C:\ARQUIVO DE TRABALHO 2010\EDI - Unama
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R E V I S TA<br />
LATO & SENSU<br />
v. 11, n. 1, jun. 2010<br />
Belém<br />
2010<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 1
REVISTA LATO & SENSU<br />
UNIVERSIDA<strong>DE</strong> DA AMAZÔNIA<br />
REITOR<br />
Antonio de Carvalho Vaz Pereira<br />
VICE-REITOR<br />
Henrique Heidtmann Neto<br />
PRÓ-REITOR <strong>DE</strong> ENSINO<br />
Mário Francisco Guzzo<br />
PRÓ-REITORA <strong>DE</strong> PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO<br />
Núbia Maria de Vasconcelos Maciel<br />
COOR<strong>DE</strong>NADORA PEDAGÓGICA<br />
Zenilda Botti Fernandes<br />
SUPERINTEN<strong>DE</strong>NTE <strong>DE</strong> EXTENSÃO<br />
Vera Lúcia Carneiro Soares<br />
SUPERINTEN<strong>DE</strong>NTE <strong>DE</strong> PESQUISA<br />
Ana Célia Bahia Silva<br />
EXPEDIENTE<br />
EDIÇÃO: Editora UNAMA<br />
RESPONSÁVEL: João Carlos Pereira<br />
SUPERVISÃO: Helder Leite<br />
COOR<strong>DE</strong>NAÇÃO: Zenilda Botti Fernandes<br />
ORGANIZAÇÃO: Francisca Magnólia de Oliveira Rego<br />
NORMALIZAÇÃO: Maria Miranda<br />
REVISÃO: Luiz F. Branco<br />
IMPRESSÃO: Delta Gráfica e Editora Ltda.<br />
Campus Alcindo Cacela<br />
Av. Alcindo Cacela, 287<br />
Campus BR<br />
Rod. BR-316, km3<br />
Campus Quintino<br />
Trav. Quintino Bocaiúva, 1808<br />
Campus Senador Lemos<br />
Av. Senador Lemos, 2809<br />
66060-902 - Belém-Pará<br />
67113-901 - Ananindeua-PA<br />
66035-190 - Belém-Pará<br />
66120-901 - Belém-Pará<br />
Fone geral: (91) 4009-3000<br />
Fone: (91) 4009-9200<br />
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Fax: (91) 4009-9308<br />
Fax: (91) 4009-0622<br />
Fax: (91) 4009-7153<br />
Catalogação na fonte<br />
www.unama.br<br />
R454r Revista Lato & Sensu - Belém: UNAMA, v.11, n. 1, jun. 2010<br />
126 p.<br />
ISSN: 1519-8758<br />
1. UNAMA - Educação Superior. 2. UNAMA - Periódicos.<br />
CDD: 050<br />
2 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009
v.11 n. 1 2010<br />
SUMÁRIO<br />
EDITORIAL ........................................................................................................................................ 5<br />
BOLSISTAS <strong>DE</strong> INICIAÇÃO CIENTÍFICA<br />
• GRAU <strong>DE</strong> SATISFAÇÃO NO AMBIENTE HOSPITALAR: um estudo de ergonomia e<br />
saúde do trabalhador na Santa Casa de Misericórdia do Pará ...................................................................... 11<br />
Carolina Moraes da Costa<br />
Raphaella Santos Loureiro<br />
• GÊNERO, MEIO AMBIENTE E DIREITOS HUMANOS:<br />
o empoderamento de um grupo de mulheres a serviço do desenvolvimento de<br />
uma comunidade pobre de Belém/PA ........................................................................................................ 21<br />
Lidiane Henriques Begot<br />
• AS TRAMAS ATUAIS DAS FIBRAS TÊXTEIS ...................................................................................................... 29<br />
Janice Accioli Ramos Rodrigues<br />
• ENSINO <strong>DE</strong> LÍNGUA PORTUGUESA: por uma postura mais crítica ................................................................ 39<br />
Welton Diego Carmin Lavareda<br />
• NOVAS PERSPECTIVAS ACERCA DAS MEDIDAS <strong>DE</strong> ACOLHIMENTO INSTITICIONAL: um olhar da Psicologia .... 45<br />
Rogério Tavares da cruz<br />
Márcia Soares Bezerra<br />
• VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: um estudo da fala de vestibulandos de escolas públicas e privadas de Belém....... 55<br />
Diego de Sousa Cruz Lima<br />
Lato & Sensu Belém v.11 n.1 p. 1-132 jun. 201 0<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 3
BOLSISTAS <strong>DE</strong> MONITORIA<br />
• ASPECTOS SUPRASSEGMENTAIS DA LINGUAGEM NOS TRÊS PRIMEIROS ANOS <strong>DE</strong> VIDA:<br />
revisão de literatura ................................................................................................................................... 63<br />
Gabriela Albuquerque Silva<br />
• AUTOESTIMA NA TERCEIRA IDA<strong>DE</strong> ............................................................................................................... 69<br />
José Maria Farah Costa Junior<br />
• AVALIAÇÃO E PROPOSTA <strong>DE</strong> TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO PARA PACIENTES<br />
COM HÉRNIA <strong>DE</strong> DISCO LOMBAR: relato de caso ......................................................................................... 75<br />
Yan Aquino Diniz<br />
• DOS ESCRITOS <strong>DE</strong> EUCLI<strong>DE</strong>S DA CUNHA À CONTEMPORANEIDA<strong>DE</strong>:<br />
a Amazônia da fronteira às margens do rio Purus .......................................................................................... 85<br />
William Monteiro Rocha<br />
• ABORDAGEM FISIOTERAPÊUTICA NO TRATAMENTO DA CONTRATURA <strong>DE</strong> DUPUYTREN:<br />
uma revisão de literatura ........................................................................................................................... 95<br />
Rafael de Oliveira Barbosa<br />
• ABORDAGEM HIDROTERAPÊUTICA NA ARTROPLASTIA <strong>DE</strong> QUADRIL........................................................... 101<br />
Camille Yoldi dos Reis<br />
Profª. Msc. Ediléa Monteiro de Oliveira<br />
• ATUAÇÃO DA FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DA ARTROGRIPOSE MÚLTIPLA CONGÊNITA:<br />
revisão da literatura ................................................................................................................................... 105<br />
Yuri Fonseca Lelis<br />
• MORTE SÚBITA EM ATLETAS ESPORTISTAS: revisão da literatura ................................................................ 111<br />
Bruno Lobato Carneiro<br />
Márcio Clementino de Souza Santos<br />
• INSTRUMENTALIDA<strong>DE</strong> DO SERVIÇO SOCIAL: um estudo com pacientes renais crônicos em lista<br />
de espera por terapia renal substitutiva na FHCGV ................................................................................... 117<br />
Carla Marília Pinheiro Pereira<br />
4 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009
EDITORIAL<br />
Uma revista e muitos sonhos<br />
Arevista Lato & Sensu se diferencia das demais porque aposta no sonho. Não no onírico, no<br />
devaneio, mas no sonho como ampla possibilidade. A Lato&Sensu é assim: uma aposta no<br />
amanhã. E por ser uma publicação que acredita na possibilidade de seus autores, tem um largo<br />
espaço para crescer.<br />
Vejo, no trabalho dos bolsistas de monitoria, extensão, iniciação científica, TV <strong>Unama</strong> e<br />
Rádio <strong>Unama</strong> FM, a semente de um novo tempo. A Universidade investe em gente que tem tudo<br />
para se transformar em grandes pesquisadores, porque sabe que, sem eles, uma escola de ensino<br />
superior fica reduzida à condição de escola.<br />
Na UNAMA, o trabalho intelectual não apenas é estimulado como se transforma, desde a<br />
graduação, em forma de comprometer o aluno com o saber que está nos livros, mas que vai para<br />
além deles. Hoje, a pesquisa é uma porta aberta para a descoberta de novos horizontes e esses<br />
horizontes estão, cada vez mais, ao alcance dos estudantes. Descobrir caminhos para eles é o<br />
desafio da Universidade, que não pode se contentar apenas em oferecer a chamada “educação<br />
bancária”, de que tanto falava Paulo Freire.<br />
Para um grupo de estudantes que se interessa em descobrir, valendo-se das próprias mãos,<br />
vai bem a máxima chinesa de não entregar o peixe, mas de ensinar a pescar. O ensino superior<br />
oferece a dupla opção: traz o peixe e traz o anzol. Há quem fique com o peixe; há quem prefira<br />
caniço, linha e o desafio. Esses estão aqui, nesta revista-laboratório, da qual a UNAMA muito se<br />
orgulha. Ao ver o trabalho de tantos alunos e professores-orientadores se concretizar por meio de<br />
publicação de artigos, penso que estamos no caminho certo. O amanhã que tanto queremos começa<br />
agora, na experimentação, na vontade de descobrir, no gesto simbólico de semear conhecimento<br />
para colher mais tarde.<br />
Como a missão da UNAMA é oferecer educação para o desenvolvimento da Amazônia, aqui<br />
estamos criando espaços para que essa tarefa seja realizada, da melhor maneira possível, a partir da sala<br />
de aula, ampliando-se para as diferentes fontes que são as outras Revistas da Universidade. A professora<br />
Zenilda Botti Fernandes, que há anos acompanha o trabalho de alunos e professores, recebe, em nome<br />
de todos que participam dessa missão, o melhor agradecimento da UNAMA e do futuro.<br />
Antonio de Carvalho Vaz Pereira<br />
Reitor da Universidade da Amazônia<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 5
6 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009
ARTIGOS<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 7
8 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009
BOLSISTAS <strong>DE</strong> INICIAÇÃO CIENTÍFICA<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 9
GRAU <strong>DE</strong> SATISFAÇÃO NO AMBIENTE HOSPITALAR:<br />
um estudo de ergonomia e saúde do trabalhador na<br />
Santa Casa de Misericórdia do Pará 1<br />
Carolina Moraes da Costa*<br />
Raphaella Santos Loureiro**<br />
R E S U M O<br />
Este artigo apresenta uma análise do grau de satisfação e da percepção subjetiva do ambiente<br />
hospitalar dos pacientes e trabalhadores de duas enfermarias da Santa Casa de Misericórdia<br />
do Pará. As enfermarias são diferenciadas por duas variáveis: a localização em relação às<br />
ruas e a condição de climatização. Foram realizadas entrevistas com pacientes e trabalhadores<br />
do objeto de estudo, usando como ferramenta questionários semiestruturados. Constatou-se<br />
que, de forma geral, pacientes e trabalhadores consideram o ambiente hospitalar estudado<br />
com um bom grau de satisfação dos aspectos ergonômicos do mobiliário e locomoção, assim<br />
como, dos níveis de ruído para a saúde do trabalhador nas duas enfermarias.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Saúde do trabalhador. Ergonomia. Grau de satisfação. Ambiente hospitalar.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
O estudo apresentado é de grande relevância,<br />
pois um ambiente agradável e adequado proporciona<br />
melhor qualidade de atendimento dos<br />
trabalhadores aos pacientes, assim como pode<br />
ajudar no processo de cura dos pacientes durante<br />
o período de internação, somado ao fato da existência<br />
de poucos trabalhos publicados sobre os<br />
aspectos ergonômicos voltados para os pacientes,<br />
visto que a maioria dos estudos refere-se<br />
exclusivamente aos trabalhadores.<br />
Segundo Picada (1999) “o conforto ambiental<br />
está intimamente ligado às necessidades<br />
psicossomáticas do indivíduo que, muitas vezes,<br />
têm que ser expressas para que possam<br />
ser atendidas e, em outras vezes, por tão específicas<br />
e particulares, são relegadas à solução<br />
genérica adotada”.<br />
A NBR 10.151/2000 da ABNT recomenda de<br />
35 a 45 decibéis como nível de ruído aceitável e<br />
não prejudicial ao aparelho auditivo, considerando,<br />
ainda, o tempo de exposição ao ruído.<br />
Dias (2000), aponta algumas características<br />
básicas da saúde do trabalhador:<br />
A busca da compreensão das relações (de<br />
nexo) entre o Trabalho, a Saúde e a Doença dos<br />
trabalhadores, para fins de promoção e prevenção<br />
da saúde e da assistência, incluindo o diagnóstico,<br />
tratamento e a reabilitação; a ênfase na<br />
necessidade de mudança das condições e dos<br />
ambientes de trabalho, em direção à humanização<br />
do trabalho; a participação dos trabalhadores<br />
enquanto sujeitos de sua vida e da sua saúde.<br />
* Aluna do 4º ano de Fisioterapia da UNAMA e pesquisadora<br />
da Iniciação Científica tendo como linha de pesquisa<br />
“Indicadores de Qualidade de Vida”.<br />
**Aluna do 3º ano de Terapia Ocupacional da UNAMA e<br />
pesquisadora da Iniciação Científica tendo como linha de<br />
pesquisa “Saúde e Ambiente”.<br />
¹ Artigo produzido sob a orientação da professora dr a . Elcione<br />
Maria Lobato de Moraes.<br />
11<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010
A saúde ocupacional dos trabalhadores da<br />
área da saúde é de suma importância, tendo em<br />
vista que estes precisam estar bem fisicamente<br />
e psicologicamente para que atendam o paciente<br />
com qualidade. É definida pelo comitê da Organização<br />
Internacional do Trabalho – OIT e Organização<br />
Mundial da Saúde – OMS tendo como<br />
finalidade “incentivar e manter o mais elevado<br />
nível de bem-estar físico, mental e social dos trabalhadores<br />
em todas as profissões; prevenir<br />
todo o prejuízo causado à saúde destes pelas<br />
condições de seu trabalho; resumidamente<br />
adaptar o trabalho ao homem e cada homem ao<br />
seu trabalho” (NOGUEIRA, 1984).<br />
O grau de satisfação no trabalho é importante,<br />
pois serve como um termômetro do comportamento<br />
do trabalhador em relação à sua atividade.<br />
O fato de um trabalhador estar insatisfeito<br />
ou não com o seu emprego pode ser explicado<br />
por inúmeros fatores (MACHADO, 2008).<br />
Quanto à relação entre o grau de satisfação<br />
e características pessoais do usuário ainda<br />
persiste grande divergência entre os autores.<br />
No estudo realizado por Weiss (1988), após uma<br />
revisão extensa sobre o tema, são apontados<br />
quatro grupos principais de determinantes da<br />
satisfação: características dos pacientes, incluindo<br />
as sociodemográficas, as expectativas sobre<br />
a consulta médica e o estado atual de saúde;<br />
características dos profissionais que prestam<br />
o atendimento incluindo traços de personalidade,<br />
qualidade técnica e a arte do cuidado<br />
prestado; aspectos da relação médico-paciente,<br />
incluindo o estilo de comunicação entre os<br />
dois, bem como o resultado do encontro; fatores<br />
estruturais e ambientais, incluindo o acesso,<br />
forma de pagamento, tempo de tratamento,<br />
marcação de consultas e outros.<br />
Já a ergonomia foi definida como “o conjunto<br />
de conhecimentos científicos relativos ao<br />
homem e necessários à concepção de instrumentos,<br />
máquinas e dispositivos que possam ser<br />
utilizados com o máximo de conforto, segurança<br />
e eficiência” (LAVILLE, 1977).<br />
Para a Associação Internacional de Ergonomia<br />
(IEA) a ergonomia (ou fatores humanos) é<br />
uma disciplina científica que estuda as interações<br />
dos homens com os outros elementos do<br />
sistema, fazendo aplicações de teorias, princípios<br />
e métodos de projeto, com o objetivo de<br />
melhorar o bem-estar humano e o desempenho<br />
global do sistema. (DUL; WEERDMEESTER, 2004).<br />
A ergonomia e a saúde do trabalhador são<br />
utilizadas para recomendar a melhor adaptação<br />
dos integrantes ao ambiente hospitalar. Portanto,<br />
levando-se em consideração o bem-estar do<br />
paciente e trabalhador, optou-se por fazer uma<br />
análise ergonômica e ocupacional nas Enfermarias<br />
São Roque e Frei Caetano, da Santa Casa de<br />
Misericórdia do Pará. Tendo como objetivo geral<br />
analisar o grau de satisfação dos pacientes e<br />
dos trabalhadores nas enfermarias, e como objetivos<br />
específicos avaliar o grau de satisfação<br />
da ergonomia das enfermarias, visando a mobilidade<br />
e conforto dos pacientes; quantificar o<br />
grau de satisfação dos trabalhadores das enfermarias<br />
quanto ao conforto acústico; e verificar o<br />
grau de satisfação dos pacientes e trabalhadores<br />
em relação ao ambiente onde se encontram.<br />
2 OBJETO <strong>DE</strong> ESTUDO<br />
O objeto de estudo é a Fundação Santa Casa<br />
de Misericórdia do Pará, localizada no bairro do<br />
Umarizal, na cidade de Belém. A Santa Casa é<br />
um hospital centenário, com 346 leitos, voltado<br />
ao atendimento de pacientes de Belém e do interior<br />
do estado, em várias especialidades médicas,<br />
entre elas, às destinadas ao atendimento<br />
materno-infantil. O hospital está situado em uma<br />
área considerada pelo mapa acústico de Belém<br />
como sendo de condição acústica saturada, ou<br />
seja, os níveis sonoros no seu entorno ultrapassam<br />
os limites máximos recomendados pela Organização<br />
Mundial de Saúde para zonas hospitalares<br />
(SOUZA et al, 2010).<br />
As enfermarias analisadas são a São Roque<br />
e Frei Caetano: a primeira é uma enfermaria de<br />
12 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010
clínica médica adulta, masculina e feminina; fica<br />
localizada no limite externo do edifício, voltada<br />
para uma rua de trânsito intenso e sofre influência<br />
direta do ruído urbano; não é climatizada,<br />
tem um quadro de profissionais fixos de<br />
8 por turno, 26 leitos; a outra é uma enfermaria<br />
de clínica cirúrgica adulta e masculina; está localizada<br />
na área central do hospital e é climatizada;<br />
possui um quadro fixo de profissionais<br />
de 4 por turno, 14 leitos.<br />
3 METODOLOGIA<br />
A metodologia aplicada para o desenvolvimento<br />
do trabalho consta de pré-coleta de<br />
dados (elaboração do questionário); análises<br />
e conclusão. Inicialmente foi elaborado o<br />
questionário semi-estruturado com uma abordagem<br />
sobre a ergonomia e saúde do trabalhador.<br />
Minayo (2004) considera que o questionário<br />
semi-estruturado “combina perguntas<br />
fechadas (ou estruturadas) e abertas, onde o<br />
entrevistado tem a possibilidade de discorrer<br />
sobre o tema proposto, sem respostas ou condições<br />
prefixadas pelo pesquisador”.<br />
As entrevistas foram realizadas entre os<br />
meses de outubro e novembro de 2009. Foram<br />
aplicados questionários em 50 pacientes<br />
e acompanhantes e 24 funcionários do<br />
hospital. O material coletado através de<br />
análise qualitativa foi utilizado para o método<br />
de tratamento das informações. A opção<br />
pela análise de conteúdo deve-se ao<br />
fato deste método nos permitir a operacionalização<br />
no tratamento dos dados e, consequentemente,<br />
a sistematização, análise e<br />
interpretação de caráter qualitativo. A análise<br />
de conteúdo está conforme as proposições<br />
de Bardin (1977).<br />
Segundo Bardin (1977), a análise de conteúdo<br />
pode ser definida como:<br />
Um conjunto de técnicas de análise<br />
de comunicação visando obter, por<br />
procedimentos sistemáticos e objetivos<br />
de descrição do conteúdo das<br />
mensagens, indicadores (quantitativos<br />
ou não) que permitam a interferência<br />
de conhecimentos relativos<br />
às condições de produção/recepção<br />
desta mensagem.<br />
A análise aconteceu em três momentos. O<br />
primeiro trabalhou as respostas obtidas no questionário,<br />
a fim de perceber como o indivíduo em<br />
questão avalia e compreende seu ambiente de<br />
trabalho e os aspectos ergonômicos; no segundo<br />
momento, após as coletas dos dados, estes<br />
foram analisados de acordo com a literatura; no<br />
terceiro momento os resultados, já fundamentados,<br />
foram correlacionados.<br />
A avaliação do grau de satisfação teve como<br />
base uma escala linear e contínua de 15 cm (de<br />
acordo com JONES, 1976), com três âncoras nas 2<br />
extremidades (satisfeito e insatisfeito) e uma<br />
posição neutra ao centro (PASTRE et al, 2001).<br />
4 ANÁLISE DOS RESULTADOS<br />
I. Enfermaria São Roque<br />
A Enfermaria São Roque é classificada como<br />
uma enfermaria de clínica médica adulta unissex,<br />
tendo um tempo médio de permanência/<br />
internação de aproximadamente 23 dias. É uma<br />
enfermaria climatizada e está localizada no limite<br />
lateral do hospital, com janelas voltadas<br />
diretamente para as ruas que a contornam.<br />
Com relação à percepção da ergonomia<br />
dos usuários, a tabela 1, abaixo, mostra que<br />
86,7% dos entrevistados declaram não ter dificuldade<br />
de locomover-se nessa enfermaria;<br />
enquanto 13,3% consideram que não conseguem<br />
locomover-se adequadamente. 56,7%<br />
dos entrevistados afirmam não ter nenhum<br />
tipo de dificuldade para subir e/ou descer do<br />
leito. Em relação ao conforto no leito, 56,7%<br />
declaram o leito confortável, já em relação ao<br />
tamanho do leito, 86,7% alegam ser adequado.<br />
60% destes relatam que o banheiro é adaptado,<br />
acessível e seguro.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010<br />
13
Tabela 1: Descrição da percepção ergonômica de pacientes da Enfermaria São Roque.<br />
Questões<br />
A tabela 2 mostra o porquê dos 40% dos<br />
entrevistados não considerarem o banheiro<br />
adaptado, acessível e seguro. Isto ocorre devido<br />
à falta de barras de apoio, piso escorregadio, altura<br />
do registro do chuveiro, sujeira, acento do<br />
vaso sanitário quebrado e ser pequeno.<br />
A amostra de trabalhadores foi de 15 pessoas.<br />
Observa-se que 53,3% dos entrevistados<br />
percebem o aumento de ruído no decorrer do<br />
hospital onde localiza-se a enfermaria em questão<br />
(ver tabela 3).<br />
O tempo de trabalho no hospital é diversificado,<br />
vai de 22 anos a 1 mês de trabalho. O<br />
barulho de obras foi o mais citado como ruído<br />
que aumentou com o tempo; alguns entrevistados<br />
ressaltaram também o ruído externo, como<br />
o trânsito, por exemplo. Nada é feito para minimizar<br />
o incômodo causado pelo ruído por 10 en-<br />
Tabela 2: Descrição da percepção dos banheiros pelos pacientes da enfermaria São Roque.<br />
tempo de serviço na enfermaria. Quanto ao prejuízo,<br />
apenas 20% percebe que o ruído prejudica<br />
muito no desempenho de suas atividades, enquanto<br />
que 40% considera que em nada prejudica<br />
e 40% que pouco prejudica. 100% dos entrevistados<br />
disseram que não participam de nenhum<br />
programa preventivo para minimizar o incômodo<br />
com o ruído, apesar de 66,7% ter conhecimento<br />
do programa Saúde do Trabalhador, do<br />
trevistados; outros disseram que fecham a porta<br />
e ligam o ar-condicionado; outros fecham as<br />
janelas e outros disseram não dar importância<br />
(ver tabela 4).<br />
II. Enfermaria Frei Caetano<br />
É uma enfermaria de clínica cirúrgica adulta<br />
e masculina; o tempo médio de permanência/<br />
14<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010
Tabela 3: Percepção do incômodo que o ruído causa à saúde do trabalhador na Enfermaria São<br />
Roque.<br />
internação é de 28,5 dias. A enfermaria está localizada<br />
na parte interna do hospital, longe das<br />
vias públicas e é climatizada.<br />
Quando foi perguntado aos pacientes, sobre<br />
a dificuldade de locomover-se na enfermaria<br />
a resposta foi unânime, ou seja, 100% dos<br />
entrevistados afirmam não ter nenhuma dificuldade.<br />
85% relatam não ter problemas de subir e<br />
descer do leito. Já em relação ao conforto no<br />
leito 90% o consideram confortável; já em relação<br />
ao tamanho do leito, 95% alegam ser adequado.<br />
95% destes relatam que o banheiro é<br />
adaptado, acessível e seguro.<br />
Somente um dos entrevistados não considera<br />
o banheiro adaptado, acessível e seguro. Isto<br />
ocorre devido ao vaso sanitário ser muito baixo.<br />
A amostra de trabalhadores foi de 9 pessoas.<br />
Observa-se que 77,8% dos entrevistados percebem<br />
não haver aumento de ruído no decorrer do tempo<br />
de serviço na enfermaria. Quanto ao prejuízo, 77,8%<br />
percebem que o ruído pouco prejudica no desempenho<br />
de suas atividades. 100% dos entrevistados<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010<br />
15
Tabela 4: Descrição dos trabalhadores da São Roque sobre medidas de prevenção contra o incômodo<br />
que o barulho causa, e o aumento deste em relação ao tempo de trabalho no hospital.<br />
Tabela 5: Descrição da percepção ergonômica de pacientes da Enfermaria Frei Caetano.<br />
disseram que não participam de nenhum programa<br />
preventivo para minimizar o incômodo com o<br />
ruído, apesar de 88,9% ter conhecimento do programa<br />
Saúde do Trabalhador, do hospital onde se<br />
localiza a enfermaria em questão (ver tabela 6).<br />
Barulho de obras e equipamentos tecnológicos<br />
foram citados por alguns entrevistados<br />
como os que mais aumentaram com o tempo.<br />
Fechar a porta e ligar o ar-condicionado, ignorar,<br />
habituar-se, afastar-se são algumas atitudes tomadas<br />
para minimizar o incômodo causado pelo<br />
ruído (ver tabela 7).<br />
16<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010
Tabela 6: Percepção do incômodo que o ruído causa à saúde do trabalhador na Enfermaria Frei<br />
Caetano.<br />
Legendas: N / P / M : Nada / Pouco / Muito<br />
Tabela 7: Descrição dos trabalhadores da Frei Caetano sobre medidas de prevenção contra o incômodo<br />
que o barulho causa, e o aumento deste em relação ao tempo de trabalho no hospital<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010<br />
17
5 CONCLUSÕES<br />
Percebeu-se que, de acordo com aspectos<br />
ergonômicos na Enfermaria São Roque, mais da<br />
metade dos pacientes entrevistados relatam locomover-se<br />
adequadamente dentro da enfermaria,<br />
não ter dificuldade de subir e descer do<br />
leito; afirmam que o mesmo é confortável e<br />
apresenta um tamanho adequado, além de referir<br />
que o banheiro dessa enfermaria é adaptado,<br />
acessível e seguro.<br />
As condições ergonômicas da Enfermaria Frei<br />
Caetano são quase idênticas às da enfermaria citada<br />
acima, pois todos os pacientes relatam que<br />
se locomovem bem dentro da enfermaria, além<br />
do que, a maioria dos entrevistados afirma não<br />
apresentar dificuldade de subir e descer do leito,<br />
o acham confortável, com tamanho ideal e o banheiro<br />
adaptado, acessível e seguro. Esta opinião<br />
deve-se ao fato dos entrevistados compararem<br />
as enfermarias em questão com outros hospitais<br />
ligados ao Sistema Único de Saúde – SUS.<br />
Em relação à saúde do trabalhador, as respostas<br />
dadas pelos entrevistados da Enfermaria<br />
São Roque não foram a esperadas. Estimava-se<br />
que pelo fato da enfermaria não ser climatizada<br />
e ser localizada ao lado de uma rua com tráfego<br />
de veículos intenso a percepção em relação ao<br />
ruído seria maior, contudo 46,7% dos entrevistados<br />
disseram não perceber aumento do barulho<br />
com o tempo de serviço no hospital. Além disso,<br />
a maioria dos entrevistados afirmou que o barulho<br />
não prejudica ou pouco prejudica o seu desempenho<br />
no trabalho, sendo citado o barulho<br />
de obras e trânsito como os que mais aumentaram<br />
com o tempo.<br />
Enquanto que na Enfermaria Frei Caetano,<br />
que é climatizada e localizada na área interna do<br />
hospital, somente 22,2% dos entrevistados disseram<br />
que houve aumento do barulho e 77,8%<br />
declararam que esse barulho pouco prejudica no<br />
desempenho de suas atividades. Os barulhos que<br />
mais aumentaram com o tempo, segundo alguns<br />
entrevistados, foi o de obras e, também, o de<br />
equipamentos tecnológicos.<br />
Vale ressaltar o fato de 100% dos entrevistados<br />
em ambas as enfermarias relatarem não<br />
participar de nenhum programa preventivo para<br />
minimizar o incômodo causado pelo ruído; para<br />
diminuir esse incômodo algumas medidas são<br />
adotadas, como fechar portas e janelas e ligar o<br />
ar-condicionado, não dar importância, ignorar,<br />
afastar-se. Apenas 33,3% na São Roque e 11,1%<br />
na Frei Caetano ressaltaram não conhecer o Programa<br />
Saúde do Trabalhador, do hospital, que<br />
seria um serviço voltado a preservar a qualidade<br />
de vida dos trabalhadores.<br />
Considera-se que os trabalhadores, provavelmente,<br />
já se acostumaram com o ruído presente<br />
nessas enfermarias, levando-se em consideração<br />
o fato da maioria deles trabalhar no<br />
hospital há mais de 2 anos.<br />
Pode-se concluir que o objeto de estudo<br />
dentro da ergonomia foi ressaltado com um bom<br />
grau de satisfação. Entretanto, em consideração<br />
à saúde do trabalhador, constatou-se que apenas<br />
pouco mais da metade dos entrevistados<br />
considera as enfermarias em questão com grau<br />
de satisfação bom, em relação ao ruído.<br />
A contribuição deste estudo para as áreas<br />
hospitalares é mostrar que o grau de satisfação<br />
de pacientes e trabalhadores pode afetar no processo<br />
de cura e no atendimento adequado ao<br />
paciente. A equipe hospitalar deve estar consciente<br />
do ruído e das intervenções ergonômicas e<br />
dos efeitos dos mesmos, para que possam atuar<br />
de maneira mais efetiva na redução do estresse,<br />
da irritação, da impaciência, da poluição sonora,<br />
e também de que um ambiente ergonomicamente<br />
adequado proporciona bem-estar.<br />
18<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010
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Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010<br />
19
20 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009
GÊNERO, MEIO AMBIENTE E DIREITOS HUMANOS:<br />
o empoderamento de um grupo de mulheres a serviço do<br />
desenvolvimento de uma comunidade pobre de Belém/PA 1<br />
Lidiane Henriques Begot*<br />
R E S U M O<br />
Este trabalho tem como tema central a participação de um grupo de mulheres no desenvolvimento<br />
de uma comunidade localizada em uma área de vulnerabilidade social de Belém,<br />
especificamente no bairro do Tapanã. Apresenta a discussão sobre o direito à qualidade de vida<br />
e meio ambiente ecologicamente equilibrado em uma micropopulação amazônica. O direito a<br />
um meio ambiente ecologicamente equilibrado encontra-se resguardado no artigo 225 da Constituição<br />
Federal de 1988 e pode ser considerado um direito fundamental. Tal direito remete,<br />
entre outras questões, ao problema do planejamento das cidades e nele o saneamento básico.<br />
A construção de consciência ambiental e sobre a responsabilidade do Estado em oferecer serviços<br />
de saneamento resultou de um processo longo que perfilou um quadro de pró-atividade<br />
nesse grupo de mulheres.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Gênero. Meio Ambiente. Direitos Humanos. Desenvolvimento.<br />
1 O DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICA-<br />
MENTE EQUILIBRADO À QUALIDA<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> VIDA<br />
O direito mostra-se como uma área do saber<br />
interdisciplinar, pois, enquanto ciência social aplicada,<br />
produz um conhecimento que, entre outras<br />
funções, proporciona a construção de mecanismos<br />
capazes de mediar situações de conflito originadas<br />
na relação entre os indivíduos.<br />
Nesse sentido, a Constituição Federal de<br />
1988 representa o instrumento jurídico mais importante<br />
no cenário político e social brasileiro,<br />
já que nela se encontram as garantias básicas<br />
dos indivíduos, e representa ainda o conjunto<br />
de leis máximas sob as quais os demais instrumentos<br />
jurídicos nacionais, como as Constituições<br />
estaduais, por exemplo, estão submetidos.<br />
As expressões “direitos do homem”, “direitos<br />
humanos” e “direitos fundamentais”, são<br />
aparentemente sinônimas, contudo, são conceitos<br />
distintos dentro das ciências jurídicas.<br />
Para melhor exemplificar, Canotilho (2003) define<br />
direitos do homem como direitos “válidos<br />
para todos os povos em todos os tempos (dimensão<br />
jusnaturalista-universalista)” (p.393).<br />
Nesse sentido, em uma perspectiva ampla e<br />
geral, os direitos humanos, de acordo com a<br />
dimensão jusnaturalista-universalista, são<br />
aqueles garantidos legalmente na ordem jurídica,<br />
válidos intemporalmente. Por outro lado,<br />
os direitos fundamentais são os direitos do<br />
homem, jurídico-institucionalmente garantidos<br />
e limitados espaço-temporalmente. Ambos são<br />
da natureza do homem, daí seu caráter inviolá-<br />
*Discente do 4º semestre do curso de Direito (UNAMA; bolsista<br />
de Iniciação Científica.<br />
1<br />
Artigo orientado pela professora drª. Voyner Ravena Cañete.<br />
Lato Lato & Sensu, & Sensu, Belém, v. v. 11, 10 n. n. 1, 2, p. p. 21-27, 9-25, maio, jun. 2010 2009 21
vel. Os direitos fundamentais dos indivíduos<br />
são resguardados nesses instrumentos jurídicos,<br />
afirma Gilmar Mendes (2002).<br />
A Constituição brasileira de 1988 atribuiu<br />
significado ímpar aos direitos individuais. Já a<br />
colocação do catálogo dos direitos fundamentais<br />
no início do texto constitucional, denota a<br />
intenção do constituinte de lhes emprestar significado<br />
especial. A amplitude conferida ao texto,<br />
que se desdobra em 77 incisos em dois parágrafos<br />
(artigo 5 o ), reforça a impressão sobre a<br />
posição de destaque que o constituinte quis<br />
outorgar a esses direitos. A ideia de que os direitos<br />
individuais devem ter eficácia imediata,<br />
ressalta a vinculação direta dos órgãos estatais a<br />
esses direitos e o seu dever de guardar-lhes estrita<br />
observância (p.1).<br />
No texto em tela o autor mencionado revela<br />
a relação direta da gestão pública, de responsabilidade<br />
do Estado, com a garantia dos direitos<br />
mencionados no artigo 5º. Nesse cenário a<br />
segurança individual do cidadão estaria garantida.<br />
Todavia, essa não é a realidade social vivenciada<br />
pela população brasileira. Mas, ainda na<br />
busca de resguardar direitos fundamentais, estes<br />
se mostram diluídos em outros artigos da<br />
Constituição. Nesse sentido, o direito a um meio<br />
ambiente ecologicamente equilibrado, o direito<br />
à sadia qualidade de vida, e dentro dela o saneamento,<br />
resguardado no artigo 225 pode ser<br />
visto como uma estratégia também de garantia<br />
de direitos fundamentais. O artigo em questão<br />
merece ser aqui retomado:<br />
Art. 225. Todos têm direito ao meio<br />
ambiente ecologicamente equilibrado,<br />
bem de uso comum do povo e<br />
essencial à sadia qualidade de vida,<br />
impondo-se ao poder público e à coletividade<br />
o dever de defendê-lo e<br />
preservá-lo para as presentes e futuras<br />
gerações.<br />
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse<br />
direito, incumbe ao poder público:<br />
IV - exigir, na forma da lei, para instalação<br />
de obra ou atividade potencialmente<br />
causadora de significativa<br />
degradação do meio ambiente,<br />
estudo prévio de impacto ambiental,<br />
a que se dará publicidade;<br />
VI - promover a educação ambiental<br />
em todos os níveis de ensino e a<br />
conscientização pública para a preservação<br />
do meio ambiente;<br />
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas,<br />
na forma da lei, as práticas que<br />
coloquem em risco sua função ecológica,<br />
provoquem a extinção de espécies<br />
ou submetam os animais à<br />
crueldade.<br />
§ 3º - As condutas e atividades consideradas<br />
lesivas ao meio ambiente<br />
sujeitarão os infratores, pessoas<br />
físicas ou jurídicas, a sanções penais<br />
e administrativas, independentemente<br />
da obrigação de reparar os<br />
danos causados.<br />
Dessa sorte, o artigo acima descrito parece<br />
dar continuidade ao texto proposto no artigo 5 0 ,<br />
especialmente porque garante, através das obrigações<br />
do Estado, direitos que também são fundamentais.<br />
Reforçando ainda a relação entre esses dois<br />
direitos é possível encontrar o que preconiza a<br />
Declaração Universal dos Direitos Humanos:<br />
Todas as pessoas nascem livres e<br />
iguais em dignidade e direitos. São<br />
dotadas de razão e devem agir em<br />
relação umas às outras com espírito<br />
de fraternidade (artigo I).<br />
Toda pessoa tem capacidade para<br />
gozar os direitos e as liberdades<br />
estabelecidos nesta Declaração,<br />
sem distinção de qualquer espécie,<br />
seja de raça, cor, sexo, língua, religião,<br />
opinião política ou de outra<br />
natureza, origem nacional ou social,<br />
riqueza, nascimento, ou qualquer<br />
outra condição (artigo II).<br />
Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade<br />
e à segurança pessoal (artigo<br />
III).<br />
Sabe-se, porém, que os direitos humanos<br />
refletem condições política, social, cultural e, no<br />
Brasil, muito há de ser feito para se atingir, se<br />
não a excelência, ao menos a existência de condições<br />
mínimas de segurança social. Essa questão<br />
remete mais uma vez ao poder público enquanto<br />
produtor, implementador e gestor de<br />
políticas públicas que façam valer os direitos dos<br />
22 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 21-27, jun. 2010
milhões de habitantes que formam a sociedade<br />
brasileira, mas que vivem em situação de pouco<br />
ou nenhum conhecimento de seus direitos.<br />
Articulando direitos fundamentais e direitos<br />
humanos em cenário de pobreza, o trabalho<br />
de Fernanda Doz Costa (2008) permite vislumbrar<br />
relações importantes entre esses dois direitos.<br />
A autora faz uma classificação reveladora<br />
sobre essa temática em seu trabalho, no qual<br />
apresenta as seguintes teorias:<br />
(1) teorias que concebem a pobreza, por si<br />
só, como uma violação de direitos humanos; (2)<br />
teorias que definem a pobreza como uma violação<br />
de um direito humano específico, a saber, o<br />
direito a um nível de vida adequado ou o direito<br />
ao desenvolvimento; e (3) teorias que consideram<br />
a pobreza como causa ou consequência de<br />
violações de direitos humanos.<br />
Analisando as proposições da autora, é possível<br />
verificar que pessoas em uma situação de<br />
pobreza severa encontram-se violadas no que<br />
dispõe a carta dos Direitos Humanos, ou mesmo<br />
o que consta na Constituição Federal de 1988<br />
sobre os direitos fundamentais. Dentre os direitos<br />
deixados para trás chama a atenção o direito<br />
da dignidade humana, no qual está implícita a<br />
necessidade de um meio ambiente ecologicamente<br />
equilibrado.<br />
Para Milaré (2005), de acordo com o Princípio<br />
nº 10 da Declaração do Rio, de 1992, a melhor<br />
opção para se garantir e manter o direito ao meio<br />
ambiente ecologicamente equilibrado se refere<br />
ao envolvimento de todas as pessoas que estão<br />
ao redor deste. Ou seja, a alternativa seria<br />
levar a educação ambiental para todos os interessados<br />
nesta questão para que possam se fazer<br />
presentes perante a sociedade, reconhecendo<br />
seus direitos e deveres como cidadãos, assim<br />
possibilitando a todos o saber/consciência<br />
para utilizar de forma saudável o meio ambiente,<br />
a fim de que todos possam gozar do direito<br />
garantido no inciso VI do art. 225.<br />
O direito à participação pressupõe o direito<br />
de informação e está a ele intimamente ligado.<br />
É que os cidadãos com acesso à informação<br />
têm melhores condições de atuar sobre a sociedade,<br />
de articular mais eficazmente desejos e<br />
ideias e de tomar parte efetiva nas decisões que<br />
lhes interessam diretamente (MILARÉ, 2005. p.<br />
163).<br />
Por outro lado, corroborando o disposto na<br />
Declaração Universal dos Direitos Humanos, o<br />
direito a um meio ambiente ecologicamente<br />
equilibrado encontra-se resguardado no artigo<br />
225º da Constituição Federal de 1988 e pode ser<br />
considerado um direito fundamental. Nesse<br />
sentido, Santili (2005) aponta que:<br />
O meio ambiente ecologicamente<br />
equilibrado, essencial à qualidade<br />
de vida, é um direito humano fundamental.<br />
Embora não esteja arrojado<br />
no artigo 5º da Constituição entre os<br />
direitos e garantias fundamentais<br />
“explícitos”, a doutrina já reconhece<br />
o seu caráter fundamental, baseada<br />
em uma compreensão material do<br />
direito fundamental (p. 58).<br />
Na citação fica explícito que todos têm o<br />
direito à garantia, pelo poder público, de usufruir<br />
de um meio ambiente ecologicamente<br />
equilibrado, ou seja, um meio ambiente que<br />
garanta uma sadia qualidade de vida, com espaços<br />
limpos, redes de esgotos, coleta de lixo, de<br />
ter saneamento básico de forma geral, e não só<br />
para as gerações que estão agora presentes nestes<br />
ambientes, mas também às gerações que virão.<br />
Expressando esse direito a Constituição Federal<br />
de 1988 dispõe:<br />
Art. 225. Todos têm direito ao meio<br />
ambiente ecologicamente equilibrado,<br />
bem de uso comum do povo e<br />
essencial à sadia qualidade de vida,<br />
impondo-se ao poder público e à coletividade<br />
o dever de defendê-lo e<br />
preservá-lo para as presentes e futuras<br />
gerações.<br />
Tal direito remete, entre outras questões,<br />
ao problema do planejamento das cidades e nele<br />
o saneamento básico. Este pode ser compreen-<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 21-27, jun. 2010<br />
23
dido como serviços relativos ao fornecimento<br />
de água potável, tratamento de esgoto, coleta<br />
de lixo e prevenção a qualquer tipo de agente<br />
patogênico, visando à saúde das comunidades.<br />
Está claro que o não cumprimento desse direito<br />
reflete a ausência de qualidade de vida da população<br />
afetada. Ampliando, ainda, a questão<br />
sobre direitos, é possível inferir que o descumprimento<br />
dessas garantias constitucionais remete<br />
à própria violação da dignidade humana, trazendo<br />
para a discussão o que preconiza a Declaração<br />
Universal dos Direitos Humanos.<br />
2 COMUNIDA<strong>DE</strong> BOM JESUS I<br />
A Região Metropolitana de Belém (RMB)<br />
tem uma população estimada em 1.500.000 habitantes,<br />
situando-se entre as 23 maiores aglomerações<br />
urbanas mundiais localizadas na faixa<br />
costeira (Unesco, 1998). Com isso, Belém cresce<br />
de forma desordenada, originando conflitos e<br />
desigualdades que são visíveis na fisionomia<br />
urbana. Ademais das consequências sociais, a<br />
ocupação desordenada causa impactos ambientais<br />
de dimensões consideráveis, principalmente<br />
em função do lançamento de esgoto e lixo<br />
doméstico nos rios e igarapés, transformandoos,<br />
com o passar do tempo, em canais e esgotos<br />
a céu aberto. O governo, de forma geral, corrobora<br />
com esse processo, uma vez que suas intervenções<br />
são baseadas em modelos externos<br />
de urbanização, não visualizando rios, lagos e<br />
igarapés como participantes do cenário urbano.<br />
Consequentemente, a riqueza hidrográfica que<br />
caracterizou o passado dos bairros centrais da<br />
cidade de Belém não existe mais, traduzindo-se<br />
em diversos corpos de água aterrados ou transformados<br />
em canais e depositários de esgoto.<br />
Esse cenário de contradição pode ser visualizado<br />
na Comunidade Bom Jesus I, localizada<br />
entre os bairros do Tapanã e Pratinha, às margens<br />
do igarapé Mata Fome. Esta se encontra à<br />
margem da sociedade, de tal forma que se constitui<br />
como socialmente invisível, na medida em<br />
que vivencia a ausência de recursos e serviços<br />
urbanos básicos e fundamentais como segurança,<br />
saúde, educação, água encanada, esgoto, coleta<br />
de lixo, educação, saúde, lazer, entre outros,<br />
denotando um sério problema de justiça<br />
social. Tal cenário repercute diretamente na qualidade<br />
de vida dos moradores.<br />
A população, em grande parte vinda do interior<br />
do estado, inicialmente ocupou a área próxima<br />
ao igarapé, para a obtenção de alimentos<br />
como peixe, camarão e frutos das matas ciliares.<br />
Os dados elucidam essa afirmação.<br />
Tabela 1: Zona de origem da família residente.<br />
Origem Valor Absoluto %<br />
Rural 97 37.89<br />
Urbana 159 62.11<br />
Total 256 100%<br />
Fonte: RAVENA-CAÑETE, 2006.<br />
Os moradores construíram casas provisórias,<br />
e permaneciam tempos na cidade de Belém<br />
– geralmente em função da busca de serviços<br />
como educação ou saúde e o fazia sazonalmente,<br />
fixando-se posteriormente na área. Essa população<br />
retirou seu alimento do igarapé durante<br />
anos, no entanto, o adensamento da ocupação<br />
do entorno desse corpo d’água alterou profundamente<br />
a dinâmica ambiental e social que<br />
caracterizava o igarapé Mata Fome.<br />
As imagens expressam a situação de pobreza<br />
e ausência de um ambiente ecologicamente<br />
equilibrado na área da comunidade Bom Jesus I,<br />
às margens do igarapé.<br />
24<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 21-27, jun. 2010
Uma comunidade onde mais de um terço<br />
de seus estudantes são beneficiários de políticas<br />
sociais evidencia um cenário de pobreza severo,<br />
o que revela a importância de projetos que<br />
enfoquem processos de empoderamento, tanto<br />
na esfera pessoal como social. Buscando trabalhar<br />
essa temática o Projeto IMF se instalou<br />
na área da comunidade Bom Jesus I.<br />
3 ATIVIDA<strong>DE</strong>S DO PROJETO IMF E SEU IMPACTO<br />
NO GRUPO <strong>DE</strong> MULHERES<br />
Figura 1: Comunidade Bom Jesus I no igarapé<br />
Mata Fome.<br />
Figura 2: Casa na Comunidade Bom Jesus I sobre<br />
o igarapé Mata Fome<br />
O projeto de extensão da UNAMA denominado<br />
“O fazer virtuoso: geração de renda, empoderamento<br />
e consciência ambiental no igarapé Mata<br />
Fome, Belém/PA”, mais conhecido como Projeto Igarapé<br />
Mata Fome (IMF), já passou por várias fases, trabalhando<br />
em cada uma delas com agentes diferentes.<br />
Entre os anos 2002 e 2004, realizou palestras, acompanhamentos<br />
psicológicos e grupos de crescimento 2<br />
com a finalidade de reconstruir a autoestima, o empoderamento<br />
e maior valorização dessas mulheres,<br />
perante a comunidade e perante elas próprias. Desenvolveu,<br />
também, atividades e oficinas com o intuito<br />
de instruir o grupo de mulheres em processos<br />
de geração de renda. Dentre as oficinas mais importantes<br />
que ocorreram, a de papel reciclado teve destaque,<br />
no qual essas mulheres aprenderam a fazer<br />
desde o próprio papel reciclado até vários produtos<br />
como sacolas, álbuns de fotos, caixinhas etc.<br />
Como evidenciado nas imagens acima, a situação<br />
de pobreza e exclusão social marca o cotidiano<br />
dos moradores e, nesse sentido, os dados relativos<br />
às políticas sociais, como o Bolsa Família, reforçam<br />
a análise sobre o cenário apresentado.<br />
Tabela 2: Número de alunos que fazem parte do<br />
Bolsa Família.<br />
Figura 3: Produtos feitos com papel reciclado,<br />
pelo grupo de mulheres.<br />
Fonte: Acervo pessoal, 2007.<br />
Fonte: RAVENA-CAÑETE, 2006.<br />
2<br />
Técnicas da psicologia para intervenção em grupo.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 21-27, jun. 2010<br />
25
As imagens acima revelam uma compreensão<br />
de estética capaz de atender um mercado<br />
consumidor consolidando, então, processos de<br />
geração de renda que podem ser estartados.<br />
A geração de renda promovida pelo projeto<br />
de extensão, a partir de oficinas, no entanto,<br />
mostra-se apenas como um dos objetivos das<br />
ações, sendo que processos de empoderamento<br />
que se traduzem em cidadania, ocupam o principal<br />
foco de intervenção. Nesse sentido, pensar<br />
em um meio ambiente ecologicamente equilibrado<br />
vem à cena como um direito fundamental<br />
e um objetivo de busca cidadã.<br />
As atividades do grupo de mulheres passaram<br />
a se perfilar. Inicialmente, através de palestras<br />
e atividades que apontavam a necessidade<br />
da garantia dos direitos da mulher, seguida da<br />
apresentação dos direitos fundamentais e, entre<br />
eles, aquele voltado para um ambiente ecologicamente<br />
equilibrado. Foi nesse cenário de<br />
compreensão de direitos que, no decorrer do<br />
processo de implementação do serviço de abastecimento<br />
de água na área, pelo Serviço Autônomo<br />
de Água e esgoto de Belém (SAAEB), o<br />
grupo de mulheres que integra o projeto mostrou<br />
seu perfil pró-ativo.<br />
Assim, diante das dificuldades de garantir<br />
que o sistema implementado atendesse toda a<br />
área, o grupo de mulheres se organizou e estabeleceu<br />
uma interlocução direta com o poder<br />
público no tocante à questão do abastecimento<br />
de água. Foi essa ação que garantiu que toda a<br />
comunidade Bom Jesus I fosse contemplada com<br />
o sistema de abastecimento. Nenhum logradouro<br />
ficou fora do quadro de fornecimento de água.<br />
4 CONCLUSÃO<br />
Figura 4: Produtos feitos com papel reciclado,<br />
pelo grupo de mulheres.<br />
O cumprimento dos direitos fundamentais<br />
deveria ser garantido pelo Estado, segundo a<br />
Constituição Federal de 1988, o direto ao saneamento<br />
básico, como disposto no artigo 225, se<br />
enquadra nesse cenário.<br />
Poucas pesquisas foram realizadas no entorno<br />
da área do igarapé Mata Fome, localidade<br />
onde se encontra a comunidade foco deste artigo,<br />
e dentre as encontradas sobre a área poucas<br />
tiveram o objetivo de demonstrar qual a real situação<br />
do saneamento básico e da dignidade<br />
dessas pessoas que vivem nessa comunidade,<br />
articulando os instrumentos jurídicos relativos a<br />
essa temática e a realidade social vivida.<br />
Diante do descumprimento das garantias a um<br />
meio ambiente ecologicamente equilibrado qual<br />
a percepção dos moradores da comunidade estudada<br />
acerca do saneamento local em que vivem?<br />
O episódio de participação das mulheres na interlocução<br />
com o poder público, durante o processo<br />
de implementação do sistema de abastecimento<br />
de água na comunidade Bom Jesus I, mostra-se<br />
como uma resposta e um marco de empoderamento<br />
pessoal e social. Além de ter garantido um direito<br />
básico para os moradores da área, permaneceu<br />
na memória do grupo evidenciando processos de<br />
empoderamento e fomentando ações futuras.<br />
26<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 21-27, jun. 2010
REFERÊNCIA<br />
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República<br />
Federativa do Brasil: promulgada em 5<br />
de outubro de 1988. Contêm as emendas constitucionais<br />
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CANOTILHO, J.J. GOMES. Direito constitucional<br />
e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Livraria<br />
Almeida, 2003.<br />
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Acesso em: 29 out.2009.<br />
http://www.unama.br/extensao/programaAcaoComunitaria/fazerVirtuoso.html.<br />
Acesso em :<br />
29 out. 2009.<br />
http://www.brasilia.unesco.org/noticias/opiniao/artigow/1998/artigowm.<br />
Acesso em: 29 out.<br />
2009.<br />
MEN<strong>DE</strong>S, Ferreira Gilmar. Os direitos fundamentais<br />
e seus múltiplos significados na ordem<br />
constitucional. Revista Diálogo Jurídico, n.10,<br />
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MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. São Paulo:<br />
Revista dos Tribunais, 2005.<br />
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SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos<br />
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e cultural. São Paulo: Peirópolis, 2005.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 21-27, jun. 2010<br />
27
28 Lato & Sensu, Belém, v. 10, n. 2, p. 27-32, nov. 2009
AS TRAMAS ATUAIS DAS FIBRAS TÊXTEIS 1<br />
Janice Accioli Ramos Rodrigues*<br />
R E S U M O<br />
Várias são as necessidades humanas e, dentre elas, está a de se vestir, a qual começou com<br />
roupas desconfortáveis e rudimentares e atualmente é realizada, através de várias opções que<br />
oferecem conforto, bem-estar e um acabamento impecável. Para chegar a esse ponto, contouse<br />
com a colaboração de pesquisadores de diversas áreas, além dos profissionais da moda,<br />
responsáveis pelo design dos modelos e de uma modelagem em prol de que as roupas se<br />
ajustem aos corpos de forma satisfatória. O presente artigo trata, justamente, de toda a evolução<br />
sofrida pela indústria têxtil chegando até os dias atuais, incluindo o que já se tem, tanto no<br />
tocante a avanços tecnológicos que proporcionam um melhor desempenho nas mais variadas<br />
atividades, quanto aos produtos confeccionados embasados no apelo sustentável, realidade<br />
bastante em voga.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Fibras têxteis. Tecnologia. Sustentabilidade. Moda.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
As fibras têxteis usadas para a confecção<br />
de tecidos, com o decorrer do tempo, passaram<br />
a ser dos mais variados tipos, estando o algodão<br />
como a que mais se destaca entre esses pelo<br />
seu uso contínuo até hoje. Houve, também, a<br />
evolução da manipulação das mesmas, ou seja,<br />
da técnica rudimentar para a utilização de máquinas<br />
altamente modernas.<br />
O mercado têxtil, por sua vez, obteve, nos<br />
últimos anos, um desempenho respeitoso no<br />
comércio mundial, os seus respectivos valores<br />
arrecadados também foram vultosos, algo que<br />
fez o mercado de Moda, por estar inserido neste<br />
contexto, tornar-se relevante para o Brasil,<br />
pois isto tudo representou um grande avanço<br />
na economia deste país.<br />
As fibras naturais e as químicas, bem como<br />
as novas fibras tecnológicas, são a grande sensação<br />
do momento, principalmente pelos inúmeros<br />
benefícios proporcionados pelo uso das peças<br />
confeccionadas com as mesmas.<br />
Os problemas ambientais provocados pelas<br />
indústrias têxteis, os quais consistem basicamente<br />
na poluição dos rios, por causa de seus<br />
resíduos, estão em constantes debates pela comunidade<br />
científica, a qual busca possíveis soluções<br />
para este caos, estando, então, as fibras<br />
* Especialista em Direito Civil pela PUC/MG; bolsista de<br />
Iniciação Científica na área temática “Sócio economia da<br />
Amazônia” e acadêmica do 5º semestre do Curso de<br />
Bacharelado em Moda da Universidade da Amazônia<br />
(UNAMA).<br />
1<br />
Artigo realizado sob a orientação da professora Vera Lúcia<br />
Dias da Silva, Mestre em Engenharia Química na área de<br />
Materiais e Processos, professora da UNAMA e IFET-PA.<br />
29<br />
Lato & Sensu, Lato & Belém, Sensu, v. Belém, 10, n. v. 2, 11, p. 27-32, n. 1, p. nov. 29-37, 2009 jun. 2010
têxteis sustentáveis, associadas aos corantes<br />
naturais como uma possível solução por causarem<br />
menos danos ao meio ambiente.<br />
2 LINHAS GERAIS SOBRE AS FIBRAS E A INDÚS-<br />
TRIA TÊXTIL<br />
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA<br />
O homem, desde os primórdios da humanidade,<br />
tem a necessidade de se cobrir e um dos<br />
grandes exemplos disso encontra-se na Bíblia<br />
quando Adão, após a ingestão do fruto proibido,<br />
adquire a consciência de que está nu e imediatamente<br />
cose para si um traje feito de folhas de<br />
figueira 2 . Além desse material, utilizavam-se<br />
peles de animais, inicialmente com alguns buracos<br />
para a adaptação no corpo, e, mais adiante,<br />
passou-se a manipular tais materiais de outras<br />
formas, transformando-os em outros elementos<br />
do vestuário, e descobriram-se novos; o<br />
linho e o algodão, de origem vegetal, foram os<br />
primeiros a ser transformados em fio e o consequente<br />
entrelaçamento perpendicular, o que<br />
acabou gerando um tecido 3 .<br />
É importante ressaltar que, quanto ao algodão,<br />
o mesmo “é usado como fibra têxtil há mais<br />
de 7000 anos, podendo dizer-se que está ligado<br />
à origem mais remota do vestuário e à evolução<br />
dos artigos têxteis” (ALVES; FANGUEIRO; RAPHA-<br />
ELLI, 2006, p.3). No mundo antigo, representou<br />
um importante papel cultural e econômico.<br />
Outros elementos como a lã e a seda, de<br />
origem animal, também são bastante antigos,<br />
ou seja, o comércio da primeira existe, pelo<br />
menos, desde 4000 a.C., e a segunda começou a<br />
ser cultivada em 2640 a.C 4 .<br />
2<br />
Bíblia, Gênesis 3: 7. Disponível em: http://<br />
w ww.chr is ti a ni s ra el.com/s pea k ing bi ble/ port uguese/<br />
B01C003.htm<br />
3<br />
Disponível em: http://www.eb23-gervide.rcts.pt/evt/<br />
texteis.htm<br />
4<br />
Disponível em: http://www.citeve.pt/html-cache/<br />
w r it edoc __q1 i d_obj _— _3 D2 4 2 52 2 9 __—_3 D_i dc 0 _—<br />
_3D64__—_3D_idc1_—_3D35__—_3D_idc2_—_3D0__—<br />
_3D_l_—_3DPT__q20__q30__q41__q5.htm<br />
Naquilo que diz respeito à maneira de manipular<br />
as matérias-primas integrantes de cada<br />
segmento da cadeia têxtil, é importante destacar<br />
o valor da Revolução Industrial nesse processo,<br />
a qual tinha uma ligação muito forte com<br />
a indústria têxtil, pelo fato de ter sido o seu<br />
motor propulsor, como frisa Safiotti (1981). Pois<br />
antes desse fato acontecer, a tecedura era feita<br />
manualmente e depois passou a ser encargo das<br />
máquinas, o que facilitou a vida das pessoas, tanto<br />
na produção, como na comercialização dos<br />
produtos e consequente lucratividade, o que era<br />
reforçado pela mão de obra barata e pelas extensas<br />
horas de trabalho diário.<br />
Outra mudança, que veio durante o caminhar<br />
da evolução têxtil, foi o aprimoramento do<br />
processo da confecção das estampas, as quais<br />
passaram a ser feitas através de métodos mecanizados<br />
e também houve o surgimento de fibras<br />
sintéticas que demandavam menos mão de obra<br />
e menor espaço do que os destinados para a<br />
manipulação das fibras naturais.<br />
Enfim, os avanços foram cada vez maiores,<br />
principalmente no que diz respeito à tecnologia,<br />
com o uso do computador, o corte dos tecidos<br />
a laser, máquinas para bordar em tecidos<br />
com extrema delicadeza e a utilização, pela alfaiataria<br />
de fábrica, “de máquinas que fazem<br />
pontos de costura semelhantes aos feitos à<br />
mão”, como diz Monteiro (2010, p. 1).<br />
Isso tudo mostra que há facetas da tecelagem<br />
tão perfeitas que são consideradas verdadeiras<br />
obras de arte e, assim, bem-vindas ao ser<br />
aplicadas no mundo da moda, como afirma Chataignier<br />
(2006).<br />
3 MERCADO TÊXTIL<br />
3.1 DADOS MUNDIAIS E NACIONAIS<br />
No contexto mundial, o mercado têxtil é<br />
um dos que mais movimenta recursos, em todos<br />
os seus setores. Os dados apontam que em<br />
2006, o comércio internacional de têxteis e ves-<br />
30 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 29-37, jun. 2010
tuário o obteve o faturamento de US$ 530 bilhões,<br />
divididos em US$ 218,6 bilhões para os<br />
têxteis e 311,4 bilhões para as confecções. A<br />
China obteve a classificação de maior produtor<br />
mundial têxtil (43,4%), vindo logo após os Estados<br />
Unidos (7,9%) e; na indústria de confecções,<br />
a China também obteve o primeiro lugar (43,5%)<br />
e a Índia o 2º (6,3%) 5 .<br />
Em relação ao Brasil, segundo informações<br />
da ABIT 6 , este país faturou US$ 34,6 bilhões, o<br />
que implica dizer que houve um crescimento de<br />
4,85% em relação a 2006, quando foram registrados<br />
US$ 33 bilhões. Quanto às exportações brasileiras,<br />
os valores circulam na casa dos US$ 2,4<br />
bilhões e as importações em US$ 3,0 bilhões. O<br />
número de trabalhadores desta indústria perfaz<br />
o valor de 1,65 milhão de empregados, sendo a<br />
quantidade de mulheres 75% desse total, sendo<br />
o segundo maior empregador na indústria de<br />
transformação, possuindo 30 mil empresas no<br />
ramo de confecções; todos esses dados o colocam<br />
como sexto maior produtor têxtil e de confecções<br />
e o segundo maior produtor de deni 7 do<br />
mundo, sendo que isso tudo representa 17,5%<br />
do PIB da indústria de transformação e aproximadamente<br />
3,5 % do PIB brasileiro 8 .<br />
É importante ressaltar que, de acordo com<br />
o friso de Silveira (2010, p. 1) “a região Sul concentra<br />
86% do volume da produção nacional de<br />
moda, junto com o Sudeste”, o que significa que<br />
a indústria de confecções tem o seu maior êxito<br />
nessas regiões.<br />
As tabelas 1 e 2 mostram como ocorre a<br />
movimentação dos recursos têxteis e de confecção<br />
no contexto brasileiro, respectivamente:<br />
No tocante às fibras no Brasil, a matériaprima<br />
de maior destaque é o algodão, por ser a<br />
5<br />
Disponível em: .<br />
6<br />
Associação Brasileira da Indústria Têxtil e Confecção.<br />
Disponível em: www.abit.org.br.<br />
7<br />
Denim é a matéria-prima utilizada para a fabricação do jeans.<br />
Disponível em: http://www.portaisdamoda.com.br/<br />
glossario-moda~tecido+denim.htm.<br />
8<br />
Disponível em: .<br />
mais utilizada, em detrimento da lã, seda, linho,<br />
dentre outras. Massuda (2005, p.66) mostra que<br />
o centro de produção algodoero do Brasil está<br />
localizado na região Centro-Oeste, posto antes<br />
ocupado pelo Paraná, sendo que a primeira região<br />
valeu-se de “utilização intensiva de tecnologia<br />
para alcançar maior produtividade, especialmente<br />
na colheita mecânica”.<br />
3.2 MERCADO <strong>DE</strong> MODA<br />
Um dos grandes motivos pelos quais o Brasil<br />
obteve um grande crescimento no mercado<br />
têxtil foi pela moda, o que, por sua vez, deve-se<br />
aos investimentos, os quais estão situados na<br />
casa de US$ 1 bilhão/ano, em tecnologia, educação,<br />
principalmente no que diz respeito aos cursos<br />
de moda, aos estilistas talentosos que já existiam<br />
e os que vêm surgindo e aos mais de 50<br />
eventos também de moda existentes em várias<br />
capitais como o São Paulo Fashion Week e a Semana<br />
de Moda / Casa de Criadores, ambos em<br />
São Paulo, Fashion Rio, Dragão Fashion em Fortaleza,<br />
Colóquio de Moda etc., de acordo com<br />
Quadros (2010).<br />
Outro ponto importante dentro do contexto<br />
citado foi a criação da Associação Brasileira de<br />
Estilistas (ABEST) 9 , em 2003, com o intuito de<br />
tornar forte e fazer a promoção da indústria de<br />
moda/design do Brasil, ao propiciar que as marcas<br />
alcançassem o âmbito internacional, através<br />
de suas peças criativas e autênticas, divulgando<br />
tais informações, além do próprio estilo de vida<br />
do brasileiro. Essa associação sem fins lucrativos<br />
iniciou os seus trabalhos com cinco estilistas<br />
e nos dias atuais conta com 33 associados que<br />
vendem seus produtos para 38 países, sendo que<br />
a cada ano, abarca mais criadores brasileiros.<br />
Um índice importante quanto ao mercado<br />
de moda é aquele mostrado na pesquisa<br />
feita pelo IBGE 10 sobre produção física, na qual<br />
9<br />
Disponível em: http://www.abest.com.br/2009/<br />
abest.php?lang=pt<br />
10<br />
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em:<br />
.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 29-37, jun. 2010<br />
31
a produção do vestuário saiu de 5,11% negativos<br />
e cresceu 4,53% positivos até o ano de<br />
2007, assim como a produção têxtil que saiu<br />
de 1,54% negativo, em 2006, e passou para<br />
1,54% positivo também em 2007; esses números<br />
poderiam ser maiores, visto que o mercado<br />
fashion nacional tem um potencial elevado,<br />
mas ainda não possuem as mesmas condições<br />
que o mercado internacional para competir<br />
com paridade,, principalmente quanto a<br />
tecnologia avançada, e também não incluem<br />
o mercado informal e o ilegal, os quais também<br />
possuem valores significativos 11 .<br />
4 CLASSIFICAÇÃO DAS FIBRAS TÊXTEIS<br />
As fibras têxteis podem ser classificadas em<br />
dois grupos, os quais abrangem uma imensa variedade.<br />
4.1 FIBRAS NATURAIS<br />
Como o próprio nome já dá a entender, são<br />
fibras oriundas da natureza. São agrupadas em<br />
três tipos, pelos dizeres de Chataignier (2006):<br />
a) Fibras vegetais: semente - algodão, sumaúma/<br />
caule - linho, cânhamo, juta, rami/ folha – sisal,<br />
carnaúba, buriti/ fruto – cairo, coco etc.<br />
b) Fibras animais: secreção glandular – seda/<br />
pelos - lã, coelho, angorá, cashmere, mohair,<br />
lhama, alpaca etc.<br />
c) Fibras minerais: amianto.<br />
Dentre as fibras que foram citadas, “o linho<br />
foi a primeira fibra têxtil conhecida e traços<br />
de sua utilização remontam a 8.000 anos<br />
a.c.” (GOMES, 2009, p. 2). Seu uso era bem diversificado,<br />
ou seja, em vestimentas, tecidos<br />
funerários, velas para bancos e cordas e, atualmente,<br />
ainda o é, sendo que o linho é considerado<br />
como a fibra menos agressiva ao meio<br />
ambiente, por necessitar de menos pesticida e<br />
fertilizante, e possui qualidades importantes<br />
como a leveza e a resistência.<br />
O algodão, por sua vez, também é utilizado<br />
desde muito tempo, e é considerada a fibra<br />
mais popular e utilizada de todas, principalmente<br />
por sua resistência ao uso, toque agradável e<br />
ser biodegradável, porém é uma planta que possui<br />
uma cultura delicada e sujeita extremamente<br />
a pragas, necessitando de uma grande quantidade<br />
de herbicidas e fungicidas.<br />
4.2 FIBRAS QUÍMICAS OU NÃO NATURAIS<br />
São fibras produzidas por processos industriais<br />
12 e dividem-se em dois grupos:<br />
a) Artificiais - São polímeros naturais transformados<br />
pela ação de agentes químicos, sendo<br />
que os tecidos obtidos, por meio destas fibras,<br />
de acordo com Sabino (2007, p. 264),<br />
“costumam ser absorventes e confortáveis”.<br />
Exemplos: celulose, acetato, derivadas da<br />
celulose, raiom, viscose e triacetato.<br />
b) Sintética - São polímeros obtidos por síntese<br />
química, os quais inserem nos tecidos fabricados,<br />
a partir das mesmas, leveza, fácil lavagem<br />
e tingimento, rápida secagem e boa<br />
resistência. Exemplos: poliamida, poliéster,<br />
poliuretano, acrílicas, polipropileno e Alya<br />
Eco, este último consistindo na combinação<br />
entre poliéster originário da garrafa pet mais<br />
algodão ou viscose.<br />
Um destaque que pode ser dado, dentro<br />
do contexto acima, é para o poliéster, o qual é<br />
considerado “a fibra química mais barata”, algo<br />
que o torna mais utilizado do que as outras<br />
11<br />
http://www.comunidademoda.com.br/moda-e-mercado-<br />
%E2%80%93-o-mercado-da-moda.html<br />
12<br />
Disponível em: http://www.troficolor.pt/img_upload/<br />
02_Fibras%20Texteis.pdf<br />
32<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 29-37, jun. 2010
fibras sintéticas, como diz Oliveira (2010, p.1).<br />
Outro ponto é o fato de que a indústria das<br />
fibras químicas vêm crescendo graças aos investimentos<br />
crescentes em produtividade e<br />
capacitação tecnológica, o que dá aos seus produtos<br />
excelente qualidade.<br />
4.3 AS NOVAS FIBRAS TECNOLÓGICAS<br />
Não é de hoje que as pesquisas em torno<br />
da descoberta de novas fibras químicas são<br />
feitas. Segundo Chataignier (2006, p. 112), esses<br />
estudos datam desde 1869, “Quando foi<br />
criado o fio sintético de acetato de celulose”.<br />
Daí por diante, o interesse no assunto não parou<br />
mais, principalmente depois de grandes<br />
sucessos como a primeira fibra sintética a existir,<br />
ou seja, a poliamida, criada pela Dupont<br />
em 1935, como ensina Lange (2005).<br />
A microfibra, por sua vez, foi lançada pela<br />
Rhodia no Brasil, em 1992, sendo a mesma considerada<br />
como o primeiro tecido inteligente,<br />
visto que reunia praticidade, conforto e beleza<br />
em um só produto, algo que fez este tecido<br />
se tornar-se popular entre as mulheres do<br />
mundo todo.<br />
O avanço da tecnologia acabou revelando<br />
a habilidade conseguida para misturar<br />
fios naturais e artificiais, resultando, assim,<br />
nos tecidos inteligentes, como ressalta Carmello<br />
(2009).<br />
Atualmente, no mercado, podem ser encontrados<br />
os tecidos que respiram e controlam<br />
a transpiração humana como o dry-feet,<br />
petdry, tactel, suplex, este último com aparência<br />
semelhante à do algodão, os compostos<br />
de 100% algodão que, com certas lavagens<br />
químicas tornaram-se livres de vincos ou amassados,<br />
tecidos com efeito anticelulite e hidratante,<br />
como o caso da lycra aplicadas em lingeries,<br />
couros com formação sintética (fakes),<br />
vegetais (composição envolvendo látex) e<br />
lycra e fibras sustentáveis que vão da malha<br />
de algodão ao jeans envolvendo o pet e outros<br />
materiais na sua composição, os quais serão<br />
abordados mais adiante 13 .<br />
A Rhodia foi o primeiro fabricante de “um<br />
fio de poliamida 6.6, com efeito bacteriostático,<br />
denominado Biotech, que controla a proliferação<br />
de bactérias no artigo têxtil” (GOMES, 2009,<br />
p. 26). Já na linha esportiva, ela fabricou o fio<br />
Emana, o qual possui em seu DNA cristais ativos<br />
que prometem melhorar o processo de circulação<br />
sanguínea, além do chamado Compression<br />
Control, o qual ajuda no desempenho do atleta,<br />
por causa da compressão muscular; o Acquos,<br />
próprio para natação, proporcionando conforto<br />
térmico e secagem rápida do tecido; o<br />
X-Bio com proteção solar e grande elasticidade<br />
Sportiva Pro, que adere ao corpo e evita câimbras,<br />
assim como outros males circulatórios e o<br />
Tencel, o qual é uma fibra natural celulósica, sendo<br />
bastante prática e agradável, dentre outros.<br />
Diante de tantas inovações, o que se observa<br />
é que todas as fibras citadas têm o objetivo<br />
de melhorar a vida do homem nos mais diversos<br />
momentos. Porém, em contrapartida,<br />
pela quase miraculosidade das propriedades<br />
destas novas fibras, os custos altos de fabricação<br />
são altos, só havendo retorno financeiro<br />
quando são comprados em grande quantidade<br />
pelos clientes, tanto que “só são vendidos para<br />
confecções no mínimo de médio a grande porte”<br />
(CHATAIGNIER, 2006, p. 117).<br />
De acordo com a mentalidade sustentável dos<br />
dias atuais, a qual não abarca apenas os tecidos ecológicos,<br />
há o dever de se fabricar todos materiais<br />
dentro de um processo que não agrida o meio ambiente,<br />
a saúde das pessoas e seja comprovadamente<br />
assim, através da aferição aos mesmos de certificação<br />
como o Oekotex 14 . É importante ressaltar, também,<br />
o papel da nanotecnologia, a qual tem proporcionado<br />
o surgimento de fibras cada vez menores,<br />
que ajudam, assim, no entrelaçamento de vários<br />
materiais com inúmeras utilidades e possibilitam a<br />
fabricação de tecidos cada vez melhores.<br />
13<br />
As fibras têxteis sustentáveis, p. 12.<br />
14<br />
Disponível em: http://www.oeko-tex.com/<br />
OekoTex100_Public/index.asp?cls=09<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 29-37, jun. 2010<br />
33
5 OS IMPACTOS AMBIENTAIS <strong>DE</strong>CORRENTES DO<br />
<strong>DE</strong>SCARTE <strong>DE</strong> EFLUENTES TÊXTEIS E AS ALTER-<br />
NATIVAS PARA QUE ISSO SEJA EVITADO<br />
Apesar do que já existe para evitar a degradação<br />
da terra, a fabricação de tecidos é preocupante,<br />
visto que os dejetos oriundos desse processo,<br />
além de ser abundantes, são difíceis de ser<br />
destruídos, algo que ainda piora se não sofrerem<br />
uma dinâmica própria para isso, pelo friso Antoniali,<br />
Oliveira e Vidal (2010), dinâmica esta que<br />
consiste em tratamentos químicos, físicos e biológicos,<br />
sendo estes últimos dos mais eficientes<br />
e naturais, sem agredir o meio ambiente, pois não<br />
são utilizadas substâncias químicas nos seus procedimentos,<br />
sendo um exemplo disso o fungo<br />
basidiomicete da podridão branca (white-rot fungi),<br />
o qual, além de degradar os resíduos têxteis,<br />
recupera a área em que está atuando, de acordo<br />
com Souza e Rosado (2009).<br />
Quando os tratamentos citados não são aplicados,<br />
há a contaminação das águas nas proximidades<br />
das fábricas, podendo provocar a morte da<br />
flora e fauna aquáticas, sendo que alguns corantes<br />
podem ser carcinogênicos 15 e/ou mutagênicos,<br />
pondo, assim em risco a vida e a saúde do homem.<br />
Além dos danos materiais que podem ser<br />
provocados pelos efluentes têxteis, há a questão<br />
dos volumes de água e energia elétrica que<br />
são gastos nas indústrias têxteis, os quais são<br />
vultosos, como no caso do algodão, pois “para a<br />
produção de 1 kg do mesmo são utilizados 8 mil<br />
litros de água e de 15 a 20 kwh de energia” (GO-<br />
MES, 2009, p. 17).<br />
A quantidade maciça de produtos químicos<br />
empregados na fabricação e beneficiamento das<br />
matérias-primas e, consequentemente, dos próprios<br />
produtos têxteis, dentre os quais também<br />
figura o algodão, pois são utilizados 25% de todo<br />
o inseticida do planeta no cultivo dessa semente,<br />
são situações que contribuem para a extinção dos<br />
recursos naturais e da própria vida na terra.<br />
Para combater a problemática acima, muitas<br />
medidas já têm sido tomadas, seja por parte<br />
dos governos, através da demarcação de áreas de<br />
preservação ambiental e padrões estabelecidos<br />
para a emissão de poluentes, dentre outros, seja<br />
por parte dos próprios industriais com o emprego<br />
da tecnologia na criação de “equipamentos sofisticados<br />
antipoluição” (MELLO, 2000, p. 4), bem<br />
como investimentos em processos que propiciam<br />
o reaproveitamento da água, para que se siga<br />
um padrão sustentável na área industrial, como<br />
no caso da coagulação e absorção, os quais se utilizam<br />
de materiais como “carvão ativado da casca<br />
do coco e serragem” (QUADROS, 2005, p.16).<br />
Os pesquisadores das mais diversas áreas<br />
também estão envolvidos na busca de alternativas<br />
para contribuir com isso, a exemplo da produção<br />
mais limpa (P+L), parâmetro que deve ser<br />
adotado pelas indústrias, o qual consiste, primeiramente,<br />
na otimização dos processos têxteis,<br />
provocando a melhoria do seu desempenho e,<br />
posteriormente, na reutilização e reciclagem dos<br />
resíduos. Além disso, a própria educação ambiental<br />
já tem sido promovida por algumas escolas,<br />
o que poderá a vir influenciar no comportamento<br />
do aluno quando adulto e futuro gestor ou proprietário<br />
de uma indústria têxtil, pois lhe fornece<br />
uma nova forma de encarar a natureza, principalmente<br />
por que independente da função que ocupe,<br />
sempre será um cidadão.<br />
Neste mesmo sentido, ou seja, quanto à<br />
mudança de mentalidade, estão as articulações<br />
feitas pelas ONGs, pois o fazem tanto no tocante<br />
aos cidadãos, com campanhas a favor da sustentabilidade,<br />
quanto à exigência de padrões<br />
industriais os quais respeitem o meio ambiente,<br />
a exemplo da CEBDS (Conselho Empresarial<br />
Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável)<br />
16 e a ECOAR 17 . Há também o uso de materiais<br />
recicláveis, reaproveitamento de partes de<br />
elementos naturais, como casca de árvores, sementes,<br />
caules etc. e mistura de fibras naturais<br />
15<br />
Provocam alterações no DNA e até câncer. Disponível em:<br />
http://vsites.unb.br/fs/ccb/onco.htm<br />
16<br />
Disponível em: http://www.cebds.org.br/cebds/<br />
17<br />
Disponível em: http://www.ecoar.org.br/<br />
34<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 29-37, jun. 2010
com fibras extraídas dos mais diversos elementos,<br />
como as de garrafa pet, dentre outros, tudo<br />
isso enquadrado na categoria das chamadas fibras<br />
sustentáveis ou ecologicamente corretas.<br />
6 AS FIBRAS TÊXTEIS SUSTENTÁVEIS<br />
18<br />
Disponível em: http://www.tabloidealternativo.com.br/<br />
noticias?iNoticia=218#<br />
19<br />
Disponível em: http://area3.updateordie.com/author/<br />
dguerreiro/<br />
20<br />
Disponível em: http://www.tabloidealternativo.com.br/<br />
noticias?iNoticia=218#<br />
Atualmente, a melhor forma de demonstrar<br />
que se está aderindo a um padrão sustentável<br />
de produção é fabricar produtos que contenham<br />
na sua composição “fibras recicladas ou<br />
tecnologias mais limpas” como diz Lange (2005,<br />
p. 25), significado que pode ser dado à denominação<br />
“fibras têxteis sustentáveis”.<br />
Já podem ser encontrados vários exemplos<br />
desse tipo de fibra, como no caso dos algodões<br />
coloridos, nas cores verde, marrom e tons avermelhados,<br />
produzidos pelo Embrapa. Além disso,<br />
fibras como a do milho já estão sendo utilizadas<br />
na fabricação de tecidos, assim como a da bananeira,<br />
pela marca australiana masculina AussieBum<br />
em cuecas; essa peça é composta de 27%<br />
com o material proveniente das bananeiras, sendo<br />
o restante algodão orgânico (64%) e lycra (9%).<br />
Outros exemplos, na mesma linha, são o<br />
algodão orgânico puro, cultivado sem o uso de<br />
pesticidas, fertilizantes químicos e reguladores<br />
do crescimento, ao contrário do algodão comum<br />
18 , o qual foi introduzido no mercado na<br />
década de 80, pela grife Patagônia, “quando o<br />
mesmo ainda era novidade” (A<strong>DE</strong>ODATO; MAR-<br />
QUES, 2009, p. 56) e, como se percebe, está cada<br />
vez mais sendo utilizado na indústria têxtil, do<br />
vestuário a roupas de cama 19 ;<br />
O bambu, o qual pode reproduzir-se em<br />
abundância sem pesticidas e fertilizantes, sendo<br />
sua fibra naturalmente antibactericida, biodegradável<br />
e extremamente macia, se adequando<br />
às distintas estações do ano 20 , estando, porém,<br />
essa fibra, sob a observação de alguns estudiosos,<br />
que têm suas ressalvas quanto à veracidade<br />
do título de “ecologicamente correta”<br />
dada a ela 21 .<br />
As misturas entre PVC reciclado e látex natural<br />
para acessórios e detalhes em roupas, fibras<br />
de juta, couro de peixes e tecidos orgânicos<br />
encontrados na grife Osklen, também fazem<br />
parte do contexto sustentável, as quais são pesquisadas,<br />
descobertas e experimentadas no instituto<br />
–e, ONG vinculados à marca em questão.<br />
Há também a junção entre algodão orgânico<br />
e tecidos feitos de algodão tradicional, mais a<br />
fibra extraída da garrafa pet, sendo esta aplicada<br />
em camisetas, como no caso das marcas Hering<br />
e PUC, destacando a primeira que também<br />
recicla retalhos de malha e os transforma em<br />
novos tecidos, transformação essa que manipula<br />
os fios sem utilizar água nem processos químicos<br />
22 e só o algodão comum mais a fibra extraída<br />
de oito garrafas pet, combinação empregada<br />
na já conhecida “malha pet” e agora pela<br />
empresa Nike na nova camisa da Seleção brasileira<br />
de futebol. 23<br />
As fibras celulósicas extraídas da faia, empregadas<br />
no Modal, que é um tipo de microfibra<br />
que confere “maciez, conforto e alto poder de<br />
absorção do suor às malhas” (SABINO, 2007,<br />
p.448), a qual é utilizada, dentre outras coisas,<br />
em roupas de baixo e as fibras naturais produzidas<br />
de modo biológico, como o algodão e a lã 24 ,<br />
são integrantes da moda sustentável.<br />
Um material bastante interessante é a juta,<br />
planta cultivada na Amazônia, a qual tem tido<br />
vários usos, dentre eles, o EcoVogt, um tecido<br />
100% ecológico e orgânico, fabricado pela Companhia<br />
Têxtil de Castanhal e é utilizado na confecção<br />
de camisetas, ecobags etc. Esse tecido é<br />
inteiramente ecológico, visto que na hora do tin-<br />
21<br />
Disponível8em:http://www.bambubrasileiro.com/arquivos/<br />
A%20fraude%20das%20falsas%20fibras%20texteis%20de%20bambu%20-<br />
%20Hans%20Kleine.pdf.<br />
22<br />
Disponível em: http://www.ecotece.org.br/blog/?cat=9<br />
23<br />
Disponível em: http://www.ecotece.org.br/blog/?cat=9<br />
24<br />
Disponível em: http://www.consumoresponsavel.com/wpcontent/rncr_fichas/RNCR_Ficha_D5_2.pdf<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 29-37, jun. 2010<br />
35
gimento são empregados fixadores e amaciantes<br />
extraídos de plantas nativas brasileiras como<br />
o açafrão, pau-brasil, urucum, entre outras, que<br />
compõem a cartela de 12 cores 25 . Um outro exemplo<br />
da utilização da juta é sua associação com o<br />
algodão mais a fibra de garrafa pet para criar o<br />
primeiro tênis 100% ecológico, da marca Naturezza,<br />
integrante do grupo Via Uno 26 .<br />
O curauá, também uma fibra de origem amazônica,<br />
é utilizada pela grife paraense Manufatura,<br />
segundo Maia e Rocha (2007), em peças como<br />
vestidos, blusas etc. e o tururi, fibra extraída do<br />
ubuçu, a qual, pode ser tingida e ter diferentes<br />
texturas, além de ser empregada na confecção<br />
de bolsas, como vendo fazendo Rosa Leal, com<br />
grife de mesmo nome, também do estado do Pará,<br />
mostrando que a Região Amazônica é rica em<br />
substratos de cunho sustentável, os quais são<br />
úteis à industria têxtil nos moldes atuais.<br />
Por fim, pode ser citada a soja, que pode ser<br />
pura ou associada ao algodão, lã, seda, viscose, dentre<br />
outros, a qual está sendo considerada como a<br />
fibra verde do novo século, devido seu tratamento<br />
não ser tóxico, ter as propriedades das fibras sintéticas,<br />
ser confortável e de fácil manutenção, como<br />
ressaltam Alves, Raphaelli e Fangueiro (2006).<br />
7 CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />
A<strong>DE</strong>ODATO, Sérgio; MARQUES, Dimas. Moda<br />
consciente. Revista Horizonte Geográfico, São<br />
Paulo: Horizonte, n.121, v.21, p. 55-62, 2009.<br />
ALVES, Gabriela Jobim da Silva; FANGUEIRO, Raul;<br />
RAPHAELLI, Nathália. Desenvolvimento sustentável<br />
na indústria têxtil: estudo de propriedade e<br />
características de malhas produzidas com fios biodegradáveis.<br />
Anais do XXII Congresso Nacional<br />
de Técnicos têxteis e VIII Fenatêxtil. Recife, 2006.<br />
25<br />
Disponível em: http://www.caiovonvogt.com.br/<br />
26<br />
Disponível em: www.naturezza.com.br<br />
REFERÊNCIAS<br />
Vê-se que houve um avanço extremo em<br />
relação às origens das fibras têxteis até o estágio<br />
atual, principalmente no que diz respeito à<br />
tecnologia para manipulação dessas fibras, estágio<br />
no qual muito tem se falado em sustentabilidade,<br />
porém os investimentos ainda são poucos<br />
no tocante aos produtos, se comprados ao<br />
comércio dos não sustentáveis, e na própria<br />
conscientização das pessoas para seu consumo.<br />
Os exemplos que foram dados acima, no<br />
tocante ao que já está sendo feito no contexto<br />
têxtil para a contribuição à uma qualidade de<br />
vida, certamente dispendem muitos recursos<br />
financeiros em sua feitura, porém se não forem<br />
produzidos, não serão conhecidos pelas pessoas<br />
e, assim, não poderão, um dia, ficar mais baratos,<br />
vindo a se tornar comum o uso.<br />
Um outro fator importante é que, depois<br />
de já se ter a consciência ambiental, deve-se<br />
avaliar se os produtos existentes são totalmente<br />
sustentáveis, visto que se neles vierem corantes<br />
artificiais, seu valor como ecologicamente<br />
corretos será perdido, pois é sabido que essas<br />
tinturas oferecem grandes riscos à natureza.<br />
Finalmente, a consciência individual, em<br />
meio às dificuldades da vida urbana moderna,<br />
deve falar mais alto, ou seja, no ato de se vestir,<br />
o melhor a ser feito é que se privilegiem as roupas<br />
que, além de modelagem mais confortável,<br />
tragam em sua composição os tecidos inteligentes<br />
ou os ecológicos, pois o bem-estar pessoal,<br />
que inclui a felicidade e a saúde, fundamental<br />
para uma vida longa e sustentável.<br />
ANTONIALI, Natalia; LAILA, Gabriela Laila de; VIDAL,<br />
Carlos Magno de Souza. Caracterização e propostas<br />
de tratamento para efluentes de indústrias têxteis.<br />
VII Semana de Engenharia Ambiental. Unicentro.<br />
2009. Disponível em: . Acesso em: 6 mar<br />
2010.<br />
36<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 29-37, jun. 2010
CARMELLO, Claudia. Vista Saúde. Revista Vida<br />
Simples: para quem quer viver mais. São Paulo:<br />
Abril, n.1, v. 7, jan 2009.<br />
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Silva Haydu & Cia Ltda, v. 78, n. 701, 2009.<br />
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viu. Use Fashion Jornal. São Leopoldo: Use<br />
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algodão e as indústrias de fiações de algodão no<br />
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social sciences. Maringá: UEM PPG, v. 27, n.1, p.<br />
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XXI. Aparecida: Idéias & Letras, 2007. 157p.<br />
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SILVEIRA, Eduardo Guimarães da. Moda é coisa<br />
muito séria. Disponível em: .<br />
Acesso em: 28 Fev.2010.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 29-37, jun. 2010<br />
37
ENSINO <strong>DE</strong> LÍNGUA PORTUGUESA:<br />
por uma postura mais crítica 1<br />
Welton Diego Carmin Lavareda*<br />
R E S U M O<br />
O presente artigo visa discutir algumas questões que envolvem o ensino de língua portuguesa,<br />
em especial, os casos de ele(s) ela(s) como complemento verbal e a ocorrência de<br />
pronomes oblíquos átonos. Trata-se de um estudo teórico metodológico, elaborado a partir<br />
de experiências realizadas em uma escola regular da cidade de Belém do Pará, bem como da<br />
análise de dois livros didáticos. Almeja-se com este ensaio, refletir sobre a importância de<br />
uma política linguística que proporcione ao graduando uma prática docente menos arbitrária<br />
e, ao mesmo tempo, mais atenta com o compromisso de descrever a língua da forma que<br />
realmente é empregada em determinados contextos comunicativos. Visto que, é fundamentalmente<br />
necessário que discussões aflorem neste panorama para que possamos construir<br />
um ambiente escolar mais democrático e menos segregador.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Ensino Aprendizagem. Complemento Verbal. Pronome Oblíquo Átono.<br />
Política Linguística.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Trabalhar com questões que envolvem língua<br />
e sociedade é muito mais do que relacionar<br />
regras e conceitos tradicionais. Em muitas escolas<br />
ainda encontramos “professores” que visam<br />
o ensino de língua portuguesa relacionado com<br />
verdades absolutas e pré-moldadas, e dentro<br />
deste padrão, continuam repassando alguns<br />
conceitos que não condizem com a situação linguística<br />
atual do português brasileiro.<br />
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais<br />
– PCNs (2007), da área de códigos e linguagens,<br />
o ensino de língua portuguesa precisa estar<br />
pautado no objetivo de desenvolver no aluno seu<br />
potencial crítico, sua percepção das múltiplas possibilidades<br />
de expressão linguística e ativar no<br />
educando seu papel efetivo de leitor dos mais<br />
diversos textos representativos de nossa cultura.<br />
Entretanto, como desenvolver essas práticas se<br />
muitos professores ainda pensam que discutir<br />
sobre língua é ensinar gramática normativa?; Se<br />
os julgamentos de certo ou errado ainda são presentes<br />
no ensino de língua Portuguesa?<br />
Com o intuito de diagnosticar a prática do<br />
professor em sala de aula e, ao mesmo tempo,<br />
problematizar discussões sobre o ensino da língua<br />
materna, este estudo se insere no seguinte<br />
panorama: analisar como o professor está adaptando<br />
o livro didático em sua prática docente, em<br />
especial, de que maneira o professor trabalha os<br />
* Mestrando em Comunicação, Linguagens e Cultura; graduado<br />
em Letras e ex-monitor da disciplina Fundamentos de<br />
Linguística e Aspectos Fonéticos e Fonológicos (UNAMA).<br />
1<br />
Artigo elaborado sob supervisão da Professora Dr a . Maria do<br />
Perpétuo Socorro Cardoso da Silva e orientação do Professora<br />
Ms. Antonio Hilton da Silva Bastos.<br />
39<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 39-44, jun. 2010
casos de ele(s) ela(s) como complemento verbal<br />
e a ocorrência de pronomes oblíquos átonos.<br />
Assim, poderemos visualizar como as escolas<br />
estão tentando dialogar com os fenômenos<br />
linguísticos que já fazem parte da tradição social<br />
de nossa língua materna devidamente cristalizados<br />
em seu uso, inclusive pelos próprios professores<br />
no seu cotidiano e também em sala de<br />
aula e que por algum motivo, ainda não constam<br />
na maioria dos livros didáticos.<br />
Vale ressaltar que o enfoque desta investigação<br />
não é o de criticar como o professor vem<br />
ensinando seus alunos, mas de proporcionar uma<br />
atividade interativa de reflexão e debate em torno<br />
de temas que colocam em pauta a relação de<br />
manifestações linguísticas com a verdadeira realidade<br />
dos alunos, no contexto da escola regular.<br />
Afinal, mudanças significativas podem ocorrer, se<br />
a dimensão da formação do cidadão/aluno e professor/educador<br />
for mais ampla e, de fato, trabalhada<br />
em uma situação que oportunize medidas<br />
curriculares eficientes para a construção do saber<br />
de ambos os indivíduos. Pois a instituição escola,<br />
como um todo, começaria agir pautada na presença<br />
de cenários diversos, onde há necessidade<br />
de assumir algumas peculiaridades. Revitalizar<br />
saberes e indagações também faz parte do perfil<br />
de uma boa instituição. Isto posto, é preciso enpara<br />
uma política linguística, verdadeiramente,<br />
inclusiva e não dogmática.<br />
2 OS USOS EFETIVOS DA LÍNGUA<br />
2.1 PERÍODO <strong>DE</strong> OBSERVAÇÃO<br />
Na busca de vivenciar de perto como alguns<br />
professores estavam trabalhando os casos<br />
de emprego de ele(s) / ela(s) como complemento<br />
verbal e a ocorrência de pronomes oblíquos<br />
átonos, passamos dois meses (agosto a outubro<br />
de 2009) em uma escola da rede particular de<br />
ensino, da cidade de Belém, observando a rotina<br />
da escola, os alunos e o desempenho dos professores<br />
em sala de aula. Contribuíram com o<br />
corpos da pesquisa dois professores de língua<br />
portuguesa, onde adotamos como critério inicial<br />
que lecionassem a mesma disciplina, só que<br />
em níveis diferentes, e que tivessem de forma<br />
equivalente o mesmo período de atuação na<br />
docência. Como pode ser observado na tabela 1:<br />
2.2 ANÁLISE DA PRÁTICA DOCENTE<br />
Para uma catalogação mais didática, resolvemos<br />
mostrar os exemplos que os sujeitos S1F<br />
e S2H trabalharam em sala de aula, quando fo-<br />
Tabela 1: Caracterização dos professores<br />
Fonte: Pesquisa de campo agosto a outubro de 2009.<br />
tender que a escola deve avançar nas questões<br />
que envolvem reformulação curricular, formação<br />
continuada de professores, preconceito lingüístico,<br />
no sentido de reafirmar ações consistentes<br />
ram explicar aos alunos os casos de ele(s) ela(s)<br />
como complemento verbal e a ocorrência de<br />
pronomes oblíquos átonos. Como mostram as<br />
tabelas 2 e 3:<br />
40<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 39-44, jun. 2010
Tabela 2: S1F / Ensino Fundamental Segundo Ciclo<br />
Fonte: Pesquisa de campo agosto a outubro de 2009.<br />
Tabela 3: S2H/ Ensino Médio<br />
Fonte: Pesquisa de campo agosto a outubro de 2009.<br />
O primeiro fator que nos chamou atenção<br />
foi o fato de que, apesar do nível de aprendizagem<br />
ser diferente, as explicações sobre os assuntos<br />
são muito parecidas. Ambos os professores<br />
trabalham a língua Portuguesa em um ambiente<br />
desconectado com a realidade linguística<br />
do educando, ou seja, utilizam frases soltas, fora<br />
de um contexto, para tentar fazer com que o aluno<br />
“apreenda” o assunto 2 . Logo, nota-se a concepção<br />
de ensino que prevalece nesta escola e a<br />
visão deturpada, reduzida e falseada com que<br />
os professores tratam o português brasileiro.<br />
Não custa nada lembrar que o ensino de<br />
uma determinada nomenclatura gramatical, não<br />
2<br />
Em 1973, Wanderley Geraldi, em seu atualíssimo trabalho:<br />
As sete pragas do ensino de português, já nos ensinava essas<br />
questões. Vale a pena, e muito, ler o artigo. In: O txto na sala<br />
de aula.<br />
reconhece de fato que o usuário da língua consiga<br />
dominar o sistema por completo. Segundo<br />
Antunes (2007, p.54), a abordagem simplista que<br />
basta saber gramática para falar, ler e escrever<br />
bem fundam-se na estreita daquele primeiro<br />
equívoco: o de que gramática normativa equivale<br />
à língua. Desta maneira, a concentração dos<br />
programas pedagógicos em questões puramente<br />
gramaticais e o “clamor” dos pais junto às escolas<br />
para que essas deem aulas de gramática –<br />
passem exercícios – só se justificam pela crença<br />
de que o conhecimento da gramática basta. Em<br />
outras palavras, é mais do que necessário refletir<br />
acerca do que consiste a aula de língua portuguesa.<br />
Afinal, a gramática sozinha é absolutamente<br />
insuficiente.<br />
É importantíssimo ressaltar, que o problema<br />
não é ensinar norma padrão (aquela que detém o<br />
maior prestígio), até porque o aluno precisa ter<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 39-44, jun. 2010<br />
41
um maior contato com esta variante, mas não se<br />
pode atribuir ao ensino desta vertente regras que<br />
reduzem o universo linguístico e as possíveis maneiras<br />
de interação verbal que a língua possui.<br />
Destarte, não podemos considerar como “incorreta”<br />
uma variação do tipo – O moço da farmácia,<br />
Ana viu ele quando a moça assistia ao jogo, como<br />
mostrado na explanação do sujeito S2H. Pois esta<br />
mesma construção está presente em vários contextos<br />
de escrita e na fala de diversas comunidades,<br />
assim, a variante considerando Ele como objeto<br />
direto já é um dado real no português brasileiro,<br />
sendo, inclusive, constatado em jornais,<br />
revistas. Segundo Brandão (2007, p. 35), pensarmos<br />
que esse erro é um erro da língua portuguesa,<br />
quer dizer, uma impropriedade sem legitimidade<br />
histórica que deve ser evitada em todas as<br />
situações de fala e de escrita.<br />
Encontrei ele em casa é do séc. XX e Damos<br />
ele a vós é do séc. XIII. O que isso<br />
significa? Já erravam os monges e escribas<br />
do século XIII? Mas como se não<br />
existia Brasil no século XIII? [...] Creio<br />
que não podem separar-se estes exemplos<br />
da fase antiga da língua de uma<br />
construção paralela existente no português<br />
do Brasil. Não me parece que<br />
se trate de uma inovação brasileira.<br />
Como se pode ver, trata-se não de um<br />
problema generalizado, mas, na verdade,<br />
de um uso já existente em Portugal,<br />
ainda que em menor proporção aos<br />
o(s) la(s) como complemento verbal,<br />
que, trazido pela boca dos portugueses<br />
de todas as classes sociais, caiu<br />
no gosto dos nascidos em terras brasileiras<br />
(VIEIRA; BRANDÃO, 2007, p. 35).<br />
Portanto, até podemos ensinar regras tradicionais,<br />
que poderão inclusive ser cobradas em<br />
concursos, vestibulares que queiram testar o<br />
conhecimento da norma padrão, ensinada e preconizada<br />
pela escola. Mas o ensino de língua não<br />
pode seguir a lógica do “é assim e ponto final.”<br />
Os sistemas educacionais, principalmente os<br />
professores de língua, precisam entender e lutar<br />
para que o educando tenha habilidade para<br />
reconhecer os caminhos de eficácia e graça comunicativa<br />
que a língua possui.<br />
Em se tratando da colocação de pronomes<br />
oblíquos átonos, nos estudos tradicionais de sintaxe,<br />
segundo Carone (1986), há uma preocupação<br />
exagerada com este assunto em relação aos<br />
verbos e pouca ênfase ao estudo da colocação<br />
de outros componentes sintáticos no interior das<br />
frases, que, em muitos casos, ao se posicionarem<br />
em ordem diferente, mudam o significado<br />
dos enunciados. Em: Cobre-te com este casaco<br />
(exemplo utilizado pelo sujeito S1F ) e Te cobre<br />
com este casaco, o significado é o mesmo nas<br />
duas construções, quer com o pronome átono<br />
antes do verbo (próclise), quer depois do verbo<br />
(ênclise). Existe apenas uma ligeira mudança na<br />
pronúncia que pode, inclusive, ser influenciada<br />
por diversos fatores como: grau de abertura da<br />
boca, clima de uma determinada região. Daí uma<br />
das diferenças prosódicas entre português do<br />
Brasil e o português de Portugal 3 . Logo, é sintaticamente<br />
irrelevante o posicionamento do pronome<br />
oblíquo átono em relação ao verbo.<br />
Por outro lado, deveria ser bem mais útil o<br />
estudo de fatos sintáticos em que a organização<br />
de certos constituintes (elementos) nas frases<br />
provoca mudança de significado. Como podemos<br />
notar: o velho morador partiu hoje (1) possui uma<br />
carga semântica, enquanto que O morador velho<br />
partiu hoje (2) possui outro significado. As frases<br />
1 e 2 exemplificam e trabalham regras típicas do<br />
português brasileiro que podem proporcionar ao<br />
momento sala de aula, um diálogo construtivo na<br />
cumplicidade de saberes entre professor e aluno,<br />
principalmente, se forem exploradas em um<br />
ambiente de leitura. Onde, também, poderiam ser<br />
explorados diversos parâmetros que norteiam o<br />
português brasileiro, como exemplo: a topicalização,<br />
fenômeno bastante comum na fala, que<br />
trata-se do deslocamento para o início da construção<br />
certas unidades significativas que ficam<br />
enfatizadas, como se pode observar em: o gato<br />
comeu o peixe (3) e o peixe, o gato comeu (4). Na<br />
oração 3, o peixe é objeto direto e o enfoque co-<br />
3<br />
O português brasileiro, principalmente em situações de fala,<br />
é proclítico (me empresta a caneta) em vez de enclítico<br />
(empresta-me a caneta).<br />
42<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 39-44, jun. 2010
municativo é no gato. Já na oração 4, o peixe continua<br />
sendo objeto direto, só que neste caso o<br />
foco e a força ilocucionária da frase estão nele.<br />
Fato que refletiria positivamente no crescimento<br />
do aluno e na prática pedagógica da escola,<br />
porque ultrapassaria os limites da instituição,<br />
a artificialidade que se institui na sala de aula<br />
quanto ao uso da linguagem, fomentaria a prática<br />
da leitura, além de possibilitar o uso efetivo da<br />
língua em suas modalidades oral e escrita. Ou seja,<br />
definitivamente, é fundamental que a escola use<br />
o que se fala, como se fala, como se expressa,<br />
extramuros e aprenda a ensinar alguma coisa para<br />
ser usada fora, também destes muros.<br />
3 MÚLTIPLOS OLHARES<br />
Sabemos que mudar é complicado. Ainda<br />
mais quando o hábito nos deixa cego para identificar<br />
inúmeras possibilidades de adaptação e<br />
de crescimento, porém é essencial compreender<br />
que toda grande mudança requer trabalho,<br />
disposição e flexibilidade para que o “medo de<br />
encarar o novo” seja substituído pela esperança<br />
de construir novos comportamentos e pensamentos<br />
produtivos para o desenvolvimento de<br />
novas perspectivas educacionais. Por isso, necessitamos<br />
contextualizar cada vez mais o aluno<br />
com a realidade em que ele vive, fazendo com<br />
que este indivíduo tenha contato com leituras e<br />
práticas pedagógicas que possam possibilitar<br />
múltiplos olhares. Multiplicidade que refletirá<br />
no âmbito familiar, nas relações de amizade, nas<br />
futuras relações de trabalho.<br />
Segundo Silva (2009), são notórios os méritos<br />
das gramáticas normativas, sobretudo quanto<br />
ao estabelecimento de padrões que são compartilhados<br />
pelos falantes. Entretanto, a consulta<br />
a uma gramática normativa deve ser feita criticamente,<br />
avaliando-se as particularidades da<br />
linguagem utilizada pelos falantes.<br />
Um exemplo no português brasileiro<br />
é o futuro simples: “Eu buscarei o<br />
livro amanhã”. Para uma grande maioria<br />
de falantes do português brasileiro<br />
o futuro simples não ocorre na<br />
língua falada. Em seu lugar ocorre o<br />
futuro composto: “Eu vou buscar o livro<br />
amanhã.” Note, contudo, que o<br />
futuro simples é utilizado na linguagem<br />
escrita e em algumas variantes<br />
do português brasileiro (e certamente<br />
no português europeu). (SILVA,<br />
2009, p. 15).<br />
Faz-se, portanto, pertinente registrar estes<br />
dois usos efetivos do futuro simples no momento<br />
da interação com o alunado. De posse destas informações,<br />
o professor poderia proporcionar uma<br />
série de exercícios e discussões relevantes para a<br />
formação acadêmica do aluno, sem definir padrões<br />
em termos de julgamento de correto-incorreto.<br />
Ponto-chave para que o ensino de língua materna<br />
comece atingir dimensões mais democráticas, no<br />
sentido de mostrar ao educando características que<br />
fazem parte da realidade linguística nacional.<br />
Os professores e, por meio deles, os<br />
alunos têm de estar bem conscientes<br />
de que existem duas ou mais maneiras<br />
de dizer a mesma coisa. E mais,<br />
que essas formas alternativas servem<br />
a propósitos comunicativos distintos<br />
e são recebidas de maneira diferenciada<br />
pela sociedade. Algumas conferem<br />
prestígio ao falante, aumentando-lhe<br />
a credibilidade e o poder de<br />
persuasão; outras contribuem para<br />
formar-lhe uma imagem negativa, diminuindo-lhe<br />
as oportunidades. (BOR-<br />
TONI-RICARDO, 2005, p.15).<br />
Há que se entender, também, que os alunos<br />
que chegam à escola falando “tu visse”, “menas<br />
gente”, por exemplo, têm que ser respeitados<br />
e habilitados para o uso das variantes de prestígio<br />
dessas expressões. Não podemos ignorar<br />
estas especificidades da língua e nem fazer com<br />
que as portas se fechem para estes educandos.<br />
Precisamos, sim, é de uma distribuição mais justa<br />
de bens culturais, onde os alunos possam ter<br />
o direito a explicações que vão pelo menos um<br />
pouco além das “precárias listas de certo-errado”.<br />
Afinal, e a rigor, só ocorrem estas situações<br />
porque há permissão da língua.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 39-44, jun. 2010<br />
43
4 PARA REFLETIR<br />
Ao longo deste ensaio fomos pontuando teorias<br />
e práticas educativas no que se refere à natureza<br />
das línguas, sobretudo visões que envolvem<br />
sociedade, cultura e identidade. E relacionar<br />
todos estes contextos com o ensino de língua<br />
materna é, fundamentalmente, conscientizar<br />
cada vez mais a necessidade de investimento em<br />
pesquisas, estudos e análises de caráter educacional.<br />
Visto que, se pretendemos mudanças significativas<br />
na educação, nada mais coerente que<br />
adotar comportamentos que busquem o aperfeiçoamento<br />
de novas práticas docentes.<br />
Mesmo com os avanços significativos dos veículos<br />
de informação, segundo o professor Wanderley<br />
Geraldi, em uma de suas apresentações no XV<br />
Fórum Paraense de Letras/2009, infelizmente, o estudo<br />
do texto é mais praticado em outras disciplinas<br />
do que nas aulas de língua portuguesa que, em princípio,<br />
deveriam desenvolver precisamente as mais<br />
variadas formas de interlocução leitor/texto/autor.<br />
Fato que dificulta e compromete a aprendizagem<br />
de uma língua ou da variedade de uma língua.<br />
Por isso, consideramos as observações desta<br />
pesquisa, construtivas para o “repensar” de algumas<br />
ações pedagógicas, afinal, acreditamos que é<br />
possível fazer um desenho curricular diferente, ou<br />
seja, quando denunciamos que uma determinada<br />
prática docente está “presa” a um determinado sistema,<br />
queremos na verdade, tentar oportunizar<br />
novos sonhos docentes que possam ser benéficos<br />
para o verdadeiro processo construtivo do saber.<br />
Segundo Bastos (APUD SILVA, 2008, p.43), o<br />
professor precisa conhecer seu objeto de ensino,<br />
aliando espírito crítico-reflexivo à competência<br />
técnica. Claro que ensinar língua à luz desses<br />
princípios requer maior esforço de sua parte, pois<br />
“dá mais trabalho”. Entretanto, é certamente<br />
mais prazeroso para os envolvidos, alunos e professores,<br />
e, sem dúvida, mais esperançoso para<br />
a realização de uma nova postura acadêmica.<br />
Portanto, pensar o ensino de língua materna<br />
em um cenário altamente múltiplo em<br />
termos de aprendizagem, é promover o fazer<br />
científico em todos os níveis. Deixando margens<br />
para que o aluno consiga constatar seu<br />
verdadeiro papel na sociedade e, ao mesmo<br />
tempo, permitir verdadeiras descobertas linguísticas,<br />
históricas e culturais.<br />
REFERÊNCIAS<br />
ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por<br />
um ensino de línguas sem pedras no caminho.<br />
São Paulo: Parábola Editorial, 2007.<br />
BAGNO, Marcos. Língua materna: letramento, variação<br />
e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2002.<br />
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Nós cheguemu<br />
na escola, e agora? Sociolinguística & Educação.<br />
São Paulo: Parábola Editorial, 2005.<br />
CÂMARA JR., J. Mattoso. Estrutura da língua portuguesa.<br />
Petrópolis: Vozes, 1997.<br />
CARONE, Flávia de Barros. Morfossintaxe. São<br />
Paulo: Ática, 1986.<br />
DUBOIS, Jean et al. Dicionário de linguística. São<br />
Paulo: Cultrix, 2006.<br />
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística<br />
geral. São Paulo: Cultrix, 2006.<br />
SILVA, Maria do Perpétuo Socorro Cardoso da<br />
(Org.) As interfaces dos estudos linguísticos.<br />
Belém: UNAMA, 2008. v. 4. 228 p.<br />
SILVA, Thaís Cristófaro. Fonética e fonologia do<br />
português: roteiro de estudos e guia de exercícios.<br />
São Paulo: Contexto, 2009.<br />
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação:<br />
uma proposta para o ensino de gramática no primeiro<br />
e segundo graus. São Paulo: Cortez, 1996.<br />
VIEIRA, Silvia; BRANDÃO, Silvia. Ensino de gramática:<br />
descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007.<br />
44<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 39-44, jun. 2010
NOVAS PERSPECTIVAS ACERCA DAS MEDIDAS <strong>DE</strong><br />
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: um olhar da Psicologia 1<br />
Rogério Tavares da cruz*<br />
Márcia Soares Bezerra**<br />
R E S U M O<br />
Este artigo pretende discutir os novos modelos de abrigamento no Brasil permitindo<br />
refletir sobre o novo serviço que vem sendo apresentado, além de fazer um percurso histórico<br />
acerca dos abrigos, utiliza-se como método revisão bibliográfica, permitindo analisar segundo<br />
as produções científicas fatores de risco-proteção e enfatizando o papel deste espaço como<br />
promotor de desenvolvimento e espaço coletivo de integração, precisando rediscutir suas<br />
ações e modelos de funcionamento, além de tentar trabalhar de forma sistêmica e em rede.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Instituições de Acolhimento Infantil. Medidas de Proteção. Crianças e Adolescentes.<br />
Políticas Públicas.<br />
A criança é o elo mais fraco e exposto<br />
da cadeia social.<br />
Nenhuma nação conseguiu<br />
progredir sem investir na infância<br />
Gilberto Dimenstein (1994, p8-9)<br />
Este trabalho é fruto de problematizações<br />
acerca das medidas de abrigamento, sendo resultado<br />
das primeiras questões trazidas de um<br />
projeto de iniciação científica da Universidade<br />
da Amazônia, procurando observar os atendimentos<br />
e as ações promovidas nestes espaços<br />
e, além disso, refletir sobre o que a literatura e<br />
as leis que são desenvolvidas para a proteção de<br />
crianças e adolescentes esperam dessas instituições.<br />
Será que a promoção do desenvolvimento<br />
dos atendidos nestes são o foco dessas instituições?<br />
De que forma se desenvolvem os trabalhos<br />
com as famílias e as crianças? Que práticas<br />
inovadoras e tradicionais coexistem e como<br />
as percepções da equipe promovem o cresci-<br />
mento e o acolhimento nesses espaços?<br />
Vale ressaltar que existe um grande número<br />
de crianças e adolescentes que estão cumprindo<br />
medidas de acolhimento institucional.<br />
Pesquisas como a do IPEA (2004) junto ao UNI-<br />
CEF mostraram que mais de 20.000 crianças cumprem<br />
este tipo de medida de proteção no país,<br />
existindo mais de 670 abrigos cadastrados rece-<br />
* Aluno do 9º semestre do curso de Psicologia da<br />
Universidade da Amazônia, bolsista do programa de<br />
iniciação científica.<br />
** Professora orientadora do programa de iniciação científica<br />
e do curso de Psicologia UNAMA / UFPA.<br />
1<br />
Artigo produzido como parte da pesquisa do programa de<br />
iniciação científica Instituições de acolhimento infantil:<br />
concepções dos cuidadores acerca das crianças e suas<br />
práticas de cuidado.<br />
45<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010
endo verbas do governo federal através do serviço<br />
de ação continuada – SAC / Abrigos. Dados<br />
estes associados a mais de 58% de meninos entre<br />
7 e 15 anos, negros de famílias de baixa renda,<br />
dados estes corroborados por Souza & Carvalho<br />
(2007). Mais o que leva tantas crianças e<br />
adolescentes estar abrigados? Como esses serviços<br />
de abrigamento desenvolveram -se em<br />
nosso país?<br />
No Brasil, novos paradigmas acerca das políticas<br />
publicas direcionadas a crianças e adolescentes<br />
foram apresentados, primeiramente gerados<br />
pelas pressões de mecanismos internacionais,<br />
como a Convenção Internacional dos Direitos<br />
da Criança, em 1989 realizada na ONU, e<br />
também das pressões dos movimentos sociais e<br />
da sociedade civil democrática, que veio, após o<br />
processo de redemocratização, em busca de seus<br />
direitos, sendo consolidados com Constituição<br />
de 1988 e, mais tarde da Lei Orgânica da Assistência<br />
Social (LOAS, 1993), ambas procurando<br />
garantir a toda população direitos sociais antes<br />
negados (OLIVEIRA & MILNITISKY-SAPIRO, 2007),<br />
além da promulgação da Lei 8.069, o Estatuto da<br />
Criança e do Adolescente (ECA), sendo aprovado<br />
em 1990, trazendo consigo um novo olhar direcionados<br />
às crianças e adolescentes, colocando<br />
estes na posição de sujeitos de direitos, permitindo<br />
a partir dessa mudança, novas práticas,<br />
olhares e políticas para o atendimento integral<br />
das crianças e adolescentes em nosso país<br />
Segundo Rizzini, Rizzini, Naif & Batista<br />
(2007) a partir da promulgação da lei em 13 de<br />
julho de 1990, a prática centenária de institucionalização<br />
é condenada, permitindo, a partir desta<br />
nova visão, uma política de atendimento que<br />
tem nessa medida um caráter excepcional e de<br />
transitoriedade, citadas no artigo 101 desta lei,<br />
ressaltando que a ênfase baseia-se na convivência<br />
familiar e comunitária, reforçando que a<br />
medida de acolhimento institucional deve ser a<br />
última a ser tomada, pois segundo Weber (2000)<br />
apud Souza & Castro (2007) esta se mostra ineficaz<br />
como política pública, pois não focaliza os<br />
verdadeiros problemas que são motivo de abrigamento,<br />
como a miséria social, a carência de<br />
apoio socioeducativo às famílias e formas de<br />
combate e prevenção de violência doméstica<br />
infanto-juvenil.<br />
Autores como Rizzini & Rizzini (2004) apud<br />
Cavalcante, Magalhães & Pontes (2007) consideram<br />
a medida, a de acolhimento institucional,<br />
como uma medida de proteção às crianças e adolescentes<br />
em situação de vulnerabilidade social,<br />
política esta reconhecida efetivamente dentro da<br />
Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e<br />
mais especificamente do Sistema Único de Assistência<br />
Social (SUAS) como política da proteção<br />
social especial de alta complexidade, que garante<br />
proteção integral no caso do abrigo, a crianças<br />
que necessitam ser retiradas do convívio familiar<br />
e comunitário, em especial aquelas famílias que<br />
se encontram em situação de vulnerabilidade<br />
social e em situação de violência.<br />
Para entender o processo de construção da<br />
categoria crianças e adolescente e, consequentemente,<br />
dos serviços e políticas direcionadas a<br />
estes, devemos analisar a partir da história brasileira,<br />
pois segundo Pinheiro (2006) cada representação<br />
emerge de um contexto sócio-histórico<br />
específico e dentro de cada representação citada<br />
se fundem valores, políticas, instituições,<br />
assim como práticas sociais e de cuidado. Para<br />
Frota (2007) devemos compreender a infância<br />
de modo particular, não a tornando um estado<br />
universal que acontece com todos ao mesmo<br />
tempo, devendo largar ideias pré-concebidas.<br />
Segundo Phillippe Áries (1978) apud Frota<br />
(2007) a infância foi uma invenção da modernidade,<br />
afirmando também como uma categoria<br />
construída socialmente. Nos séculos XVI e XVII<br />
são associadas à ideia de inocência e de fragilidade<br />
corroboradas durante o século XVIII por filósofos<br />
como John Locke que difundiram a idéia<br />
de tábua rasa para o desenvolvimento infantil e<br />
que também foi base do pensamento de Jean<br />
Jacques Rousseau, que defendia a natureza humana<br />
como boa, em especial as crianças que vêm<br />
46<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010
puras ao mundo e a sociedade que as corromperia<br />
(FROTA, 2007). No Brasil o primeiro olhar que<br />
se move para elas é através destas como objeto<br />
de proteção social cuja principal manifestação é<br />
garantir a sua sobrevivência, associando-as ao<br />
pensamento cristão que estimulava a filantropia,<br />
valores como compaixão, amor ao próximo<br />
e a caridade são alguns dos preceitos marcados<br />
dentro dessa representação social. Dentro desse<br />
contexto a primeira medida tomada acerca<br />
de políticas foi o acolhimento de crianças no<br />
século XVIII na cidade do Rio de Janeiro, cujo<br />
objetivo era acolher menores muito pobres ou<br />
bastardas nas instituições chamadas Casas de<br />
Roda, também chamadas Casa dos Expostos<br />
(MARCILIO, 1997). Neste aspecto a preservação<br />
destes segundo Pinheiro (2006) era um ato que<br />
já revelava um problema social que se iniciava,<br />
o de omissão ou transferência de responsabilidades,<br />
iniciando-se aí os primeiros passos do<br />
que seria uma proteção social nos moldes assistencialistas.<br />
Muitos passaram a colocar filhos<br />
ilegítimos, frutos da libertinagem e das transgressões<br />
sociais tornando-os de acordo com<br />
Costa (1999) apud Pinheiro (2006) & Marcilio<br />
(1997), locais que passaram a superlotar e sofrer<br />
de precárias instalações.<br />
Já no final do século XIX e no inicio do século<br />
passado, o cenário do país transforma-se. Estamos<br />
no início do período republicano, da abolição<br />
da escravatura e do movimento higienista,<br />
que se inspira nos moldes europeus, de acordo<br />
com Pinheiro (2006) e, nesse contexto, surge<br />
uma nova concepção acerca da criança e do adolescente,<br />
a de objeto de controle e disciplinamento<br />
social, tendo como característica principal<br />
estes como investimentos do Estado brasileiro,<br />
isto é, deveriam ser estes recrutados para<br />
a nova nação que estava nascendo, sendo a favor<br />
do Estado, ações como a escolarização e a<br />
profissionalização importantes a fim de que estes<br />
fossem usados como mão de obra subalterna<br />
e submissa aos interesses da nação, em especial<br />
as crianças e adolescentes das classes populares,<br />
pois havia iniciado o processo de industrialização<br />
que abria vagas em empregos de baixa<br />
qualificação. Essas práticas também eram<br />
medidas preventivas para a elevação da criminalidade<br />
que estava em seu início em nosso país,<br />
pois este passava a ser tornar urbano, fenômeno<br />
conhecido como êxodo rural, aumentado as<br />
populações da cidade em especial, das periferias.<br />
O lema deste modelo, segundo Pinheiro era,<br />
“..disciplinar e controlar para produzir e não para<br />
delinguir” (2006, p.58).<br />
Pinheiro (2006) declara haver outra concepção<br />
que surge neste mesmo período, isto é, a<br />
criança e adolescente como objetos de repressão<br />
social, que entra em vigor pelo Estado em<br />
virtude de combater a delinquência juvenil,<br />
combatendo determinados tipos de comportamentos<br />
através de repressão, porque estes eram<br />
considerados uma ameaça à ordem social (aqueles<br />
que não foram enquadrados nas políticas de<br />
controle e disciplinamento). É nesse contexto<br />
que surgem práticas e instituições como o Código<br />
de Menores em 1927 e do SAM em 1940, que<br />
atendia menores de 18 anos abandonados e delinquentes,<br />
segundo (PINHEIRO, 2006 & FROTA,<br />
2007) e aí que se inicia a fase do isolamento em<br />
instituições e também da retirada do convívio<br />
social. Entre as práticas de cuidado vigente nestes<br />
espaços são destacados o uso da punição<br />
como instrumento de correção. Esta concepção<br />
vem acompanhada com a ideia de perigo que<br />
crianças e adolescentes de classes menos favorecidas<br />
trazem para a sociedade, e a institucionalização<br />
veria com o papel fundamental de reeducá-los<br />
para a sociedade, trazendo-os de volta<br />
ao convívio social (SANTOS & BASTOS, 2002).<br />
Essas três concepções têm algumas similaridades,<br />
em especial às crianças e adolescentes<br />
em vulnerabilidade social, vítimas da<br />
exclusão social que acompanha o país há séculos,<br />
como se estas fossem inferiores e precisassem<br />
de ações desse cunho para salvá-las<br />
dos seus destinos. É nesses últimos dois contextos<br />
que surgem a doutrina da situação irre-<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010<br />
47
gular e o termo “menor”. A doutrina embasava<br />
as ações e práticas tanto das instituições<br />
como foi o marco que orientava o Código de<br />
Menores de 1927 e o Código de Menores 1979.<br />
Durante quase todo o século XX as ações do<br />
Estado eram baseadas na “prevenção de comportamentos<br />
potencialmentes criminosos<br />
através da escolarização e da profissionalização,<br />
e da repressão a delinquentes a fim de<br />
recuperá-los” (PINHEIRO, 2006, p.69), para que<br />
não sejam mais perigosos para a sociedade.<br />
Autores como Lago et al, (2009) ressaltam que<br />
até esse momento (antes da promulgação do<br />
ECA, os espaços institucionais atendiam toda<br />
a demanda de crianças e adolescentes, inclusive<br />
nas antigas FEBEM, onde se pôde perceber<br />
tanto as crianças vítimas de violência como<br />
as que cumpriam medidas socioeducativas resultantes<br />
de ato infracional. Essa transformação<br />
se dá pela Lei 11.800/02 que cria duas instituições<br />
distintas que visam a separação dos<br />
serviços e paradigmas, separando as medidas<br />
protetivas e as medidas socioeducativas.<br />
Com a promulgação da Declaração Universal<br />
dos Direitos Humanos, em 1947 e mais tarde<br />
com a Declaração Internacional dos Direitos da<br />
Criança, em 1958, vários países começam a rever<br />
suas práticas e políticas acerca das crianças e adolescentes.<br />
No Brasil, com o processo de redemocratização<br />
e da luta pelos direitos humanos,<br />
e principalmente pela aprovação da Constituição<br />
Federal de 1988 e também da Convenção das<br />
Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças,<br />
em 1989, surge uma nova concepção, principalmente<br />
nesse último evento, que é o da doutrina<br />
da proteção integral que norteará as nações nas<br />
ações, práticas e políticas públicas na atenção a<br />
esses “sujeitos”.<br />
É nesse contexto que,segundo Pinheiro<br />
(2006); Frota (2007) surge uma nova representação<br />
social acerca das crianças e adolescentes,<br />
estes como sujeitos de direitos. Essa concepção<br />
surge no Brasil acompanhada da luta<br />
dos movimentos sociais pela reivindicação de<br />
seus direitos, também acompanhada pelo<br />
agravamento da situação social como a elevação<br />
dos indicadores econômicos e o agravamento<br />
dos índices sociais, como exemplo, o<br />
depauperamento das classes populares. É nesse<br />
contexto que essa nova representação inicia-se<br />
e vem acompanhada com dois princípios<br />
fundamentais: a igualdade perante a lei e o<br />
respeito à diferença. O primeiro vem norteado<br />
pela garantia de todos os direitos fundamentais<br />
às crianças e adolescentes baseandose<br />
na inclusão daqueles que antes eram excluídos<br />
nas outras três concepções. Essa mudança<br />
de paradigma baseia-se na noção de<br />
igualdade social e de direitos à cidadania; o<br />
segundo princípio vem expresso na ideia de<br />
que estes são pessoas em condição peculiar<br />
de desenvolvimento; segundo que estes requerem<br />
cuidados decorrentes das suas peculiaridades.<br />
Isto vale para o Estado, para a sociedade<br />
e para a família. Cuidados esses que não<br />
deveriam torná-lo mais inferior e sim diferente,<br />
estes meios por sinal deveriam procurar<br />
desenvolver as potencialidades e habilidades<br />
destes de forma que seu desenvolvimento<br />
ocorra de forma sadia, por isso denomina-se<br />
doutrina da proteção integral, pois são várias<br />
ações articuladas que promoverão esse desenvolvimento<br />
(educação, saúde, assistência social,<br />
segurança etc.). É nessa nova concepção<br />
que as práticas sociais alteram-se, como é o<br />
caso do combate à institucionalização prolongada<br />
em troca de um atendimento que tem<br />
como foco a convivência familiar e comunitária,<br />
tidas como fundamentais para o desenvolvimento<br />
pleno dessas crianças e adolescentes.<br />
Esse novo marco que impulsiona em 1990<br />
a promulgação da Lei 8.069 (o Estatuto da Criança<br />
e Adolescente) que irá nortear as políticas<br />
públicas direcionadas a crianças e adolescentes<br />
no país, no caso a ser estudadas as instituições<br />
de acolhimento (RIZZINI, RIZZINI,<br />
NAIF & BATISTA, 2007).<br />
REFLETINDO ACERCA DAS INSTITUIÇÕES <strong>DE</strong> ACO-<br />
48<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010
LHIMENTO (ABRIGOS)<br />
É nesse contexto, da aprovação da Lei 8.069<br />
(ECA), que os abrigos e toda a rede de atendimento<br />
que até então fazia os serviços de proteção<br />
a crianças e adolescentes é repensada, portanto<br />
como ressalta Guará (2005) promove-se<br />
uma cadeia de reordenamento ocorrendo a partir<br />
da perspectiva do novo paradigma políticojurídico<br />
com a aprovação da lei em 1990, destacando<br />
a implantação de novos serviços e transformando<br />
outros que já existiam, como é o caso<br />
dos abrigos. Mas o que é abrigo?<br />
Segundo Cavalcante, Magalhães & Pontes<br />
(2007) os conceitos mais comuns são relacionados<br />
a asilos, refúgios, moradia e esconderijo,<br />
estes termos denotam a ideia de recolhimento,<br />
confinamento e isolamento social. Destacando<br />
que nos casos específicos as crianças denotam a<br />
ideia de afastamento do olhar público daquilo<br />
que atenta à ordem social e à dignidade humana.<br />
No decorrer da história a política de abrigamento<br />
sempre serviu para acolher crianças órfãs,<br />
pobres e que foram abandonadas, mantendo<br />
viva a crença de que esta medida é a mais<br />
adequada para estes.<br />
Na perspectiva do IPEA (2004) o abrigo apresenta-se<br />
como um instrumento de política social<br />
legitimada pelo estatuto (1990) e pela LOAS (1993)<br />
em especial no artigo 2 que trata do “..amparo a<br />
crianças e adolescentes carentes..” , a partir de<br />
que esse ofereça proteção e assistência à criança<br />
que se encontra sem os meios necessários para a<br />
sobrevivência, situações de “incapacidade” dos<br />
pais ou responsáveis e, além disso, situações cotidianas<br />
de graves riscos à integridade física, psicológica<br />
e sexual da criança (CAVALCANTE, MA-<br />
GALHÃES & PONTES, 2007). Nessa perspectiva o<br />
abrigo deve oferecer proteção especial para as<br />
crianças que estão em situação de vulnerabilidade<br />
social, promovendo a acolhimento, segurança,<br />
moradia e cuidados diários, devendo ser articulado<br />
com outros órgãos, programas e ações para<br />
poder desempenhar seu papel em meio a essa<br />
complexidade, integrando as demais redes de<br />
serviços das políticas sociais básicas e aos serviços<br />
assistenciais, isso também se reflete aos familiares<br />
da criança abrigada (GUARÁ, 2005).<br />
De acordo com Cavalcante, Magalhães &<br />
Pontes (2007) & Arpini (2003) o abrigo pode apresentar-se<br />
como instituição total, cujo regime é<br />
apresentado como autoritário e disciplinar, destacando<br />
nesses estudos os trabalhos de Foucault<br />
(1997); Goffman (1974) que mostram as consequências<br />
que são geradas pela vida institucional,<br />
como por exemplo, o aniquilamento de sua<br />
identidade, a estigmatização das crianças e dos<br />
profissionais que trabalham no espaço e as dificuldades<br />
de re-inserção social (ARPINI, 2003),<br />
outros questões são citadas por Koller & Campos<br />
(2004) apud Cavalcante, Magalhães & Pontes<br />
(2007) como fundamentais acerca do abrigo<br />
como instituição total ressaltando, por exemplo,<br />
a ruptura dos vínculos familiares afastando-se<br />
do ideal do estatuto em garantir a convivência<br />
familiar. Além disso, outro aspecto é ressaltado<br />
nesse espaço total que é o grande numero de<br />
abrigados afastando-se da perspectiva da Lei<br />
8.069, pois assim desconsidera o atendimento<br />
individual e personalizado.<br />
Nesses espaços, como destaca Benelli<br />
(2003) apud Cavalcante, Magalhães & Pontes<br />
(2007), os objetivos dessas instituições que foram<br />
criadas são a promoção da estratificação social,<br />
a segregação e a modelagem de comportamentos<br />
caracterizados pela alternância entre<br />
punições e recompensas, dispositivos estes utilizados<br />
pelos dirigentes e que muito marcaram<br />
as políticas de atendimento no inicio do século<br />
XX, inspirados pelo Código de Menores de 1927,<br />
cujo objetivo era institucionalizar aquelas crianças<br />
e adolescentes delinquentes e “perigosas”<br />
para o convívio social e reeducá-las (PINHEIRO,<br />
2006)”. Essas instituições representam um padrão<br />
de cuidado infantil bastante nocivo para o<br />
desenvolvimento da criança tornando paradoxal<br />
a relação proteção-riscos em seu cotidiano<br />
(CAVALCANTE, 2007).<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010<br />
49
Este mesmo espaço deve ser entendido de<br />
acordo com Cavalcante, Magalhães & Pontes<br />
(2007) como ambiente coletivo de cuidado infantil,<br />
cujo motivo baseia-se na característica<br />
deste em conter no seu espaço características<br />
como uma estruturação não familiar, convivência<br />
intensa entre as crianças e seus pares, assim<br />
como seus cuidadores e, além disso, a ausência<br />
de um espaço individualizado, essas similaridades<br />
são vistas em creches e pré-escolas. Vale<br />
ressaltar que aspectos importantes a ser analisados<br />
dentro dessa perspectiva como, por exemplo,<br />
o espaço físico, os equipamentos e as atividades<br />
de rotina todos esses facilitadores de desenvolvimento<br />
de comportamentos pró-sociais<br />
e como ambiente coletivo de cuidado.<br />
Dentro da perspectiva ecológica é percebido<br />
o abrigo como contexto de desenvolvimento<br />
humano, pois a criança que apresenta em situação<br />
de acolhimento institucional tem condições<br />
reais para desenvolver habilidades e competências<br />
decisivas para a formação da personalidade<br />
e das habilidades sociais (CAVALCANTE, MAGA-<br />
LHÃES & PONTES 2007).<br />
Nessa abordagem, segundo Brofenbrenner<br />
(1996), o contexto onde a criança cresce e<br />
se desenvolve não é limitado somente a um<br />
único espaço mas a várias interconexões em diferentes<br />
ambientes, ressaltando que, no caso<br />
do abrigo, quanto maior for suas aberturas, mais<br />
fluidas serão suas fronteiras e interfaces, permitindo<br />
maior desenvolvimento a partir da conexão<br />
entre vários micros e mesossistemas,<br />
possibilitando para as crianças abrigadas permanente<br />
crescimento e formação, destacando<br />
que essa interação é determinada pelo aspecto<br />
bi-direcional da interação entre criança e o<br />
ambiente, sendo que esta deve ser estimulada,<br />
enfatizada inclusive pelo estatuto (ECA),<br />
permitindo abrir espaços de trocas sociais e afetivas<br />
entre as pessoas envolvidas, inclusive seus<br />
cuidadores. Segundo Cavalcante, (2007) o olhar<br />
da perspectiva ecológica acerca do abrigo deve<br />
ser permeado pelas seguintes características:<br />
o ambiente físico e social constituindo esse aspecto<br />
como, por exemplo, a questão estrutural<br />
do espaço; que espaços existem; que tipos de<br />
equipamentos são utilizados; quais as rotinas<br />
do abrigo e de seus cuidadores e a dinâmica<br />
institucional. A Psicologia dos cuidadores (crenças,<br />
percepções, valores dos cuidadores e técnicos)<br />
e suas práticas cotidianas. Na conclusão<br />
desses autores é possibilitada uma visão de<br />
abrigo que perpassa como um ambiente de cuidado<br />
coletivo e como contexto de desenvolvimento<br />
ecológico, compondo uma visão mais<br />
ampla da dualidade proteção e risco e permitindo<br />
através desse olhar, buscar o desenvolvimento<br />
desse espaço como um meio de desenvolvimento<br />
para a criança abrigada.<br />
Nesse paradigma proteção-riscos, muitos<br />
estudos têm sidos desenvolvidos acerca dos aspectos<br />
nocivos da institucionalização e seus efeitos<br />
para a saúde mental e física das crianças abrigadas.<br />
Estudos de Spitz (1965/1998) apud Cavalcante,<br />
Magalhães & Pontes (2007) destacam que<br />
no primeiros anos de vida desenvolvem-se a<br />
formação do apego, a formação de vínculos primários,<br />
logo, se estes forem privados dos cuidados<br />
maternos nessa fase sensível, terão efeitos<br />
traumáticos para o seu desenvolvimento.<br />
É importante ressaltar que a perspectiva<br />
ecológica valoriza a relação entre cuidador-criança,<br />
pois esta é importante para o seu desenvolvimento,<br />
permitindo colocar esse espaço<br />
como ambiente de cuidado, porém existem situações<br />
já citadas que determinam aspectos<br />
nocivos aos abrigos como o tratamento massificado,<br />
a privação da convivência familiar e o confinamento<br />
social (todos esses distantes do ideal<br />
do estatuto), porém destaca-se a combinação<br />
desses fatores e sua intensidade como importantes<br />
na configuração desses como fatores de<br />
riscos. Autores como Sigal, Perry, Rossignol &<br />
Quimet (2003) apud Cavalcante, Magalhães &<br />
Pontes (2007), permitem explanar alguns fatores<br />
acerca da institucionalização cujos fatores<br />
podem minimizar os efeitos nocivos, assim como<br />
50<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010
possibilitar ver este espaço como fator de proteção<br />
e de desenvolvimento, como por exemplo,<br />
a presença de um adulto cuidador. Dentro<br />
desse olhar otimista os estudos de Tizard & Rees<br />
(1974) citados pelos mesmos declaram que é<br />
importante obter uma qualidade no ambiente e<br />
na interação com o cuidador, destacando que<br />
muitas crianças não encontram essas características<br />
no seu ambiente familiar.<br />
Dentro da nova perspectiva pós ECA percebeu-se<br />
que a necessidade de um novo modelo<br />
de atendimento, baseado no olhar das crianças<br />
e adolescentes como sujeitos de direitos,<br />
permitindo as estes um atendimento mais<br />
humanizado e percebendo as instituições de<br />
acolhimento como local de potencialidades,<br />
possibilidades, de acolhimento, afeto e proteção,<br />
possibilitando a partir desse novo parâmetro<br />
ter esse espaço como ambiente propício ao<br />
desenvolvimento humano (ARPINI, 2003). Essas<br />
instituições tornaram-se mais abertas, com<br />
atendimentos mais personalizados e em menor<br />
número, permitindo garantir a individualidade<br />
do atendimento, além do fato da perspectiva<br />
de permanência temporária, destacando<br />
que essas diretrizes estão escritas na própria<br />
lei, no artigo 92, outras são citadas como a<br />
não separação de irmãos, devendo-se também<br />
evitar a transferência de abrigados para outras<br />
instituições sempre que possível, além de manter<br />
a participação da comunidade no espaço, e<br />
vice-versa tentar aproximar esses dos vínculos<br />
comunitários também, preparando-os para o<br />
desligamento institucional, como se este fosse<br />
apenas provisório e processual.<br />
Seguindo esse caminho o IPEA (2004) sugere<br />
que um abrigo possua no máximo 25 crianças,<br />
redimensionado as suas reais capacidades e necessidades<br />
de atendimento.<br />
Dentro dessa nova perspectiva é vital tornar<br />
esse espaço um ambiente propício ao desenvolvimento,<br />
garantindo a acolhida e o não<br />
rompimento dos vínculos familiares, assim como<br />
desempenhar nesse espaço um atendimento<br />
humanizado, onde os cuidadores e o próprio<br />
ambiente podem ser facilitadores de melhor<br />
qualidade de vida, proporcionado através da<br />
promoção de vínculos mais positivos, com maior<br />
segurança e estabilidade, além de promotores<br />
de resiliência, visto como capacidade de responder<br />
de forma positiva a situações adversas<br />
(CARVALHO & VECTORE, 2008). Vale lembrar que<br />
estes cuidadores devem procurar manter uma<br />
relação afetiva, pois segundo Brofenbrenner<br />
(1996) as formas de interação de cuidado com as<br />
crianças deve ter três características: a reciprocidade<br />
caracterizada como feedback mútuo entre<br />
cuidador-crianças tornando essa interação mais<br />
complexa de acordo com o tempo. Outra característica<br />
que deve estar presente em qualquer<br />
contexto institucional deve ser o equilíbrio de<br />
poder, permitindo à criança aprender a lidar com<br />
relações de poder diferenciais, embora essa distribuição<br />
deva gradualmente reduzir-se dando<br />
a estes autonomia; a outra característica ressalta<br />
a importância da relação afetiva no desenvolvimento<br />
de sentimentos positivos uns para com<br />
outros, considerando que a dimensão afetiva é<br />
parte inerente das relações humanas, portanto<br />
não deve ser excluída do contexto institucional.<br />
É importante também reconhecer e valorizar seu<br />
papel enquanto cuidador no ambiente institucional<br />
(CONANDA/ CNAS 2008).<br />
CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />
Os espaços de acolhimento institucional<br />
neste novo modelo de funcionamento devem<br />
ter como constantes desafios o rompimento dos<br />
paradigmas de uma instituição de isolamento,<br />
permitindo que o público atendido possa estar<br />
em constante desenvolvimento e interação com<br />
dos diversos âmbitos e sistemas que garantam a<br />
eles a permanência dos vínculos comunitários e<br />
familiares, e garantindo a aquisição de novos vínculos<br />
construídos nesses espaços com seus cuidadores<br />
e com os seus pares, além da equipe<br />
técnica em serviço no abrigo.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010<br />
51
Além disso, é importante ressaltar a capacitação<br />
contínua e a reflexão dos profissionais que<br />
lidam com crianças e adolescentes que cumprem<br />
esse tipo de medida, possibilitando a avaliação<br />
de suas relações, concepções que permeiam suas<br />
práticas, além de ter uma visão contextual e sistêmica<br />
do seu trabalho, favorecendo analisar as<br />
diversas questões que cercam os motivos de abrigamento,<br />
em especial os conflitos familiares, favorecendo<br />
analisá-los para futuras intervenções<br />
junto a essas famílias, garantindo a reinserção dos<br />
abrigados em suas famílias de origem.<br />
Importante também ressaltar o trabalho em<br />
rede com outras instituições que permitam a troca<br />
de informações e intervenções eficazes entre<br />
os abrigados e suas famílias, buscando soluções<br />
em conjunto para esse problema tão complexo<br />
e amplo, garantindo a inserção de diversas<br />
políticas públicas e a inserção das famílias<br />
em projetos de valorização e de construção de<br />
vínculos mais sólidos entre seus membros.<br />
Devemos também refletir acerca da representação<br />
social em que os espaços foram<br />
construídos, permitindo quebrar paradigmas<br />
pelos profissionais que trabalham nestes espaços<br />
e também da própria sociedade, que<br />
ainda olha estes espaços ou de forma assistencialistas<br />
ou de forma de disciplinamento e<br />
repressão, permitindo sempre avaliar este<br />
espaço como promotor de acolhimento e desenvolvimento,<br />
ainda que seja temporário,<br />
permitindo que o trabalho seja desenvolvido<br />
com todas as partes em questão, os abrigados<br />
e suas famílias, quebrando este círculo vicioso<br />
da violência, tanto intergeracional como<br />
social, pois as próprias famílias também são<br />
vítimas de uma sociedade excludente e com<br />
ausência de políticas públicas que garantam a<br />
proteção e atendimento integral às famílias e<br />
suas diversas demandas.<br />
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LAGO, V. M; AMATO, P; TEIXEIRA, P. A; ROVINSKI, S.R.<br />
L & BAN<strong>DE</strong>IRA, D. R. Um breve histórico da psicologia<br />
jurídica no Brasil e seus campos de atuação. Estudos<br />
de Psicologia. Campinas (SP): 26 (4), p. 483-491.<br />
52<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010
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no Brasil.1726-195 IN. Freitas. M. C (ORG). História<br />
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porque o abismo entre a lei e a realidade. Ceará:<br />
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SOUZA, M. de & CARVALHO, M. C. N. de. Psicologia<br />
jurídica nos abrigos: uma analise sistêmica<br />
do direito a convivência familiar e comunitária<br />
In: Psicologia jurídica: temas de aplicação. Curitiba<br />
(PR): Ed. Juruá, 2009. p. 21-42.<br />
VECTORE, C & CARVALHO, C. Um olhar sobre o<br />
abrigamento: a importância dos vínculos em contextos<br />
de abrigo. Revista semestral da Associação<br />
Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional<br />
(ABRAPEE), 2008.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010<br />
53
VARIAÇÃO LINGUÍSTICA:<br />
um estudo da fala de vestibulandos de escolas<br />
públicas e privadas de Belém 1<br />
Diego de Sousa Cruz Lima*<br />
R E S U M O<br />
O presente estudo intitulado Variação linguística: um estudo da fala de vestibulandos de<br />
escolas públicas e privadas de Belém tem como alicerce um estudo variacionista. O estudo abordará<br />
um enfoque investigativo quantiqualitativamente, entre as relações fonético-fonológicas,<br />
onde através desses corpus (dados) da pesquisa. Identificando, assim, os desvios linguísticos dos<br />
jovens vestibulandos e tentando explicá-los através dos postulados da sociolinguística.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Variação. Aspectos Fonético-Fonológicos. Desvios linguísticos. Sociolinguística<br />
1 O PROJETO<br />
A referida pesquisa surge pelo seu pioneirismo<br />
e importância. Dada a contribuição e expansão<br />
desta à Região Amazônica, em especial a Belém, já<br />
que está se propõe a fazer parte integrante do Projeto<br />
Valunorte, desenvolvido na UNAMA,o que trará<br />
um grande reconhecimento como polo de estudos<br />
linguísticos na região Norte.<br />
O reconhecimento da existência de uma<br />
variação linguística desmitifica as influências de<br />
um passado colonizador, então temos de levar<br />
em consideração as diferenças culturais: de identidade,<br />
credo, raça, multiculturalismo e multilinguísmo,<br />
embora os puristas cultuem certas<br />
formas do bem falar em detrimento das variações<br />
da real língua dos falantes.<br />
É de grande importância salientar o reconhecimento<br />
voltado ao estudo do falar brasileiro<br />
para um campo de interesse científico.<br />
Daí algumas críticas direcionadas a bem fundada<br />
variação, por isso o preconceito linguístico.<br />
Sua espontaneidade e imprevisibilidade<br />
tornam a língua um fato social, acarretado por<br />
influências temporais e espaciais. O surgi-<br />
mento da sociolingüística concebe a língua<br />
como um fato social, envolvido junto às comunidades<br />
falantes e sua cultura.<br />
Nesta pesquisa os dados linguísticos serão<br />
tratados de acordo com a sociolinguística, em<br />
uma perspectiva variacionista, ou seja, por meio<br />
de pesquisa quantiqualitativa extrairemos os<br />
dados, sendo considerados os contextos extralinguísticos,<br />
o que permitirá percebermos a sistematicidade<br />
da variação, considerando os chamados<br />
fatores externos à análise linguística,<br />
neste caso, além daqueles previstos no Valunorte,<br />
o tipo de escola (pública e privada).<br />
Os pontos mais importantes, que foram ligados<br />
para encontrar os padrões que guiam a<br />
variação de um dado sistema linguístico são encontrados<br />
nas variáveis extralinguísticas, como<br />
lugar de moradia, classe social, faixa etária, grau<br />
de escolaridade e sexo dos falantes, já previstos<br />
no Valunorte.<br />
*<br />
Graduando do 6º semestre do Curso de Letras / habilitação<br />
em Língua Inglesa e bolsista de pesquisa do Projeto<br />
Valunorte (UNAMA/FI<strong>DE</strong>SA).<br />
1<br />
Artigo elaborado sob a orientação da Professora Dr a . Maria<br />
do Perpétuo Socorro Cardoso da Silva coordenadora do<br />
projeto Valunorte<br />
55<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 55-59, jun. 2010
O principal objetivo desta pesquisa é analisar<br />
os usos linguísticos, de caráter fonéticofonológico<br />
na fala urbana de concluintes do<br />
ensino médio, especificamente os que estão<br />
se preparando para prestar vestibular, cujo<br />
fator a ser considerado será o tipo de escola,<br />
pública ou privada. Mas para se chegar a esse<br />
objetivo, deve-se passar por objetivos menores,<br />
mas não menos importantes, que é produzir,<br />
juntamente com os pesquisadores do<br />
Valunorte, as informações necessárias à composição<br />
do banco de dados do projeto. Selecionar,<br />
no corpus em questão, excertos que evidenciem<br />
os usos de aspectos fonético-fonológicos,<br />
pelos alunos de cada tipo de escola.<br />
Descrever os contextos de uso, tendo como<br />
parâmetro a norma padrão vigente.<br />
2 SELEÇÃO DO CONTEXTO<br />
A pesquisa se dará em Belém do Pará - metrópole<br />
da Amazônia, conhecida pela abundancia<br />
de mangueiras em suas ruas, e carinhosamente<br />
chamada de Cidade das Mangueiras. Também<br />
denominada de Cidade Morena, característica<br />
herdada da miscigenação do povo português com<br />
os índios tupinambás, nativos habitantes da região<br />
à época da fundação.<br />
Fundada em 12 de janeiro de 1616. Foi o<br />
capitão-mor Francisco Caldeira Castelo Branco<br />
quem aportou às margens da baía de Guajará para<br />
assegurar o domínio da nova terra e expedições<br />
da Coroa portuguesa, em busca de novos territórios,<br />
na foz do rio Amazonas, e a fim de resguardá-la<br />
do ataque de corsários vindos da Inglaterra<br />
e da Holanda.<br />
Em seus quase 400 anos de história, Belém<br />
vivenciou momentos de plenitude. Há 200 anos,<br />
a Corte portuguesa embarcava em direção ao<br />
Brasil, numa viagem que mudaria completamente<br />
o rumo da história brasileira. A família real foi<br />
para o Rio de Janeiro, mas na região Norte, outra<br />
cidade se preparou para ser a capital do reino,<br />
Belém do Pará se tornou a Capital das Especiarias,<br />
graças à imigração japonesa, sendo até hoje<br />
o maior produtor de pimenta-do-reino do país.<br />
No início do século XX Belém vivenciou o<br />
período áureo da borracha, quando recebeu inúmeras<br />
famílias europeias, o que veio a influenciar<br />
grandemente a arquitetura de suas edificações,<br />
ficando conhecida na época como Paris<br />
n’América.<br />
O mês de julho é ideal para se desfrutar o<br />
verão de Belém, porém, até novembro, ainda se<br />
sente o calor belenense. Os termômetros registram<br />
nesse período temperaturas que variam de<br />
25 graus mínimos à máxima de 38 graus. A cidade<br />
de Belém, capital do estado do Pará, cuja altitude<br />
é: 10m; clima: equatorial AM; fuso horário:<br />
UTC -3 e demais dados, do tipo área, população<br />
e densidade demográfica estão expostos no<br />
quadro 1.<br />
Capital<br />
Área (km²)<br />
Belém<br />
1.064,91 km²<br />
Número de Bairros 2<br />
População residente (Censo 2006) 1.428.368<br />
Densidade demográfica (Censo 2006) 1.342,4 h/km²<br />
Quadro 1<br />
Fonte: www.prefeituradebelem@.gov.br.<br />
3 ELABORAÇÃO E APLICAÇÃO DOS ROTEIROS<br />
PARA PRODUÇÃO <strong>DE</strong> DADOS<br />
Os roteiros de entrevistas serão os mesmos<br />
desenvolvidos e aplicados pelo Projeto Valunorte,<br />
que são desenvolvidos a partir de temas da<br />
atualidade, matérias televisivas, de grandes revistas,<br />
assuntos que estejam em foco na mídia.<br />
Com o tema já escolhido, se inicia um diálogo<br />
com os sujeitos cujo objetivo é produzir dados<br />
de fala. Esses dados serão gravados em um gravador,<br />
mp3 ou qualquer outro recurso que possibilite<br />
a captação de som.<br />
56<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 55-59, jun. 2010
4 SISTEMATIZAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS<br />
A conversa gravada, ou melhor, a fala, resultante<br />
dos diálogos, conseguida por meio do<br />
roteiro, constitui os dados brutos. Deles serão<br />
extraído ocorrências, segundo as categorias que<br />
constituem a base da língua portuguesa, fonético-fonológicas,<br />
morfossintáticas e semânticas.<br />
Esses dados serão “refinados”, informatizados e<br />
divididos pela frequência em que aparecem. Em<br />
seguida, deverão ser cruzados, por sexo, bairro<br />
e grau de escolaridade (como vimos nas tabelas<br />
anteriormente, 1°, 2° e 3° anos do ensino médio),<br />
entre os tipos de escolas. Lembrando que<br />
será dado enfoque aos fonético-fonológicos.<br />
As gravações serão transcrevidas grafematicamente,<br />
e a partir daí, a frequência delas no<br />
corpus permitirá avaliar o grau de produtividade<br />
da ocorrência, ou seja, a recorrência desses<br />
dados. Esses estudos ficarão à disposição a qualquer<br />
pessoa interessada a acessar e consultálos,<br />
para estudos e pesquisas, de usos linguísticos<br />
reais, de falantes reais, em situações reais<br />
de comunicação.<br />
5 CRITÉRIOS E SELEÇÃO DOS SUJEITOS<br />
Os sujeitos serão selecionados segundo a<br />
faixa etária, grau de escolaridade, sexo, bairro e<br />
tipo de escola (pública ou privada). O primeiro<br />
critério será o bairro, que serão 2 (dois) o bairro<br />
do Umarizal e o de Nazaré. Sendo as escolas selecionadas:<br />
EEEFM Dr. Ulisses Guimarães, EEEFM<br />
Dr. Freitas, Colégio CESEP e Colégio Sophos.<br />
Estes bairros foram selecionados por já estarem<br />
servindo como campo de pesquisa ao Valunorte<br />
juntamente com outros bairros. Para os<br />
demais critérios veja as tabelas a seguir:<br />
Tabela 1: Ensino público.<br />
Tabela 1: Ensino público.<br />
Tabela 2: Ensino privado.<br />
Tabela 2: Ensino privado.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 55-59, jun. 2010<br />
57
Tabela 3: Ensino público – Telégrafo. Tabela 3: Ensino público - Telégrafo.<br />
Tabela 4: Ensino privado – Telégrafo. Tabela 4: Ensino privado - Telégrafo.<br />
Tabela 5: Ensino público – Souza.<br />
Tabela 5: Ensino público - Souza.<br />
Tabela 6: Ensino privado – Souza<br />
Tabela 6: Ensino privado - Souza.<br />
58<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 55-59, jun. 2010
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São Paulo: Parábola Editorial, 2005.<br />
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na sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial,<br />
2004.<br />
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação como<br />
cultura. Campinas: SP: Mercado das Letras, 2002.<br />
CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução<br />
crítica. São Paulo: Parábola, 2002.<br />
MOLLICA, Maria Cecília. Introdução à sociolinguística<br />
variacionista. Rio de Janeiro: UFRJ, 1992.<br />
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SILVA, Maria do P. Socorro Cardoso. Estudo semântico-lexical<br />
com vistas à elaboração do Atlas<br />
Linguístico da Mesorregião do Marajó/PA. São<br />
Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências<br />
Humanas da USP, 2002. (mimeo.). Tese de Doutorado<br />
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______Maria do Perpétuo Socorro Cardoso da<br />
(Org.). As interfaces dos estudos linguísticos.<br />
Belém: UNAMA, 2006. v. 4, 214 p.<br />
SILVA, Rosa Virgínia Matos. O português são<br />
dois... novas fronteiras, velhos paradigmas. São<br />
Paulo: Parábola Editorial, 2004.<br />
TARALLO, Fernando. A pesquisa Sociolinguística.<br />
Série Princípios. São Paulo: Ática, 2000.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 55-59, jun. 2010<br />
59
BOLSISTAS <strong>DE</strong> MONITORIA<br />
61
ASPECTOS SUPRASSEGMENTAIS DA LINGUAGEM NOS TRÊS<br />
PRIMEIROS ANOS <strong>DE</strong> VIDA: revisão de literatura 1<br />
Gabriela Albuquerque Silva*<br />
R E S U M O<br />
Os aspectos suprassegmentais, elementos da linguagem que constituem o ritmo da fala<br />
de uma determinada língua, começam a ser visualizados na criança, aproximadamente aos seis<br />
meses de idade, ao utilizar aparentemente o comportamento prosódico. Objetivo: revisar a<br />
literatura científica sobre aspectos suprassegmentais da linguagem, nos três primeiros anos de<br />
vida. Metodologia: estudo de revisão bibliográfica, desenvolvido na biblioteca da Universidade<br />
da Amazônia – UNAMA, e na base virtual Scielo, no período de março a abril de 2009. Conclusão:<br />
verificou-se, que a aquisição dos traços suprassegmentais se dá de forma diferente em<br />
crianças com aquisição normal, com atraso simples e com distúrbio de aquisição, sendo, portanto,<br />
mais visível o retardamento destes traços em crianças autistas, ao se comparar com o padrão<br />
de normalidade.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Suprassegmentais. Prosódicos. Prosódia. Linguagem. Balbucio.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Traços suprassegmentais ou prosódicos<br />
são os elementos da fala que não pertencem a<br />
vogais e consoantes distintas, mas que as acompanham.<br />
Relacionam-se à forma como dizemos<br />
algo (LOWE, 1996).<br />
Os principais elementos suprassegmentais<br />
são acento, duração, sonoridade e entonação.<br />
Esses aspectos da prosódia da língua são tidos<br />
como menores e sem importância, mas a habilidade<br />
para perceber e produzir apropriadamente<br />
esses aspectos prosódicos é crucial para tornar<br />
a comunicação efetiva (BISHOP et al, 2002).<br />
Pode-se observar que desde bebê já há<br />
uma sensibilidade para a prosódia da língua, ou<br />
seja, para os traços suprassegmentais, que se<br />
referem ao ritmo, aos tons, à entonação da fala<br />
(OLIVEIRA, 2004).<br />
Uma melhor compreensão dos traços suprassegmentais<br />
e de seu desenvolvimento pode<br />
nos oferecer importantes orientações sobre a<br />
transição do balbucio às primeiras palavras e<br />
sobre a estreita interconexão da aquisição dos<br />
elementos suprassegmentais (LOWE, 1996).<br />
2 OBJETIVO<br />
Revisar a literatura científica sobre aspectos<br />
suprassegmentais da linguagem, relacionando-os<br />
aos três primeiros anos de vida.<br />
* Acadêmica do 7º semestre de Fonoaudiologia e monitora<br />
da disciplina Prática em Fonoterapia.<br />
1<br />
Trabalho orientado pela professora MsC. Heloísa Machado<br />
e Silva<br />
63<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 63-67, jun. 2010
3 MÉTODO<br />
Este estudo foi produzido por meio de um<br />
levantamento bibliográfico no período de fevereiro<br />
a março de 2010, na biblioteca da Universidade<br />
da Amazônia (UNAMA), bem como pesquisas realizadas<br />
na internet, por intermédio da biblioteca<br />
virtual Scielo. Para tal pesquisa foram utilizados os<br />
seguintes descritores: linguagem suprassegmental<br />
e desenvolvimento da linguagem.<br />
4 REVISÃO DA LITERATURA<br />
O desenvolvimento de traços suprassegmentais<br />
ou prosódicos nas crianças ganhou uma<br />
importância considerável nos últimos anos. Literatura<br />
recente apoia o ponto de vista da estreita<br />
interação entre traços prosódicos, fala inicial<br />
direcionada à criança, e desenvolvimento<br />
inicial da linguagem (LOWE,1996).<br />
A infância é um período impregnado de<br />
curiosidades e vontade de explorar no qual as<br />
crianças manifestam clara intenção de interagir.<br />
Este fato passa, necessariamente, pela demonstração<br />
das crianças em idades mais precoces, de<br />
que à medida que crescem não lhes basta observar,<br />
sentir, explorar – é preciso dizer, comunicar<br />
a alguém tais saberes (BESSA e LIMA, 2007)<br />
Peña-Casanova (1994) apud Bessa e Lima<br />
(2007) relata que a aquisição da linguagem acontece<br />
com base numa ordem constante, embora<br />
o ritmo de evolução se revele de grande variabilidade,<br />
equivalendo a aproximadamente seis<br />
meses relativamente à margem normal.<br />
No desenvolvimento da linguagem, duas<br />
fases distintas podem ser reconhecidas: a prélinguística,<br />
em que são vocalizados apenas fonemas<br />
(sem palavras) e que persiste até os 11-<br />
12 meses; e, logo a seguir, a fase linguística, quando<br />
a criança começa a falar palavras isoladas com<br />
compreensão. Posteriormente, a criança progride<br />
na escalada de complexidade da expressão.<br />
Este processo é contínuo e ocorre de forma ordenada<br />
e sequencial, com sobreposição considerável<br />
entre as diferentes etapas desse desenvolvimento<br />
(SCHIRMER et al, 2004).<br />
Oller e Lynch apud Bessa e Lima (2007) relata<br />
que de 0-8 meses, observa-se vocalizações<br />
reflexas, nas quais se incluem sons (choro) e gritos<br />
vegetativos, seguidos de produções de sílabas<br />
arcaicas, passando a ser observadas sequências<br />
fônicas constituídas por sílabas primitivas<br />
claramente perceptíveis, formadas por sons quase<br />
vocálicos (ecolalia), sendo, portanto, uma etapa<br />
em que os aspectos suprassegmentais se fazem<br />
presentes através do crescente controle da<br />
fonação e dos parâmetros de frequência das vocalizações.<br />
No intervalo entre o 3º e o 8º mês, há o<br />
balbucio rudimentar. Nessa fase é verificada a<br />
presença notória de traços suprassegmentais,<br />
pois a criança já tem um poder surpreendente<br />
para jogar com a voz, verificando-se contrastes<br />
significativos no nível da freqüência (alternância<br />
entre sons agudos e graves) e no nível de<br />
intensidade (gritos seguidos de sussurros); por<br />
volta dos 6 meses, surgem as primeiras combinações<br />
de consoante-vogal (CV), que se encontram<br />
ainda afastadas do padrão linguístico convencional<br />
(BESSA e LIMA, 2007).<br />
O período do 5º ao 10º mês é caracterizado<br />
pelo balbucio canônico, surgindo neste momento<br />
a reduplicação silábica (“mamama” ou “papapa”).<br />
Coincidindo com o estágio do balbucio canônico,<br />
ou começando aproximadamente aos 6<br />
meses de idade, a criança utiliza padrões aparentes<br />
de comportamento prosódico (LOWE,<br />
1996). Crystal (1986) apud Lowe (1996), afirma<br />
que certos traços são agora empregados consistentemente,<br />
principalmente entonação, ritmo<br />
e pausa. Lowe (1996), continua, afirmando que<br />
embora estes enunciados não transmitam nenhum<br />
significado, os padrões de entonação parecem<br />
ser para o ouvinte os de interrogação, afirmação<br />
e exclamação. Esses padrões prosódicos<br />
continuam a se diversificar até o período do balbucio<br />
constituído por sílabas do tipo consoantevogal<br />
(CV) bem formadas, as quais posteriormen-<br />
64<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 63-67, jun. 2010
te se diversificarão, dando origem ao reforço da<br />
percepção, possibilitando dessa maneira uma<br />
gradual diferenciação entre os diversos e distintos<br />
agregados sonoros.<br />
Bessa e Lima (2007) relatam que a etapa de<br />
9 meses a 1 ano e 6 meses é denominada de<br />
balbucio misto. Nessa etapa ocorrem produções<br />
de palavras dentro do balbucio. Este contém elementos<br />
significativos e sílabas não reconhecíveis<br />
como unidades léxicas.<br />
Lowe, (1996) cita que quando um enunciado<br />
balbuciado de uma ou duas sílabas é produzido<br />
com um padrão prosódico específico, o resultado<br />
parecerá com uma tentativa de um enunciado<br />
significativo. É compreensível, então, que<br />
nesse estágio os pais tentem frequentemente<br />
interpretar o que a criança está realmente “dizendo”<br />
com base na unidade de produção prosódica<br />
ouvida.<br />
Segundo Dore (1975) apud Lowe (1996), não<br />
há muita informação sobre esse breve intervalo<br />
de tempo entre o final do balbucio e as primeiras<br />
palavras. Parece claro que no final do balbucio<br />
variado a criança produz unidades específicas<br />
prosodicamente orientadas ou que foi denominada<br />
“estrutura prosódica”.<br />
À medida que a criança passa do final do<br />
período do balbucio para as primeiras palavras,<br />
observa-se, contudo, uma continuação dos contornos<br />
entonacionais previamente observados.<br />
Esses traços suprassegmentais, que a princípio<br />
só ocorrem brevemente, tornam-se mais frequentes<br />
e podem ser mantidos por um período<br />
de tempo mais longo (LOWE,1996).<br />
Schirmer et al (2004), afirma que aos 18<br />
meses (1 ano e seis meses), a criança poderá ter<br />
de 30 a 40 palavras em seu vocabulário (mamá,<br />
bebê, miau, pé, ão-ão, upa, etc.), começando<br />
também a combinar duas palavras (por exemplo:<br />
dá papá). Lowe (1996) reafirma que durante<br />
esse estágio é observada a variação prosódica.<br />
Exemplos da fala de crianças durante esse período<br />
incluem variações de altura (alto x baixo)<br />
para indicar diferenças no significado.<br />
Aos 24 meses (2 anos), a criança tem um<br />
vocabulário com cerca de 150 palavras e usa combinação<br />
de duas ou três palavras. (SCHIRMER et<br />
al 2004). Aos 30 meses (2 anos e 6 meses), usa<br />
habitualmente linguagem telegráfica (papá pão,<br />
mamã vai papá). Ao completar aproximadamente<br />
36 meses (3 anos), a criança inicia o uso de<br />
artigos, plurais, preposições e verbos auxiliares.<br />
No período em que as crianças começam a<br />
utilizar enunciados de duas palavras, ocorre outro<br />
desenvolvimento na utilização de suprasssegmentais:<br />
o acento contrastivo. Esse é utilizado<br />
para sinalizar diferenças de significado entre<br />
palavras semelhantes. Assim na frase: “Papai<br />
come” (ambas as palavras sendo enfatizadas)<br />
poderia indicar que “papai está comendo”, enquanto<br />
que na frase: “Papai come” (somente a<br />
segunda palavra sendo enfatizada) poderia indicar<br />
talvez que “Papai deveria sentar-se e comer”<br />
(LOWE,1996).<br />
Contudo Lowe (1996), afirma que o verdadeiro<br />
domínio de todo o sistema suprassegmental<br />
não parece ocorrer antes que a criança atinja<br />
os 12 anos de idade. Portanto, embora a aquisição<br />
dos suprassegmentais comece cedo, tratase<br />
de um longo processo que pode se estender<br />
além da aquisição do sistema fonológico segmental<br />
da criança.<br />
As alterações em relação à linguagem, e em<br />
especial os aspectos suprassegmentais, estão<br />
presentes, por exemplo, em crianças com autismo<br />
e atraso de linguagem. Gadia et al (2004),<br />
afirma que nos autistas as dificuldades na comunicação<br />
ocorrem em graus variados, tanto na<br />
habilidade verbal quanto na nãoverbal de compartilhar<br />
informações com outros. Algumas crianças<br />
não desenvolvem habilidades de comunicação.<br />
Outras têm uma linguagem imatura, caracterizada<br />
por jargão, ecolalia, reversões de<br />
pronome, prosódia anormal, entonação monótona<br />
etc. Os que têm capacidade expressiva adequada<br />
podem ter inabilidade em iniciar ou manter<br />
uma conversação apropriada. Os déficits na<br />
linguagem suprassegmental e na comunicação<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 63-67, jun. 2010<br />
65
persistem na vida adulta, e uma proporção significativa<br />
de autistas permanecem nãoverbais.<br />
Aqueles que adquirem habilidades verbais podem<br />
demonstrar déficits persistentes em estabelecer<br />
conversação, tais como falta de reciprocidade,<br />
dificuldades em compreender sutilezas<br />
de linguagem, piadas ou sarcasmo.<br />
Klin (2006), considera que de 20 a 30% dos<br />
indivíduos com autismo não chegam a falar. Esse<br />
percentual é consideravelmente menor do que<br />
era há cerca de 10 a 15 anos, graças, em grande<br />
parte, à intervenção precoce e intensiva. Retardos<br />
na aquisição da linguagem são as reclamações<br />
mais frequentes dos pais. Os padrões usuais<br />
de aquisição da linguagem (brincar com os sons e<br />
balbuciar) podem estar ausentes ou ser raros.<br />
A linguagem pode ser não recíproca em sua<br />
natureza. A criança produz uma linguagem sem<br />
intenção de comunicação. Mesmo que a sintaxe<br />
e a morfologia da linguagem estejam relativamente<br />
preservadas, o vocabulário e as habilidades<br />
semânticas podem ter um desenvolvimento<br />
lento e aspectos dos usos sociais da linguagem<br />
(pragmática) são particularmente difíceis<br />
para os indivíduos com autismo. Portanto, o humor<br />
e o sarcasmo podem ser uma fonte de confusão,<br />
na medida em que a pessoa com autismo<br />
pode não conseguir apreciar a intenção de comunicação<br />
do falante, resultando em uma interpretação<br />
completamente literal da declaração.<br />
Em geral, a entonação de voz é apagada ou<br />
monótona e os demais aspectos comunicativos<br />
da voz (ênfase, altura, volume, e ritmo ou expressões)<br />
são idiossincráticos e pobremente<br />
modulados. (KLIN, 2006)<br />
Nos indivíduos com síndrome de Asperger,<br />
a linguagem pode ser marcada pela prosódia<br />
pobre, ainda que a inflexão e a entonação possam<br />
não ser tão rígidas e monotônicas como no<br />
autismo. Eles geralmente exibem um espectro<br />
restrito de padrões de entonação que é utilizado<br />
com pouca relação no funcionamento comunicativo<br />
da declaração (asserções de fato, comentários<br />
bem-humorados). A velocidade da<br />
fala pode ser incomum (fala muito rápida) ou<br />
pode haver falta de fluência (fala entrecortada)<br />
e há, frequentemente, modulação pobre do volume;<br />
a voz é muito alta, apesar da proximidade<br />
física do parceiro da conversação (KLIN, 2006).<br />
Bishop (2002), afirma que nas crianças com<br />
síndrome de Down, o balbuciar reduplicado começa<br />
por volta dos 8 meses (faixa de variação<br />
dos 6 aos 10 meses), equiparando-se com as crianças<br />
de desenvolvimento normal; no entanto<br />
as primeiras palavras da criança com essa síndrome<br />
só ocorre por volta dos 24 meses.<br />
Feitosa (2003) aponta estudos os quais relatam<br />
que o desenvolvimento pré-linguístico e<br />
o uso funcional da linguagem em bebês com síndrome<br />
de Down é diferente de bebês normais.<br />
O desenvolvimento fonológico é lento em pessoas<br />
com a síndrome, embora a sequência geral<br />
pareça acompanhar o desenvolvimento de crianças<br />
normais. A inteligibilidade da fala permanece<br />
baixa na maioria das pessoas com a síndrome;<br />
verifica-se maior variabilidade na prosódia:<br />
frequência fundamental e inadequação no controle<br />
da taxa de fala e na entonação da sentença.<br />
Dificuldades articulatórias parecem intensificar<br />
essas dificuldades fonéticas e fonológicas.<br />
5 CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />
Com base nesta revisão da literatura, verificou-se<br />
que os aspectos suprassegmentais da linguagem,<br />
também chamados de aspectos prosódicos,<br />
mais importantes são: variação de altura,<br />
intensidade e velocidade. O bebê, desde os primeiros<br />
anos de vida, já apresenta uma sensibilidade<br />
com relação aos traços suprassegmentais.<br />
Coincidindo ainda com o balbucio canônico, os<br />
traços prosódicos manifestam-se mais aparentes<br />
a partir aproximadamente do 6º mês de idade.<br />
Conclui-se que, o processo de desenvolvimento<br />
dos traços suprassegmentais é importantíssimo,<br />
visto que se torna um apoio para que,<br />
durante o processo de aquisição e desenvolvimento<br />
da linguagem, a criança possa ser com-<br />
66<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 63-67, jun. 2010
preendida segundo a situação contextual em que<br />
se encontra. A aquisição dos traços suprassegmentais<br />
é um processo gradual que pode se estender<br />
até a adolescência.<br />
A revisão da literatura demonstrou que a<br />
aquisição dos traços suprassegmentais se dá de<br />
forma diferente em crianças com aquisição normal,<br />
com atraso simples e com distúrbio de aquisição.<br />
O retardamento desses traços ocorre de<br />
forma mais visível em crianças autistas, pois<br />
muitas nem chegam a desenvolver habilidades<br />
de comunicação. Com relação às crianças com<br />
síndrome de Down, elas apresentam os traços<br />
supra-segmentais, sendo que esse processo<br />
ocorre de forma atrasada, comparando-se com<br />
aquelas de aquisição normal.<br />
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Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 63-67, jun. 2010<br />
67
AUTOESTIMA NA TERCEIRA IDA<strong>DE</strong>¹<br />
José Maria Farah Costa Junior*<br />
R E S U M O<br />
Contexto: O idoso é uma pessoa considerada de Terceira Idade. Nesta idade, devido ao<br />
processo de envelhecimento, existem alterações que provocam uma diminuição no desempenho<br />
funcional. As limitações funcionais seguidas de sintomas depressivos levam ao idoso a<br />
uma baixa autoestima. Objetivo: Revisar a literatura científica sobre o aspecto da autoestima<br />
de idosos, relacionando a sua melhoria com a realização de atividades físicas. Métodos: Tratase<br />
de uma revisão literária realizada na Biblioteca Central da Universidade da Amazônia - UNA-<br />
MA e na base virtual do Scielo e Schoolar Google. Considerações finais: O idoso confronta-se<br />
com modificações que provoca a diminuição da sua autoestima. Na realização de exercícios<br />
físicos, existe a oportunidade de o indivíduo ter uma sensação de sucesso que, por sua vez, trás<br />
pontos positivos para a sua imagem e autoestima.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Idoso. Envelhecimento. Depressão. Baixa autoestima. Exercício Físico.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
A população idosa representa cerca de 9%<br />
da população Brasileira e é estimado que esse<br />
segmento da população representará 24% no ano<br />
2050 (IBGE, 2000). O prolongamento da vida é<br />
uma aspiração de qualquer sociedade. No entanto,<br />
só pode ser considerado como uma real<br />
conquista na medida em que se agregue qualidade<br />
aos anos adicionais de vida. (VERAS, 2009)<br />
A Organização Mundial de Saúde (OMS), em<br />
1948, definiu a saúde como um estado que contempla<br />
não somente a ausência de enfermidade,<br />
como também o bem-estar físico, psicológico<br />
e social.<br />
O crescimento da população idosa é um<br />
fenômeno mundial e, no Brasil, as modificações<br />
ocorrem de forma radical e bastante acelerada.<br />
As projeções mais conservadoras indicam<br />
que, em 2020, o Brasil será o sexto país do<br />
mundo em número de idosos, com um contingente<br />
superior a 30 milhões de pessoas. (CAR-<br />
VALHO et al, 2003)<br />
Segundo Schneider (2008), o desempenho<br />
funcional dos indivíduos declina progressivamente,<br />
devido ao processo fisiológico do envelhecimento.<br />
As limitações funcionais seguidas<br />
de sintomas depressivos levam o idoso a uma<br />
baixa autoestima.<br />
A participação em programas de exercícios<br />
físicos é uma forma efetiva para reduzir e/ou<br />
prevenir declínios funcionais associados ao envelhecimento,<br />
sendo que as evidências sugerem<br />
que o envolvimento em exercícios físicos regu-<br />
* Acadêmico do 7Ú semestre do Curso de Fisioterapia da<br />
Universidade da Amazônia - UNAMA, ex-monitor de<br />
Bioquímica Aplicada à Fisioterapia e Farmacodinâmica.<br />
E-mail: farahjunior@hotmail.com<br />
1<br />
Trabalho orientado pela Professora da disciplina<br />
Fisioterapia na Terceira Idade Ana Júlia Cunha Brito.<br />
69<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 69-73, jun. 2010
lares pode também fornecer benefícios psicológicos<br />
relacionados à preservação da função cognitiva,<br />
alívio dos sintomas de depressão, aos distúrbios<br />
relacionados ao comportamento, e a uma<br />
melhora no autoconceito de controle pessoal e<br />
autoeficácia (ACSM, 1998).<br />
2 OBJETIVO<br />
Buscar, na literatura, considerações acerca<br />
da autoestima na terceira idade. Assim como<br />
também, relacionar a sua melhoria com a realização<br />
de atividades físicas.<br />
3 METODOLOGIA<br />
O presente estudo foi realizado a partir de<br />
uma revisão bibliográfica na Biblioteca Central<br />
da Universidade da Amazônia - UNAMA e na base<br />
virtual do Scielo e Schoolar google, no período<br />
de 20 de Fevereiro a 15 de Março de 2010. Foram<br />
utilizados dois livros e dezesseis artigos científicos<br />
que faziam referência ao assunto proposto,<br />
os quais foram lidos de forma crítica e criteriosa.<br />
4 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA<br />
4.1 ENVELHECIMENTO<br />
O termo envelhecimento refere-se a diversos<br />
aspectos da passagem do tempo, em diferentes<br />
níveis de abordagem. Quando se denomina<br />
o envelhecimento de maneira geral, o termo<br />
refere-se a um evento multideterminado e,<br />
portanto, de difícil conceituação (STOPPE JUNI-<br />
OR et al, 1997).<br />
O envelhecimento da população é um fator<br />
incontestável em todo mundo. É uma fase<br />
em que o idoso pode se entregar à vida com mais<br />
alegria, porque já não possui a preocupação com<br />
o trabalho.<br />
Até a década de 1970, a curva demográfica<br />
brasileira apresentava grande estabilidade quanto<br />
à proporção das diferentes faixas etárias na<br />
população total. A partir de então, aconteceu<br />
uma brusca queda na taxa de natalidade, caracterizando<br />
uma transição demográfica de caráter<br />
irreversível. (SCHMIDT et al, 2007)<br />
Segundo Schimidt (2007), envelhecer não<br />
significa, necessariamente, declínio ou perda das<br />
faculdades e funções, não sendo o número de<br />
anos que se vive o determinante para o comportamento<br />
e as vivências, mas uma série de fatores<br />
que influem no processo do envelhecimento.<br />
Pontes (1996) afirma que o envelhecimento<br />
não é apenas a velhice, mas um processo irreversível<br />
que ocorre durante toda a vida, do nascimento<br />
à morte.<br />
4.2 <strong>DE</strong>PRESSÃO NA TERCEIRA IDA<strong>DE</strong><br />
Depressão é a doença psiquiátrica mais comum<br />
entre os idosos, frequentemente sem diagnóstico<br />
e sem tratamento. Ela afeta sua qualidade<br />
de vida, aumentando a carga econômica<br />
por seus custos diretos e indiretos e, pode levar<br />
a tendências suicidas. (OLIVEIRA et al, 2006)<br />
No Brasil, a prevalência de depressão entre<br />
as pessoas idosas varia de 4,7% a 36,8%, dependendo<br />
fundamentalmente do instrumento<br />
utilizado, dos pontos de corte e da gravidade dos<br />
sintomas. (MINISTÉRIO DA SAÚ<strong>DE</strong>, 2006)<br />
Segundo a Organização Mundial de Saúde<br />
(OMS), a presença de depressão entre as<br />
pessoas idosas tem impacto negativo em sua<br />
vida. Quanto mais grave o quadro inicial, aliado<br />
à não existência de tratamento adequado,<br />
pior o prognóstico. As pessoas idosas com depressão<br />
tendem a apresentar maior comprometimento<br />
físico, social e funcional afetando<br />
sua qualidade de vida.<br />
Em pacientes idosos, além dos sintomas<br />
comuns, a depressão costuma ser acompanhada<br />
por queixas somáticas, hipocondria, baixa autoestima,<br />
sentimentos de inutilidade, humor disfórico,<br />
tendência autodepreciativa, alteração do<br />
sono e do apetite, ideação paranóide e pensamento<br />
recorrente de suicídio. (STELA et al, 2002)<br />
70<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 69-73, jun. 2010
4.3 AUTOESTIMA EM IDOSOS<br />
A autoestima reflete o julgamento implícito<br />
da nossa capacidade lidar com os desafios da<br />
vida, sentindo-nos confiantemente adequados<br />
a ela. Desenvolver a nossa auto-estima é expandir<br />
nossa capacidade de ser feliz. Quanto maior<br />
ela for, maiores serão as nossas possibilidades<br />
de manter relações saudáveis, em vez de destrutivas.<br />
(SILVA et al, 2004)<br />
Quando a autoestima é alta, decorre de<br />
experiências positivas com a vida; por outro lado,<br />
quando a autoestima é baixa, resulta de fatores<br />
negativos. (MAZO et al, 2006)<br />
Estudo realizado com mulheres idosas verificou<br />
que: quanto melhor a autoestima, melhor<br />
foi a autoimagem das idosas; idosas mais ativas<br />
estão satisfeitas com a sua autoimagem e a sua<br />
autoestima; idosas com ausência de doenças apresentaram<br />
melhor autoestima e menor percepção<br />
de sentimentos negativos. (MAZO et al, 2006)<br />
Deprimidos pela imagem que fazem de si<br />
mesmos, muitos velhos que rejeitam o próprio<br />
envelhecimento, desenvolvem um sentimento<br />
de baixa autoestima e de autodesvalorização,<br />
ignoram as próprias limitações físicas impostas<br />
pela idade, expondo-se a situações inadequadas<br />
e de risco para a saúde. Alguns buscam condutas<br />
autodestrutivas e, até mesmo, o suicídio.<br />
(ROCHA e CUNHA, 1994)<br />
Para uma vida satisfatória, é indispensável<br />
a presença de uma autoestima positiva, que leva<br />
o indivíduo a sentir-se confiante, adequado à<br />
vida, competente e merecedor, pois a autoestima<br />
é composta de sentimentos de competência<br />
e de valor pessoal, acrescida de auto-respeito e<br />
autoconfiança. (BRAN<strong>DE</strong>N, 1995).<br />
4.4 ATIVIDA<strong>DE</strong>S FÍSICAS NA MELHORIA DA<br />
AUTOESTIMA<br />
A atividade em geral, seja física ou de outra<br />
ordem, é uma variável frequentemente citada<br />
na literatura como sendo de grande relevância<br />
para a qualidade de vida na velhice. (MIRANDA<br />
et al, 2003)<br />
A atividade física regular é um meio de promoção<br />
de saúde e de qualidade de vida. Em relação<br />
aos programas mundiais de promoção de<br />
saúde, a atividade física é destacada, pois evidências<br />
epidemiológicas sustentam o efeito<br />
positivo de um estilo de vida ativo e/ou do envolvimento<br />
dos indivíduos em programas de atividade<br />
física ou de exercício, na prevenção e<br />
minimização dos efeitos deletérios do envelhecimento.<br />
(MAZO et al, 2006)<br />
A participação em atividades físicas leves e<br />
moderadas pode retardar os declínios funcionais.<br />
Assim, uma vida ativa melhora a saúde mental e<br />
contribui na gerência de desordens como a depressão<br />
e a demência (BENE<strong>DE</strong>TTI et al, 2007).<br />
Estudos recentes têm mostrado a influência<br />
da atividade física e da música (canto, coral,<br />
instrumentos) na melhora da autoestima do idoso.<br />
Estes são apenas alguns exemplos de atividades<br />
que podem ser muito prazerosas e benéficas<br />
para o idoso. O convívio com a família e os<br />
amigos também podem proporcionar experiências<br />
enriquecedoras e contribuem para elevar a<br />
autoestima no idoso (MIRANDA, 2008).<br />
Chogahara et al (1998) afirma que a prática<br />
de atividade física pelos idosos possibilita benefícios<br />
nas relações sociais com a família e amigos,<br />
na integração social, no bem-estar e na<br />
melhora da autoestima.<br />
Perracini et al (2009) justifica que o treinamento<br />
com exercícios permite desenvolver ao<br />
idoso parte de sua dependência e autonomia,<br />
tornando-o capaz de realizar atividades diárias.<br />
Assim, os idosos passam a sentir competentes e<br />
capazes, aumentando a sua autoestima.<br />
Bebber (2003) avaliou o grau de autoestima,<br />
através da escala de autoconhecimento proposta<br />
por Rosenberg (1973), em 90 idosos (com<br />
idade entre 60 a 80 anos), divididos em três grupos:<br />
30 que praticavam atividade física, 30 sedentários<br />
e 30 que participavam de grupos de<br />
convivência. Os três grupos apresentaram ele-<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 69-73, jun. 2010<br />
71
vada autoestima, sendo que o grupo sedentário<br />
demonstrou menor grau de autoestima (7%),<br />
atribuído à falta de exercícios físicos.<br />
Em uma pesquisa realizada em 2004, com<br />
174 idosos que praticavam atividades físicas três<br />
vezes por semana, evidenciou-se que em sua<br />
grande maioria, eram indivíduos bastantes satisfeitos<br />
com a vida. (PERRACINI et al, 2009)<br />
Do ponto de vista mental, a atividade física,<br />
sobretudo quando praticada em grupo, eleva<br />
a autoestima do idoso, contribui para a implementação<br />
das relações psicossociais e para o<br />
reequilíbrio emocional (STELA et al, 2002).<br />
5 CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />
Envelhecimento implica em algo que é associado<br />
à idade cronológica, mas não idêntico a<br />
ela. O termo envelhecimento pode ser utilizado<br />
de diversas formas: como uma variável independente<br />
para explicar outros fenômenos, ou como<br />
uma variável dependente que é explicada por<br />
outros processos (STOPPE JUNIOR et al, 1997).<br />
As causas de depressão no idoso configuram-se<br />
dentro de um conjunto amplo de componentes<br />
onde atuam fatores genéticos, eventos<br />
vitais, como luto e abandono, e doenças incapacitantes,<br />
entre outros. Cabe ressaltar que a<br />
depressão no idoso frequentemente surge em<br />
um contexto de perda da qualidade de vida associada<br />
ao isolamento social e ao surgimento de<br />
doenças clínicas graves (STELA et al, 2002).<br />
Além do declínio da saúde, das dificuldades<br />
financeiras e da viuvez, outras perdas significativas,<br />
como morte de amigos e parentes próximos,<br />
ausência de papéis sociais valorizados,<br />
desvio da imagem corporal do ideal, podem afetar<br />
a autoestima do idoso de maneira a causar<br />
uma situação séria de crise emocional (GATTO,<br />
1996; ROCHA e CUNHA, 1994).<br />
O exercício físico está também associado ao<br />
aumento da alegria, da autoeficácia, do autoconceito.<br />
Parece que as atividades físicas dão a oportunidade<br />
de o indivíduo ter uma sensação de<br />
sucesso que, por sua vez, reforça a autoimagem<br />
e a autoestima positiva (MAZO et al, 2006).<br />
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Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 69-73, jun. 2010<br />
73
AVALIAÇÃO E PROPOSTA <strong>DE</strong> TRATAMENTO<br />
FISIOTERAPÊUTICO PARA PACIENTES COM HÉRNIA<br />
<strong>DE</strong> DISCO LOMBAR: relato de caso 1 Yan Aquino Diniz*<br />
R E S U M O<br />
Este artigo irá tratar inicialmente da anatomia da coluna, da fisiopatologia da hérnia de<br />
disco, seguida de uma avaliação fisioterapêutica e finalizando com uma proposta de protocolo<br />
de tratamento fisioterapêutico. Objetivo: apresentar uma proposta de tratamento fisioterapêutico<br />
diante de uma avaliação minuciosa de uma paciente com hérnia de disco lombar.<br />
Metodologia: relato de caso de uma paciente com hérnia de disco lombar que foi avaliada em<br />
11 de dezembro de 2009. Conclusão: a proposta de tratamento fisioterapêutico foi bem abrangente,<br />
englobando 3 áreas da fisioterapia, tais como traumato-ortopedia, fisioterapia aquática<br />
e recursos técnicos manuais, buscando a melhor qualidade de vida do paciente em questão.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Hérnia de Disco. Avaliação Fisioterapêutica. Protocolo de Tratamento Fisioterapêutico.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
A coluna vertebral é formada por um conjunto<br />
de vértebras separadas entre si por um<br />
disco intervertebral. Constituindo a base do tronco,<br />
proporcionando suporte rígido e flexível,<br />
composto por 33 vértebras formando cinco regiões,<br />
as quais: cervical, torácica, lombar, sacral e<br />
coccígea, cada região é denominada curvatura<br />
recebendo a mesma nomeação. No feto existe<br />
uma única curvatura côncava anteriormente,<br />
que formam as curvaturas primárias (região torácica<br />
e sacral); no desenvolvimento da criança<br />
acentuam-se as curvaturas secundárias (região<br />
cervical e lombar), estas últimas se desenvolvem<br />
respectivamente no período de sustentação<br />
da cabeça e a outra no período em que a<br />
criança procura ficar de pé e iniciar a deambulação.<br />
Entre os corpos adjacentes às vértebras sobrepõem-se<br />
os discos intervertebrais que são<br />
bastante deformáveis, permitindo mudanças<br />
quanto à forma da coluna vertebral. A raça, o<br />
sexo, o desenvolvimento genético e fatores<br />
ambientais causam as variações nas vértebras<br />
(MOORE, 2001).<br />
As pessoas de 30 a 45 anos de idade são<br />
mais suscetíveis a lesões sintomáticas do disco,<br />
porém, excesso de peso, traumas e desvios da<br />
coluna vertebral, podem acarretar uma desestruturação<br />
do disco intervertebral através, da<br />
protrusão do núcleo pulposo, o que leva a uma<br />
hérnia discal (KISNER & COLBY, 1998).<br />
* Acadêmico do 5º semestre de Fisioterapia da Universidade<br />
da Amazônia; monitor das disciplinas Citologia e Genética<br />
Humana; Histologia e Embriologia Humana.<br />
1<br />
Artigo orientado pela docente Tainá Alves Teixeira, graduada<br />
em Fisioterapia pela Universidade da Amazônia, especialista<br />
em Fisioterapia nas disfunções traumato-ortopédicas;<br />
mestranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano;<br />
docente das disciplinas Recursos Terapêuticos Manuais e<br />
Mecânicos e Fisioterapia nas Enfermidades e Distúrbios dos<br />
Sistemas Osteo-nioarticulares.<br />
75<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010
A hérnia de disco lombar é caracterizada<br />
pelo extravasamento do líquido do núcleo pulposo<br />
por pressão axial, já que a coluna lombar<br />
suporta a metade do peso do corpo. Os discos<br />
intervertebrais são constituídos por cartilagem<br />
hialina, divididos em uma parte central denominada<br />
núcleo pulposo, composto por 88% de<br />
água e fibras colágenas, e a parte periférica chamada<br />
de anel fibroso, que fecha o núcleo em<br />
compartimento entre os platôs vertebrais. As<br />
principais funções do disco intervertebral é a<br />
manutenção do espaço entre as vértebras, evitando<br />
o atrito entre elas e amortecendo os impactos<br />
causados pelas forças de compressão,<br />
além de ser responsável pelos movimentos da<br />
coluna vertebral (KAPANDJI, 2000).<br />
A coluna lombar sofre grande pressão axial<br />
onde a substância do núcleo pulposo pode fluir<br />
em diferentes direções ocasionando a produção<br />
de rasgaduras infrafasciculares. Essas fugas da<br />
substância do núcleo podem ser anteriores (são<br />
mais raras) e posteriores, já que o ligamento<br />
vertebral comum posterior é menos espesso<br />
(frequentes). A hérnia de disco só é aparentemente<br />
possível se o disco for deteriorado por<br />
microtraumatismos repetidos que causam a degeneração<br />
pela desidratação do disco, por aumentarem<br />
de volume e se deslocarem cada vez<br />
mais para o canal vertebral até o conflito com<br />
alguma raiz do isquiático, ou se as fibras do anel<br />
começar a se degenerar (KAPANDJI, 2000).<br />
O fator envelhecimento também é considerado<br />
quando se fala em desidratação discal.<br />
Com o passar da idade, o disco intervertebral<br />
sofre uma série de degenerações histológicas,<br />
histoquímicas e bioquímicas. Com isso o núcleo<br />
pulposo perde sua capacidade amortecedora,<br />
fazendo com a distribuição de carga sobre o anel<br />
fibroso torne-se desigual, o que pode provocar<br />
a ruptura das fibras do disco. (KAPANDJI, 2000)<br />
A herniação se dá no decorrer de alguns<br />
momentos. Em um primeiro momento, o extravasamento<br />
permanece unido ao núcleo, ficando<br />
bloqueada debaixo do ligamento vertebral<br />
comum posterior e unida ao núcleo, denominada<br />
também de protrusão. Com a frequência a<br />
hérnia afunda o ligamento vertebral comum<br />
posterior e pode ficar livre no interior do canal<br />
vertebral, sendo uma hérnia discal “livre”. Em<br />
outros casos a hérnia fica bloqueada pelas fibras<br />
do anel fibroso, que não deixam que este líquido<br />
extravasado retorne ao núcleo, logo é uma<br />
hérnia que se caracteriza por ficar presa entre as<br />
fibras do anel. Quando esta alcança a fase profunda<br />
do ligamento vertebral comum posterior,<br />
a hérnia pode deslizar para cima ou para baixo,<br />
sendo denominada de hérnia migratória subligamentar.<br />
Caso as fibras do anel fibroso sejam<br />
resistentes, a hiperpressão pode provocar o<br />
afundamento dos platôs vertebrais, e esta será<br />
denomina de “hérnia intra-esponjosa” (KA-<br />
PANDJI, 2000).<br />
Com o extravasamento do núcleo pulposo,<br />
substâncias contidas nele provocam irritações<br />
nas raízes nervosas gerando a dor. A compressão<br />
das raízes nervosas impede que a irrigação sanguínea<br />
alimente os nervo o que provoca a inflamação,<br />
dores e formigamentos na região lombar<br />
da coluna, podendo estar associadas a irradiação<br />
para membros inferiores, limitação de<br />
amplitude de movimento e déficit de força.<br />
O diagnóstico de hérnia discal lombar é<br />
dado de acordo com o relato do paciente, exame<br />
físico e exames complementares por tomografia<br />
computadorizada (TC) e imagem de ressonância<br />
magnética (RM).<br />
A hérnia de disco pode ser sintomática ou<br />
assintomática, o que vai variar de acordo com os<br />
diversos fatores, como a localização, o tamanho<br />
e o tipo de hérnia lombar, que podem ocasionar<br />
lombalgia (dor na região lombar que vai de leve<br />
à intensa), radiculalgia (ocorre após a lombalgia,<br />
quando a hérnia comprime o nervo vertebral,<br />
gerando dor na coluna) que ocasiona a irradiação<br />
da dor para o membro inferior pela compressão<br />
dos nervos da medula espinhal. A emissão<br />
de dor também pode ser explicada pelo ligamento<br />
vertebral comum posterior ou ligamen-<br />
76<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010
to longitudinal posterior, que é muito inervado<br />
e constitui uma fita que se estende do processo<br />
basilar até o canal do sacro, criando um limite<br />
posterior para o disco intervertebral.<br />
2 RELATO <strong>DE</strong> CASO<br />
Esta paciente não foi submetida ao tratamento,<br />
apenas foi feita a sua avaliação no dia 11<br />
de dezembro de 2009; assinou termo de consentimento<br />
livre e esclarecido; diante disso foi traçada<br />
uma proposta de tratamento pelo autor<br />
deste artigo para a paciente.<br />
Paciente em questão L.G.H.C., do sexo feminino,<br />
32 anos, relatora pública, com diagnóstico<br />
clínico de hérnia de disco lombar em L3-L4, L4-<br />
L5 e L5-S1, queixa-se de dor na região lombar do<br />
lado direito com irradiação para o membro inferior<br />
contralateral. A história da dor teve início no<br />
dia 7 de julho de 2009, ao sentar, a paciente procurou<br />
serviço médicos onde foram prescritos pelo<br />
médico medicamentos analgésicos e antiinflamatórios.<br />
O quadro álgico é progressivo, ainda utiliza<br />
medicação analgésica. Os antecedentes médicos<br />
pregressos do paciente negam diabete, hipertensão<br />
e doenças infecto-contagiosas.<br />
No exame físico foi realizada a inspeção da<br />
postura global da coluna vertebral em pé na vista<br />
posterior, constando hiperlordose lombar e<br />
na vista lateral anteroversão de pelve. Na palpação<br />
do quadril não foi evidenciado alterações<br />
de temperatura e espasticidade muscular, porém<br />
na face anterior foi evidenciado dor na crista<br />
ilíaca, e E.I.A.S. (Espinha Ilíaca Antero -Posterior<br />
) direita, e na face posterior foi evidenciado<br />
dor na E.I.P.S. direita, processos espinhosos de<br />
L2, L3 e L4 e túber isquiático direito.<br />
A amplitude de movimento foi verificada<br />
pela goniometria bilateralmente para determinar<br />
presença ou não de disfunção, estabelecimento<br />
de diagnóstico, objetivo de tratamento,<br />
avaliar a recuperação e melhora funcional para<br />
direcionamento de recuperação de limitações<br />
articulares, baseado na coluna lombar e quadril.<br />
Quadro 1: Mostra a amplitude de movimento<br />
normal, segundo Gross et AL (2000), e a goniometria<br />
de coluna lombar da paciente em<br />
questão.*Déficit de Amplitude de movimento.<br />
Quadro 2: Mostra a amplitude de movimento<br />
normal, segundo Gross et al (2000), e a goniometria<br />
de quadril da paciente em<br />
questão.*Déficit de amplitude de movimento.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010<br />
77
continuação do quadro II...<br />
A perimetria de perna foi realizada em 2 medições<br />
nas distâncias de 15 e 20 centímetros partindo<br />
do ponto de referência da borda inferior da patela,<br />
em torno da região da perna, bilateralmente.<br />
Quadro 4: Mostra a perimetria de perna direita e<br />
esquerda da paciente em questão, partindo do<br />
ponto de referência a borda inferior da patela,<br />
15 e 20 centímetros abaixo.<br />
Teste de força muscular foi realizado dentro<br />
da escala de força, onde (0) indica ausência<br />
de contração, (1) contração sem movimento; (2)<br />
movimento eliminando a gravidade; (3) movimento<br />
vence a gravidade; (4) movimento vence<br />
pequena resistência; (5) movimento vence grande<br />
resistência.<br />
A perimetria de coxa foi realizada com 3 medições<br />
em distâncias de 10, 15 e 20 centímetros partindo<br />
do ponto de referência na borda inferior da patela,<br />
em torno da região da coxa bilateralmente.<br />
Quadro 3: Mostra a perimetria de coxa direita e<br />
esquerda da paciente em questão, partindo do<br />
ponto de referência a borda inferior da patela,<br />
10, 15 e 20 centímetros acima.<br />
78<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010<br />
Quadro 5: Mostra o teste de força muscular da<br />
paciente em questão.
Além do teste de força muscular foi realizado<br />
teste para disfunção neurológica em L3 e<br />
L4, com reflexo patelar ausente, caracterizando<br />
arreflexia. Também foi realizado reflexo aquileu<br />
de L5 e S1, normorreflexo (normal).<br />
Para ajudar na confirmação do diagnóstico<br />
foram utilizados testes especiais. O teste de elevação<br />
da perna teve finalidade de evidenciar o comprometimento<br />
da articulação lombar e irritação da<br />
raiz do nervo isquiático; a paciente foi posicionada<br />
em decúbito dorsal e elevou a perna esquerda em<br />
extensão até 90º, sendo positivo para diagnóstico<br />
de irritação nervosa (GROSS et al, 2000).<br />
Outro teste utilizado foi o de abaixamento<br />
para evidenciar tensão meníngea, radiculopatia<br />
e discopatia, onde a paciente fica sentada com<br />
as mãos atrás das costas seguindo essa ordem:<br />
primeiro a paciente inclina para frente e o terapeuta<br />
mantém o queixo; segundo o terapeuta<br />
aplica uma pressão unilateral no ombro e solicita<br />
flexão cervical; terceiro, o terapeuta aumenta<br />
a pressão para flexão cervical torácica e lombar;<br />
em quarto, o paciente extende uma perna;<br />
em quinto, dorso-flexão do pé da perna que foi<br />
extendida e, em sexto faz extensão da cervical;<br />
este teste foi positivo (GROSS et al, 2000).<br />
O outro teste utilizado foi o de Schober para<br />
limitação verdadeira lombar realizado com paciente<br />
em pé, o terapeuta faz uma marca entre<br />
as EIPS e outra marca 10 centímetros acima, é<br />
pedido à paciente a flexão da coluna sem dobrar<br />
os joelhos; é medido esse espaço; neste teste; a<br />
paciente apresentou alteração igual a 12 centímetros,<br />
constatando positividade do teste, a<br />
normalidade seria maior ou igual a 15 centímetros<br />
(CICONELLI & TORRES, 2006).<br />
Como exames complementares foi analisada<br />
a ressonância magnética da coluna lombo-sacra<br />
obtida nos planos sagital e axial com<br />
ponderações em T1 e T2, técnica de supressão<br />
de gordura e sem administração de meio<br />
de contraste paramagnético. Foi evidenciado<br />
no exame: protrusão focal posterior e<br />
mediana caracterizando hérnia discal em L4-<br />
L5 com grande conteúdo discal no interior do<br />
canal medular determinando marcada compressão<br />
sobre a superfície anterior do saco<br />
dural e redução na amplitude dos forames<br />
neurais, aspecto circunferencialmente protruso<br />
do disco intervertebral de L3-L4 associada<br />
compressão dural anterior, pequena ruptura<br />
do anel fibroso em projeção mediana e<br />
posterior e discretaredução na amplitude dos<br />
forames neurais, discos intervertebrais de<br />
L3-L4, L4-L5 e L5-S1 mostrando modificação<br />
da intensidade de sinal relacionado à desidratação<br />
degenerativa incipiente.<br />
No diagnóstico cinético-funcional a paciente<br />
apresenta déficit funcional motor na região<br />
lombar (L2, L3 e L4), com quadro álgico (7 na escala<br />
de EVA), compressão do nervo ciático com irradição<br />
para membro inferior esquerdo, perda de<br />
força muscular para flexo-extensão do quadril e<br />
adução do quadril esquerdo, limitação da ADM<br />
na flexão da coluna lombar em decorrência de<br />
hérnia de disco lombar (L3 - L4), (L4 – L5), (L5 – S1).<br />
Quadro 6: Mostra a escala visual analógica de dor.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010<br />
79
Os objetivos do tratamento visam diminuir<br />
ou eliminar o quadro álgico, aumentar ADM para<br />
flexão de coluna lombar, aumentar o grau de<br />
força muscular para flexo-extensão de quadril,<br />
adução de quadril esquerdo e promover orientação<br />
postural.<br />
3 PROPOSTA <strong>DE</strong> TRATAMENTO<br />
A proposta de tratamento é baseada em um<br />
cronograma semanal, constando três vezes na semana<br />
um tratamento com a eletroterapia, os recursos<br />
terapêuticos manuais e cinesioterapia, e duas<br />
vezes um tratamento baseado na terapia aquática.<br />
Na eletroterapia seria utilizado o TENS acupuntura,<br />
como conduta analgésica em fase crônica,<br />
pela atuação na liberação de opióides endógenos<br />
(endorfinas e encefalinas), pela inibição<br />
da dor no SNC. Os parâmetros para o tratamento<br />
foi de 5 Hz, pulso de 200us, com intensidade<br />
em limiar motor e tempo de aplicação de<br />
20 minutos ou mais (AGNE,2008).<br />
Também pode-se usar ondas curtas, que<br />
irão agir termicamente de forma a promover uma<br />
vasodilatação, aumento da circulação sanguínea,<br />
aumento do metabolismo, da atividade enzimática<br />
e redução da dor, pois há uma diminuição da<br />
excitabilidade dos nervos periféricos, já que a<br />
aplicação de calor sobre a área de um nervo periférico<br />
produz aumento do limiar de dor na área<br />
inervada por ele, esses efeitos são causados pela<br />
ação antiinflamatória e relaxante promovida<br />
pelo calor, além do aparelho permitir a melhor<br />
contração e relaxamento com maior rapidez dos<br />
músculos devido o aumento da temperatura<br />
(AGNE, 2008). As doses de ondas curtas são divididas<br />
em três categorias, sendo estas: a alta,<br />
onde há claro aumento do calor; a média, onde<br />
os efeitos térmicos são fracos, e a baixa, no qual<br />
os efeitos térmicos não são observáveis, embora<br />
haja efeitos fisiológicos nessas dores.<br />
O protocolo de tratamento de cinesioterapia<br />
consiste principalmente no reforço muscular<br />
e alongamento das estruturas envolvidas, retornando<br />
estas à homeostase adequada. Para isso, a<br />
cinesioterapia irá dispor de recursos e técnicas<br />
apropriadas para garantir ao paciente melhoria<br />
dos sintomas, tais como dor, diminuição de amplitude<br />
de movimento, déficit de força muscular,<br />
hipotrofia muscular ou discrepância entre membros,<br />
hemicorpos e/ou segmentos.<br />
Para a paciente foram prescritos os seguintes<br />
protocolos:<br />
Adotando Escala Visual Analógica de 7 pontos,<br />
relatada pela paciente (EVA: 7)<br />
1) Exercícios<br />
a) Exercício ativo livre – Flexão de coxofemoral:<br />
3 séries de 8 repetições i ntervalo<br />
entre as séries de 40s.<br />
b) Exercício ativo livre – Abdução de coxofemoral:<br />
3 séries de 8 repetições i ntervalo<br />
entre as séries de 40s.<br />
c) Exercício ativo livre – Adução de coxofemoral:<br />
3 séries de 8 repetições i ntervalo<br />
entre as séries de 40s.<br />
d) Exercício ativo livre – Extensão de coxofemoral:<br />
3 séries de 8 repetições i ntervalo<br />
entre as séries de 40s.<br />
e) Exercício ativo livre – Extensão de coluna<br />
lombar:<br />
3 séries de 8 repetições i ntervalo<br />
entre as séries de 40s.<br />
Evolução: de acordo com a evolução da paciente<br />
podemos fazer readaptações dos exercícios<br />
acima citados, bem como aumento no número<br />
de repetições de 8 para 10, diminuição do<br />
intervalo entre as séries de 40s para 30s, para<br />
ganho de força e resistência. Após essa fase, a<br />
paciente evoluirá para o exercício cinesioterapêutico<br />
ativo resistido, que contará com o auxílio<br />
de uma resistência, que pode ser mecânica<br />
(halteres, caneleiras), elástica (fitas, ou tubos<br />
80<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010
elásticos) ou mesmo resistência manual exercida<br />
pelo fisioterapeuta.<br />
2) Alongamentos<br />
a) Alongamento de cadeia posterior de<br />
membro inferior (isquiotibiais)<br />
b) Alongamento de flexores (quadríceps)<br />
c) Alongamento de adutores (adutor<br />
curto e adutor longo)<br />
d) Alongamento de abdutores (tensor<br />
da fáscia lata)<br />
e) Alongamento de paravertebrais<br />
f) Alongamento de flexão de coluna<br />
lombar com auxílio de bola suíça.<br />
g) Alongamento de extensão de coluna<br />
lombar com auxílio de bola suíça.<br />
O alongamento passivo é realizado pelo fisioterapeuta,<br />
que aplica uma força externa e<br />
controla direção, intensidade, velocidade e duração<br />
do alongamento dos tecidos moles que<br />
estão causando a contratura e a restrição da<br />
mobilidade articular. O alongamento autopassivo<br />
é um tipo de exercício de flexibilidade que a<br />
paciente realiza sozinha. O paciente pode passivamente<br />
alongar suas próprias contraturas ou<br />
fazê-lo usando seu peso corporal como força de<br />
alongamento (KISNER & COLBY, 1998).<br />
Para a utilização de recursos terapêuticos<br />
manuais podemos usufruir das técnicas de manipulação.<br />
O alisamento superficial, que é útil<br />
para dar início a uma sequência de massagens,<br />
é realizado lenta e suavemente em qualquer<br />
direção visando o relaxamento. O alisamento<br />
profundo é administrado com uma pressão<br />
maior com bastante lentidão, que visa estimular<br />
a circulação ao tecido muscular mais profundo;<br />
pode ser utilizado para a dilatação das<br />
arteríolas nos tecidos mais profundos. Os alisamentos<br />
foram utilizados para o relaxamento<br />
geral ou local, baseado em seus efeitos pelo<br />
impacto mecânico sobre os tecidos pelo sistema<br />
nervoso sensitivo (DOMENICO, 1998).<br />
A effleurage é um movimento de alisamento<br />
lento; compressão crescente na direção do fluxo<br />
venoso, terminando em um grupo de nodos<br />
linfáticos superficiais, com o objetivo de mobilizar<br />
o conteúdo das veias e dos vasos linfáticos<br />
superficiais; é realizada de forma lenta, com pressão<br />
significativa gradualmente para “empurrar” o<br />
sangue venoso e a linfa através de veias e canais<br />
linfáticos. O fluxo linfático é acelerado implicando<br />
a fluidez mais rápida do sangue, estimulando<br />
a circulação e eliminando os produtos dos catabólitos,<br />
facilitando a cura pela absorção de exsudato<br />
inflamatório (DOMENICO, 1998).<br />
Para a eficácia deste tratamento manual são<br />
essenciais manipulações de pètrissage ou manipulações<br />
de pressão, pelos quatro tipos de<br />
técnicas: amassamento, beliscamento, rolamento<br />
e torcedura (DOMENICO, 1998).<br />
No amassamento os músculos e tecidos subcutâneos<br />
são alternadamente comprimidos e liberados<br />
em sentido circular, a fim de afetar tecidos<br />
profundos pela mobilização de fibras musculares<br />
e tecidos profundos para o funcionamento<br />
normal da musculatura; é utilizada a técnica com<br />
a superfície palmar, com bastante lentidão, com<br />
pressão significativa e adaptada e bastante leveza.<br />
O beliscamento ocorre quando os músculos<br />
são agarrados e erguidos dos tecidos subjacentes,<br />
comprimidos e soltos na mesma direção das<br />
fibras musculares, no sentido da origem até a inserção,<br />
com pressão de cima para dentro, lento<br />
contínuo e ritmo visando à mobilização individual<br />
ou por grupos para o aumento da mobilidade<br />
muscular. Na torcedura os tecidos são levantados<br />
com ambas as mãos em oposição, com a mesma<br />
finalidade da torcedura, onde as mãos movimentam-se<br />
alternadamente ao longo do eixo longitudinal<br />
do músculo, com velocidade lenta à média,<br />
ritmo uniforme e com pressão razoável. O rolamento<br />
da pele e os tecidos subcutâneos são rolados<br />
sobre as estruturas mais profundas, onde a<br />
pele é dobrada sobre si própria, sendo provável<br />
que esta mobilize o conteúdo dos vasos superficiais,<br />
melhorando a circulação para a área; é reali-<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010<br />
81
zada de forma muito lenta e não exige pressão<br />
significativa (DOMENICO, 1998).<br />
As manipulações percussivas podem ser utilizadas<br />
para o tratamento, visando à estimulação<br />
dos tecidos por ação mecânica direta ou por ação<br />
reflexa. Os movimentos utilizados foram: palmadas,<br />
pancadas, cutiladas e socamento (DOMENI-<br />
CO, 1998). A palmada é um movimento com as<br />
mãos em concha que golpeiam rapidamente a<br />
superfície cutânea comprimindo o ar e provocando<br />
uma onda de vibração que penetra nos tecidos;<br />
estimula os tecidos por ação mecânica direta,<br />
quando a palmada é aplicada de forma leve e<br />
rápida sobre a musculatura estimula a atividade<br />
pela ativação direta; dos fusos musculares; a velocidade<br />
varia de acordo com o conforto do terapeuta<br />
e do paciente. O movimento de pancada é<br />
realizado com as mãos em que o pulso frouxamente<br />
cerrado golpeia a parte do corpo, com a<br />
mesma finalidade da palmada, porém mais estimulante,<br />
pela rapidez adaptada de acordo com a<br />
coordenação do terapeuta. A cutilada foi realizada<br />
com as bordas laterais e as superfícies dorsais<br />
dos dedos que golpeiam a superfície da pele em<br />
rápida sucessão com efeito estimulante e vigoroso<br />
de forma leve e rápida. O socamento é realizado<br />
com as bordas ulnares dos pulsos frouxamente<br />
cerrados que golpeiam alternadamente e em<br />
rápida sucessão; deve ser rápido até quanto a<br />
coordenação do terapeuta é permitida.<br />
Para a realização dos movimentos citados<br />
acima foram utilizados duas posições pelo terapeuta.<br />
No alisamento superficial e profundo,<br />
effleurage, e as técnicas de pètrissage adota-se<br />
a posição de esgrimista, e para as técnicas percurssivas<br />
adota-se a postura ereta.<br />
O tratamento em curto prazo através da fisioterapia<br />
aquática será feito inicialmente com um<br />
aquecimento para promover o reconhecimento e<br />
ambientação do paciente com o local, em seguida<br />
seria realizado alongamento e fortalecimento com<br />
hidrocinesioterapia ativando as cadeias posteriores<br />
e anteriores de membro inferior e coluna lombar<br />
para manter ou aumentar a amplitude de movimento,<br />
ampliar o grau de força muscular para flexo-extensão<br />
e adução de quadril de acordo com o<br />
grau de força do paciente (BIASOLI & MACHADO,<br />
2006), que está em grau quatro. Após o fortalecimento<br />
será promovido o relaxamento dorsolombar,<br />
o qual é constituído por cinco etapas:<br />
• Massagem: realizada por toda a região<br />
lombar e membros inferiores, com o<br />
paciente em posição supina e o terapeuta<br />
em posição de cubo.<br />
• Hidromassagem: Terapeuta movimenta<br />
as mãos no sentido latero-lateral por<br />
cinco minutos.<br />
• Alongamento (apoio inferior): fisioterapeuta<br />
estabiliza a pelve do paciente<br />
com o próprio tronco e com a mão (contralateralmente),<br />
posiciona a outra<br />
mão (que está livre) na região infraaxilar.<br />
Em seguida, alonga-se a musculatura<br />
paravertebral. Caso o paciente<br />
apresente muita dor, a mão livre deve<br />
ser posicionada um pouco mais abaixo<br />
da região infra-axilar, pois uma grande<br />
amplitude no movimento pode<br />
agravar a dor do paciente. Esta manobra<br />
pode ser repetida três vezes com<br />
duração de 5 a 10 segundos cada vez.<br />
• Tração: fisioterapeuta posiciona-se ao<br />
lado do paciente, coloca uma das mãos<br />
no sacro do mesmo e a outra no dorso.<br />
Simultaneamente são realizados movimentos<br />
opostos, onde a mão que<br />
está no dorso segue em sentido cranial<br />
e a mão que está no sacro no sentido<br />
caudal. Essa manobra pode ser repetida<br />
três vezes com duração de 5 a<br />
10 segundos cada vez (posição de guerreiro<br />
para o terapeuta)<br />
• Algas: finalizando o relaxamento, o fisioterapeuta<br />
movimenta as pernas do<br />
paciente para cima e para baixo, mesclando<br />
também com movimentos para<br />
os lados durante 20 seg. no total.<br />
82<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010
Em longo prazo o tratamento será feito da<br />
seguinte forma: aquecimento, alongamento, hidrocinesioterapia<br />
ativa, método anéis de bad ragaz<br />
e relaxamento dorsolombar. O método dos<br />
anéis de bad ragaz têm como objetivos: melhorar<br />
a resistência em geral, aumentar a amplitude de<br />
movimento, tracionar e alongar a musculatura<br />
espinhal e, principalmente, o fortalecimento.<br />
4 DISCUSSÃO<br />
A diatermia por ondas curtas, que promove<br />
calor profundo, pode apresentar benefícios<br />
diminuindo a sintomatologia, porém o tratamento<br />
com diatermia é caro e precisa de estudos clínicos<br />
randomizados nos quais sua aplicação seja<br />
acompanhada por um protocolo de cinesioterapia<br />
para alongamento e fortalecimento muscular,<br />
porém Brandt (1998) relata não haver evidências<br />
que tratamentos com calor são mais efetivos<br />
em analgesia do que somente exercícios.<br />
Briganó & Macedo (2005), fizeram uma<br />
comparação entre os efeitos da terapia manual e<br />
da cinesioterapia em pacientes com lombalgia e<br />
a mobilidade lombar em indivíduos sintomáticos<br />
e assintomáticos com diagnóstico clínico de lombalgia<br />
crônica que foram submetidos à avaliação<br />
de dor, mobilidade lombar e ao tratamento fisioterápico<br />
composto por terapia manual e cinesioterapia.<br />
Como resultado foi encontrada diferença<br />
estatisticamente significante na comparação<br />
da dor antes e após o tratamento fisioterápico e<br />
para mobilidade da coluna lombar em indivíduos<br />
com e sem dor. Os autores do estudo concluíram<br />
que a cinesioterapia e a terapia manual têm influência<br />
significativa na melhora da lombalgia,<br />
bem como a mobilidade lombar é diminuída quando<br />
comparada a indivíduos assintomáticos.<br />
Segundo Bates & Hanson (1998), a hidroterapia<br />
tem uma terapêutica abrangente que<br />
utiliza os exercícios aquáticos na reabilitação de<br />
diversas patologias. Essa terapêutica promove<br />
os resultados de relaxamento muscular, alívio<br />
da dor, redução do espasmo muscular, redução<br />
da força gravitacional, aumento da amplitude de<br />
movimentos, melhora da circulação periférica,<br />
e dentre outros, a melhora da autoconfiança.<br />
5 CONCLUSÃO<br />
Este trabalho visou propor um tratamento<br />
fisioterapêutico após uma avaliação, a fim de estabelecer<br />
um tratamento eficaz para a patologia<br />
abordada englobando diversas técnicas e áreas<br />
da fisioterapia.<br />
Concluímos que este artigo foi de grande<br />
importância para o esclarecimento e manipulação<br />
das técnicas adequadas que devem ser abordadas<br />
para o tratamento de hérnia na região<br />
lombar do caso relatado.<br />
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AGNE, Jones E. Eletrotermoterapia: teoria e<br />
prática.[s.l]: ed. Orium, 2008.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010<br />
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DOMENICO, G.; WOOD, E. C. Técnicas de massagem<br />
de Beard. 4. ed. SãoPaulo: Manole, 1998.<br />
BIASOLI, M.C.; MACHADO, C.M.C. Hidroterapia<br />
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Medicina, v. 63-n. 5, maio, 2006.<br />
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Am. J. Med. 1998; 105(1B): 39S .44S.<br />
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lombar e influência da terapia manual<br />
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Biológicas e da Saúde, v.26, n.2, p.75-82, 2005.<br />
BATES, A.; HANSON, N. Exercícios aquáticos terapêuticos.<br />
São Paulo: Manole, 1998.<br />
84<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010
DOS ESCRITOS <strong>DE</strong> EUCLI<strong>DE</strong>S DA CUNHA À<br />
CONTEMPORANEIDA<strong>DE</strong>: a Amazônia da fronteira<br />
às margens do rio Purus 1 William Monteiro Rocha*<br />
R E S U M O<br />
Euclides da Cunha, ilustre e desempregado em 1904, foi nomeado pelo Barão do Rio<br />
Branco chefe da Comissão Brasileira de Reconhecimento do Alto Purus. A viagem do famoso<br />
escritor brasileiro pela Amazônia permitiu-lhe testemunhar a complexidade e riqueza da<br />
região, tal como a difícil situação de isolamento e descaso das populações que ali viviam. Tais<br />
constatações levariam Euclides a projetar a redação de inúmeros textos genuinamente propositivos<br />
e repletos de sua concepção republicana e aliados de uma profunda análise social.<br />
Mesmo cem anos depois, a realidade dessa região encontra-se pautada em muitos aspectos<br />
descritos por Euclides em seus inúmeros ensaios amazônicos, como buscar-se-á demonstrar<br />
neste artigo, por meio de dados resultantes de uma pesquisa de campo à cidade de Santa Rosa<br />
do Purus (AC), parte da região onde o autor esteve um século atrás.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Amazônia. Fronteira. Rio Purus. Euclides da Cunha. Relações Internacionais.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
O Escritor Euclides Rodrigues Pimenta da<br />
Cunha teve uma formação intelectual permeada<br />
de certa introspecção e uma visão mediada<br />
pela ciência, que permitiu a ele ao longo de sua<br />
trajetória de vida descrever ambientes, situações<br />
e espaços, tal como perfilar escolas, vertentes<br />
e ideologias. A preocupação de realizar<br />
uma síntese entre a linguagem literária herdada<br />
e a elocução científica do presente constitui uma<br />
verdadeira obsessão para Euclides, como demonstra<br />
Sevcenko (1995):<br />
Síntese entre literatura e ciência,<br />
combinação de estéticas, cruzamento<br />
de gêneros, oposições de estilos;<br />
sua obra parece ressudar tensões<br />
por inteiro. Ela é composta estruturalmente<br />
de camadas heterogêneas<br />
díspares e mesmo incompatível, ar-<br />
mada numa clivagem cujo tênue<br />
equilíbrio repousa sobre a solidez<br />
das certezas transcendentes do autor.<br />
Pode-se mesmo entrever nessa<br />
característica um indício oportuno<br />
para explicar a fixação do escritor em<br />
enfocar a realidade a partir dos seus<br />
aspectos desencontrados e confli-<br />
*<br />
Internacionalista; bacharel em Relações Internacionais da<br />
1ª turma formada pela Universidade da Amazônia (<strong>Unama</strong>);<br />
ex-monitor da disciplina Teoria das Relações Internacionais<br />
I (2009); ex-bolsista do projeto de pesquisa Gestão das Águas<br />
da Amazônia: peculiaridades e desafios no contexto<br />
sociopolítico regional da bacia do rio Purus (CNPq/PPG7).<br />
Atualmente é assistente de pesquisa do projeto<br />
Identificando preferências através do conhecimento<br />
incerto: a interpretação dos resultados eleitorais em<br />
municípios paraenses através da utilização das redes<br />
bayesianas.<br />
Contato: william.mrocha@gmail.com | (091) 8151-5717<br />
1<br />
Artigo orientado pelas professoras Nirvia Ravena, dr a em<br />
Ciência Política, professorap/pesquisadora da Universidade<br />
da Amazônia (<strong>Unama</strong>) e do Núcleo de Altos Estudos<br />
Amazônicos (NAEA/UFPa); e Voyner Ravena Cañete, Dr a em<br />
Desenvolvimento Sócioambiental, professora/pesquisadora<br />
da Universidade Federal do Pará (UFPa). Contato:<br />
niravena@uol.com.br | ravenacanete@uol.com.br<br />
85<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010
tantes. É uma constante em sua obra<br />
a ênfase sempre reincidente sobre<br />
os contrastes, as antíteses, os choques,<br />
os confrontos, os desafios, os<br />
cotejos, as oposições, os antagonismos<br />
(SEVCENKO, 1995, p.136).<br />
Desde os artigos escritos nos tempos em<br />
que estudava na Escola Militar, passando pelas<br />
contribuições em jornais do Rio de Janeiro e São<br />
Paulo até a publicação relevante de Os Sertões,<br />
Euclides, decisivamente influenciado por concepções<br />
modernas, compunha o projeto dos intelectuais<br />
brasileiros da época afinados com os<br />
centros europeus em promover a modernização<br />
do país, do ponto de vista político, social e cultural,<br />
e isso lhe permitira desbravar e descrever<br />
com genialidade duas regiões distintas do Brasil:<br />
o sertão baiano e a selva amazônica.<br />
A escolha de Euclides da Cunha para realizar<br />
a cobertura da Guerra de Canudos foi um<br />
episódio ímpar em sua vida. Como repórter, retratou<br />
a realidade da forma mais próxima possível.<br />
Pelos relatos, detinha os entrevistados com<br />
frequência para esclarecer, principalmente, expressões<br />
verbais, ditos populares e construções<br />
frasais raras e sonoras. Descreveu com riqueza<br />
de detalhes o conflito em si, a geografia local, a<br />
população, o Exército e, sobretudo, a maneira<br />
oficial, de ver a guerra, sempre colocando os<br />
acontecimentos na perspectiva do que julgava<br />
bom para o Brasil e para a República. Almeida<br />
(2008) consubstancia que:<br />
Toda a obra é construída a partir de<br />
níveis de compreensão. O meio físico<br />
evolui para a particularidade da<br />
terra como representação científica<br />
(nas suas variáveis geológicas e botânicas,<br />
que tanto explorou) e daí<br />
para o sertão como representação de<br />
um país desconhecido e inóspito. Da<br />
definição racial do povo do lugar, Euclides<br />
avalia o homem (“o cerne vivo<br />
da raça”) expresso na figura do jagunço,<br />
o brasileiro excluído do projeto<br />
nacional. E do momento, ou seja,<br />
a realização ou a ação se expressa<br />
no conflito armado, no instante de<br />
desencontro entre o arcaico e o moderno.<br />
(ALMEIDA, 2008, p.197).<br />
De sua viagem pela Amazônia resultaram<br />
inúmeros artigos e obras relevantes à análise do<br />
período e da região em questão. Euclides aludia<br />
especificamente à impressão visual que a Amazônia<br />
causa no visitante. A uniformidade da vegetação,<br />
a longa extensão dos rios, a magnitude<br />
da floresta, tudo geraria no observador uma espécie<br />
de entorpecimento dos sentidos. A igualdade<br />
daquele cenário, em toda sua vasta extensão,<br />
resultaria no que Euclides denominou de<br />
“monotonia”. Esclarece esse sentimento a partir<br />
de uma analogia com os mares: “[...] em poucas<br />
horas o observador cede às fadigas de monotonia<br />
inaturável e sente que o seu olhar, inexplicavelmente,<br />
se abrevia os sem-fins daqueles<br />
horizontes vazios e indefinidos como os dos<br />
mares.” (CUNHA, 1994).<br />
Em seus escritos sobre a Amazônia, Euclides<br />
vai carregar nas cores com que descreve a<br />
região, trabalhando com um jogo de antíteses<br />
que se presta a impressionar o leitor. Essas antíteses<br />
são componentes fundamentais de seu<br />
estilo, que primava em lidar com as oposições e<br />
contrastes. Em suas palavras: “Parece que ali a<br />
imponência dos problemas implica o discurso<br />
vagaroso das análises: às induções avantajamse<br />
demasiado os lances da fantasia. As verdades<br />
desfecham em hipérboles”. (CUNHA, 2006).<br />
Nesse trecho, Euclides deixa claro e evidente<br />
que além da “fantasia” e deslumbramento aos<br />
olhos que a Amazônia faz ao visitante, muito são<br />
os problemas, o isolamento e o descaso para com<br />
a região. Essa característica descritiva bastante<br />
presente nas obras do escritor pela Amazônia,<br />
revestem-se de aspectos contemporâneos que<br />
nos capítulos seguintes serão abordados.<br />
Euclides da Cunha foi, sem sombra de dúvida,<br />
um republicano convicto. O contato com a<br />
realidade política e social dominante, cheia de<br />
contradições, aliado ao pessimismo como método<br />
de análise da realidade, era a maneira pessoal<br />
do autor interpretar o mundo. Como intelectual,<br />
não se furtou de manifestar por meio da<br />
imprensa (com a qual contribuiu significativa-<br />
86<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010
mente ao longo de sua vida) suas impressões e<br />
críticas sobre a política brasileira no momento<br />
da instauração da República.<br />
Sua formação e vocação ao republicanismo<br />
ocorreram em um ambiente coberto de ideais<br />
positivistas que colocavam em xeque a monarquia<br />
e, colocavam a ciência como instrumento<br />
primordial de análise da sociedade e da natureza.<br />
Tal formação cientificista, obtida nos anos em<br />
que estudou na Escola Militar da Praia Vermelha,<br />
estará presente de modo indelével em suas<br />
convicções políticas (PONTES, 2005).<br />
A participação de Euclides na imprensa marca<br />
o início de sua atividade como intelectual público.<br />
Suas colaborações nos jornais A Província<br />
de São Paulo (atual O Estado de S. Paulo) e no<br />
Democrata, evidenciam o surgimento do pensador<br />
influenciado pela ciência e o escritor de estilo<br />
hiperbólico, engajado na militância pela reforma<br />
social. Tal envolvimento com o processo de<br />
mudança política e transformação social não cessou<br />
com a Proclamação da República. As deficiências<br />
do novo regime farão com que Euclides,<br />
frustrado com os rumos do país, continue defendendo<br />
mudanças, ainda que de forma mais discreta.<br />
Ao entusiasmo inicial, portanto, seguiu-se<br />
a desilusão com a República (MOURA,1964).<br />
Decepcionado com os problemas da Primeira<br />
República, Euclides chegou a ingressar na vida<br />
política, se candidatando a deputado por São<br />
Paulo com o apoio de Júlio Mesquita, do jornal A<br />
Província de São Paulo. Tal incursão na política<br />
foi malsucedida, pois Euclides não obteve votos<br />
necessários para sagrar-se deputado pelo Partido<br />
Republicano de São Paulo.<br />
Kassius Pontes (op.cit.) evidencia:<br />
A ligação de Euclides da Cunha com a<br />
política apresenta, por conseguinte,<br />
características bem definidas. O republicanismo<br />
e a defesa de reformas<br />
sociais são traços marcantes de sua<br />
atuação, bem como uma espécie de<br />
romantismo ou idealismo aos quais<br />
ele se referiu em diversas ocasiões.<br />
Sua personalidade combativa do ponto<br />
de vista intelectual teve pouca desenvoltura,<br />
contudo, no plano da prática<br />
político-partidária. O fracasso de<br />
sua primeira tentativa eleitoral e a<br />
precoce desistência de uma outra<br />
candidatura em Minas Gerais indicam<br />
que Euclides não estava preparado<br />
para as lides eleitorais, sobretudo<br />
em função de seu alegado escrúpulo<br />
em solicitar favores e adesões<br />
e em travar contato com políticos<br />
tradicionais. Seus ímpetos revolucionários<br />
não encontravam, por<br />
conseguinte, espaço para progredir no<br />
cenário político da Primeira República<br />
(PONTES, op.cit. p.24).<br />
A participação política de Euclides vai se<br />
concentrar na colaboração com a imprensa e no<br />
contato com personagens proeminentes da época.<br />
Seu transitar nos círculos intelectuais permitiu-lhe<br />
o acesso a importantes políticos e burocratas<br />
da época. A ligação com o Barão do Rio<br />
Branco, por exemplo, surgiu com intermédio de<br />
intelectuais renomados, como José Veríssimo e<br />
Oliveira Lima.<br />
O quadro de ascensão da República e a crença<br />
de Euclides nas possibilidades do novo regime,<br />
bem como do papel que a intelligentsia 2 da<br />
classe média desempenhou nesse período, fundamenta<br />
a análise e interpretação das obras de<br />
Euclides, inclusive dos textos sobre a Amazônia<br />
e sobre política internacional, escritos em sua<br />
maior parte durante o desempenho de atividades<br />
no Itamaraty. Para compreensão de sua obra<br />
é necessário observar um ideal republicano que<br />
depois cede a decepção republicana transformada<br />
em crítica, juntamente a observação das questões<br />
políticas e pregação de reformas sociais. Tais<br />
concepções políticas vão se fazer presentes na<br />
totalidade de sua obra literária e suas análises.<br />
Durante cinco anos (1904-1909) trabalhou<br />
com o Barão de Rio Branco. No início, esperando<br />
a nomeação para uma próxima expedição<br />
pelo interior do Brasil e, mais tarde, produzin-<br />
2<br />
Nome dado a uma determinada classe social de pessoas<br />
engajadas em trabalho de disseminação complexa e criativa<br />
direcionada ao desenvolvimento e propagação de questões<br />
políticas, sociais e até mesmo culturais, abrangendo grupos<br />
sociais e intelectuais próximos.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010<br />
87
do relatórios, estudos e mapas – muitos mapas<br />
– sobre regiões de litígios entre estados, detalhamentos<br />
de fronteira ou mesmo o mapa oficial<br />
do Brasil, como o de 1907. Esperava também<br />
que Rio Branco o efetivasse como quadro<br />
do Ministério das Relações Exteriores, situação<br />
que nunca aconteceu.<br />
Cabe ressaltar que, apesar do seu posto<br />
no Itamaraty, Euclides não era diplomata, mas<br />
pensava do ponto de vista da diplomacia os fatores<br />
estratégicos que se relacionavam à ação<br />
do poder publico na região, acrescentando à<br />
discussão sobre o território a variável social.<br />
Suas obras, em especial no período que trabalhou<br />
na chancelaria brasileira, são de profundo<br />
entendimento sobre a realidade internacional.<br />
Era um observador e como tal analisava questões<br />
internacionais, mas sem ambição de tornar-se<br />
formulador ou executor de política externa<br />
(diplomata). Mais correto, segundo Pontes<br />
(op.cit.) é considerá-lo um intelectual cuja<br />
vocação era revelar o lado pouco conhecido do<br />
país, ou seja, um intérprete do Brasil, preocupado<br />
em afirmar a nacionalidade e refletir sobre<br />
a construção da República, que o levou a<br />
manifestar juízos sobre as relações internacionais<br />
do país. Tal propensão em escrever sobre<br />
política externa surgiu em momentos anteriores<br />
a sua admissão ao Itamaraty, e foram intensificadas<br />
com o início dos trabalhos na chancelaria<br />
ao lado do Barão do Rio Branco.<br />
2 FRONTEIRA E TERRITÓRIO: cenários históricos<br />
e conceitos<br />
A Amazônia,<br />
ainda sob o aspecto estritamente físico,<br />
conhecemo-la aos fragmentos.<br />
Mais de um século de perseverantes<br />
pesquisas e uma literatura inestimável,<br />
de numerosas monografias,<br />
mostram-no-la sob incontáveis aspectos<br />
parcelados. A inteligência<br />
humana não suportaria, de improviso,<br />
o peso daquela realidade portentosa<br />
(CUNHA, op.cit.).<br />
Escreveu Euclides da Cunha, no início do<br />
século XX, quando nomeado chefe da comissão<br />
mista brasileiro-peruana de reconhecimento do<br />
Alto Purus, com o objetivo de demarcar limites<br />
entre o Brasil e o Peru. Mais de cem anos se passaram<br />
desde que Euclides esteve nesta região e<br />
o excerto acima ainda se mostra evidente.<br />
A região de fronteira a qual o célebre autor<br />
foi apresentado em 1905 se mostrava uma área<br />
portentosa e ao mesmo tempo conflituosa. Segundo<br />
Pontes (op.cit), Euclides dava á “Amazônia<br />
uma visão de constante mutação, de construção<br />
inacabada, uma espécie de página incompleta<br />
do Gênesis 3 ”. Essa página incompleta e<br />
quase esquecida a qual Euclides referencia a<br />
Amazônia encontra-se ainda no imaginário ocidental<br />
desde o século XVIII como uma área de<br />
fronteira marcada pela ideia de espaço vazio. Tal<br />
compreensão permanece até os dias atuais, tanto<br />
nas concepções dos indivíduos que migram<br />
para este território quanto para os tomadores<br />
de decisão que operam nas políticas públicas.<br />
Mesmo cem anos depois, a realidade desta<br />
região encontra-se pautada em muitos aspectos<br />
descritos por Euclides em seus inúmeros ensaios<br />
amazônicos. No entanto, existe uma diferença<br />
fundamental que caracteriza esse espaço de<br />
tempo: os problemas da época de Euclides eram<br />
fronteiriços e marcados pela luta do território<br />
no que ele considerava como um “conflito inevitável”<br />
entre brasileiros e peruanos. Já no contexto<br />
atual, evidenciam-se inúmeros problemas<br />
sociais envolvendo as populações tradicionais<br />
com a gestão pública, para acesso aos recursos e<br />
até mesmo aos processos políticos.<br />
O conflito que a expedição de Euclides visava<br />
diplomaticamente sanar, com a demarcação<br />
dos limites de Brasil e Peru, era entre os cau-<br />
3<br />
Vale lembrar que Euclides da Cunha integrava um corpo de<br />
intelectuais marcadamente influenciados pela lógica<br />
evolucionista que, além de forjar o escopo das ciências<br />
naturais, se espraiou para as ciências humanas,<br />
especialmente a antropologia. Daí a ideia de gênesis, como<br />
cenário inicial da formação ou “gestação do mundo” (CUNHA,<br />
1994).<br />
88<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010
cheiros 4 peruanos e os seringueiros brasileiros.<br />
Atualmente, na região em questão inexistem<br />
conflitos nesse sentido. Entretanto, problemas<br />
sociais são evidentes nos dois lados da fronteira,<br />
com outra relevante diferença dos tempos<br />
de Euclides, o numeroso contingente de grupos<br />
indígenas distribuídos ao longo da região transfronteiriça<br />
da qual o sinuoso rio Purus separa.<br />
2.1 REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO <strong>DE</strong> FRONTEIRA<br />
4<br />
Faz referência ao caucho, árvore presente na fauna da região<br />
e muito explorada na época. Dela é possível extrair uma goma<br />
elástica que, alem de ser de qualidade inferior ao látex, não<br />
se renova. borracha e o caucho criaram tipos humanos<br />
diferentes, métodos de extração diversos, modos de vida<br />
peculiares. A primeira estabiliza o homem nas estradas,<br />
porque o corte feito nas árvores se renova periodicamente.<br />
A planta encontra meios de revitalização, e, sarada das<br />
fissuras abertas no tronco, suporta outras mais, sempre<br />
generosa em leite. O segundo faz do homem um eterno<br />
itinerante na floresta, dadas as características de sua<br />
fisiologia que vão se refletir no fato social. Excessivamente<br />
frágil, não resiste às sangrias periódicas, definha e morre<br />
(TOCANTINS, 2001, p.392).<br />
5<br />
Foram uma série de tratados, que além de encerrarem<br />
conflitos como a Guerra dos Trinta Anos, e inauguraram o<br />
moderno sistema internacional ao colocarem<br />
consensualmente noções e princípios como o de soberania<br />
estatal e o de Estado nação. Em suma, delimitaram as<br />
fronteiras de poder de um Estado com o outro e se<br />
transformaram em um marco das relações internacionais.<br />
Fronteira em seu conceito amplo, diz respeito<br />
a uma determinada área de duas partes<br />
distintas. Tal conceito foi ao longo da história se<br />
consolidando e tanto no período das monarquias<br />
nacionais, quanto da Paz de Westphália 5 , o<br />
estabelecimento e delimitação do alcance do<br />
poder do Estado necessitavam de uma maior<br />
exatidão. No entanto, essa fronteira pode representar<br />
muito mais que uma mera divisão ou<br />
unificação de partes. Esse conceito pode representar<br />
também, o nível de autonomia e soberania<br />
de um Estado sobre o outro, dois regimes<br />
políticos e/ou ideológicos, duas formas de organização<br />
e o que a fronteira que se buscará explicar<br />
neste trabalho exemplifica: o de duas realidades<br />
distintas.<br />
Atrelado, e muitas vezes sinônimo ao conceito<br />
de fronteira, o conceito de limite é comumente<br />
utilizado. Entretanto, cabe diferenciação.<br />
A fronteira, no seu sentido amplo, marca e coloca<br />
o outro lado como o diferente, ou seja, como o<br />
começo do novo, pode-se assim dizer. Já o limite,<br />
designa o fim do controle de uma determinada<br />
unidade político-territorial. Em outras palavras,<br />
fronteira diz respeito a uma ordem e/ou demarcação<br />
natural, geométrica e até mesmo arbitrária,<br />
ou seja, de integração, todavia, o limite é uma<br />
abstração como fator de separação.<br />
Na região foco deste trabalho, a fronteira é<br />
natural, na verdade, a fronteira é o próprio rio. O<br />
rio Purus caracteriza-se por uma sinuosidade peculiar<br />
que somado à dinâmica dos períodos de seca<br />
e de cheia, resulta em uma navegação repleta de<br />
desafios em sua totalidade de quase 3.300 km. É<br />
considerado um rio de águas brancas e o aspecto<br />
meândrico que é conferido a ele é notado desde<br />
sua nascente no Peru, passando pela Bolívia e<br />
desembocando nos estados do Acre e do Amazonas,<br />
no Brasil. A característica transfronteiriça que<br />
também é atribuída ao rio Purus deve ser atentamente<br />
analisada, pois ações voltadas ao desenvolvimento<br />
da região não podem se limitar a aspectos<br />
meramente geopolíticos. Nesse sentido é<br />
preciso ir além e, visualizar a bacia hidrográfica<br />
como um todo, respeitando fatores político-econômicos,<br />
mas sobretudo, resguardando o fator<br />
social da região.<br />
2.2 O MUNICÍPIO <strong>DE</strong> SANTA ROSA DO PURUS (AC)<br />
Localizada na região do Alto Purus (figura<br />
1), no estado do Acre, Santa Rosa do Purus é<br />
um município resultante do desmembramento<br />
da cidade de Manuel Urbano, e foi constituída<br />
através da lei estadual nº 1.028, de 28 de<br />
abril de 1992. Como município de fronteira internacional<br />
(Brasil/Peru), Santa Rosa do Purus<br />
encontra-se bastante isolada, pois o acesso<br />
ao município restringe-se ao transporte fluvial<br />
e a pequenas aeronaves que chegam à pista<br />
de pouso improvisada de terra batida mantida<br />
pela gestão pública local. Cerca de 4000<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010<br />
89
habitantes vivem no município, dentre os<br />
quais, mais de 50% da população é indígena. A<br />
participação dessa população se dá também<br />
no âmbito político, no qual o vice-prefeito é<br />
indígena e a Câmara de Vereadores é composta<br />
também por índios. A ausência de rodovias<br />
evidencia um isolamento que marca todo o<br />
entorno do município. As atividades econômicas<br />
giram em torno, especialmente, do extra-<br />
De toda sorte, pensar em Santa Rosa do<br />
Purus significa pensar na fronteira a partir de seu<br />
conceito clássico, ou seja, significa pensar na<br />
ocupação de áreas pouco povoadas e que têm<br />
nesse processo de ocupação uma dinâmica social<br />
própria marcada pela ausência do Estado e das<br />
regras institucionalizadas que normalmente orientam<br />
as ações dos atores sociais (CASTRO e<br />
HÉBETTE, 1989).<br />
Figura 1: Localização de Santa Rosa do Purus<br />
Fonte: Wikipédia (adaptado pelo autor)<br />
tivismo, sendo a pesca de subsistência a segunda<br />
atividade mais importante. As atividades<br />
agrícolas restringem-se à produção de culturas<br />
de consumo local em decorrência do difícil<br />
escoamento da produção. Este se dá normalmente<br />
por via fluvial, ainda que bastante<br />
limitado pelas imposições da dinâmica da<br />
cheia e vazante do rio que impedem a navegação<br />
de embarcações de grande calado.<br />
3 RIO PURUS: fronteira e análise social<br />
Cem anos depois da viagem e dos relatos<br />
de Euclides, o cenário da Região Amazônica que<br />
se apresenta, encontra-se pautado em muitos<br />
aspectos descritos pelo autor em seus inúmeros<br />
ensaios sobre a região. Sua expedição à Amazônia,<br />
que deveria dar origem a uma segunda grande<br />
obra intitulada Um paraíso perdido, não che-<br />
90<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010
gou a ser concluída, e pretendia “vingar a Hiléia<br />
maravilhosa de todas as brutalidades das gentes<br />
adoidadas que a maculam desde o século<br />
XVII” (CUNHA apud HARDMAN, 2009). Seu contato<br />
com a natureza da região levou-o a constatar<br />
uma terra inacabada, imprópria à ocupação<br />
humana e adversária do homem. Esta natureza<br />
poderosa e considerada invencível, entretanto,<br />
acabara cedendo lugar à demanda de uma ação<br />
organizada e sistemática do governo nacional<br />
sobre a região visando torná-la parte efetiva do<br />
território nacional.<br />
A expedição de Euclides pela Amazônia, que<br />
tinha como objetivo principal a demarcação de<br />
fronteiras, acabou resultando em uma valiosa e<br />
profunda análise social da região. Nomeado chefe<br />
da Comissão Brasileira de Reconhecimento do<br />
Alto Purus, o autor percorreu grande parte da fronteira<br />
entre o Brasil e o Peru no intento de sanar<br />
diplomaticamente um conflito de fronteira entre<br />
caucheiros e seringueiros, e, sobretudo resguardar<br />
a soberania brasileira, segundo as premissas<br />
da diplomacia do Barão do Rio Branco.<br />
Euclides, que viu na Amazônia do início do<br />
século XX uma página incompleta do Gênesis,<br />
descreveu um espaço de tempo caracterizado por<br />
problemas fronteiriços, marcados pela luta do<br />
território no qual ele considerava como um “conflito<br />
inevitável” entre brasileiros e peruanos. Já<br />
no contexto atual, se evidenciam inúmeros problemas<br />
sociais envolvendo as populações tradicionais<br />
com a gestão pública, para o acesso aos<br />
recursos e até mesmo nos processos políticos.<br />
Muitas das impressões que abalaram o autor<br />
continuam presentes. Euclides chamou a<br />
Amazônia de “um deserto” e descreveu sua combinação<br />
de grandiosidade com tristeza. O Alto<br />
Purus continua com o mesmo clima de abandono,<br />
como se fosse quase inabitado, com longos<br />
trechos de rio sem manifestação humana ao redor.<br />
A natureza continua muito semelhante; a<br />
mata permanece quase toda intocada, com suas<br />
imbaúbas e pau-mulatos. Entretanto, resguarda-se<br />
uma relevante diferença dos tempos de<br />
Euclides, o numeroso contingente de grupos indígenas<br />
distribuídos ao longo da região transfronteiriça<br />
da qual o sinuoso rio Purus separa.<br />
A presença de inúmeras aldeias de índios<br />
caxinauás e kulinas, é algo que Euclides definitivamente<br />
não viu. Ambas etnias são predominantes<br />
ao longo do rio, e suas aldeias, tal como vilas,<br />
são vistas com frequência no alto de barrancos<br />
à margem. Rabetas e canoas (figura 2) ficam<br />
“estacionadas” na base enlameada do barranco<br />
que raramente possui degraus. Vivem de maneira<br />
semelhante a seus ancestrais, plantando<br />
milho e mandioca, e morando em malocas com<br />
telhado de palha. No entanto, o contato com a<br />
sociedade nacional foi e é algo irreversível. A<br />
realidade das etnias indígenas é pautada por uma<br />
relação direta com o poder público, seja atuando<br />
nas instâncias locais como no caso de Santa<br />
Rosa do Purus, ou sendo assistidos por políticas<br />
públicas sociais do governo 6 e principalmente<br />
os caxinauás demonstram um envolvimento direto<br />
com a sociedade do entorno.<br />
Uma outra característica marcante dessa<br />
relação indígena com o poder público refere-se<br />
ao espaço de fronteira. A fronteira atual da região<br />
se mostra favorável à migração de indígenas<br />
peruanos ao território brasileiro, tendo em<br />
vista o acesso das políticas já acessadas pelos<br />
índios brasileiros, e por outro lado, considerando<br />
o cenário de participação dessas atnias na vida<br />
política em território peruano, os caxinauás identificam<br />
as possibilidades de aprendizagem de<br />
uma lógica do campo político que também pode<br />
ser usada nas experiências no Brasil 7 .<br />
6<br />
Programas como o Bolsa Escola e Bolsa Família, a<br />
capacitação para se tornar AIS (Agente Indígena de Saúde),<br />
AISAN (Agente Indígena Sanitário) ou técnico de enfermagem<br />
e até mesmo programas voltados para a capacitação no<br />
ensino superior de indígenas são exemplos de políticas<br />
sociais do governo, dentre as quais muitos índios da região<br />
aces sam.<br />
7<br />
A cidade de Esperanza (território peruano) localizada<br />
também na região do Alto Purus, teve no último processo<br />
eleitoral um índio caxinauás escolhido para ocupar o cargo<br />
de Alcaide, um cargo semelhante ao de prefeito, na estrutura<br />
burocrática e de gestão brasileira.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010<br />
91
A realidade atual da fronteira difere em parte<br />
do que Euclides da Cunha constatou em sua<br />
viagem à região. Os atores de agora não são mais<br />
os seringueiros ou os caucheiros, e, sim os indigenas<br />
e a própria gestão pública local, que não<br />
deflagram um conflito que ponha em risco a soberania,<br />
e, sim trazem consigo uma carga histórico-colonizadora<br />
marcada pela exploração, descaso<br />
e isolamento que, aliado às intervenções antrópicas<br />
as quais seus recursos naturais foram submetidos,<br />
marcam o espaço de fronteira descrita<br />
pelo autor brasileiro como uma fronteira social.<br />
a Madeira-Mamoré, o IBGE, e, até mesmo, a Calha-Norte<br />
(LIPPI, 1998). Tal integração da Amazônia<br />
ao Brasil proposta por Euclides, colocava a região<br />
na agenda de política externa do Brasileira, o<br />
que até hoje se apresenta como fundamental para<br />
o resguardo de nossa soberania.<br />
Atualmente o intento de trazer desenvolvimento<br />
à região remete aos tempos de Euclides<br />
da Cunha e mesmo com inúmeras políticas para a<br />
região, tal efetiva integração até os dias de hoje<br />
mostra-se se como algo que se almeja e apresenta<br />
como desafio. Cabe notar que os escritos do<br />
Figura 2: Rabetas e canoas na margem do rio Purus<br />
Fonte: Pesquisa de campo – junho de 2009<br />
Euclides da Cunha pode ser considerado um<br />
missionário do progresso. Da mesma forma com<br />
a qual desejou integrar o Sertão nordestino à vida<br />
nacional, assim o fez em relação à Amazônia. O<br />
autor propôs a recuperação do rio Purus (para torná-lo<br />
melhor navegável), a construção de uma<br />
estrada de ferro – a Transacreana – que seria capaz<br />
de espalhar frentes de colonização e proteger<br />
as fronteiras do país. Além do mais, incitou<br />
sempre em seus escritos, a integração da Amazônia<br />
ao resto do país e que tal integração não se<br />
desse apenas territorialmente, mas de fato, trazendo<br />
o desenvolvimento a esta região. Neste<br />
sentido, Euclides pode ser visto como um precursor<br />
de ideias e projetos que foram implementados,<br />
com ou sem sucesso, anos mais tarde, como<br />
92<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010
autor acerca dos problemas da Amazônia revestem-se<br />
de atualidade. Algumas questões por ele<br />
expostas, como o abandono da região e a “porosidade<br />
das fronteiras como o agravamento da situação<br />
social” (PONTES, op.cit.) demonstram ainda,<br />
temas básicos de reflexão e entendimento da<br />
região. Euclides da Cunha pensou sob a ótica da<br />
diplomacia fatores e premissas estratégicas que<br />
se relacionavam à ação do poder público na região.<br />
Fato esse que deve ser entendido e tido<br />
como referência ao analisar não só a região do<br />
Alto Purus, mas a Hiléia de forma geral.<br />
Dentre inúmeros processos e viés de integração<br />
da região, em especial do Alto Purus em<br />
2009 foi dado um passo importante na história<br />
da região. Uma proposta de integração econômica<br />
e comercial entre as regiões do Alto Juruá<br />
e Alto Purus 8 , entre Brasil e Peru, fazendo do rio<br />
Purus uma alternativa de escoamento para a produção<br />
de ambos os países. Cem anos depois da<br />
passagem de Euclides pela região, uma integração<br />
efetiva e mediada pelo Ministério das Relações<br />
Exteriores parece acenar na direção já proposta<br />
pelo escritor.<br />
O entendimento proposto por Euclides da<br />
Cunha retratando a Amazônia sob o viés historiográfico,<br />
permitiu uma leitura renovada dos<br />
problemas de fronteira, de integração física e<br />
de inclusão social, dando ênfase, assim, à importância<br />
dessas três dimensões para a formulação<br />
da política externa brasileira da época. Tais<br />
dimensões devem servir de base ao analisar a<br />
região, que, resguardando as riquezas naturais,<br />
apresenta o fator social e humano como peçachave<br />
da interação que leva ao desenvolvimento<br />
e é exatamente nesses múltiplos cenários que<br />
se impõe, como desafio o desvendar de cada<br />
fragmento da história da região.<br />
8<br />
Agência de Notícias do Acre. Alfândega Provisória no Alto<br />
Purus inaugura nova rota comercial Brasil-Peru. Disponível<br />
em: http://www.agencia.ac.gov.br/index.php?option=com_<br />
content&task=view&id=9011&Itemid=139 . Acesso: 10 / 10<br />
/ 2009<br />
4 CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />
A Amazônia hoje se tornou fundamentalmente<br />
um espaço-chave para o prosseguimento<br />
da aventura humana no planeta Terra, e com<br />
ela inúmeras formas da biodiversidade cuja evolução<br />
desencadeou. A região, muito antes da<br />
dramaticidade que alcançou, teve vários momentos<br />
de elaboração, análise e crítica, na história<br />
da ciência e da cultura, em particular na<br />
chamada literatura dos viajantes, dos cronistas<br />
aos naturalistas românticos, e destes aos primeiros<br />
ficcionistas. Todos a seu modo tentaram representar<br />
o sublime daquela paisagem, em seu<br />
desmesuramento de real-maravilhoso que guarda<br />
igualmente os segredos do deslumbre e do<br />
fantástico. Euclides da Cunha, depois do sucesso<br />
estrondoso de sua narrativa acerca da tragédia<br />
sertaneja de Canudos, foi um dos primeiros<br />
escritores latino-americanos modernos a encarar<br />
o desafio de “escrever a Amazônia”.<br />
Euclides julgava imparcial a marcha do progresso,<br />
da civilização e do desenvolvimento, que<br />
traria a absorção do indígena e do sertanejo em<br />
detrimento do avanço unicamente das “raças” e<br />
“culturas” tidas como superiores. Os sertões, quer<br />
nordestinos, quer amazônicos, eram e são tidos<br />
como desertos, espaços fora da escrita. Ao explorar<br />
a caatinga e a floresta e resgatar o sertanejo e<br />
o seringueiro do esquecimento, o escritor procurava<br />
integrar os sertões e a floresta à escrita e à<br />
história, cujos limites e fronteiras estariam em<br />
constante expansão. Para Euclides, fora da escrita,<br />
da história e do consequente desenvolvimento,<br />
“não há salvação, só existe o deserto” (CU-<br />
NHA, op.cit.). O discurso etnográfico e por vezes<br />
sócio-antropológico do autor sobrepunha inclusive<br />
as fronteiras nacionais, como visto em seus<br />
escritos sobre a política internacional da época.<br />
Mais de cem anos depois da passagem de<br />
Euclides pela Amazônia a região mostra-se em<br />
estado semelhante, seja do ponto de vista de<br />
seu espaço e, seja ao mesmo tempo, tão díspare<br />
quando se pensa na pluralidade de culturas,<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010<br />
93
naturezas e sociedades aqui existentes. Testemunho<br />
de seu tempo, o autor no início do século<br />
XX já abordava a importância da Amazônia<br />
no contexto internacional e destacava a relevância<br />
em integrar a região ao Brasil, efetivando<br />
assim, uma política exterior voltada para a<br />
região, resguardando a soberania e podendo<br />
levá-la ao desenvolvimento.<br />
A riqueza amazônica gera cobiça internacional<br />
e o conhecimento dessa riqueza muitas<br />
vezes não é reconhecido pelos próprios brasileiros.<br />
Buscar entender, estudar e analisar a região<br />
é algo que também pode ser visto sob a<br />
ótica da diplomacia e das relações internacionais,<br />
resguardando primordialmente a questão<br />
humana e social. Resta saber se daqui a cem<br />
anos, na Amazônia, o homem e a natureza continuarão<br />
a ser inimigos, como disse Euclides, ou<br />
se o paraíso perdido pode passar a ser o paraíso<br />
desenvolvido.<br />
REFERÊNCIAS<br />
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Percursos e Rupturas no Pensamento de Silvio<br />
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2008. 340 p. Tese de Doutorado (pós-graduação<br />
em Literatura) - Universidade Federal de Santa<br />
Catarina, Florianópolis, 2008. Disponível em:<br />
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CASTRO, Edna Maria Ramos de e HÉBETTE, Jean<br />
(Org.) Na trilha dos grandes projetos: modernização<br />
e conflitos na Amazônia. Belém: UFPA/<br />
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CUNHA, Euclides. À margem da história. São Paulo:<br />
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_______. Um paraíso perdido: ensaios, estudos<br />
e pronunciamentos sobre a Amazônia. Organização,<br />
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2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1994. 280 p.<br />
HARDMAN, Franscisco F. A vingança da Hiléia:<br />
Euclides da Cunha, a Amazônia e a Literatura<br />
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LIPPI. Lucia O. A conquista do espaço: sertão e<br />
fronteira no pensamento Brasileiro. In: História,<br />
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MOURA, Clóvis. Introdução ao pensamento de<br />
Euclides da Cunha. Rio de Janeiro: Civilização<br />
Brasileira, 1964, 166 p.<br />
PONTES, Kassius Diniz S. Euclides da Cunha, O<br />
Itamaraty e a Amazônia. Dissertação de Mestrado.<br />
Instituto Rio Branco. Brasília: Funag,<br />
2005. 150 p.<br />
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão:<br />
tensões sociais e criação cultural na primeira república.<br />
São Paulo: 1995. 257 p.<br />
TOCANTINS, Leandro. Formação histórica do<br />
Acre. 4. ed. V. 1 e 2. Brasília: Senado Federal, v.1,<br />
511 p. ; v.2 548 p. 2001.<br />
94<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010
ABORDAGEM FISIOTERAPÊUTICA NO TRATAMENTO DA<br />
CONTRATURA <strong>DE</strong> DUPUYTREN: uma revisão de literatura¹<br />
Rafael de Oliveira Barbosa*<br />
R E S U M O<br />
A contratura de Dupuytren é uma enfermidade de caráter fibro-proliferativo da fáscia<br />
palmar que causa espessamento e retração da aponeurose e consequente desenvolvimento<br />
de nódulos fibrosos, podendo progredir rapidamente a contratura em flexão de um ou mais<br />
dedos e até a incapacidade funcional. É uma doença que acomete frequentemente a população<br />
masculina acima de 50 anos com histórico de alcoolismo crônico, epilepsia, diabetes e<br />
tabagismo. Objetivo: revisar na literatura científica sobre contratura de Dupuytren, enfatizando<br />
suas peculiaridades e atuação da fisioterapia. Método: estudo realizado no acervo da Biblioteca<br />
da UNAMA e em sites e revistas especializados no período de janeiro a fevereiro de 2010.<br />
Conclusão: Resultados mostram que uma reabilitação pós-operatória bem sucedida tem se<br />
mostrado eficaz no tratamento, e que ainda se observa escassez na literatura de estudos que<br />
retratam a atuação do fisioterapeuta na patologia.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Tratamento. Contratura de Dupuytren. Fisioterapia.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
A contratura de Dupuytren (CD) foi inicialmente<br />
descrita por Cooper na Inglaterra e em<br />
seguida por Boyer na França por volta de 1823,<br />
quando então, em 1832, Guillaume Dupuytren<br />
publica um artigo descrevendo a afecção relatando<br />
minuciosamente a patologia e o seu tratamento<br />
cirúrgico que, devido à descrição detalhada,<br />
passou a ser chamada de Contratura de<br />
Dupuytren (CORAL, et al,1999; GOMES, et al,<br />
2006). Consiste em uma doença de caráter fibroproliferativa<br />
da fáscia palmar, com espessamento<br />
e retração da aponeurose tendo como característica<br />
marcante o desenvolvimento de nódulos<br />
fibrosos podendo progredir rapidamente a<br />
uma contratura em flexão de um ou mais dedos,<br />
causando até mesmo a incapacidade funcional<br />
(DIB et al, 2008; XHAR<strong>DE</strong>Z, 2001).<br />
Estudos mostram que a incidência da CD<br />
predomina em indivíduos do sexo masculino<br />
acima de 50 anos, afetando principalmente pessoas<br />
de pele clara. pesquisas revelam ser uma<br />
doença de caráter hereditário, existindo também<br />
vários outros fatores que podem estar associados<br />
ao surgimento da enfermidade, tais como<br />
diabetes mellitus, epilepsia, tabagismo e alcoolismo<br />
crônico (DUTTON, 2006).<br />
O sinal clínico precoce da doença é o aparecimento<br />
de um nódulo palmar, geralmente<br />
localizado na metade ulnar, assintomático, po-<br />
* Concluinte do curso de Fisioterapia pela Universidade da<br />
Amazônia (UNAMA) e ex-monitor das disciplinas Citologia e<br />
Genética Humana e Histologia e Embriologia Humana.<br />
¹ Artigo elaborado sob orientação do professor Erielson Bossini,<br />
fisioterapeuta e docente do curso de fisioterapia da UNAMA<br />
da área de Estágio Supervisionado em Fisioterapia osteomio-articular.<br />
95<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 95-99, jun. 2010
dendo evoluir para flexão fixa de um ou mais<br />
quirodáctilos devido à retração aponeurótica.<br />
Outros sintomas que podem ser encontrados são<br />
edema, sudorese e alterações térmicas.<br />
Schroder (2007), citado por Sayegh e Lopes<br />
(2009), revela que no tratamento conservador<br />
para CD foram testados vários procedimentos<br />
terapêuticos, e que os resultados esperados não<br />
ocorreram, afirmando, que a única terapia, com<br />
promessas de sucesso é, atualmente, a cirurgia.<br />
Embora a reabilitação não seja tão eficaz no<br />
tratamento conservador da contratura, ela possui<br />
um papel imprescindível no tratamento pósoperatório<br />
da doença, sendo que 50% dos resultados<br />
dependem fundamentalmente da imobilização<br />
e do exercício efetivo (FREITAS, 2005).<br />
2 OBJETIVO<br />
Realizar uma revisão literária atualizada<br />
sobre a contratura de Dupuytren enfatizando<br />
suas peculiaridades, assim como a atuação fisioterapêutica.<br />
3 MÉTODO<br />
Este estudo foi produzido através de um levantamento<br />
bibliográfico no período de janeiro a<br />
fevereiro de 2010 na Biblioteca da Universidade<br />
da Amazônia (UNAMA), bem como pesquisas realizadas<br />
em revistas especializadas e na internet,<br />
através das bibliotecas virtuais Pubmed e Scielo.<br />
4 REVISÃO <strong>DE</strong> LITERATURA<br />
A contratura de Dupuytren é um transtorno<br />
fibroproliferativo progressivo que acomete a<br />
fáscia, principalmente da aponeurose palmar, e<br />
de vários outros componentes da fáscia digital,<br />
que tem como característica o desenvolvimento<br />
de nódulos fibrosos em localizações específicas,<br />
junto das linhas de tensão longitudinal palmar.<br />
O engrossamento e o encurtamento da fáscia<br />
causam contratura, que se comporta de forma<br />
similar à contratura e maturação da cicatrização<br />
da lesão. Estas contraturas geralmente se formam<br />
nas articulações MCF, IFP e IFD (DUTTON,<br />
2006; ROSSI, 2006).<br />
Basicamente três componentes da aponeurose<br />
palmar estão envolvidos na contratura que<br />
são as bandas pré-tendíneas, o ligamento natatório<br />
e ligamento transverso superficial. Esses<br />
três componentes podem estar acometidos sozinhos<br />
ou combinados, dependendo do estado<br />
de severidade da doença (GOMES, et al, 2006).<br />
FREITAS (2005) descreve que em uma fáscia<br />
palmar normal as estruturas seriam denominadas<br />
de bandas e que, quando espessadas na CD, passariam<br />
a ser denominadas de cordas, tais como a<br />
natatória, espiral, lateral, central e a retrovascular,<br />
sendo cada uma destas estruturas responsável pela<br />
contratura de uma determinada articulação. Lembrando<br />
que em alguns casos, o polegar também<br />
pode ser acometido pela doença.<br />
Acredita-se que sua etiologia seja multifatorial<br />
cuja maior incidência ocorre em homens<br />
(10:1), brancos, entre 5 a e a 7 a década de vida.<br />
Acomete frequentemente a mão dominante,<br />
sendo comum a bilateralidade e, neste caso, a<br />
deformidade é mais importante na mão dominante.<br />
Estudos revelam ser uma doença hereditária,<br />
autossômica dominante, contudo, existe<br />
alta incidência em indivíduos epiléticos, alcoólatras,<br />
diabéticos e também acamados por longo<br />
período, permanecendo, portanto, sua etiologia<br />
um pouco obscura (DIB, 2008).<br />
Entretanto, três teorias merecem ser mencionadas<br />
como possíveis causas para o desenvolvimento<br />
da doença. São elas: (i) a teoria intrínseca,<br />
que afirma que a enfermidade tem sua<br />
origem em segmentos bem definidos da aponeurose<br />
normal preexistente; (ii) a teoria extrínseca,<br />
que descreve que a metaplasia do tecido<br />
fibroadiposo seria a causa da CD; (iii) e a teoria<br />
histoquímica que estabelece a adiposidade palmar<br />
como sítio de origem da enfermidade, sendo<br />
que alterações na composição e distribuição<br />
de ácidos graxos levariam à hipóxia na pele e<br />
96<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 95-99, jun. 2010
tecido adiposo dos indivíduos acometidos (BAR-<br />
ROS; BARROS; ALMEIDA, 1997).<br />
Dutton (2006) descreve uma classificação<br />
da doença em três estágios biológicos. O primeiro<br />
que seria o estagio proliferativo caracterizado<br />
pela proliferação intensa de miofibroblastos e<br />
pela formação de nódulos. O segundo estágio,<br />
involucional, é representado pelo alinhamento<br />
dos miofibroblastos junto às linhas de tensão.<br />
Nessa fase, pode-se observar a retração dos nódulos,<br />
adquirindo uma consistência mais firme<br />
e aderida, assim como o aparecimento de cordas<br />
lineares, que caracteriza a doença. E o terceiro<br />
e último estágio, residual, o tecido se torna<br />
na maior parte acelular e destituído de miofibroblastos,<br />
permanecendo somente bandas espessas<br />
de colágenos.<br />
O diagnóstico da CD é essencialmente clínico,<br />
tendo, na fase inicial, a presença de depressões<br />
e/ou invaginações da pele palmar, progredindo<br />
para nodulações maiores localizadas na prega<br />
palmar distal, mais frequentemente em direção<br />
ao dedo anular. Posteriormente, o aparecimento<br />
das cordas lineares que seguem o trajeto<br />
longitudinal em direção aos dedos, e o encurtamento<br />
dessas cordas é o que irá caracterizar a<br />
doença (ARAÚJO; BARROSO; AQUINO, 2000).<br />
Quanto ao tratamento, Schroder (2007,<br />
apud Sayegh e Lopes, 2009), relata que a intervenção<br />
cirúrgica é, nos dias atuais, a única terapia<br />
de sucesso para CD e que no tratamento conservador,<br />
no qual foram utilizados vários procedimentos<br />
terapêutico, com o decorrer do tempo,<br />
os resultados esperados não ocorreram de<br />
forma satisfatória. Divergindo deste posicionamento,<br />
Sayegh e Lopes (2009) em um estudo<br />
feito com paciente com diagnóstico CD mostraram<br />
resultados consideráveis ao término do tratamento,<br />
demonstrando os benefícios que a fisioterapia<br />
tem a propor, na qual foram utilizadas<br />
técnicas de deslizamento miofascial, ultrassom,<br />
exercícios de alongamentos, dentre outros.<br />
Nesta mesma linha de pensamento, Dutton<br />
(2006) cita que as intervenções conservadoras<br />
não provaram ainda ser clinicamente úteis<br />
ou de qualquer valor a longo prazo no tratamento<br />
das contraturas estabelecidas, o que não foi<br />
confirmado no estudo de Sayegh e Lopes (2009),<br />
no qual a curto prazo foram obtidos resultados<br />
satisfatórios com melhora considerável na ADM<br />
da articulação MCF do 4º dedo, diminuindo de<br />
16º em flexão para 4º em flexão. Para a determinação<br />
do plano terapêutico, é importante esclarecer<br />
o estágio em que se encontra a doença.<br />
Dentre os procedimentos conservadores mais<br />
utilizados no campo da fisioterapia tem-se a imobilização,<br />
o ultrassom terapêutico e a cinesioterapia<br />
(SAYEGH & LOPES, 2009).<br />
Os casos mais leves da CD são tratados conservadoramente,<br />
na tentativa de evitar contraturas<br />
articulares secundárias, por meio de exercícios<br />
de extensão forçada e aumento da extensibilidade<br />
da fáscia através do uso de correntes<br />
ultrassônicas ou outra modalidade de calor profundo.<br />
O uso do ultrassom tem se verificado eficiente<br />
no tratamento conservador da CD, aliviando<br />
a dor e diminuindo a retração cicatricial.<br />
Outra técnica fisioterapêutica que tem se mostrado<br />
eficaz é o uso do banho de parafina no segmento<br />
acometido (GOMES, et al, 2006).<br />
Silva, Fernandes e Fridman (1999) afirmam<br />
que as opções conservadoras devem ser reservadas<br />
para casos em que a doença se apresenta<br />
no estágio dito “nodular”. Desde que a cirurgia<br />
tem sido considerada como o único método realmente<br />
eficaz no controle dessa patologia,<br />
muito se tem investigado quanto às técnicas cirúrgicas.<br />
A primeira delas iniciou-se pelo relaxamento<br />
da fáscia contraturada (DUPUYTREN,<br />
1834), seguida pela fasciectomia (FERGUSSON,<br />
1846), pela dermofasciectomia com enxerto de<br />
pele (LEXER, 1931), pela fasciectomia com preservação<br />
da pele (SKOOG, 1967), pela fasciectomia<br />
regional (HAMLIN, 1952 e HUESTON, 1961),<br />
pela técnica da palma aberta (McCash 1964), pela<br />
fasciotomia limitada (COLVILLE, 1968), pela aponeurectomia<br />
segmentar (MOERMANS, 1986) e<br />
pela fasciotomia percutânea.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 95-99, jun. 2010<br />
97
Barros, Barros e Almeida (1997) definem as<br />
indicações de cirurgia segundo os estágios da<br />
enfermidade, que são: a contratura em flexão<br />
da MCF e” 30º; contratura em flexão da IFP e”<br />
20º; e contratura da membrana interdigital, particularmente<br />
entre o indicador e o polegar.<br />
Já Xhardez (2001) estima que a intervenção<br />
cirúrgica se faz necessária quando se aplica o<br />
teste de Hueston, o qual coloca a mão afetada<br />
sobre a mesa, e observa que a palma não toca na<br />
mesma. Quanto ao tratamento pós-operatório<br />
(PO) Freitas (2005) afirma que o propósito mais<br />
importante é melhorar ou restaurar a função<br />
máxima da mão. A reabilitação visa manter a<br />
extensão completa dos dedos, reobter a flexão,<br />
controlar o edema e a cicatriz, restaurar a força e<br />
prevenir complicações pós-operatórias.<br />
Para a reabilitação PO são realizados exercícios<br />
ativos ao longo de toda a amplitude articular.<br />
Esses devem ser iniciados, se possível, no<br />
primeiro dia de PO. Todos os movimentos de<br />
polegar, dedos e punho são realizados regularmente<br />
e modificados até a obtenção de toda a<br />
amplitude articular. Podem ser utilizadas talas,<br />
uso de órteses para posicionamento de extensão<br />
dos dedos, em conjunto com um programa<br />
cinesioterápico (GOMES, et al, 2006).<br />
Quanto ao programa de exercícios que podem<br />
ser aplicados, Freitas (2005) cita alguns destes,<br />
que inclui exercícios de extensão e flexão para<br />
cada articulação (MCF, IFP e IFD); exercícios de<br />
abdução e adução dos dedos: oposição do polegar<br />
a cada dedo, e exercícios de ADM para o punho<br />
e o polegar. Exercícios com hand-helper, digiflex,<br />
ou mesmo exercícios de flexão e extensão<br />
com massinhas são usadas, com o terapeuta tendo<br />
sempre o cuidado de equilibrar exercícios de<br />
flexão e extensão para prevenir perda de extensão.<br />
Exercícios que visam atividades funcionais<br />
são introduzidos desde o início do tratamento<br />
para estimular o uso da mão. Inicia-se com atividades<br />
mais suaves, como segurar cones e bolinhas,<br />
e progride para atividades mais complexas,<br />
como macracrê, entre outros. Algumas atividades<br />
podem parecer ridículas ao paciente, se ele desconhecer<br />
o seu propósito.<br />
Cabe ao terapeuta, portanto, tornar explícito<br />
o propósito para que a atividade seja significativa.<br />
Como dizia Trombly, “a melhor atividade<br />
é aquela que exige intrinsecamente o movimento<br />
exato em que se determina a necessidade<br />
da melhora”. Com essas atividades, são estimulados<br />
movimentos coordenados que irão auxiliar<br />
na recuperação da ADMs, força e da função<br />
manual. Com o decorrer do tratamento, as atividades<br />
são gradativamente substituídas pelas tarefas<br />
do dia a dia (FREITAS, 2005).<br />
5 CONCLUSÃO<br />
A contratura de Dupuytren é uma doença de<br />
caráter fibro-proliferativo da fáscia palmar que<br />
acomete a maior parte da população masculina<br />
com mais de 50 anos e com histórico de alcoolismo<br />
crônico, epilepsia e diabete. Considera-se que<br />
a intervenção cirúrgica ainda é o procedimento<br />
mais eficaz na maior parte dos casos da contratura,<br />
e que resultados mostram que uma reabilitação<br />
pós-operatória bem sucedida tem se mostrado<br />
eficiente na recuperação do indivíduo.<br />
Baseado na revisão realizada, observou-se<br />
que há uma extensa escassez na literatura de<br />
estudos que retratam a atuação da fisioterapia<br />
na CD, e que necessita de estudos mais aprofundados<br />
para melhores esclarecimentos sobre a<br />
etiologia da doença.<br />
98<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 95-99, jun. 2010
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Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 95-99, jun. 2010<br />
99
100
ABORDAGEM HIDROTERAPÊUTICA NA<br />
ARTROPLASTIA <strong>DE</strong> QUADRIL<br />
Camille Yoldi dos Reis*<br />
Profª. Msc. Ediléa Monteiro de Oliveira**<br />
R E S U M O<br />
A artroplastia é uma cirurgia que tem o objetivo de substituição articular. Pode ser realizada<br />
em várias articulações, sendo mais comum nas regiões do ombro, quadril, joelho e metacarpofalangianas.<br />
É um recurso empregado para a melhoria da qualidade de vida de pacientes<br />
que sofrem de dores incapacitantes e perda da função da articulação acometida. Ainda assim,<br />
faz-se necessária a atuação da fisioterapia para melhora da dor e recuperação da função, no<br />
que diz respeito à marcha e fortalecimento muscular dos indivíduos que se submetem a essa<br />
intervenção cirúrgica.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Artroplastia. Hidroterapia. Idosos.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Tornar-se velho é um processo fisiológico<br />
com características específicas, diferentes de<br />
quaisquer outras apresentadas nas diversas etapas<br />
da vida dos seres humanos. Por conta disso,<br />
é importante estar atento a conceitos que diferenciem<br />
o envelhecimento fisiológico (senescência)<br />
do patológico (senilidade), já que sem o<br />
conhecimento aprofundado ou a devida experiência<br />
no que tange ao tratamento com idosos,<br />
fica cada vez mais fácil confundir doença e velhice<br />
(ROSSI, 2008).<br />
A senescência está intimamente ligada a<br />
mudanças físicas que ocorrem de forma diferente<br />
em cada indivíduo. Nas articulações, há diminuição<br />
do poder de agregação dos proteoglicanos,<br />
diminuição da resistência mecânica das cartilagens<br />
além da desidratação e do aumento da<br />
afinidade do colágeno pelos íons de cálcio; no<br />
tecido ósseo, ocorre a osteopenia fisiológica,<br />
que é a perda progressiva e absoluta da massa<br />
óssea. Esse fato passa a acontecer após os 35<br />
anos, pois nessa idade há o pico de massa óssea<br />
e a estabilização seguida de reabsorção e diminuição<br />
do tecido ósseo, o que sofre agravamento<br />
após a quinta década de vida (FREITAS, 2006).<br />
A senilidade faz alusão à qualidade de vida,<br />
hábitos pouco saudáveis e a genética desfavorável,<br />
levando ao aparecimento de diversas patologias.<br />
Considerando ainda o sistema osteoarticular,<br />
sabe-se que este é acometido, principalmente,<br />
por artrite, artrose, fraturas e osteoporose.<br />
Com o avançar da idade e o agravamento<br />
das doenças, a melhora da dor incapacitante<br />
apenas com o tratamento conservador torna-se<br />
inviável, sendo por vezes necessário intervenções<br />
cirúrgicas, como debridamentos articulares<br />
ou osteotomias e artroplastias (LIANZA, 2001;<br />
ROSSI, 2008; MESTRINER; LAREDO FILHO, 1993).<br />
* Acadêmica do 7° semestre do curso de Fisioterapia e exmonitora<br />
das disciplinas: Bioquímica Aplicada à Fisioterapia<br />
e Farmacodinâmica.<br />
**Fisioterapeuta, professora de Prática Supervisionada na<br />
área de Fisioterapia Comunitária e subárea de Geriatria.<br />
101<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 101-104, jun. 2010
2 OBJETIVOS<br />
Revisar na literatura dados relevantes acerca<br />
da artroplastia de quadril e suas indicações,<br />
enfatizando o papel da fisioterapia através dos<br />
recursos da hidroterapia (crioterapia e exercícios<br />
aquáticos terapêuticos) durante o tratamento.<br />
3 METODOLOGIA<br />
Esse estudo foi realizado através da pesquisa<br />
de dados bibliográficos na Biblioteca da<br />
Universidade da Amazônia, banco de dados Scielo,<br />
PEDro, Google Acadêmico, LILACS, Bireme e<br />
livros de acervo pessoal, no período de 15 a 18<br />
de março de 2010.<br />
4 REFERENCIAL TEÓRICO<br />
A artroplastia é uma cirurgia para substituição<br />
articular total ou parcial, muito utilizada como<br />
recurso extremo para a melhoria da qualidade de<br />
vida de pacientes que sofrem de dores incapacitantes,<br />
sendo indicada principalmente, nos casos<br />
de osteoartrose, osteoartrite, artrite reumatóide<br />
e fraturas complexas (PORTER, 2005).<br />
Segundo Lianza (2001), as artroplastias mais<br />
utilizadas são nas articulações do quadril, joelho,<br />
ombro e metacarpofalangianas. Rondinelli et al.<br />
(1993), cita em seu artigo, a existência de dois<br />
tipos de próteses utilizadas na artroplastia de<br />
quadril, a cimentada e a não cimentada. A primeira,<br />
mantém o melhor contato articular, contribuindo<br />
com o fator mecânico e apresentando<br />
melhor fixação, já que o cimento preenche irregularidades.<br />
Porém, tem como fator controverso<br />
o aumento da perda óssea. A segunda promove a<br />
fixação biológica, sem danos para o paciente.<br />
Na artroplastia de joelho, a prótese condilar<br />
total com estabilização posterior foi a que<br />
apresentou melhor resultado nos quesitos prevenção<br />
de luxação anterior, grau de flexão de<br />
joelho e maior habilidade na transferência de<br />
peso, na bipedestação e ao levantar-se de uma<br />
cadeira (MESTRINER; LAREDO FILHO, 1993).<br />
No que diz respeito à coluna, Vialle, Vialle<br />
e Bley Filho (2008) relatam que, apesar de pouco<br />
estudada, a artroplastia da coluna lombar<br />
vem sendo bastante utilizada nas enfermidades<br />
de degeneração discal, obtendo mais de<br />
80% no índice de satisfação. No entanto o grupo<br />
que apresenta melhor prognóstico pós-cirúrgico<br />
é o dos jovens, com problemas em apenas<br />
um nível da coluna, sem herniações ou doença<br />
facetária.<br />
É importante atentar aos fatores de risco<br />
existentes na artroplastia em qualquer segmento<br />
corporal. Infecções e soltura dos componentes<br />
protéticos devem ser consideradas, além da<br />
idade, o prognóstico, a expectativa de vida e as<br />
condições de retorno ás atividades de vida diária<br />
de cada paciente, para que o processo de reabilitação<br />
pós-cirúrgico seja o mais proveitoso<br />
possível (LIANZA, 2001).<br />
Um recurso muito empregado é a hidroterapia,<br />
que utiliza os efeitos físicos e fisiológicos<br />
proporcionados pela imersão do corpo na água<br />
aquecida ou em seu estado sólido (gelo), o que<br />
auxilia na execução do movimento e na melhora<br />
das alterações funcionais (CAN<strong>DE</strong>LORO; CA-<br />
ROMANO, 2007).<br />
No processo de reabilitação, a crioterapia<br />
pode ser utilizada na fase aguda, até dez dias no<br />
pós-cirúrgico, visto que seus efeitos de vasoconstrição<br />
diminuem a temperatura e o metabolismo<br />
local, influenciando no desaparecimento<br />
dos sinais flogísticos (calor, rubor, edema, dor<br />
e limitação funcional), proporcionando analgesia<br />
(AGNE, 2005).<br />
Essa terapêutica pode ser aplicada através<br />
de massagem com cubos de gelo, bolsa de gelo,<br />
almofadas frias, imersão na água gelada ou em<br />
gelo picado, spray e jato de ar frio, variando seu<br />
tempo de aplicação dependendo da sensibilidade,<br />
da área aplicada e da técnica utilizada. As contraindicações<br />
estão relacionadas com alterações<br />
de sensibilidade, diminuição da vascularização<br />
periférica e soluções de continuidade na pele<br />
(AGNE, 2005; ISERHARD; WEISSHEIMER, 1993).<br />
102<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 101-104, jun. 2010
Na fase crônica, os pacientes podem iniciar<br />
a hidroterapia utilizando os efeitos fisiológicos<br />
proporcionados pela água, como manutenção e<br />
melhora da amplitude de movimento articular,<br />
redução da tensão muscular, relaxamento e diminuição<br />
da compressão e do impacto causado<br />
nas articulações e diminuição da dor e da rigidez,<br />
proporcionando maior liberdade na execução<br />
de exercícios (RUOTI; MORRIS; COLE, 2000).<br />
No período de 10 a 14 dias após a cirurgia<br />
deve-se lançar mão de equipamentos flutuadores<br />
até três semanas do pós-cirúrgico. Após essa<br />
etapa, serão iniciados exercícios que diminuem<br />
a dor, espasmo muscular, edema e propriocepção,<br />
além de estimular o aumento da amplitude<br />
de movimentos e o fortalecimento dos músculos<br />
do quadril e perna, para corrigir anormalidades<br />
da marcha, já que dentro dágua, o indivíduo<br />
pode superar completamente as forças gravitacionais<br />
(BATES; HANSON, 1998).<br />
5 DISCUSSÃO<br />
Melo et al. (2003) demonstraram em seus<br />
estudos que na artroplastia de quadril, apesar<br />
de ser uma intervenção para alívio da dor e aumento<br />
da mobilidade, ainda nota-se alterações<br />
na marcha após a cirurgia, por isso faz-se necessária<br />
a intervenção fisioterapêutica nas fases<br />
aguda e crônica do processo de reabilitação para<br />
prevenir e corrigir possíveis deformidades.<br />
A fisioterapia deve ser iniciada no primeiro<br />
dia após a cirurgia, com elevação de membro e<br />
analgesia com crioterapia através de bolsa de<br />
gelo e almofadas frias, com aplicação de 15 a 20<br />
minutos sobre o local, em intervalos de 40 minutos<br />
entre as aplicações, durante um período<br />
de, no mínimo, 72 horas. Outro fator importante<br />
é a proteção da pele com uma toalha úmida,<br />
entre a pele e a almofada, e posteriormente cobrir<br />
tudo com plástico e toalhas secas para prolongar<br />
o resfriamento (AGNE, 2005).<br />
Segundo Porter (2005), reduzir a temperatura<br />
tecidual para 14°C alivia os sintomas<br />
inflamatórios através da liberação diminuída<br />
de algumas citocinas (interferon-gama e fator<br />
de necrose tumoral); promove a diminuição<br />
da dor através da inibição dos neurônios<br />
vertebrais e diminui também as demandas<br />
metabólicas, fator que limita os efeitos hipóxicos<br />
da vasoconstrição e do edema.<br />
Na hidroterapia, o uso da água aquecida<br />
deve ser entre 30° a 34°C para diminuir a tensão<br />
e as dores musculares, além de promover<br />
relaxamento global do paciente (KOURY, 2000).<br />
Segundo Ruoti, Morris e Cole (2000), a terapia<br />
com água, deve ser iniciada após a cicatrização<br />
da incisão cirúrgica, para evitar contaminação<br />
na exposição da ferida aberta.<br />
Com a imersão do corpo na água, ocorre<br />
um bloqueio dos estímulos sensoriais ligados<br />
aos estímulos dolorosos, o que leva à<br />
diminuição da dor. O fortalecimento muscular<br />
é promovido através da propriedade de<br />
viscosidade da água, e a diminuição do edema<br />
ocorre pelo efeito da pressão hidrostática<br />
sobre a articulação (CAN<strong>DE</strong>LORO; CAROMA-<br />
NO, 2004).<br />
6 CONCLUSÃO<br />
É importante conhecer a prática geriátrica<br />
e os conceitos que a norteiam, para saber<br />
distinguir velhice de doença, e perceber que<br />
é importante ter uma vida de qualidade para<br />
um envelhecimento bom e saudável.<br />
A artroplastia é um tratamento cirúrgico,<br />
bastante utilizado, mas, para uma recuperação<br />
efetiva da região acometida, deve haver a intervenção<br />
do tratamento conservador com a hidroterapia<br />
através da crioterapia e dos exercícios<br />
aquáticos, objetivando analgesia e recuperação<br />
da função perdida ou diminuída e melhoria da<br />
qualidade de vida do paciente.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 101-104, jun. 2010<br />
103
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104<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 101-104, jun. 2010
ATUAÇÃO DA FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DA<br />
ARTROGRIPOSE MÚLTIPLA CONGÊNITA: revisão da literatura 1<br />
Yuri Fonseca Lelis*<br />
R E S U M O<br />
A artrogripose múltipla congênita (AMC) é uma síndrome complexa caracterizada por contraturas<br />
de várias articulações presentes ao nascimento, com graus variados de fibrose e encurtamento<br />
dos músculos afetados e espessamento de cápsulas periarticulares e dos tecidos ligamentares.<br />
Objetivo: Realizar uma revisão de literatura sobre os diversos aspectos da Artrogripose<br />
Múltipla Congênita, destacando a atuação da fisioterapia nesta síndrome. Conclusões: É<br />
de extrema importância o conhecimento das características da síndrome, assim como o seu<br />
diagnóstico e tratamento precoce através da fisioterapia, para que o prognóstico seja, dentro<br />
do possível, o melhor, propiciando ao paciente boa qualidade de vida.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Artrogripose Múltipla Congênita. Tratamento Fisioterapêutico. Tratamento<br />
Clínico.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
A artrogripose múltipla congênita é uma<br />
síndrome rara que constitui um grupo heterogêneo<br />
de malformações congênitas de caráter estacionário<br />
e etiologia desconhecida, provavelmente<br />
multifatorial, caracterizada principalmente<br />
por severas contraturas articulares (TE-<br />
CKLIN, 2002). A adequada movimentação intrauterina<br />
é essencial para a perfeita formação das<br />
articulações fetais, o que ocorre durante o terceiro<br />
mês gestacional. Qualquer alteração que<br />
limite os movimentos do concepto durante este<br />
período crítico do desenvolvimento poderá levar<br />
à instalação das contraturas congênitas. O<br />
processo deve iniciar-se precocemente, uma vez<br />
que os espaços articulares estão quase completos<br />
na oitava semana gestacional.<br />
A síndrome foi descrita pela primeira vez<br />
por Otto, em 1841, que definiu uma criança com<br />
múltiplas contraturas congênitas, onde acredi-<br />
tava que o processo patológico era devido a uma<br />
miodistrofia congênita e somente em 1923, Stern<br />
denominou de “artrogripose múltipla congênita”.<br />
De acordo com Richards 2002, o nome é derivado<br />
do grego artrogriposis: articulação encurvada,<br />
torta ou em gancho.<br />
A doença é pouco comum, e, numa estatística<br />
realizada em Helsinque, obteve-se uma incidência<br />
de 3 para 10.000 nascimentos, podendo<br />
esse valor ser mais elevado em países menos<br />
desenvolvidos (TACHDJIAN, 2001).<br />
A fisioterapia motora é muito importante<br />
no tratamento da artrogripose, já que esta não<br />
atua apenas no campo das deformidades, mas<br />
* Acadêmico do curso de Fisioterapia, ex-monitor das<br />
disciplinas Fisiot. nas Enf. e Dist. Osteo-Articulares e<br />
Geriátricos, e atualmente monitor das disciplinas<br />
Fisioterapia nas Enf. e Dist. do Sistema Nervoso e<br />
Fisioterapia nas Enf . e Dist. Infanto-Juvenil.<br />
1<br />
Artigo realizado sob orientação da docente Dayse Danielle<br />
de Oliveira Silva do curso de Fisioterapia, da disciplina<br />
Fisioterapia nas Enf . e Dist. Infanto-Juvenil.<br />
105<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 105-109, jun. 2010
também no desenvolvimento global do indivíduo,<br />
procurando sempre a funcionalidade dos<br />
movimentos. O tratamento cirúrgico, em casos<br />
mais graves, objetiva manter as extremidades<br />
em posição funcional e uma maior amplitude de<br />
movimentos articulares (MURRAY, 1997).<br />
2 OBJETIVO<br />
Realizar uma revisão de literatura sobre os<br />
diversos aspectos da artrogripose múltipla congênita,<br />
destacando a atuação da fisioterapia nessa<br />
síndrome.<br />
3 REVISÃO DA LITERATURA<br />
3.1 ARTROGRIPOSE MÚLTIPLA CONGÊNITA<br />
A artrogripose constitui um grupo heterogêneo<br />
de malformação congênita de caráter estacionário.<br />
O recém-nascido apresenta deformidades<br />
múltiplas, rigidez de articulações e contratura<br />
dos tecidos moles (CARVALHO, 2008).<br />
A classificação de AMC mais conhecida é<br />
adotada por Hall (1985), na qual se encontra dividida<br />
em três tipos diferentes, a saber: tipo 1:<br />
contraturas articulares com acometimento apenas<br />
dos membros, sem outras anormalidades;<br />
tipo 2: contraturas articulares com acometimentos<br />
dos membros e outros órgãos; e tipo 3: contraturas<br />
articulares com acometimento dos<br />
membros e sistema nervoso.<br />
O quadro varia de um caso para outro; os<br />
quatro membros podem estar afetados, apresentando<br />
o lactente, pés equino-varos, joelhos em<br />
flexão ou em extensão, luxação dos quadris, coxas<br />
fletidas em abdução ou em adução, mão em<br />
garra ou cerradas, cotovelos em flexão ou extensão<br />
de ombros em adução. As articulações são<br />
mantidas fixas nessas posições (SHEPHERD, 1996).<br />
A rigidez das articulações é de origem extra-articular,<br />
sendo devida ao encurtamento dos<br />
músculos e à contratura das cápsulas articulares.<br />
Observam-se espaçamentos e perda da elasticidade<br />
das cápsulas articulares. As deformidades<br />
são atribuídas à falta de desenvolvimento<br />
dos músculos, à substituição deles por tecido fibroso<br />
e ao desequilíbrio muscular intrauterino<br />
(SAMEKOVA, 2006).<br />
3.2 ETIOLOGIA<br />
A maioria dos autores concorda que a causa<br />
da artrogripose múltipla congênita é desconhecida,<br />
estando, porém associada a diversos fatores<br />
(CARVALHO, 1996). A patogênese da<br />
síndrome pode ser determinada por fatores intrínsicos,<br />
ou seja, do próprio embrião (alterações<br />
neuropáticas, miopáticas), ou ainda extrínsecos<br />
(oligoidrâmnios ou outras anormalidades uterinas<br />
que causariam a diminuição do movimento<br />
fetal). Exposição materna a drogas, hipertermia,<br />
infecções virais específicas, agentes bloqueadores<br />
neuromusculares ou imobilização. A mecânica<br />
do abdômen materno também é apontada<br />
como fator etiológico (BRUSCHINI, 1998). Infecções<br />
virais maternas no primeiro trimestre de<br />
gestação, assim como comprometimento vascular<br />
entre mãe e feto, um septo no útero ou menos<br />
líquido amniótico, ocasionando menos espaço<br />
para o feto, são causas que devem ser consideradas<br />
(RATLIFFE, 2000). É importante<br />
lembrar que a principal causa das contraturas<br />
articulares congênitas é a diminuição dos movimentos<br />
fetais sendo as suas principais causas às<br />
neuropatias, miopatias, anormalidades do tecido<br />
conectivo, espaço limitado no útero e doenças<br />
maternas (HALL, 1997).<br />
3.4 QUADRO CLÍNICO<br />
A apresentação clínica é típica, existem contraturas<br />
articulares, geralmente simétricas dos<br />
quatro membros os quais parecem atróficos e<br />
têm formato fusiforme ou cilíndrico (HO, 2008).<br />
O recém-nascido apresenta deformidades múltiplas,<br />
rigidez de articulações e contraturas de<br />
106<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 105-109, jun. 2010
tecidos moles. Parece à primeira vista que as<br />
articulações estão comprometidas, porém não<br />
existe anquilose óssea (SALTER, 2001).<br />
As articulações são rígidas e deformadas,<br />
a pele é fina, lisa, tem pouca sudorese, o tecido<br />
subcutâneo é escasso. Os músculos são fracos e<br />
atróficos, sendo que a sensibilidade e propriocepção<br />
são normais (BRUSCHINI, 1998).<br />
A rigidez das articulações é de origem extra-articular<br />
sendo devida ao encurtamento dos<br />
músculos e às contraturadas cápsulas articulares.<br />
Observam-se espessamento e perda da elasticidade<br />
das cápsulas articulares (FENI-<br />
CHEL,1995).<br />
Os membros afetados são pequenos em circunferência;<br />
ao contrário, as articulações parecem<br />
largas e fusiformes, os músculos são fracos,<br />
hipotônicos e finos, frequentemente não palpáveis<br />
e os reflexos tendinosos estão ausentes<br />
(HALL, 1997).<br />
Frequentemente essas crianças têm inteligência<br />
acima da média. A despeito de suas deformidades,<br />
elas são capazes de deambular e é<br />
surpreendente como elas desenvolvem um grau<br />
funcional de destreza no desempenho de atividades<br />
diárias como a autoalimentação e vestirse<br />
(BRUSCHINI, 1998).<br />
Aproximadamente 40% dos pacientes têm<br />
acometimento dos quatro membros, 20% predominantemente<br />
dos membros inferiores e 10%<br />
dos membros superiores. A maioria dos pacientes<br />
não apresenta anomalias viscerais, entretanto<br />
é reconhecida a associação entre artrogripose<br />
e gastroquise, atresia intestinal, alteração do<br />
trato urinário e malformações cardíacas (TECK-<br />
LIN, 2002).<br />
3.5 DIAGNÓSTICO<br />
Não há um exame laboratorial capaz de<br />
diagnosticar a AMC durante o pré-natal. Caso o<br />
médico suspeite de alguma anormalidade, a ultrassonografia<br />
pode ser válida para avaliar possíveis<br />
anomalias e os movimentos fetais. Nos<br />
primeiros seis meses de vida, o estudo imunológico<br />
pode ser útil para identificar infecção viral<br />
(RICHARDS, 2002).<br />
Posteriormente pode-se realizar um exame<br />
oftalmológico, analisando a retina. Este exame<br />
permitirá saber se houve um processo infeccioso<br />
durante a gestação. Os músculos foram<br />
embriologicamente formados normais, e depois,<br />
durante o desenvolvimento fetal, foram substituídos<br />
por tecido fibroso (SALTER, 2001).<br />
A biópsia muscular, no caso dessa patologia,<br />
será, de acordo com o músculo em questão.<br />
Análises histológicas poderão revelar se os músculos<br />
estarão ou não normais. Estes poderão<br />
apresentar acúmulo de tecido fibroso, mas poderão<br />
estar normalmente inervados (SAMEKO-<br />
VA, 2006).<br />
Através do exame eletromiográfico podese<br />
detectar que, em músculos diferentes de um<br />
mesmo paciente, há alterações de origem miopática<br />
e neuropática (ALENCAR, 1998).<br />
3.6 TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO<br />
A fisioterapia consiste em alongar os tecidos<br />
moles rígido, em mobilizar as articulações<br />
delicadamente, em incentivar os movimentos<br />
ativos de tronco e membros e em ajudar esses<br />
pacientes a adquirir habilidade na realização de<br />
atos funcionais. Os entalamentos progressivos<br />
têm por finalidade manter as correções conseguidas.<br />
Este esquema de tratamento deve ser<br />
aplicado com a maior intensidade possível, sobretudo<br />
durante o primeiro ano de vida, mas é<br />
provável que esses pacientes necessitem de tratamento<br />
e apoio pelo menos até atingirem a idade<br />
adulta, recebendo em seguida ajuda quando<br />
for necessário (SHEPHERD, 1996).<br />
O posicionamento e os exercícios de alongamento<br />
passivo devem começar logo após o nascimento.<br />
O engessamento em série começa nos<br />
primeiros meses para a deformidade dos pés e<br />
para as contraturas em flexão do joelho e do punho.<br />
Deve-se tomar precaução para alongar ape-<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 105-109, jun. 2010<br />
107
nas até o final da amplitude e manter o alongamento<br />
com um gesso ou com uma órtese. O alongamento<br />
agressivo de uma articulação rígida pode<br />
resultar em dano à cápsula articular e aos tecidos<br />
moles periarticulares (TECKLIN, 2002).<br />
O pé equino-varo grave pode ser tratado com<br />
aparelhos de gesso aplicados em série sobre a face<br />
interna, os quais serão substituídos o quanto antes<br />
pela correção com ataduras, permitindo que os pais<br />
e o fisioterapeuta mobilizem o pé do paciente. Sempre<br />
que possível, recomenda-se evitar a imobilização<br />
rígida: a mobilização é fundamental. O decúbito<br />
ventral deve ser promovido mais precocemente<br />
possível, com a finalidade de alongar as estruturas<br />
da porção anterior dos quadris, e para manter a extensão<br />
dessa articulação após a cirurgia de correção<br />
da deformidade em flexão (SHEPHERD, 1996).<br />
3.7 TRATAMENTO CIRÚRGICO<br />
A maioria dos casos de AMC acaba necessitando<br />
de cirurgia reconstrutora, mas deve ser<br />
provavelmente adiada até se obter a maior mobilidade<br />
possível, graças à aplicação dos métodos<br />
conservadores. Operações frequentemente<br />
realizadas com a finalidade de reduzir a rigidez<br />
dos tecidos moles são a capsulotomia posterior<br />
da articulação do joelho e o alongamento<br />
do tendão-de-aquiles; a cirurgia de reconstrução<br />
esta frequentemente indicada na correção<br />
do pé equino-varo refratário ao tratamento conservador,<br />
assim como de outras deformidades<br />
dos membros. O tratamento da luxação do quadril<br />
consiste em tração, tenotomia dos adutores,<br />
descolamento do músculo psoas rígido e<br />
imobilização ou, se houver necessidade, em reposição<br />
da articulação coxofemoral, acompanhada<br />
pelo transplante do músculo iliopsoas, nos<br />
casos em que os extensores do quadril não funcionam<br />
(SHEPHERD, 1996).<br />
Via de regra, a cirurgia dos membros superiores<br />
é adiada até a época em que for possível<br />
avaliar as necessidades futuras do paciente,<br />
como a capacidade de alimentar-se sozinho. A<br />
criança cujos braços se mantêm em extensão<br />
precisa muitas vezes de cirurgia para conseguir<br />
o grau necessário de flexão e tornar-se capaz de<br />
levar as mãos até à boca (SHEPHERD, 1996).<br />
4 CONCLUSÃO<br />
A artrogripose é uma síndrome incapacitante,<br />
que necessita de cuidados e tratamento precoce,<br />
logo após o nascimento, sendo que os pacientes<br />
acometidos têm na fisioterapia um importante<br />
aliado no restabelecimento de seus<br />
movimentos. Porém, é de extrema importância<br />
o conhecimento das características da síndrome,<br />
assim como o seu diagnóstico e tratamento precoce<br />
através da fisioterapia, para que o prognóstico<br />
seja, dentro do possível, o melhor, propiciando<br />
ao paciente boa qualidade de vida.<br />
REFERÊNCIAS<br />
ALENCAR, C. A. J.; LUCENA, F. E.; GONTEI, F. M.<br />
Diagnóstico Pré-Natal da Artrogripose Múltipla<br />
Congênita – Relato de Caso. Rev. Bras. Ginecol.<br />
Obstet. Rio de Janeiro, v.20, n.8, set. 1998.<br />
BRUSCHINI, S. Ortopedia pediátrica. 2.ed. São<br />
Paulo: Atheneu,1998.<br />
CARVALHO, E. S.; CARVALHO, W.B. Terapêutica e<br />
prática pediátrica. São Paulo: Atheneu, 1996.<br />
CARVALHO, R. L.; SANTOS, C. E. Efeito da imersão<br />
associada à cinesioterapia na artrogripose.<br />
Pensamento plural: Revista Científica do UNI-<br />
FAE, São João da Boa Vista, v.2, n.1, 2008.<br />
FENICHEL, G.M. Neurologia pediátrica: sinais e<br />
sintomas. 2.ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.<br />
HALL, J. G. Athrogryposis Multiplex Congênita:<br />
etilogy, genetics, diagnostic classification, and<br />
general aspects. Journal of Pediatric Orthopaedics.<br />
6(3), p.159-166, 1997.<br />
108<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 105-109, jun. 2010
HALL, J. G. Genetic aspects of arthrogryposis. Clin.<br />
Orthop. Relat. Res. (194), p. 54-9,1985.<br />
HO C.A.; KAROL L.A. The utility of knee releases in arthrogryposis.<br />
J. Pediatr. Orthop. v.28, n.3, p. 307-13, 2008.<br />
MURRAY, C, FIXSEN, J. A. Management of knee<br />
deformity in classical arthrogryposis multiplex<br />
congenita (amyoplasia congenita). J. Pediatr.<br />
Orthop. B. 6(3):186-91. 1997.<br />
RATLIFFE, T. K. Fisioterapia clínica pediátrica. São<br />
Paulo: Santos, 2000.<br />
RICHARDS, S. Atualização em conhecimentos ortopédicos:<br />
pediatria. São Paulo: Atheneu; 2002.<br />
SALTER, R.B. Distúrbios e lesões do sistema musculoesquelético.<br />
3. ed. Rio de Janeiro: Medsi, 2001.<br />
SAMEKOVA, H.; BIALLIK, V. M.; BILIAK, G. Arthogryposis<br />
Multiplex Congenita. Orto Traumatol<br />
Rehabil, v.28, n 8, p. 69-73, 2006.<br />
SHEPHERD, R.B. Fisioterapia em pediatria. 3.ed.<br />
São Paulo: Santos, 1996.<br />
TACHDJIAN, M. O. Ortopedia pediática: diagnóstico<br />
e tratamento. Rio de Janeiro: Revinter; 2001.<br />
TECKLIN, J. S. Fisioterapia pediátrica. 3. ed. Porto<br />
Alegre: Artmed; 2002.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 105-109, jun. 2010<br />
109
110
MORTE SÚBITA EM ATLETAS ESPORTISTAS:<br />
revisão da literatura 1<br />
Bruno Lobato Carneiro*<br />
Márcio Clementino de Souza Santos**<br />
R E S U M O<br />
A morte súbita relacionada ao esporte pode ser definida como a morte que ocorre de<br />
modo inesperado, instantaneamente ou não. Alguns autores definem mais especificamente<br />
como um evento fatal que ocorre abruptamente em indivíduos considerados previamente<br />
sadios em até 24 horas após o início dos sintomas.<br />
Objetivo: Revisar a literatura científica sobre as miocardiopatias que levam à morte súbita<br />
em atletas esportistas, enfatizando suas peculiaridades e medidas avaliativas adotadas para<br />
esses atletas. Metodologia: Estudo de revisão bibliográfica, desenvolvido na Biblioteca da<br />
Universidade da Amazônia – UNAMA, e na base virtual Pubmed e Scielo no período de janeiro<br />
a março de 2010. Conclusão: A morte súbita em atletas jovens é um evento raro. Este pode ser<br />
prevenido com a avaliação cardiológica adequada que antecede ao período de competição.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Morte súbita. Miocardiopatia hipertrófica. Anomalia da artéria coronariana.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
A morte súbita relacionada ao esporte pode<br />
ser definida como a morte que ocorre de modo<br />
inesperado, instantaneamente ou não. Alguns<br />
autores definem mais especificamente como um<br />
evento fatal que ocorre abruptamente em indivíduos<br />
considerados previamente sadios em até<br />
24 horas após o início dos sintomas (BERGAMAS-<br />
CHI, 2007). O coração de atleta passa por adaptação<br />
reversível, estrutural e funcional do tecido<br />
miocárdico, provocado pelo longo e regular treinamento<br />
físico. O treinamento físico predominantemente<br />
aeróbico, quando intenso e prolongado,<br />
gera adaptações cardíacas tanto estruturais<br />
como funcionais. Este remodelamento cardíaco,<br />
conhecido como “coração de atleta”, representa<br />
uma adaptação benigna que inclui o<br />
aumento do volume das câmaras cardíacas ventriculares<br />
e espessamento da parede ventricu-<br />
lar. Dentre as causas de morte súbita em atletas,<br />
a cardiomiopatia hipertrófica representa a principal<br />
causa cardiovascular de morte (PETKOWI-<br />
CZ, 2004).<br />
O treinamento físico intenso realizado<br />
por atletas, visando à busca do melhor rendimento<br />
esportivo, expõe o coração a intensas<br />
sobrecargas ao longo de meses ou anos. Essa<br />
frequente exposição a sobrecargas resulta em<br />
alterações no automatismo cardíaco, como bradicardia<br />
de repouso e alteração de condução<br />
atrioventricular; despolarização e repolarização<br />
*<br />
Acadêmico do 8º semestre de Fisioterapia, monitor de<br />
Fisioterapia; nas Enfermidades e Distúrbios do Sistema<br />
Respiratório e Cardiovasculares.<br />
1<br />
Trabalho orientado pelo professor Msc. Márcio Clementino<br />
de Souza Santos.<br />
111<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 111-116, jun. 2010
ventricular. Os ajustes estruturais do coração<br />
também são marcantes, podendo levar a aumentos<br />
de até 85% na massa do ventrículo esquerdo.<br />
Apesar de essas alterações funcionais<br />
e estruturais serem devidamente documentadas,<br />
ainda são desconhecidos os seus limites<br />
de normalidade e suas consequências longo<br />
prazo (AZEVEDO et al, 2006).<br />
A importância do estudo dessas adaptações<br />
cardíacas está no fato de que as modificações,<br />
quando presentes, podem ser modestas<br />
em algumas pessoas, mas substanciais em<br />
outras, assemelhando-se a processos patológicos<br />
importantes e fatais e ocasionando dilema<br />
no diagnóstico. O falso diagnóstico de doença<br />
cardíaca em um atleta pode levá-lo a se<br />
retirar dos treinamentos com prejuízo em sua<br />
vida profissional ou até mesmo dos benefícios<br />
da atividade física. Entretanto, o diagnóstico<br />
do “coração de atleta”, quando na realidade<br />
há uma patologia cardíaca, pode significar<br />
morte súbita (SOUZA, 2005).<br />
2 OBJETIVO<br />
Revisar a literatura científica sobre as principais<br />
miocardiopatias que levam à morte súbita<br />
em atletas esportistas, sua fisiopatologia e<br />
seus sinais e sintomas, enfatizando suas peculiaridades<br />
e medidas avaliativas adotadas para<br />
esses atletas.<br />
3 MÉTODO<br />
Este estudo foi produzido através de um<br />
levantamento bibliográfico no período de janeiro<br />
a março de 2010 na Biblioteca da Universidade<br />
da Amazônia (UNAMA), bem como pesquisas<br />
realizadas na internet, através das bibliotecas<br />
virtuais: Pubmed e Scielo. Para tal pesquisa<br />
foram utilizados os seguintes descritores:<br />
coração do atleta, morte súbita e fisiologia<br />
cardíaca e do exercício.<br />
4 REVISÃO DA LITERATURA<br />
4.1 MORTE SÚBITA EM ATLETAS ESPORTISTAS<br />
A morte súbita é um evento trágico e com<br />
grande impacto, principalmente quando ocorre<br />
em pessoas jovens e atletas. A morte súbita relacionada<br />
ao exercício é considerada quando o evento<br />
fatal ocorre durante atividade física e até uma<br />
hora após o término (BERGAMASCHI, et al, 2007).<br />
Outra definição amplia o período após exercício,<br />
morte súbita relacionada com o exercício é<br />
o evento não traumático em indivíduos aparentemente<br />
saudáveis que ocorre 6 a 24 horas após<br />
o início dos sintomas ou até duas horas após o<br />
término da prática esportiva (PETKOWICZ, 2004).<br />
Deve-se acrescentar a esta definição mais<br />
um elemento; a morte deve ser provocada por<br />
algum transtorno no funcionamento normal do<br />
sistema cardiovascular, a fim de que sejam excluídos<br />
atletas que venham a falecer durante a<br />
prática de esportes com risco de vida intrínseco,<br />
como paraquedismo, alpinismo, automobilismo,<br />
entre outros (STEIN, 2001).<br />
4.2 EPI<strong>DE</strong>MIOLOGIA<br />
Em números absolutos, a incidência de<br />
morte súbita cardíaca relacionada ao esporte é<br />
de 0,75/100.000 para homens e de 0,13/100.000<br />
para mulheres, ou seja, é cerca de cinco vezes<br />
mais incidente no sexo masculino do que no sexo<br />
feminino. Isso provavelmente ocorre por existir<br />
um número total maior de homens participantes<br />
em esportes competitivos, por eles estarem<br />
geralmente expostos a uma carga em treino e<br />
em competições de intensidade maior, e por<br />
apresentaram uma taxa mais elevada de doenças<br />
congênitas do coração do que as mulheres<br />
(CORRADO, et al, 2006; DREZNER, et al, 2000).<br />
Algumas séries apontam o futebol e o basquete<br />
como os esportes que mais frequentemente<br />
acarretam casos de morte. Entretanto, outros<br />
112<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 111-116, jun. 2010
estudos sugerem que a morte súbita ocorre com<br />
mais frequência em maratonistas do que em praticantes<br />
de outras modalidades esportivas, sendo<br />
esta incidência estimada em 1/50.000 nesses<br />
corredores (SIEBRA e FEITOSA FILHO, 2008).<br />
4.3 FISIOPATOLOGIA<br />
Não se conhece muito a respeito da fisiopatologia<br />
da morte súbita em atletas, porém<br />
sabe-se que a taquiarritmia ventricular é o mecanismo<br />
responsável pela morte súbita em 80%<br />
dos casos, ficando os outros 20% a cargo da bradiarritmia<br />
e da assistolia. Esses mecanismos não<br />
ocorrem ao acaso, e sim em corações com processos<br />
patológicos subjacentes que resultem em<br />
hipertrofia, alterações estruturais de fibras cardíacas,<br />
fibrose ou necrose no miocárdio, com<br />
ressalva de deficiências nos canais iônicos que<br />
também podem desencadear arritmias ventriculares,<br />
mesmo em corações estruturalmente<br />
normais (SIEBRA e FEITOSA FILHO, 2008). Alguns<br />
desses fatores que podem agir em um miocárdio<br />
suscetível durante o exercício físico são: demanda<br />
miocárdica de oxigênio elevada e redução<br />
simultânea da diástole e do tempo de perfusão<br />
coronária (STEIN, 2001). Dentre os mecanismos<br />
fisiopatológicos envolvidos na morte<br />
súbita destacam-se a doença aterosclerótica, as<br />
valvopatias, a cardiopatia hipertrófica e as arritmias<br />
(TASK FORCE, 2002).<br />
Quando os ateromas estão localizados nas<br />
artérias coronárias ocorre diminuição do fluxo<br />
sanguíneo no músculo cardíaco, e diante de uma<br />
grande demanda, como nos exercícios intensos,<br />
leva aos quadros de isquemia, arritmias, desfibrilação<br />
ventricular e morte súbita. Existem também<br />
os casos que as placas de ateroma se desprendem<br />
do vaso e acabam obstruindo ramificações<br />
menores, impedindo parcialmente ou<br />
totalmente a irrigação sanguínea naquele local<br />
do miocárdio, levando à morte do tecido do local<br />
e, dependendo do grau, também levando ao<br />
óbito (THRALL, 2005).<br />
Existe também a cardiopatia hipertrófica, que<br />
se caracteriza por enfraquecimento do músculo cardíaco<br />
e uma incapacidade ventricular de bombear<br />
sangue suprindo as necessidades periféricas. Sua<br />
fisiopatologia é simples, onde o sangue é represado<br />
nas câmaras cardíacas e, consequentemente, diminui<br />
a irrigação dos tecidos periféricos. Quando a<br />
demanda de oxigênio para suprir o esforço físico é<br />
muito alta e o bombeamento de sangue não é suficiente,<br />
ocorre taquicardia, fadiga e dispnéia, promovendo<br />
assim, isquemia, arritmia, desfibrilação<br />
ventricular e a morte (MCKENNA, 2007).<br />
4.4 PRINCIPAIS FATORES QUE LEVAM À MORTE<br />
SÚBITA<br />
Miocardiopatia Hipertrófica: é uma doença cuja<br />
principal característica é a marcante hipertrofia concêntrica<br />
do ventrículo esquerdo, na ausência de alguma<br />
outra explicação fisiopatológica. Tal hipertrofia<br />
pode acometer, de forma assimétrica, o septo<br />
interventricular de um ventrículo esquerdo não dilatado.<br />
Logo, tende a não produzir disfunção ventricular<br />
sistólica, gerando, no entanto, disfunção diastólica<br />
em função da maior pressão de enchimento<br />
do ventrículo esquerdo (STEIN, 2001).<br />
Anomalia da Artéria Coronária: a anomalia<br />
coronariana mais frequentemente encontrada<br />
em casos de morte súbita em atletas é a artéria<br />
coronária esquerda anômala a partir do seio direito<br />
de Valsalva. Seu mecanismo mais provável<br />
de isquemia é a alteração da angulação da artéria<br />
coronária em sua origem ou compressão da artéria<br />
anômala entre a aorta e o tronco da artéria<br />
pulmonar durante o exercício (OLIVEIRA, 2005).<br />
Hipertrofia idiopática do ventrículo esquerdo<br />
(VE): é uma hipertrofia na qual, inexplicavelmente,<br />
o ventrículo esquerdo excede o tamanho<br />
normal de uma hipertrofia fisiológica do<br />
coração de um atleta. Diferentemente da cardiomiopatia<br />
hipertrófica, essa doença apresenta<br />
hipertrofia simétrica e concêntrica, não possui<br />
um caráter genético nem existe desarranjo miofibrilar<br />
no miocárdio.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 111-116, jun. 2010<br />
113
Tabela 1: Porcentagem das principais causas cardiovasculares<br />
na morte súbita em atletas.<br />
Cardiomiopatia hipertrófica 36%<br />
Anomalias da artéria coronária 17%<br />
Hipertrofia idiopática do VE 8%<br />
(SIEBRA E FEITOSA FILHO, 2008)<br />
As demais patologias ou desordens são relatadas<br />
como aterosclerose coronariana prematura,<br />
ruptura de aneurisma da aorta, displasia arritmogênica<br />
do ventrículo direito, miocardites,<br />
anemia falciforme, impactos na caixa torácica seguido<br />
de arritmias e, em especial, fibrilação ventricular,<br />
entre outras (OAKLEY e SHEFFIELD, 2001).<br />
4.5 SINAIS E SINTOMAS<br />
A maioria dos atletas esportistas não evolui<br />
com sintomas, muita das vezes esses indivíduos<br />
apresentam miocardiopatias que não se<br />
manifestam através de sintomas e acabam evoluindo<br />
ao óbito durante uma prática esportiva.<br />
Algumas manifestações que podem surgir são<br />
geralmente benignas, tais como tonturas, principalmente<br />
por desidratação ou hipotensão pósexercício;<br />
dor torácica, de possível origem músculo-esquelética<br />
por trauma resultante do contato<br />
físico entre os atletas ou por traqueítes; palpitações,<br />
por extrassístoles, muitas vezes relacionada<br />
ao consumo de café, álcool ou fumo; e<br />
falta de ar, decorrente geralmente de infecções<br />
respiratórias ou broncoespasmo induzido por<br />
exercício. Em mais de 50% dos casos, a parada<br />
cardíaca súbita ocorre sem sintomas prévios. Em<br />
alguns pacientes, podem ocorrer palpitações,<br />
falta de ar, desmaios prévios e tonturas, soprocardíaco,<br />
hipertensão arterial e dor torácica<br />
(OAKLEY e SHEFFIELD, 2001).<br />
4.6 AVALIAÇÃO CARDIOLÓGICA DO ATLETA<br />
As recomendações da American Heart<br />
Association, em relação à avaliação médica<br />
de atletas antes da prática esportiva incluem<br />
investigação dos antecedentes pessoais (sopros<br />
cardíacos, hipertensão arterial sistêmica,<br />
fadiga, síncope, dispnéia ou dor torácica<br />
relacionadas ao exercício), revisão dos antecedentes<br />
familiares (cardiopatias ou casos de<br />
morte súbita, principalmente antes dos 40<br />
anos de idade) e exame físico (MARON, et al,<br />
1996). Alguns autores consideram que uma<br />
avaliação cardiológica básica deve ser incluída<br />
no protocolo, sugerindo um eletrocardiograma<br />
de repouso de 12 derivações. O eletrocardiograma<br />
de 12 derivações aumenta a<br />
sensibilidade da avaliação na detecção de<br />
cardiomiopatia hipertrófica, anomalias coronarianas,<br />
Síndrome do QT-longo, entre outras<br />
(BORAITA, et al, 2000; CAVA, et al, 2004). Desta<br />
forma podem-se evitar alguns casos de<br />
morte súbita de causa cardiovascular em atletas<br />
(BERGAMASCHI, et al, 2007).<br />
O consenso europeu, fortemente influenciado<br />
pela experiência italiana, preconiza para<br />
atletas jovens a realização de anamnese, exame<br />
clínico e eletrocardiograma de repouso,<br />
como o mínimo indispensável. Desta forma,<br />
considerando os objetivos da avaliação préparticipação<br />
e a maior possibilidade de doenças<br />
cardiovasculares e metabólicas correlacionadas<br />
à faixa etária, a avaliação de um atleta<br />
master deve incluir obrigatoriamente anamnese,<br />
exame clínico, eletrocardiograma de repouso,<br />
ecocardiograma e teste ergométrico. A realização<br />
de exames laboratoriais, tais como hemograma,<br />
bioquímica e lipidograma, e uma telerradiografia<br />
de tórax pode ser altamente recomendável.<br />
Caso haja sintomas sugestivos de<br />
doença cardiovascular, alterações ao exame clínico<br />
ou nos exames diagnósticos iniciais, outros<br />
exames complementares poderão ser indicados<br />
(CASTRO, 2008; LAZZOLI, 2009).<br />
Pode ser realizado um estudo eletrofisiológico,<br />
o qual é um tipo de cateterismo cardíaco<br />
que utiliza eletrodos especiais ligados a polígrafos<br />
computadorizados que são colocados no inte-<br />
114<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 111-116, jun. 2010
ior das cavidades cardíacas, guiados por sofisticados<br />
equipamentos de raios-X. Este procedimento,<br />
por meio de estimulação elétrica programada,<br />
permite avaliar a formação e a condução normal<br />
e patológica do estímulo elétrico do coração.<br />
Há outros testes que podem ser realizados, como<br />
mencionado anteriormente nesses indivíduos que<br />
apresentam grande risco cardiovascular, como o<br />
teste ergométrico que é um exame complementar,<br />
que consiste em submeter o indivíduo a uma<br />
determinada modalidade de esforço físico graduado<br />
e monitorado com eletrocardiograma, objetivando<br />
aumentar sua demanda metabólica<br />
global e em especial a demanda metabólica do<br />
coração, podendo assim avaliar a função cardiovascular<br />
e a capacidade funcional do atleta nos<br />
esforços físicos, seus limites fisiológicos e sua<br />
evolução com a preparação física, além de conseguir<br />
diagnosticar algumas cardiopatias silenciosas,<br />
em especial a doença arterial coronária<br />
normais (SIEBRA e FEITOSA FILHO, 2008).<br />
4.7 CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />
A morte súbita em atletas jovens é um evento<br />
raro. Suas principais causas são as cardiovasculares<br />
(cardiomiopatia hipertrófica, anomalia<br />
da artéria coronária). A avaliação clínica de um<br />
atleta antes da participação esportiva pode contribuir<br />
para detectar alguns fatores de risco e,<br />
nestes casos, uma avaliação cardiológica mais<br />
completa se faz necessária. A prevenção da morte<br />
súbita em atletas jovens pode ser possível<br />
com uma adequada abordagem médica profissional<br />
nesses indivíduos.<br />
A completa segurança da saúde dos atletas<br />
consiste em periódica avaliação clínica pré-participação<br />
bem como de medidas emergenciais,<br />
principalmente em locais de competição, compostas<br />
por disponibilidade de profissionais de<br />
saúde aptos para a realização do suporte básico<br />
de vida e por meio de rápida comunicação para<br />
solicitação de suporte avançado de vida.<br />
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116<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 111-116, jun. 2010
INSTRUMENTALIDA<strong>DE</strong> DO SERVIÇO SOCIAL:<br />
um estudo com pacientes renais crônicos em lista<br />
de espera por terapia renal substitutiva na FHCGV<br />
Carla Marília Pinheiro Pereira*<br />
R E S U M O<br />
O estudo objetiva discutir como a instrumentalidade do serviço social ocorre junto aos<br />
pacientes renais crônicos internados na Clínica Médica da Fundação Pública Estadual Hospital<br />
de Clínicas Gaspar Vianna (FHCGV), em Belém do Pará, à espera por uma vaga para um dos<br />
tratamentos que compõem o grupo de terapia renal substitutiva. Na metodologia utilizou-se<br />
de recursos das pesquisas bibliográficas, documental e de campo. Os dados da pesquisa de<br />
campo foram coletados por meio de entrevista semiestruturada e observação participante<br />
junto a 10 (dez) pacientes internados na lista de espera por uma vaga e a 1 (uma) assistente<br />
social que trabalha na Clínica Médica. Os resultados evidenciam que, devido ao grande número<br />
de pacientes nessa clínica, a instrumentalidade com teor de racionalidade substantiva fica<br />
impedida de acontecer plenamente. Destaca-se ainda o fato de alguns dos pacientes entrevistados<br />
quererem ficar na fila de espera por mais tempo visando receber os recursos do<br />
Tratamento Fora de Domicílio (TFD). Nesse momento couberam interligações a respeito das<br />
críticas de Habermas ao Estado paternalista.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Instrumentalidade do Serviço Social. Pacientes Renais Crônicos. Questão Social.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Este artigo é resultado de meu Trabalho<br />
de Conclusão de Curso (TCC) para a obtenção do<br />
grau de bacharel em Serviço Social pela Universidade<br />
da Amazônia (UNAMA). Ele reflete minha<br />
pesquisa no período de fevereiro a novembro<br />
de 2009 em que estagiei na FHCGV. Sua exposição<br />
traz como tema central a instrumentalidade<br />
do serviço social.<br />
As discussões acerca da instrumentalidade<br />
do serviço social pelas quais perpassam este artigo<br />
giram em torno dos pacientes renais crônicos<br />
internados na Clínica Médica da FHCGV, da<br />
prática profissional da assistente social que trabalha<br />
junto a eles e da insuficiência de vagas<br />
para o tratamento denominado Terapia Renal<br />
Substitutiva como uma expressão da questão<br />
social. Para isso, foram entrevistados 10 (dez)<br />
pacientes renais crônicos dos 28 (vinte e oito)<br />
internados no hospital no mês de junho de 2009<br />
e a assistente social que trabalha junto a eles na<br />
Clínica Médica; realizou-se também pesquisa<br />
bibliográfica e em sites da internet referentes<br />
ao assunto. A análise dos dados pauta-se na perspectiva<br />
crítico-dialética. Os passos da pesquisa<br />
obedeceram ao cronograma apresentado em<br />
maio de 2009 ao Comitê de Ética em Pesquisa da<br />
FHCGV.<br />
* Assistente social graduada pela Universidade da Amazônia<br />
– UNAMA; atuou como monitora da disciplina Pesquisa em<br />
Serviço Social I durante os dois semestresde 2009.<br />
117<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010
No que tange à profissão, cabe mencionar<br />
que a partir da década de 70 é perceptível uma<br />
renovação no serviço social, conforme Netto<br />
(1995). Nesse processo há um enxame de autores<br />
homogêneos que discutem sobre a profissão.<br />
Logo, cabe aqui citar as ideias de Gomes<br />
(2009) que ressalta o fato de o serviço social sempre<br />
possuir um viés crítico atenuado a partir do<br />
Movimento de Reconceituação. Dessa forma<br />
Yolanda Guerra encontra-se, segundo Netto<br />
(1995) no conjunto de autores que emergiram<br />
na profissão na década de 90. É com essa autora<br />
dentre outros, portanto, que venho tecer considerações<br />
sobre a instrumentalidade e sua relação<br />
entre a assistente social da Clínica Médica<br />
da FHCGV e os pacientes renais crônicos à espera<br />
por uma vaga por terapia renal substitutiva.<br />
Ressalto o fato de essa instrumentalidade poder<br />
ser regida por uma racionalidade instrumental<br />
ou por uma racionalidade substantiva.<br />
No primeiro item, portanto, tecerei considerações<br />
a respeito da instrumentalidade do<br />
Serviço Social. Nele há esclarecimentos sobre a<br />
instrumentalidade, diferenciando-a de instrumental<br />
e instrumento. As explicações deixarão<br />
claro que há diferenças entre esses três termos,<br />
mas todos são próprios do assistente social.<br />
A discussão travada neste artigo versará no<br />
segundo item sobre a expressão da questão social<br />
compreendida na insuficiência de vagas para a<br />
terapia renal substitutiva e diante disso qual o<br />
posicionamento da assistente social, ou seja, em<br />
que momento é possível perceber a instrumentalidade<br />
do serviço social pautada na racionalidade<br />
instrumental ou na racionalidade substantiva.<br />
O terceiro item disserta sobre a FHCGV, os<br />
pacientes renais crônicos e o trabalho da assistente<br />
social a partir de uma possível instrumentalidade<br />
pautada na racionalidade instrumental<br />
ou na racionalidade substantiva. As discussões,<br />
portanto, elencarão posicionamentos do profissional<br />
de serviço social diante desses pacientes.<br />
O quarto item contém reflexões em torno<br />
das críticas de Habermas quanto às ações do Estado<br />
paternalista percebidas no decorrer da análise<br />
dos dados empíricos. Esse último item já foi<br />
apresentado no Congresso Internacional Habermas<br />
80 Anos, ocorrido em setembro de 2009,<br />
onde expus acerca da instrumentalidade e do<br />
Estado paternalista ao analisar as entrevistas<br />
concedidas para a pesquisa. Ao final há as considerações<br />
finais, onde espero ter contribuído para<br />
a literatura do serviço social por meio de pesquisas<br />
e apreciações da instrumentalidade como<br />
uma categoria essencial à profissão.<br />
2 COMPREEN<strong>DE</strong>NDO A INSTRUMENTALIDA<strong>DE</strong><br />
DO SERVIÇO SOCIAL<br />
Conforme Guerra (2004), por diversas vezes<br />
a categoria instrumentalidade é confundida<br />
com o conjunto de instrumentos técnico-operativos<br />
(entrevista grupal ou individual, mobilização<br />
de comunidades, visita domiciliar, visita institucional,<br />
ata da reunião, livro de registros, diário<br />
de campo, relatório social, parecer social e<br />
outros). É necessário, portanto, perceber que a<br />
questão da instrumentalidade não deve ser reduzida:<br />
“aos conteúdos, aos repertórios e aos<br />
procedimentos técnico-operativos da profissão,<br />
tal como naquela concepção ‘técnico-instrumentalista’<br />
anteriormente apontada” (GUERRA,<br />
2004, p.112). A autora interpreta a instrumentalidade<br />
do serviço social como a maneira de o profissional<br />
se portar diante da realização de sua<br />
prática profissional.<br />
Souza (2009) distingue instrumento, instrumental<br />
e instrumentalidade. Instrumento é cada<br />
mecanismo, por exemplo, visita domiciliar, orientação,<br />
informação, observação que compõe a<br />
prática profissional do assistente social. Instrumental<br />
é o conjunto desses instrumentos e técnicas<br />
que possibilitam a operacionalização da ação<br />
profissional a partir de reflexões e análises sobre<br />
cada situação. Instrumentalidade é uma categoria<br />
inerente ao serviço social decorrente da maneira<br />
como esse profissional aplica os instrumentos<br />
e as técnicas. A postura do profissional pode<br />
118<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010
então estar voltada para uma instrumentalidade<br />
pautada por uma racionalidade instrumental ou<br />
por uma racionalidade substantiva. A saber:<br />
A racionalidade instrumental refere-se<br />
ao exercício de uma racionalidade<br />
científica, típica do positivismo,<br />
que visa à dominação da natureza<br />
para fins lucrativos, submetendo<br />
a ciência, a técnica e a própria<br />
produção cultural ao capital. [...] A<br />
racionalidade instrumental é a forma<br />
de razão que prevaleceu no mundo<br />
ocidental após o surgimento do<br />
capitalismo. Esta forma de racionalidade<br />
fez prevalecer a disseminação<br />
de que todos deviam trabalhar e<br />
contribuir para o aumento das riquezas,<br />
e onde tudo é passível de racionalização,<br />
de quantificação, de matematismo.<br />
A ciência econômica tem<br />
sido as rédeas da sociedade (CRUZ,<br />
2007, p.1).<br />
Compreende-se o fato de a racionalidade<br />
instrumental estar centrada na impessoalidade<br />
burocrática. Ela é voltada para a técnica, focada<br />
em interesses, funcional. Seu domínio sobre a<br />
natureza apresenta fins meramente lucrativos,<br />
ou seja, está centrada no capital. Ao utilizar a<br />
instrumentalidade do serviço social partindo da<br />
racionalidade instrumental, o assistente social<br />
possui reflexões voltadas para o mercado, não<br />
propagando a emancipação da classe. Dessa forma,<br />
suas atitudes ficam submissas ao sistema<br />
capitalista de visão de lucro para os detentores<br />
de maior poder aquisitivo.<br />
Ao contrário dessa racionalidade estão:<br />
“[...] os valores humano-sociais da racionalidade<br />
substantiva que privilegiam a cooperação e a<br />
compreensão entre as pessoas, a emancipação<br />
da consciência individual e a preocupação com o<br />
bem-estar [...]” (FERREIRA et al, 2009, p.1).<br />
Logo, o assistente social que realmente conhece<br />
o significado da instrumentalidade e a<br />
emprega em uma perspectiva da racionalidade<br />
substantiva não cruza os braços diante de situações<br />
aparentemente difíceis. Ele age, objetivando<br />
a garantia de direitos do cidadão.<br />
Colocar em prática a instrumentalidade do<br />
serviço social levando em conta a racionalidade<br />
substantiva às vezes é um pouco difícil, pois diariamente<br />
há uma intensa demanda para o profissional.<br />
Assim:<br />
A instrumentalidade é principalmente<br />
um elemento discursivo. [...] Não<br />
consigo colocar a instrumentalidade<br />
em larga escala no Hospital (FHCGV).<br />
É uma Instrumentalidade limitada.<br />
Na questão dos renais crônicos muda<br />
de figura. Por esse motivo é possível<br />
colocar a instrumentalidade em prática.<br />
[...] A instrumentalidade é mais<br />
forte com os renais crônicos porque<br />
eles ficam internados mais tempo.<br />
Uma orientação não é suficiente. [...]<br />
Eu preciso de vários contatos com<br />
pacientes para colocar a instrumentalidade<br />
em prática. É uma questão<br />
de frequência. [...] Não dá para fazer<br />
instrumentalidade com uma conversa;<br />
porque instrumentalidade é um<br />
processo que se constrói (PACHECO,<br />
assistente social exercendo há 4 anos<br />
a profissão na FHCGV).<br />
As inúmeras demandas da profissão podem<br />
comprometer a qualidade do atendimento do<br />
assistente social. Logo, isso dificulta que a instrumentalidade<br />
com teor de racionalidade substantiva<br />
seja colocada em prática. É extremamente<br />
necessário, portanto, reflexão, cautela e mediação<br />
durante o exercício da profissão. Segundo<br />
Guerra (2009), apesar de solicitar ações, algumas<br />
vezes imediatas, a prática do serviço social<br />
não deve ser repleta de ações instrumentais. A<br />
repetição contínua dessas ações instrumentais<br />
impele o profissional a não atingir a eficácia 1 e a<br />
eficiência 2 verdadeiras.<br />
Alguns assistentes sociais, de acordo com<br />
Guerra (2004), devido à grande quantidade de<br />
demandas da profissão acabam por priorizar a<br />
atuação técnica. Vasconcelos (2007) discute sobre<br />
esse atendimento rápido ao se reportar à<br />
1<br />
Eficácia, conforme Lakatos (1997), é a relação do que foi<br />
planejado com o resultado.<br />
2<br />
Eficiência, de acordo com Lakatos (1997) está relacionada<br />
aos meios para realização de algo.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010<br />
119
situação da saúde pública do Rio de Janeiro. O<br />
assistente social e os demais profissionais ligados<br />
à área da saúde passam por entraves tão grandes<br />
quanto os dos usuários. A rotina de trabalho<br />
concentrada resulta em uma carga horária semanal<br />
exaustiva.<br />
Na percepção de Souza (1995), alguns profissionais<br />
de serviço social enfrentam vários problemas<br />
decorrentes provavelmente da falta de<br />
habilidade para lidar com as exigências institucionais.<br />
Nessa linha:<br />
O assistente social espera tudo da<br />
formação profissional e, num segundo<br />
momento, passa a esperar tudo<br />
da instituição. Com isto, torna-se um<br />
agente profissional sem perspectiva,<br />
dependente e predisposto a engajar-se<br />
acriticamente em qualquer<br />
plano de trabalho (SOUZA, 1995, p.11).<br />
Atitudes como essas impossibilitam a real<br />
percepção do significado da profissão. Dessa forma<br />
é um tanto difícil compreender e aplicar a<br />
instrumentalidade. De acordo com Guerra<br />
(2007), refletir acerca da instrumentalidade do<br />
serviço social tal qual está referendada nessa<br />
pesquisa implica em ter como matéria-prima a<br />
profissionalidade do serviço social. Nesta perspectiva<br />
o assistente social que possui uma postura<br />
voltada para a instrumentalidade age sem<br />
as amarras do conservadorismo de um serviço<br />
social não reconceituado. Logo, a categoria instrumentalidade<br />
é procedente do profissional<br />
interventivo e pró-ativo.<br />
Essa discussão a propósito da instrumentalidade<br />
perpassa um serviço social mais voltado<br />
para os preceitos marxistas, de acordo com Guerra<br />
(2004). A autora discursa ainda sobre o fato de<br />
essa categoria ser inerente ao serviço social voltado<br />
para os movimentos de reconceituação e<br />
pós-reconceituação:<br />
Considerando que a questão da instrumentalidade<br />
só se aplica no universo<br />
do trabalho como categoria<br />
onto-primária, os supostos dos quais<br />
sua tematização parte, no que tange<br />
ao serviço social, só poderiam ser<br />
legatários da tradição marxista. Nesse<br />
âmbito, a reflexão sobre a “instrumentalidade<br />
do serviço social” –<br />
que se pretende herdeira da tendência<br />
que intenta que o serviço social<br />
se libere das suas amarras com o<br />
conservadorismo da ordem burguesa<br />
– tem tanto sua existência hipotecada<br />
quanto se beneficia diretamente<br />
das análises teóricas e das<br />
orientações prático-políticas dela<br />
emergentes no serviço social e fora<br />
dele (GUERRA, 2004, p.113).<br />
Pensar sobre a instrumentalidade e colocála<br />
em vigor em uma racionalidade Substantiva<br />
implica em rever, em dar novo formato às práticas<br />
rápidas e rotineiras concernentes ao cotidiano<br />
do assistente social. Alguns desses profissionais,<br />
porém são conduzidos conforme Pontes<br />
(2007) a entender de maneira deturpada o marxismo;<br />
gerando, por conseguinte: “problemas<br />
daqueles enviesamentos na compreensão da teoria<br />
marxiana: fatalismo, messianismo, voluntarismo<br />
e cientificismo” (QUIROGA 1991, apud PON-<br />
TES 2007, p.158). Esses profissionais devem entender<br />
que o serviço social não possui caráter fatalista,<br />
logo há soluções a serem tomadas. É necessário,<br />
ainda, não ser messiânico, ou seja, lembrar<br />
sempre que a profissão não possui habilidade<br />
para resolver todos os problemas do mundo.<br />
O assistente social não deve trabalhar com a prática<br />
do voluntarismo sem valorizar a reflexão das<br />
demandas. Esse profissional também não pode<br />
se submeter ao cientificismo, onde a teoria é bastante<br />
desenvolvida, mas não ampara a prática.<br />
A práxis compreendida como ação transformadora<br />
só pode ser enquadrada em assistentes<br />
sociais que agem de acordo com a instrumentalidade.<br />
Dessa forma:<br />
Mais ainda, a práxis tem na atividade<br />
seu traço vital: a instrumentalidade<br />
coloca-se a práxis como conduto<br />
de passagem, ao mesmo tempo que<br />
a práxis produz, porta e expressa uma<br />
determinada racionalidade, já que o<br />
pensamento encontra-se substantiva<br />
e organicamente vocacionado para<br />
a ação (GUERRA, 2007, p.14).<br />
120<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010
Diariamente o assistente social se depara<br />
com novas demandas para a sua prática profissional.<br />
Essas situações novas requerem o<br />
aprimoramento dos instrumentos ou a renovação<br />
desses. Partindo desse pressuposto a autora<br />
compreende que antes de aprimoramentos<br />
é preciso mais ainda uma racionalidade para<br />
a prática profissional com o intuito de fundamentar<br />
essa prática profissional, aliando-a à<br />
teoria. Tudo isso a fim de que o profissional<br />
não faça prática pela prática, ou seja, não apresente<br />
uma postura instrumental.<br />
3 INSUFICIÊNCIA <strong>DE</strong> VAGAS PARA TERAPIA RE-<br />
NAL SUBSTITUTIVA: uma expressão da questão<br />
social<br />
Guerra (2009) conceitua questão social<br />
como uma expressão do processo tanto de formação,<br />
quanto de desenvolvimento da classe<br />
operária e da entrada dela no cenário da sociedade.<br />
Essa entrada exigiu o reconhecimento do<br />
operariado como classe por parte do empresariado<br />
e do Estado. Na percepção da autora citada,<br />
a questão social se torna objeto de intervenção<br />
sistemática contínua do Estado no estágio<br />
monopolista do capitalismo. A partir deste<br />
momento é instaurado um espaço determinado<br />
na divisão social e técnica do trabalho para o<br />
serviço social e outras profissões. Dessa forma,<br />
o serviço social se torna uma profissão indispensável<br />
devido às necessidades sociais. Historicamente<br />
o serviço social adquiriu esse espaço,<br />
ao interferir sistematicamente nas refrações<br />
da questão social institucionalmente<br />
transformada em questões sociais.<br />
A questão social, portanto, foi complexificada<br />
e tratada pelo Estado. Ela foi então fragmentada<br />
e recortada, surgindo assim várias<br />
questões sociais a serem atendidas pelas políticas<br />
sociais. Cabe então ao assistente social<br />
intervir nessas questões e em suas refrações.<br />
Entre essas expressões da questão social está<br />
a insuficiência de vagas para o tratamento<br />
denominado terapia renal substitutiva 3 . A ausência,<br />
por exemplo, de máquinas para a hemodiálise<br />
4 resulta em meses de internação em<br />
hospitais por todo o país.<br />
Entre os anos de 1999 e 2005, segundo o<br />
Ministério da Saúde (MS)/ Secretaria de Assistência<br />
à Saúde (SAS) – Sistema de Informações<br />
Ambulatoriais (SIA/SUS) e base demográfica do<br />
IBGE (2009), é possível perceber o aumento da<br />
prevalência de pacientes atendidos no SUS para<br />
terapia de diálise renal em todas as faixas etárias<br />
e regiões do Brasil. Esse aumento só não ocorreu<br />
para os pacientes com idade inferior a 30<br />
anos nas regiões Sudeste e Sul do país. O número<br />
de pacientes atendidos nessas duas regiões<br />
chega a ser até quatro vezes superior ao da região<br />
Norte, devido ao fato de nas duas primeiras<br />
regiões haver mais oferta de serviços especializados<br />
do que na última. Vale ressaltar que esses<br />
valores estão de acordo somente com a diálise<br />
ambulatorial, excluindo-se os pacientes internados<br />
em hospitais à espera por uma vaga para<br />
tratamento.<br />
A taxa de prevalência de pacientes em diálise<br />
5 , do ano de 2005, apontava que 11,4 pessoas<br />
a cada 100.000 habitantes em 2005 estavam sendo<br />
submetidas ao tratamento financiado pelo<br />
Sistema Único de Saúde (SUS). Ela ainda indica-<br />
3<br />
A terapia renal substitutiva é o grupo formado pelos<br />
seguintes tratamentos para a insuficiência renal crônica:<br />
hemodiálise, diálise peritonial ambulatorial contínua,<br />
diálise peritonial automática e diálise peritonial<br />
Intermitente.<br />
4<br />
Hemodiálise é uma das modalidades do tratamento<br />
denominado terapia renal substitutiva. Ela é realizada em<br />
média quatro horas por dia, durante três vezes por semana.<br />
Consiste em uma máquina que filtra todo o sangue que<br />
circula pelo corpo do paciente, eliminando as toxinas;<br />
trabalho esse que o rim debilitado não consegue<br />
desempenhar.<br />
5<br />
Segundo Aguiar (2007), o termo taxa de prevalência é<br />
concebido como a proporção de pessoas com determinado<br />
diagnóstico de saúde em um dado momento temporal.<br />
Prevalência, portanto, é definida através da proporção de<br />
casos predominantes referentes à população de interesse<br />
da qual extraímos os casos prevalentes. Conforme MS/ SAS/<br />
SAI/ SUS (2009), taxa de prevalência de pacientes em diálise<br />
significa o número de pacientes submetidos a tratamento<br />
de diálise renal no SUS, por 100 mil habitantes, na população<br />
residente em determinado espaço geográfico e no ano<br />
considerado.<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010<br />
121
va que 47 pessoas entre 30 e 59 anos também se<br />
submetiam a esse tratamento. A taxa apontava<br />
também 162,9 pessoas com idade igual ou superior<br />
a 60 anos (MS/ SAS/ SAI/ SUS, 2009).<br />
Na região Norte, em 2005, essa taxa de prevalência<br />
de pacientes em diálise indicava que<br />
6,5 pessoas menores de 30 anos estavam em tratamento<br />
custeado pelo SUS. A taxa para indivíduos<br />
entre 30 e 59 anos apontava que 24,4 estavam<br />
sendo submetidos a esse mesmo tratamento.<br />
Para pessoas com 60 anos ou mais a taxa indicava<br />
107,8.<br />
Essa situação de espera não deveria acontecer,<br />
pois conforme a Portaria Ministerial<br />
n°1101/2002, para cada 15.000 habitantes é necessário<br />
haver uma máquina para Diálise funcionando<br />
em três turnos. Seguindo essa linha de<br />
raciocínio a mesma portaria determina que para<br />
cada 30.000 habitantes deve haver duas máquinas<br />
(2 pontos) que atendam até doze (12) pacientes<br />
em três turnos por semana, com utilização<br />
máxima do referido equipamento. De acordo<br />
com Associação dos Renais Crônicos e Transplantados<br />
do Pará – ARCTPA (2009), o Pará carece<br />
de 31 serviços, pois atualmente há apenas 15,<br />
sendo sete em Belém 6 , dois em Santarém e os<br />
demais nos municípios de Ananindeua, Castanhal,<br />
Marabá, Altamira, Redenção e Marituba,<br />
inaugurado em setembro de 2009.<br />
A questão de não haver vagas suficientes<br />
está entrelaçada a diversos fatores, como por<br />
exemplo, a melhoria da qualidade do diagnóstico<br />
e a deficiência de políticas de prevenção, segundo<br />
Pacheco (2009). Outro fator responsável<br />
pode ser a política implantada pelo ex-presidente<br />
da República Fernando Collor de Melo que governou<br />
o país de 1989 a 1992, determinando limites<br />
de gastos para o Estado. De acordo com Vasconcelos<br />
(2007), a não efetivação completa do SUS<br />
deve realmente ser considerada como uma das<br />
6<br />
Em Belém os serviços estão localizados na FHCGV, no<br />
Hospital Ofir Loyola, Pro-Rim, Clínica do Rim, Nefroclína,<br />
Fundação Santa Casa de Misericórdia e Clínica de Cirurgia<br />
Integrada.<br />
consequências dessa política. Como uma bola de<br />
neve, há diversas sequelas para essa política, que<br />
vêm se estendendo ao longo dos anos.<br />
Visando assegurar vagas para todos, foi criado<br />
no Pará em 2005 o Plano Estadual de Atenção<br />
ao Portador de Doença Renal em Alta Complexidade<br />
da Secretaria de Estado de Saúde Pública.<br />
Esse plano propunha que 100% dos serviços<br />
de nefrologia do Pará fossem expandidos<br />
proporcionalmente para cada município. Se esse<br />
plano for efetivado, a Associação dos Renais Crônicos<br />
e Transplantados do Pará – ARCTPA (2009)<br />
acredita que os custos do Tratamento Fora do<br />
Domicílio (TFD) serão reduzidos em aproximadamente<br />
60%.<br />
Apesar de medidas como a Portaria Ministerial<br />
n° 1101/2002 terem sido tomadas, ela ainda<br />
não foi divulgada suficientemente. Como<br />
pode ser percebido nas falas dos pacientes entrevistados<br />
7 em junho de 2009:<br />
Tem muita gente morrendo, esperando<br />
vaga. [...] Não conhecia a portaria<br />
(Denise, 40 anos, solteira; paciente<br />
há 4 meses internada à espera por<br />
uma vaga para hemodiálise na Clínica<br />
Médica da FHCGV, moradora do<br />
município de Barcarena – Pará).<br />
Deveria ser assim mesmo; aí, em<br />
Cametá teria tratamento. Era muito<br />
melhor (se a Portaria fosse implantada).<br />
A gente ficava perto da família<br />
(Marcelo, 41 anos, casado, paciente<br />
há 4 meses internado à espera<br />
por uma vaga para hemodiálise na<br />
Clínica Médica da FHCGV, morador do<br />
município de Limoeiro do Ajuru –<br />
Pará).<br />
Nem sei o que dizer [silêncio]. Tenho<br />
seis filhos [...] O marido já veio<br />
e trouxe a menor (de 6 anos para ela<br />
ver). Todos eles estudam. [...]. Passo<br />
bilhete (para meus filhos) [...] Ficam<br />
reclamando: Mamãe, por que tu não<br />
vem? (Ana, 34 anos, casada, paciente<br />
há 3 meses internada à espera<br />
por uma vaga para hemodiálise na<br />
Clínica Médica da FHCGV, moradora<br />
do município de Bacuri – Maranhão).<br />
7<br />
Os nomes dos pacientes foram trocados, guardado o sexo de<br />
cada um, a fim de preservar a integridade dos mesmos. Vale<br />
ressaltar que prevalecem os artigos femininos e masculinos<br />
no intuito de informar o sexo do paciente.<br />
122<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010
A partir das falas acima é perceptível o<br />
desconhecimento dos pacientes em relação<br />
à Portaria Ministerial n° 1101/2002. Embora<br />
os pacientes não saibam o significado dessa<br />
portaria, eles têm noção de que é preciso implantá-la.<br />
Há de se considerar a angústia da<br />
espera, pois são pacientes que se deslocam<br />
de seus municípios e deixam família, amigos<br />
e trabalho em virtude de uma longa internação<br />
em Belém na FHCGV. Cabe então ao serviço<br />
social informar ao paciente sobre essa<br />
portaria, por intermédio do instrumento denominado<br />
Informação.<br />
Portanto, informar não é, e não pode<br />
ser simplesmente o ato de relatar<br />
ou descrever fatos e dados, mais do<br />
que isso é relacionar e interpretar<br />
diversos fatos, buscando a compreensão<br />
dos fenômenos. Que no âmbito<br />
do uso da linguagem realiza-se<br />
através de alguns mecanismos como<br />
nivelação (valor nos detalhes); acentuação<br />
(colocar em relevância os<br />
dados mais importantes); assimilação<br />
(reordenamento de dados já<br />
apresentados); sentido (explicar<br />
sem deformar) e; terminologia (técnica,<br />
institucional, popular) (SAR-<br />
MENTO, 2005, p.29).<br />
Compreende-se que o profissional deve<br />
utilizar o instrumento informação não expondo<br />
sobre a portaria como algo que ainda não fora<br />
efetivado e sim com entonação na voz; a fim de<br />
instigar o paciente renal crônico a participar de<br />
conferências e conselhos acerca de questões<br />
relacionadas com a insuficiência de vagas para a<br />
terapia renal substitutiva.<br />
Há, diante da desinformação, o fato de a<br />
participação política, segundo Pereira (2009) ainda<br />
continuar restrita ao voto. O povo não compreendeu<br />
ainda o fato de a verdadeira participação<br />
representar a luta pelo direito de todos<br />
os indivíduos e não por individualidades. ‘‘Vivemos<br />
em uma situação de elevados déficits de<br />
capital social, o que permite a permanência de<br />
uma cultura política que desafeta a participação’’<br />
(BAQUERO, 2001, p.9).<br />
Cabe ressaltar que apenas 1 (uma) paciente,<br />
do total de 10 (dez) pacientes entrevistados,<br />
sabia acerca dessa portaria:<br />
“A portaria a senhora dos renais me<br />
disse.” (Marina, 58 anos, casada,<br />
paciente há 9 meses internada à<br />
espera por uma vaga para hemodiálise<br />
na Clínica Médica da FHCGV,<br />
moradora do município de São Miguel<br />
do Guamá – Pará).<br />
Apesar de seu conhecimento, há uma dúvida<br />
constante: qual o motivo da portaria não ter<br />
sido implantada até o presente momento? Diante<br />
desse questionamento o assistente social<br />
fica sem resposta definida, se deparando com<br />
os entraves da profissão.<br />
Pacheco (2009) admite:<br />
Eu conheci essa portaria pelo seu<br />
trabalho. [...] O Minitério da Saúde<br />
coloca normas que não estão sendo<br />
efetivadas. [...] Então eu não considero<br />
[...] que seja um absurdo não<br />
ter uma máquina para cada quinze<br />
mil habitantes. [...] Porque existem<br />
várias normas propagadas que não<br />
estão sendo feitas. [...] Eu fico bestificada<br />
quando vejo o PIB do Brasil e<br />
não é feito nada [...] (Pacheco, assistente<br />
social exercendo há 4 anos<br />
a profissão na FHCGV).<br />
Nesta perspectiva, a assistente social percebe<br />
outras situações que também ainda não<br />
foram resolvidas no Brasil. No decorrer da entrevista,<br />
ela esclareceu não adiantar o profissional<br />
estar imbuído de legislações e teorias, se ele<br />
não age; ou seja, é necessário lutar pelos direitos<br />
dos pacientes renais crônicos, mas sem cometer<br />
equívocos como fatalismo, messianismo,<br />
voluntarismo e cientificismo. Em minha prática<br />
de estágio percebo que há compromisso éticopolítico<br />
dessa profissional por seus pacientes.<br />
Deve-se considerar o fato de as novas demandas<br />
da profissão implicar, segundo Bastos<br />
(2004), em novos contextos de atuação do assistente<br />
social. A situação dos renais crônicos se<br />
apresenta, então, como uma expressão da ques-<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010<br />
123
tão social relacionada ao não cumprimento do<br />
artigo 5 o da Constituição Federal de 1988 que<br />
determina “a saúde como direito de todos e dever<br />
do Estado”. Assim, se não há vagas suficientes<br />
por falta de máquinas e se algumas dessas,<br />
de acordo com Ferreira (2009) estão paradas por<br />
falta de recursos, cabe ao assistente social refletir<br />
sobre a situação e imbuído da instrumentalidade<br />
do serviço social pautada em uma racionalidade<br />
substantiva, buscar a melhor maneira<br />
para intervir. Sobre esse aspecto:<br />
Assim, a prática do assistente social<br />
exprime não só a capacidade de<br />
‘‘saber fazer’’, mas também e primeiramente,<br />
sua posição político ideológica,<br />
sua intencionalidade. E é justamente<br />
essa posição do profissional<br />
que particulariza a intervenção<br />
profissional (BASTOS, 2004, p.95).<br />
Partindo desse princípio é possível perceber<br />
os impasses pelos quais a Assistente Social<br />
passa diariamente. A instrumentalidade dentro<br />
da racionalidade substantiva precisa ser colocada<br />
em prática, porém isso se torna uma tarefa<br />
difícil no campo de ação profissional. O assistente<br />
social, na percepção de Bastos (2004, precisa<br />
agir dotado de intencionalidade diante de<br />
questões, como a insuficiência de vagas para<br />
pacientes renais crônicos. Na FHCGV 22 (vinte e<br />
dois) assistentes sociais trabalham em diversos<br />
setores e horários. Se todos ou alguns deles<br />
exercem suas práticas a partir de uma intencionalidade<br />
e de instrumentalidade, há dúvidas. Por<br />
esse motivo, ressalta-se que o intuito dessa pesquisa<br />
foi entender se há a instrumentalidade no<br />
cotidiano da profissional da Clínica Médica. Qualquer<br />
associação, portanto, com a postura dos<br />
demais profissionais pode conduzir a equívocos.<br />
4 SERVIÇO SOCIAL NA FHCGV E A SUA POSSÍ-<br />
VEL INSTRUMENTALIDA<strong>DE</strong><br />
Em 1982 foi iniciado o projeto arquitetônico<br />
da FHCGV e somente em 1º de abril de 2001<br />
ocorreu sua inauguração oficial. Nesse interregno<br />
de tempo ocorreu a inauguração da clínica<br />
psiquiátrica, do bloco de acesso e serviços externos,<br />
de parte do estacionamento e do bloco<br />
de serviços gerais em 1987. Somente em 1989 os<br />
leitos foram disponibilizados. Nesse mesmo ano<br />
houve também a primeira paralisação da obra<br />
que só foi reiniciada em 1991. Nesse mesmo ano<br />
foi inaugurado o ambulatório de especialidades<br />
e parte da administração. Apenas em 1998 a obra<br />
foi retomada e finalmente concluída em 2000.<br />
Na inauguração oficial, em 2001, a FHCGV continuou<br />
a ser referência em psiquiatria e passou a<br />
abarcar como referência os serviços de nefrologia<br />
e cardiologia. Começou a oferecer consultas<br />
e internações para as clínicas cirúrgica, médica,<br />
pediátrica, ginecológica e obstétrica.<br />
Essa instituição do Governo do Estado do<br />
Pará ligada à Secretaria Especial de Proteção<br />
Social possui 242 (duzentos e quarenta e dois)<br />
leitos em suas clínicas e unidades de terapia<br />
intensiva neonatal, adulto e pediátrica, além<br />
de um ambulatório com 19 (dezenove) consultórios,<br />
bem como serviços laboratoriais e<br />
de diagnóstico por rádio-imagem e métodos<br />
gráficos. Ela abriga também um serviço de terapia<br />
renal substitutiva com 15 (quinze) máquinas<br />
de hemodiálise. Há ainda um conjunto<br />
variado de profissionais como assistentes sociais,<br />
médicos, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas,<br />
professores de educação física,<br />
terapeutas ocupacionais, enfermeiros, fonoaudiólogo,<br />
dentre outros.<br />
A clínica médica, local em que foi realizada<br />
a pesquisa de campo que deu margem à construção<br />
desse artigo encontra-se no quarto andar<br />
do prédio da FHCGV. Seus atendimentos destinam-se<br />
a pacientes acima de 14 anos de idade,<br />
de acordo com as seguintes especialidades:<br />
médica, cardiologia, nefrologia e infectologia.<br />
Os pacientes cardiopatas e renais são de origem<br />
da Central de Leitos de Belém, do Serviço de<br />
Apoio à Triagem e da Emergência Cardiológica.<br />
Vale ressaltar que atualmente cerca de 40% dos<br />
124<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010
40 (quarenta) leitos da clínica estão sendo ocupados<br />
por pacientes renais crônicos internados<br />
à espera por uma vaga ambulatorial para terapia<br />
renal substitutiva.<br />
A espera por uma vaga para o referido tratamento<br />
pode durar um longo tempo, como percebi<br />
durante as entrevistas:<br />
Dia 23 de dezembro de 2008 fui para<br />
o Pronto Socorro da 14. De lá fui para<br />
a UTI (Unidade de Terapia Intensiva)<br />
do Hospital de Clínicas, dia 8 de<br />
janeiro de 2009. Estou aqui (clínica<br />
médica) desde 3 de março de 2009.<br />
(Mário, 60 anos, casado, paciente há<br />
6 meses internado à espera por uma<br />
vaga para hemodiálise na FHCGV,<br />
morador do município de Belém –<br />
Pará).<br />
Tenho quatro meses de internação.<br />
[...] Vim de Limoeiro pra cá pra Belém<br />
e aqui vim descobri [que era renal<br />
crônico]. [...] O tratamento [de<br />
hemodiálise] era muito caro. Vendi<br />
uma casa por R$12.000,00 para pagar<br />
as seções. [...] Era a casa que eu<br />
morava. Aí eu passei a morar com a<br />
minha mãe (Marcelo).<br />
Tenho três meses de internação. [...]<br />
Tô pedindo a Deus para sair (Joaquim,<br />
71 anos, casado, paciente há 3<br />
meses internado à espera por uma<br />
vaga para hemodiálise na clínica médica<br />
da FHCGV, morador do município<br />
de Benevides – Pará).<br />
Tô internada desde 4 de fevereiro de<br />
2009. Pra onde sair (a vaga) eu vou,<br />
por que tenho que cuidar dos meus<br />
filhos. Minha de 14 quer namorar. [...]<br />
Só escuto queixa de caderno dos filhos.<br />
[...] Se for contar todos os motivos<br />
por que quero uma vaga [...] Tem<br />
minha filha, minha neta, meus filhos<br />
(D enise).<br />
Vai fazer dez meses. Ave Maria. Deus<br />
me livre! (Marina)<br />
As expressões “Ave Maria. Deus me livre!”<br />
têm uma significação carregada de paciência com<br />
certo teor de revolta e embora evoque sua religiosidade,<br />
transparece como uma evocação de<br />
limite físico por se tratar do processo de saúde.<br />
Mediante esse quadro é que nos vemos diante<br />
de um paradoxo, de acordo com Vasconcelos<br />
(2007), pois se por um lado na realidade brasileira<br />
nunca houve um momento histórico em que<br />
a saúde contasse com tantos direitos assegurados<br />
formalmente, eles ainda precisam ser garantidos<br />
na prática.<br />
Diante desse tempo de espera, que varia<br />
entre 9 (nove) e 2 (dois) meses a assistente social<br />
da clínica médica lida com esse longo período de<br />
internação a partir de inúmeras demandas que<br />
surgem, tais como ausência de renda de alguns<br />
pacientes renais crônicos, desinformação a respeito<br />
de Tratamento Fora do Domicílio (TFD), o<br />
atraso no pagamento do TFD, perda de vínculos<br />
familiares, pois o paciente fica internado e em<br />
alguns casos se distancia de sua família. A exemplo<br />
da quebra desses laços é válido mencionar a<br />
paciente Ana procedente de Bacuri, município<br />
pertencente ao estado do Maranhão. No caso dela,<br />
a internação afastou-a dos filhos e do marido, pois<br />
devido à distância não há visitas constantes.<br />
Cabem, portanto, ações envolvendo a instrumentalidade<br />
do serviço social em uma racionalidade<br />
substantiva. Para isso é extremamente<br />
necessário que o assistente social compreenda<br />
o objeto de sua intervenção: “como um aspecto<br />
da realidade na qual o profissional pretende<br />
intervir” (BASTOS, 2004, p.93). Durante<br />
minha pesquisa de campo percebi que assistente<br />
social da clínica médica possui claro entendimento<br />
acerca de seu objeto de intervenção. Na<br />
coleta de dados empíricos, notei que os pacientes<br />
renais crônicos percebem o trabalho do serviço<br />
social, como por exemplo:<br />
Muito útil. Ela (a assistente social<br />
da clínica médica) resolve tudo pra<br />
nós. Ela encaminha. Faz qualquer<br />
coisa pra nós. Pelo menos comigo<br />
tem sido assim (Marina).<br />
Apesar de não ter havido reclamações sobre<br />
o agir da assistente social, ainda há dúvidas<br />
sobre sua função. Nas afirmações dos pacientes<br />
há reconhecimentos pelo trabalho da assistente<br />
social quanto às ações voltadas ao encaminhamento<br />
para o TFD, para a perícia médica, em<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010<br />
125
orientações sobre benefícios e outros. Sobre<br />
esse aspecto:<br />
Eu não conheço bem o trabalho do<br />
assistente social. [...] Vocês (do serviço<br />
social) se interessam pela aposentadoria<br />
e mais outras coisas com<br />
os pacientes (Denise).<br />
Nessa fala percebi que em alguns momentos<br />
o trabalho do serviço social ainda é percebido<br />
como um favor, algo que qualquer pessoa<br />
pode realizar. Cabe, então, ao assistente social<br />
utilizar a instrumentalidade com teor da racionalidade<br />
substantiva em sua prática profissional<br />
a fim de apresentar um caráter mais técnicocientífico<br />
à sua prática.<br />
Durante a entrevista Pacheco (2009) relatou:<br />
O trabalho consiste em orientar. [...]<br />
Uma enumeração rápida: diálogo,<br />
encaminhamento, ofícios. A partir do<br />
diálogo eu realizo uma entrevista.<br />
[...] Talvez outros assistentes sociais<br />
não achem, mas o diálogo para mim<br />
é mais importante. [...] Eu obtenho<br />
as informações a partir do diálogo.<br />
[...] É uma questão de habilidade e<br />
pronto. Porque tem pessoas que contam<br />
para mim e não para você e viceversa.<br />
São os instrumentais que [...]<br />
preciso então me comunicar com as<br />
instituições [...] para me comunicar<br />
então às vezes é por telefone. [...]<br />
Não os aplico de modo estanque e<br />
sim dinâmico. [...] Dinâmico é perceber<br />
as necessidades de cada paciente<br />
para adaptar o meu diálogo a<br />
cada paciente. [...] Com relação aos<br />
outros instrumentais. [...] Aí eu tento<br />
ser fiel à realidade que o paciente<br />
me coloca [...].<br />
Essa profissional assegura o direito de cidadão<br />
do paciente, cumprindo, portanto, o que<br />
está previsto no Código de Ética Profissional do<br />
Serviço Social em seu artigo 3°: “a) desempenhar<br />
suas atividades profissionais, com eficiência<br />
e responsabilidade, observando as legislações<br />
em vigor” Apesar disso, Pacheco (2009) crê<br />
que: “O assistente social não consegue abraçar<br />
tudo de uma vez só”.<br />
Cabe, portanto, ao assistente social trabalhar,<br />
tendo clareza de seu objeto de intervenção.<br />
O agir não deve, portanto, conforme Guerra<br />
(2009), em virtude de solicitar ações, algumas<br />
vezes imediatas, ser repleto de ações instrumentais,<br />
pois a repetição contínua dessas ações leva<br />
o profissional a não atingir a eficácia e a eficiência<br />
verdadeiras.<br />
Em suas reflexões, Souza (1995) afirma que<br />
o assistente social diariamente se depara envolvido<br />
em bloqueios formados pela instituição.<br />
Karsch (2008) traduz essas situações como a burocratização<br />
dos serviços. Diante desses obstáculos<br />
o profissional precisa agir com competência,<br />
segundo Souza (1995), a fim de relacionar<br />
teoria e prática e se apresentar como força social;<br />
aplicando a instrumentalidade conceituada<br />
como: “uma mediação que permite a passagem<br />
das ações meramente instrumentais para o exercício<br />
profissional crítico e competente” (BASTOS,<br />
2004, p.96). Esse profissional deve agir utilizando<br />
a instrumentalidade em uma racionalidade<br />
substantiva diante da insuficiência de vagas para<br />
o tratamento denominado terapia renal substitutiva<br />
que se apresenta como uma expressão da<br />
questão social.<br />
Ressalto o fato de “a saúde ser um direito<br />
de todos e dever do Estado”, conforme determina<br />
o artigo 5 o da Constituição Federal de 1988.<br />
Dessa forma, a falta de vagas para o tratamento<br />
ambulatorial de hemodiálise acarreta, portanto,<br />
a negação desse direito aos pacientes internados.<br />
A instrumentalidade, portanto, possui um<br />
papel de destaque diante dessa questão.<br />
Sendo o assistente social o profissional que<br />
historicamente agiu intervindo sobre as questões<br />
sociais, a negação da instrumentalidade<br />
implica consequentemente na negação dos preceitos<br />
formadores de sua identidade. Há questões<br />
que devem ser medidas pelo assistente<br />
social a fim de reafirmar essa identidade. Nessa<br />
linha: “O serviço social tem muitas racionalidades,<br />
compreendidas como modos de ser, pensar<br />
e agir, e sempre foi polarizado por momentos<br />
126<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010
de predominância, ora do pensamento conservador,<br />
ora do pensamento crítico” (GUERRA, 2002<br />
apud BASTOS, 2004, p.95). Para lidar com esses<br />
pacientes renais crônicos que traduzem a expressão<br />
da questão social a partir da insuficiência<br />
de vagas e no decorrer de sua internação apresentam<br />
inúmeras demandas é necessário um<br />
profissional de serviço social com postura voltada<br />
para a instrumentalidade e que esteja inserido<br />
em uma racionalidade substantiva.<br />
5 REFLEXÕES ALÉM DA INSTRUMENTALIDA<strong>DE</strong><br />
DO SERVIÇO SOCIAL<br />
Durante a coleta de dados empíricos para a<br />
construção do artigo para este TCC foi possível<br />
tecer reflexões que encontram-se além da análise<br />
da instrumentalidade do serviço social. Nesta<br />
perspectiva, cada paciente compreende de maneira<br />
diferente o seu longo período de permanência<br />
na FHCGV, sempre expresso nas falas e<br />
pensamentos que perpassam diversas situações,<br />
como por exemplo:<br />
No hospital tem muita coisa que precisa<br />
melhorar: a parte da alimentação,<br />
a higiene não está bem feita. O<br />
nosso banheiro fica dois dias sem<br />
ser lavado. A lâmpada está queimada.<br />
[...] Eu acho um absurdo o paciente<br />
vir de Bragança se tratar aqui.<br />
Tem que ter centro. [...] Gosto daqui<br />
(FHCGV). Pra mim, aqui já é minha<br />
casa, porque todos me tratam bem.<br />
[...] Gosto daqui, mas quero ir embora,<br />
porque aqui não é um hotel. [...]<br />
Enquanto eu tô aqui (FHCGV) eu vou<br />
me tratando. Só vou recebendo benefícios.<br />
[...] (Marina).<br />
Diante disso, cabem aqui análises a partir<br />
de críticas em uma perspectiva habermasiana<br />
sobre o Estado paternalista. Habermas critica o<br />
Estado paternalista que não favorece a emancipação<br />
do ser humano, apenas amenizando a situação<br />
material com benefícios desnecessários,<br />
se por acaso houvesse um centro para terapia<br />
renal substitutiva em cada município, ou próximo<br />
ao paciente.<br />
Agir partindo de pressupostos paternalistas<br />
implica em ser autoritário. Ocorre um processo de<br />
dominação camuflado por concessões e benefícios.<br />
Nesta perspectiva, o Estado paternalista exerce<br />
a dominação sobre o cidadão fazendo a concessão<br />
de benefícios no caso de pacientes renais crônicos,<br />
em vez de assegurar vagas de hemodiálise.<br />
Conforme Mata (2009), a cidadania no Brasil<br />
está muito longe de ser alcançada devido às ações<br />
do Estado paternalista que oprime os sujeitos ansiosos<br />
em se tornarem cidadãos de direitos desde<br />
a época da colonização. A exemplo dessa ânsia é<br />
válido mencionar as inúmeras revoluções reprimidas<br />
pela Corte no período em que o Brasil não possuía<br />
sua independência proclamada. Concessões<br />
feitas como a Lei Áurea (1888) já apresentava indícios<br />
do paternalismo e seu teor autoritário.<br />
As formas camufladas de não efetivar a<br />
cidadania seguem por anos e anos em nosso país.<br />
Prova disso são os benefícios concedidos aos<br />
pacientes renais crônicos. A passividade diante<br />
da ausência de vagas é decorrente de um Estado<br />
paternalista que nega ações como a participação<br />
política. A população, sem ter conhecimento<br />
de seus direitos, acaba sucumbida por concessões<br />
desnecessárias.<br />
Nessa linha:<br />
Eu acho que [...] não é só pessoal do<br />
interior que tinha que receber Tratamento<br />
Fora do Domicílio -TFD. [...] Se<br />
a gente sai daqui, tem que ter dinheiro.<br />
[...] Exemplo do seu [o entrevistado<br />
citou o nome de um paciente<br />
internado, mas por sigilo não revelarei<br />
o nome] que gasta muito e<br />
só o benefício não dá. [...] Tu já pensou<br />
quem é aposentado com um salário.<br />
[...] Isso sai muito pesado, porque<br />
tem que comprar remédios,<br />
transporte. [...] Quem é do interior<br />
tem menos gasto com transporte do<br />
que quem é de Belém. Porque do interior<br />
o município pega e leva. [...] A<br />
carteirinha (de passe livre intermunicipal)<br />
ajuda, mas não é só isso.<br />
[...] Eu tirava R$ 2.700,00 e hoje recebo<br />
R$ 700,00. Então faz muita diferença.<br />
[...] É um dos motivos pelos<br />
quais eu quero voltar para o interior<br />
[Salinas, onde ele tem uma casa].<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010<br />
127
[...] Quero ir para o interior para ter<br />
uma ajuda a mais [ele está falando<br />
do TFD]. Essa ajuda é importante<br />
para mim. [...] A gente [ele e a esposa]<br />
queremos ir para o interior e ver<br />
se consigo o TFD. [...] (Mário)<br />
Na fala de Mário (2009) é perceptível o fato<br />
dele querer sair de Belém, cidade onde vive e fará<br />
o tratamento ambulatorial, para um local mais distante<br />
da capital no intuito de ser beneficiado com<br />
o TFD. Compreende-se que o paciente não medirá<br />
esforços para receber o recurso do TFD, devido a<br />
sua insatisfação no valor da aposentaria recebida,<br />
por ela não cobrir todas as suas despesas.<br />
De acordo com Habermas, o Estado paternalista<br />
age oferecendo benefícos aos cidadãos a<br />
fim de não permitir que ele se emancipe. Enquanto<br />
o paciente poderia participar de todo o<br />
processo público pela garantia de seus direitos<br />
(debates, fóruns, conferências, conselhos e outros),<br />
ele pensa em artifícios para ser beneficiado<br />
por esse Estado paternalista. Dessa forma,<br />
não há a emancipação do ser humano e sim o<br />
seu aprisionamento na teia do Estado.<br />
Cabe ao assistente social empregar a instrumenlidade<br />
com teor de racionalidade substantiva<br />
a fim de apresentar a real situação ao<br />
paciente: não há vagas suficientes para terapia<br />
renal substitutiva e o Estado gasta 60% do orçamento<br />
do TFD com pacientes renais crônicos. Se<br />
houvessem vagas suficientes e distribuídas nos<br />
municípios do Pará, o tempo de espera seria<br />
pequeno ou não existiria. Segundo Guerra<br />
(2004), o assistente social deve se libertar das<br />
amarras do conservadorismo profissional para<br />
promover a instrumentalidade. Logo, o profissional<br />
que aplica essa categoria, seguindo os preceitos<br />
da racionalidade substantiva, inerente ao<br />
serviço social, compreende as críticas de Habermas<br />
ao Estado paternalista, reflete sobre o assunto<br />
e repassa tal informação ao paciente.<br />
O welfare state, segundo Sandroni (1999),<br />
poderá no futuro corresponder a uma nação equitativa,<br />
onde serão alcançados os ideários da Revolução<br />
Francesa de igualdade, liberdade e fraternidade.<br />
Até o presente momento, na acepção de<br />
Barros (2009), ele só possibilitou a dominação da<br />
população e a coação da participação social. Nesta<br />
premissa, o Estado paternalista é traduzido pelo<br />
mesmo autor como aquele que não contava com a<br />
participação democrática. Esse Estado estaria incumbido<br />
de decidir através de altas esferas de governo<br />
o melhor para a sociedade, porém sem contar<br />
com a participação da mesma. Nesse modelo<br />
de Estado estão previstos benefícios ao cidadão a<br />
fim de proporcionar-lhes padrões de vida mínimos.<br />
Essas concessões não podem inibir ou desestimular<br />
o sujeito a lutar por seus direitos.<br />
A partir das falas de alguns entrevistados é<br />
possível perceber que a emancipação do cidadão<br />
é impedida de acontecer, quando o estado concede<br />
benefícios em vez de assegurar a saúde do<br />
cidadão. Habermas, conforme Deluiz (2009) discute<br />
que um diálogo com o cidadão de maneira<br />
clara e aberta possibilita a quebra da alienação.<br />
Logo, o assistente social possui postura pautada<br />
na instrumentalidade seguindo os preceitos da<br />
racionalidade substantiva, possibilita a partir de<br />
uma práxis a saída para o fim da alienação e o<br />
caminho para o processo de emancipação. “Em<br />
Economia Política, a alienação é um dos conceitos<br />
básicos do marxismo, significando a perda<br />
sofrida pelo trabalhador de uma parte de seu ser,<br />
quando o capitalista se apropria do fruto de seu<br />
trabalho” (SANDRONI, 1999, p.21).<br />
O indivíduo, portanto, se reconhece como<br />
sujeito de direitos a partir da autoconsciência.<br />
Deluiz (2009) enfatiza que o processo de emancipação<br />
haverá somente, segundo Habermas,<br />
quando o ser humano começar a questionar o<br />
que lhe é imposto pela instituição. A busca pelo<br />
motivo da longa fila de espera para terapia renal<br />
substitutiva, no caso dos pacientes renais crônicos,<br />
é um fator que contribui para a emancipação.<br />
Por intermédio do discurso atrelado à instrumentalidade<br />
repassado pela assistente social,<br />
o paciente precisa perceber o sistema do Estado<br />
que não assegura vaga para todos e não silenciar<br />
ao receber algum benefício.<br />
128<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010
A emancipação é possível a partir do momento<br />
em que o sujeito se percebe em condição<br />
de não cidadania, ou seja, seus direitos ainda não<br />
foram assegurados, os quais só serão quando houver<br />
o questionamento do significado do Estado<br />
paternalista. Nessa linha, Habermas apud Deluiz<br />
(2009) defende que o fim da alienação depende<br />
do reconhecimento do sujeito como cidadão de<br />
direitos. Para isso é necessário que seja atingida<br />
a plataforma da argumentação, ou seja, o paciente<br />
reconhece sua condição de exploração e luta<br />
por seus direitos após ter refletido e compreendido<br />
que eles lhe foram negados no que concerne<br />
ao longo período de espera por uma vaga.<br />
A concepção de cidadania completa só será<br />
alcançada, quando o sujeito perceber sua condição<br />
de exploração e começar a lutar por seus direitos.<br />
Dessa forma, o exercício da democracia<br />
consiste na conscientização de classes, na participação<br />
política e na reflexão da questão social e<br />
suas retrações, conforme Deluiz (2009).<br />
O assistente social, portanto, não deve agir<br />
sem refletir sobre a situação, ou seja, não deve<br />
pregar uma revolução sem medidas. Nesta perspectiva,<br />
precisa ter um discurso a partir de:<br />
o conceito de direito subjetivo desempenha<br />
um papel central na moderna<br />
compreensão do direito. Ele corresponde<br />
ao conceito de liberdade de ação<br />
subjetiva: direitos subjetivos (rights)<br />
estabelecem limites no interior dos<br />
quais um sujeito está justificado a<br />
empregar livremente sua vontade. E<br />
eles definem liberdades de ação iguais<br />
para todos os indivíduos ou pessoas<br />
jurídicas, tidas como portadoras de direitos<br />
(HABERMAS, 1997, p.113).<br />
Seguindo essa linha de pensamento, cabe<br />
citar aqui a equidade presente tanto nos princípios<br />
fundamentais do Código de Ética Profissional<br />
do Serviço Social: “Posicionamento em favor<br />
da equidade e justiça social, que assegure universalidade<br />
de acesso aos bens e serviços relativos<br />
aos programas e políticas sociais, bem como<br />
sua gestão democrática;”, quanto nas reflexões:<br />
Kant apoia-se neste artigo, ao formular<br />
o seu princípio geral do direito, segundo<br />
o qual toda ação é equitativa,<br />
quando máxima permite uma convivência<br />
entre a liberdade de arbítrio de<br />
cada um e a liberdade de todos, conforme<br />
uma lei geral. O primeiro capítulo<br />
da justiça, de Rawls, ainda segue a<br />
máxima: Todos devem ter o mesmo direito<br />
ao sistema mais abrangente possível<br />
de iguais liberdades fundamentais<br />
(HABERMAS, 1997, p. 114).<br />
Logo, o profissional que segue a instrumentalidade<br />
em postura de racionalidade substantiva<br />
está seguindo o seu código de ética e possui<br />
reflexões a partir de autores como Habermas<br />
que critica o Estado paternalista presente em<br />
ações como, por exemplo, oferecer um benefício<br />
em vez de garantir um direito assegurado por<br />
lei. Nesse caso o direito negado é o estabelecido<br />
na Portaria Ministerial n° 1101/2002: para cada<br />
15.000 habitantes é necessário haver uma máquina<br />
para diálise funcionando em três turnos.<br />
Recentemente foi inaugurado um novo<br />
centro de hemodiálise no município de Marituba,<br />
no estado do Pará. Esse centro tem capacidade<br />
para atender 132 pacientes renais crônicos à<br />
espera por uma vaga. Atualmente, segundo o<br />
jornal “Amazônia” de 31 de agosto de 2009, há<br />
210 pacientes renais crônicos cadastrados nas<br />
centrais de alta complexidade à espera por uma<br />
vaga. Se houvessem apenas 210 pacientes em<br />
todo Pará à espera, o número de leitos do novo<br />
centro seria um tanto quanto suficiente, porém<br />
só há dados para pessoas cadastradas. Dessa forma,<br />
há uma noção apenas da quantidade de pessoas<br />
internadas em hospitais esperando por uma<br />
vaga e há incertezas sobre quantos estão aguardando<br />
por uma vaga em outros locais.<br />
A acomodação de alguns pacientes diante<br />
desses dados e o desconhecimento de outros<br />
exigem a atuação do serviço social a partir da<br />
categoria instrumentalidade voltada para a racionalidade<br />
substantiva como de fundamental<br />
importância. Logo, é preciso compreender a presença<br />
do Estado paternalista diante da percep-<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010<br />
129
ção de que 40% dos pacientes entrevistados na<br />
FHCGV demonstraram passividade e ausência de<br />
consciência crítica sobre seus direitos.<br />
6 CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />
Durante a análise dos dados coletados foram<br />
perceptíveis traços da instrumentalidade<br />
do serviço social em uma dimensão de racionalidade<br />
substantiva com algumas limitações. Essas,<br />
por sua vez, são decorrentes da ausência<br />
de espaço que o profissional possui para realizar<br />
sua função de propagador do sistema de<br />
exploração vivenciado pelo indivíduo. Creio<br />
que instrumentalidade compreende um processo<br />
desencadeado a partir de ações do ponto<br />
de vista emancipatório por parte de assistentes<br />
sociais engajados com os preceitos de um<br />
serviço social reconceituado.<br />
Para lidar com o sujeito imerso na teia do<br />
Estado paternalista é extremamente necessário<br />
um profissional que parta de pressupostos da<br />
instrumentalidade do serviço social nessa racionalidade<br />
substantiva. As ações desse Estado são<br />
claras manifestações de impedimentos da<br />
emancipação defendida por Habermas conforme<br />
Deluiz (2009). Logo, percebeu-se nessa pesquisa<br />
ações desse Estado e compreendeu-se que<br />
fica a cargo do assistente social combatê-las.<br />
Ressalta-se que esse profissional não é o “salvador<br />
da pátria”, mas sim parte de uma profissão<br />
contrária à exploração humana.<br />
A partir da análise dos dados empíricos procurou-se<br />
apresentar o processo de passividade e<br />
ausência de consciência crítica por parte de alguns<br />
pacientes entrevistados na FHCGV. Partindo<br />
desse pressuposto atrelaram-se à situação de<br />
passividade as críticas traçadas por Habermas ao<br />
Estado paternalista. Interligou-se ainda a situação<br />
do assistente social e a categoria instrumentalidade<br />
pautada na racionalidade substantiva,<br />
que deveria ser inerente a todos os profissionais<br />
dessa área, mas não é devido a entraves institucionais<br />
e à acomodação de alguns profissionais.<br />
Nessa premissa são perceptíveis vários desafios<br />
que o serviço social possui para o término<br />
da condição de exploração do indivíduo. É válido<br />
ressaltar que isso não se constitui em tarefa única<br />
e exclusiva do assistente social, mas representa<br />
um processo de construção que deve ocorrer a<br />
partir da conscientização de toda a população. A<br />
gênese do serviço social reconceituado prega o<br />
fim da exploração e do processo de alienação.<br />
Logo, é extremante necessário que o profissional<br />
não cruze os braços, mas, aplique a instrumentalidade<br />
pautada na racionalidade substantiva a fim<br />
de assegurar o direito ao cidadão.<br />
Habermas critica o Estado paternalista e suas<br />
estratégias de dominação, segundo Deluiz (2009).<br />
Cabe, portanto, o reconhecimento da categoria<br />
instrumentalidade a fim de que o profissional de<br />
serviço social apresente durante a sua atuação a<br />
situação da ausência de vagas para terapia renal<br />
substitutiva como expressão da questão social. A<br />
partir disso é perceptível a seguinte reflexão: há<br />
a dominação exercida pelo Estado paternalista e,<br />
diante disso, a assistente social deve se posicionar<br />
seguindo a instrumentalidade voltada para<br />
ações da racionalidade substantiva como categoria<br />
inerente à profissão, explicando ao paciente<br />
sua condição de negação de direito a fim de que<br />
possa ser estabelecida a consciência crítica desse<br />
paciente, formando assim um sujeito de direitos<br />
capaz de refletir e exercer sua cidadania.<br />
Assim, o serviço social competente e crítico,<br />
capaz de decifrar as desigualdades que se<br />
expressam na política de saúde voltada ao atendimento<br />
dos pacientes renais crônicos, não pode<br />
negar que nas muitas determinações constantes<br />
na Lei Orgânica da Saúde – LOS 8080 não se<br />
aplica à disparidade entre a quantidade de pacientes<br />
renais crônicos e o número de vagas destinadas<br />
à terapia renal substitutiva. O assistente<br />
social, portanto, precisa exercer sua prática profissional<br />
enredada na instrumentalidade do serviço<br />
social pautada na racionalidade substantiva,<br />
a fim de proporcionar a emancipação e o caminho<br />
para a cidadania plena.<br />
130<br />
Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010
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