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C:\ARQUIVO DE TRABALHO 2010\EDI - Unama

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R E V I S TA<br />

LATO & SENSU<br />

v. 11, n. 1, jun. 2010<br />

Belém<br />

2010<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 1


REVISTA LATO & SENSU<br />

UNIVERSIDA<strong>DE</strong> DA AMAZÔNIA<br />

REITOR<br />

Antonio de Carvalho Vaz Pereira<br />

VICE-REITOR<br />

Henrique Heidtmann Neto<br />

PRÓ-REITOR <strong>DE</strong> ENSINO<br />

Mário Francisco Guzzo<br />

PRÓ-REITORA <strong>DE</strong> PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO<br />

Núbia Maria de Vasconcelos Maciel<br />

COOR<strong>DE</strong>NADORA PEDAGÓGICA<br />

Zenilda Botti Fernandes<br />

SUPERINTEN<strong>DE</strong>NTE <strong>DE</strong> EXTENSÃO<br />

Vera Lúcia Carneiro Soares<br />

SUPERINTEN<strong>DE</strong>NTE <strong>DE</strong> PESQUISA<br />

Ana Célia Bahia Silva<br />

EXPEDIENTE<br />

EDIÇÃO: Editora UNAMA<br />

RESPONSÁVEL: João Carlos Pereira<br />

SUPERVISÃO: Helder Leite<br />

COOR<strong>DE</strong>NAÇÃO: Zenilda Botti Fernandes<br />

ORGANIZAÇÃO: Francisca Magnólia de Oliveira Rego<br />

NORMALIZAÇÃO: Maria Miranda<br />

REVISÃO: Luiz F. Branco<br />

IMPRESSÃO: Delta Gráfica e Editora Ltda.<br />

Campus Alcindo Cacela<br />

Av. Alcindo Cacela, 287<br />

Campus BR<br />

Rod. BR-316, km3<br />

Campus Quintino<br />

Trav. Quintino Bocaiúva, 1808<br />

Campus Senador Lemos<br />

Av. Senador Lemos, 2809<br />

66060-902 - Belém-Pará<br />

67113-901 - Ananindeua-PA<br />

66035-190 - Belém-Pará<br />

66120-901 - Belém-Pará<br />

Fone geral: (91) 4009-3000<br />

Fone: (91) 4009-9200<br />

Fone: (91) 4009-3300<br />

Fone: (91) 4009-7100<br />

Fax: (91) 3225-3909<br />

Fax: (91) 4009-9308<br />

Fax: (91) 4009-0622<br />

Fax: (91) 4009-7153<br />

Catalogação na fonte<br />

www.unama.br<br />

R454r Revista Lato & Sensu - Belém: UNAMA, v.11, n. 1, jun. 2010<br />

126 p.<br />

ISSN: 1519-8758<br />

1. UNAMA - Educação Superior. 2. UNAMA - Periódicos.<br />

CDD: 050<br />

2 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009


v.11 n. 1 2010<br />

SUMÁRIO<br />

EDITORIAL ........................................................................................................................................ 5<br />

BOLSISTAS <strong>DE</strong> INICIAÇÃO CIENTÍFICA<br />

• GRAU <strong>DE</strong> SATISFAÇÃO NO AMBIENTE HOSPITALAR: um estudo de ergonomia e<br />

saúde do trabalhador na Santa Casa de Misericórdia do Pará ...................................................................... 11<br />

Carolina Moraes da Costa<br />

Raphaella Santos Loureiro<br />

• GÊNERO, MEIO AMBIENTE E DIREITOS HUMANOS:<br />

o empoderamento de um grupo de mulheres a serviço do desenvolvimento de<br />

uma comunidade pobre de Belém/PA ........................................................................................................ 21<br />

Lidiane Henriques Begot<br />

• AS TRAMAS ATUAIS DAS FIBRAS TÊXTEIS ...................................................................................................... 29<br />

Janice Accioli Ramos Rodrigues<br />

• ENSINO <strong>DE</strong> LÍNGUA PORTUGUESA: por uma postura mais crítica ................................................................ 39<br />

Welton Diego Carmin Lavareda<br />

• NOVAS PERSPECTIVAS ACERCA DAS MEDIDAS <strong>DE</strong> ACOLHIMENTO INSTITICIONAL: um olhar da Psicologia .... 45<br />

Rogério Tavares da cruz<br />

Márcia Soares Bezerra<br />

• VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: um estudo da fala de vestibulandos de escolas públicas e privadas de Belém....... 55<br />

Diego de Sousa Cruz Lima<br />

Lato & Sensu Belém v.11 n.1 p. 1-132 jun. 201 0<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 3


BOLSISTAS <strong>DE</strong> MONITORIA<br />

• ASPECTOS SUPRASSEGMENTAIS DA LINGUAGEM NOS TRÊS PRIMEIROS ANOS <strong>DE</strong> VIDA:<br />

revisão de literatura ................................................................................................................................... 63<br />

Gabriela Albuquerque Silva<br />

• AUTOESTIMA NA TERCEIRA IDA<strong>DE</strong> ............................................................................................................... 69<br />

José Maria Farah Costa Junior<br />

• AVALIAÇÃO E PROPOSTA <strong>DE</strong> TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO PARA PACIENTES<br />

COM HÉRNIA <strong>DE</strong> DISCO LOMBAR: relato de caso ......................................................................................... 75<br />

Yan Aquino Diniz<br />

• DOS ESCRITOS <strong>DE</strong> EUCLI<strong>DE</strong>S DA CUNHA À CONTEMPORANEIDA<strong>DE</strong>:<br />

a Amazônia da fronteira às margens do rio Purus .......................................................................................... 85<br />

William Monteiro Rocha<br />

• ABORDAGEM FISIOTERAPÊUTICA NO TRATAMENTO DA CONTRATURA <strong>DE</strong> DUPUYTREN:<br />

uma revisão de literatura ........................................................................................................................... 95<br />

Rafael de Oliveira Barbosa<br />

• ABORDAGEM HIDROTERAPÊUTICA NA ARTROPLASTIA <strong>DE</strong> QUADRIL........................................................... 101<br />

Camille Yoldi dos Reis<br />

Profª. Msc. Ediléa Monteiro de Oliveira<br />

• ATUAÇÃO DA FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DA ARTROGRIPOSE MÚLTIPLA CONGÊNITA:<br />

revisão da literatura ................................................................................................................................... 105<br />

Yuri Fonseca Lelis<br />

• MORTE SÚBITA EM ATLETAS ESPORTISTAS: revisão da literatura ................................................................ 111<br />

Bruno Lobato Carneiro<br />

Márcio Clementino de Souza Santos<br />

• INSTRUMENTALIDA<strong>DE</strong> DO SERVIÇO SOCIAL: um estudo com pacientes renais crônicos em lista<br />

de espera por terapia renal substitutiva na FHCGV ................................................................................... 117<br />

Carla Marília Pinheiro Pereira<br />

4 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009


EDITORIAL<br />

Uma revista e muitos sonhos<br />

Arevista Lato & Sensu se diferencia das demais porque aposta no sonho. Não no onírico, no<br />

devaneio, mas no sonho como ampla possibilidade. A Lato&Sensu é assim: uma aposta no<br />

amanhã. E por ser uma publicação que acredita na possibilidade de seus autores, tem um largo<br />

espaço para crescer.<br />

Vejo, no trabalho dos bolsistas de monitoria, extensão, iniciação científica, TV <strong>Unama</strong> e<br />

Rádio <strong>Unama</strong> FM, a semente de um novo tempo. A Universidade investe em gente que tem tudo<br />

para se transformar em grandes pesquisadores, porque sabe que, sem eles, uma escola de ensino<br />

superior fica reduzida à condição de escola.<br />

Na UNAMA, o trabalho intelectual não apenas é estimulado como se transforma, desde a<br />

graduação, em forma de comprometer o aluno com o saber que está nos livros, mas que vai para<br />

além deles. Hoje, a pesquisa é uma porta aberta para a descoberta de novos horizontes e esses<br />

horizontes estão, cada vez mais, ao alcance dos estudantes. Descobrir caminhos para eles é o<br />

desafio da Universidade, que não pode se contentar apenas em oferecer a chamada “educação<br />

bancária”, de que tanto falava Paulo Freire.<br />

Para um grupo de estudantes que se interessa em descobrir, valendo-se das próprias mãos,<br />

vai bem a máxima chinesa de não entregar o peixe, mas de ensinar a pescar. O ensino superior<br />

oferece a dupla opção: traz o peixe e traz o anzol. Há quem fique com o peixe; há quem prefira<br />

caniço, linha e o desafio. Esses estão aqui, nesta revista-laboratório, da qual a UNAMA muito se<br />

orgulha. Ao ver o trabalho de tantos alunos e professores-orientadores se concretizar por meio de<br />

publicação de artigos, penso que estamos no caminho certo. O amanhã que tanto queremos começa<br />

agora, na experimentação, na vontade de descobrir, no gesto simbólico de semear conhecimento<br />

para colher mais tarde.<br />

Como a missão da UNAMA é oferecer educação para o desenvolvimento da Amazônia, aqui<br />

estamos criando espaços para que essa tarefa seja realizada, da melhor maneira possível, a partir da sala<br />

de aula, ampliando-se para as diferentes fontes que são as outras Revistas da Universidade. A professora<br />

Zenilda Botti Fernandes, que há anos acompanha o trabalho de alunos e professores, recebe, em nome<br />

de todos que participam dessa missão, o melhor agradecimento da UNAMA e do futuro.<br />

Antonio de Carvalho Vaz Pereira<br />

Reitor da Universidade da Amazônia<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 5


6 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009


ARTIGOS<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 7


8 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009


BOLSISTAS <strong>DE</strong> INICIAÇÃO CIENTÍFICA<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 9


GRAU <strong>DE</strong> SATISFAÇÃO NO AMBIENTE HOSPITALAR:<br />

um estudo de ergonomia e saúde do trabalhador na<br />

Santa Casa de Misericórdia do Pará 1<br />

Carolina Moraes da Costa*<br />

Raphaella Santos Loureiro**<br />

R E S U M O<br />

Este artigo apresenta uma análise do grau de satisfação e da percepção subjetiva do ambiente<br />

hospitalar dos pacientes e trabalhadores de duas enfermarias da Santa Casa de Misericórdia<br />

do Pará. As enfermarias são diferenciadas por duas variáveis: a localização em relação às<br />

ruas e a condição de climatização. Foram realizadas entrevistas com pacientes e trabalhadores<br />

do objeto de estudo, usando como ferramenta questionários semiestruturados. Constatou-se<br />

que, de forma geral, pacientes e trabalhadores consideram o ambiente hospitalar estudado<br />

com um bom grau de satisfação dos aspectos ergonômicos do mobiliário e locomoção, assim<br />

como, dos níveis de ruído para a saúde do trabalhador nas duas enfermarias.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Saúde do trabalhador. Ergonomia. Grau de satisfação. Ambiente hospitalar.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

O estudo apresentado é de grande relevância,<br />

pois um ambiente agradável e adequado proporciona<br />

melhor qualidade de atendimento dos<br />

trabalhadores aos pacientes, assim como pode<br />

ajudar no processo de cura dos pacientes durante<br />

o período de internação, somado ao fato da existência<br />

de poucos trabalhos publicados sobre os<br />

aspectos ergonômicos voltados para os pacientes,<br />

visto que a maioria dos estudos refere-se<br />

exclusivamente aos trabalhadores.<br />

Segundo Picada (1999) “o conforto ambiental<br />

está intimamente ligado às necessidades<br />

psicossomáticas do indivíduo que, muitas vezes,<br />

têm que ser expressas para que possam<br />

ser atendidas e, em outras vezes, por tão específicas<br />

e particulares, são relegadas à solução<br />

genérica adotada”.<br />

A NBR 10.151/2000 da ABNT recomenda de<br />

35 a 45 decibéis como nível de ruído aceitável e<br />

não prejudicial ao aparelho auditivo, considerando,<br />

ainda, o tempo de exposição ao ruído.<br />

Dias (2000), aponta algumas características<br />

básicas da saúde do trabalhador:<br />

A busca da compreensão das relações (de<br />

nexo) entre o Trabalho, a Saúde e a Doença dos<br />

trabalhadores, para fins de promoção e prevenção<br />

da saúde e da assistência, incluindo o diagnóstico,<br />

tratamento e a reabilitação; a ênfase na<br />

necessidade de mudança das condições e dos<br />

ambientes de trabalho, em direção à humanização<br />

do trabalho; a participação dos trabalhadores<br />

enquanto sujeitos de sua vida e da sua saúde.<br />

* Aluna do 4º ano de Fisioterapia da UNAMA e pesquisadora<br />

da Iniciação Científica tendo como linha de pesquisa<br />

“Indicadores de Qualidade de Vida”.<br />

**Aluna do 3º ano de Terapia Ocupacional da UNAMA e<br />

pesquisadora da Iniciação Científica tendo como linha de<br />

pesquisa “Saúde e Ambiente”.<br />

¹ Artigo produzido sob a orientação da professora dr a . Elcione<br />

Maria Lobato de Moraes.<br />

11<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010


A saúde ocupacional dos trabalhadores da<br />

área da saúde é de suma importância, tendo em<br />

vista que estes precisam estar bem fisicamente<br />

e psicologicamente para que atendam o paciente<br />

com qualidade. É definida pelo comitê da Organização<br />

Internacional do Trabalho – OIT e Organização<br />

Mundial da Saúde – OMS tendo como<br />

finalidade “incentivar e manter o mais elevado<br />

nível de bem-estar físico, mental e social dos trabalhadores<br />

em todas as profissões; prevenir<br />

todo o prejuízo causado à saúde destes pelas<br />

condições de seu trabalho; resumidamente<br />

adaptar o trabalho ao homem e cada homem ao<br />

seu trabalho” (NOGUEIRA, 1984).<br />

O grau de satisfação no trabalho é importante,<br />

pois serve como um termômetro do comportamento<br />

do trabalhador em relação à sua atividade.<br />

O fato de um trabalhador estar insatisfeito<br />

ou não com o seu emprego pode ser explicado<br />

por inúmeros fatores (MACHADO, 2008).<br />

Quanto à relação entre o grau de satisfação<br />

e características pessoais do usuário ainda<br />

persiste grande divergência entre os autores.<br />

No estudo realizado por Weiss (1988), após uma<br />

revisão extensa sobre o tema, são apontados<br />

quatro grupos principais de determinantes da<br />

satisfação: características dos pacientes, incluindo<br />

as sociodemográficas, as expectativas sobre<br />

a consulta médica e o estado atual de saúde;<br />

características dos profissionais que prestam<br />

o atendimento incluindo traços de personalidade,<br />

qualidade técnica e a arte do cuidado<br />

prestado; aspectos da relação médico-paciente,<br />

incluindo o estilo de comunicação entre os<br />

dois, bem como o resultado do encontro; fatores<br />

estruturais e ambientais, incluindo o acesso,<br />

forma de pagamento, tempo de tratamento,<br />

marcação de consultas e outros.<br />

Já a ergonomia foi definida como “o conjunto<br />

de conhecimentos científicos relativos ao<br />

homem e necessários à concepção de instrumentos,<br />

máquinas e dispositivos que possam ser<br />

utilizados com o máximo de conforto, segurança<br />

e eficiência” (LAVILLE, 1977).<br />

Para a Associação Internacional de Ergonomia<br />

(IEA) a ergonomia (ou fatores humanos) é<br />

uma disciplina científica que estuda as interações<br />

dos homens com os outros elementos do<br />

sistema, fazendo aplicações de teorias, princípios<br />

e métodos de projeto, com o objetivo de<br />

melhorar o bem-estar humano e o desempenho<br />

global do sistema. (DUL; WEERDMEESTER, 2004).<br />

A ergonomia e a saúde do trabalhador são<br />

utilizadas para recomendar a melhor adaptação<br />

dos integrantes ao ambiente hospitalar. Portanto,<br />

levando-se em consideração o bem-estar do<br />

paciente e trabalhador, optou-se por fazer uma<br />

análise ergonômica e ocupacional nas Enfermarias<br />

São Roque e Frei Caetano, da Santa Casa de<br />

Misericórdia do Pará. Tendo como objetivo geral<br />

analisar o grau de satisfação dos pacientes e<br />

dos trabalhadores nas enfermarias, e como objetivos<br />

específicos avaliar o grau de satisfação<br />

da ergonomia das enfermarias, visando a mobilidade<br />

e conforto dos pacientes; quantificar o<br />

grau de satisfação dos trabalhadores das enfermarias<br />

quanto ao conforto acústico; e verificar o<br />

grau de satisfação dos pacientes e trabalhadores<br />

em relação ao ambiente onde se encontram.<br />

2 OBJETO <strong>DE</strong> ESTUDO<br />

O objeto de estudo é a Fundação Santa Casa<br />

de Misericórdia do Pará, localizada no bairro do<br />

Umarizal, na cidade de Belém. A Santa Casa é<br />

um hospital centenário, com 346 leitos, voltado<br />

ao atendimento de pacientes de Belém e do interior<br />

do estado, em várias especialidades médicas,<br />

entre elas, às destinadas ao atendimento<br />

materno-infantil. O hospital está situado em uma<br />

área considerada pelo mapa acústico de Belém<br />

como sendo de condição acústica saturada, ou<br />

seja, os níveis sonoros no seu entorno ultrapassam<br />

os limites máximos recomendados pela Organização<br />

Mundial de Saúde para zonas hospitalares<br />

(SOUZA et al, 2010).<br />

As enfermarias analisadas são a São Roque<br />

e Frei Caetano: a primeira é uma enfermaria de<br />

12 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010


clínica médica adulta, masculina e feminina; fica<br />

localizada no limite externo do edifício, voltada<br />

para uma rua de trânsito intenso e sofre influência<br />

direta do ruído urbano; não é climatizada,<br />

tem um quadro de profissionais fixos de<br />

8 por turno, 26 leitos; a outra é uma enfermaria<br />

de clínica cirúrgica adulta e masculina; está localizada<br />

na área central do hospital e é climatizada;<br />

possui um quadro fixo de profissionais<br />

de 4 por turno, 14 leitos.<br />

3 METODOLOGIA<br />

A metodologia aplicada para o desenvolvimento<br />

do trabalho consta de pré-coleta de<br />

dados (elaboração do questionário); análises<br />

e conclusão. Inicialmente foi elaborado o<br />

questionário semi-estruturado com uma abordagem<br />

sobre a ergonomia e saúde do trabalhador.<br />

Minayo (2004) considera que o questionário<br />

semi-estruturado “combina perguntas<br />

fechadas (ou estruturadas) e abertas, onde o<br />

entrevistado tem a possibilidade de discorrer<br />

sobre o tema proposto, sem respostas ou condições<br />

prefixadas pelo pesquisador”.<br />

As entrevistas foram realizadas entre os<br />

meses de outubro e novembro de 2009. Foram<br />

aplicados questionários em 50 pacientes<br />

e acompanhantes e 24 funcionários do<br />

hospital. O material coletado através de<br />

análise qualitativa foi utilizado para o método<br />

de tratamento das informações. A opção<br />

pela análise de conteúdo deve-se ao<br />

fato deste método nos permitir a operacionalização<br />

no tratamento dos dados e, consequentemente,<br />

a sistematização, análise e<br />

interpretação de caráter qualitativo. A análise<br />

de conteúdo está conforme as proposições<br />

de Bardin (1977).<br />

Segundo Bardin (1977), a análise de conteúdo<br />

pode ser definida como:<br />

Um conjunto de técnicas de análise<br />

de comunicação visando obter, por<br />

procedimentos sistemáticos e objetivos<br />

de descrição do conteúdo das<br />

mensagens, indicadores (quantitativos<br />

ou não) que permitam a interferência<br />

de conhecimentos relativos<br />

às condições de produção/recepção<br />

desta mensagem.<br />

A análise aconteceu em três momentos. O<br />

primeiro trabalhou as respostas obtidas no questionário,<br />

a fim de perceber como o indivíduo em<br />

questão avalia e compreende seu ambiente de<br />

trabalho e os aspectos ergonômicos; no segundo<br />

momento, após as coletas dos dados, estes<br />

foram analisados de acordo com a literatura; no<br />

terceiro momento os resultados, já fundamentados,<br />

foram correlacionados.<br />

A avaliação do grau de satisfação teve como<br />

base uma escala linear e contínua de 15 cm (de<br />

acordo com JONES, 1976), com três âncoras nas 2<br />

extremidades (satisfeito e insatisfeito) e uma<br />

posição neutra ao centro (PASTRE et al, 2001).<br />

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS<br />

I. Enfermaria São Roque<br />

A Enfermaria São Roque é classificada como<br />

uma enfermaria de clínica médica adulta unissex,<br />

tendo um tempo médio de permanência/<br />

internação de aproximadamente 23 dias. É uma<br />

enfermaria climatizada e está localizada no limite<br />

lateral do hospital, com janelas voltadas<br />

diretamente para as ruas que a contornam.<br />

Com relação à percepção da ergonomia<br />

dos usuários, a tabela 1, abaixo, mostra que<br />

86,7% dos entrevistados declaram não ter dificuldade<br />

de locomover-se nessa enfermaria;<br />

enquanto 13,3% consideram que não conseguem<br />

locomover-se adequadamente. 56,7%<br />

dos entrevistados afirmam não ter nenhum<br />

tipo de dificuldade para subir e/ou descer do<br />

leito. Em relação ao conforto no leito, 56,7%<br />

declaram o leito confortável, já em relação ao<br />

tamanho do leito, 86,7% alegam ser adequado.<br />

60% destes relatam que o banheiro é adaptado,<br />

acessível e seguro.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010<br />

13


Tabela 1: Descrição da percepção ergonômica de pacientes da Enfermaria São Roque.<br />

Questões<br />

A tabela 2 mostra o porquê dos 40% dos<br />

entrevistados não considerarem o banheiro<br />

adaptado, acessível e seguro. Isto ocorre devido<br />

à falta de barras de apoio, piso escorregadio, altura<br />

do registro do chuveiro, sujeira, acento do<br />

vaso sanitário quebrado e ser pequeno.<br />

A amostra de trabalhadores foi de 15 pessoas.<br />

Observa-se que 53,3% dos entrevistados<br />

percebem o aumento de ruído no decorrer do<br />

hospital onde localiza-se a enfermaria em questão<br />

(ver tabela 3).<br />

O tempo de trabalho no hospital é diversificado,<br />

vai de 22 anos a 1 mês de trabalho. O<br />

barulho de obras foi o mais citado como ruído<br />

que aumentou com o tempo; alguns entrevistados<br />

ressaltaram também o ruído externo, como<br />

o trânsito, por exemplo. Nada é feito para minimizar<br />

o incômodo causado pelo ruído por 10 en-<br />

Tabela 2: Descrição da percepção dos banheiros pelos pacientes da enfermaria São Roque.<br />

tempo de serviço na enfermaria. Quanto ao prejuízo,<br />

apenas 20% percebe que o ruído prejudica<br />

muito no desempenho de suas atividades, enquanto<br />

que 40% considera que em nada prejudica<br />

e 40% que pouco prejudica. 100% dos entrevistados<br />

disseram que não participam de nenhum<br />

programa preventivo para minimizar o incômodo<br />

com o ruído, apesar de 66,7% ter conhecimento<br />

do programa Saúde do Trabalhador, do<br />

trevistados; outros disseram que fecham a porta<br />

e ligam o ar-condicionado; outros fecham as<br />

janelas e outros disseram não dar importância<br />

(ver tabela 4).<br />

II. Enfermaria Frei Caetano<br />

É uma enfermaria de clínica cirúrgica adulta<br />

e masculina; o tempo médio de permanência/<br />

14<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010


Tabela 3: Percepção do incômodo que o ruído causa à saúde do trabalhador na Enfermaria São<br />

Roque.<br />

internação é de 28,5 dias. A enfermaria está localizada<br />

na parte interna do hospital, longe das<br />

vias públicas e é climatizada.<br />

Quando foi perguntado aos pacientes, sobre<br />

a dificuldade de locomover-se na enfermaria<br />

a resposta foi unânime, ou seja, 100% dos<br />

entrevistados afirmam não ter nenhuma dificuldade.<br />

85% relatam não ter problemas de subir e<br />

descer do leito. Já em relação ao conforto no<br />

leito 90% o consideram confortável; já em relação<br />

ao tamanho do leito, 95% alegam ser adequado.<br />

95% destes relatam que o banheiro é<br />

adaptado, acessível e seguro.<br />

Somente um dos entrevistados não considera<br />

o banheiro adaptado, acessível e seguro. Isto<br />

ocorre devido ao vaso sanitário ser muito baixo.<br />

A amostra de trabalhadores foi de 9 pessoas.<br />

Observa-se que 77,8% dos entrevistados percebem<br />

não haver aumento de ruído no decorrer do tempo<br />

de serviço na enfermaria. Quanto ao prejuízo, 77,8%<br />

percebem que o ruído pouco prejudica no desempenho<br />

de suas atividades. 100% dos entrevistados<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010<br />

15


Tabela 4: Descrição dos trabalhadores da São Roque sobre medidas de prevenção contra o incômodo<br />

que o barulho causa, e o aumento deste em relação ao tempo de trabalho no hospital.<br />

Tabela 5: Descrição da percepção ergonômica de pacientes da Enfermaria Frei Caetano.<br />

disseram que não participam de nenhum programa<br />

preventivo para minimizar o incômodo com o<br />

ruído, apesar de 88,9% ter conhecimento do programa<br />

Saúde do Trabalhador, do hospital onde se<br />

localiza a enfermaria em questão (ver tabela 6).<br />

Barulho de obras e equipamentos tecnológicos<br />

foram citados por alguns entrevistados<br />

como os que mais aumentaram com o tempo.<br />

Fechar a porta e ligar o ar-condicionado, ignorar,<br />

habituar-se, afastar-se são algumas atitudes tomadas<br />

para minimizar o incômodo causado pelo<br />

ruído (ver tabela 7).<br />

16<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010


Tabela 6: Percepção do incômodo que o ruído causa à saúde do trabalhador na Enfermaria Frei<br />

Caetano.<br />

Legendas: N / P / M : Nada / Pouco / Muito<br />

Tabela 7: Descrição dos trabalhadores da Frei Caetano sobre medidas de prevenção contra o incômodo<br />

que o barulho causa, e o aumento deste em relação ao tempo de trabalho no hospital<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010<br />

17


5 CONCLUSÕES<br />

Percebeu-se que, de acordo com aspectos<br />

ergonômicos na Enfermaria São Roque, mais da<br />

metade dos pacientes entrevistados relatam locomover-se<br />

adequadamente dentro da enfermaria,<br />

não ter dificuldade de subir e descer do<br />

leito; afirmam que o mesmo é confortável e<br />

apresenta um tamanho adequado, além de referir<br />

que o banheiro dessa enfermaria é adaptado,<br />

acessível e seguro.<br />

As condições ergonômicas da Enfermaria Frei<br />

Caetano são quase idênticas às da enfermaria citada<br />

acima, pois todos os pacientes relatam que<br />

se locomovem bem dentro da enfermaria, além<br />

do que, a maioria dos entrevistados afirma não<br />

apresentar dificuldade de subir e descer do leito,<br />

o acham confortável, com tamanho ideal e o banheiro<br />

adaptado, acessível e seguro. Esta opinião<br />

deve-se ao fato dos entrevistados compararem<br />

as enfermarias em questão com outros hospitais<br />

ligados ao Sistema Único de Saúde – SUS.<br />

Em relação à saúde do trabalhador, as respostas<br />

dadas pelos entrevistados da Enfermaria<br />

São Roque não foram a esperadas. Estimava-se<br />

que pelo fato da enfermaria não ser climatizada<br />

e ser localizada ao lado de uma rua com tráfego<br />

de veículos intenso a percepção em relação ao<br />

ruído seria maior, contudo 46,7% dos entrevistados<br />

disseram não perceber aumento do barulho<br />

com o tempo de serviço no hospital. Além disso,<br />

a maioria dos entrevistados afirmou que o barulho<br />

não prejudica ou pouco prejudica o seu desempenho<br />

no trabalho, sendo citado o barulho<br />

de obras e trânsito como os que mais aumentaram<br />

com o tempo.<br />

Enquanto que na Enfermaria Frei Caetano,<br />

que é climatizada e localizada na área interna do<br />

hospital, somente 22,2% dos entrevistados disseram<br />

que houve aumento do barulho e 77,8%<br />

declararam que esse barulho pouco prejudica no<br />

desempenho de suas atividades. Os barulhos que<br />

mais aumentaram com o tempo, segundo alguns<br />

entrevistados, foi o de obras e, também, o de<br />

equipamentos tecnológicos.<br />

Vale ressaltar o fato de 100% dos entrevistados<br />

em ambas as enfermarias relatarem não<br />

participar de nenhum programa preventivo para<br />

minimizar o incômodo causado pelo ruído; para<br />

diminuir esse incômodo algumas medidas são<br />

adotadas, como fechar portas e janelas e ligar o<br />

ar-condicionado, não dar importância, ignorar,<br />

afastar-se. Apenas 33,3% na São Roque e 11,1%<br />

na Frei Caetano ressaltaram não conhecer o Programa<br />

Saúde do Trabalhador, do hospital, que<br />

seria um serviço voltado a preservar a qualidade<br />

de vida dos trabalhadores.<br />

Considera-se que os trabalhadores, provavelmente,<br />

já se acostumaram com o ruído presente<br />

nessas enfermarias, levando-se em consideração<br />

o fato da maioria deles trabalhar no<br />

hospital há mais de 2 anos.<br />

Pode-se concluir que o objeto de estudo<br />

dentro da ergonomia foi ressaltado com um bom<br />

grau de satisfação. Entretanto, em consideração<br />

à saúde do trabalhador, constatou-se que apenas<br />

pouco mais da metade dos entrevistados<br />

considera as enfermarias em questão com grau<br />

de satisfação bom, em relação ao ruído.<br />

A contribuição deste estudo para as áreas<br />

hospitalares é mostrar que o grau de satisfação<br />

de pacientes e trabalhadores pode afetar no processo<br />

de cura e no atendimento adequado ao<br />

paciente. A equipe hospitalar deve estar consciente<br />

do ruído e das intervenções ergonômicas e<br />

dos efeitos dos mesmos, para que possam atuar<br />

de maneira mais efetiva na redução do estresse,<br />

da irritação, da impaciência, da poluição sonora,<br />

e também de que um ambiente ergonomicamente<br />

adequado proporciona bem-estar.<br />

18<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010


REFERÊNCIAS<br />

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MACHADO, Danielle. O grau de satisfação no trabalho<br />

é importante, pois serve como um “termômetro”<br />

do comportamento do trabalhador em relação<br />

à sua atividade. In: Encontro Nacional de Estudos<br />

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MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do<br />

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8. ed. São Paulo: Hucitec, 2004.<br />

NOGUEIRA, Diogo. Incorporação da saúde ocupacional<br />

à rede primária de saúde. Revista de<br />

Saúde Pública, São Paulo, 1984.<br />

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2001.<br />

PICADA, Getúlio de Souza. Tópicos de Conforto<br />

Ambiental. Revista Tecnológica, UFSM, 1999 apud<br />

RIBEIRO, Rosemary Campos. Análise de conforto<br />

ambiental urbano aplicado à área central de<br />

Pedro Leopoldo. Belo Horizonte, 2002.<br />

SOUZA, Tonya; MORAES, Elcione; LOUREIRO, Raphaella;<br />

COSTA, Carolina. O ruído em espaço<br />

hospitalar: um estudo de caso na Santa Casa de<br />

Misericórdia do Pará. In: Encontro da Sociedade<br />

Brasileira de Acústica.23, Salvador, 2010.<br />

WEISS, L.G. Patient satisfaction with primary<br />

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and predispositional factors. Med.Care, 1988.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010<br />

19


20 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009


GÊNERO, MEIO AMBIENTE E DIREITOS HUMANOS:<br />

o empoderamento de um grupo de mulheres a serviço do<br />

desenvolvimento de uma comunidade pobre de Belém/PA 1<br />

Lidiane Henriques Begot*<br />

R E S U M O<br />

Este trabalho tem como tema central a participação de um grupo de mulheres no desenvolvimento<br />

de uma comunidade localizada em uma área de vulnerabilidade social de Belém,<br />

especificamente no bairro do Tapanã. Apresenta a discussão sobre o direito à qualidade de vida<br />

e meio ambiente ecologicamente equilibrado em uma micropopulação amazônica. O direito a<br />

um meio ambiente ecologicamente equilibrado encontra-se resguardado no artigo 225 da Constituição<br />

Federal de 1988 e pode ser considerado um direito fundamental. Tal direito remete,<br />

entre outras questões, ao problema do planejamento das cidades e nele o saneamento básico.<br />

A construção de consciência ambiental e sobre a responsabilidade do Estado em oferecer serviços<br />

de saneamento resultou de um processo longo que perfilou um quadro de pró-atividade<br />

nesse grupo de mulheres.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Gênero. Meio Ambiente. Direitos Humanos. Desenvolvimento.<br />

1 O DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICA-<br />

MENTE EQUILIBRADO À QUALIDA<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> VIDA<br />

O direito mostra-se como uma área do saber<br />

interdisciplinar, pois, enquanto ciência social aplicada,<br />

produz um conhecimento que, entre outras<br />

funções, proporciona a construção de mecanismos<br />

capazes de mediar situações de conflito originadas<br />

na relação entre os indivíduos.<br />

Nesse sentido, a Constituição Federal de<br />

1988 representa o instrumento jurídico mais importante<br />

no cenário político e social brasileiro,<br />

já que nela se encontram as garantias básicas<br />

dos indivíduos, e representa ainda o conjunto<br />

de leis máximas sob as quais os demais instrumentos<br />

jurídicos nacionais, como as Constituições<br />

estaduais, por exemplo, estão submetidos.<br />

As expressões “direitos do homem”, “direitos<br />

humanos” e “direitos fundamentais”, são<br />

aparentemente sinônimas, contudo, são conceitos<br />

distintos dentro das ciências jurídicas.<br />

Para melhor exemplificar, Canotilho (2003) define<br />

direitos do homem como direitos “válidos<br />

para todos os povos em todos os tempos (dimensão<br />

jusnaturalista-universalista)” (p.393).<br />

Nesse sentido, em uma perspectiva ampla e<br />

geral, os direitos humanos, de acordo com a<br />

dimensão jusnaturalista-universalista, são<br />

aqueles garantidos legalmente na ordem jurídica,<br />

válidos intemporalmente. Por outro lado,<br />

os direitos fundamentais são os direitos do<br />

homem, jurídico-institucionalmente garantidos<br />

e limitados espaço-temporalmente. Ambos são<br />

da natureza do homem, daí seu caráter inviolá-<br />

*Discente do 4º semestre do curso de Direito (UNAMA; bolsista<br />

de Iniciação Científica.<br />

1<br />

Artigo orientado pela professora drª. Voyner Ravena Cañete.<br />

Lato Lato & Sensu, & Sensu, Belém, v. v. 11, 10 n. n. 1, 2, p. p. 21-27, 9-25, maio, jun. 2010 2009 21


vel. Os direitos fundamentais dos indivíduos<br />

são resguardados nesses instrumentos jurídicos,<br />

afirma Gilmar Mendes (2002).<br />

A Constituição brasileira de 1988 atribuiu<br />

significado ímpar aos direitos individuais. Já a<br />

colocação do catálogo dos direitos fundamentais<br />

no início do texto constitucional, denota a<br />

intenção do constituinte de lhes emprestar significado<br />

especial. A amplitude conferida ao texto,<br />

que se desdobra em 77 incisos em dois parágrafos<br />

(artigo 5 o ), reforça a impressão sobre a<br />

posição de destaque que o constituinte quis<br />

outorgar a esses direitos. A ideia de que os direitos<br />

individuais devem ter eficácia imediata,<br />

ressalta a vinculação direta dos órgãos estatais a<br />

esses direitos e o seu dever de guardar-lhes estrita<br />

observância (p.1).<br />

No texto em tela o autor mencionado revela<br />

a relação direta da gestão pública, de responsabilidade<br />

do Estado, com a garantia dos direitos<br />

mencionados no artigo 5º. Nesse cenário a<br />

segurança individual do cidadão estaria garantida.<br />

Todavia, essa não é a realidade social vivenciada<br />

pela população brasileira. Mas, ainda na<br />

busca de resguardar direitos fundamentais, estes<br />

se mostram diluídos em outros artigos da<br />

Constituição. Nesse sentido, o direito a um meio<br />

ambiente ecologicamente equilibrado, o direito<br />

à sadia qualidade de vida, e dentro dela o saneamento,<br />

resguardado no artigo 225 pode ser<br />

visto como uma estratégia também de garantia<br />

de direitos fundamentais. O artigo em questão<br />

merece ser aqui retomado:<br />

Art. 225. Todos têm direito ao meio<br />

ambiente ecologicamente equilibrado,<br />

bem de uso comum do povo e<br />

essencial à sadia qualidade de vida,<br />

impondo-se ao poder público e à coletividade<br />

o dever de defendê-lo e<br />

preservá-lo para as presentes e futuras<br />

gerações.<br />

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse<br />

direito, incumbe ao poder público:<br />

IV - exigir, na forma da lei, para instalação<br />

de obra ou atividade potencialmente<br />

causadora de significativa<br />

degradação do meio ambiente,<br />

estudo prévio de impacto ambiental,<br />

a que se dará publicidade;<br />

VI - promover a educação ambiental<br />

em todos os níveis de ensino e a<br />

conscientização pública para a preservação<br />

do meio ambiente;<br />

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas,<br />

na forma da lei, as práticas que<br />

coloquem em risco sua função ecológica,<br />

provoquem a extinção de espécies<br />

ou submetam os animais à<br />

crueldade.<br />

§ 3º - As condutas e atividades consideradas<br />

lesivas ao meio ambiente<br />

sujeitarão os infratores, pessoas<br />

físicas ou jurídicas, a sanções penais<br />

e administrativas, independentemente<br />

da obrigação de reparar os<br />

danos causados.<br />

Dessa sorte, o artigo acima descrito parece<br />

dar continuidade ao texto proposto no artigo 5 0 ,<br />

especialmente porque garante, através das obrigações<br />

do Estado, direitos que também são fundamentais.<br />

Reforçando ainda a relação entre esses dois<br />

direitos é possível encontrar o que preconiza a<br />

Declaração Universal dos Direitos Humanos:<br />

Todas as pessoas nascem livres e<br />

iguais em dignidade e direitos. São<br />

dotadas de razão e devem agir em<br />

relação umas às outras com espírito<br />

de fraternidade (artigo I).<br />

Toda pessoa tem capacidade para<br />

gozar os direitos e as liberdades<br />

estabelecidos nesta Declaração,<br />

sem distinção de qualquer espécie,<br />

seja de raça, cor, sexo, língua, religião,<br />

opinião política ou de outra<br />

natureza, origem nacional ou social,<br />

riqueza, nascimento, ou qualquer<br />

outra condição (artigo II).<br />

Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade<br />

e à segurança pessoal (artigo<br />

III).<br />

Sabe-se, porém, que os direitos humanos<br />

refletem condições política, social, cultural e, no<br />

Brasil, muito há de ser feito para se atingir, se<br />

não a excelência, ao menos a existência de condições<br />

mínimas de segurança social. Essa questão<br />

remete mais uma vez ao poder público enquanto<br />

produtor, implementador e gestor de<br />

políticas públicas que façam valer os direitos dos<br />

22 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 21-27, jun. 2010


milhões de habitantes que formam a sociedade<br />

brasileira, mas que vivem em situação de pouco<br />

ou nenhum conhecimento de seus direitos.<br />

Articulando direitos fundamentais e direitos<br />

humanos em cenário de pobreza, o trabalho<br />

de Fernanda Doz Costa (2008) permite vislumbrar<br />

relações importantes entre esses dois direitos.<br />

A autora faz uma classificação reveladora<br />

sobre essa temática em seu trabalho, no qual<br />

apresenta as seguintes teorias:<br />

(1) teorias que concebem a pobreza, por si<br />

só, como uma violação de direitos humanos; (2)<br />

teorias que definem a pobreza como uma violação<br />

de um direito humano específico, a saber, o<br />

direito a um nível de vida adequado ou o direito<br />

ao desenvolvimento; e (3) teorias que consideram<br />

a pobreza como causa ou consequência de<br />

violações de direitos humanos.<br />

Analisando as proposições da autora, é possível<br />

verificar que pessoas em uma situação de<br />

pobreza severa encontram-se violadas no que<br />

dispõe a carta dos Direitos Humanos, ou mesmo<br />

o que consta na Constituição Federal de 1988<br />

sobre os direitos fundamentais. Dentre os direitos<br />

deixados para trás chama a atenção o direito<br />

da dignidade humana, no qual está implícita a<br />

necessidade de um meio ambiente ecologicamente<br />

equilibrado.<br />

Para Milaré (2005), de acordo com o Princípio<br />

nº 10 da Declaração do Rio, de 1992, a melhor<br />

opção para se garantir e manter o direito ao meio<br />

ambiente ecologicamente equilibrado se refere<br />

ao envolvimento de todas as pessoas que estão<br />

ao redor deste. Ou seja, a alternativa seria<br />

levar a educação ambiental para todos os interessados<br />

nesta questão para que possam se fazer<br />

presentes perante a sociedade, reconhecendo<br />

seus direitos e deveres como cidadãos, assim<br />

possibilitando a todos o saber/consciência<br />

para utilizar de forma saudável o meio ambiente,<br />

a fim de que todos possam gozar do direito<br />

garantido no inciso VI do art. 225.<br />

O direito à participação pressupõe o direito<br />

de informação e está a ele intimamente ligado.<br />

É que os cidadãos com acesso à informação<br />

têm melhores condições de atuar sobre a sociedade,<br />

de articular mais eficazmente desejos e<br />

ideias e de tomar parte efetiva nas decisões que<br />

lhes interessam diretamente (MILARÉ, 2005. p.<br />

163).<br />

Por outro lado, corroborando o disposto na<br />

Declaração Universal dos Direitos Humanos, o<br />

direito a um meio ambiente ecologicamente<br />

equilibrado encontra-se resguardado no artigo<br />

225º da Constituição Federal de 1988 e pode ser<br />

considerado um direito fundamental. Nesse<br />

sentido, Santili (2005) aponta que:<br />

O meio ambiente ecologicamente<br />

equilibrado, essencial à qualidade<br />

de vida, é um direito humano fundamental.<br />

Embora não esteja arrojado<br />

no artigo 5º da Constituição entre os<br />

direitos e garantias fundamentais<br />

“explícitos”, a doutrina já reconhece<br />

o seu caráter fundamental, baseada<br />

em uma compreensão material do<br />

direito fundamental (p. 58).<br />

Na citação fica explícito que todos têm o<br />

direito à garantia, pelo poder público, de usufruir<br />

de um meio ambiente ecologicamente<br />

equilibrado, ou seja, um meio ambiente que<br />

garanta uma sadia qualidade de vida, com espaços<br />

limpos, redes de esgotos, coleta de lixo, de<br />

ter saneamento básico de forma geral, e não só<br />

para as gerações que estão agora presentes nestes<br />

ambientes, mas também às gerações que virão.<br />

Expressando esse direito a Constituição Federal<br />

de 1988 dispõe:<br />

Art. 225. Todos têm direito ao meio<br />

ambiente ecologicamente equilibrado,<br />

bem de uso comum do povo e<br />

essencial à sadia qualidade de vida,<br />

impondo-se ao poder público e à coletividade<br />

o dever de defendê-lo e<br />

preservá-lo para as presentes e futuras<br />

gerações.<br />

Tal direito remete, entre outras questões,<br />

ao problema do planejamento das cidades e nele<br />

o saneamento básico. Este pode ser compreen-<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 21-27, jun. 2010<br />

23


dido como serviços relativos ao fornecimento<br />

de água potável, tratamento de esgoto, coleta<br />

de lixo e prevenção a qualquer tipo de agente<br />

patogênico, visando à saúde das comunidades.<br />

Está claro que o não cumprimento desse direito<br />

reflete a ausência de qualidade de vida da população<br />

afetada. Ampliando, ainda, a questão<br />

sobre direitos, é possível inferir que o descumprimento<br />

dessas garantias constitucionais remete<br />

à própria violação da dignidade humana, trazendo<br />

para a discussão o que preconiza a Declaração<br />

Universal dos Direitos Humanos.<br />

2 COMUNIDA<strong>DE</strong> BOM JESUS I<br />

A Região Metropolitana de Belém (RMB)<br />

tem uma população estimada em 1.500.000 habitantes,<br />

situando-se entre as 23 maiores aglomerações<br />

urbanas mundiais localizadas na faixa<br />

costeira (Unesco, 1998). Com isso, Belém cresce<br />

de forma desordenada, originando conflitos e<br />

desigualdades que são visíveis na fisionomia<br />

urbana. Ademais das consequências sociais, a<br />

ocupação desordenada causa impactos ambientais<br />

de dimensões consideráveis, principalmente<br />

em função do lançamento de esgoto e lixo<br />

doméstico nos rios e igarapés, transformandoos,<br />

com o passar do tempo, em canais e esgotos<br />

a céu aberto. O governo, de forma geral, corrobora<br />

com esse processo, uma vez que suas intervenções<br />

são baseadas em modelos externos<br />

de urbanização, não visualizando rios, lagos e<br />

igarapés como participantes do cenário urbano.<br />

Consequentemente, a riqueza hidrográfica que<br />

caracterizou o passado dos bairros centrais da<br />

cidade de Belém não existe mais, traduzindo-se<br />

em diversos corpos de água aterrados ou transformados<br />

em canais e depositários de esgoto.<br />

Esse cenário de contradição pode ser visualizado<br />

na Comunidade Bom Jesus I, localizada<br />

entre os bairros do Tapanã e Pratinha, às margens<br />

do igarapé Mata Fome. Esta se encontra à<br />

margem da sociedade, de tal forma que se constitui<br />

como socialmente invisível, na medida em<br />

que vivencia a ausência de recursos e serviços<br />

urbanos básicos e fundamentais como segurança,<br />

saúde, educação, água encanada, esgoto, coleta<br />

de lixo, educação, saúde, lazer, entre outros,<br />

denotando um sério problema de justiça<br />

social. Tal cenário repercute diretamente na qualidade<br />

de vida dos moradores.<br />

A população, em grande parte vinda do interior<br />

do estado, inicialmente ocupou a área próxima<br />

ao igarapé, para a obtenção de alimentos<br />

como peixe, camarão e frutos das matas ciliares.<br />

Os dados elucidam essa afirmação.<br />

Tabela 1: Zona de origem da família residente.<br />

Origem Valor Absoluto %<br />

Rural 97 37.89<br />

Urbana 159 62.11<br />

Total 256 100%<br />

Fonte: RAVENA-CAÑETE, 2006.<br />

Os moradores construíram casas provisórias,<br />

e permaneciam tempos na cidade de Belém<br />

– geralmente em função da busca de serviços<br />

como educação ou saúde e o fazia sazonalmente,<br />

fixando-se posteriormente na área. Essa população<br />

retirou seu alimento do igarapé durante<br />

anos, no entanto, o adensamento da ocupação<br />

do entorno desse corpo d’água alterou profundamente<br />

a dinâmica ambiental e social que<br />

caracterizava o igarapé Mata Fome.<br />

As imagens expressam a situação de pobreza<br />

e ausência de um ambiente ecologicamente<br />

equilibrado na área da comunidade Bom Jesus I,<br />

às margens do igarapé.<br />

24<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 21-27, jun. 2010


Uma comunidade onde mais de um terço<br />

de seus estudantes são beneficiários de políticas<br />

sociais evidencia um cenário de pobreza severo,<br />

o que revela a importância de projetos que<br />

enfoquem processos de empoderamento, tanto<br />

na esfera pessoal como social. Buscando trabalhar<br />

essa temática o Projeto IMF se instalou<br />

na área da comunidade Bom Jesus I.<br />

3 ATIVIDA<strong>DE</strong>S DO PROJETO IMF E SEU IMPACTO<br />

NO GRUPO <strong>DE</strong> MULHERES<br />

Figura 1: Comunidade Bom Jesus I no igarapé<br />

Mata Fome.<br />

Figura 2: Casa na Comunidade Bom Jesus I sobre<br />

o igarapé Mata Fome<br />

O projeto de extensão da UNAMA denominado<br />

“O fazer virtuoso: geração de renda, empoderamento<br />

e consciência ambiental no igarapé Mata<br />

Fome, Belém/PA”, mais conhecido como Projeto Igarapé<br />

Mata Fome (IMF), já passou por várias fases, trabalhando<br />

em cada uma delas com agentes diferentes.<br />

Entre os anos 2002 e 2004, realizou palestras, acompanhamentos<br />

psicológicos e grupos de crescimento 2<br />

com a finalidade de reconstruir a autoestima, o empoderamento<br />

e maior valorização dessas mulheres,<br />

perante a comunidade e perante elas próprias. Desenvolveu,<br />

também, atividades e oficinas com o intuito<br />

de instruir o grupo de mulheres em processos<br />

de geração de renda. Dentre as oficinas mais importantes<br />

que ocorreram, a de papel reciclado teve destaque,<br />

no qual essas mulheres aprenderam a fazer<br />

desde o próprio papel reciclado até vários produtos<br />

como sacolas, álbuns de fotos, caixinhas etc.<br />

Como evidenciado nas imagens acima, a situação<br />

de pobreza e exclusão social marca o cotidiano<br />

dos moradores e, nesse sentido, os dados relativos<br />

às políticas sociais, como o Bolsa Família, reforçam<br />

a análise sobre o cenário apresentado.<br />

Tabela 2: Número de alunos que fazem parte do<br />

Bolsa Família.<br />

Figura 3: Produtos feitos com papel reciclado,<br />

pelo grupo de mulheres.<br />

Fonte: Acervo pessoal, 2007.<br />

Fonte: RAVENA-CAÑETE, 2006.<br />

2<br />

Técnicas da psicologia para intervenção em grupo.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 21-27, jun. 2010<br />

25


As imagens acima revelam uma compreensão<br />

de estética capaz de atender um mercado<br />

consumidor consolidando, então, processos de<br />

geração de renda que podem ser estartados.<br />

A geração de renda promovida pelo projeto<br />

de extensão, a partir de oficinas, no entanto,<br />

mostra-se apenas como um dos objetivos das<br />

ações, sendo que processos de empoderamento<br />

que se traduzem em cidadania, ocupam o principal<br />

foco de intervenção. Nesse sentido, pensar<br />

em um meio ambiente ecologicamente equilibrado<br />

vem à cena como um direito fundamental<br />

e um objetivo de busca cidadã.<br />

As atividades do grupo de mulheres passaram<br />

a se perfilar. Inicialmente, através de palestras<br />

e atividades que apontavam a necessidade<br />

da garantia dos direitos da mulher, seguida da<br />

apresentação dos direitos fundamentais e, entre<br />

eles, aquele voltado para um ambiente ecologicamente<br />

equilibrado. Foi nesse cenário de<br />

compreensão de direitos que, no decorrer do<br />

processo de implementação do serviço de abastecimento<br />

de água na área, pelo Serviço Autônomo<br />

de Água e esgoto de Belém (SAAEB), o<br />

grupo de mulheres que integra o projeto mostrou<br />

seu perfil pró-ativo.<br />

Assim, diante das dificuldades de garantir<br />

que o sistema implementado atendesse toda a<br />

área, o grupo de mulheres se organizou e estabeleceu<br />

uma interlocução direta com o poder<br />

público no tocante à questão do abastecimento<br />

de água. Foi essa ação que garantiu que toda a<br />

comunidade Bom Jesus I fosse contemplada com<br />

o sistema de abastecimento. Nenhum logradouro<br />

ficou fora do quadro de fornecimento de água.<br />

4 CONCLUSÃO<br />

Figura 4: Produtos feitos com papel reciclado,<br />

pelo grupo de mulheres.<br />

O cumprimento dos direitos fundamentais<br />

deveria ser garantido pelo Estado, segundo a<br />

Constituição Federal de 1988, o direto ao saneamento<br />

básico, como disposto no artigo 225, se<br />

enquadra nesse cenário.<br />

Poucas pesquisas foram realizadas no entorno<br />

da área do igarapé Mata Fome, localidade<br />

onde se encontra a comunidade foco deste artigo,<br />

e dentre as encontradas sobre a área poucas<br />

tiveram o objetivo de demonstrar qual a real situação<br />

do saneamento básico e da dignidade<br />

dessas pessoas que vivem nessa comunidade,<br />

articulando os instrumentos jurídicos relativos a<br />

essa temática e a realidade social vivida.<br />

Diante do descumprimento das garantias a um<br />

meio ambiente ecologicamente equilibrado qual<br />

a percepção dos moradores da comunidade estudada<br />

acerca do saneamento local em que vivem?<br />

O episódio de participação das mulheres na interlocução<br />

com o poder público, durante o processo<br />

de implementação do sistema de abastecimento<br />

de água na comunidade Bom Jesus I, mostra-se<br />

como uma resposta e um marco de empoderamento<br />

pessoal e social. Além de ter garantido um direito<br />

básico para os moradores da área, permaneceu<br />

na memória do grupo evidenciando processos de<br />

empoderamento e fomentando ações futuras.<br />

26<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 21-27, jun. 2010


REFERÊNCIA<br />

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República<br />

Federativa do Brasil: promulgada em 5<br />

de outubro de 1988. Contêm as emendas constitucionais<br />

posteriores. Brasília, DF: Senado, 1988.<br />

CANOTILHO, J.J. GOMES. Direito constitucional<br />

e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Livraria<br />

Almeida, 2003.<br />

COSTA, Fernanda Doz. Pobreza e direitos humanos:<br />

da mera retórica às obrigações jurídicas -<br />

um estudo crítico sobre diferentes modelos conceituais.<br />

Sur, Rev. int. direitos human. [online].<br />

2008, v.5, n.9, p.88-119. ISSN 1806-6445. doi:<br />

10.1590/S1806-64452008000200006.<br />

Declaração Universal dos Direitos<br />

Humanos. Proclamada pela resolução 217 A (III)<br />

da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10<br />

de dezembro de 1948.<br />

http://www.unama.br/midias/comunicado/arquivo/2006/marco/dia06/noticias/not1006.html.<br />

Acesso em: 29 out.2009.<br />

http://www.unama.br/extensao/programaAcaoComunitaria/fazerVirtuoso.html.<br />

Acesso em :<br />

29 out. 2009.<br />

http://www.brasilia.unesco.org/noticias/opiniao/artigow/1998/artigowm.<br />

Acesso em: 29 out.<br />

2009.<br />

MEN<strong>DE</strong>S, Ferreira Gilmar. Os direitos fundamentais<br />

e seus múltiplos significados na ordem<br />

constitucional. Revista Diálogo Jurídico, n.10,<br />

p.1-12, jan. 2002.<br />

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. São Paulo:<br />

Revista dos Tribunais, 2005.<br />

RAVENA-CAÑETE, Voyner. A descrição do possível:<br />

a experiência de intervenção da UNAMA no<br />

igarapé Mata-Fome e o levantamento de dados<br />

socioeconômicos. Belém: <strong>Unama</strong>, 2006.<br />

SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos<br />

direitos: proteção jurídica à diversidade biológica<br />

e cultural. São Paulo: Peirópolis, 2005.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 21-27, jun. 2010<br />

27


28 Lato & Sensu, Belém, v. 10, n. 2, p. 27-32, nov. 2009


AS TRAMAS ATUAIS DAS FIBRAS TÊXTEIS 1<br />

Janice Accioli Ramos Rodrigues*<br />

R E S U M O<br />

Várias são as necessidades humanas e, dentre elas, está a de se vestir, a qual começou com<br />

roupas desconfortáveis e rudimentares e atualmente é realizada, através de várias opções que<br />

oferecem conforto, bem-estar e um acabamento impecável. Para chegar a esse ponto, contouse<br />

com a colaboração de pesquisadores de diversas áreas, além dos profissionais da moda,<br />

responsáveis pelo design dos modelos e de uma modelagem em prol de que as roupas se<br />

ajustem aos corpos de forma satisfatória. O presente artigo trata, justamente, de toda a evolução<br />

sofrida pela indústria têxtil chegando até os dias atuais, incluindo o que já se tem, tanto no<br />

tocante a avanços tecnológicos que proporcionam um melhor desempenho nas mais variadas<br />

atividades, quanto aos produtos confeccionados embasados no apelo sustentável, realidade<br />

bastante em voga.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Fibras têxteis. Tecnologia. Sustentabilidade. Moda.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

As fibras têxteis usadas para a confecção<br />

de tecidos, com o decorrer do tempo, passaram<br />

a ser dos mais variados tipos, estando o algodão<br />

como a que mais se destaca entre esses pelo<br />

seu uso contínuo até hoje. Houve, também, a<br />

evolução da manipulação das mesmas, ou seja,<br />

da técnica rudimentar para a utilização de máquinas<br />

altamente modernas.<br />

O mercado têxtil, por sua vez, obteve, nos<br />

últimos anos, um desempenho respeitoso no<br />

comércio mundial, os seus respectivos valores<br />

arrecadados também foram vultosos, algo que<br />

fez o mercado de Moda, por estar inserido neste<br />

contexto, tornar-se relevante para o Brasil,<br />

pois isto tudo representou um grande avanço<br />

na economia deste país.<br />

As fibras naturais e as químicas, bem como<br />

as novas fibras tecnológicas, são a grande sensação<br />

do momento, principalmente pelos inúmeros<br />

benefícios proporcionados pelo uso das peças<br />

confeccionadas com as mesmas.<br />

Os problemas ambientais provocados pelas<br />

indústrias têxteis, os quais consistem basicamente<br />

na poluição dos rios, por causa de seus<br />

resíduos, estão em constantes debates pela comunidade<br />

científica, a qual busca possíveis soluções<br />

para este caos, estando, então, as fibras<br />

* Especialista em Direito Civil pela PUC/MG; bolsista de<br />

Iniciação Científica na área temática “Sócio economia da<br />

Amazônia” e acadêmica do 5º semestre do Curso de<br />

Bacharelado em Moda da Universidade da Amazônia<br />

(UNAMA).<br />

1<br />

Artigo realizado sob a orientação da professora Vera Lúcia<br />

Dias da Silva, Mestre em Engenharia Química na área de<br />

Materiais e Processos, professora da UNAMA e IFET-PA.<br />

29<br />

Lato & Sensu, Lato & Belém, Sensu, v. Belém, 10, n. v. 2, 11, p. 27-32, n. 1, p. nov. 29-37, 2009 jun. 2010


têxteis sustentáveis, associadas aos corantes<br />

naturais como uma possível solução por causarem<br />

menos danos ao meio ambiente.<br />

2 LINHAS GERAIS SOBRE AS FIBRAS E A INDÚS-<br />

TRIA TÊXTIL<br />

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA<br />

O homem, desde os primórdios da humanidade,<br />

tem a necessidade de se cobrir e um dos<br />

grandes exemplos disso encontra-se na Bíblia<br />

quando Adão, após a ingestão do fruto proibido,<br />

adquire a consciência de que está nu e imediatamente<br />

cose para si um traje feito de folhas de<br />

figueira 2 . Além desse material, utilizavam-se<br />

peles de animais, inicialmente com alguns buracos<br />

para a adaptação no corpo, e, mais adiante,<br />

passou-se a manipular tais materiais de outras<br />

formas, transformando-os em outros elementos<br />

do vestuário, e descobriram-se novos; o<br />

linho e o algodão, de origem vegetal, foram os<br />

primeiros a ser transformados em fio e o consequente<br />

entrelaçamento perpendicular, o que<br />

acabou gerando um tecido 3 .<br />

É importante ressaltar que, quanto ao algodão,<br />

o mesmo “é usado como fibra têxtil há mais<br />

de 7000 anos, podendo dizer-se que está ligado<br />

à origem mais remota do vestuário e à evolução<br />

dos artigos têxteis” (ALVES; FANGUEIRO; RAPHA-<br />

ELLI, 2006, p.3). No mundo antigo, representou<br />

um importante papel cultural e econômico.<br />

Outros elementos como a lã e a seda, de<br />

origem animal, também são bastante antigos,<br />

ou seja, o comércio da primeira existe, pelo<br />

menos, desde 4000 a.C., e a segunda começou a<br />

ser cultivada em 2640 a.C 4 .<br />

2<br />

Bíblia, Gênesis 3: 7. Disponível em: http://<br />

w ww.chr is ti a ni s ra el.com/s pea k ing bi ble/ port uguese/<br />

B01C003.htm<br />

3<br />

Disponível em: http://www.eb23-gervide.rcts.pt/evt/<br />

texteis.htm<br />

4<br />

Disponível em: http://www.citeve.pt/html-cache/<br />

w r it edoc __q1 i d_obj _— _3 D2 4 2 52 2 9 __—_3 D_i dc 0 _—<br />

_3D64__—_3D_idc1_—_3D35__—_3D_idc2_—_3D0__—<br />

_3D_l_—_3DPT__q20__q30__q41__q5.htm<br />

Naquilo que diz respeito à maneira de manipular<br />

as matérias-primas integrantes de cada<br />

segmento da cadeia têxtil, é importante destacar<br />

o valor da Revolução Industrial nesse processo,<br />

a qual tinha uma ligação muito forte com<br />

a indústria têxtil, pelo fato de ter sido o seu<br />

motor propulsor, como frisa Safiotti (1981). Pois<br />

antes desse fato acontecer, a tecedura era feita<br />

manualmente e depois passou a ser encargo das<br />

máquinas, o que facilitou a vida das pessoas, tanto<br />

na produção, como na comercialização dos<br />

produtos e consequente lucratividade, o que era<br />

reforçado pela mão de obra barata e pelas extensas<br />

horas de trabalho diário.<br />

Outra mudança, que veio durante o caminhar<br />

da evolução têxtil, foi o aprimoramento do<br />

processo da confecção das estampas, as quais<br />

passaram a ser feitas através de métodos mecanizados<br />

e também houve o surgimento de fibras<br />

sintéticas que demandavam menos mão de obra<br />

e menor espaço do que os destinados para a<br />

manipulação das fibras naturais.<br />

Enfim, os avanços foram cada vez maiores,<br />

principalmente no que diz respeito à tecnologia,<br />

com o uso do computador, o corte dos tecidos<br />

a laser, máquinas para bordar em tecidos<br />

com extrema delicadeza e a utilização, pela alfaiataria<br />

de fábrica, “de máquinas que fazem<br />

pontos de costura semelhantes aos feitos à<br />

mão”, como diz Monteiro (2010, p. 1).<br />

Isso tudo mostra que há facetas da tecelagem<br />

tão perfeitas que são consideradas verdadeiras<br />

obras de arte e, assim, bem-vindas ao ser<br />

aplicadas no mundo da moda, como afirma Chataignier<br />

(2006).<br />

3 MERCADO TÊXTIL<br />

3.1 DADOS MUNDIAIS E NACIONAIS<br />

No contexto mundial, o mercado têxtil é<br />

um dos que mais movimenta recursos, em todos<br />

os seus setores. Os dados apontam que em<br />

2006, o comércio internacional de têxteis e ves-<br />

30 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 29-37, jun. 2010


tuário o obteve o faturamento de US$ 530 bilhões,<br />

divididos em US$ 218,6 bilhões para os<br />

têxteis e 311,4 bilhões para as confecções. A<br />

China obteve a classificação de maior produtor<br />

mundial têxtil (43,4%), vindo logo após os Estados<br />

Unidos (7,9%) e; na indústria de confecções,<br />

a China também obteve o primeiro lugar (43,5%)<br />

e a Índia o 2º (6,3%) 5 .<br />

Em relação ao Brasil, segundo informações<br />

da ABIT 6 , este país faturou US$ 34,6 bilhões, o<br />

que implica dizer que houve um crescimento de<br />

4,85% em relação a 2006, quando foram registrados<br />

US$ 33 bilhões. Quanto às exportações brasileiras,<br />

os valores circulam na casa dos US$ 2,4<br />

bilhões e as importações em US$ 3,0 bilhões. O<br />

número de trabalhadores desta indústria perfaz<br />

o valor de 1,65 milhão de empregados, sendo a<br />

quantidade de mulheres 75% desse total, sendo<br />

o segundo maior empregador na indústria de<br />

transformação, possuindo 30 mil empresas no<br />

ramo de confecções; todos esses dados o colocam<br />

como sexto maior produtor têxtil e de confecções<br />

e o segundo maior produtor de deni 7 do<br />

mundo, sendo que isso tudo representa 17,5%<br />

do PIB da indústria de transformação e aproximadamente<br />

3,5 % do PIB brasileiro 8 .<br />

É importante ressaltar que, de acordo com<br />

o friso de Silveira (2010, p. 1) “a região Sul concentra<br />

86% do volume da produção nacional de<br />

moda, junto com o Sudeste”, o que significa que<br />

a indústria de confecções tem o seu maior êxito<br />

nessas regiões.<br />

As tabelas 1 e 2 mostram como ocorre a<br />

movimentação dos recursos têxteis e de confecção<br />

no contexto brasileiro, respectivamente:<br />

No tocante às fibras no Brasil, a matériaprima<br />

de maior destaque é o algodão, por ser a<br />

5<br />

Disponível em: .<br />

6<br />

Associação Brasileira da Indústria Têxtil e Confecção.<br />

Disponível em: www.abit.org.br.<br />

7<br />

Denim é a matéria-prima utilizada para a fabricação do jeans.<br />

Disponível em: http://www.portaisdamoda.com.br/<br />

glossario-moda~tecido+denim.htm.<br />

8<br />

Disponível em: .<br />

mais utilizada, em detrimento da lã, seda, linho,<br />

dentre outras. Massuda (2005, p.66) mostra que<br />

o centro de produção algodoero do Brasil está<br />

localizado na região Centro-Oeste, posto antes<br />

ocupado pelo Paraná, sendo que a primeira região<br />

valeu-se de “utilização intensiva de tecnologia<br />

para alcançar maior produtividade, especialmente<br />

na colheita mecânica”.<br />

3.2 MERCADO <strong>DE</strong> MODA<br />

Um dos grandes motivos pelos quais o Brasil<br />

obteve um grande crescimento no mercado<br />

têxtil foi pela moda, o que, por sua vez, deve-se<br />

aos investimentos, os quais estão situados na<br />

casa de US$ 1 bilhão/ano, em tecnologia, educação,<br />

principalmente no que diz respeito aos cursos<br />

de moda, aos estilistas talentosos que já existiam<br />

e os que vêm surgindo e aos mais de 50<br />

eventos também de moda existentes em várias<br />

capitais como o São Paulo Fashion Week e a Semana<br />

de Moda / Casa de Criadores, ambos em<br />

São Paulo, Fashion Rio, Dragão Fashion em Fortaleza,<br />

Colóquio de Moda etc., de acordo com<br />

Quadros (2010).<br />

Outro ponto importante dentro do contexto<br />

citado foi a criação da Associação Brasileira de<br />

Estilistas (ABEST) 9 , em 2003, com o intuito de<br />

tornar forte e fazer a promoção da indústria de<br />

moda/design do Brasil, ao propiciar que as marcas<br />

alcançassem o âmbito internacional, através<br />

de suas peças criativas e autênticas, divulgando<br />

tais informações, além do próprio estilo de vida<br />

do brasileiro. Essa associação sem fins lucrativos<br />

iniciou os seus trabalhos com cinco estilistas<br />

e nos dias atuais conta com 33 associados que<br />

vendem seus produtos para 38 países, sendo que<br />

a cada ano, abarca mais criadores brasileiros.<br />

Um índice importante quanto ao mercado<br />

de moda é aquele mostrado na pesquisa<br />

feita pelo IBGE 10 sobre produção física, na qual<br />

9<br />

Disponível em: http://www.abest.com.br/2009/<br />

abest.php?lang=pt<br />

10<br />

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em:<br />

.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 29-37, jun. 2010<br />

31


a produção do vestuário saiu de 5,11% negativos<br />

e cresceu 4,53% positivos até o ano de<br />

2007, assim como a produção têxtil que saiu<br />

de 1,54% negativo, em 2006, e passou para<br />

1,54% positivo também em 2007; esses números<br />

poderiam ser maiores, visto que o mercado<br />

fashion nacional tem um potencial elevado,<br />

mas ainda não possuem as mesmas condições<br />

que o mercado internacional para competir<br />

com paridade,, principalmente quanto a<br />

tecnologia avançada, e também não incluem<br />

o mercado informal e o ilegal, os quais também<br />

possuem valores significativos 11 .<br />

4 CLASSIFICAÇÃO DAS FIBRAS TÊXTEIS<br />

As fibras têxteis podem ser classificadas em<br />

dois grupos, os quais abrangem uma imensa variedade.<br />

4.1 FIBRAS NATURAIS<br />

Como o próprio nome já dá a entender, são<br />

fibras oriundas da natureza. São agrupadas em<br />

três tipos, pelos dizeres de Chataignier (2006):<br />

a) Fibras vegetais: semente - algodão, sumaúma/<br />

caule - linho, cânhamo, juta, rami/ folha – sisal,<br />

carnaúba, buriti/ fruto – cairo, coco etc.<br />

b) Fibras animais: secreção glandular – seda/<br />

pelos - lã, coelho, angorá, cashmere, mohair,<br />

lhama, alpaca etc.<br />

c) Fibras minerais: amianto.<br />

Dentre as fibras que foram citadas, “o linho<br />

foi a primeira fibra têxtil conhecida e traços<br />

de sua utilização remontam a 8.000 anos<br />

a.c.” (GOMES, 2009, p. 2). Seu uso era bem diversificado,<br />

ou seja, em vestimentas, tecidos<br />

funerários, velas para bancos e cordas e, atualmente,<br />

ainda o é, sendo que o linho é considerado<br />

como a fibra menos agressiva ao meio<br />

ambiente, por necessitar de menos pesticida e<br />

fertilizante, e possui qualidades importantes<br />

como a leveza e a resistência.<br />

O algodão, por sua vez, também é utilizado<br />

desde muito tempo, e é considerada a fibra<br />

mais popular e utilizada de todas, principalmente<br />

por sua resistência ao uso, toque agradável e<br />

ser biodegradável, porém é uma planta que possui<br />

uma cultura delicada e sujeita extremamente<br />

a pragas, necessitando de uma grande quantidade<br />

de herbicidas e fungicidas.<br />

4.2 FIBRAS QUÍMICAS OU NÃO NATURAIS<br />

São fibras produzidas por processos industriais<br />

12 e dividem-se em dois grupos:<br />

a) Artificiais - São polímeros naturais transformados<br />

pela ação de agentes químicos, sendo<br />

que os tecidos obtidos, por meio destas fibras,<br />

de acordo com Sabino (2007, p. 264),<br />

“costumam ser absorventes e confortáveis”.<br />

Exemplos: celulose, acetato, derivadas da<br />

celulose, raiom, viscose e triacetato.<br />

b) Sintética - São polímeros obtidos por síntese<br />

química, os quais inserem nos tecidos fabricados,<br />

a partir das mesmas, leveza, fácil lavagem<br />

e tingimento, rápida secagem e boa<br />

resistência. Exemplos: poliamida, poliéster,<br />

poliuretano, acrílicas, polipropileno e Alya<br />

Eco, este último consistindo na combinação<br />

entre poliéster originário da garrafa pet mais<br />

algodão ou viscose.<br />

Um destaque que pode ser dado, dentro<br />

do contexto acima, é para o poliéster, o qual é<br />

considerado “a fibra química mais barata”, algo<br />

que o torna mais utilizado do que as outras<br />

11<br />

http://www.comunidademoda.com.br/moda-e-mercado-<br />

%E2%80%93-o-mercado-da-moda.html<br />

12<br />

Disponível em: http://www.troficolor.pt/img_upload/<br />

02_Fibras%20Texteis.pdf<br />

32<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 29-37, jun. 2010


fibras sintéticas, como diz Oliveira (2010, p.1).<br />

Outro ponto é o fato de que a indústria das<br />

fibras químicas vêm crescendo graças aos investimentos<br />

crescentes em produtividade e<br />

capacitação tecnológica, o que dá aos seus produtos<br />

excelente qualidade.<br />

4.3 AS NOVAS FIBRAS TECNOLÓGICAS<br />

Não é de hoje que as pesquisas em torno<br />

da descoberta de novas fibras químicas são<br />

feitas. Segundo Chataignier (2006, p. 112), esses<br />

estudos datam desde 1869, “Quando foi<br />

criado o fio sintético de acetato de celulose”.<br />

Daí por diante, o interesse no assunto não parou<br />

mais, principalmente depois de grandes<br />

sucessos como a primeira fibra sintética a existir,<br />

ou seja, a poliamida, criada pela Dupont<br />

em 1935, como ensina Lange (2005).<br />

A microfibra, por sua vez, foi lançada pela<br />

Rhodia no Brasil, em 1992, sendo a mesma considerada<br />

como o primeiro tecido inteligente,<br />

visto que reunia praticidade, conforto e beleza<br />

em um só produto, algo que fez este tecido<br />

se tornar-se popular entre as mulheres do<br />

mundo todo.<br />

O avanço da tecnologia acabou revelando<br />

a habilidade conseguida para misturar<br />

fios naturais e artificiais, resultando, assim,<br />

nos tecidos inteligentes, como ressalta Carmello<br />

(2009).<br />

Atualmente, no mercado, podem ser encontrados<br />

os tecidos que respiram e controlam<br />

a transpiração humana como o dry-feet,<br />

petdry, tactel, suplex, este último com aparência<br />

semelhante à do algodão, os compostos<br />

de 100% algodão que, com certas lavagens<br />

químicas tornaram-se livres de vincos ou amassados,<br />

tecidos com efeito anticelulite e hidratante,<br />

como o caso da lycra aplicadas em lingeries,<br />

couros com formação sintética (fakes),<br />

vegetais (composição envolvendo látex) e<br />

lycra e fibras sustentáveis que vão da malha<br />

de algodão ao jeans envolvendo o pet e outros<br />

materiais na sua composição, os quais serão<br />

abordados mais adiante 13 .<br />

A Rhodia foi o primeiro fabricante de “um<br />

fio de poliamida 6.6, com efeito bacteriostático,<br />

denominado Biotech, que controla a proliferação<br />

de bactérias no artigo têxtil” (GOMES, 2009,<br />

p. 26). Já na linha esportiva, ela fabricou o fio<br />

Emana, o qual possui em seu DNA cristais ativos<br />

que prometem melhorar o processo de circulação<br />

sanguínea, além do chamado Compression<br />

Control, o qual ajuda no desempenho do atleta,<br />

por causa da compressão muscular; o Acquos,<br />

próprio para natação, proporcionando conforto<br />

térmico e secagem rápida do tecido; o<br />

X-Bio com proteção solar e grande elasticidade<br />

Sportiva Pro, que adere ao corpo e evita câimbras,<br />

assim como outros males circulatórios e o<br />

Tencel, o qual é uma fibra natural celulósica, sendo<br />

bastante prática e agradável, dentre outros.<br />

Diante de tantas inovações, o que se observa<br />

é que todas as fibras citadas têm o objetivo<br />

de melhorar a vida do homem nos mais diversos<br />

momentos. Porém, em contrapartida,<br />

pela quase miraculosidade das propriedades<br />

destas novas fibras, os custos altos de fabricação<br />

são altos, só havendo retorno financeiro<br />

quando são comprados em grande quantidade<br />

pelos clientes, tanto que “só são vendidos para<br />

confecções no mínimo de médio a grande porte”<br />

(CHATAIGNIER, 2006, p. 117).<br />

De acordo com a mentalidade sustentável dos<br />

dias atuais, a qual não abarca apenas os tecidos ecológicos,<br />

há o dever de se fabricar todos materiais<br />

dentro de um processo que não agrida o meio ambiente,<br />

a saúde das pessoas e seja comprovadamente<br />

assim, através da aferição aos mesmos de certificação<br />

como o Oekotex 14 . É importante ressaltar, também,<br />

o papel da nanotecnologia, a qual tem proporcionado<br />

o surgimento de fibras cada vez menores,<br />

que ajudam, assim, no entrelaçamento de vários<br />

materiais com inúmeras utilidades e possibilitam a<br />

fabricação de tecidos cada vez melhores.<br />

13<br />

As fibras têxteis sustentáveis, p. 12.<br />

14<br />

Disponível em: http://www.oeko-tex.com/<br />

OekoTex100_Public/index.asp?cls=09<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 29-37, jun. 2010<br />

33


5 OS IMPACTOS AMBIENTAIS <strong>DE</strong>CORRENTES DO<br />

<strong>DE</strong>SCARTE <strong>DE</strong> EFLUENTES TÊXTEIS E AS ALTER-<br />

NATIVAS PARA QUE ISSO SEJA EVITADO<br />

Apesar do que já existe para evitar a degradação<br />

da terra, a fabricação de tecidos é preocupante,<br />

visto que os dejetos oriundos desse processo,<br />

além de ser abundantes, são difíceis de ser<br />

destruídos, algo que ainda piora se não sofrerem<br />

uma dinâmica própria para isso, pelo friso Antoniali,<br />

Oliveira e Vidal (2010), dinâmica esta que<br />

consiste em tratamentos químicos, físicos e biológicos,<br />

sendo estes últimos dos mais eficientes<br />

e naturais, sem agredir o meio ambiente, pois não<br />

são utilizadas substâncias químicas nos seus procedimentos,<br />

sendo um exemplo disso o fungo<br />

basidiomicete da podridão branca (white-rot fungi),<br />

o qual, além de degradar os resíduos têxteis,<br />

recupera a área em que está atuando, de acordo<br />

com Souza e Rosado (2009).<br />

Quando os tratamentos citados não são aplicados,<br />

há a contaminação das águas nas proximidades<br />

das fábricas, podendo provocar a morte da<br />

flora e fauna aquáticas, sendo que alguns corantes<br />

podem ser carcinogênicos 15 e/ou mutagênicos,<br />

pondo, assim em risco a vida e a saúde do homem.<br />

Além dos danos materiais que podem ser<br />

provocados pelos efluentes têxteis, há a questão<br />

dos volumes de água e energia elétrica que<br />

são gastos nas indústrias têxteis, os quais são<br />

vultosos, como no caso do algodão, pois “para a<br />

produção de 1 kg do mesmo são utilizados 8 mil<br />

litros de água e de 15 a 20 kwh de energia” (GO-<br />

MES, 2009, p. 17).<br />

A quantidade maciça de produtos químicos<br />

empregados na fabricação e beneficiamento das<br />

matérias-primas e, consequentemente, dos próprios<br />

produtos têxteis, dentre os quais também<br />

figura o algodão, pois são utilizados 25% de todo<br />

o inseticida do planeta no cultivo dessa semente,<br />

são situações que contribuem para a extinção dos<br />

recursos naturais e da própria vida na terra.<br />

Para combater a problemática acima, muitas<br />

medidas já têm sido tomadas, seja por parte<br />

dos governos, através da demarcação de áreas de<br />

preservação ambiental e padrões estabelecidos<br />

para a emissão de poluentes, dentre outros, seja<br />

por parte dos próprios industriais com o emprego<br />

da tecnologia na criação de “equipamentos sofisticados<br />

antipoluição” (MELLO, 2000, p. 4), bem<br />

como investimentos em processos que propiciam<br />

o reaproveitamento da água, para que se siga<br />

um padrão sustentável na área industrial, como<br />

no caso da coagulação e absorção, os quais se utilizam<br />

de materiais como “carvão ativado da casca<br />

do coco e serragem” (QUADROS, 2005, p.16).<br />

Os pesquisadores das mais diversas áreas<br />

também estão envolvidos na busca de alternativas<br />

para contribuir com isso, a exemplo da produção<br />

mais limpa (P+L), parâmetro que deve ser<br />

adotado pelas indústrias, o qual consiste, primeiramente,<br />

na otimização dos processos têxteis,<br />

provocando a melhoria do seu desempenho e,<br />

posteriormente, na reutilização e reciclagem dos<br />

resíduos. Além disso, a própria educação ambiental<br />

já tem sido promovida por algumas escolas,<br />

o que poderá a vir influenciar no comportamento<br />

do aluno quando adulto e futuro gestor ou proprietário<br />

de uma indústria têxtil, pois lhe fornece<br />

uma nova forma de encarar a natureza, principalmente<br />

por que independente da função que ocupe,<br />

sempre será um cidadão.<br />

Neste mesmo sentido, ou seja, quanto à<br />

mudança de mentalidade, estão as articulações<br />

feitas pelas ONGs, pois o fazem tanto no tocante<br />

aos cidadãos, com campanhas a favor da sustentabilidade,<br />

quanto à exigência de padrões<br />

industriais os quais respeitem o meio ambiente,<br />

a exemplo da CEBDS (Conselho Empresarial<br />

Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável)<br />

16 e a ECOAR 17 . Há também o uso de materiais<br />

recicláveis, reaproveitamento de partes de<br />

elementos naturais, como casca de árvores, sementes,<br />

caules etc. e mistura de fibras naturais<br />

15<br />

Provocam alterações no DNA e até câncer. Disponível em:<br />

http://vsites.unb.br/fs/ccb/onco.htm<br />

16<br />

Disponível em: http://www.cebds.org.br/cebds/<br />

17<br />

Disponível em: http://www.ecoar.org.br/<br />

34<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 29-37, jun. 2010


com fibras extraídas dos mais diversos elementos,<br />

como as de garrafa pet, dentre outros, tudo<br />

isso enquadrado na categoria das chamadas fibras<br />

sustentáveis ou ecologicamente corretas.<br />

6 AS FIBRAS TÊXTEIS SUSTENTÁVEIS<br />

18<br />

Disponível em: http://www.tabloidealternativo.com.br/<br />

noticias?iNoticia=218#<br />

19<br />

Disponível em: http://area3.updateordie.com/author/<br />

dguerreiro/<br />

20<br />

Disponível em: http://www.tabloidealternativo.com.br/<br />

noticias?iNoticia=218#<br />

Atualmente, a melhor forma de demonstrar<br />

que se está aderindo a um padrão sustentável<br />

de produção é fabricar produtos que contenham<br />

na sua composição “fibras recicladas ou<br />

tecnologias mais limpas” como diz Lange (2005,<br />

p. 25), significado que pode ser dado à denominação<br />

“fibras têxteis sustentáveis”.<br />

Já podem ser encontrados vários exemplos<br />

desse tipo de fibra, como no caso dos algodões<br />

coloridos, nas cores verde, marrom e tons avermelhados,<br />

produzidos pelo Embrapa. Além disso,<br />

fibras como a do milho já estão sendo utilizadas<br />

na fabricação de tecidos, assim como a da bananeira,<br />

pela marca australiana masculina AussieBum<br />

em cuecas; essa peça é composta de 27%<br />

com o material proveniente das bananeiras, sendo<br />

o restante algodão orgânico (64%) e lycra (9%).<br />

Outros exemplos, na mesma linha, são o<br />

algodão orgânico puro, cultivado sem o uso de<br />

pesticidas, fertilizantes químicos e reguladores<br />

do crescimento, ao contrário do algodão comum<br />

18 , o qual foi introduzido no mercado na<br />

década de 80, pela grife Patagônia, “quando o<br />

mesmo ainda era novidade” (A<strong>DE</strong>ODATO; MAR-<br />

QUES, 2009, p. 56) e, como se percebe, está cada<br />

vez mais sendo utilizado na indústria têxtil, do<br />

vestuário a roupas de cama 19 ;<br />

O bambu, o qual pode reproduzir-se em<br />

abundância sem pesticidas e fertilizantes, sendo<br />

sua fibra naturalmente antibactericida, biodegradável<br />

e extremamente macia, se adequando<br />

às distintas estações do ano 20 , estando, porém,<br />

essa fibra, sob a observação de alguns estudiosos,<br />

que têm suas ressalvas quanto à veracidade<br />

do título de “ecologicamente correta”<br />

dada a ela 21 .<br />

As misturas entre PVC reciclado e látex natural<br />

para acessórios e detalhes em roupas, fibras<br />

de juta, couro de peixes e tecidos orgânicos<br />

encontrados na grife Osklen, também fazem<br />

parte do contexto sustentável, as quais são pesquisadas,<br />

descobertas e experimentadas no instituto<br />

–e, ONG vinculados à marca em questão.<br />

Há também a junção entre algodão orgânico<br />

e tecidos feitos de algodão tradicional, mais a<br />

fibra extraída da garrafa pet, sendo esta aplicada<br />

em camisetas, como no caso das marcas Hering<br />

e PUC, destacando a primeira que também<br />

recicla retalhos de malha e os transforma em<br />

novos tecidos, transformação essa que manipula<br />

os fios sem utilizar água nem processos químicos<br />

22 e só o algodão comum mais a fibra extraída<br />

de oito garrafas pet, combinação empregada<br />

na já conhecida “malha pet” e agora pela<br />

empresa Nike na nova camisa da Seleção brasileira<br />

de futebol. 23<br />

As fibras celulósicas extraídas da faia, empregadas<br />

no Modal, que é um tipo de microfibra<br />

que confere “maciez, conforto e alto poder de<br />

absorção do suor às malhas” (SABINO, 2007,<br />

p.448), a qual é utilizada, dentre outras coisas,<br />

em roupas de baixo e as fibras naturais produzidas<br />

de modo biológico, como o algodão e a lã 24 ,<br />

são integrantes da moda sustentável.<br />

Um material bastante interessante é a juta,<br />

planta cultivada na Amazônia, a qual tem tido<br />

vários usos, dentre eles, o EcoVogt, um tecido<br />

100% ecológico e orgânico, fabricado pela Companhia<br />

Têxtil de Castanhal e é utilizado na confecção<br />

de camisetas, ecobags etc. Esse tecido é<br />

inteiramente ecológico, visto que na hora do tin-<br />

21<br />

Disponível8em:http://www.bambubrasileiro.com/arquivos/<br />

A%20fraude%20das%20falsas%20fibras%20texteis%20de%20bambu%20-<br />

%20Hans%20Kleine.pdf.<br />

22<br />

Disponível em: http://www.ecotece.org.br/blog/?cat=9<br />

23<br />

Disponível em: http://www.ecotece.org.br/blog/?cat=9<br />

24<br />

Disponível em: http://www.consumoresponsavel.com/wpcontent/rncr_fichas/RNCR_Ficha_D5_2.pdf<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 29-37, jun. 2010<br />

35


gimento são empregados fixadores e amaciantes<br />

extraídos de plantas nativas brasileiras como<br />

o açafrão, pau-brasil, urucum, entre outras, que<br />

compõem a cartela de 12 cores 25 . Um outro exemplo<br />

da utilização da juta é sua associação com o<br />

algodão mais a fibra de garrafa pet para criar o<br />

primeiro tênis 100% ecológico, da marca Naturezza,<br />

integrante do grupo Via Uno 26 .<br />

O curauá, também uma fibra de origem amazônica,<br />

é utilizada pela grife paraense Manufatura,<br />

segundo Maia e Rocha (2007), em peças como<br />

vestidos, blusas etc. e o tururi, fibra extraída do<br />

ubuçu, a qual, pode ser tingida e ter diferentes<br />

texturas, além de ser empregada na confecção<br />

de bolsas, como vendo fazendo Rosa Leal, com<br />

grife de mesmo nome, também do estado do Pará,<br />

mostrando que a Região Amazônica é rica em<br />

substratos de cunho sustentável, os quais são<br />

úteis à industria têxtil nos moldes atuais.<br />

Por fim, pode ser citada a soja, que pode ser<br />

pura ou associada ao algodão, lã, seda, viscose, dentre<br />

outros, a qual está sendo considerada como a<br />

fibra verde do novo século, devido seu tratamento<br />

não ser tóxico, ter as propriedades das fibras sintéticas,<br />

ser confortável e de fácil manutenção, como<br />

ressaltam Alves, Raphaelli e Fangueiro (2006).<br />

7 CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />

A<strong>DE</strong>ODATO, Sérgio; MARQUES, Dimas. Moda<br />

consciente. Revista Horizonte Geográfico, São<br />

Paulo: Horizonte, n.121, v.21, p. 55-62, 2009.<br />

ALVES, Gabriela Jobim da Silva; FANGUEIRO, Raul;<br />

RAPHAELLI, Nathália. Desenvolvimento sustentável<br />

na indústria têxtil: estudo de propriedade e<br />

características de malhas produzidas com fios biodegradáveis.<br />

Anais do XXII Congresso Nacional<br />

de Técnicos têxteis e VIII Fenatêxtil. Recife, 2006.<br />

25<br />

Disponível em: http://www.caiovonvogt.com.br/<br />

26<br />

Disponível em: www.naturezza.com.br<br />

REFERÊNCIAS<br />

Vê-se que houve um avanço extremo em<br />

relação às origens das fibras têxteis até o estágio<br />

atual, principalmente no que diz respeito à<br />

tecnologia para manipulação dessas fibras, estágio<br />

no qual muito tem se falado em sustentabilidade,<br />

porém os investimentos ainda são poucos<br />

no tocante aos produtos, se comprados ao<br />

comércio dos não sustentáveis, e na própria<br />

conscientização das pessoas para seu consumo.<br />

Os exemplos que foram dados acima, no<br />

tocante ao que já está sendo feito no contexto<br />

têxtil para a contribuição à uma qualidade de<br />

vida, certamente dispendem muitos recursos<br />

financeiros em sua feitura, porém se não forem<br />

produzidos, não serão conhecidos pelas pessoas<br />

e, assim, não poderão, um dia, ficar mais baratos,<br />

vindo a se tornar comum o uso.<br />

Um outro fator importante é que, depois<br />

de já se ter a consciência ambiental, deve-se<br />

avaliar se os produtos existentes são totalmente<br />

sustentáveis, visto que se neles vierem corantes<br />

artificiais, seu valor como ecologicamente<br />

corretos será perdido, pois é sabido que essas<br />

tinturas oferecem grandes riscos à natureza.<br />

Finalmente, a consciência individual, em<br />

meio às dificuldades da vida urbana moderna,<br />

deve falar mais alto, ou seja, no ato de se vestir,<br />

o melhor a ser feito é que se privilegiem as roupas<br />

que, além de modelagem mais confortável,<br />

tragam em sua composição os tecidos inteligentes<br />

ou os ecológicos, pois o bem-estar pessoal,<br />

que inclui a felicidade e a saúde, fundamental<br />

para uma vida longa e sustentável.<br />

ANTONIALI, Natalia; LAILA, Gabriela Laila de; VIDAL,<br />

Carlos Magno de Souza. Caracterização e propostas<br />

de tratamento para efluentes de indústrias têxteis.<br />

VII Semana de Engenharia Ambiental. Unicentro.<br />

2009. Disponível em: . Acesso em: 6 mar<br />

2010.<br />

36<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 29-37, jun. 2010


CARMELLO, Claudia. Vista Saúde. Revista Vida<br />

Simples: para quem quer viver mais. São Paulo:<br />

Abril, n.1, v. 7, jan 2009.<br />

CHATAIGNIER, Gilda. Fio a Fio: tecidos, moda<br />

e linguagem. São Paulo: Estação das Letras,<br />

2006. 165p.<br />

GOMES, Ricardo. Revista Têxtil. São Paulo: R da<br />

Silva Haydu & Cia Ltda, v. 78, n. 701, 2009.<br />

LANGE, Catia Rosana. Tecidos Inteligentes. Revista<br />

Leonardo. Blumenau: Asselvi, v.3, n. 11, p.<br />

23-25, 2005.<br />

MACIEL, Fernanda. Fibras têxteis como você nunca<br />

viu. Use Fashion Jornal. São Leopoldo: Use<br />

Fashion, v. 6, n. 66, jul 2007.<br />

MASSUDA, Ely Mitite. Produção e consumo de<br />

algodão e as indústrias de fiações de algodão no<br />

Paraná. Revista Acta Scientarium: Human ans<br />

social sciences. Maringá: UEM PPG, v. 27, n.1, p.<br />

61-78, 2005.<br />

MAIA, Felícia Assmar; ROCHA, Isadora Avertano.<br />

O Pará faz moda: de Dener às passarelas do século<br />

XXI. Aparecida: Idéias & Letras, 2007. 157p.<br />

MELLO, Reynaldo França Lins de Mello. Complexidade<br />

e sustentabilidade. Revista de estudos<br />

ambientais. Blumenau: v.2, n.2-3, p.103-<br />

108, 2000.<br />

MONTEIRO, Queila Ferraz. Revolução Industrial,<br />

Evolução da Indústria do Vestuário e Tecnologia<br />

Têxtil: onde a função encontrou a moda – Parte 1/<br />

3. Disponível em: .<br />

Acesso em: 24 fev. 2010.<br />

OLIVEIRA, Maria Helena. Principais matérias-primas<br />

utilizadas na indústria têxtil. Disponível em:. Acesso em: 01 mar. 2010.<br />

QUADROS, Rachel. O poder da moda brasileira.<br />

Disponível em: . Acesso<br />

em: 28 fev. 2010.<br />

QUADROS, Silvana Stefanel. Tratamento e reutilização<br />

de efluentes têxteis gerados nos tingimentos<br />

de tecidos de algodão. 2005. 110p. Dissertação<br />

(Mestrado em Química). Universidade<br />

Regional de Blumenau. 2005. Disponível em:<br />

.<br />

Acesso em: 06 mar. 2010.<br />

SABINO, Marco. Dicionário da moda. Rio de Janeiro:<br />

Elsevier, 2007. 658p.<br />

SAFIOTTI, Heleieth Iara Bongiovani. Do artesanal<br />

ao industrial: a exploração da mulher: um estudo<br />

de operárias têxteis e de confecções no Brasil e<br />

nos Estados Unidos. São Paulo: HUCITEC, 1981. 184p.<br />

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Utilização de fungos basidiomicetes em biodegradação<br />

de efluentes têxteis. Revista em<br />

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MAR. v.2, n.1, p. 121-139, jan./abr. 2009.<br />

SILVEIRA, Eduardo Guimarães da. Moda é coisa<br />

muito séria. Disponível em: .<br />

Acesso em: 28 Fev.2010.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 29-37, jun. 2010<br />

37


ENSINO <strong>DE</strong> LÍNGUA PORTUGUESA:<br />

por uma postura mais crítica 1<br />

Welton Diego Carmin Lavareda*<br />

R E S U M O<br />

O presente artigo visa discutir algumas questões que envolvem o ensino de língua portuguesa,<br />

em especial, os casos de ele(s) ela(s) como complemento verbal e a ocorrência de<br />

pronomes oblíquos átonos. Trata-se de um estudo teórico metodológico, elaborado a partir<br />

de experiências realizadas em uma escola regular da cidade de Belém do Pará, bem como da<br />

análise de dois livros didáticos. Almeja-se com este ensaio, refletir sobre a importância de<br />

uma política linguística que proporcione ao graduando uma prática docente menos arbitrária<br />

e, ao mesmo tempo, mais atenta com o compromisso de descrever a língua da forma que<br />

realmente é empregada em determinados contextos comunicativos. Visto que, é fundamentalmente<br />

necessário que discussões aflorem neste panorama para que possamos construir<br />

um ambiente escolar mais democrático e menos segregador.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Ensino Aprendizagem. Complemento Verbal. Pronome Oblíquo Átono.<br />

Política Linguística.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Trabalhar com questões que envolvem língua<br />

e sociedade é muito mais do que relacionar<br />

regras e conceitos tradicionais. Em muitas escolas<br />

ainda encontramos “professores” que visam<br />

o ensino de língua portuguesa relacionado com<br />

verdades absolutas e pré-moldadas, e dentro<br />

deste padrão, continuam repassando alguns<br />

conceitos que não condizem com a situação linguística<br />

atual do português brasileiro.<br />

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais<br />

– PCNs (2007), da área de códigos e linguagens,<br />

o ensino de língua portuguesa precisa estar<br />

pautado no objetivo de desenvolver no aluno seu<br />

potencial crítico, sua percepção das múltiplas possibilidades<br />

de expressão linguística e ativar no<br />

educando seu papel efetivo de leitor dos mais<br />

diversos textos representativos de nossa cultura.<br />

Entretanto, como desenvolver essas práticas se<br />

muitos professores ainda pensam que discutir<br />

sobre língua é ensinar gramática normativa?; Se<br />

os julgamentos de certo ou errado ainda são presentes<br />

no ensino de língua Portuguesa?<br />

Com o intuito de diagnosticar a prática do<br />

professor em sala de aula e, ao mesmo tempo,<br />

problematizar discussões sobre o ensino da língua<br />

materna, este estudo se insere no seguinte<br />

panorama: analisar como o professor está adaptando<br />

o livro didático em sua prática docente, em<br />

especial, de que maneira o professor trabalha os<br />

* Mestrando em Comunicação, Linguagens e Cultura; graduado<br />

em Letras e ex-monitor da disciplina Fundamentos de<br />

Linguística e Aspectos Fonéticos e Fonológicos (UNAMA).<br />

1<br />

Artigo elaborado sob supervisão da Professora Dr a . Maria do<br />

Perpétuo Socorro Cardoso da Silva e orientação do Professora<br />

Ms. Antonio Hilton da Silva Bastos.<br />

39<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 39-44, jun. 2010


casos de ele(s) ela(s) como complemento verbal<br />

e a ocorrência de pronomes oblíquos átonos.<br />

Assim, poderemos visualizar como as escolas<br />

estão tentando dialogar com os fenômenos<br />

linguísticos que já fazem parte da tradição social<br />

de nossa língua materna devidamente cristalizados<br />

em seu uso, inclusive pelos próprios professores<br />

no seu cotidiano e também em sala de<br />

aula e que por algum motivo, ainda não constam<br />

na maioria dos livros didáticos.<br />

Vale ressaltar que o enfoque desta investigação<br />

não é o de criticar como o professor vem<br />

ensinando seus alunos, mas de proporcionar uma<br />

atividade interativa de reflexão e debate em torno<br />

de temas que colocam em pauta a relação de<br />

manifestações linguísticas com a verdadeira realidade<br />

dos alunos, no contexto da escola regular.<br />

Afinal, mudanças significativas podem ocorrer, se<br />

a dimensão da formação do cidadão/aluno e professor/educador<br />

for mais ampla e, de fato, trabalhada<br />

em uma situação que oportunize medidas<br />

curriculares eficientes para a construção do saber<br />

de ambos os indivíduos. Pois a instituição escola,<br />

como um todo, começaria agir pautada na presença<br />

de cenários diversos, onde há necessidade<br />

de assumir algumas peculiaridades. Revitalizar<br />

saberes e indagações também faz parte do perfil<br />

de uma boa instituição. Isto posto, é preciso enpara<br />

uma política linguística, verdadeiramente,<br />

inclusiva e não dogmática.<br />

2 OS USOS EFETIVOS DA LÍNGUA<br />

2.1 PERÍODO <strong>DE</strong> OBSERVAÇÃO<br />

Na busca de vivenciar de perto como alguns<br />

professores estavam trabalhando os casos<br />

de emprego de ele(s) / ela(s) como complemento<br />

verbal e a ocorrência de pronomes oblíquos<br />

átonos, passamos dois meses (agosto a outubro<br />

de 2009) em uma escola da rede particular de<br />

ensino, da cidade de Belém, observando a rotina<br />

da escola, os alunos e o desempenho dos professores<br />

em sala de aula. Contribuíram com o<br />

corpos da pesquisa dois professores de língua<br />

portuguesa, onde adotamos como critério inicial<br />

que lecionassem a mesma disciplina, só que<br />

em níveis diferentes, e que tivessem de forma<br />

equivalente o mesmo período de atuação na<br />

docência. Como pode ser observado na tabela 1:<br />

2.2 ANÁLISE DA PRÁTICA DOCENTE<br />

Para uma catalogação mais didática, resolvemos<br />

mostrar os exemplos que os sujeitos S1F<br />

e S2H trabalharam em sala de aula, quando fo-<br />

Tabela 1: Caracterização dos professores<br />

Fonte: Pesquisa de campo agosto a outubro de 2009.<br />

tender que a escola deve avançar nas questões<br />

que envolvem reformulação curricular, formação<br />

continuada de professores, preconceito lingüístico,<br />

no sentido de reafirmar ações consistentes<br />

ram explicar aos alunos os casos de ele(s) ela(s)<br />

como complemento verbal e a ocorrência de<br />

pronomes oblíquos átonos. Como mostram as<br />

tabelas 2 e 3:<br />

40<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 39-44, jun. 2010


Tabela 2: S1F / Ensino Fundamental Segundo Ciclo<br />

Fonte: Pesquisa de campo agosto a outubro de 2009.<br />

Tabela 3: S2H/ Ensino Médio<br />

Fonte: Pesquisa de campo agosto a outubro de 2009.<br />

O primeiro fator que nos chamou atenção<br />

foi o fato de que, apesar do nível de aprendizagem<br />

ser diferente, as explicações sobre os assuntos<br />

são muito parecidas. Ambos os professores<br />

trabalham a língua Portuguesa em um ambiente<br />

desconectado com a realidade linguística<br />

do educando, ou seja, utilizam frases soltas, fora<br />

de um contexto, para tentar fazer com que o aluno<br />

“apreenda” o assunto 2 . Logo, nota-se a concepção<br />

de ensino que prevalece nesta escola e a<br />

visão deturpada, reduzida e falseada com que<br />

os professores tratam o português brasileiro.<br />

Não custa nada lembrar que o ensino de<br />

uma determinada nomenclatura gramatical, não<br />

2<br />

Em 1973, Wanderley Geraldi, em seu atualíssimo trabalho:<br />

As sete pragas do ensino de português, já nos ensinava essas<br />

questões. Vale a pena, e muito, ler o artigo. In: O txto na sala<br />

de aula.<br />

reconhece de fato que o usuário da língua consiga<br />

dominar o sistema por completo. Segundo<br />

Antunes (2007, p.54), a abordagem simplista que<br />

basta saber gramática para falar, ler e escrever<br />

bem fundam-se na estreita daquele primeiro<br />

equívoco: o de que gramática normativa equivale<br />

à língua. Desta maneira, a concentração dos<br />

programas pedagógicos em questões puramente<br />

gramaticais e o “clamor” dos pais junto às escolas<br />

para que essas deem aulas de gramática –<br />

passem exercícios – só se justificam pela crença<br />

de que o conhecimento da gramática basta. Em<br />

outras palavras, é mais do que necessário refletir<br />

acerca do que consiste a aula de língua portuguesa.<br />

Afinal, a gramática sozinha é absolutamente<br />

insuficiente.<br />

É importantíssimo ressaltar, que o problema<br />

não é ensinar norma padrão (aquela que detém o<br />

maior prestígio), até porque o aluno precisa ter<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 39-44, jun. 2010<br />

41


um maior contato com esta variante, mas não se<br />

pode atribuir ao ensino desta vertente regras que<br />

reduzem o universo linguístico e as possíveis maneiras<br />

de interação verbal que a língua possui.<br />

Destarte, não podemos considerar como “incorreta”<br />

uma variação do tipo – O moço da farmácia,<br />

Ana viu ele quando a moça assistia ao jogo, como<br />

mostrado na explanação do sujeito S2H. Pois esta<br />

mesma construção está presente em vários contextos<br />

de escrita e na fala de diversas comunidades,<br />

assim, a variante considerando Ele como objeto<br />

direto já é um dado real no português brasileiro,<br />

sendo, inclusive, constatado em jornais,<br />

revistas. Segundo Brandão (2007, p. 35), pensarmos<br />

que esse erro é um erro da língua portuguesa,<br />

quer dizer, uma impropriedade sem legitimidade<br />

histórica que deve ser evitada em todas as<br />

situações de fala e de escrita.<br />

Encontrei ele em casa é do séc. XX e Damos<br />

ele a vós é do séc. XIII. O que isso<br />

significa? Já erravam os monges e escribas<br />

do século XIII? Mas como se não<br />

existia Brasil no século XIII? [...] Creio<br />

que não podem separar-se estes exemplos<br />

da fase antiga da língua de uma<br />

construção paralela existente no português<br />

do Brasil. Não me parece que<br />

se trate de uma inovação brasileira.<br />

Como se pode ver, trata-se não de um<br />

problema generalizado, mas, na verdade,<br />

de um uso já existente em Portugal,<br />

ainda que em menor proporção aos<br />

o(s) la(s) como complemento verbal,<br />

que, trazido pela boca dos portugueses<br />

de todas as classes sociais, caiu<br />

no gosto dos nascidos em terras brasileiras<br />

(VIEIRA; BRANDÃO, 2007, p. 35).<br />

Portanto, até podemos ensinar regras tradicionais,<br />

que poderão inclusive ser cobradas em<br />

concursos, vestibulares que queiram testar o<br />

conhecimento da norma padrão, ensinada e preconizada<br />

pela escola. Mas o ensino de língua não<br />

pode seguir a lógica do “é assim e ponto final.”<br />

Os sistemas educacionais, principalmente os<br />

professores de língua, precisam entender e lutar<br />

para que o educando tenha habilidade para<br />

reconhecer os caminhos de eficácia e graça comunicativa<br />

que a língua possui.<br />

Em se tratando da colocação de pronomes<br />

oblíquos átonos, nos estudos tradicionais de sintaxe,<br />

segundo Carone (1986), há uma preocupação<br />

exagerada com este assunto em relação aos<br />

verbos e pouca ênfase ao estudo da colocação<br />

de outros componentes sintáticos no interior das<br />

frases, que, em muitos casos, ao se posicionarem<br />

em ordem diferente, mudam o significado<br />

dos enunciados. Em: Cobre-te com este casaco<br />

(exemplo utilizado pelo sujeito S1F ) e Te cobre<br />

com este casaco, o significado é o mesmo nas<br />

duas construções, quer com o pronome átono<br />

antes do verbo (próclise), quer depois do verbo<br />

(ênclise). Existe apenas uma ligeira mudança na<br />

pronúncia que pode, inclusive, ser influenciada<br />

por diversos fatores como: grau de abertura da<br />

boca, clima de uma determinada região. Daí uma<br />

das diferenças prosódicas entre português do<br />

Brasil e o português de Portugal 3 . Logo, é sintaticamente<br />

irrelevante o posicionamento do pronome<br />

oblíquo átono em relação ao verbo.<br />

Por outro lado, deveria ser bem mais útil o<br />

estudo de fatos sintáticos em que a organização<br />

de certos constituintes (elementos) nas frases<br />

provoca mudança de significado. Como podemos<br />

notar: o velho morador partiu hoje (1) possui uma<br />

carga semântica, enquanto que O morador velho<br />

partiu hoje (2) possui outro significado. As frases<br />

1 e 2 exemplificam e trabalham regras típicas do<br />

português brasileiro que podem proporcionar ao<br />

momento sala de aula, um diálogo construtivo na<br />

cumplicidade de saberes entre professor e aluno,<br />

principalmente, se forem exploradas em um<br />

ambiente de leitura. Onde, também, poderiam ser<br />

explorados diversos parâmetros que norteiam o<br />

português brasileiro, como exemplo: a topicalização,<br />

fenômeno bastante comum na fala, que<br />

trata-se do deslocamento para o início da construção<br />

certas unidades significativas que ficam<br />

enfatizadas, como se pode observar em: o gato<br />

comeu o peixe (3) e o peixe, o gato comeu (4). Na<br />

oração 3, o peixe é objeto direto e o enfoque co-<br />

3<br />

O português brasileiro, principalmente em situações de fala,<br />

é proclítico (me empresta a caneta) em vez de enclítico<br />

(empresta-me a caneta).<br />

42<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 39-44, jun. 2010


municativo é no gato. Já na oração 4, o peixe continua<br />

sendo objeto direto, só que neste caso o<br />

foco e a força ilocucionária da frase estão nele.<br />

Fato que refletiria positivamente no crescimento<br />

do aluno e na prática pedagógica da escola,<br />

porque ultrapassaria os limites da instituição,<br />

a artificialidade que se institui na sala de aula<br />

quanto ao uso da linguagem, fomentaria a prática<br />

da leitura, além de possibilitar o uso efetivo da<br />

língua em suas modalidades oral e escrita. Ou seja,<br />

definitivamente, é fundamental que a escola use<br />

o que se fala, como se fala, como se expressa,<br />

extramuros e aprenda a ensinar alguma coisa para<br />

ser usada fora, também destes muros.<br />

3 MÚLTIPLOS OLHARES<br />

Sabemos que mudar é complicado. Ainda<br />

mais quando o hábito nos deixa cego para identificar<br />

inúmeras possibilidades de adaptação e<br />

de crescimento, porém é essencial compreender<br />

que toda grande mudança requer trabalho,<br />

disposição e flexibilidade para que o “medo de<br />

encarar o novo” seja substituído pela esperança<br />

de construir novos comportamentos e pensamentos<br />

produtivos para o desenvolvimento de<br />

novas perspectivas educacionais. Por isso, necessitamos<br />

contextualizar cada vez mais o aluno<br />

com a realidade em que ele vive, fazendo com<br />

que este indivíduo tenha contato com leituras e<br />

práticas pedagógicas que possam possibilitar<br />

múltiplos olhares. Multiplicidade que refletirá<br />

no âmbito familiar, nas relações de amizade, nas<br />

futuras relações de trabalho.<br />

Segundo Silva (2009), são notórios os méritos<br />

das gramáticas normativas, sobretudo quanto<br />

ao estabelecimento de padrões que são compartilhados<br />

pelos falantes. Entretanto, a consulta<br />

a uma gramática normativa deve ser feita criticamente,<br />

avaliando-se as particularidades da<br />

linguagem utilizada pelos falantes.<br />

Um exemplo no português brasileiro<br />

é o futuro simples: “Eu buscarei o<br />

livro amanhã”. Para uma grande maioria<br />

de falantes do português brasileiro<br />

o futuro simples não ocorre na<br />

língua falada. Em seu lugar ocorre o<br />

futuro composto: “Eu vou buscar o livro<br />

amanhã.” Note, contudo, que o<br />

futuro simples é utilizado na linguagem<br />

escrita e em algumas variantes<br />

do português brasileiro (e certamente<br />

no português europeu). (SILVA,<br />

2009, p. 15).<br />

Faz-se, portanto, pertinente registrar estes<br />

dois usos efetivos do futuro simples no momento<br />

da interação com o alunado. De posse destas informações,<br />

o professor poderia proporcionar uma<br />

série de exercícios e discussões relevantes para a<br />

formação acadêmica do aluno, sem definir padrões<br />

em termos de julgamento de correto-incorreto.<br />

Ponto-chave para que o ensino de língua materna<br />

comece atingir dimensões mais democráticas, no<br />

sentido de mostrar ao educando características que<br />

fazem parte da realidade linguística nacional.<br />

Os professores e, por meio deles, os<br />

alunos têm de estar bem conscientes<br />

de que existem duas ou mais maneiras<br />

de dizer a mesma coisa. E mais,<br />

que essas formas alternativas servem<br />

a propósitos comunicativos distintos<br />

e são recebidas de maneira diferenciada<br />

pela sociedade. Algumas conferem<br />

prestígio ao falante, aumentando-lhe<br />

a credibilidade e o poder de<br />

persuasão; outras contribuem para<br />

formar-lhe uma imagem negativa, diminuindo-lhe<br />

as oportunidades. (BOR-<br />

TONI-RICARDO, 2005, p.15).<br />

Há que se entender, também, que os alunos<br />

que chegam à escola falando “tu visse”, “menas<br />

gente”, por exemplo, têm que ser respeitados<br />

e habilitados para o uso das variantes de prestígio<br />

dessas expressões. Não podemos ignorar<br />

estas especificidades da língua e nem fazer com<br />

que as portas se fechem para estes educandos.<br />

Precisamos, sim, é de uma distribuição mais justa<br />

de bens culturais, onde os alunos possam ter<br />

o direito a explicações que vão pelo menos um<br />

pouco além das “precárias listas de certo-errado”.<br />

Afinal, e a rigor, só ocorrem estas situações<br />

porque há permissão da língua.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 39-44, jun. 2010<br />

43


4 PARA REFLETIR<br />

Ao longo deste ensaio fomos pontuando teorias<br />

e práticas educativas no que se refere à natureza<br />

das línguas, sobretudo visões que envolvem<br />

sociedade, cultura e identidade. E relacionar<br />

todos estes contextos com o ensino de língua<br />

materna é, fundamentalmente, conscientizar<br />

cada vez mais a necessidade de investimento em<br />

pesquisas, estudos e análises de caráter educacional.<br />

Visto que, se pretendemos mudanças significativas<br />

na educação, nada mais coerente que<br />

adotar comportamentos que busquem o aperfeiçoamento<br />

de novas práticas docentes.<br />

Mesmo com os avanços significativos dos veículos<br />

de informação, segundo o professor Wanderley<br />

Geraldi, em uma de suas apresentações no XV<br />

Fórum Paraense de Letras/2009, infelizmente, o estudo<br />

do texto é mais praticado em outras disciplinas<br />

do que nas aulas de língua portuguesa que, em princípio,<br />

deveriam desenvolver precisamente as mais<br />

variadas formas de interlocução leitor/texto/autor.<br />

Fato que dificulta e compromete a aprendizagem<br />

de uma língua ou da variedade de uma língua.<br />

Por isso, consideramos as observações desta<br />

pesquisa, construtivas para o “repensar” de algumas<br />

ações pedagógicas, afinal, acreditamos que é<br />

possível fazer um desenho curricular diferente, ou<br />

seja, quando denunciamos que uma determinada<br />

prática docente está “presa” a um determinado sistema,<br />

queremos na verdade, tentar oportunizar<br />

novos sonhos docentes que possam ser benéficos<br />

para o verdadeiro processo construtivo do saber.<br />

Segundo Bastos (APUD SILVA, 2008, p.43), o<br />

professor precisa conhecer seu objeto de ensino,<br />

aliando espírito crítico-reflexivo à competência<br />

técnica. Claro que ensinar língua à luz desses<br />

princípios requer maior esforço de sua parte, pois<br />

“dá mais trabalho”. Entretanto, é certamente<br />

mais prazeroso para os envolvidos, alunos e professores,<br />

e, sem dúvida, mais esperançoso para<br />

a realização de uma nova postura acadêmica.<br />

Portanto, pensar o ensino de língua materna<br />

em um cenário altamente múltiplo em<br />

termos de aprendizagem, é promover o fazer<br />

científico em todos os níveis. Deixando margens<br />

para que o aluno consiga constatar seu<br />

verdadeiro papel na sociedade e, ao mesmo<br />

tempo, permitir verdadeiras descobertas linguísticas,<br />

históricas e culturais.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por<br />

um ensino de línguas sem pedras no caminho.<br />

São Paulo: Parábola Editorial, 2007.<br />

BAGNO, Marcos. Língua materna: letramento, variação<br />

e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2002.<br />

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Nós cheguemu<br />

na escola, e agora? Sociolinguística & Educação.<br />

São Paulo: Parábola Editorial, 2005.<br />

CÂMARA JR., J. Mattoso. Estrutura da língua portuguesa.<br />

Petrópolis: Vozes, 1997.<br />

CARONE, Flávia de Barros. Morfossintaxe. São<br />

Paulo: Ática, 1986.<br />

DUBOIS, Jean et al. Dicionário de linguística. São<br />

Paulo: Cultrix, 2006.<br />

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística<br />

geral. São Paulo: Cultrix, 2006.<br />

SILVA, Maria do Perpétuo Socorro Cardoso da<br />

(Org.) As interfaces dos estudos linguísticos.<br />

Belém: UNAMA, 2008. v. 4. 228 p.<br />

SILVA, Thaís Cristófaro. Fonética e fonologia do<br />

português: roteiro de estudos e guia de exercícios.<br />

São Paulo: Contexto, 2009.<br />

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação:<br />

uma proposta para o ensino de gramática no primeiro<br />

e segundo graus. São Paulo: Cortez, 1996.<br />

VIEIRA, Silvia; BRANDÃO, Silvia. Ensino de gramática:<br />

descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007.<br />

44<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 39-44, jun. 2010


NOVAS PERSPECTIVAS ACERCA DAS MEDIDAS <strong>DE</strong><br />

ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: um olhar da Psicologia 1<br />

Rogério Tavares da cruz*<br />

Márcia Soares Bezerra**<br />

R E S U M O<br />

Este artigo pretende discutir os novos modelos de abrigamento no Brasil permitindo<br />

refletir sobre o novo serviço que vem sendo apresentado, além de fazer um percurso histórico<br />

acerca dos abrigos, utiliza-se como método revisão bibliográfica, permitindo analisar segundo<br />

as produções científicas fatores de risco-proteção e enfatizando o papel deste espaço como<br />

promotor de desenvolvimento e espaço coletivo de integração, precisando rediscutir suas<br />

ações e modelos de funcionamento, além de tentar trabalhar de forma sistêmica e em rede.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Instituições de Acolhimento Infantil. Medidas de Proteção. Crianças e Adolescentes.<br />

Políticas Públicas.<br />

A criança é o elo mais fraco e exposto<br />

da cadeia social.<br />

Nenhuma nação conseguiu<br />

progredir sem investir na infância<br />

Gilberto Dimenstein (1994, p8-9)<br />

Este trabalho é fruto de problematizações<br />

acerca das medidas de abrigamento, sendo resultado<br />

das primeiras questões trazidas de um<br />

projeto de iniciação científica da Universidade<br />

da Amazônia, procurando observar os atendimentos<br />

e as ações promovidas nestes espaços<br />

e, além disso, refletir sobre o que a literatura e<br />

as leis que são desenvolvidas para a proteção de<br />

crianças e adolescentes esperam dessas instituições.<br />

Será que a promoção do desenvolvimento<br />

dos atendidos nestes são o foco dessas instituições?<br />

De que forma se desenvolvem os trabalhos<br />

com as famílias e as crianças? Que práticas<br />

inovadoras e tradicionais coexistem e como<br />

as percepções da equipe promovem o cresci-<br />

mento e o acolhimento nesses espaços?<br />

Vale ressaltar que existe um grande número<br />

de crianças e adolescentes que estão cumprindo<br />

medidas de acolhimento institucional.<br />

Pesquisas como a do IPEA (2004) junto ao UNI-<br />

CEF mostraram que mais de 20.000 crianças cumprem<br />

este tipo de medida de proteção no país,<br />

existindo mais de 670 abrigos cadastrados rece-<br />

* Aluno do 9º semestre do curso de Psicologia da<br />

Universidade da Amazônia, bolsista do programa de<br />

iniciação científica.<br />

** Professora orientadora do programa de iniciação científica<br />

e do curso de Psicologia UNAMA / UFPA.<br />

1<br />

Artigo produzido como parte da pesquisa do programa de<br />

iniciação científica Instituições de acolhimento infantil:<br />

concepções dos cuidadores acerca das crianças e suas<br />

práticas de cuidado.<br />

45<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010


endo verbas do governo federal através do serviço<br />

de ação continuada – SAC / Abrigos. Dados<br />

estes associados a mais de 58% de meninos entre<br />

7 e 15 anos, negros de famílias de baixa renda,<br />

dados estes corroborados por Souza & Carvalho<br />

(2007). Mais o que leva tantas crianças e<br />

adolescentes estar abrigados? Como esses serviços<br />

de abrigamento desenvolveram -se em<br />

nosso país?<br />

No Brasil, novos paradigmas acerca das políticas<br />

publicas direcionadas a crianças e adolescentes<br />

foram apresentados, primeiramente gerados<br />

pelas pressões de mecanismos internacionais,<br />

como a Convenção Internacional dos Direitos<br />

da Criança, em 1989 realizada na ONU, e<br />

também das pressões dos movimentos sociais e<br />

da sociedade civil democrática, que veio, após o<br />

processo de redemocratização, em busca de seus<br />

direitos, sendo consolidados com Constituição<br />

de 1988 e, mais tarde da Lei Orgânica da Assistência<br />

Social (LOAS, 1993), ambas procurando<br />

garantir a toda população direitos sociais antes<br />

negados (OLIVEIRA & MILNITISKY-SAPIRO, 2007),<br />

além da promulgação da Lei 8.069, o Estatuto da<br />

Criança e do Adolescente (ECA), sendo aprovado<br />

em 1990, trazendo consigo um novo olhar direcionados<br />

às crianças e adolescentes, colocando<br />

estes na posição de sujeitos de direitos, permitindo<br />

a partir dessa mudança, novas práticas,<br />

olhares e políticas para o atendimento integral<br />

das crianças e adolescentes em nosso país<br />

Segundo Rizzini, Rizzini, Naif & Batista<br />

(2007) a partir da promulgação da lei em 13 de<br />

julho de 1990, a prática centenária de institucionalização<br />

é condenada, permitindo, a partir desta<br />

nova visão, uma política de atendimento que<br />

tem nessa medida um caráter excepcional e de<br />

transitoriedade, citadas no artigo 101 desta lei,<br />

ressaltando que a ênfase baseia-se na convivência<br />

familiar e comunitária, reforçando que a<br />

medida de acolhimento institucional deve ser a<br />

última a ser tomada, pois segundo Weber (2000)<br />

apud Souza & Castro (2007) esta se mostra ineficaz<br />

como política pública, pois não focaliza os<br />

verdadeiros problemas que são motivo de abrigamento,<br />

como a miséria social, a carência de<br />

apoio socioeducativo às famílias e formas de<br />

combate e prevenção de violência doméstica<br />

infanto-juvenil.<br />

Autores como Rizzini & Rizzini (2004) apud<br />

Cavalcante, Magalhães & Pontes (2007) consideram<br />

a medida, a de acolhimento institucional,<br />

como uma medida de proteção às crianças e adolescentes<br />

em situação de vulnerabilidade social,<br />

política esta reconhecida efetivamente dentro da<br />

Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e<br />

mais especificamente do Sistema Único de Assistência<br />

Social (SUAS) como política da proteção<br />

social especial de alta complexidade, que garante<br />

proteção integral no caso do abrigo, a crianças<br />

que necessitam ser retiradas do convívio familiar<br />

e comunitário, em especial aquelas famílias que<br />

se encontram em situação de vulnerabilidade<br />

social e em situação de violência.<br />

Para entender o processo de construção da<br />

categoria crianças e adolescente e, consequentemente,<br />

dos serviços e políticas direcionadas a<br />

estes, devemos analisar a partir da história brasileira,<br />

pois segundo Pinheiro (2006) cada representação<br />

emerge de um contexto sócio-histórico<br />

específico e dentro de cada representação citada<br />

se fundem valores, políticas, instituições,<br />

assim como práticas sociais e de cuidado. Para<br />

Frota (2007) devemos compreender a infância<br />

de modo particular, não a tornando um estado<br />

universal que acontece com todos ao mesmo<br />

tempo, devendo largar ideias pré-concebidas.<br />

Segundo Phillippe Áries (1978) apud Frota<br />

(2007) a infância foi uma invenção da modernidade,<br />

afirmando também como uma categoria<br />

construída socialmente. Nos séculos XVI e XVII<br />

são associadas à ideia de inocência e de fragilidade<br />

corroboradas durante o século XVIII por filósofos<br />

como John Locke que difundiram a idéia<br />

de tábua rasa para o desenvolvimento infantil e<br />

que também foi base do pensamento de Jean<br />

Jacques Rousseau, que defendia a natureza humana<br />

como boa, em especial as crianças que vêm<br />

46<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010


puras ao mundo e a sociedade que as corromperia<br />

(FROTA, 2007). No Brasil o primeiro olhar que<br />

se move para elas é através destas como objeto<br />

de proteção social cuja principal manifestação é<br />

garantir a sua sobrevivência, associando-as ao<br />

pensamento cristão que estimulava a filantropia,<br />

valores como compaixão, amor ao próximo<br />

e a caridade são alguns dos preceitos marcados<br />

dentro dessa representação social. Dentro desse<br />

contexto a primeira medida tomada acerca<br />

de políticas foi o acolhimento de crianças no<br />

século XVIII na cidade do Rio de Janeiro, cujo<br />

objetivo era acolher menores muito pobres ou<br />

bastardas nas instituições chamadas Casas de<br />

Roda, também chamadas Casa dos Expostos<br />

(MARCILIO, 1997). Neste aspecto a preservação<br />

destes segundo Pinheiro (2006) era um ato que<br />

já revelava um problema social que se iniciava,<br />

o de omissão ou transferência de responsabilidades,<br />

iniciando-se aí os primeiros passos do<br />

que seria uma proteção social nos moldes assistencialistas.<br />

Muitos passaram a colocar filhos<br />

ilegítimos, frutos da libertinagem e das transgressões<br />

sociais tornando-os de acordo com<br />

Costa (1999) apud Pinheiro (2006) & Marcilio<br />

(1997), locais que passaram a superlotar e sofrer<br />

de precárias instalações.<br />

Já no final do século XIX e no inicio do século<br />

passado, o cenário do país transforma-se. Estamos<br />

no início do período republicano, da abolição<br />

da escravatura e do movimento higienista,<br />

que se inspira nos moldes europeus, de acordo<br />

com Pinheiro (2006) e, nesse contexto, surge<br />

uma nova concepção acerca da criança e do adolescente,<br />

a de objeto de controle e disciplinamento<br />

social, tendo como característica principal<br />

estes como investimentos do Estado brasileiro,<br />

isto é, deveriam ser estes recrutados para<br />

a nova nação que estava nascendo, sendo a favor<br />

do Estado, ações como a escolarização e a<br />

profissionalização importantes a fim de que estes<br />

fossem usados como mão de obra subalterna<br />

e submissa aos interesses da nação, em especial<br />

as crianças e adolescentes das classes populares,<br />

pois havia iniciado o processo de industrialização<br />

que abria vagas em empregos de baixa<br />

qualificação. Essas práticas também eram<br />

medidas preventivas para a elevação da criminalidade<br />

que estava em seu início em nosso país,<br />

pois este passava a ser tornar urbano, fenômeno<br />

conhecido como êxodo rural, aumentado as<br />

populações da cidade em especial, das periferias.<br />

O lema deste modelo, segundo Pinheiro era,<br />

“..disciplinar e controlar para produzir e não para<br />

delinguir” (2006, p.58).<br />

Pinheiro (2006) declara haver outra concepção<br />

que surge neste mesmo período, isto é, a<br />

criança e adolescente como objetos de repressão<br />

social, que entra em vigor pelo Estado em<br />

virtude de combater a delinquência juvenil,<br />

combatendo determinados tipos de comportamentos<br />

através de repressão, porque estes eram<br />

considerados uma ameaça à ordem social (aqueles<br />

que não foram enquadrados nas políticas de<br />

controle e disciplinamento). É nesse contexto<br />

que surgem práticas e instituições como o Código<br />

de Menores em 1927 e do SAM em 1940, que<br />

atendia menores de 18 anos abandonados e delinquentes,<br />

segundo (PINHEIRO, 2006 & FROTA,<br />

2007) e aí que se inicia a fase do isolamento em<br />

instituições e também da retirada do convívio<br />

social. Entre as práticas de cuidado vigente nestes<br />

espaços são destacados o uso da punição<br />

como instrumento de correção. Esta concepção<br />

vem acompanhada com a ideia de perigo que<br />

crianças e adolescentes de classes menos favorecidas<br />

trazem para a sociedade, e a institucionalização<br />

veria com o papel fundamental de reeducá-los<br />

para a sociedade, trazendo-os de volta<br />

ao convívio social (SANTOS & BASTOS, 2002).<br />

Essas três concepções têm algumas similaridades,<br />

em especial às crianças e adolescentes<br />

em vulnerabilidade social, vítimas da<br />

exclusão social que acompanha o país há séculos,<br />

como se estas fossem inferiores e precisassem<br />

de ações desse cunho para salvá-las<br />

dos seus destinos. É nesses últimos dois contextos<br />

que surgem a doutrina da situação irre-<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010<br />

47


gular e o termo “menor”. A doutrina embasava<br />

as ações e práticas tanto das instituições<br />

como foi o marco que orientava o Código de<br />

Menores de 1927 e o Código de Menores 1979.<br />

Durante quase todo o século XX as ações do<br />

Estado eram baseadas na “prevenção de comportamentos<br />

potencialmentes criminosos<br />

através da escolarização e da profissionalização,<br />

e da repressão a delinquentes a fim de<br />

recuperá-los” (PINHEIRO, 2006, p.69), para que<br />

não sejam mais perigosos para a sociedade.<br />

Autores como Lago et al, (2009) ressaltam que<br />

até esse momento (antes da promulgação do<br />

ECA, os espaços institucionais atendiam toda<br />

a demanda de crianças e adolescentes, inclusive<br />

nas antigas FEBEM, onde se pôde perceber<br />

tanto as crianças vítimas de violência como<br />

as que cumpriam medidas socioeducativas resultantes<br />

de ato infracional. Essa transformação<br />

se dá pela Lei 11.800/02 que cria duas instituições<br />

distintas que visam a separação dos<br />

serviços e paradigmas, separando as medidas<br />

protetivas e as medidas socioeducativas.<br />

Com a promulgação da Declaração Universal<br />

dos Direitos Humanos, em 1947 e mais tarde<br />

com a Declaração Internacional dos Direitos da<br />

Criança, em 1958, vários países começam a rever<br />

suas práticas e políticas acerca das crianças e adolescentes.<br />

No Brasil, com o processo de redemocratização<br />

e da luta pelos direitos humanos,<br />

e principalmente pela aprovação da Constituição<br />

Federal de 1988 e também da Convenção das<br />

Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças,<br />

em 1989, surge uma nova concepção, principalmente<br />

nesse último evento, que é o da doutrina<br />

da proteção integral que norteará as nações nas<br />

ações, práticas e políticas públicas na atenção a<br />

esses “sujeitos”.<br />

É nesse contexto que,segundo Pinheiro<br />

(2006); Frota (2007) surge uma nova representação<br />

social acerca das crianças e adolescentes,<br />

estes como sujeitos de direitos. Essa concepção<br />

surge no Brasil acompanhada da luta<br />

dos movimentos sociais pela reivindicação de<br />

seus direitos, também acompanhada pelo<br />

agravamento da situação social como a elevação<br />

dos indicadores econômicos e o agravamento<br />

dos índices sociais, como exemplo, o<br />

depauperamento das classes populares. É nesse<br />

contexto que essa nova representação inicia-se<br />

e vem acompanhada com dois princípios<br />

fundamentais: a igualdade perante a lei e o<br />

respeito à diferença. O primeiro vem norteado<br />

pela garantia de todos os direitos fundamentais<br />

às crianças e adolescentes baseandose<br />

na inclusão daqueles que antes eram excluídos<br />

nas outras três concepções. Essa mudança<br />

de paradigma baseia-se na noção de<br />

igualdade social e de direitos à cidadania; o<br />

segundo princípio vem expresso na ideia de<br />

que estes são pessoas em condição peculiar<br />

de desenvolvimento; segundo que estes requerem<br />

cuidados decorrentes das suas peculiaridades.<br />

Isto vale para o Estado, para a sociedade<br />

e para a família. Cuidados esses que não<br />

deveriam torná-lo mais inferior e sim diferente,<br />

estes meios por sinal deveriam procurar<br />

desenvolver as potencialidades e habilidades<br />

destes de forma que seu desenvolvimento<br />

ocorra de forma sadia, por isso denomina-se<br />

doutrina da proteção integral, pois são várias<br />

ações articuladas que promoverão esse desenvolvimento<br />

(educação, saúde, assistência social,<br />

segurança etc.). É nessa nova concepção<br />

que as práticas sociais alteram-se, como é o<br />

caso do combate à institucionalização prolongada<br />

em troca de um atendimento que tem<br />

como foco a convivência familiar e comunitária,<br />

tidas como fundamentais para o desenvolvimento<br />

pleno dessas crianças e adolescentes.<br />

Esse novo marco que impulsiona em 1990<br />

a promulgação da Lei 8.069 (o Estatuto da Criança<br />

e Adolescente) que irá nortear as políticas<br />

públicas direcionadas a crianças e adolescentes<br />

no país, no caso a ser estudadas as instituições<br />

de acolhimento (RIZZINI, RIZZINI,<br />

NAIF & BATISTA, 2007).<br />

REFLETINDO ACERCA DAS INSTITUIÇÕES <strong>DE</strong> ACO-<br />

48<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010


LHIMENTO (ABRIGOS)<br />

É nesse contexto, da aprovação da Lei 8.069<br />

(ECA), que os abrigos e toda a rede de atendimento<br />

que até então fazia os serviços de proteção<br />

a crianças e adolescentes é repensada, portanto<br />

como ressalta Guará (2005) promove-se<br />

uma cadeia de reordenamento ocorrendo a partir<br />

da perspectiva do novo paradigma políticojurídico<br />

com a aprovação da lei em 1990, destacando<br />

a implantação de novos serviços e transformando<br />

outros que já existiam, como é o caso<br />

dos abrigos. Mas o que é abrigo?<br />

Segundo Cavalcante, Magalhães & Pontes<br />

(2007) os conceitos mais comuns são relacionados<br />

a asilos, refúgios, moradia e esconderijo,<br />

estes termos denotam a ideia de recolhimento,<br />

confinamento e isolamento social. Destacando<br />

que nos casos específicos as crianças denotam a<br />

ideia de afastamento do olhar público daquilo<br />

que atenta à ordem social e à dignidade humana.<br />

No decorrer da história a política de abrigamento<br />

sempre serviu para acolher crianças órfãs,<br />

pobres e que foram abandonadas, mantendo<br />

viva a crença de que esta medida é a mais<br />

adequada para estes.<br />

Na perspectiva do IPEA (2004) o abrigo apresenta-se<br />

como um instrumento de política social<br />

legitimada pelo estatuto (1990) e pela LOAS (1993)<br />

em especial no artigo 2 que trata do “..amparo a<br />

crianças e adolescentes carentes..” , a partir de<br />

que esse ofereça proteção e assistência à criança<br />

que se encontra sem os meios necessários para a<br />

sobrevivência, situações de “incapacidade” dos<br />

pais ou responsáveis e, além disso, situações cotidianas<br />

de graves riscos à integridade física, psicológica<br />

e sexual da criança (CAVALCANTE, MA-<br />

GALHÃES & PONTES, 2007). Nessa perspectiva o<br />

abrigo deve oferecer proteção especial para as<br />

crianças que estão em situação de vulnerabilidade<br />

social, promovendo a acolhimento, segurança,<br />

moradia e cuidados diários, devendo ser articulado<br />

com outros órgãos, programas e ações para<br />

poder desempenhar seu papel em meio a essa<br />

complexidade, integrando as demais redes de<br />

serviços das políticas sociais básicas e aos serviços<br />

assistenciais, isso também se reflete aos familiares<br />

da criança abrigada (GUARÁ, 2005).<br />

De acordo com Cavalcante, Magalhães &<br />

Pontes (2007) & Arpini (2003) o abrigo pode apresentar-se<br />

como instituição total, cujo regime é<br />

apresentado como autoritário e disciplinar, destacando<br />

nesses estudos os trabalhos de Foucault<br />

(1997); Goffman (1974) que mostram as consequências<br />

que são geradas pela vida institucional,<br />

como por exemplo, o aniquilamento de sua<br />

identidade, a estigmatização das crianças e dos<br />

profissionais que trabalham no espaço e as dificuldades<br />

de re-inserção social (ARPINI, 2003),<br />

outros questões são citadas por Koller & Campos<br />

(2004) apud Cavalcante, Magalhães & Pontes<br />

(2007) como fundamentais acerca do abrigo<br />

como instituição total ressaltando, por exemplo,<br />

a ruptura dos vínculos familiares afastando-se<br />

do ideal do estatuto em garantir a convivência<br />

familiar. Além disso, outro aspecto é ressaltado<br />

nesse espaço total que é o grande numero de<br />

abrigados afastando-se da perspectiva da Lei<br />

8.069, pois assim desconsidera o atendimento<br />

individual e personalizado.<br />

Nesses espaços, como destaca Benelli<br />

(2003) apud Cavalcante, Magalhães & Pontes<br />

(2007), os objetivos dessas instituições que foram<br />

criadas são a promoção da estratificação social,<br />

a segregação e a modelagem de comportamentos<br />

caracterizados pela alternância entre<br />

punições e recompensas, dispositivos estes utilizados<br />

pelos dirigentes e que muito marcaram<br />

as políticas de atendimento no inicio do século<br />

XX, inspirados pelo Código de Menores de 1927,<br />

cujo objetivo era institucionalizar aquelas crianças<br />

e adolescentes delinquentes e “perigosas”<br />

para o convívio social e reeducá-las (PINHEIRO,<br />

2006)”. Essas instituições representam um padrão<br />

de cuidado infantil bastante nocivo para o<br />

desenvolvimento da criança tornando paradoxal<br />

a relação proteção-riscos em seu cotidiano<br />

(CAVALCANTE, 2007).<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010<br />

49


Este mesmo espaço deve ser entendido de<br />

acordo com Cavalcante, Magalhães & Pontes<br />

(2007) como ambiente coletivo de cuidado infantil,<br />

cujo motivo baseia-se na característica<br />

deste em conter no seu espaço características<br />

como uma estruturação não familiar, convivência<br />

intensa entre as crianças e seus pares, assim<br />

como seus cuidadores e, além disso, a ausência<br />

de um espaço individualizado, essas similaridades<br />

são vistas em creches e pré-escolas. Vale<br />

ressaltar que aspectos importantes a ser analisados<br />

dentro dessa perspectiva como, por exemplo,<br />

o espaço físico, os equipamentos e as atividades<br />

de rotina todos esses facilitadores de desenvolvimento<br />

de comportamentos pró-sociais<br />

e como ambiente coletivo de cuidado.<br />

Dentro da perspectiva ecológica é percebido<br />

o abrigo como contexto de desenvolvimento<br />

humano, pois a criança que apresenta em situação<br />

de acolhimento institucional tem condições<br />

reais para desenvolver habilidades e competências<br />

decisivas para a formação da personalidade<br />

e das habilidades sociais (CAVALCANTE, MAGA-<br />

LHÃES & PONTES 2007).<br />

Nessa abordagem, segundo Brofenbrenner<br />

(1996), o contexto onde a criança cresce e<br />

se desenvolve não é limitado somente a um<br />

único espaço mas a várias interconexões em diferentes<br />

ambientes, ressaltando que, no caso<br />

do abrigo, quanto maior for suas aberturas, mais<br />

fluidas serão suas fronteiras e interfaces, permitindo<br />

maior desenvolvimento a partir da conexão<br />

entre vários micros e mesossistemas,<br />

possibilitando para as crianças abrigadas permanente<br />

crescimento e formação, destacando<br />

que essa interação é determinada pelo aspecto<br />

bi-direcional da interação entre criança e o<br />

ambiente, sendo que esta deve ser estimulada,<br />

enfatizada inclusive pelo estatuto (ECA),<br />

permitindo abrir espaços de trocas sociais e afetivas<br />

entre as pessoas envolvidas, inclusive seus<br />

cuidadores. Segundo Cavalcante, (2007) o olhar<br />

da perspectiva ecológica acerca do abrigo deve<br />

ser permeado pelas seguintes características:<br />

o ambiente físico e social constituindo esse aspecto<br />

como, por exemplo, a questão estrutural<br />

do espaço; que espaços existem; que tipos de<br />

equipamentos são utilizados; quais as rotinas<br />

do abrigo e de seus cuidadores e a dinâmica<br />

institucional. A Psicologia dos cuidadores (crenças,<br />

percepções, valores dos cuidadores e técnicos)<br />

e suas práticas cotidianas. Na conclusão<br />

desses autores é possibilitada uma visão de<br />

abrigo que perpassa como um ambiente de cuidado<br />

coletivo e como contexto de desenvolvimento<br />

ecológico, compondo uma visão mais<br />

ampla da dualidade proteção e risco e permitindo<br />

através desse olhar, buscar o desenvolvimento<br />

desse espaço como um meio de desenvolvimento<br />

para a criança abrigada.<br />

Nesse paradigma proteção-riscos, muitos<br />

estudos têm sidos desenvolvidos acerca dos aspectos<br />

nocivos da institucionalização e seus efeitos<br />

para a saúde mental e física das crianças abrigadas.<br />

Estudos de Spitz (1965/1998) apud Cavalcante,<br />

Magalhães & Pontes (2007) destacam que<br />

no primeiros anos de vida desenvolvem-se a<br />

formação do apego, a formação de vínculos primários,<br />

logo, se estes forem privados dos cuidados<br />

maternos nessa fase sensível, terão efeitos<br />

traumáticos para o seu desenvolvimento.<br />

É importante ressaltar que a perspectiva<br />

ecológica valoriza a relação entre cuidador-criança,<br />

pois esta é importante para o seu desenvolvimento,<br />

permitindo colocar esse espaço<br />

como ambiente de cuidado, porém existem situações<br />

já citadas que determinam aspectos<br />

nocivos aos abrigos como o tratamento massificado,<br />

a privação da convivência familiar e o confinamento<br />

social (todos esses distantes do ideal<br />

do estatuto), porém destaca-se a combinação<br />

desses fatores e sua intensidade como importantes<br />

na configuração desses como fatores de<br />

riscos. Autores como Sigal, Perry, Rossignol &<br />

Quimet (2003) apud Cavalcante, Magalhães &<br />

Pontes (2007), permitem explanar alguns fatores<br />

acerca da institucionalização cujos fatores<br />

podem minimizar os efeitos nocivos, assim como<br />

50<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010


possibilitar ver este espaço como fator de proteção<br />

e de desenvolvimento, como por exemplo,<br />

a presença de um adulto cuidador. Dentro<br />

desse olhar otimista os estudos de Tizard & Rees<br />

(1974) citados pelos mesmos declaram que é<br />

importante obter uma qualidade no ambiente e<br />

na interação com o cuidador, destacando que<br />

muitas crianças não encontram essas características<br />

no seu ambiente familiar.<br />

Dentro da nova perspectiva pós ECA percebeu-se<br />

que a necessidade de um novo modelo<br />

de atendimento, baseado no olhar das crianças<br />

e adolescentes como sujeitos de direitos,<br />

permitindo as estes um atendimento mais<br />

humanizado e percebendo as instituições de<br />

acolhimento como local de potencialidades,<br />

possibilidades, de acolhimento, afeto e proteção,<br />

possibilitando a partir desse novo parâmetro<br />

ter esse espaço como ambiente propício ao<br />

desenvolvimento humano (ARPINI, 2003). Essas<br />

instituições tornaram-se mais abertas, com<br />

atendimentos mais personalizados e em menor<br />

número, permitindo garantir a individualidade<br />

do atendimento, além do fato da perspectiva<br />

de permanência temporária, destacando<br />

que essas diretrizes estão escritas na própria<br />

lei, no artigo 92, outras são citadas como a<br />

não separação de irmãos, devendo-se também<br />

evitar a transferência de abrigados para outras<br />

instituições sempre que possível, além de manter<br />

a participação da comunidade no espaço, e<br />

vice-versa tentar aproximar esses dos vínculos<br />

comunitários também, preparando-os para o<br />

desligamento institucional, como se este fosse<br />

apenas provisório e processual.<br />

Seguindo esse caminho o IPEA (2004) sugere<br />

que um abrigo possua no máximo 25 crianças,<br />

redimensionado as suas reais capacidades e necessidades<br />

de atendimento.<br />

Dentro dessa nova perspectiva é vital tornar<br />

esse espaço um ambiente propício ao desenvolvimento,<br />

garantindo a acolhida e o não<br />

rompimento dos vínculos familiares, assim como<br />

desempenhar nesse espaço um atendimento<br />

humanizado, onde os cuidadores e o próprio<br />

ambiente podem ser facilitadores de melhor<br />

qualidade de vida, proporcionado através da<br />

promoção de vínculos mais positivos, com maior<br />

segurança e estabilidade, além de promotores<br />

de resiliência, visto como capacidade de responder<br />

de forma positiva a situações adversas<br />

(CARVALHO & VECTORE, 2008). Vale lembrar que<br />

estes cuidadores devem procurar manter uma<br />

relação afetiva, pois segundo Brofenbrenner<br />

(1996) as formas de interação de cuidado com as<br />

crianças deve ter três características: a reciprocidade<br />

caracterizada como feedback mútuo entre<br />

cuidador-crianças tornando essa interação mais<br />

complexa de acordo com o tempo. Outra característica<br />

que deve estar presente em qualquer<br />

contexto institucional deve ser o equilíbrio de<br />

poder, permitindo à criança aprender a lidar com<br />

relações de poder diferenciais, embora essa distribuição<br />

deva gradualmente reduzir-se dando<br />

a estes autonomia; a outra característica ressalta<br />

a importância da relação afetiva no desenvolvimento<br />

de sentimentos positivos uns para com<br />

outros, considerando que a dimensão afetiva é<br />

parte inerente das relações humanas, portanto<br />

não deve ser excluída do contexto institucional.<br />

É importante também reconhecer e valorizar seu<br />

papel enquanto cuidador no ambiente institucional<br />

(CONANDA/ CNAS 2008).<br />

CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />

Os espaços de acolhimento institucional<br />

neste novo modelo de funcionamento devem<br />

ter como constantes desafios o rompimento dos<br />

paradigmas de uma instituição de isolamento,<br />

permitindo que o público atendido possa estar<br />

em constante desenvolvimento e interação com<br />

dos diversos âmbitos e sistemas que garantam a<br />

eles a permanência dos vínculos comunitários e<br />

familiares, e garantindo a aquisição de novos vínculos<br />

construídos nesses espaços com seus cuidadores<br />

e com os seus pares, além da equipe<br />

técnica em serviço no abrigo.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010<br />

51


Além disso, é importante ressaltar a capacitação<br />

contínua e a reflexão dos profissionais que<br />

lidam com crianças e adolescentes que cumprem<br />

esse tipo de medida, possibilitando a avaliação<br />

de suas relações, concepções que permeiam suas<br />

práticas, além de ter uma visão contextual e sistêmica<br />

do seu trabalho, favorecendo analisar as<br />

diversas questões que cercam os motivos de abrigamento,<br />

em especial os conflitos familiares, favorecendo<br />

analisá-los para futuras intervenções<br />

junto a essas famílias, garantindo a reinserção dos<br />

abrigados em suas famílias de origem.<br />

Importante também ressaltar o trabalho em<br />

rede com outras instituições que permitam a troca<br />

de informações e intervenções eficazes entre<br />

os abrigados e suas famílias, buscando soluções<br />

em conjunto para esse problema tão complexo<br />

e amplo, garantindo a inserção de diversas<br />

políticas públicas e a inserção das famílias<br />

em projetos de valorização e de construção de<br />

vínculos mais sólidos entre seus membros.<br />

Devemos também refletir acerca da representação<br />

social em que os espaços foram<br />

construídos, permitindo quebrar paradigmas<br />

pelos profissionais que trabalham nestes espaços<br />

e também da própria sociedade, que<br />

ainda olha estes espaços ou de forma assistencialistas<br />

ou de forma de disciplinamento e<br />

repressão, permitindo sempre avaliar este<br />

espaço como promotor de acolhimento e desenvolvimento,<br />

ainda que seja temporário,<br />

permitindo que o trabalho seja desenvolvido<br />

com todas as partes em questão, os abrigados<br />

e suas famílias, quebrando este círculo vicioso<br />

da violência, tanto intergeracional como<br />

social, pois as próprias famílias também são<br />

vítimas de uma sociedade excludente e com<br />

ausência de políticas públicas que garantam a<br />

proteção e atendimento integral às famílias e<br />

suas diversas demandas.<br />

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52<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010


CAVALCANTE, L. L. C. Ecologia do cuidado: interações<br />

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jurídica nos abrigos: uma analise sistêmica<br />

do direito a convivência familiar e comunitária<br />

In: Psicologia jurídica: temas de aplicação. Curitiba<br />

(PR): Ed. Juruá, 2009. p. 21-42.<br />

VECTORE, C & CARVALHO, C. Um olhar sobre o<br />

abrigamento: a importância dos vínculos em contextos<br />

de abrigo. Revista semestral da Associação<br />

Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional<br />

(ABRAPEE), 2008.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010<br />

53


VARIAÇÃO LINGUÍSTICA:<br />

um estudo da fala de vestibulandos de escolas<br />

públicas e privadas de Belém 1<br />

Diego de Sousa Cruz Lima*<br />

R E S U M O<br />

O presente estudo intitulado Variação linguística: um estudo da fala de vestibulandos de<br />

escolas públicas e privadas de Belém tem como alicerce um estudo variacionista. O estudo abordará<br />

um enfoque investigativo quantiqualitativamente, entre as relações fonético-fonológicas,<br />

onde através desses corpus (dados) da pesquisa. Identificando, assim, os desvios linguísticos dos<br />

jovens vestibulandos e tentando explicá-los através dos postulados da sociolinguística.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Variação. Aspectos Fonético-Fonológicos. Desvios linguísticos. Sociolinguística<br />

1 O PROJETO<br />

A referida pesquisa surge pelo seu pioneirismo<br />

e importância. Dada a contribuição e expansão<br />

desta à Região Amazônica, em especial a Belém, já<br />

que está se propõe a fazer parte integrante do Projeto<br />

Valunorte, desenvolvido na UNAMA,o que trará<br />

um grande reconhecimento como polo de estudos<br />

linguísticos na região Norte.<br />

O reconhecimento da existência de uma<br />

variação linguística desmitifica as influências de<br />

um passado colonizador, então temos de levar<br />

em consideração as diferenças culturais: de identidade,<br />

credo, raça, multiculturalismo e multilinguísmo,<br />

embora os puristas cultuem certas<br />

formas do bem falar em detrimento das variações<br />

da real língua dos falantes.<br />

É de grande importância salientar o reconhecimento<br />

voltado ao estudo do falar brasileiro<br />

para um campo de interesse científico.<br />

Daí algumas críticas direcionadas a bem fundada<br />

variação, por isso o preconceito linguístico.<br />

Sua espontaneidade e imprevisibilidade<br />

tornam a língua um fato social, acarretado por<br />

influências temporais e espaciais. O surgi-<br />

mento da sociolingüística concebe a língua<br />

como um fato social, envolvido junto às comunidades<br />

falantes e sua cultura.<br />

Nesta pesquisa os dados linguísticos serão<br />

tratados de acordo com a sociolinguística, em<br />

uma perspectiva variacionista, ou seja, por meio<br />

de pesquisa quantiqualitativa extrairemos os<br />

dados, sendo considerados os contextos extralinguísticos,<br />

o que permitirá percebermos a sistematicidade<br />

da variação, considerando os chamados<br />

fatores externos à análise linguística,<br />

neste caso, além daqueles previstos no Valunorte,<br />

o tipo de escola (pública e privada).<br />

Os pontos mais importantes, que foram ligados<br />

para encontrar os padrões que guiam a<br />

variação de um dado sistema linguístico são encontrados<br />

nas variáveis extralinguísticas, como<br />

lugar de moradia, classe social, faixa etária, grau<br />

de escolaridade e sexo dos falantes, já previstos<br />

no Valunorte.<br />

*<br />

Graduando do 6º semestre do Curso de Letras / habilitação<br />

em Língua Inglesa e bolsista de pesquisa do Projeto<br />

Valunorte (UNAMA/FI<strong>DE</strong>SA).<br />

1<br />

Artigo elaborado sob a orientação da Professora Dr a . Maria<br />

do Perpétuo Socorro Cardoso da Silva coordenadora do<br />

projeto Valunorte<br />

55<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 55-59, jun. 2010


O principal objetivo desta pesquisa é analisar<br />

os usos linguísticos, de caráter fonéticofonológico<br />

na fala urbana de concluintes do<br />

ensino médio, especificamente os que estão<br />

se preparando para prestar vestibular, cujo<br />

fator a ser considerado será o tipo de escola,<br />

pública ou privada. Mas para se chegar a esse<br />

objetivo, deve-se passar por objetivos menores,<br />

mas não menos importantes, que é produzir,<br />

juntamente com os pesquisadores do<br />

Valunorte, as informações necessárias à composição<br />

do banco de dados do projeto. Selecionar,<br />

no corpus em questão, excertos que evidenciem<br />

os usos de aspectos fonético-fonológicos,<br />

pelos alunos de cada tipo de escola.<br />

Descrever os contextos de uso, tendo como<br />

parâmetro a norma padrão vigente.<br />

2 SELEÇÃO DO CONTEXTO<br />

A pesquisa se dará em Belém do Pará - metrópole<br />

da Amazônia, conhecida pela abundancia<br />

de mangueiras em suas ruas, e carinhosamente<br />

chamada de Cidade das Mangueiras. Também<br />

denominada de Cidade Morena, característica<br />

herdada da miscigenação do povo português com<br />

os índios tupinambás, nativos habitantes da região<br />

à época da fundação.<br />

Fundada em 12 de janeiro de 1616. Foi o<br />

capitão-mor Francisco Caldeira Castelo Branco<br />

quem aportou às margens da baía de Guajará para<br />

assegurar o domínio da nova terra e expedições<br />

da Coroa portuguesa, em busca de novos territórios,<br />

na foz do rio Amazonas, e a fim de resguardá-la<br />

do ataque de corsários vindos da Inglaterra<br />

e da Holanda.<br />

Em seus quase 400 anos de história, Belém<br />

vivenciou momentos de plenitude. Há 200 anos,<br />

a Corte portuguesa embarcava em direção ao<br />

Brasil, numa viagem que mudaria completamente<br />

o rumo da história brasileira. A família real foi<br />

para o Rio de Janeiro, mas na região Norte, outra<br />

cidade se preparou para ser a capital do reino,<br />

Belém do Pará se tornou a Capital das Especiarias,<br />

graças à imigração japonesa, sendo até hoje<br />

o maior produtor de pimenta-do-reino do país.<br />

No início do século XX Belém vivenciou o<br />

período áureo da borracha, quando recebeu inúmeras<br />

famílias europeias, o que veio a influenciar<br />

grandemente a arquitetura de suas edificações,<br />

ficando conhecida na época como Paris<br />

n’América.<br />

O mês de julho é ideal para se desfrutar o<br />

verão de Belém, porém, até novembro, ainda se<br />

sente o calor belenense. Os termômetros registram<br />

nesse período temperaturas que variam de<br />

25 graus mínimos à máxima de 38 graus. A cidade<br />

de Belém, capital do estado do Pará, cuja altitude<br />

é: 10m; clima: equatorial AM; fuso horário:<br />

UTC -3 e demais dados, do tipo área, população<br />

e densidade demográfica estão expostos no<br />

quadro 1.<br />

Capital<br />

Área (km²)<br />

Belém<br />

1.064,91 km²<br />

Número de Bairros 2<br />

População residente (Censo 2006) 1.428.368<br />

Densidade demográfica (Censo 2006) 1.342,4 h/km²<br />

Quadro 1<br />

Fonte: www.prefeituradebelem@.gov.br.<br />

3 ELABORAÇÃO E APLICAÇÃO DOS ROTEIROS<br />

PARA PRODUÇÃO <strong>DE</strong> DADOS<br />

Os roteiros de entrevistas serão os mesmos<br />

desenvolvidos e aplicados pelo Projeto Valunorte,<br />

que são desenvolvidos a partir de temas da<br />

atualidade, matérias televisivas, de grandes revistas,<br />

assuntos que estejam em foco na mídia.<br />

Com o tema já escolhido, se inicia um diálogo<br />

com os sujeitos cujo objetivo é produzir dados<br />

de fala. Esses dados serão gravados em um gravador,<br />

mp3 ou qualquer outro recurso que possibilite<br />

a captação de som.<br />

56<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 55-59, jun. 2010


4 SISTEMATIZAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS<br />

A conversa gravada, ou melhor, a fala, resultante<br />

dos diálogos, conseguida por meio do<br />

roteiro, constitui os dados brutos. Deles serão<br />

extraído ocorrências, segundo as categorias que<br />

constituem a base da língua portuguesa, fonético-fonológicas,<br />

morfossintáticas e semânticas.<br />

Esses dados serão “refinados”, informatizados e<br />

divididos pela frequência em que aparecem. Em<br />

seguida, deverão ser cruzados, por sexo, bairro<br />

e grau de escolaridade (como vimos nas tabelas<br />

anteriormente, 1°, 2° e 3° anos do ensino médio),<br />

entre os tipos de escolas. Lembrando que<br />

será dado enfoque aos fonético-fonológicos.<br />

As gravações serão transcrevidas grafematicamente,<br />

e a partir daí, a frequência delas no<br />

corpus permitirá avaliar o grau de produtividade<br />

da ocorrência, ou seja, a recorrência desses<br />

dados. Esses estudos ficarão à disposição a qualquer<br />

pessoa interessada a acessar e consultálos,<br />

para estudos e pesquisas, de usos linguísticos<br />

reais, de falantes reais, em situações reais<br />

de comunicação.<br />

5 CRITÉRIOS E SELEÇÃO DOS SUJEITOS<br />

Os sujeitos serão selecionados segundo a<br />

faixa etária, grau de escolaridade, sexo, bairro e<br />

tipo de escola (pública ou privada). O primeiro<br />

critério será o bairro, que serão 2 (dois) o bairro<br />

do Umarizal e o de Nazaré. Sendo as escolas selecionadas:<br />

EEEFM Dr. Ulisses Guimarães, EEEFM<br />

Dr. Freitas, Colégio CESEP e Colégio Sophos.<br />

Estes bairros foram selecionados por já estarem<br />

servindo como campo de pesquisa ao Valunorte<br />

juntamente com outros bairros. Para os<br />

demais critérios veja as tabelas a seguir:<br />

Tabela 1: Ensino público.<br />

Tabela 1: Ensino público.<br />

Tabela 2: Ensino privado.<br />

Tabela 2: Ensino privado.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 55-59, jun. 2010<br />

57


Tabela 3: Ensino público – Telégrafo. Tabela 3: Ensino público - Telégrafo.<br />

Tabela 4: Ensino privado – Telégrafo. Tabela 4: Ensino privado - Telégrafo.<br />

Tabela 5: Ensino público – Souza.<br />

Tabela 5: Ensino público - Souza.<br />

Tabela 6: Ensino privado – Souza<br />

Tabela 6: Ensino privado - Souza.<br />

58<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 55-59, jun. 2010


REFERÊNCIAS<br />

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São Paulo: Contexto, 1997.<br />

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2001.<br />

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pesquisa. 3. ed. São Paulo: Parábola, 2001.<br />

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Nós cheguemu<br />

na escola, e agora? sociolinguística e educação.<br />

São Paulo: Parábola Editorial, 2005.<br />

______. Educação em linguagem: a sociolinguística<br />

na sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial,<br />

2004.<br />

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação como<br />

cultura. Campinas: SP: Mercado das Letras, 2002.<br />

CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução<br />

crítica. São Paulo: Parábola, 2002.<br />

MOLLICA, Maria Cecília. Introdução à sociolinguística<br />

variacionista. Rio de Janeiro: UFRJ, 1992.<br />

(Cadernos didáticos UFRJ).<br />

SILVA, Maria do P. Socorro Cardoso. Estudo semântico-lexical<br />

com vistas à elaboração do Atlas<br />

Linguístico da Mesorregião do Marajó/PA. São<br />

Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências<br />

Humanas da USP, 2002. (mimeo.). Tese de Doutorado<br />

em Semiótica e Linguística Geral.<br />

______Maria do Perpétuo Socorro Cardoso da<br />

(Org.). As interfaces dos estudos linguísticos.<br />

Belém: UNAMA, 2006. v. 4, 214 p.<br />

SILVA, Rosa Virgínia Matos. O português são<br />

dois... novas fronteiras, velhos paradigmas. São<br />

Paulo: Parábola Editorial, 2004.<br />

TARALLO, Fernando. A pesquisa Sociolinguística.<br />

Série Princípios. São Paulo: Ática, 2000.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 55-59, jun. 2010<br />

59


BOLSISTAS <strong>DE</strong> MONITORIA<br />

61


ASPECTOS SUPRASSEGMENTAIS DA LINGUAGEM NOS TRÊS<br />

PRIMEIROS ANOS <strong>DE</strong> VIDA: revisão de literatura 1<br />

Gabriela Albuquerque Silva*<br />

R E S U M O<br />

Os aspectos suprassegmentais, elementos da linguagem que constituem o ritmo da fala<br />

de uma determinada língua, começam a ser visualizados na criança, aproximadamente aos seis<br />

meses de idade, ao utilizar aparentemente o comportamento prosódico. Objetivo: revisar a<br />

literatura científica sobre aspectos suprassegmentais da linguagem, nos três primeiros anos de<br />

vida. Metodologia: estudo de revisão bibliográfica, desenvolvido na biblioteca da Universidade<br />

da Amazônia – UNAMA, e na base virtual Scielo, no período de março a abril de 2009. Conclusão:<br />

verificou-se, que a aquisição dos traços suprassegmentais se dá de forma diferente em<br />

crianças com aquisição normal, com atraso simples e com distúrbio de aquisição, sendo, portanto,<br />

mais visível o retardamento destes traços em crianças autistas, ao se comparar com o padrão<br />

de normalidade.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Suprassegmentais. Prosódicos. Prosódia. Linguagem. Balbucio.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Traços suprassegmentais ou prosódicos<br />

são os elementos da fala que não pertencem a<br />

vogais e consoantes distintas, mas que as acompanham.<br />

Relacionam-se à forma como dizemos<br />

algo (LOWE, 1996).<br />

Os principais elementos suprassegmentais<br />

são acento, duração, sonoridade e entonação.<br />

Esses aspectos da prosódia da língua são tidos<br />

como menores e sem importância, mas a habilidade<br />

para perceber e produzir apropriadamente<br />

esses aspectos prosódicos é crucial para tornar<br />

a comunicação efetiva (BISHOP et al, 2002).<br />

Pode-se observar que desde bebê já há<br />

uma sensibilidade para a prosódia da língua, ou<br />

seja, para os traços suprassegmentais, que se<br />

referem ao ritmo, aos tons, à entonação da fala<br />

(OLIVEIRA, 2004).<br />

Uma melhor compreensão dos traços suprassegmentais<br />

e de seu desenvolvimento pode<br />

nos oferecer importantes orientações sobre a<br />

transição do balbucio às primeiras palavras e<br />

sobre a estreita interconexão da aquisição dos<br />

elementos suprassegmentais (LOWE, 1996).<br />

2 OBJETIVO<br />

Revisar a literatura científica sobre aspectos<br />

suprassegmentais da linguagem, relacionando-os<br />

aos três primeiros anos de vida.<br />

* Acadêmica do 7º semestre de Fonoaudiologia e monitora<br />

da disciplina Prática em Fonoterapia.<br />

1<br />

Trabalho orientado pela professora MsC. Heloísa Machado<br />

e Silva<br />

63<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 63-67, jun. 2010


3 MÉTODO<br />

Este estudo foi produzido por meio de um<br />

levantamento bibliográfico no período de fevereiro<br />

a março de 2010, na biblioteca da Universidade<br />

da Amazônia (UNAMA), bem como pesquisas realizadas<br />

na internet, por intermédio da biblioteca<br />

virtual Scielo. Para tal pesquisa foram utilizados os<br />

seguintes descritores: linguagem suprassegmental<br />

e desenvolvimento da linguagem.<br />

4 REVISÃO DA LITERATURA<br />

O desenvolvimento de traços suprassegmentais<br />

ou prosódicos nas crianças ganhou uma<br />

importância considerável nos últimos anos. Literatura<br />

recente apoia o ponto de vista da estreita<br />

interação entre traços prosódicos, fala inicial<br />

direcionada à criança, e desenvolvimento<br />

inicial da linguagem (LOWE,1996).<br />

A infância é um período impregnado de<br />

curiosidades e vontade de explorar no qual as<br />

crianças manifestam clara intenção de interagir.<br />

Este fato passa, necessariamente, pela demonstração<br />

das crianças em idades mais precoces, de<br />

que à medida que crescem não lhes basta observar,<br />

sentir, explorar – é preciso dizer, comunicar<br />

a alguém tais saberes (BESSA e LIMA, 2007)<br />

Peña-Casanova (1994) apud Bessa e Lima<br />

(2007) relata que a aquisição da linguagem acontece<br />

com base numa ordem constante, embora<br />

o ritmo de evolução se revele de grande variabilidade,<br />

equivalendo a aproximadamente seis<br />

meses relativamente à margem normal.<br />

No desenvolvimento da linguagem, duas<br />

fases distintas podem ser reconhecidas: a prélinguística,<br />

em que são vocalizados apenas fonemas<br />

(sem palavras) e que persiste até os 11-<br />

12 meses; e, logo a seguir, a fase linguística, quando<br />

a criança começa a falar palavras isoladas com<br />

compreensão. Posteriormente, a criança progride<br />

na escalada de complexidade da expressão.<br />

Este processo é contínuo e ocorre de forma ordenada<br />

e sequencial, com sobreposição considerável<br />

entre as diferentes etapas desse desenvolvimento<br />

(SCHIRMER et al, 2004).<br />

Oller e Lynch apud Bessa e Lima (2007) relata<br />

que de 0-8 meses, observa-se vocalizações<br />

reflexas, nas quais se incluem sons (choro) e gritos<br />

vegetativos, seguidos de produções de sílabas<br />

arcaicas, passando a ser observadas sequências<br />

fônicas constituídas por sílabas primitivas<br />

claramente perceptíveis, formadas por sons quase<br />

vocálicos (ecolalia), sendo, portanto, uma etapa<br />

em que os aspectos suprassegmentais se fazem<br />

presentes através do crescente controle da<br />

fonação e dos parâmetros de frequência das vocalizações.<br />

No intervalo entre o 3º e o 8º mês, há o<br />

balbucio rudimentar. Nessa fase é verificada a<br />

presença notória de traços suprassegmentais,<br />

pois a criança já tem um poder surpreendente<br />

para jogar com a voz, verificando-se contrastes<br />

significativos no nível da freqüência (alternância<br />

entre sons agudos e graves) e no nível de<br />

intensidade (gritos seguidos de sussurros); por<br />

volta dos 6 meses, surgem as primeiras combinações<br />

de consoante-vogal (CV), que se encontram<br />

ainda afastadas do padrão linguístico convencional<br />

(BESSA e LIMA, 2007).<br />

O período do 5º ao 10º mês é caracterizado<br />

pelo balbucio canônico, surgindo neste momento<br />

a reduplicação silábica (“mamama” ou “papapa”).<br />

Coincidindo com o estágio do balbucio canônico,<br />

ou começando aproximadamente aos 6<br />

meses de idade, a criança utiliza padrões aparentes<br />

de comportamento prosódico (LOWE,<br />

1996). Crystal (1986) apud Lowe (1996), afirma<br />

que certos traços são agora empregados consistentemente,<br />

principalmente entonação, ritmo<br />

e pausa. Lowe (1996), continua, afirmando que<br />

embora estes enunciados não transmitam nenhum<br />

significado, os padrões de entonação parecem<br />

ser para o ouvinte os de interrogação, afirmação<br />

e exclamação. Esses padrões prosódicos<br />

continuam a se diversificar até o período do balbucio<br />

constituído por sílabas do tipo consoantevogal<br />

(CV) bem formadas, as quais posteriormen-<br />

64<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 63-67, jun. 2010


te se diversificarão, dando origem ao reforço da<br />

percepção, possibilitando dessa maneira uma<br />

gradual diferenciação entre os diversos e distintos<br />

agregados sonoros.<br />

Bessa e Lima (2007) relatam que a etapa de<br />

9 meses a 1 ano e 6 meses é denominada de<br />

balbucio misto. Nessa etapa ocorrem produções<br />

de palavras dentro do balbucio. Este contém elementos<br />

significativos e sílabas não reconhecíveis<br />

como unidades léxicas.<br />

Lowe, (1996) cita que quando um enunciado<br />

balbuciado de uma ou duas sílabas é produzido<br />

com um padrão prosódico específico, o resultado<br />

parecerá com uma tentativa de um enunciado<br />

significativo. É compreensível, então, que<br />

nesse estágio os pais tentem frequentemente<br />

interpretar o que a criança está realmente “dizendo”<br />

com base na unidade de produção prosódica<br />

ouvida.<br />

Segundo Dore (1975) apud Lowe (1996), não<br />

há muita informação sobre esse breve intervalo<br />

de tempo entre o final do balbucio e as primeiras<br />

palavras. Parece claro que no final do balbucio<br />

variado a criança produz unidades específicas<br />

prosodicamente orientadas ou que foi denominada<br />

“estrutura prosódica”.<br />

À medida que a criança passa do final do<br />

período do balbucio para as primeiras palavras,<br />

observa-se, contudo, uma continuação dos contornos<br />

entonacionais previamente observados.<br />

Esses traços suprassegmentais, que a princípio<br />

só ocorrem brevemente, tornam-se mais frequentes<br />

e podem ser mantidos por um período<br />

de tempo mais longo (LOWE,1996).<br />

Schirmer et al (2004), afirma que aos 18<br />

meses (1 ano e seis meses), a criança poderá ter<br />

de 30 a 40 palavras em seu vocabulário (mamá,<br />

bebê, miau, pé, ão-ão, upa, etc.), começando<br />

também a combinar duas palavras (por exemplo:<br />

dá papá). Lowe (1996) reafirma que durante<br />

esse estágio é observada a variação prosódica.<br />

Exemplos da fala de crianças durante esse período<br />

incluem variações de altura (alto x baixo)<br />

para indicar diferenças no significado.<br />

Aos 24 meses (2 anos), a criança tem um<br />

vocabulário com cerca de 150 palavras e usa combinação<br />

de duas ou três palavras. (SCHIRMER et<br />

al 2004). Aos 30 meses (2 anos e 6 meses), usa<br />

habitualmente linguagem telegráfica (papá pão,<br />

mamã vai papá). Ao completar aproximadamente<br />

36 meses (3 anos), a criança inicia o uso de<br />

artigos, plurais, preposições e verbos auxiliares.<br />

No período em que as crianças começam a<br />

utilizar enunciados de duas palavras, ocorre outro<br />

desenvolvimento na utilização de suprasssegmentais:<br />

o acento contrastivo. Esse é utilizado<br />

para sinalizar diferenças de significado entre<br />

palavras semelhantes. Assim na frase: “Papai<br />

come” (ambas as palavras sendo enfatizadas)<br />

poderia indicar que “papai está comendo”, enquanto<br />

que na frase: “Papai come” (somente a<br />

segunda palavra sendo enfatizada) poderia indicar<br />

talvez que “Papai deveria sentar-se e comer”<br />

(LOWE,1996).<br />

Contudo Lowe (1996), afirma que o verdadeiro<br />

domínio de todo o sistema suprassegmental<br />

não parece ocorrer antes que a criança atinja<br />

os 12 anos de idade. Portanto, embora a aquisição<br />

dos suprassegmentais comece cedo, tratase<br />

de um longo processo que pode se estender<br />

além da aquisição do sistema fonológico segmental<br />

da criança.<br />

As alterações em relação à linguagem, e em<br />

especial os aspectos suprassegmentais, estão<br />

presentes, por exemplo, em crianças com autismo<br />

e atraso de linguagem. Gadia et al (2004),<br />

afirma que nos autistas as dificuldades na comunicação<br />

ocorrem em graus variados, tanto na<br />

habilidade verbal quanto na nãoverbal de compartilhar<br />

informações com outros. Algumas crianças<br />

não desenvolvem habilidades de comunicação.<br />

Outras têm uma linguagem imatura, caracterizada<br />

por jargão, ecolalia, reversões de<br />

pronome, prosódia anormal, entonação monótona<br />

etc. Os que têm capacidade expressiva adequada<br />

podem ter inabilidade em iniciar ou manter<br />

uma conversação apropriada. Os déficits na<br />

linguagem suprassegmental e na comunicação<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 63-67, jun. 2010<br />

65


persistem na vida adulta, e uma proporção significativa<br />

de autistas permanecem nãoverbais.<br />

Aqueles que adquirem habilidades verbais podem<br />

demonstrar déficits persistentes em estabelecer<br />

conversação, tais como falta de reciprocidade,<br />

dificuldades em compreender sutilezas<br />

de linguagem, piadas ou sarcasmo.<br />

Klin (2006), considera que de 20 a 30% dos<br />

indivíduos com autismo não chegam a falar. Esse<br />

percentual é consideravelmente menor do que<br />

era há cerca de 10 a 15 anos, graças, em grande<br />

parte, à intervenção precoce e intensiva. Retardos<br />

na aquisição da linguagem são as reclamações<br />

mais frequentes dos pais. Os padrões usuais<br />

de aquisição da linguagem (brincar com os sons e<br />

balbuciar) podem estar ausentes ou ser raros.<br />

A linguagem pode ser não recíproca em sua<br />

natureza. A criança produz uma linguagem sem<br />

intenção de comunicação. Mesmo que a sintaxe<br />

e a morfologia da linguagem estejam relativamente<br />

preservadas, o vocabulário e as habilidades<br />

semânticas podem ter um desenvolvimento<br />

lento e aspectos dos usos sociais da linguagem<br />

(pragmática) são particularmente difíceis<br />

para os indivíduos com autismo. Portanto, o humor<br />

e o sarcasmo podem ser uma fonte de confusão,<br />

na medida em que a pessoa com autismo<br />

pode não conseguir apreciar a intenção de comunicação<br />

do falante, resultando em uma interpretação<br />

completamente literal da declaração.<br />

Em geral, a entonação de voz é apagada ou<br />

monótona e os demais aspectos comunicativos<br />

da voz (ênfase, altura, volume, e ritmo ou expressões)<br />

são idiossincráticos e pobremente<br />

modulados. (KLIN, 2006)<br />

Nos indivíduos com síndrome de Asperger,<br />

a linguagem pode ser marcada pela prosódia<br />

pobre, ainda que a inflexão e a entonação possam<br />

não ser tão rígidas e monotônicas como no<br />

autismo. Eles geralmente exibem um espectro<br />

restrito de padrões de entonação que é utilizado<br />

com pouca relação no funcionamento comunicativo<br />

da declaração (asserções de fato, comentários<br />

bem-humorados). A velocidade da<br />

fala pode ser incomum (fala muito rápida) ou<br />

pode haver falta de fluência (fala entrecortada)<br />

e há, frequentemente, modulação pobre do volume;<br />

a voz é muito alta, apesar da proximidade<br />

física do parceiro da conversação (KLIN, 2006).<br />

Bishop (2002), afirma que nas crianças com<br />

síndrome de Down, o balbuciar reduplicado começa<br />

por volta dos 8 meses (faixa de variação<br />

dos 6 aos 10 meses), equiparando-se com as crianças<br />

de desenvolvimento normal; no entanto<br />

as primeiras palavras da criança com essa síndrome<br />

só ocorre por volta dos 24 meses.<br />

Feitosa (2003) aponta estudos os quais relatam<br />

que o desenvolvimento pré-linguístico e<br />

o uso funcional da linguagem em bebês com síndrome<br />

de Down é diferente de bebês normais.<br />

O desenvolvimento fonológico é lento em pessoas<br />

com a síndrome, embora a sequência geral<br />

pareça acompanhar o desenvolvimento de crianças<br />

normais. A inteligibilidade da fala permanece<br />

baixa na maioria das pessoas com a síndrome;<br />

verifica-se maior variabilidade na prosódia:<br />

frequência fundamental e inadequação no controle<br />

da taxa de fala e na entonação da sentença.<br />

Dificuldades articulatórias parecem intensificar<br />

essas dificuldades fonéticas e fonológicas.<br />

5 CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />

Com base nesta revisão da literatura, verificou-se<br />

que os aspectos suprassegmentais da linguagem,<br />

também chamados de aspectos prosódicos,<br />

mais importantes são: variação de altura,<br />

intensidade e velocidade. O bebê, desde os primeiros<br />

anos de vida, já apresenta uma sensibilidade<br />

com relação aos traços suprassegmentais.<br />

Coincidindo ainda com o balbucio canônico, os<br />

traços prosódicos manifestam-se mais aparentes<br />

a partir aproximadamente do 6º mês de idade.<br />

Conclui-se que, o processo de desenvolvimento<br />

dos traços suprassegmentais é importantíssimo,<br />

visto que se torna um apoio para que,<br />

durante o processo de aquisição e desenvolvimento<br />

da linguagem, a criança possa ser com-<br />

66<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 63-67, jun. 2010


preendida segundo a situação contextual em que<br />

se encontra. A aquisição dos traços suprassegmentais<br />

é um processo gradual que pode se estender<br />

até a adolescência.<br />

A revisão da literatura demonstrou que a<br />

aquisição dos traços suprassegmentais se dá de<br />

forma diferente em crianças com aquisição normal,<br />

com atraso simples e com distúrbio de aquisição.<br />

O retardamento desses traços ocorre de<br />

forma mais visível em crianças autistas, pois<br />

muitas nem chegam a desenvolver habilidades<br />

de comunicação. Com relação às crianças com<br />

síndrome de Down, elas apresentam os traços<br />

supra-segmentais, sendo que esse processo<br />

ocorre de forma atrasada, comparando-se com<br />

aquelas de aquisição normal.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BESSA, Maria; LIMA, Rosa Maria. Desenvolvimento<br />

da linguagem na criança dos 0-3 anos de idade:<br />

uma revisão. 2007. Disponível em: http://<br />

www2.ii.ua.pt/cidlc/gcl/files/publicacoes/<br />

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BISHOP, Dorothy; MOGFORD, Kay. Desenvolvimento<br />

da linguagem em circunstâncias excepcionais.<br />

Rio de Janeiro: Revinter. 2002.<br />

FEITOSA, Maria; TRISTÃO, Rosana. Percepção da<br />

fala em bebês no primeiro ano de vida. 2003.<br />

Disponível em: http://www.scielo.br/<br />

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Acesso em: 29 mar.<br />

2010.GADIA, Carlos; TUCHMAN, Roberto; ROTTA,<br />

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Disponível em: http://www.scielo.br/<br />

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Acesso em: 2 abr.2010.<br />

KLIN, Ami. Autismo e síndrome de Asperger: uma<br />

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Acesso em: 5 abr.2010.<br />

LOWE, Robert. Fonologia, avaliação e intervenção:<br />

aplicações na patologia da fala. Porto Alegre:<br />

Artes Médicas. 1996.<br />

OLIVEIRA, Erika Maria. Os aspectos constitucionais<br />

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Disponível em: http://<br />

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Acesso em: 10 mar. 2010.<br />

SCHIRMER, Carolina; FONTOURA Denise; NUNES,<br />

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da aprendizagem. 2004. Disponível em: http://<br />

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Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 63-67, jun. 2010<br />

67


AUTOESTIMA NA TERCEIRA IDA<strong>DE</strong>¹<br />

José Maria Farah Costa Junior*<br />

R E S U M O<br />

Contexto: O idoso é uma pessoa considerada de Terceira Idade. Nesta idade, devido ao<br />

processo de envelhecimento, existem alterações que provocam uma diminuição no desempenho<br />

funcional. As limitações funcionais seguidas de sintomas depressivos levam ao idoso a<br />

uma baixa autoestima. Objetivo: Revisar a literatura científica sobre o aspecto da autoestima<br />

de idosos, relacionando a sua melhoria com a realização de atividades físicas. Métodos: Tratase<br />

de uma revisão literária realizada na Biblioteca Central da Universidade da Amazônia - UNA-<br />

MA e na base virtual do Scielo e Schoolar Google. Considerações finais: O idoso confronta-se<br />

com modificações que provoca a diminuição da sua autoestima. Na realização de exercícios<br />

físicos, existe a oportunidade de o indivíduo ter uma sensação de sucesso que, por sua vez, trás<br />

pontos positivos para a sua imagem e autoestima.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Idoso. Envelhecimento. Depressão. Baixa autoestima. Exercício Físico.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A população idosa representa cerca de 9%<br />

da população Brasileira e é estimado que esse<br />

segmento da população representará 24% no ano<br />

2050 (IBGE, 2000). O prolongamento da vida é<br />

uma aspiração de qualquer sociedade. No entanto,<br />

só pode ser considerado como uma real<br />

conquista na medida em que se agregue qualidade<br />

aos anos adicionais de vida. (VERAS, 2009)<br />

A Organização Mundial de Saúde (OMS), em<br />

1948, definiu a saúde como um estado que contempla<br />

não somente a ausência de enfermidade,<br />

como também o bem-estar físico, psicológico<br />

e social.<br />

O crescimento da população idosa é um<br />

fenômeno mundial e, no Brasil, as modificações<br />

ocorrem de forma radical e bastante acelerada.<br />

As projeções mais conservadoras indicam<br />

que, em 2020, o Brasil será o sexto país do<br />

mundo em número de idosos, com um contingente<br />

superior a 30 milhões de pessoas. (CAR-<br />

VALHO et al, 2003)<br />

Segundo Schneider (2008), o desempenho<br />

funcional dos indivíduos declina progressivamente,<br />

devido ao processo fisiológico do envelhecimento.<br />

As limitações funcionais seguidas<br />

de sintomas depressivos levam o idoso a uma<br />

baixa autoestima.<br />

A participação em programas de exercícios<br />

físicos é uma forma efetiva para reduzir e/ou<br />

prevenir declínios funcionais associados ao envelhecimento,<br />

sendo que as evidências sugerem<br />

que o envolvimento em exercícios físicos regu-<br />

* Acadêmico do 7Ú semestre do Curso de Fisioterapia da<br />

Universidade da Amazônia - UNAMA, ex-monitor de<br />

Bioquímica Aplicada à Fisioterapia e Farmacodinâmica.<br />

E-mail: farahjunior@hotmail.com<br />

1<br />

Trabalho orientado pela Professora da disciplina<br />

Fisioterapia na Terceira Idade Ana Júlia Cunha Brito.<br />

69<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 69-73, jun. 2010


lares pode também fornecer benefícios psicológicos<br />

relacionados à preservação da função cognitiva,<br />

alívio dos sintomas de depressão, aos distúrbios<br />

relacionados ao comportamento, e a uma<br />

melhora no autoconceito de controle pessoal e<br />

autoeficácia (ACSM, 1998).<br />

2 OBJETIVO<br />

Buscar, na literatura, considerações acerca<br />

da autoestima na terceira idade. Assim como<br />

também, relacionar a sua melhoria com a realização<br />

de atividades físicas.<br />

3 METODOLOGIA<br />

O presente estudo foi realizado a partir de<br />

uma revisão bibliográfica na Biblioteca Central<br />

da Universidade da Amazônia - UNAMA e na base<br />

virtual do Scielo e Schoolar google, no período<br />

de 20 de Fevereiro a 15 de Março de 2010. Foram<br />

utilizados dois livros e dezesseis artigos científicos<br />

que faziam referência ao assunto proposto,<br />

os quais foram lidos de forma crítica e criteriosa.<br />

4 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA<br />

4.1 ENVELHECIMENTO<br />

O termo envelhecimento refere-se a diversos<br />

aspectos da passagem do tempo, em diferentes<br />

níveis de abordagem. Quando se denomina<br />

o envelhecimento de maneira geral, o termo<br />

refere-se a um evento multideterminado e,<br />

portanto, de difícil conceituação (STOPPE JUNI-<br />

OR et al, 1997).<br />

O envelhecimento da população é um fator<br />

incontestável em todo mundo. É uma fase<br />

em que o idoso pode se entregar à vida com mais<br />

alegria, porque já não possui a preocupação com<br />

o trabalho.<br />

Até a década de 1970, a curva demográfica<br />

brasileira apresentava grande estabilidade quanto<br />

à proporção das diferentes faixas etárias na<br />

população total. A partir de então, aconteceu<br />

uma brusca queda na taxa de natalidade, caracterizando<br />

uma transição demográfica de caráter<br />

irreversível. (SCHMIDT et al, 2007)<br />

Segundo Schimidt (2007), envelhecer não<br />

significa, necessariamente, declínio ou perda das<br />

faculdades e funções, não sendo o número de<br />

anos que se vive o determinante para o comportamento<br />

e as vivências, mas uma série de fatores<br />

que influem no processo do envelhecimento.<br />

Pontes (1996) afirma que o envelhecimento<br />

não é apenas a velhice, mas um processo irreversível<br />

que ocorre durante toda a vida, do nascimento<br />

à morte.<br />

4.2 <strong>DE</strong>PRESSÃO NA TERCEIRA IDA<strong>DE</strong><br />

Depressão é a doença psiquiátrica mais comum<br />

entre os idosos, frequentemente sem diagnóstico<br />

e sem tratamento. Ela afeta sua qualidade<br />

de vida, aumentando a carga econômica<br />

por seus custos diretos e indiretos e, pode levar<br />

a tendências suicidas. (OLIVEIRA et al, 2006)<br />

No Brasil, a prevalência de depressão entre<br />

as pessoas idosas varia de 4,7% a 36,8%, dependendo<br />

fundamentalmente do instrumento<br />

utilizado, dos pontos de corte e da gravidade dos<br />

sintomas. (MINISTÉRIO DA SAÚ<strong>DE</strong>, 2006)<br />

Segundo a Organização Mundial de Saúde<br />

(OMS), a presença de depressão entre as<br />

pessoas idosas tem impacto negativo em sua<br />

vida. Quanto mais grave o quadro inicial, aliado<br />

à não existência de tratamento adequado,<br />

pior o prognóstico. As pessoas idosas com depressão<br />

tendem a apresentar maior comprometimento<br />

físico, social e funcional afetando<br />

sua qualidade de vida.<br />

Em pacientes idosos, além dos sintomas<br />

comuns, a depressão costuma ser acompanhada<br />

por queixas somáticas, hipocondria, baixa autoestima,<br />

sentimentos de inutilidade, humor disfórico,<br />

tendência autodepreciativa, alteração do<br />

sono e do apetite, ideação paranóide e pensamento<br />

recorrente de suicídio. (STELA et al, 2002)<br />

70<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 69-73, jun. 2010


4.3 AUTOESTIMA EM IDOSOS<br />

A autoestima reflete o julgamento implícito<br />

da nossa capacidade lidar com os desafios da<br />

vida, sentindo-nos confiantemente adequados<br />

a ela. Desenvolver a nossa auto-estima é expandir<br />

nossa capacidade de ser feliz. Quanto maior<br />

ela for, maiores serão as nossas possibilidades<br />

de manter relações saudáveis, em vez de destrutivas.<br />

(SILVA et al, 2004)<br />

Quando a autoestima é alta, decorre de<br />

experiências positivas com a vida; por outro lado,<br />

quando a autoestima é baixa, resulta de fatores<br />

negativos. (MAZO et al, 2006)<br />

Estudo realizado com mulheres idosas verificou<br />

que: quanto melhor a autoestima, melhor<br />

foi a autoimagem das idosas; idosas mais ativas<br />

estão satisfeitas com a sua autoimagem e a sua<br />

autoestima; idosas com ausência de doenças apresentaram<br />

melhor autoestima e menor percepção<br />

de sentimentos negativos. (MAZO et al, 2006)<br />

Deprimidos pela imagem que fazem de si<br />

mesmos, muitos velhos que rejeitam o próprio<br />

envelhecimento, desenvolvem um sentimento<br />

de baixa autoestima e de autodesvalorização,<br />

ignoram as próprias limitações físicas impostas<br />

pela idade, expondo-se a situações inadequadas<br />

e de risco para a saúde. Alguns buscam condutas<br />

autodestrutivas e, até mesmo, o suicídio.<br />

(ROCHA e CUNHA, 1994)<br />

Para uma vida satisfatória, é indispensável<br />

a presença de uma autoestima positiva, que leva<br />

o indivíduo a sentir-se confiante, adequado à<br />

vida, competente e merecedor, pois a autoestima<br />

é composta de sentimentos de competência<br />

e de valor pessoal, acrescida de auto-respeito e<br />

auto­confiança. (BRAN<strong>DE</strong>N, 1995).<br />

4.4 ATIVIDA<strong>DE</strong>S FÍSICAS NA MELHORIA DA<br />

AUTOESTIMA<br />

A atividade em geral, seja física ou de outra<br />

ordem, é uma variável frequentemente citada<br />

na literatura como sendo de grande relevância<br />

para a qualidade de vida na velhice. (MIRANDA<br />

et al, 2003)<br />

A atividade física regular é um meio de promoção<br />

de saúde e de qualidade de vida. Em relação<br />

aos programas mundiais de promoção de<br />

saúde, a atividade física é destacada, pois evidências<br />

epidemiológicas sustentam o efeito<br />

positivo de um estilo de vida ativo e/ou do envolvimento<br />

dos indivíduos em programas de atividade<br />

física ou de exercício, na prevenção e<br />

minimização dos efeitos deletérios do envelhecimento.<br />

(MAZO et al, 2006)<br />

A participação em atividades físicas leves e<br />

moderadas pode retardar os declínios funcionais.<br />

Assim, uma vida ativa melhora a saúde mental e<br />

contribui na gerência de desordens como a depressão<br />

e a demência (BENE<strong>DE</strong>TTI et al, 2007).<br />

Estudos recentes têm mostrado a influência<br />

da atividade física e da música (canto, coral,<br />

instrumentos) na melhora da autoestima do idoso.<br />

Estes são apenas alguns exemplos de atividades<br />

que podem ser muito prazerosas e benéficas<br />

para o idoso. O convívio com a família e os<br />

amigos também podem proporcionar experiências<br />

enriquecedoras e contribuem para elevar a<br />

autoestima no idoso (MIRANDA, 2008).<br />

Chogahara et al (1998) afirma que a prática<br />

de atividade física pelos idosos possibilita benefícios<br />

nas relações sociais com a família e amigos,<br />

na integração social, no bem-estar e na<br />

melhora da autoestima.<br />

Perracini et al (2009) justifica que o treinamento<br />

com exercícios permite desenvolver ao<br />

idoso parte de sua dependência e autonomia,<br />

tornando-o capaz de realizar atividades diárias.<br />

Assim, os idosos passam a sentir competentes e<br />

capazes, aumentando a sua autoestima.<br />

Bebber (2003) avaliou o grau de autoestima,<br />

através da escala de autoconhecimento proposta<br />

por Rosenberg (1973), em 90 idosos (com<br />

idade entre 60 a 80 anos), divididos em três grupos:<br />

30 que praticavam atividade física, 30 sedentários<br />

e 30 que participavam de grupos de<br />

convivência. Os três grupos apresentaram ele-<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 69-73, jun. 2010<br />

71


vada autoestima, sendo que o grupo sedentário<br />

demonstrou menor grau de autoestima (7%),<br />

atribuído à falta de exercícios físicos.<br />

Em uma pesquisa realizada em 2004, com<br />

174 idosos que praticavam atividades físicas três<br />

vezes por semana, evidenciou-se que em sua<br />

grande maioria, eram indivíduos bastantes satisfeitos<br />

com a vida. (PERRACINI et al, 2009)<br />

Do ponto de vista mental, a atividade física,<br />

sobretudo quando praticada em grupo, eleva<br />

a autoestima do idoso, contribui para a implementação<br />

das relações psicossociais e para o<br />

reequilíbrio emocional (STELA et al, 2002).<br />

5 CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />

Envelhecimento implica em algo que é associado<br />

à idade cronológica, mas não idêntico a<br />

ela. O termo envelhecimento pode ser utilizado<br />

de diversas formas: como uma variável independente<br />

para explicar outros fenômenos, ou como<br />

uma variável dependente que é explicada por<br />

outros processos (STOPPE JUNIOR et al, 1997).<br />

As causas de depressão no idoso configuram-se<br />

dentro de um conjunto amplo de componentes<br />

onde atuam fatores genéticos, eventos<br />

vitais, como luto e abandono, e doenças incapacitantes,<br />

entre outros. Cabe ressaltar que a<br />

depressão no idoso frequentemente surge em<br />

um contexto de perda da qualidade de vida associada<br />

ao isolamento social e ao surgimento de<br />

doenças clínicas graves (STELA et al, 2002).<br />

Além do declínio da saúde, das dificuldades<br />

financeiras e da viuvez, outras perdas significativas,<br />

como morte de amigos e parentes próximos,<br />

ausência de papéis sociais valorizados,<br />

desvio da imagem corporal do ideal, podem afetar<br />

a autoestima do idoso de maneira a causar<br />

uma situação séria de crise emocional (GATTO,<br />

1996; ROCHA e CUNHA, 1994).<br />

O exercício físico está também associado ao<br />

aumento da alegria, da autoeficácia, do autoconceito.<br />

Parece que as atividades físicas dão a oportunidade<br />

de o indivíduo ter uma sensação de<br />

sucesso que, por sua vez, reforça a autoimagem<br />

e a autoestima positiva (MAZO et al, 2006).<br />

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Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 69-73, jun. 2010


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Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 69-73, jun. 2010<br />

73


AVALIAÇÃO E PROPOSTA <strong>DE</strong> TRATAMENTO<br />

FISIOTERAPÊUTICO PARA PACIENTES COM HÉRNIA<br />

<strong>DE</strong> DISCO LOMBAR: relato de caso 1 Yan Aquino Diniz*<br />

R E S U M O<br />

Este artigo irá tratar inicialmente da anatomia da coluna, da fisiopatologia da hérnia de<br />

disco, seguida de uma avaliação fisioterapêutica e finalizando com uma proposta de protocolo<br />

de tratamento fisioterapêutico. Objetivo: apresentar uma proposta de tratamento fisioterapêutico<br />

diante de uma avaliação minuciosa de uma paciente com hérnia de disco lombar.<br />

Metodologia: relato de caso de uma paciente com hérnia de disco lombar que foi avaliada em<br />

11 de dezembro de 2009. Conclusão: a proposta de tratamento fisioterapêutico foi bem abrangente,<br />

englobando 3 áreas da fisioterapia, tais como traumato-ortopedia, fisioterapia aquática<br />

e recursos técnicos manuais, buscando a melhor qualidade de vida do paciente em questão.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Hérnia de Disco. Avaliação Fisioterapêutica. Protocolo de Tratamento Fisioterapêutico.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A coluna vertebral é formada por um conjunto<br />

de vértebras separadas entre si por um<br />

disco intervertebral. Constituindo a base do tronco,<br />

proporcionando suporte rígido e flexível,<br />

composto por 33 vértebras formando cinco regiões,<br />

as quais: cervical, torácica, lombar, sacral e<br />

coccígea, cada região é denominada curvatura<br />

recebendo a mesma nomeação. No feto existe<br />

uma única curvatura côncava anteriormente,<br />

que formam as curvaturas primárias (região torácica<br />

e sacral); no desenvolvimento da criança<br />

acentuam-se as curvaturas secundárias (região<br />

cervical e lombar), estas últimas se desenvolvem<br />

respectivamente no período de sustentação<br />

da cabeça e a outra no período em que a<br />

criança procura ficar de pé e iniciar a deambulação.<br />

Entre os corpos adjacentes às vértebras sobrepõem-se<br />

os discos intervertebrais que são<br />

bastante deformáveis, permitindo mudanças<br />

quanto à forma da coluna vertebral. A raça, o<br />

sexo, o desenvolvimento genético e fatores<br />

ambientais causam as variações nas vértebras<br />

(MOORE, 2001).<br />

As pessoas de 30 a 45 anos de idade são<br />

mais suscetíveis a lesões sintomáticas do disco,<br />

porém, excesso de peso, traumas e desvios da<br />

coluna vertebral, podem acarretar uma desestruturação<br />

do disco intervertebral através, da<br />

protrusão do núcleo pulposo, o que leva a uma<br />

hérnia discal (KISNER & COLBY, 1998).<br />

* Acadêmico do 5º semestre de Fisioterapia da Universidade<br />

da Amazônia; monitor das disciplinas Citologia e Genética<br />

Humana; Histologia e Embriologia Humana.<br />

1<br />

Artigo orientado pela docente Tainá Alves Teixeira, graduada<br />

em Fisioterapia pela Universidade da Amazônia, especialista<br />

em Fisioterapia nas disfunções traumato-ortopédicas;<br />

mestranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano;<br />

docente das disciplinas Recursos Terapêuticos Manuais e<br />

Mecânicos e Fisioterapia nas Enfermidades e Distúrbios dos<br />

Sistemas Osteo-nioarticulares.<br />

75<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010


A hérnia de disco lombar é caracterizada<br />

pelo extravasamento do líquido do núcleo pulposo<br />

por pressão axial, já que a coluna lombar<br />

suporta a metade do peso do corpo. Os discos<br />

intervertebrais são constituídos por cartilagem<br />

hialina, divididos em uma parte central denominada<br />

núcleo pulposo, composto por 88% de<br />

água e fibras colágenas, e a parte periférica chamada<br />

de anel fibroso, que fecha o núcleo em<br />

compartimento entre os platôs vertebrais. As<br />

principais funções do disco intervertebral é a<br />

manutenção do espaço entre as vértebras, evitando<br />

o atrito entre elas e amortecendo os impactos<br />

causados pelas forças de compressão,<br />

além de ser responsável pelos movimentos da<br />

coluna vertebral (KAPANDJI, 2000).<br />

A coluna lombar sofre grande pressão axial<br />

onde a substância do núcleo pulposo pode fluir<br />

em diferentes direções ocasionando a produção<br />

de rasgaduras infrafasciculares. Essas fugas da<br />

substância do núcleo podem ser anteriores (são<br />

mais raras) e posteriores, já que o ligamento<br />

vertebral comum posterior é menos espesso<br />

(frequentes). A hérnia de disco só é aparentemente<br />

possível se o disco for deteriorado por<br />

microtraumatismos repetidos que causam a degeneração<br />

pela desidratação do disco, por aumentarem<br />

de volume e se deslocarem cada vez<br />

mais para o canal vertebral até o conflito com<br />

alguma raiz do isquiático, ou se as fibras do anel<br />

começar a se degenerar (KAPANDJI, 2000).<br />

O fator envelhecimento também é considerado<br />

quando se fala em desidratação discal.<br />

Com o passar da idade, o disco intervertebral<br />

sofre uma série de degenerações histológicas,<br />

histoquímicas e bioquímicas. Com isso o núcleo<br />

pulposo perde sua capacidade amortecedora,<br />

fazendo com a distribuição de carga sobre o anel<br />

fibroso torne-se desigual, o que pode provocar<br />

a ruptura das fibras do disco. (KAPANDJI, 2000)<br />

A herniação se dá no decorrer de alguns<br />

momentos. Em um primeiro momento, o extravasamento<br />

permanece unido ao núcleo, ficando<br />

bloqueada debaixo do ligamento vertebral<br />

comum posterior e unida ao núcleo, denominada<br />

também de protrusão. Com a frequência a<br />

hérnia afunda o ligamento vertebral comum<br />

posterior e pode ficar livre no interior do canal<br />

vertebral, sendo uma hérnia discal “livre”. Em<br />

outros casos a hérnia fica bloqueada pelas fibras<br />

do anel fibroso, que não deixam que este líquido<br />

extravasado retorne ao núcleo, logo é uma<br />

hérnia que se caracteriza por ficar presa entre as<br />

fibras do anel. Quando esta alcança a fase profunda<br />

do ligamento vertebral comum posterior,<br />

a hérnia pode deslizar para cima ou para baixo,<br />

sendo denominada de hérnia migratória subligamentar.<br />

Caso as fibras do anel fibroso sejam<br />

resistentes, a hiperpressão pode provocar o<br />

afundamento dos platôs vertebrais, e esta será<br />

denomina de “hérnia intra-esponjosa” (KA-<br />

PANDJI, 2000).<br />

Com o extravasamento do núcleo pulposo,<br />

substâncias contidas nele provocam irritações<br />

nas raízes nervosas gerando a dor. A compressão<br />

das raízes nervosas impede que a irrigação sanguínea<br />

alimente os nervo o que provoca a inflamação,<br />

dores e formigamentos na região lombar<br />

da coluna, podendo estar associadas a irradiação<br />

para membros inferiores, limitação de<br />

amplitude de movimento e déficit de força.<br />

O diagnóstico de hérnia discal lombar é<br />

dado de acordo com o relato do paciente, exame<br />

físico e exames complementares por tomografia<br />

computadorizada (TC) e imagem de ressonância<br />

magnética (RM).<br />

A hérnia de disco pode ser sintomática ou<br />

assintomática, o que vai variar de acordo com os<br />

diversos fatores, como a localização, o tamanho<br />

e o tipo de hérnia lombar, que podem ocasionar<br />

lombalgia (dor na região lombar que vai de leve<br />

à intensa), radiculalgia (ocorre após a lombalgia,<br />

quando a hérnia comprime o nervo vertebral,<br />

gerando dor na coluna) que ocasiona a irradiação<br />

da dor para o membro inferior pela compressão<br />

dos nervos da medula espinhal. A emissão<br />

de dor também pode ser explicada pelo ligamento<br />

vertebral comum posterior ou ligamen-<br />

76<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010


to longitudinal posterior, que é muito inervado<br />

e constitui uma fita que se estende do processo<br />

basilar até o canal do sacro, criando um limite<br />

posterior para o disco intervertebral.<br />

2 RELATO <strong>DE</strong> CASO<br />

Esta paciente não foi submetida ao tratamento,<br />

apenas foi feita a sua avaliação no dia 11<br />

de dezembro de 2009; assinou termo de consentimento<br />

livre e esclarecido; diante disso foi traçada<br />

uma proposta de tratamento pelo autor<br />

deste artigo para a paciente.<br />

Paciente em questão L.G.H.C., do sexo feminino,<br />

32 anos, relatora pública, com diagnóstico<br />

clínico de hérnia de disco lombar em L3-L4, L4-<br />

L5 e L5-S1, queixa-se de dor na região lombar do<br />

lado direito com irradiação para o membro inferior<br />

contralateral. A história da dor teve início no<br />

dia 7 de julho de 2009, ao sentar, a paciente procurou<br />

serviço médicos onde foram prescritos pelo<br />

médico medicamentos analgésicos e antiinflamatórios.<br />

O quadro álgico é progressivo, ainda utiliza<br />

medicação analgésica. Os antecedentes médicos<br />

pregressos do paciente negam diabete, hipertensão<br />

e doenças infecto-contagiosas.<br />

No exame físico foi realizada a inspeção da<br />

postura global da coluna vertebral em pé na vista<br />

posterior, constando hiperlordose lombar e<br />

na vista lateral anteroversão de pelve. Na palpação<br />

do quadril não foi evidenciado alterações<br />

de temperatura e espasticidade muscular, porém<br />

na face anterior foi evidenciado dor na crista<br />

ilíaca, e E.I.A.S. (Espinha Ilíaca Antero -Posterior<br />

) direita, e na face posterior foi evidenciado<br />

dor na E.I.P.S. direita, processos espinhosos de<br />

L2, L3 e L4 e túber isquiático direito.<br />

A amplitude de movimento foi verificada<br />

pela goniometria bilateralmente para determinar<br />

presença ou não de disfunção, estabelecimento<br />

de diagnóstico, objetivo de tratamento,<br />

avaliar a recuperação e melhora funcional para<br />

direcionamento de recuperação de limitações<br />

articulares, baseado na coluna lombar e quadril.<br />

Quadro 1: Mostra a amplitude de movimento<br />

normal, segundo Gross et AL (2000), e a goniometria<br />

de coluna lombar da paciente em<br />

questão.*Déficit de Amplitude de movimento.<br />

Quadro 2: Mostra a amplitude de movimento<br />

normal, segundo Gross et al (2000), e a goniometria<br />

de quadril da paciente em<br />

questão.*Déficit de amplitude de movimento.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010<br />

77


continuação do quadro II...<br />

A perimetria de perna foi realizada em 2 medições<br />

nas distâncias de 15 e 20 centímetros partindo<br />

do ponto de referência da borda inferior da patela,<br />

em torno da região da perna, bilateralmente.<br />

Quadro 4: Mostra a perimetria de perna direita e<br />

esquerda da paciente em questão, partindo do<br />

ponto de referência a borda inferior da patela,<br />

15 e 20 centímetros abaixo.<br />

Teste de força muscular foi realizado dentro<br />

da escala de força, onde (0) indica ausência<br />

de contração, (1) contração sem movimento; (2)<br />

movimento eliminando a gravidade; (3) movimento<br />

vence a gravidade; (4) movimento vence<br />

pequena resistência; (5) movimento vence grande<br />

resistência.<br />

A perimetria de coxa foi realizada com 3 medições<br />

em distâncias de 10, 15 e 20 centímetros partindo<br />

do ponto de referência na borda inferior da patela,<br />

em torno da região da coxa bilateralmente.<br />

Quadro 3: Mostra a perimetria de coxa direita e<br />

esquerda da paciente em questão, partindo do<br />

ponto de referência a borda inferior da patela,<br />

10, 15 e 20 centímetros acima.<br />

78<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010<br />

Quadro 5: Mostra o teste de força muscular da<br />

paciente em questão.


Além do teste de força muscular foi realizado<br />

teste para disfunção neurológica em L3 e<br />

L4, com reflexo patelar ausente, caracterizando<br />

arreflexia. Também foi realizado reflexo aquileu<br />

de L5 e S1, normorreflexo (normal).<br />

Para ajudar na confirmação do diagnóstico<br />

foram utilizados testes especiais. O teste de elevação<br />

da perna teve finalidade de evidenciar o comprometimento<br />

da articulação lombar e irritação da<br />

raiz do nervo isquiático; a paciente foi posicionada<br />

em decúbito dorsal e elevou a perna esquerda em<br />

extensão até 90º, sendo positivo para diagnóstico<br />

de irritação nervosa (GROSS et al, 2000).<br />

Outro teste utilizado foi o de abaixamento<br />

para evidenciar tensão meníngea, radiculopatia<br />

e discopatia, onde a paciente fica sentada com<br />

as mãos atrás das costas seguindo essa ordem:<br />

primeiro a paciente inclina para frente e o terapeuta<br />

mantém o queixo; segundo o terapeuta<br />

aplica uma pressão unilateral no ombro e solicita<br />

flexão cervical; terceiro, o terapeuta aumenta<br />

a pressão para flexão cervical torácica e lombar;<br />

em quarto, o paciente extende uma perna;<br />

em quinto, dorso-flexão do pé da perna que foi<br />

extendida e, em sexto faz extensão da cervical;<br />

este teste foi positivo (GROSS et al, 2000).<br />

O outro teste utilizado foi o de Schober para<br />

limitação verdadeira lombar realizado com paciente<br />

em pé, o terapeuta faz uma marca entre<br />

as EIPS e outra marca 10 centímetros acima, é<br />

pedido à paciente a flexão da coluna sem dobrar<br />

os joelhos; é medido esse espaço; neste teste; a<br />

paciente apresentou alteração igual a 12 centímetros,<br />

constatando positividade do teste, a<br />

normalidade seria maior ou igual a 15 centímetros<br />

(CICONELLI & TORRES, 2006).<br />

Como exames complementares foi analisada<br />

a ressonância magnética da coluna lombo-sacra<br />

obtida nos planos sagital e axial com<br />

ponderações em T1 e T2, técnica de supressão<br />

de gordura e sem administração de meio<br />

de contraste paramagnético. Foi evidenciado<br />

no exame: protrusão focal posterior e<br />

mediana caracterizando hérnia discal em L4-<br />

L5 com grande conteúdo discal no interior do<br />

canal medular determinando marcada compressão<br />

sobre a superfície anterior do saco<br />

dural e redução na amplitude dos forames<br />

neurais, aspecto circunferencialmente protruso<br />

do disco intervertebral de L3-L4 associada<br />

compressão dural anterior, pequena ruptura<br />

do anel fibroso em projeção mediana e<br />

posterior e discretaredução na amplitude dos<br />

forames neurais, discos intervertebrais de<br />

L3-L4, L4-L5 e L5-S1 mostrando modificação<br />

da intensidade de sinal relacionado à desidratação<br />

degenerativa incipiente.<br />

No diagnóstico cinético-funcional a paciente<br />

apresenta déficit funcional motor na região<br />

lombar (L2, L3 e L4), com quadro álgico (7 na escala<br />

de EVA), compressão do nervo ciático com irradição<br />

para membro inferior esquerdo, perda de<br />

força muscular para flexo-extensão do quadril e<br />

adução do quadril esquerdo, limitação da ADM<br />

na flexão da coluna lombar em decorrência de<br />

hérnia de disco lombar (L3 - L4), (L4 – L5), (L5 – S1).<br />

Quadro 6: Mostra a escala visual analógica de dor.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010<br />

79


Os objetivos do tratamento visam diminuir<br />

ou eliminar o quadro álgico, aumentar ADM para<br />

flexão de coluna lombar, aumentar o grau de<br />

força muscular para flexo-extensão de quadril,<br />

adução de quadril esquerdo e promover orientação<br />

postural.<br />

3 PROPOSTA <strong>DE</strong> TRATAMENTO<br />

A proposta de tratamento é baseada em um<br />

cronograma semanal, constando três vezes na semana<br />

um tratamento com a eletroterapia, os recursos<br />

terapêuticos manuais e cinesioterapia, e duas<br />

vezes um tratamento baseado na terapia aquática.<br />

Na eletroterapia seria utilizado o TENS acupuntura,<br />

como conduta analgésica em fase crônica,<br />

pela atuação na liberação de opióides endógenos<br />

(endorfinas e encefalinas), pela inibição<br />

da dor no SNC. Os parâmetros para o tratamento<br />

foi de 5 Hz, pulso de 200us, com intensidade<br />

em limiar motor e tempo de aplicação de<br />

20 minutos ou mais (AGNE,2008).<br />

Também pode-se usar ondas curtas, que<br />

irão agir termicamente de forma a promover uma<br />

vasodilatação, aumento da circulação sanguínea,<br />

aumento do metabolismo, da atividade enzimática<br />

e redução da dor, pois há uma diminuição da<br />

excitabilidade dos nervos periféricos, já que a<br />

aplicação de calor sobre a área de um nervo periférico<br />

produz aumento do limiar de dor na área<br />

inervada por ele, esses efeitos são causados pela<br />

ação antiinflamatória e relaxante promovida<br />

pelo calor, além do aparelho permitir a melhor<br />

contração e relaxamento com maior rapidez dos<br />

músculos devido o aumento da temperatura<br />

(AGNE, 2008). As doses de ondas curtas são divididas<br />

em três categorias, sendo estas: a alta,<br />

onde há claro aumento do calor; a média, onde<br />

os efeitos térmicos são fracos, e a baixa, no qual<br />

os efeitos térmicos não são observáveis, embora<br />

haja efeitos fisiológicos nessas dores.<br />

O protocolo de tratamento de cinesioterapia<br />

consiste principalmente no reforço muscular<br />

e alongamento das estruturas envolvidas, retornando<br />

estas à homeostase adequada. Para isso, a<br />

cinesioterapia irá dispor de recursos e técnicas<br />

apropriadas para garantir ao paciente melhoria<br />

dos sintomas, tais como dor, diminuição de amplitude<br />

de movimento, déficit de força muscular,<br />

hipotrofia muscular ou discrepância entre membros,<br />

hemicorpos e/ou segmentos.<br />

Para a paciente foram prescritos os seguintes<br />

protocolos:<br />

Adotando Escala Visual Analógica de 7 pontos,<br />

relatada pela paciente (EVA: 7)<br />

1) Exercícios<br />

a) Exercício ativo livre – Flexão de coxofemoral:<br />

3 séries de 8 repetições i ntervalo<br />

entre as séries de 40s.<br />

b) Exercício ativo livre – Abdução de coxofemoral:<br />

3 séries de 8 repetições i ntervalo<br />

entre as séries de 40s.<br />

c) Exercício ativo livre – Adução de coxofemoral:<br />

3 séries de 8 repetições i ntervalo<br />

entre as séries de 40s.<br />

d) Exercício ativo livre – Extensão de coxofemoral:<br />

3 séries de 8 repetições i ntervalo<br />

entre as séries de 40s.<br />

e) Exercício ativo livre – Extensão de coluna<br />

lombar:<br />

3 séries de 8 repetições i ntervalo<br />

entre as séries de 40s.<br />

Evolução: de acordo com a evolução da paciente<br />

podemos fazer readaptações dos exercícios<br />

acima citados, bem como aumento no número<br />

de repetições de 8 para 10, diminuição do<br />

intervalo entre as séries de 40s para 30s, para<br />

ganho de força e resistência. Após essa fase, a<br />

paciente evoluirá para o exercício cinesioterapêutico<br />

ativo resistido, que contará com o auxílio<br />

de uma resistência, que pode ser mecânica<br />

(halteres, caneleiras), elástica (fitas, ou tubos<br />

80<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010


elásticos) ou mesmo resistência manual exercida<br />

pelo fisioterapeuta.<br />

2) Alongamentos<br />

a) Alongamento de cadeia posterior de<br />

membro inferior (isquiotibiais)<br />

b) Alongamento de flexores (quadríceps)<br />

c) Alongamento de adutores (adutor<br />

curto e adutor longo)<br />

d) Alongamento de abdutores (tensor<br />

da fáscia lata)<br />

e) Alongamento de paravertebrais<br />

f) Alongamento de flexão de coluna<br />

lombar com auxílio de bola suíça.<br />

g) Alongamento de extensão de coluna<br />

lombar com auxílio de bola suíça.<br />

O alongamento passivo é realizado pelo fisioterapeuta,<br />

que aplica uma força externa e<br />

controla direção, intensidade, velocidade e duração<br />

do alongamento dos tecidos moles que<br />

estão causando a contratura e a restrição da<br />

mobilidade articular. O alongamento autopassivo<br />

é um tipo de exercício de flexibilidade que a<br />

paciente realiza sozinha. O paciente pode passivamente<br />

alongar suas próprias contraturas ou<br />

fazê-lo usando seu peso corporal como força de<br />

alongamento (KISNER & COLBY, 1998).<br />

Para a utilização de recursos terapêuticos<br />

manuais podemos usufruir das técnicas de manipulação.<br />

O alisamento superficial, que é útil<br />

para dar início a uma sequência de massagens,<br />

é realizado lenta e suavemente em qualquer<br />

direção visando o relaxamento. O alisamento<br />

profundo é administrado com uma pressão<br />

maior com bastante lentidão, que visa estimular<br />

a circulação ao tecido muscular mais profundo;<br />

pode ser utilizado para a dilatação das<br />

arteríolas nos tecidos mais profundos. Os alisamentos<br />

foram utilizados para o relaxamento<br />

geral ou local, baseado em seus efeitos pelo<br />

impacto mecânico sobre os tecidos pelo sistema<br />

nervoso sensitivo (DOMENICO, 1998).<br />

A effleurage é um movimento de alisamento<br />

lento; compressão crescente na direção do fluxo<br />

venoso, terminando em um grupo de nodos<br />

linfáticos superficiais, com o objetivo de mobilizar<br />

o conteúdo das veias e dos vasos linfáticos<br />

superficiais; é realizada de forma lenta, com pressão<br />

significativa gradualmente para “empurrar” o<br />

sangue venoso e a linfa através de veias e canais<br />

linfáticos. O fluxo linfático é acelerado implicando<br />

a fluidez mais rápida do sangue, estimulando<br />

a circulação e eliminando os produtos dos catabólitos,<br />

facilitando a cura pela absorção de exsudato<br />

inflamatório (DOMENICO, 1998).<br />

Para a eficácia deste tratamento manual são<br />

essenciais manipulações de pètrissage ou manipulações<br />

de pressão, pelos quatro tipos de<br />

técnicas: amassamento, beliscamento, rolamento<br />

e torcedura (DOMENICO, 1998).<br />

No amassamento os músculos e tecidos subcutâneos<br />

são alternadamente comprimidos e liberados<br />

em sentido circular, a fim de afetar tecidos<br />

profundos pela mobilização de fibras musculares<br />

e tecidos profundos para o funcionamento<br />

normal da musculatura; é utilizada a técnica com<br />

a superfície palmar, com bastante lentidão, com<br />

pressão significativa e adaptada e bastante leveza.<br />

O beliscamento ocorre quando os músculos<br />

são agarrados e erguidos dos tecidos subjacentes,<br />

comprimidos e soltos na mesma direção das<br />

fibras musculares, no sentido da origem até a inserção,<br />

com pressão de cima para dentro, lento<br />

contínuo e ritmo visando à mobilização individual<br />

ou por grupos para o aumento da mobilidade<br />

muscular. Na torcedura os tecidos são levantados<br />

com ambas as mãos em oposição, com a mesma<br />

finalidade da torcedura, onde as mãos movimentam-se<br />

alternadamente ao longo do eixo longitudinal<br />

do músculo, com velocidade lenta à média,<br />

ritmo uniforme e com pressão razoável. O rolamento<br />

da pele e os tecidos subcutâneos são rolados<br />

sobre as estruturas mais profundas, onde a<br />

pele é dobrada sobre si própria, sendo provável<br />

que esta mobilize o conteúdo dos vasos superficiais,<br />

melhorando a circulação para a área; é reali-<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010<br />

81


zada de forma muito lenta e não exige pressão<br />

significativa (DOMENICO, 1998).<br />

As manipulações percussivas podem ser utilizadas<br />

para o tratamento, visando à estimulação<br />

dos tecidos por ação mecânica direta ou por ação<br />

reflexa. Os movimentos utilizados foram: palmadas,<br />

pancadas, cutiladas e socamento (DOMENI-<br />

CO, 1998). A palmada é um movimento com as<br />

mãos em concha que golpeiam rapidamente a<br />

superfície cutânea comprimindo o ar e provocando<br />

uma onda de vibração que penetra nos tecidos;<br />

estimula os tecidos por ação mecânica direta,<br />

quando a palmada é aplicada de forma leve e<br />

rápida sobre a musculatura estimula a atividade<br />

pela ativação direta; dos fusos musculares; a velocidade<br />

varia de acordo com o conforto do terapeuta<br />

e do paciente. O movimento de pancada é<br />

realizado com as mãos em que o pulso frouxamente<br />

cerrado golpeia a parte do corpo, com a<br />

mesma finalidade da palmada, porém mais estimulante,<br />

pela rapidez adaptada de acordo com a<br />

coordenação do terapeuta. A cutilada foi realizada<br />

com as bordas laterais e as superfícies dorsais<br />

dos dedos que golpeiam a superfície da pele em<br />

rápida sucessão com efeito estimulante e vigoroso<br />

de forma leve e rápida. O socamento é realizado<br />

com as bordas ulnares dos pulsos frouxamente<br />

cerrados que golpeiam alternadamente e em<br />

rápida sucessão; deve ser rápido até quanto a<br />

coordenação do terapeuta é permitida.<br />

Para a realização dos movimentos citados<br />

acima foram utilizados duas posições pelo terapeuta.<br />

No alisamento superficial e profundo,<br />

effleurage, e as técnicas de pètrissage adota-se<br />

a posição de esgrimista, e para as técnicas percurssivas<br />

adota-se a postura ereta.<br />

O tratamento em curto prazo através da fisioterapia<br />

aquática será feito inicialmente com um<br />

aquecimento para promover o reconhecimento e<br />

ambientação do paciente com o local, em seguida<br />

seria realizado alongamento e fortalecimento com<br />

hidrocinesioterapia ativando as cadeias posteriores<br />

e anteriores de membro inferior e coluna lombar<br />

para manter ou aumentar a amplitude de movimento,<br />

ampliar o grau de força muscular para flexo-extensão<br />

e adução de quadril de acordo com o<br />

grau de força do paciente (BIASOLI & MACHADO,<br />

2006), que está em grau quatro. Após o fortalecimento<br />

será promovido o relaxamento dorsolombar,<br />

o qual é constituído por cinco etapas:<br />

• Massagem: realizada por toda a região<br />

lombar e membros inferiores, com o<br />

paciente em posição supina e o terapeuta<br />

em posição de cubo.<br />

• Hidromassagem: Terapeuta movimenta<br />

as mãos no sentido latero-lateral por<br />

cinco minutos.<br />

• Alongamento (apoio inferior): fisioterapeuta<br />

estabiliza a pelve do paciente<br />

com o próprio tronco e com a mão (contralateralmente),<br />

posiciona a outra<br />

mão (que está livre) na região infraaxilar.<br />

Em seguida, alonga-se a musculatura<br />

paravertebral. Caso o paciente<br />

apresente muita dor, a mão livre deve<br />

ser posicionada um pouco mais abaixo<br />

da região infra-axilar, pois uma grande<br />

amplitude no movimento pode<br />

agravar a dor do paciente. Esta manobra<br />

pode ser repetida três vezes com<br />

duração de 5 a 10 segundos cada vez.<br />

• Tração: fisioterapeuta posiciona-se ao<br />

lado do paciente, coloca uma das mãos<br />

no sacro do mesmo e a outra no dorso.<br />

Simultaneamente são realizados movimentos<br />

opostos, onde a mão que<br />

está no dorso segue em sentido cranial<br />

e a mão que está no sacro no sentido<br />

caudal. Essa manobra pode ser repetida<br />

três vezes com duração de 5 a<br />

10 segundos cada vez (posição de guerreiro<br />

para o terapeuta)<br />

• Algas: finalizando o relaxamento, o fisioterapeuta<br />

movimenta as pernas do<br />

paciente para cima e para baixo, mesclando<br />

também com movimentos para<br />

os lados durante 20 seg. no total.<br />

82<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010


Em longo prazo o tratamento será feito da<br />

seguinte forma: aquecimento, alongamento, hidrocinesioterapia<br />

ativa, método anéis de bad ragaz<br />

e relaxamento dorsolombar. O método dos<br />

anéis de bad ragaz têm como objetivos: melhorar<br />

a resistência em geral, aumentar a amplitude de<br />

movimento, tracionar e alongar a musculatura<br />

espinhal e, principalmente, o fortalecimento.<br />

4 DISCUSSÃO<br />

A diatermia por ondas curtas, que promove<br />

calor profundo, pode apresentar benefícios<br />

diminuindo a sintomatologia, porém o tratamento<br />

com diatermia é caro e precisa de estudos clínicos<br />

randomizados nos quais sua aplicação seja<br />

acompanhada por um protocolo de cinesioterapia<br />

para alongamento e fortalecimento muscular,<br />

porém Brandt (1998) relata não haver evidências<br />

que tratamentos com calor são mais efetivos<br />

em analgesia do que somente exercícios.<br />

Briganó & Macedo (2005), fizeram uma<br />

comparação entre os efeitos da terapia manual e<br />

da cinesioterapia em pacientes com lombalgia e<br />

a mobilidade lombar em indivíduos sintomáticos<br />

e assintomáticos com diagnóstico clínico de lombalgia<br />

crônica que foram submetidos à avaliação<br />

de dor, mobilidade lombar e ao tratamento fisioterápico<br />

composto por terapia manual e cinesioterapia.<br />

Como resultado foi encontrada diferença<br />

estatisticamente significante na comparação<br />

da dor antes e após o tratamento fisioterápico e<br />

para mobilidade da coluna lombar em indivíduos<br />

com e sem dor. Os autores do estudo concluíram<br />

que a cinesioterapia e a terapia manual têm influência<br />

significativa na melhora da lombalgia,<br />

bem como a mobilidade lombar é diminuída quando<br />

comparada a indivíduos assintomáticos.<br />

Segundo Bates & Hanson (1998), a hidroterapia<br />

tem uma terapêutica abrangente que<br />

utiliza os exercícios aquáticos na reabilitação de<br />

diversas patologias. Essa terapêutica promove<br />

os resultados de relaxamento muscular, alívio<br />

da dor, redução do espasmo muscular, redução<br />

da força gravitacional, aumento da amplitude de<br />

movimentos, melhora da circulação periférica,<br />

e dentre outros, a melhora da autoconfiança.<br />

5 CONCLUSÃO<br />

Este trabalho visou propor um tratamento<br />

fisioterapêutico após uma avaliação, a fim de estabelecer<br />

um tratamento eficaz para a patologia<br />

abordada englobando diversas técnicas e áreas<br />

da fisioterapia.<br />

Concluímos que este artigo foi de grande<br />

importância para o esclarecimento e manipulação<br />

das técnicas adequadas que devem ser abordadas<br />

para o tratamento de hérnia na região<br />

lombar do caso relatado.<br />

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ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001, cap<br />

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comentados de mecânica humana. [s.l.]: Panamericana,<br />

2000. V. III.<br />

GROSS, J. FETTO, J.; ROSEN, E. Exame musculoesquelético.<br />

Porto Alegre: Artmed, 2000.<br />

CICONELLI, R.M.; TORRES, T.M. Instrumentos de<br />

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Brasileira de Reumatologia, São Paulo, v. 46. suppl.1,<br />

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AGNE, Jones E. Eletrotermoterapia: teoria e<br />

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DOMENICO, G.; WOOD, E. C. Técnicas de massagem<br />

de Beard. 4. ed. SãoPaulo: Manole, 1998.<br />

BIASOLI, M.C.; MACHADO, C.M.C. Hidroterapia<br />

aplicabilidades clínicas. Revista Brasileira de<br />

Medicina, v. 63-n. 5, maio, 2006.<br />

BRANDT, K.D. The importance of nonpharmacologic<br />

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Am. J. Med. 1998; 105(1B): 39S .44S.<br />

BRIGANÓ, J.U.; MACEDO, C.S.G. Análise da mobilidade<br />

lombar e influência da terapia manual<br />

e cinesioterapia na lombalgia. Semina: Ciências<br />

Biológicas e da Saúde, v.26, n.2, p.75-82, 2005.<br />

BATES, A.; HANSON, N. Exercícios aquáticos terapêuticos.<br />

São Paulo: Manole, 1998.<br />

84<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010


DOS ESCRITOS <strong>DE</strong> EUCLI<strong>DE</strong>S DA CUNHA À<br />

CONTEMPORANEIDA<strong>DE</strong>: a Amazônia da fronteira<br />

às margens do rio Purus 1 William Monteiro Rocha*<br />

R E S U M O<br />

Euclides da Cunha, ilustre e desempregado em 1904, foi nomeado pelo Barão do Rio<br />

Branco chefe da Comissão Brasileira de Reconhecimento do Alto Purus. A viagem do famoso<br />

escritor brasileiro pela Amazônia permitiu-lhe testemunhar a complexidade e riqueza da<br />

região, tal como a difícil situação de isolamento e descaso das populações que ali viviam. Tais<br />

constatações levariam Euclides a projetar a redação de inúmeros textos genuinamente propositivos<br />

e repletos de sua concepção republicana e aliados de uma profunda análise social.<br />

Mesmo cem anos depois, a realidade dessa região encontra-se pautada em muitos aspectos<br />

descritos por Euclides em seus inúmeros ensaios amazônicos, como buscar-se-á demonstrar<br />

neste artigo, por meio de dados resultantes de uma pesquisa de campo à cidade de Santa Rosa<br />

do Purus (AC), parte da região onde o autor esteve um século atrás.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Amazônia. Fronteira. Rio Purus. Euclides da Cunha. Relações Internacionais.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

O Escritor Euclides Rodrigues Pimenta da<br />

Cunha teve uma formação intelectual permeada<br />

de certa introspecção e uma visão mediada<br />

pela ciência, que permitiu a ele ao longo de sua<br />

trajetória de vida descrever ambientes, situações<br />

e espaços, tal como perfilar escolas, vertentes<br />

e ideologias. A preocupação de realizar<br />

uma síntese entre a linguagem literária herdada<br />

e a elocução científica do presente constitui uma<br />

verdadeira obsessão para Euclides, como demonstra<br />

Sevcenko (1995):<br />

Síntese entre literatura e ciência,<br />

combinação de estéticas, cruzamento<br />

de gêneros, oposições de estilos;<br />

sua obra parece ressudar tensões<br />

por inteiro. Ela é composta estruturalmente<br />

de camadas heterogêneas<br />

díspares e mesmo incompatível, ar-<br />

mada numa clivagem cujo tênue<br />

equilíbrio repousa sobre a solidez<br />

das certezas transcendentes do autor.<br />

Pode-se mesmo entrever nessa<br />

característica um indício oportuno<br />

para explicar a fixação do escritor em<br />

enfocar a realidade a partir dos seus<br />

aspectos desencontrados e confli-<br />

*<br />

Internacionalista; bacharel em Relações Internacionais da<br />

1ª turma formada pela Universidade da Amazônia (<strong>Unama</strong>);<br />

ex-monitor da disciplina Teoria das Relações Internacionais<br />

I (2009); ex-bolsista do projeto de pesquisa Gestão das Águas<br />

da Amazônia: peculiaridades e desafios no contexto<br />

sociopolítico regional da bacia do rio Purus (CNPq/PPG7).<br />

Atualmente é assistente de pesquisa do projeto<br />

Identificando preferências através do conhecimento<br />

incerto: a interpretação dos resultados eleitorais em<br />

municípios paraenses através da utilização das redes<br />

bayesianas.<br />

Contato: william.mrocha@gmail.com | (091) 8151-5717<br />

1<br />

Artigo orientado pelas professoras Nirvia Ravena, dr a em<br />

Ciência Política, professorap/pesquisadora da Universidade<br />

da Amazônia (<strong>Unama</strong>) e do Núcleo de Altos Estudos<br />

Amazônicos (NAEA/UFPa); e Voyner Ravena Cañete, Dr a em<br />

Desenvolvimento Sócioambiental, professora/pesquisadora<br />

da Universidade Federal do Pará (UFPa). Contato:<br />

niravena@uol.com.br | ravenacanete@uol.com.br<br />

85<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010


tantes. É uma constante em sua obra<br />

a ênfase sempre reincidente sobre<br />

os contrastes, as antíteses, os choques,<br />

os confrontos, os desafios, os<br />

cotejos, as oposições, os antagonismos<br />

(SEVCENKO, 1995, p.136).<br />

Desde os artigos escritos nos tempos em<br />

que estudava na Escola Militar, passando pelas<br />

contribuições em jornais do Rio de Janeiro e São<br />

Paulo até a publicação relevante de Os Sertões,<br />

Euclides, decisivamente influenciado por concepções<br />

modernas, compunha o projeto dos intelectuais<br />

brasileiros da época afinados com os<br />

centros europeus em promover a modernização<br />

do país, do ponto de vista político, social e cultural,<br />

e isso lhe permitira desbravar e descrever<br />

com genialidade duas regiões distintas do Brasil:<br />

o sertão baiano e a selva amazônica.<br />

A escolha de Euclides da Cunha para realizar<br />

a cobertura da Guerra de Canudos foi um<br />

episódio ímpar em sua vida. Como repórter, retratou<br />

a realidade da forma mais próxima possível.<br />

Pelos relatos, detinha os entrevistados com<br />

frequência para esclarecer, principalmente, expressões<br />

verbais, ditos populares e construções<br />

frasais raras e sonoras. Descreveu com riqueza<br />

de detalhes o conflito em si, a geografia local, a<br />

população, o Exército e, sobretudo, a maneira<br />

oficial, de ver a guerra, sempre colocando os<br />

acontecimentos na perspectiva do que julgava<br />

bom para o Brasil e para a República. Almeida<br />

(2008) consubstancia que:<br />

Toda a obra é construída a partir de<br />

níveis de compreensão. O meio físico<br />

evolui para a particularidade da<br />

terra como representação científica<br />

(nas suas variáveis geológicas e botânicas,<br />

que tanto explorou) e daí<br />

para o sertão como representação de<br />

um país desconhecido e inóspito. Da<br />

definição racial do povo do lugar, Euclides<br />

avalia o homem (“o cerne vivo<br />

da raça”) expresso na figura do jagunço,<br />

o brasileiro excluído do projeto<br />

nacional. E do momento, ou seja,<br />

a realização ou a ação se expressa<br />

no conflito armado, no instante de<br />

desencontro entre o arcaico e o moderno.<br />

(ALMEIDA, 2008, p.197).<br />

De sua viagem pela Amazônia resultaram<br />

inúmeros artigos e obras relevantes à análise do<br />

período e da região em questão. Euclides aludia<br />

especificamente à impressão visual que a Amazônia<br />

causa no visitante. A uniformidade da vegetação,<br />

a longa extensão dos rios, a magnitude<br />

da floresta, tudo geraria no observador uma espécie<br />

de entorpecimento dos sentidos. A igualdade<br />

daquele cenário, em toda sua vasta extensão,<br />

resultaria no que Euclides denominou de<br />

“monotonia”. Esclarece esse sentimento a partir<br />

de uma analogia com os mares: “[...] em poucas<br />

horas o observador cede às fadigas de monotonia<br />

inaturável e sente que o seu olhar, inexplicavelmente,<br />

se abrevia os sem-fins daqueles<br />

horizontes vazios e indefinidos como os dos<br />

mares.” (CUNHA, 1994).<br />

Em seus escritos sobre a Amazônia, Euclides<br />

vai carregar nas cores com que descreve a<br />

região, trabalhando com um jogo de antíteses<br />

que se presta a impressionar o leitor. Essas antíteses<br />

são componentes fundamentais de seu<br />

estilo, que primava em lidar com as oposições e<br />

contrastes. Em suas palavras: “Parece que ali a<br />

imponência dos problemas implica o discurso<br />

vagaroso das análises: às induções avantajamse<br />

demasiado os lances da fantasia. As verdades<br />

desfecham em hipérboles”. (CUNHA, 2006).<br />

Nesse trecho, Euclides deixa claro e evidente<br />

que além da “fantasia” e deslumbramento aos<br />

olhos que a Amazônia faz ao visitante, muito são<br />

os problemas, o isolamento e o descaso para com<br />

a região. Essa característica descritiva bastante<br />

presente nas obras do escritor pela Amazônia,<br />

revestem-se de aspectos contemporâneos que<br />

nos capítulos seguintes serão abordados.<br />

Euclides da Cunha foi, sem sombra de dúvida,<br />

um republicano convicto. O contato com a<br />

realidade política e social dominante, cheia de<br />

contradições, aliado ao pessimismo como método<br />

de análise da realidade, era a maneira pessoal<br />

do autor interpretar o mundo. Como intelectual,<br />

não se furtou de manifestar por meio da<br />

imprensa (com a qual contribuiu significativa-<br />

86<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010


mente ao longo de sua vida) suas impressões e<br />

críticas sobre a política brasileira no momento<br />

da instauração da República.<br />

Sua formação e vocação ao republicanismo<br />

ocorreram em um ambiente coberto de ideais<br />

positivistas que colocavam em xeque a monarquia<br />

e, colocavam a ciência como instrumento<br />

primordial de análise da sociedade e da natureza.<br />

Tal formação cientificista, obtida nos anos em<br />

que estudou na Escola Militar da Praia Vermelha,<br />

estará presente de modo indelével em suas<br />

convicções políticas (PONTES, 2005).<br />

A participação de Euclides na imprensa marca<br />

o início de sua atividade como intelectual público.<br />

Suas colaborações nos jornais A Província<br />

de São Paulo (atual O Estado de S. Paulo) e no<br />

Democrata, evidenciam o surgimento do pensador<br />

influenciado pela ciência e o escritor de estilo<br />

hiperbólico, engajado na militância pela reforma<br />

social. Tal envolvimento com o processo de<br />

mudança política e transformação social não cessou<br />

com a Proclamação da República. As deficiências<br />

do novo regime farão com que Euclides,<br />

frustrado com os rumos do país, continue defendendo<br />

mudanças, ainda que de forma mais discreta.<br />

Ao entusiasmo inicial, portanto, seguiu-se<br />

a desilusão com a República (MOURA,1964).<br />

Decepcionado com os problemas da Primeira<br />

República, Euclides chegou a ingressar na vida<br />

política, se candidatando a deputado por São<br />

Paulo com o apoio de Júlio Mesquita, do jornal A<br />

Província de São Paulo. Tal incursão na política<br />

foi malsucedida, pois Euclides não obteve votos<br />

necessários para sagrar-se deputado pelo Partido<br />

Republicano de São Paulo.<br />

Kassius Pontes (op.cit.) evidencia:<br />

A ligação de Euclides da Cunha com a<br />

política apresenta, por conseguinte,<br />

características bem definidas. O republicanismo<br />

e a defesa de reformas<br />

sociais são traços marcantes de sua<br />

atuação, bem como uma espécie de<br />

romantismo ou idealismo aos quais<br />

ele se referiu em diversas ocasiões.<br />

Sua personalidade combativa do ponto<br />

de vista intelectual teve pouca desenvoltura,<br />

contudo, no plano da prática<br />

político-partidária. O fracasso de<br />

sua primeira tentativa eleitoral e a<br />

precoce desistência de uma outra<br />

candidatura em Minas Gerais indicam<br />

que Euclides não estava preparado<br />

para as lides eleitorais, sobretudo<br />

em função de seu alegado escrúpulo<br />

em solicitar favores e adesões<br />

e em travar contato com políticos<br />

tradicionais. Seus ímpetos revolucionários<br />

não encontravam, por<br />

conseguinte, espaço para progredir no<br />

cenário político da Primeira República<br />

(PONTES, op.cit. p.24).<br />

A participação política de Euclides vai se<br />

concentrar na colaboração com a imprensa e no<br />

contato com personagens proeminentes da época.<br />

Seu transitar nos círculos intelectuais permitiu-lhe<br />

o acesso a importantes políticos e burocratas<br />

da época. A ligação com o Barão do Rio<br />

Branco, por exemplo, surgiu com intermédio de<br />

intelectuais renomados, como José Veríssimo e<br />

Oliveira Lima.<br />

O quadro de ascensão da República e a crença<br />

de Euclides nas possibilidades do novo regime,<br />

bem como do papel que a intelligentsia 2 da<br />

classe média desempenhou nesse período, fundamenta<br />

a análise e interpretação das obras de<br />

Euclides, inclusive dos textos sobre a Amazônia<br />

e sobre política internacional, escritos em sua<br />

maior parte durante o desempenho de atividades<br />

no Itamaraty. Para compreensão de sua obra<br />

é necessário observar um ideal republicano que<br />

depois cede a decepção republicana transformada<br />

em crítica, juntamente a observação das questões<br />

políticas e pregação de reformas sociais. Tais<br />

concepções políticas vão se fazer presentes na<br />

totalidade de sua obra literária e suas análises.<br />

Durante cinco anos (1904-1909) trabalhou<br />

com o Barão de Rio Branco. No início, esperando<br />

a nomeação para uma próxima expedição<br />

pelo interior do Brasil e, mais tarde, produzin-<br />

2<br />

Nome dado a uma determinada classe social de pessoas<br />

engajadas em trabalho de disseminação complexa e criativa<br />

direcionada ao desenvolvimento e propagação de questões<br />

políticas, sociais e até mesmo culturais, abrangendo grupos<br />

sociais e intelectuais próximos.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010<br />

87


do relatórios, estudos e mapas – muitos mapas<br />

– sobre regiões de litígios entre estados, detalhamentos<br />

de fronteira ou mesmo o mapa oficial<br />

do Brasil, como o de 1907. Esperava também<br />

que Rio Branco o efetivasse como quadro<br />

do Ministério das Relações Exteriores, situação<br />

que nunca aconteceu.<br />

Cabe ressaltar que, apesar do seu posto<br />

no Itamaraty, Euclides não era diplomata, mas<br />

pensava do ponto de vista da diplomacia os fatores<br />

estratégicos que se relacionavam à ação<br />

do poder publico na região, acrescentando à<br />

discussão sobre o território a variável social.<br />

Suas obras, em especial no período que trabalhou<br />

na chancelaria brasileira, são de profundo<br />

entendimento sobre a realidade internacional.<br />

Era um observador e como tal analisava questões<br />

internacionais, mas sem ambição de tornar-se<br />

formulador ou executor de política externa<br />

(diplomata). Mais correto, segundo Pontes<br />

(op.cit.) é considerá-lo um intelectual cuja<br />

vocação era revelar o lado pouco conhecido do<br />

país, ou seja, um intérprete do Brasil, preocupado<br />

em afirmar a nacionalidade e refletir sobre<br />

a construção da República, que o levou a<br />

manifestar juízos sobre as relações internacionais<br />

do país. Tal propensão em escrever sobre<br />

política externa surgiu em momentos anteriores<br />

a sua admissão ao Itamaraty, e foram intensificadas<br />

com o início dos trabalhos na chancelaria<br />

ao lado do Barão do Rio Branco.<br />

2 FRONTEIRA E TERRITÓRIO: cenários históricos<br />

e conceitos<br />

A Amazônia,<br />

ainda sob o aspecto estritamente físico,<br />

conhecemo-la aos fragmentos.<br />

Mais de um século de perseverantes<br />

pesquisas e uma literatura inestimável,<br />

de numerosas monografias,<br />

mostram-no-la sob incontáveis aspectos<br />

parcelados. A inteligência<br />

humana não suportaria, de improviso,<br />

o peso daquela realidade portentosa<br />

(CUNHA, op.cit.).<br />

Escreveu Euclides da Cunha, no início do<br />

século XX, quando nomeado chefe da comissão<br />

mista brasileiro-peruana de reconhecimento do<br />

Alto Purus, com o objetivo de demarcar limites<br />

entre o Brasil e o Peru. Mais de cem anos se passaram<br />

desde que Euclides esteve nesta região e<br />

o excerto acima ainda se mostra evidente.<br />

A região de fronteira a qual o célebre autor<br />

foi apresentado em 1905 se mostrava uma área<br />

portentosa e ao mesmo tempo conflituosa. Segundo<br />

Pontes (op.cit), Euclides dava á “Amazônia<br />

uma visão de constante mutação, de construção<br />

inacabada, uma espécie de página incompleta<br />

do Gênesis 3 ”. Essa página incompleta e<br />

quase esquecida a qual Euclides referencia a<br />

Amazônia encontra-se ainda no imaginário ocidental<br />

desde o século XVIII como uma área de<br />

fronteira marcada pela ideia de espaço vazio. Tal<br />

compreensão permanece até os dias atuais, tanto<br />

nas concepções dos indivíduos que migram<br />

para este território quanto para os tomadores<br />

de decisão que operam nas políticas públicas.<br />

Mesmo cem anos depois, a realidade desta<br />

região encontra-se pautada em muitos aspectos<br />

descritos por Euclides em seus inúmeros ensaios<br />

amazônicos. No entanto, existe uma diferença<br />

fundamental que caracteriza esse espaço de<br />

tempo: os problemas da época de Euclides eram<br />

fronteiriços e marcados pela luta do território<br />

no que ele considerava como um “conflito inevitável”<br />

entre brasileiros e peruanos. Já no contexto<br />

atual, evidenciam-se inúmeros problemas<br />

sociais envolvendo as populações tradicionais<br />

com a gestão pública, para acesso aos recursos e<br />

até mesmo aos processos políticos.<br />

O conflito que a expedição de Euclides visava<br />

diplomaticamente sanar, com a demarcação<br />

dos limites de Brasil e Peru, era entre os cau-<br />

3<br />

Vale lembrar que Euclides da Cunha integrava um corpo de<br />

intelectuais marcadamente influenciados pela lógica<br />

evolucionista que, além de forjar o escopo das ciências<br />

naturais, se espraiou para as ciências humanas,<br />

especialmente a antropologia. Daí a ideia de gênesis, como<br />

cenário inicial da formação ou “gestação do mundo” (CUNHA,<br />

1994).<br />

88<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010


cheiros 4 peruanos e os seringueiros brasileiros.<br />

Atualmente, na região em questão inexistem<br />

conflitos nesse sentido. Entretanto, problemas<br />

sociais são evidentes nos dois lados da fronteira,<br />

com outra relevante diferença dos tempos<br />

de Euclides, o numeroso contingente de grupos<br />

indígenas distribuídos ao longo da região transfronteiriça<br />

da qual o sinuoso rio Purus separa.<br />

2.1 REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO <strong>DE</strong> FRONTEIRA<br />

4<br />

Faz referência ao caucho, árvore presente na fauna da região<br />

e muito explorada na época. Dela é possível extrair uma goma<br />

elástica que, alem de ser de qualidade inferior ao látex, não<br />

se renova. borracha e o caucho criaram tipos humanos<br />

diferentes, métodos de extração diversos, modos de vida<br />

peculiares. A primeira estabiliza o homem nas estradas,<br />

porque o corte feito nas árvores se renova periodicamente.<br />

A planta encontra meios de revitalização, e, sarada das<br />

fissuras abertas no tronco, suporta outras mais, sempre<br />

generosa em leite. O segundo faz do homem um eterno<br />

itinerante na floresta, dadas as características de sua<br />

fisiologia que vão se refletir no fato social. Excessivamente<br />

frágil, não resiste às sangrias periódicas, definha e morre<br />

(TOCANTINS, 2001, p.392).<br />

5<br />

Foram uma série de tratados, que além de encerrarem<br />

conflitos como a Guerra dos Trinta Anos, e inauguraram o<br />

moderno sistema internacional ao colocarem<br />

consensualmente noções e princípios como o de soberania<br />

estatal e o de Estado nação. Em suma, delimitaram as<br />

fronteiras de poder de um Estado com o outro e se<br />

transformaram em um marco das relações internacionais.<br />

Fronteira em seu conceito amplo, diz respeito<br />

a uma determinada área de duas partes<br />

distintas. Tal conceito foi ao longo da história se<br />

consolidando e tanto no período das monarquias<br />

nacionais, quanto da Paz de Westphália 5 , o<br />

estabelecimento e delimitação do alcance do<br />

poder do Estado necessitavam de uma maior<br />

exatidão. No entanto, essa fronteira pode representar<br />

muito mais que uma mera divisão ou<br />

unificação de partes. Esse conceito pode representar<br />

também, o nível de autonomia e soberania<br />

de um Estado sobre o outro, dois regimes<br />

políticos e/ou ideológicos, duas formas de organização<br />

e o que a fronteira que se buscará explicar<br />

neste trabalho exemplifica: o de duas realidades<br />

distintas.<br />

Atrelado, e muitas vezes sinônimo ao conceito<br />

de fronteira, o conceito de limite é comumente<br />

utilizado. Entretanto, cabe diferenciação.<br />

A fronteira, no seu sentido amplo, marca e coloca<br />

o outro lado como o diferente, ou seja, como o<br />

começo do novo, pode-se assim dizer. Já o limite,<br />

designa o fim do controle de uma determinada<br />

unidade político-territorial. Em outras palavras,<br />

fronteira diz respeito a uma ordem e/ou demarcação<br />

natural, geométrica e até mesmo arbitrária,<br />

ou seja, de integração, todavia, o limite é uma<br />

abstração como fator de separação.<br />

Na região foco deste trabalho, a fronteira é<br />

natural, na verdade, a fronteira é o próprio rio. O<br />

rio Purus caracteriza-se por uma sinuosidade peculiar<br />

que somado à dinâmica dos períodos de seca<br />

e de cheia, resulta em uma navegação repleta de<br />

desafios em sua totalidade de quase 3.300 km. É<br />

considerado um rio de águas brancas e o aspecto<br />

meândrico que é conferido a ele é notado desde<br />

sua nascente no Peru, passando pela Bolívia e<br />

desembocando nos estados do Acre e do Amazonas,<br />

no Brasil. A característica transfronteiriça que<br />

também é atribuída ao rio Purus deve ser atentamente<br />

analisada, pois ações voltadas ao desenvolvimento<br />

da região não podem se limitar a aspectos<br />

meramente geopolíticos. Nesse sentido é<br />

preciso ir além e, visualizar a bacia hidrográfica<br />

como um todo, respeitando fatores político-econômicos,<br />

mas sobretudo, resguardando o fator<br />

social da região.<br />

2.2 O MUNICÍPIO <strong>DE</strong> SANTA ROSA DO PURUS (AC)<br />

Localizada na região do Alto Purus (figura<br />

1), no estado do Acre, Santa Rosa do Purus é<br />

um município resultante do desmembramento<br />

da cidade de Manuel Urbano, e foi constituída<br />

através da lei estadual nº 1.028, de 28 de<br />

abril de 1992. Como município de fronteira internacional<br />

(Brasil/Peru), Santa Rosa do Purus<br />

encontra-se bastante isolada, pois o acesso<br />

ao município restringe-se ao transporte fluvial<br />

e a pequenas aeronaves que chegam à pista<br />

de pouso improvisada de terra batida mantida<br />

pela gestão pública local. Cerca de 4000<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010<br />

89


habitantes vivem no município, dentre os<br />

quais, mais de 50% da população é indígena. A<br />

participação dessa população se dá também<br />

no âmbito político, no qual o vice-prefeito é<br />

indígena e a Câmara de Vereadores é composta<br />

também por índios. A ausência de rodovias<br />

evidencia um isolamento que marca todo o<br />

entorno do município. As atividades econômicas<br />

giram em torno, especialmente, do extra-<br />

De toda sorte, pensar em Santa Rosa do<br />

Purus significa pensar na fronteira a partir de seu<br />

conceito clássico, ou seja, significa pensar na<br />

ocupação de áreas pouco povoadas e que têm<br />

nesse processo de ocupação uma dinâmica social<br />

própria marcada pela ausência do Estado e das<br />

regras institucionalizadas que normalmente orientam<br />

as ações dos atores sociais (CASTRO e<br />

HÉBETTE, 1989).<br />

Figura 1: Localização de Santa Rosa do Purus<br />

Fonte: Wikipédia (adaptado pelo autor)<br />

tivismo, sendo a pesca de subsistência a segunda<br />

atividade mais importante. As atividades<br />

agrícolas restringem-se à produção de culturas<br />

de consumo local em decorrência do difícil<br />

escoamento da produção. Este se dá normalmente<br />

por via fluvial, ainda que bastante<br />

limitado pelas imposições da dinâmica da<br />

cheia e vazante do rio que impedem a navegação<br />

de embarcações de grande calado.<br />

3 RIO PURUS: fronteira e análise social<br />

Cem anos depois da viagem e dos relatos<br />

de Euclides, o cenário da Região Amazônica que<br />

se apresenta, encontra-se pautado em muitos<br />

aspectos descritos pelo autor em seus inúmeros<br />

ensaios sobre a região. Sua expedição à Amazônia,<br />

que deveria dar origem a uma segunda grande<br />

obra intitulada Um paraíso perdido, não che-<br />

90<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010


gou a ser concluída, e pretendia “vingar a Hiléia<br />

maravilhosa de todas as brutalidades das gentes<br />

adoidadas que a maculam desde o século<br />

XVII” (CUNHA apud HARDMAN, 2009). Seu contato<br />

com a natureza da região levou-o a constatar<br />

uma terra inacabada, imprópria à ocupação<br />

humana e adversária do homem. Esta natureza<br />

poderosa e considerada invencível, entretanto,<br />

acabara cedendo lugar à demanda de uma ação<br />

organizada e sistemática do governo nacional<br />

sobre a região visando torná-la parte efetiva do<br />

território nacional.<br />

A expedição de Euclides pela Amazônia, que<br />

tinha como objetivo principal a demarcação de<br />

fronteiras, acabou resultando em uma valiosa e<br />

profunda análise social da região. Nomeado chefe<br />

da Comissão Brasileira de Reconhecimento do<br />

Alto Purus, o autor percorreu grande parte da fronteira<br />

entre o Brasil e o Peru no intento de sanar<br />

diplomaticamente um conflito de fronteira entre<br />

caucheiros e seringueiros, e, sobretudo resguardar<br />

a soberania brasileira, segundo as premissas<br />

da diplomacia do Barão do Rio Branco.<br />

Euclides, que viu na Amazônia do início do<br />

século XX uma página incompleta do Gênesis,<br />

descreveu um espaço de tempo caracterizado por<br />

problemas fronteiriços, marcados pela luta do<br />

território no qual ele considerava como um “conflito<br />

inevitável” entre brasileiros e peruanos. Já<br />

no contexto atual, se evidenciam inúmeros problemas<br />

sociais envolvendo as populações tradicionais<br />

com a gestão pública, para o acesso aos<br />

recursos e até mesmo nos processos políticos.<br />

Muitas das impressões que abalaram o autor<br />

continuam presentes. Euclides chamou a<br />

Amazônia de “um deserto” e descreveu sua combinação<br />

de grandiosidade com tristeza. O Alto<br />

Purus continua com o mesmo clima de abandono,<br />

como se fosse quase inabitado, com longos<br />

trechos de rio sem manifestação humana ao redor.<br />

A natureza continua muito semelhante; a<br />

mata permanece quase toda intocada, com suas<br />

imbaúbas e pau-mulatos. Entretanto, resguarda-se<br />

uma relevante diferença dos tempos de<br />

Euclides, o numeroso contingente de grupos indígenas<br />

distribuídos ao longo da região transfronteiriça<br />

da qual o sinuoso rio Purus separa.<br />

A presença de inúmeras aldeias de índios<br />

caxinauás e kulinas, é algo que Euclides definitivamente<br />

não viu. Ambas etnias são predominantes<br />

ao longo do rio, e suas aldeias, tal como vilas,<br />

são vistas com frequência no alto de barrancos<br />

à margem. Rabetas e canoas (figura 2) ficam<br />

“estacionadas” na base enlameada do barranco<br />

que raramente possui degraus. Vivem de maneira<br />

semelhante a seus ancestrais, plantando<br />

milho e mandioca, e morando em malocas com<br />

telhado de palha. No entanto, o contato com a<br />

sociedade nacional foi e é algo irreversível. A<br />

realidade das etnias indígenas é pautada por uma<br />

relação direta com o poder público, seja atuando<br />

nas instâncias locais como no caso de Santa<br />

Rosa do Purus, ou sendo assistidos por políticas<br />

públicas sociais do governo 6 e principalmente<br />

os caxinauás demonstram um envolvimento direto<br />

com a sociedade do entorno.<br />

Uma outra característica marcante dessa<br />

relação indígena com o poder público refere-se<br />

ao espaço de fronteira. A fronteira atual da região<br />

se mostra favorável à migração de indígenas<br />

peruanos ao território brasileiro, tendo em<br />

vista o acesso das políticas já acessadas pelos<br />

índios brasileiros, e por outro lado, considerando<br />

o cenário de participação dessas atnias na vida<br />

política em território peruano, os caxinauás identificam<br />

as possibilidades de aprendizagem de<br />

uma lógica do campo político que também pode<br />

ser usada nas experiências no Brasil 7 .<br />

6<br />

Programas como o Bolsa Escola e Bolsa Família, a<br />

capacitação para se tornar AIS (Agente Indígena de Saúde),<br />

AISAN (Agente Indígena Sanitário) ou técnico de enfermagem<br />

e até mesmo programas voltados para a capacitação no<br />

ensino superior de indígenas são exemplos de políticas<br />

sociais do governo, dentre as quais muitos índios da região<br />

aces sam.<br />

7<br />

A cidade de Esperanza (território peruano) localizada<br />

também na região do Alto Purus, teve no último processo<br />

eleitoral um índio caxinauás escolhido para ocupar o cargo<br />

de Alcaide, um cargo semelhante ao de prefeito, na estrutura<br />

burocrática e de gestão brasileira.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010<br />

91


A realidade atual da fronteira difere em parte<br />

do que Euclides da Cunha constatou em sua<br />

viagem à região. Os atores de agora não são mais<br />

os seringueiros ou os caucheiros, e, sim os indigenas<br />

e a própria gestão pública local, que não<br />

deflagram um conflito que ponha em risco a soberania,<br />

e, sim trazem consigo uma carga histórico-colonizadora<br />

marcada pela exploração, descaso<br />

e isolamento que, aliado às intervenções antrópicas<br />

as quais seus recursos naturais foram submetidos,<br />

marcam o espaço de fronteira descrita<br />

pelo autor brasileiro como uma fronteira social.<br />

a Madeira-Mamoré, o IBGE, e, até mesmo, a Calha-Norte<br />

(LIPPI, 1998). Tal integração da Amazônia<br />

ao Brasil proposta por Euclides, colocava a região<br />

na agenda de política externa do Brasileira, o<br />

que até hoje se apresenta como fundamental para<br />

o resguardo de nossa soberania.<br />

Atualmente o intento de trazer desenvolvimento<br />

à região remete aos tempos de Euclides<br />

da Cunha e mesmo com inúmeras políticas para a<br />

região, tal efetiva integração até os dias de hoje<br />

mostra-se se como algo que se almeja e apresenta<br />

como desafio. Cabe notar que os escritos do<br />

Figura 2: Rabetas e canoas na margem do rio Purus<br />

Fonte: Pesquisa de campo – junho de 2009<br />

Euclides da Cunha pode ser considerado um<br />

missionário do progresso. Da mesma forma com<br />

a qual desejou integrar o Sertão nordestino à vida<br />

nacional, assim o fez em relação à Amazônia. O<br />

autor propôs a recuperação do rio Purus (para torná-lo<br />

melhor navegável), a construção de uma<br />

estrada de ferro – a Transacreana – que seria capaz<br />

de espalhar frentes de colonização e proteger<br />

as fronteiras do país. Além do mais, incitou<br />

sempre em seus escritos, a integração da Amazônia<br />

ao resto do país e que tal integração não se<br />

desse apenas territorialmente, mas de fato, trazendo<br />

o desenvolvimento a esta região. Neste<br />

sentido, Euclides pode ser visto como um precursor<br />

de ideias e projetos que foram implementados,<br />

com ou sem sucesso, anos mais tarde, como<br />

92<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010


autor acerca dos problemas da Amazônia revestem-se<br />

de atualidade. Algumas questões por ele<br />

expostas, como o abandono da região e a “porosidade<br />

das fronteiras como o agravamento da situação<br />

social” (PONTES, op.cit.) demonstram ainda,<br />

temas básicos de reflexão e entendimento da<br />

região. Euclides da Cunha pensou sob a ótica da<br />

diplomacia fatores e premissas estratégicas que<br />

se relacionavam à ação do poder público na região.<br />

Fato esse que deve ser entendido e tido<br />

como referência ao analisar não só a região do<br />

Alto Purus, mas a Hiléia de forma geral.<br />

Dentre inúmeros processos e viés de integração<br />

da região, em especial do Alto Purus em<br />

2009 foi dado um passo importante na história<br />

da região. Uma proposta de integração econômica<br />

e comercial entre as regiões do Alto Juruá<br />

e Alto Purus 8 , entre Brasil e Peru, fazendo do rio<br />

Purus uma alternativa de escoamento para a produção<br />

de ambos os países. Cem anos depois da<br />

passagem de Euclides pela região, uma integração<br />

efetiva e mediada pelo Ministério das Relações<br />

Exteriores parece acenar na direção já proposta<br />

pelo escritor.<br />

O entendimento proposto por Euclides da<br />

Cunha retratando a Amazônia sob o viés historiográfico,<br />

permitiu uma leitura renovada dos<br />

problemas de fronteira, de integração física e<br />

de inclusão social, dando ênfase, assim, à importância<br />

dessas três dimensões para a formulação<br />

da política externa brasileira da época. Tais<br />

dimensões devem servir de base ao analisar a<br />

região, que, resguardando as riquezas naturais,<br />

apresenta o fator social e humano como peçachave<br />

da interação que leva ao desenvolvimento<br />

e é exatamente nesses múltiplos cenários que<br />

se impõe, como desafio o desvendar de cada<br />

fragmento da história da região.<br />

8<br />

Agência de Notícias do Acre. Alfândega Provisória no Alto<br />

Purus inaugura nova rota comercial Brasil-Peru. Disponível<br />

em: http://www.agencia.ac.gov.br/index.php?option=com_<br />

content&task=view&id=9011&Itemid=139 . Acesso: 10 / 10<br />

/ 2009<br />

4 CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />

A Amazônia hoje se tornou fundamentalmente<br />

um espaço-chave para o prosseguimento<br />

da aventura humana no planeta Terra, e com<br />

ela inúmeras formas da biodiversidade cuja evolução<br />

desencadeou. A região, muito antes da<br />

dramaticidade que alcançou, teve vários momentos<br />

de elaboração, análise e crítica, na história<br />

da ciência e da cultura, em particular na<br />

chamada literatura dos viajantes, dos cronistas<br />

aos naturalistas românticos, e destes aos primeiros<br />

ficcionistas. Todos a seu modo tentaram representar<br />

o sublime daquela paisagem, em seu<br />

desmesuramento de real-maravilhoso que guarda<br />

igualmente os segredos do deslumbre e do<br />

fantástico. Euclides da Cunha, depois do sucesso<br />

estrondoso de sua narrativa acerca da tragédia<br />

sertaneja de Canudos, foi um dos primeiros<br />

escritores latino-americanos modernos a encarar<br />

o desafio de “escrever a Amazônia”.<br />

Euclides julgava imparcial a marcha do progresso,<br />

da civilização e do desenvolvimento, que<br />

traria a absorção do indígena e do sertanejo em<br />

detrimento do avanço unicamente das “raças” e<br />

“culturas” tidas como superiores. Os sertões, quer<br />

nordestinos, quer amazônicos, eram e são tidos<br />

como desertos, espaços fora da escrita. Ao explorar<br />

a caatinga e a floresta e resgatar o sertanejo e<br />

o seringueiro do esquecimento, o escritor procurava<br />

integrar os sertões e a floresta à escrita e à<br />

história, cujos limites e fronteiras estariam em<br />

constante expansão. Para Euclides, fora da escrita,<br />

da história e do consequente desenvolvimento,<br />

“não há salvação, só existe o deserto” (CU-<br />

NHA, op.cit.). O discurso etnográfico e por vezes<br />

sócio-antropológico do autor sobrepunha inclusive<br />

as fronteiras nacionais, como visto em seus<br />

escritos sobre a política internacional da época.<br />

Mais de cem anos depois da passagem de<br />

Euclides pela Amazônia a região mostra-se em<br />

estado semelhante, seja do ponto de vista de<br />

seu espaço e, seja ao mesmo tempo, tão díspare<br />

quando se pensa na pluralidade de culturas,<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010<br />

93


naturezas e sociedades aqui existentes. Testemunho<br />

de seu tempo, o autor no início do século<br />

XX já abordava a importância da Amazônia<br />

no contexto internacional e destacava a relevância<br />

em integrar a região ao Brasil, efetivando<br />

assim, uma política exterior voltada para a<br />

região, resguardando a soberania e podendo<br />

levá-la ao desenvolvimento.<br />

A riqueza amazônica gera cobiça internacional<br />

e o conhecimento dessa riqueza muitas<br />

vezes não é reconhecido pelos próprios brasileiros.<br />

Buscar entender, estudar e analisar a região<br />

é algo que também pode ser visto sob a<br />

ótica da diplomacia e das relações internacionais,<br />

resguardando primordialmente a questão<br />

humana e social. Resta saber se daqui a cem<br />

anos, na Amazônia, o homem e a natureza continuarão<br />

a ser inimigos, como disse Euclides, ou<br />

se o paraíso perdido pode passar a ser o paraíso<br />

desenvolvido.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ALMEIDA, Luis Alberto S. Desilusão Republicana:<br />

Percursos e Rupturas no Pensamento de Silvio<br />

Romero, Euclides da Cunha e Lima Barreto.<br />

2008. 340 p. Tese de Doutorado (pós-graduação<br />

em Literatura) - Universidade Federal de Santa<br />

Catarina, Florianópolis, 2008. Disponível em:<br />

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Acesso: 09 / 09 / 2009.<br />

CASTRO, Edna Maria Ramos de e HÉBETTE, Jean<br />

(Org.) Na trilha dos grandes projetos: modernização<br />

e conflitos na Amazônia. Belém: UFPA/<br />

NAEA. Cadernos NAEA, n. 10, 1989.<br />

CUNHA, Euclides. À margem da história. São Paulo:<br />

Martin Claret, 2006. 234 p.<br />

_______. Um paraíso perdido: ensaios, estudos<br />

e pronunciamentos sobre a Amazônia. Organização,<br />

Introdução e Notas de Leandro Tocantins.<br />

2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1994. 280 p.<br />

HARDMAN, Franscisco F. A vingança da Hiléia:<br />

Euclides da Cunha, a Amazônia e a Literatura<br />

Moderna. São Paulo: UNESP, 2009. 375 p.<br />

LIPPI. Lucia O. A conquista do espaço: sertão e<br />

fronteira no pensamento Brasileiro. In: História,<br />

Ciências, Saúde-Manguinhos. v.5. Rio de Janeiro:<br />

1998. ISSN 0104-5970. Disponível em: http://<br />

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59701998000400011&lng=pt&nrm=iso. Acesso: 23<br />

nov. 2009.<br />

MOURA, Clóvis. Introdução ao pensamento de<br />

Euclides da Cunha. Rio de Janeiro: Civilização<br />

Brasileira, 1964, 166 p.<br />

PONTES, Kassius Diniz S. Euclides da Cunha, O<br />

Itamaraty e a Amazônia. Dissertação de Mestrado.<br />

Instituto Rio Branco. Brasília: Funag,<br />

2005. 150 p.<br />

SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão:<br />

tensões sociais e criação cultural na primeira república.<br />

São Paulo: 1995. 257 p.<br />

TOCANTINS, Leandro. Formação histórica do<br />

Acre. 4. ed. V. 1 e 2. Brasília: Senado Federal, v.1,<br />

511 p. ; v.2 548 p. 2001.<br />

94<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010


ABORDAGEM FISIOTERAPÊUTICA NO TRATAMENTO DA<br />

CONTRATURA <strong>DE</strong> DUPUYTREN: uma revisão de literatura¹<br />

Rafael de Oliveira Barbosa*<br />

R E S U M O<br />

A contratura de Dupuytren é uma enfermidade de caráter fibro-proliferativo da fáscia<br />

palmar que causa espessamento e retração da aponeurose e consequente desenvolvimento<br />

de nódulos fibrosos, podendo progredir rapidamente a contratura em flexão de um ou mais<br />

dedos e até a incapacidade funcional. É uma doença que acomete frequentemente a população<br />

masculina acima de 50 anos com histórico de alcoolismo crônico, epilepsia, diabetes e<br />

tabagismo. Objetivo: revisar na literatura científica sobre contratura de Dupuytren, enfatizando<br />

suas peculiaridades e atuação da fisioterapia. Método: estudo realizado no acervo da Biblioteca<br />

da UNAMA e em sites e revistas especializados no período de janeiro a fevereiro de 2010.<br />

Conclusão: Resultados mostram que uma reabilitação pós-operatória bem sucedida tem se<br />

mostrado eficaz no tratamento, e que ainda se observa escassez na literatura de estudos que<br />

retratam a atuação do fisioterapeuta na patologia.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Tratamento. Contratura de Dupuytren. Fisioterapia.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A contratura de Dupuytren (CD) foi inicialmente<br />

descrita por Cooper na Inglaterra e em<br />

seguida por Boyer na França por volta de 1823,<br />

quando então, em 1832, Guillaume Dupuytren<br />

publica um artigo descrevendo a afecção relatando<br />

minuciosamente a patologia e o seu tratamento<br />

cirúrgico que, devido à descrição detalhada,<br />

passou a ser chamada de Contratura de<br />

Dupuytren (CORAL, et al,1999; GOMES, et al,<br />

2006). Consiste em uma doença de caráter fibroproliferativa<br />

da fáscia palmar, com espessamento<br />

e retração da aponeurose tendo como característica<br />

marcante o desenvolvimento de nódulos<br />

fibrosos podendo progredir rapidamente a<br />

uma contratura em flexão de um ou mais dedos,<br />

causando até mesmo a incapacidade funcional<br />

(DIB et al, 2008; XHAR<strong>DE</strong>Z, 2001).<br />

Estudos mostram que a incidência da CD<br />

predomina em indivíduos do sexo masculino<br />

acima de 50 anos, afetando principalmente pessoas<br />

de pele clara. pesquisas revelam ser uma<br />

doença de caráter hereditário, existindo também<br />

vários outros fatores que podem estar associados<br />

ao surgimento da enfermidade, tais como<br />

diabetes mellitus, epilepsia, tabagismo e alcoolismo<br />

crônico (DUTTON, 2006).<br />

O sinal clínico precoce da doença é o aparecimento<br />

de um nódulo palmar, geralmente<br />

localizado na metade ulnar, assintomático, po-<br />

* Concluinte do curso de Fisioterapia pela Universidade da<br />

Amazônia (UNAMA) e ex-monitor das disciplinas Citologia e<br />

Genética Humana e Histologia e Embriologia Humana.<br />

¹ Artigo elaborado sob orientação do professor Erielson Bossini,<br />

fisioterapeuta e docente do curso de fisioterapia da UNAMA<br />

da área de Estágio Supervisionado em Fisioterapia osteomio-articular.<br />

95<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 95-99, jun. 2010


dendo evoluir para flexão fixa de um ou mais<br />

quirodáctilos devido à retração aponeurótica.<br />

Outros sintomas que podem ser encontrados são<br />

edema, sudorese e alterações térmicas.<br />

Schroder (2007), citado por Sayegh e Lopes<br />

(2009), revela que no tratamento conservador<br />

para CD foram testados vários procedimentos<br />

terapêuticos, e que os resultados esperados não<br />

ocorreram, afirmando, que a única terapia, com<br />

promessas de sucesso é, atualmente, a cirurgia.<br />

Embora a reabilitação não seja tão eficaz no<br />

tratamento conservador da contratura, ela possui<br />

um papel imprescindível no tratamento pósoperatório<br />

da doença, sendo que 50% dos resultados<br />

dependem fundamentalmente da imobilização<br />

e do exercício efetivo (FREITAS, 2005).<br />

2 OBJETIVO<br />

Realizar uma revisão literária atualizada<br />

sobre a contratura de Dupuytren enfatizando<br />

suas peculiaridades, assim como a atuação fisioterapêutica.<br />

3 MÉTODO<br />

Este estudo foi produzido através de um levantamento<br />

bibliográfico no período de janeiro a<br />

fevereiro de 2010 na Biblioteca da Universidade<br />

da Amazônia (UNAMA), bem como pesquisas realizadas<br />

em revistas especializadas e na internet,<br />

através das bibliotecas virtuais Pubmed e Scielo.<br />

4 REVISÃO <strong>DE</strong> LITERATURA<br />

A contratura de Dupuytren é um transtorno<br />

fibroproliferativo progressivo que acomete a<br />

fáscia, principalmente da aponeurose palmar, e<br />

de vários outros componentes da fáscia digital,<br />

que tem como característica o desenvolvimento<br />

de nódulos fibrosos em localizações específicas,<br />

junto das linhas de tensão longitudinal palmar.<br />

O engrossamento e o encurtamento da fáscia<br />

causam contratura, que se comporta de forma<br />

similar à contratura e maturação da cicatrização<br />

da lesão. Estas contraturas geralmente se formam<br />

nas articulações MCF, IFP e IFD (DUTTON,<br />

2006; ROSSI, 2006).<br />

Basicamente três componentes da aponeurose<br />

palmar estão envolvidos na contratura que<br />

são as bandas pré-tendíneas, o ligamento natatório<br />

e ligamento transverso superficial. Esses<br />

três componentes podem estar acometidos sozinhos<br />

ou combinados, dependendo do estado<br />

de severidade da doença (GOMES, et al, 2006).<br />

FREITAS (2005) descreve que em uma fáscia<br />

palmar normal as estruturas seriam denominadas<br />

de bandas e que, quando espessadas na CD, passariam<br />

a ser denominadas de cordas, tais como a<br />

natatória, espiral, lateral, central e a retrovascular,<br />

sendo cada uma destas estruturas responsável pela<br />

contratura de uma determinada articulação. Lembrando<br />

que em alguns casos, o polegar também<br />

pode ser acometido pela doença.<br />

Acredita-se que sua etiologia seja multifatorial<br />

cuja maior incidência ocorre em homens<br />

(10:1), brancos, entre 5 a e a 7 a década de vida.<br />

Acomete frequentemente a mão dominante,<br />

sendo comum a bilateralidade e, neste caso, a<br />

deformidade é mais importante na mão dominante.<br />

Estudos revelam ser uma doença hereditária,<br />

autossômica dominante, contudo, existe<br />

alta incidência em indivíduos epiléticos, alcoólatras,<br />

diabéticos e também acamados por longo<br />

período, permanecendo, portanto, sua etiologia<br />

um pouco obscura (DIB, 2008).<br />

Entretanto, três teorias merecem ser mencionadas<br />

como possíveis causas para o desenvolvimento<br />

da doença. São elas: (i) a teoria intrínseca,<br />

que afirma que a enfermidade tem sua<br />

origem em segmentos bem definidos da aponeurose<br />

normal preexistente; (ii) a teoria extrínseca,<br />

que descreve que a metaplasia do tecido<br />

fibroadiposo seria a causa da CD; (iii) e a teoria<br />

histoquímica que estabelece a adiposidade palmar<br />

como sítio de origem da enfermidade, sendo<br />

que alterações na composição e distribuição<br />

de ácidos graxos levariam à hipóxia na pele e<br />

96<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 95-99, jun. 2010


tecido adiposo dos indivíduos acometidos (BAR-<br />

ROS; BARROS; ALMEIDA, 1997).<br />

Dutton (2006) descreve uma classificação<br />

da doença em três estágios biológicos. O primeiro<br />

que seria o estagio proliferativo caracterizado<br />

pela proliferação intensa de miofibroblastos e<br />

pela formação de nódulos. O segundo estágio,<br />

involucional, é representado pelo alinhamento<br />

dos miofibroblastos junto às linhas de tensão.<br />

Nessa fase, pode-se observar a retração dos nódulos,<br />

adquirindo uma consistência mais firme<br />

e aderida, assim como o aparecimento de cordas<br />

lineares, que caracteriza a doença. E o terceiro<br />

e último estágio, residual, o tecido se torna<br />

na maior parte acelular e destituído de miofibroblastos,<br />

permanecendo somente bandas espessas<br />

de colágenos.<br />

O diagnóstico da CD é essencialmente clínico,<br />

tendo, na fase inicial, a presença de depressões<br />

e/ou invaginações da pele palmar, progredindo<br />

para nodulações maiores localizadas na prega<br />

palmar distal, mais frequentemente em direção<br />

ao dedo anular. Posteriormente, o aparecimento<br />

das cordas lineares que seguem o trajeto<br />

longitudinal em direção aos dedos, e o encurtamento<br />

dessas cordas é o que irá caracterizar a<br />

doença (ARAÚJO; BARROSO; AQUINO, 2000).<br />

Quanto ao tratamento, Schroder (2007,<br />

apud Sayegh e Lopes, 2009), relata que a intervenção<br />

cirúrgica é, nos dias atuais, a única terapia<br />

de sucesso para CD e que no tratamento conservador,<br />

no qual foram utilizados vários procedimentos<br />

terapêutico, com o decorrer do tempo,<br />

os resultados esperados não ocorreram de<br />

forma satisfatória. Divergindo deste posicionamento,<br />

Sayegh e Lopes (2009) em um estudo<br />

feito com paciente com diagnóstico CD mostraram<br />

resultados consideráveis ao término do tratamento,<br />

demonstrando os benefícios que a fisioterapia<br />

tem a propor, na qual foram utilizadas<br />

técnicas de deslizamento miofascial, ultrassom,<br />

exercícios de alongamentos, dentre outros.<br />

Nesta mesma linha de pensamento, Dutton<br />

(2006) cita que as intervenções conservadoras<br />

não provaram ainda ser clinicamente úteis<br />

ou de qualquer valor a longo prazo no tratamento<br />

das contraturas estabelecidas, o que não foi<br />

confirmado no estudo de Sayegh e Lopes (2009),<br />

no qual a curto prazo foram obtidos resultados<br />

satisfatórios com melhora considerável na ADM<br />

da articulação MCF do 4º dedo, diminuindo de<br />

16º em flexão para 4º em flexão. Para a determinação<br />

do plano terapêutico, é importante esclarecer<br />

o estágio em que se encontra a doença.<br />

Dentre os procedimentos conservadores mais<br />

utilizados no campo da fisioterapia tem-se a imobilização,<br />

o ultrassom terapêutico e a cinesioterapia<br />

(SAYEGH & LOPES, 2009).<br />

Os casos mais leves da CD são tratados conservadoramente,<br />

na tentativa de evitar contraturas<br />

articulares secundárias, por meio de exercícios<br />

de extensão forçada e aumento da extensibilidade<br />

da fáscia através do uso de correntes<br />

ultrassônicas ou outra modalidade de calor profundo.<br />

O uso do ultrassom tem se verificado eficiente<br />

no tratamento conservador da CD, aliviando<br />

a dor e diminuindo a retração cicatricial.<br />

Outra técnica fisioterapêutica que tem se mostrado<br />

eficaz é o uso do banho de parafina no segmento<br />

acometido (GOMES, et al, 2006).<br />

Silva, Fernandes e Fridman (1999) afirmam<br />

que as opções conservadoras devem ser reservadas<br />

para casos em que a doença se apresenta<br />

no estágio dito “nodular”. Desde que a cirurgia<br />

tem sido considerada como o único método realmente<br />

eficaz no controle dessa patologia,<br />

muito se tem investigado quanto às técnicas cirúrgicas.<br />

A primeira delas iniciou-se pelo relaxamento<br />

da fáscia contraturada (DUPUYTREN,<br />

1834), seguida pela fasciectomia (FERGUSSON,<br />

1846), pela dermofasciectomia com enxerto de<br />

pele (LEXER, 1931), pela fasciectomia com preservação<br />

da pele (SKOOG, 1967), pela fasciectomia<br />

regional (HAMLIN, 1952 e HUESTON, 1961),<br />

pela técnica da palma aberta (McCash 1964), pela<br />

fasciotomia limitada (COLVILLE, 1968), pela aponeurectomia<br />

segmentar (MOERMANS, 1986) e<br />

pela fasciotomia percutânea.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 95-99, jun. 2010<br />

97


Barros, Barros e Almeida (1997) definem as<br />

indicações de cirurgia segundo os estágios da<br />

enfermidade, que são: a contratura em flexão<br />

da MCF e” 30º; contratura em flexão da IFP e”<br />

20º; e contratura da membrana interdigital, particularmente<br />

entre o indicador e o polegar.<br />

Já Xhardez (2001) estima que a intervenção<br />

cirúrgica se faz necessária quando se aplica o<br />

teste de Hueston, o qual coloca a mão afetada<br />

sobre a mesa, e observa que a palma não toca na<br />

mesma. Quanto ao tratamento pós-operatório<br />

(PO) Freitas (2005) afirma que o propósito mais<br />

importante é melhorar ou restaurar a função<br />

máxima da mão. A reabilitação visa manter a<br />

extensão completa dos dedos, reobter a flexão,<br />

controlar o edema e a cicatriz, restaurar a força e<br />

prevenir complicações pós-operatórias.<br />

Para a reabilitação PO são realizados exercícios<br />

ativos ao longo de toda a amplitude articular.<br />

Esses devem ser iniciados, se possível, no<br />

primeiro dia de PO. Todos os movimentos de<br />

polegar, dedos e punho são realizados regularmente<br />

e modificados até a obtenção de toda a<br />

amplitude articular. Podem ser utilizadas talas,<br />

uso de órteses para posicionamento de extensão<br />

dos dedos, em conjunto com um programa<br />

cinesioterápico (GOMES, et al, 2006).<br />

Quanto ao programa de exercícios que podem<br />

ser aplicados, Freitas (2005) cita alguns destes,<br />

que inclui exercícios de extensão e flexão para<br />

cada articulação (MCF, IFP e IFD); exercícios de<br />

abdução e adução dos dedos: oposição do polegar<br />

a cada dedo, e exercícios de ADM para o punho<br />

e o polegar. Exercícios com hand-helper, digiflex,<br />

ou mesmo exercícios de flexão e extensão<br />

com massinhas são usadas, com o terapeuta tendo<br />

sempre o cuidado de equilibrar exercícios de<br />

flexão e extensão para prevenir perda de extensão.<br />

Exercícios que visam atividades funcionais<br />

são introduzidos desde o início do tratamento<br />

para estimular o uso da mão. Inicia-se com atividades<br />

mais suaves, como segurar cones e bolinhas,<br />

e progride para atividades mais complexas,<br />

como macracrê, entre outros. Algumas atividades<br />

podem parecer ridículas ao paciente, se ele desconhecer<br />

o seu propósito.<br />

Cabe ao terapeuta, portanto, tornar explícito<br />

o propósito para que a atividade seja significativa.<br />

Como dizia Trombly, “a melhor atividade<br />

é aquela que exige intrinsecamente o movimento<br />

exato em que se determina a necessidade<br />

da melhora”. Com essas atividades, são estimulados<br />

movimentos coordenados que irão auxiliar<br />

na recuperação da ADMs, força e da função<br />

manual. Com o decorrer do tratamento, as atividades<br />

são gradativamente substituídas pelas tarefas<br />

do dia a dia (FREITAS, 2005).<br />

5 CONCLUSÃO<br />

A contratura de Dupuytren é uma doença de<br />

caráter fibro-proliferativo da fáscia palmar que<br />

acomete a maior parte da população masculina<br />

com mais de 50 anos e com histórico de alcoolismo<br />

crônico, epilepsia e diabete. Considera-se que<br />

a intervenção cirúrgica ainda é o procedimento<br />

mais eficaz na maior parte dos casos da contratura,<br />

e que resultados mostram que uma reabilitação<br />

pós-operatória bem sucedida tem se mostrado<br />

eficiente na recuperação do indivíduo.<br />

Baseado na revisão realizada, observou-se<br />

que há uma extensa escassez na literatura de<br />

estudos que retratam a atuação da fisioterapia<br />

na CD, e que necessita de estudos mais aprofundados<br />

para melhores esclarecimentos sobre a<br />

etiologia da doença.<br />

98<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 95-99, jun. 2010


REFERÊNCIAS<br />

AGNE, J.E.; Eletrotermoterapia:<br />

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NÓVAK, E.M.; WERNECK, L.C. Doenças de Dupuytren<br />

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reeducação funcional: técnicas, patologia e indicações<br />

de tratamento. São Paulo: Andrei, 2001.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 95-99, jun. 2010<br />

99


100


ABORDAGEM HIDROTERAPÊUTICA NA<br />

ARTROPLASTIA <strong>DE</strong> QUADRIL<br />

Camille Yoldi dos Reis*<br />

Profª. Msc. Ediléa Monteiro de Oliveira**<br />

R E S U M O<br />

A artroplastia é uma cirurgia que tem o objetivo de substituição articular. Pode ser realizada<br />

em várias articulações, sendo mais comum nas regiões do ombro, quadril, joelho e metacarpofalangianas.<br />

É um recurso empregado para a melhoria da qualidade de vida de pacientes<br />

que sofrem de dores incapacitantes e perda da função da articulação acometida. Ainda assim,<br />

faz-se necessária a atuação da fisioterapia para melhora da dor e recuperação da função, no<br />

que diz respeito à marcha e fortalecimento muscular dos indivíduos que se submetem a essa<br />

intervenção cirúrgica.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Artroplastia. Hidroterapia. Idosos.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Tornar-se velho é um processo fisiológico<br />

com características específicas, diferentes de<br />

quaisquer outras apresentadas nas diversas etapas<br />

da vida dos seres humanos. Por conta disso,<br />

é importante estar atento a conceitos que diferenciem<br />

o envelhecimento fisiológico (senescência)<br />

do patológico (senilidade), já que sem o<br />

conhecimento aprofundado ou a devida experiência<br />

no que tange ao tratamento com idosos,<br />

fica cada vez mais fácil confundir doença e velhice<br />

(ROSSI, 2008).<br />

A senescência está intimamente ligada a<br />

mudanças físicas que ocorrem de forma diferente<br />

em cada indivíduo. Nas articulações, há diminuição<br />

do poder de agregação dos proteoglicanos,<br />

diminuição da resistência mecânica das cartilagens<br />

além da desidratação e do aumento da<br />

afinidade do colágeno pelos íons de cálcio; no<br />

tecido ósseo, ocorre a osteopenia fisiológica,<br />

que é a perda progressiva e absoluta da massa<br />

óssea. Esse fato passa a acontecer após os 35<br />

anos, pois nessa idade há o pico de massa óssea<br />

e a estabilização seguida de reabsorção e diminuição<br />

do tecido ósseo, o que sofre agravamento<br />

após a quinta década de vida (FREITAS, 2006).<br />

A senilidade faz alusão à qualidade de vida,<br />

hábitos pouco saudáveis e a genética desfavorável,<br />

levando ao aparecimento de diversas patologias.<br />

Considerando ainda o sistema osteoarticular,<br />

sabe-se que este é acometido, principalmente,<br />

por artrite, artrose, fraturas e osteoporose.<br />

Com o avançar da idade e o agravamento<br />

das doenças, a melhora da dor incapacitante<br />

apenas com o tratamento conservador torna-se<br />

inviável, sendo por vezes necessário intervenções<br />

cirúrgicas, como debridamentos articulares<br />

ou osteotomias e artroplastias (LIANZA, 2001;<br />

ROSSI, 2008; MESTRINER; LAREDO FILHO, 1993).<br />

* Acadêmica do 7° semestre do curso de Fisioterapia e exmonitora<br />

das disciplinas: Bioquímica Aplicada à Fisioterapia<br />

e Farmacodinâmica.<br />

**Fisioterapeuta, professora de Prática Supervisionada na<br />

área de Fisioterapia Comunitária e subárea de Geriatria.<br />

101<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 101-104, jun. 2010


2 OBJETIVOS<br />

Revisar na literatura dados relevantes acerca<br />

da artroplastia de quadril e suas indicações,<br />

enfatizando o papel da fisioterapia através dos<br />

recursos da hidroterapia (crioterapia e exercícios<br />

aquáticos terapêuticos) durante o tratamento.<br />

3 METODOLOGIA<br />

Esse estudo foi realizado através da pesquisa<br />

de dados bibliográficos na Biblioteca da<br />

Universidade da Amazônia, banco de dados Scielo,<br />

PEDro, Google Acadêmico, LILACS, Bireme e<br />

livros de acervo pessoal, no período de 15 a 18<br />

de março de 2010.<br />

4 REFERENCIAL TEÓRICO<br />

A artroplastia é uma cirurgia para substituição<br />

articular total ou parcial, muito utilizada como<br />

recurso extremo para a melhoria da qualidade de<br />

vida de pacientes que sofrem de dores incapacitantes,<br />

sendo indicada principalmente, nos casos<br />

de osteoartrose, osteoartrite, artrite reumatóide<br />

e fraturas complexas (PORTER, 2005).<br />

Segundo Lianza (2001), as artroplastias mais<br />

utilizadas são nas articulações do quadril, joelho,<br />

ombro e metacarpofalangianas. Rondinelli et al.<br />

(1993), cita em seu artigo, a existência de dois<br />

tipos de próteses utilizadas na artroplastia de<br />

quadril, a cimentada e a não cimentada. A primeira,<br />

mantém o melhor contato articular, contribuindo<br />

com o fator mecânico e apresentando<br />

melhor fixação, já que o cimento preenche irregularidades.<br />

Porém, tem como fator controverso<br />

o aumento da perda óssea. A segunda promove a<br />

fixação biológica, sem danos para o paciente.<br />

Na artroplastia de joelho, a prótese condilar<br />

total com estabilização posterior foi a que<br />

apresentou melhor resultado nos quesitos prevenção<br />

de luxação anterior, grau de flexão de<br />

joelho e maior habilidade na transferência de<br />

peso, na bipedestação e ao levantar-se de uma<br />

cadeira (MESTRINER; LAREDO FILHO, 1993).<br />

No que diz respeito à coluna, Vialle, Vialle<br />

e Bley Filho (2008) relatam que, apesar de pouco<br />

estudada, a artroplastia da coluna lombar<br />

vem sendo bastante utilizada nas enfermidades<br />

de degeneração discal, obtendo mais de<br />

80% no índice de satisfação. No entanto o grupo<br />

que apresenta melhor prognóstico pós-cirúrgico<br />

é o dos jovens, com problemas em apenas<br />

um nível da coluna, sem herniações ou doença<br />

facetária.<br />

É importante atentar aos fatores de risco<br />

existentes na artroplastia em qualquer segmento<br />

corporal. Infecções e soltura dos componentes<br />

protéticos devem ser consideradas, além da<br />

idade, o prognóstico, a expectativa de vida e as<br />

condições de retorno ás atividades de vida diária<br />

de cada paciente, para que o processo de reabilitação<br />

pós-cirúrgico seja o mais proveitoso<br />

possível (LIANZA, 2001).<br />

Um recurso muito empregado é a hidroterapia,<br />

que utiliza os efeitos físicos e fisiológicos<br />

proporcionados pela imersão do corpo na água<br />

aquecida ou em seu estado sólido (gelo), o que<br />

auxilia na execução do movimento e na melhora<br />

das alterações funcionais (CAN<strong>DE</strong>LORO; CA-<br />

ROMANO, 2007).<br />

No processo de reabilitação, a crioterapia<br />

pode ser utilizada na fase aguda, até dez dias no<br />

pós-cirúrgico, visto que seus efeitos de vasoconstrição<br />

diminuem a temperatura e o metabolismo<br />

local, influenciando no desaparecimento<br />

dos sinais flogísticos (calor, rubor, edema, dor<br />

e limitação funcional), proporcionando analgesia<br />

(AGNE, 2005).<br />

Essa terapêutica pode ser aplicada através<br />

de massagem com cubos de gelo, bolsa de gelo,<br />

almofadas frias, imersão na água gelada ou em<br />

gelo picado, spray e jato de ar frio, variando seu<br />

tempo de aplicação dependendo da sensibilidade,<br />

da área aplicada e da técnica utilizada. As contraindicações<br />

estão relacionadas com alterações<br />

de sensibilidade, diminuição da vascularização<br />

periférica e soluções de continuidade na pele<br />

(AGNE, 2005; ISERHARD; WEISSHEIMER, 1993).<br />

102<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 101-104, jun. 2010


Na fase crônica, os pacientes podem iniciar<br />

a hidroterapia utilizando os efeitos fisiológicos<br />

proporcionados pela água, como manutenção e<br />

melhora da amplitude de movimento articular,<br />

redução da tensão muscular, relaxamento e diminuição<br />

da compressão e do impacto causado<br />

nas articulações e diminuição da dor e da rigidez,<br />

proporcionando maior liberdade na execução<br />

de exercícios (RUOTI; MORRIS; COLE, 2000).<br />

No período de 10 a 14 dias após a cirurgia<br />

deve-se lançar mão de equipamentos flutuadores<br />

até três semanas do pós-cirúrgico. Após essa<br />

etapa, serão iniciados exercícios que diminuem<br />

a dor, espasmo muscular, edema e propriocepção,<br />

além de estimular o aumento da amplitude<br />

de movimentos e o fortalecimento dos músculos<br />

do quadril e perna, para corrigir anormalidades<br />

da marcha, já que dentro dágua, o indivíduo<br />

pode superar completamente as forças gravitacionais<br />

(BATES; HANSON, 1998).<br />

5 DISCUSSÃO<br />

Melo et al. (2003) demonstraram em seus<br />

estudos que na artroplastia de quadril, apesar<br />

de ser uma intervenção para alívio da dor e aumento<br />

da mobilidade, ainda nota-se alterações<br />

na marcha após a cirurgia, por isso faz-se necessária<br />

a intervenção fisioterapêutica nas fases<br />

aguda e crônica do processo de reabilitação para<br />

prevenir e corrigir possíveis deformidades.<br />

A fisioterapia deve ser iniciada no primeiro<br />

dia após a cirurgia, com elevação de membro e<br />

analgesia com crioterapia através de bolsa de<br />

gelo e almofadas frias, com aplicação de 15 a 20<br />

minutos sobre o local, em intervalos de 40 minutos<br />

entre as aplicações, durante um período<br />

de, no mínimo, 72 horas. Outro fator importante<br />

é a proteção da pele com uma toalha úmida,<br />

entre a pele e a almofada, e posteriormente cobrir<br />

tudo com plástico e toalhas secas para prolongar<br />

o resfriamento (AGNE, 2005).<br />

Segundo Porter (2005), reduzir a temperatura<br />

tecidual para 14°C alivia os sintomas<br />

inflamatórios através da liberação diminuída<br />

de algumas citocinas (interferon-gama e fator<br />

de necrose tumoral); promove a diminuição<br />

da dor através da inibição dos neurônios<br />

vertebrais e diminui também as demandas<br />

metabólicas, fator que limita os efeitos hipóxicos<br />

da vasoconstrição e do edema.<br />

Na hidroterapia, o uso da água aquecida<br />

deve ser entre 30° a 34°C para diminuir a tensão<br />

e as dores musculares, além de promover<br />

relaxamento global do paciente (KOURY, 2000).<br />

Segundo Ruoti, Morris e Cole (2000), a terapia<br />

com água, deve ser iniciada após a cicatrização<br />

da incisão cirúrgica, para evitar contaminação<br />

na exposição da ferida aberta.<br />

Com a imersão do corpo na água, ocorre<br />

um bloqueio dos estímulos sensoriais ligados<br />

aos estímulos dolorosos, o que leva à<br />

diminuição da dor. O fortalecimento muscular<br />

é promovido através da propriedade de<br />

viscosidade da água, e a diminuição do edema<br />

ocorre pelo efeito da pressão hidrostática<br />

sobre a articulação (CAN<strong>DE</strong>LORO; CAROMA-<br />

NO, 2004).<br />

6 CONCLUSÃO<br />

É importante conhecer a prática geriátrica<br />

e os conceitos que a norteiam, para saber<br />

distinguir velhice de doença, e perceber que<br />

é importante ter uma vida de qualidade para<br />

um envelhecimento bom e saudável.<br />

A artroplastia é um tratamento cirúrgico,<br />

bastante utilizado, mas, para uma recuperação<br />

efetiva da região acometida, deve haver a intervenção<br />

do tratamento conservador com a hidroterapia<br />

através da crioterapia e dos exercícios<br />

aquáticos, objetivando analgesia e recuperação<br />

da função perdida ou diminuída e melhoria da<br />

qualidade de vida do paciente.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 101-104, jun. 2010<br />

103


REFERÊNCIAS<br />

AGNE, Jones. Eletrotermoterapia: teoria e prática.<br />

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1993. Disponível em: http://www.rbo.org.br/pdf/<br />

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Revista Coluna, 2008. Disponível em: http://<br />

www.coluna.com.br/revistacoluna/volume7/<br />

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104<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 101-104, jun. 2010


ATUAÇÃO DA FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DA<br />

ARTROGRIPOSE MÚLTIPLA CONGÊNITA: revisão da literatura 1<br />

Yuri Fonseca Lelis*<br />

R E S U M O<br />

A artrogripose múltipla congênita (AMC) é uma síndrome complexa caracterizada por contraturas<br />

de várias articulações presentes ao nascimento, com graus variados de fibrose e encurtamento<br />

dos músculos afetados e espessamento de cápsulas periarticulares e dos tecidos ligamentares.<br />

Objetivo: Realizar uma revisão de literatura sobre os diversos aspectos da Artrogripose<br />

Múltipla Congênita, destacando a atuação da fisioterapia nesta síndrome. Conclusões: É<br />

de extrema importância o conhecimento das características da síndrome, assim como o seu<br />

diagnóstico e tratamento precoce através da fisioterapia, para que o prognóstico seja, dentro<br />

do possível, o melhor, propiciando ao paciente boa qualidade de vida.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Artrogripose Múltipla Congênita. Tratamento Fisioterapêutico. Tratamento<br />

Clínico.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A artrogripose múltipla congênita é uma<br />

síndrome rara que constitui um grupo heterogêneo<br />

de malformações congênitas de caráter estacionário<br />

e etiologia desconhecida, provavelmente<br />

multifatorial, caracterizada principalmente<br />

por severas contraturas articulares (TE-<br />

CKLIN, 2002). A adequada movimentação intrauterina<br />

é essencial para a perfeita formação das<br />

articulações fetais, o que ocorre durante o terceiro<br />

mês gestacional. Qualquer alteração que<br />

limite os movimentos do concepto durante este<br />

período crítico do desenvolvimento poderá levar<br />

à instalação das contraturas congênitas. O<br />

processo deve iniciar-se precocemente, uma vez<br />

que os espaços articulares estão quase completos<br />

na oitava semana gestacional.<br />

A síndrome foi descrita pela primeira vez<br />

por Otto, em 1841, que definiu uma criança com<br />

múltiplas contraturas congênitas, onde acredi-<br />

tava que o processo patológico era devido a uma<br />

miodistrofia congênita e somente em 1923, Stern<br />

denominou de “artrogripose múltipla congênita”.<br />

De acordo com Richards 2002, o nome é derivado<br />

do grego artrogriposis: articulação encurvada,<br />

torta ou em gancho.<br />

A doença é pouco comum, e, numa estatística<br />

realizada em Helsinque, obteve-se uma incidência<br />

de 3 para 10.000 nascimentos, podendo<br />

esse valor ser mais elevado em países menos<br />

desenvolvidos (TACHDJIAN, 2001).<br />

A fisioterapia motora é muito importante<br />

no tratamento da artrogripose, já que esta não<br />

atua apenas no campo das deformidades, mas<br />

* Acadêmico do curso de Fisioterapia, ex-monitor das<br />

disciplinas Fisiot. nas Enf. e Dist. Osteo-Articulares e<br />

Geriátricos, e atualmente monitor das disciplinas<br />

Fisioterapia nas Enf. e Dist. do Sistema Nervoso e<br />

Fisioterapia nas Enf . e Dist. Infanto-Juvenil.<br />

1<br />

Artigo realizado sob orientação da docente Dayse Danielle<br />

de Oliveira Silva do curso de Fisioterapia, da disciplina<br />

Fisioterapia nas Enf . e Dist. Infanto-Juvenil.<br />

105<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 105-109, jun. 2010


também no desenvolvimento global do indivíduo,<br />

procurando sempre a funcionalidade dos<br />

movimentos. O tratamento cirúrgico, em casos<br />

mais graves, objetiva manter as extremidades<br />

em posição funcional e uma maior amplitude de<br />

movimentos articulares (MURRAY, 1997).<br />

2 OBJETIVO<br />

Realizar uma revisão de literatura sobre os<br />

diversos aspectos da artrogripose múltipla congênita,<br />

destacando a atuação da fisioterapia nessa<br />

síndrome.<br />

3 REVISÃO DA LITERATURA<br />

3.1 ARTROGRIPOSE MÚLTIPLA CONGÊNITA<br />

A artrogripose constitui um grupo heterogêneo<br />

de malformação congênita de caráter estacionário.<br />

O recém-nascido apresenta deformidades<br />

múltiplas, rigidez de articulações e contratura<br />

dos tecidos moles (CARVALHO, 2008).<br />

A classificação de AMC mais conhecida é<br />

adotada por Hall (1985), na qual se encontra dividida<br />

em três tipos diferentes, a saber: tipo 1:<br />

contraturas articulares com acometimento apenas<br />

dos membros, sem outras anormalidades;<br />

tipo 2: contraturas articulares com acometimentos<br />

dos membros e outros órgãos; e tipo 3: contraturas<br />

articulares com acometimento dos<br />

membros e sistema nervoso.<br />

O quadro varia de um caso para outro; os<br />

quatro membros podem estar afetados, apresentando<br />

o lactente, pés equino-varos, joelhos em<br />

flexão ou em extensão, luxação dos quadris, coxas<br />

fletidas em abdução ou em adução, mão em<br />

garra ou cerradas, cotovelos em flexão ou extensão<br />

de ombros em adução. As articulações são<br />

mantidas fixas nessas posições (SHEPHERD, 1996).<br />

A rigidez das articulações é de origem extra-articular,<br />

sendo devida ao encurtamento dos<br />

músculos e à contratura das cápsulas articulares.<br />

Observam-se espaçamentos e perda da elasticidade<br />

das cápsulas articulares. As deformidades<br />

são atribuídas à falta de desenvolvimento<br />

dos músculos, à substituição deles por tecido fibroso<br />

e ao desequilíbrio muscular intrauterino<br />

(SAMEKOVA, 2006).<br />

3.2 ETIOLOGIA<br />

A maioria dos autores concorda que a causa<br />

da artrogripose múltipla congênita é desconhecida,<br />

estando, porém associada a diversos fatores<br />

(CARVALHO, 1996). A patogênese da<br />

síndrome pode ser determinada por fatores intrínsicos,<br />

ou seja, do próprio embrião (alterações<br />

neuropáticas, miopáticas), ou ainda extrínsecos<br />

(oligoidrâmnios ou outras anormalidades uterinas<br />

que causariam a diminuição do movimento<br />

fetal). Exposição materna a drogas, hipertermia,<br />

infecções virais específicas, agentes bloqueadores<br />

neuromusculares ou imobilização. A mecânica<br />

do abdômen materno também é apontada<br />

como fator etiológico (BRUSCHINI, 1998). Infecções<br />

virais maternas no primeiro trimestre de<br />

gestação, assim como comprometimento vascular<br />

entre mãe e feto, um septo no útero ou menos<br />

líquido amniótico, ocasionando menos espaço<br />

para o feto, são causas que devem ser consideradas<br />

(RATLIFFE, 2000). É importante<br />

lembrar que a principal causa das contraturas<br />

articulares congênitas é a diminuição dos movimentos<br />

fetais sendo as suas principais causas às<br />

neuropatias, miopatias, anormalidades do tecido<br />

conectivo, espaço limitado no útero e doenças<br />

maternas (HALL, 1997).<br />

3.4 QUADRO CLÍNICO<br />

A apresentação clínica é típica, existem contraturas<br />

articulares, geralmente simétricas dos<br />

quatro membros os quais parecem atróficos e<br />

têm formato fusiforme ou cilíndrico (HO, 2008).<br />

O recém-nascido apresenta deformidades múltiplas,<br />

rigidez de articulações e contraturas de<br />

106<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 105-109, jun. 2010


tecidos moles. Parece à primeira vista que as<br />

articulações estão comprometidas, porém não<br />

existe anquilose óssea (SALTER, 2001).<br />

As articulações são rígidas e deformadas,<br />

a pele é fina, lisa, tem pouca sudorese, o tecido<br />

subcutâneo é escasso. Os músculos são fracos e<br />

atróficos, sendo que a sensibilidade e propriocepção<br />

são normais (BRUSCHINI, 1998).<br />

A rigidez das articulações é de origem extra-articular<br />

sendo devida ao encurtamento dos<br />

músculos e às contraturadas cápsulas articulares.<br />

Observam-se espessamento e perda da elasticidade<br />

das cápsulas articulares (FENI-<br />

CHEL,1995).<br />

Os membros afetados são pequenos em circunferência;<br />

ao contrário, as articulações parecem<br />

largas e fusiformes, os músculos são fracos,<br />

hipotônicos e finos, frequentemente não palpáveis<br />

e os reflexos tendinosos estão ausentes<br />

(HALL, 1997).<br />

Frequentemente essas crianças têm inteligência<br />

acima da média. A despeito de suas deformidades,<br />

elas são capazes de deambular e é<br />

surpreendente como elas desenvolvem um grau<br />

funcional de destreza no desempenho de atividades<br />

diárias como a autoalimentação e vestirse<br />

(BRUSCHINI, 1998).<br />

Aproximadamente 40% dos pacientes têm<br />

acometimento dos quatro membros, 20% predominantemente<br />

dos membros inferiores e 10%<br />

dos membros superiores. A maioria dos pacientes<br />

não apresenta anomalias viscerais, entretanto<br />

é reconhecida a associação entre artrogripose<br />

e gastroquise, atresia intestinal, alteração do<br />

trato urinário e malformações cardíacas (TECK-<br />

LIN, 2002).<br />

3.5 DIAGNÓSTICO<br />

Não há um exame laboratorial capaz de<br />

diagnosticar a AMC durante o pré-natal. Caso o<br />

médico suspeite de alguma anormalidade, a ultrassonografia<br />

pode ser válida para avaliar possíveis<br />

anomalias e os movimentos fetais. Nos<br />

primeiros seis meses de vida, o estudo imunológico<br />

pode ser útil para identificar infecção viral<br />

(RICHARDS, 2002).<br />

Posteriormente pode-se realizar um exame<br />

oftalmológico, analisando a retina. Este exame<br />

permitirá saber se houve um processo infeccioso<br />

durante a gestação. Os músculos foram<br />

embriologicamente formados normais, e depois,<br />

durante o desenvolvimento fetal, foram substituídos<br />

por tecido fibroso (SALTER, 2001).<br />

A biópsia muscular, no caso dessa patologia,<br />

será, de acordo com o músculo em questão.<br />

Análises histológicas poderão revelar se os músculos<br />

estarão ou não normais. Estes poderão<br />

apresentar acúmulo de tecido fibroso, mas poderão<br />

estar normalmente inervados (SAMEKO-<br />

VA, 2006).<br />

Através do exame eletromiográfico podese<br />

detectar que, em músculos diferentes de um<br />

mesmo paciente, há alterações de origem miopática<br />

e neuropática (ALENCAR, 1998).<br />

3.6 TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO<br />

A fisioterapia consiste em alongar os tecidos<br />

moles rígido, em mobilizar as articulações<br />

delicadamente, em incentivar os movimentos<br />

ativos de tronco e membros e em ajudar esses<br />

pacientes a adquirir habilidade na realização de<br />

atos funcionais. Os entalamentos progressivos<br />

têm por finalidade manter as correções conseguidas.<br />

Este esquema de tratamento deve ser<br />

aplicado com a maior intensidade possível, sobretudo<br />

durante o primeiro ano de vida, mas é<br />

provável que esses pacientes necessitem de tratamento<br />

e apoio pelo menos até atingirem a idade<br />

adulta, recebendo em seguida ajuda quando<br />

for necessário (SHEPHERD, 1996).<br />

O posicionamento e os exercícios de alongamento<br />

passivo devem começar logo após o nascimento.<br />

O engessamento em série começa nos<br />

primeiros meses para a deformidade dos pés e<br />

para as contraturas em flexão do joelho e do punho.<br />

Deve-se tomar precaução para alongar ape-<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 105-109, jun. 2010<br />

107


nas até o final da amplitude e manter o alongamento<br />

com um gesso ou com uma órtese. O alongamento<br />

agressivo de uma articulação rígida pode<br />

resultar em dano à cápsula articular e aos tecidos<br />

moles periarticulares (TECKLIN, 2002).<br />

O pé equino-varo grave pode ser tratado com<br />

aparelhos de gesso aplicados em série sobre a face<br />

interna, os quais serão substituídos o quanto antes<br />

pela correção com ataduras, permitindo que os pais<br />

e o fisioterapeuta mobilizem o pé do paciente. Sempre<br />

que possível, recomenda-se evitar a imobilização<br />

rígida: a mobilização é fundamental. O decúbito<br />

ventral deve ser promovido mais precocemente<br />

possível, com a finalidade de alongar as estruturas<br />

da porção anterior dos quadris, e para manter a extensão<br />

dessa articulação após a cirurgia de correção<br />

da deformidade em flexão (SHEPHERD, 1996).<br />

3.7 TRATAMENTO CIRÚRGICO<br />

A maioria dos casos de AMC acaba necessitando<br />

de cirurgia reconstrutora, mas deve ser<br />

provavelmente adiada até se obter a maior mobilidade<br />

possível, graças à aplicação dos métodos<br />

conservadores. Operações frequentemente<br />

realizadas com a finalidade de reduzir a rigidez<br />

dos tecidos moles são a capsulotomia posterior<br />

da articulação do joelho e o alongamento<br />

do tendão-de-aquiles; a cirurgia de reconstrução<br />

esta frequentemente indicada na correção<br />

do pé equino-varo refratário ao tratamento conservador,<br />

assim como de outras deformidades<br />

dos membros. O tratamento da luxação do quadril<br />

consiste em tração, tenotomia dos adutores,<br />

descolamento do músculo psoas rígido e<br />

imobilização ou, se houver necessidade, em reposição<br />

da articulação coxofemoral, acompanhada<br />

pelo transplante do músculo iliopsoas, nos<br />

casos em que os extensores do quadril não funcionam<br />

(SHEPHERD, 1996).<br />

Via de regra, a cirurgia dos membros superiores<br />

é adiada até a época em que for possível<br />

avaliar as necessidades futuras do paciente,<br />

como a capacidade de alimentar-se sozinho. A<br />

criança cujos braços se mantêm em extensão<br />

precisa muitas vezes de cirurgia para conseguir<br />

o grau necessário de flexão e tornar-se capaz de<br />

levar as mãos até à boca (SHEPHERD, 1996).<br />

4 CONCLUSÃO<br />

A artrogripose é uma síndrome incapacitante,<br />

que necessita de cuidados e tratamento precoce,<br />

logo após o nascimento, sendo que os pacientes<br />

acometidos têm na fisioterapia um importante<br />

aliado no restabelecimento de seus<br />

movimentos. Porém, é de extrema importância<br />

o conhecimento das características da síndrome,<br />

assim como o seu diagnóstico e tratamento precoce<br />

através da fisioterapia, para que o prognóstico<br />

seja, dentro do possível, o melhor, propiciando<br />

ao paciente boa qualidade de vida.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ALENCAR, C. A. J.; LUCENA, F. E.; GONTEI, F. M.<br />

Diagnóstico Pré-Natal da Artrogripose Múltipla<br />

Congênita – Relato de Caso. Rev. Bras. Ginecol.<br />

Obstet. Rio de Janeiro, v.20, n.8, set. 1998.<br />

BRUSCHINI, S. Ortopedia pediátrica. 2.ed. São<br />

Paulo: Atheneu,1998.<br />

CARVALHO, E. S.; CARVALHO, W.B. Terapêutica e<br />

prática pediátrica. São Paulo: Atheneu, 1996.<br />

CARVALHO, R. L.; SANTOS, C. E. Efeito da imersão<br />

associada à cinesioterapia na artrogripose.<br />

Pensamento plural: Revista Científica do UNI-<br />

FAE, São João da Boa Vista, v.2, n.1, 2008.<br />

FENICHEL, G.M. Neurologia pediátrica: sinais e<br />

sintomas. 2.ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.<br />

HALL, J. G. Athrogryposis Multiplex Congênita:<br />

etilogy, genetics, diagnostic classification, and<br />

general aspects. Journal of Pediatric Orthopaedics.<br />

6(3), p.159-166, 1997.<br />

108<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 105-109, jun. 2010


HALL, J. G. Genetic aspects of arthrogryposis. Clin.<br />

Orthop. Relat. Res. (194), p. 54-9,1985.<br />

HO C.A.; KAROL L.A. The utility of knee releases in arthrogryposis.<br />

J. Pediatr. Orthop. v.28, n.3, p. 307-13, 2008.<br />

MURRAY, C, FIXSEN, J. A. Management of knee<br />

deformity in classical arthrogryposis multiplex<br />

congenita (amyoplasia congenita). J. Pediatr.<br />

Orthop. B. 6(3):186-91. 1997.<br />

RATLIFFE, T. K. Fisioterapia clínica pediátrica. São<br />

Paulo: Santos, 2000.<br />

RICHARDS, S. Atualização em conhecimentos ortopédicos:<br />

pediatria. São Paulo: Atheneu; 2002.<br />

SALTER, R.B. Distúrbios e lesões do sistema musculoesquelético.<br />

3. ed. Rio de Janeiro: Medsi, 2001.<br />

SAMEKOVA, H.; BIALLIK, V. M.; BILIAK, G. Arthogryposis<br />

Multiplex Congenita. Orto Traumatol<br />

Rehabil, v.28, n 8, p. 69-73, 2006.<br />

SHEPHERD, R.B. Fisioterapia em pediatria. 3.ed.<br />

São Paulo: Santos, 1996.<br />

TACHDJIAN, M. O. Ortopedia pediática: diagnóstico<br />

e tratamento. Rio de Janeiro: Revinter; 2001.<br />

TECKLIN, J. S. Fisioterapia pediátrica. 3. ed. Porto<br />

Alegre: Artmed; 2002.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 105-109, jun. 2010<br />

109


110


MORTE SÚBITA EM ATLETAS ESPORTISTAS:<br />

revisão da literatura 1<br />

Bruno Lobato Carneiro*<br />

Márcio Clementino de Souza Santos**<br />

R E S U M O<br />

A morte súbita relacionada ao esporte pode ser definida como a morte que ocorre de<br />

modo inesperado, instantaneamente ou não. Alguns autores definem mais especificamente<br />

como um evento fatal que ocorre abruptamente em indivíduos considerados previamente<br />

sadios em até 24 horas após o início dos sintomas.<br />

Objetivo: Revisar a literatura científica sobre as miocardiopatias que levam à morte súbita<br />

em atletas esportistas, enfatizando suas peculiaridades e medidas avaliativas adotadas para<br />

esses atletas. Metodologia: Estudo de revisão bibliográfica, desenvolvido na Biblioteca da<br />

Universidade da Amazônia – UNAMA, e na base virtual Pubmed e Scielo no período de janeiro<br />

a março de 2010. Conclusão: A morte súbita em atletas jovens é um evento raro. Este pode ser<br />

prevenido com a avaliação cardiológica adequada que antecede ao período de competição.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Morte súbita. Miocardiopatia hipertrófica. Anomalia da artéria coronariana.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A morte súbita relacionada ao esporte pode<br />

ser definida como a morte que ocorre de modo<br />

inesperado, instantaneamente ou não. Alguns<br />

autores definem mais especificamente como um<br />

evento fatal que ocorre abruptamente em indivíduos<br />

considerados previamente sadios em até<br />

24 horas após o início dos sintomas (BERGAMAS-<br />

CHI, 2007). O coração de atleta passa por adaptação<br />

reversível, estrutural e funcional do tecido<br />

miocárdico, provocado pelo longo e regular treinamento<br />

físico. O treinamento físico predominantemente<br />

aeróbico, quando intenso e prolongado,<br />

gera adaptações cardíacas tanto estruturais<br />

como funcionais. Este remodelamento cardíaco,<br />

conhecido como “coração de atleta”, representa<br />

uma adaptação benigna que inclui o<br />

aumento do volume das câmaras cardíacas ventriculares<br />

e espessamento da parede ventricu-<br />

lar. Dentre as causas de morte súbita em atletas,<br />

a cardiomiopatia hipertrófica representa a principal<br />

causa cardiovascular de morte (PETKOWI-<br />

CZ, 2004).<br />

O treinamento físico intenso realizado<br />

por atletas, visando à busca do melhor rendimento<br />

esportivo, expõe o coração a intensas<br />

sobrecargas ao longo de meses ou anos. Essa<br />

frequente exposição a sobrecargas resulta em<br />

alterações no automatismo cardíaco, como bradicardia<br />

de repouso e alteração de condução<br />

atrioventricular; despolarização e repolarização<br />

*<br />

Acadêmico do 8º semestre de Fisioterapia, monitor de<br />

Fisioterapia; nas Enfermidades e Distúrbios do Sistema<br />

Respiratório e Cardiovasculares.<br />

1<br />

Trabalho orientado pelo professor Msc. Márcio Clementino<br />

de Souza Santos.<br />

111<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 111-116, jun. 2010


ventricular. Os ajustes estruturais do coração<br />

também são marcantes, podendo levar a aumentos<br />

de até 85% na massa do ventrículo esquerdo.<br />

Apesar de essas alterações funcionais<br />

e estruturais serem devidamente documentadas,<br />

ainda são desconhecidos os seus limites<br />

de normalidade e suas consequências longo<br />

prazo (AZEVEDO et al, 2006).<br />

A importância do estudo dessas adaptações<br />

cardíacas está no fato de que as modificações,<br />

quando presentes, podem ser modestas<br />

em algumas pessoas, mas substanciais em<br />

outras, assemelhando-se a processos patológicos<br />

importantes e fatais e ocasionando dilema<br />

no diagnóstico. O falso diagnóstico de doença<br />

cardíaca em um atleta pode levá-lo a se<br />

retirar dos treinamentos com prejuízo em sua<br />

vida profissional ou até mesmo dos benefícios<br />

da atividade física. Entretanto, o diagnóstico<br />

do “coração de atleta”, quando na realidade<br />

há uma patologia cardíaca, pode significar<br />

morte súbita (SOUZA, 2005).<br />

2 OBJETIVO<br />

Revisar a literatura científica sobre as principais<br />

miocardiopatias que levam à morte súbita<br />

em atletas esportistas, sua fisiopatologia e<br />

seus sinais e sintomas, enfatizando suas peculiaridades<br />

e medidas avaliativas adotadas para<br />

esses atletas.<br />

3 MÉTODO<br />

Este estudo foi produzido através de um<br />

levantamento bibliográfico no período de janeiro<br />

a março de 2010 na Biblioteca da Universidade<br />

da Amazônia (UNAMA), bem como pesquisas<br />

realizadas na internet, através das bibliotecas<br />

virtuais: Pubmed e Scielo. Para tal pesquisa<br />

foram utilizados os seguintes descritores:<br />

coração do atleta, morte súbita e fisiologia<br />

cardíaca e do exercício.<br />

4 REVISÃO DA LITERATURA<br />

4.1 MORTE SÚBITA EM ATLETAS ESPORTISTAS<br />

A morte súbita é um evento trágico e com<br />

grande impacto, principalmente quando ocorre<br />

em pessoas jovens e atletas. A morte súbita relacionada<br />

ao exercício é considerada quando o evento<br />

fatal ocorre durante atividade física e até uma<br />

hora após o término (BERGAMASCHI, et al, 2007).<br />

Outra definição amplia o período após exercício,<br />

morte súbita relacionada com o exercício é<br />

o evento não traumático em indivíduos aparentemente<br />

saudáveis que ocorre 6 a 24 horas após<br />

o início dos sintomas ou até duas horas após o<br />

término da prática esportiva (PETKOWICZ, 2004).<br />

Deve-se acrescentar a esta definição mais<br />

um elemento; a morte deve ser provocada por<br />

algum transtorno no funcionamento normal do<br />

sistema cardiovascular, a fim de que sejam excluídos<br />

atletas que venham a falecer durante a<br />

prática de esportes com risco de vida intrínseco,<br />

como paraquedismo, alpinismo, automobilismo,<br />

entre outros (STEIN, 2001).<br />

4.2 EPI<strong>DE</strong>MIOLOGIA<br />

Em números absolutos, a incidência de<br />

morte súbita cardíaca relacionada ao esporte é<br />

de 0,75/100.000 para homens e de 0,13/100.000<br />

para mulheres, ou seja, é cerca de cinco vezes<br />

mais incidente no sexo masculino do que no sexo<br />

feminino. Isso provavelmente ocorre por existir<br />

um número total maior de homens participantes<br />

em esportes competitivos, por eles estarem<br />

geralmente expostos a uma carga em treino e<br />

em competições de intensidade maior, e por<br />

apresentaram uma taxa mais elevada de doenças<br />

congênitas do coração do que as mulheres<br />

(CORRADO, et al, 2006; DREZNER, et al, 2000).<br />

Algumas séries apontam o futebol e o basquete<br />

como os esportes que mais frequentemente<br />

acarretam casos de morte. Entretanto, outros<br />

112<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 111-116, jun. 2010


estudos sugerem que a morte súbita ocorre com<br />

mais frequência em maratonistas do que em praticantes<br />

de outras modalidades esportivas, sendo<br />

esta incidência estimada em 1/50.000 nesses<br />

corredores (SIEBRA e FEITOSA FILHO, 2008).<br />

4.3 FISIOPATOLOGIA<br />

Não se conhece muito a respeito da fisiopatologia<br />

da morte súbita em atletas, porém<br />

sabe-se que a taquiarritmia ventricular é o mecanismo<br />

responsável pela morte súbita em 80%<br />

dos casos, ficando os outros 20% a cargo da bradiarritmia<br />

e da assistolia. Esses mecanismos não<br />

ocorrem ao acaso, e sim em corações com processos<br />

patológicos subjacentes que resultem em<br />

hipertrofia, alterações estruturais de fibras cardíacas,<br />

fibrose ou necrose no miocárdio, com<br />

ressalva de deficiências nos canais iônicos que<br />

também podem desencadear arritmias ventriculares,<br />

mesmo em corações estruturalmente<br />

normais (SIEBRA e FEITOSA FILHO, 2008). Alguns<br />

desses fatores que podem agir em um miocárdio<br />

suscetível durante o exercício físico são: demanda<br />

miocárdica de oxigênio elevada e redução<br />

simultânea da diástole e do tempo de perfusão<br />

coronária (STEIN, 2001). Dentre os mecanismos<br />

fisiopatológicos envolvidos na morte<br />

súbita destacam-se a doença aterosclerótica, as<br />

valvopatias, a cardiopatia hipertrófica e as arritmias<br />

(TASK FORCE, 2002).<br />

Quando os ateromas estão localizados nas<br />

artérias coronárias ocorre diminuição do fluxo<br />

sanguíneo no músculo cardíaco, e diante de uma<br />

grande demanda, como nos exercícios intensos,<br />

leva aos quadros de isquemia, arritmias, desfibrilação<br />

ventricular e morte súbita. Existem também<br />

os casos que as placas de ateroma se desprendem<br />

do vaso e acabam obstruindo ramificações<br />

menores, impedindo parcialmente ou<br />

totalmente a irrigação sanguínea naquele local<br />

do miocárdio, levando à morte do tecido do local<br />

e, dependendo do grau, também levando ao<br />

óbito (THRALL, 2005).<br />

Existe também a cardiopatia hipertrófica, que<br />

se caracteriza por enfraquecimento do músculo cardíaco<br />

e uma incapacidade ventricular de bombear<br />

sangue suprindo as necessidades periféricas. Sua<br />

fisiopatologia é simples, onde o sangue é represado<br />

nas câmaras cardíacas e, consequentemente, diminui<br />

a irrigação dos tecidos periféricos. Quando a<br />

demanda de oxigênio para suprir o esforço físico é<br />

muito alta e o bombeamento de sangue não é suficiente,<br />

ocorre taquicardia, fadiga e dispnéia, promovendo<br />

assim, isquemia, arritmia, desfibrilação<br />

ventricular e a morte (MCKENNA, 2007).<br />

4.4 PRINCIPAIS FATORES QUE LEVAM À MORTE<br />

SÚBITA<br />

Miocardiopatia Hipertrófica: é uma doença cuja<br />

principal característica é a marcante hipertrofia concêntrica<br />

do ventrículo esquerdo, na ausência de alguma<br />

outra explicação fisiopatológica. Tal hipertrofia<br />

pode acometer, de forma assimétrica, o septo<br />

interventricular de um ventrículo esquerdo não dilatado.<br />

Logo, tende a não produzir disfunção ventricular<br />

sistólica, gerando, no entanto, disfunção diastólica<br />

em função da maior pressão de enchimento<br />

do ventrículo esquerdo (STEIN, 2001).<br />

Anomalia da Artéria Coronária: a anomalia<br />

coronariana mais frequentemente encontrada<br />

em casos de morte súbita em atletas é a artéria<br />

coronária esquerda anômala a partir do seio direito<br />

de Valsalva. Seu mecanismo mais provável<br />

de isquemia é a alteração da angulação da artéria<br />

coronária em sua origem ou compressão da artéria<br />

anômala entre a aorta e o tronco da artéria<br />

pulmonar durante o exercício (OLIVEIRA, 2005).<br />

Hipertrofia idiopática do ventrículo esquerdo<br />

(VE): é uma hipertrofia na qual, inexplicavelmente,<br />

o ventrículo esquerdo excede o tamanho<br />

normal de uma hipertrofia fisiológica do<br />

coração de um atleta. Diferentemente da cardiomiopatia<br />

hipertrófica, essa doença apresenta<br />

hipertrofia simétrica e concêntrica, não possui<br />

um caráter genético nem existe desarranjo miofibrilar<br />

no miocárdio.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 111-116, jun. 2010<br />

113


Tabela 1: Porcentagem das principais causas cardiovasculares<br />

na morte súbita em atletas.<br />

Cardiomiopatia hipertrófica 36%<br />

Anomalias da artéria coronária 17%<br />

Hipertrofia idiopática do VE 8%<br />

(SIEBRA E FEITOSA FILHO, 2008)<br />

As demais patologias ou desordens são relatadas<br />

como aterosclerose coronariana prematura,<br />

ruptura de aneurisma da aorta, displasia arritmogênica<br />

do ventrículo direito, miocardites,<br />

anemia falciforme, impactos na caixa torácica seguido<br />

de arritmias e, em especial, fibrilação ventricular,<br />

entre outras (OAKLEY e SHEFFIELD, 2001).<br />

4.5 SINAIS E SINTOMAS<br />

A maioria dos atletas esportistas não evolui<br />

com sintomas, muita das vezes esses indivíduos<br />

apresentam miocardiopatias que não se<br />

manifestam através de sintomas e acabam evoluindo<br />

ao óbito durante uma prática esportiva.<br />

Algumas manifestações que podem surgir são<br />

geralmente benignas, tais como tonturas, principalmente<br />

por desidratação ou hipotensão pósexercício;<br />

dor torácica, de possível origem músculo-esquelética<br />

por trauma resultante do contato<br />

físico entre os atletas ou por traqueítes; palpitações,<br />

por extrassístoles, muitas vezes relacionada<br />

ao consumo de café, álcool ou fumo; e<br />

falta de ar, decorrente geralmente de infecções<br />

respiratórias ou broncoespasmo induzido por<br />

exercício. Em mais de 50% dos casos, a parada<br />

cardíaca súbita ocorre sem sintomas prévios. Em<br />

alguns pacientes, podem ocorrer palpitações,<br />

falta de ar, desmaios prévios e tonturas, soprocardíaco,<br />

hipertensão arterial e dor torácica<br />

(OAKLEY e SHEFFIELD, 2001).<br />

4.6 AVALIAÇÃO CARDIOLÓGICA DO ATLETA<br />

As recomendações da American Heart<br />

Association, em relação à avaliação médica<br />

de atletas antes da prática esportiva incluem<br />

investigação dos antecedentes pessoais (sopros<br />

cardíacos, hipertensão arterial sistêmica,<br />

fadiga, síncope, dispnéia ou dor torácica<br />

relacionadas ao exercício), revisão dos antecedentes<br />

familiares (cardiopatias ou casos de<br />

morte súbita, principalmente antes dos 40<br />

anos de idade) e exame físico (MARON, et al,<br />

1996). Alguns autores consideram que uma<br />

avaliação cardiológica básica deve ser incluída<br />

no protocolo, sugerindo um eletrocardiograma<br />

de repouso de 12 derivações. O eletrocardiograma<br />

de 12 derivações aumenta a<br />

sensibilidade da avaliação na detecção de<br />

cardiomiopatia hipertrófica, anomalias coronarianas,<br />

Síndrome do QT-longo, entre outras<br />

(BORAITA, et al, 2000; CAVA, et al, 2004). Desta<br />

forma podem-se evitar alguns casos de<br />

morte súbita de causa cardiovascular em atletas<br />

(BERGAMASCHI, et al, 2007).<br />

O consenso europeu, fortemente influenciado<br />

pela experiência italiana, preconiza para<br />

atletas jovens a realização de anamnese, exame<br />

clínico e eletrocardiograma de repouso,<br />

como o mínimo indispensável. Desta forma,<br />

considerando os objetivos da avaliação préparticipação<br />

e a maior possibilidade de doenças<br />

cardiovasculares e metabólicas correlacionadas<br />

à faixa etária, a avaliação de um atleta<br />

master deve incluir obrigatoriamente anamnese,<br />

exame clínico, eletrocardiograma de repouso,<br />

ecocardiograma e teste ergométrico. A realização<br />

de exames laboratoriais, tais como hemograma,<br />

bioquímica e lipidograma, e uma telerradiografia<br />

de tórax pode ser altamente recomendável.<br />

Caso haja sintomas sugestivos de<br />

doença cardiovascular, alterações ao exame clínico<br />

ou nos exames diagnósticos iniciais, outros<br />

exames complementares poderão ser indicados<br />

(CASTRO, 2008; LAZZOLI, 2009).<br />

Pode ser realizado um estudo eletrofisiológico,<br />

o qual é um tipo de cateterismo cardíaco<br />

que utiliza eletrodos especiais ligados a polígrafos<br />

computadorizados que são colocados no inte-<br />

114<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 111-116, jun. 2010


ior das cavidades cardíacas, guiados por sofisticados<br />

equipamentos de raios-X. Este procedimento,<br />

por meio de estimulação elétrica programada,<br />

permite avaliar a formação e a condução normal<br />

e patológica do estímulo elétrico do coração.<br />

Há outros testes que podem ser realizados, como<br />

mencionado anteriormente nesses indivíduos que<br />

apresentam grande risco cardiovascular, como o<br />

teste ergométrico que é um exame complementar,<br />

que consiste em submeter o indivíduo a uma<br />

determinada modalidade de esforço físico graduado<br />

e monitorado com eletrocardiograma, objetivando<br />

aumentar sua demanda metabólica<br />

global e em especial a demanda metabólica do<br />

coração, podendo assim avaliar a função cardiovascular<br />

e a capacidade funcional do atleta nos<br />

esforços físicos, seus limites fisiológicos e sua<br />

evolução com a preparação física, além de conseguir<br />

diagnosticar algumas cardiopatias silenciosas,<br />

em especial a doença arterial coronária<br />

normais (SIEBRA e FEITOSA FILHO, 2008).<br />

4.7 CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />

A morte súbita em atletas jovens é um evento<br />

raro. Suas principais causas são as cardiovasculares<br />

(cardiomiopatia hipertrófica, anomalia<br />

da artéria coronária). A avaliação clínica de um<br />

atleta antes da participação esportiva pode contribuir<br />

para detectar alguns fatores de risco e,<br />

nestes casos, uma avaliação cardiológica mais<br />

completa se faz necessária. A prevenção da morte<br />

súbita em atletas jovens pode ser possível<br />

com uma adequada abordagem médica profissional<br />

nesses indivíduos.<br />

A completa segurança da saúde dos atletas<br />

consiste em periódica avaliação clínica pré-participação<br />

bem como de medidas emergenciais,<br />

principalmente em locais de competição, compostas<br />

por disponibilidade de profissionais de<br />

saúde aptos para a realização do suporte básico<br />

de vida e por meio de rápida comunicação para<br />

solicitação de suporte avançado de vida.<br />

REFERÊNCIAS<br />

AZEVEDO, Luciene Ferreira, BRUM, Patrícia<br />

Chakur, ROSEMBLAT, Dudley, PERLINGEIRO. Características<br />

cardíacas e metabólicas de corredores<br />

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Arteriosclerosis, Thrombosis, and Vascular<br />

Biology. v. 25, p. 265-266, 2005.<br />

116<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 111-116, jun. 2010


INSTRUMENTALIDA<strong>DE</strong> DO SERVIÇO SOCIAL:<br />

um estudo com pacientes renais crônicos em lista<br />

de espera por terapia renal substitutiva na FHCGV<br />

Carla Marília Pinheiro Pereira*<br />

R E S U M O<br />

O estudo objetiva discutir como a instrumentalidade do serviço social ocorre junto aos<br />

pacientes renais crônicos internados na Clínica Médica da Fundação Pública Estadual Hospital<br />

de Clínicas Gaspar Vianna (FHCGV), em Belém do Pará, à espera por uma vaga para um dos<br />

tratamentos que compõem o grupo de terapia renal substitutiva. Na metodologia utilizou-se<br />

de recursos das pesquisas bibliográficas, documental e de campo. Os dados da pesquisa de<br />

campo foram coletados por meio de entrevista semiestruturada e observação participante<br />

junto a 10 (dez) pacientes internados na lista de espera por uma vaga e a 1 (uma) assistente<br />

social que trabalha na Clínica Médica. Os resultados evidenciam que, devido ao grande número<br />

de pacientes nessa clínica, a instrumentalidade com teor de racionalidade substantiva fica<br />

impedida de acontecer plenamente. Destaca-se ainda o fato de alguns dos pacientes entrevistados<br />

quererem ficar na fila de espera por mais tempo visando receber os recursos do<br />

Tratamento Fora de Domicílio (TFD). Nesse momento couberam interligações a respeito das<br />

críticas de Habermas ao Estado paternalista.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Instrumentalidade do Serviço Social. Pacientes Renais Crônicos. Questão Social.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Este artigo é resultado de meu Trabalho<br />

de Conclusão de Curso (TCC) para a obtenção do<br />

grau de bacharel em Serviço Social pela Universidade<br />

da Amazônia (UNAMA). Ele reflete minha<br />

pesquisa no período de fevereiro a novembro<br />

de 2009 em que estagiei na FHCGV. Sua exposição<br />

traz como tema central a instrumentalidade<br />

do serviço social.<br />

As discussões acerca da instrumentalidade<br />

do serviço social pelas quais perpassam este artigo<br />

giram em torno dos pacientes renais crônicos<br />

internados na Clínica Médica da FHCGV, da<br />

prática profissional da assistente social que trabalha<br />

junto a eles e da insuficiência de vagas<br />

para o tratamento denominado Terapia Renal<br />

Substitutiva como uma expressão da questão<br />

social. Para isso, foram entrevistados 10 (dez)<br />

pacientes renais crônicos dos 28 (vinte e oito)<br />

internados no hospital no mês de junho de 2009<br />

e a assistente social que trabalha junto a eles na<br />

Clínica Médica; realizou-se também pesquisa<br />

bibliográfica e em sites da internet referentes<br />

ao assunto. A análise dos dados pauta-se na perspectiva<br />

crítico-dialética. Os passos da pesquisa<br />

obedeceram ao cronograma apresentado em<br />

maio de 2009 ao Comitê de Ética em Pesquisa da<br />

FHCGV.<br />

* Assistente social graduada pela Universidade da Amazônia<br />

– UNAMA; atuou como monitora da disciplina Pesquisa em<br />

Serviço Social I durante os dois semestresde 2009.<br />

117<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010


No que tange à profissão, cabe mencionar<br />

que a partir da década de 70 é perceptível uma<br />

renovação no serviço social, conforme Netto<br />

(1995). Nesse processo há um enxame de autores<br />

homogêneos que discutem sobre a profissão.<br />

Logo, cabe aqui citar as ideias de Gomes<br />

(2009) que ressalta o fato de o serviço social sempre<br />

possuir um viés crítico atenuado a partir do<br />

Movimento de Reconceituação. Dessa forma<br />

Yolanda Guerra encontra-se, segundo Netto<br />

(1995) no conjunto de autores que emergiram<br />

na profissão na década de 90. É com essa autora<br />

dentre outros, portanto, que venho tecer considerações<br />

sobre a instrumentalidade e sua relação<br />

entre a assistente social da Clínica Médica<br />

da FHCGV e os pacientes renais crônicos à espera<br />

por uma vaga por terapia renal substitutiva.<br />

Ressalto o fato de essa instrumentalidade poder<br />

ser regida por uma racionalidade instrumental<br />

ou por uma racionalidade substantiva.<br />

No primeiro item, portanto, tecerei considerações<br />

a respeito da instrumentalidade do<br />

Serviço Social. Nele há esclarecimentos sobre a<br />

instrumentalidade, diferenciando-a de instrumental<br />

e instrumento. As explicações deixarão<br />

claro que há diferenças entre esses três termos,<br />

mas todos são próprios do assistente social.<br />

A discussão travada neste artigo versará no<br />

segundo item sobre a expressão da questão social<br />

compreendida na insuficiência de vagas para a<br />

terapia renal substitutiva e diante disso qual o<br />

posicionamento da assistente social, ou seja, em<br />

que momento é possível perceber a instrumentalidade<br />

do serviço social pautada na racionalidade<br />

instrumental ou na racionalidade substantiva.<br />

O terceiro item disserta sobre a FHCGV, os<br />

pacientes renais crônicos e o trabalho da assistente<br />

social a partir de uma possível instrumentalidade<br />

pautada na racionalidade instrumental<br />

ou na racionalidade substantiva. As discussões,<br />

portanto, elencarão posicionamentos do profissional<br />

de serviço social diante desses pacientes.<br />

O quarto item contém reflexões em torno<br />

das críticas de Habermas quanto às ações do Estado<br />

paternalista percebidas no decorrer da análise<br />

dos dados empíricos. Esse último item já foi<br />

apresentado no Congresso Internacional Habermas<br />

80 Anos, ocorrido em setembro de 2009,<br />

onde expus acerca da instrumentalidade e do<br />

Estado paternalista ao analisar as entrevistas<br />

concedidas para a pesquisa. Ao final há as considerações<br />

finais, onde espero ter contribuído para<br />

a literatura do serviço social por meio de pesquisas<br />

e apreciações da instrumentalidade como<br />

uma categoria essencial à profissão.<br />

2 COMPREEN<strong>DE</strong>NDO A INSTRUMENTALIDA<strong>DE</strong><br />

DO SERVIÇO SOCIAL<br />

Conforme Guerra (2004), por diversas vezes<br />

a categoria instrumentalidade é confundida<br />

com o conjunto de instrumentos técnico-operativos<br />

(entrevista grupal ou individual, mobilização<br />

de comunidades, visita domiciliar, visita institucional,<br />

ata da reunião, livro de registros, diário<br />

de campo, relatório social, parecer social e<br />

outros). É necessário, portanto, perceber que a<br />

questão da instrumentalidade não deve ser reduzida:<br />

“aos conteúdos, aos repertórios e aos<br />

procedimentos técnico-operativos da profissão,<br />

tal como naquela concepção ‘técnico-instrumentalista’<br />

anteriormente apontada” (GUERRA,<br />

2004, p.112). A autora interpreta a instrumentalidade<br />

do serviço social como a maneira de o profissional<br />

se portar diante da realização de sua<br />

prática profissional.<br />

Souza (2009) distingue instrumento, instrumental<br />

e instrumentalidade. Instrumento é cada<br />

mecanismo, por exemplo, visita domiciliar, orientação,<br />

informação, observação que compõe a<br />

prática profissional do assistente social. Instrumental<br />

é o conjunto desses instrumentos e técnicas<br />

que possibilitam a operacionalização da ação<br />

profissional a partir de reflexões e análises sobre<br />

cada situação. Instrumentalidade é uma categoria<br />

inerente ao serviço social decorrente da maneira<br />

como esse profissional aplica os instrumentos<br />

e as técnicas. A postura do profissional pode<br />

118<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010


então estar voltada para uma instrumentalidade<br />

pautada por uma racionalidade instrumental ou<br />

por uma racionalidade substantiva. A saber:<br />

A racionalidade instrumental refere-se<br />

ao exercício de uma racionalidade<br />

científica, típica do positivismo,<br />

que visa à dominação da natureza<br />

para fins lucrativos, submetendo<br />

a ciência, a técnica e a própria<br />

produção cultural ao capital. [...] A<br />

racionalidade instrumental é a forma<br />

de razão que prevaleceu no mundo<br />

ocidental após o surgimento do<br />

capitalismo. Esta forma de racionalidade<br />

fez prevalecer a disseminação<br />

de que todos deviam trabalhar e<br />

contribuir para o aumento das riquezas,<br />

e onde tudo é passível de racionalização,<br />

de quantificação, de matematismo.<br />

A ciência econômica tem<br />

sido as rédeas da sociedade (CRUZ,<br />

2007, p.1).<br />

Compreende-se o fato de a racionalidade<br />

instrumental estar centrada na impessoalidade<br />

burocrática. Ela é voltada para a técnica, focada<br />

em interesses, funcional. Seu domínio sobre a<br />

natureza apresenta fins meramente lucrativos,<br />

ou seja, está centrada no capital. Ao utilizar a<br />

instrumentalidade do serviço social partindo da<br />

racionalidade instrumental, o assistente social<br />

possui reflexões voltadas para o mercado, não<br />

propagando a emancipação da classe. Dessa forma,<br />

suas atitudes ficam submissas ao sistema<br />

capitalista de visão de lucro para os detentores<br />

de maior poder aquisitivo.<br />

Ao contrário dessa racionalidade estão:<br />

“[...] os valores humano-sociais da racionalidade<br />

substantiva que privilegiam a cooperação e a<br />

compreensão entre as pessoas, a emancipação<br />

da consciência individual e a preocupação com o<br />

bem-estar [...]” (FERREIRA et al, 2009, p.1).<br />

Logo, o assistente social que realmente conhece<br />

o significado da instrumentalidade e a<br />

emprega em uma perspectiva da racionalidade<br />

substantiva não cruza os braços diante de situações<br />

aparentemente difíceis. Ele age, objetivando<br />

a garantia de direitos do cidadão.<br />

Colocar em prática a instrumentalidade do<br />

serviço social levando em conta a racionalidade<br />

substantiva às vezes é um pouco difícil, pois diariamente<br />

há uma intensa demanda para o profissional.<br />

Assim:<br />

A instrumentalidade é principalmente<br />

um elemento discursivo. [...] Não<br />

consigo colocar a instrumentalidade<br />

em larga escala no Hospital (FHCGV).<br />

É uma Instrumentalidade limitada.<br />

Na questão dos renais crônicos muda<br />

de figura. Por esse motivo é possível<br />

colocar a instrumentalidade em prática.<br />

[...] A instrumentalidade é mais<br />

forte com os renais crônicos porque<br />

eles ficam internados mais tempo.<br />

Uma orientação não é suficiente. [...]<br />

Eu preciso de vários contatos com<br />

pacientes para colocar a instrumentalidade<br />

em prática. É uma questão<br />

de frequência. [...] Não dá para fazer<br />

instrumentalidade com uma conversa;<br />

porque instrumentalidade é um<br />

processo que se constrói (PACHECO,<br />

assistente social exercendo há 4 anos<br />

a profissão na FHCGV).<br />

As inúmeras demandas da profissão podem<br />

comprometer a qualidade do atendimento do<br />

assistente social. Logo, isso dificulta que a instrumentalidade<br />

com teor de racionalidade substantiva<br />

seja colocada em prática. É extremamente<br />

necessário, portanto, reflexão, cautela e mediação<br />

durante o exercício da profissão. Segundo<br />

Guerra (2009), apesar de solicitar ações, algumas<br />

vezes imediatas, a prática do serviço social<br />

não deve ser repleta de ações instrumentais. A<br />

repetição contínua dessas ações instrumentais<br />

impele o profissional a não atingir a eficácia 1 e a<br />

eficiência 2 verdadeiras.<br />

Alguns assistentes sociais, de acordo com<br />

Guerra (2004), devido à grande quantidade de<br />

demandas da profissão acabam por priorizar a<br />

atuação técnica. Vasconcelos (2007) discute sobre<br />

esse atendimento rápido ao se reportar à<br />

1<br />

Eficácia, conforme Lakatos (1997), é a relação do que foi<br />

planejado com o resultado.<br />

2<br />

Eficiência, de acordo com Lakatos (1997) está relacionada<br />

aos meios para realização de algo.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010<br />

119


situação da saúde pública do Rio de Janeiro. O<br />

assistente social e os demais profissionais ligados<br />

à área da saúde passam por entraves tão grandes<br />

quanto os dos usuários. A rotina de trabalho<br />

concentrada resulta em uma carga horária semanal<br />

exaustiva.<br />

Na percepção de Souza (1995), alguns profissionais<br />

de serviço social enfrentam vários problemas<br />

decorrentes provavelmente da falta de<br />

habilidade para lidar com as exigências institucionais.<br />

Nessa linha:<br />

O assistente social espera tudo da<br />

formação profissional e, num segundo<br />

momento, passa a esperar tudo<br />

da instituição. Com isto, torna-se um<br />

agente profissional sem perspectiva,<br />

dependente e predisposto a engajar-se<br />

acriticamente em qualquer<br />

plano de trabalho (SOUZA, 1995, p.11).<br />

Atitudes como essas impossibilitam a real<br />

percepção do significado da profissão. Dessa forma<br />

é um tanto difícil compreender e aplicar a<br />

instrumentalidade. De acordo com Guerra<br />

(2007), refletir acerca da instrumentalidade do<br />

serviço social tal qual está referendada nessa<br />

pesquisa implica em ter como matéria-prima a<br />

profissionalidade do serviço social. Nesta perspectiva<br />

o assistente social que possui uma postura<br />

voltada para a instrumentalidade age sem<br />

as amarras do conservadorismo de um serviço<br />

social não reconceituado. Logo, a categoria instrumentalidade<br />

é procedente do profissional<br />

interventivo e pró-ativo.<br />

Essa discussão a propósito da instrumentalidade<br />

perpassa um serviço social mais voltado<br />

para os preceitos marxistas, de acordo com Guerra<br />

(2004). A autora discursa ainda sobre o fato de<br />

essa categoria ser inerente ao serviço social voltado<br />

para os movimentos de reconceituação e<br />

pós-reconceituação:<br />

Considerando que a questão da instrumentalidade<br />

só se aplica no universo<br />

do trabalho como categoria<br />

onto-primária, os supostos dos quais<br />

sua tematização parte, no que tange<br />

ao serviço social, só poderiam ser<br />

legatários da tradição marxista. Nesse<br />

âmbito, a reflexão sobre a “instrumentalidade<br />

do serviço social” –<br />

que se pretende herdeira da tendência<br />

que intenta que o serviço social<br />

se libere das suas amarras com o<br />

conservadorismo da ordem burguesa<br />

– tem tanto sua existência hipotecada<br />

quanto se beneficia diretamente<br />

das análises teóricas e das<br />

orientações prático-políticas dela<br />

emergentes no serviço social e fora<br />

dele (GUERRA, 2004, p.113).<br />

Pensar sobre a instrumentalidade e colocála<br />

em vigor em uma racionalidade Substantiva<br />

implica em rever, em dar novo formato às práticas<br />

rápidas e rotineiras concernentes ao cotidiano<br />

do assistente social. Alguns desses profissionais,<br />

porém são conduzidos conforme Pontes<br />

(2007) a entender de maneira deturpada o marxismo;<br />

gerando, por conseguinte: “problemas<br />

daqueles enviesamentos na compreensão da teoria<br />

marxiana: fatalismo, messianismo, voluntarismo<br />

e cientificismo” (QUIROGA 1991, apud PON-<br />

TES 2007, p.158). Esses profissionais devem entender<br />

que o serviço social não possui caráter fatalista,<br />

logo há soluções a serem tomadas. É necessário,<br />

ainda, não ser messiânico, ou seja, lembrar<br />

sempre que a profissão não possui habilidade<br />

para resolver todos os problemas do mundo.<br />

O assistente social não deve trabalhar com a prática<br />

do voluntarismo sem valorizar a reflexão das<br />

demandas. Esse profissional também não pode<br />

se submeter ao cientificismo, onde a teoria é bastante<br />

desenvolvida, mas não ampara a prática.<br />

A práxis compreendida como ação transformadora<br />

só pode ser enquadrada em assistentes<br />

sociais que agem de acordo com a instrumentalidade.<br />

Dessa forma:<br />

Mais ainda, a práxis tem na atividade<br />

seu traço vital: a instrumentalidade<br />

coloca-se a práxis como conduto<br />

de passagem, ao mesmo tempo que<br />

a práxis produz, porta e expressa uma<br />

determinada racionalidade, já que o<br />

pensamento encontra-se substantiva<br />

e organicamente vocacionado para<br />

a ação (GUERRA, 2007, p.14).<br />

120<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010


Diariamente o assistente social se depara<br />

com novas demandas para a sua prática profissional.<br />

Essas situações novas requerem o<br />

aprimoramento dos instrumentos ou a renovação<br />

desses. Partindo desse pressuposto a autora<br />

compreende que antes de aprimoramentos<br />

é preciso mais ainda uma racionalidade para<br />

a prática profissional com o intuito de fundamentar<br />

essa prática profissional, aliando-a à<br />

teoria. Tudo isso a fim de que o profissional<br />

não faça prática pela prática, ou seja, não apresente<br />

uma postura instrumental.<br />

3 INSUFICIÊNCIA <strong>DE</strong> VAGAS PARA TERAPIA RE-<br />

NAL SUBSTITUTIVA: uma expressão da questão<br />

social<br />

Guerra (2009) conceitua questão social<br />

como uma expressão do processo tanto de formação,<br />

quanto de desenvolvimento da classe<br />

operária e da entrada dela no cenário da sociedade.<br />

Essa entrada exigiu o reconhecimento do<br />

operariado como classe por parte do empresariado<br />

e do Estado. Na percepção da autora citada,<br />

a questão social se torna objeto de intervenção<br />

sistemática contínua do Estado no estágio<br />

monopolista do capitalismo. A partir deste<br />

momento é instaurado um espaço determinado<br />

na divisão social e técnica do trabalho para o<br />

serviço social e outras profissões. Dessa forma,<br />

o serviço social se torna uma profissão indispensável<br />

devido às necessidades sociais. Historicamente<br />

o serviço social adquiriu esse espaço,<br />

ao interferir sistematicamente nas refrações<br />

da questão social institucionalmente<br />

transformada em questões sociais.<br />

A questão social, portanto, foi complexificada<br />

e tratada pelo Estado. Ela foi então fragmentada<br />

e recortada, surgindo assim várias<br />

questões sociais a serem atendidas pelas políticas<br />

sociais. Cabe então ao assistente social<br />

intervir nessas questões e em suas refrações.<br />

Entre essas expressões da questão social está<br />

a insuficiência de vagas para o tratamento<br />

denominado terapia renal substitutiva 3 . A ausência,<br />

por exemplo, de máquinas para a hemodiálise<br />

4 resulta em meses de internação em<br />

hospitais por todo o país.<br />

Entre os anos de 1999 e 2005, segundo o<br />

Ministério da Saúde (MS)/ Secretaria de Assistência<br />

à Saúde (SAS) – Sistema de Informações<br />

Ambulatoriais (SIA/SUS) e base demográfica do<br />

IBGE (2009), é possível perceber o aumento da<br />

prevalência de pacientes atendidos no SUS para<br />

terapia de diálise renal em todas as faixas etárias<br />

e regiões do Brasil. Esse aumento só não ocorreu<br />

para os pacientes com idade inferior a 30<br />

anos nas regiões Sudeste e Sul do país. O número<br />

de pacientes atendidos nessas duas regiões<br />

chega a ser até quatro vezes superior ao da região<br />

Norte, devido ao fato de nas duas primeiras<br />

regiões haver mais oferta de serviços especializados<br />

do que na última. Vale ressaltar que esses<br />

valores estão de acordo somente com a diálise<br />

ambulatorial, excluindo-se os pacientes internados<br />

em hospitais à espera por uma vaga para<br />

tratamento.<br />

A taxa de prevalência de pacientes em diálise<br />

5 , do ano de 2005, apontava que 11,4 pessoas<br />

a cada 100.000 habitantes em 2005 estavam sendo<br />

submetidas ao tratamento financiado pelo<br />

Sistema Único de Saúde (SUS). Ela ainda indica-<br />

3<br />

A terapia renal substitutiva é o grupo formado pelos<br />

seguintes tratamentos para a insuficiência renal crônica:<br />

hemodiálise, diálise peritonial ambulatorial contínua,<br />

diálise peritonial automática e diálise peritonial<br />

Intermitente.<br />

4<br />

Hemodiálise é uma das modalidades do tratamento<br />

denominado terapia renal substitutiva. Ela é realizada em<br />

média quatro horas por dia, durante três vezes por semana.<br />

Consiste em uma máquina que filtra todo o sangue que<br />

circula pelo corpo do paciente, eliminando as toxinas;<br />

trabalho esse que o rim debilitado não consegue<br />

desempenhar.<br />

5<br />

Segundo Aguiar (2007), o termo taxa de prevalência é<br />

concebido como a proporção de pessoas com determinado<br />

diagnóstico de saúde em um dado momento temporal.<br />

Prevalência, portanto, é definida através da proporção de<br />

casos predominantes referentes à população de interesse<br />

da qual extraímos os casos prevalentes. Conforme MS/ SAS/<br />

SAI/ SUS (2009), taxa de prevalência de pacientes em diálise<br />

significa o número de pacientes submetidos a tratamento<br />

de diálise renal no SUS, por 100 mil habitantes, na população<br />

residente em determinado espaço geográfico e no ano<br />

considerado.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010<br />

121


va que 47 pessoas entre 30 e 59 anos também se<br />

submetiam a esse tratamento. A taxa apontava<br />

também 162,9 pessoas com idade igual ou superior<br />

a 60 anos (MS/ SAS/ SAI/ SUS, 2009).<br />

Na região Norte, em 2005, essa taxa de prevalência<br />

de pacientes em diálise indicava que<br />

6,5 pessoas menores de 30 anos estavam em tratamento<br />

custeado pelo SUS. A taxa para indivíduos<br />

entre 30 e 59 anos apontava que 24,4 estavam<br />

sendo submetidos a esse mesmo tratamento.<br />

Para pessoas com 60 anos ou mais a taxa indicava<br />

107,8.<br />

Essa situação de espera não deveria acontecer,<br />

pois conforme a Portaria Ministerial<br />

n°1101/2002, para cada 15.000 habitantes é necessário<br />

haver uma máquina para Diálise funcionando<br />

em três turnos. Seguindo essa linha de<br />

raciocínio a mesma portaria determina que para<br />

cada 30.000 habitantes deve haver duas máquinas<br />

(2 pontos) que atendam até doze (12) pacientes<br />

em três turnos por semana, com utilização<br />

máxima do referido equipamento. De acordo<br />

com Associação dos Renais Crônicos e Transplantados<br />

do Pará – ARCTPA (2009), o Pará carece<br />

de 31 serviços, pois atualmente há apenas 15,<br />

sendo sete em Belém 6 , dois em Santarém e os<br />

demais nos municípios de Ananindeua, Castanhal,<br />

Marabá, Altamira, Redenção e Marituba,<br />

inaugurado em setembro de 2009.<br />

A questão de não haver vagas suficientes<br />

está entrelaçada a diversos fatores, como por<br />

exemplo, a melhoria da qualidade do diagnóstico<br />

e a deficiência de políticas de prevenção, segundo<br />

Pacheco (2009). Outro fator responsável<br />

pode ser a política implantada pelo ex-presidente<br />

da República Fernando Collor de Melo que governou<br />

o país de 1989 a 1992, determinando limites<br />

de gastos para o Estado. De acordo com Vasconcelos<br />

(2007), a não efetivação completa do SUS<br />

deve realmente ser considerada como uma das<br />

6<br />

Em Belém os serviços estão localizados na FHCGV, no<br />

Hospital Ofir Loyola, Pro-Rim, Clínica do Rim, Nefroclína,<br />

Fundação Santa Casa de Misericórdia e Clínica de Cirurgia<br />

Integrada.<br />

consequências dessa política. Como uma bola de<br />

neve, há diversas sequelas para essa política, que<br />

vêm se estendendo ao longo dos anos.<br />

Visando assegurar vagas para todos, foi criado<br />

no Pará em 2005 o Plano Estadual de Atenção<br />

ao Portador de Doença Renal em Alta Complexidade<br />

da Secretaria de Estado de Saúde Pública.<br />

Esse plano propunha que 100% dos serviços<br />

de nefrologia do Pará fossem expandidos<br />

proporcionalmente para cada município. Se esse<br />

plano for efetivado, a Associação dos Renais Crônicos<br />

e Transplantados do Pará – ARCTPA (2009)<br />

acredita que os custos do Tratamento Fora do<br />

Domicílio (TFD) serão reduzidos em aproximadamente<br />

60%.<br />

Apesar de medidas como a Portaria Ministerial<br />

n° 1101/2002 terem sido tomadas, ela ainda<br />

não foi divulgada suficientemente. Como<br />

pode ser percebido nas falas dos pacientes entrevistados<br />

7 em junho de 2009:<br />

Tem muita gente morrendo, esperando<br />

vaga. [...] Não conhecia a portaria<br />

(Denise, 40 anos, solteira; paciente<br />

há 4 meses internada à espera por<br />

uma vaga para hemodiálise na Clínica<br />

Médica da FHCGV, moradora do<br />

município de Barcarena – Pará).<br />

Deveria ser assim mesmo; aí, em<br />

Cametá teria tratamento. Era muito<br />

melhor (se a Portaria fosse implantada).<br />

A gente ficava perto da família<br />

(Marcelo, 41 anos, casado, paciente<br />

há 4 meses internado à espera<br />

por uma vaga para hemodiálise na<br />

Clínica Médica da FHCGV, morador do<br />

município de Limoeiro do Ajuru –<br />

Pará).<br />

Nem sei o que dizer [silêncio]. Tenho<br />

seis filhos [...] O marido já veio<br />

e trouxe a menor (de 6 anos para ela<br />

ver). Todos eles estudam. [...]. Passo<br />

bilhete (para meus filhos) [...] Ficam<br />

reclamando: Mamãe, por que tu não<br />

vem? (Ana, 34 anos, casada, paciente<br />

há 3 meses internada à espera<br />

por uma vaga para hemodiálise na<br />

Clínica Médica da FHCGV, moradora<br />

do município de Bacuri – Maranhão).<br />

7<br />

Os nomes dos pacientes foram trocados, guardado o sexo de<br />

cada um, a fim de preservar a integridade dos mesmos. Vale<br />

ressaltar que prevalecem os artigos femininos e masculinos<br />

no intuito de informar o sexo do paciente.<br />

122<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010


A partir das falas acima é perceptível o<br />

desconhecimento dos pacientes em relação<br />

à Portaria Ministerial n° 1101/2002. Embora<br />

os pacientes não saibam o significado dessa<br />

portaria, eles têm noção de que é preciso implantá-la.<br />

Há de se considerar a angústia da<br />

espera, pois são pacientes que se deslocam<br />

de seus municípios e deixam família, amigos<br />

e trabalho em virtude de uma longa internação<br />

em Belém na FHCGV. Cabe então ao serviço<br />

social informar ao paciente sobre essa<br />

portaria, por intermédio do instrumento denominado<br />

Informação.<br />

Portanto, informar não é, e não pode<br />

ser simplesmente o ato de relatar<br />

ou descrever fatos e dados, mais do<br />

que isso é relacionar e interpretar<br />

diversos fatos, buscando a compreensão<br />

dos fenômenos. Que no âmbito<br />

do uso da linguagem realiza-se<br />

através de alguns mecanismos como<br />

nivelação (valor nos detalhes); acentuação<br />

(colocar em relevância os<br />

dados mais importantes); assimilação<br />

(reordenamento de dados já<br />

apresentados); sentido (explicar<br />

sem deformar) e; terminologia (técnica,<br />

institucional, popular) (SAR-<br />

MENTO, 2005, p.29).<br />

Compreende-se que o profissional deve<br />

utilizar o instrumento informação não expondo<br />

sobre a portaria como algo que ainda não fora<br />

efetivado e sim com entonação na voz; a fim de<br />

instigar o paciente renal crônico a participar de<br />

conferências e conselhos acerca de questões<br />

relacionadas com a insuficiência de vagas para a<br />

terapia renal substitutiva.<br />

Há, diante da desinformação, o fato de a<br />

participação política, segundo Pereira (2009) ainda<br />

continuar restrita ao voto. O povo não compreendeu<br />

ainda o fato de a verdadeira participação<br />

representar a luta pelo direito de todos<br />

os indivíduos e não por individualidades. ‘‘Vivemos<br />

em uma situação de elevados déficits de<br />

capital social, o que permite a permanência de<br />

uma cultura política que desafeta a participação’’<br />

(BAQUERO, 2001, p.9).<br />

Cabe ressaltar que apenas 1 (uma) paciente,<br />

do total de 10 (dez) pacientes entrevistados,<br />

sabia acerca dessa portaria:<br />

“A portaria a senhora dos renais me<br />

disse.” (Marina, 58 anos, casada,<br />

paciente há 9 meses internada à<br />

espera por uma vaga para hemodiálise<br />

na Clínica Médica da FHCGV,<br />

moradora do município de São Miguel<br />

do Guamá – Pará).<br />

Apesar de seu conhecimento, há uma dúvida<br />

constante: qual o motivo da portaria não ter<br />

sido implantada até o presente momento? Diante<br />

desse questionamento o assistente social<br />

fica sem resposta definida, se deparando com<br />

os entraves da profissão.<br />

Pacheco (2009) admite:<br />

Eu conheci essa portaria pelo seu<br />

trabalho. [...] O Minitério da Saúde<br />

coloca normas que não estão sendo<br />

efetivadas. [...] Então eu não considero<br />

[...] que seja um absurdo não<br />

ter uma máquina para cada quinze<br />

mil habitantes. [...] Porque existem<br />

várias normas propagadas que não<br />

estão sendo feitas. [...] Eu fico bestificada<br />

quando vejo o PIB do Brasil e<br />

não é feito nada [...] (Pacheco, assistente<br />

social exercendo há 4 anos<br />

a profissão na FHCGV).<br />

Nesta perspectiva, a assistente social percebe<br />

outras situações que também ainda não<br />

foram resolvidas no Brasil. No decorrer da entrevista,<br />

ela esclareceu não adiantar o profissional<br />

estar imbuído de legislações e teorias, se ele<br />

não age; ou seja, é necessário lutar pelos direitos<br />

dos pacientes renais crônicos, mas sem cometer<br />

equívocos como fatalismo, messianismo,<br />

voluntarismo e cientificismo. Em minha prática<br />

de estágio percebo que há compromisso éticopolítico<br />

dessa profissional por seus pacientes.<br />

Deve-se considerar o fato de as novas demandas<br />

da profissão implicar, segundo Bastos<br />

(2004), em novos contextos de atuação do assistente<br />

social. A situação dos renais crônicos se<br />

apresenta, então, como uma expressão da ques-<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010<br />

123


tão social relacionada ao não cumprimento do<br />

artigo 5 o da Constituição Federal de 1988 que<br />

determina “a saúde como direito de todos e dever<br />

do Estado”. Assim, se não há vagas suficientes<br />

por falta de máquinas e se algumas dessas,<br />

de acordo com Ferreira (2009) estão paradas por<br />

falta de recursos, cabe ao assistente social refletir<br />

sobre a situação e imbuído da instrumentalidade<br />

do serviço social pautada em uma racionalidade<br />

substantiva, buscar a melhor maneira<br />

para intervir. Sobre esse aspecto:<br />

Assim, a prática do assistente social<br />

exprime não só a capacidade de<br />

‘‘saber fazer’’, mas também e primeiramente,<br />

sua posição político ideológica,<br />

sua intencionalidade. E é justamente<br />

essa posição do profissional<br />

que particulariza a intervenção<br />

profissional (BASTOS, 2004, p.95).<br />

Partindo desse princípio é possível perceber<br />

os impasses pelos quais a Assistente Social<br />

passa diariamente. A instrumentalidade dentro<br />

da racionalidade substantiva precisa ser colocada<br />

em prática, porém isso se torna uma tarefa<br />

difícil no campo de ação profissional. O assistente<br />

social, na percepção de Bastos (2004, precisa<br />

agir dotado de intencionalidade diante de<br />

questões, como a insuficiência de vagas para<br />

pacientes renais crônicos. Na FHCGV 22 (vinte e<br />

dois) assistentes sociais trabalham em diversos<br />

setores e horários. Se todos ou alguns deles<br />

exercem suas práticas a partir de uma intencionalidade<br />

e de instrumentalidade, há dúvidas. Por<br />

esse motivo, ressalta-se que o intuito dessa pesquisa<br />

foi entender se há a instrumentalidade no<br />

cotidiano da profissional da Clínica Médica. Qualquer<br />

associação, portanto, com a postura dos<br />

demais profissionais pode conduzir a equívocos.<br />

4 SERVIÇO SOCIAL NA FHCGV E A SUA POSSÍ-<br />

VEL INSTRUMENTALIDA<strong>DE</strong><br />

Em 1982 foi iniciado o projeto arquitetônico<br />

da FHCGV e somente em 1º de abril de 2001<br />

ocorreu sua inauguração oficial. Nesse interregno<br />

de tempo ocorreu a inauguração da clínica<br />

psiquiátrica, do bloco de acesso e serviços externos,<br />

de parte do estacionamento e do bloco<br />

de serviços gerais em 1987. Somente em 1989 os<br />

leitos foram disponibilizados. Nesse mesmo ano<br />

houve também a primeira paralisação da obra<br />

que só foi reiniciada em 1991. Nesse mesmo ano<br />

foi inaugurado o ambulatório de especialidades<br />

e parte da administração. Apenas em 1998 a obra<br />

foi retomada e finalmente concluída em 2000.<br />

Na inauguração oficial, em 2001, a FHCGV continuou<br />

a ser referência em psiquiatria e passou a<br />

abarcar como referência os serviços de nefrologia<br />

e cardiologia. Começou a oferecer consultas<br />

e internações para as clínicas cirúrgica, médica,<br />

pediátrica, ginecológica e obstétrica.<br />

Essa instituição do Governo do Estado do<br />

Pará ligada à Secretaria Especial de Proteção<br />

Social possui 242 (duzentos e quarenta e dois)<br />

leitos em suas clínicas e unidades de terapia<br />

intensiva neonatal, adulto e pediátrica, além<br />

de um ambulatório com 19 (dezenove) consultórios,<br />

bem como serviços laboratoriais e<br />

de diagnóstico por rádio-imagem e métodos<br />

gráficos. Ela abriga também um serviço de terapia<br />

renal substitutiva com 15 (quinze) máquinas<br />

de hemodiálise. Há ainda um conjunto<br />

variado de profissionais como assistentes sociais,<br />

médicos, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas,<br />

professores de educação física,<br />

terapeutas ocupacionais, enfermeiros, fonoaudiólogo,<br />

dentre outros.<br />

A clínica médica, local em que foi realizada<br />

a pesquisa de campo que deu margem à construção<br />

desse artigo encontra-se no quarto andar<br />

do prédio da FHCGV. Seus atendimentos destinam-se<br />

a pacientes acima de 14 anos de idade,<br />

de acordo com as seguintes especialidades:<br />

médica, cardiologia, nefrologia e infectologia.<br />

Os pacientes cardiopatas e renais são de origem<br />

da Central de Leitos de Belém, do Serviço de<br />

Apoio à Triagem e da Emergência Cardiológica.<br />

Vale ressaltar que atualmente cerca de 40% dos<br />

124<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010


40 (quarenta) leitos da clínica estão sendo ocupados<br />

por pacientes renais crônicos internados<br />

à espera por uma vaga ambulatorial para terapia<br />

renal substitutiva.<br />

A espera por uma vaga para o referido tratamento<br />

pode durar um longo tempo, como percebi<br />

durante as entrevistas:<br />

Dia 23 de dezembro de 2008 fui para<br />

o Pronto Socorro da 14. De lá fui para<br />

a UTI (Unidade de Terapia Intensiva)<br />

do Hospital de Clínicas, dia 8 de<br />

janeiro de 2009. Estou aqui (clínica<br />

médica) desde 3 de março de 2009.<br />

(Mário, 60 anos, casado, paciente há<br />

6 meses internado à espera por uma<br />

vaga para hemodiálise na FHCGV,<br />

morador do município de Belém –<br />

Pará).<br />

Tenho quatro meses de internação.<br />

[...] Vim de Limoeiro pra cá pra Belém<br />

e aqui vim descobri [que era renal<br />

crônico]. [...] O tratamento [de<br />

hemodiálise] era muito caro. Vendi<br />

uma casa por R$12.000,00 para pagar<br />

as seções. [...] Era a casa que eu<br />

morava. Aí eu passei a morar com a<br />

minha mãe (Marcelo).<br />

Tenho três meses de internação. [...]<br />

Tô pedindo a Deus para sair (Joaquim,<br />

71 anos, casado, paciente há 3<br />

meses internado à espera por uma<br />

vaga para hemodiálise na clínica médica<br />

da FHCGV, morador do município<br />

de Benevides – Pará).<br />

Tô internada desde 4 de fevereiro de<br />

2009. Pra onde sair (a vaga) eu vou,<br />

por que tenho que cuidar dos meus<br />

filhos. Minha de 14 quer namorar. [...]<br />

Só escuto queixa de caderno dos filhos.<br />

[...] Se for contar todos os motivos<br />

por que quero uma vaga [...] Tem<br />

minha filha, minha neta, meus filhos<br />

(D enise).<br />

Vai fazer dez meses. Ave Maria. Deus<br />

me livre! (Marina)<br />

As expressões “Ave Maria. Deus me livre!”<br />

têm uma significação carregada de paciência com<br />

certo teor de revolta e embora evoque sua religiosidade,<br />

transparece como uma evocação de<br />

limite físico por se tratar do processo de saúde.<br />

Mediante esse quadro é que nos vemos diante<br />

de um paradoxo, de acordo com Vasconcelos<br />

(2007), pois se por um lado na realidade brasileira<br />

nunca houve um momento histórico em que<br />

a saúde contasse com tantos direitos assegurados<br />

formalmente, eles ainda precisam ser garantidos<br />

na prática.<br />

Diante desse tempo de espera, que varia<br />

entre 9 (nove) e 2 (dois) meses a assistente social<br />

da clínica médica lida com esse longo período de<br />

internação a partir de inúmeras demandas que<br />

surgem, tais como ausência de renda de alguns<br />

pacientes renais crônicos, desinformação a respeito<br />

de Tratamento Fora do Domicílio (TFD), o<br />

atraso no pagamento do TFD, perda de vínculos<br />

familiares, pois o paciente fica internado e em<br />

alguns casos se distancia de sua família. A exemplo<br />

da quebra desses laços é válido mencionar a<br />

paciente Ana procedente de Bacuri, município<br />

pertencente ao estado do Maranhão. No caso dela,<br />

a internação afastou-a dos filhos e do marido, pois<br />

devido à distância não há visitas constantes.<br />

Cabem, portanto, ações envolvendo a instrumentalidade<br />

do serviço social em uma racionalidade<br />

substantiva. Para isso é extremamente<br />

necessário que o assistente social compreenda<br />

o objeto de sua intervenção: “como um aspecto<br />

da realidade na qual o profissional pretende<br />

intervir” (BASTOS, 2004, p.93). Durante<br />

minha pesquisa de campo percebi que assistente<br />

social da clínica médica possui claro entendimento<br />

acerca de seu objeto de intervenção. Na<br />

coleta de dados empíricos, notei que os pacientes<br />

renais crônicos percebem o trabalho do serviço<br />

social, como por exemplo:<br />

Muito útil. Ela (a assistente social<br />

da clínica médica) resolve tudo pra<br />

nós. Ela encaminha. Faz qualquer<br />

coisa pra nós. Pelo menos comigo<br />

tem sido assim (Marina).<br />

Apesar de não ter havido reclamações sobre<br />

o agir da assistente social, ainda há dúvidas<br />

sobre sua função. Nas afirmações dos pacientes<br />

há reconhecimentos pelo trabalho da assistente<br />

social quanto às ações voltadas ao encaminhamento<br />

para o TFD, para a perícia médica, em<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010<br />

125


orientações sobre benefícios e outros. Sobre<br />

esse aspecto:<br />

Eu não conheço bem o trabalho do<br />

assistente social. [...] Vocês (do serviço<br />

social) se interessam pela aposentadoria<br />

e mais outras coisas com<br />

os pacientes (Denise).<br />

Nessa fala percebi que em alguns momentos<br />

o trabalho do serviço social ainda é percebido<br />

como um favor, algo que qualquer pessoa<br />

pode realizar. Cabe, então, ao assistente social<br />

utilizar a instrumentalidade com teor da racionalidade<br />

substantiva em sua prática profissional<br />

a fim de apresentar um caráter mais técnicocientífico<br />

à sua prática.<br />

Durante a entrevista Pacheco (2009) relatou:<br />

O trabalho consiste em orientar. [...]<br />

Uma enumeração rápida: diálogo,<br />

encaminhamento, ofícios. A partir do<br />

diálogo eu realizo uma entrevista.<br />

[...] Talvez outros assistentes sociais<br />

não achem, mas o diálogo para mim<br />

é mais importante. [...] Eu obtenho<br />

as informações a partir do diálogo.<br />

[...] É uma questão de habilidade e<br />

pronto. Porque tem pessoas que contam<br />

para mim e não para você e viceversa.<br />

São os instrumentais que [...]<br />

preciso então me comunicar com as<br />

instituições [...] para me comunicar<br />

então às vezes é por telefone. [...]<br />

Não os aplico de modo estanque e<br />

sim dinâmico. [...] Dinâmico é perceber<br />

as necessidades de cada paciente<br />

para adaptar o meu diálogo a<br />

cada paciente. [...] Com relação aos<br />

outros instrumentais. [...] Aí eu tento<br />

ser fiel à realidade que o paciente<br />

me coloca [...].<br />

Essa profissional assegura o direito de cidadão<br />

do paciente, cumprindo, portanto, o que<br />

está previsto no Código de Ética Profissional do<br />

Serviço Social em seu artigo 3°: “a) desempenhar<br />

suas atividades profissionais, com eficiência<br />

e responsabilidade, observando as legislações<br />

em vigor” Apesar disso, Pacheco (2009) crê<br />

que: “O assistente social não consegue abraçar<br />

tudo de uma vez só”.<br />

Cabe, portanto, ao assistente social trabalhar,<br />

tendo clareza de seu objeto de intervenção.<br />

O agir não deve, portanto, conforme Guerra<br />

(2009), em virtude de solicitar ações, algumas<br />

vezes imediatas, ser repleto de ações instrumentais,<br />

pois a repetição contínua dessas ações leva<br />

o profissional a não atingir a eficácia e a eficiência<br />

verdadeiras.<br />

Em suas reflexões, Souza (1995) afirma que<br />

o assistente social diariamente se depara envolvido<br />

em bloqueios formados pela instituição.<br />

Karsch (2008) traduz essas situações como a burocratização<br />

dos serviços. Diante desses obstáculos<br />

o profissional precisa agir com competência,<br />

segundo Souza (1995), a fim de relacionar<br />

teoria e prática e se apresentar como força social;<br />

aplicando a instrumentalidade conceituada<br />

como: “uma mediação que permite a passagem<br />

das ações meramente instrumentais para o exercício<br />

profissional crítico e competente” (BASTOS,<br />

2004, p.96). Esse profissional deve agir utilizando<br />

a instrumentalidade em uma racionalidade<br />

substantiva diante da insuficiência de vagas para<br />

o tratamento denominado terapia renal substitutiva<br />

que se apresenta como uma expressão da<br />

questão social.<br />

Ressalto o fato de “a saúde ser um direito<br />

de todos e dever do Estado”, conforme determina<br />

o artigo 5 o da Constituição Federal de 1988.<br />

Dessa forma, a falta de vagas para o tratamento<br />

ambulatorial de hemodiálise acarreta, portanto,<br />

a negação desse direito aos pacientes internados.<br />

A instrumentalidade, portanto, possui um<br />

papel de destaque diante dessa questão.<br />

Sendo o assistente social o profissional que<br />

historicamente agiu intervindo sobre as questões<br />

sociais, a negação da instrumentalidade<br />

implica consequentemente na negação dos preceitos<br />

formadores de sua identidade. Há questões<br />

que devem ser medidas pelo assistente<br />

social a fim de reafirmar essa identidade. Nessa<br />

linha: “O serviço social tem muitas racionalidades,<br />

compreendidas como modos de ser, pensar<br />

e agir, e sempre foi polarizado por momentos<br />

126<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010


de predominância, ora do pensamento conservador,<br />

ora do pensamento crítico” (GUERRA, 2002<br />

apud BASTOS, 2004, p.95). Para lidar com esses<br />

pacientes renais crônicos que traduzem a expressão<br />

da questão social a partir da insuficiência<br />

de vagas e no decorrer de sua internação apresentam<br />

inúmeras demandas é necessário um<br />

profissional de serviço social com postura voltada<br />

para a instrumentalidade e que esteja inserido<br />

em uma racionalidade substantiva.<br />

5 REFLEXÕES ALÉM DA INSTRUMENTALIDA<strong>DE</strong><br />

DO SERVIÇO SOCIAL<br />

Durante a coleta de dados empíricos para a<br />

construção do artigo para este TCC foi possível<br />

tecer reflexões que encontram-se além da análise<br />

da instrumentalidade do serviço social. Nesta<br />

perspectiva, cada paciente compreende de maneira<br />

diferente o seu longo período de permanência<br />

na FHCGV, sempre expresso nas falas e<br />

pensamentos que perpassam diversas situações,<br />

como por exemplo:<br />

No hospital tem muita coisa que precisa<br />

melhorar: a parte da alimentação,<br />

a higiene não está bem feita. O<br />

nosso banheiro fica dois dias sem<br />

ser lavado. A lâmpada está queimada.<br />

[...] Eu acho um absurdo o paciente<br />

vir de Bragança se tratar aqui.<br />

Tem que ter centro. [...] Gosto daqui<br />

(FHCGV). Pra mim, aqui já é minha<br />

casa, porque todos me tratam bem.<br />

[...] Gosto daqui, mas quero ir embora,<br />

porque aqui não é um hotel. [...]<br />

Enquanto eu tô aqui (FHCGV) eu vou<br />

me tratando. Só vou recebendo benefícios.<br />

[...] (Marina).<br />

Diante disso, cabem aqui análises a partir<br />

de críticas em uma perspectiva habermasiana<br />

sobre o Estado paternalista. Habermas critica o<br />

Estado paternalista que não favorece a emancipação<br />

do ser humano, apenas amenizando a situação<br />

material com benefícios desnecessários,<br />

se por acaso houvesse um centro para terapia<br />

renal substitutiva em cada município, ou próximo<br />

ao paciente.<br />

Agir partindo de pressupostos paternalistas<br />

implica em ser autoritário. Ocorre um processo de<br />

dominação camuflado por concessões e benefícios.<br />

Nesta perspectiva, o Estado paternalista exerce<br />

a dominação sobre o cidadão fazendo a concessão<br />

de benefícios no caso de pacientes renais crônicos,<br />

em vez de assegurar vagas de hemodiálise.<br />

Conforme Mata (2009), a cidadania no Brasil<br />

está muito longe de ser alcançada devido às ações<br />

do Estado paternalista que oprime os sujeitos ansiosos<br />

em se tornarem cidadãos de direitos desde<br />

a época da colonização. A exemplo dessa ânsia é<br />

válido mencionar as inúmeras revoluções reprimidas<br />

pela Corte no período em que o Brasil não possuía<br />

sua independência proclamada. Concessões<br />

feitas como a Lei Áurea (1888) já apresentava indícios<br />

do paternalismo e seu teor autoritário.<br />

As formas camufladas de não efetivar a<br />

cidadania seguem por anos e anos em nosso país.<br />

Prova disso são os benefícios concedidos aos<br />

pacientes renais crônicos. A passividade diante<br />

da ausência de vagas é decorrente de um Estado<br />

paternalista que nega ações como a participação<br />

política. A população, sem ter conhecimento<br />

de seus direitos, acaba sucumbida por concessões<br />

desnecessárias.<br />

Nessa linha:<br />

Eu acho que [...] não é só pessoal do<br />

interior que tinha que receber Tratamento<br />

Fora do Domicílio -TFD. [...] Se<br />

a gente sai daqui, tem que ter dinheiro.<br />

[...] Exemplo do seu [o entrevistado<br />

citou o nome de um paciente<br />

internado, mas por sigilo não revelarei<br />

o nome] que gasta muito e<br />

só o benefício não dá. [...] Tu já pensou<br />

quem é aposentado com um salário.<br />

[...] Isso sai muito pesado, porque<br />

tem que comprar remédios,<br />

transporte. [...] Quem é do interior<br />

tem menos gasto com transporte do<br />

que quem é de Belém. Porque do interior<br />

o município pega e leva. [...] A<br />

carteirinha (de passe livre intermunicipal)<br />

ajuda, mas não é só isso.<br />

[...] Eu tirava R$ 2.700,00 e hoje recebo<br />

R$ 700,00. Então faz muita diferença.<br />

[...] É um dos motivos pelos<br />

quais eu quero voltar para o interior<br />

[Salinas, onde ele tem uma casa].<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010<br />

127


[...] Quero ir para o interior para ter<br />

uma ajuda a mais [ele está falando<br />

do TFD]. Essa ajuda é importante<br />

para mim. [...] A gente [ele e a esposa]<br />

queremos ir para o interior e ver<br />

se consigo o TFD. [...] (Mário)<br />

Na fala de Mário (2009) é perceptível o fato<br />

dele querer sair de Belém, cidade onde vive e fará<br />

o tratamento ambulatorial, para um local mais distante<br />

da capital no intuito de ser beneficiado com<br />

o TFD. Compreende-se que o paciente não medirá<br />

esforços para receber o recurso do TFD, devido a<br />

sua insatisfação no valor da aposentaria recebida,<br />

por ela não cobrir todas as suas despesas.<br />

De acordo com Habermas, o Estado paternalista<br />

age oferecendo benefícos aos cidadãos a<br />

fim de não permitir que ele se emancipe. Enquanto<br />

o paciente poderia participar de todo o<br />

processo público pela garantia de seus direitos<br />

(debates, fóruns, conferências, conselhos e outros),<br />

ele pensa em artifícios para ser beneficiado<br />

por esse Estado paternalista. Dessa forma,<br />

não há a emancipação do ser humano e sim o<br />

seu aprisionamento na teia do Estado.<br />

Cabe ao assistente social empregar a instrumenlidade<br />

com teor de racionalidade substantiva<br />

a fim de apresentar a real situação ao<br />

paciente: não há vagas suficientes para terapia<br />

renal substitutiva e o Estado gasta 60% do orçamento<br />

do TFD com pacientes renais crônicos. Se<br />

houvessem vagas suficientes e distribuídas nos<br />

municípios do Pará, o tempo de espera seria<br />

pequeno ou não existiria. Segundo Guerra<br />

(2004), o assistente social deve se libertar das<br />

amarras do conservadorismo profissional para<br />

promover a instrumentalidade. Logo, o profissional<br />

que aplica essa categoria, seguindo os preceitos<br />

da racionalidade substantiva, inerente ao<br />

serviço social, compreende as críticas de Habermas<br />

ao Estado paternalista, reflete sobre o assunto<br />

e repassa tal informação ao paciente.<br />

O welfare state, segundo Sandroni (1999),<br />

poderá no futuro corresponder a uma nação equitativa,<br />

onde serão alcançados os ideários da Revolução<br />

Francesa de igualdade, liberdade e fraternidade.<br />

Até o presente momento, na acepção de<br />

Barros (2009), ele só possibilitou a dominação da<br />

população e a coação da participação social. Nesta<br />

premissa, o Estado paternalista é traduzido pelo<br />

mesmo autor como aquele que não contava com a<br />

participação democrática. Esse Estado estaria incumbido<br />

de decidir através de altas esferas de governo<br />

o melhor para a sociedade, porém sem contar<br />

com a participação da mesma. Nesse modelo<br />

de Estado estão previstos benefícios ao cidadão a<br />

fim de proporcionar-lhes padrões de vida mínimos.<br />

Essas concessões não podem inibir ou desestimular<br />

o sujeito a lutar por seus direitos.<br />

A partir das falas de alguns entrevistados é<br />

possível perceber que a emancipação do cidadão<br />

é impedida de acontecer, quando o estado concede<br />

benefícios em vez de assegurar a saúde do<br />

cidadão. Habermas, conforme Deluiz (2009) discute<br />

que um diálogo com o cidadão de maneira<br />

clara e aberta possibilita a quebra da alienação.<br />

Logo, o assistente social possui postura pautada<br />

na instrumentalidade seguindo os preceitos da<br />

racionalidade substantiva, possibilita a partir de<br />

uma práxis a saída para o fim da alienação e o<br />

caminho para o processo de emancipação. “Em<br />

Economia Política, a alienação é um dos conceitos<br />

básicos do marxismo, significando a perda<br />

sofrida pelo trabalhador de uma parte de seu ser,<br />

quando o capitalista se apropria do fruto de seu<br />

trabalho” (SANDRONI, 1999, p.21).<br />

O indivíduo, portanto, se reconhece como<br />

sujeito de direitos a partir da autoconsciência.<br />

Deluiz (2009) enfatiza que o processo de emancipação<br />

haverá somente, segundo Habermas,<br />

quando o ser humano começar a questionar o<br />

que lhe é imposto pela instituição. A busca pelo<br />

motivo da longa fila de espera para terapia renal<br />

substitutiva, no caso dos pacientes renais crônicos,<br />

é um fator que contribui para a emancipação.<br />

Por intermédio do discurso atrelado à instrumentalidade<br />

repassado pela assistente social,<br />

o paciente precisa perceber o sistema do Estado<br />

que não assegura vaga para todos e não silenciar<br />

ao receber algum benefício.<br />

128<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010


A emancipação é possível a partir do momento<br />

em que o sujeito se percebe em condição<br />

de não cidadania, ou seja, seus direitos ainda não<br />

foram assegurados, os quais só serão quando houver<br />

o questionamento do significado do Estado<br />

paternalista. Nessa linha, Habermas apud Deluiz<br />

(2009) defende que o fim da alienação depende<br />

do reconhecimento do sujeito como cidadão de<br />

direitos. Para isso é necessário que seja atingida<br />

a plataforma da argumentação, ou seja, o paciente<br />

reconhece sua condição de exploração e luta<br />

por seus direitos após ter refletido e compreendido<br />

que eles lhe foram negados no que concerne<br />

ao longo período de espera por uma vaga.<br />

A concepção de cidadania completa só será<br />

alcançada, quando o sujeito perceber sua condição<br />

de exploração e começar a lutar por seus direitos.<br />

Dessa forma, o exercício da democracia<br />

consiste na conscientização de classes, na participação<br />

política e na reflexão da questão social e<br />

suas retrações, conforme Deluiz (2009).<br />

O assistente social, portanto, não deve agir<br />

sem refletir sobre a situação, ou seja, não deve<br />

pregar uma revolução sem medidas. Nesta perspectiva,<br />

precisa ter um discurso a partir de:<br />

o conceito de direito subjetivo desempenha<br />

um papel central na moderna<br />

compreensão do direito. Ele corresponde<br />

ao conceito de liberdade de ação<br />

subjetiva: direitos subjetivos (rights)<br />

estabelecem limites no interior dos<br />

quais um sujeito está justificado a<br />

empregar livremente sua vontade. E<br />

eles definem liberdades de ação iguais<br />

para todos os indivíduos ou pessoas<br />

jurídicas, tidas como portadoras de direitos<br />

(HABERMAS, 1997, p.113).<br />

Seguindo essa linha de pensamento, cabe<br />

citar aqui a equidade presente tanto nos princípios<br />

fundamentais do Código de Ética Profissional<br />

do Serviço Social: “Posicionamento em favor<br />

da equidade e justiça social, que assegure universalidade<br />

de acesso aos bens e serviços relativos<br />

aos programas e políticas sociais, bem como<br />

sua gestão democrática;”, quanto nas reflexões:<br />

Kant apoia-se neste artigo, ao formular<br />

o seu princípio geral do direito, segundo<br />

o qual toda ação é equitativa,<br />

quando máxima permite uma convivência<br />

entre a liberdade de arbítrio de<br />

cada um e a liberdade de todos, conforme<br />

uma lei geral. O primeiro capítulo<br />

da justiça, de Rawls, ainda segue a<br />

máxima: Todos devem ter o mesmo direito<br />

ao sistema mais abrangente possível<br />

de iguais liberdades fundamentais<br />

(HABERMAS, 1997, p. 114).<br />

Logo, o profissional que segue a instrumentalidade<br />

em postura de racionalidade substantiva<br />

está seguindo o seu código de ética e possui<br />

reflexões a partir de autores como Habermas<br />

que critica o Estado paternalista presente em<br />

ações como, por exemplo, oferecer um benefício<br />

em vez de garantir um direito assegurado por<br />

lei. Nesse caso o direito negado é o estabelecido<br />

na Portaria Ministerial n° 1101/2002: para cada<br />

15.000 habitantes é necessário haver uma máquina<br />

para diálise funcionando em três turnos.<br />

Recentemente foi inaugurado um novo<br />

centro de hemodiálise no município de Marituba,<br />

no estado do Pará. Esse centro tem capacidade<br />

para atender 132 pacientes renais crônicos à<br />

espera por uma vaga. Atualmente, segundo o<br />

jornal “Amazônia” de 31 de agosto de 2009, há<br />

210 pacientes renais crônicos cadastrados nas<br />

centrais de alta complexidade à espera por uma<br />

vaga. Se houvessem apenas 210 pacientes em<br />

todo Pará à espera, o número de leitos do novo<br />

centro seria um tanto quanto suficiente, porém<br />

só há dados para pessoas cadastradas. Dessa forma,<br />

há uma noção apenas da quantidade de pessoas<br />

internadas em hospitais esperando por uma<br />

vaga e há incertezas sobre quantos estão aguardando<br />

por uma vaga em outros locais.<br />

A acomodação de alguns pacientes diante<br />

desses dados e o desconhecimento de outros<br />

exigem a atuação do serviço social a partir da<br />

categoria instrumentalidade voltada para a racionalidade<br />

substantiva como de fundamental<br />

importância. Logo, é preciso compreender a presença<br />

do Estado paternalista diante da percep-<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010<br />

129


ção de que 40% dos pacientes entrevistados na<br />

FHCGV demonstraram passividade e ausência de<br />

consciência crítica sobre seus direitos.<br />

6 CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />

Durante a análise dos dados coletados foram<br />

perceptíveis traços da instrumentalidade<br />

do serviço social em uma dimensão de racionalidade<br />

substantiva com algumas limitações. Essas,<br />

por sua vez, são decorrentes da ausência<br />

de espaço que o profissional possui para realizar<br />

sua função de propagador do sistema de<br />

exploração vivenciado pelo indivíduo. Creio<br />

que instrumentalidade compreende um processo<br />

desencadeado a partir de ações do ponto<br />

de vista emancipatório por parte de assistentes<br />

sociais engajados com os preceitos de um<br />

serviço social reconceituado.<br />

Para lidar com o sujeito imerso na teia do<br />

Estado paternalista é extremamente necessário<br />

um profissional que parta de pressupostos da<br />

instrumentalidade do serviço social nessa racionalidade<br />

substantiva. As ações desse Estado são<br />

claras manifestações de impedimentos da<br />

emancipação defendida por Habermas conforme<br />

Deluiz (2009). Logo, percebeu-se nessa pesquisa<br />

ações desse Estado e compreendeu-se que<br />

fica a cargo do assistente social combatê-las.<br />

Ressalta-se que esse profissional não é o “salvador<br />

da pátria”, mas sim parte de uma profissão<br />

contrária à exploração humana.<br />

A partir da análise dos dados empíricos procurou-se<br />

apresentar o processo de passividade e<br />

ausência de consciência crítica por parte de alguns<br />

pacientes entrevistados na FHCGV. Partindo<br />

desse pressuposto atrelaram-se à situação de<br />

passividade as críticas traçadas por Habermas ao<br />

Estado paternalista. Interligou-se ainda a situação<br />

do assistente social e a categoria instrumentalidade<br />

pautada na racionalidade substantiva,<br />

que deveria ser inerente a todos os profissionais<br />

dessa área, mas não é devido a entraves institucionais<br />

e à acomodação de alguns profissionais.<br />

Nessa premissa são perceptíveis vários desafios<br />

que o serviço social possui para o término<br />

da condição de exploração do indivíduo. É válido<br />

ressaltar que isso não se constitui em tarefa única<br />

e exclusiva do assistente social, mas representa<br />

um processo de construção que deve ocorrer a<br />

partir da conscientização de toda a população. A<br />

gênese do serviço social reconceituado prega o<br />

fim da exploração e do processo de alienação.<br />

Logo, é extremante necessário que o profissional<br />

não cruze os braços, mas, aplique a instrumentalidade<br />

pautada na racionalidade substantiva a fim<br />

de assegurar o direito ao cidadão.<br />

Habermas critica o Estado paternalista e suas<br />

estratégias de dominação, segundo Deluiz (2009).<br />

Cabe, portanto, o reconhecimento da categoria<br />

instrumentalidade a fim de que o profissional de<br />

serviço social apresente durante a sua atuação a<br />

situação da ausência de vagas para terapia renal<br />

substitutiva como expressão da questão social. A<br />

partir disso é perceptível a seguinte reflexão: há<br />

a dominação exercida pelo Estado paternalista e,<br />

diante disso, a assistente social deve se posicionar<br />

seguindo a instrumentalidade voltada para<br />

ações da racionalidade substantiva como categoria<br />

inerente à profissão, explicando ao paciente<br />

sua condição de negação de direito a fim de que<br />

possa ser estabelecida a consciência crítica desse<br />

paciente, formando assim um sujeito de direitos<br />

capaz de refletir e exercer sua cidadania.<br />

Assim, o serviço social competente e crítico,<br />

capaz de decifrar as desigualdades que se<br />

expressam na política de saúde voltada ao atendimento<br />

dos pacientes renais crônicos, não pode<br />

negar que nas muitas determinações constantes<br />

na Lei Orgânica da Saúde – LOS 8080 não se<br />

aplica à disparidade entre a quantidade de pacientes<br />

renais crônicos e o número de vagas destinadas<br />

à terapia renal substitutiva. O assistente<br />

social, portanto, precisa exercer sua prática profissional<br />

enredada na instrumentalidade do serviço<br />

social pautada na racionalidade substantiva,<br />

a fim de proporcionar a emancipação e o caminho<br />

para a cidadania plena.<br />

130<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010


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