.<br />
A situação dos municípios da Região Amazônica<br />
abrange as realidades rurais e urbanas, e<br />
traduzem o esquecimento das populações tradicionais<br />
da região que incluem indígenas, quilombolas,<br />
caboclos e ribeirinhos, “ignorados<br />
pelas estatísticas oficiais e milhares de pessoas<br />
continuam a nascer e a morrer no interior todos<br />
os anos sem que o poder público tome conhecimento<br />
da sua existência” (Coleção ODM op.cit.),<br />
e privados do acesso aos Direitos Humanos.<br />
É notório o fato de que as problemáticas<br />
humanitárias e a pobreza aqui discutida se contrastam<br />
com a riqueza interna da região, logo, a<br />
realidade apresentada não advém da escassez<br />
de recursos, nem tão somente de fatores históricos<br />
e dimensões estruturais, mas também da<br />
ainda insuficiente integração política entre os<br />
setores público e privado da sociedade, e entre<br />
os novos atores internacionais que dividem a<br />
responsabilidade do desenvolvimento social<br />
com os Estados.<br />
Desde a conferência das Nações Unidas<br />
para o Meio Ambiente – CNUMAD - 9 em 1992 e a<br />
implantação do PPG7 10 em 1995, evidenciou-se<br />
certa abertura a diferentes atores sociais na<br />
Amazônia e o significativo aumento de acordos<br />
envolvendo a cooperação internacional. A partir<br />
de então “passou a constituir-se em um com-<br />
9<br />
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o<br />
Desenvolvimento (CNUMAD), também conhecida como ECO-<br />
92, realizou-se entre os dias 3 e 14 de junho do ano de 1992,<br />
no Rio de Janeiro. A conferência apresentou como intuito<br />
conciliar desenvolvimento sócio-econômico e preservação<br />
ambiental.<br />
10<br />
Sigla referente ao Programa Piloto para a Proteção das<br />
Florestas Tropicais do Brasil, o qual consiste em uma<br />
iniciativa de Estado em parceria com parceria com a<br />
sociedade e comunidade internacional. O objetivo é o<br />
desenvolvimento de estratégias que protejam a Floresta<br />
Amazônica e a Mata Atlântica, associando desenvolvimento<br />
sustentável e melhorias de qualidade de vida das<br />
populações locais.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 117-126, jun. 2011<br />
121
plexo espaço multidimensional modelado por<br />
poderes e ações de atores transnacionais” (PRES-<br />
SLER, 2010), entretanto, sabe-se que os níveis<br />
de interesse e eficácia das ações desses atores<br />
para com os Direitos Humanos não são facilmente<br />
evidenciados, e que embora haja as propostas<br />
positivas de “reduzir a pobreza” e “preservar<br />
o meio ambiente” – as quais representam um<br />
grande avanço – os investimentos externos, as<br />
ações do PNUD 11 e as estratégias locais e nacionais<br />
voltadas à Região Amazônica ainda são deficitárias.<br />
Sobre a presença mais ativa de novos<br />
atores na região, Pressler (op.cit.) expõe,<br />
se suscita a ideia de que está sendo<br />
desenvolvido o capital social e a<br />
qualidade de vida na região Amazônica.<br />
Entretanto, ao visitar comunidades,<br />
algumas delas inclusas nos<br />
projetos da cooperação internacional,<br />
constata-se outra realidade. A<br />
imagem encontrada nas comunidades<br />
tradicionais difere da apresentada<br />
em eventos, projetos, documentos,<br />
relatórios e narrativas das organiz<br />
ações.<br />
Tal fato reforça ainda mais o desafio de<br />
implantar os Direitos Humanos na Região Amazônica<br />
de modo eficaz, gerando satisfação social<br />
e transformando a realidade local.<br />
3 OS DESAFIOS À GARANTIA DOS DIREITOS HU-<br />
MANOS<br />
Diante das circunstâncias envolvendo a<br />
realidade social amazônica, surgem diversos<br />
desafios, que, embora mereçam o devido reconhecimento<br />
de suas complexidades, não devem<br />
ser aceitos como barreiras intransponíveis à garantia<br />
dos Direitos Humanos.<br />
11<br />
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento<br />
(PNUD) é um órgão integrado ao Sistema da Organização das<br />
Nações Unidas, o qual tem por mandato promover o<br />
desenvolvimento e eliminar a pobreza mundial através de<br />
projetos sociais difundidos internacionalmente.<br />
A Região Amazônica é cenário de um processo<br />
exploratório ainda em curso e, embora<br />
compreenda-se que os fatores históricos, envolvendo<br />
desde as relações coloniais até o atual<br />
momento reflitam em danos sociais críticos, as<br />
dificuldades humanitárias não devem ser aceitas<br />
como uma realidade imutável. Os déficits<br />
históricos necessitam ser transpostos para que<br />
se instalem, de modo homogêneo, as condições<br />
básicas de vida na região.<br />
Situa-se então, sob tal conjuntura, um<br />
imponente desafio a ser superado, o qual depende<br />
não somente da ação política de atores<br />
locais e internacionais, mas, sobretudo, de uma<br />
mudança de consciência no que se refere ao ceticismo<br />
acerca das potencialidades de transformações<br />
sociais instalado no senso comum.<br />
Sobre a mudança das realidades históricas<br />
e o alcance aos Direitos Humanos, Piovesan<br />
(2005) assegura que:<br />
Se os direitos humanos não são um<br />
dado, mas um construído, há que se<br />
ressaltar que as violações a estes<br />
direitos também o são. Isto é, as violações,<br />
as exclusões, as discriminações<br />
e as intolerâncias são um<br />
construído histórico, a ser urgentemente<br />
desconstruído. Há que se assumir<br />
o risco de romper com a cultura<br />
da “naturalização” e da “banalização”<br />
das desigualdades e das exclusões,<br />
que, enquanto construídos<br />
históricos, não compõem de forma<br />
inexorável o destino da humanidade.<br />
Há que se enfrentar essas amarras,<br />
mutiladoras do protagonismo e<br />
da dignidade e da potencialidade de<br />
seres humanos.<br />
Ao contrário dos aspectos históricos, a<br />
dimensão estrutural física não é construída, mas<br />
simplesmente um fato, que em sua naturalidade<br />
deve ser contornada e adaptada aos novos<br />
moldes de integração e cooperação internacional.<br />
A constituição geográfica e demográfica diferenciada<br />
da Região Amazônica exige das políticas<br />
nacionais ou de cooperação internacional<br />
122<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 111-120, 117-126, jun. 2011
direcionadas à região um maior potencial estratégico,<br />
o qual envolva os problemas sociais de<br />
modo distinto das demais realidades nacionais.<br />
Tal fato, se somado as diversas dificuldades de<br />
coordenação políticas inerentes às relações humanas,<br />
torna-se um fator ainda mais conflitante<br />
aos Direitos Humanos.<br />
Apontar os aspectos que dificultam a reversão<br />
dos problemas sociais é em si desafiador.<br />
Para Torronteguy (op.cit.).<br />
Ocorre que muitas vezes o desafio<br />
para a efetivação de direitos não<br />
está na existência de um contencioso<br />
internacional, mas, bem ao contrário,<br />
está na falta de coordenação<br />
entre políticas nacionais. Não raro,<br />
os obstáculos para a efetivação de<br />
direitos são de ordem transnacional,<br />
o que exige esforço concertado de<br />
diversos países. Por vezes, trata-se<br />
de um direito que o Estado, por seus<br />
próprios meios, não consegue prover<br />
ao povo por meio de políticas<br />
públicas eficazes.<br />
Ao tratar-se da Região Amazônica, o alcance<br />
a qualidade de vida é ao mesmo tempo,<br />
um de desafio de ordem interna e transnacional.<br />
Falta sensibilidade às políticas públicas nacionais<br />
e aos programas internacionais de desenvolvimento<br />
social, insensibilidade esta, decorrente,<br />
dentre outras coisas, da falta de conhecimento<br />
devido acerca da realidade e especificidades<br />
da região.<br />
Frente a isso, a insuficiência de conhecimento<br />
– resultante na insuficiência de ação – deve<br />
ser combatida para que se evite qualquer mudança<br />
errônea de foco que distancie a sociedade brasileira<br />
e a comunidade internacional do enfrentamento<br />
aos problemas de cunho humanitário.<br />
Em relação às problemáticas ambientais,<br />
estas devem sim estar em foco, porém, como<br />
dito anteriormente, de modo conjunto com o<br />
desenvolvimento social. Neste sentido, o obstáculo<br />
consiste na conscientização de que os recursos<br />
naturais não são meramente fontes de<br />
crescimento econômico, e sim, meios para o<br />
desenvolvimento social e variável fundamental<br />
a análise da qualidade de vida.<br />
Há ainda outro obstáculo imposto pela<br />
consciência social aos Direitos Humanos, dessa<br />
vez referente à aceitação do multilateralismo<br />
nas relações políticas e às mudanças de tendência<br />
do sistema internacional.<br />
A questão que se coloca é dos novos<br />
desafios que o Estado passa a enfrentar<br />
com a necessidade de manter<br />
a integridade da nação, a soberania<br />
e, ao mesmo tempo, adequarse<br />
ao aumento de temas sob regulação<br />
globalizada e com a interferência<br />
das agências multilaterais (CAS-<br />
TRO, 2005).<br />
É importante ressaltar que a certa relutância<br />
dos Estados em ceder soberania aos demais<br />
organismos interfere nas possibilidades de<br />
cooperação internacional e que os desafios em<br />
lidar com os novos atores das relações internacionais<br />
não se pertencem somente aos governos<br />
nacionais, uma vez que as relações multilaterais<br />
entre os novos agentes também ocorrem<br />
em âmbito local, sobretudo, se tratarem-se a<br />
respeito de uma região com enfoque global, que<br />
é o caso da Amazônia.<br />
Deste modo, a cooperação internacional<br />
em prol do desenvolvimento social amazônico<br />
depende também da aceitação de interferência<br />
externa por parte das populações tradicionais e<br />
dos agentes locais. Para Almeida (apud PRESS-<br />
LER (op.cit.), na região amazônica<br />
o campo da mediação se tornou mais<br />
complexo, com novas possibilidades<br />
de regulação, e verifica-se uma recusa<br />
cada vez maior por parte das<br />
comunidades e povos tradicionais<br />
de delegar poderes a agências e<br />
agentes externos.<br />
Tal recusa aos agentes externos deve-se<br />
ainda à baixa confiança do senso comum acerca<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 117-126, jun. 2011<br />
123
dos interesses e intenções políticas que acompanham<br />
a ação dos atores internacionais na Região<br />
Amazônica e neste sentido, a falta de eficácia<br />
social dos compromissos internacionais assumidos<br />
para a Amazônia contribui para isto.<br />
Há ainda outro importante desafio que se<br />
relaciona ao alcance dos Direitos Humanos: a adaptação<br />
da inserção econômica da Região Amazônica<br />
frente às novas necessidades internas e externas.<br />
A reserva de capital natural que insere a<br />
Amazônia nas Agendas Globais necessita ser – ao<br />
mesmo tempo em que preservada como bem<br />
coletivo – a fonte de crescimento econômico, viabilizadora<br />
de desenvolvimento social e geradora<br />
de qualidade de vida às populações locais.<br />
Deste modo, a inserção da Amazônia<br />
como objeto de exploração, embora não seja<br />
mais a mesma do século XX, ainda necessita ser<br />
mais bem adequada aos novos padrões de interdependência<br />
e cooperação, para que os interesses<br />
externos não terminem por suprimir as<br />
possibilidades de mudança e superação das problemáticas<br />
humanitárias locais, adjacentes à<br />
exploração de recursos naturais.<br />
4 PERSPECTIVAS REGIONAIS<br />
O alcance aos Direitos Humanos na região<br />
ainda é frágil e limitado, e o crescimento econômico<br />
regional não assume a melhoria da qualidade<br />
de vida da população como prioridade. Entretanto,<br />
o início do tímido processo de alteração de<br />
consciência sobre a necessidade de desenvolver<br />
a região a partir do desenvolvimento humano é<br />
inegável, fato que traduz certo otimismo.<br />
Neste sentido, as perspectivas para a<br />
Região Amazônica, se negativas em sua totalidade,<br />
destoar-se-iam do potencial de desenvolvimento<br />
que a Amazônia carrega em seus recursos<br />
naturais; potencial este, que abrange diretamente<br />
as esferas sociais locais. Apesar disto, a<br />
região vem sendo centro de discussões políticas<br />
e econômicas que contornam, quase que inconscientemente,<br />
as questões sociais, criando-se um<br />
imaginário exógeno que não alcança a realidade<br />
da população regional, o qual mantém a Amazônia<br />
“numa centralidade ambiental de caráter<br />
monumental e exótico” (STEINBRENNER, 2007).<br />
Falta ainda à Amazônia deter da visibilidade<br />
global como um meio fundamental ao alcance<br />
dos direitos fundamentais às suas populações tradicionais,<br />
impondo interesses internos à comunidade<br />
internacional, a qual desconhece grande parte<br />
das problemáticas humanitárias locais.<br />
Sobre o desconhecimento da Região<br />
Amazônica sua importância global, ARAGÓN<br />
(2009) ressalta:<br />
Es necesario, por lo tanto, desmitificar<br />
la Amazonía, que cada uno la<br />
defina conforme sus propios intereses,<br />
creando muchas veces nuevos<br />
mitos para justificar sus acciones. La<br />
Amazonía se tornó, quiérase o no,<br />
una cuestión nacional y global, pero<br />
que aún hoy como antes y a pesar de<br />
los múltiples avances falta mucho<br />
por conocerse.<br />
Frente a isso, antes de pensar na Amazônia<br />
legal como patrimônio internacional e sobrepujá-la<br />
dos mais diversos interesses, é necessário<br />
conhecê-la. Caso contrário, as tentativas<br />
de cooperação em prol dos Direitos Humanos<br />
não serão eficazes.<br />
A cooperação internacional na Região<br />
Amazônica deve ocorrer em parceria às políticas<br />
nacionais e locais, tal qual às iniciativas do setor<br />
privado. Para tal, é fundamental o reconhecimento<br />
de que:<br />
la Amazonía se transformó tornándose<br />
una cuestión global y nacional,<br />
destacando en la región nuevos actores,<br />
nuevas redes, nuevas instituciones,<br />
ONGs nacionales e internacionales,<br />
aumentando el poder local de las<br />
comunidades en la reivindicación de<br />
sus intereses las cuales demandan<br />
incorporación activa en las propuestas<br />
de desarrollo y en la repartición<br />
de sus benefícios (ARAGÓN, op.cit.).<br />
124<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 117-126, jun. 2011
Logo, o afastamento do ideal de região<br />
problema, o qual remeta ao vazio demográfico<br />
tão difundido no século XX vem dando lugar<br />
a um cenário propício ao desenvolvimento<br />
econômico e humano, capaz de proporcionar<br />
a qualidade de vida às populações tradicionais<br />
a partir de subsídios advindos da cooperação<br />
internacional.<br />
A partir destes novos padrões, embasados<br />
no multilateralismo e na interdependência<br />
dos novos atores internacionais, a Amazônia<br />
é potencialmente capaz de promover a firmação<br />
dos Direitos Humanos, desde que sejam<br />
recondicionados os modos de integração nacional<br />
e internacional da região e que se conduzam<br />
as pressões ambientais rumo ao desenvolvimento<br />
social.<br />
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Ao considerar a realidade e os desafios<br />
envolvendo os Direitos Humanos e a cooperação<br />
internacional na Região Amazônica é natural<br />
atribuir aos novos atores internacionais,<br />
grande parcela da responsabilidade em transformar<br />
políticas em melhoria da qualidade de<br />
vida. De fato, as relações internacionais contemporâneas<br />
tendem a delegar responsabilidades<br />
aos novos agentes, entretanto, é mantida<br />
ainda extrema importância na ação do Estado,<br />
sobretudo no que se refere às políticas de<br />
conscientização da sociedade civil sobre a necessidade<br />
de conhecer, proteger e transformar<br />
a Amazônia em território igualmente rico nos<br />
aspectos naturais e sociais.<br />
O alcance aos Direitos Humanos deve ser<br />
entendido como principal válvula propiciadora de<br />
desenvolvimento, uma vez que as políticas e economias<br />
de Estados e regiões se perpetuarão instáveis<br />
enquanto os direitos básicos dos indivíduos,<br />
construtores de toda e qualquer sociedade,<br />
não forem garantidos. A Amazônia precisa atentar<br />
a tal fato para que a melhoria da qualidade de<br />
vida da população seja posta como prioridade.<br />
Ao longo do exercício acadêmico aqui<br />
proposto, muito foi dito sobre a visibilidade internacional<br />
da Amazônia; o intuito maior é direcionar<br />
a atenção para as divergências de interesses<br />
que cercam a região e o modo com que a<br />
contínua exploração, – ocorrida sob a condição<br />
de país periférico exportador de reservas de capital<br />
natural – interfere na eficácia da cooperação<br />
com vista no alcance aos Direitos Humanos.<br />
Si se pudiera resumir en una frase la<br />
razón de tanta atención del mundo<br />
sobre la Amazonía actualmente se podría<br />
decir que es por la inmensa reserva<br />
de capital natural que ella posee<br />
[...] Es ese el nuevo contexto en que La<br />
Amazonía se encuentra y este contexto<br />
enmarca la formulación de políticas<br />
públicas com una nueva visión y el establecimiento<br />
de una cooperación en<br />
nuevos términos (ARÁGON op.cit.).<br />
São exatamente as possibilidades de se<br />
estabelecer novos parâmetros de cooperação que<br />
promovem um distanciamento ainda maior entre<br />
a Amazônia colonial e a Amazônia do século<br />
XXI; embora haja ocorrido o intenso crescimento<br />
demográfico e a ampliação das fronteiras sociais,<br />
a presença dos novos atores internacionais na<br />
região – e todo o poderio de interferência política<br />
destes – caminha para o desenvolvimento humano<br />
e à supressão das barreiras históricas.<br />
Por fim, fica claro que as perspectivas humanitárias<br />
positivas aqui citadas dependem, dentre<br />
outras coisas, do conhecimento da realidade<br />
local e de um direcionamento diferenciado das<br />
políticas nacionais à Amazônia a partir de um novo<br />
olhar às populações tradicionais; Além de depender,<br />
sobretudo, do entendimento de que a manutenção<br />
do foco internacional sobre a região Amazônica<br />
é inevitável e natural, e que as questões de<br />
cunho ambiental devem ser somadas à promoção<br />
dos Direitos Humanos, para que os novos atores<br />
internacionais, em parceria dos diversos setores<br />
da sociedade, garantam a mudança dos paradigmas<br />
sociais que envolvem a Região Amazônica.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 117-126, jun. 2011<br />
125
REFERÊNCIAS<br />
ARAGÓN, Luis E. Nuevos temas regionales para<br />
el estudio de la Amazonía en el actual contexto<br />
internacional. In: Amazonia y água: desarollo<br />
sostenible em El siglo XXI, Hernando Bernal Zamudio,<br />
Carlos Hugo Sierra, Mario Angulo Tarancón<br />
& Miren Onandia Olalde, Unesco, 2009.<br />
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da governança global na Amazônia: a emergência<br />
do programa piloto para a proteção das florestas<br />
tropicais do Brasil, 2004. Disponível em:<br />
w w w. a n n a p a s . o r g . b r / e n c o n t r o 2 / . . . /<br />
albertosilva.pdf. Acesso em: 2 abr. 2011.<br />
CASTRO, Edna. Estado e políticas públicas na<br />
Amazônia: gestão pública de desenvolvimento.<br />
In: COELHO, Maria Célia Nunes e MATHIS, Armin.<br />
Políticas públicas e desenvolvimento local na<br />
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NAEA, 2005.<br />
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re<strong>lato</strong>rioparaportugues.pdf. Acesso em: 9 abr. 2011.<br />
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NYE , Joseph S.Jr. Cooperação e conflito nas relações<br />
internacionais. [S.l.]: Ed.Gente. 2009.<br />
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dos direitos humanos. Cadernos de Pesquisa,<br />
v. 35, p 43-55, 2005.<br />
PRESSLER, Neusa. Amazônia e cooperação internacional:<br />
discursos e contradições. Disponível<br />
em: http://www.anppas.org.br/encontro5/cd/<br />
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em: 9 abr.2011.<br />
SATO, Eiiti. Conflito e cooperação nas relações<br />
internacionais: as organizações internacionais<br />
no século XXI. 2003. Disponível em: http://<br />
www.scielo.br/pdf/rbpi/v46n2/v46n2a07.pdf.<br />
Acesso em: 29 mar.2011.<br />
STEINBRENNER, Rosane Albino. Centralidade<br />
ambiental X invisibilidade urbana (ou novos fantasmas<br />
da Amazônia). In: ARAGÓN , Luiz E.;<br />
OLIVEIRA,José Aldemir de (Orgs.). Amazônia no<br />
cenário Sul-Americano. [S.l.:s.n.], 2007.<br />
TORRONTEGUY, Marco Aurélio Antas. O papel da<br />
cooperação internacional para a efetivação de<br />
direitos humanos: o Brasil, os países africanos<br />
de língua oficial portuguesa e o direito à saúde.<br />
RECIIS – R. Eletr. de Com. Inf. Inov. Saúde. Rio de<br />
Janeiro, v.4, n.1, p.58-67, mar. 2010.<br />
Universidade Federal do Pará (UFPA). Redes de<br />
laboratórios acadêmicos para o acompanhamento<br />
dos objetivos de desenvolvimento do milênio.<br />
Belém, 2007. (Coleção de Estudos Regionais<br />
sobre os ODM - Região Norte).<br />
126<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 117-126, jun. 2011
O RESGATE DA ARBITRAGEM NO BRASIL:<br />
UMA PROPOSTA SEGURA E EFICAZ NA GUERRA CONTRA O TEMPO<br />
Carolina de Nazareth Silva Mendonça *<br />
RESUMO<br />
Sendo a arbitragem um tema polêmico, seja porque as informações que se tem a respeito do<br />
assunto, nem sempre são divulgadas ou colocadas 1 à livre disposição do indivíduo, quando este<br />
procura o judiciário para resolver algum conflito; seja porque, apesar de ser um meio alternativo<br />
pouco conhecido, mas seguro e eficaz no desenlace de contendas que versem sobre bens patrimoniais<br />
disponíveis; mesmo quando se decidindo por tal via, em momento algum se priva o<br />
cidadão do seu direito de buscar a solução jurisdicional. Surgem dúvidas do tipo: porque optar<br />
pela arbitragem quando se pode recorrer às “vias de fato”? Porque mesmo tendo uma solução<br />
arbitral, ainda assim, algumas pessoas buscam a prestação jurisdicional? Destarte, o trabalho<br />
objetiva aclarar as ideias quanto à aplicabilidade e funcionalidade arbitral.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Arbitragem. Eficácia. Efetividade. Conflitos. Prestação jurisdicional.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Em tempos em que a duração razoável<br />
do processo se torna quase uma utopia perante<br />
a demanda jurisdicional, constatada a partir da<br />
evidente crise do judiciário 1 . Observa-se que o<br />
instituto arbitral vem sendo resgatado 2 , tornan-<br />
*<br />
Estudante do segundo ano do curso de Direito e bolsista do<br />
Projeto de Iniciação Científica da Universidade da Amazônia<br />
- UNAMA.<br />
1<br />
Nesse sentido, Calmon: “Não há consenso ao especificar as<br />
causas e muito menos em indicar soluções para a crise da<br />
justiça, mas é unânime a constatação da desproporção entre<br />
a oferta de serviços e a quantidade de conflitos a resolver<br />
[...]”.CALMON, Petrônio. Fundamentos da mediação e da<br />
conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 05.<br />
2<br />
PEREIRA, Dagolberto Calazans Araújo. Arbitragem: uma<br />
alternativa na solução de litígios. Disponível em: . Acesso<br />
em: 20 abr. 2011.<br />
do-se uma ótima opção, uma vez que combina<br />
eficácia, celeridade e efetividade.<br />
Neste sentido, a arbitragem, no Brasil,<br />
por mais que estivesse estabelecida desde a<br />
Constituição de 1824 3 se tornou letra morta, devido<br />
à mentalidade de que, somente a resposta<br />
jurisdicional 4 , seria efetiva aos conflitos sociais.<br />
3<br />
No Art. 160 da Constituição de 1824: “Nas civeis, e nas<br />
penaes civilmente intentadas, poderão as Partes nomear<br />
Juizes Arbitros. Suas Sentenças serão executadas sem<br />
recurso, se assim o convencionarem as mesmas Partes.”<br />
Disponível em: < http://pdba.georgetown.edu/<br />
Constitutions/Brazil/brazil1824.html#mozTocId821706 >.<br />
Acesso em: 20 abr. 2011.<br />
4<br />
Poder do Estado (judiciário) em solucionar conflitos, advindos<br />
das intensas relações sociais, mediante aplicação do direito<br />
objetivo ao caso concreto. Sendo sua função, a atribuir a<br />
todos o direito a prestação judicial.<br />
127<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 127-135, jun. 2011
No entanto, internacionalmente, o sistema<br />
arbitral foi amplamente difundido muito<br />
mais do que em relação âmbito nacional, devido<br />
à expansão das intensas relações comerciais,<br />
após a Segunda Guerra Mundial 5 . Constatandose,<br />
assim, a criação da primeira Corte Internacional<br />
de Arbitragem, datada de 1923 que se consolidou<br />
no início do Século XX. 6<br />
Dessa forma, o objetivo maior do presente<br />
trabalho é apresentar informações relevantes,<br />
de forma coerente, para que se forme uma<br />
opinião concreta acerca da relevância da matéria,<br />
contribuindo para a possível desobstrução<br />
futura do sistema judiciário e esclarecer algumas<br />
dúvidas que ainda norteiam o tema, o que<br />
tem gerado inúmeras incertezas e contribuído<br />
com o afastamento do uso via alternativa e consequentemente,<br />
em grande escala, com o atual<br />
caos do judiciário.<br />
2 PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ARBI-<br />
TRAGEM<br />
Importante salientar que a arbitragem, é<br />
uma espécie do gênero “heterocomposicão” a<br />
qual, “é a modalidade de solução de litígios derivada<br />
da atuação de um terceiro, que fixa a regra a<br />
ser cumprida pelo vencido, sob pena de execução<br />
forçada.” (SANTANA, 2010. p. 5) Subdividindo-se<br />
entre aquela citada e jurisdição que “é levada<br />
a cabo por um terceiro (magistrado), investido<br />
de poder e função para tal, por meio do instrumento<br />
do processo.” (SANTANA, 2010. p. 4).<br />
Outra espécie conhecida é a autocomposição,<br />
na qual as próprias partes envolvidas no<br />
litígio procuram chegar a um acordo, sem interferência<br />
de terceiros; tendo como modalidades:<br />
“a) desistência (renúncia à pretensão); b) submissão<br />
(renúncia à resistência oferecida à pretensão)<br />
c) transação (em concessões recíprocas)”.<br />
(CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2007. p. 27).<br />
Como se observa, outros meios de se resolver<br />
contendas passaram a ser utilizados,<br />
quando a autodefesa 7 , primeiro modo de solução<br />
de litígios, em que a força e vontade do mais<br />
forte sempre prevalecia sobre o mais fraco, evidenciada<br />
na famosa Lei do talião do “olho por<br />
olho e dente por dente”; foi sendo vedada, devido<br />
representar riscos de destruição para o próprio<br />
Estado.<br />
Assim, a arbitragem pode ser entendida<br />
como mais um importante meio de solução de<br />
conflitos, dentre outros já apresentados, que é<br />
mediada por um terceiro, chamado de o árbitro,<br />
imparcial que, sem se afastar do “due process of<br />
law” 8 , assegura o princípio da autonomia privada<br />
e da boa fé às partes; e versa sobre bens patrimoniais<br />
disponíveis, ou seja, aqueles, que<br />
possam ser negociados, vendidos, alugados, cedidos;<br />
como por exemplo: questões comerciais<br />
e industriais de modo geral, questões condominiais<br />
e imobiliárias, questões pecuárias e agrárias,<br />
questões de trânsito de veículos automotores,<br />
questões do consumidor, questões de transporte,<br />
dentre outras 9 . E que, mais adiante, serão<br />
apresentados subsídios que constatarão a<br />
5<br />
INÁCIO, Sandra Regina da Luz. As Vantagens da Prática<br />
Arbitral para Soluções das Controvérsias das Micro e<br />
Pequenas Empresas. 2008. Disponível em. Acesso em: 20 abr. 2011.<br />
6<br />
ALVES, Eliana Calmon. A arbitragem internacional. Disponível<br />
em:. Acesso em:<br />
20 abr. 2011.<br />
7<br />
Mister frisar que hoje, na maioria dos ordenamentos<br />
jurídicos ocidentais, a autodefesa não é mais aceita pelo<br />
ordenamento jurídico. E no Brasil, “[...] poderá até mesmo<br />
ser considerada como crime de ‘exercício arbitrário das<br />
próprias razões’, constante no art. 345 do CP.” (SANTANA,<br />
2010. p. 5) E somente nas hipóteses de o Estado, hoje forte e<br />
soberano, não puder arcar com toda e qualquer solução de<br />
conflitos individuais.<br />
8<br />
Neste sentido: CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. GRINOVER,<br />
Ada Pelegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do<br />
processo. 23 ed. São Paulo: Malheiros editores, 2007, p.88.<br />
9<br />
SILVA, Gustavo Pamplona. Arbitragem: aspectos gerais da Lei<br />
9.307-96. Disponível em: < http://<br />
www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1412>.<br />
Acesso em: 20 abr. 2011.<br />
128<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 127-135, jun. 2011
força de sua decisão equiparando-a a sentença<br />
jurisdicional.<br />
3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E À LUZ DA CONSTITUI-<br />
ÇÃO BRASILEIRA<br />
A partir do momento em que a sociedade<br />
percebeu que a autotutela 10 não representava<br />
um meio justo de resolver seus conflitos, o<br />
homem passou a buscar ajuda de terceiros, como<br />
nos lembra Cintra, Grinover e Dinamarco:<br />
[...] eles começaram a preferir, ao invés<br />
da solução parcial dos seus conflitos<br />
(parcial= por ato das próprias<br />
partes), uma solução amigável e imparcial,<br />
através de árbitros, pessoas<br />
de sua confiança mútua em que as<br />
partes se louvam para que se resolvam<br />
os conflitos. (CINTRA, GRINOVER,<br />
DINAMARCO, 2007. p. 27).<br />
Na sociedade grega, por exemplo, na<br />
qual os árbitros eram os anciãos, devido acreditarem<br />
que sendo os mais velhos, deteriam todo<br />
o conhecimento imprescindível; tanto o transmitido<br />
por seus ancestrais, quanto dos costumes<br />
de determinada sociedade; ou ainda os sacerdotes,<br />
pela sua provável ligação com os deuses.<br />
Como se observa, bem antes da instauração<br />
do Estado, em Roma, a arbitragem já era utilizada<br />
para sanar problemas sociais. E, com o advento<br />
deste, perdeu seu caráter privado, uma vez que,<br />
passou a ditar as regras e a tomar sobre si, todos os<br />
possíveis conflitos existentes na sociedade.<br />
No período medieval, teve grande destaque,<br />
sendo sancionada pelo Código Canônico<br />
11 (Codex Iuris Canonici) e vastamente utilizada<br />
no comércio para dirimir conflitos entre senhores<br />
feudais, comerciantes, cavaleiros etc.;<br />
como nos lembra Albuquerque:<br />
[...] na Idade Média, devido à grande<br />
variedade de ordenamentos jurídicos,<br />
e a falta de centralização de<br />
poder, a arbitragem é incentivada,<br />
cabendo ao Direito Canônico a sua<br />
regulamentação, com a adoção dos<br />
princípios básicos do Direito Romano.<br />
Existiam ao fim da Idade Média,<br />
duas formas de arbitragem: a voluntária<br />
e a obrigatória onde as partes<br />
eram obrigadas a cumprir a determinação<br />
dos árbitros, mesmo embora<br />
estes fossem pessoas privadas 12 .<br />
Também esteve presente na monarquia<br />
medieval lusitana, instituindo-se, mais tarde,<br />
nas Ordenações Afonsinas, Manuelitas e Filipinas;<br />
permanecendo, nessas últimas, sob o nome<br />
“Dos Juízos Arbitrais” que data de 1603 a 1824,<br />
ou seja, esteve presente até após a independência<br />
do Brasil, devido aplicação da legislação<br />
da Metrópole na colônia.<br />
Então, em 1824, a Constituição Imperial,<br />
corrigiu as distorções 13 deixadas pelas ordenações<br />
Filipinas, e previu o uso da arbitragem, garantindo<br />
sentença sem recurso.<br />
A partir de 1850, com o regulamento 737,<br />
foi que se iniciou a legislar sobre a arbitragem<br />
no Brasil. Observando-se uma gama de Códigos,<br />
Leis e Decretos, que vieram para torná-la obrigatória,<br />
como o regulamento citado, o qual a tornava<br />
forçosa em determinados assuntos comerciais;<br />
revogar, como por exemplo, a Lei 1.350 de<br />
13 de setembro de 1866 que revogou o juízo arbitral<br />
compulsório; para regulamentar e disciplinar<br />
a matéria, como por exemplo, os arts. 1.031<br />
a 1.046 do antigo Código de Processo Civil, onde<br />
estava presente e que com o advento do código<br />
atual (Código Comercial de 1850), foi regulamen-<br />
10<br />
Nesse sentido: Sarrecchia, Sérgio. Autotutela ou justiça com<br />
as próprias mãos no direito brasileiro?. Disponível em:< http:/<br />
/blog.hsn-advogados.com.br/2007/12/20/autotutela-oujus<br />
tica- com-as -proprias- maos- no-di reito- brasi leiro/>.<br />
Acesso em: 20 abr. 2011.<br />
11<br />
CODIGO de Direito Canônico. Disponível em < http://<br />
www.vatican.va/archive/ESL0020/_P6Q.HTM>. Acesso em:<br />
20 abr. 2011.<br />
12<br />
ALBUQUERQUE, Clóvis Antunes Carneiro de Filho. A<br />
arbitragem no direito brasileiro pela Lei Nº 9.307/96.<br />
Disponível em: .<br />
Acesso em: 20 abr. 2011.<br />
13<br />
Incompatibilidade social, muitos princípios e normas do<br />
direito português eram inadequados à colônia e outros<br />
precisavam de adaptação para sua aplicação.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 127-135, jun. 2011<br />
129
tada e disciplinada nos arts. 1.072 e 1.102; ou ainda<br />
para torná-la voluntária, como exemplo, decreto<br />
3.900 regulamentou e disciplinou a Lei que<br />
havia abolido o juízo arbitral obrigatório 14 .<br />
Assim, no que tange à famosa Lei de arbitragem,<br />
elaborada pelo senador Marco Maciel,<br />
mister ressaltar que antes de ser sancionada,<br />
permaneceu aguardando julgamento por 5 anos<br />
no STF (Superior Tribunal Federal).<br />
Tal atraso na homologação da Lei deveuse,<br />
primeiro, à suposta inconstitucionalidade do<br />
art. 4 o , no qual: “A cláusula compromissória é a<br />
convenção através da qual as partes em um contrato<br />
comprometem-se a submeter à arbitragem<br />
os litígios que possam vir a surgir, relativamente<br />
a tal contrato” (art. 4, caput, Lei nº 9.307/96) 15 .<br />
Desta forma, por mais que as partes se comprometessem<br />
a resolver seus possíveis embates<br />
através da arbitragem, a qualquer momento,<br />
estariam competentes a recorrer ao Judiciário 16 .<br />
Segundo por, ser indispensável à legitimação<br />
do laudo arbitral, após a sentença arbitral,<br />
para que então, suscitasse os mesmos efeitos<br />
da sentença estatal, ou seja, ainda que o aforismo<br />
fosse apresentado, era necessária a homologação<br />
judicial (princípio da inafastabilidade<br />
do controle jurisdicional) 17 .<br />
14<br />
FRANCO, Loren Dutra. Processo civil: Origem e Evolução<br />
Histórica. Disponível em: < http://www.viannajr.edu.br/<br />
<strong>revista</strong>/dir/doc/art_20002.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2011.<br />
15<br />
Nesse sentido: SILVA, Gustavo Pamplona. Arbitragem:<br />
aspectos gerais da Lei 9.307-96. Disponível em: < http://<br />
www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1412>.<br />
Acesso em 20 abr. 2011.<br />
16<br />
SILVA, Gustavo Pamplona. Arbitragem: aspectos gerais da Lei<br />
9.307-96. Disponível em: < http://<br />
www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1412>.<br />
Acesso em: 20 abr. 2011.<br />
17<br />
Art. 6º Não havendo acordo prévio sobre a forma de instituir<br />
a arbitragem, a parte interessada manifestará à outra parte<br />
sua intenção de dar início à arbitragem, por via postal ou por<br />
outro meio qualquer de comunicação, mediante<br />
comprovação de recebimento, convocando-a para, em dia,<br />
hora e local certos, firmar o compromisso arbitral. Parágrafo<br />
único. Não comparecendo a parte convocada ou,<br />
comparecendo, recusar-se a firmar o compromisso arbitral,<br />
poderá a outra parte propor a demanda de que trata o art. 7º<br />
desta Lei, perante o órgão do Poder Judiciário a que,<br />
originariamente, tocaria o julgamento da causa. Disponível<br />
em: .<br />
Acesso em: 20 abr. 2011.<br />
Então, a Lei de Arbitragem nº. 9.307 que<br />
disciplinou a arbitragem no Brasil, tornando-a<br />
mais atual e maleável, foi ratificada em 23 de<br />
setembro de 1996. Como lembra Inácio:<br />
Não obstante, no ordenamento jurídico<br />
brasileiro a prática iniciou-se<br />
em 1867, mas somente em 1996 promulgou-se<br />
a lei 9.307/96 em nosso<br />
ordenamento delegando poderes à<br />
área privada para solução dos conflitos<br />
relacionados a direitos patrimoniais<br />
disponíveis, favorecendo<br />
principalmente à área empresarial<br />
uma excelente alternativa para a resolução<br />
de seus conflitos sem se<br />
submeter à tutela estatal. Acresçase<br />
ainda que, com a promulgação da<br />
lei, nosso país avançou no processo<br />
de aculturação e fortalecimento da<br />
justiça privada em diversos cantos<br />
do país, facilitando a resolução de<br />
conflitos nos mais variados setores,<br />
inclusive, os relacionados à parte<br />
empresarial 18 .<br />
No entanto, a possível inconstitucionalidade<br />
da Lei continuou gerando controvérsias,<br />
agora, sob acusação de ferir o princípio da ampla<br />
defesa 19 e impossibilitar o acesso a justiça. 20 Por<br />
fim, em 2001 o Supremo Tribunal Federal recusou<br />
o recurso e a alegou constitucional. Desde<br />
então, a arbitragem se consolidou no país.<br />
Como lembra André Camerlingo Alves 21 :<br />
18<br />
Segundo Dolinger e Tiburcio, atualmente, o princípio da<br />
apreciação da inafastabilidade do controle jurisdicional<br />
pelo Poder Judiciário está consagrado no inciso XXXV do art.<br />
5º da Constituição de 1988, que assim dispõe:”A Lei não<br />
excluirá da apreciação do Poder Judiciário leso ou ameaça<br />
ao direito.”. DOLINGER, Jacob. CARMEN, Tiburcio. Direito<br />
Internacional Privado: arbitragem comercial internacional.<br />
2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.<br />
19<br />
CF., SANTANA, 2010. p.8.<br />
20<br />
Importante ressaltar, que: “Acesso à justiça não se<br />
identifica, pois, com a mera admissão ao processo, ou<br />
possibilidade de ingresso em juízo [...] [...] para que haja<br />
efetivo acesso à justiça, é indispensável que o maior número<br />
de peossoas seja admitido a demandar e a defender-se<br />
adequadamente.” (CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2007, p.<br />
39-40).<br />
21<br />
ALVES, André Camerlingo. A constitucionalidade da lei de<br />
arbitragem: Jurisprudência comentada. Disponível em:<br />
. Acesso em: 20 abr. 2011.<br />
130<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 127-135, jun. 2011
Em 30 de abril de 2004, foi publicado<br />
no Diário da Justiça da União, o celebrado<br />
acórdão do Supremo Tribunal<br />
Federal, no qual declarava, novamente,<br />
a constitucionalidade da<br />
Lei 9.307/96. E que pela sua importância,<br />
hoje, é considerada um marco<br />
na história recente da arbitragem,<br />
no Brasil.<br />
Assim, embora estivesse p<strong>revista</strong> e sancionada,<br />
de forma a atuar na resolução de conflitos,<br />
conforme se constatou; Hoffman nos mostra<br />
que não foi bem assim que aconteceu no Brasil:<br />
No entanto, embora a lei tenha sido<br />
instituída para funcionar como um<br />
mecanismo eficaz e rápido na solução<br />
do litígio, ficou muito aquém de<br />
seu objetivo. Melhor dizendo, quase<br />
não possui aplicabilidade no direito<br />
Brasileiro, por desinformação,<br />
desconfiança e falta de divulgação<br />
e publicidade. Talvez o maior erro,<br />
não da Lei propriamente, mas de divulgação,<br />
tenha sido a falta de esclarecimentos<br />
e de adaptações para<br />
que pudesse ser empregada, já que<br />
no Brasil não há tendência para o<br />
uso desse tipo de mecanismo. A<br />
maioria das pessoas que necessita<br />
de intervenção para a solução de um<br />
litígio opta pelo Poder Judiciário,<br />
contando com a suposta segurança<br />
e certeza de justiça na prestação jurisdicional,<br />
não admitindo um sistema<br />
que, na concepção equivocada,<br />
não traga a força e o amparo que<br />
se esperam do sistema judicial. (HO-<br />
FFMAN, 2006, p. 139).<br />
E ainda sobre esse aspecto, critica:<br />
O grande mal que atinge a arbitragem<br />
está no desconhecimento sobre<br />
seu funcionamento entre os advogados<br />
que, despreparados nem sequer<br />
concebem a utilização desse eficaz<br />
meio de solução de conflitos, não<br />
inserindo em contratos a cláusula<br />
compromissória. A falta de prática e<br />
uso acarreta a inviabilidade de as<br />
próprias partes imaginarem essa<br />
solução [...] (HOFFMAN, 2006, p. 140).<br />
Destarte, o instituto arbitral necessita de<br />
maior reconhecimento para que, juntamente<br />
com o judiciário possa tutelar da melhor forma<br />
os direitos fundamentais, para que não venha a<br />
se tornar letra morta.<br />
4 POR QUE ARBITRAGEM?<br />
4.1 PRINCÍPIOS BASILARES<br />
São inquestionáveis os efeitos que a demora<br />
na resposta jurisdicional possa conferir à<br />
sociedade, gerando uma gama de fatores negativos<br />
para o sistema, traduzindo-se principalmente<br />
na ineficiência do Judiciário, no que tange<br />
ao desempenho dos juízes, bem como de suas<br />
deliberações; não se esquecendo de citar os custos<br />
que são gerados em detrimento do embargo,<br />
dificultando o acesso à Justiça, bem como as<br />
formalidades que, muitas vezes em demasia,<br />
acabam fazendo com que o processo perca sua<br />
verdadeira essência: avaliar a veracidade dos<br />
fatos, definir às partes seus direitos e deveres,<br />
dirimindo quaisquer medidas protelatórias.<br />
Desta forma, importante ressaltar os<br />
princípios que se apresentam favoráveis à possível<br />
escolha do instituto arbitral como melhor<br />
opção para quem busca resposta célere, efetiva<br />
e eficaz para seus embates. E nesse sentido<br />
Alem 22 , menciona :<br />
A autonomia da vontade (privada); quando<br />
não respeitada, propicia insegurança jurídica,<br />
uma vez que a autonomia e liberdade de contratar<br />
são preceitos da cidadania e consequentemente<br />
da efetividade da Democracia brasileira,<br />
pelo princípio da subjetividade 23 .<br />
22<br />
ALEM, Fábio Pedro. Arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2009, p.<br />
13-14.<br />
23<br />
“O princípio da subjetividade neutraliza e equaliza as partes<br />
contratantes ao estabelecer que todos são igualmente livres<br />
e iguais para contratar”. Disponível em:.<br />
Acesso em 20<br />
abr. 2011.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 127-135, jun. 2011<br />
131
24<br />
“A autonomia da vontade, princípio fundamental na<br />
realização dos contratos internacionais, permite às partes<br />
a escolha da lei para reger a obrigação. A lex mercatoria,<br />
entendida como um novo direito surgido da comunidade de<br />
comerciantes pode ser chamada, segundo alguns<br />
doutrinadores, a regular o contrato”. Disponível em: . Acesso em20 abr. 2011.<br />
25<br />
SILVA, Gustavo Pamplona. Arbitragem: aspectos gerais da Lei<br />
9.307-96. Disponível em: < http://<br />
www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1412>.<br />
Acesso em 20 abr. 2011.<br />
26<br />
Disponível em:http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/<br />
anotada/2754736/art-5-inc-liv-da-constituicao-federal-de-<br />
88>. Acesso em: 20 abr. 2011.<br />
27<br />
Disponível em:< http://www.tacisp.com.br/lei.htm>. Acesso<br />
em: 20 abr.2011.<br />
A livre eleição da lei aplicável, desde que<br />
não haja violação dos bons costumes e da ordem<br />
pública; aos litigantes, cabe escolher livremente<br />
as regras de direito que serão aplicadas<br />
na arbitragem, respeitando-se sempre os bons<br />
costumes e a ordem pública.<br />
A possibilidade de aplicação de jurisdição<br />
por equidade, princípios gerais do direito ou<br />
lex mercatoria 24 ; é garantido a possibilidade de<br />
tratamento equânime entre as partes, vantagem<br />
que se evidencia mais no âmbito internacional.<br />
E como cita Gustavo Pamplona: “Os árbitros desenvolvem<br />
o mesmo raciocínio lógico dos juízes,<br />
porém, se o compromisso o autoriza, eles poderão<br />
não ficar adstritos à aplicação do direito positivo<br />
e poderão decidir por eqüidade.” 25 .<br />
O devido processo legal (igualdade, contraditório,<br />
ampla defesa, imparcialidade e independência<br />
jurídica dos árbitros, livre convencimento<br />
motivado dos árbitros, dentre outros princípios<br />
constitucionais); às partes será garantida,<br />
conforme o estabelecido no Art. 5 o , LIV da Constituição<br />
Federal 26 .<br />
Efeito vinculante da cláusula arbitral<br />
(mecanismo utilizado para submeter um contrato<br />
à arbitragem, que se torna obrigatória entre as<br />
partes que fazem parte do negócio jurídico); tendo-se<br />
estabelecido anteriormente cláusula ou<br />
compromisso arbitral, destacando o art. 3 o da Lei<br />
9.307/96 27 : “as partes interessadas podem submeter<br />
a solução dos seus litígios ao juízo arbitral<br />
mediante convenção de arbitragem, assim entendida<br />
a cláusula compromissória e o compromisso<br />
arbitral”.<br />
A Inevitabilidade dos efeitos da sentença<br />
arbitral (fazendo coisa julgada material e constituindo<br />
título executivo judicial); conforme o<br />
art. 31 o da Lei 9.307/96 28 : “A sentença arbitral produz,<br />
entre as partes e seus sucessores, os mesmos<br />
efeitos da sentença proferida pelos órgãos<br />
do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui<br />
título executivo.”<br />
A autonomia da cláusula compromissória<br />
e contrato (eventual irregularidade do contrato<br />
não invalida a cláusula compromissória);<br />
Conforme versa o art. 8 o : “A cláusula compromissória<br />
é autônoma em relação ao contrato em<br />
que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade<br />
deste não implica, necessariamente, a nulidade<br />
da cláusula compromissória.” 29 .<br />
E a competência; de acordo com o estabelecido<br />
no art. 8 o , parágrafo único: “Caberá ao árbitro<br />
decidir de ofício, ou por provocação das partes,<br />
as questões acerca da existência, validade e<br />
eficácia da convenção de arbitragem e do contrato<br />
que contenha a cláusula compromissória.”<br />
4.2 VANTAGENS E DESVANTAGENS<br />
Alem 30 imputa como vantagens: a celeridade<br />
do procedimento (em média 18 meses); a<br />
liberdade que as partes possuem em escolher<br />
as regras a serem aplicadas; a flexibilidade e informalidade<br />
do procedimento (a critério das<br />
partes); o sigilo (o conteúdo do processo fica<br />
restrito às partes e ao árbitro, este submetido<br />
ao sigilo profissional); especialização dos árbitros<br />
(livre escolha das partes em decidirem-se<br />
por um dos árbitros que tenham especialidade<br />
na matéria da lide); relação custo-benefício (em<br />
28<br />
Disponível em:< http://www.tacisp.com.br/lei.htm>. Acesso<br />
em: 20 abr.2011.<br />
29<br />
CBMA. Disponível em:< http://cbma.com.br/o-que-eclausula-compromissoria/>.<br />
Acesso em: 20 abr. 2011.<br />
30<br />
ALEM, op. cit., p.26-27<br />
132<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 127-135, jun. 2011
geral, os custos da arbitragem são menos dispendiosos<br />
do que a via jurisdicional, visto que a<br />
celeridade contribui amplamente para tal); análise<br />
profunda dos assuntos levados à arbitragem,<br />
devido maior disponibilidade de tempo dos árbitros;<br />
possibilidade de decisão arbitral com base<br />
na equidade (como já exposto) ao invés de decisão<br />
com base exclusivamente no direito e a presença<br />
de meios legais para se evitar decisões<br />
arbitrais suspeitas (corrupção ou influência indevida<br />
sobre um dos árbitros).<br />
Entre as desvantagens, apresentadas estão:<br />
O risco de haver influências irregular<br />
de cada parte sobre o árbitro por<br />
si indicado, por se tratar de solução<br />
privada de conflitos (embora existam<br />
meios de coibir essa prática); risco<br />
de o laudo arbitral não conter os requisitos<br />
legais necessários para ter<br />
validade de título executivo judicial,<br />
cabendo às partes e à instituição<br />
arbitral (quando houver) prezar pela<br />
completude do laudo e sua legalidade;<br />
ausência do poder de polícia<br />
que impõe ao árbitro requerer auxílio<br />
ao juiz togado para dar cumprimento<br />
a medida liminar deferida<br />
durante o curso da arbitragem; ausência<br />
do poder de polícia e coerção<br />
por parte dos árbitros, o que inviabiliza<br />
a execução arbitral, correndose<br />
o risco de haver demora para se<br />
obter o benefício alcançado com a<br />
decisão arbitral; risco de os árbitros<br />
indicados não conhecerem satisfatoriamente<br />
a matéria objeto do litígio<br />
e deixarem de proferir as decisões<br />
corretas, sem a possibilidade<br />
de recurso para as partes e inter alia;<br />
e o alto custo da arbitragem institucional<br />
para se obter uma administração<br />
de alto nível e confiável, com<br />
um regulamento analisado por especialistas<br />
em arbitragem. (ALEM,<br />
2009. p. 28).<br />
Como se observa, as vantagens em se optar<br />
pela sentença arbitral, na resolução de conflitos<br />
privados, são maiores do que as desvantagens,<br />
apresentadas pelo autor. No entanto, as partes<br />
devem, antes de optarem pela decisão arbitral,<br />
ter certeza dos seus reais objetivos, estarem dispostas<br />
a manter a cláusula arbitral, terem ciência<br />
de suas possibilidades financeiras; boa vontade<br />
para possíveis acordos e, principalmente ciência<br />
do conteúdo do art. 31 da Lei 9.307/96, para que se<br />
evite perda de tempo e dinheiro.<br />
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Segundo verificado, a arbitragem não é<br />
assunto novo no país, uma vez que sua origem<br />
histórica remonta até antes mesmo do advento<br />
do Estado. No entanto, o que se observou foi a<br />
perda de seu caráter privado (nas sociedades em<br />
que não se tinha a figura do Estado), a partir do<br />
momento em que o povo delega poderes ao Estado<br />
e este torna-se forte o suficiente para trazer<br />
respostas concretas a todos os problemas<br />
gerados pela sociedade.<br />
Sobre esta ótica, se constatou de onde ela<br />
decorre, bem como, se conheceu as outras vias<br />
alternativas para a solução de litígios. Constatando<br />
que a arbitragem e a solução jurisdicional não<br />
são os únicos meios para se resolver contendas.<br />
Nesse aspecto, a análise de sua evolução<br />
histórica, foi de grande valia ao reconhecimento<br />
e compreendimento dos reflexos percebidos,<br />
hoje, na sociedade como um todo.<br />
Verificou-se que, a arbitragem sempre<br />
esteve p<strong>revista</strong> desde a Constituição de 1824. E, a<br />
partir daí, se observa uma série de Códigos, Leis,<br />
decretos e acórdãos que vieram ou revogar o juízo<br />
arbitral compulsório ou regulamentar e disciplinar<br />
a Lei; tornando-a sempre permanente nos<br />
Códigos Civil e Processual, mas que, no entanto,<br />
tornaram-na letra morta na Constituição.<br />
Então, faz-se mister ressalvar que o fato<br />
de ter permanecido como letra morta na constituição,<br />
como exposto, deveu-se às alegações de<br />
inconstitucionalidade, em observância ao artigo<br />
4 o da lei de arbitragem e, por se fazer necessária a<br />
homologação judicial, em um dado período; citando<br />
também a última discussão em torno da<br />
alegação de ferir o princípio da ampla defesa.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 127-135, jun. 2011<br />
133
Porém, todos esses debates acerca da<br />
possível inconstitucionalidade, foram findos<br />
quando o STF, em 2004 ratificou a constitucionalidade<br />
proferida em 2001. No entanto, não se<br />
pode deixar de reconhecer que todos esses<br />
embates repercutiram de maneira negativa no<br />
tocante à arbitragem.<br />
Em longo prazo, gerou o desconhecimento<br />
para com a matéria, bem como sua existência e<br />
previsão em Lei; insegurança para com a sentença<br />
arbitral (quando há) e consequentemente, o agravo<br />
do caos judicial. Pois, se esses meios fossem<br />
mais dissipados, após as conturbações ao longo da<br />
história, na sociedade; o judiciário provavelmente<br />
não estaria tão embargado e incrédulo.<br />
De forma sucinta, foram avaliados, os<br />
princípios mais importantes da arbitragem, segundo<br />
Alem, bem como seus pontos positivos e<br />
negativos. Destarte, sendo comprovados maior<br />
presença daqueles do que destes; o que contribuiu<br />
substancialmente para afirmar que, a arbitragem,<br />
é uma via alternativa de natureza jurídica<br />
processual, ou seja, se concretizada por uma<br />
conexão contenciosa, privada, e insurgida de<br />
bens constitucionalmente protegidos, segundo<br />
autonomia das partes em contratar.<br />
Assim, não foi o escopo do presente trabalho<br />
esgotar, nem viabilizar um estudo amplo<br />
acerca da arbitragem, mas sim apresentar subsídios<br />
coerentes e suficientemente concretos, para<br />
que se desperte o interesse em torno da relevância<br />
do tema, permitindo a secularização futura de<br />
uma mentalidade jurisdicional que tem embargado<br />
e contribuído, de certa forma, para a ineficiência<br />
jurisdicional. Almejando, mais além, objetivos<br />
obtidos no tempo esperado, maior efetividade<br />
da tutela jurisdicional e o fortalecimento<br />
do princípio da liberdade e da vontade, assim<br />
como dos direitos fundamentais expressamente<br />
garantidos pela Constituição Brasileira.<br />
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Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 127-135, jun. 2011<br />
135
136 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 2, p. 107-112, nov. 2010
O DISCURSO DESENVOLVIMENTISTA DA GLOBALIZAÇÃO<br />
E SEUS IMPACTOS NA DEMOCRACIA<br />
Ai, palavras, ai, palavras que estranha<br />
potência, a vossa!<br />
Cecília Meireles<br />
Luiza Gaspar Feio *<br />
RESUMO<br />
O presente artigo aborda o tema do discurso desenvolvimentista da globalização e seus<br />
impactos na democracia a partir da análise do levantamento de dados bibliográficos, a<br />
abordar o desenvolvimento tecnicista; o discurso da globalização; e a democracia na era da<br />
globalização; e as necessidades pluralizadas e a exclusão social;<br />
PALAVRAS-CHAVE: Globalização. Democracia e Desenvolvimento.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Este trabalho materializa a pesquisa do<br />
discurso ideológico construído a partir da globalização,<br />
a desmistificar as aparentes contribuições<br />
benéficas tidas em decorrência deste fenômeno,<br />
a partir dos interesses dos variados<br />
agentes, como multinacionais e potências estatais,<br />
a interferirem no globo. A proferirem discurso<br />
falseado pelo desenvolvimento. Porém a<br />
pergunta que deve ser feita é: o desenvolvimento<br />
de quem? Das grandes empresas ou da qualidade<br />
de vida da população?<br />
Desta forma, a relevância se encontra na<br />
apresentação de uma nova faceta da globalização:<br />
a da perversidade. A distanciar o ideal democrático<br />
do governo para o povo, pelo fato do<br />
sistema capitalista ser pautado no consumismo<br />
e na competitividade, a objetivar o lucro, independentemente<br />
de quem será o prejudicado, e<br />
neste caso será o povo.<br />
2 O DESENVOLVIMENTO TECNICISTA<br />
As técnicas de produção foram criadas a<br />
partir das necessidades de aquisição de alimentos,<br />
moradia ou transporte, por exemplo, com a<br />
finalidade de saciar as exigências, inicialmente,<br />
de sobrevivência do homem, a produzir ferramentas<br />
como o machado de pedras, pontas de<br />
lanças e outros objetos.<br />
Com a descoberta do fogo, conjuntamen-<br />
*<br />
Estudante do 6º semestre do curso de Direito – UNAMA;<br />
Bolsista de Iniciação Científica, sob a orientação do Prof. Dr.<br />
Luiz Alberto G. S. Rocha.<br />
137<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 137-142, jun. 2011
te com os metais, ocorreu o avanço dos instrumentos<br />
de trabalho. Posteriormente a descoberta do<br />
ferro e a possibilidade de transformação dessa<br />
matéria-prima em objeto representaram para o ser<br />
humano, grandes avanços no aperfeiçoamento de<br />
seus instrumentos de trabalhos, como as foices,<br />
facões, lanças, machadinhas e correntes.<br />
O aperfeiçoamento dos instrumentos de<br />
trabalho, a serem frutos do desenvolvimento<br />
tecnológico propiciou ao ser humano o poder<br />
de intervenção sobre a natureza. Pois, pôde, assim,<br />
interferir de forma mais abrangente e profunda<br />
no meio ambiente, a transformá-lo conforme<br />
seus desejos e suas necessidades.<br />
Desta forma, o homem passou da Idade<br />
da Pedra para a Idade dos Metais até chegar na<br />
produção manufaturada, em que os artesãos, a<br />
princípio utilizavam a produção para seu próprio<br />
consumo, e posteriormente com o objetivo de<br />
troca. Mas com a Revolução Industrial, a presença<br />
das máquinas se tornou maciça, a ocasionar<br />
grandes mudanças na produção, a passar a ser<br />
de grande escala.<br />
O século XX também foi palco de profundas<br />
transformações nas técnicas desenvolvidas<br />
pelo ser humano, a ter como foco das atenções<br />
as novas tecnologias da informação e da comunicação,<br />
pois foram a alavanca para as mudanças,<br />
não apenas das formas das ferramentas de<br />
trabalho, mas de todas as esferas da sociedade,<br />
como o lazer e o entretenimento.<br />
De acordo com Milton Santos o “representativo<br />
do sistema de técnicas atual é a chegada<br />
da técnica da informação, por meio da cibernética,<br />
da informática, da eletrônica” (SAN-<br />
TOS, 2003, p. 25). A possibilitar a intercomunicação<br />
com as técnicas existentes, e o dilatamento<br />
do uso do tempo, a ter como consequência a<br />
convergência dos momentos e o aceleramento<br />
do processo histórico.<br />
Portanto, o que se verifica é a presença<br />
de uma ideologia do desenvolvimento a partir<br />
das técnicas atuais, a remeter a teoria positivista<br />
do francês August Comte, ao formular a<br />
tese, que o progresso somente seria alcançado<br />
através da ordem da ciência. A influenciar a implementação<br />
da República sem povo, de 1889<br />
no Brasil.<br />
Logo, deve ser perguntado: que desenvolvimento<br />
é este? O desenvolvimento das<br />
multinacionais que investem progressivamente<br />
em tecnologia para obtenção de maiores lucros<br />
ou dos cidadãos que merecem vida digna?<br />
Desta forma, é de grande relevância a<br />
distinção do conceito de modernidade e modernização.<br />
Canclini em seu livro “Culturas Híbridas”,<br />
afirma que o século XX foi pautado do modernismo<br />
sem modernização. Pois a criação de novas<br />
técnicas são consumíveis por grupos favorecidos<br />
economicamente, a não se alcançado pela<br />
massa que desfruta das técnicas “ultrapassadas”<br />
pela modernidade, ao dizer:<br />
O peso cotidiano dessas “deficiências”<br />
faz com que a atitude mais freqüente<br />
perante os debates pós-modernos<br />
seja, na América Latina, a subestimação<br />
irônica. Para que vamos<br />
ficar nos preocupando com a pósmodernidade<br />
se, no nosso continente,<br />
os avanços modernos não chegaram<br />
de todo nem a todos? Não tivemos<br />
uma industrialização sólida,<br />
nem uma tecnificação generalizada<br />
da produção agrária, nem uma organização<br />
sociopolítica baseada na racionalidade<br />
formal e material que,<br />
conforme lemos de Kant e Weber,<br />
teria sido transformado em senso<br />
comum no Ocidente, o modelo de<br />
espaço público onde os cidadãos<br />
conviveriam democraticamente e<br />
participariam da evolução social.<br />
Nem o progressismo evolucionista,<br />
nem o racionalismo democrático foram,<br />
entre nós, causas populares<br />
(CANCLINI, 1998, p.24-25).<br />
Então, o desenvolvimento tecnicista, que<br />
originou o a globalização, é pautado pelo discurso<br />
do desenvolvimento e da modernização, a<br />
estar disponível aos interesses de grupos detentores<br />
do poder político e econômico.<br />
138<br />
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3 O DISCURSO DA GLOBALIZAÇÃO<br />
Entende-se por globalização o processo<br />
de interligação econômica e<br />
cultural, em nível planetário, que ganhou<br />
intensidade a partir de 1980,<br />
devido sobretudo ao crescimento<br />
vertiginoso dos principais centros<br />
nervosos das sociedades modernas:<br />
os mercados financeiros e as redes<br />
de informação. O fenômeno decorre<br />
basicamente da expansão dos sistemas<br />
de comunicação por satélites,<br />
da revolução da telefonia e da presença<br />
da informática na maior parte<br />
dos setores de produção e de serviços,<br />
inclusive por meio de redes planetárias<br />
como a internet. Impulsionado<br />
por notáveis transformações<br />
tecnológicas e por uma onda de simpatia<br />
pelas teses ditas neoliberais<br />
(BARSA, 2002, p. 126).<br />
O conceito apresentado de globalização é<br />
da Enciclopédia Barsa, mas não difere de outros<br />
que são proferidos cotidianamente nas mídias,<br />
na escola ou em uma conversa informal, a apresentar<br />
tal fenômeno como o nirvana das tecnologias,<br />
que assegura a modernização para todos.<br />
Por isso, o discurso clichê sobre a globalização<br />
é comparado por Milton Santos como uma<br />
fábula, mas por ser massificadamente divulgado<br />
torna-se um conceito concreto dotado de certezas<br />
e verdades. Pois, ao falar no processo de<br />
interligação econômica e cultural, em nível planetário,<br />
ou simplesmente em aldeia global, remete-se<br />
à ideia das convergências dos momentos,<br />
a difundir a noção de tempo e espaço contraídos.<br />
Porém, omitem a informação que somente<br />
poderão desfrutar das vantagens deste<br />
fenômeno os que podem pagar por eles.<br />
Também é transmitido o pensamento da<br />
homogeneização, por meio da globalização, em<br />
que a corrente universalista seria aplicada para<br />
padronizar os costumes, as crenças, a política, as<br />
ideologias ou as normas estatais. Mas como poderia<br />
ser possível a exclusão do mérito das identidades<br />
de cada grupo, e das suas riquezas culturais,<br />
muitas delas milenares? Com isso, o mundo<br />
torna-se cada vez desunido, a valorarem a unificação<br />
e a exclusão das diferenças do que a compressão<br />
e respeito das outras facetas culturais.<br />
Entende-se com este posicionamento ideológico,<br />
o distanciamento da verdadeira cidadania,<br />
por haver o contraponto do respeito das diferentes<br />
e das oportunidades que devem ser oferecidas<br />
para os grupos que não fazem parte do<br />
padrão cultural da globalização; entre a idéia exageradamente<br />
divulgada pelos meios de comunicação,<br />
que é a do consumismo, a contribuir para<br />
atenuação da desigualdade social e a pobreza.<br />
No livro “A mundialização do Capital”,<br />
François Chesnais afirma que a palavra de ordem<br />
da atualidade é “adaptar-se”, em prol do<br />
progresso técnico, a ser benéfico e necessário<br />
para o desenvolvimento.<br />
A necessária adaptação pressupõe<br />
que a liberalização e a desregulamentação<br />
sejam levadas a cabo, que<br />
as empresas tenham absoluta liberdade<br />
de movimentos e que todos os<br />
campos da vida social, sem exceção,<br />
sejam submetidos à valorização do<br />
capital privado (CHESNAIS, 1996, p.25).<br />
Logo, os grupos que regem a globalização<br />
possuem interesses que se mascaram nas<br />
entre linhas do discurso desenvolvimentista, a<br />
utilizarem de mecanismos camuflados, como o<br />
PIB, ao dizer que o país está crescendo economicamente,<br />
pelo fato do seu produto interno bruto<br />
estar aumentando, mas na verdade é o índice<br />
do crescimento de grandes empresas, muitas<br />
vezes multinacionais, que exploram a matériaprima,<br />
a mão de obra, e o mercado consumidor<br />
dos países “em desenvolvimento”, com a intenção,<br />
exclusivamente, de lucro. A remeter o jogo<br />
político e ideológico exercido para a obtenção<br />
do poder segundo Thompson:<br />
Na reformulação do conceito de ideologia<br />
procuro reenfocar esse conceito<br />
numa série de problemas que<br />
se referem às inter-relações entre<br />
sentido (significado) e poder. Argu-<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 137-142, jun. 2011<br />
139
mentarei que o conceito de ideologia<br />
pode ser usado para se referir às<br />
maneiras como o sentido (significado)<br />
serve, em circunstâncias particulares,<br />
para estabelecer e sustentar<br />
relações de poder que são sistematicamente<br />
assimétricas – que eu chamarei<br />
de “relações de dominação”.<br />
Ideologia, falando de uma maneira<br />
mais ampla, é sentido a serviço do poder<br />
(THOMPSON, 1995, p.16).<br />
Desta forma, o discurso da globalização<br />
é tido como manipulador, e que protege e direciona<br />
os interesses de grupos com a finalidade<br />
da obtenção do poder político. Pois como afirma<br />
Milton Santos para que se possa compreender o<br />
processo de internacionalização do mundo capitalista<br />
é necessário o estado das técnicas e da<br />
política, ou seja, das tecnologias informacionais<br />
e do discurso da globalização.<br />
4 A DEMOCRACIA NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO:<br />
GOVERNO PELO POVO E PARA O POVO?<br />
Diante dos argumentos expostos a denunciar<br />
a perversidade da globalização, deve-se<br />
confessar que não se pode negar a existência de<br />
tal fenômeno e rejeitá-la, a desejar a implantação<br />
de qualquer outro tipo de regime que possa<br />
atender as necessidades dos que estão insatisfeitos<br />
com o transcorrer dos fatos.<br />
Então, a globalização deve ser aceita<br />
como uma realidade, mas que pode ser ajustada<br />
em prol dos interesses da sociedade, a poder<br />
ser moldada a partir da inversão de subordinação<br />
em relação ao âmbito econômico e político,<br />
em que o capital e as decisões empresariais e<br />
financeiras recebam o grau de prioridade menor<br />
do que possuem.<br />
Pois, afinal, antes de se pensar na fase<br />
do capitalismo, que é palco para os acontecimentos<br />
da atualidade, deveria se pensar primeiramente<br />
no regime de governo vigente: a democracia.<br />
A ter como requisitos para seu funcionamento<br />
pleno a estruturação de vários sistemas,<br />
que são as condições instrumentais do regime,<br />
a fazerem parte os fatores sociais, psicossociais,<br />
culturais e econômicos.<br />
Manoel Gonçalves Ferreira Filho ao analisar<br />
a pesquisa de Seymour Lipset baseda na<br />
relação na democracia e desenvolvimento econômico,<br />
que verificou a relação da renda per capita<br />
elevada com a maior eficácia da democracia,<br />
conclui a ausência da precedência do nível<br />
de desenvolvimento econômico para a existência<br />
do regime democrático.<br />
Logo, para ele teria três condições socioeconômicas<br />
fundamentais para a eficácia da democracia,<br />
a levar em consideração o desenvolvimento<br />
econômico: o pluralismo social, com a<br />
desconcentração e dispersão dos fatores de Poder,<br />
e ausência de desigualdades extremadas.<br />
É neste contexto que as diversidades em<br />
todos os aspectos, que vão desde as econômicas<br />
até as culturais, devem ser analisadas como<br />
maior atenção em meio aos discursos desenvolvimentistas<br />
que já são familiares na história do<br />
Brasil, como no período do governo de Jucelino<br />
Kubitschek. Afirma Ferreira Filho:<br />
O processo de desenvolvimento desencadeado<br />
no governo Kubitschek,<br />
o desenvolvimentismo – associado à<br />
inflação que provocou -, deu lugar a<br />
um agravamento dos conflitos sociais<br />
– reivindicatórios nas grandes cidades,<br />
em torno da terra, no campo.<br />
Neste quadro, é que adveio a revolução<br />
de 1964 e a dominação do Poder<br />
pelos militares, por cerca de vinte<br />
anos. Ingênua, por isso, foi a política<br />
do governo Kennedy que, com a<br />
Aliança para o Progresso, pretendeu,<br />
pelo mero estímulo à promoção do<br />
desenvolvimento econômico, levar<br />
todo o “terceiro mundo” para a democracia,<br />
nos moldes norte-americanos<br />
(FERREIRA FILHO, 2001, p.74).<br />
Portanto, que democracia é desejada<br />
para a atualidade? Não se pode ficar à mercê da<br />
demagogia. Enquanto a verdadeira democracia,<br />
que resguarda os direitos de todos os grupos,<br />
sejam eles excluídos ou não, se torne uma miragem,<br />
uma ilusão.<br />
140<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 137-142, jun. 2011
5 AS NECESSIDADES PLURALIZADAS E A EXCLU-<br />
SÃO SOCIAL<br />
O mundo é regido pela regra da maioria,<br />
seja em uma decisão de qual bolo comprar<br />
entre amigos até a escolha do presidente<br />
que governará o país. É uma regra, que por<br />
muitos é vista como o fundamento da democracia,<br />
o estímulo para a sua eficácia. Porém,<br />
todo decisão é acatada por uma maioria que<br />
tem seus desejos e interesses atendidos,<br />
uma maioria que na maior parte é manipulada<br />
por discursos como o da globalização, a<br />
conformar-se com a exploração econômica, a<br />
trazer consequências no âmbito social e cultural,<br />
por exemplo.<br />
A massa manipulada pelo discurso desenvolvimentista<br />
acredita que seus interesses<br />
são os mesmos dos grupos detentores do poder,<br />
porém são grupos que possuem suas particularidades,<br />
a se diferirem pelos seus anseios e necessidades,<br />
que deveriam ser resguardadas pela<br />
democracia, mas são ludibriados pelo poder.<br />
Não se está apenas a focar as diferenças<br />
do interior de cada país, porém também a<br />
do globo, pois, como já foi mencionado, os<br />
países possuem culturas diferentes, que vão<br />
refletir na economia, na política, e nas normas<br />
vigentes; a não se enquadrarem no padrão<br />
da globalização. Isto acontece principalmente<br />
com as culturas milenares. Portanto, a<br />
soberania dos países devem ser resguardadas,<br />
a não ser democrático a intervenção com a intenção<br />
de se impor outros padrões culturais,<br />
políticos, econômico e sociais que não sejam<br />
os vigentes de cada um.<br />
É neste debate sobre a modernidade e<br />
os princípios democráticos, que Celso Campilongo<br />
afirma:<br />
Quando se fala no “fim da história”,<br />
no “fim das ideologias”, no advento<br />
das sociedades “pós-modernas” –<br />
conceitos deliberadamente polêmicos<br />
porque, entre outras razões,<br />
prospectivos –, a vigilância quanto<br />
à intangibilidade dos princípios democráticos<br />
deve ser redobrada. Muitas<br />
vezes, em nome das liberdades<br />
individuais e da não interferência<br />
na propriedade privada e no mercado,<br />
o discurso político-jurídico minimiza<br />
a outra liberdade, isto é, a<br />
liberdade de participação na produção<br />
do direito e na construção<br />
das instituições (CAMPILONGO,<br />
1997, p. 124).<br />
Então, as necessidades pluralizadas emanadas<br />
de diversificados grupos precisam ser prioridade<br />
na política globalizada da atualidade,<br />
para que se possa evitar a exclusão social, e minimizar<br />
as desigualdades sociais.<br />
6 CONCLUSÃO<br />
De acordo com a temática exposta se conclui<br />
que o discurso desenvolvimentista da globalização<br />
influencia diretamente na eficácia da<br />
democracia, a ter como ideologia o consumismo<br />
exacerbado do capitalismo, a não se preocupar<br />
com as necessidades dos grupos que fazem parte,<br />
também, do regime democrático tão citado<br />
nos discursos, como os eleitoreiros.<br />
Desta forma, a sonhada democracia se<br />
transformou em demagogia, a ser regida pelos<br />
interesses dos grupos detentores do poder político<br />
e econômico. Logo, este debate é de grande<br />
relevância para a sociedade para que os cidadãos<br />
possam discernir os discursos manipuladores<br />
da verdadeira democracia, com o objetivo<br />
de se criar mecanismos de lutas pelos direitos<br />
particulares de cada indivíduo.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 137-142, jun. 2011<br />
141
REFERÊNCIAS<br />
CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e democracia.<br />
São Paulo: Max Limonad, 1997.<br />
CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias<br />
para entrar e sair da modernidade. 2.ed.<br />
São Paulo: Universidade de São Paulo, 1998.<br />
CHESNAIS, François. A mundialização do capital.<br />
São Paulo: Xamã, 1996.<br />
FARIAS, José Eduardo. O direito na economia globalizada.<br />
1. ed. 2ª Tiragem. São Paulo: Malheiros,<br />
2000.<br />
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia<br />
no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001.<br />
IANNI, Octavio. A era do globalismo. Rio de Janeiro:<br />
Civilização Brasileira, 1996.<br />
Nova Enciclopédia Barsa. 6. ed. São Paulo: Barsa<br />
Planeta Internacional Ltda., 2002.<br />
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do<br />
pensamento único à consciência universal. 10.<br />
ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.<br />
THOMPSON, J. Ideologia e cultura moderna: teoria<br />
social crítica na era dos meios de comunicação<br />
de massa. Tradução de Grupo de Estudos sobre<br />
Ideologia Comunicação e Representações<br />
Sociais da Pós-Graduação do Instituto de Psicologia<br />
da PUCRS. Petrópolis: Vozes, 1995.<br />
142<br />
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BOLSISTAS DE MONITORIA<br />
143
144
A ASCENSÃO DO TERCEIRO REICH:<br />
UMA ANÁLISE SOBRE O ESTADO NAZISTA DE 1933-1945 1<br />
Antônio Carlos Pires Maia *<br />
RESUMO<br />
Este artigo tem como finalidade analisar o fenômeno do nazismo que surgiu na Alemanha, no<br />
período de 1933 a 1945, e esclarecer a ascensão ao poder, quais os efeitos desse regime na<br />
sociedade da época, bem como na sociedade atual.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Ideologia Nazista. Regime Totalitário. Aparelhos de Estado.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Este artigo pretende analisar o fenômeno<br />
do nazismo, a fim de contribuir para uma formação<br />
crítica acerca do fenômeno político-nazismo.<br />
Na análise desta temática torna-se importante<br />
estar atento não somente aos fatores<br />
históricos, mas também aos fatores socioeconômicos<br />
que propiciaram o surgimento do regime<br />
nazista na Alemanha. Como ponto de análise<br />
inicial torna-se necessário uma cuidadosa retrospectiva<br />
histórica a certos aspectos, que nortearão<br />
uma análise mais detalhada.<br />
Quatro questões norteadoras conduziram<br />
a análise: Como se deu a tomada do Estado<br />
Alemão? Qual o papel da ideologia nazista? De<br />
que modo os aparelhos ideológicos de Estado<br />
foram usados? Quais os reflexos da ideologia<br />
nazista sob a população na Alemanha?<br />
2 PASSO A PASSO PARA O DOMÍNIO DO ESTADO<br />
ALEMÃO<br />
Ao analisarmos os fatores socioeconômicos<br />
da época – década de 20, notamos que a República<br />
de Weimar foi instaurada no final da primeira<br />
guerra mundial em 1918, com o objetivo<br />
de transformar a Alemanha em um país demo-<br />
*<br />
Graduando do Curso de Ciências Sociais, na Universidade da<br />
Amazônia – UNAMA; ex-monitor de Ciência Política e<br />
Economia Política nos anos de 2009 e 2010.<br />
1<br />
Artigo elaborado sob orientação da profa. Ms. Rubia<br />
Monteiro Pimentel Lavoura, graduada em Ciências<br />
Econômicas, pelo Centro de Ensino Superiores do Pará<br />
(1981); em Ciências Sociais pela Universidade Federal do<br />
Pará (1989); mestra em Ciências Sociais pela Universidade<br />
Federal do Rio Grande do Norte (1998). Atualmente é<br />
professora e Coordenadora do curso de Ciências Sociais na<br />
Universidade da Amazônia – UNAMA. Tem experiência na área<br />
de Sociologia, com ênfase em Sociologia, atuando<br />
principalmente nos seguintes temas: pesquisa em<br />
educação, metodologia da pesquisa, política; política<br />
clássica; política marxista.<br />
145<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 145-151, jun. 2011
crático sob o comando de um parlamento. Cabe<br />
a observação de Ambrose (1944) que concebe o<br />
fenômeno como uma república formada por líderes<br />
imperialistas e pseudocidadãos, uma vez<br />
que os mesmos não se sentiam republicanos.<br />
Outro ponto importante são os reflexos<br />
do Tratado de Versalhes, que impunha sanções<br />
em grande escala para a Alemanha derrotada no<br />
final da primeira guerra mundial.<br />
O tratado proibia o alistamento militar,<br />
reduzia o exército alemão a um número de menos<br />
de um terço do exército regular, expropriava<br />
a Alemanha de 13,5% de seu território e extinguia<br />
a força aérea, obrigava a Alemanha a pagar<br />
uma enorme quantia em dinheiro como reparação<br />
de guerra aos países aliados, entre as<br />
regiões retiradas da Alemanha encontram se a<br />
região do Ruhr rica em ferro.<br />
Analisando esses fatores é possível observar<br />
uma profunda crise econômica e social<br />
que se concretiza definitivamente com a quebra<br />
da bolsa de valores em Nova York no ano de<br />
1929, com a profunda crise econômica.<br />
Com a crise econômica em nível global,<br />
uma série de empréstimos são cancelados. Sem<br />
os subsídios dos países europeus e dos Estados<br />
Unidos a Alemanha sofre com desemprego, superinflação,<br />
desvalorização da moeda nacional,<br />
levando o marco alemão a uma extrema desvalorização,<br />
a exemplo: um dólar valia o mesmo<br />
que 130 bilhões de marcos alemães, gerando,<br />
assim, um enfraquecimento da República de<br />
Weimar que começou a sofrer um processo de<br />
desestruturação.<br />
A República enfraquecida pela crise começa<br />
a perder apoio das camadas burguesas, e a<br />
população mostra-se pouco receptiva a ideia de<br />
uma democracia que não estava trazendo mais<br />
benefícios.<br />
Os efeitos da crise, somados com o descontentamento<br />
em relação ao tratado de Versalhes,<br />
aumentaram em muito a popularidade e a<br />
aceitação do partido nazista, partido esse desprezado<br />
nas eleições para o parlamento antes<br />
da crise. Com toda essa popularidade a alta burguesia<br />
alemã o vê como uma opção preferencial<br />
para a representação de seus interesses, e um<br />
modo de combater a influência comunista crescente<br />
por toda a Europa.<br />
Com o apoio da burguesia o partido nazista<br />
começa a crescer e ganhar aliados e outros<br />
partidos populistas e nacionalistas começam a<br />
agregar-se sob a liderança de Hitler.<br />
Observada a questão econômica verifica-se que<br />
com a aproximação cada vez maior ao grande<br />
capital, o partido e sua ideologia só tendem a<br />
crescer e se solidificar no íntimo da sociedade<br />
alemã tão fragilizada pela crise.<br />
Para exemplificar esse crescimento de<br />
popularidade tem-se as eleições para o parlamento,<br />
exemplo: o número de membros do partido<br />
nazista no Parlamento em 1925 era de 3 parlamentares.<br />
Observa-se isso antes do apoio econômico<br />
burguês e antes da crise econômica; contudo,<br />
apenas um ano depois da crise (1930) o<br />
número de parlamentares sobe de 3 para 107, e<br />
dois anos depois (1932) esses lugares sobem<br />
novamente para 230 membros no parlamento,<br />
sendo assim, a maioria absoluta. Isso evidencia<br />
toda a representatividade do partido e o apoio<br />
do povo e da burguesia empresarial. Estes foram<br />
fatores decisivos para a nomeação de Hitler<br />
ao cargo de chanceler.<br />
O apoio do empresariado alemão é compreensivo,<br />
como nos afirma Fest (2006) tornavase<br />
melhor um governo de extrema direita, que<br />
defendesse os direitos dos grandes empresários<br />
aos modelos comunistas com seus sindicatos<br />
e lutas por direitos trabalhistas.<br />
Em 1933 observamos o ponto de expressão<br />
máxima de influência de Hitler e do partido<br />
nazista através de grande suporte da população<br />
e apoio incondicional de outros partidos de direita<br />
que exigem sua nomeação para o cargo de<br />
chanceler.<br />
Menos de um mês depois de sua nomeação<br />
a chanceler, o prédio histórico do parlamento<br />
alemão é incendiado e a culpa é direcionada<br />
146<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 145-151, jun. 2011
aos partidos comunistas, com o uso de uma máquina<br />
de propaganda avassaladora, de forma<br />
marcante como aparelho ideológico de Estado.<br />
Hitler consegue a aprovação da Lei dos<br />
Plenos Poderes, lei essa que outorgava poder<br />
ao chanceler, permitindo ao mesmo promover<br />
mudanças na constituição, em relação aos direitos<br />
civis, associações, manifestações contrárias<br />
ao governo, e a própria imprensa estaria sob o<br />
controle do governo. Com a morte do presidente<br />
da republica Von Hindenburg em 1934, o cargo<br />
de presidente é unificado ao de chanceler<br />
criando um cargo autocrático denominado de<br />
Führer (Guia), em plebiscito quanto à unificação<br />
e à aceitação de Hitler como comandante supremo<br />
Führer (38. 362.760 votos a favor e 4. 294.654<br />
contra), decisão essa que permitiu que Adolf<br />
Hitler governasse com punhos de ferro a Alemanha<br />
de 1934 a 1945.<br />
3 UMA IDEOLOGIA NAZISTA<br />
2<br />
Eugenia como o estudo dos agentes sob o controle social<br />
que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais<br />
das futuras gerações seja física seja mentalmente. Em<br />
outras palavras, melhoramento genético. A eugenia toma<br />
caráter negativo, particularmente após o surgimento da<br />
eugenia nazista, que veio a ser parte fundamental da<br />
ideologia de pureza racial, a qual culminou no Holocausto.<br />
Quando se fala em ideologia, inúmeros conceitos<br />
surgem, contudo, ao estudarmos mais detalhadamente<br />
essa ideologia que propiciou o nazismo<br />
e o holocausto veremos suas peculiaridades.<br />
Não se pode unificar uma única base da<br />
ideologia nazista, visto que na verdade existiam<br />
ideologias que se mesclavam, dando origem assim<br />
a diversas vertentes, como exemplo algumas<br />
estavam relacionadas a superioridade da<br />
raça ariana, outras ao espaço vital alemão.<br />
Acerca dessas variedades ideológicas<br />
contidas na Alemanha, nota-se que algumas afirmavam<br />
à superioridade da raça, estando essa<br />
direcionada a “pureza racial”, outras ligadas ao<br />
Espaço vital defendido pela expansão territorial,<br />
a eugenia 2 * é outro exemplo dessas ideologias<br />
que foram muito divulgadas através da Europa<br />
como pólo da cultura mundial. Alicerçadas<br />
em fortes doses de darwinismo social e evolucionismo<br />
unilinear, que serão vitais na formação<br />
do anti-semitismo na década de 30.<br />
O racismo científico era ensinado nas<br />
universidades não somente na Europa, mas também<br />
nos Estados Unidos.<br />
Dentre todos os demais casos de antagonismo<br />
coletivo, o anti-semitismo<br />
é o único por sua sistematicidade<br />
sem precedentes, por sua intensidade<br />
ideológica, por sua disseminação<br />
supranacional e supraterritorial,<br />
pela mistura singular de fontes,<br />
tributários locais e ecumênicos.<br />
(BAUMAN, 1998, p.19).<br />
Para a consolidação da ideologia nazista<br />
foram mescladas teorias do racismo científico,<br />
com misticismo e religião, cuja “religião racial”<br />
era pregada e publicada no jornal oficial do partido<br />
nazista, pelo redator de imprensa Julius<br />
Streicher membro do partido nazista. É importante<br />
ressaltar que o jornal do partido é peça<br />
fundamental no que se refere a propagar uma<br />
ideologia nazista.<br />
Vê-se, portanto, uma simbiose entre a<br />
ideologia e partido, em que de modo incisivo os<br />
mesmos traçam uma plataforma de ação que visava,<br />
essencialmente, a construir um Estado baseado<br />
na confiança, honra, disciplina, ordem e<br />
dedicação, e que deveria possuir, além do velho<br />
sonho de uma unidade harmoniosa, também, a<br />
ideia não menos sugestiva de uma nação poderosa<br />
e temida.<br />
Essa nação deveria ser acima de tudo forte,<br />
uma Alemanha para os alemães – Deutschland<br />
Über Alles (Alemanha acima de tudo). Esse<br />
renascimento como um todo homogêneo e antisemita<br />
contava com um programa político econômico<br />
sintetizado em 25 pontos: 1) Reunião de<br />
todos os alemães na grande Alemanha; 2) Abolição<br />
do tratado de Versalhes; 3) Reivindicação do<br />
espaço vital; 4) Definição de cidadão: somente<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 145-151, jun. 2011<br />
147
quem for de sangue alemão; 5) Exclusão dos judeus<br />
das comunidades alemãs; 6) Quem não for<br />
cidadão estará sujeito às leis dos estrangeiros;<br />
7) Quem não for cidadão poderá ser expulso no<br />
caso do Estado não estar em condições de assegurar<br />
alimento a comunidade alemã; 8) Os cargos<br />
públicos estão reservados aos cidadãos; 9)<br />
Direito e dever de trabalho; 10) Abolição das rendas<br />
não derivadas do trabalho; 11) Eliminação<br />
da escravidão do interesse; 12) Confisco dos lucros<br />
de guerra; 13) Nacionalização das indústrias<br />
monopolistas; 14) Participação dos trabalhadores<br />
nos lucros das grandes empresas; 15) Incremento<br />
da previdência para a velhice; 16) Fortalecimento<br />
da classe media; 17) Reforma agrária;<br />
18) Punição dos usurários, açambarcadores, traficantes<br />
do mercado-negro com pena de morte;<br />
19) Substituição do direito Romano pelo direito<br />
Alemão; 20) Reforma da escola no sentido nacionalista;<br />
21) Proteção da mãe e da criança; 22)<br />
Criação de um exercito popular; 23) Limitação<br />
da liberdade de imprensa e de arte; 24) Liberdade<br />
de credo religioso, desde que não contrarie a<br />
moralidade da raça germânica; 25) Criação de<br />
uma forte autoridade central do Reich.<br />
Analisando pontos dessa grande lista, um<br />
de maior relevância é o ponto 3, que possibilitou<br />
o partido criar a expressão “espaço vital”,<br />
uma vez que para os mesmo, uma raça pura e<br />
predeterminada a comandar precisa de espaço,<br />
isso claramente justifica ideologicamente uma<br />
política expansionista.<br />
Shand (1999) nos afirma que “esses pontos<br />
foram meras artimanhas propagandísticas,<br />
pois o partido nazista nunca cumpriu.” Depois de<br />
estar no governo Hitler (2001) declarou “não é<br />
mais hora de programas e sim de trabalho de verdade”.<br />
Contudo a ideologia nazista tinha como<br />
principal objetivo criar uma raça pura, como forma<br />
de acelerar o processo de criação dessa raça.<br />
Observa-se uma larga aceitação do conceito de<br />
eugenia, termo cunhado em 1883 por Francis Galton,<br />
que significava “bem nascido”. Sendo assim,<br />
os “bem nascidos” tinham por dever conduzir a<br />
raça pura para a vitória, ou seja, a supremacia sobre<br />
as raças impuras e incapazes.<br />
O processo de eugenia se estendia a eliminação<br />
de pessoas com deficiências físicas e<br />
mentais classificada como eugenia negativa, a<br />
centros de reprodução humana que visavam a<br />
criação da raça pura através de filhos de alemães<br />
dentro do padrão físico-psicológicos aceitos<br />
como modelo pelo partido. Essa segunda modalidade<br />
era denominada de eugenia positiva.<br />
4 OS APARELHOS IDEOLÓGICOS DO ESTADO<br />
ALEMÃO<br />
Segundo Althusser (1985) existem aparelhos<br />
repressivos e ideológicos. A fim de elucidar<br />
tais conceitos temos como exemplo de aparelhos<br />
ideológicos: família, escola, igreja, judiciário, partidos<br />
políticos, entre outros. Em relação ao aparelho<br />
repressivo, esse se personifica na administração,<br />
exército, polícia, tribunais, prisões.<br />
Nesta concepção, vários aparelhos ideológicos<br />
foram usados na Alemanha nazista, o principal<br />
deles foi a escola. Veremos que os programas<br />
escolares foram drasticamente reformulados<br />
de modo a atender os interesses do Estado.<br />
Os programas escolares modificados possuíam<br />
teorias raciais nazistas, e não somente a<br />
ideologia nazista foi incorporada ao conteúdo,<br />
mas campos do conhecimento acabaram por surgir<br />
a exemplo de uma ciência alemã pura, física<br />
alemã, matemática alemã livre da influência<br />
bolchevique e judaica.<br />
Acreditamos portanto ter boas razões<br />
para afirmar que, por trás dos jogos<br />
de seu Aparelho Ideológico de Estado<br />
político, que ocupava o primeiro<br />
plano do palco, a burguesia estabeleceu<br />
como seu aparelho de Estado<br />
n° 1, e portanto dominante, o aparelho<br />
escolar, que, na realidade, substitui<br />
o antigo aparelho ideológico de<br />
Estado dominante, a Igreja, em suas<br />
funções. Podemos acrescentar: o par<br />
Escola-Família substitui o par Igreja-Família.<br />
(ALTHUSSER, 1985, p. 78).<br />
148<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 145-151, jun. 2011
Através da educação os alemães passaram<br />
a ver a religião judaica como uma “raça”, e<br />
como raça impura e responsável pelos problemas<br />
da sociedade alemã.<br />
Se os programas escolares foram modificados,<br />
os professores também foram, professores judeus<br />
foram proibidos de ensinar, quem pretendesse<br />
lecionar deveria passar por um treinamento sob<br />
observação de funcionários do partido nazista.<br />
O uso da escola como aparelho ideológico<br />
torna-se comum em regimes totalitários, contudo,<br />
observa-se que na Alemanha nazista, houve<br />
uma evolução no que se diz em escola totalitária.<br />
Em 1922 foi fundada a Juventude Hitlerista, com a<br />
motivação de treinar os futuros “arianos puros”.<br />
Dessa forma, logo as antigas escolas foram<br />
abandonadas, toda a educação de jovens e<br />
crianças fica a cargo da juventude hitlerista. Observa-se<br />
aí uma massificação ao extremo no uso<br />
do aparelho ideológico: os pais eram obrigados<br />
a deixar os filhos ingressarem com pena de serem<br />
presos caso se recusassem. Em 1937 há uma<br />
evolução nesse sistema de “treinamento”, são<br />
criadas as escolas para formação de intelectuais<br />
do partido, para os filhos da elite.<br />
Haviam três tipos de escola: as Escolas Adolf<br />
Hitler, para onde iam os jovens a partir de 12 anos<br />
que se destacavam em suas escolas de base, os<br />
Institutos de Educação Nacional e Políticos para<br />
onde eram direcionados os jovens que iriam para<br />
a carreira militar, esses eram supervisionados pelas<br />
SS (tropa de elite nazista), e os Castelos da Ordem<br />
cuja seleção era criteriosa, a elite da elite formava<br />
os cavaleiros do terceiro reich.<br />
Outros aparelhos ideológicos largamente<br />
usados pelos nazistas foram o cinema, arte,<br />
arquitetura e literatura.<br />
A Alemanha torna-se então, um Führerstaat,<br />
um Estado totalitário, apoiado em<br />
um partido único, o Nacional-Socialista,<br />
que, com apenas 25 mil membros<br />
em 1927, chegou a reunir 8 milhões em<br />
1938, uma mostra mais que significativa<br />
do apoio incondicional do povo alemão<br />
(RIBEIRO, 2005, p.41).<br />
Dentro do mundo do cinema a essência<br />
do anti-semitismo e a massificação ideológica<br />
ganharam proporções nunca vistas, o filme<br />
Triumph des Willens (O Triunfo da Vontade), filmado<br />
em 1934 durante o congresso nacionalsocialista<br />
alemão, produzido pela cineasta Leni<br />
Reifenstahl.<br />
O documentário mostrou-se uma arma<br />
poderosa, uma real expressão do que o aparelho<br />
ideológico pode quanto instrumento massificador<br />
de multidões, paradas aos moldes das<br />
grandes paradas romanas. No filme Hitler é saudado<br />
por milhares como líder supremo.<br />
Dentro da literatura foi criada uma enorme<br />
e vasta literatura nazista, que era racista, antisemita<br />
e nacionalista remontando um passado de<br />
pureza e predestinação ao poder da raça ariana.<br />
Quanto à arquitetura foi planejada para<br />
reforçar a ideia de uma nova nação, um novo<br />
mundo onde o nacional-socialismo esmagaria as<br />
raças inferiores e traria glórias para a raça pura, a<br />
exemplo temos as grandes construções das sedes<br />
do partido nazista, todas espelhadas nos<br />
grandes palácios da antiguidade, de forma alusiva<br />
a um passado triunfante.<br />
Em relação aos partidos políticos, não há<br />
oposição uma vez que os mesmo são o único<br />
partido legal. As manifestações políticas do partido<br />
pregavam que a Alemanha estava em guerra<br />
contra as outras nações, onde essas nações<br />
eram os capitalistas e em contraponto a Alemanha<br />
seria a força proletária, unida como nação a<br />
fim de tomar o poder, das mãos dos judeus frustrando<br />
assim seu plano de dominação mundial.<br />
O impacto do nazismo não se restringiu a<br />
Alemanha, mas a sua influência possibilitou a<br />
derrubada de muitos outros governos liberais por<br />
toda a Europa e América latina, propagou uma<br />
confiança na direita mundial, movimentos antiliberais<br />
e fascistas brotaram mundo a fora, como<br />
afirma um historiador renomado: “não foi por acaso<br />
[...] que ditadores da realeza da Europa Oriental,<br />
burocratas, oficiais e Franco (na Espanha) imitassem<br />
o fascismo” (LINZ, 1975, p.206).<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 145-151, jun. 2011<br />
149
5 O PROCESSO DE DESUMANIZAÇÃO E SEUS EFEI-<br />
TOS NA SOCIEDADE ALEMÃ<br />
Após anos de uma ideologia pautada na<br />
eugenia, antissemitismo e arianismo, mostra-se<br />
compreensível que a população aceite de modo<br />
natural com o conceito de raças, e apta a acreditar<br />
em apenas uma verdade, a que só existe uma<br />
raça pura, a raça ariana, as demais são incapazes<br />
e inferiores devem ser eliminadas com o intento<br />
Máximo, a fim não comprometer a pureza da<br />
raça ariana.<br />
De acordo com Milgram (1964), a notícia mais<br />
assustadora trazida pelo holocausto e pelo soubemos<br />
acerca de seus executores não foi a probabilidade<br />
de que “isso” pudesse acontecer a nós, mas a<br />
ideia de que nós poderíamos fazer o mesmo.<br />
A ideologia se instalou de modo a criar<br />
um código de normas de como o cidadão pertencente<br />
a raça ariana deveria se portar, não e<br />
difícil entender como o cidadão alemão outrora<br />
fiel súdito do Kaiser (imperador), torna-se servo<br />
de um ditador tão eloqüente quanto Hitler e seu<br />
discurso de raças.<br />
A modernidade traz outro atenuante<br />
quanto à brutalidade, como afirma Milgram<br />
(1964) “é difícil infligir dor a quem você pode<br />
tocar, é mais fácil provocar dor a quem esta a<br />
distância, e mais fácil ainda a quem você não<br />
pode ouvir, ou ver. Testes foram realizados a fim<br />
de afirmar essa hipótese, um desses testes, consistia<br />
em carregar um ovo em uma colher, toda<br />
vez que o ovo caísse a segunda pessoa apertava<br />
um botão que acionava uma descarga elétrica<br />
no indivíduo que deixou o ovo cair, o teste mostrou<br />
pessoas relutantes em apertar o botão<br />
quando conheciam ou quando podiam ver a pessoa<br />
recebendo a descarga elétrica, contudo<br />
quando não conheciam ou não podiam ver, não<br />
hesitaram em apertar o botão.<br />
Testes como esse, mostram que o ser<br />
humano está em uma dualidade de pensamentos,<br />
e o que é ético ou moral depende exclusivamente<br />
da ideologia.<br />
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
O horror que o nazismo trouxe com o holocausto<br />
representa no íntimo do povo alemão<br />
uma antítese da civilidade moderna, ou quem<br />
sabe apenas mostrou que há um outro lado, um<br />
lado podre no qual duvidamos de sua coexistência<br />
com o lado moderno, civilizado e familiar.<br />
Vemos que o povo alemão foi condicionado<br />
e treinado de modo a realizar um processo<br />
de desumanização do povo judeu, afinal e difícil<br />
realizar atos de crueldade extrema a um ser humano.<br />
É nesse ponto que a alienação enraizada<br />
no intimo da sociedade alemã, enxerga o povo<br />
judeu como sub-raça, subumanos.<br />
A sociedade alemã foi transformada e condicionada<br />
a obedecer sem pensar ou questionar,<br />
a estar ao serviço do Estado. A individualização é<br />
totalmente retirada da consciência popular, a homogeneidade<br />
é o ponto chave, slogans como:<br />
“Somente uma Alemanha” ou “um povo, um reich,<br />
um führer” são parte de uma massificante ideologia<br />
nazista, que tem o propósito de tornar os<br />
indivíduos parte de um enorme corpo social, apto<br />
e de prontidão com apenas um objetivo primário<br />
atender as ordens do Estado Nazista e erradicar<br />
as raças inferiores e impuras.<br />
E nesse ponto que observamos o processo<br />
de “adestramento” dentro dos indivíduos civis<br />
ou militares mostrando-se em um nível de<br />
mecanização, no qual os indivíduos foram treinados<br />
por uma ideologia aterradoramente cruel,<br />
ao ponto que a “solução final”, termo utilizado<br />
pelos nazistas, para o processo de sistematização<br />
fabril do extermínio dos judeus.<br />
A ciência das inovações tecnológicas que<br />
nos trouxe os eletrodomésticos e outros inúmeros<br />
produtos para o consumo, é a mesma que<br />
possibilitou o extermínio mecanizado, eficiente<br />
e estrutural de um povo.<br />
Torna-se importante promover cada vez<br />
mais estudos relacionados a temática históricosociológica<br />
em relação ao nazi-fascismo, estudos<br />
esses baseados inteiramente em uma explicação<br />
150<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 145-151, jun. 2011
detalhada da tomada do poder de Estado, tornando-os<br />
totalitários e autocráticos. Assim propiciando<br />
uma profunda reflexão sobre esses regimes tão<br />
desumanos e destrutivos para a humanidade.<br />
Depois de realizar um detalhado processo<br />
de remontagem histórica fica mais que<br />
claro os meios pelos quais uma minoria instaura<br />
um regime totalitário, desumano, alienador<br />
e arrasta toda uma sociedade destruindo<br />
milhares de vidas.<br />
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Rio de Janeiro: Graal, 1985.<br />
AMBROSE, Stephen E. O Dia D 6 de junho de 1944:<br />
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Catarina, v.3, n. 10, p.25-27, jun. 2005.<br />
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Ed. Centauro, 2001.<br />
HOBSBAWM, Eric J. A era dos extremos: o breve<br />
século XX (1914 – 1991). São Paulo: Companhia<br />
das Letras, 2008.<br />
LYNZ, Juan. Totalitarian and authoritarian regimes.<br />
Cambridge: Greenstein, 1975.<br />
MARX, Karl. Ideologia alemã. São Paulo: Martins<br />
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MESZAROS, Istvan. O poder da ideologia. São<br />
Paulo: Boitempo Editorial, 2004.<br />
MILGRAM, Stanley. The individual in a social<br />
world. New York press, 1971.<br />
RIBEIRO JR, João. O que é nazismo. São Paulo:<br />
Ed. Brasiliense, 2005.<br />
SHAND, Terry. Historias da segunda guerra mundial:<br />
re<strong>lato</strong>s de soldados nazistas. São Paulo: Eagle<br />
Media, 1999. v.1 e v.2 (Soldados de Hitler). 2<br />
DVDs.<br />
SMITHSON, Darlow. Mentes brilhantes a serviço<br />
de Hitler. São Paulo: Chanel Four, 2007. v.1 e v.2<br />
(A ciência e a suástica). 3 DVDs.<br />
SPINDEL, Arnaldo. O que são ditaduras. São Paulo:<br />
Ed. Brasiliense, 1985.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 145-151, jun. 2011<br />
151
152 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 2, p. 119-124, nov. 2010
OS ESTUDOS DA LINGUAGEM EM DIFERENTES<br />
CONTEXTOS E DIVERSOS ENFOQUES 1<br />
Fernanda Machado dos Santos *<br />
RESUMO<br />
Este artigo pretende analisar os enfoques atribuídos aos estudos da linguagem diacronicamente,<br />
registrando as delimitações do objeto de estudo da ciência da linguagem – linguística. Busca-se<br />
compreender a evolução dos estudos linguísticos e identificar as novas vertentes neste<br />
campo de estudo.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Linguagem. Objeto. Ciência. Linguística.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Este artigo busca analisar os enfoques<br />
atribuídos aos estudos da linguagem, mostrando<br />
as diferentes abordagens teóricas a fim de<br />
mostrar a necessidade de estudos da linguagem<br />
voltados ao aspecto social, enfatizando a importância<br />
dos estudos sociolinguísticos (ou apenas<br />
linguísticos) que entende a língua como a forma<br />
de inserir o indivíduo em um grupo social.<br />
A análise desses estudos nos possibilitará<br />
perceber de que forma tais autores abordam<br />
a linguagem, identificando a ênfase dada a um<br />
estudo da língua de forma a valorizar não somente<br />
seus aspectos abstratos, mas levar em consideração<br />
aspectos concretos e externos à língua<br />
que podem ser responsáveis, por exemplo, por<br />
modificações que ela sofre em determinada<br />
época, ou seja, estudar a língua de forma contextualizada,<br />
a fim de desmistificar o real objeto<br />
de estudo da linguística.<br />
Torna-se relevante trabalhar com assuntos<br />
relacionados à linguagem, haja vista que, somos<br />
seres da linguagem, e interagimos em sociedade<br />
através dela. Por isso, estudar sobre a língua<br />
falada, especificamente, significa estudar<br />
sobre aquilo que nos torna um ser social, sobre<br />
parte da nossa cultura. Necessita-se pensar, en-<br />
*<br />
Graduanda do 7º semestre do Curso de Letras e monitora da<br />
disciplina Português I (Gramática Histórica), na Universidade<br />
da Amazônia – UNAMA.<br />
1<br />
Artigo elaborado sob orientação da profa. MS. Maria das<br />
Graças Alves Salim, graduada em Letras e Artes pela<br />
Universidade Federal do Pará (1977); especialização em<br />
Língua Portuguesa pela Universidade Estadual do Ceará<br />
(1993); mestrado em Linguística pela Universidade Federal<br />
do Pará (1998). Atualmente é professora da Universidade da<br />
Amazônia.<br />
153<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 153-159, jun. 2011
tão, em língua não apenas baseado na teorização,<br />
mas levando a teoria mais além, abordar a<br />
língua, por exemplo, como meio utilizado em<br />
atitudes de dominação e até exclusão social, em<br />
que presenciamos a língua como marca da hierarquização<br />
social.<br />
O foco central desses estudos deve estar<br />
baseado na análise e compreensão de questões<br />
da linguagem, não só no que diz respeito ao funcionamento<br />
e estrutura da língua, mas também<br />
no que diz respeito ao fenômeno da linguagem<br />
dentro do aspecto social, tendo em vista que um<br />
estudo pautado na relação entre língua e sociedade<br />
tem se tornado o propósito mais relevante<br />
dos estudos linguísticos atuais.<br />
Tudo isso mostra a importância desses<br />
estudos, já que a língua retrata as características<br />
de um povo de uma determinada época, possibilitando<br />
identificar, assim, marcas presentes na<br />
fala de um indivíduo pertencente a uma época,<br />
que jamais será identificada em outro indivíduo<br />
de uma época distinta.<br />
2 A CIÊNCIA DA LINGUAGEM<br />
A linguística adquiriu caráter científico<br />
a partir do início do século XX como definição<br />
para a ciência que estuda a linguagem. Os estudos<br />
linguísticos passaram a ser considerados<br />
científicos a partir do Curso de Linguística<br />
Geral de Ferdinand de Saussure, o qual determinou<br />
como objeto de estudo a língua. Ele<br />
conseguiu demonstrar uma proposta de estudo<br />
que atendesse às exigências dos estudos<br />
científicos da época. De forma objetiva e através<br />
de estudos bem delimitados, definiu-se<br />
uma ciência que se dedicaria ao estudo da linguagem.<br />
Ao realizar sua proposta, ele proporcionou<br />
fundamentos que serão indispensáveis<br />
aos estudos posteriores.<br />
Assim, a linguística dedica-se em estudar<br />
a língua falada, analisando suas demonstrações<br />
em determinada época. Distingue-se da filologia,<br />
por exemplo, que se dedica ao estudo<br />
histórico-comparativo das línguas, porém, priorizando<br />
suas demonstrações em textos escritos<br />
associados ao contexto literário e cultural.<br />
Diferencia-se, ainda, da Semiótica ou Semiologia,<br />
que dedica seus estudos não só aos<br />
signos linguísticos, ou seja, sistema de signos<br />
que representam a linguagem verbal, mas engloba<br />
todo e qualquer sistema de signos instituídos,<br />
como os pertencentes às artes visuais,<br />
vestuário, fotografia, gestos, sinais de trânsito<br />
etc. A definição para esses estudos é ressaltada<br />
por Saussure<br />
Dessarte, qualquer que seja o lado<br />
por que se aborda a questão, em nenhuma<br />
parte se nos oferece integral<br />
o objeto da Linguística. Sempre encontraremos<br />
o dilema: ou nos aplicamos<br />
a um lado apenas de cada<br />
problema e nos arriscamos a não<br />
perceber as dualidades assinaladas<br />
acima, ou, se estudarmos a linguagem<br />
sob vários aspectos ao mesmo<br />
tempo, o objeto da Lingüística nos<br />
aparecerá como um aglomerado confuso<br />
de coisas heteróclitas, sem liame<br />
entre si. Quando se procede assim,<br />
abre-se a porta a várias ciências<br />
Psicologia, Antropologia, Gramática<br />
normativa, Filologia etc, que separamos<br />
claramente da Lingüística,<br />
mas que, por culpa de um método<br />
incorreto, poderiam reivindicar a linguagem<br />
como um de seus objetos.<br />
Há, segundo nos parece, uma solução<br />
para todas essas dificuldades:<br />
é necessário colocar-se primeiramente<br />
no terreno da língua e tomála<br />
como norma de todas as outras<br />
manifestações da linguagem. (SAUS-<br />
SURE, 1995, p. 16-17).<br />
Saussure substitui o modelo de estudo<br />
diacrônico pelo sincrônico da estrutura das línguas,<br />
baseando-se em uma determinada época<br />
e em um tempo específico. Além disso, definiu<br />
conceitos que foram posteriormente denominados<br />
de dicotomias, sendo elas língua vs. fala,<br />
sincronia vs. diacronia, significado vs. significante<br />
e sintagma vs. paradigma.<br />
154<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 153-159, jun. 2011
É a essa definição de linguística que<br />
F. de Saussure, após uma condenação<br />
desses predecessores que não<br />
definiram seu objeto, dedica os primeiros<br />
capítulos de seu Curso. O termo<br />
linguagem encobre um conjunto<br />
de realidades muito diversas, fisiológicas<br />
e psicológicas, auditivas e vocais,<br />
e todas as ciências, ou quase<br />
todas, podem nela encontrar objetos<br />
que lhe dizem respeito. O domínio<br />
próprio de uma linguística não é evidente,<br />
embora F. de Saussure esteja<br />
certo da possibilidade de tal ciência<br />
antes mesmo de descobrir seu objeto<br />
de estudo. (DUBOIS, 2006, p.390).<br />
Quanto ao modelo de estudo estruturalista<br />
saussuriano podem-se destacar dois traços<br />
característicos de sua análise, uma em relação<br />
à língua como objeto de estudo, e a outra<br />
como a abordagem de estudo sincrônica. Saussure<br />
entende a língua como sistema de signos<br />
linguísticos constituídos socialmente, considerando-a<br />
homogênea e, apesar de coletiva, imutável<br />
pelos indivíduos. Essa abordagem demonstra<br />
a compreensão de língua como sistema<br />
que, apesar de convencional, não é compreendido<br />
logicamente pelos seus falantes no<br />
que tange aos seus processos linguísticos, já<br />
que a língua era vista como algo externo ao<br />
homem, o que o impossibilitava de realizar<br />
qualquer modificação.<br />
O estruturalismo priorizava a análise das<br />
estruturas que compõem a língua e descrevêlas,<br />
sem precisar fazer relação com a abordagem<br />
história pela qual essa língua perpassou, pois<br />
determinava o estudo diacrônico da língua independente<br />
do estudo sincrônico, como linhas<br />
paralelas que não conseguiam se entrelaçar.<br />
Outros estudiosos da linguagem tomaram<br />
como base as proposições realizadas por<br />
Saussure aos estudos da língua para delimitarem<br />
seus estudos, tanto no que diz respeito a<br />
seguir o modelo estruturalista, quanto a confrontá-lo<br />
através de outras propostas de estudo.<br />
3 OUTRAS ABORDAGENS SOBRE A LINGUAGEM<br />
Na segunda metade do século XX, o linguista<br />
Noam Chomsky desenvolveu outro conceito<br />
que se distanciava do estruturalismo<br />
saussuriano. Chomsky delimitou seu estudo através<br />
de uma gramática gerativa.<br />
a gramática generativa mudou o foco<br />
de atenção do comportamento lingüístico<br />
real ou potencial e dos produtos<br />
deste comportamento para o<br />
sistema de conhecimento que sustenta<br />
o uso e a compreensão da língua,<br />
e, mais profundamente, para a<br />
capacidade inata que permite aos<br />
humanos atingir tal conhecimento<br />
(CHOMSKY, p. 43, 1994).<br />
A gramática gerativa pautava-se no raciocínio<br />
de que as sentenças são construídas a<br />
partir de um processo cerebral e que a linguagem<br />
ocorre em dois níveis: o superficial e o<br />
profundo. O superficial abrangia as sentenças<br />
resultantes do pensamento, fala e escrita; e o<br />
profundo poderia ser entendido como um suporte<br />
lógico, no qual o raciocínio aconteceria<br />
sem o uso de palavras.<br />
[...] a maioria das propostas mais rigorosas<br />
de desenvolvimento da teoria<br />
lingüística [...] tentam formular<br />
métodos de análise que um investigador<br />
poderia efetivamente utilizar<br />
se dispusesse do tempo suficiente<br />
para construir uma gramática de uma<br />
língua diretamente a partir de dados<br />
brutos. Parece-me muito discutível<br />
que este objetivo seja alcançável<br />
de forma minimamente interessante<br />
e suspeito de que qualquer<br />
tentativa neste sentido conduza a<br />
um intrincado conjunto de processos<br />
analíticos cada vez mais elaborados<br />
e complexos que não estarão aptos<br />
a fornecer soluções para muitas<br />
questões relevantes sobre a natureza<br />
da estrutura lingüística. (CHOMSKY,<br />
1957, p. 58).<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 153-159, jun. 2011<br />
155
Nesse sentido, sentenças na voz ativa e voz<br />
passiva, por exemplo, eram consideradas semelhantes.<br />
Quando analisadas em nível superficial<br />
identificava-se diferenças na estrutura sintática,<br />
mas quando era analisada em nível profundo entendia-se<br />
que as duas sentenças possuíam significações<br />
comuns, ou seja, diziam a mesma coisa.<br />
Partindo desse pressuposto o objeto de<br />
análise do linguista passava a ser definido pelas<br />
transformações entre um estágio e outro. É a<br />
partir desse raciocínio que se define a gramática<br />
gerativa, na tentativa de descrever uma gramática<br />
que pudesse gerar todas as possíveis sentenças<br />
que a língua fosse capaz, a partir de um<br />
conjunto limitado de regras e constituintes.<br />
Chomsky delimitou seu estudo de forma<br />
semelhante às dicotomias saussurianas, delimitada<br />
entre o conhecimento das regras da língua<br />
que o falante-ouvinte possui e o emprego desse<br />
conhecimento em situações concretas de uso<br />
da língua. O primeiro denomina-se competência,<br />
e o segundo desempenho. A partir dessa<br />
delimitação, que determinava o enfoque dado<br />
ao estudo da linguagem, Chomsky prioriza o estudo<br />
da competência, diferenciando-se já dos linguistas<br />
anteriores.<br />
Segundo Chomsky (1957) esse parâmetro<br />
de análise levava em consideração que se o<br />
falante possui competência linguística, ele consequentemente<br />
conseguirá criar e desenvolver<br />
sentenças, além de demonstrar possíveis falhas<br />
relacionadas ao desempenho. Assim, podemos<br />
relacionar essa acepção com outros tipos de<br />
competência, por exemplo, no que diz respeito<br />
a utilizar uma máquina de costura e ser capaz de<br />
fazer diversos tipos de roupas, assim como, identificar<br />
e reconhecer algum possível erro no ato<br />
da costura (desempenho).<br />
A acepção de Chomsky sobre a linguagem<br />
mostrava-se oposta à de Saussure, visto que<br />
se este considerava a língua como algo externo<br />
ao homem, aquele a entendia como interno, já<br />
que a competência linguística era considerada<br />
como capacidade inata ao homem.<br />
A gramática gerativa definiu, então, seu<br />
estudo pautado na observação e análise das<br />
manifestações da língua, levando-se em consideração<br />
esquemas abstratos. Assim, recusavase<br />
em analisá-la a partir de dados colhidos em<br />
situações distintas do falante, já que acreditava<br />
que as línguas possuíam traços de sua origem<br />
comum armazenados no cérebro. Esses estudos<br />
analisavam a sintaxe da língua, que era considerada<br />
como autônoma e central, já que se acreditava<br />
que era onde se encontram as explicações<br />
acerca da linguagem.<br />
O enfoque do gerativismo estava direcionado<br />
ao estudo das frases, de forma a valorizar<br />
análises sincrônicas e diacrônicas ao mesmo<br />
tempo, também considerando a língua como<br />
conjunto sistêmico.<br />
Essa proposta de estudo caracterizava-se<br />
em descritiva e explicativa, na medida em que<br />
tomava como ponto de partida esquemas abstratos<br />
e chegava-se em dados concretos representados<br />
por construções frasais consideradas gramaticais,<br />
ou seja, àquelas existentes na língua.<br />
As ideias de Chomsky resultaram em significativas<br />
contribuições aos estudos linguísticos<br />
e, por isso, as teorias que surgiram posteriormente<br />
tomavam como referência essas ideias, seja<br />
no sentido de concordância ou discordância.<br />
4 POR UMA REFLEXÃO DISCURSIVA DA LINGUAGEM<br />
Depois dos estudos gerativistas o foco<br />
da discussão da linguagem deixava o plano sintático<br />
e passava ao plano do discurso, priorizando<br />
os estudos da língua em uso, em funcionamento.<br />
Deu-se lugar aos pensamentos de<br />
Bakhtin demonstrando uma concepção de linguagem,<br />
levando-se em consideração toda a<br />
sua complexidade, voltada para o fenômeno da<br />
interlocução. Bakhtin (1986) afirma que a língua<br />
vive e evolui historicamente na comunicação<br />
verbal concreta, não no sistema linguístico<br />
abstrato das formas da língua, nem do psiquismo<br />
individual dos falantes.<br />
156<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 153-159, jun. 2011
A verdadeira substância da língua<br />
não é constituída por um sistema<br />
abstrato de formas linguísticas, nem<br />
pela enunciação monológica isolada,<br />
nem pelo ato psicofisiológico de<br />
sua produção, mas pelo fenômeno<br />
social da interação verbal, realizada<br />
através da enunciação ou das<br />
enunciações. A interação verbal constitui<br />
assim a realidade fundamental<br />
da língua. (BAKHTIN, 1986, p.123).<br />
As reflexões de Bakhtin revelavam-se<br />
divergentes às de Saussure, pois não acreditava<br />
que a língua pudesse ser entendida como abstrata,<br />
homogênea e imutável, e tampouco que<br />
ela fosse transmitida por gerações sem que os<br />
falantes pudessem modificá-la.<br />
Essas ideias confrontavam ainda às de<br />
Saussure quanto à relação do falante com a linguagem.<br />
Ele critica a concepção formalista/estruturalista<br />
da linguagem, e propõe um estudo<br />
pautado em análises a partir de relações dialógicas,<br />
substituindo as análises linguísticas no plano<br />
da língua enquanto estrutura abstrata. Sua<br />
proposta direciona o estudo de uma nova disciplina<br />
– a metalinguística – que ultrapassava os<br />
limites da linguística estruturalista, e valorizava<br />
o discurso. As análises linguísticas não eram ignoradas,<br />
mas agora eram aplicadas através de<br />
pesquisas metalinguísticas.<br />
Enquanto Saussure considerava a língua<br />
“em si e por si” justificando as suas modificações<br />
no tempo e através das forças sociais, Bakhtin<br />
considera o falante o responsável por essas<br />
modificações, pois entendia que este se constituía<br />
“na e pela” língua. A partir disso, passou a<br />
entender a língua como um sistema constituído<br />
por signos ideológicos que refletiam as mudanças<br />
sofridas na sociedade.<br />
Bakhtin define o real objeto de estudo<br />
como o exercício da fala em sociedade, ou seja,<br />
o enunciado, pretendendo, dessa forma, entender<br />
como funcionava a linguagem humana<br />
enquanto fenômeno. Seus estudos estavam<br />
voltados para um objeto em constante movimento,<br />
modificação, que substituiria àquele<br />
abstrato e imutável.<br />
[...] o essencial na tarefa de descodificação<br />
não consiste em reconhecer<br />
a forma utilizada, mas compreendê-la<br />
num contexto concreto preciso,<br />
compreender sua significação<br />
numa enunciação particular. Em<br />
suma, trata-se de perceber seu caráter<br />
de novidade e não somente sua<br />
conformidade à norma. Em outros<br />
termos, o receptor, pertencente à<br />
mesma comunidade lingüística,<br />
também considera a forma lingüística<br />
utilizada como um signo variável<br />
e flexível e não como um sinal imutável<br />
e sempre idêntico a si mesmo<br />
(BAKHTIN, 1986, p. 93).<br />
A linguagem era compreendida como<br />
prática social, justificando-se na língua sua realidade<br />
material como um processo que evolui<br />
ininterruptamente. Assim, seu objeto de estudo<br />
– o enunciado – só poderia ser analisado dentro<br />
de uma interação verbal, durante um diálogo,<br />
para entender o funcionamento da linguagem<br />
humana enquanto fenômeno.<br />
Essa abordagem nos revela a incoerência<br />
de estudar a língua enquanto sistema imutável<br />
e homogêneo já que ela acontece em sociedade,<br />
a qual se mostra heterogênea e em constante<br />
processo evolutivo de mudança. Então,<br />
nota-se a importância que esses estudos proporcionaram<br />
para que surgissem novas vertentes<br />
de análises mais contemporâneas da linguagem<br />
enquanto fenômeno.<br />
5 NOVAS TENDÊNCIAS TEÓRICAS PARA O ESTU-<br />
DO LINGUÍSTICO<br />
As ideias de Bakhtin revolucionaram as<br />
pesquisas no campo linguístico do século XX,<br />
superando a abordagem estruturalista e gerativista<br />
da linguagem. Os estudos anteriores abordavam<br />
a língua como produto social, visto que<br />
ela se realiza em sociedade como instrumento<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 153-159, jun. 2011<br />
157
de comunicação entre os indivíduos. Entretanto,<br />
percebe-se que, apesar desse entendimento,<br />
não havia uma abordagem que analisasse a<br />
língua e os elementos de caráter social, descrevendo-a<br />
como produto heterogêneo.<br />
A partir dessa concepção de estudo da<br />
linguagem surgem os estudos da língua voltados<br />
aos aspectos sociais e, consequentemente,<br />
ao seu caráter heterogêneo, através da disciplina<br />
sociolinguística, que realizará seus estudos<br />
dando enfoque à diversidade linguística.<br />
Essa nova proposta de estudo propunhase<br />
a descrever a heterogeneidade da língua representada<br />
pela diversidade justificada por influências<br />
de fatores externos – fatores sociais.<br />
Como representante mais conhecido da sociolinguística<br />
surge William Labov (1972) para dar<br />
um enfoque mais abrangente da relação entre<br />
língua e sociedade.<br />
Labov, em meados do século XX, revela<br />
sua concepção de linguagem, que diverge da<br />
estruturalista e gerativista, analisando a modalidade<br />
de fala em seu contexto social. Seus pensamentos<br />
aproximam-se de Bakhtin quanto à<br />
dinamicidade da língua e seu processo contínuo<br />
de mudança, analisando a partir de então as variações<br />
que a língua manifesta através da fala.<br />
Nesse sentido, vê-se a constatação de<br />
uma divergência quanto aos estudos anteriores,<br />
que não levavam em conta os estudos da fala,<br />
passando, a partir de então, a ter um enfoque<br />
maior nos estudos contemporâneos.<br />
Então, Labov (1972) e Herzog (2006) iniciam<br />
uma abordagem de estudo pautada em uma<br />
teoria da mudança linguística, levando-se em<br />
consideração os fatores internos e externos da<br />
língua. Nessa teoria consideram-se cinco aspectos<br />
a serem analisados: fatores condicionantes,<br />
transição, encaixamentos linguístico e social, avaliação<br />
e a implementação.<br />
Os fatores condicionantes são relativos aos<br />
elementos sociais e linguísticos que dariam condições<br />
para que ocorresse a mudança linguística.<br />
O período de transição refere-se ao momento em<br />
que uma estrutura é substituída por outra, traço<br />
característico de um estudo diacrônico. Os encaixamentos<br />
linguísticos e sociais são relativos às alterações<br />
que a língua sofre adequando-se a diferentes<br />
contextos sociais, funcionando diferentemente.<br />
A avaliação dessas variáveis da língua<br />
pelos indivíduos pertencentes a uma comunidade<br />
de fala possui relação direta ao processo de<br />
transição. E por fim a implementação é saber como<br />
e quando uma mudança foi implementada e saber<br />
quando o fenômeno deixa de ser considerado<br />
mudança e passa a ser considerado parte da<br />
estrutura sociolinguística de uma comunidade.<br />
Essas novas tendências de estudo da língua,<br />
que trabalham em uma perspectiva sincrônica<br />
e diacrônica conjuntamente, têm contribuído<br />
e avançado nos estudos da linguagem enquanto<br />
fenômeno social. Assim, torna-se de<br />
grande relevância pesquisas atuais que buscam<br />
compreender as estruturas linguísticas e suas<br />
respectivas variações, relacionando com os fatores<br />
extralinguísticos, e entender a língua, através<br />
da fala, não mais com caráter homogêneo,<br />
mas agora como heterogêneo, buscando entendê-la<br />
não mais “em si e para si”, mas enquanto<br />
produto social.<br />
Outros aspectos relevantes de estudo<br />
foram delimitados, como por exemplo o contexto<br />
social de uso da língua, que passou a fazer<br />
parte das análises sociolinguísticas na tentativa<br />
de explicar as modificações linguísticas. E a partir<br />
dessa concepção de análise é que se entende<br />
o indivíduo como responsável por mudanças<br />
ocorridas na língua em uso.<br />
Na explicação da mudança lingüística,<br />
é possível alegar que os fatores<br />
sociais pesam sobre o sistema lingüístico<br />
como um todo [...] Assim, a<br />
tarefa do lingüista não é tanto demonstrar<br />
a motivação social de uma<br />
mudança quanto determinar o grau<br />
de correlação social que existe e<br />
mostrar como ela pesa sobre o sistema<br />
lingüístico abstrato (WEINREI-<br />
CH, LABOV e HERZOG, 2006, p.123).<br />
158<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 153-159, jun. 2011
Dessa forma, Weinreich, Labov e Herzog<br />
(2006) partem do pressuposto de que a ocorrência<br />
de mudanças linguísticas acontece em qualquer<br />
língua, e a Sociolinguística Variacionista pretende<br />
compreender como elas se dão nos sistemas<br />
das línguas, e qual a sua relação com os processos<br />
variáveis de análise sincrônica, em que<br />
há uma restrita ligação entre os fatores linguísticos<br />
e sociais.<br />
A partir desse parâmetro de estudo entende-se<br />
a língua como um sistema não homogêneo,<br />
mas heterogêneo, em que as variações<br />
são inerentes ao sistema linguístico em uso, o<br />
qual funciona como meio de comunicação entre<br />
os indivíduos de uma comunidade de fala, e que<br />
é onde ocorrem mudanças através de fatores linguísticos<br />
e sociais.<br />
6 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES<br />
Este artigo demonstrou as diferentes abordagens<br />
que os estudiosos atribuíram aos estudos<br />
linguísticos. Partimos do advento de uma ciência<br />
que se dedicara ao estudo da linguagem a partir<br />
de Saussure, através de suas contribuições que<br />
possibilitaram os estudos posteriores. Passamos<br />
por Chomsky demonstrando suas reflexões acerca<br />
da língua e suas confrontações às ideias de<br />
Saussure. Depois chegamos a Bakhtin e apresentamos<br />
sua proposta de abordagem discursivo-ideológica,<br />
até chegar a Labov, que é considerado o<br />
precursor das pesquisas contemporâneas.<br />
Dessa forma, apresentamos os diferentes<br />
enfoques e diferentes contextos pelos quais os estudos<br />
linguísticos passaram, mostrando a complexidade<br />
de se entender o funcionamento do cérebro<br />
humano, para compreender o domínio que indivíduo<br />
tem da linguagem a ponto de modificá-la.<br />
Pode-se, então, mostrar a necessidade<br />
de estudos da linguagem voltados ao aspecto<br />
social, enfatizando a importância dos estudos<br />
linguísticos que entendem a língua como a forma<br />
de inserir o indivíduo em um grupo social,<br />
enfatizando agora o que as teorias anteriormente<br />
deixavam de lado, para enfim, entender como<br />
a língua realmente funciona.<br />
REFERÊNCIAS<br />
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem:<br />
problemas fundamentais do método sociológico da<br />
ciência da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2004.<br />
CHOMSKY, Noam. Linguagem e mente. Brasília:<br />
Universidade de Brasília, 1998.<br />
DUBOIS, Jean. Dicionário de linguística. São Paulo:<br />
Cultrix, 2006.<br />
MONTEIRO, José lemos. Para compreender Labov.<br />
Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.<br />
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Linguagem e seu funcionamento:<br />
as formas do discurso. 2. ed. Campinas,<br />
SP: Pontes, 1987.<br />
ORLANDI, Eni Pulcinelli. O que é linguística. São<br />
Paulo: Brasiliense, 1995.<br />
SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística geral.<br />
2. ed. São Paulo: Cultrix, 1995.<br />
TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolinguística.<br />
São Paulo: Ática, 2006.<br />
WEEDWOOD, Bárbara. História concisa da linguística.<br />
São Paulo: Parábola, 2002.<br />
WEINREICH, U.; LABOV, W.; HERZOG, M. Fundamentos<br />
empíricos para uma teoria da mudança<br />
linguística. São Paulo: Parábola editorial, 2006.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 153-159, jun. 2011<br />
159
160
INTERVENÇÃO FISIOTERAPÊUTICA NA SÍNDROME DE MARFAN:<br />
RELATO DE CASO 1 Marcus Vinicius de Oliveira Resque *<br />
RESUMO<br />
A Sindrome de Marfan é uma doença genética autossômica que atinge predominantemente o<br />
tecido conjuntivo, ocasionando alterações nos sistemas musculoesquelético, ocular e cardiovascular.<br />
O fisioterapeuta deve realizar uma avaliação precisa dos indivíduos portadores desta<br />
síndrome a fim de elaborar o melhor plano de tratamento para uma reabilitação eficaz. Objetivo:<br />
Relatar o caso de um paciente portador da Síndrome de Marfan, relacionando os aspectos<br />
teóricos encontrados nas literaturas com o quadro clínico apresentado pelo mesmo e as principais<br />
condutas fisioterapêuticas. Metodologia: O artigo foi elaborado com base na semiologia,<br />
catalogados na ficha de avaliação do paciente e atendimento fisioterapêutico, juntamente<br />
com uma revisão de literatura a cerca do assunto, em banco de dados virtuais e na biblioteca da<br />
UNAMA e da UEPA. Conclusão: Uma patologia pouco comum no país, e o fisioterapeuta tem um<br />
papel fundamental no manejo clínico desses pacientes, principalmente nas disfunções osteomio-articulares.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Síndrome de Marfan. Fisioterapia. Tratamento.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
A Síndrome de Marfan (SM) é uma doença<br />
de herança autossômica dominante do tecido<br />
conjuntivo, que envolve principalmente os sistemas<br />
musculoesquelético, ocular e cardiovascular<br />
(NEPTUNE et al., 2003).<br />
A principal causa de morte prematura nos<br />
pacientes afetados pela síndrome é dilatação progressiva<br />
da raiz da aorta e da aorta ascendente,<br />
causando incompetência e dissecção aórtica. Quanto<br />
à incidência, os valores são conflitantes, variando<br />
de 4 a 6 indivíduos em 100.000. (BROOKE, 2008).<br />
O quadro clínico é muito variado, e<br />
pode ser observada uma expressividade variável,<br />
ou seja, nem sempre um indivíduo afetado<br />
tem todas as características clínicas. Por<br />
*<br />
Acadêmico do 8º semestre do curso de Fisioterapia da<br />
Universidade da Amazônia e monitor das disciplinas:<br />
Fisioterapia nas Enfermidades e Distúrbios do Sistema<br />
Nervoso e Fisioterapia nas Enfermidades e Distúrbios<br />
Infanto-Juvenis<br />
1<br />
Artigo elaborado sob orientação da profª Luciane Lobato<br />
Sobral, professora das disciplinas de Fisiopatologia Humana<br />
e Fisioterapia nas Enfermidades e Distúrbios do Sistema<br />
Nervoso da Universidade da Amazônia; mestre em<br />
Fisioterapia Neurológica pela Universidade Metodista de<br />
Piracicaba (2007).<br />
161<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 161-165, jun. 2011
isso, é necessário examinar cuidadosamente<br />
os pais e os familiares próximos. Da mesma<br />
forma que um indivíduo discretamente afetado<br />
pode vir a ter um filho muito acometido,<br />
ou vice-versa (ONODERA, 2004).<br />
Os pacientes com a Síndrome de Marfan<br />
geralmente são medicados com betabloqueadores<br />
de forma a diminuir a frequência cardíaca e<br />
o inotropismo do coração (força de contração). Em<br />
caso de aneurisma da aorta, recorre-se a intervenção<br />
cirúrgica. É ainda importante que o doente seja<br />
alertado para a importância de uma correta higiene<br />
oral, de forma a prevenir a entrada de bactérias<br />
por essa via e evitar assim complicações<br />
como endocardites (BROOKE, 2008).<br />
O tratamento fisioterapêutico é parte<br />
integrante da equipe interdisciplinar que visa<br />
ao auxílio terapêutico nos pacientes portadores<br />
da Síndrome de Marfan. (PEREZ, 2004).<br />
O papel do fisioterapeuta é de normalizar<br />
as alterações musculoesqueléticas, como minimizar<br />
as deformidades e reduzir a hipermobilidade<br />
das articulações, além de promover um condicionamento<br />
cardiorrespiratório (DUPRAT, 2002).<br />
2 OBJETIVO<br />
Pesquisa na literatura, dados relacionados<br />
à Síndrome de Marfan, a fim de relacionar os<br />
aspectos teóricos, incluindo fisiopatologia e o<br />
quadro clínico, com os achados obtidos na avaliação<br />
fisioterapêutica e na prática clínica.<br />
Para isso, foi realizado um re<strong>lato</strong> de caso<br />
de um menino de 12 anos, portador da Síndrome<br />
de Marfan, pois o objetivo foi identificar as<br />
principais manifestações clínicas deste paciente,<br />
a fim de elaborar um protocolo de tratamento<br />
eficaz para reabilitação do mesmo.<br />
3 METODOLOGIA<br />
Este artigo foi desenvolvido na Clínica de<br />
Reabilitação – Fisiosaúde, durante um estágio<br />
extracurricular supervisionado na área pediátrica,<br />
no período de 23 de novembro a 20 de dezembro<br />
de 2010. Os dados foram obtidos por<br />
meio de uma avaliação fisioterapêutica, onde<br />
foi realizada uma anamnese precisa com informações<br />
relatadas pela genitora do paciente,<br />
bem como um exame físico e cognitivo, a fim de<br />
reportar as principais alterações clínicas.<br />
Logo em seguida, foram pesquisados dados<br />
na literatura acerca do assunto, como: conceito,<br />
epidemiologia, quadro clínico, principais<br />
sequelas, tratamento clínico e fisioterapêutico.<br />
Utilizou-se para tal, pesquisa em bancos de dados<br />
virtuais como Bireme e Scielo, no período<br />
de novembro a dezembro de 2010, além de levantamento<br />
bibliográfico nas bibliotecas da Universidade<br />
da Amazônia (UNAMA) e Universidade<br />
Estadual do Pará (UEPA).<br />
4 REFERENCIAL TEÓRICO<br />
4.1 CONCEITO<br />
A patologia foi descrita por um pediatra<br />
francês, Antoine Bernard-Jean Marfan, em 1896.<br />
Com este primeiro re<strong>lato</strong> e outros subseqüentes,<br />
ficou estabelecido que se tratava de uma<br />
doença genética com transmissão autossômica<br />
dominante, com expressividade variável intra e<br />
inter familiar (ONODERA, 2004).<br />
A síndrome de Marfan, também conhecida<br />
como Aracnodactilia, é uma desordem<br />
do tecido conjuntivo caracterizada por membros<br />
anormalmente longos. A doença também afeta<br />
outras estruturas do corpo, incluindo<br />
o esqueleto, os pulmões, os olhos, o coração e<br />
os vasos sanguíneos (NEPTUNE et al., 2003).<br />
4.2 EPIDEMIOLOGIA<br />
A incidência da SM ocorre acerca de 2 a 3<br />
em 10.000 indivíduos, embora essa estimativa<br />
dependa de um reconhecimento melhor de todos<br />
os indivíduos acometidos e aqueles com predisposição<br />
genética (BRAZÃO, 2009).<br />
162<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 161-165, jun. 2011
Como 75% dos indivíduos têm um dos<br />
pais afetados, torna-se de suma importância o<br />
aconselhamento genético. A expectativa de vida<br />
média tem aumentado significativamente desde<br />
1972, aproximando-se da população geral.<br />
Isto se deve, pelo menos em parte, aos benefícios<br />
alcançados pela cirurgia cardiovascular e pela<br />
terapia farmacológica com betabloqueadores<br />
(DUPRAT; PEREIRA, 2002).<br />
4.3 FISIOPATOLOGIA<br />
As principais informações médicas a respeito<br />
dão conta que a base genética na maioria<br />
dos casos consiste na mutação de um gene situado<br />
no cromossomo 15, a fibrilina (FBN1), importante<br />
componente na formação das fibras<br />
elásticas. Sua produção anormal resulta em fibras<br />
elásticas anormais produzindo as alterações<br />
que caracterizam a síndrome. Estas mutações<br />
podem ser encontradas em 90% dos indivíduos<br />
que preenchem os critérios de diagnóstico clínico.<br />
(NEPTUNE et al., 2003).<br />
A artéria aorta e os ligamentos são ricos<br />
em fibras elásticas, fato que explica as alterações<br />
dessas estruturas serem as principais sequelas<br />
dos portadores da síndrome (LEITE, 2003).<br />
4.4 QUADRO CLÍNICO<br />
As características clínicas da SM envolvem<br />
alterações nas estruturas dos sistemas músculoesqueléticos,<br />
ocular e cardiovascular, além da clínica<br />
genética da história familiar (BRAZÃO, 2009).<br />
No sistema músculo-esquelético podem<br />
ser observadas: aracnodactilia, envergadura ou<br />
altura abaixo da média para idade (95%), deformidade<br />
torácica (pectus escavado), pa<strong>lato</strong> alto e<br />
arqueado, hiperflexibilidade articular, deformidades<br />
da coluna vertebral (escolioses) e pés planos<br />
(DUPRAT; PEREIRA, 2002).<br />
A ectopia do cristalino e a miopia estão<br />
presentes nos portadores da síndrome. As alterações<br />
no sistema cardiovascular envolvem o prolapso<br />
da válvula mitral, amplificação da aorta, levando<br />
uma dissecção dessa artéria pois a mesma<br />
ficará sobrecarregada durante a sístole, incapacitando<br />
os pacientes de SM a não realizarem caminhadas<br />
e/ou exercícios físicos (GARCIA, 2007).<br />
4.5 DIAGNÓSTICO<br />
Por meio do exame clínico, o médico<br />
identifica as alterações cardíacas, oculares e<br />
musculoesqueléticas. O ecocardiograma é indicado<br />
para visualizar o déficit de função da válvula<br />
mitral e a dilatação da aorta, enquanto o exame<br />
genético é usado para verificar a mutação do<br />
cromossomo 15 (fibrilina), são os meios de diagnóstico<br />
da SM (BRAZÃO, 2009).<br />
4.6 TRATAMENTO CLÍNICO<br />
Apesar da Síndrome de Marfan não ter<br />
cura, há muitas opções para controlar os sintomas,<br />
pois a patologia é rara, e se torna importante<br />
encontrar um médico que seja conhecedor<br />
sobre a circunstância, para a prescrição de<br />
medicamentos e orientações para os familiares<br />
(OLIVEIRA, 1999).<br />
O médico deve indicar o uso de betabloqueadores<br />
para diminuir a frequência cardíaca,<br />
o exame físico anual para controlar os sintomas<br />
e os exames oftalmológicos para ectopia do cristalino<br />
e miopia, presentes nos portadores da síndrome.<br />
(GARCIA, 2007).<br />
4.7 TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO<br />
O tratamento fisioterapêutico visa ao<br />
auxílio terapêutico nos pacientes portadores da<br />
Síndrome de Marfan. A atuação deve ser considerada<br />
de fundamental importância, pois possui<br />
atuação em diversos sistemas tais como musculoesquelético,<br />
cardiovascular e respiratório<br />
(ONODERA, 2004).<br />
A atuação quanto ao aparelho locomotor<br />
se baseia no objetivo de minimizar as deformi-<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 161-165, jun. 2011<br />
163
dades da coluna vertebral, como<br />
cifose, escoliose, alteração da caixa torácica e<br />
aracnodactilia. A hipermobilidade das articulações<br />
faz com que estes indivíduos sejam mais<br />
propensos a desenvolver lesões e luxações, cabendo<br />
ao fisioterapeuta incluir no protocolo<br />
exercícios resistidos que reverta esse quadro<br />
(NEPTUNE et al., 2003).<br />
No sistema cardiovascular se objetiva a<br />
melhora do condicionamento cardiorrespiratório,<br />
com atividades do tipo aeróbias e de baixa<br />
intensidade (ONODERA, 2004).<br />
Os pacientes com SM apresentam deformidades<br />
da caixa torácica, tendo maior probabilidade<br />
ao desenvolvimento de doenças respiratórias,<br />
devido à diminuição do volume corrente<br />
e da capacidade pulmonar. As principais complicações<br />
pulmonares são: bronquiectasia, bolhas<br />
enfisematosas, pneumotórax espontâneo<br />
e fibrose pulmonar (PEREZ, 2004).<br />
A fisioterapia atua de forma imprescindível<br />
no pré e pós-operatório dos pacientes que<br />
realizam cirurgias ortopédicas e cardiovasculares,<br />
diminuindo o número de complicações e<br />
consequentemente o tempo de internação<br />
(ONODERA, 2004).<br />
5 RELATO DE CASO<br />
Paciente, do sexo masculino, 12 anos,<br />
procedente de Belém do Pará, com histórico familiar<br />
de Síndrome de Marfan, foi encaminhado<br />
por um neurologista para a realização de 20 sessões<br />
de fisioterapia, o qual fez um apurado exame<br />
físico e solicitou um ecocardiograma, sendo<br />
observada uma disfunção da válvula mitral, mas<br />
não houve necessidade de intervenção cirúrgica.<br />
Diante dos achados obtidos, o neurologista<br />
fechou o diagnóstico clinico de SM.<br />
Na avaliação fisioterapêutica, ao exame<br />
físico, foi observada uma discreta escoliose para<br />
direita, hipermobilidade global das articulações,<br />
aracnodactilia no dedo mínimo, tórax pectus escavado,<br />
miopia e altura maior para a idade<br />
(1,70m). Durante a anamnese, foi relatado um<br />
cansaço respiratório durante a realização de atividades<br />
físicas em sua escola e seguidos quadros<br />
de luxação articular do ombro.<br />
Durante a avaliação fisioterapêutica, o<br />
paciente não apresentou déficits cognitivos e<br />
sensitivos, sendo observado pelo terapeuta uma<br />
hiperatividade do mesmo.<br />
6 PROTOCOLO DE TRATAMENTO DO CASO<br />
O paciente foi submetido há 20 sessões<br />
de fisioterapia, na Clínica de Reabilitação - Fisiosaúde,<br />
duas vezes por semana e aproximadamente<br />
45 minutos por dia.<br />
Inicialmente, o terapeuta realizou movimentos<br />
resistidos para as articulações de membros<br />
superiores (MMSS) e inferiores (MMII), ou<br />
seja, uma cinesioterapia ativo-resistida com auxílio<br />
de halteres e caneleiras, objetivando-se<br />
reverter a clínica de hipermobilidade das articulações.<br />
Para o quadro de escoliose, a cinesioflexibilidade<br />
passiva para a coluna vertebral foi utilizada<br />
como meio de reverter esse quadro.<br />
De forma intercalada, o paciente realizou<br />
exercícios na bicicleta ergométrica, por um<br />
período de 10 minutos para um melhor condicionamento<br />
cardiorrespiratório.<br />
Após 10 sessões, o paciente apresentou<br />
uma discreta melhora na hipermobilidade articular<br />
e na dispneia, relatando um melhor desempenho<br />
nas suas atividades de vida diária. A<br />
partir da 11ª sessão, o enfoque maior foi para<br />
reverter o quadro de escoliose, pois além dos<br />
alongamentos passivos, o paciente foi encaminhado<br />
para realizar juntamente com o tratamento,<br />
sessões de reeducação postural global (RPG).<br />
Por fim, a reavaliação do paciente mostrou<br />
uma significativa melhora no seu quadro<br />
clínico. Primeiramente, o paciente não re<strong>lato</strong>u<br />
os seguidos quadros de luxação articular durante<br />
suas atividades em casa e na escola, isto é,<br />
uma melhora no excesso de mobilidade articular.<br />
Concomitante a isso, o paciente informou<br />
164<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 161-165, jun. 2011
uma redução nos quadros de dispneia e melhor<br />
qualidade de vida. O dedo mínimo com sinais de<br />
aracnodactilia mostrou uma discreta correção.<br />
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
A Síndrome de Marfan é uma doença pouco<br />
comum no país, mas afeta um percentual de<br />
indivíduos que necessitam de um acompanhamento<br />
multidisciplinar para além de corrigir suas alterações<br />
em diversos sistemas do corpo humano,<br />
realizar suas atividades de vida diária e instrumental<br />
de forma eficaz, pois em determinados quadros,<br />
esses pacientes necessitam de uma atenção<br />
do psicólogo, já que as características clínicas podem<br />
afastar o portador de SM da sociedade.<br />
O papel do fisioterapeuta nesses pacientes<br />
é de fundamental importância, pois as<br />
principais características clínicas apresentadas<br />
por esses indivíduos podem ser revertidas por<br />
esse profissional, além de melhorar suas aptidões<br />
nas atividades do seu cotidiano.<br />
REFERÊNCIAS<br />
BROOKE, Benjamin S. et al. Angiotensin II Blockade<br />
and Aortic-Root Dilation in Marfan’s Syndrome.<br />
Nengl j med, p. 358; 26, june, 2008.<br />
CAMPOS, Lúcia et al. Manifestações osteoarticulares<br />
nas doenças não reumatológicas. Pediatria,<br />
São Paulo, 23(2), p. 168-78, 2001.<br />
DUPRAT, Ana Cristina; PEREIRA, Cristina. Síndrome<br />
de Marfan. Tese apresentada a Fundação<br />
Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto<br />
Alegre para obtenção de título de graduação em<br />
medicina em novembro de 2002.<br />
GARCIA, José Luis Gamboa. Síndrome de Marfan.<br />
MEDISAN, 2007. 11(4).<br />
LEITE, Maria de Fátima et al. Síndrome de Marfan:<br />
forma precoce e grave em irmãos. Arq Bras<br />
Cardiol, v. 81, n. 1, p.85-8, 2003.<br />
NEPTUNE, Enir R. et al. Dysregulation of TGF-â activation<br />
contributes to pathogenesis in Marfan<br />
syndrome. Nature genetics, v. 33, march, 2003.<br />
OLIVEIRA, Roberto Magalhães Carneiro. Síndrome<br />
de Marfan e Dissecção Carotídea Bilateral.<br />
Rev. Neurociências 7(3): 145-148, 1999.<br />
ONODERA, Erika Cristina. O que é Síndrome de Marfan.<br />
Disponível em: http://www.marfan.com.br/<br />
s o b r e _ m a r f a n / s i n d r o m e /<br />
sindromemarfan.asp?area=1. Acesso em: 05 mar. 2011.<br />
PEREZ, Ana Beatriz. Vivendo com Marfan. Disponível<br />
em: http://www.marfan.com.br/. Acesso<br />
em: 05 mar. 2011.<br />
SOBRINHO, Ruy Pires de Oliveira. Padrão de perfil<br />
metacarpofalangiano no diagnóstico da Síndrome<br />
de Marfan e outros quadros Marfanóides.<br />
Tese apresentada ao Instituto de Biologia<br />
da Universidade Estadual de Campinas para obtenção<br />
de título de Mestre em Ciências em agosto<br />
1995.<br />
VILLASENOR, Carlos Pineda. Síndrome de Marfan.<br />
Archivos de Cardiologia de México, v.74, Supl. 2,<br />
60 Aniversario/Abril-Junio, 2004: S482-S484.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 161-165, jun. 2011<br />
165
166
AS REFORMAS PROCESSUAIS CIVIS E O SOPESAMENTO DO<br />
STJ NO RESGUARDO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS<br />
Brahim Bitar de Sousa *<br />
RESUMO<br />
É inelutável que o Poder Legislativo pauta sua atuação nos anseios mais latentes na sociedade,<br />
bem assim nos interesses que melhor atendam aos desígnios dos entes federativos.<br />
Ocorre que as normas, resultado desses fatores, nem sempre logram êxito em engendrar<br />
benefícios para o ordenamento jurídico, mormente quando se distanciam da visão sistêmica<br />
de interpretação da ordem constitucional. Nesse sentido, o presente ensaio possui o desiderato<br />
de analisar as normas processuais civis recentes que se olvidaram da conjuntura<br />
constitucional ampla e elegeram como fundamento fatores isolados de resultado imediato;<br />
bem como identificar o sopesamento do Superior Tribunal de Justiça no restabelecimento,<br />
através da hermenêutica jurídica, do status quo de máxima efetividade de todos os direitos<br />
e garantias constitucionalmente salvaguardados.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Tribunais Superiores. Hermenêutica. Máxima efetividade. Direitos e garantias<br />
fundamentais. Interpretação sistemática.<br />
1 INTRÓITO<br />
A Ciência do Direito, para manter a natureza<br />
dinâmica que lhe é particular, jamais pode<br />
se olvidar de seu desiderato mais íntimo, qual<br />
seja, o de funcionar como exteriorização social<br />
mantenedora da ordem e estabilidade das próprias<br />
relações sociais, tanto no aspecto preventivo,<br />
quanto no de solução dos conflitos eventualmente<br />
– e inarredavelmente – existentes.<br />
Igualmente, para atender o dito desiderato,<br />
deve sempre se atualizar a fim de coadunar<br />
suas regras de conduta com as tendências e<br />
atividades sociais hodiernas, o que se dá por intermédio<br />
da doutrina, jurisprudência, reforma<br />
das normas jurídicas positivadas e produção acadêmica<br />
científica.<br />
No específico do Direito brasileiro, vige<br />
o sistema legal do Civil Law, em função do qual<br />
as normas jurídicas são aglomeradas em livros,<br />
positivados através de um processo legislativo<br />
institucionalizado e aos quais se atribui o caráter<br />
de imperatividade erga omnes, ao passo que<br />
ao Poder Judiciário reserva-se a aplicação, interpretação<br />
e integração das normas existentes.<br />
*<br />
Bacharel em Direito pela Universidade da Amazônia –<br />
UNAMA (2010) e ex-monitor da disciplina Direito Processual<br />
Civil – Conhecimento I.<br />
167<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 167-174, jun. 2011
Por serem as normas positivadas o critério<br />
primário de padronização de condutas, devese<br />
dispensar ao Órgão que as leva a efeito, qual<br />
seja, o Poder Legislativo, especial atenção, vez<br />
que sua atuação é de singular importância para a<br />
garantia da legitimidade das regras vigentes.<br />
Sem prejuízo dessa atuação legislativa,<br />
não se pode olvidar que, num Estado de Direito,<br />
as próprias normas já existentes – sobretudo as<br />
de hierarquia constitucional – funcionam como<br />
limitações a esse poder, de sorte que quaisquer<br />
normas que, não obstante tenham observado os<br />
ditames formais de edição, contrariem princípios,<br />
regras, enfim, normas fundamentais consagradas<br />
na ordem constitucional, não merecem<br />
acolhida por esta mesma ordem, o que se efetiva<br />
através do controle de constitucionalidade<br />
concentrado ou difuso das normas editadas pelo<br />
Poder Legislativo ou Constituinte reformador.<br />
Este controle de constitucionalidade, por<br />
sua vez, é exercido pelo Poder Judiciário, como<br />
se disse, tanto de forma concentrada, através<br />
das ações específicas; quanto de forma incidental,<br />
através do cotejo da norma impugnada com<br />
a ordem constitucional vigente.<br />
Dessa estrutura de atuação do Estado, resta<br />
evidente que, no processo de formulação e aplicação<br />
das normas, os Poderes Legislativo e Judiciário<br />
funcionam como eixos paradigmáticos de sustentação<br />
da harmonia sociojurídica, ora emprestando,<br />
ora retirando vigência e validade das reformas<br />
legais ou constitucionais, razão pela qual seus<br />
recentes atos merecem incursão acadêmica mais<br />
detida e pormenorizada, mormente no que se refere<br />
às relativas ao âmbito processual.<br />
2 A TENDÊNCIA LEGIFERANTE MODERNA EM<br />
MATÉRIA PROCESSUAL<br />
Para que se entenda qual a tendência legiferante<br />
em matéria processual, ou seja, como e<br />
por que estão sendo levadas a efeito as modificações<br />
atinentes ao processo, mister se faz se entenda,<br />
antes, o que é o próprio processo.<br />
Ora, o processo teve oportunidade na<br />
história para uniformizar e controlar a atuação<br />
estatal, no que tange ao exercício do seu poderdever<br />
de solucionar os conflitos resultantes da<br />
vida em sociedade – jurisdição.<br />
Não obstante, outra não pode ser a forma<br />
de padronização da atividade jurisdicional<br />
do Estado, senão o prévio estabelecimento dos<br />
atos que compõem todo o processo, de modo a<br />
construir uma sequência lógica e integrada por<br />
atos aptos a produzir todos os efeitos e condições<br />
necessárias para a prática do ato subsequente,<br />
até culminar com a prática do último e,<br />
igualmente, com a solução da controvérsia<br />
A partir dessa singela interpretação histórico-teleológica<br />
do processo, pode-se formular<br />
um conceito analítico do mesmo, consistente<br />
no instrumento por meio do qual é praticado<br />
o conjunto de atos pré-ordenados e inderrogáveis<br />
ao adequado exercício do poder jurisdicional<br />
do Estado, cuja existência e validade de um<br />
ato precedem a do outro.<br />
Corroborando essa intelecção, Humberto<br />
Theodoro Júnior (2008, p. 46) assevera:<br />
Para exercer a função jurisdicional,<br />
o Estado cria órgãos especializados.<br />
Mas estes órgãos encarregados da<br />
jurisdição não podem atuar discricionária<br />
ou livremente, dada a própria<br />
natureza da atividade que lhes compete.<br />
Subordinam-se, por isso mesmo,<br />
a um método ou sistema de atuação,<br />
que vem a ser o processo.<br />
Entre o pedido da parte e o provimento<br />
jurisdicional se impõe a prática<br />
de uma série de atos que formam<br />
o procedimento judicial (isto é,<br />
a forma de agir em juízo), e cujo conteúdo<br />
sistemático é o processo.<br />
Cediço do que seja o processo, podese<br />
passar às mudanças que têm sido engendradas<br />
pelo Poder Legislativo nessa seara,<br />
considerando que essas considerações propedêuticas<br />
lograram desobstaculizar sua estável<br />
compreensão.<br />
168 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 167-174, jun. 2011
1<br />
Por essa instrumentalidade, somente para fins<br />
esclarecedores, entenda-se a característica do processo que<br />
conduz à primazia da finalidade à qual o ato – ou o próprio<br />
processo – seria proposto em relação à perfeição dos meios<br />
pelos quais esse último teria sido realizado.<br />
Desde a edição do Código de Processo<br />
Civil de 1939, já se pôde perceber a preocupação<br />
legislativa com a efetividade da prestação jurisdicional,<br />
vez que passou a adotar, dentre outros,<br />
o Princípio da Oralidade como eixo norteador do<br />
processo, o que foi repetido no Código de 1973,<br />
sem prejuízo das demais alterações substanciais,<br />
todas, aliás, levando ao entendimento hoje consagrado<br />
da instrumentalidade do processo 1 e da<br />
maior relevância da solução da demanda.<br />
Desde o início deste século (XXI), entretanto,<br />
uma maior preocupação com a celeridade<br />
do processo tem emergido das Casas do Congresso<br />
Nacional, especialmente após a promulgação,<br />
em 30 de dezembro de 2004, da Emenda<br />
Constitucional nº. 45, que, dentre outras modificações,<br />
acrescentou ao art. 5º da Constituição<br />
o inciso LXXVIII, garantindo a todos, no âmbito<br />
judicial ou administrativo, “a razoável duração<br />
do processo e os meios que garantam a celeridade<br />
de sua tramitação”.<br />
A partir dessa inserção constitucional, prescrevendo<br />
a razoável duração do processo e a sua<br />
corolária celeridade como direito fundamental, o<br />
legislador infraconstitucional tem demonstrado<br />
uma reiterada atuação na tentativa de dar efetividade<br />
àquele escopo, através, por exemplo, da eliminação<br />
de recursos nos procedimentos especiais;<br />
atribuição aos magistrados dos segundo grau<br />
de jurisdição dos mais amplos poderes decisórios<br />
monocráticos e edição de ritos de julgamento das<br />
demandas que consideram despicienda a própria<br />
citação para a resolução do respectivo mérito.<br />
Dentre as reformas processuais mais recentes,<br />
pode-se destacar a Lei nº. 11.187/05, que<br />
reformulou as hipóteses de cabimento do recurso<br />
de agravo; a Lei nº. 11.232/05, que introduziu o<br />
sincretismo processual, através da revogação dos<br />
dispositivos relativos à execução de título executivo<br />
judicial, transformando-os em fase de cumprimento<br />
de sentença; a Lei nº. 11.276/06, que vedou<br />
a interposição de recursos contra os despachos<br />
e inseriu a figura da súmula impeditiva de<br />
recurso a Lei nº. 11.277/06, que acrescentou o art.<br />
285-A ao CPC; a Lei nº. 11.418/06, que regulamentou<br />
o instituto da repercussão geral para a interposição<br />
do recurso extraordinário; a Lei nº. 11.419/<br />
06, que dispõe sobre a informatização do processo<br />
judicial; a Lei nº. 11.441/07, que possibilitou a<br />
realização de inventário, partilha e separação e<br />
divórcio con<strong>sensu</strong>ais pela via administrativa; e a<br />
Lei nº. 11.672/08, que estabeleceu o rito de julgamento<br />
dos recursos especiais repetitivos.<br />
Como se vê, várias foram as alterações do<br />
legislador no Código de Processo Civil no intuito<br />
de garantir a razoável duração do processo, sem<br />
embargo, aliás, das inserções legislativas com essa<br />
mesma intenção contidas nas Leis extravagantes,<br />
como a da Lei nº. 9.099/95, que preceitua a irrecorribilidade<br />
das decisões interlocutórias.<br />
Destarte, constata-se que, hodiernamente,<br />
paira sobre o Congresso Nacional uma inarredável<br />
tendência de contínua aceleração do processo,<br />
sejam quais forem as razões: pela legítima<br />
pretensão de dar efetividade à prestação jurisdicional<br />
e solução célere aos conflitos sociais;<br />
ou por motivos menos honrosos de pueril economia<br />
de tempo e pecúnia, no afã de melhorar<br />
os índices do litígio judicial no território pátrio.<br />
3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E OUTROS DI-<br />
REITOS FUNDAMENTAIS<br />
Clara a moderna tendência legiferante,<br />
não se pode olvidar que o direito fundamental<br />
à razoável duração do processo não figura<br />
como único eixo norteador das reformas processuais,<br />
de sorte que outros direitos e garantias<br />
fundamentais e até princípios constitucionais 2<br />
2<br />
Já que, doravante, se passará ao cotejo das reformas<br />
processuais à luz também dos princípios constitucionais,<br />
impõem-se a conceituação desse último, sendo válida, nesse<br />
particular, a intelecção de Luís Roberto Barroso (2003, p.<br />
151), segundo o qual, “os princípios constitucionais são as<br />
normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou<br />
qualificações essenciais da ordem jurídica que institui”.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 167-174, jun. 2011 169
não podem restar objurgados no processo de<br />
formulação das normas jurídicas positivadas.<br />
Com efeito, direitos fundamentais outros,<br />
como o acesso à justiça (CF, art. 5º, inciso<br />
XXXV), a ampla defesa e o contraditório (CF, art.<br />
5º, inciso LV), bem assim a própria lógica funcional<br />
do processo merecem igual primazia e atenção<br />
do legislador, em que pese não conduzam a<br />
resultados estatísticos imediatos.<br />
Ao eleger como fundamento somente<br />
um direito fundamental – o da razoável duração<br />
do processo – e tentar elevá-lo ao fastígio, sem<br />
que seja dado o devido respeito aos demais direitos<br />
fundamentais e princípios da ordem constitucional,<br />
propõe-se o legislador a uma perniciosa<br />
incursão, porquanto perturbadora da segurança<br />
jurídica, justiça e paz social.<br />
Ora, possibilitar, por exemplo, o julgamento<br />
liminar do mérito das demandas (na forma<br />
do art. 285-A do CPC) e uma vasta gama de<br />
poderes monocráticos ao magistrado re<strong>lato</strong>r de<br />
processos em sede de Juízo recursal é estabelecer<br />
normas jurídicas avessas, respectivamente,<br />
à necessária cognição das pormenoridades dos<br />
casos concretos e à lógica recursal de revisão<br />
colegiada das decisões prolatadas pelos juízes<br />
de primeiro grau de jurisdição.<br />
Comentando o específico art. 285-A do<br />
CPC, Paulo Roberto de Gouvêa Medina (2006, p.<br />
153) teceu precisa consideração, que, aliás, resume<br />
toda a problemática que gravita em torno<br />
da prática legislativa em comento. Confira-se:<br />
A preocupação que vem dominando<br />
a reforma do Código de Processo Civil<br />
no sentido de simplificá-lo e dele<br />
fazer instrumento que, de fato, viabilize<br />
o exercício eficiente da jurisdição,<br />
chegou, aí, ao paroxismo. Sob<br />
o pretexto de propiciar, na hipótese<br />
de que trata, desfecho imediato para<br />
o processo, evitando a prática de<br />
atos supostamente inúteis ou a repetição<br />
de ações em torno das quais<br />
já se tenha firmado orientação judicial,<br />
na verdade, o dispositivo restringiu,<br />
gravemente, o direito de ação<br />
e fez tabula rasa de princípios constitucionais<br />
do processo, sem cuja observância<br />
não se pode falar em devido<br />
processo legal.<br />
Ressalte-se, não se está a criticar a tentativa<br />
de assegurar a celeridade de tramitação<br />
dos processos. Esse desiderato é imprescindível<br />
para a própria manutenção da ordem e harmonia<br />
sociais, vez que deixar se protraírem os litígios<br />
no tempo é furtar-se o Estado ao seu papel de<br />
mantenedor daquela ordem e harmonia, ao arrepio,<br />
pois, do próprio preâmbulo da Constituição<br />
Republicana, cuja força cogente prevê uma<br />
sociedade fundada nessas premissas.<br />
O que se pretende é alertar para a turbulência<br />
de se conceber reformas processuais inspiradas<br />
em tal fator, sem que se faça uma interpretação<br />
sistemática da ordem constitucional, possibilitando,<br />
assim, a mitigação desmedida dos demais<br />
direitos fundamentais e princípios constitucionais.<br />
Nessa esteira de raciocínio, convém destacar<br />
o que preconiza a conjugação do Princípio<br />
da Unidade da Constituição com o da Máxima<br />
Efetividade das Normas Constitucionais. Mas<br />
antes de se examinar tais desdobramentos na<br />
sistemática de aplicação das normas processuais,<br />
deve-se recorrer a duas exímias elucidações<br />
conceituais pinçadas da doutrina pátria.<br />
Primeiramente, relativamente ao Princípio<br />
da Unidade da Constituição, exatas são as<br />
palavras de João Pedro Gebran Neto (2002, p.<br />
119), in verbis:<br />
Como ponto de orientação, guia de<br />
discussão e factor hermenêutico de<br />
decisão, o princípio da unidade obriga<br />
o intérprete a considerar a Constituição<br />
na sua globalidade e a procurar<br />
harmonizar os espaços de tensão<br />
existentes entre as normas constitucionais<br />
a concretizar [...]. Daí que<br />
o intérprete deva sempre considerar<br />
as normas constitucionais não como<br />
normas isoladas e dispersas, mas<br />
sim como preceitos integrados num<br />
sistema interno unitário de normas<br />
e princípios.<br />
170<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 167-174, jun. 2011
Já no que toca ao Princípio da Máxima<br />
Efetividade das Normas Constitucionais, ou simplesmente<br />
efetividade, Luís Roberto Barroso<br />
(2003, p. 248) leciona:<br />
[...] a efetividade significa, portanto,<br />
a realização do direito, o desempenho<br />
concreto de sua função social.<br />
Ela representa a materialização,<br />
no mundo dos fatos, dos preceitos<br />
legais e simboliza a aproximação,<br />
tão íntima quanto possível, entre o<br />
dever-ser normativo e o ser da realidade<br />
social.<br />
A par do que preceituam ditos Princípios<br />
constitucionais, a conjugação de ambos não deixa<br />
margem a dúvidas de que, na formulação das<br />
normas, todos os direitos fundamentais e princípios<br />
constitucionais merecem acatamento do<br />
legislador infraconstitucional, de sorte que a<br />
todos seja conferido o maior grau de concretude<br />
no mundo palpável, sob pena de se perpetrar<br />
violação não a esses mesmos direitos ou princípios<br />
isoladamente considerados, mas a toda a<br />
ordem constitucional em que estão insertos.<br />
Adite-se que, ainda que essa intelecção<br />
seja preterida pelo Poder Legislativo, o Poder<br />
Judiciário, através da aplicação da norma e das<br />
técnicas de hermenêutica, deve dispensar esforços<br />
em lograr atender tal construção principiológica,<br />
ainda que o primeiro tenha se furtado<br />
dessa imposição.<br />
Não se alegue, nessa conjectura, que estaria<br />
o Poder Judiciário se substituindo no papel<br />
de legislador, configurando o chamado ativismo<br />
judicial. Estaria, tão somente, exercendo sua função<br />
magna de controlador da constitucionalidade<br />
das normas criadas pelo Poder Legislativo, através<br />
do controle difuso ou incidental das mesmas.<br />
Esse controle, outrossim, deve observar<br />
regras basilares de aplicação das normas, dentre<br />
as quais figuram a interpretação extensiva<br />
quanto aos direitos e garantias fundamentais<br />
prescritos e interpretação restritiva quanto aos<br />
dispositivos que limitem o exercício de um ou<br />
mais direitos individuais, o que merecerá análise<br />
jurisprudencial oportuna.<br />
Nesse diapasão, entretanto, o que não<br />
se pode perder de vista é que, no processo legislativo,<br />
independentemente das razões e pretensões<br />
do legislador, está ele adstrito à observância<br />
dos preceitos constitucionais, sobretudo<br />
aos desdobramentos jurídicos dos seus princípios,<br />
de sorte que o produto de sua prática se coadune<br />
com toda a sistemática constitucional de<br />
máxima efetividade e aplicabilidade imediata<br />
dos direitos e garantias fundamentais.<br />
4 APLICAÇÃO DA NORMA E HERMENÊUTICA JU-<br />
RÍDICA<br />
Deu-se ênfase no tópico predecessor aos<br />
critérios de positivação da norma pelo Poder<br />
Legislativo. A esta altura, proceder-se-á ao cotejo<br />
analítico desses mesmos critérios, mas à luz<br />
da praxe de aplicação da norma, vale dizer, no<br />
âmbito do Poder Judiciário.<br />
Comentou-se até aqui que ao Poder Legislativo<br />
não é dado o poder de escolher a que normas<br />
deve obediência e acatamento, sendo-lhe<br />
imposta, na verdade, reverência à unidade da Constituição,<br />
na medida em que todos os seus preceitos<br />
merecem um tratamento equânime e que lhes<br />
confira – repita-se, a todos – máxima efetividade.<br />
Ocorre que, em virtude do princípio da<br />
presunção de constitucionalidade das Leis, essas,<br />
ainda que claramente incompatíveis com a<br />
constituição, não perdem sua eficácia automaticamente<br />
ao obterem vigência, passando a compor,<br />
com efeito, o ordenamento jurídico do Estado<br />
em que foram arquitetadas.<br />
Passa a importar, então, a forma como<br />
serão aplicadas essas Leis, o que se faz mediante<br />
a prudência do Judiciário, donde saber, desde<br />
já, que sua atuação é plenamente idônea a ensejar<br />
o restabelecimento do status quo de máxima<br />
efetividade de todos os direitos e garantias<br />
fundamentais e não somente daquele eleito<br />
pelo legislador como pró-eminente.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 167-174, jun. 2011<br />
171
No específico das normas processuais,<br />
várias, como se viu, têm sido as reformas no sentido<br />
de dar plena aplicabilidade ao direito fundamental<br />
à razoável duração do processo e a sua<br />
corolária celeridade.<br />
Sem embargo do controle direto de constitucionalidade<br />
dessas reformas, é certo que o<br />
Poder Judiciário pode, ainda que de forma incidental,<br />
dar a devida interpretação aos dispositivos<br />
do ordenamento jurídico, de forma a harmonizá-los<br />
com o próprio ordenamento em que<br />
estão inseridos.<br />
É através da hermenêutica jurídica que o<br />
magistrado poderá, pois, extrair das normas processuais<br />
a exegese que melhor se coadune com<br />
os princípios constitucionais e demais direitos e<br />
garantias fundamentais, o que se corrobora com<br />
a seguinte preleção:<br />
Condição para a manutenção da harmonia<br />
do sistema jurídico é que a<br />
concepção de suas regras técnicas<br />
seja obediente à ideologia constitucional<br />
que o inspira, evitada a<br />
todo o custo a antinomia. A aplicação<br />
das regras processuais deve darse,<br />
portanto, consoante uma hermenêutica<br />
sistemática, respeitadas as<br />
normas principiológicas que influem<br />
decisivamente na concepção do<br />
conjunto ordenado de elementos.<br />
(SÁ; PIMENTA, 2006, p. 137).<br />
E o Poder Judiciário, em especial o Superior<br />
Tribunal de Justiça, tem dado inúmeros<br />
exemplos de que essa disposição principiológica<br />
de aplicação restritiva das normas mitigadoras<br />
dos direitos fundamentais é essencial para a<br />
manutenção do sistema jurídico.<br />
Numa análise até perfunctória, pôde-se<br />
pinçar 3 (três) decisões de cunho hermenêutico<br />
que conduziu o STJ a preconizar uma nova exegese<br />
de aplicação da norma processual.<br />
A primeira é relativa à utilização do procedimento<br />
previsto pelo art. 285-A do CPC, que<br />
autoriza o juiz, sendo a causa exclusivamente<br />
de direito e já tendo sido proferida sentença no<br />
Juízo de total improcedência em outra causa<br />
idêntica, a prolatar sentença liminar de mérito,<br />
dispensando-se a realização da citação.<br />
Como sustentar a plena aplicabilidade<br />
desse rito sem que se violem os Princípios do<br />
Acesso ao Judiciário, da Segurança Jurídica e,<br />
principalmente, do Contraditório?<br />
Justamente para limitar ou restringir a<br />
aplicabilidade desse processamento (se é que<br />
se possa falar em processo) rapidíssimo, o STJ<br />
vem firmando o entendimento de que não basta<br />
a mera reprodução da sentença já proferida<br />
em outros casos idênticos para a legítima invocação<br />
daquele dispositivo.<br />
É necessário que os posicionamentos<br />
doutrinários e jurisprudenciais encampados por<br />
essa sentença paradigma estejam uníssonos com<br />
a tese uniformizada pelo STJ, sob pena de conferir<br />
tamanho arbítrio ao juiz que não haveria<br />
como se falar em respeito aos Princípios constitucionais<br />
elencados anteriormente. 3<br />
A segunda, por sua vez, diz respeito aos<br />
poderes monocráticos dos Magistrados re<strong>lato</strong>res<br />
de processos em grau recursal. Antes, a despeito<br />
da natureza colegiada desse Juízo, uma série de<br />
decisões monocráticas proferidas por esses magistrados<br />
quedavam-se incólumes e inatacáveis,<br />
tais como as que julgavam o pedido de antecipação<br />
dos efeitos da tutela recursal e a que convertia<br />
o agravo de instrumento em retido.<br />
Para dar aplicabilidade aos princípios<br />
constitucionais da segurança jurídica e da colegialidade<br />
das decisões proferidas pelos Tribunais,<br />
o STJ vem consolidando o entendimento<br />
de que: a) no caso da decisão que conceda ou<br />
indefira a antecipação dos efeitos da tutela recursal,<br />
a Súmula nº 622 do STF, que veda o recurso<br />
pela via do agravo regimental não se harmoniza<br />
com a redação do art. 317 do Regimento Intero<br />
do próprio STF e com o art. 258 do Regimen-<br />
3<br />
Nesse sentido e por todos, o AgRg no Ag 1161425/RJ, Rel.<br />
Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em<br />
06/05/2010, DJe 13/05/2010.<br />
172<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 167-174, jun. 2011
to Interno do STJ, pelo que seria devido aplicar,<br />
por analogia, o art. 39 da Lei 8.038, de 1990, 4 ensejando,<br />
pois, a possibilidade de manejo do recurso<br />
de agravo regimental contra ditas decisões;<br />
5 e b) para as decisões que convertam o<br />
agravo de instrumento em agravo retido, o parágrafo<br />
único do art. 527 do CPC, que somente<br />
prevê a possibilidade de reforma dessa decisão<br />
mediante reconsideração 6 , também não se coaduna<br />
com o princípio da Colegialidade das decisões<br />
dadas pelos Tribunais, motivo pelo qual a<br />
aplicação analógica do art. 39 da Lei nº. 8.038/90<br />
é a exegese que melhor satisfaz o desígnio de<br />
dito princípio constitucional. 7<br />
Por derradeiro, está a recente mudança<br />
de entendimento do STJ no que se refere ao dies<br />
a quo do prazo para cumprimento de sentença e<br />
ao momento de incidência da multa de 10% (dez<br />
por cento) do art. 475-J do CPC, em caso de não<br />
cumprimento voluntário da mesma.<br />
Há até pouco tempo, a tese majoritária<br />
do STJ era a de que, na condenação em quantia<br />
certa, o prazo para cumprimento da sentença se<br />
iniciava automaticamente após o seu trânsito em<br />
julgado, sendo supérflua nova intimação para<br />
esse fim, consoante interpretação literal do art.<br />
475-J do CPC, após o qual, aliás, já incidia a multa<br />
de 10% (dez por cento). 8<br />
Recentemente, outra exegese vem ganhando<br />
espaço na prestação jurisdicional daquela<br />
Corte Especial, desta vez dando primazia<br />
4<br />
Art. 39 - Da decisão do Presidente do Tribunal, de Seção, de<br />
Turma ou de Re<strong>lato</strong>r que causar gravame à parte, caberá<br />
agravo para o órgão especial, Seção ou Turma, conforme o<br />
caso, no prazo de cinco dias<br />
5<br />
Nesse sentido, confiram-se os seguintes arestos: AgRg no Ag<br />
827.242/MT, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado<br />
em 07/12/2006, DJ 01/02/2007 p. 427 e AgRg na MC 6566/MT,<br />
Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado<br />
em 05/08/2003, DJ 01/09/2003 p. 217.<br />
6<br />
A redação que faz alusão a essa irrecorribilidade foi<br />
determinada pela Lei nº. 11.187/05. Antes da alteração, o<br />
dispositivo dizia respeito tão somente ao modo de<br />
protocolização da resposta do agravado.<br />
7<br />
Já para esse outro caso, veja-se o AgRg nos EDcl no REsp<br />
1115445/DF, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado<br />
em 11/05/2010, DJe 24/05/2010.<br />
8<br />
Vide o AgRg no Ag 1265900/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti,<br />
Terceira Turma, julgado em 20/04/2010, DJe 07/05/2010.<br />
a uma interpretação mais sistemática ao CPC,<br />
de forma a associar o art. 475-J com os arts. 475-<br />
B e 614, II, ambos também do CPC, o que culmina,<br />
pois, com a ilação de que a fase de cumprimento<br />
de sentença não se inicia automaticamente,<br />
sendo imperiosa a intimação do devedor<br />
para o seu cumprimento voluntário, a partir<br />
de quando, no caso de não cumprimento, é<br />
que incide a multa do 475-J. 9<br />
Guardadas, por óbvio, as particularidades<br />
de cada acórdão, o que se levou a efeito foi justamente<br />
a revisão dos valores jurídicos até então<br />
vigentes, mediante a utilização de meios sistemáticos<br />
de interpretação e conhecimento da<br />
mens legis, de sorte a resgatar a eficácia de outros<br />
direitos fundamentais que restaram admoestados<br />
pela orientação jurisprudencial ou disposição<br />
legal até então vigorante.<br />
Procedendo a uma incursão mais profunda,<br />
pode-se extrair que a motivação subjacente<br />
em ditos arestos, na verdade, pressupôs um<br />
novo sopesamento 10 dos princípios em colisão,<br />
vez que não se limitou o STJ a dar maior aplicabilidade<br />
aos princípios que entendeu ineficazes<br />
em cada caso, num pueril raciocínio silogístico;<br />
mas definiu novos parâmetros de aplicabilidade<br />
da mediação legislativa existente, suplantando<br />
a própria ratio legis.<br />
Ora, o sopesamento que pairava anteriormente<br />
estabelecia a precedência condicionada<br />
do princípio da razoável duração do processo,<br />
em detrimento de outros como o contraditório<br />
e a colegialidade das decisões em sede recursal.<br />
Essa precedência, contudo, era resultado de uma<br />
exegese que estatuía a restrição desmedida des-<br />
9<br />
Encampando essa tese mais sistemática, o REsp 940274/MS,<br />
Rel. Ministro Humberto Gomes De Barros, Rel. p/ Acórdão<br />
Ministro João Otávio De Noronha, Terceira Turma, julgado<br />
em 07/04/2010, DJe 31/05/2010.<br />
10<br />
A fim de elidir eventuais dúvidas nesse particular, mostrase<br />
oportuna a precisa lição de Virgílio Afonso da Silva (2008,<br />
p. 154), segundo o qual esse sopesamento consiste num<br />
procedimento crítico bilateral, efetivado mediante a<br />
consideração, de um lado, da intensidade da restrição de<br />
um princípio e, de outro, do grau de fomentação do outro<br />
princípio que com aquele colide no caso concreto, de tal<br />
sorte a se extrair, a título de solução, a precedência<br />
condicionada de um em relação ao outro.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 167-174, jun. 2011<br />
173
ses últimos, sem que houvesse uma fomentação<br />
do primeiro que justificasse essa restrição.<br />
Daí porque o STJ, revolvendo os princípios<br />
colidentes em cada caso, preconizou a primazia<br />
da interpretação sistemática do ordenamento,<br />
por pressupor um sopesamento entre princípios<br />
que melhor se coadunava com a conjugação<br />
dos princípios da Unidade da Constituição e<br />
da Máxima Efetividade das Normas Constitucionais<br />
que deve orientar todo o paradigma de interpretação<br />
constitucional.<br />
5 CONCLUSÃO<br />
De todo o raciocínio até aqui desenvolvido,<br />
vê-se que a razoável duração do processo, que<br />
vem sendo o fator paradigma de atuação legislativa<br />
processual civil, em que pese mereça as honras<br />
do deferimento Legislativo, não representa a<br />
satisfação de todos os princípios constitucionais,<br />
estando, na verdade, em grau horizontal de hierarquia<br />
com os demais direitos fundamentais.<br />
Portanto, no processo legislativo, se<br />
deve buscar esse escopo de forma comedida,<br />
sem que se excedam os limites estabelecidos<br />
pelos demais direitos fundamentais, dando aplicabilidade<br />
à unidade da Constituição e não a<br />
parcelas específicas de suas disposições.<br />
Vale consignar, nesse particular, que, no<br />
que se refere à amplitude de atuação do Poder<br />
Legislativo, cada direito ou garantia fundamental<br />
funciona, a contrariu <strong>sensu</strong>, como limite material<br />
àquela, na medida em que cada núcleo<br />
essencial desses direitos não pode, ainda que<br />
em homenagem a outro, ser suprimido no processo<br />
legislativo, com fulcro nos desdobramentos<br />
principiológicos do art. 60, § 4º, inciso IV, da<br />
Constituição Republicana.<br />
Outrossim, mesmo que se olvide o legislador<br />
desses limites materiais de produção das<br />
normas, incumbe ao Poder Judiciário, na aplicação<br />
das mesmas ao caso concreto, fazer uso da<br />
equidade e hermenêutica, a fim de restabelecer<br />
o estado de máxima efetividade de todos os<br />
direitos e garantias fundamentais.<br />
E, no contexto moderno de produção legiferante<br />
vultosa e focada na celeridade processual,<br />
ressai enaltecer o papel do intérprete na<br />
conjuntura jurídica, em especial daqueles que<br />
uniformizam os parâmetros nacionais de aplicação<br />
e interpretação da norma, vale dizer, os magistrados<br />
investidos no poder jurisdicional prestado<br />
pelos Tribunais Superiores.<br />
Destarte, são esses intérpretes, de fato<br />
comprometidos com a harmonia do conjunto<br />
normativo pátrio, sobretudo com os princípios<br />
constitucionais, que representam validamente<br />
o viés mantenedor da ordem a que está adstrito<br />
o Estado, seja desenvolvendo, seja adaptando<br />
as exegeses que melhor se coadunam<br />
com os desideratos justificadores da própria<br />
existência estatal.<br />
REFERÊNCIAS<br />
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da<br />
Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional<br />
transformadora. São Paulo: Saraiva, 2003.<br />
GEBRAN NETO, João Pedro. A aplicação imediata<br />
dos direitos e garantias individuais: a busca<br />
de uma exegese emancipatória. São Paulo: Editora<br />
Revista dos Tribunais, 2002.<br />
MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Sentença emprestada:<br />
uma nova figura processual. Revista de Processo,<br />
São Paulo, SP, n. 135, p. 152-160, maio, 2006.<br />
SÁ, Djanira Maria Radamés de; PIMENTA, Haroldo.<br />
Reflexões iniciais sobre o art. 285-A do Código<br />
de Processo Civil. Revista de Processo, São<br />
Paulo, SP, n. 133, p. 136-149. mar. 2006.<br />
SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito:<br />
os direitos fundamentais nas relações entre particulares.<br />
1 ed., 2. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2008.<br />
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito<br />
processual civil. 49. ed. Rio de Janeiro: Forense,<br />
2008. V. 1.<br />
174<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 167-174, jun. 2011
ESTUDO CINESIOLÓGICO DO COMPLEXO<br />
ARTICULAR DO QUADRIL 1<br />
Iasmin Nazareth Silva Matni *<br />
Willian Santana Ferreira **<br />
RESUMO<br />
O quadril é a mais proximal das articulações do membro inferior, formado pelo ísquio, púbis<br />
e ílio, é sinovial, apresenta uma cápsula e fortes ligamentos que recobrem-na cilindricamente<br />
e proporcionam estabilidade e mobilidade. Metodologia: Esta pesquisa foi realizada através<br />
de uma revisão de literatura em livros disponíveis na Biblioteca Central da Universidade<br />
da Amazônia. Referencial teórico: A principal articulação do quadril é complexa, possui três<br />
ossos e quatro ligamentos, estando sujeita a lesões musculares ou ósseas. Devido a essas<br />
lesões a fisioterapia possui o papel de reabilitação. Considerações finais: Essa articulação é<br />
forte, possui ligamentos que reforçam a cápsula proporcionando movimentos triplanares<br />
que a tornam mais suscetível a lesões e tendo na fisioterapia um meio de reabilitá-las.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Quadril. Articulação. Estabilidade<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
c l i n i c a l a g e . c o m . b r c l i n i c a l a g e . c o m . b r<br />
clinicalage.com.br clinicalage.com.br<br />
Segundo Jarmey (2008) o quadril é a mais<br />
proximal das articulações do membro inferior, sendo<br />
formado por três ossos: o ísquio, o púbis e o ílio,<br />
que se juntam com a idade, mas no embrião são<br />
bem distinguíveis. É uma articulação sinovial esferóide<br />
formada pelo encaixe da cabeça do fêmur no<br />
acetábulo do osso do quadril. (figura 1)<br />
É muito importante na sustentação do<br />
peso corporal e em atividades como: sentar-levantar,<br />
caminhada, salto, corrida. A cabeça do<br />
fêmur, arredondada e convexa, articula-se com<br />
o acetábulo côncavo da pelve. (KYSNER, 2005).<br />
O quadril tem como características a estabilidade<br />
e a grande mobilidade, somente inferior<br />
à do ombro (PALMER & EPLER, 2000).<br />
Figura 1: Anatomia do quadril<br />
Fonte: clinicalage.com.br<br />
*<br />
Acadêmica do curso de Fisioterapia da Universidade da<br />
Amazônia – UNAMA, monitora das disciplinas de Cinesiologia<br />
e Cinesioterapia e Reeducação Funcional. E-MAIL:<br />
yasmimatny@hotmail.com<br />
**<br />
Acadêmico do curso de Fisioterapia da Universidade da<br />
Amazônia – UNAMA, monitor das disciplinas de Cinesiologia<br />
e Cinesioterapia e Reeducação Funcional. E-MAIL:<br />
will_fisioterapia@hotmail.com<br />
1<br />
Trabalho elaborado sob orientação do prof.Nelson Higino de<br />
Oliveira Filho, fisioterapeuta especialista; professor do curso<br />
de Fisioterapia da Universidade da Amazônia – UNAMA.<br />
175<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 175-181, jun. 2011
2 METODOLOGIA<br />
Esta pesquisa foi realizada através de um<br />
revisão de literatura e publicações de artigos científicos,<br />
todos disponíveis na Biblioteca Central<br />
da Universidade da Amazônia – UNAMA, na<br />
sessão de livros e periódicos.<br />
MOVIMENTOS ARTICULARES<br />
Segundo Rasch (1991) Sendo uma articulação<br />
triaxial, o quadril possui movimento nos<br />
três planos: (figura 2).<br />
Figura 2: Movimentos do quadril<br />
3 REFERÊNCIAL TEÓRICO<br />
Segundo Lippert (2000) a cápsula da articulação<br />
do quadril é extremamente forte e espessa<br />
recobrindo a articulação do quadril de uma forma<br />
cilíndrica fixando-se proximalmente em torno do<br />
lábio do acetábulo e distalmente no colo do fêmur.<br />
Três ligamentos reforçam a cápsula e incluem:<br />
o ligamento iliofemoral – que limita a<br />
extensão do quadril e a rotação do fêmur em<br />
torno de seu eixo longitudinal; o ligamento pubofemoral<br />
que restringe a abdução, a extensão<br />
e a rotação lateral do quadril e o ligamento isquiofemoral<br />
– situado atrás, refreia a rotação<br />
medial do quadril(RASCH 1991).<br />
Emerge da incisura acetabular o ligamento<br />
redondo, sendo intracapsular, e que contém um<br />
vaso sanguíneo que supre a cabeça do fêmur – a<br />
artéria do ligamento redondo. O lábio do acetábulo<br />
é uma borda fibrocartilagínea que reveste o acetábulo<br />
e protege a superfície óssea, servindo para<br />
aprofundar o encaixe, desse modo aumentando a<br />
estabilidade da articulação e reduzindo as forças<br />
na articulação e retardando o inicio ou a ocorrência<br />
de lesões e desgaste (LIPPERT 2000).<br />
As bolsas sinoviais do quadril – Trocantérica,<br />
Iliopectínea e Isquiática - têm como finalidade<br />
diminuir o atrito entre tecidos moles e projeções<br />
ósseas. Duas bolsas frequentemente lesionadas<br />
ou inflamadas são a bolsa trocantérica<br />
e a bolsa do iliopsoas (iliopectínea). A bolsa trocantérica<br />
recobre o trocanter maior do fêmur e<br />
serve de origem ao tensor da fascia lata. A bolsa<br />
do iliopsoas está localizada entre a cápsula articular<br />
e o músculo iliopsoas na face anterior da<br />
articulação. (RASCH, 1991).<br />
Fonte: Cinesiologia Clinica<br />
Flexão, extensão e hiperextensão que<br />
ocorrem no plano sagital com aproximadamente<br />
0° a 125°-140° de flexão e 0° a 15° de hiperextensão.<br />
A extensão é o retorno a partir da flexão.<br />
A abdução e adução ocorrem no plano<br />
frontal com aproximadamente<br />
0° a 30°- 45° de abdução. A adução normalmente<br />
é considerada como o retorno à posição<br />
anatômica, embora exista aproximadamente<br />
um adicional de 0° a 25° possíveis além da<br />
posição anatômica.<br />
No plano transverso, a rotação medial e<br />
lateral, é algumas vezes chamada rotação interna<br />
e externa, respectivamente. Há aproximadamente<br />
0° a 30-45° de movimento possível em<br />
cada direção a partir da posição anatômica (PAL-<br />
MER & EPLER, 2000)<br />
Os dois ossos do quadril estão unidos<br />
anteriormente, e ao Sacro, posteriormente.<br />
176<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 175-181, jun. 2011
O sacro também está unido ao Cóccix.<br />
Estes quatro ossos (dois ossos do quadril,<br />
o sacro e o cóccix) são coletivamente conhecidos<br />
como pelve ou cíngulo do membro inferior<br />
– excluindo-se, portanto, o fêmur (LI-<br />
PPERT, 2000).<br />
MUSCULATURA<br />
Cerca de vinte dois músculos atuam na<br />
articulação do quadril (RASCH,1991).<br />
De acordo com Lippert (2000) estes músculos<br />
podem ser agrupados de acordo com sua localização<br />
e um pouco por sua função. Os músculos anteriores<br />
tendem a ser flexores, os laterais tendem<br />
a ser abdutores, os posteriores tendem a ser extensores<br />
e os mediais tendem a ser adutores.<br />
O quadril tem um grupo de músculos uniarticulares<br />
que fornecem a maior parte do controle<br />
e um grupo de músculos biarticulares mais compridos,<br />
que proporcionam amplitude de movimento<br />
(RASCH,1991 ). Os membros do grupo flexor<br />
incluem o Psoas e o Ilíaco, agonistas primários, e<br />
o Reto femoral. O Psoas (maior e menor) exerce<br />
um papel importante não apenas como flexor do<br />
quadril, mas também como estabilizador da articulação<br />
do quadril. Como sua origem são os corpos<br />
e discos intervertebrais de T12-L5, o psoas<br />
provavelmente tem alguma influência sobre as<br />
vértebras lombares na hiperextensão. O músculo<br />
ilíaco, assim como o psoas,desempenha um<br />
papel predominante na flexão do quadril sob todas<br />
as condições e amplitudes de movimento. O<br />
reto femoral, membro do grupo do quadríceps da<br />
coxa, é o único músculo do grupo que atua sobre<br />
o quadril é um importante flexor e auxilia também<br />
na rotação lateral e na abdução do quadril<br />
como acessório (RASCH,1991).<br />
Rasch (1991) também ressalta que o grupo<br />
extensor do quadril inclui os músculos do jarrete<br />
(isquiotibiais) – Semimembranáceo, Semitendíneo<br />
e cabeça longa do Bíceps femoral. O bíceps<br />
femoral, que tem duas origens separadas,<br />
cada uma com uma inervação distinta, é ativo na<br />
extensão do quadril, enquanto os músculos semimembranaceo<br />
e semitendineo são ativos na<br />
extensão contra a resistência.<br />
O músculo glúteo máximo também é um<br />
forte extensor durante esforços pesados ou<br />
moderados, além de ser rotador lateral e, dependendo<br />
da face do músculo em consideração<br />
(superior ou inferior), abdutor (do quadril fletido)<br />
ou adutor (contra uma resistência). Embora<br />
não seja um músculo postural importante, é<br />
moderadamente ativo durante a flexão excêntrica<br />
do tronco e muito ativo na extensão concêntrica.<br />
Durante a posição ereta, a rotação do<br />
tronco pode provocar atividade do músculo glúteo<br />
máximo no lado oposto à rotação, um movimento<br />
que representa essencialmente uma rotação<br />
lateral do quadril (RASCH, 1991).<br />
O grupo adutor do quadril é composto<br />
pelos músculos - grácil, adutor longo, adutor curto,<br />
adutor magno e pectíneo. Situados na face<br />
medial da coxa, os adutores formam a maior parte<br />
da massa muscular nesta área, criando certa<br />
contradição da relação estrutura-função. Esperarse-ia<br />
que um grupo muscular desse tamanho desempenhasse<br />
um papel crucial na locomoção,<br />
postura e movimentos gerais. Uma explicação<br />
para o tamanho da massa dos adutores é que ocorrem<br />
pelo menos duas ações articulares secundárias<br />
no quadril para cada adutor, bem como ações<br />
em potencial no joelho. Além do óbvio papel de<br />
adução, a rotação medial é atribuída aos músculos<br />
adutores longo e magno observando que o<br />
adutor longo demonstra atividade durante a flexão<br />
do quadril, por esta razão diz-se que os dançarinos<br />
e ginastas estão sujeitos à laceração das<br />
fibras desse músculo próximo a sua fixação tendínea<br />
no púbis quando executam aberturas dos<br />
membros inferiores (RASCH, 1991).<br />
De acordo com (RASCH, 1991) o grupo<br />
abdutor é composto de vários músculos que atuam<br />
predominantemente em outras ações articulares.<br />
Poucas atividades exigem abdução vigorosa<br />
do quadril. O músculo glúteo médio é<br />
considerado agonista para esta ação e exerce um<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 175-181, jun. 2011<br />
177
papel importante na estabilização da pelve durante<br />
a locomoção e na prevenção do sinal de<br />
Trendelenburg (inclinação pélvica lateral ou queda<br />
do quadril). (Figura 3).<br />
Figura 3: Sinal de Trendelenburg<br />
lateral do fêmur em torno de seu eixo longitudinal.<br />
Os glúteos médio e mínimo, tensor da fascia<br />
lata, adutores longo e magno e grácil podem servir<br />
á rotação medial do fêmur. A rotação lateral é<br />
uma função de parte do glúteo máximo, reto femoral<br />
e um grupo de seis músculos geralmente<br />
agrupados como rotadores laterais – os músculos<br />
Piriforme, Obturador interno, Obturador externo<br />
e Gêmeos superior e inferior, executam basicamente<br />
apenas à rotação lateral, embora o Piriforme,<br />
Obturador interno e os Gêmeos possam ajudar a<br />
abduzir o quadril fletido (RASCH, 1991).<br />
MÚSCULOS BIARTICULARES<br />
Fonte:radiologianota10.blogspot.com<br />
Outros músculos que podem auxiliar na<br />
abdução quando o movimento encontra resistência,<br />
quando o quadril está numa determinada<br />
posição, ou sob ambas as circunstâncias, incluem<br />
o glúteo mínimo, o gluteo máximo, o reto<br />
femoral, o sartório e o tensor da fascia lata. O<br />
papel do tensor da fascia lata depende da rotação<br />
(medial ou lateral) do quadril. O mecanismo<br />
abdutor inclui os glúteos médios e máximo e está<br />
relacionado à necessidade da abertura superior<br />
da pelve ser tracionada em direção ao trocanter<br />
maior durante a fase de estação da locomoção.<br />
Os abdutores do membro inferior que sustentam<br />
o peso impedem o decaimento da pelve para<br />
o lado contralateral, o que seria causado pelo<br />
peso da massa corporal acima do quadril e pelas<br />
características inerciais do membro inferior em<br />
oscilação (RASCH, 1991).<br />
Numerosos músculos previamente apresentados<br />
contribuem para a rotação medial ou<br />
São aqueles que atravessam várias articulações<br />
e criam movimento significativo<br />
nessas articulações. Um exemplo da atividade<br />
de um músculo biarticular é o paradoxo do<br />
psoas, no qual o psoas, enquanto flete o quadril,<br />
causa hiperextensão da coluna lombar<br />
através de inclinação pélvica anterior, embora<br />
o psoas seja considerado flexor do tronco<br />
(RASCH, 1991). (figura 4)<br />
Figura 4: Paradoxo do psoas<br />
Fonte: Cinesiologia e Anatomia.<br />
Segundo Rasch (1991) no paradoxo de<br />
Lombard observa-se quando músculos biarticulares<br />
flexores geram um movimento na direção<br />
contrária – p.ex: a ação dos flexores do quadril e<br />
joelhos atuarem para elevar o corpo ao levantar<br />
de uma cadeira.<br />
178<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 175-181, jun. 2011
LESÕES DA ARTICULAÇÃO DO QUADRIL<br />
A articulação do quadril é extremamente<br />
estável e tem uma grande amplitude de movimento.<br />
Enquanto para atletas, o joelho parece<br />
mais suscetível a lesões muito graves, para a<br />
população não atlética há estatísticas assustadoras<br />
acerca de fraturas do quadril. Por exemplo,<br />
a osteoporose, uma condição óssea degenerativa<br />
que afeta principalmente mulheres acima<br />
de 45 anos de idade, é a causa de 1,3 milhão<br />
de fraturas por ano. Destas fraturas, 200.000 são<br />
no quadril e 40.000 destas causam complicações<br />
que levam à morte. As fraturas do quadril, então<br />
representam a principal causa de morte em<br />
indivíduos idosos (RASCH, 1991). (figura 5).<br />
movimento, as potentes contrações musculares<br />
associadas à região durante atividades como as<br />
diversas formas de locomoção e as abruptas mudanças<br />
de direção e posição, comuns em atividades<br />
desportivas e recreativa (RASCH, 1991).<br />
Segundo Rasch (1991) a distensão do psoas<br />
pode ocorrer quando o indivíduo encontra<br />
uma forte resistência durante a flexão do quadril<br />
(figura 6).<br />
Figura 6: Distensão do psoas<br />
Figura 5: Fratura do colo do fêmur<br />
Fonte:medicinageriatrica.com.br<br />
medicinageriatrica.com.brmedicinageriatrica.com.br<br />
A lesão de tecidos moles na região do quadril<br />
é uma ocorrência bem mais comum em atletas<br />
que em não atletas. Lesões relacionadas à distensão<br />
muscular são freqüentemente relatadas,<br />
sendo que alguns fatores que tornam essa região<br />
suscetível a lesões são a extrema amplitude de<br />
Fonte: fisioterapiapassofundo.blogspot.com<br />
A distensão dos músculos do jarrete<br />
(isquiotibiais:semimembranaceo,semitendineo<br />
e bíceps femoral) foi atribuído a contrações potentes<br />
do quadríceps femoral associada a um<br />
retardo no relaxamento do isquiotibial antagonista.<br />
(RASCH, 1991) (figura 7).<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 175-181, jun. 2011<br />
179
Figura 7: Distensão dos músculos do jarrete<br />
Figura 8: Luxação Posterior do Quadril<br />
Fonte: prodot.com.br<br />
A osteoartrite/osteoartrose ou doença<br />
degenerativa do quadril é uma enfermidade crônico-degererativa<br />
que promove alterações na cartilagem<br />
articular, sendo a doença músculo-esquelética<br />
mais comum em todo o mundo. (figura 9) A<br />
Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que<br />
25% dos indivíduos acima dos 65 anos sofrem de<br />
dor e incapacidade associadas a esta doença.<br />
Fonte: fisioterapiapassofundo.blogspot.com<br />
Figura 9: doença degenerativa do quadril<br />
Alguns tipos de artes marciais, chutes<br />
acima do nível do tórax são acompanhados de<br />
uma flexão e rotação medial do quadril que<br />
podem lesar os rotadores laterais. Os cavaleiros,<br />
e especialmente dançarinos e ginastas,<br />
frequentemente lesam os músculos adutores<br />
(Distensões), porque a dança e ginástica suscitam<br />
atividades envolvendo aberturas anteriores<br />
e laterais.<br />
Traumatismos na direção anteroposterior<br />
sobre o joelho em indivíduos sentados em<br />
colisões automobilísticas podem levar à luxação<br />
posterior do Quadril. (RASCH, 1991) (figura 8).<br />
Fonte: strykerlatinamerica.comstrykerlatinamerica.com<br />
4 PAPEL DA FISIOTERAPIA<br />
Primeiramente é indispensável que o<br />
profissional tenha o cuidado na avaliação cinético-funcional<br />
das patologias, utilizando-se para<br />
isto vários testes específicos, exames complementares<br />
como os radiológicos, além de sinais e<br />
sintomas característicos, favorecendo, assim, uma<br />
180<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 175-181, jun. 2011
conduta específica para o quadro da patologia,<br />
sempre levando em consideração a anatomia e a<br />
biomecânica da articulação (SHEPHERD, 1995).<br />
O papel do fisioterapeuta no tratamento<br />
das patologias vai consistir principalmente<br />
na aplicação de dispositivos imobilizantes<br />
– caso necessário – na elaboração de<br />
tratamento e na explicação dada aos parentes<br />
residentes com o paciente para um maior<br />
cuidado com mesmo, além da conscientização<br />
dos mesmos em auxiliar o prognóstico<br />
(SHEPHERD, 1995).<br />
Para Turek (1998) A cinesioterapia será de<br />
fundamental importância em todos os momentos<br />
do tratamento convencional e pós-operatório.<br />
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
A articulação do quadril é bastante<br />
complexa promovendo estabilidade e grande<br />
mobilidade ao membro inferior sendo muito<br />
importante na sustentação do peso corporal<br />
proporcionando atividades como correr, caminhar,<br />
sentar-levantar, dentre outros. Proporcionando<br />
esta estabilidade, é composto por<br />
quatro ligamentos o que permite movimentos<br />
triplanares utilizando cerca de vinte e dois<br />
músculos, sendo que uns grupos musculares<br />
são uni-articulares em detrimento de outros<br />
que são bi-articulares.<br />
Por esta articulação apresenta-se de<br />
modo complexo, encontra-se propensa a certas<br />
patologias e disfunções tendo que, às vezes, se<br />
submeter a algum processo cirúrgico. Consequentemente,<br />
para tratar essas patologias o fisioterapeuta<br />
possui um papel diferenciado, pois<br />
terá a função de reabilitar esse membro através<br />
de exercícios cinesioterapêuticos em solo ou em<br />
meio aquático, causando o mínimo de dor e complicações<br />
para o seu paciente.<br />
REFEÊNCIAS<br />
LIPPERT, Lynn. Cinesiologia clínica. 2.ed. [s.l.]:<br />
Revinter, 2000.<br />
PALMER, M. Lynn; EPLER, Márcia E. Fundamentos<br />
das técnicas de avaliação musculoesqueléticas.<br />
2. ed. [s.l.]: Guanabara Koogan, 2000.<br />
RASCH, Philip J. Cinesiologia e anatomia. 7. ed.<br />
[s.l.]: Guanabara Koogan, 1991.<br />
SHEPHERD, Robert. B. Fisioterapia em pediatria.<br />
3. ed. [s.l]: Editora Santos, 1995.<br />
TUREK, Samuel. Fundamentos da anatomia clínica.<br />
Rio de Janeiro: Filiada, 1998.<br />
KYSNER,Carolyn. Exercícios terapêuticos. 4. ed.<br />
São Paulo: Manole, 2005.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 175-181, jun. 2011<br />
181
182
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA:<br />
UM GRAVE PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA.<br />
REVISÃO DE LITERATURA 1 Lillian dos Santos Carneiro *<br />
RESUMO<br />
A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é uma afecção que prejudica o sistema circulatório.<br />
Dados estatísticos do Ministério da Saúde mostram que 22,3% a 43,9% da população é atingida<br />
por ela, dependendo da cidade onde o estudo foi conduzido. Objetivo: Realizar uma revisão<br />
de literatura destacando a prevenção dos possíveis agravos que a Hipertensão Arterial Sistêmica<br />
pode ocasionar ao organismo do indivíduo. Metodologia: Foi realizado um levantamento<br />
bibliográfico em março de 2011 por meio da biblioteca virtual, <strong>revista</strong>s científicas e no<br />
acervo da Biblioteca Central da Universidade da Amazônia. Conclusão: A Hipertensão Arterial<br />
Sistêmica é um grave problema de saúde pública que precisa ser controlada para que possa<br />
evitar as complicações desta doença, através de uma assistência de saúde e boa conduta do<br />
paciente com relação ao seu tratamento.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Hipertensão Arterial Sistêmica. Agravos. Saúde Pública.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é<br />
uma patologia que compromete a circulação sanguínea<br />
nos vasos por meio do aumento da pressão<br />
nas paredes das artérias e segundo o Ministério da<br />
Saúde (2006, p.7) foram registrados, no Brasil, em<br />
torno de 17 milhões de casos (35%) em uma população<br />
com idade igual ou superior a 40 anos.<br />
Em nível municipal, um estudo feito pela<br />
Organização Pan-Americana da Saúde (2008,<br />
p.235) apontou que em Belém o percentual de<br />
indivíduos que referiram ter diagnóstico clínico<br />
de hipertensão em pelo menos uma consulta,<br />
entre os que referiram ter realizado exame para<br />
medir a pressão arterial nos últimos dois anos,<br />
na população de 25 anos ou mais foram 18,7% do<br />
sexo masculino e 23,5% do sexo feminino.<br />
Diante dessa epidemiologia, a Hipertensão<br />
Arterial Sistêmica (HAS) tornou-se um problema<br />
grave de saúde pública no Brasil, sendo<br />
um importante fator de risco para o desenvolvimento<br />
de doenças cardiovasculares, cerebrovasculares<br />
e renais.<br />
Silva (2006, p.15) afirma que a saúde está<br />
intrinsecamente ligada com a qualidade de vida,<br />
assim sendo de fundamental importância conhecer<br />
os principais agravos da HAS para, desta forma,<br />
prevenir e reduzir os índices de mortalidade<br />
nesta população.<br />
*<br />
Acadêmica do quinto semestre de Enfermagem, ex-monitora<br />
da disciplina Morfofisiologia Humana e atual bolsista de<br />
Iniciação Científica com o projeto intitulado “Fatores de<br />
Risco para Hipertensão Arterial Sistêmica para os docentes<br />
da Universidade da Amazônia”.<br />
1<br />
Artigo elaborado sob orientação da profª Beatriz Araújo<br />
Cardoso, professora Mestre da Universidade da Amazônia e<br />
orientadora do Projeto de Iniciação Científica.<br />
183<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 183-185, jun. 2011
2 OBJETIVO<br />
Realizar uma revisão de literatura destacando<br />
a prevenção dos possíveis agravos que a<br />
Hipertensão Arterial Sistêmica pode ocasionar<br />
ao organismo do indivíduo.<br />
3 MATERIAIS E MÉTODOS<br />
Este artigo foi realizado pó meio de um<br />
levantamento bibliográfico em março de 2011 por<br />
meio da biblioteca virtual, <strong>revista</strong>s científicas e<br />
livros acerca do assunto e livros do acervo da Biblioteca<br />
Central da Universidade da Amazônia.<br />
4 REVISÃO DE LITERATURA<br />
4.1 DISLIPIDEMIA<br />
A dislipidemia consiste em níveis de colesterol<br />
elevados. Segundo as Diretrizes Brasileiras<br />
de Hipertensão Arterial (2007, p.60) e o<br />
Ministério da Saúde (2006, p.35) quando o paciente<br />
hipertenso não faz uma dieta pobre em<br />
gordura e aumenta o seu nível de colesterol, tende<br />
a ser um grande candidato, futuramente, a<br />
ter uma doença arterial coronariana:<br />
É frequente a associação entre dislipidemia<br />
e hipertensão arterial, juntos<br />
representam mais de 50% do risco atribuível<br />
da doença arterial coronariana<br />
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006, p.35).<br />
Os indivíduos hipertensos beneficiam-se<br />
bastante com a diminuição do colesterol, e as<br />
intervenções terapêuticas para reduzindo não<br />
só o colesterol, mas também a pressão arterial<br />
diminuindo, assim, a morbidade e a mortalidade<br />
em diversas condições de risco.<br />
4.2 ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO (AVE)<br />
O Acidente Vascular Encefálico, também<br />
conhecido como Acidente Vascular Cerebral ou<br />
Derrame, consiste em ruptura de vasos sanguíneos<br />
extravasando o sangue na região encefálica.<br />
Em pacientes hipertensos, como ocorre o<br />
aumento da pressão nas artérias, essa força também<br />
se estende aos vasos que irrigam o cérebro,<br />
porém são extremamente finos sendo de<br />
fácil rompimento. Vale ressaltar que o AVE também<br />
pode acometer indivíduos normotensos.<br />
É importante frisar que segundo o Ministério<br />
da Saúde (2006, p.35) as pessoas que são<br />
hipertensas e fazem o uso do medicamento de<br />
maneira correta, tais como inibidores da Enzima<br />
Conversora da Angiotensina (ECA), diuréticos,<br />
bloqueadores do canal de cálcio, é benéfico para<br />
a prevenção primária do AVE, pois no momento<br />
em que se diminui a pressão arterial, a mesma se<br />
propaga por todos os vasos arteriais, inclusive os<br />
do encéfalo, porém com cuidado em pacientes<br />
idosos nessa diminuição da pressão devido ao risco<br />
de rebaixamento da perfusão cerebral.<br />
4.3 DOENÇA CORONARIANA<br />
A Doença Arterial Coronariana conhecida,<br />
também, como cardiopatia isquêmica, consiste<br />
em problemas de perfusão nos vasos que irrigam<br />
o coração que são as coronárias, desta forma vem<br />
a denominação da patologia. Em pacientes que<br />
possui história de cardiopatia isquêmica na família,<br />
deve-se atentar ao não uso de medicamentos<br />
a base de ácido acetilsalicílico, pois o mesmo pode<br />
vir a desenvolver a doença coronariana. Portanto,<br />
de acordo com a Associação Brasileira de Cardiologia<br />
(2007, p.61), os beta-bloqueadores são<br />
fármacos de preferência devido a sua ação antiisquêmica,<br />
além dos inibidores da ECA.<br />
4.4 INSUFICIÊNCIA CARDÍACA<br />
A Insuficiência Cardíaca se dá no momento<br />
em que o coração, mas especificamente o ventrículo<br />
esquerdo, não consegue bombear o sangue<br />
de maneira que responda as necessidades<br />
do organismo. Quando o paciente hipertenso<br />
não segue as orientações feitas pelo profissional<br />
de saúde que o acompanha, obviamente a<br />
184<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 183-185, jun. 2011
sua pressão eleva-se fazendo com que o coração<br />
não suporte a pressão que está sendo realizada<br />
nele, tornando-o insuficiente para o desempenho<br />
de sua função, pois “não funciona adequadamente<br />
sobre pressão”. Por este motivo<br />
que o Ministério da Saúde (2006, p.36) refere ao<br />
uso de diuréticos associados ou não, levando<br />
sempre em consideração se o paciente possui<br />
ou não insuficiência renal.<br />
4.5 DOENÇA RENAL CRÔNICA OU INSUFICIÊNCIA<br />
RENAL CRÔNICA (IRC)<br />
A Doença Renal Crônica (IRC) é quando<br />
os rins perdem a sua funcionalidade parcial ou<br />
totalmente que consiste em filtrar o sangue,<br />
deixando circulante no corpo excretas tóxicas<br />
que deveriam ser eliminadas. A Associação Brasileira<br />
de Cardiologia (2007, p.67) mostra que<br />
pacientes hipertensos são grandes pretendentes<br />
a desenvolver a IRC e o Ministério da Saúde<br />
(2006, p.36) diz que cerca de 80% a 90% dos pacientes<br />
de diálise são hipertensos. Diante desses<br />
dados é necessário que o paciente faça um controle<br />
rigoroso da pressão arterial para que não<br />
sobrecarregue os rins e desenvolva a doença.<br />
5 CONCLUSÃO<br />
Tendo em vista as gravidades que a hipertensão<br />
arterial sistêmica pode trazer, não só ao<br />
sistema cardiovascular, mas em outros sistemas<br />
como o renal e o nervoso, torna-se indispensável<br />
que os pacientes com suspeita ou já diagnosticados<br />
hipertensos e mesmo os normotensos que<br />
possuem hereditariedade tenham hábitos alimentares<br />
saudáveis, pratiquem atividade física,<br />
evitar o uso de tabaco e de agentes estressores,<br />
uso medicamentos adequadamente, se prescrito.<br />
Com esse acompanhamento rigoroso há a prevenção<br />
do agravo da hipertensão arterial (pacientes<br />
hipertensos) ou mesmo impedir o aparecimento<br />
da HAS (pacientes pré-hipertensos), além<br />
de adquirir uma ótima qualidade de vida.<br />
REFERÊNCIAS<br />
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de<br />
Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica.<br />
Hipertensão arterial sistêmica para o Sistema<br />
Único de Saúde / Ministério da Saúde, Secretaria<br />
de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção<br />
Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.<br />
CARVALHO, A.C.C.; FILHO, R.M.; BASTOS, V.P. Manual de<br />
Orientação Clínica Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS).<br />
Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, 2010.<br />
GUYTON, A.C. Fisiologia Humana. 6. ed. Rio de<br />
Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.<br />
V DIRETRIZES BRASILEIRAS DE HIPERTENSÃO AR-<br />
TERIAL. Cardiologia, Hipertensão e Nefrologia.<br />
Arq Bras Cardiol. v.89, n.3, p. 24 e 79, 2007.<br />
REDE INTERAGENCIAL DE INFORMAÇÃO PARA A<br />
SAÚDE. Indicadores Básicos para a Saúde no Brasil:<br />
conceitos e aplicações / Rede Interagencial<br />
de Informação para a Saúde - Ripsa. 2. ed. Brasília:<br />
Organização Pan-Americana da Saúde, 2008.<br />
SILVA, J. L. L.; LIMA, R. P. Orientações a prevenção<br />
da Hipertensão Arterial Sistêmica e seus agravos:<br />
alguns apontamentos.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 183-185, jun. 2011<br />
185
186
PUBALGIA, ESPORTE E FISIOTERAPIA 1<br />
Antonio Eduardo Leite da Silva *<br />
Carolina Nascimento Lemos Barboza **<br />
RESUMO<br />
A sínfise púbica é uma articulação do tipo anfiartrose, que se localiza entre os ossos púbicos,<br />
sendo cada superfície articular recoberta por cartilagem hialina e separada por um disco fibrocartilaginoso.<br />
Entre as patologias que afetam a articulação, encontramos a Pubalgia, caracterizada<br />
por uma síndrome inflamatória dolorosa da sínfise púbica. E entre as causas da Pubalgia<br />
encontramos as sequelas de cirurgia urológica, as infecções e a atividade física intensa relacionada<br />
aos esportes. Objetivo: Realizar uma revisão de literatura sobre uma das patologias<br />
mais frequentes na articulação da sínfise púbica. Método: Foram consultadas diversas literaturas<br />
de autores considerados referência no assunto, Internet e artigos científicos. Conclusão: A<br />
Pubalgia é uma condição patológica que leva o indivíduo a limitações funcionais graves, impedindo<br />
que a pessoa realize suas atividades de vida diária e no caso de um atleta, o seu desempenho<br />
como esportista.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Pubalgia. Sínfise Púbica. Fisioterapia. Esporte.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
A sínfise púbica é uma articulação do tipo<br />
anfiartrose, localizada entre os ossos púbicos,<br />
sendo cada superfície articular recoberta por cartilagem<br />
hialina e separada por um disco fibrocartilaginoso<br />
que funciona como dissipador das<br />
forças de impacto na pelve durante a marcha<br />
(REIS et al., 2008).<br />
O movimento nessa articulação é limitado,<br />
sendo estabilizado superiormente pelo ligamento<br />
suprapúbico, inferiormente pela porção<br />
arcada do ligamento púbico e anteriormente pelo<br />
ligamento interpúbico. Além desses ligamentos<br />
estabilizadores, encontramos superiormente as<br />
inserções musculares do reto do abdômen em<br />
todo o corpo do púbis, auxiliando na estabilidade.<br />
E entre as patologias que comprometem essa<br />
articulação, encontramos a Pubalgia, ou Osteíte<br />
Púbica, que se caracteriza por uma síndrome in-<br />
*<br />
Acadêmico do 8º Semestre do Curso de Fisioterapia da<br />
Universidade da Amazônia – UNAMA. Monitor das disciplinas<br />
Agentes Eletrotermofototerapêuticos e Propedêutica em<br />
Fisioterapia, no ano 2009/2 e 2010/2. E-mail:<br />
edusilva779@hotmail.com<br />
**<br />
Graduada em Fisioterapia pela Universidade da Amazônia.<br />
Monitora das disciplinas de Bioquímica Aplicada à<br />
Fisioterapia e Farmacodinâmica, no ano de 2008/2. E-mail:<br />
carolina_barboza7@hotmail.com<br />
1<br />
Trabalho elaborado sob orientação do prof. Erielson dos<br />
Santos Bossini, especialista em Fisioterapia Motora<br />
Ambu<strong>lato</strong>rial e Hospitalar – Ortopedia e Especialista em<br />
Fisioterapia no Aparelho Locomotor no Esporte pela UNIFESP<br />
– EPM; professor do curso de Fisioterapia da Universidade<br />
da Amazônia – UNAMA, das disciplinas: Prática<br />
Supervisionada em Fisioterapia Osteomioarticular e<br />
Agentes Eletrotermofototerapêuticos.<br />
187<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 187-192, jun. 2011
flamatória dolorosa (aguda ou crônica) da sínfise<br />
púbica, com radiação para a região adutora, abdominal<br />
e região crural, que piora progressivamente<br />
com o esforço físico e melhora com o repouso<br />
e fisioterapia (SOUSA et al., 2005).<br />
Essa patologia foi descrita pela primeira vez<br />
em 1924 pelo urologista Beer, em um paciente pósoperatório<br />
de cirurgia suprapúbica. E entre as principais<br />
hipóteses causadoras da Pubalgia encontramos<br />
as sequelas de cirurgia urológica, as infecções<br />
e a atividade física intensa, principalmente relacionada<br />
a esportes como o atletismo com corredores<br />
de longa distância, o rúgbi, o tênis e principalmente<br />
entre os jogadores de futebol (IDE; CARO-<br />
MANO, 2002; SOUSA et al., 2005).<br />
Renstrom (2000) destaca que de todas<br />
essas modalidades esportivas o maior índice<br />
porcentual de casos é entre jogadores de futebol<br />
(50%), os corredores de longa distância tem<br />
(20%) dos casos, já os jogadores de rúgbi tem<br />
(18%), os tenistas (8%) e as demais atividades<br />
com os 4% restantes.<br />
Esses atletas são submetidos a um grande<br />
número de jogos e treinos, não havendo<br />
muitas vezes um tempo necessário para o repouso<br />
ou para um programa adequado de alongamentos,<br />
o que predispõe o seu aparecimento.<br />
A falta ou a inadequada execução de alongamento<br />
da musculatura adutora da coxa somado<br />
ao excesso de exercícios abdominais que<br />
esses atletas realizam, ou por uma lesão por<br />
tração na origem dos músculos da sínfise púbica<br />
(adutor longo, adutor curto e grácil), podem<br />
causar desequilíbrio muscular e consequentemente<br />
o surgimento da Pubalgia (FAL-<br />
CHETTI; ZABOTI, 2006).<br />
Segundo Souza e Badaró (2004) e Reis et<br />
al., (2008), tudo isso é devido aos movimentos<br />
corporais compensatórios causados por gestos<br />
repetitivos durante a atividade física, sendo então<br />
a Pubalgia relativamente comum em atletas.<br />
Essa área da sínfise púbica é particularmente<br />
suscetível às forças de cisalhamento durante<br />
determinadas atividades atléticas, como a<br />
corrida, o salto e o chute. Nesse momento, a sínfise<br />
movimenta-se para cima e para baixo, chegando<br />
a rotar levemente, o que facilita o microtrauma.<br />
Como é pequeno o suprimento sanguíneo<br />
nessa área, ela não está muito bem preparada<br />
para suportar esse estresse, podendo, então,<br />
desenvolver a patologia (BRIDI, 2010).<br />
Os atletas com osteíte púbica apresentam<br />
dor difusa na pelve, abdome inferior e irradiação<br />
para região perineal e raiz da coxa, o que<br />
torna obrigatório o diagnóstico diferencial com<br />
outras patologias, como: hérnia inguinal, prostatite,<br />
orquite, nefrolitíase, osteomielite, espondilite<br />
anquilosante, artrite reumatoide e metástase<br />
tumoral (VIEIRA et al., 2001).<br />
O presente artigo tem como objetivo fazer<br />
uma revisão de literatura sobre uma das patologias<br />
mais frequentes na articulação da sínfise<br />
púbica, Pubalgia, mostrando sua prevalência<br />
nas mais diversas modalidades esportivas e associando<br />
a patologia com uma abordagem fisioterapêutica.<br />
2 METODOLOGIA<br />
O procedimento de realização deste artigo<br />
foi através de uma revisão bibliográfica, que<br />
tem como objetivo reunir, analisar e conduzir<br />
uma síntese dos resultados de múltiplos estudos<br />
referentes ao tema proposto. Portanto, para<br />
a realização deste artigo foram consultados na<br />
literatura, livros de diversos autores, artigos científicos,<br />
periódicos, monografias, dissertações<br />
e acervo bibliográfico dos próprios autores. Usando<br />
como banco de dados as bibliotecas da Universidade<br />
da Amazônia (UNAMA) e da Universidade<br />
Estadual do Pará (UEPA) e as plataformas<br />
de pesquisas do GOOGLE, SCIELO, MEDLINE e LI-<br />
LACS, os quais abordam o tema em questão.<br />
Os descritores de texto utilizados na pesquisa<br />
foram: Pubalgia, Sínfise Púbica, Fisioterapia<br />
e Esporte. A pesquisa bibliográfica adotou<br />
materiais para seu estudo do período de 2000<br />
até o ano de 2010.<br />
188<br />
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3 FISIOPATOLOGIA<br />
Para Moussalle et al., (2007) a fisiopatologia<br />
dessa lesão é multifatorial, sendo um processo<br />
inflamatório, autolimitante, secundária a um<br />
trauma ou fraturas por estresse, cirurgia pélvica,<br />
parto ou movimentos repetitivos (micro trauma<br />
repetitivo), por um desequilíbrio de forças atuando<br />
na sínfise púbica (forças de cisalhamento e<br />
de tração), por desproporção entre a força muscular<br />
e a área de inserção tendinosa no púbis.<br />
Entretanto, Azevedo, Pires e Carneiro<br />
(2000) afirmam que ainda não há um consenso<br />
na literatura sobre a causa exata e concreta do<br />
que leva a pubalgia e nem como esse processo<br />
inflamatório se inicia, tendo, portanto, os estudiosos<br />
trabalhado com as seguintes hipóteses<br />
para o surgimento da Pubalgia:<br />
3.1 HIPÓTESE: ADUTORES DO QUADRIL<br />
A origem da pubalgia está diretamente relacionada<br />
com a musculatura adutora. Sua utilização<br />
excessiva no futebol associada à preparação inadequada<br />
causaria estresse repetitivo sobre a sínfise<br />
púbica, o que iniciaria o processo. O encurtamento<br />
dessa musculatura causado pelo estiramento não<br />
tratado faria com que o jogador, tentando utilizar<br />
toda a amplitude de movimento, aumentasse o estresse<br />
e a força de cisalhamento sobre a junção miotendinosa,<br />
iniciando o processo de irritação mecânica,<br />
inflamação e reabsorção óssea.<br />
3.2 HIPÓTESE: ROTATORES DO QUADRIL<br />
Segundo os autores, em 12 casos de osteíte<br />
púbica estudados em atletas, foi observado<br />
em todos os casos um déficit significativo de<br />
rotação interna do quadril. Quando o movimento<br />
do quadril é restrito, forças de cisalhamento<br />
vão ser geradas na articulação, levando a movimentos<br />
compensatórios internos ou externos de<br />
uma hemipelve sobre a outra quando o quadril<br />
estiver estendido ou movimentos de deslocamento<br />
superior ou inferior quando o quadril estiver<br />
fletido. Estes movimentos alterariam o funcionamento<br />
normal das articulações sacroilíacas<br />
e do púbis, causando problemas mecânicos.<br />
3.3 HIPÓTESE: OS ISQUIOTIBIAIS<br />
O encurtamento dos isquiotibiais é a causa<br />
primária do desenvolvimento da pubalgia no<br />
jogador de futebol. No movimento do chute ideal,<br />
a perna de apoio permanece na maioria das<br />
vezes esticada, o reto femoral fixa o púbis em<br />
uma posição inferior enquanto o reto abdominal<br />
abaixa o ombro e caixa torácica do lado do apoio.<br />
A perna que chuta também deve permanecer, na<br />
maioria das vezes, esticada. Deste lado, a contração<br />
do reto abdominal eleva o púbis, já que não<br />
há fixação por parte do reto femoral. Para potencializar<br />
a ação do reto abdominal, o ombro homolateral<br />
ao chute se desloca para trás e para cima.<br />
Os oblíquos elevam o ilíaco do lado do chute.<br />
3.4 HIPÓTESE: ARTICULAÇÃO SACROILÍACA<br />
Segundo os autores, essas três articulações<br />
(púbis e duas sacroilíacas) interrompem a<br />
continuidade óssea do anel pélvico e, se uma<br />
das três se torna instável, forças de cisalhamento<br />
são criadas, o que transmite instabilidade e<br />
estresse a outras porções do anel. Assim, uma<br />
instabilidade da sacroilíaca pode resultar em um<br />
futuro problema no púbis e vice-versa.<br />
4 CLASSIFICAÇÃO DA PUBALGIA<br />
De acordo com Orchard et al., (2000), ha<br />
dois tipos de pubalgia: As traumáticas (agudas),<br />
que aparecem por agressão na sínfise púbica, em<br />
decorrência do estiramento dos ligamentos, de<br />
tensão inesperada dos adutores e/ou tração do<br />
ramo púbico. E as crônicas que ocorrem por um<br />
desequilíbrio muscular.<br />
Para Ide e Caromano (2002), a pubalgia<br />
também pode ser classificada como Pubalgia<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 187-192, jun. 2011<br />
189
Traumática (ocorre por estresse), Pubalgia Infecciosa<br />
(está relacionada com o pós-operatório<br />
uroginecológica) e a Pubalgia Inflamatória que<br />
é secundária a trauma ou cirurgia pélvica.<br />
5 QUADRO CLÍNICO<br />
Os sintomas principais incluem dor na<br />
região púbica, dor na origem dos adutores e<br />
dor escrotal, aumento da dor com apoio unipodal<br />
e exercícios de alta intensidade, sensação<br />
de ardor na região da virilha, crepitação<br />
na sínfise púbica, espasmos de adutor, diminuição<br />
da amplitude de movimento do quadril<br />
e dor lombar. Na maioria dos pacientes os<br />
sintomas são autolimitados e desaparecem<br />
gradualmente em semanas ou meses, porém,<br />
nos pacientes submetidos aos esforços físicos,<br />
essa dor pode tornar-se progressiva e intensa,<br />
incapacitando-os para as atividades esportivas<br />
(SOUSA et al., 2005).<br />
Álvarez (2003) relata que os sintomas da<br />
pubalgia diferem de um atleta para outro e em<br />
casos graves, o atleta pode apresentar-se com<br />
marcha antálgica ou bamboleante, em virtude<br />
de espasmos dos adutores.<br />
6 DIAGNÓSTICO<br />
O diagnóstico é fundamentalmente clínico,<br />
feito através de uma análise sintomática<br />
associada a uma minuciosa avaliação biomecânica<br />
de fatores intrínsecos, relacionados<br />
com o próprio atleta e de fatores extrínsecos,<br />
relacionados diretamente com a prática desportiva.<br />
Por apresentar sintomas pubianos e<br />
peripubianos, algumas patologias dessa região<br />
podem ser confundidas com a pubalgia, daí a<br />
importância do diagnóstico diferencial. E uma<br />
vez diagnosticada a pubalgia, torna-se necessário<br />
o tratamento imediato, pois caso a patologia<br />
se torne crônica, o tratamento fica um<br />
tanto quanto complicado e uma cirurgia não é<br />
descartada (FALCHETTI; ZABOTI, 2006).<br />
7 TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO<br />
O tratamento para pubalgia decorrente<br />
das alterações musculares e ósseas é conservador,<br />
baseado no repouso, uso de anti-inflamatórios<br />
hormonais e não-hormonais, sistêmicos<br />
ou locais, além de infiltrações de corticóides e<br />
sessões de fisioterapia, que auxiliará na completa<br />
recuperação do paciente (ÁLVAREZ, 2003).<br />
O tratamento adequado é multidisciplinar,<br />
pois o médico diagnostica e prescreve os<br />
medicamentos, o fisioterapeuta elabora um programa<br />
adequado de reabilitação e o preparador<br />
físico atua na perpetuação dos resultados obtidos,<br />
sendo que o tratamento preventivo é a<br />
melhor opção, daí a importância de um programa<br />
adequado de exercícios de alongamentos<br />
antes e depois dos treinos e jogos. A fase de<br />
reabilitação pode ser dividida em aguda, onde<br />
se inicia o treinamento aeróbico, os alongamentos<br />
e fortalecimentos dos grupos musculares e<br />
por último, a fase de retorno ao esporte, quando<br />
se trabalha a propriocepção específica, e dependendo<br />
da evolução, o retorno total ao esporte<br />
(LASMAR; LASMAR; CAMANHO, 2002).<br />
O tratamento da pubalgia caracteriza-se por<br />
tempo prolongado de três a nove meses. O tratamento<br />
fisioterapêutico abrange a aplicação de eletrotermofototerapia,<br />
bandagens funcionais, acupuntura,<br />
cinesioterapia, hidroterapia, alongamentos<br />
e exercícios proprioceptivos. A fisioterapia esportiva<br />
possui importante papel não só no processo<br />
de tratamento e reabilitação do atleta, mas também<br />
na implementação de medidas de caráter preventivo<br />
(MOUSSALLE et al., 2007).<br />
O objetivo do tratamento fisioterapêutico<br />
consiste em diminuir a dor e a inflamação, aumentar<br />
a resistência do tendão ou tendões acometidos,<br />
restabelecer o equilíbrio muscular, melhorar<br />
a estabilidade do quadril e da coluna. O<br />
fisioterapeuta poderá utilizar técnicas de terapia<br />
manual e correções posturais como RPG (Reeducação<br />
Postural Global) para proporcionar uma recuperação<br />
segura, completa e sem recidivas.<br />
190<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 187-192, jun. 2011
De acordo com Ide e Caromano (2002),<br />
quando classificamos a pubalgia em aguda ou<br />
crônica, nos deparamos com objetivos e condutas<br />
fisioterapêuticas diferentes. Na pubalgia<br />
aguda, recomenda-se como abordagem terapêutica,<br />
repouso, crioterapia (especialmente em pós<br />
exercício), terapia medicamentosa (anti-inflamatórios<br />
não hormonais), eletroterapia (promovendo<br />
controle da resposta inflamatória), hidroterapia,<br />
alongamentos e fortalecimentos da<br />
musculatura pélvica de modo geral, principalmente<br />
de adutores e abdominais. Na pubalgia<br />
crônica, o tratamento fisioterapêutico objetiva<br />
devolver a mobilidade normal, a articulação do<br />
púbis e corrigir os desequilíbrios osteomioarticulares<br />
(disfunções sacrilíacas, obliquidades pélvicas<br />
e desequilíbrios musculares).<br />
A intervenção cirúrgica é raramente indicada<br />
e se faz necessário quando o tratamento<br />
conservador não obtém resultados satisfatórios<br />
em até três meses, em casos em que o atleta<br />
necessite de cura rápida ou em estágios muito<br />
avançados da doença (CIPRIANO, 2005).<br />
7.1 TESTES ORTOPÉDICOS<br />
Segundo Cipriano (2005) e Cohen e Abdalla<br />
(2005), os testes ortopédicos são fundamentais no<br />
auxílio do diagnóstico diferencial da pubalgia.<br />
7.1.1 Teste de Compressão das Asas Ilíacas: com<br />
o paciente em decúbito lateral, comprimir a crista<br />
ilíaca no sentido látero lateral. Exacerbação<br />
da dor pode indicar comprometimento da sínfise<br />
púbica ou da articulação sacro ilíaca.<br />
7.1.2 Teste dos Adutores: com o paciente em decúbito<br />
dorsal e flexão de quadril de aproximadamente<br />
80º, solicitar adução ativa e impor resistência.<br />
Dor aguda intensa na região cruro-inguinal.<br />
7.1.3 Manobra de Grava: a manobra é realizada<br />
com o paciente em decúbito dorsal, quando se<br />
realiza a flexão, abdução e rotação lateral do<br />
quadril apoiando o tornozelo em nível do joelho<br />
contralateral, sendo que uma mão do examinador<br />
posiciona-se na asa do ilíaco oposto e a outra<br />
no joelho que está sendo examinado, forçando<br />
a abdução. A manobra é positiva quando<br />
o paciente refere dor intensa nos adutores.<br />
7.1.4 Teste do Flamingo: paciente em posição<br />
ortostática, instruí-lo a permanecer em apoio<br />
unipodal e saltar, o que aumenta o esforço sobre<br />
a articulação. Este teste aumenta a pressão<br />
na articulação do quadril, sacrilíaca e sínfise púbica.<br />
Dor aumentada pode indicar processo inflamatório<br />
no lado da perna de apoio.<br />
7.1.5 Teste de Flexão de pé e dos Isquiotibiais: o<br />
terapeuta posiciona-se atrás do paciente e pedelhe<br />
para que se incline para frente como se quisesse<br />
tocar os pés com as mãos. O teste é negativo<br />
se o paciente tocar os pés sem que se altere<br />
a estática dos joelhos ou do arco plantar. O teste<br />
será positivo se o paciente não conseguir chegar<br />
à ponta dos pés ou se a estática do joelho ou do<br />
arco plantar se alterarem.<br />
8 CONCLUSÃO<br />
A Pubalgia é uma condição patológica<br />
que leva a o individuo a limitações funcionais<br />
graves, impedindo que a pessoa realize suas atividades<br />
de vida diária e no caso de um atleta, o<br />
seu desempenho como esportista. Portanto, por<br />
meio de uma extensa analise e revisões na literatura<br />
a qual aborda o assunto Pubalgia apresentamos<br />
nesse artigo o conceito, a fisiopatologia,<br />
a classificação, o quadro clinico e métodos<br />
diagnósticos, tratamento e o papel da fisioterapia<br />
no que diz respeito à avaliação e tratamento<br />
desse paciente com pubalgia, salientando sempre<br />
que o tratamento precoce pode evitar o desencadeamento<br />
ou desacelerar a progressão do<br />
quadro patológico e proporcionar ao paciente<br />
um bem estar, permitindo-o realizar suas atividades<br />
de vida diária normalmente.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 187-192, jun. 2011<br />
191
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192<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 187-192, jun. 2011
FISIOTERAPIA DESPORTIVA:<br />
REABILITAÇÃO DE LESÕES DO FUTEBOL EM ATLETAS<br />
– REVISÃO DE LITERATURA 1<br />
Débora Camila Figueiredo de Souza *<br />
Lidice Cristina Santos da Silva **<br />
RESUMO<br />
Devido a um aumento importante da procura por realizar atividades físicas, a Fisioterapia<br />
Desportiva vem tomando grandes proporções de caráter preventivo e na reabilitação de<br />
atletas e sedentários, sendo o futebol o esporte mais praticado por brasileiros tanto de<br />
forma profissional como amadora, podendo ocasionar lesões que irão afetar seu desempenho<br />
funcional. Objetivo: Realizar uma revisão bibliográfica sobre a fisioterapia desportiva,<br />
enfocando no futebol e reabilitação de atletas. Método: Foram utilizados livros, artigos científicos,<br />
pesquisados e analisados com base nos achados na Biblioteca da Universidade da<br />
Amazônia e bibliotecas virtuais. Conclusão: Para que o atleta possa voltar o mais rápido possível<br />
a sua condição normal, se faz necessário a intervenção fisioterapêutica, a fim de reabilitar<br />
e prevenir para que o mesmo não sofra recidivas ou lesione outra região.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Fisioterapia desportiva. Futebol. Lesões Musculares.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
A população mundial tem procurado<br />
cada vez mais praticar esportes, não só a fim de<br />
promover a saúde, mas a procura da perfeição<br />
estética. Pra alcançar este objetivo, muitos se<br />
submetem a exercícios fatigantes, não respeitando<br />
seus limites fisiológicos Dentre esses<br />
exercícios, muitos procuram esportes coletivos,<br />
com o intuito não só de atingir a perfeição física,<br />
mas também de interagir com outras pessoas<br />
(CLEBIS, 2001).<br />
Vários esportes são escolhidos, como o<br />
Vôlei, Natação, Artes Marciais e Futebol, sendo<br />
este último um dos mais praticados no mundo<br />
inteiro (ABDALA, 2003).<br />
O Futebol é uma modalidade esportiva<br />
muito popular no Brasil, onde exerce extrema<br />
influência na sociedade no ponto de vista do<br />
lazer e da prática esportiva. Estima-se que cerca<br />
de mais de 400 milhões de pessoas praticam<br />
esse esporte, sendo assim, há uma grande incidência<br />
de lesões em esporte coletivo. Cada vez<br />
mais a medicina desportiva tem avançado, fazendo<br />
com que o conhecimento sobre a fisiologia<br />
e esforço do atleta ficasse mais específico<br />
*<br />
Acadêmica do 7º semestre do curso de Fisioterapia da<br />
Universidade da Amazônia – UNAMA, monitora das<br />
disciplinas de Fisiot. nas enf. e dist. Osteomiarticulares e<br />
Fisiot. nos distubios geriátricos. Email :<br />
Kmilafigueiredo_90@hotmail.com<br />
**<br />
Acadêmica do 7º semestre do curso de Fisioterapia da<br />
Universidade da Amazônia – UNAMA,monitora das<br />
disciplinas de Fisiot. nas enf. e dist. Osteomiarticulares e<br />
Fisiot. nos distubios geriátricos. Email :<br />
lidicecssilva@gmail.com<br />
¹ Trabalho orientado pela fisioterapeuta Taína Alves Teixeira,<br />
professora da disciplina Fisiot. nas enf. e dist.<br />
Osteomiarticulares da Universidade da Amazônia.<br />
193<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 193-198, jun. 2011
e aprimorado, permitindo então propor protocolos<br />
específicos para cada atleta. Porém, o<br />
excesso de exercícios e treinamentos leva o<br />
atleta a um desgaste músculo-esquelético, causando<br />
assim lesões (ALMEIDA, 2007).<br />
Segundo Menezes (2009), as lesões musculares<br />
estão em primeiro lugar, com 39,2%, seguido<br />
de contusões (24,1%), entorses (17,9%),<br />
tendinites (13,4%) e fraturas e luxações (5,4%).<br />
Geralmente, a recuperação dessas lesões giram<br />
em torno de 7 (sete) dias, mas se dá destaque às<br />
contusões, que levam em torno de 8 a 30 dias<br />
para terem recuperação completa. Com o aumento<br />
das exigências físicas, um grau maior de<br />
lesões que se originam de um futebol cada vez<br />
mais competitivo. Atualmente, o jogo é mais<br />
intenso do que era há alguns anos, e isso faz<br />
muita diferença. O desgaste é maior, podendo<br />
também influenciar.<br />
2 METODOLOGIA<br />
Foram utilizados livros, artigos científicos,<br />
pesquisados e analisados com base nos<br />
achados na Biblioteca da Universidade da Amazônia<br />
e bibliotecas virtuais, tais como Scielo e<br />
Pubmed, no período de 01/04/2011 até o dia 19/<br />
04/2011.<br />
3 OBJETIVO<br />
Este artigo tem como objetivo revisar literaturas<br />
sobre a Fisioterapia Desportiva, enfocando<br />
no futebol, principais lesões e reabilitação<br />
de atletas.<br />
4 FUTEBOL<br />
O Futebol é o esporte mais praticado no<br />
mundo, com 203 países associados à Federação<br />
Internacional de Futebol (FIFA). Originou-se em<br />
2600 a.C., onde obtiveram re<strong>lato</strong>s de algo parecido<br />
na China com bolas de bambu. No Brasil, o<br />
futebol originou-se em 1746, proscrito como<br />
“jogo da bola causador de desordens” pela Câmara<br />
Municipal de São Paulo. A origem mais conhecida<br />
dá-se por Charles Muller em 1984 na Inglaterra.<br />
A FIFA é a responsável pela organização<br />
do futebol, sendo responsável pelas regras<br />
e calendários de eventos mundiais. Com o decorrer<br />
dos anos, a evolução dos sistemas táticos<br />
e marcações, além da substituição do “futebol<br />
arte” pelo “futebol força”, exigindo maior preparo<br />
físico e estratégias de marcação agressiva<br />
(COHEN, 2005).<br />
Este esporte exige intensos trabalhos<br />
anaeróbios acompanhado a longos períodos de<br />
exercícios aeróbios. Em um jogo, um atleta geralmente<br />
percorre 10 km, dividido em correr,<br />
andar, trote, velocidade e corrida de costas. Este<br />
também tem como característica movimentos<br />
bruscos a cada 6 segundos, o que torna o atleta<br />
mais propenso a lesões e necessitando de um<br />
trabalho cada vez mais rápido de recuperação.<br />
Fatores intrínsecos e extrínsecos estão ligados a<br />
essas lesões como, idade, lesões prévias, instabilidade<br />
articular, preparação física e habilidade,<br />
sobrecarga de exercícios, número excessivo<br />
de jogos, qualidade dos campos, equipamentos<br />
inadequados e faltas violentas (COHEN, 2005).<br />
A preparação adequada diminui o número<br />
de lesões, e isso se deve a um período de prétemporada<br />
aos campeonatos longos. Muitos campos<br />
possuem pisos inadequados, tendendo assim<br />
a levar maior índice de lesões (SIMÕES, 2005).<br />
O chute é o movimento mais estudado e<br />
mais executado pelos atletas do futebol. Ele é<br />
uma variação da corrida e modificação do andar,<br />
e seus pontos críticos são: o posicionamento do<br />
membro de suporte, o balanço do membro de<br />
chute e o posicionamento do corpo para o contato<br />
com a bola (BARBIERI, 2005).<br />
O desenvolvimento do chute ocorre de<br />
acordo com o aperfeiçoamento do movimento,<br />
que tem como características: Posicionamento<br />
do membro de suporte ao lado e ligeiramente<br />
atrás da bola; O membro de chute é<br />
primeiramente levado para trás e o joelho é<br />
194<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 193-198, jun. 2011
flexionado; O movimento para frente é iniciado<br />
por uma rotação do quadril sob o membro<br />
de suporte e com o avanço da coxa do membro<br />
de chute. O joelho continua flexionado neste<br />
estágio; Uma vez iniciada a ação do chute, a coxa<br />
começa a desacelerar até ficar essencialmente<br />
imóvel no momento de contato com a bola;<br />
Durante essa desaceleração, ocorre a extensão<br />
vigorosa do joelho, sendo quase uma extensão<br />
completa no contato com a bola; O membro<br />
mantém o movimento após o contato com a<br />
bola e inicia uma flexão, finalizando o movimento<br />
(BARBIERI, 2005).<br />
O m em bro de supo rte tem eleva -<br />
da importância pa ra o chute. Este<br />
membro tem a função de oferecer<br />
equilíbrio (po stura) e a juda r na<br />
trajetória da bola. O membro de<br />
chute direc iona a bola e determ i-<br />
na seu resulta do. Ele é ba stante<br />
estudado por ser muito importante<br />
pa ra um excelente desempenho.<br />
A velocidade relativa da bola<br />
no chute de força má xima co m o<br />
dorso do pé com o membro preferido<br />
e não preferido e relac io na -<br />
ram a velo c idade da bola c om a s<br />
diferenç as bio mecâ nica s observ a-<br />
da s durante o s chutes Para pa rtic<br />
ipa rem deste estudo sete joga -<br />
do res que c huta ra m c om força<br />
máxima imitando um pênalti, tentando<br />
acertar um alvo de 1 m 2 posicio<br />
nado a 4 m de distânc ia da<br />
bola . Os participantes foram marc<br />
ado s na s a rtic ula ç õ es dos m em -<br />
bros inferiores, sendo rea liza do<br />
po sterio rmente uma a ná lise 2 D<br />
c o m extra po laç ã o do s po nto s. A<br />
velocidade da bola foi determinada<br />
no s dez prim eiros qua dro s<br />
após a bola ter deixado o pé. Enc<br />
o ntrara m que a velo cida de da<br />
bola foi maior para o membro dominante<br />
(18.6 m.s 1 ) do que para o<br />
nã o dominante (17.0 m.s 1 ), sendo<br />
isto c ausa do pela s diferenç a s na<br />
v elo c idade do pé e na m ec â nic a<br />
de colisão dos membros dominante<br />
e não dominante (DÖRGE, 2002).<br />
Apesar de todos os benefícios que o esporte<br />
traz para o organismo, podem ocorrer algumas<br />
lesões, sendo o esporte o maior responsável<br />
por lesões ostemiarticulares. No futebol<br />
o movimento de ‘chute’ executado pelos jogadores,<br />
pode ocasionar inúmeras lesões, sendo<br />
elas musculares, ósseas, ligamentares ou articulares<br />
(ATALAIA, 2007).<br />
5 PRINCIPAIS LESÕES<br />
Lesão desportiva é definida como qualquer<br />
limitação, óssea, muscular, tendinosa ou articular<br />
adquirida, durante a prática desportiva,<br />
causando limitações funcionais, redução ou interrupção<br />
da atividade esportiva (PEREIRA, 2007).<br />
As lesões esportivas sempre foram motivo<br />
de preocupação para a vida esportiva de um<br />
atleta, devido ao comprometimento em seu retorno<br />
à sua prática esportiva na maioria dos casos<br />
por trauma direto, tendo o contato de um<br />
jogador com outro, geralmente são provocadas<br />
por métodos inadequados de treinamento, por<br />
alterações estruturais que sobrecarregam mais<br />
determinadas partes do corpo do que outras e<br />
pela fraqueza muscular, tendinosa e ligamentar<br />
(KURATA, 2007).<br />
Estas lesões podem estar diversificadas<br />
em algumas áreas do corpo sendo 72 2% mais ou<br />
menos das lesões ocorrem em membros inferiores,<br />
16,8% na cabeça e coluna vertebral e 6%<br />
em membros superiores. Essas lesões podem ser<br />
divididas em várias partes do corpo, porém as<br />
maiores incidências são em membros inferiores,<br />
podendo ser divididas em sub-regiões<br />
como: coxa 34,5 %, tornozelo 17,6 % e joelho<br />
11,8%. (COHEN, 2005).<br />
A partir desses dados, perceber-se que<br />
além de ser especificadas ou diversificadas pela<br />
região acometida, pode-se classificar de acordo<br />
com o seu diagnóstico, ou seja, dependendo da<br />
estrutura ou sistema acometido. Segundo sua incidência<br />
de acometimentos, as lesões muscula-<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 193-198, jun. 2011<br />
195
es ficam em primeiro lugar, posteriormente vêm<br />
contusões, entorses, tendinites, fraturas e luxações,<br />
sendo estas por traumas diretos, os que são<br />
mais frequentes em atletas. (KURATA, 2007).<br />
Essas lesões musculares podem ser entendidas<br />
como qualquer alteração, fisiológica ou<br />
histológica nos músculos, podendo ser classificadas<br />
em diretas ou indiretas, parciais ou totais,<br />
traumáticas ou atraumáticas (COHEN, 2005).<br />
Lesões diretas e traumáticas são aquelas<br />
mais comuns em esporte de contato direto, podendo<br />
ser elas estiramentos, contusões e lacerações,<br />
já as lesões indiretas são mais acometidas<br />
em esportes individuais, e com grande exigência<br />
da potencia muscular. Nas lesões parciais, a força<br />
muscular está diminuída, porém permanece sua<br />
capacidade contrátil, já nas lesões totais a mobilidade<br />
articular está alterada, podendo ser nula e<br />
ter assimetria mesmo em repouso. E ainda tem<br />
as lesões atraumáticas, que são cãibras e dores<br />
musculares tardias (SIMÕES, 2005).<br />
Essas lesões podem ser causadas por<br />
vários fatores, alguns autores ressaltam a fadiga<br />
muscular, como principal fator para que<br />
ocorram essas lesões, podendo alterar o funcionamento<br />
do músculo levando a um desequilíbrio<br />
do mesmo. Outro fator que pode colaborar<br />
para essas lesões, é a influência de<br />
minerais como íon e cálcio quando ocorre a<br />
morte celular, ocasionados por desequilíbrio<br />
destes íons no interior da celular e o que leva<br />
a uma penetração maior de cálcios no interior<br />
destas células. E além dos fatores citados acima,<br />
temos a alimentação também como fator<br />
contribuinte para prevenir ou ocasionar essas<br />
lesões, ou seja, elas suprem o consumo energético<br />
relacionado ao funcionamento do organismo<br />
e ao trabalho realizado, no caso a atividade<br />
física (CLEBIS, 2001).<br />
Os maiores riscos de lesão muscular ocorrem<br />
durante a contração excêntrica, pois, neste<br />
tipo de ação, realiza-se trabalho de força e de<br />
alongamento ao mesmo tempo, aumentando,<br />
assim, o estresse sobre os tecidos, levando a um<br />
alongamento, provocando uma extensão além<br />
do normal de alguns sarcômeros, causando, desta<br />
forma, danos aos mesmos. Levando em consideração<br />
o grau de comprometimento das fibras<br />
musculares, elas podem ser classificadas como:<br />
lesão de grau 1, onde há ruptura mínima das fibras;<br />
lesão de grau 2, onde ocorre laceração<br />
muscular com significante hemorragia e lesão<br />
de grau 3, como sendo aquela onde ocorre completa<br />
perda de função e continuidade da maior<br />
parte ou de todo o músculo (CLEBIS, 2001).<br />
Para que os atletas possam voltar as suas<br />
atividades normais, é necessária a intervenção<br />
fisioterapêutica de forma mais rápido possível,<br />
até que esse atleta esteja em condições normais,<br />
ou o mais próximo da sua realidade.<br />
6 REABILITAÇÃO<br />
A fisioterapia no esporte vem se mostrando<br />
a cada dia mais indispensável,<br />
tendo-se em vista que o grau de<br />
competitividade é maior, levando os<br />
atletas, mediante seus treinamentos,<br />
a um patamar bem próximo do seu<br />
limite individual (KURATA, 2007).<br />
A reabilitação é um programa dinâmico<br />
de exercícios, prescrito para prevenir ou reverter<br />
os efeitos da inatividade, e durante ela<br />
o atleta recupera a funcionalidade que tinha<br />
em períodos de competição, mas quando o esporte<br />
é de alto nível, a reabilitação combina<br />
exercícios e as modalidades terapêuticas a fim<br />
de propiciar o retorno mais rápido possível do<br />
atleta, no mesmo nível de condicionamento<br />
ou acima do que ele possuía antes da lesão. O<br />
retorno do atleta à prática esportiva competitiva<br />
deve ser gradual e obedecer a critérios<br />
rigorosos de monitoramento e índices funcionais<br />
(ANDREWS, 2000).<br />
Para que atletas possam voltar às atividades<br />
é necessário: amplitude de movimento<br />
normal, força, potência e resistência muscular<br />
adequada, capacidade cardiovascular, flexibilidade,<br />
coordenação e propriocepção. Os atle-<br />
196<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 193-198, jun. 2011
tas devem estar sempre com as suas qualidades<br />
físicas adequadas: mobilidade, resistência,<br />
força, coordenação e velocidade. Quando uma<br />
dessas qualidades diminui por um déficit no desempenho<br />
ou uma lesão, deve-se trabalhar na<br />
reabilitação intermediária, entre o tratamento<br />
clínico e a volta do atleta aos treinamentos, para<br />
que ele estabilize as suas qualidades e volte a<br />
ter o mesmo rendimento de antes para poder<br />
treinar junto com a equipe (KURATA, 2007).<br />
Não existe um protocolo fechado para a<br />
reabilitação de atletas, cada indivíduo e lesão<br />
deve ser tratada de forma particular, atendendo<br />
a necessidade do paciente. Sendo necessária,<br />
uma boa avaliação, contendo história, exame físico,<br />
exames complementares, elaboração de<br />
um protocolo de tratamento voltado àquela lesão,<br />
objetivos desse protocolo a curto e longo<br />
prazo, reavaliação periódica, adaptação do plano<br />
de tratamento e desenvolver um plano de<br />
tratamento para atuar de forma preventiva, após<br />
a lesão (ANDREWS, 2000).<br />
Para que essa reabilitação seja da melhor<br />
forma, o fisioterapeuta deve ter noção da biomecânica<br />
dos movimentos realizados no esporte, fisiologia<br />
da ação muscular, articular e sistêmica e<br />
atuar de forma interdisciplinar com o técnico da<br />
equipe de futebol. Esta reabilitação pode ser até<br />
ser levada como um desafio, para o fisioterapeuta,<br />
pois o mesmo tem como função fazer o atleta<br />
voltar a sua atividade, e prevenir recidivas da lesão<br />
(KURATA, 2007; ANDREWS, 2000).<br />
7 CONCLUSÃO<br />
As lesões desportivas estão cada vez<br />
mais frequentes, devido ao grande aumento<br />
de pessoas que estão procurando a realizar atividades<br />
físicas, tendo em vista o que muitos<br />
se profissionalizam nesse ramo e apesar de<br />
muitos benefícios para o organismo, essas atividades<br />
se não executadas da forma correta,<br />
ou por algum trauma direto ou indiretamente<br />
pode está contribuindo para lesionar ossos,<br />
tecidos musculares, ligamentos etc. O futebol<br />
é principal modalidade esportiva que pode<br />
ocasionar lesões, por ser este o esporte mais<br />
executado no mundo e que exige um excelente<br />
preparo físico, devido aos movimentos<br />
necessários durante o jogo, tais como correr,<br />
saltar e chutar. A partir desses movimentos<br />
executados de forma errônea, ou por excesso<br />
dos mesmos, temos as lesões musculares que<br />
são os tipos de lesões mais freqüentes nesses<br />
atletas, sendo elas por traumas diretos ou indiretos<br />
e lesões parciais ou totais, levando<br />
esse atleta a menor condicionamento físico e<br />
muitas vezes tendo que interromper a realização<br />
da atividade, para que esse atleta volte<br />
o mais rápido possível a sua condição normal,<br />
se faz necessário a intervenção fisioterapêutica,<br />
como foi mostrado nesse estudo, pois os<br />
mesmos tem como função de reabilitar e prevenir<br />
este atleta para que não sofra reincidências<br />
da lesão.<br />
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198<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 193-198, jun. 2011
A IMPORTÂNCIA DOS EXERCÍCIOS PLIOMÉTRICOS<br />
NA REABILITAÇÃO DE LESÕES:<br />
REVISÃO DE LITERATURA¹<br />
Yuri de Sousa Azevedo *<br />
RESUMO<br />
O treinamento pliométrico na reabilitação visa a evitar recidivas da lesão, cujo treinamento<br />
deve ser introduzido na conduta fisioterapêutica para que o paciente retorne para suas atividades<br />
de forma adequada, já que tem a intenção de melhorar a capacidade explosiva do paciente<br />
por meio do “método de choque”, o qual melhora a função neuromuscular. A pliometria desenvolve<br />
a melhora da velocidade de resposta do aparelho neuromuscular, possibilitando realizar<br />
manobras rápidas e inesperadas, diminuindo o risco de lesões, fortalecendo a musculatura e<br />
equilibrando as forças dos músculos agonistas e antagonistas.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Pliometria. Exercícios pliométricos. Ciclo alongamento-encurtamento. Reabilitação.<br />
Lesões.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
No treino do desporto a utilização do treinamento<br />
de força muscular ocupa grande espaço<br />
na literatura, o que pode ser definido como<br />
um tipo de exercício que requer que os músculos<br />
se movam ou tentem se mover contra uma<br />
força de oposição. O termo treinamento de força<br />
abrange uma grande variedade de tipos de<br />
treinamentos, incluindo os exercícios pliométricos<br />
(BALGA; MORAES, 2007).<br />
Exercícios como salto e arremesso têm<br />
como principal mecanismo de ação a alternância<br />
de contrações musculares, que se denominam<br />
de ciclo alongamento-encurtamento, visando,<br />
assim, ao aumento da eficiência mecânica<br />
dos movimentos onde ocorre uma contração<br />
muscular excêntrica seguida de uma ação concêntrica<br />
(ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />
Descreve-se por treinamento pliométrico,<br />
exercícios que possuem o objetivo de valorizar<br />
o ciclo alongamento-encurtamento dos grupos<br />
musculares, maximizando assim a produção<br />
de força ou melhorando o desempenho esportivo.<br />
A pliometria é utilizada especialmente para<br />
o desenvolvimento da força explosiva, como<br />
toques rápidos, em diversas modalidades esportivas.<br />
Demonstra-se como uma forma de treinamento<br />
vital para esportes que utilizam a potência<br />
com elevadas cargas externas. O treinamen-<br />
*<br />
Graduando do 7º Semestre do curso de Fisioterapia pela<br />
Universidade da Amazônia, Monitor de Fisioterapia nas<br />
Enfermidades e distúrbio Neurológico e Fisioterapia na<br />
Enfermidade e distúrbios infanto-juvenis.<br />
**<br />
Artigo elaborado sob orientação da profa. Luciane Lobato<br />
Sobral da Universidade da Amazônia. Graduada em<br />
Fisioterapia pela Universidade da Amazônia. Mestre em<br />
Fisioterapia pela UNIMEP e especialista em Fisioterapia<br />
Neurológica pela UMESP.<br />
199<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 199-205, jun. 2011
to pliométrico, também, vem sendo utilizado na<br />
reabilitação física de pessoas acometidas por<br />
lesões músculo-esqueléticas, que prejudicam o<br />
ciclo da marcha e a realização de sua prática esportiva<br />
(PIRES et al., 2011).<br />
2 OBJETIVO<br />
Demonstrar a necessidade de um fisioterapeuta<br />
na prática do treinamento pliométrico,<br />
evidenciar o conhecimento da técnica cinesioterapêutica<br />
e da pliometria na reabilitação das<br />
lesões por meio de uma revisão da literatura.<br />
3 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS<br />
Para a realização do presente artigo, realizou-se<br />
um levantamento bibliográfico utilizando<br />
como base de dados as bibliotecas virtuais<br />
SCIELO, MEDLINE e PUBMED, pesquisa em livros e<br />
periódicos na biblioteca central da Universidade<br />
da Amazônia no período de fevereiro e março de<br />
2011. Utilizando como palavras-chave: pliometria;<br />
exercícios pliométrico; ciclo alongamento-encurtamento,<br />
reabilitação; lesão; desporto.<br />
4 EXERCÍCIOS PLIOMÉTRICOS<br />
4.1 HISTÓRICO<br />
O termo pliometria foi introduzido pelo<br />
treinador norte americano Fred Wilt em 1975. Essa<br />
técnica se tornou popular nos anos 60 e 70 e foi<br />
responsabilizada pelo sucesso dos atletas do leste<br />
europeu na época. Os treinadores norte-americanos<br />
já usavam saltos com bancos e o pular corda,<br />
porém não conheciam sua base fisiológica. Dentre<br />
os estudiosos da área, destacou-se o treinador soviético<br />
Yuri Verkhoshanski, pois ao final da década<br />
de 60 começou a transformar o que eram apenas<br />
saltos aleatórios, em treinamento pliométrico organizado.<br />
Descobrindo em seus estudos aplicados<br />
em atletas, melhoras em todo sistema neuromuscular<br />
(BOMPA, 2004; PRENTICE, 2003).<br />
4.2 FISIOLOGIA DOS EXERCÍCIOS PLIOMÉTRICOS<br />
Por meio do ciclo alongamento-encurtamento,<br />
provoca-se a potenciação elástica, mecânica<br />
e reflexa dos músculos esqueléticos, com o<br />
propósito de melhorar a capacidade de reação do<br />
sistema neuromuscular e armazenar energia elástica<br />
durante o pré-alongamento, para que seja<br />
utilizada durante a fase concêntrica do movimento.<br />
Visando a facilitar o aumento do recrutamento<br />
muscular em um menor tempo, os exercícios<br />
pliométricos promovem a estimulação dos proprioceptores<br />
corporais. A técnica também tem<br />
grande importância no ganho de potência e auxilia<br />
na melhora do desempenho do controle neuromuscular<br />
(ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />
Para melhor entendimento dos exercícios<br />
pliométricos, deve-se conhecer melhor os três elementos<br />
básicos que compõem a estrutura muscular:<br />
o elemento contrátil, os elementos elásticos<br />
em série e os elementos elásticos em paralelo<br />
(VRETAROS, 2003; ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />
O elemento contrátil gera a energia, pois é<br />
constituído pelo complexo actina-miosina. Os elásticos<br />
em série possuem a função de acúmulo e liberação<br />
da energia potencial elástica, que se encontra<br />
em série com o elemento contrátil e possui uma<br />
parte ativa, situada na zona contrátil do músculo e<br />
uma parte passiva, correspondente ao tendão. Os<br />
elementos elásticos em paralelo cuja constituição é<br />
derivada dos tecidos conectivos, o qual corresponde<br />
ao sarcolema, ao endomísio, ao perimísio e ao<br />
epimísio, sendo que respondem pela resistência ao<br />
movimento após um alongamento muscular (VRE-<br />
TAROS, 2003; ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />
Quando o músculo contrai concentricamente,<br />
a maior parte da força produzida é proveniente<br />
do componente contrátil, ou seja, da<br />
interação entre os filamentos de actina e miosina<br />
e pouca energia elástica é armazenada. Na<br />
contração muscular excêntrica, o músculo é alongado<br />
e o componente elástico em série também,<br />
dessa forma, uma quantidade maior de energia<br />
elástica é estocada (ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />
200<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 199-205, jun. 2011
Acredita-se que ocorre um aumento significativo<br />
na produção de força muscular concêntrica<br />
quando esta é imediatamente precedida por<br />
uma contração muscular excêntrica, devido à reutilização<br />
dessa energia elástica pelo músculo.<br />
Cerca de 28% da energia é estocada pelo componente<br />
elástico em série ativo, enquanto que 72%<br />
pelo componente elástico em série passivo, ou<br />
seja, o tendão é o principal responsável pela absorção<br />
de energia elástica durante uma ação excêntrica<br />
(ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />
COHEN (2005) relata que esse trabalho é<br />
caracterizado pelo estiramento rápido dos músculos<br />
colocados previamente em tensão, que<br />
desenvolvem um esforço potente e explosivo<br />
nesse momento.<br />
4.3 FASES DO CICLO ALONGAMENTO-ENCURTA-<br />
MENTO<br />
O ciclo alongamento-encurtamento é dividido<br />
em três fases: a fase excêntrica ou de préalongamento,<br />
a fase de amortização e a fase concêntrica<br />
ou de encurtamento. A fase excêntrica<br />
é descrita como preparatória, o qual estimula os<br />
receptores musculares e carrega os músculos<br />
com energia elástica. A fase de amortização é o<br />
tempo entre o começo da contração excêntrica<br />
até o começo da contração concêntrica e a terceira<br />
e última fase é a de contração ou encurtamento,<br />
ou seja, a fase final do movimento pliométrico,<br />
a qual gera o movimento explosivo<br />
(ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />
4.4 A PREVENÇÃO DE LESÕES ATRAVÉS DA PLIO-<br />
METRIA<br />
A pliometria pode ser utilizada como forma<br />
de prevenção de lesões. O treinamento pliométrico<br />
prepara o corpo (músculos, articulações,<br />
ligamentos e tendões) para eventuais choques<br />
nas atividades físicas e da vida diária, aumentando,<br />
assim, a coordenação das habilidades<br />
neuromusculares (FERRÃO, 2010).<br />
O treino específico e o desenvolvimento de<br />
programas de habilidade têm potencialidades para<br />
reduzir o risco de lesão ligamentar em desportos<br />
que envolvam o salto (por exemplo, o voleibol). O<br />
treinamento pliométrico mostra resultados positivos,<br />
para a prevenção de lesões ligamentares na articulação<br />
do joelho (OLIVEIRA; BARROSO, 2007).<br />
Estudos em que comparam a mecânica<br />
da queda, do salto e a força da extremidade do<br />
membro inferior antes e depois do treino, notaram<br />
um desequilíbrio da força muscular entre o<br />
ísquio-tibial e o quadríceps, durante o momento<br />
da queda e do salto. Após a intervenção com<br />
treinamento pliométrico durantes seis semanas,<br />
foi verificado que a força da extremidade inferior<br />
e o pico da força de aterrissagem aumentaram<br />
de forma significativa e houve uma diminuição<br />
do desequilíbrio entre o ísquio-tibial e o<br />
quadríceps (OLIVEIRA, 2007).<br />
4.5 REABILITAÇÃO DE ATLETAS POR MEIO DO TREI-<br />
NO PLIOMÉTRICO<br />
A pliometria é utilizada no treinamento<br />
dos atletas, visando à melhora da reatividade<br />
muscular, facilitando o reflexo miotático e dessensibilização<br />
dos órgãos tendinosos de golgi,<br />
além de melhorar a coordenação intra e extraarticular.<br />
Esses efeitos tornam o treinamento<br />
pliométrico eficaz na reabilitação de lesões de<br />
atletas, passando, assim, a ser parte mais comum<br />
do programa de reabilitação após semanas ou<br />
meses de reabilitação, dependendo do tipo da<br />
lesão e do quadro álgico apresentando pelo desporto,<br />
inicia-se a fase dos exercícios pliométricos,<br />
onde será recriada a contração excêntricaconcêntrica<br />
que se faz necessária nas atividades<br />
esportivas do atleta (ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />
A progressão das atividades funcionais<br />
varia muito conforme o protocolo. Para a realização<br />
de atividades como mudanças de direção, saltos,<br />
giros e pliometria são incluídos gradualmente<br />
no programa, quando necessário. O retorno à<br />
prática esportiva varia conforme o protocolo, sen-<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 199-205, jun. 2011<br />
201
do que estes servem como guia na prescrição das<br />
condutas fisioterapêuticas pós-operatórias devendo,<br />
portanto, ser flexíveis e individualizados<br />
conforme o tipo de enxerto, fixação, lesões associadas<br />
e a técnica cirúrgica empregada (LUZ, 2009).<br />
Essa forma de exercícios é apropriada somente<br />
nos estágios avançados de reabilitação, em<br />
indivíduos jovens e ativos que precisam alcançar<br />
um alto nível de desempenho físico em uma atividade<br />
específica, pois são exercícios da alta intensidade<br />
e velocidade que enfatizam o desenvolvimento<br />
de potência muscular e coordenação.<br />
Disparos rápidos de força em padrões de movimentos<br />
funcionais são geralmente necessários<br />
quando se deseja que o paciente retorne as atividades<br />
ocupacionais, recreativas ou esportivas que<br />
requerem alto desempenho (KISNER, 1998).<br />
Andrews, Harrelson e Wilk (2000) declaram<br />
que a pliometria deverá ser aplicada nos<br />
estágios finais da reabilitação. Sendo que a região<br />
envolvida deverá estar com ausência de<br />
edema e de dor, sem restrições na amplitude de<br />
movimento, flexibilidade e medidas de força<br />
equivalentes ao membro contralateral.<br />
4.6 INDICAÇÃO DOS EXERCÍCIOS PLIOMÉTRICO<br />
Existem re<strong>lato</strong>s na literatura do uso de<br />
pliometria em inúmeros tipos de lesões e em<br />
diferentes articulações do corpo. Um programa<br />
de exercícios pliométricos pode ser bastante útil<br />
na reabilitação de atletas que realizam movimentos<br />
acima da cabeça, como os arremessadores<br />
e pode ser usado para toda a extremidade<br />
superior no tratamento de patologias como síndrome<br />
do impacto ombro, instabilidade de ombro,<br />
lesões do cotovelo e no pós-cirúrgico de<br />
lesões do lábio glenoidal. Além disso, esses exercícios<br />
podem ser utilizados nas lesões do membro<br />
inferior, dentre as quais, destacam-se tendinopatias,<br />
lesões musculares, entorses de tornozelo,<br />
lesões de ligamento cruzado anterior<br />
(LCA), ligamento cruzado posterior (LCP) e após<br />
reparo meniscal (COHEN; ABDALLA, 2003).<br />
4.7 CONTRAINDICAÇÃO DOS EXERCÍCIOS PLIO-<br />
MÉTRICOS<br />
A contraindicação para se efetuar exercícios<br />
pliométricos dos membros inferiores e superiores<br />
são inflamação aguda, dor, patologias<br />
de pós-operatório imediato e instabilidades<br />
macroscopicamente evidentes. A contraindicação<br />
mais significativa a um programa intenso de<br />
exercícios pliométricos é para pacientes que não<br />
estavam envolvidos a um programa de fortalecimento<br />
muscular (BANDY; SANDERS, 2003).<br />
5 PROGRAMA DO TREINAMENTO PLIOMÉTRICO<br />
O programa deve iniciar com o aquecimento,<br />
que pode ser dividido em geral e específico.<br />
O primeiro envolve atividades como corrida<br />
lenta, seguida de exercícios calistênicos (que<br />
são exercícios que o indivíduo utiliza o peso do<br />
próprio corpo como resistência) e alongamentos.<br />
O segundo engloba atividades repetidas que<br />
preconizam os padrões neuromusculares da habilidade<br />
esportiva. Após o aquecimento, o paciente<br />
deve ser exposto a atividades que visam à<br />
aprendizagem da técnica. Nessa fase, o terapeuta<br />
deverá ensinar pontos importantes, como a<br />
aterrissagem correta, respeitando a velocidade<br />
exigida pelo exercício e o alinhamento adequado<br />
do corpo. Exercícios de baixa intensidade ou<br />
impacto, como saltos bilaterais no lugar são usados<br />
nessa fase (ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />
Em seguida, deve-se aumentar o nível de<br />
dificuldade e expor o sistema articular e miotendíneo<br />
a uma maior carga por meio de exercícios<br />
de nível moderado e finalmente, o programa<br />
evolui até o retorno do atleta ao esporte.<br />
A velocidade de progressão depende da gravidade<br />
de lesão (ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />
Os principais tipos de exercícios para<br />
membros inferiores são os saltos no lugar, ou<br />
seja, os membros inferiores aterrisam no mesmo<br />
lugar de onde saltaram, saltos com mudança<br />
de direção, nos quais os membros inferiores ater-<br />
202<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 199-205, jun. 2011
isam em um ponto diferente de onde saltaram,<br />
que pode ser para o lado, para frente ou na diagonal<br />
e saltos em profundidade que utilizam<br />
caixas de madeira e requerem maior experiência,<br />
pois são mais agressivos, exigindo mais das<br />
qualidades reativas e de explosão muscular (ROS-<br />
SI; BRANDALIZE, 2006).<br />
Não há consenso quanto ao volume, intensidade<br />
e frequência ideais para a reabilitação<br />
de atletas, porém se sabe que diferentemente<br />
do treinamento esportivo, no qual os<br />
exercícios chegam a um nível máximo, os exercícios<br />
pliométricos na reabilitação podem chegar<br />
a níveis submáximos. As sessões devem ser realizadas<br />
em dias alternados e os exercícios devem<br />
ser progressivos, começando com aqueles<br />
mais simples e de baixa intensidade e evoluindo<br />
para os mais complexos e de maior intensidade,<br />
porém sem alcançar o nível máximo, pois<br />
esses são realizados após o retorno do atleta ao<br />
treinamento esportivo. A frequência do treino<br />
deve ser de no máximo 2 a 3 vezes por semana<br />
(ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />
Para KISNER (1998), antes de iniciar o treino<br />
pliométrico, o paciente deve ter uma base<br />
de força muscular e resistência a fadiga adequada<br />
no músculo que será excitado. Deve-se elaborar<br />
um programa com atividades funcionais<br />
específicas em mente e incluir padrões de movimento<br />
em cadeia cinética aberta ou fechada<br />
que sejam semelhantes à atividade desejada.<br />
Todos os exercícios devem ser precedidos<br />
por aquecimento apropriados, estes devem<br />
começar com atividades de alongamento-encurtamento<br />
bilaterais e progredir para<br />
atividades unilaterais quando possível, a resistência<br />
(carga) pode ser aumentada para progredir<br />
a atividade, colocando pesos ou aumentando<br />
cuidadosamente a altura da plataforma<br />
de onde o paciente salta, finalmente o número<br />
de repetições ou séries de exercício pode<br />
ser aumentado para sobrecarregar progressivamente<br />
os grupos musculares importantes<br />
(GONÇALVES; LANDWEHR, 2011).<br />
5.1 CUIDADOS COM O TREINAMENTO PLIOMÉ-<br />
TRICO<br />
O tempo de repouso é uma variável muito<br />
importante a ser considerada, pois a pliometria<br />
pode causar fadiga, que é o resultado do esgotamento<br />
de energia contida nos músculos. No<br />
momento em que ocorre a fadiga, o controle<br />
motor fica deficitário e os efeitos do treinamento<br />
se perdem (ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />
Como a pliometria é um exercício de impacto,<br />
que envolve várias articulações, o alinhamento<br />
corporal correto deve ser orientado e<br />
corrigido pelo fisioterapeuta. O excesso de exercícios<br />
sem um período de repouso adequado,<br />
assim como a aplicação da pliometria em fase<br />
inicial do tratamento são fatores que podem piorar<br />
a lesão ou até mesmo causar novas lesões.<br />
(ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />
Na pliometria, podem ser geradas cargas<br />
biomecânicas extremas e o tecido conjuntivo<br />
dos pés, tornozelo, quadril e discos intervertebrais<br />
amortecem o choque para dissipar o estresse<br />
imposto por um salto. As lesões ocorrem<br />
quando forças exteriores agem nas articulações,<br />
excedendo a integridade estrutural dos músculos,<br />
ossos, e tecidos conjuntivos, por isso um<br />
programa de treinamento de força deve ser realizado<br />
antes do início dos exercícios pliométricos<br />
e deve envolver tanto a musculatura dos<br />
membros, como os estabilizadores da postura,<br />
como os abdominais e extensores da coluna<br />
(ROSSI; BRANDALIZE, 2006).<br />
5.2 INTRODUÇÃO DO PROGRAMA DE PLIOMETRIA<br />
NA REABILITAÇÃO<br />
Na reabilitação do atleta, os exercícios<br />
pliométricos são introduzidos a partir da 21ª semana<br />
de pós-operatório, sendo que durante a<br />
21ª à 24ª semana, os exercícios devem ser unidirecionais,<br />
associados a um aumento da intensidade<br />
da corrida, freadas bruscas em várias direções,<br />
bicicleta normal, intensificação de salto,<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 199-205, jun. 2011<br />
203
chute de bola de borracha e salto com obstáculos<br />
médios. Já a partir da 25ª semana é feito um<br />
aumento progressivo de todas as atividades e<br />
os exercícios pliométricos deixam de ser unidirecionais<br />
e passam a ser em todas as direções<br />
(PAIVA, 2007).<br />
6 CONCLUSÃO<br />
A introdução do treinamento pliométrico<br />
na reabilitação de lesões traz melhoras significativas,<br />
porém necessita de cuidados, para que<br />
não prejudiquem o retorno as atividades de vida<br />
diária. A pliometria proporciona melhorias na<br />
coordenação intramuscular por meio do desenvolvimento<br />
da atividade dos receptores sensoriais,<br />
que protegem e geram uma inervação básica<br />
dos tendões, proporcionando o ganho de<br />
força explosiva.<br />
Assim, a introdução do treino pliométrico<br />
na reabilitação, pode tanto prevenir quanto<br />
tratar as lesões, sendo que o fisioterapeuta deve<br />
estar inserido no programa de reabilitação, visando<br />
a uma melhor adequação do treino, além<br />
de ensinar as práticas como a melhor aterrissagem,<br />
com a intenção de diminuir as recidivas das<br />
lesões, através da melhora do funcionamento<br />
do aparelho neuromuscular.<br />
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período de destreino: estudo realizado em jovens<br />
púberes. Disponível em: http://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/42144.<br />
Acesso<br />
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KISNER, C.; COLBY,L.A. Exercícios terapêuticos: fundamentos<br />
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OLIVEIRA, A. R. de S. V. de.; Barroso, M. F. C. P.<br />
Caracterização e análise das lesões músculo-esqueléticas<br />
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Disponível em: Acesso em: 17 mar.2011.<br />
PAIVA, E. S.; NEVES, S. S.; FREITAS, T. H. de; CABA-<br />
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e reabilitação do joelho: bases teóricas.<br />
Disponível em: Acesso em: 20 mar. 2011.<br />
204<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 199-205, jun. 2011
PIRES, A. B.; MATOS, A. R. de O.; SILVA, R. S. da;<br />
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Acesso em: 09 mar. 2011.<br />
PRENTICE, W. E. Técnicas de reabilitação em medicina<br />
esportiva. 3. ed. São Paulo: Manole, 2002.<br />
ROSSI, L. P.; BRANDALIZE, M. Pliometria aplicada<br />
à reabilitação de atletas. Disponível em: Acesso em: 09 mar.2011.<br />
VRETAROS, A. Considerações acerca da prescrição<br />
de exercícios pliométricos no tênis de campo. Disponível<br />
em: . Acesso em: 9 mar.2011.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 199-205, jun. 2011<br />
205
206 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 2, p. 161-170, nov. 2010
CONSEQUÊNCIAS DA AUSÊNCIA PATERNA NO<br />
DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL DOS FILHOS 1<br />
Lídia Machado da Silva *<br />
RESUMO<br />
A presença paterna é de suma importância para o desenvolvimento saudável dos filhos. Dessa<br />
forma, crianças que crescem sem pai apresentam o domínio psicossocial mais afetado, o qual<br />
engloba as emoções, a subjetividade e as relações interpessoais. Em uma sociedade sem pai<br />
as pessoas apresentam baixa tolerância à frustração e dificuldade em cumprir regras, já que a<br />
figura paterna é quem proporciona o limite aos filhos. O presente artigo tem por objetivo<br />
descrever as consequências emocionais da ausência paterna no desenvolvimento dos filhos<br />
na perspectiva de autores como Risé, Serôdio e Eizirik, assim como explorar uma temática que<br />
ainda é pouco pesquisada na comunidade científica, uma vez que a literatura foca principalmente<br />
na figura materna. A pesquisa, que possui caráter qualitativo-descritivo, foi realizada<br />
por meio de levantamento bibliográfico.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Ausência paterna. Efeitos subjetivos. Desenvolvimento dos filhos.<br />
A figura paterna é de suma importância<br />
para o desenvolvimento infantil, porém não é<br />
um assunto amplamente explorado pela literatura,<br />
uma vez que esta foca principalmente na<br />
figura materna. Dessa forma, o presente artigo<br />
tem por objetivo descrever as consequências<br />
emocionais da ausência paterna no desenvolvimento<br />
dos filhos na perspectiva de autores<br />
como Risé, Serôdio e Eizirik, assim como explorar<br />
uma temática que ainda é pouco pesquisada<br />
na comunidade científica. Para este estudo foi<br />
adotado a revisão de literatura no<br />
período de Março a Abril de 2011. A pesquisa<br />
possui caráter qualitativo-descritivo realizada<br />
por meio de levantamento na biblioteca da<br />
Universidade da Amazônia (UNAMA), em acervo<br />
particular e em sites eletrônicos buscando<br />
artigos científicos Scientific Eletronic Library On-<br />
*<br />
Acadêmica do 4º semestre do Curso de Psicologia e Monitora<br />
da disciplina Bases Anátomo Fisiológicas do Comportamento<br />
Humano. Reside na Av. Alcindo Cacela, 624. Tel.: 32260454.<br />
E-mail: lidiasilva26@gmail.com.<br />
1<br />
Artigo elaborado sob orientação da profa. Ms. Alyne Alvarez<br />
da Silva, docente do curso de Psicologia da Universidade da<br />
Amazônia – UNAMA.<br />
207<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 207-211, jun. 2011
line (SCIELO); Goglee Acadêmico. Foram utilizadas<br />
as palavras chaves: Ausência Paterna; Efeitos<br />
subjetivos; Desenvolvimento dos filhos.<br />
De acordo com Osório (1996), as funções<br />
familiares (materna, paterna, filial, fraterna e<br />
conjugal) não são desempenhadas somente pela<br />
pessoa designada àquela função. Portanto, o<br />
papel paterno poderia ser desempenhado adequadamente<br />
pelo pai ou por outra figura masculina<br />
presente na vida da criança, como um tio,<br />
um avô etc. Nesse sentido, o papel paterno teria<br />
como função:<br />
interpor-se entre mãe e filho para<br />
facilitar o processo de dessimbiotização<br />
2 e encaminhar a aquisição da<br />
identidade deste ao longo de seu<br />
desenvolvimento psicológico (OSÓ-<br />
RIO, 1996, p. 18).<br />
Ou seja, para o autor a figura paterna<br />
tem fundamental relevância no processo de independização<br />
do indivíduo, que é, de acordo<br />
com Osório (1996), através do qual a pessoa torna-se<br />
um indivíduo com vontade própria. Além<br />
disso, a figura paterna não influenciaria somente<br />
nesse aspecto, mas também na socialização<br />
da criança e educação moral (RISÉ, 2007).<br />
Porém, em virtude das modificações culturais,<br />
econômicas e sociais que o conceito de<br />
família vem sofrendo com o passar do tempo, o<br />
conceito de paternidade também se modificou<br />
de forma considerável. É importante frisar que as<br />
contribuições sociais da paternidade variam dependendo<br />
da época histórica e do contexto social.<br />
Antes da Reforma Protestante, de acordo com<br />
Risé (2007), o pai exercia a função de guardião<br />
dos filhos e de provedor de proteção e conhecimento,<br />
além de promover a educação moral e<br />
religiosa dos filhos, como diz Cia, Willians & Aiello<br />
(2005). Porém, após as 95 teses propostas por<br />
Lutero, iniciou-se um processo que Risé (2007)<br />
chama de secularização da família, que consiste<br />
na transferência das responsabilidades de educação<br />
do pai para a mulher mãe. Tal processo é<br />
intensificado nos séculos XVII e XVIII com o surgimento<br />
da Revolução Industrial, em que os pais<br />
passam a trabalhar durante longos períodos nas<br />
indústrias, fazendo com que o convívio com a família<br />
diminua ainda mais e, consequentemente,<br />
o convívio com os filhos também, transferindo a<br />
responsabilidade da educação das crianças para<br />
as mães (COLEY, 2001 apud CIA et. al., 2005).<br />
Assim, percebe-se que o envolvimento<br />
paterno no desenvolvimento infantil se restringiu<br />
cada vez mais e, com a revolução feminista,<br />
que se fortaleceu com o movimento hippie na<br />
década de sessenta, o número de mulheres exercendo<br />
atividades remuneradas aumentou e isso<br />
refletiu no ambiente familiar, já que antes era o<br />
homem que ocupava a posição de maior poder<br />
do grupo. Essa “emancipação” das mulheres fez<br />
com que elas deixassem de assumir a total responsabilidade<br />
em relação aos filhos e cobrassem<br />
mais a presença paterna para o compartilhamento<br />
da educação das crianças. Há que se considerar<br />
ainda, a transferência do papel de educadores,<br />
enquanto pais, à escola. Tal fato também acarretou<br />
uma transformação na família e a reorganização<br />
dos papéis familiares, bem como a diminuição<br />
do número de famílias nucleares intactas 3 ,<br />
pois, como as mulheres se tornaram autossuficientes<br />
financeiramente e os homens estavam ausentes,<br />
o número de divórcios aumentou e isso<br />
promoveu acréscimo de famílias monoparentais<br />
e recasadas. Assim, foi possível reconhecer que<br />
os pais desempenham funções complexas e multidimensionais<br />
e que a criança, em sua constituição,<br />
sofre influência de diversos ambiente, além<br />
do familiar (CIA et. al., 2005).<br />
Segundo Serôdio (2009), essa ausência<br />
paterna, que foi aumentando gradativamente,<br />
afeta todos os domínios do desenvolvimento. Tal<br />
2<br />
Processo que gira em torno da elaboração do vínculo de<br />
dependência entre mãe e filho/filha (OSÓRIO, 1996).<br />
3<br />
É um núcleo familiar que inclui o pai e a mãe biológicos e sua<br />
prole (OSÓRIO, 1996).<br />
208<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 207-211, jun. 2011
desenvolvimento é dividido em três grandes domínios<br />
indissociáveis: biossocial, cognitivo e psicossocial,<br />
porém o presente artigo foca somente<br />
o desenvolvimento psicossocial, que, dentre os<br />
três, é o mais afetado, de acordo com Papalia &<br />
Olds (2000). Esse domínio engloba “as emoções,<br />
a personalidade 4 e as relações interpessoais com<br />
os membros da família, com amigos e com a comunidade<br />
em geral” (BERGER, 2003, p. 3) e se apresenta<br />
como domínio base, pois mudança e instabilidade<br />
emocional afetam o funcionamento físico<br />
e cognitivo (PAPALIA & OLDS, 2000).<br />
De acordo com Berger (2003), o desenvolvimento<br />
humano apresenta cinco características<br />
fundamentais: é multidirecional, já que a<br />
modificação nem sempre é linear; é multicontextual,<br />
cada pessoa pertence a diversos contextos;<br />
é multicultural, pois vivemos em configurações<br />
culturais diferenciadas; é multidisciplinar,<br />
é estudado por diversas áreas acadêmicas;<br />
e é plástico porque todas as características de<br />
todos os indivíduos podem ser alteradas em<br />
qualquer ponto da vida.<br />
No entanto, Ferrari (1999, apud EIZIRIK<br />
& BERGMANN, 2004), se esquivando da concepção<br />
multidirecional e multicontextual para pensar<br />
o desenvolvimento humano, considera que<br />
o desenvolvimento psicossocial da criança fica<br />
comprometido a partir da falta de uma das figuras<br />
(materna ou paterna), já que isso gera uma<br />
sobrecarga no papel do outro e, consequentemente,<br />
um desequilíbrio que pode comprometer<br />
a forma como se constitui o filho/filha, pois<br />
“a presença de ambos os pais é que permite à<br />
criança viver de forma mais natural os processos<br />
de identificação e diferenciação” (FERRA-<br />
RI, 1999 apud EIZIRIK & BERGMANN, 2004, p.<br />
331). Essa biparentalidade na infância é o fator<br />
que permite a aprendizagem de mais de um<br />
estilo de relação (com a mãe e com o pai). De<br />
4<br />
A noção de personalidade deverá ser entendida aqui em<br />
termos de subjetividade, isto é, o modo como nos<br />
constituímos sujeitos ou o que nos possibilita no decorrer<br />
de nossa história de vida ser quem somos.<br />
acordo com Serôdio (2009), o pai tem função<br />
fundamental no processo de socialização da<br />
criança, dessa forma, a autora considera que a<br />
formação do autoconceito infantil depende da<br />
interação e dos modelos oferecidos no âmbito<br />
familiar e social. O modelo familiar se torna<br />
monoparental no momento em que o pai não<br />
está mais fisicamente presente na casa, e isso<br />
geralmente se dá por meio do que Risé (2007)<br />
chama de indústria do divórcio. Sendo assim,<br />
o pai é um dos maiores perdedores<br />
das separações conjugais, não como<br />
homem, mas como pai. Com a separação<br />
ou o fim do casamento, tende<br />
a distanciar-se dos filhos, quer por<br />
opção ou falta de jeito, quer por imposição<br />
legal (BALANCHO, 2003 apud<br />
SERÔDIO, 2009, p. 20).<br />
Além disso, o comportamento materno<br />
e a reação da mãe na ausência do pai exercem<br />
grande influência sobre os filhos, pois, segundo<br />
Eizirik & Bergmann (2004), a interação mãe/filho<br />
e os recursos emocionais da mãe são os mediadores<br />
do efeito dessa ausência na criança.<br />
Um dos recursos que a mãe pode utilizar<br />
é o que o psiquiatra americano Richard Gardner<br />
denominou de Síndrome da Alienação Parental,<br />
que consiste no processo de programar a criança<br />
para distanciar-se e odiar o genitor ausente, neste<br />
caso o pai, sem qualquer justificativa plausível<br />
(DIAS, 2009). Dias (2009) e Fonseca (2009) concordam<br />
que o objetivo da síndrome é sempre o mesmo:<br />
eliminar o convívio e o vínculo afetivo-emocional<br />
entre a criança e o pai e que sempre ocorre<br />
a partir de um sentimento de vingança advindo<br />
da elaboração inadequada do luto da separação,<br />
pois, muitas vezes, após o término do matrimônio<br />
a mulher se sente traída, abandonada e isso<br />
faz com que ela passe desvalorizar e destruir a<br />
figura paterna para o filho. É importante frisar que,<br />
em alguns casos, a mãe provoca o distanciamento<br />
de forma indireta através de chantagens emocionais<br />
que fazem com que o filho (a) se sinta<br />
culpado por “abandoná-la”.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 207-211, jun. 2011<br />
209
5<br />
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em<br />
2003 ocorreram cerca de 900 mil suicídios no mundo. Em<br />
2004, somente no Brasil, foram aproximadamente oito mil<br />
suicídios numa média de 4,5 por 100 mil habitantes. Dentre<br />
as possíveis causas, segundo o pesquisador Carlos Felipe<br />
D’Oliveira (Médico do Ministério da Saúde, Representante<br />
Nacional da Associação Internacional de Prevenção do<br />
Suicídio, Coordenador de Saúde do MERCOSUL), estão as<br />
separações conjugais e o abuso de álcool e drogas<br />
correspondendo à 15% do total de suicídios cometidos<br />
(Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/<br />
visualizar_texto.cfm?idtxt=25076).<br />
A Síndrome da Alienação Parental é considerada<br />
como comportamento abusivo, uma<br />
vez que compromete o desenvolvimento da criança,<br />
pois, quando adulto, a pessoa pode apresentar<br />
um grave complexo de culpa por ter sido<br />
cúmplice de uma injustiça contra o pai. Por outro<br />
lado, com a ausência da figura paterna, a criança<br />
passa a adotar um modelo mais centralizado<br />
na figura materna e isso gera a tendência de<br />
repetição desse comportamento no futuro, segundo<br />
Fonseca (2009). Além disso, a criança pode<br />
apresentar outros sintomas, como doenças psicossomáticas,<br />
alto nível de ansiedade e nervosismo,<br />
depressão, agressividade e comportamento<br />
hostil, transtornos de identidade, desorganização<br />
psíquica, tendências ao consumo de<br />
álcool e drogas e suicídio (FONSECA, 2009). Risé<br />
(2007) concorda com Fonseca (2009) em relação<br />
ao elevado número de suicídios 5 em famílias com<br />
ausência paterna, no entanto, explica que isso<br />
se dá por causa da baixa autoestima dos filhos;<br />
também concorda com relação ao aumento do<br />
número de alcoolistas e dependentes químicos,<br />
incluindo a obesidade como consequência da<br />
falta do genitor. O autor igualmente acrescenta<br />
que em uma sociedade sem pai as pessoas apresentam<br />
baixa tolerância à frustração e dificuldade<br />
em cumprir regras, em que a figura paterna é<br />
quem proporciona o limite aos filhos.<br />
Segundo Risé (2007), na perspectiva psicanalítica,<br />
os danos da ausência paterna mais<br />
aparentes nos rapazes seriam a dificuldade em<br />
controlar e utilizar “positivamente” a sua agressividade,<br />
o que teria relação com os altos índices<br />
de criminalidade, os quais seriam liderados<br />
por jovens de até 24 anos; e a perda de identidade<br />
masculina, que é brilhantemente metaforizada<br />
por<br />
Robert Bly, no seu livro Iron John (livro<br />
de referência do Movimento dos homens<br />
americanos), conta o sonho de um jovem<br />
criado pela mãe, uma mulher inteligente,<br />
lésbica, cercada por um grupo<br />
de amigas de personalidades interessantes<br />
e empreendedoras. O homem<br />
sonhou correr à noite, à luz da<br />
lua, com uma matilha de lobos. Chegando<br />
a um rio, as lobas se detiveram<br />
e, inclinando-se sobre a água, cada<br />
uma via a própria imagem. O sonhador<br />
também se inclinou sobre a água<br />
para olhar, mas não viu nada. Não<br />
podia se ver como loba, porque loba<br />
não era. Mas tampouco como lobo, ou<br />
como homem, porque a sua identidade<br />
instintiva, sexual, não se havia<br />
constituído. Nenhum pai lha havia<br />
transmitido. O jovem sem pai que não<br />
é ‘iniciado’ ao masculino, não tem rosto,<br />
não tem gênero: é portador de uma<br />
identidade incerta, ambígua e, assim,<br />
tem medo. O homem ‘matrizado’, iniciado<br />
pela mãe, é como um cão sem<br />
faro: não possui instintivamente uma<br />
direção, ignora em quais territórios,<br />
em quais formas a sua identidade<br />
masculina o levaria a encontrar alegria<br />
e realização. (RISÉ, 2007, p. 55).<br />
Diferentemente do rapaz, segundo o mesmo<br />
autor, a moça que sofre ausência paterna apresenta<br />
um alto nível de insegurança ao iniciar sua<br />
relação com a sociedade, o que é atribuído à baixa<br />
autoestima, gerando comportamentos de renúncia,<br />
autolesão ou, como é mais comum hoje,<br />
uma competitividade exagerada, que visa a mascarar<br />
a sua insegurança e substituir a aprovação e<br />
o reconhecimento do pai (pessoal) pela aprovação<br />
e reconhecimento da sociedade, do chefe,<br />
do grupo no qual quer ser aceita etc. (impessoal).<br />
Porém, mesmo que ela obtenha o reconhecimento<br />
externo tão almejado, este não consegue substituir<br />
em hipótese alguma o bem-estar e a tranquilidade<br />
advindos de uma relação boa e estável<br />
com o pai. Dessa forma, a mulher, em virtude des-<br />
210<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 207-211, jun. 2011
sa sede de aprovação, pode passar a apresentar<br />
patologias graves, em que a mais comum é a anorexia,<br />
pois lhe falta o olhar amoroso e orgulhoso<br />
do pai para concretizar o projeto pessoal da filha<br />
enquanto pessoa (RISÉ, 2007).<br />
Como já foi dito no decorrer deste artigo,<br />
a importância da participação paterna na relação<br />
de cuidar é imprescindível, porém, Gadotti (2003)<br />
frisa que a relação entre pais e filhos é dialética,<br />
ou seja, de unidade e de oposição, entretanto não<br />
pode resumir-se somente na oposição, pois esta<br />
não dá liberdade ao filho e transforma o pai em<br />
um ditador, já que a sua autoridade é acentuada;<br />
tampouco pode resumir-se somente na unidade,<br />
pois, dessa forma, se esvai a autoridade paterna<br />
e o filho se sente sem pai, abandonado. Além de<br />
ser dialética, essa relação não se baseia somente<br />
na presença física do pai, pois suprir as necessidades<br />
materiais dos filhos não equivale a estar<br />
presente para eles. Estar presente é o compreender,<br />
o respeitar e ser aberto, sincero e firme. Tais<br />
posturas são mais valiosas do que qualquer coisa<br />
que se possa comprar.<br />
Dessa forma, não desconsiderando a figura<br />
materna, percebe-se que a presença efetiva do<br />
pai ou de alguém que ocupe esse papel na vida da<br />
pessoa contribui para o equilíbrio psicoemocional<br />
necessário para o desenvolvimento humano, possibilitando<br />
um modo de ser mais adequado ao que<br />
se exige para viver em sociedade, no que diz respeito<br />
à aceitação das regras e limites, tolerando<br />
melhor as frustrações, em virtude de uma maior<br />
autoestima, um sentimento de autoconfiança diante<br />
das adversidades da vida.<br />
REFERÊNCIAS<br />
BERGER, K. O desenvolvimento da pessoa: da infância<br />
à terceira idade. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2003.<br />
CIA, F.; WILLIANS, L. C. A.; AIELLO, A. L. R. Influências<br />
paternas no desenvolvimento infantil:<br />
revisão da literatura. Psicologia Escolar e Educacional.<br />
São Carlos, SP, v. 9, n. 2, p. 225-233, 2005.<br />
DIAS, M. B. Síndrome da alienação parental, o<br />
que é isso? Revista do CAO Cível, Belém, PA, v.<br />
1, n. 15, p. 45-48, jan./dez. 2009.<br />
EIZIRIK, M.; BERGMANN, D. S. A ausência paterna<br />
e sua repercussão no desenvolvimento da<br />
criança e do adolescente: um re<strong>lato</strong> de caso.<br />
Revista de Psiquiatria, RS, v. 26, n. 3, p. 330-336,<br />
set./dez. 2004.<br />
FONSECA, P. M. P. C. Síndrome da alienação parental.<br />
Revista do CAO Cível, Belém, PA, v. 1, n.<br />
15, p. 49-60, jan./dez. 2009.<br />
GADOTTI, M. Dialética do amor paterno. Coleção<br />
questões da nossa época. 6. ed. rev. ampl.<br />
São Paulo: Cortez, 2003. 105 p.<br />
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Manual de Prevenção do<br />
Suicídio. Disponível em: Acesso em: 21<br />
abr.2011.<br />
OSÓRIO, L. C. Família hoje. Porto Alegre: Artes<br />
Médicas, 1996.<br />
PAPALIA, D. E.; OLDS, S. W. Desenvolvimento<br />
humano. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.<br />
RISÉ, C. A inaceitável ausência do pai: paternidade<br />
e seus desafios na sociedade atual. São Paulo:<br />
Cidade Nova, 2007.<br />
SERÔDIO, S. G. A função paterna e o desenvolvimento<br />
infantil: gratificação parenta e da<br />
presença versus ausência dos primórdios no<br />
autoconceito da criança. 2009. 68 f. Mestrado<br />
Integrado em Psicologia (Seção de Psicologia<br />
Clínica e da Saúde/ Núcleo de Psicologia Clínica<br />
e Dinâmica) – Faculdade de Psicologia e<br />
de Ciências da Educação, Universidade de Lisboa,<br />
2009.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 207-211, jun. 2011<br />
211
212 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 2, p. 171-178, nov. 2010
A INTERVENÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL NA<br />
REABILITAÇÃO DE PACIENTES COM SEQUELAS DE<br />
TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO: UM ESTUDO DE CASO 1<br />
Walmir Pinheiro da Silva Neto *<br />
RESUMO<br />
Traumatismo Crânioencefálico (TCE) é qualquer agressão traumática que acarreta lesão anatômica<br />
ou funcional no encéfalo e pode resultar em sequelas motoras, sensoriais, cognitivas<br />
ou comportamentais. Objetivou-se através desta pesquisa descrever a intervenção terapêutica<br />
ocupacional nas sequelas de TCE e delimitar os passos para a reabilitação neurológica. O<br />
re<strong>lato</strong> da pesquisa baseia-se em um estudo de caso envolvendo um paciente atendido na<br />
Clínica Escola de Terapia Ocupacional da Universidade da Amazônia (<strong>Unama</strong>), no período de<br />
setembro a dezembro de 2010. Os modelos de referência utilizados foram Neuroevolutivo e<br />
da Ocupação Humana. Conclui-se que a intervenção terapêutica ocupacional continua favorece<br />
a reabilitação de pacientes com sequelas de TCE, visto que o objetivo concentra-se em<br />
minimizar as possíveis limitações, resgatar e adequar a capacidade funcional dos usuários,<br />
garantindo, assim, independência e autonomia nas áreas da ocupação humana.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Traumatismo Crânioencefálico. Reabilitação. Terapia Ocupacional.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Traumatismo crânioencefálico (TCE) é<br />
definido como um insulto ao cérebro, não degenerativo<br />
ou congênito, provocado por uma força<br />
física externa. Este trauma pode produzir um estado<br />
alterado ou diminuído de consciência, dessa<br />
forma decorrendo deficiências dos desempenhos<br />
cognitivos, comportamental, emocional ou<br />
físico (TROMBLY, 2008).<br />
A reabilitação de pacientes que sofreram<br />
traumatismo crânioencefálico-TCE é um processo<br />
longo e complexo frente às particularidades<br />
da evolução neurológica. Por isso, é de fundamental<br />
importância que o terapeuta ocupacional<br />
inicie sua intervenção o mais precocemente<br />
possível (TEIXEIRA, 2003).<br />
O planejamento terapêutico deve ser individualizado,<br />
a partir das necessidades de cada<br />
indivíduo, como ressalta Camargo (2003, p.117).<br />
Pessoas nascidas normais, que tenham<br />
seu cérebro lesado ao longo da infância,<br />
adolescência ou idade adulta, podem<br />
apresentar seqüelas variadas em decorrência<br />
do tipo, localização e extensão da<br />
lesão. São pacientes, em geral, muito diferentes<br />
entre si, o que exige da equipe<br />
de reabilitação um diagnóstico preciso<br />
das incapacidades físicas, cognitivas e<br />
emocionais e um plano de tratamento<br />
individualizado e flexível.<br />
*<br />
Acadêmico do 6º semestre do curso de Terapia Ocupacional<br />
da UNAMA e Monitor da Disciplina Terapia Ocupacional<br />
Aplícada á Neurologia.<br />
1<br />
Artigo elaborado sobre a orientação da profª Ms Rogeria<br />
Pimentel de Araujo Monteiro.<br />
213<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 213-217, jun. 2011
A terapia Ocupacional poderá intervir<br />
junto a esse paciente, buscando resgatar seu<br />
papel ocupacional através do desenvolvimento<br />
de atividades humanas com base em sua situação<br />
neuropsicomotora, avaliando e intervindo<br />
em tais aspectos como: tônus, equilíbrio, marcha,<br />
coordenação motora global, postura, atenção,<br />
concentração, raciocínio etc.; e, principalmente,<br />
os aspectos que irão interferir diretamente<br />
nas atividades de vida diária e instrumental<br />
desse cliente.<br />
É por tudo isso que, focalizamos no presente<br />
artigo a intervenção da terapia ocupacional<br />
no processo de reabilitação de pessoas acometidas<br />
por sequela de TCE, visando a uma melhor adaptação<br />
da mesma ao convívio social, rotina diária,<br />
superando, gradativamente, suas limitações.<br />
2 METODOLOGIA<br />
O estudo possui caráter qualitativo. O re<strong>lato</strong><br />
da pesquisa tem como base um estudo de<br />
caso envolvendo um paciente atendido na Clinica<br />
Escola de Terapia Ocupacional da Universidade<br />
da Amazônia - <strong>Unama</strong>, Os atendimentos tiveram<br />
duração de quatro meses, iniciado em setembro<br />
e finalizados em dezembro de 2010. Foram realizados<br />
através da prática da disciplina de Terapia<br />
Ocupacional Aplicada à Neurologia. Objetivouse<br />
atendimentos voltados à reabilitação neurológica,<br />
com a utilização de atividades e recursos<br />
adaptados para a mesma, Os modelos de referência<br />
da terapia ocupacional, utilizados foram<br />
Neuroevolutivo e da Ocupação Humana.<br />
3 DISCUSSÃO TEMÁTICA<br />
3.1 O QUE É TRAUMATISMO CRÂNIOENCEFÁLICO<br />
(TCE)?<br />
Segundo Ribas, Gherpelli e Manreza<br />
(1996) Traumatismo Crânioencefálico (TCE) é<br />
qualquer agressão de ordem traumática que acarreta<br />
lesão anatômica ou comprometimento funcional<br />
do couro cabeludo crânio, meninges, encéfalo<br />
ou dos seus vasos.<br />
Ainda de acordo com os autores supra<br />
citados, ao sofrer um TCE, o conteúdo intracraniano<br />
pode se encontrar parado ou estar efetivando<br />
três tipos de deslocamentos, que são os<br />
movimentos de translação, angulação e rotação,<br />
e é submetido a dois tipos básicos de efeitos de<br />
aceleração-desaceleração. A combinação destes<br />
dois efeitos traumáticos sobre o segmento encefálico<br />
vem causar lesões através de diferentes<br />
mecanismos, a saber:<br />
a) O mecanismo que causa lesões através do<br />
próprio impacto direto, denominado golpe;<br />
b) O contragolpe, responsável por lesões diametralmente<br />
opostas ao local do traumatismo,<br />
causados pelo deslocamento encefálico;<br />
c) O mecanismo de impacto que ocorre entre as<br />
estruturas intracranianas menos e mais fixas<br />
devido aos diferentes deslocamentos, visto<br />
que os locais de maior atrito e impacto interno<br />
são as das fossas temporais e frontais, a<br />
asa maior e menor do osso esfenoide, o clives,<br />
a porção petrosa do osso temporal, a foice<br />
e o bordo livre do tentóreo; sobre essas<br />
estruturas se chocam as terminações nervosas<br />
e vasculares com elas relacionadas.<br />
Além desses mecanismos, devemos lembrar<br />
também o aumento súbito da pressão intracraniana<br />
consequente ao comprometimento<br />
da drenagem venosa, mas compressões jugulares<br />
e da veia cava superior.<br />
4 CAUSAS DO TRAUMA<br />
Segundo Radomski (2008) A maior causa<br />
de TCE está nos acidentes com veículos motorizados,<br />
com o maior índice de mortalidade e morbidade<br />
para o condutor, com maior frequência, pessoas<br />
do sexo masculino. Quedas são as segundas<br />
causas mais comum da lesão, atingindo em maior<br />
quantidade pessoas da terceira idade. E em ter-<br />
214<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 213-217, jun. 2011
ceiro lugar está a violência entre indivíduos, que<br />
pode ser gerada por brigas em particular ou abuso<br />
do álcool pode entrar em questão.<br />
Importante ressaltar a ocorrência de TCE<br />
nas diferentes áreas de trabalho, acidentes ou<br />
quedas são parcialmente frequentes nesse âmbito,<br />
principalmente quando não apresenta qualidade<br />
e salubridade na área de trabalho.<br />
5 QUADRO CLÍNICO<br />
5.1 TIPO DE TCE:<br />
Segundo Radomski (2008) o TCE pode ser<br />
classificado em três tipos:<br />
Severo: Perda da consciência por aproximadamente<br />
seis horas; pontuação inicial na escala de<br />
coma de Glasgow de em média 8 ou menos.<br />
Moderado: Pontuação de inicio com 9 a 12 na<br />
escala de coma de Glasgow. Amnésia pós-traumática<br />
de 1 a 24 horas (BOND, 1990).<br />
Leve: Distúrbio funcional de fisiológico do cérebro,<br />
induzido pelo trauma, tal como manifestado<br />
por ao menos em um dos seguintes sintomas:<br />
Em qualquer período há perda da consciência,<br />
memória e atenção para a utilização de<br />
atividades imediatas, déficit neurológico focal<br />
podendo ser ou não transitório.<br />
A escala de Glasgow pode ser utilizada para classificação<br />
do TCE, conforme respostas dos níveis de<br />
sequelas apresentadas pelo paciente (tabela 1).<br />
6 A ATUAÇÃO DO TERAPEUTA OCUPACIONAL<br />
Fischer e kakisaka (2003) ressaltam que<br />
o método da T.O para tratar o paciente com TCE<br />
se dá partir de três momentos: no primeiro busca-se<br />
o “Despertar”, termo usado visto que nessa<br />
fase o paciente apresenta pouca ou nenhuma<br />
resposta motora e passa a maior parte do tempo<br />
deitado. Seu posicionamento adequado no leito<br />
e, quando possível, também na cadeira de<br />
rodas, é essencial e tem como objetivos: manu-<br />
Tabela 1 - Escala de coma de Glasgow<br />
Escore<br />
Resposta<br />
4 Espontânea<br />
3 Ao estímulo verbal<br />
2 Ao estímulo doloroso<br />
1 Ausente<br />
6<br />
5<br />
4<br />
3<br />
2<br />
1<br />
5<br />
4<br />
3<br />
2<br />
1<br />
Obedece comando<br />
Localizador<br />
Retirada ao estímulo doloroso<br />
Flexão ao estímulo doloroso<br />
(postura decorticada)<br />
Extensão ao estímulo doloroso<br />
(postura descerebrada)<br />
Ausente<br />
Orientado<br />
Confuso<br />
Palavras inapropriadas<br />
Sons inespecíficos<br />
Ausente<br />
Abertura ocular<br />
Melhor resposta motora<br />
Melhor resposta verbal<br />
Resposta modificada para lactentes<br />
Espontânea<br />
Ao estímulo verbal<br />
Ao estímulo doloroso<br />
Ausente<br />
Movimentação espontânea<br />
Localizador (retirada ao toque)<br />
Retirada ao estímulo doloros<br />
Flexão ao estímulo doloroso<br />
(postura decorticada)<br />
Extensão ao estímulo doloros<br />
(postura descerebrada)<br />
Ausente<br />
Balbucia<br />
Choro irritado<br />
Choro à dor<br />
Gemido à dor<br />
Ausente<br />
TCE severo (escore Glasgow: 3-8); TCE moderado (escore Glasgow: 9-12); TCE leve (escore Glasgow: 13-15).<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 213-217, jun. 2011<br />
215
tenção, prevenção de úlceras de pressão, deformidades,<br />
contraturas e melhoria da capacidade<br />
respiratória. No segundo momento objetiva-se<br />
“Adequar”, que se caracteriza pela adequação<br />
do paciente às atividades da vida diária, de acordo<br />
com os déficits cognitivos evidentes. A seleção<br />
de atividades apropriadas a essa fase deve<br />
considerar, além do quadro motor, os possíveis<br />
déficits cognitivos e a característica do paciente<br />
nesse momento, a agitação e/ou confusão. No<br />
terceiro momento, o “Reorganizar”, os objetivos<br />
da terapia ocupacional são, entre outros, diminuir<br />
gradativamente a estrutura externa do<br />
ambiente do paciente e aumentar sua participação<br />
nos cuidados pessoais, além do estabelecimento<br />
de uma postura simétrica com a distribuição<br />
de peso, utilização dos diferentes métodos<br />
para a adequação de tônus, integração de<br />
hemicorpos durante a realização das atividades,<br />
e introdução de experiência sensorial normal.<br />
Nessa fase, os exercícios poderão ser direcionados<br />
de acordo com o interesse do paciente<br />
em ritmos , quando possível, mantendo todas as<br />
suas atividades anteriores ao acidente. Para que<br />
isso ocorra, é imprescindível que o terapeuta solicite,<br />
ao máximo, a participação do paciente e da<br />
família, questionando seus objetivos e anseios.<br />
7 ESTUDO DE CASO<br />
Senhor W.S. 58 anos, sexo masculino, ex<br />
pedreiro (mestre de obra) apresenta sequelas<br />
de traumatismo crânio encefálico, tais como: hemiplegia<br />
e hemiparesia no lado esquerdo do<br />
corpo, dificuldade na marcha e alteração no tônus<br />
muscular (hipertonia). O trauma ocorreu no<br />
ano de 2003 em um acidente de trabalho, caiu<br />
sobre a sua cabeça uma placa de metal, W. no<br />
momento não perdeu a consciência apenas sentiu<br />
dor no local atingido e um inchaço no mesmo.<br />
Após um ano o paciente sentiu intensa dor<br />
na cabeça e procurou um pronto atendimento,<br />
após exames foi diagnosticado como TCE levefechado,<br />
com um tipo intenso de hematoma intracerebral.<br />
Houve a necessidade de processo<br />
cirúrgico de craniotomia com drenagem de hematoma<br />
intracerebral. Após sete dias o paciente<br />
recebeu alta médica, em seguida iniciaram os<br />
efeitos secundários do TCE já mencionados anteriormente.<br />
As sequelas aparentes no senhor<br />
W. interferiram no seu desempenho ocupacional,<br />
autonomia e independência o que influenciou<br />
totalmente na mudança da sua performance<br />
ocupacional, o usuário parou de trabalhar<br />
devido suas limitações funcionais, sobrevivendo<br />
apenas com uma bolsa auxílio do governo. As<br />
queixas do senhor W. referiam-se a alteração<br />
do tônus no MS e dificuldades na marcha, influenciando<br />
em suas AVD e AIVDS como: arrumação<br />
da casa de forma mais ágil, lavar as roupas, e<br />
principalmente no preparo de seu próprio alimento.<br />
“Quero poder cortar direito uma carne e<br />
preparar um bife”; “Quero cortar direito o meu<br />
pão no café da manhã”, disse o usuário.No ano<br />
de 2010 senhor W. procurou o serviço de terapia<br />
ocupacional da clínica escola da Universidade da<br />
Amazônia – <strong>Unama</strong>, onde foi realizado uma anamnese<br />
e uma avaliação. Diante disso gerou-se<br />
um plano de tratamento voltado as principais<br />
necessidades do usuário. Inicialmente objetivouse<br />
um tratamento mais global das funções interrompidas<br />
do cliente para depois passar para partes<br />
mais específicas das funções. Foi trabalhada<br />
a força muscular, a amplitude de movimento, a<br />
normalização de tônus, a adequação postural e<br />
a marcha, a sensibilidade (ver figuras 1 e 2) e os<br />
aspectos psicoemocionais para a melhor aceitação<br />
da perda de identidade laboral. Foram utilizados<br />
para esse tratamento inicial recursos da<br />
cinesioatividade como aramados, encaixes e<br />
massa terapêutica para trabalhar a coordenação<br />
motora, amplitude de movimento e força muscular,<br />
também utilizado atividade lúdico-expressiva<br />
para aspectos emocionais. Após evoluções<br />
do tratamento inicial, seguiu-se com especificidades<br />
maiores como realização de circuitos psicomotores<br />
(utilizando escada, bambolês, cones<br />
e bolas), alongamento corporal e treino de ati-<br />
216<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 213-217, jun. 2011
vidade da vida diária e instrumental da vida diária.<br />
Diante do descrito, após um mês de atendimento<br />
visualizou-se a adequação da marcha<br />
(trabalho com o circuito psicomotor nas escadas<br />
da clínica), a normalização do tônus no<br />
MMSS esquerdo, onde sentia mais dificuldade<br />
para as realizações das atividades, pois mesmo<br />
o usuário sendo destro, o braço e mão auxiliadores<br />
não ‘’funcionavam’’ ou eram “esquecidos”<br />
pelo mesmo, com o trabalho da normalização<br />
de tônus o membro superior esquerdo<br />
voltou a ser mais ativo em atividades, trabalhou-se<br />
também o tronco através de atividades<br />
com a bola suíça e o MIE, gerando melhor<br />
mobilidade e favorecendo a marcha (trabalhado<br />
com o circuito psicomotor e alongamento),<br />
reduzindo as sequelas da hemiplégica. Após o<br />
feedback da reabilitação neuromotora do paciente,<br />
visto a melhora em seu padrão tônico,<br />
postural e da marcha, foi designado para a finalização<br />
dos atendimentos do semestre o treino<br />
de atividades da vida diária e instrumentais da<br />
vida diária (AVD & AIVD) percebendo assim no<br />
usuário o melhor desempenho para estas atividades<br />
após os meses corridos de atendimento.<br />
Foi proposto no laboratório de AVD o treino<br />
de AVD e AIVD através da organização da cozinha<br />
para a realização da atividade, separação<br />
de materiais para o preparo do alimento, o preparo<br />
propriamente dito do alimento, finalização<br />
do produto (alimento, nesse caso foram<br />
biscoitos) e por último lavar louças, conforme<br />
ilustra as figuras 3 e 4. Verificou-se que as atividades<br />
propostas tiveram fim totalmente satisfatório,<br />
demonstrando que o senhor W. superou<br />
suas limitações em cada etapa finalizada<br />
dos passos do tratamento, garantindo assim cada<br />
vez mais autonomia e independência para uma<br />
melhor qualidade de vida e suprindo, assim, de<br />
forma positiva suas principais queixas. Os resultados<br />
do tratamento do senhor W. Comprovaram<br />
que pacientes com sequelas de TCE podem<br />
paralisar ou eliminar limitações neurofuncionais<br />
causadas por traumas cranianos.<br />
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Diante do exposto, podemos concluir<br />
que a intervenção precoce e um acompanhamento<br />
terapêutico ocupacional contínuo constituem<br />
uma grande contribuição no desenvolvimento<br />
da reabilitação da pessoa vítima de traumatismo<br />
crânioencefálico (TCE), já que o objetivo do<br />
tratamento concentra-se em minimizar o aparecimento<br />
de possíveis sequelas ou a eliminação<br />
delas, se não tratadas precoce e adequadamente,<br />
poderão impor a pessoa a uma limitação maior,<br />
diminuindo sua capacidade motora, funcional<br />
e cognitiva e dificultando sua autonomia nas<br />
AVDs e AIVDs.<br />
REFERÊNCIAS<br />
CAMARGO, Cristiane Isabela de Almeida. Traumatismo<br />
Cranioencefálico. In: TEIXEIRA, et al.<br />
Terapia ocupacional na reabilitação física. São<br />
Paulo: Roca, 2003. p.117-125.<br />
CAVALCANTI, Alessandra; GALVÃO, Claudia. Terapia<br />
ocupacional: fundamentação e prática. Rio<br />
de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007.<br />
FISCHER, Ana Luiza e KAKISAKA, Suely Massami.<br />
Traumatismo Cranioencefálico. In TEIXEIRA,<br />
et al. Terapia ocupacional na reabilitação física.<br />
São Paulo: Roca, 2003. p.551-564.<br />
RIBAS, Gherpelli ; MANREZA . Neurologia<br />
para fisioterapeutas. São Paulo: editora Ateneus,<br />
1996.<br />
TEIXEIRA, et al. Terapia ocupacional na reabilitação<br />
física. São Paulo: Roca, 2003. 571 p.<br />
TROMBLY, Catherine A. RADOMSKI, Mary<br />
Vining.Terapia ocupacional para disfunções<br />
físicas.[s.L]: Livraria Santos, 2005 e 2008.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 213-217, jun. 2011<br />
217
218 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 2, p.179-184, nov. 2010
TRATAMENTO TERAPÊUTICO OCUPACIONAL<br />
JUNTO À CRIANÇA AUTISTA: ESTUDO DE CASO 1<br />
Elaine de Cássia Souza de Aviz *<br />
Bruna Ferreira Ramos **<br />
RESUMO<br />
O autismo infantil é um transtorno global do desenvolvimento e se caracteriza por uma<br />
alteração no DNPM (Desenvolvimento Neuropsicomotor), na linguagem, dificuldades nas<br />
interações sociais, a falta de contato visual, entre outros. O diagnóstico é realizado através<br />
da observação da criança e informação dos pais ou familiares e o tratamento envolve uma<br />
equipe interdisciplinar e dentre os profissionais destaca-se o terapeuta ocupacional. Objetivou-se<br />
com esta pesquisa verificar a eficácia do brincar como recurso terapêutico ocupacional<br />
junto à criança com provável diagnóstico de autismo. A metodologia adotada foi<br />
o re<strong>lato</strong> de caso de uma criança de 6 anos, sexo feminino, acompanhada na Clínica de<br />
Terapia Ocupacional da UNAMA (Universidade da Amazônia). O tratamento baseou-se<br />
nos modelos Neurodesenvolvimental e Lúdico. Concluiu-se que o brincar revelou-se uma<br />
importante ferramenta terapêutica para a criança, favorecendo a evolução dos aspectos<br />
cognitivos e a interações sociais.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Autismo. Terapia Ocupacional. Brincar.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Quando uma criança nasce, toda mãe espera<br />
que seu bebê tenha um desenvolvimento<br />
normal. Começa pelo engatinhar, andar, falar, reconhecer<br />
seus familiares e brincar. Entretanto, o<br />
que fazer quando essa criança apresenta comportamentos<br />
diferentes? Tais como: não interage com<br />
nenhuma criança, não fala ou tem uma linguagem<br />
restrita, age como se fosse surda e fica isolada.<br />
Estes sintomas podem ser de autismo.<br />
Segundo a Classificação Estatística Internacional<br />
de Doenças – CID-10, o autismo infantil<br />
“é um transtorno global do desenvolvimento caracterizado<br />
por um desenvolvimento anormal ou<br />
*<br />
Acadêmica do 6º semestre do curso de Terapia Ocupacional<br />
e monitora da disciplina de Terapia Ocupacional aplicada à<br />
Reabilitação.<br />
**<br />
Acadêmica do 6º semestre do curso de Terapia Ocupacional<br />
e ex-monitora das disciplinas de: Fundamentos da Terapia<br />
Ocupacional e Neuroanatomia e Neurofisiologia.<br />
¹ Artigo orientado pela professora Ms. Rogéria Pimentel de<br />
Araújo, docente do curso de Terapia Ocupacional da<br />
Universidade da Amazônia.<br />
219<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 219-223, jun. 2011
alterado da criança, manifestado antes dos três<br />
anos de idade, apresentando uma perturbação<br />
característica do funcionamento em cada um dos<br />
domínios seguintes: interações socias, comunicação,<br />
comportamento focalizado e repetitivo”. É<br />
importante que a mãe ou o cuidador fiquem atentos<br />
a qualquer manifestação que a criança apresente<br />
ao longo de seu desenvolvimento.<br />
Na fase lactente, existem, com frequência,<br />
a falta de contato visual, relações deficientes<br />
com indivíduos – chaves, e dificuldade com a<br />
reciprocidade do relacionamento social (WI-<br />
LIARD & SPACKMAN, 2008). No desenvolver da<br />
idade, a criança permanece com algumas características<br />
da fase lactente e outras vão surgindo.<br />
A Autism Society of American (ASA) relata<br />
alguns sintomas que as crianças autistas apresentam:<br />
1. Falta ou atraso na linguagem falada;<br />
2. O uso repetitivo da linguagem motora e/ou<br />
maneirismo (por exemplo, bater as mãos, girando<br />
objetos);<br />
3. Pouco ou nenhum contato com os olhos;<br />
4. Falta de interesse nas relações entre colegas;<br />
5. Falta de jogo espontâneo ou faz de conta;<br />
6. Persistente fixação em partes de objetos.<br />
O Manual de Diagnóstico e Estatístico da<br />
Perturbação Mental (DSM – IV) apresenta como<br />
características diagnósticas essenciais para o autismo<br />
infantil a presença do desenvolvimento anormal<br />
na interação social com outras crianças ou até<br />
os irmãos, na comunicação e um repertório restrito<br />
nas atividades e interesses. É relevante salientar<br />
que não há exames laboratoriais para se diagnosticar<br />
o autismo. O diagnóstico é realizado na<br />
observação da criança e informação que os pais ou<br />
familiares relatam ao médico responsável.<br />
Segundo Kupertein apud Nobre (2009),<br />
o autismo muitas vezes é confundido com outras<br />
doenças como Esquizofrenia, Transtorno de<br />
Asperger, Transtorno Desintegrativo da Infância,<br />
entre outros. Há, na realidade, condições que<br />
podem estar associadas ao autismo que levam<br />
ao diagnóstico equivocado, por exemplo, acessos<br />
de raiva, agitação, agressividade, autoagressão,<br />
catatonia, déficit de atenção, déficit auditivo,<br />
hidrocefalia, epilepsia, irritabilidade, hiperatividade,<br />
entre outros.<br />
A causa do autismo ainda não é definida.<br />
Kupertein apud Nobre (2009) relata que estudos<br />
demonstram que fatores biológicos, embora<br />
ainda não exista um marcador biológico específico,<br />
estão implicados na etiologia do transtorno<br />
autista. Os fatores genéticos também aparecem<br />
com papel importante para a causa do autismo,<br />
ou seja, surge através de multifatores.<br />
Já Bettelheim apud Amy (1995) traz a seguinte<br />
hipótese de que a criança encontra no<br />
isolamento austístico o único recurso possível a<br />
uma experiência intolerável do mundo exterior,<br />
experiência negativa vivida muito precocemente<br />
em sua relação com a mãe e seu ambiente<br />
familiar.<br />
O autismo é um distúrbio permanente e,<br />
embora muitos permaneçam gravemente incapacitados,<br />
cerca de um terço dos indivíduos com<br />
autismo é capaz de alcançar nível de independência<br />
pessoal e ocupacional (WILIARD & SPA-<br />
CKMAN, 2008). A demora no processo de diagnóstico<br />
e aceitação é prejudicial ao tratamento,<br />
uma vez que identificação precoce deste transtorno<br />
global do desenvolvimento permite um<br />
encaminhamento adequado e influencia significativamente<br />
na evolução da criança. Já que o<br />
autismo não tem cura. Portanto, para tratar uma<br />
criança autista é necessário, primeiramente, ter<br />
o diagnóstico concluído o mais precocemente<br />
para melhores resultados durante o tratamento.<br />
Uma equipe multidisciplinar composta por<br />
Psicólogo, Neurologista, Fonoaudiólogo, Terapeuta<br />
Ocupacional, Pedagogo, é essencial para<br />
o tratamento da criança autista. Aqui, neste trabalho,<br />
vamos destacar o papel do Terapeuta<br />
Ocupacional para proporcionar um desenvolvimento<br />
adequado da criança autista, assim como<br />
uma vida independente.<br />
220 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 219-223, jun. 2011
De acordo com Érika Nobre (2009) a terapia<br />
ocupacional é uma profissão da área da saúde que<br />
trabalha com os déficits físicos, mentais (transtornos<br />
psíquicos e cognitivos) e sociais, através do uso<br />
da atividade humana. O papel do terapeuta ocupacional<br />
é o de proporcionar ao paciente o máximo<br />
nível de independência e funcionalidade, para<br />
que este não seja excluído da sociedade.<br />
Uma das ferramentas de intervenção do<br />
terapeuta ocupacional é o brincar. A brincadeira é<br />
um ato natural e necessário para o desenvolvimento<br />
e funcionamento saudável da criança, tendo função<br />
importante na formação do ser humano como<br />
um todo (LIMA, 2009). A partir da brincadeira que a<br />
criança começa a perceber o mundo e a si mesma,<br />
isto é, a estimular os seus aspectos cognitivos e a<br />
noção de esquema e imagem corporal.<br />
Desta forma, segundo Mota (2004), usando<br />
como recurso o brinquedo e o brincar, os Terapeutas<br />
Ocupacionais estarão contribuindo para<br />
estimular as habilidades da criança, promovendo<br />
seu desenvolvimento, melhorando o convívio em<br />
sociedade, tornando-a independente e capaz de<br />
adquirir e assimilar novos conhecimentos, formando<br />
adultos equilibrados e capazes de construir uma<br />
sociedade mais harmoniosa e saudável.<br />
Logo, no tratamento de crianças autistas,<br />
o terapeuta ocupacional deve primeiramente<br />
realizar uma avaliação para verificar o grau de<br />
comprometimento da criança autista. É necessária<br />
a presença dos pais para relatar o comportamento<br />
da criança em casa, na escola e sua relação<br />
com amigos e família. Em seguida, o recurso<br />
terapêutico ocupacional utilizado é a brincadeira,<br />
cujo objetivo é estimular a socialização<br />
com outras crianças e/ou familiares, trabalhar<br />
os aspectos cognitivos (atenção, concentração,<br />
memória, entre outros), os aspectos motores, a<br />
percepção espacial e temporal.<br />
2 OBJETIVO<br />
Verificar a eficácia do brincar como recuso<br />
terapêutico ocupacional junto à criança com<br />
provável diagnóstico de autismo.<br />
3 ESTUDO DE CASO<br />
G.R.C, 6 anos, sexo feminino, sem diagnóstico<br />
estabelecido, residente com a avó materna.<br />
Foi encaminhada para avaliação e acompanhamento<br />
terapêutico ocupacional com queixa de dificuldade<br />
de atenção. De acordo com a avaliação<br />
psicomotora realizada, a paciente apresentava tônus<br />
normal, equilíbrio dinâmico pouco comprometido<br />
e o estático normal. Não apresentava noção<br />
de esquema e imagem corporal, nem orientação<br />
espaço-temporal. A lateralidade também estava<br />
comprometida. Não se observou alteração de dissociação<br />
motora nem da praxia global ou fina. Em<br />
relação aos aspectos comportamentais, a paciente<br />
apresentava pouca tolerância nas atividades e não<br />
possuía limites. No aspecto perceptivo, G.R.C. exibia<br />
déficit auditivo leve à direita e moderado à esquerda.<br />
Os aspectos cognitivos encontravam-se<br />
comprometidos. Nas Atividades de Vida Diária<br />
(AVD), a paciente mostrava-se dependente na higiene,<br />
vestuário e comunicação, porém independente<br />
na alimentação. A partir do comportamento<br />
da criança no decorrer das sessões de avaliação e<br />
na comparação com a literatura, chegou-se a um<br />
diagnóstico provável de autismo, solicitou-se assim<br />
avaliação com um neuropediatra a confirmação<br />
diagnóstica.<br />
4 METODOLOGIA<br />
A pesquisa seguiu a estratégia de revisão<br />
de literatura, análise comparativa entre o<br />
conteúdo e a intervenção terapêutica ocupacional<br />
e os resultados alcançados com os atendimentos<br />
da terapia ocupacional.<br />
As atividades que foram desenvolvidas<br />
com a paciente tiveram como embasamento teórico<br />
os modelos Neurodesenvolvimental e lúdico<br />
segundo Hagedorn (2003). Foi utilizado<br />
como referencial teórico Francisco (2001) com o<br />
modelo Humanista.<br />
Os atendimentos foram realizados na Clínica<br />
de Terapia Ocupacional da UNAMA (CLIN-<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 219-223, jun. 2011 221
TO). Realizaram-se atendimentos de forma individual<br />
e o número de sessões realizadas foram<br />
7 do total de 10. Os recursos humanos foram<br />
acadêmicas de terapia ocupacional e a terapeuta<br />
ocupacional. Os recursos físicos utilizados foram<br />
os laboratórios de Psicomotricidade e Recursos<br />
Terapêuticos. Os recursos materiais foram<br />
papel A4, cartolina, tinta, espelho, pincel,<br />
canetinha, bambolê, bola, jogos de imagem e<br />
esquema corporal, entre outros.<br />
5 RESULTADOS<br />
No início das sessões de Terapia Ocupacional,<br />
a paciente chegava a CLINTO agitada e<br />
não respondia aos comandos das acadêmicas.<br />
As primeiras atividades propostas tiveram com<br />
objetivo estimular os aspectos cognitivos, através<br />
de jogos de memória, dominó e quebracabeça.<br />
Estas atividades não tiveram resultados<br />
satisfatórios, pois a paciente dispersavase<br />
com muita frequência, devido ter muitas<br />
pessoas no laboratório.<br />
Para trabalhar melhor a atenção, a concentração,<br />
a memória e o equilíbrio dinâmico<br />
da paciente optou-se por um espaço mais reservado.<br />
Logo, no laboratório de Psicomotricidade<br />
foi realizada uma atividade em forma<br />
de circuito. A atividade teve resultados satisfatórios,<br />
pois foi também estimulada a tolerância<br />
da criança (esperar sua vez, iniciar e<br />
concluir a atividade). Ela respondeu aos comandos<br />
e cumpriu as regras.<br />
Um dos atendimentos teve como propósito<br />
trabalhar a coordenação motora fina da paciente<br />
e a concentração, através do ábaco de agulhas,<br />
em que ela teve que encaixar um cadarço<br />
nos seus respectivos orifícios no corpo de um peixe.<br />
Ela realizou com sucesso essa atividade.<br />
Em um dos trabalhos expressivos, foi utilizada<br />
tinta, pincel e o espelho para trabalhar a<br />
percepção da paciente. A paciente, durante a<br />
realização da atividade, mostrava-se concentrada,<br />
motivada e alegre. Uma das ultimas sessões<br />
da paciente, a qual a tarefa também era expressiva,<br />
foi utilizado canetinhas e papel A4, a paciente<br />
estava calma e desenhava de forma livre.<br />
Esse trabalho foi muito gratificante, pois se observou<br />
um bom feedback.<br />
Através dos atendimentos, foi possível<br />
verificar algumas evoluções, entre elas estão:<br />
aumento da tolerância e respostas aos comandos<br />
e melhora no nível de atenção e concentração.<br />
6 DISCUSSÃO<br />
De acordo com as bibliografias referentes<br />
à Terapia Ocupacional uma das ferramentas<br />
do Terapeuta Ocupacional é o brincar, (LIMA,<br />
2009). E devido a um provável diagnóstico de<br />
autismo, segundo a avaliação da paciente, utilizou-se<br />
o brincar como recurso para os atendimentos<br />
da criança e a partir da brincadeira observou-se<br />
o desenvolvimento da percepção da<br />
criança diante de si mesma e do ambiente externo,<br />
estimulando, assim, seus aspectos cognitivos<br />
e noção de esquema e imagem corporal.<br />
A partir desta referência e dos resultados<br />
mostrados no estudo de caso comprovou-se<br />
que o brincar mostrou-se uma ferramenta terapêutica<br />
ocupacional muito importante, e que<br />
apesar de terem ocorrido poucos atendimentos,<br />
os aspectos cognitivos (atenção, concentração,<br />
memória) alterados foram resgatados e até mesmo<br />
estimulados, obtendo-se assim um bom desempenho<br />
para buscar, posteriormente, autonomia<br />
e independência.<br />
7 CONCLUSÕES<br />
Concluiu-se que o tratamento da Terapia<br />
Ocupacional, ainda que a curto prazo, mostrouse<br />
eficaz junto a paciente com provável diagnóstico<br />
de autismo, favorecendo a melhora da tolerância<br />
e dos aspectos cognitivos, dando ênfase<br />
a importância do brincar que, tornou-se o<br />
principal instrumento de trabalho nos atendimento<br />
realizados.<br />
222 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 219-223, jun. 2011
REFERÊNCIAS<br />
AMY, M. D. Enfrentando o autismo. Rio de Janeiro:<br />
Ateneus, 1995. Cap. 4, p.53.<br />
ASA (Autism Society of American) 1978. Disponível<br />
em: www.autismo,com.br. Acesso em: 4 nov. 2010.<br />
Classificação Internacional de Doenças - CID 10. Lista<br />
CID 10. Disponível em: www.medicinaneti.com.br/<br />
cid10. Acesso em: 4 nov. 2010.<br />
FRANCISCO, B.R. Terapia ocupacional. 2.ed. São<br />
Paulo: Papirus, 2001.<br />
HAGEDORN, R. Fundamentos para a prática em<br />
terapia ocupacional. 3. ed. São Paulo: Editora<br />
Rocco, 2003.<br />
LIMA, E. A. B. A terapia ocupacional e o brincar,<br />
2009. Disponível em: www.alumiar.com/saudev.<br />
Acesso em: 8 nov. 2010.<br />
Manual de Diagnóstico e Estatístico da Perturbação<br />
Mental (DSM – IV). Disponível em:<br />
www.autismo.com.br. Acesso em: 4 nov. 2010.<br />
MOTTA,A. Para a terapia ocupacional o brincar é coisa<br />
séria, 2004. Disponível em: www.andreiamota.com/<br />
brincar.html. Acesso em: 8 nov. 2010.<br />
NOBRE, E. Terapia ocupacional, 2009. Disponível<br />
em: www.terapeutaocupacional.com.br/definicao.<br />
Acesso em: 8 nov. 2010.<br />
WILIARD & SPACKMAN. Terapia ocupacional - Autismo.<br />
Guanabara Koogan: Rio de Janeiro, 2008.<br />
p.589 e 590.<br />
YASKO, A. Autismo e tratamento médico, 2008.<br />
Disponível em: www.sites.google.com. Acesso<br />
em: 9 nov. 2010.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 219-223, jun. 2011 223
224
AVALIAÇÃO DA ESTRUTURA FÍSICA E IMPLEMENTAÇÃO DAS<br />
BOAS PRÁTICAS EM UNIDADES DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO:<br />
REVISÃO DE LITERATURA 1 Aline Baldo *<br />
RESUMO<br />
Introdução: A Unidade de Alimentação e Nutrição (UAN) é o local de trabalho ou órgão de<br />
uma empresa, que tem como finalidade o desempenho de atividades relacionadas à alimentação<br />
e nutrição, independente da situação na escala hierárquica ocupada na empresa.<br />
Objetivo: Realizar uma revisão de literatura para avaliar as condições físicas das edificações<br />
e instalações de várias UAN’s, assim como a execução das Boas Práticas nos estabelecimentos<br />
a fim de verificar o nível de Não-Conformidades e Conformidades apresentadas pelos<br />
estabelecimentos. Metodologia: Foi realizado um levantamento bibliográfico, através de<br />
pesquisas nas bibliotecas da Universidade da Amazônia (UNAMA) e virtuais . Conclusão:<br />
Assim, constatou-se que as UAN’s revisadas apresentam áreas em condições insatisfatórias,<br />
não atendendo as legislações vigentes necessitando de manutenções e reformas. Contudo,<br />
verifica-se que há um esforço por parte dos diretores da unidade, que se dedicam para<br />
realizar melhorias, superando as dificuldades encontradas.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Unidade de Alimentação e Nutrição. Edificações. Não conformidade. Boas<br />
Práticas<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Unidade de Alimentação e Nutrição<br />
(UAN) é uma unidade de trabalho ou órgão de<br />
uma empresa, que tem por finalidade desempenhar<br />
atividades relacionadas à alimentação e<br />
nutrição. A mesma, de acordo com, é responsável<br />
por fornecer alimentos com boas qualidades<br />
nutricionais, sensoriais e higiênico-sanitárias<br />
(ANTUNES, 2006; TEIXEIRA et al., 2004).<br />
A UAN deve fornecer uma refeição equilibrada<br />
nutricionalmente, que apresente um bom<br />
nível de higiene sendo adequada ao comensal,<br />
deve ainda, satisfazê-lo quanto ao serviço oferecido,<br />
desde o ambiente físico, incluindo tipo, convivência<br />
e condições de higiene de instalações e<br />
equipamentos disponíveis (PROENÇA, 1996).<br />
O planejamento físico de uma UAN é importante<br />
tanto na questão econômica, como na<br />
funcionalidade da cozinha, pois evita cruzamen-<br />
*<br />
Acadêmica do curso de Nutrição da Universidade da<br />
Amazônia (UNAMA).<br />
1<br />
Artigo elaborado sob orientação da profa. Msc. Pilar Moraes,<br />
docente do curso de Nutrição UNAMA/CCBS.<br />
225<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 225-233, jun. 2011
tos desnecessários de gêneros alimentícios e<br />
funcionários; má utilização de equipamentos ou<br />
a falta dos mesmos limitando o cardápio; localização<br />
desapropriada e falta de ventilação (TEI-<br />
XEIRA et al., 2004).<br />
As instalações são consideradas todas as<br />
redes que proporcionam uma infra-estrutura à<br />
UAN, para dispor de um espaço específico para<br />
armazenagem de alimentos, tendo que ser seguido<br />
alguns critérios como: localização, piso,<br />
paredes, forros e tetos, portas e janelas, iluminação,<br />
ventilação, instalações sanitárias, vestiários,<br />
lixo, esgotamento sanitário (SILVA, 2007).<br />
Segundo a RDC 216, devem possuir revestimento<br />
liso, impermeável e lavável. Sendo mantidos<br />
íntegros, conservados, livres de rachaduras,<br />
trincas, goteiras, vazamentos, infiltrações, bolores,<br />
descascamentos, dentre outros e não devem transmitir<br />
contaminantes aos alimentos (CVS, 2004).<br />
As normas e procedimentos para se atingir<br />
um determinado padrão de identidade e qualidade<br />
de um produto ou serviço são chamadas<br />
Boas Práticas de Fabricação (BPF), cuja eficácia e<br />
efetividade consistem em ser implementadas<br />
por meio do controle do Processo, e avaliadas<br />
por intermédio da inspeção e/ou da investigação<br />
(BRASIL, 1993).<br />
Para estabelecer e executar um plano de<br />
BPF em uma UAN, é indispensável que a estrutura<br />
física esteja de acordo com à legislação vigente<br />
(MONTE et al., 2004), onde a construção e<br />
reformas da área de produção e em outras áreas<br />
próximas devem estar baseadas no tamanho<br />
adequado e na especificação de equipamentos,<br />
móveis e utensílios (ARRUDA, 2002).<br />
2 JUSTIFICATIVA<br />
O alimento seguro é tema de suma importância<br />
na prevenção de Doenças Transmitidas<br />
por alimentos (DTA’s), o que gera ação de<br />
regulamentação para medidas de controle e prevenção,<br />
como as existentes para Unidades de<br />
Alimentação e Nutrição (UAN’s).<br />
Através da Revisão de Literatura, pretende-se<br />
avaliar a infraestrutura de UAN’s e se as<br />
mesmas seguem as Boas Práticas de Manipulação<br />
dentro dos estabelecimentos.<br />
Por isso este estudo vem a ser de grande<br />
contribuição em virtude da necessidade de produção<br />
e oferta de alimento seguro a população e<br />
da existência de legislação regulamentadora deste,<br />
é visível a importância de identificar as conformidades<br />
e não conformidades com a legislação<br />
nas unidades produtos de refeições para que<br />
se possa ter um cenário desta situação e poder<br />
pensar nas estratégias de melhorias para o setor.<br />
3 OBJETIVO<br />
Realizar uma revisão de literatura para<br />
avaliar as condições físicas das edificações e instalações<br />
de várias UAN’s e suas influências na<br />
execução das Boas Práticas.<br />
4 MATERIAIS E MÉTODOS<br />
Este estudo foi realizado através de um<br />
levantamento bibliográfico com pesquisas em<br />
bibliotecas virtuais e <strong>revista</strong>s científicas, acerca<br />
do assunto e livros da Biblioteca da Universidade<br />
da Amazônia.<br />
Foi feito uma busca bibliográfica encontrando<br />
10 artigos a cerca do tema, dos quais 3<br />
revelaram resultados de métodos de avaliação<br />
das Boas Práticas de Fabricação de Alimentos e<br />
infraestrutura de UAN’s, referentes a três cidades<br />
do Brasil.<br />
Foram utilizados livros também na busca<br />
de informações.<br />
5 REVISÃO DE LITERATURA<br />
5.1 ESTRUTURA FÍSICA E BOAS PRÁTICAS DE FA-<br />
BRICAÇÃO DAS UAN’s<br />
A ventilação, a temperatura e a umidade<br />
estão implicitamente interligadas. A ventilação<br />
226 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 225-233, jun. 2011
deve ser adequada para propiciar a renovação<br />
do ar, garantindo o conforto térmico. A circulação<br />
do ar deve ser assegurada por meios naturais<br />
ou por equipamentos devidamente direcionados,<br />
não sendo permitido uso de ventiladores<br />
nas áreas de processamento e manipulação<br />
de alimentos (TEIXEIRA et. al., 2004).<br />
Há também os fatores que proporcionam<br />
condições favoráveis ao ambiente de trabalho,<br />
como a localização, a configuração geométrica,<br />
o piso, as paredes e divisórias, as portas e janelas,<br />
os forros e tetos e as instalações. A melhor<br />
localização é no andar térreo, voltada para o nascente<br />
e em bloco isolado (TEIXEIRA et. al., 2004).<br />
Durante a produção, processamento e<br />
consumo dos alimentos podem ocorrer contaminações<br />
químicas e biológicas decorrentes das<br />
práticas inadequadas aumentando assim o risco<br />
da ocorrência de doenças transmitidas por alimentos<br />
(DTA) (PRAXEDES, 2003).<br />
5.1.1 Município de Duque de Caxias – RJ<br />
Todas as UANs no município de Duque de<br />
Caxias, RJ apresentaram não conformidades relacionadas<br />
à estrutura física, onde podemos observar<br />
falhas com relação ao cruzamento de áreas<br />
sujas e limpas apenas em uma UAN confrontando<br />
com o Centro de Vigilância Sanitária (CVS, 2004),<br />
que determina que a edificação e as instalações<br />
devem ser projetadas de forma a possibilitar um<br />
fluxo ordenado e sem cruzamentos em todas as<br />
etapas da preparação de alimentos e a facilitar as<br />
operações de manutenção, limpeza e, quando for<br />
o caso, desinfecção (SILVA, D. O. et. al., 2009).<br />
As outras três UANs não possuem assoalhos<br />
e paredes dentro daquilo que é preconizado<br />
pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária<br />
(ANVISA) que determina acabamento liso, impermeável,<br />
lavável, de cores claras, isento de<br />
fungos e em bom estado de conservação. E deve<br />
ter ângulo arredondado no contato com o piso e<br />
o teto (CVS, 1999). Não apresentam instalações<br />
sanitárias adequadas para higienização das mãos<br />
de acordo com a CVS (2004), que enfatiza a necessidade<br />
de produtos destinados à higiene pessoal<br />
tais como papel higiênico, sabonete líquido<br />
inodoro e produto anti-séptico e toalhas de papel<br />
não reciclado ou outro sistema higiênico e<br />
seguro para secagem das mãos (BRASIL, 1994).<br />
Com relação à limpeza e higienização dos<br />
utensílios é determinado que sejam distintos<br />
daqueles usados para higienização das partes dos<br />
equipamentos que entrem em contato com o<br />
alimento (CVS, 2004), o que não foi observado<br />
em uma das UANs.<br />
No controle de água somente foram observados<br />
não conformidade em duas UANs sendo<br />
que uma não utiliza água filtrada para a fabricação<br />
do gelo não estando de acordo com a ANVI-<br />
SA que determina que o gelo para utilização em<br />
alimentos deve ser fabricado com água potável<br />
de acordo com os Padrões de Identidade e Qualidade<br />
Vigentes (CVS, 1999). Já a outra não está de<br />
acordo com a legislação em vigor no que diz respeito<br />
à manutenção e higienização dos reservatórios<br />
de água, uma vez que as caixas d’água não<br />
são mantidas fechadas adequadamente, não existe<br />
um programa de limpeza dos reservatórios de<br />
água e não há monitorização e registro do teor de<br />
cloro d’água nos reservatórios.<br />
O reservatório de água deve estar isento<br />
de rachaduras, infiltrações e mantido sempre<br />
tampado, devendo ser limpo e desinfetado<br />
ao ser instalado, a cada seis meses e na ocorrência<br />
de acidente que possa contaminar a água<br />
(enchente, animais mortos, sujeira). (MAR-<br />
QUES, et.al., 2006).<br />
Foram observados não conformidades<br />
em todas as UANs estudadas no município,<br />
uma vez que estas não preconizam que os manipuladores<br />
devem lavar cuidadosamente as<br />
mãos ao chegar no trabalho, antes e após manipular<br />
alimentos, após qualquer interrupção<br />
do serviço, após tocar materiais contaminados,<br />
após usar os sanitários e sempre que fizer necessário,<br />
contradizendo as normas descritas<br />
na CVS (2004).<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 225-233, jun. 2011 227
5.1.2 Município de Fortaleza – CE<br />
Verificou-se que a unidade de alimentação<br />
e nutrição (UAN) localizada em Fortaleza-CE<br />
é bem organizada hierarquicamente, com direção<br />
e coordenação especializada (LIBERATO, K.<br />
B. L. et. al., 2008).<br />
Pode-se constatar que a UAN segue seu<br />
funcionamento em conformidade com a RDC<br />
nº216/2004 da ANVISA, sendo os Procedimentos<br />
Operacionais Padronizados (POP’s) de Higiene das<br />
Instalações Físicas realizadas frequentemente e<br />
de forma eficaz, por profissionais capacitados.<br />
Assim, o Manual de Boas Práticas tem sido aplicado<br />
na rotina da unidade (BRASIL, 2004).<br />
Quanto à localização, segue as recomendações<br />
de ABERC (2003), estando em um bloco isolado<br />
e no andar térreo, sendo considerado o ideal,<br />
pois facilita ao acesso, bem como a iluminação natural<br />
e ótimas condições de ventilação. A área de<br />
produção da UAN está dividida nas seguintes áreas:<br />
pré-preparo e preparo de carnes; pré-preparo<br />
e preparo de saladas; área de cocção e área de fritura.<br />
Todas elas estão bem localizadas, separadas<br />
por barreiras físicas, favorecendo ao fluxo contínuo<br />
de produção. (TEIXEIRA, 2004). Também são<br />
higienizadas seguindo os Pop’s da instituição.<br />
Assim, verificou-se que possuem iluminação<br />
natural e artificial para iluminar alguns<br />
pontos escuros. As paredes, teto, portas e divisórias<br />
possuem cor branca favorecendo a luminosidade<br />
dos ambientes. A ventilação é natural<br />
e favorecida por exaustores que renovam o ar,<br />
aqueles localizados na área de fritura favorecem<br />
para o ambiente livre de gordura, fumaça e vapor<br />
(LIBERATO, K. B. L. et. al., 2008).<br />
O teto possui cor clara (branca) e superfície<br />
lisa, contudo, não está isento de bolores,<br />
manchas causadas pela umidade e descascamentos.<br />
As paredes e divisórias estão de acordo com<br />
as características mencionadas por ABERC (2003),<br />
possuindo cores claras, com acabamento liso,<br />
impermeáveis e resistentes a limpezas freqüentes,<br />
não possuindo fungos e nem bolores.<br />
As portas não são dotadas de fechamento<br />
automático e não são ajustadas perfeitamente<br />
aos batentes. O piso destas áreas atende a<br />
algumas recomendações, sendo de cor branca,<br />
antiderrapante e lavável, porém há alguns azulejos<br />
trincados e quebrados necessitando substituição<br />
(TEIXEIRA, 2003). Os ralos localizam-se<br />
em pontos estratégicos, facilitando o escoamento<br />
da água durante as lavagens, no entanto, não<br />
são sifonados a fim de impedir o acesso de vetores<br />
e pragas urbanas. (BRASIL, 2004).<br />
As instalações elétricas são embutidas e<br />
protegidas por tubulações externas, tendo manutenção<br />
pelos funcionários especializados,<br />
conforme recomendações de ABERC (2003) e<br />
Brasil (2004). Não foi registrada nenhuma janela<br />
nas áreas de produção. As pias para a lavagem<br />
das mãos dispõem de torneiras acionadas manualmente,<br />
localizadas em pontos estratégicos.<br />
5.1.3 Município de Cascavel – PR<br />
As unidades de alimentação e nutrição da<br />
cidade de Cascavel – PR, a principal dificuldade<br />
encontrada durante o levantamento dos dados<br />
nos locais visitados foi à falta de conhecimento<br />
dos responsáveis pelas UANs com relação às normas<br />
e termos técnicos avaliados pelos itens constantes<br />
do check list. Um dos restaurantes apresentou<br />
o maior índice de não conformidades, sendo<br />
uma delas em relação á área externa, onde<br />
havia objetos em desuso, focos de proliferações<br />
de insetos e roedores (RODRIGUES, S. et. al., 2008).<br />
A área deve ser livre de focos de insalubridade,<br />
sem lixo, objetos em desuso, animais,<br />
insetos e roedores. Deve ter acesso direto e independente,<br />
não comum a outros usos (habitação)<br />
(BRASIL, 2004). As áreas circundantes não<br />
devem oferecer fatores que ajudem na proliferação<br />
de insetos e roedores (MANUAL DO RES-<br />
PONSÁVEL TÉCNICO, 2002).<br />
Todos os restaurantes apresentaram não<br />
conformidades em relação ao piso, teto, portas<br />
e janelas, como rachaduras, descascamento, co-<br />
228<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 225-233, jun. 2011
es escuras etc. O piso deve ser de material liso,<br />
resistente, impermeável, lavável, de cores claras,<br />
sem rachaduras, antiderrapante, de fácil higienização.<br />
A parede deve ter acabamento liso,<br />
de cor clara, impermeáveis, resistentes à limpeza,<br />
sem fungos e bolores. Ter ângulos arredondados<br />
no contato com o piso e teto para facilitar<br />
a limpeza. O teto deve ser isento de vazamentos<br />
e goteiras. Deve possuir acabamento liso,<br />
impermeável, lavável, em cor clara e bom estado<br />
de conservação. Não deve possuir trincas,<br />
rachaduras, umidade, bolor e descascamento.<br />
Deve-se encontrar em perfeitas condições de<br />
limpeza e não deve possuir aberturas que não<br />
estejam devidamente protegidas com tela removível<br />
para limpeza (ABERC, 2003).<br />
O restaurante A apresentou não conformidade<br />
quanto à ventilação, havendo a condensação<br />
de vapores formando goteiras e causando<br />
um desconforto térmico. É necessário retirar da<br />
cozinha os vapores causados pelo processo de<br />
cocção, pois estes podem causar problemas nas<br />
instalações, nos operadores e até deteriorar gêneros<br />
alimentícios (SILVA FILHO, 1995). O conforto<br />
térmico pode ser assegurado seguindo o<br />
critério 1/10 de área de abertura nas paredes,<br />
permitindo assim a circulação do ar (MANUAL<br />
DO RESPONSÁVEL TÉCNICO, 2001).<br />
Quanto às instalações sanitárias todos os<br />
restaurantes apresentaram alguma não conformidade.<br />
Não havia sanitários independentes<br />
para cada sexo, sem papel toalha e sabonete líquido<br />
nem lixeiras com acionamento não manual.<br />
Em uma UAN as instalações sanitárias e os<br />
vestiários devem estar em adequado estado de<br />
conservação, separados para ambos os sexos,<br />
com vasos sanitários que possuam tampas, mictórios<br />
com descarga e lavatórios, tendo 1 (um)<br />
para cada 20 funcionários. Estes não podem estar<br />
em comunicação direta com as áreas de produção<br />
e refeitório (ABERC, 2003).<br />
Quanto as Boas Práticas de Manipulação,<br />
não apresentava planilhas de controle de higienização<br />
das instalações nem responsável técnico<br />
devidamente capacitado para este fim. Neste<br />
item também se pode observar que não era seguida<br />
a diluição recomendada pelo fabricante<br />
(RODRIGUES, S. et. al., 2008). Todos os funcionários<br />
devem ser bem treinados quanto aos procedimentos<br />
de higienização aos quais devem ser descritos<br />
e registrados formalmente (ABERC, 2003).<br />
Há uma má distribuição dos equipamentos,<br />
estando estes dispostos de uma forma que<br />
dificulta a higienização adequada. Os equipamentos<br />
são um item considerado de derradeira<br />
importância, pois influenciam diretamente na<br />
produção dos alimentos, sendo este um fator a<br />
ser devidamente planejado na questão físicofuncional<br />
em uma UAN (MEZOMO, 2002).<br />
No restaurante não há um responsável<br />
devidamente capacitado para a higienização dos<br />
equipamentos, nem planilhas de registro, frequência<br />
adequada de higienização e diluição inadequada<br />
dos produtos. Segundo a Vigilância Sanitária<br />
os equipamentos, móveis e utensílios devem<br />
ser devidamente higienizados por um funcionário<br />
devidamente capacitado. Sendo estas registradas<br />
e realizadas em freqüência adequada,<br />
onde devem ser tomadas precauções para impedir<br />
a contaminação dos alimentos por produtos<br />
saneantes, pela suspensão de partículas e pela<br />
formação de aerossóis (ANVISA, 2003). Para a higienização<br />
de utensílios e equipamentos devese<br />
utilizar detergente neutro e o enxágue final<br />
deve ser feito com solução de Hipoclorito de Sódio<br />
a 200ppm de cloro ativo (ARRUDA, 2006).<br />
Os produtos utilizados para higienização<br />
não estavam guardados em local adequado e não<br />
se apresentavam em um bom estado de conservação.<br />
A localização da área reservada para guardar<br />
os objetos usados na higienização da UAN como,<br />
vassouras rodos, esfregões, panos de chão, baldes<br />
etc, deve estar em um ponto de fácil acesso na<br />
área interna da Unidade (TEIXEIRA et. al., 2004).<br />
Em relação ao item vestuário, os manipuladores<br />
não utilizam uniformes. Os mesmos<br />
estavam usando roupas curtas como saia, calçados<br />
abertos, os cabelos estavam presos por boné<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 225-233, jun. 2011<br />
229
e algumas das funcionárias estavam usando<br />
adornos. Os manipuladores devem usar uniformes<br />
completos, sendo estes de cor clara, proteção<br />
para os cabelos e práticas adequadas de asseio<br />
pessoal. Trabalhar com a roupa usada na rua<br />
e o uso de adornos são práticas errôneas que<br />
podem carrear patógenos para os alimentos durante<br />
a manipulação (QUEIROZ, 2001).<br />
Os funcionários da área de produção devem<br />
apresentar uniformes limpos, com calçados<br />
fechados e os cabelos totalmente protegidos.<br />
Devem possuir boa apresentação, unhas curtas,<br />
sem esmaltes e sem adornos (ABERC, 2003).<br />
Pode-se observar a lavagem incorreta<br />
das mãos, não havia cartazes explicativos na área<br />
de lavagem das mãos, sendo que a pia usada para<br />
este fim era a mesma para preparar os alimentos.<br />
Os resultados apresentados foram semelhantes<br />
ao presente estudo, cuja lavagem das<br />
mãos e a freqüência estavam incorretas (QUEI-<br />
ROZ, 2001). Os manipuladores devem possuir<br />
hábitos higiênicos adequados e proceder à lavagem<br />
das mãos, antes da manipulação de alimentos<br />
após a utilização dos sanitários ou em qualquer<br />
mudança de função (ABERC, 2003).<br />
Em relação ao item programa de controle<br />
de saúde não havia supervisão periódica nem<br />
registro de exames realizados. Esse controle<br />
deve ser realizado freqüentemente, sendo exigido<br />
pela Vigilância Sanitária (SÃO PAULO, 1999).<br />
Quanto ao item programa de capacitação<br />
dos manipuladores, apresentou-se em desconformidade,<br />
não havendo treinamentos sobre<br />
manipulação dos alimentos e higiene pessoal.<br />
O treinamento tem por finalidade capacitar<br />
o funcionário a executar tarefas pertinentes<br />
a sua função para evitar que aconteçam erros<br />
durante a produção dos alimentos, conscientizando-o<br />
sobre a importância de seu papel<br />
dentro da instituição. A qualidade dos alimentos<br />
não se dá apenas pela adequação das instalações,<br />
melhores equipamentos, métodos e<br />
matérias-primas adequadas (SANTOS, 2001). A<br />
questão do manipulador é elemento essencial<br />
na implantação das boas práticas, sendo assim,<br />
todas as pessoas que participam deste serviço<br />
necessitam estar devidamente conscientes sobre<br />
a importância de oferecer um alimento seguro<br />
ao consumidor (ARRUDA, 2002).<br />
O manipulador pode ser considerado uma<br />
fonte de disseminação de microorganismos, tanto<br />
pelo seu próprio organismo, quando possui alguma<br />
enfermidade ou por bactérias presente naturalmente<br />
na pele e nas mucosas, ou mesmo por<br />
práticas errôneas de manipulação e acondicionamento<br />
dos alimentos (PRAXEDES, 2003).<br />
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />
Após a análise da Revisão de Literatura,<br />
verifica-se que as UAN’s observadas apresentaram<br />
alguns pontos em conformidade e não conformidades<br />
com a legislação vigente e recomendações<br />
bibliográficas.<br />
Apenas uma das UAN’s citadas nas consultas<br />
bibliográficas, localizada em Fortaleza –<br />
CE segue seu funcionamento em conformidade<br />
com a RDC nº216/2004 da ANVISA, sendo os<br />
Procedimentos Operacionais Padronizados<br />
(POP’s) de Higiene das Instalações Físicas realizadas<br />
frequentemente e de forma eficaz, por<br />
profissionais capacitados. Assim, o Manual de<br />
Boas Práticas tem sido aplicado na rotina da<br />
unidade (BRASIL, 2004).<br />
Porém algumas deficiências foram diagnosticadas,<br />
como azulejos do piso trincados, bolores<br />
e infiltrações no teto, portas não ajustadas aos<br />
batentes, ralos não sifonados e torneiras das pias<br />
de lavagem das mãos acionadas manualmente.<br />
De acordo com a RDC 275/2002 as portas<br />
externas devem possuir fechamento automático<br />
e com barreiras adequadas para impedir entrada<br />
de vetores e outros animais, em adequado<br />
estado de conservação (livre de trincas, rachaduras,<br />
umidade, bolor, descascamentos e<br />
outros). Os pisos devem ter ralos sifonados e<br />
grelhas colocados em locais adequados de forma<br />
a facilitar o escoamento e proteger contra a<br />
230<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 225-233, jun. 2011
entrada de baratas, roedores. Fator de extrema<br />
importância, pois evita o cantaminação por isetos<br />
e roedores na área de produção.<br />
As outras UAN’s, dos municípios de Duque<br />
de Caxias – RJ e Cascavel – PR, apresentaram<br />
não conformidades relacionadas à estrutura<br />
física, quando podemos observar falhas com<br />
relação ao cruzamento de áreas sujas e limpas,<br />
confrontando com o Centro de Vigilância Sanitária<br />
(CVS, 2004), que determina que a edificação<br />
e as instalações devem ser projetadas de<br />
forma a possibilitar um fluxo ordenado e sem<br />
cruzamentos em todas as etapas da preparação<br />
de alimentos e a facilitar as operações de manutenção,<br />
limpeza e, quando for o caso, desinfecção<br />
(SILVA, D. O. et. al., 2009).<br />
É importante não haver a contaminação<br />
cruzada dos gêneros, pois isso pode acarretar<br />
problemas na produção das refeições e causar<br />
danos à saúde do comensal.<br />
Um dos restaurantes de Cascavel – PR<br />
apresentou o maior índice de não conformidades,<br />
sendo uma delas em relação a área externa,<br />
onde havia objetos em desuso, focos de proliferações<br />
de insetos e roedores (RODRIGUES, S. et.<br />
al., 2008). Deve ter acesso direto e independente,<br />
não comum a outros usos (habitação), (BRA-<br />
SIL, 2004), sendo um fator de extrema importância<br />
para o alimento seguro, pois a área deve ser<br />
livre de focos de insalubridade, sem lixo, objetos<br />
em desuso, animais, insetos e roedores.<br />
Outro fator importante encontrado foi<br />
à falta de conhecimento dos responsáveis pelas<br />
UANs com relação às normas e termos técnicos<br />
avaliados pelos itens constantes do check<br />
list. Segundo a RDC 275/2002, os funcionários<br />
devem estar devidamente capacitados para<br />
execução dos POPs.<br />
7 RECOMENDAÇÕES<br />
Há necessidadede investimentos direcionados<br />
a treinamentos de profissionais e melhorias<br />
na estrutura física das cozinhas, modernização<br />
das instalações e equipamentos, além<br />
do uso de novas tecnologias, a fim de minimizar<br />
e se possível eliminar os perigos e pontos críticos<br />
de controle nas UANs agindo tanto na redução<br />
de acidentes e incidentes nestes ambientes<br />
ocupacionais, quanto na prevenção de toxinfecções<br />
alimentares daqueles cidadãos que consomem<br />
alimentos preparados nestas cozinhas.<br />
O treinamento tem por finalidade capacitar<br />
o funcionário a executar tarefas pertinentes<br />
a sua função para evitar que aconteçam erros<br />
durante a produção dos alimentos, conscientizando-o<br />
sobre a importância de seu papel<br />
dentro da instituição (ARRUDA, 2002).<br />
A questão do manipulador é elemento<br />
essencial na implantação das boas práticas, sendo<br />
assim, todas as pessoas que participam deste<br />
serviço necessitam estar devidamente conscientes<br />
sobre a importância de oferecer um alimento<br />
seguro ao consumido.<br />
8 CONCLUSÃO<br />
Conclui-se que existem falhas no processo<br />
de implantação e execução das ferramentas<br />
de controle de qualidade (BPs e POPs) nas<br />
etapas de preparação, conservação e distribuição<br />
dos alimentos das UANs investigadas. Conforme<br />
observado, um conjunto substancial das<br />
não conformidades pode ser corrigido por meio<br />
de treinamento e capacitação dos manipuladores,<br />
utilizando-se, por exemplo, recursos disponíveis<br />
no local.<br />
Além disso, a necessidade de uma maior<br />
fiscalização nos estabelecimentos responsáveis<br />
pela produção de refeições é evidente,<br />
devido ao alto índice de inadequação dos mesmos.<br />
Podendo concluir que não estão sendo<br />
seguindo as exigências preconizadas pela RDC<br />
275. Vale ressaltar que nos estabelecimentos<br />
em que havia a presença efetiva de uma nutricionista<br />
os resultados encontrados foram mais<br />
satisfatórios, podendo ressaltar a sua importância<br />
em uma UAN.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 225-233, jun. 2011<br />
231
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São Paulo: Ponto Crítico, 2006.<br />
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23 de novembro de 1993.<br />
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Regulamentadora n. 24 de 29/12/1994. Condições<br />
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6/1999 de 10/03/1999. Regulamento técnico sobre<br />
os parâmetros e critérios para o controle higiênico<br />
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São Paulo, 1999.<br />
CENTRO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (C.V.S.), RDC-216/<br />
2004 de 15/09/2004. Regulamento técnico de boas<br />
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LIBERATO, K. B. L.; LANDIM, M. C.; COSTA E. A.<br />
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de alimentação e nutrição (uan) localizada<br />
em Fortaleza-CE. Fortaleza, CE, 2008.<br />
MANUAL do responsável técnico. Rio de Janeiro:<br />
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233
234
TRIAGEM AUDITIVA NEONATAL:<br />
REFLEXÕES, CONSIDERAÇÕES E RELEVÂNCIA 1<br />
Raiza Gorbachev Ribeiro Aguiar *<br />
RESUMO<br />
A audição é a via sensorial mais importante para a aquisição e desenvolvimento normal da fala<br />
e da linguagem. Este sentido também contribui para que o indivíduo tenha um desenvolvimento<br />
social, educacional e psíquico adequado ao seu desenvolvimento global e a uma integração<br />
social plena. A deficiência auditiva tem sido alvo de vários estudos epidemiológicos<br />
com o objetivo de identificar seus fatores de risco e suas implicações, a fim de elaborar ações<br />
de saúde e assistência adequadas. Em princípio, a recomendação emanada pelos diversos<br />
comitês propõe que a avaliação seja abrangente e universal, atingindo todas as crianças ao<br />
nascimento ou no máximo até os três meses de idade. Após muitas lutas para tornar obrigatório<br />
a triagem auditiva neonatal, no dia 2 de agosto de 2010, foi sancionada a lei federal n°12.303/<br />
2010, que torna obrigatória e gratuita a realização da triagem auditiva neonatal através do<br />
exame de emissões otoacústicas evocadas (EOAs), em todos os hospitais e maternidade nas<br />
crianças que nascerem em suas dependências. Este estudo faz uma reflexão e discussão sobre<br />
a questão da triagem auditiva neonatal.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Audição. Triagem auditiva neonatal. Desenvolvimento.<br />
A audição é a via sensorial mais importante<br />
para a aquisição e desenvolvimento normal<br />
da fala e da linguagem. Este sentido também<br />
contribui para que o indivíduo tenha um<br />
desenvolvimento social, educacional e psíquico<br />
adequado ao seu desenvolvimento global e a<br />
uma integração social plena.<br />
A privação desse sentido pode trazer sérias<br />
consequências, podendo deixar o indivíduo<br />
parcial ou totalmente à parte do contexto linguístico<br />
ao qual pertence. Dependendo do grau da<br />
perda auditiva, o consequente isolamento social<br />
poderá deixá-lo inseguro, frustrado e, quem<br />
sabe, deprimido (BASSETO, 1998).<br />
Sabe-se que nos primeiros anos de vida<br />
acontece a maturação e plasticidade do Sistema<br />
Auditivo Central, sendo este período importante<br />
para o desenvolvimento das habilidades auditivas<br />
e qualquer interferência nesse sistema por<br />
* Acadêmica do 7º semestre do Curso de Fonoaudiologia e<br />
Monitora da disciplina Prática em Audiologia do Centro de<br />
Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade da Amazônia<br />
– UNAMA. Email: raizagorbachev@yahoo.com.br.<br />
1<br />
Artigo elaborado sob orientação da profa. Francisca<br />
Canindé Rosário da Silva Araújo, Mestre em<br />
Fonoaudiologia; orientadora de Monitoria da disciplina<br />
Prática em Audiologia do Centro de Ciências Biológicas e<br />
da Saúde da Universidade da Amazônia – UNAMA.<br />
fga.francisca@uol.com.br<br />
235<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 235-241, jun. 2011
menor que seja, poderá prejudicar seriamente o<br />
desenvolvimento da global de uma criança.<br />
A perda auditiva não decorre de causa<br />
única, pode ser causada por vários fatores: hereditários<br />
ou congênitos, infecções, doenças ou<br />
eventos traumáticos que podem afetar os mais<br />
diversos sítios da orelha e do seu processamento<br />
(NORTHERN E DOWNS, 2005).<br />
De acordo com os autores acima, os cuidados<br />
na detecção precoce e tratamento dos prejuízos<br />
quanto ás perdas auditivas, devem ser do<br />
conhecimento dos profissionais envolvidos com<br />
estes desde o nascimento, pois a perda auditiva<br />
é um mal oculto, especialmente em lactentes e<br />
outras crianças pequenas, e se não diagnosticada<br />
e tratada em tempo hábil, pode levar ao retardo<br />
no desenvolvimento da fala e da linguagem.<br />
A Integridade anátomo-fisiológica do sistema<br />
auditivo é um pré-requisito para a aquisição<br />
e desenvolvimento de linguagem, mas ouvir<br />
não é só detectar o som, envolve habilidades<br />
auditivas que dependem de maturação e exposição<br />
ao meio acústico. A criança deve ser capaz<br />
de prestar atenção, detectar, discriminar e localizar<br />
sons, além de memorizar e integrar experiências<br />
auditivas para atingir o reconhecimento<br />
e compreensão de fala (AZEVEDO 1997).<br />
A audição, apesar de muito importante,<br />
não é o único fator para o desenvolvimento da<br />
linguagem. Deve-se levar em conta: maturação,<br />
integridade neurológica, desenvolvimento emocional<br />
e nível linguístico.<br />
As perdas auditivas na primeira infância<br />
são as mais difíceis de serem detectadas devido<br />
ao comportamento comum dos bebês. É neste<br />
período que se inicia o processo de maturação<br />
do sistema auditivo central, ocorrendo aí também<br />
a maior parte da especialização neuronal.<br />
O sistema auditivo é uma das primeiras estruturas<br />
a se formar no feto. Com apenas 12 semanas<br />
a orelha interna já está praticamente formada.<br />
Northern e Downs (2005) referem que a<br />
orelha interna é o único órgão a atingir completa<br />
diferenciação e tamanho adulto na 20ª semana<br />
de gestação. Nesta mesma idade, o pavilhão auricular<br />
atinge a forma adulta, embora continue a<br />
crescer até aos 9 anos de idade. Na 32ª semana de<br />
gestação completa-se a ossificação do martelo e<br />
da bigorna, desenvolvem-se as células aéreas<br />
mastóides, pneumatização do antro, pneumatização<br />
do epitímpano, sendo que o estribo continua<br />
a desenvolver-se até a idade adulta. Ao nascimento,<br />
embora o processo de mielinização não<br />
esteja completo as vias neurais já são funcionais,<br />
e a partir da experimentação acústica, novas conexões<br />
neurais se estabelecem possibilitando a<br />
maturação do sistema auditivo.<br />
Weber e Diefendorf (2001) referem que<br />
a deficiência auditiva é a doença mais frequente<br />
encontrada no período neonatal, quando comparada<br />
a outras patologias.<br />
O diagnóstico precoce possibilita a intervenção<br />
clínicoeducacional, além de permitir um<br />
prognóstico mais favorável em relação ao desenvolvimento<br />
da fala e da linguagem<br />
A perda auditiva é a deficiência congênita<br />
mais frequente e mais prevalente dentre<br />
aquelas rotineiramente triadas em programas de<br />
saúde preventivos. A perda auditiva é uma alteração<br />
muito prevalente no período neonatal<br />
(WEBER e DIEFENDORF, 2001).<br />
O Joint Committee on Infant Hearing<br />
(JCIH), desde 1972, tem identificado indicadores<br />
(fatores) específicos de riscos associados à<br />
perda auditiva em recém-nascidos e crianças.<br />
Esses indicadores de risco têm sido aplicados com<br />
dois propósitos: identificar crianças que têm prioridade<br />
de serem submetidas à avaliação audiológica<br />
e crianças que devem receber acompanhamento<br />
audiológico e monitoramento médico<br />
após a triagem neonatal devido à possibilidade<br />
de perda progressiva de audição ou déficit<br />
auditivo de aparecimento tardio (HOOD, 1999).<br />
Assim, a deficiência auditiva tem sido<br />
alvo de vários estudos epidemiológicos com o<br />
objetivo de identificar seus fatores de risco e<br />
suas implicações, a fim de elaborar ações de saúde<br />
e assistência adequadas.<br />
236 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 235-241, jun. 2011
É muito importante o conhecimento dos<br />
prejuízos da perda auditiva para o desenvolvimento<br />
da linguagem. O termo deficiência auditiva<br />
é aplicado em todos os níveis de diminuição<br />
da capacidade auditiva, desde o grau leve ao profundo.<br />
(NORTHERN e DOWNS, 2005).<br />
Segundo Kury et al. (2000), crianças com<br />
perdas mínimas estão frequentemente atrasadas<br />
na escola, podem apresentar problemas sutis<br />
de linguagem, dificuldades de leitura e ainda<br />
problemas comportamentais. Com limiares de<br />
audibilidade entre 41 e 55 dBNA, configurando<br />
perdas moderadas, a criança pode apresentar<br />
dificuldades auditivas e de compreensão de fala<br />
em situações ideais, sua fala pode apresentar<br />
problemas de articulação e estes indivíduos são<br />
candidatos ao uso de próteses auditivas.<br />
Indivíduos com limiares auditivos entre<br />
56dBNA e 70dBNA compreendem a fala apenas<br />
se esta for intensa ou muito próxima, apresentam<br />
grande dificuldade em situações de comunicação<br />
em grupos ou na presença de ruído ambiental,<br />
podem parecer “desatentas”. Com o uso<br />
da amplificação sonora, podem desenvolver a<br />
fala e a linguagem (LEWIS et al., 1987).<br />
Limiares entre 71dBNA a 90dBNA permitem<br />
escutar apenas a voz quando emitidas próximas<br />
a orelha. Indivíduos com este grau de perda<br />
auditiva podem identificar o ruído ambiente<br />
e as vogais, porém não identificam as consoantes.<br />
A fala e a linguagem não se desenvolverão<br />
espontaneamente. Em limiares acima de 90dB a<br />
audição não é o meio primário para o desenvolvimento<br />
da fala e da linguagem.<br />
Não devemos desconsiderar as perdas auditivas<br />
unilaterais. Hodgson (1989), afirma que crianças<br />
portadoras de perdas unilaterais encontram<br />
maiores dificuldades que crianças ouvintes normais<br />
para compreender a fala, na presença do ruído ou<br />
em ambientes reverberantes, mesmo quando a<br />
orelha boa estiver posicionada em direção à fala.<br />
Estas crianças podem desempenhar adequadamente<br />
suas funções em muitas situações, mas terão<br />
dificuldades em localizar a fonte sonora.<br />
Um programa de detecção auditiva deve<br />
fazer uma descrição completa da perda auditiva,<br />
se esta é unilateral ou bilateral, o grau (leve,<br />
moderado, severo, profundo) e o tipo da perda<br />
(condutiva, neurossensorial ou mista) e, se possível,<br />
sua etiologia.<br />
Os sinais de alerta para surdez, o comportamento<br />
da criança, devem ser conhecidos por profissionais<br />
envolvidos no processo de avaliação da<br />
audição, para adequada orientação aos pais.<br />
Para Azevedo 1996 estes são os principais<br />
indícios de alerta:<br />
• 4 meses – criança não acorda ou se mexe em<br />
resposta ao barulho logo que começa a dormir;<br />
• 4 a 5 meses – sem pista visual, a criança não<br />
vira a cabeça ou os olhos para a fonte sonora;<br />
• 6 meses – sem pista visual, a criança não se<br />
vira para a fonte sonora;<br />
• 8 meses – a criança não tenta imitar os sons<br />
feito pelos pais;<br />
• 8 a 12 meses – perda da variedade na melodia<br />
e sons durante a silabação;<br />
• 12 meses – aparentemente não entende frases<br />
simples sem pistas visuais;<br />
• 2 anos – fala pouco ou ausente;<br />
• 3 anos – fala ininteligível, omissões de consoantes<br />
iniciais, não forma frases com 2 ou 3<br />
palavras e fala principalmente vogais;<br />
• 5 anos – o final das palavras está sempre faltando.<br />
• Até 6 meses de idade a criança surda vocaliza<br />
como a criança ouvinte e isso aumenta na<br />
presença da mãe; é um sinal de desenvolvimento<br />
social, não necessariamente de sua<br />
capacidade de ouvir.<br />
Intervenção Precoce<br />
A detecção e intervenção de qualquer intercorrência<br />
na via auditiva são necessárias nos<br />
primeiros meses de vida, já que a idade da criança<br />
na ocasião do diagnóstico faz grande diferença.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 235-241, jun. 2011 237
A detecção da deficiência auditiva até os<br />
6 meses de idade garante o desenvolvimento<br />
da compreensão e expressão de linguagem, assim<br />
como o desenvolvimento social comparável<br />
aos das crianças normais da mesma faixa etária<br />
independente do grau da perda auditiva (YUSHI-<br />
NAGA-ITANO et all, 1998).<br />
O diagnóstico precoce de qualquer alteração<br />
auditiva, periférica e/ou central é posição<br />
unânime dos comitês, nacionais e internacionais,<br />
tais como: Europa (Conferência sobre Triagem<br />
Auditiva Neonatal - NHS, 1998, 2000, 2002); Brasil<br />
(Comitê Brasileiro sobre Perdas Auditivas na<br />
Infância - CBPAI, 1999), EUA (Comitê de Fala e<br />
Audição da Academia Americana de Pediatria, O<br />
Joint Committee on Infant Hearing - JCIH (1982,<br />
1990,1994, 2000). Este último aponta como principal<br />
objetivo a detecção das crianças com perdas<br />
auditivas, o mais precocemente possível.<br />
Todas as crianças com deficiência auditiva devem<br />
ser identificadas até 3 meses de idade e<br />
receber intervenção até os 6 meses.<br />
Em princípio, a recomendação emanada<br />
pelos diversos comitês propõe que a avaliação<br />
seja abrangente e universal, atingindo todas as<br />
crianças ao nascimento ou no máximo até os três<br />
meses de idade. Até 1994, era aceito uma avaliação<br />
cobrindo, particularmente, as crianças pertencentes<br />
ao grupo de risco. A partir desse ano o<br />
JCIH sugeriu que a triagem seja universal, pois<br />
somente 50% dos casos de deficiência auditiva<br />
são pertencentes ao grupo de risco.<br />
O JCIH 2000 (Joint Committee on Infant Hearing<br />
Year 2000 Position Statement) e AAP 2000 (American<br />
Academy of Pediatrics) recomendam que os<br />
procedimentos objetivos sejam utilizados para triagem<br />
auditiva neonatal e universal. Ainda assim, na<br />
mesma recomendação, o comitê observa a necessidade<br />
de procedimentos como avaliação de reflexo<br />
cócleo-palpebral e avaliação auditiva comportamental<br />
para estabelecimento de diagnóstico.<br />
O Joint Committee on Infant Hearing<br />
(2000) é quem direciona os passos a serem seguidos<br />
para a triagem auditiva, a seguir:<br />
Os procedimentos da triagem auditiva devem<br />
ser objetiva, bilateral, por medida eletrofisiológica<br />
como o Potencial Evocado Auditivo de Tronco<br />
Cerebral (PEATC) e as Emissões Otoacústicas Evocadas<br />
(EOAE). O mínimo de 95% dos nascimentos devem<br />
ser triados. O reteste deve acontecer entre 15<br />
e 30 dias e a conclusão diagnóstica até 3 meses.<br />
A protetização para a deficiência auditiva<br />
deve ser bilateral e acontecer até em 1 mês<br />
de idade, após confirmação, o início da intervenção<br />
deve ser até 6 meses de idade.<br />
Ao nascimento todas as crianças deverão<br />
ter acesso à triagem auditiva usando um método<br />
fisiológico durante sua internação hospitalar;<br />
• todas as crianças que não passarem na triagem<br />
deverão ser submetidas à avaliação audiológica<br />
e médica para confirmar a presença de<br />
perda auditiva antes dos 3 meses de idade;<br />
• todas as crianças que tiverem perda auditiva<br />
permanente deverão receber intervenção<br />
antes dos 6 meses de idade;<br />
• todas as crianças que passarem na triagem<br />
auditiva, mas que tiverem indicadores de risco<br />
para outras desordens auditivas e/ou atraso<br />
de fala e linguagem deverão receber acompanhamento<br />
audiológico e médico e monitorização<br />
do desenvolvimento da comunicação;<br />
• crianças e famílias terão seus direitos garantidos<br />
através de informações sobre escolhas,<br />
tomadas de decisões e consentimentos;<br />
• a triagem auditiva e os resultados da avaliação<br />
deverão ter a mesma proteção que qualquer<br />
outra informação médica ou educacional;<br />
• os programas de triagem deverão utilizar um<br />
sistema de gerenciamento de informações<br />
por computador.<br />
• a qualidade do serviço deverá ser monitorada<br />
e deverá demonstrar concordância com<br />
a legislação e determinação fiscal e;<br />
• os serviços para crianças portadoras de deficiência<br />
auditiva deverão ser coordenados por<br />
médicos, fonoaudiólogos, famílias, profissionais<br />
da área médica, ou/e agentes locais.<br />
238<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 235-241, jun. 2011
INDICADORES DE RISCO<br />
Neonatos (nascimento até 28 dias),<br />
Permanência em UTI neonatal por 48 horas<br />
ou mais, qualquer síndrome associada com<br />
deficiência auditiva, história familiar de disacusia<br />
neurossensorial, anormalidades craniofaciais<br />
e infecções intrauterinas como citomegalovírus,<br />
herpes, toxoplasmose ou rubéola.<br />
Neonatos e crianças (nascimento até 2 anos)<br />
Hipertensão pulmonar persistente com<br />
ventilação mecânica; condições que necessitem<br />
de oxigenação extracorpórea; síndromes associadas<br />
com deficiência auditiva progressiva, incluindo<br />
neurofibromatose, osteopetrosis e<br />
Ushers; desordens neurodegenerativas como<br />
neuropatias sensoriomotoras, como ataxia de<br />
Friedreichs e Síndrome Charcot-Marie-Tooth;<br />
traumas cranianos e otites médias recorrentes,<br />
persistentes com efusão por mais de 3 meses.<br />
No Brasil existe o Grupo de Apoio à Triagem<br />
Auditiva Neonatal Universal – GATANU, foi<br />
criado em 1 o de maio de 1998. O GATANU é uma<br />
organização não governamental formada por<br />
especialistas da área, cujos objetivos são:<br />
• aumentar a consciência coletiva para o problema<br />
da surdez infantil no Brasil;<br />
• divulgar a necessidade da realização da triagem<br />
auditiva neonatal universal (TANU), assegurando<br />
que o diagnóstico e a intervenção<br />
ocorram até 6 meses de idade, conforme as<br />
recomendações nacionais e internacionais;<br />
• normalizar e padronizar o exame de Emissões<br />
Otoacústicas Evocadas/PEATE-BERA e o protocolo<br />
de TANU;<br />
• cadastrar os serviços de triagem auditiva neonatal<br />
existentes no Brasil;<br />
• incentivar o aprimoramento das técnicas de<br />
triagem, diagnóstico e habilitação;<br />
• desenvolver um estudo multicêntrico para levantar<br />
a prevalência brasileira da deficiência<br />
auditiva nos bebês normais e de alto risco;<br />
• documentar o perfil audiológico das crianças<br />
com deficiência auditiva identificadas nos programas<br />
de TANU, acompanhando o seu desenvolvimento<br />
linguístico, social e cognitivo.<br />
A implantação da TANU é possível e traz<br />
enormes benefícios aos recém-nascidos (RN) identificados<br />
precocemente com alterações auditivas.<br />
Entretanto, o GATANU reconhece as dificuldades<br />
na implementação da TANU em todas<br />
as maternidades do país, aceitando um período<br />
inicial de implantação da triagem auditiva neonatal<br />
aos recém-nascidos de risco para surdez e<br />
gradualmente ampliando a toda maternidade.<br />
Os programas de TANU constituem desafios<br />
nas áreas da triagem, diagnóstico, protetização<br />
e intervenção, necessitando, portanto, a<br />
atenção de todos os profissionais envolvidos na<br />
saúde infantil.<br />
O Programa de Triagem Auditiva Neonatal<br />
do Grupo de Apoio à Triagem Auditiva Neonatal<br />
Universal (Gatanu) recomenda que a triagem<br />
ou rastreamento auditivo obedeça às seguintes<br />
etapas:<br />
- o diagnóstico audiológico deve ser realizado<br />
através de, EOA, BERA, Imitaciometria e Avaliação<br />
Auditiva Comportamental;<br />
- o passo seguinte deve ser a protetização: indicação,<br />
seleção e adaptação de prótese auditiva<br />
e consequentemente, a intervenção<br />
fonoaudiológica especializada em audiologia<br />
educacional.<br />
Azevedo (2000) refere que as emissões<br />
otoacústicas são energias sonoras de fraca intensidade,<br />
que amplificadas podem ser captadas<br />
no meato acústico externo, na ausência de<br />
estímulo acústico (emissões otoacústicas espontâneas)<br />
ou evocada por estímulo acústico (emissões<br />
otoacústicas evocadas). As emissões otoacústicas<br />
podem ser captadas por um microfone<br />
acoplado a uma sonda colocado no conduto auditivo<br />
externo. Este exame avalia a integridade<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 235-241, jun. 2011<br />
239
coclear, sendo próprio para realização da Triagem<br />
Auditiva Neonatal Universal (TANU), pois é<br />
simples, rápido (média de 5 minutos), objetivo,<br />
sensível, não-invasivo e de baixo custo.<br />
A Audiometria de Tronco Cerebral<br />
(BERA) avalia a condução eletrofisiológica do<br />
estímulo auditivo da porção periférica até o<br />
Tronco Cerebral.<br />
Tanto as EOA quanto o BERA possuem<br />
bons índices de sensibilidade e especificidade.<br />
Os dois exames complementam-se no momento<br />
do diagnóstico audiológico. Entretanto,<br />
não podemos desconsiderar o princípio da<br />
confirmação, que recomenda que os resultados<br />
de qualquer teste audiométrico isoladamente<br />
não podem ser considerados válidos<br />
sem a identificação independente de outro<br />
teste. Os testes fisiológicos não são suficientes;<br />
o audiologista precisa de informações sobre<br />
as habilidades auditivas globais da criança,<br />
deve investigar como a criança utiliza a sua<br />
audição para a comunicação.<br />
Em todas as faixas etárias devem ser observados<br />
cautelosamente o estímulo sonoro utilizado,<br />
os critérios de falha utilizados, o ruído<br />
ambiental e o estado da criança.<br />
Todos os pais devem estar cientes da realização<br />
da triagem e receber o resultado após a<br />
conclusão do processo de identificação.<br />
Toda criança identificada com algum problema,<br />
de natureza auditiva deve ser encaminhada<br />
para um serviço de diagnóstico, quando<br />
serão realizados a avaliação otorrinolaringológica<br />
e os exames complementares. Após confirmação<br />
do tipo e grau da perda auditiva o bebê<br />
deverá ser encaminhado para um programa de<br />
intervenção precoce que poderá abranger: orientações<br />
para a família, orientações quanto ao<br />
uso do aparelho de amplificação sonora individual<br />
(AASI) ou implante coclear, além da terapia<br />
fonoaudiológica, esta pode ser iniciada mesmo<br />
antes da conclusão diagnóstica, sempre que se<br />
considerar necessário.<br />
Um programa de triagem auditiva neonatal<br />
deve ser multidisciplinar com a colaboração<br />
dos fonoaudiólogos, pediatras e enfermeiros.<br />
Apesar das dificuldades em sua aplicação,<br />
deve ser estimulada e realizada em todos os<br />
berçários. A TAN deve ser considerada um passo<br />
inicial para o manuseio da perda auditiva, sendo<br />
de extrema importância, a partir do diagnóstico,<br />
o seu tratamento e a orientação familiar.<br />
Após muitas lutas para tornar obrigatório<br />
a triagem auditiva neonatal, no dia 2 de agosto<br />
de 2010, foi sancionada a lei federal n°12.303/<br />
2010, que torna obrigatória e gratuita a realização<br />
da triagem auditiva neonatal através do<br />
exame de emissões otoacústicas evocadas<br />
(EOAs), em todos os hospitais e maternidade<br />
nas crianças que nascerem em suas dependências.<br />
Espera-se que todos os hospitais e maternidades<br />
do território nacional ofereçam o teste,<br />
e que o poder público possa se conscientizar<br />
da importância deste serviço para a população,<br />
possibilitando que os hospitais e maternidades<br />
possam ser devidamente equipados,<br />
além de corpo técnico especializado para realizar<br />
um serviço de qualidade.<br />
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Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 235-241, jun. 2011<br />
241
242
A ATUAÇÃO DA FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA EM<br />
PACIENTES COM DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA 1<br />
Jessica Nayara Gondim dos Santos *<br />
RESUMO<br />
A DPOC é um grupo de doenças do sistema respiratório com elevada incidência tendo como<br />
principal causa o tabagismo; na qual ocorre acometimento do parênquima pulmonar na forma<br />
do enfisema pulmonar, ou de maneira a diminuir o fluxo de ar que passa pelos brônquios como<br />
é o caso da bronquite crônica, sendo suas principais formas de acometimento. O objetivo deste<br />
presente artigo foi investigar os principais tratamentos realizados pela fisioterapia.<br />
PALAVRAS-CHAVE: DPOC. Reabilitação pulmonar. Fisioterapia respitória.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
A doença pulmonar obstrutiva crônica<br />
(DPOC) é considerada um dos maiores problemas<br />
de saúde pública do mundo está em número<br />
cada vez maior no ranking das causas de morbidade<br />
e mortalidade das doenças crônicas (PI-<br />
CANÇO, 2007).<br />
O termo doença pulmonar obstrutiva<br />
crônica é um termo amplo que muitas vezes é<br />
aplicado a pacientes com enfisema, bronquite<br />
crônica ou os dois; levando a uma interpretação<br />
incorreta da extensão destes pacientes que possuem<br />
enfisema ou bronquite (WEST,1996).<br />
Recentemente a DPOC foi classificada<br />
como uma doença caracterizada pela limitação ao<br />
fluxo aéreo, não totalmente reversível, geralmente<br />
progressiva e associada a uma resposta<br />
inflamatória anormal dos pulmões, a partículas<br />
ou gases nocivos como é o caso do cigarro, este é<br />
uma das principais causas de DPOC na qual há a<br />
inflamação direta dos pulmões (PICANÇO, 2007).<br />
Quando o processo inflamatório crônico<br />
produz alterações brônquicas, temos a bronquite<br />
crônica, na qual é definida pela presença constante<br />
ou aumentos recorrentes das secreções<br />
brônquicas suficientes para causar expectoração.<br />
Entretanto a alteração encontrada no parênqui-<br />
*<br />
Acadêmica do 3° semestre do curso de fisioterapia, monitora<br />
da disciplina Morfofisiologia Humana no curso de fisioterapia<br />
na UNAMA. Email: jessica_nayara_santos@hotmail.com<br />
1<br />
Artigo elaborado sob orientação do prof. Msc. Rodrigo<br />
Santiago Barbosa Rocha.<br />
243<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 243-246, jun. 2011
ma pulmonar é definida como enfisema pulmonar<br />
que é definido anatomicamente como um<br />
alargamento anormal e permanente dos espaços<br />
aéreos distais ao bronquíolo terminal, acompanhado<br />
de destruição de suas paredes, ou seja,<br />
destruição dos alvéolos (PICANÇO, 2007).<br />
No enfisema pulmonar o pulmão vai<br />
apresentar perda de paredes alveolares e consequente<br />
destruição de partes do leito capilar,<br />
as pequenas vias aéreas estão estreitadas, tortuosas<br />
e reduzidas em número, além disso, possuem<br />
paredes finas e delgadas. O enfisema pulmonar<br />
afeta do parênquima distal ao bronquíolo<br />
terminal e assim pode ser classificado de vários<br />
tipos de enfisema: enfisema centroacinoso,<br />
na qual a destruição é limitada à parte central do<br />
lóbulo e dos ductos alveolares periféricos; enfisema<br />
panacinoso, onde há mais distensão e destruição<br />
do lóbulo inteiro; enfisema paresseptal,<br />
nesta classificação a doença é mais acentuada<br />
no pulmão adjacente aos septos interlobulares<br />
e o enfisema bolhoso que o paciente desenvolve<br />
grandes áreas císticas ou bolhas (WEST, 1996).<br />
Na bronquite crônica devido à produção<br />
excessiva de muco na árvore brônquica observase<br />
a diminuição da luz dos vasos dos brônquios, o<br />
qual é produzido em excesso devido à hipertrofia<br />
das glândulas mucosas nos grandes brônquios<br />
e assim pequenas vias aéreas são estreitadas e<br />
mostram alterações inflamatórias incluindo infiltrado<br />
celular e edema das paredes (WEST,1996).<br />
A fisioterapia respiratória é um componente<br />
de grande valor no tratamento de pacientes<br />
com DPOC, tendo como objetivo melhorar o<br />
comportamento funcional do paciente. A fisioterapia<br />
pode trabalhar com esses pacientes realizando<br />
exercícios de desinsuflação pulmonar,<br />
manobras de higiene brônquica, treinamento do<br />
músculo respiratório, utilização de ventilação<br />
mecânica não-invasiva e atividade física voltada<br />
à melhora da capacidade física e qualidade de<br />
vida (PICANÇO, 2007).<br />
Em pacientes com alterações na ausculta<br />
pulmonar com a evidência de secreção devem<br />
ser submetidos à técnica de desobstrução brônquica,<br />
pelo qual é diminuída a quantidade e a<br />
viscosidade das secreções brônquicas. Como visto<br />
anteriormente o paciente com DPOC apresenta<br />
limitação ventilatória que leva à diminuição<br />
da atividade física, com consequente descondicionamento<br />
muscular, depressão, ansiedade e<br />
piora da qualidade de vida, para esses pacientes<br />
um programa de reabilitação pulmonar é essencial<br />
para a melhora do quadro (PICANÇO, 2007).<br />
2 OBJETIVO<br />
Realizar uma meta-análise a partir de artigos<br />
científicos que abordem a utilização da fisioterapia<br />
respiratória em pacientes com DPOC,<br />
analisando assim a resposta obtida após o tratamento<br />
fisioterapêutico.<br />
3 MATERIAIS E MÉTODOS<br />
Neste presente trabalho foi realizada<br />
uma revisão sistemática de meta-análise, que<br />
buscando identificar estudos publicados sobre<br />
a utilização da fisioterapia respiratória em<br />
pacientes com DPOC foram analisados 29 artigos<br />
publicados em periódicos regionais e nacionais,<br />
datados no período de 1996 a 2006,<br />
porém apenas 08 foram selecionados a partir<br />
da identificação de estudos realizados a partir<br />
de ensaios clínicos não-randomizados; a base<br />
de dados utilizados foram retirados de bibliotecas<br />
eletrônicas como o LILACS, BIREME e<br />
PUBMED através das palavras-chave : DPOC,<br />
reabilitação pulmonar, fisioterapia respitória.<br />
A amostra total analisada foi de 212 pacientes<br />
selecionados a partir do diagnóstico de DPOC<br />
tanto na sua fase moderada à fase grave da<br />
doença, todos esses pacientes selecionados<br />
para a população eram ex-fumantes. Foram<br />
excluídos da amostra as crianças e todos aqueles<br />
que possuem alguma disfunção cardiovascular.<br />
Na seleção dos artigos não houve restrição<br />
de faixa etária da população nesses estu-<br />
244 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 243-246, jun. 2011
dos, e também não houve restrição quanto ao<br />
sexo da população dos mesmos estudos analisados.<br />
Quanto ao idioma os artigos científicos<br />
restringiram-se ao português.<br />
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES<br />
Nos 09 artigos pesquisados sobre a reabilitação<br />
pulmonar em pacientes com DPOC houve<br />
a utilização de diversos tipos de terapias: a<br />
oxigenoterapia, a caminhada com carga progressiva,<br />
a caminhada com a acompanhamento, teste<br />
da caminhada dos 06 minutos, a prescrição de<br />
exercícios físicos, alongamento, bicicleta ergométrica,<br />
exercício com carga para membros inferiores<br />
e membros superiores, exercício sem<br />
carga para membros superiores e inferiores.<br />
As terapias mais utilizadas durante os<br />
estudos foram: 06 estudos utilizaram o exercício<br />
físico como meio de reabilitar seus pacientes de<br />
DPOC, 3 estudos utilizaram exclusivamente o<br />
Teste de Caminhada de 6 minutos (TC6) e 2 estudos<br />
utilizaram a oxigenoterapia.<br />
Os exercícios físicos, no qual o TC6 está<br />
incluso, reabilitaram os pacientes de forma<br />
mais efetiva onde a partir do bom desenvolvimento<br />
de TC6 representa uma menor dificuldade<br />
em realizar as atividades físicas diárias e,<br />
conseqüentemente, menor impacto da doença<br />
na vida dos pacientes.<br />
5 CONCLUSÃO<br />
A fisioterapia no programa de reabilitação<br />
pulmonar tem como objetivo melhorar a<br />
qualidade de vida do paciente portador de DPOC<br />
através da melhora da capacidade respiratória<br />
até então severamente comprometida, e mudando<br />
assim conseqüentemente vários aspectos<br />
na vida deste paciente, alterando fatores<br />
como a insônia, ansiedade, depressão e outros<br />
que também podem ter seus índices incrementados<br />
pela atuação do fisioterapeuta. Diante de<br />
todo o programa de reabilitação pulmonar o teste<br />
de caminhada de 6 minutos mostrou-se o<br />
melhor para demonstrar a sobrevida do paciente,<br />
e um melhor desempenho no TC6 (Teste de<br />
caminhada de 6 minutos) significa menor dificuldade<br />
em realizar as atividades físicas diárias<br />
e, conseqüentemente, menor impacto da doença.<br />
O TC6, além disso, pode ser um importante<br />
indicador clínico de capacidade funcional.<br />
REFERÊNCIAS<br />
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PICANÇO, P. S. A. Fisioterapia na Doença Pulmonar<br />
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RODRIGUES, S. L.; VIEGAS, C. A. C. Estudo da correlação<br />
entre provas funcionais respiratórias e o<br />
teste de caminhada de 6 minutos em pacientes<br />
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SP, v.6, n.28, p. 324-328, nov./dez. 2002.<br />
RODRIGUES, S. L.; VIEGAS, C. A. C.; LIMA, T.<br />
Efetividade da reabilitação pulmonar como<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 243-246, jun. 2011 245
tratamento coadjuvante do DPOC. Jornal de<br />
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exercício em portadores de Doença Pulmonar<br />
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2, n. 32, p. 106-113, 2006.<br />
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atividade física em esteira ergométrica em<br />
portadores de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica.<br />
Jornal de Pneumologia, São Paulo-SP, v. 3,<br />
n.28, p. 131-136, maio/jun. 2002.<br />
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ZANCHET, R. C.; VIEGAS, C. A. C.; LIMA, T. Eficácia<br />
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exercício, força na musculatura inspiratória e<br />
qualidade de vida dos portadores de Doença<br />
Pulmonar Obstrutiva crônica. Jornal Brasileiro<br />
de Pneumologia, São Paulo-SP, v. 2, n. 31, p.<br />
118-124, mar./abri. 2005.<br />
246<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 243-246, jun. 2011
O AMICUS CURIAE E A ABERTURA HERMENÊUTICA<br />
EM PROL DA DEMOCRACIA:<br />
A INFLUÊNCIA DE PETER HÄBERLE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 1<br />
Shayane do Socorro de Almeida da Paixão *<br />
RESUMO<br />
O presente trabalho mostrará como a proposta de uma hermenêutica constitucional aberta<br />
aos vários intérpretes da Constituição, feita por Peter Häberle, influenciará a jurisprudência<br />
do Supremo Tribunal Federal quanto à participaçãodo Amicus Curiae como interventor<br />
no controle abstrato de constitucionalidade. Ainda, a evolução da luta pelos direitos fundamentais,<br />
principalmente após a Segunda Guerra Mundial, corroborará a tese de que este<br />
sujeito deve intervir no processo cognoscitivo hermenêutico-constitucional a fim de ampliar<br />
o “leque” de abordagens sobre o tema a ser discutido. Destarte, tal ingresso endossa a<br />
importância do Amicus Curiae como elemento basilar para o soerguimento de um Estado<br />
Democrático de Direito.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Hermenêutica. Intérpretes da Constituição. Amicus Curiae. Controle de<br />
Constitucionalidade. Democracia.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
A palavra hermenêutica guarda sua origem<br />
etimológica no Deus grego Hermes, divindade<br />
associada à comunicação. Seu nome tem<br />
origem, segundo os historiadores, na palavra<br />
grega “herme”, que designava os montes de pedras<br />
usadas para indicar os caminhos. (CABRAL,<br />
2003, p.111-112)<br />
A interpretação resulta da existência humana,<br />
pois tudo o que se vê resulta do recorte de<br />
um todo em partes diferentes conforme forem<br />
os seus observadores. Vários indivíduos não percebem<br />
a mesma imagem de forma idêntica, pois<br />
cada um carrega uma carga de valores formada<br />
pelo meio em que vive o que os faz interpretar o<br />
mundo de forma diferente.Assim, torna-se deveras<br />
importante que haja várias interpretações<br />
sobre a mesma coisa, pois, desta forma, é possí-<br />
*<br />
Acadêmica do 3° semestre de Direito da Universidade da<br />
Amazônia-UNAMA. Monitora da disciplina de Teoria Geral do<br />
Processo. (shayanepaixao@hotmail.com)<br />
1<br />
Artigo elaborado sob a orientação da professora Msc. Ágatha<br />
Gonçalves Santana - Mestre em Direitos Humanos e Relações<br />
Privadas pela Universidade Federal do Pará - Ufpa; Professora<br />
Adjunta I da Universidade da Amazônia - <strong>Unama</strong>, onde leciona<br />
as disciplinas Teoria Geral do Processo e Direito Processual<br />
Civil; Advogada civilista. Agradecimentos à Professora<br />
Pauliane do Socorro Lisboa Abraão pela orientação material<br />
e intelectual.<br />
247<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 247-255, jun. 2011
vel suprir os “pontos cegos” eventualmente deixados<br />
pelo recorte interpretativo de outrem.<br />
Além disso, não há interpretação que seja imutável,<br />
pois segundo Karl Popper (2004, p.13),<br />
A cada passo adiante, a cada problema<br />
que resolvemos, não só descobrimos<br />
problemas novos e não solucionados,<br />
porém, também, que<br />
aonde acreditávamos pisar em solo<br />
firme e seguro, todas as coisas são,<br />
na verdade, inseguras e em estado<br />
de alteração contínua.<br />
É sobre este enfoque que irá ser discutido<br />
a importância do Amicus Curiae como auxiliador<br />
no processo interpretativo constitucional,<br />
o qual atua como interventor nas ações diretas<br />
de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias<br />
de constitucionalidade.<br />
Ainda, este tem sua participação ampliada<br />
a partir da Lei Federal 9.868/99, a qual dispõe<br />
sobre a possibilidade de sua participação nos<br />
casos de relevância social e no qual o seu interesse<br />
seja conexo com a causa.<br />
Intentar-se-á demonstrar, desta forma,<br />
que a participação do AmicusCuriae é deveras<br />
importante para a concretização do processo<br />
hermenêutico, no qual a consolidação de um<br />
Estado Democrático de Direito, depende da participação<br />
social, sendo necessário que a proposta<br />
de uma Sociedade Aberta dos Intérpretes da<br />
Constituição seja aplicada.<br />
2 A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS:<br />
O AMICUS CURIAE COMO EXPRESSÃO DO DIREI-<br />
TO DE PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO CONSTITU-<br />
CIONAL<br />
A evolução histórica do Estado demonstra<br />
que os anseios da sociedade mudam e, por<br />
isso, os contornos deste Ente ao qual delegamos<br />
poderes, através do contrato social, também<br />
mudam. Revoluções e reformas exteriorizam<br />
a vontade do indivíduo pela instauração de<br />
uma nova organização estatal, na qual sejam tutelados<br />
as vontades e desejos dos indivíduos que<br />
vivem em sociedade.<br />
Assim, o Direito, como organizador das<br />
relações interpessoais, deve evoluir conjuntamente<br />
com as necessidades das pessoas, para<br />
que a sua finalidade de garantir o bem comum<br />
não fique anacrônica.<br />
Isto deve ocorrer para que as relações<br />
que emanam de uma nova estruturação social<br />
possam ser normatizadas, haja vista que esta ciência<br />
pertence ao mundo da cultura e é o reflexo<br />
do conjunto de interações sociais, representado<br />
pelo ir e vir das ações humanas, materializado<br />
nos costumes, pensamentos e ideologias,<br />
afinal como nos ensina Miguel Reale(1999, p.66)<br />
o direito é “fato, valor e norma”.<br />
Desta forma, a modificação na estrutura<br />
do Estado é nada mais que uma reorganização<br />
de um dos seus elementos, o povo. O exemplo<br />
mais evidentedesta reestruturação deu-se com<br />
a Revolução Francesa e o seu lema de liberdade,<br />
igualdade e fraternidade, o qual exteriorizava a<br />
vontade dos indivíduos pelo reconhecimento<br />
dos seus direitos fundamentais. Este período de<br />
reivindicações atua no sentido de refrear as ações<br />
do Estado, cobrando deste uma postura de abstenção,<br />
ou seja, lutava-se pelas liberdades individuais,<br />
como o direito à inviolabilidade do domicílio,<br />
à liberdade, de reunião, de culto etc.<br />
É neste momento, também, que se tem o<br />
marco do movimento constitucionalista com a modificação<br />
das cartas magnas de alguns países que,<br />
por vontade própria ou por pressão popular, aderem<br />
à declaração de Direitos do Homem e do Cidadão<br />
(1789) (FRANÇA, 2011) e passam a seguir o modelo<br />
da Constituição Francesa (1791) (idem, 2011).<br />
Neste sentido, um grande momento de<br />
luta pelos direitos individuais ganha proporções<br />
colossais, refletindo inclusive no Brasil. Este país,<br />
que se tornou independente em 1822, continuou<br />
vendo em seu povo os resquícios de um<br />
passado bem próximo, no qual o Estado livra-se<br />
de Portugal, mas os escravos não conseguem<br />
quebrar os grilhões da subjugação.<br />
248 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 247-255, jun. 2011
Depois deste primeiro momento de luta<br />
contra um Estado absolutista que suprimia a liberdade<br />
debaixo do seu amplo poder, vivenciase<br />
outra fase, agora distinta daquela. O Século<br />
XX é palco de uma onda liberalista, no qual o<br />
Estado tem influências na esfera do indivíduo a<br />
fim de lhe dá condições para o desenvolvimento<br />
de uma vida digna.<br />
Diz-se que esta segunda geração dos direitos<br />
fundamentais caracteriza-se pela prestação<br />
positiva do Estado, refletindo na tutela à saúde,<br />
educação, trabalho, assistência social, lazer etc. Sob<br />
este aspecto, vê-se uma primazia da tutela dos direitos<br />
individuais e sociais, em face deste escorço<br />
histórico. Não obstante, na metade do século passado,<br />
notamos uma mudança na nuance de proteção<br />
aos direitos, na qual as convenções de proteção<br />
ao Meio ambiente trarão à tona a preocupação<br />
com os direitos coletivos e difusos.<br />
Este é o terceiro momento ou terceira<br />
geração de luta pelos direitos fundamentais, marcado<br />
pelo término da Segunda Guerra Mundial.<br />
Contudo, no Brasil, esta terceira etapa<br />
demora a se concretizar, pois “enquanto na Europa<br />
a redemocratização se deu logo após a<br />
Segunda Guerra Mundial, no Brasil e, na América<br />
Latina em geral, esse processo veio depois,<br />
nas décadas de 1980 e 1990, quando se<br />
pôs fim a inúmeros governos totalitaristas”<br />
(ABRAÃO, 2011, p.20).<br />
Não obstante, atualmente, presenciamos<br />
o quarto momento na luta pelos direitos<br />
fundamentais, o qual se configura pela busca de<br />
uma tutela democrática, assim como a de uma<br />
proposta de abertura social. Neste sentido ensina<br />
Paulo Bonavides (2006, p.571),<br />
São direitos de quarta geração o direito<br />
à democracia, o direito à informação<br />
e o direito ao pluralismo.<br />
Deles depende a concretização da<br />
sociedade aberta para o futuro, em<br />
sua dimensão de máxima universalidade,<br />
para a qual parece o mundo<br />
inclinar-se no plano de todas as relações<br />
de convivência.<br />
Assim, este quarto momento de lutas pela<br />
participação democrática e pluralidade, unidos ao<br />
terceiro momento de busca pela tutela de direitos<br />
coletivos e difusos, torna mais proeminente<br />
e necessária a participação de todos os indivíduos<br />
na busca por respostas aos novos anseios.<br />
Sob este aspecto, temos a participação<br />
do Amicus Curiae como elemento fundamental<br />
para a concretização deste escorço histórico de<br />
luta pela concretização dos Direitos fundamentais.<br />
A origem do Amicus curiae remonta o período<br />
romano, mas foi certamente na Suprema<br />
Corte Norte Americana que este se desenvolveu.<br />
O sistema do Common Law, através do Stare<br />
decisis, permite que uma decisão judicial, tomada<br />
sobre um caso particular, afete casos semelhantes<br />
que venham a ocorrer futuramente.<br />
(MACIEL, 2010, p.7-8)<br />
Assim, há casos célebres na jurisprudência<br />
norte americana, que demonstram a força da<br />
intervenção do Amicus Curiae, como por exemplo,<br />
no caso Peterson v. Mclean Credit Union, no<br />
qual 112 entidades privadas, 47 StateAttoneryGenerals,<br />
66 senadores dentre outros, foram admitidos<br />
como Amici Curiae. No caso Gideon v. Wainright,<br />
1963, em que se debateu sobre a constitucionalidade<br />
de um julgamento sem a assistência<br />
de um advogado, mais de 20 Estados-Membros<br />
da Federação, pessoas e órgãos participaram<br />
como Amici Curiae (idem, 2010, p.7-8).<br />
3 A ABERTURA HERMENÊUTICA E O AMICUS<br />
CURIAE<br />
Neste diapasão, nota-se um lento, mais<br />
promissor rompimento de uma “tampa hermética”<br />
das interpretações, agora com a possibilidade<br />
da efetiva participação do povo na apresentação<br />
de alternativas. É neste momento que<br />
ganha força o Amicus Curiae, sendo “o sujeito<br />
processual, pessoa natural ou jurídica, de representatividade<br />
adequada que atua em processos<br />
objetivos e alguns subjetivos cuja matéria for<br />
relevante” (PINTO, Apud, CÂMARA, p.223),<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 247-255, jun. 2011 249
foi utilizado no Brasil pela primeira<br />
vez pela Lei nº. 6.616, de 16 de dezembro<br />
de 1978, que acrescentou artigos<br />
à Lei nº. 6.385, de 7 de dezembro<br />
de 1976, que dispõe sobre o mercado<br />
de valores mobiliários e cria a<br />
Comissão de Valores Mobiliários. A<br />
partir daí, vários instrumentos legislativos<br />
se utilizaram desse instituto,<br />
sempre sob o intuito de se utilizar<br />
de uma pessoa, grupo de pessoas,<br />
órgão ou entidade para auxiliar<br />
a Corte na resolução da lide (MAGA-<br />
LHÃES, 2009)<br />
A sua intervenção nas ações diretas de<br />
inconstitucionalidade e nas ações declaratórias<br />
de constitucionalidade está p<strong>revista</strong> na lei 9.868/<br />
99, em seu artigo 7°, parágrafo 2º, demonstrando<br />
a relevância que ganha este instituto,<br />
Art. 7º. (...)<br />
Parágrafo 2º. O re<strong>lato</strong>r, considerando<br />
a relevância da matéria e a representatividade<br />
dos postulantes,<br />
poderá, por despacho irrecorrível,<br />
admitir, observado o prazo fixado no<br />
parágrafo anterior, a manifestação<br />
de outros órgãos ou entidades.<br />
A participação do Amicus Curiae ganha relevância<br />
a partir da possibilidade de sua sustentação<br />
oral nas ações diretas de constitucionalidade,<br />
podendo participar efetivamente, desde<br />
que siga algumas diretrizes, quais são:<br />
• Relevância da matéria: com isto quis dizer o<br />
legislador sobre a relação relevante entre a<br />
atuação da entidade e a matéria que está sendo<br />
julgada. Contudo, não há critérios precisos<br />
para a intervenção do Amicus Curiae.<br />
• Momento da intervenção: O Amicus pode intervir<br />
em qualquer momento do julgamento<br />
da ação e tal como na assistência este pegará<br />
o processo no estado em que se encontrar.<br />
• Prazo para manifestação: Embora não haja<br />
norma para este prazo, o Amicus disporá do<br />
mesmo prazo das partes para produzir sua sustentação<br />
oral, 30 dias.<br />
• Capacidade postulatória: A lei não dispõe sobre<br />
a exigência de advogados, contudo subentende-se<br />
que este seja necessário, posto que<br />
este deva assinar a petição inicial.<br />
Assim, ao Amicus Curiae permite-se a<br />
participação, desde que seja através da representatividade<br />
adequada por órgãos ou entidades,<br />
sabendo-se que a assistência é vedada pelo<br />
regimento interno da Corte Suprema.<br />
Vejo isto como um fenômeno de mimetismo<br />
de ações, logo se há causas idênticas e<br />
têm-se argumentos válidos e novos, deve-se<br />
buscar a habilitação no processo como Amicus<br />
Curiae expondo interesses conexos com o tema<br />
ou, ainda, colocando informações técnicas importantes<br />
para dirimir a lide.<br />
Destarte, se a decisão da Suprema Corte<br />
é dotada de efeitos erga omnes e tem carga<br />
vinculativa, segundo ensina Gilmar Mendes<br />
(2010, p.1214),”A emenda constitucional n. 3, de<br />
17-03-1993 firmou a competência para conhecer<br />
e julgar a ação declaratória de constitucionalidade<br />
de lei ou ato normativo federal, processo<br />
cuja decisão definitiva de mérito possuirá eficácia<br />
contra todos e efeito vinculante”. Sendo assim,<br />
é indispensável que todas as pessoas que<br />
tem interesse sobre o debate, possam intervir.<br />
4 A SOCIEDADE ABERTA DOS INTÉRPRETES DA<br />
CONSTITUIÇÃO: A PROPOSTA DE ABERTURA<br />
HERMENÊUTICA DE PETER HÄBERLE NO SUPRE-<br />
MO TRIBUNAL FEDERAL<br />
Ainda sob esta análise, nota-se quão deveras<br />
importante é o Amicus Curiaepara o Estado<br />
democrático de Direito, no qual o devido processo<br />
legal e a participação dos cidadãos nas decisões<br />
estatais são dois escopos fundamentais.<br />
Esta ideia ganhou força no Supremo Tribunal<br />
Federal após a publicação da Obra de Peter<br />
Habërle (1997, p. 13), um dos maiores constitucionalistas<br />
da contemporaneidade, o qual discorre<br />
em sua obra sobre a abertura que deve<br />
250<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 247-255, jun. 2011
haver nas sociedades atuais para a participação<br />
popular, pois ressalta que:<br />
no processo de interpretação constitucional<br />
estão potencialmente vinculados<br />
todos os órgãos estatais,<br />
todas as potências públicas, todos<br />
os cidadãos e grupos, não sendo<br />
possível estabelecer-se um elenco<br />
cerrado e ou fixado com numerus clausus<br />
de intérpretes da Constituição.<br />
Destarte, o Amicus Curiae expressa uma<br />
modificação na hermenêutica constitucional,<br />
antes fechada a um grupo de operadores oficiais<br />
e que, hodiernamente, ganha o apoio da população<br />
em processos de controle direto de constitucionalidade.<br />
Pensa-se, por exemplo, como<br />
seria difícil a interpretação do artigo 231 da Constituição<br />
do Brasil sem a ajuda dos índios, antropólogos<br />
e indigenistas.<br />
Art. 231 - São reconhecidos aos índios<br />
sua organização social, costumes,<br />
línguas, crenças e tradições, e os direitos<br />
originários sobre as terras que<br />
tradicionalmente ocupam, competindo<br />
à União demarcá-las, proteger e<br />
fazer respeitar todos os seus bens.<br />
Ainda, afirma Peter Habërle (idem,<br />
1997, p. 3).<br />
O pensamento do possível ou o pensamento<br />
pluralista de alternativas<br />
abre suas perspectivas para “novas”<br />
realidades, para o fato de que a realidade<br />
de hoje pode corrigir a de ontem,<br />
especialmente a adaptação às<br />
necessidades do tempo de uma visão<br />
normativa, sem que se considere<br />
o novo como o melhor.<br />
Sob esta análise, o indivíduo como vivente<br />
de uma sociedade em contínua transformação<br />
conhece, até certo ponto, as vontades e<br />
anseios da comunidade em que está inserido.<br />
Por isso, deve-se permitir que este participe<br />
do processo democrático, o qual não se encerra<br />
na capacidade de votar e ser votado, mas ultrapassa<br />
esta esfera, devendo atingir, outrossim,<br />
o processo cognoscitivo e aplicativo constitucional,<br />
afinal a “Constituição da República<br />
para exprimir a idéia de que a constituição se<br />
refere não apenas ao Estado, mas a própria comunidade<br />
política, ou seja, à res pública” (CA-<br />
NOTILHO, 2003, p. 88).<br />
Ainda, não se deve deixar configurar o<br />
temor de uma “perda de foco” na análise constitucional,<br />
pois de acordo com (HESS, 1998, p. 64).<br />
Se esses pontos de vista contêm premissas<br />
materialmente apropriadas<br />
e férteis, então elas possibilitam deduções<br />
que conduzem para a resolução<br />
do problema ou, então, contribuem.<br />
Nisso, não está na descrição<br />
do intérprete quais topoi ele, da multiplicidade<br />
dos pontos de vista possíveis,<br />
quer considerar. Ele deve, por<br />
um lado empregar somente tais pontos<br />
de vista para a concretização que<br />
estão relacionados com o problema;<br />
a determinação pelo problema exclui<br />
topoi não apropriados.<br />
Ademais, esta efetiva participação é fundamental<br />
para a criação de alternativas, por que<br />
Imaginemos um funil, onde a abertura<br />
superior e ma ior representa<br />
a ga ma de interpretaç ões sobre<br />
uma determ inada matéria, formula<br />
da s pelos diverso s legitima do s.<br />
À medida que o proc esso se desenvolve,<br />
percebe-se que o número<br />
de interpretações diminui. Muita<br />
s são refo rm ula da s, outra s se<br />
fundem. Há um verdadeiro processo<br />
de liquidifica ção dessas interpretaçõ<br />
es até que a C orte Constituciona<br />
l defina qua l ou quais são<br />
aceitáveis e adequadas para aquela<br />
matéria. [...] O aumento na participa<br />
ção produz irá o surgim ento<br />
de nova s alternativ as, a s qua is<br />
propiciarão ao juiz co nstitucional<br />
um c ontato m aior co m a realidade,<br />
decidindo, assim, teo ric amente,<br />
de forma mais adequada, justa<br />
e legítima. (AMARAL, 2006).<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 247-255, jun. 2011<br />
251
Assim, nota-se a importante intervenção<br />
de indivíduos na análise constitucional, em especial<br />
do Amicus Curiae, para que se possam<br />
ampliar os horizontes de interpretações tentando<br />
formular, portanto, com mais eficácia respostas<br />
às necessidades sociais, além de tornar, não<br />
obstante, mais consistente a hermenêutica constitucional,<br />
poiso ir e vir dialético do entendimento<br />
humano é fundamental para o aumento da<br />
compreensão, tendo em vista que quanto mais<br />
este cresce, mais a teia de significados aumenta,<br />
possibilitando, assim, umagama de interpretações<br />
que mesmo sendo diferentes não excluem<br />
as anteriores, complementando-se em um<br />
processo enriquecedor para o objeto.<br />
Celso Ribeiro de Bastos (2002, p. 133)<br />
comenta sobre a fundamental importância para<br />
o Direito Brasileiro dos ensinamentos de Peter<br />
Häberle através da proposta de uma sociedade<br />
aberta aos intérpretes da Constituição,<br />
Häberle considera como participante<br />
do processo judicial, ao lado daqueles<br />
órgãos que desempenham uma<br />
função estatal, outros que não são<br />
necessariamente órgãos do Estado<br />
como o requerente e o recorrido, o<br />
autor e o réu, aqueles têm direito de<br />
manifestação ou integração à lide, pareceristas,<br />
experts, peritos, grupos de<br />
pressão organizados. A lição é todo<br />
aproveitável no Direito Brasileiro.<br />
Tal afirmativa ressalta a proposta de abertura<br />
interpretativa, não obstante, tal intervenção<br />
qualificada ainda dificulta a abertura constitucional<br />
que se desenvolve aos poucos, pois esta<br />
necessidade de estar constituído em partido<br />
político ou órgão ainda freia o acesso á Justiça<br />
daqueles que não fazem parte destes.<br />
5 O AMICUS CURIAE COMO ELEMENTO PARA A CON-<br />
CRETIZAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS<br />
É cediço que o homem é fruto do tempo<br />
em que vive e por este é condicionado. Pensamentos,<br />
ideologias, comportamento e ações,<br />
todos estes são fruto do indivíduo dentro de um<br />
momento histórico. E a Constituição como norte<br />
de orientação do ordenamento jurídico não é<br />
diferente. É por isso que esta deve se adequar à<br />
sociedade quando necessário, haja vista que é a<br />
responsável por impor o dever-ser.<br />
Assim, a hermenêutica constitucional caracteriza-se<br />
pela teoria da concretização, sendo o<br />
seu precípuo objetivo a aplicação aos casos concretos<br />
das normas constitucionais. E se este é o<br />
principal objetivo e o caso concreto surge a partir<br />
de fatos sociais e tais, sãoo resultado do comportamento<br />
do indivíduo, quem podemos julgar mais<br />
competente para discorrer sobre um problema<br />
que emana do seio social? O povo torna-se, indubitavelmente,<br />
apto para compreender as normas<br />
constitucionais, pois a interpretação resulta, outrossim,<br />
de uma adequação histórica, vivida e<br />
construída pelos próprios indivíduos.<br />
Devemos entender que há indivíduos cerrados<br />
para esta interpretação, não obstante a abertura<br />
aos intérpretes de uma sociedade democrática<br />
de Direito deve acontecer, pois, ao se interpretar<br />
um dispositivo com a participação do povo,<br />
este pode se tornar bem mais, haja vista que parte<br />
dos indivíduos que usufruirão desta norma contribui<br />
para a sua formação. Ainda, a Constituição<br />
da República Brasileira mostra-se como programática,<br />
segundo os ensinamentos de J.J.Gomes<br />
Canotilho (2003, p. 217), apresentando diretrizes<br />
para a sua interpretação, haja vista que “A constituição<br />
comandaria a ação do Estado e imporia aos<br />
órgãos competentes a realização de metas programáticas<br />
nela estabelecidas.”<br />
Por isso, deve o povo participar da aplicação<br />
destes direcionamentos aos casos reais, haja<br />
vista que “a interpretação constitucional é “concretização”<br />
(Konkretisierung).”(HESS, 2009, p.108).<br />
Este papel de aplicação das normas constitucionais<br />
à realidade vivenciada demonstra ser<br />
necessária e fundamental participação do Amicus<br />
Curiae como expositor da vontade social perante<br />
um tema relevante, “pois o processo de<br />
formação de uma unidade política e de uma or-<br />
252<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 247-255, jun. 2011
dem jurídica é antes de tudo, um processo histórico<br />
concreto, que necessita de colaboração<br />
consciente da coletividade”. (SILVA, 2000, p. 350).<br />
Ainda, as novas realidades apresentadas<br />
pelos indivíduos, contribuem demasiadamente<br />
para a interpretação da Constituição, haja vista que<br />
esta antes se caracterizava por ser fundamentalmente<br />
hermética, ou seja, fechada aos indivíduos<br />
que não faziam parte do “meio jurídico”, todavia,<br />
O método sistemático, caracterizado<br />
pelo seu hermetismo, e que marcou o<br />
positivismo filosófico dos séculos<br />
anteriores, não correspondia mais às<br />
perplexidades e inseguranças causadas<br />
por um mundo de novos e variados<br />
valores, notadamente quando as<br />
atrocidades do nazismo, cometidas<br />
sob a proteção da lei, mostraram que<br />
a lei nem sempre é justa. Daí a atuação<br />
do Tribunal de Nuremberg, no imediato<br />
pós-guerra, ao decidir conforme<br />
os princípios gerais de moral universal.<br />
(CAMARGO, 2003, p. 139-140).<br />
A partir desta afirmação, vê-se um apego<br />
mais acurado aos princípios gerais dos direitos,<br />
renegando à legislação, um papel importante,<br />
mas que não se sobrepujeaos direitos fundamentais<br />
ao qual o homem tem direito, com o<br />
disfarce de cumprir a lei. Tal fato nota-se nos<br />
regimes totalitários, não só no Nazismo, mas<br />
também no fascismo, os quais eram constitucionais,<br />
porém socialmente “imorais”.<br />
Konrad Hesse (2002), em sua obra a força<br />
normativa da Constituição, debate sobre como a<br />
constituição deve ser uma mescla entre a ciência<br />
da realidade e a ciência normativa, devendo equilibrar<br />
as relações político-sociais que fazem parte<br />
do seio social, impondo, outrossim, a sua supremacia<br />
como norte do ordenamento jurídico.<br />
Assim, a aplicação ao caso concreto, orientado<br />
pelas normas constitucionais possibilita<br />
que os indivíduos que pertencem à comunidade<br />
em contínua transformação possam ser agentes<br />
desta aplicação. A Constituição deve ser entendida<br />
como a “ordem jurídica fundamental de uma<br />
comunidade ou o plano estrutural para a confirmação<br />
jurídica de uma comunidade, segundo<br />
certos princípios fundamentais”. (HESSE, apud,<br />
MÁRTIRES COELHO, 2010).<br />
É, sobretudo, por este motivo que a “virada”<br />
hermenêutica começa a ganhar forma, pois<br />
cresce a necessidade de se democratizar esta interpretação,<br />
para que as pessoas que ajudam a<br />
interpretar a norma possam se sentir mais atuantes<br />
e, desta forma, lutem para a modificação de<br />
um cenário social. Desta forma, o Amicus curiae<br />
tem este papel de participação na interpretação<br />
constitucional, visando ao que os interesses do<br />
povo sejam bem mais atendidos pelos juristas.<br />
Uma demonstração efetiva e deveras<br />
importante da participação do Amicus Curiae<br />
configura-se na ADIN 2.130/ SC<br />
AÇÃO DIRETA DE INSCONTITUCIONALIDA-<br />
DE. INTERVENÇÃO PROCESSUAL DO AMI-<br />
CUS CURIAE. POSSIBILIDADE. LEI 98.68/<br />
99(ART. 7°§2°). SIGNIFICADO POLÍTICO-<br />
JURÍDICO DA ADMISSÃO DO AMICUS CU-<br />
RIAE NO SISTEMA DE CONTROLE NORMA-<br />
TIVO ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDA-<br />
DE. PEDIDO DE ADMISSÃO DEFERI-<br />
DO.(2009, Jusbrasil disponível em: http:/<br />
/www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia).<br />
Esta participação do Amicus Curiae revela<br />
que este vem sendo aceito pelo Supremo Tribunal<br />
como fonte de opiniões acerca de matérias constitucionais,<br />
as quais podem ser mais bem suscitadas<br />
e dirimidas através da intervenção deste sujeito<br />
como intérprete. Ainda, o Amicus Curiae não diminui<br />
a velocidade dos processos em curso no Supremo<br />
Tribunal Federal, pois segundo Medina (2010<br />
p. 26) o que causa a sobrecarga da Corte Excelsa é o<br />
controle incidental, ou seja, a quantidade de Recursos<br />
extraordinários, Agravos de Instrumentos e<br />
outros que chegam até o Supremo.<br />
Sendo assim, vê-se que a Abertura Constitucional,<br />
vem de certa forma, sendo concretizada<br />
pela atuação do Amicus Curiae, inclusive<br />
com a possibilidade de sustentação oral, o que<br />
permite maior relevância de sua atuação.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 247-255, jun. 2011<br />
253
Ainda sob esta análise, é plausível<br />
que a intervenção dos amigos na corte leva a<br />
uma aceitação, por parte do povo, de uma nova<br />
ordem jurídica estabelecida, por que “direito<br />
histórico necessita, fundamentalmente, de aceitação,<br />
pressuposto para o estabelecimento de<br />
um consenso a respeito dos conteúdos da ordem<br />
jurídica” (SILVA, 2000, P. 358). Ainda, sobre<br />
isto, dispõe Konrad Hesse (2002, p.36) “esse consenso<br />
fundamental garante não necessariamente<br />
“exatidão”, porém, sim, a existência duradoura<br />
da ordem jurídica, pois quando ela falta, coação<br />
autoritária pode ocupar o seu lugar; [...]”.<br />
Desta forma, analisa-se que a participação<br />
do indivíduo no processo de adequação das<br />
normas constitucionais à realidade histórica vivida,<br />
possibilita uma aceitação maior da coletividade<br />
sobre as modificações instauradas. Pense-se<br />
no caso do julgamento das células-tronco (ADI<br />
3.510), na qual o Procurador Geral da República<br />
impugnava a constitucionalidade de dispositivos<br />
da Lei de Biossegurança (Lei n. 11.105/2005) que<br />
permitia a pesquisa com células-tronco.<br />
Damares Medina (2010, p. 79), expõe<br />
sobre o tema em análise que:<br />
Na ADI 3.510, a questão constitucional<br />
controvertida (pesquisas com células-tronco<br />
embrionárias) reunia<br />
vários aspectos que favoreciam a participação<br />
de terceiros interessados.<br />
O ingresso desses atores sociais, por<br />
sua vez, cumpriu a função de informar<br />
à corte acerca das escolhas e orientações<br />
políticas de vários setores<br />
da sociedade, além de indicar a grande<br />
complexidade técnica da matéria,<br />
uma vez que as pesquisas com as<br />
células-tronco estão na vanguarda do<br />
conhecimento técnico- científico.<br />
Neste diapasão, nota-se que a participação<br />
de vários segmentos sociais no debate de<br />
um tema polêmico, abre uma gama de compreensões<br />
sobre o que deve ser interpretado. Isto<br />
demonstra que o ingresso de Amici Curiaepossibilita<br />
que o tema sub judice seja bem mais debatido<br />
pelo Judiciário, com vistas a concretizar as<br />
normas da constituição.<br />
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Tal fato demonstra que se galga cada<br />
vez mais rumo à democracia participativa almejada<br />
por países que sofreram os horrores da supressão<br />
da liberdade nos períodos ditatoriais.<br />
O quarto momento de busca pelo pluralismo<br />
e pela abertura social, ganha força com<br />
o Amicus Curiae, sendo possível, através dele,<br />
ampliar as concepções acerca de uma determinada<br />
matéria constitucional em discussão.<br />
Assim, a presença deste sujeito processual<br />
reforça o acesso à Democracia que está sendo<br />
construída, a qual deve se erguer em bases sólidas<br />
de participação popular, afinal é mais fácil aceitar<br />
algo de que se participa em sua criação. A nova<br />
hermenêutica proposta por Peter Häberle a partir<br />
da Sociedade Aberta dos intérpretes da Constituiçãosedimenta<br />
a participação dos indivíduos no processo<br />
cognoscitivo da constituição como um conjunto<br />
normatizado da sociedade e rompe, por sua<br />
vez, a tampa hermética que separa o povo dos juízes<br />
responsáveis por julgar a aplicação concreta da<br />
força normativa da constituição.<br />
Ainda, o ingresso do Amicus Curiae em<br />
questões controvertidas, possibilita uma maior<br />
aceitação sobre a decisão tomada, haja vista que<br />
quanto maior a gama de compreensões expostas<br />
sobre o tema, mais estas podem representar<br />
os desejos do povo.<br />
Além disso, a realidade histórica permite<br />
que se adéquem às normas programáticas ditadas<br />
pelo legislador ao caso concreto, o qual<br />
advém de uma transformação social vivenciada<br />
pelos indivíduos componentes do seio social.<br />
Assim, embora se tenha percorrido um<br />
caminho considerável a partir da permissão do<br />
Amicus Curiae nos controles diretos de constitucionalidade,<br />
ainda vislumbra-se uma imensa<br />
estrada a ser desbravada em direção à concretização<br />
do Estado Democrático de Direito.<br />
254<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 247-255, jun. 2011
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Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 247-255, jun. 2011<br />
255
256 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 2, p.207-216, nov. 2010
ORÇAMENTO PÚBLICO E PODER LEGISLATIVO:<br />
O ORÇAMENTO PROGRAMA COMO INSTRUMENTO DE<br />
EFETIVAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 1<br />
Bárbara Cozzi Gonçalves *<br />
RESUMO<br />
Este trabalho objetiva traçar uma análise do papel do orçamento na implementação das<br />
políticas públicas no País, com foco na distribuição de renda e capacidade tributária contributiva<br />
e de que forma isto reflete os anseios de Justiça Social na sociedade brasileira. Tece<br />
ainda, considerações a respeito do Poder Legislativo enquanto voz ativa do cidadão na elaboração<br />
das leis e aprovação do Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias<br />
(LDO) e Lei do Orçamento Anual (LOA). Pesquisa majoritariamente baseada na análise crítica<br />
da realidade social, lei e doutrina existente sobre o tema.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Orçamento. Poder Legislativo. Justiça Social.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
A capacidade contributiva é tema recorrente<br />
no direito tributário brasileiro e, sendo<br />
assim, é normal que assuntos como Reforma Tributária,<br />
políticas de integração nacional ou ainda<br />
a tão controversa redistribuição de renda,<br />
despertam polêmicas acirradas na esfera jurídica<br />
e política, que refletem no contexto social.<br />
O orçamento público constitui uma maneira<br />
efetiva de resolução de uma série de conflitos<br />
e problemas de gestão que afetam o país.<br />
O Estado, para intervir na vida dos indivíduos e,<br />
especialmente, na atividade econômica, necessita<br />
de um corpo técnico-jurídico harmônico e<br />
bem organizado, que lhe dê os subsídios para<br />
amparar esta ingerência da esfera pública na privada.<br />
Em se tratando de Direito Financeiro e Tributário,<br />
o foco se volta para a análise do orçamento<br />
público e dos tributos como via de execução<br />
do objetivo estatal do bem comum.<br />
Falar de orçamento público pressupõe falar<br />
de jogo de interesses, de poder e de dinheiro.<br />
*<br />
Acadêmica do 7º semestre do curso de Direito da <strong>Unama</strong>,<br />
monitora de Introdução ao Direito I, ex- monitora de Direito<br />
Tributário I, estagiária da Procuradoria Geral do Estado,<br />
setor Procuradoria Fiscal.<br />
¹ Artigo elaborado sob orientação do prof. Ms. Jeferson<br />
Antônio Fernandes Bacelar, graduado em Direito;<br />
Especialista em Docência do Ensino Superior e Mestre em<br />
Direito do Estado.<br />
257<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 257-266, jun. 2011
A arrecadação desempenha um importante papel<br />
nos estados modernos e na vida dos indivíduos que<br />
os compõem; e a forma como são redistribuídos os<br />
montantes arrecadados mexe com a vida das pessoas<br />
mesmo que elas nem se apercebam disto. As<br />
instabilidades financeiras, as crises econômicas,<br />
tudo influi na dinâmica da atividade econômica do<br />
Estado, que, por sua vez, acaba por controlar os<br />
destinos econômicos do País direta ou indiretamente,<br />
requerendo uma constante necessidade de<br />
equilíbrio que garanta o mínimo de estabilidade a<br />
economia e uma fuga do déficit.<br />
Esta abrangência em vários setores da<br />
organização estatal é que faz com que se infere<br />
que a história dos tributos se confunde com a<br />
evolução do Estado e como o seu conceito veio<br />
se firmando ao longo dos séculos, desde a Antiguidade,<br />
quando o patrimônio do soberano se<br />
confundia com o Tesouro Público até os dias atuais<br />
(OLIVEIRA, 2010).<br />
O Direito Constitucional, neste ponto,<br />
aparece para dispor sobre os limites ao poder<br />
de tributar e os princípios gerais que, por conexão,<br />
são aproveitados na matéria tributária. Sobretudo,<br />
o tributar pressupõe, para ser legítimo,<br />
a solidariedade das contribuições de cada um,<br />
na medida das suas possibilidades.<br />
Este trabalho não tem por objetivo tratar<br />
de matéria financeira pura, mas cabe aqui uma<br />
pequena digressão a respeito de assunto que<br />
muito tem em comum com a realização da justiça<br />
social, pois, se não é um fim em si mesma, a<br />
matéria orçamentária é meio de realização dos<br />
fins do Estado.<br />
2 ASPECTOS ORÇAMENTÁRIOS E ADMINISTRA-<br />
ÇÃO PÚBLICA<br />
Na Antiguidade, entre os romanos, já<br />
havia a concepção de que o Império, para subsistir,<br />
necessitava de riquezas, o que explicaria a<br />
sua natureza belicosa. As guerras de conquistas<br />
no Lácio ficaram famosas pelos imensos despojos<br />
dos povos derrotados; eram os tributos pagos<br />
a César e seus generais, sinônimo de “presente”<br />
ou “homenagem” que o vencido tinha<br />
obrigação de prestar ao vencedor (GREEN, 2006).<br />
A singularidade de Roma se deve à noção,<br />
ainda que primitiva, de limite entre o patrimônio<br />
próprio do imperador e o erarium do Império, mesmo<br />
quando a figura do Estado e a do Soberano estivessem<br />
fundidas numa só pessoa (OLIVEIRA,<br />
2010). O conceito de tributo se modifica na proporção<br />
que se torna mais intensa a atividade econômica<br />
do Estado. Esta vem a ser “a atuação estatal<br />
voltada para obter, gerir e aplicar os recursos financeiros<br />
necessários à consecução das finalidades<br />
do Estado que, em última análise, se resumem<br />
na realização do bem comum” (HARADA, 2010).<br />
A atividade econômica, assim, compreende<br />
um conjunto de medidas, muito amplo,<br />
tanto no objeto, quanto no alcance da ação deste<br />
mesmo objeto, que atua em vários segmentos<br />
do Estado, e, ousamos dizer, não se pode<br />
pressupor um Estado atuante, presente na vida<br />
dos seus governados, sem meios de ação. Tais<br />
meios, entende-se, integram o conceito de tributo,<br />
no sentido social a que se presta.<br />
O histórico da tributação no Brasil é complexo,<br />
e de uma forma ou de outra, sempre denotou<br />
algo de injusto no campo da arrecadação<br />
e gerência dos impostos. Deveras, somente a<br />
partir da Constituição de 1934 foi instituída uma<br />
seção exclusivamente dedicada à matéria orçamentária<br />
(OLIVEIRA, 2010). Ao analisar o orçamento<br />
público, agora como orçamento-programa,<br />
deve- se levar em conta que é lei que cumpre,<br />
a princípio, duas funções, uma política e<br />
outra econômica, que são determinantes para<br />
os rumos do país (TORRES, 2006). Ao lado destas,<br />
há doutrinadores que consideram, ainda, uma<br />
função técnica e outra jurídica aliadas às supracitadas<br />
(OLIVEIRA, 2010). Há ainda outras duas funções,<br />
a saber, a de direção e coordenação, que<br />
exerce o orçamento na organização geral do Estado.<br />
Ele dirige e ao mesmo tempo coordena,<br />
através da política de gastos, os rumos econômicos<br />
e sociais da nação.<br />
258 Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 257-266, jun. 2011
Dentro destas funções político-econômicas<br />
se insere a função social. Ao analisar aspectos<br />
políticos, aponta-se a noção de democracia e participação<br />
popular que vinculam tanto o processo<br />
legislativo que compõe as peças orçamentárias,<br />
quanto eventuais decisões que venham a ser tomadas.<br />
Soma-se a pobreza, fator determinante<br />
de atraso – e descaso – que reflete negativamente<br />
no crescimento nacional. Os tributos existem<br />
porque o Estado necessita de meios de ação para<br />
alcançar o bem comum, o controle social que exerce<br />
sobre os cidadãos se dando de maneira quase<br />
imperceptível. No entanto, é flagrante a importância<br />
social inserida dentro das ideias de arrecadação<br />
e democracia, sobretudo quando falamos<br />
na divisão das receitas públicas auferidas e de<br />
como e onde serão efetuadas as despesas.<br />
Assim, o conceito moderno de orçamento<br />
compreende a ideia de que 1) trata-se não<br />
mais de uma peça meramente contábil, 2) influi<br />
direta e indiretamente na vida dos indivíduos<br />
componentes do Estado, para tanto, 3) é lei, de<br />
caráter transitório, a ser renovada em períodos<br />
determinados, conforme o rito, e, por este motivo<br />
4) possui princípios que lhe são próprios.<br />
Existe, por certo, todo um procedimento<br />
a ser observado. O direito pátrio prevê que três<br />
peças juntas irão compor o orçamento, são elas:<br />
o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias<br />
(LDO) e a Lei do Orçamento Anual<br />
(LOA), a Lei nº 4.320 de 17 de março de 1964,<br />
servindo como compêndio de regras gerais de<br />
direito financeiro.<br />
P<strong>revista</strong>s constitucionalmente no art. 165<br />
da CF/88, são mecanismos que atuam em conjunto<br />
e que de certa forma se sobrepõem, para<br />
bem formar a cadeia do ciclo financeiro que ilustra<br />
toda a influência e o alcance do poder da<br />
União sobre os demais entes federados.<br />
De forma sucinta, o Plano Plurianual funciona<br />
como um grande cronograma de Governo.<br />
Para Harada (2010) é orçamento que “[...] resulta,<br />
em última análise, das necessidades ditadas<br />
pela política governamental”, sendo útil à ordem<br />
econômica e social ao fazer “[...] o papel de programação<br />
econômica, direcionando a ação do<br />
governo para vários setores da atividade”.<br />
A partir daí, destaca-se o papel da Administração<br />
Pública na execução dos programas de<br />
governo. A expressão “Administração Pública”<br />
tem acepções diversas, conforme o enfoque que<br />
lhe é dado. Pode significar tanto a atividade ou<br />
função administrativa considerada em si mesma,<br />
quanto pelo critério formal, o conjunto de<br />
órgãos que respondem pela função administrativa,<br />
sendo que no critério material equivale a<br />
atividades que o Estado executa concretamente;<br />
por fim, seria confundida com o próprio Estado<br />
(GASPARINI, 1995).<br />
Como ente que lida diretamente com os<br />
administrados, e prestadora de serviços essenciais<br />
à população, deve interagir, nas suas políticas<br />
de atuação, com as diretrizes orçamentárias no<br />
que for possível. Sendo dinâmica, não haveria<br />
porque não ser participativa. Isto se daria de forma<br />
muito simples se fosse o orçamento vinculado<br />
à oitiva do que o contribuinte necessita de fato,<br />
usando a força do Executivo, que é, afinal, o responsável<br />
pela iniciativa da proposta orçamentária.<br />
Critérios como integração nacional e diminuição<br />
das disparidades regionais que deveriam nortear<br />
este tipo de ação (art. 3º, III, CF/88).<br />
A primeira, ainda que não de forma expressa,<br />
está p<strong>revista</strong> através de dispositivos que<br />
alocam, entre os objetivos da República, garantir<br />
o desenvolvimento nacional (art. 3º, II, CF/<br />
88), pois, não há que se falar em desenvolvimento<br />
nacional sem integração plena entre os estados.<br />
Atualmente, é lamentável o papel atribuído<br />
à administração no que diz respeito à participação<br />
no quadro do orçamento público; seria<br />
natural que tivesse uma função mais ativa, já que<br />
serve aos interesses dos administrados, tudo<br />
dentro dos limites legais.<br />
Célebre é o entendimento de que, em<br />
regra, a Administração Pública em seus atos só<br />
pode fazer aquilo que a lei determina, com exceções<br />
que estão p<strong>revista</strong>s no corpo da própria<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 257-266, jun. 2011 259
lei (MEIRELLES, 1986). Neste sentido, seria interessante<br />
desenvolver a Administração participativa,<br />
através de mecanismos de dados e consulta<br />
confiados à responsabilidade dos entes da<br />
Administração Pública Direta ou Indireta, que<br />
gerariam relatórios permanentes e atualizados<br />
referentes ao seu setor de atuação, onde constariam<br />
as principais demandas referentes aos<br />
serviços prestados.<br />
Desta forma, autarquias como o Banco<br />
Central, por exemplo, participariam enviando<br />
relatórios com dados referentes aos juros, cotações,<br />
quantidade de papel moeda em circulação,<br />
assim como informações acerca do perfil<br />
médio de cada segmento de usuário das redes<br />
de banco, o que permitiria ter um panorama geral<br />
de onde e como aplicar os gastos e em que<br />
setores fazer investimentos. O mesmo poderia<br />
ser feito quanto aos dados de demanda do Sistema<br />
Único de Saúde - SUS, prestador de serviço<br />
público mais do que essencial. Estas informações<br />
preciosas, devidamente colhidas e organizadas,<br />
são importantes para saber aonde são<br />
mais necessários os recursos do Estado, pois, ainda<br />
que o Governo Federal disponibilize dados<br />
análogos em vários sítios eletrônicos, a exemplo<br />
do sítio da Controladoria Geral da União e do<br />
próprio Ministério da Fazenda, não se pode dizer,<br />
ainda, que se tenha hoje, no Brasil, uma rede<br />
de dados integrada com dados de vários órgãos<br />
públicos com funções afins.<br />
A Administração Pública também atende<br />
à justiça social ao cumprir com obrigações<br />
negativas frente ao particular, a exemplo do limite<br />
imposto à atividade que gera o chamado<br />
excesso de exação, crime que se configura quando<br />
um funcionário público exige tributo ou contribuição<br />
social que sabe ou que deveria saber<br />
indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança<br />
meio vexatório ou gravoso, que a lei não<br />
autoriza, conforme preceitua o art. 316, § 1º, do<br />
Código Penal. Machado (2010), contudo, pondera<br />
que “[...] na prática esta disposição legal é inoperante”,<br />
pois não são poucas as cobranças de<br />
tributos efetuadas de modo desprovido de legalidade<br />
no cotidiano.<br />
Lei de Diretrizes Orçamentárias, por sua<br />
vez, compreenderá as metas e prioridades da<br />
administração pública federal, incluindo as despesas<br />
de capital para o exercício financeiro subsequente,<br />
orientará a elaboração da Lei Orçamentária<br />
Anual, disporá sobre as alterações na<br />
legislação tributária e estabelecerá a política de<br />
aplicação das agências financeiras oficiais de fomento,<br />
conforme o art. 165, § 2º, da Constituição<br />
Federal de 1988 – CF/88. A doutrina não é<br />
pacífica no que concerne ao conceito de agência,<br />
sendo que “[...] a terminologia ainda é muito<br />
nova, para permitir uma classificação das agências<br />
no direito brasileiro” (DI PIETRO, 2007), o<br />
que não impede que atuem de forma significativa<br />
ao baixar atos normativos que vinculam os<br />
que com elas tratam. Isto não configura, contudo,<br />
exercício de função legislativa, e sim intervenção<br />
em determinados setores da sociedade,<br />
como o fazem na esfera econômica as agências<br />
reguladoras (a exemplo da Agência Nacional de<br />
Petróleo- ANP).<br />
Por fim, a Lei do Orçamento Anual - LOA,<br />
atenderá ao disposto no § 5º do art. 165, da CF/88.<br />
Entre outros elementos que a compõem, destaca-se<br />
o orçamento fiscal (que são as receitas e<br />
despesas) dos poderes da União, seus fundos,<br />
órgãos e entidades da Administração Direta e Indireta,<br />
o da seguridade social e o orçamento de<br />
investimentos das empresas que a União, direta<br />
ou indiretamente, tem a maioria do capital social<br />
com direito a voto. O orçamento anual coincide<br />
com o civil, que vai de 1º de Janeiro a 31 de Dezembro,<br />
vigendo pelo período de um ano; dentro<br />
da LOA se insere a questão do orçamento participativo<br />
instituído no âmbito dos municípios, p<strong>revista</strong><br />
no art. 44 da Lei nº 10.257, de 10 de julho de<br />
2001, o Estatuto da Cidade.<br />
Este tópico será devidamente abordado<br />
mais a frente, quando das considerações em torno<br />
da democracia representativa e que força<br />
política ela representa.<br />
260<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 257-266, jun. 2011
3 DIREITOS CONSTITUCIONAIS X INTERESSES<br />
POLÍTICOS<br />
A Constituição de 1988 se destaca na história<br />
do constitucionalismo brasileiro, pelo fato<br />
de ser a primeira a tratar dos direitos e garantias<br />
individuais e coletivos de forma multifacetária,<br />
contemplando em seu corpo, para tanto, um artigo<br />
específico (já que é nítida a importância do<br />
art. 5º e seus incisos).<br />
Internacionalmente, ganha destaque<br />
pelo avanço no campo dos direitos sociais e humanos<br />
e pela visão privilegiada que confere aos<br />
princípios nela elencados, considerando-os normas<br />
de efeito imediato. Ainda que o art. 5º do<br />
texto constitucional não o diga de maneira explícita,<br />
é fato que encerra uma série de direitos<br />
e garantias atinentes à ordem econômico-financeira<br />
em seus incisos (art. 5º, II). A dignidade da<br />
pessoa humana, que tem uma abrangência ímpar,<br />
pois é direito metaindividual e difuso, está<br />
fortemente inserida no contexto das relações<br />
de justa tributação e políticas voltadas para este<br />
fim. O indivíduo, enquanto ser político dotado<br />
de consciência e anseios, espera do Estado que<br />
cumpra as obrigações que gradativamente avocou<br />
para si durante a sua construção histórica.<br />
Enquanto ente onipotente e onipresente na vida<br />
do indivíduo que convive em sociedade juridicamente<br />
organizada, é necessário que o Estado<br />
esteja preparado para não somente garantir direitos<br />
constitucionais, mas dar real possibilidade<br />
de exercê-los na prática.<br />
O mau emprego dos recursos da arrecadação<br />
no Brasil dispensa dados estatísticos, já<br />
que a realidade pode constatar o que aqui se<br />
afirma. Em parte, isto se deve a um alto índice<br />
de corrupção, má gestão das finanças públicas e<br />
má arrecadação aliadas a uma política de repasses<br />
deficitária, dentre outras razões, que não<br />
caberiam nesta exposição. No mais das vezes,<br />
se tributa errado – e muito mal. Merece destaque<br />
o fato de que há uma série de hipóteses de<br />
incidência que deveriam ser repensadas. O fato<br />
gerador, previsto na hipótese de incidência, gera<br />
a obrigação tributária; por conta disto, rever as<br />
hipóteses onde incide a tributação é importante<br />
para assegurar o cidadão enquanto integrante<br />
da cena política.<br />
Tome-se o exemplo do Imposto de Renda<br />
- IR, que atinge renda e proventos de qualquer<br />
natureza e está previsto no art. 43 do CTN. Nos<br />
incisos I e II, se encontram os conceitos dos objetos<br />
da sua hipótese de incidência. Renda é o produto<br />
do capital, do trabalho ou da combinação de<br />
ambos (art. 43, I) enquanto os proventos de qualquer<br />
natureza serão aqueles acréscimos patrimoniais<br />
não compreendidos no inciso anterior (art.<br />
43, II). A justificativa jurídica para que se incida a<br />
tributação sobre a renda do indivíduo seria melhor<br />
redistribuir a renda e servir à redução das<br />
desigualdades regionais (MACHADO, 2010). Na<br />
prática, porém, o que se percebe é uma sensível<br />
redução na capacidade de consumo do contribuinte,<br />
que reduz o papel das pequenas rendas na<br />
economia. O IR ajuda a implementar uma série<br />
projetos regionais e a reduzir as disparidades entre<br />
os Estados. Por conta da sua importante função<br />
social e fiscal, fica a cargo da União. Seria absurdo<br />
propor a extinção do imposto sobre a renda,<br />
por um motivo muito simples: se a obrigação<br />
de pagar o tributo é compulsória, há que se frisar<br />
também que é geral. Assim, ninguém, a priori,<br />
está isento desta prestação.<br />
Isentos estão aqueles que não podem<br />
arcar com o ônus da obrigação tributária porque<br />
significaria comprometer o mínimo para a subsistência<br />
– esta é uma das razões por que o salário<br />
mínimo não é tributado pelo IR. Acontece que<br />
a renda mínima acaba comprometida da mesma<br />
forma, escapa de um tributo para tropeçar em<br />
outros. Tributos que incidem direta ou indiretamente<br />
no preço final dos produtos (IPI, ICMS,<br />
taxas diversas), repercutem no poder aquisitivo<br />
do cidadão, fazendo com que o salário mínimo<br />
não supra os requisitos de existência digna, elencados<br />
no art. 6º da CF. Em tese, a renda é tributável<br />
porque necessário. Não há, hoje, de fato,<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 257-266, jun. 2011<br />
261
imposto mais lucrativo aos cofres da União, pelo<br />
menos não imposto que tenha uma base de estimativa<br />
de receita relativamente equilibrada.<br />
Tecidas estas considerações, fácil é perceber<br />
que a forma como a renda é tributada deve<br />
ser <strong>revista</strong>. Há vários mecanismos que podem ser<br />
implantados, e que tem a vantagem de movimentar<br />
de forma rápida e eficiente a economia. Impostos<br />
como o IPI (Imposto Sobre Produtos Industrializados)<br />
pela sua natureza extrafiscal, tem<br />
alíquotas muito variáveis e estão sujeitos às cotações<br />
de mercado. Reduzir as alíquotas é um meio<br />
de gerar receitas ao Estado. A recente de redução<br />
do IPI a zero para os produtos da chamada linha<br />
branca, fez com que itens de consumo duráveis<br />
(geladeiras e afins) se tornassem acessíveis a pessoas<br />
de classes menos favorecidas.<br />
A princípio, reduzir imposto, sobretudo<br />
em tempos de crise, não faz sentido, mas os efeitos<br />
podem ser sentidos de forma gradativa,<br />
quando não de imediato: se a economia não alavanca,<br />
ela tão pouco decresce: manter o mercado<br />
interno funcionando, gera renda para a população<br />
e mantém o comércio interno forte:<br />
quando indivíduos à margem da sociedade e do<br />
mercado têm acesso a bens de consumo e empregos<br />
que antes estavam muito distantes da<br />
sua realidade cotidiana, transparece a Justiça<br />
Social. A tributação em excesso, falta de planejamento<br />
adequado e hipóteses de incidência<br />
mal definidas fazem com que a organização tributária<br />
do estado brasileiro se converta numa<br />
verdadeira incentivadora da sonegação, ao trabalhar<br />
com limites implausíveis para a cobrança<br />
de tributos, nem com estrutura de arrecadação<br />
que possibilite uma eficaz e eficiente fiscalização<br />
e controle por parte da Administração Pública.<br />
O imenso poder que detém a União, quanto<br />
à arrecadação e o número de imposto que a competência<br />
tributária lhe atribui, dificulta ainda<br />
mais todo o processo do repasse de receitas no<br />
sistema da federação; em suma, o sistema federativo<br />
por vezes se assemelha a um sistema unitário<br />
(MACHADO, 2010).<br />
Este tópico ficaria incompleto, porém,<br />
sem algumas linhas acerca dos princípios da isonomia<br />
e da legalidade: ao lado da dignidade da<br />
pessoa humana, que de forma implícita e explícita,<br />
permeia toda a Constituição, são, de longe, os<br />
mais imediatos na relação Fisco-Contribuinte.<br />
Se há uma característica que acompanha<br />
todos os seres humanos é seu estado de permanente<br />
diferenciação uns dos outros. De fato, os<br />
indivíduos são desiguais entre si, e cabe à Constituição,<br />
enquanto norma maior de um Estado, tentar<br />
conciliar estas diferenças, sendo injusto tratar<br />
os desiguais como se iguais fossem. A igualdade<br />
se materializa quando a lei, para evitar que se<br />
façam injustiças, trata de forma desigual os desiguais,<br />
na proporção da sua desigualdade (SILVA,<br />
2009). Isto se dá através dos mecanismos de garantias<br />
aos direitos fundamentais. Percebe-se,<br />
logo no caput do art. 5º e ao longo de todo o seu<br />
texto, a preocupação do constituinte em deixar<br />
claro que a isonomia é princípio que rege uma<br />
série relações jurídicas, seja entre o particular e o<br />
Estado, seja entre os próprios particulares.<br />
Garantir a isonomia é, em certa medida,<br />
garantir uma ordem social justa. À primeira vista,<br />
um olhar desatento pode enxergar nesta diferenciação<br />
entre igualdade material e formal uma<br />
afronta aos princípios elementares de Direito;<br />
porém, se tal critério de igualdade subsiste, é com<br />
o intuito de preservar e aplicar à realidade dos<br />
fatos o que a Constituição prevê. A lei, é certo,<br />
não faz discriminações. Mas a lei é geral e abstrata<br />
e deve ser adaptada ao caso concreto. Não se<br />
pode esperar de um juiz que aplique uma lei da<br />
mesma forma para todos os casos que lhe forem<br />
apresentados, ainda que eles tenham elementos<br />
conexos que os enquadrem no mesmo tipo de<br />
ação, sob o risco de se cometer uma injustiça.<br />
Sonegar, assim, seria não somente atentar<br />
contra todos aqueles que cumprem as suas<br />
obrigações com o Fisco e a ordem econômica<br />
em geral, mas sim contra a sociedade inteira.<br />
Seria ir de encontro à capacidade contributiva<br />
de cada cidadão, na medida em que deixam de<br />
262<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 257-266, jun. 2011
ser recolhidos os mesmos tributos de contribuintes<br />
que, em regra, teriam os meios necessários<br />
para adimplir a obrigação e, com isto, são reduzidos<br />
recursos que poderiam reverter em benefícios<br />
para a coletividade. Os gastos públicos<br />
com pessoal, em excesso, também constituem<br />
atos que ferem preceito de justiça, pois negam<br />
à população o acesso a serviços públicos de qualidade,<br />
por conta do desperdício de dotações<br />
orçamentárias. A ideia de que o Estado é perdulário<br />
por natureza e gasta muito em benefício de<br />
poucos não é vã (MACHADO, 2010).<br />
A linha que une a isonomia com a esfera<br />
tributária, assim, é evidente: a tributação deve ser<br />
gradativa e igualitária no sentido de atender à capacidade<br />
contributiva de cada indivíduo. É a materialização<br />
dos limites ao poder de tributar, atrelada<br />
à garantia que a legalidade confere à cobrança<br />
dos tributos em geral, já que, sabe-se, a capacidade<br />
contributiva não pode servir de justificativa para<br />
cobrança de tributo instituído de forma ilegal (MA-<br />
CHADO, 2010). Quando analisado pelo prisma do<br />
direito constitucional, o direito tributário possui<br />
várias vertentes teóricas acerca da igualdade que<br />
deve permear a tributação. Há quem defenda o<br />
critério das teorias subjetivas e objetivas, ao explicar<br />
o tributar levando em conta a isonomia.<br />
As primeiras dividem-se em dois segmentos<br />
que pendem para o princípio do benefício<br />
e do sacrifício igual. O primeiro considera os<br />
benefícios auferidos em função da atividade estatal<br />
e alcança, desta forma, a renda e a propriedade,<br />
utilizando o critério da proporção; o segundo,<br />
é um pouco mais singular, tomando por<br />
base os custos que o Estado efetua em favor de<br />
determinado segmento de indivíduos, que deverão<br />
ser por eles suportados (SILVA,2009).<br />
Grandes empresas que recebessem investimentos<br />
estatais, assim, deveriam pagar<br />
mais impostos aos cofres públicos. Ainda que o<br />
sistema de concessão pública não deva ser desprestigiado,<br />
chama-se, neste ponto, atenção<br />
para medidas mais eficazes voltadas às empresas<br />
de médio porte, sem esquecer das micro e<br />
pequenas empresas que, não raro, contam no<br />
mais das vezes com verdadeiros paliativos tributários,<br />
à maneira do Simples Nacional.<br />
4 DEMOCRACIA REPRESENTATIVA, POLÍTICAS<br />
PÚBLICAS PARTICIPAÇÃO POPULAR<br />
O conceito de democracia remonta aos<br />
tempos da pólis grega. Existem inúmeras idéias<br />
do que vem a ser democracia, a concepção como<br />
o “governo do povo, pelo povo e para o povo”,<br />
sendo a que melhor capta o sentido político reveste<br />
o termo (BONAVIDES, 2007). A democracia<br />
direta, tal como conceberam os gregos atenienses,<br />
já não é mais aplicável à realidade contemporânea<br />
por razões de ordem prática. A organização<br />
que se confere ao Estado e aos poderes que o<br />
compõem sendo muito diferente do tempo das<br />
primeiras manifestações políticas deste gênero.<br />
Como forma de democracia clássica, onde<br />
mais se evidenciou no mundo antigo a participação<br />
dos cidadãos nas decisões da comunidade,<br />
também possuiu limitações que, mormente<br />
o avanço que significou à época, representava<br />
um modus vivendi discriminatório a vários segmentos<br />
sociais, excluindo da Ágora as mulheres,<br />
os estrangeiros e os escravos.<br />
Para evitar abusos, o Estado repartiu as<br />
funções entre os poderes Legislativo, Executivo<br />
e Judiciário, sendo que estes não são incomunicáveis<br />
entre si; são, em verdade, independentes,<br />
porém harmônicos (art. 2º, CF/88). Tal divisão<br />
a que fundamenta e ampara a democracia<br />
representativa, que é o modelo adotado em vários<br />
estados modernos, o Brasil se inserindo nesta<br />
categoria. Assim, o sistema jurídico constitucional<br />
prevê uma série de mecanismos que mesclam<br />
democracia representativa (indireta, portanto),<br />
e democracia direta. Referendo, plebiscito,<br />
iniciativa popular são os meios que a Constituição<br />
elenca para o exercício da soberania popular<br />
de forma direta, ao lado do sufrágio universal,<br />
que se dará de forma direta, secreta e de<br />
igual valor para todos (art. 14, CF/88).<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 257-266, jun. 2011<br />
263
A democracia indireta, consequência do natural<br />
do agigantamento do Estado, contribui para o<br />
exercício real de direitos ao fornecer meios que permitem<br />
ao cidadão participar das decisões políticas sem<br />
se limitar às urnas: a participação popular ajuda no<br />
real exercício da soberania popular e, por reflexão, a<br />
fortalecer o Estado Democrático de Direito.<br />
Interessante é o conceito que dá à Lei nº<br />
12.288, de 20 de julho de 2010, o Estatuto da Igualdade<br />
Racial, em seu art. 1º, V, ao termo “políticas<br />
públicas”, sendo assim compreendidas “as ações,<br />
iniciativas e programas adotados pelo Estado no<br />
cumprimento de suas atribuições institucionais”.<br />
Este conjunto de ações, que visam ao<br />
bem estar coletivo e à prática da cidadania, são<br />
importantes quando se analisa o modelo de democracia<br />
representativa que vigora no Brasil. O<br />
poder legislativo, ao lado do executivo, trabalha<br />
para a confecção do orçamento público; a<br />
ação conjunta destes dois poderes é determinante<br />
ver estas políticas efetivadas. O poder legislativo<br />
necessita estar comprometido com a<br />
função que exerce, qual seja, a de legislar em<br />
nome do povo e servir de eco à sua voz.<br />
Tratar de todo o processo legislativo que<br />
envolve a votação e aprovação do orçamento, em<br />
todos os seus pormenores, não seria interessante a<br />
esta discussão; mais do que o rito legislativo, é pertinente<br />
ao tema a política dos repasses das receitas<br />
arrecadadas e de como isto favorece a corrupção.<br />
Quando da elaboração da atual Constituição,<br />
houve proposta no sentido de tornar este<br />
mecanismo mais transparente e eficaz, com a criação<br />
de órgão que se dedicasse diretamente a distribuição<br />
das receitas. Assim, foi sugerida a adoção<br />
de Conselhos dos Estados e Municípios que iriam<br />
dispor sobre as normas elencadas no art. 159 da CF<br />
e suas alíneas. A proposta foi recebida com entusiasmo<br />
num primeiro momento, sendo descartada<br />
por motivos óbvios (MACHADO, 2010).<br />
Posteriormente, apareceram os motivos<br />
da rejeição: os parlamentares entenderam que a<br />
implantação dos Conselhos faria com que perdessem<br />
uma das funções que consideram como suas,<br />
que é a capacidade de atrair dotações para os seus<br />
estados (MACHADO, 2010). Partindo de considerações<br />
deste tipo, não é difícil perceber que representatividade<br />
no sistema legislativo brasileiro,<br />
está longe do ideal. Em termos de orçamento,<br />
a participação popular conta com alguns mecanismos<br />
de participação, como o já citado art. 44,<br />
da Lei nº 10. 257 de 10 de julho de 2001. O Estatuto<br />
da Cidade prevê, no âmbito dos municípios, que<br />
sejam promovidos “debates, audiências e consultas<br />
públicas sobre as propostas do plano plurianual,<br />
lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento<br />
anual, como condição obrigatória para sua<br />
aprovação pela Câmara Municipal”.<br />
Impossível disposição mais clara, a lei vincula<br />
plenamente a aprovação do orçamento ao<br />
crivo popular. Logo, as sugestões recebidas pelos<br />
parlamentares não podem ser tomadas somente<br />
como sugestões de efeito consultivo, pois elas<br />
vinculam, sim, a ação legislativa (OLIVEIRA, 2010).<br />
Contrariando a lei, isto dificilmente se vê na prática<br />
e as alegações são sempre as mesmas: como<br />
conciliar tantas vontades? Como ouvir tanto seguimentos?<br />
Certo que não se pode fugir à lei alegando<br />
simples princípio da reserva do possível.<br />
Contudo, ignorar que a carência da sociedade,<br />
em seus vários aspectos, faz com que<br />
muitos cidadãos enxerguem a função legislativa<br />
como algo inatingível, fora da sua realidade, e<br />
não são poucos a acreditar que os que a exercem<br />
lhe são superiores- quando, na verdade, são<br />
os primeiros servidores do país e, como tais, estão<br />
a serviço do povo e não “prestando um favor”.<br />
Séculos de clientelismo e coronelismo, aliados<br />
a uma precária formação intelectual, ajudam<br />
a cimentar esta mentalidade.<br />
5 A INFORMAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE<br />
CONTROLE E FISCALIZAÇÃO<br />
O direito à informação, em especial a informação<br />
acerca das contas públicas, possibilita<br />
ao cidadão manter uma atividade de controle e<br />
fiscalização permanentes.<br />
264<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 257-266, jun. 2011
Existem órgãos, previstos na Constituição,<br />
para exercer estas atribuições. O art. 71 contém<br />
disposições acerca do Tribunal de Contas da União,<br />
que, originariamente, possuía a função controlar<br />
a legalidade dos atos da execução orçamentária,<br />
sendo que hoje ultrapassa a esfera do simples<br />
exame da legalidade (HARADA, 2010). Contudo,<br />
Tribunais de Contas não são tribunais no sentido<br />
jurídico do termo. Julgam as contas e não as pessoas<br />
que as prestam; ainda que haja súmula do<br />
STF (vide Súmula nº 347), que possa dar margem<br />
a este entendimento, o que vale é o disposto na<br />
norma constitucional (HARADA, 2010).<br />
O ato de fiscalizar as contas através do<br />
seu julgamento é, por si só, instrumento que<br />
possibilita às pessoas comuns saber o que se<br />
passa nos bastidores políticos, não sendo meras<br />
expectadoras, mas sujeitos atuantes do processo<br />
político. Destacamos que a competência dos<br />
tribunais é válida em todo território nacional,<br />
havendo Tribunais de Contas também nos estados<br />
e, antes da carta constitucional vigente, em<br />
alguns municípios como São Paulo e Rio de Janeiro.<br />
Nos demais municípios, a fiscalização ocorria<br />
através das Câmaras Municipais em parceria<br />
com os Tribunais de Contas dos Estados ou pelos<br />
Conselhos de Contas Municipais, instituídos<br />
pelo governo estadual (HARADA, 2010).<br />
Não obstante, surge um questionamento<br />
pertinente: quem cuidaria de fiscalizar possíveis<br />
abusos que ocorressem nas diligências promovidas<br />
por estes tribunais? De todas as funções essenciais<br />
à justiça, o Ministério Público merece<br />
destaque como órgão responsável por defender<br />
os interesses e direitos da coletividade. Historicamente,<br />
surge na França medieval, em 1302,<br />
como órgão que reunia os procuradores do rei.<br />
Em terras brasileiras, o Ministério Público só surgiria<br />
em 1832, citado de forma rápida pelo Código<br />
Criminal do Império, como “o promotor da ação<br />
penal” (MORAES, 2002). De fato, é instituição que,<br />
além de essencial, promove a Justiça – e a esfera<br />
financeira não escapa às suas denúncias. Há regra<br />
que prevê a atuação de um Ministério Público junto<br />
aos Tribunais de Contas, aonde seriam aplicadas<br />
as mesmas regras concernentes à admissão<br />
de seus membros, e as prerrogativas e garantias<br />
que são próprias deste órgão (art. 73, § 2º, I, CF/<br />
88). Muitas divergências surgiram acerca da sua<br />
vinculação quanto à estrutura, se estariam basicamente<br />
dentro da estrutura do Ministério Público<br />
da União ou se seriam vinculados ao próprio<br />
Tribunal de Contas (MORAES, 2002).<br />
Independente destas divergências doutrinárias,<br />
disposições desta linha atestam a busca<br />
de integração entre sociedade e Poder Público,<br />
exigindo informações referentes aos seus<br />
gastos, suas políticas, para que possa ser soberana<br />
no exercício do seu papel democrático.<br />
Pressupor democracia ou justiça, que subsista<br />
na ignorância de fatos de relevante interesse<br />
público é insensatez: mais do que saber, é preciso<br />
não apenas saber pela metade, bem como é<br />
preciso um judiciário vigilante, munido de órgãos<br />
auxiliares competentes, para que esteja apto a<br />
punir e a proteger quando necessário. A plena<br />
interação entre Ministério Público, Tribunais de<br />
Contas e poderes da União serve não somente à<br />
ideia de justiça social, mas, ao direito de informação<br />
que é garantia constitucional.<br />
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
A informação política de que dispõe um<br />
povo depende muito dos fatores sociais que o<br />
cercam e a capacidade de questionar, de buscar<br />
o próprio direito, é proporcional à capacidade<br />
que cada um possui de entender o mundo à sua<br />
volta. Os tributos trabalham para gerar as receitas<br />
que irão suprir as necessidades coletivas, o<br />
que inclui todos os componentes do Estado, sem<br />
exceção – e não apenas um grupo em especial.<br />
Para uma existência digna, a combinação de educação,<br />
saúde e segurança, sustentadas por uma<br />
sólida estrutura estatal que permita à economia<br />
florescer é o que ajuda uma nação a chegar a ser<br />
uma potência não apenas na indústria, mas também<br />
no setor social.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 257-266, jun. 2011<br />
265
Tais considerações não são novas e não se<br />
extinguirão neste texto. Há uma tendência, algo<br />
exagerada, em rotular certas ideias reiteradas ao<br />
longo dos anos como “ultrapassadas”, o que não<br />
quer dizer que elas sejam menos pertinentes e<br />
imediatas. Exigir uma postura mais responsável<br />
em relação ao orçamento-programa não é pedir<br />
dos governantes nada além das suas atribuições,<br />
pois não foi uma única vez que não se votou o<br />
orçamento do exercício subsequente por conta<br />
de disputas políticas em torno de verbas.<br />
Acabar com estas disputas depende muito<br />
de uma mudança radical nas diretrizes de governo<br />
e de mentalidades. O Direito, ciência inerte,<br />
só se modifica se provocado e sozinho não é<br />
capaz de fazer muito, ainda menos a lei. Ação,<br />
comprometimento e força política são elementos-chave<br />
para provocar grandes mudanças.<br />
A justiça social permeia o direito tributário<br />
como se por ele passasse uma linha divisória<br />
entre os vários segmentos da sociedade.<br />
A um tema tão relevante, não convém manter<br />
a visão simplista de que seja algo restrito ao<br />
corpo da lei, sem aplicação prática, sem justificativa<br />
de ser senão enquanto norma programática,<br />
mera utopia, portanto. O Brasil é o país<br />
das utopias possíveis. Boa parte de tudo quanto<br />
já se discutiu acerca de matéria política referente<br />
a mudanças sociais significativas é<br />
perfeitamente possível.<br />
Falta apenas a vontade tomar a frente dos<br />
planos.<br />
REFERÊNCIAS<br />
BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 14. ed. São<br />
Paulo: Malheiros, 2007.<br />
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo.<br />
20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007.<br />
GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 4.<br />
ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1995.<br />
GREEN, Vivian Hubert. A loucura dos reis: histórias de<br />
poder e destruição, de Calígula a Saddam Hussein. Trad.<br />
Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.<br />
HARADA. Kiyoshi. Direito financeiro e tributário.<br />
19. ed. rev. e ampl. São Paulo, Atlas, 2010.<br />
MACHADO. Hugo de Brito. Curso de direito tributário.<br />
31. ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2010.<br />
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo<br />
brasileiro. 12. ed. atual. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 1986.<br />
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional.<br />
12. ed. São Paulo: Atlas, 2002.<br />
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de direito<br />
financeiro. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista<br />
dos Tribunais, 2010.<br />
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional<br />
positivo. 32. ed. rev. e atual. São Paulo:<br />
Malheiros, 2009.<br />
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro<br />
e tributário. 13. ed. Rio de Janeiro: Renovar,<br />
2006.<br />
266<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 257-266, jun. 2011
A APLICAÇÃO DA TEORIA DA EFICÁCIA DOS DIREITOS<br />
FUNDAMENTAIS “INTERPRIVATUS” NO CASO MUNIRA<br />
KHALIL EL OURRA E ADRIANA TITO MACIEL 1<br />
Isadora Cristina Cardoso de Vasconcelos *<br />
RESUMO<br />
Com base na aplicação da teoria da eficácia dos direitos fundamentais entre sujeitos de direitos<br />
privados ou “interprivatus”, este artigo analisou a decisão judicial que dirimiu o litígio do casal<br />
homossexual Munira Khalil El Ourra e Adriana Tito Maciel. Tal litígio consistiu na pretensão do<br />
referido casal na concessão do nome de duas mães aos seus filhos, ou seja, a dupla maternidade,<br />
sendo tal fato considerado novo em termos de registro civil de menores. Para gerar as crianças, o<br />
casal recorreu às técnicas de reprodução assistida, o que ocasionou em uma feliz gestação de<br />
gêmeos. A referida decisão judicial foi inédita por vencer preconceitos e provar que, mesmo que<br />
a passos lentos, a Justiça é garantidora por excelência dos direitos de todos.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Reprodução Assistida. Dupla Maternidade. Litígio. Direitos Fundamentais.<br />
Justiça.<br />
1 O CASO MUNIRA KHALIL EL OURRA E ADRIANA<br />
TITO MACIEL<br />
1.1 AVANÇO DA MEDICINA: TÉCNICAS DE REPRO-<br />
DUÇÃO ASSISTIDA<br />
O caso a ser abordado por este artigo é o<br />
do casal Munira Khalil El Ourra e Adriana Tito<br />
Maciel. As duas se conheceram, moram juntas<br />
desde então e resolveram ter filhos. Para tal,<br />
recorreram aos métodos avançados da medicina<br />
de reprodução assistida.<br />
Segundo Zeno Veloso,<br />
[...] a filiação pode ser consequência<br />
de reprodução assistida, que nos<br />
países de língua francesa se denomina<br />
procréationmédicalement assistée.<br />
[...] A procriação assistida ocorre<br />
através dos seguintes processos: inseminação<br />
artificial, fecundação artificial<br />
com transferência do embrião<br />
e maternidade de empréstimo (“barriga-de-aluguel”).<br />
(1997, p. 150).<br />
O método utilizado pelo casal em questão<br />
foi a inseminação artificial que consiste na<br />
* Acadêmica do 5º semestre do curso de Direito da UNAMA,<br />
monitora da disciplina Introdução ao Direito I. E-mail: isavasconcelos@live.com<br />
1<br />
Artigo orientado pela Profª. Msc. Ágatha Gonçalves Santana,<br />
Mestre em Direitos Humanos e Relações Privadas pela<br />
Universidade Federal do Pará (UFPA); Professora Adjunta I<br />
da Universidade da Amazônia, onde ministra no curso de<br />
Direito as disciplinas Teoria Geral do Processo e Direito<br />
Processual Civil. Advogada Civilista.<br />
267<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 267-276, jun. 2011
implantação de espermatozoides no óvulo. A<br />
fecundação pode ocorrer diretamente no órgão<br />
genital feminino ou em laboratório, denominada<br />
de fertilização in vitro, no qual se faz tal técnica<br />
e, posteriormente, se implanta o embrião no<br />
útero. A inseminação artificial pode ser dois tipos:<br />
homóloga e heteróloga. A primeira ocorre<br />
quando o material masculino utilizado no procedimento<br />
é do próprio marido ou companheiro.<br />
A segunda ocorre quando o material masculino<br />
é de fonte de terceiro.<br />
A técnica utilizada, neste caso, foi a de<br />
inseminação artificial heteróloga (fertilização”in<br />
vitro”) na qual os óvulos de Munira Khalil foram<br />
fertilizados por espermatozoides de um indivíduo<br />
doador do sexo masculino, que pela política<br />
de reprodução assistida brasileira, nunca terá sua<br />
identidade conhecida.<br />
RESOLUÇÃO CFM nº 1.957/10<br />
IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES<br />
2 - Os doadores não devem conhecer<br />
a identidade dos receptores e viceversa.<br />
3 - Obrigatoriamente será mantido o<br />
sigilo sobre a identidade dos doadores<br />
de gametas e embriões, bem<br />
como dos receptores. Em situações<br />
especiais, as informações sobre doadores,<br />
por motivação médica, podem<br />
ser fornecidas exclusivamente<br />
para médicos, resguardando-se a<br />
RESOLUÇÃO CFM nº 1.358/1992<br />
II - USUÁRIOS DAS TÉCNICAS DE RA<br />
1 - Toda mulher, capaz nos termos da lei, que<br />
tenha solicitado e cuja indicação não se afaste<br />
dos limites desta Resolução, pode ser receptora<br />
das técnicas de RA, desde que tenha concordado<br />
de maneira livre e consciente em documento<br />
de consentimento informado.<br />
2 - Estando casada ou em união estável, será<br />
necessária a aprovação do cônjuge ou do<br />
companheiro, após processo semelhante de<br />
consentimento informado. (CONSELHO<br />
FEDERAL DE MEDICINA, 1992).<br />
identidade civil do doador. (CONSE-<br />
LHO FEDERAL DE MEDICINA, 2010).<br />
Os óvulos fertilizados foram implantados<br />
em Adriana Tito, no qual resultou em uma gestação<br />
com sucesso de gêmeos. Tem-se aqui um<br />
caso peculiar de dupla maternidade, pois há duas<br />
mães, sendo uma mãe biológica, doadora do<br />
material genético (Munira) e uma mãe gestacional<br />
(Adriana).Hoje, pessoas solteiras e casais<br />
homossexuais podem recorrer a tais métodos,<br />
fato que antigamente não ocorria. O presidente<br />
do Conselho Federal de Medicina (CFM) Roberto<br />
D’Ávila, afirmou recentemente que a nova<br />
medida adotada:<br />
[...] permite que a técnica seja desenvolvida<br />
em todas as pessoas, independentemente<br />
de estado civil ou<br />
orientação sexual. É uma demanda<br />
da sociedade moderna. A medicina<br />
não tem preconceitos e deve respeitar<br />
todos de maneira igual. (CONSE-<br />
LHO FEDERAL DE MEDICINA, 2011).<br />
Logo, as alterações nas regras dos métodos<br />
de reprodução assistida são bem vindas na<br />
medida em que são uma evolução, atendendo<br />
aos anseios da sociedade contemporânea. Tais<br />
alterações incidem justamente pela ampliação<br />
das pessoas atingidas pela nova resolução, fato<br />
que antigamente não ocorria:<br />
RESOLUÇÃO CFM nº 1.957/2010<br />
II - PACIENTES DAS TÉCNICAS DE RA<br />
1 - Todas as pessoas capazes, que tenham solicitado<br />
o procedimento e cuja indicação não se<br />
afaste dos limites desta resolução, podem<br />
ser receptoras das técnicas de RA desde que<br />
os participantes estejam de inteiro acordo e<br />
devidamente esclarecidos sobre o mesmo, de<br />
acordo com a legislação vigente. (CONSELHO<br />
FEDERAL DE MEDICINA, 2010).<br />
268<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 267-276, jun. 2011
É certo que houve uma evolução nesse sentido.<br />
Maria Berenice Dias pontua muito bem acerca<br />
de tal evolução: “Agora o sonho de ter filhos e<br />
de constituir família está ao alcance de qualquer<br />
um. Ninguém precisa ter par, manter relações sexuais,<br />
ser fértil para tornar-se pai ou mãe” (DIAS,<br />
2009). Portanto, as técnicas de inseminação artificial<br />
possibilitam aos casais homoafetivos constituírem<br />
famílias sem que haja quaisquer contatos<br />
heterossexuais. O casal se utilizou de tal técnica, o<br />
que resultou numa gestação feliz de gêmeos. Todavia,<br />
quando há nascimento, todo o indivíduo<br />
deve possuir um nome e, neste caso, há duas mães<br />
e nenhum pai, então, como proceder?<br />
1.2 NOME: UM PROBLEMA?<br />
Nos casos de nascimento, a criança tem<br />
direito ao nome civil, sendo este um direito fundamental<br />
intrínseco à pessoa humana, pois ele<br />
é uma identificação que acompanha o indivíduo<br />
durante e até depois do fim de sua existência.<br />
Portanto, o nome civil é um direito personalíssimo<br />
do ser humano.<br />
Caio Mário da Silva Pereira, citado por<br />
Maria Berenice Dias, afirma que os direitos personalíssimos<br />
“são direitos indisponíveis, inalienáveis,<br />
vitalícios, intransmissíveis, extrapatrimoniais,<br />
irrenunciáveis, imprescritíveis e oponíveis<br />
erga omnes (a todos)” (PEREIRA apud DIAS, 2011,<br />
p. 125). Portanto, todos têm direito a possuir um<br />
nome, pois ele permite identificação, intimidade,<br />
individualização como pessoa, comprovação<br />
de sua origem familiar, sendo o nome um valor<br />
inserido dentro do conceito de dignidade da<br />
pessoa humana da Constituição Federal de 1988:<br />
Art. 1º A República Federativa do Brasil,<br />
formada pela união indissolúvel<br />
dos Estados e Municípios e do<br />
Distrito Federal, constitui-se em Estado<br />
Democrático de Direito e tem<br />
como fundamentos:<br />
I - a soberania;<br />
II - a cidadania;<br />
III - a dignidade da pessoa humana; (BRA-<br />
SIL, 2010, p. 24).<br />
O nome é composto por dois elementos:<br />
oprenome e o sobrenome. O prenome é aquele<br />
que promove a individualização da pessoa, sendo<br />
de livre escolha dos pais. Já o sobrenome é<br />
“[...] o sinal que identifica a procedência da pessoa,<br />
indicando sua filiação ou estirpe, sendo, por<br />
isso, imutável, podendo advir do apelido de família<br />
paterno, materno ou de ambos” (DINIZ,<br />
2007, p. 203). Logo, o nome completo de um indivíduo<br />
é composto pelo prenome, sobrenome da<br />
mãe e o patronímico do pai (sobrenome do pai).<br />
E no caso dos gêmeos em questão? É certo<br />
que eles devem possuir nomes civis, ou seja,<br />
uma identificação própria que revele sua ascendência<br />
familiar, todavia, a questão é muito mais<br />
complexa, pois temos um tipo de família que sofre<br />
bastante preconceito social: a homoafetiva.<br />
O Poder Judiciário reconhecendo a complexidade<br />
do caso, porém, não se omitindo frente<br />
a ele, decidiu pela procedência de ação declaratória<br />
de maternidade, porém, ineditamente, de dupla<br />
maternidade aos gêmeos, contudo, não havendo<br />
o nome de um pai, afirmando que o homem<br />
envolvido foi somente doador de material genético,<br />
não caracterizando, portanto, ter a incumbência<br />
de ser um pai. Logo, a problemática não envolve<br />
em si somente o nome, mas a aceitação dosnovos<br />
tipos familiares advindos do seio social, como<br />
a do caso em questão. Portanto, se faz mistero aprofundamento<br />
no estudo da família para entender<br />
as raízes do problema foco deste estudo.<br />
2 DIREITO DE FAMÍLIA E DIREITO HOMOAFETIVO<br />
2.1 FAMÍLIA: UMA ANÁLISE<br />
Para se entender melhor o caso em questão<br />
é necessário se aprofundar nas raízes do estudo<br />
da família sob diversos prismas em virtude<br />
da complexidade do tema “família”.A família é o<br />
núcleo base de toda e qualquer sociedade, tendo<br />
sua importância ressaltada dentro do texto<br />
constitucional de 1988: “Art. 226.A família, base<br />
da sociedade, tem especial proteção do Estado”.<br />
(BRASIL, 2010, p. 85).<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 267-276, jun. 2011<br />
269
Seu conceito sociológico, segundo Anthony<br />
Giddens, é:<br />
Um grupo de indivíduos ligados entre<br />
si por laços de sangue, matrimônio<br />
ou adoção, que formam uma unidade<br />
econômica, cujos membros<br />
adultos são responsáveis pela formação<br />
dos filhos. Todas as sociedades<br />
conhecidas envolvem algum<br />
tipo de sistema familiar, ainda que<br />
a natureza das relações familiares<br />
seja amplamente variável. Embora,<br />
nas sociedades modernas, a principal<br />
forma familiar seja a família nuclear,<br />
também encontramos, com frequência,<br />
uma variedade de relações<br />
familiares ampliadas. (2005, p. 85).<br />
Esse conceito é moderno, abrangendo a<br />
evolução social dentro da família, (novos tipos de<br />
família, adoção etc.), porém, a situação nem sempre<br />
foi assim. As sociedades ocidentais viram surgir<br />
novos padrões familiares que antes eram inimagináveis<br />
para as gerações predecessoras.<br />
A família tem suas origens em duas percepções.<br />
A primeira é que o ser humano possui<br />
o instinto de procriação da espécie, já a outra é<br />
que tem aversão à solidão. Percebe-se a tendência<br />
da vida aos pares em termos gerais no<br />
mundo animal. Portanto, a vida aos pares é um<br />
fator natural, todavia, “[...] a família é um agrupamento<br />
informal, de formação espontânea no<br />
meio social, cuja estruturação se dá através do<br />
direito” (DIAS, 2011, p. 27).<br />
A família também é uma construção cultural.<br />
Como afirma Rodrigo da Cunha Pereira,<br />
adotando a linha ideológica de Jacques Lacan, a<br />
família “[...] dispõe de uma estruturação psíquica<br />
na qual todos ocupam um lugar, possuem uma<br />
função – lugar do pai, da mãe, lugar dos filhos –,<br />
sem, entretanto, estarem necessariamente ligados<br />
biologicamente” (2003, p. 13). E sendo uma<br />
construção cultural, é importante ressaltar que<br />
na medida em que a sociedade evoluiu, vários<br />
tipos de famílias vieram surgindo, como já anteriormente<br />
foi citado. Dessa forma, podemos<br />
destacar dentre tais tipos: a família nuclear (tradicional),<br />
ampliadas ou extensas e, por fim, as<br />
consideradas alternativas.<br />
A família nuclear ou tradicional é o<br />
dito “modelo” cultural que está entranhado<br />
socialmente. Ela é, conforme Anthony Giddens,<br />
“[...] dois adultos vivendo juntos num<br />
núcleo doméstico com suas crianças” (2005,<br />
p. 152). A família ampliada, extensa ou parental<br />
é uma rede um pouco mais além do<br />
núcleo familiar, abrangendo parentes diretos<br />
ou colaterais consanguíneos, vivendo em<br />
relacionamento mais próximo e contínuo<br />
uns com os outros. Portanto, avós, tios, sobrinhos,<br />
por exemplo, estariam abrangidos<br />
por este tipo de família. Por fim, existem as<br />
denominadas alternativas, que vão além das<br />
estruturas familiares citadas anteriormente.<br />
Há diversas subdivisões das famílias alternativas,<br />
dentre as quais se pode destacar:<br />
as monoparentais, as comunitárias, uma<br />
nova tendência denominada eudemonista e<br />
ashomossexuais.<br />
As famílias monoparentais são aquelas<br />
chefiadas por um dos genitores, sendo que geralmente<br />
é a mulher que exerce essa função<br />
de chefia. As estruturas familiares comunitárias<br />
são aquelas que a responsabilidade em<br />
relação aos filhos é descentralizada dos genitores<br />
passando para todos os membros adultos<br />
da família. Já a família eudemonista enfatiza<br />
justamente a questão da busca pela felicidade<br />
em conjunto pela família, pois esta se<br />
tem laços de amor e afeto.<br />
Por fim, a família homossexual ou homoafetiva<br />
é aquela em que há uma ligação conjugal<br />
entre dois indivíduos do mesmo sexo, que podem<br />
incluir filhos adotados, ou próprios. Esta é<br />
a família analisada neste estudo e convém traçar<br />
considerações mais aprofundadas, em virtude<br />
da complexidade da mesma, nem tanto entre<br />
os seus membros, mas, principalmente, em<br />
relação à visão social – preconceituosa – que se<br />
tem sobre essa família.<br />
270<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 267-276, jun. 2011
2.2 FAMÍLIA HOMOAFETIVA<br />
A família homoafetiva é um dos tipos<br />
dentro da pluralidade dos tipos de organizações<br />
familiares existentes no seio social. Ela é<br />
rechaçada socialmente em virtude de questões<br />
de marginalidade nas quais a sexualidade<br />
dos homossexuais é colocada, como se fosse<br />
uma doença, uma anormalidade. De fato, é<br />
um grande tabu conversar sobre sexualidade<br />
e, ainda mais sobre homossexualidade. Isso<br />
se deve ao receio, à vergonha, ao tabu inserido<br />
na sociedade no que concerne aos temas<br />
da sexualidade. Logo, vale ressaltar alguns<br />
pontos sobre as estruturações psicológicas<br />
que são passadas aos indivíduos no decorrer<br />
de seu processo de desenvolvimento, tendo<br />
como elo fundamental a família como aquele<br />
que perpassa os valores atuais.<br />
Em termos psíquicos, como já foi afirmado,<br />
cada membro da família uma função dentro<br />
de uma estruturação psíquica, sem que haja de<br />
fato uma ligação biológica de fato. Tal afirmação<br />
é de fundamental importância para ser adequada<br />
ao Direito, pois privilegia outros tipos de família<br />
e o afeto como principal vínculo entre os<br />
membros familiares.<br />
Sigmund Freud, em Totem e Tabu, apresentou<br />
que nos grupos sociais existem ideias<br />
enraizadas as quais tais grupos se submetem,<br />
muitas vezes sem saber ao certo o porquê das<br />
mesmas. O Totem era “[...] a base de todas as<br />
obrigações sociais e restrições morais das tribos”<br />
(PEREIRA, 2003, p. 17). Já o Tabu era em si “[...]<br />
entre os primitivos as interdições e proibições”<br />
(PEREIRA, 2003, p. 18).<br />
Essa s pro ibiçõ es referem -se principa<br />
lm ente contra a liberdade de<br />
prazer e contra a liberdade de movimento<br />
e comunicação [...]. Os tabus<br />
sobre anima is, que co nsistem<br />
fundamentalmente em pro ibiçõ es<br />
de m atá -los e com ê-lo s, co nstituem<br />
o núcleo do totemismo. (FREUD,<br />
1974, p. 36).<br />
A ideia do Tabu se aplica até hoje nos problemas<br />
na discussão da sexualidade. Os indivíduos<br />
tem vergonha, receio, um grande tabu ao<br />
se falar sobre ela. Prefere-se deixar de lado tal<br />
discussão, porém, em termos de família, ela se<br />
torna uma questão fundamental, pois as relações<br />
familiares são frutos de vontade, de desejo,<br />
culminando obviamente na sexualidade. E<br />
felizmente, no decorrer do tempo, os valores<br />
morais e sexuais foram mudando e a família,<br />
sendo aquela que se adequa e transmite tais<br />
valores, foi se adequando à evolução.<br />
O Estado não pôde mais controlar as<br />
formas de constituição das famílias.<br />
Ela é mesmo plural. O gênero de família<br />
comporta várias espécies,<br />
como a do casamento, que maior proteção<br />
recebe do Estado, das uniões<br />
estáveis e a comunidade dos pais e<br />
seus descendentes (art. 226, CF). Essas<br />
e outras formas vêm exprimir a<br />
liberdade dos sujeitos de constituírem<br />
a família da forma que lhes convier,<br />
no espaço de sua liberdade. (PE-<br />
REIRA, 2003, p. 32).<br />
Portanto, as famílias são plurais e, neste<br />
trabalho, o foco do estudo é a família homoafetiva,<br />
como já foi dito anteriormente. Porém, vale<br />
antes ressaltar algumas questões sobre homossexualidade<br />
e homossexualismo, sendo os pontos<br />
fundamentais do preconceito dirigido a este<br />
tipo de família.<br />
A homossexualidade é o ato das relações<br />
afetivas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo.<br />
Já o homossexualismo foi relacionado com doença,<br />
inclusive constado na Classificação Internacional<br />
das Doenças (CID) até a 9ª revisão de<br />
1975-1993, porém, a 10ª revisão do CID, em 1993,<br />
retirou o termo “homossexualismo” como uma<br />
anomalia humana. Em virtude da conotação pejorativa<br />
contida no termo “homossexualismo”,<br />
é mais comum a utilização do termo “homossexualidade”,<br />
inclusive esta aceita pelo movimento<br />
de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e<br />
travestis. (LGBTT).<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 267-276, jun. 2011<br />
271
A homossexualidade existe desde os primórdios<br />
da humanidade. Há re<strong>lato</strong>s desde a Grécia<br />
sobre a existência da homossexualidade dentro<br />
de um padrão de normalidade comportamental,<br />
porém, tal fato não é corrente nas sociedades<br />
atuais, ou seja, a homossexualidade ainda é tratada<br />
como uma anormalidade ou patologia.<br />
A questão de ser uma anormalidade ou<br />
até justificando uma doença seria puramente a<br />
legitimação de que a homossexualidade, por estar<br />
fora de padrões morais e sociais considerados<br />
normais, deveria ser relegada à marginalidade,<br />
às denominações de patologias que devem ser<br />
evitadas pelos seres humanos. Seria a mesma<br />
coisa que dizer que ser negro, mulher, indígena,<br />
ser de alguma tribo social diferente poderia ser<br />
encarado como alguma doença. Contudo, não<br />
existe legitimação científica nenhuma de que ser<br />
homossexual é uma patologia, portanto, nada justifica<br />
o preconceito contra os homossexuais.<br />
Então, por que o tema homossexualidade<br />
tanto incomoda as pessoas? Por que o receio<br />
de explorar tal tema? Por que tanto preconceito?<br />
O psicanalista Jurandir Freire, indagado a<br />
respeito respondeu:<br />
Minha proposta é deixarmos de identificar<br />
socialmente pessoas por suas<br />
preferências sexuais [...]. Porque nos<br />
interessamos tanto pela preferência<br />
sexual das pessoas a ponto de julgarmos<br />
muito importante identificálas<br />
sociomoralmente por este predicado?<br />
Que disse que este mau hábito<br />
cultural tem de ser eterno? É isto<br />
que, a meu ver, importa. Quando e de<br />
que maneira poderemos ensinar, convencer,<br />
persuadir as novas gerações<br />
de que classificar sociomoralmente<br />
pessoas por suas inclinações sexuais<br />
é uma estupidez que teve, historicamente,<br />
péssimas consequências<br />
éticas. Muitos sofreram por isto; muitos<br />
mataram e morreram por esta<br />
crença inconsequentee humanamente<br />
perniciosa. (1995, p. 3).<br />
Pensamentos como este de Jurandir Freire,<br />
dentre outros cientistas e pessoas da sociedade<br />
em geral que podem fazer a diferença para<br />
não se perpetuar a cultura estigmatizada sobre a<br />
homossexualidade. Em termos jurídicos, a lei brasileira<br />
ainda não tomou conhecimento em linhas<br />
explícitas sobre a homossexualidade. Só há casamento<br />
entre pessoas de orientação heterossexual,<br />
ou seja, entre pessoas de sexo diferente.<br />
Contudo, se faz mister ressaltar que, mesmo a<br />
passos lentos, a jurisprudência brasileira já demonstra<br />
avanços significativos sobre dissoluções<br />
de uniões estáveis e consequente partilha de<br />
bens de relações homoafetivas, sobre filhos de<br />
pais homossexuais, como no caso deste estudo.<br />
O assunto é polêmico e o profissional de<br />
Direito encontra muitas dificuldades na discussão<br />
do mesmo e em até encontrar material científico<br />
sobre tal assunto. Contudo, apesar das dificuldades,<br />
a questão é justamente introduzir a<br />
reflexão que a homossexualidade não é doença<br />
e que as uniões homoafetivas são fatores correntes<br />
no seio social. O Direito deve acompanhar<br />
a sociedade, afinal ele é produto da mesma.<br />
Portanto, legitimar tais uniões é um passo<br />
fundamental, pois é um grupo que não pode ter<br />
seus direitos negados de se unir, de constituir<br />
uma família reconhecida juridicamente e, claro,<br />
socialmente, como qualquer outra família.<br />
3 A TEORIA DA EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDA-<br />
MENTAIS “INTERPRIVATUS”<br />
Paraa análise da decisão judicial do caso<br />
envolvido neste estudo, se faz mister falar da Teoria<br />
da Eficácia dos Direitos Fundamentais ”interprivatus”<br />
e, obviamente, alguns apontamentos<br />
sobre os Direitos Fundamentais, sendo que estes<br />
possuem diversos posicionamentos doutrinários,<br />
dentre as quais alguns serão citados.<br />
O professor José Carlos Vieira de Andrade,<br />
citado por Rodrigo Nakahira, leciona que os direitos<br />
fundamentais são “[...] direitos absolutos, imutáveis<br />
e intemporais, inerentes à qualidade de<br />
homem dos seus titulares e constituem um núcleo<br />
restrito que se impõe a qualquer ordem jurídica”<br />
272<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 265-274, 267-276, jun. 2011
(ANDRADE apud NAKAHIRA, 2007, p. 15). Já os direitos<br />
fundamentais são, segundo José Joaquim<br />
Gomes Canotilho citado por Moraes:<br />
A função de direitos de defesa dos<br />
cidadãos sob uma dupla perspectiva:<br />
(1) constituem, num plano jurídico-objectivo,<br />
normas de competência<br />
negativa para os poderes públicos,<br />
proibindo fundamentalmente as<br />
ingerências destes na esfera jurídica<br />
individual; (2) implicam, num plano<br />
jurídico-subjectivo, o poder de<br />
exercer positivamente direitos fundamentais<br />
(liberdade positiva) e de<br />
exigir omissões dos poderes públicos,<br />
de forma a evitar agressões lesivas<br />
por parte dos mesmos (liberdade<br />
negativa)” (CANOTILHO apud<br />
MORAES, 2010, p.30).<br />
Portanto, os direitos fundamentais são,<br />
em linhas gerais, são direitos e garantias individuais<br />
e coletivas dos indivíduos que garantem condições<br />
adequadas de vida a eles, limitando o poder<br />
do Estado em termos de lesão a tais direitos, além<br />
de impor que o Estado aja em prol dos cidadãos.<br />
A Constituição da República Federativa do<br />
Brasil de 1988, dentro de seu Título II, trouxe os<br />
direitos e garantias fundamentais como gênero<br />
subdividindo-se os mesmos em cinco capítulos<br />
(espécies): direitos individuais e coletivos, direitos<br />
sociais; nacionalidade; direitos políticos e partidos<br />
políticos. Por tais direitos estarem previstos<br />
no tecido constitucional, possuem a chamada<br />
Eficácia Irradiante dos Direitos Fundamentais, em<br />
virtude de que a Constituição ser a lei hierarquicamente<br />
superior a todas as outras leis do nosso<br />
país. Daniel Sarmento a respeito disso ensina:<br />
[...] significa que os valores que dão<br />
lastro aos direitos fundamentais<br />
penetram por todo o ordenamento<br />
jurídico, condicionando a interpretação<br />
das normas legais e atuando<br />
como impulsos e diretrizes para o<br />
legislador, a administração e o judiciário.<br />
A eficácia irradiante, neste<br />
sentido, enseja a “humanização” da<br />
ordem jurídica, ao exigir que todas<br />
as suas normas sejam, no momento<br />
de aplicação, reexaminadas pelo<br />
operador do direitos com novas lentes,<br />
que terão cores de dignidade<br />
humana, da igualdade substantiva<br />
e da justiça social, impressas no tecido<br />
constitucional (2006, p. 124).<br />
Tais direitos são garantidos a todos, portanto,<br />
tendo também eficácia “inteprivatus”, ou<br />
seja, estes direitos tem extensão dentro das relações<br />
privadas como, por exemplo, no mercado,<br />
na sociedade civil, na empresa, na família e<br />
etc.Vale citar também que pelo fator da eficácia<br />
irradiante dos direitos fundamentais, há a eficácia<br />
vertical dos direitos fundamentais, sendo<br />
esta divergente da eficácia “interprivatus”, em<br />
virtude de que a primeira atinge somente os<br />
poderes públicos, já a segunda atinge os particulares.<br />
Desta forma, sem sombra de dúvidas,<br />
os direitos fundamentais abrangem todo e qualquer<br />
âmbito do seio social.<br />
Portanto, considera-se que os direitos<br />
fundamentais atingem a todos, tanto nas relações<br />
privadas quanto nos atos emanados dos entes do<br />
poder público. No caso deste estudo, especialmente<br />
nos atos proferidos pelo Poder Judiciário,<br />
no caso da decisão inédita no país em análise deste<br />
estudo, foi concedida a dupla maternidade a gêmeos,<br />
como foi citado anteriormente. Em tal decisão<br />
é latente o quanto foram considerados os<br />
Direitos Fundamentais do casal Munira Khalil e<br />
Adriana Tito pelo Juiz Dr. Fábio Eduardo Basso,<br />
fato que será mais aprofundado a seguir.<br />
4 ANÁLISE DA DECISÃO JUDICIAL DO CASO COM<br />
BASE NA TEORIA DA EFICÁCIA “INTERPRIVATUS”<br />
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS<br />
A decisão proferida pelo Juiz Dr. Fábio<br />
Eduardo Basso, da 6ª Vara de Família e Sucessões<br />
de Santo Amaro (Comarca de São Paulo)<br />
em relação à pretensão do casal Munira Khalil e<br />
Adriana Tito ao Poder Judiciário foi considerada<br />
inédita por dar benefício inédito a uma união<br />
homoafetiva. Tal benefício foi o da concessão<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 267-276, jun. 2011<br />
273
de dupla maternidade às crianças envolvidas no<br />
caso, ou seja, na certidão de nascimento dos<br />
menores constam dois nomes de mães e nenhum<br />
nome de um pai, sendo tal fato não muito<br />
normal dentro de decisões prolatadas pelo Poder<br />
Judiciário.<br />
Anteriormente neste estudo foi mencionado<br />
que todas as decisões emanadasdo Poder<br />
Judiciário devem ser baseadas no texto constitucional,<br />
respeitando principalmente os direitos fundamentais<br />
concernentes a todos os indivíduos. José<br />
Joaquim Gomes Canotilho ensina a respeito:<br />
Aos tribunais cabe a tarefa clássica<br />
da ‘defesa dos direitos e interesses<br />
legalmente protegidos dos cidadãos<br />
(CRP, artigo 205°/2). Os tribunais, porém,<br />
não estão apenas ‘ao serviço<br />
da defesa dos direitos fundamentais’;<br />
eles próprios, como órgãos do<br />
poder público, devem considerar-se<br />
vinculados pelos direitos fundamentais.<br />
Esta vinculação dos tribunais<br />
efectiva-se ou concretiza-se: (1) através<br />
do processo aplicado no exercício<br />
da função jurisdicional ou (2) através<br />
da determinação e direcção das decisões<br />
judiciais pelos direitos fundamentais<br />
materiais. (1993, p. 586).<br />
A decisão do Juiz Dr. Fábio Eduardo Basso<br />
não fugiu a esta regra. Por mais que o caso fosse<br />
polêmico, o magistrado, representando o Estado-Juiz<br />
e tendo, portanto, o dever da eficácia<br />
vertical dos direitos fundamentais, não se absteve<br />
do mesmo e utilizou fundamentação constitucional<br />
embasada em tais direitos que todo e<br />
qualquer ser humano possuem em suas relações<br />
privadas (“interprivatus”) ou nas mesmas com o<br />
Estado. Sua fundamentação no processo de ação<br />
declaratória de maternidade consistiu em:<br />
Alicerça a solução e pelo que por si<br />
e em si diz, o princípio da dignidade da<br />
pessoa humana (art. 1º, III, da CF). Igualmente,<br />
a liberdade, o direito a se ter<br />
filhos e de planejá-los de maneira responsável<br />
(arts. 5º, caput e 226, § 7º, do<br />
CF). Ainda, o dever da não-discriminação<br />
e igualdade, àsvárias formas de família<br />
e aos filhos que delas se originem<br />
(arts. 3º, IV, 226, e 227, caput e § 3º, da<br />
CF), e, consequentemente, o direito<br />
ao estado de filiação e ao nome, reciprocamente<br />
entre pais e filhos, não só para<br />
a perfeita e própria identificação, mas<br />
também daqueles e da célula familiar<br />
de que derivam. Ao final certo<br />
que respeitados, na hipótese, os<br />
superiores interesses dos menores<br />
de idade. Posto isto, JULGO PROCE-<br />
DENTE o pedido para reconhecer E. K.<br />
T. e A. L. K. T. também filhos de M. K.<br />
E. O., a mãe biológica, atribuindo-se<br />
a eles e a ela todos os direitos relativos<br />
à filiação e ao parentesco. As<br />
crianças manterão o nome, passando<br />
a constar, em retificação, no respectivo<br />
assento de nascimento, que<br />
filhos de A. T. M. e M. K. E. O., tendo<br />
por avós J. S. M. e I. T. A., e K. A. E. O. e<br />
M. F. A (fls. 26 e 110).(BRASIL, 2010).<br />
A solução dada ao processo foi baseada<br />
primeiramente no princípio da dignidade humana<br />
contido no Art. 1º, III, da Constituição Federal.<br />
Em tal princípio, a dignidade é considerada<br />
um valor moral e espiritual intrínseco aos seres<br />
humanos, nas quais estes podem se autodeterminar<br />
em suas vidas de forma consciente e responsável<br />
e que, segundo Moraes “[...] traz consigo<br />
a pretensão ao respeito por parte das demais<br />
pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável<br />
que todo o estatuto jurídico deve assegurar”<br />
(2010, p.22). Vale ressaltar que tal princípio<br />
é considerado o norte para o sistema dos<br />
direitos fundamentais, pois todos os outros direitos<br />
decorrem dele.<br />
Posteriormente, foi elencada no excerto<br />
da jurisprudência em análise”a liberdade e o<br />
direito a se ter filhos e de planejá-los de maneira<br />
responsável” contidos no Art. 5º, caput e Art.<br />
226, § 7º da Constituição de 1988.<br />
Nos ensinamentos de Paulo Gonet Branco,<br />
“as liberdade são proclamadas partindo-se da<br />
perspectiva da pessoa humana como ser me busca<br />
da auto-realização, responsável pela escolha<br />
dos meios aptos para realizar as suas potenciali-<br />
274<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 12, n. 1, p. 267-276, jun. 2011
dades” (2010, p. 586). Logo, foi garantida a liberdade<br />
de ter filhos ao casal, desde que cumpram<br />
com o dever de favorecer todas as condições para<br />
que os menores cresçam em condições dignas.<br />
A posteriori, se mencionou na decisão<br />
judicial “o dever da não discriminação e igualdade,<br />
às várias formas de família e aos filhos que<br />
delas se originem (arts. 3º, IV, 226, e 227, caput e<br />
§ 3º, da CF), e, consequentemente, o direito ao<br />
estado de filiação e ao nome, reciprocamente<br />
entre pais e filhos, não só para a perfeita e própria<br />
identificação, mas também daqueles e da<br />
célula familiar de que derivam”. Isto significa que<br />
todos os cidadãos devem ser tratados de forma<br />
igual pela lei, de forma a vedar qualquer tipo de<br />
discriminação. Vale ressaltar também a garantia<br />
do nome às crianças envolvidas, pois ele é um<br />
direito personalíssimo intrínseco ao ser humano<br />
que promove identificação e comprovação<br />
de estirpe familiar, sendo um direito inserido<br />
dentro do princípio da dignidade humana, como<br />
já foi afirmado anteriormente.<br />
Portanto, neste caso, a família homoafetiva<br />
em questão não deve de forma alguma ter<br />
seus direitos cerceados pela condição de sua<br />
sexualidade, visto que tal família tem plenas<br />
condições de favorecer condições dignas ao processo<br />
de desenvolvimento das crianças envolvidas,<br />
tanto que o magistrado optou pela procedência<br />
da ação, dando a dupla maternidade no<br />
registro civil dos menores envolvidos.<br />
Em virtude de todo o exposto, é fundamental<br />
reconhecer o quanto tal decisão judicial<br />
é inédita e importante para nortear casos similares<br />
que por ventura vierem a surgir, já que a<br />
condição de homossexualidade é um fato extremamente<br />
antigo e corrente na sociedade, e<br />
não se pode negar às pessoas em tal condição os<br />
seus direitos, dentre os quais o desejo de constituir<br />
uma família, pois todos são iguais em deveres<br />
e direitos e Justiça tem por dever garantir<br />
a efetividade dos mesmos.<br />
Os elementos de liberdade e igualdade<br />
estabelecidos sob o pálio da dignidade da pessoa<br />
humana devem ser assegurados a todos, que têm<br />
o direito de firmar sua felicidade e bem estar<br />
como melhor se adéque em sua vida, desde que<br />
não fira os direitos de outras pessoas. No caso em<br />
tela, o estabelecimento dos direitos dos homossexuais<br />
é o reconhecimento de um avanço para<br />
toda uma sociedade pluralista, no caminho de uma<br />
real e efetiva democracia justa e humanitária.<br />
REFERÊNCIAS<br />
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio<br />
Mártires; FERREIRA, Gilmar Mendes. Curso<br />
de direito constitucional. 5. ed. rev. e atual. São<br />
Paulo: Saraiva, 2010.<br />
BRASIL. Constituição Federal de 1988, de 5 de<br />
outubro de 1988. Organização do texto: Ana Joyce<br />
Angher. Vade Mecum Universitário de Direito. 9.<br />
ed. São Paulo: Rideel, 2011.<br />
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imagem da Capa:<br />
Jorge Eiró, "Tranças das Amazonas",<br />
da série "Labirinto Líquido" (2004)<br />
gravura digital, 30 x 50 cm.<br />
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