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M:\EDITORA\EDITORA 2009\EDITORA - Unama

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MOVENDO IDÉIAS<br />

REVISTA DO CENTRO DE ESTUDOS<br />

SOCIAIS APLICADOS<br />

1


2<br />

MOVENDO IDÉIAS<br />

REVISTA DO CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS<br />

C 2008, UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA<br />

REITOR<br />

Édson Raymundo Pinheiro de Souza Franco<br />

VICE-REITOR<br />

Antonio de Carvalho Vaz Pereira<br />

PRÓ-REITOR DE ENSINO<br />

Mário Francisco Guzzo<br />

PRÓ-REITORA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO<br />

Núbia Maria de Vasconcelos Maciel<br />

DIRETOR DO CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS<br />

ILMAR LOPES SOARES<br />

ASSESSOR DA DIREÇÃO DO CESA<br />

ROBERTO CARLOS QUINTELA DE ALCÂNTARA<br />

COORDENADORA DO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO<br />

FÍBIA BRITO GUIMARÃES<br />

COORDENADORA ADJUNTA<br />

ELAINE CRISTINA GRECCHI GONÇALVES<br />

COORDENADOR DO CURSO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS<br />

JOSÉ NONATO DA SILVA<br />

COORDENADORA ADJUNTA<br />

ANA SABRINA SILVA FAVACHO<br />

COORDENADOR DO CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS<br />

KLEBER ANTÔNIO DA COSTA MOURÃO<br />

COORDENADORA DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL<br />

ALDA CRISTINA SILVA DA COSTA<br />

COORDENADOR ADJUNTO DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL<br />

RELIVALDO PINHO DE OLIVEIRA<br />

COORDENADORA DO CURSO DE DIREITO<br />

CRISTINA SILVIA ALVES LOURENÇO<br />

COORDENADORAS ADJUNTAS DO CURSO DE DIREITO<br />

ELIANA MARIA DE SOUZA FRANCO TEIXEIRA<br />

MARIA ALIDA SOARES VAN DEN BERG<br />

COORDENADOR DO CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS<br />

FÉLIX GERARDO IBARRA PRIETO<br />

ASSESSOR DO CESA<br />

JOSÉ NONATO DA SILVA<br />

EXPEDIENTE<br />

EDIÇÃO: Editora UNAMA<br />

RESPONSÁVEL: João Carlos Pereira<br />

SUPERVISÃO: Helder Leite<br />

NORMALIZAÇÃO: Maria Miranda<br />

FORMATAÇÃO GRÁFICA: Elailson Santos<br />

REVISÃO DE TEXTO: Noely Mesquita<br />

IMPRESSÃO:<br />

“Campus” Alcindo Cacela<br />

Av. Alcindo Cacela, 287<br />

66060-902 - Belém-Pará<br />

Fone geral: (91) 4009-3000<br />

Fax: (91) 3225-3909<br />

“Campus” BR<br />

Rod. BR-316, km3<br />

67113-901 - Ananindeua-Pa<br />

Fone: (91) 4009-9200<br />

Fax: (91) 4009-9308<br />

Catalogação na fonte<br />

www.unama.br<br />

“Campus” Quintino<br />

Trav. Quintino Bocaiúva, 1808<br />

66035-190 - Belém-Pará<br />

Fone: (91) 4009-3300<br />

Fax: (91) 4009-0622<br />

“Campus” Senador Lemos<br />

Av. Senador Lemos, 2809<br />

66120-901 - Belém-Pará<br />

Fone: (91) 4009-7100<br />

Fax: (91) 4009-7153<br />

T759tt Movendo Idéias: Revista do Centro de Estudos Sociais Aplicados. Belém: UNAMA, v. 13, n. 2,<br />

nov. 2008<br />

142 p.<br />

ISSN: 1517-199x<br />

1. Administração. 2. Contabilidade. 3. Comunicação. 4. Direito. 5. CESA - periódicos. 6.<br />

UNAMA. - periódicos. I. Título.<br />

CDD: 050


SUMÁRIO<br />

EDITORIAL ........................................................................................................................................ 5<br />

ELECCIONES Y DERECHO FUNDAMENTAL A LA HOMOAFECTIVIDAD<br />

Jorge Augusto de Medeiros Pinheiro............................................................................................... 7<br />

COMBINAÇÃO DE TÉCNICAS PARA CONSTRUÇÃO DE UM MODELO DE CREDIT SCORING,<br />

USANDO ANÁLISE DISCRIMINANTE<br />

Marcos dos Santos Dutra<br />

Elenice Biazi ................................................................................................................................... 23<br />

CURSOS SEQUENCIAIS: uma ferramenta de flexibilização às organizações<br />

Artur Vicente da Costa<br />

Joaquim Augusto Souza de Menezes<br />

Leila Márcia Sousa de Lima Elias<br />

Maria de Fátima Ferreira Seabra .................................................................................................... 33<br />

O SUJEITO E O SONHO NA ERA DA FRAGMENTAÇÃO: Clube da Luta e Pós-Modernidade<br />

Enderson Oliveira<br />

Fabrício Ferreira<br />

Thamiris de Sousa<br />

Relivaldo de Oliveira ..................................................................................................................... 45<br />

3<br />

A FACE INSUSPEITA DO PODER: um estudo sobre a analítica do poder em Michel Foucault<br />

Ronald Valentim Gomes Sampaio .................................................................................................. 59<br />

COOPERAÇÃO CHINA-ÁFRICA<br />

Renan Almeida de Farias ............................................................................................................... 75<br />

DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS NA AMAZÔNIA: atores, perspectivas e ação<br />

Voyner Ravena Cañete<br />

Nirvia Ravena de Souza .................................................................................................................. 83<br />

IMPLICAÇÕES PROCESSUAIS DA NOVA DISCIPLINA DA EVICÇÃO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002<br />

Ágatha Gonçalves Santana ............................................................................................................. 97<br />

A CONTABILIDADE COMO UMA FERRAMENTA DE MENSURAÇÃO DE PROJETOS DE<br />

CRÉDITOS DE CARBONO<br />

Marisa Luchtenberg Pagunssat .................................................................................................... 109<br />

AGENDA 21 GLOBAL: um estudo acadêmico sobre a importância das<br />

Ciências Contábeis para o desenvolvimento sustentável<br />

Edgar de Lima Silva ....................................................................................................................... 127


EDITORIAL<br />

OCentro de Estudos Sociais Aplicados, com orgulho, apresenta mais esta edição da<br />

Revista MOVENDO IDÉIAS, para que todos tenham a oportunidade de ampliar seus<br />

conhecimentos acerca do mundo que nos rodeia, e das mudanças que constantemente<br />

acontecem e para as quais nem sempre estamos preparados.<br />

Nesta edição da revista MOVENDO IDÉIAS a comunidade acadêmica é brindada com<br />

dez artigos de altíssimo nível, selecionados dentre tantos que chegam ao nosso Conselho<br />

Editorial, escritos por professores e alunos do Centro de Estudos Sociais Aplicados, dos<br />

demais centros de estudos da Universidade ou ainda por com autores de outras Instituições<br />

de Ensino Superior, que nos procuram com artigos e ensaios técnicos para publicação, o que<br />

nos da um imenso prazer.<br />

Os artigos aqui apresentados contemplam, com pertinência, um cenário diversificado<br />

que permeia as diversas áreas de estudos das Ciências Sociais Aplicadas, com especial<br />

enfoque na Administração, nas Ciências Contábeis, nas Relações Internacionais e nas Ciências<br />

Sociais e Jurídicas.<br />

Recomendamos uma leitura acurada dos artigos aqui publicados, a saber:<br />

• ELECCIONES Y DERECHO FUNDAMENTAL A LA HOMOAFECTIVIDAD;<br />

• AÇÃO DE TÉCNICAS PARA CONSTRUÇÃO DE UM MODELO DE CREDIT SCORING,<br />

USANDO ANÁLISE DISCRIMINANTE;<br />

• CURSOS SEQUENCIAIS: uma ferramenta de flexibilização às organizações;<br />

• O SUJEITO E O SONHO NA ERA DA FRAGMENTAÇÃO: Clube da Luta e Pós-Modernidade;<br />

• A FACE INSUSPEITA DO PODER: um estudo sobre a analítica do poder em Michel Foucault;<br />

• COOPERAÇÃO CHINA-ÁFRICA;<br />

• DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS NA AMAZÔNIA: atores, perspectivas e ação;0<br />

• IMPLICAÇÕES PROCESSUAIS DA NOVA DISCIPLINA DA EVICÇÃO NO CÓDIGO CIVIL DE<br />

2002;<br />

• A CONTABILIDADE COMO UMA FERRAMENTA DE MENSURAÇÃO DE PROJETOS DE<br />

CRÉDITOS DE CARBONO;<br />

• AGENDA 21 GLOBAL: um estudo acadêmico sobre a importância das Ciências Contábeis<br />

para o desenvolvimento sustentável.<br />

Agradecemos a todos que tornaram possível esta publicação, e convocamos você para<br />

que faça parte também da Revista MOVENDO IDÉIAS, contribuindo com o seu talento e seus<br />

conhecimentos para mudar e aperfeiçoar nossa realidade, encaminhando um artigo para publicação<br />

nos próximos números de nossa revista.<br />

5<br />

Ilmar Lopes Soares<br />

Diretor do Centro de Estudos Sociais aplicados


ELECCIONES Y DERECHO<br />

FUNDAMENTAL A<br />

LA HOMOAFECTIVIDAD<br />

7<br />

Jorge Augusto de Medeiros Pinheiro<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008


ELECCIONES Y DERECHO<br />

FUNDAMENTAL A LA HOMOAFECTIVIDAD<br />

Jorge Augusto de Medeiros Pinheiro*<br />

RESUMEN<br />

Este trabajo tiene por objetivo analizar las uniones<br />

homoafectivas frente al caso concreto de<br />

las elecciones, sobre una visión de los derechos<br />

fundamentales, con base en la teoría tridimensional<br />

del derecho, de Werner Goldschmidt y<br />

de Miguel Reale, con una mirada sociológica,<br />

normológica y axiológica. Finalmente se concluye<br />

que las personas y las iglesias no deben<br />

olvidar que el mundo de hoy es plural y que<br />

todas las naciones buscan el ejercicio de los<br />

derechos sociales individuales, la libertad, la<br />

seguridad, el bienestar, el desarrollo, la igualdad<br />

y la justicia como valores supremos de una<br />

sociedad fraterna, pluralista y sin prejuicios.<br />

Palabras Clave: Uniones homoafectivas. Derechos<br />

fundamentales. Elecciones y homoafectividad.<br />

Homoafectividad y la teoría tridimensional<br />

del derecho. Derechos humanos y uniones<br />

homoafectivas.<br />

1 INTRODUCCIÓN<br />

Teniendo como base a la Carta de las<br />

Naciones Unidas y su importancia para la fraternidad,<br />

la libertad, la justicia y la paz en el mundo,<br />

los que son soportes para el reconocimiento<br />

de la dignidad intrínseca y de los derechos<br />

iguales e inalienables de todos los miembros<br />

de la familia humana.<br />

La Declaración Universal de Derechos<br />

Humanos de las Naciones Unidas y la Declaración<br />

Americana de los Derechos y Deberes del<br />

Hombre de la Organización de los Estados Americanos<br />

que tienen casi 60 años y la más reciente,<br />

con 39 años, es la Convención Americana<br />

sobre Derechos Humanos, conocida como Pacto<br />

de San José de Costa Rica, ambas establecen<br />

que todos los seres humanos nacen libres e<br />

iguales en dignidad y derechos, no habiendo<br />

distinción alguna de raza, color, sexo, idioma,<br />

religión, opinión política o de cualquier otra índole,<br />

origen nacional o social, posición económica,<br />

nacimiento o cualquier otra condición y<br />

también establece el deber de convivir con otras<br />

personas, de manera que todas y cada una de<br />

ellas puedan formar y desenvolver íntegramente<br />

su personalidad, siendo este un deber ante<br />

la sociedad.<br />

A pesar del tiempo que ha pasado, que<br />

es considerable, pocas cosas han cambiado en<br />

el mundo. La mayor meta de esas declaraciones<br />

es consagrar el principio de la igualdad de toda<br />

persona humana y eso también lo contienen<br />

todas las Constituciones Nacionales de los países<br />

occidentales.<br />

Puede decirse que hasta los días de hoy,<br />

en virtud de un fuerte trazo conservador en la<br />

sociedad, y por la difícil posibilidad de vencer<br />

las barreras y prejuicios impuestos por esa misma<br />

sociedad, los homosexuales no gozan de algunos<br />

derechos de los que si gozan los heterosexuales.<br />

Quién busca una felicidad fuera de<br />

los padrones aceptados por la sociedad, debe<br />

vivir en la marginalidad.<br />

* Abogado. Doctor en Ciencias Empresariales/Argentina. Profesor<br />

Adjunto IV de la Universidad Federal de Pará. Doctorando<br />

en Derecho Penal y Ciencias Penales/Argentina. Profesor<br />

Visitante de Doctorado en Derecho de la Universidad de<br />

Museo Social Argentino y de la Universidad de Ciencias Empresariales<br />

y Sociales - Argentina.<br />

9<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008


10<br />

Las uniones homoafectivas, término<br />

utilizado por Maria Berenice Dias, en su libro<br />

Unión Homosexual: el prejuicio y la justicia, están<br />

sujetas a una resistencia muy fuerte por<br />

parte de la sociedad, en virtud de haber contrariado<br />

la orden natural de las cosas y el padrón<br />

estipulado, que no puede ser quebrado.<br />

En este trabajo, se investigará con base<br />

en la Teoría Tridimensional del Derecho de Werner<br />

Goldschmidt y de Miguel Reale, con una visión<br />

sociológica, normológica y axiológica.<br />

2 DIMENSIÓN SOCIOLÓGICA<br />

2.1 DISCRIMINACIÓN Y LIBERTAD<br />

Las personas que sufren discriminaciones<br />

son, por ejemplo, los negros, los judíos, los<br />

pobres, los homosexuales, los indios, los orientales<br />

(en el mundo occidental) y las mujeres<br />

(en el mundo oriental e islámico). Ellos sufren<br />

este tipo de discriminaciones por ser diferentes<br />

de los modelos estipulados por la sociedad<br />

o por encontrarse fuera de esos padrones, por<br />

lo que son consideradas minorías sociales.<br />

A pesar de que los derechos humanos<br />

estipulan que no deberá existir discriminación<br />

por motivos de raza, sexo y posición económica,<br />

esas personas continúan no siendo aceptas<br />

por la sociedad.<br />

Algunos autores consideran la sexualidad<br />

como un derecho de primera generación,<br />

en el mismo status que la libertad y la igualdad.<br />

La libertad comprende el derecho a la libertad<br />

sexual, unida al derecho de tratamiento igualitario,<br />

e independiente de la tendencia sexual.<br />

Trátase de una libertad individual, es decir, de<br />

un derecho del individuo y como todos los derechos<br />

de primera generación son inalienables<br />

e imprescriptibles. Es un derecho natural que<br />

acompaña el ser humano desde su nacimiento,<br />

pues viene de su propia naturaleza.<br />

Considérase la libre orientación sexual<br />

como un derecho de segunda generación. La<br />

discriminación y el prejuicio de los que son blancos<br />

los homosexuales dan origen a una categoría<br />

digna de protección. A pesar de que la hiposufiencia<br />

puede ser considerada solamente por<br />

el lado económico, debe elastizarse su significado.<br />

Este es un presupuesto y causa de un especial<br />

tratamiento dispensado por el derecho,<br />

tanto que son reconocidos como hiposufientes<br />

el anciano, el niño, el deficiente o portador de<br />

necesidades especiales, el negro, el judío, la<br />

mujer, el aborigen, porque siempre fueron blancos<br />

de exclusión social.<br />

La hiposuficiencia social que se da por<br />

prejuicios y discriminación genera, por reflejo,<br />

la hiposufiencia jurídica. La ausencia de norma<br />

jurídica lleva al margen del Derecho, a ciertas<br />

categorías sociales, cuyo criterio de clasificación<br />

no es el económico. No se puede, por lo tanto,<br />

dejar de incluir como hiposufientes a los<br />

homosexuales. Aun cuando vengan de una condición<br />

económica suficiente, puede decirse son<br />

social y jurídicamente hiposuficientes.<br />

El derecho a la sexualidad avanza para ser<br />

inserto como un derecho de tercera generación,<br />

que comprende los derechos corrientes en la naturaleza<br />

humana, tomados no individualmente,<br />

sino más genéricamente, solidariamente.<br />

La realización integral de la humanidad<br />

abarca todos los aspectos necesarios a la preservación<br />

de la dignidad humana e incluye el<br />

derecho del ser humano de exigir respeto al libre<br />

ejercicio de su sexualidad. Es un derecho<br />

de todos y de cada uno, a ser garantizado a cada<br />

individuo por todos los individuos, puede decir<br />

que es un derecho de solidaridad, sin lo cual la<br />

condición humana no se realiza, no es integral.<br />

Es indudable que la sexualidad es un<br />

elemento de la propia naturaleza humana, sea<br />

individualmente, sea genéricamente considerada.<br />

Sin libertad sexual, sin derecho al libre<br />

ejercicio de la sexualidad, sin opción sexual libre,<br />

el propio género humano no se realiza, falta<br />

la libertad, que es un derecho fundamental<br />

de la persona humana.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008


La doctrina y la jurisprudencia de los<br />

tribunales han desempeñados papeles importantes<br />

para un cambio de mentalidad. En Brasil,<br />

el término concubinato, no es más utilizado,<br />

fue cambiado para una expresión moderna<br />

llamada unión estable. La alteración del término,<br />

que era usado para relaciones extramatrimoniales,<br />

fue provocada por los operadores<br />

del derecho. La justicia al extraer consecuencias<br />

jurídicas de esas relaciones de hecho, hizo<br />

con que la Carta Magna brasileña tuviese un<br />

contenido reconociendo esa relación como<br />

entidad familiar.<br />

2.2 ADOPCIÓN POR HOMOSEXUALES<br />

La teoría de la degeneración, que hizo<br />

escuela largamente en ámbitos científicos y silvestres<br />

sustentaba la tesis de que a padres heterosexuales,<br />

hijos heterosexuales, por lo que<br />

un hijo homosexual sería producto de la degeneración<br />

de lo normal.<br />

Tributaria de aquella teoría surge una<br />

que dictamina que a padres homosexuales, hijos<br />

homosexuales. Hay numerosos casos de hijos<br />

de parejas homosexuales, donde sus hijos<br />

son heterosexuales. El desarrollo psicoemocional<br />

de esos hijos, tira por la borda las manifestaciones<br />

prejuiciosas acerca de los trastornos<br />

identificatorios, la habilidad identitaria y sobre<br />

todo esquemas preformados de elección de<br />

objeto amoroso.<br />

Algunas corrientes acreditarían que serían<br />

degenerados y son normales por casualidad,<br />

sostienen que seguramente profundizando<br />

en sus cualidades psíquicas se descubrirán<br />

las huellas patológicas de la situación antinatural<br />

a la que fueron sometidos.<br />

Para algunas personas es horroroso que<br />

se permita que un niño o una niña abandonados<br />

sean adoptados por homosexuales. No hay<br />

la misma manifestación de horror hacia el<br />

maltrato cotidiano, las vejaciones, abusos y violaciones<br />

que suelen sufrir a veces en sus hogares<br />

de origen, o siempre, en las instituciones<br />

de internación, sin olvidar los niños en las calles,<br />

que están abandonados por su familia y por<br />

el gobierno.<br />

La pregunta básica que subyace es si<br />

la orientación sexual de una persona que quiere<br />

adoptar es determinante para sus chances<br />

de lograrlo. Si bien podría argumentarse<br />

erróneamente que la cuestión de fondo pasa<br />

porque la sociedad determina que el niño<br />

debe ser criado en una situación de familia<br />

clásica, con roles claros y funciones anatómica<br />

y socialmente determinadas, este argumento<br />

escatima la cuestión que lo que subyace<br />

es la discriminación hacia la homosexualidad,<br />

los miedos, los prejuicios y el horror que<br />

esto despierta.<br />

Hoy, la ciencia admite que los niños y<br />

niñas que crecen con padres gays, lesbianas, travestis,<br />

transexuales, bisexuales o intersexo se<br />

desarrollan en forma normal en lo cognitivo, social<br />

e emocional, pensando lo normal como un<br />

equilibrio dinámico y no como una ausencia de<br />

conflicto, pues eso escapa a la especie humana.<br />

Esa situación fue el caso de la Asociación<br />

de Pediatras Americanos, con sede en Nueva<br />

York, que tuvo que admitir que la orientación<br />

sexual de quienes ejercen las funciones<br />

maternas y paternas no genera ninguna patología<br />

en particular.<br />

La cuestión de que las trabas para la<br />

adopción monoparental son infinitamente menores,<br />

salvo en aquellos casos en que sospecha<br />

de la orientación sexual del solicitante abona<br />

estos dichos.<br />

El determinar la aptitud de alguien<br />

para adoptar, situación que debe establecerse<br />

fehacientemente no pasa, al menos desde<br />

la perspectiva psicológica, por la orientación<br />

sexual, sino por otras cuestiones entre las<br />

cuales el deseo de tener un hijo no es precisamente<br />

menor.<br />

11<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008


12<br />

2.3 LA MORAL Y EL PENSAMIENTO DE LA IGLE-<br />

SIA CATÓLICA<br />

Buscar un lugar para la minoría homosexual<br />

en la sociedad no es un problema reciente.<br />

Aristófanes, en uno de los diálogos en el Symposium,<br />

de Platón, decía que la raza humana fue<br />

creada con tres géneros: los doblemente machos,<br />

las doblemente hembras y los que eran<br />

macho y hembra al mismo tiempo. Cada uno de<br />

ellos con cuatro piernas y cuatro brazos.<br />

Como toda buena mitología griega, en algún<br />

momento las criaturas fueron punidas por los<br />

dioses, que las separan en dos partes. Aristófanes<br />

concebio una parábola para el amor en los tiempos<br />

modernos, contemplando el relacionamiento<br />

no sólo entre hombres y mujeres, más también<br />

entre hombre y hombre, y mujeres y mujeres.<br />

Al estar delante de ese tipo de reflexión,<br />

gran parte de las personas alega valores<br />

morales para ubicarse contra la unión civil entre<br />

dos personas del mismo sexo.<br />

En febrero de 2003, cuando George W.<br />

Bush propone una enmienda en la Constitución<br />

americana prohibiendo que homosexuales se<br />

casen, alegó que actuara para proteger la institución<br />

más fundamental de la civilización.<br />

No hay duda, que las personas que profesan<br />

la religión católica tienen derecho a contraer el<br />

matrimonio que ellos consideran único e indivisible,<br />

pero eso no obliga al resto de los ciudadanos.<br />

La Iglesia Católica considera una propuesta<br />

errónea e injusta y un retroceso democrático<br />

aquellos países que establecieran la unión<br />

civil de parejas de mismo sexo. Eso modelo de<br />

razonamiento es seguido por parte de la prensa.<br />

El comentarista Charles Krauthammer escribió<br />

en la revista Time que la mayoría de los americanos<br />

consideraba las parejas homosexuales<br />

“moral y psicológicamente repugnantes y no<br />

merecedores de aprobación social”, pero olvidó<br />

de mencionar que en los Estados Unidos, la<br />

concordancia con el casamiento entre personas<br />

del mismo sexo oscila poco debajo del 50%.<br />

Para entender cuales son los valores fundamentales<br />

de ese rechazo, es necesario mirar<br />

para la más común de su origen, que es la religión.<br />

Todas las grandes religiones monoteístas rechazan<br />

el sexo homosexual. Islamismo, judaísmo<br />

y cristianismo lo consideran antinatural. En<br />

el Levítico, la Biblia asevera que “si un hombre se<br />

acostase con otro hombre como si fuese una<br />

mujer, ambos cometerían una cosa abominable.<br />

La punición será la muerte”. En la verdad, esas<br />

personas romperían con un acuerdo histórico.<br />

Las iglesias consideran que el casamiento<br />

es una unión de amor entre hombre y<br />

mujer, para toda la vida y con objetivo de procrear<br />

y educar los niños. Gays y lesbias, por lo<br />

tanto, son incapaces de cumplir integralmente<br />

la misión primordial del casamiento.<br />

Si no hay duda sobre la condena bíblica a<br />

la homosexualidad, los objetivos del matrimonio<br />

parecen ser aliviados por los religiosos en<br />

otras situaciones. Ninguna iglesia prohibe el casamiento<br />

de personas estériles, o sea, que no<br />

pueden procrear o de personas con una cierta<br />

edad, que también no pueden más tener niños.<br />

Conforme los sociólogos, la respuesta<br />

está fuera de la Biblia. A pesar de justificada en<br />

valores religiosos, la condena a la homosexualidad<br />

es fundamentada en un concepto llamado<br />

de tradicionalismo. En general, las personas<br />

tienen dificultad de lidiar con cuestiones cuyas<br />

respuestas van a confrontar con lo que se presenta<br />

como correcto. No hay duda que mirar los<br />

homosexuales como iguales, es una novedad<br />

radical en la realidad de los heterosexuales.<br />

3 DIMENSIÓN NORMOLÓGICA<br />

3.1 LA HOMOAFECTIVIDAD EN EL DERECHO<br />

COMPARADO<br />

Los países nórdicos fueron los primeros<br />

en aceptar personas del mismo sexo, que se<br />

uniesen como pareja homosexual. Del lado opuesto<br />

esta la mayoría de los países árabes, que<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008


condenan a prisión, a quienes tienen relaciones<br />

sexuales con personas del mismo sexo, y<br />

en el caso de Africa, esta Zimbabwe, cuyo dictador<br />

mira a los gays como “subanimales” y “sin<br />

derechos”. En la última década, el mundo poco<br />

a poco empezó a mostrar naciones que garantizan<br />

derechos a los gays y otras que no les reconocen<br />

como ciudadanos.<br />

3.1.1 Dinamarca<br />

Fue el primer país en el mundo a legislar<br />

sobre unión civil homosexual, a través de<br />

una ley llamada Danish Registred Partnership<br />

Act, en 7 de junio de 1989, con vigencia en 1º de<br />

octubre de 1989.<br />

Esa ley produjo los mismos efectos legales<br />

que el contrato de casamiento, excepto la<br />

adopción, hay también otra exigencia, en el caso<br />

de extranjeros, que por lo menos uno de la pareja<br />

debe ser danés, con domicilio y residencia.<br />

Otro detalle, es que la solución de los<br />

problemas patrimoniales, cuando termina la<br />

relación, tiene como regla el Principio del Enriquecimiento<br />

Sin Causa, que dispone que un<br />

compañero o una compañera no tiene derecho<br />

de tomar posesión de un inmueble o de los objetos<br />

domésticos que pertenece al otro.<br />

3.1.2 Noruega<br />

Promulgó la Ley n. 40, denominada Lov on<br />

Registred Patnerskap, en 30 de abril de 1993. Esa<br />

ley prohibe expresamente la adopción, pero los<br />

compañeros pueden ejercer la patria potestad y<br />

con relación a los derechos patrimoniales, la pareja<br />

es considerada propietaria en partes iguales.<br />

3.1.3 Suecia<br />

Partenariat, fue la ley aprobada en 26<br />

de julio de 1994 en ese país sobre pareja homosexual.<br />

Hay previsión legal en los derechos patrimoniales,<br />

donde toda propiedad adquirida<br />

en la constancia de la pareja deberá ser dividida<br />

igualmente, al término de la relación. La edad<br />

mínima para formar una pareja, es 18 años. En<br />

el caso de extranjeros, exígese que uno de los<br />

compañeros tenga ciudadanía y domicilio establecido<br />

en Suecia y es vedada la adopción individual<br />

o conjunta.<br />

El Contrato de Unión Civil es oficializado<br />

en la Intendencia o en la Casa Legislativa de<br />

la Municipalidad. Establece también que la disolución<br />

del contrato civil, puede ser considerado<br />

un acto civil, es decir, habrá intervención<br />

judicial y sus requisitos y procedimientos son<br />

los mismos que se aplican al casamiento.<br />

3.1.4 Islandia<br />

En 4 de junio de 1996 fue promulgada la<br />

ley que posibilita el registro de unión civil, estableciendo<br />

que la pareja puede tener el ejercicio<br />

de la patria potestad.<br />

3.1.5 España<br />

En 30 de junio de 1998, España aprobó<br />

una ley que reconoce la unión civil, definiendo<br />

como Unión Estable de Pareja Formada por Dos<br />

Personas del Mismo Sexo Viviendo de Manera<br />

Marital.<br />

Actualmente, el gobierno de José Luis<br />

Rodríguez Zapatero aprobó el anteproyecto de<br />

ley que permitirá el matrimonio de personas<br />

del mismo sexo. La principal razón por lo cual el<br />

gobierno aprobó esa medida, es el reconocimiento<br />

de derechos de los homosexuales a formar<br />

familias y a dejar de ser ciudadanos de “segunda”,<br />

conforme declaración del presidente<br />

del gobierno.<br />

Es interesante mirar las palabras textuales<br />

del jefe de gobierno ejecutivo español José<br />

Luís Rodríguez Zapatero (2004) dichas para el<br />

diario El País, de Madrid, y su importancia, en<br />

virtud de España ser un país predominantemente<br />

católico:<br />

13<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008


14<br />

Los homosexuales tienen todas las<br />

obligaciones como ciudadanos y sin<br />

embargo, se les niegan algunos derechos.<br />

Lo que quiere el gobierno es que<br />

estos ciudadanos que todos conocemos,<br />

porque son amigos, parientes o<br />

compañeros de trabajo, dejen de ser<br />

de segunda y tengan plenos derechos,<br />

lo que incluye que puedan formar una<br />

familia (ZAPATERO, 2004, p.3).<br />

En el ámbito del PSOE – Partido Socialista<br />

Operario Español, el responsable de Movimientos<br />

Sociales y ONG, Pedro Zerolo, aseguró<br />

que la ley “no va contra nadie”, sino a favor de<br />

una sociedad en la que quepan todos.<br />

3.1.6 Francia<br />

Ese país aprobó el Pacto Civil de Solidaridad,<br />

a través de la Ley n. 944, en 15 de noviembre<br />

de 1999 y con varios decretos reglamentarios,<br />

n. 1089, n. 1090 y 1.091, en 21 de diciembre<br />

de 1999.<br />

El Pacto Civil de Solidaridad es un contrato<br />

celebrado entre dos personas mayores de<br />

edad del mismo sexo o diferentes, con lo desideratum<br />

de organizar la vida en común. Ese pacto<br />

no tiene efecto en el estado civil de las personas,<br />

una vez que la transcripción del estado<br />

civil no será en el registro público, más sobre<br />

un registro particular.<br />

Un detalle de la ley es que personas<br />

menores de edad, mismo emancipadas, no pueden<br />

firmar el pacto; la forma de división de los<br />

bienes deberá estar prevista, es necesario también<br />

constar en el pacto la descripción de la forma<br />

con la cual cada compañero contribuirá para<br />

la vida en común.<br />

El pacto deberá ser presentado en dos<br />

vías, mencionando que las cláusulas allí contenidas<br />

tiene como fundamento la Ley del Pacto Civil<br />

de Solidaridad, siendo llevado por las partes a<br />

la Notaría del Tribunal Común y presentar la documentación<br />

exigida, o sea, partida de nacimiento,<br />

certificado de domicilio, comprobante de<br />

nacionalidad, etc. Si una de las partes es de nacionalidad<br />

extranjera, el pacto será celebrado en<br />

el consulado o embajada correspondiente.<br />

Es interesante observar, que el pacto prevé<br />

la total cobertura médica al compañero descubierto,<br />

en caso de muerte del compañero asegurado.<br />

El compañero superviviente tendrá derechos<br />

a la pensión. Otro detalle, es que casando<br />

uno de los compañeros, el pacto esta extinto.<br />

3.1.7 Holanda<br />

La ley es denominada de Act on the<br />

Opening Up of Marriage, fue publicada el 11 de<br />

enero de 2001, entró en vigor en abril del mismo<br />

año. La aprobación de la ley que permite los<br />

matrimonios entre homosexuales fue saludada<br />

con aplausos y abrazos entre el público que<br />

siguió el debate desde las tribunas del Parlamento<br />

holandés.<br />

Es considerada la ley más liberal sobre<br />

homosexualidad. La edad mínima requerida<br />

para el casamiento y unión homosexual registrada<br />

es 18 años. Sólo la adopción, también permitida,<br />

presenta dos requisitos singulares. La<br />

pareja precisa al menos tres años de convivencia<br />

y por lo menos uno de los compañeros deberá<br />

ser ciudadano holandés y tener su domicilio<br />

y residencia habitual en Holanda, en caso de<br />

extranjeros. Los niños deben tener la nacionalidad<br />

holandesa.<br />

3.1.8 Alemania<br />

En Alemania se reconoce la unión civil,<br />

la ley empezó a regir el 1º de agosto de 2001. La<br />

ley tiene beneficios como la inclusión al seguro<br />

de salud y la reglamentación de herencia, pero<br />

prohibe la adopción. La unión civil para tener<br />

efectos deberá ser registrada ante el Instituto<br />

para el derecho de la Familia.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008


3.1.9 Argentina<br />

La Ciudad Autónoma de Buenos Aires reconoce<br />

la unión civil desde 12 de diciembre de<br />

2002. La ley protege la unión conformada por dos<br />

personas con independencia de su sexo o orientación<br />

sexual, que hayan convivido en una relación<br />

de afectividad estable y pública por un período<br />

mínimo de dos años. Prohibe que entre los integrantes<br />

haya descendencia en común y no pueden<br />

constituir unión civil los menores de edad.<br />

Los integrantes de la unión civil deben<br />

tener domicilio legal en la Ciudad Autónoma<br />

de Buenos Aires, inscripto con por lo menos dos<br />

años y pueden inscribir la unión en el Registro<br />

Público de Uniones Civiles.<br />

Algunas corrientes doctrinarias son contrarias<br />

a la unión civil en Argentina, pero hay<br />

aquellos que defienden, como Andrés Gil Domínguez<br />

(2003), Profesor de Derecho Constitucional<br />

de la Universidad de Buenos Aires y Universidad<br />

de Salamanca, en su artículo Ley de<br />

Unión Civil: un gran paso, en el Diario Clarín de<br />

Buenos Aires, que dice:<br />

Aunque no lo establezcan expresamente,<br />

surge del texto que tanto la Constitución<br />

Argentina como la Constitución de la<br />

ciudad de Buenos aires adscriben al modelo<br />

de Estado social y democrático de<br />

derecho. Dicho paradigma se basa en tres<br />

postulados esenciales: la tolerancia, el<br />

pluralismo y la participación. La tolerancia<br />

presenta como requisito la consciencia<br />

de la propia identidad: sólo quien<br />

está seguro de su biografía puede aceptar<br />

que cada persona alcance la trascendencia<br />

por medio de la fe, la razón o cualquier<br />

otro camino. El pluralismo implica<br />

una visión del mundo basada en la creencia<br />

de que la diferencia, el contraste,<br />

la disidencia y el cambio contribuyen positivamente<br />

a lograr la integración democrática<br />

mucho más que la unanimidad. La<br />

participación permite la redefinición del<br />

contrato de representación popular.<br />

3.1.10 Bélgica<br />

Siguió los pasos de Holanda en materia<br />

de matrimonio homosexual, legalizando las<br />

uniones civiles de personas del mismo sexo en<br />

enero de 2003, pero la ley entró en vigor el 1º<br />

de junio de 2003, fecha en la cual se celebró ya<br />

la primera boda homosexual.<br />

Dado que la ley abre esta posibilidad<br />

para matrimonio homosexual, excluye expresamente<br />

la adopción de niños.<br />

3.1.11 Estados Unidos<br />

Algunos estados americanos son extremamente<br />

conservadores, como el estado de<br />

Florida que prohibe la adopción, y otros más<br />

liberales como la ciudad de San Francisco, estado<br />

de California. La situación actual del país “más<br />

democrático” del mundo, frente a los derechos<br />

fundamentales y humanos es compleja, en virtud<br />

de la postura de su mayor dirigente.<br />

3.1.12 Africa del Sur<br />

En la realidad, este país, a pesar de todos<br />

los problemas, la legislación es extremamente<br />

moderna, asegurando la no-discriminación,<br />

especialmente en las relaciones de trabajo<br />

y seguridad social. El reconocimiento formal<br />

de la pareja permanente confiere al compañero<br />

el beneficio de pensión, asistencia médica y<br />

derechos sucesorios.<br />

3.2 LA HOMOAFECTIVIDAD EN BRASIL<br />

3.2.1 Aspectos Constitucionales<br />

Se pretende en ese tópico, abordar que<br />

la Constitución de la República Federativa de<br />

Brasil del año 1988 alberga principios que permiten<br />

la posibilidad de otorga de efectos jurídicos<br />

a las relaciones homoafectivas, vale decir,<br />

que partiendo de una interpretación sistemica<br />

15<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008


16<br />

del texto constitucional, se identifica que la<br />

Carta Magna no vedó el reconocimiento jurídico<br />

a las uniones homosexuales, una vez que<br />

provienen de hecho social capaz de provocar<br />

consecuencias jurídicas relevantes.<br />

Con efecto, la Constitución Brasileña<br />

consagra el principio de igualdad, al disponer<br />

en el caput del su articulo 5º, que todos son iguales<br />

delante a la ley sin distinción de cualquier<br />

naturaleza. De igual modo, consta en su articulo<br />

3º, inciso IV, como uno de los objetivos de la<br />

República Federativa de Brasil el de promover<br />

el bien de todos, sin preconceptos de origen,<br />

raza, sexo, color, edad y cualesquier otras formas<br />

de discriminación.<br />

La igualdad representa, en el campo de<br />

las uniones homoafectivas, la imposibilidad de<br />

si dar tratamiento desigual resultando de la orientación<br />

sexual.<br />

En otras palabras, en el aspecto formal<br />

de la igualdad se debe dar el mismo tratamiento<br />

jurídico a todos los individuos, sin distinción<br />

de elección sexual. Si prohibe la discriminación<br />

por orientación sexual.<br />

Por su turno, el derecho a la libertad es<br />

prestigiado por la Constitución desde su preámbulo,<br />

como uno de los objetivos de la República<br />

Federativa de Brasil y está expreso en diversos<br />

dispositivos, tales como de la manifestación del<br />

pensamiento (art. 5º, inciso IV); libertad de conciencia<br />

y de creencia (art. 5º, inciso VI); de la libre<br />

expresión de la actividad intelectual (art.5º,<br />

inciso IX); del libre ejercicio de cualquier trabajo,<br />

oficio o profesión (art.5º, inciso XIII); de la libre<br />

locomoción en el territorio nacional (art.5º,<br />

inciso XV); de la plena libertad de asociación para<br />

fines lícitos (art.5º, inciso XVII).<br />

Así, la homosexualidad se ubica en el<br />

campo del derecho de libertad a través de la posibilidad<br />

de la libre elección de la opción sexual.<br />

Haciendo un líame entre eses dos principios,<br />

es decir, de la igualdad y de la libertad,<br />

comenta Maria Berenice Dias (2004a):<br />

Si alguien dirige su interés sexual a<br />

otra persona, es decir, opta por otro<br />

para mantener un vínculo afectivo, está<br />

ejerciendo su libertad. El hecho de direccionar<br />

su atención a una persona<br />

del mismo o de distinto sexo que el<br />

suyo, no puede ser blanco de tratamiento<br />

discriminatorio. Resulta exclusivamente<br />

del sexo de la persona que<br />

hace la elección, al cual dispone de la<br />

libertad de opción. El tratamiento diferente<br />

por alguien por orientarse en<br />

dirección de uno u otro sexo, resulta<br />

en una clara discriminación a la propia<br />

persona, en función de su identidad<br />

sexual. El hecho de nada sufrir se<br />

intenta un vínculo a una persona de<br />

sexo opuesto al suyo, y ser blanco del<br />

repudio social por dirigir su deseo a la<br />

persona del mismo sexo es prueba clara<br />

de la existencia de discriminación.<br />

Si todos son iguales ante la ley, sin<br />

distinción de cualquier naturaleza, acá<br />

está incluso, por supuesto, la opción<br />

sexual que tenga.<br />

Así, la protección contra la discriminación<br />

involucra el derecho a la orientación<br />

sexual, una vez que el sexo de la<br />

persona elegida (hombre o mujer), no<br />

puede generar tratamiento desigual<br />

con relación a quien elige, so pretexto<br />

de estar discriminando a alguien por<br />

el sexo que posee: igual o distinto del<br />

sexo de la persona elegido (DIAS, 2004a,<br />

p. 91) (Traducción hecha por el autor).<br />

De extrema importancia, también, para<br />

el planteamiento de las cuestiones jurídicas involucrando<br />

la homosexualidad, parece el principio<br />

de la protección de la dignidad de la persona<br />

humana.<br />

La dignidad humana constituye en el texto<br />

constitucional brasileño como uno de los fundamentos<br />

del Estado Democrático de Derecho.<br />

A través de ella, se busca asegurar el<br />

respeto a la individualidad de cada uno, inde-<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008


pendiente de su opción sexual. Al revés, afrenta<br />

tal principio agredir u ofender una persona<br />

por fuerza de su orientación sexual. Y dice Guimarães<br />

(2003):<br />

El reconocimiento de efectos jurídicos a<br />

las relaciones homosexuales viene basado<br />

en la Constitución Federal, que<br />

establece entre los derechos fundamentales<br />

la dignidad de la persona humana,<br />

objetivando la construcción de una<br />

sociedad libre y solidaria, erradicando<br />

la marginalización y promoviendo el bien<br />

de todos, sin preconcepto de sexo y cualquier<br />

otras formas de discriminación, con<br />

fundamento en el principio de prevalecer<br />

los derechos humanos.<br />

La buena doctrina y la moderna jurisprudencia,<br />

ante los dispositivos constitucionales,<br />

buscan evitar cualquier<br />

forma de marginalización del ser humano,<br />

sea por la orientación sexual,<br />

por raza, por genero, por edad, por condición<br />

financiera. Todo un contingente<br />

de operadores del derecho, tiene inoculado,<br />

en si, el germen de la constante<br />

revisión del derecho puesto frente a<br />

la evolución del hecho social. Se trata<br />

de reformadores sensibles a la realidad,<br />

despojados de preconceptos y llenos<br />

de sentimiento de justicia, y respeto<br />

al semejante. Asimismo, la sociedad<br />

no está compuesta por solamente<br />

de reformadores. Buena parte de los<br />

operadores del derecho también son<br />

conservadores y pretenden, equivocadamente,<br />

reglamentar sentimientos. Se<br />

iluden narcisicamente, pensando que<br />

al aprisionar el hecho social estarán<br />

estableciendo el rumbo de la historia<br />

de la humanidad (GUIMARÃES, 2003, p.<br />

150). (Traducción hecha por el autor).<br />

Cabe entonces, analizar el artículo 226,<br />

párrafo 3º, da CF, que así dispone:<br />

Artículo 226 – La familia, base de la sociedad,<br />

tiene especial protección del<br />

Estado.<br />

(...)<br />

Párrafo 3º - Para efecto de protección<br />

del Estado es reconocida la unión estable<br />

entre el hombre y la mujer como<br />

ente familiar, debiendo la ley facilitar<br />

su conversión en casamiento.<br />

Tiene los que sostienen que el dispositivo<br />

arriba sería impeditivo del reconocimiento<br />

de la unión estable entre personas del mismo<br />

sexo, pues restringió la definición de unión estable<br />

aquella formada por personas de sexo distinto,<br />

es decir, entre el hombre y la mujer.<br />

Esa no es, sin duda, la mejor exégesis<br />

que se debe extraer del texto constitucional.<br />

Antes de buscar lo entender, no se debe<br />

perder de mira que cabe al intérprete se socorrer<br />

de principios de interpretación de la Constitución,<br />

entre ellos, se destacan para la solución del<br />

caso concreto, el principio de la efectividad, por lo<br />

cual compete al hermeneuta conferir la máxima<br />

efectividad posible a la norma constitucional.<br />

Además, también merece destaque el<br />

principio de la concordancia práctica o de la armonización,<br />

por lo cual, habiendo aparente colisión<br />

entre normas constitucionales, se debe<br />

prestigiar la optimización, de forma a asegurar<br />

los valores por ella protegidos, sin que si acarree<br />

la negociación de ninguno de ellos.<br />

Sin embargo, el conflicto, en la especie<br />

vertiente, es meramente aparente, pues<br />

en ningún momento el art. 226, § 3º de la Carta<br />

Magna brasileña puede ser interpretado como<br />

forma de otorga negativa de protección a los<br />

individuos que constituyen relaciones con persona<br />

del mismo sexo. Sin duda, el constituyente<br />

brasileño visó solamente facilitar la conversión<br />

en casamiento de la unión estable formada<br />

entre hombre y mujer, le concediendo el<br />

reconocimiento de entidad familiar. La disposición<br />

comentado, no veta, no prohibe la con-<br />

17<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008


18<br />

cesión de protección jurídica de las relaciones<br />

homoafectivas.<br />

De otro modo, las normas constitucionales<br />

necesitan ser examinadas dentro de un<br />

sistema unitario de reglas y principios, y no de<br />

forma aislada. Así, entender contrariamente, o<br />

sea, que el enunciativo acarrearía la exclusión<br />

de reconocimiento de la convivencia entre homosexuales,<br />

importaría en considerar que la<br />

Constitución podría permitir la discriminación,<br />

en detrimento de los principios de igualdad, libertad<br />

y protección a la dignidad humana.<br />

Sobre el tema, expone Rios (2001):<br />

La tesis que sostiene la aplicación<br />

analógica del instituto de la unión estable<br />

a las uniones homosexuales aleja,<br />

primeramente, la existencia de óbice<br />

constitucional al reconocimiento de<br />

estas uniones en la citada especie de<br />

comunidad familiar. En la ausencia de<br />

prohibición expresa o de previsión positiva,<br />

postula la interpretación de la<br />

Constitución de acuerdo con el canon<br />

hermenéutico de la ‘ unidad de la Constitución<br />

‘, según lo cual una interpretación<br />

adecuada del texto constitucional<br />

exige la consideración de las demás<br />

normas constitucionales, de modo que<br />

sean evitadas conclusiones contradictorias<br />

(RIOS, 2001, p.122). (Traducción<br />

hecha por el autor).<br />

En síntesis, la Carta Magna brasileña de<br />

1988 no impidió otorgar derechos y deberes a la<br />

unión formada por personas del mismo sexo,<br />

vetando, al mismo tiempo, cualquier tipo de<br />

discriminación proveniente de orientación sexual.<br />

Tal reconocimiento, sin embargo, está<br />

aguardando una solución legislativa y no precisa<br />

necesariamente, recurrir a su equiparación a<br />

la entidad familiar, bastando que sean reglamentados<br />

los negocios jurídicos de ellas provenientes.<br />

Vale decir, que no hay posibilidad de<br />

extraer del texto constitucional cualquier prohibición<br />

en el sentido de que sean disciplinados<br />

los efectos jurídicos provenientes de las<br />

uniones entre personas del mismo sexo.<br />

Sin embargo, la Constitución brasileña<br />

de 1988 solamente reconoció tres especies de<br />

familia: la proveniente del casamiento, la familia<br />

monoparental y la familia constituida a través<br />

de la unión estable entre hombre y mujer.<br />

La familia constituida por el casamiento<br />

tiene como presupuesto la diferencia entre los<br />

sexos, es requisito esencial para su propia existencia<br />

que el casamiento sea entre hombre y<br />

mujer.<br />

En relación a la familia monoparental,<br />

se extrae su noción de la disposición del § 4º,<br />

art. 226 de la Carta Magna brasileña de 1988, o<br />

sea, es formada por cualquier de los padres y<br />

sus descendientes. Si aleja la noción de una<br />

pareja, pues la entidad familiar es formada por<br />

apenas uno de los cónyuges.<br />

La unión estable está reconocida, en el<br />

texto constitucional, a través del § 3º, art. 226,<br />

como ya analizado. Presupone la convivencia<br />

pública, continua y duradera entre hombre y<br />

mujer con el objetivo de constituir una familia.<br />

3.2.2 Nuevo Código Civil Brasileño<br />

El nuevo Código Civil de Brasil que entró<br />

en vigor, originado de un proyecto de ley que<br />

tramitaba desde el año 1975, no reglamentó la<br />

materia, nada disponía sobre la unión entre personas<br />

del mismo sexo, pero al disciplinar en relación<br />

a la unión estable, aclaró la exigencia de la<br />

dualidad de sexos, en términos de su artículo<br />

1.723, todo conforme al § 3º, art. 226 de la Constitución<br />

de la República Federativa de Brasil.<br />

Necesario se hace aludir a la existencia<br />

de proyecto de ley presentado por el Diputado<br />

Nacional Ricardo Fiúza que, al aceptar la colaboración<br />

y sugestiones producidas por especia-<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008


listas en la materia, como los Profesores Doctores<br />

Zeno Veloso, Alvaro Vilaca y Regina Beatriz<br />

Tavares da Silva, que proponen diversas alteraciones<br />

al nuevo Código en vigor. Debe ser aclarado<br />

que este parlamentario fue el relator del<br />

proyecto del Código Civil durante su aprobación<br />

por el Congreso Nacional. Para suplir la apuntada<br />

omisión, recomienda el proyecto sea acrecentado<br />

al Estatuto Civil un nuevo dispositivo,<br />

con el siguiente término:<br />

Artículo 1.727-A - Las disposiciones contenidas<br />

en los artículos anteriores<br />

(1.723 a 1.727) se aplican, en que caber,<br />

las uniones fácticas de personas capaces,<br />

que vivan en economía común,<br />

de forma pública y notoria, desde que<br />

no contraríen las normas de orden pública<br />

y de las buenas costumbres.<br />

La justificativa para la propuesta está así<br />

fundamentada:<br />

Es imperioso que si acrecenté dispositivo<br />

que reconozca derechos patrimoniales<br />

a las uniones fácticas de dos<br />

personas capaces, mismo porque la<br />

propia jurisprudencia ya viene atribuyendo<br />

a esas uniones los mismos<br />

efectos jurídicos de las sociedades de<br />

hecho. Entiendo que por lo menos la<br />

cuestión patrimonial entre parejas civiles<br />

debe ser disciplinada por el Derecho<br />

de Familia.<br />

3.2.3 Proyecto de Ley<br />

La diputada Marta Suplicy, del Partido<br />

de los Trabajadores del estado de San Pablo, en<br />

1995 presentó un proyecto de ley disciplinando<br />

la unión civil entre personas del mismo sexo.<br />

En su justificativa decía que pretendía<br />

valer el derecho a la orientación sexual, hetero,<br />

bi o homosexual, mientras expresión de los derechos<br />

inherentes de la persona humana. Si los<br />

individuos tienen derecho a la búsqueda de la<br />

felicidad, por una norma impuesta por el derecho<br />

natural de todas las civilizaciones, no hay<br />

porque continuar negando o queriendo desconocer<br />

que muchas personas sólo son felices si<br />

ligadas a otras personas del mismo sexo, lejos<br />

de escándalos o anomalías, es difícil reconocer<br />

que esas personas sólo buscan el respeto a sus<br />

uniones como parejas, respeto y consideración<br />

que les es debida por la sociedad y por el Estado.<br />

3.2.4 El fallo del Tribunal Superior Electoral<br />

En 1º de octubre de 2004, en una decisión<br />

inédita, histórica y unánime, los ministros<br />

del Tribunal Superior Electoral brasileño, reconocieran<br />

la existencia de una relación afectiva<br />

estable entre personas del mismo sexo y negaran<br />

el registro de la candidatura de una diputada<br />

provincial a la intendencia de un municipio<br />

en el estado del Pará en virtud de ser compañera<br />

de la actual intendente del municipio.<br />

Al decidir, los ministros hicieran una lectura<br />

moderna de la Constitución Nacional brasileña.<br />

El artículo 14, párrafo 7º, establece que<br />

“son inelegibles, en el territorio o jurisdicción<br />

del titular, el cónyuge y los parientes consanguíneos<br />

o afines, hasta el segundo grado o por<br />

adopción” de los ocupantes de cargos en el ejecutivo.<br />

Esa prohibición tiene el objetivo de evitar<br />

el uso de la maquina administrativa en la<br />

elección y la perpetuación de familias en el poder,<br />

o sea, las llamadas manutención de las oligarquías<br />

en el poder.<br />

El ministro Gilmar Mendes, relator del<br />

fallo, dice que el tribunal tiene entendido que,<br />

además del cónyuge casado oficialmente con<br />

el actual intendente, gobernador o presidente<br />

reelecto, la concubina es inelegible. Dice que:<br />

“En que pese el ordenamiento jurídico brasileño<br />

aun no tener admitido la comunión de vidas<br />

entre personas del mismo sexo como entidad<br />

familiar, creo que esa relación tenga reflejo<br />

en la esfera federal”.<br />

19<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008


20<br />

3.2.5 Decisiones Administrativas y Otros Fallos<br />

En nivel administrativo, el Instituto Nacional<br />

de Seguridad Social brasileño normalizó<br />

la concesión de beneficios a las parejas homosexuales,<br />

en face de la decisión del Supremo<br />

Tribunal Federal tener extendido los beneficios<br />

de seguridad a los pares del mismo sexo.<br />

El facto de no haber previsión legal para<br />

específica situación, no significa ausencia de<br />

derecho a la tutela jurídica. La omisión de la ley,<br />

no quiere decir inexistencia de derecho, ni impide<br />

que se extraían efectos jurídicos de determinada<br />

situación fáctica. El silencio del legislador<br />

debe ser suplido por el juez<br />

No hay como negar aunque carente de<br />

legislación para reglamentar eso modelo de relación<br />

social, la evolutiva jurisprudencia, en especial,<br />

del Superior Tribunal de Justicia viene<br />

proclamando con vanguardia la existencia de la<br />

sociedad de facto en las relaciones homoafectivas,<br />

como se observa en el fallo:<br />

SOCIEDAD DE FACTO. HOMOSEXUALES. DI-<br />

VISIÓN DEL BIEN COMÚN. EL COMPAÑE-<br />

RO TIENE EL DERECHO DE RECIBIR LA MI-<br />

TAD DEL PATRIMONIO ADQUIRIDO POR EL<br />

ESFUERZO COMÚN, RECONOCIDA LA EXIS-<br />

TENCIA DE SOCIEDAD DE FACTO CON LOS<br />

REQUISITOS EN EL ART. 1363 DEL C. CIVIL.<br />

Responsabilidad civil. Daño moral.<br />

Asistencia al enfermo con sida. Improcedencia<br />

de la pretensión de recibir<br />

del padre del compañero que murio<br />

con sida la indemnización por el daño<br />

moral de haber soportado sólo los gastos<br />

que resultaron de la enfermedad.<br />

Daño que resultó de la opción de vida<br />

asumida por el autor y no de la omisión<br />

del pariente, faltando el nexo de<br />

causalidad. art. 159 del C. Civil. Acción<br />

posesoria juzgada improcedente. Demás<br />

cuestiones prejudiciales. Recurso<br />

conocido en parte y aceptado.<br />

4 DIMENSIÓN AXIOLÓGICA<br />

4.1 CONCLUSIÓN<br />

Una persona que sufra discriminación<br />

no puede ser libre en el sentido lato de la palabra.<br />

Faltando libertad, se está violando un principio<br />

fundamental de la persona.<br />

No es más posible convivir con la intolerancia,<br />

con la exclusión social. Se debe luchar<br />

por un mundo más fraterno, sin ninguna discriminación,<br />

que las personas tengan por lo menos,<br />

más solidaridad y fraternidad.<br />

El Poder Judicial tiene una gran parte<br />

de contribución para disminuir la discriminación,<br />

sea ella cual fuera. Debiendo el juez atender<br />

en su misión mayor, que es respetar la dignidad<br />

del ser humano. No se puede esconder<br />

más en su toga, en el acto de juzgar.<br />

Es preciso sacar la venda de la justicia,<br />

olvidar el aforismo de que el juez es un hombre<br />

sólo. No, el juez es un ser social, que debe juzgar<br />

dentro de la realidad en que vive.<br />

Es imperioso que los jueces cumplan con<br />

su verdadera misión, que es hacer justicia. Arriba<br />

de todo precisan tener sensibilidad para tratar<br />

de temas tan delicados, como las relaciones<br />

afectivas, cuyas demandas deben ser juzgadas<br />

con más sensibilidad y menos prejuicios. Las decisiones<br />

precisan dar más atención al principio<br />

de la igualdad y revestirse de más humanismo.<br />

Es necesario tener una visión plural de<br />

las estructuras familiares e insertar en el concepto<br />

de familia los vínculos afectivos que, por<br />

involucrarse más en el sentimiento de que la<br />

voluntad, merecen la especial protección que<br />

sólo el derecho de familia consigue asegurar.<br />

Las personas y las iglesias no deben olvidar<br />

que el mundo de hoy es plural y que todas<br />

las naciones buscan el ejercicio de los derechos<br />

sociales individuales, la libertad, la seguridad,<br />

el bienestar, el desarrollo, la igualdad y la justicia<br />

como valores supremos de una sociedad fraterna,<br />

pluralista y sin prejuicios.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008


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Juzgado en 01/10/2004.<br />

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aj/dcivil10038.htm. Acceso en: 20 nov.04b.<br />

DOMÍNGUÉZ. Andrés Gil. Ley de unión civil: un<br />

gran paso. Clarín, Tribuna Abierta, Buenos Aires,<br />

en 01.12.2003. http://www.cha.org.ar/html/<br />

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discussoes jurídicas e psicológicas. Curitiba:<br />

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RODRÍGUEZ ZAPATERO, José Luís. Matrimonio a la<br />

española. Página 12, Buenos Aires, 2 oct. 2004. p. 2-3<br />

21<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008


22<br />

Traços, Belém, v. 10, n. 21, p. 9-22, jun. 2008


COMBINAÇÃO DE TÉCNICAS PARA<br />

CONSTRUÇÃO DE UM MODELO<br />

DE CREDIT SCORING, USANDO<br />

ANÁLISE DISCRIMINANTE<br />

23<br />

Marcos dos Santos Dutra<br />

Elenice Biazi<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 23-32, nov. 2008


24<br />

Traços, Belém, v. 10, n. 21, p. 23-34, jun. 2008


COMBINAÇÃO DE TÉCNICAS PARA CONSTRUÇÃO<br />

DE UM MODELO DE CREDIT SCORING,<br />

USANDO ANÁLISE DISCRIMINANTE<br />

Marcos dos Santos Dutra*<br />

Elenice Biazi**<br />

RESUMO<br />

Apesar de alguns pesquisadores criticarem<br />

o uso da análise discriminante em<br />

modelos de credit scoring, devido as fortes<br />

pressuposições necessárias para correta discriminação<br />

dos dados, sua utilização é bastante<br />

usual. Este artigo propõe o uso combinado<br />

de técnicas capazes de amenizar os problemas<br />

de violações das pressuposições da<br />

análise discriminante e conseqüentemente<br />

reduzir os erros de classificação. Os resultados<br />

indicam que o uso combinado das técnicas<br />

propostas neste trabalho foi capaz de<br />

aumentar a eficiência do modelo em 16,30<br />

pontos percentuais.<br />

Palavras-chave: Análise Discriminante. Credit<br />

Scoring. Técnicas. Classificação. Eficiência do<br />

Modelo.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Fisher (1936) desenvolveu a análise<br />

discriminante, técnica estatística de análise<br />

multivariada que, a partir de características<br />

disponíveis de um indivíduo, cria uma regra de<br />

classificação que permite inferir a que<br />

população ele pertence. Isto permitiu o<br />

desenvolvimento dos primeiros modelos de<br />

credit scoring.<br />

Como afirmam Caoutte, Altman e<br />

Narayanan (1999), os modelos tradicionais de<br />

credit scoring atribuem pesos estatisticamente<br />

predeterminados a alguns atributos dos<br />

solicitantes, para gerar um escore de crédito. Se<br />

esse escore é favorável, quando comparado a um<br />

valor de corte, então a solicitação é aprovada.<br />

Assim, os modelos de credit scoring são uma<br />

ferramenta valiosa para decisões de aprovação<br />

ou não de pedidos de crédito, obedecendo à<br />

hipótese que o público alvo da carteira de crédito,<br />

após a implementação do modelo se mantenha<br />

o mesmo que no passado, sobre o qual os<br />

procedimentos estatísticos se baseiam.<br />

Caouette, Altman e Narayanan (1999)<br />

afirmam que, a maioria dos modelos de credit<br />

scoring apresentam alguns defeitos, como a<br />

violação da normalidade multivariada que pode<br />

afetar a validade estatística dos modelos.<br />

Entretanto, dificilmente são apresentados<br />

métodos, para solucionar estes problemas de<br />

violações. O que existe em abundância são<br />

discussões acerca dos problemas das<br />

metodologias estatísticas, mas de fato,<br />

dificilmente é encontrado algum estudo<br />

empírico revelando todas as etapas do processo<br />

de formação até a aplicação do modelo. A maior<br />

razão para isso é a necessidade de sigilo, visto<br />

que boas e sofisticadas técnicas trazem<br />

vantagem competitivas e, portanto, as<br />

instituições que as utilizam procuram não<br />

divulgá-las.<br />

*Mestre em Modelagem Matemática e Computacional (CFEDT/<br />

MG). Coordenador de Riscos do Banco Intermedium S/A. E-<br />

mail: marcosdutra@dppg.cefetmg.br<br />

** PhD In Statistics - University of Warwick. Professora do Centro<br />

Federal de Educação Tecnológica de Minas<br />

Gerais. E-mail: elenice@dppg.cefetmg.br<br />

25<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 23-32, nov. 2008


26<br />

Apesar dos problemas de violações da<br />

análise discriminante, sua aplicação em<br />

modelos de credit scoring é bastante usual.<br />

Assim, faz-se necessário amenizar ou resolver<br />

os problemas de violações das premissas da<br />

análise discriminante, caso contrário, pode-se<br />

ter um modelo ineficiente.<br />

O presente trabalho justifica-se por<br />

tratar de um tema de fundamental importância<br />

para as empresas que trabalham com crédito<br />

para pessoas físicas, sendo proposta a aplicação<br />

de técnicas estatísticas sofisticadas que<br />

viabilizem a aplicação da análise discriminante,<br />

mesmo quando as pressuposições necessárias<br />

para correta discriminação dos dados são<br />

violadas.Serão propostas três estratégias para<br />

melhor discriminação dos dados. Na estratégia<br />

01 será proposta a transformação de Box-Cox<br />

(1964), para obtenção de uma distribuição<br />

normal aproximada. Na estratégia 02 será<br />

proposta a técnica denominada influência local<br />

de Cook (1986), para detectar observações<br />

influentes. E finalmente, na estratégia 03 será<br />

proposta a análise discriminante quadrática.<br />

Este artigo, inicialmente será<br />

apresentado uma revisão sobre Análise<br />

Discriminante de Fisher e Quadrática. Nas<br />

seções 5 e 6 serão descritos o teste de<br />

normalidade multivariada de Mardia<br />

(1970,1974,1975) e a transformação de Box-Cox<br />

(1964). Na seção 7 será apresentada a técnica<br />

de influência local de Cook (1986). A estatística<br />

proposta e algumas outras técnicas estatísticas<br />

disponíveis na literatura são analisadas em um<br />

exemplo de aplicação financeira e os resultados<br />

estão presentes na seção 9. O artigo é concluído<br />

com uma discussão na seção 10.<br />

2 ANÁLISE DISCRIMINANTE DE FISHER<br />

Fisher (1936) introduziu a idéia de se<br />

construir funções discriminantes a partir de<br />

combinações lineares das variáveis originais. O<br />

método envolve a suposição que há p-variáveis<br />

aleatórias, g populações normais p-variadas e<br />

iguais matrizes de covariâncias populacionais.<br />

Nesse caso, é possível construir s combinações<br />

lineares, s < _ min (g _ 1, p), chamadas de<br />

funções discriminantes lineares de Fisher<br />

definidas por:<br />

eˆ<br />

W eˆ<br />

1,<br />

( 1)<br />

onde ê!j é o j-ésimo autovetor correspondente<br />

ao j-ésimo maior autovalor da matriz W - 1 B e<br />

tal que ê! j<br />

W ê j<br />

= 1, sendo W e B chamadas de<br />

matrizes soma de quadrados e produtos<br />

cruzados dentro (Within) dos grupos e entre<br />

(Between) grupos, sendo, respectivamente,<br />

definidas por:<br />

(2)<br />

(3)<br />

Sendo X ik<br />

o vetor de observações do<br />

elemento amostral k que pertence à população<br />

i, X i<br />

o vetor de médias amostrais da população<br />

i, X o vetor de médias amostrais, considerandose<br />

todas as n observações conjuntamente e n i<br />

o<br />

número de elementos pertencentes à amostra<br />

da população i, i = 1,2,3..., g,<br />

n i<br />

= n. As<br />

combinações lineares são as de maior poder<br />

discriminante dentro do conjunto de variáveis<br />

utilizadas para discriminação.<br />

Após a construção das funções<br />

discriminantes, para cada elemento amostral<br />

com vetor de observações x j<br />

, ter-se-á um<br />

vetor com seus escores nessas funções, isto<br />

é, Y! j<br />

= [ê! 1<br />

x j<br />

ê! 2<br />

x j<br />

... ê! s<br />

x j<br />

]. Além disso, terse-á<br />

os escores das funções discriminantes<br />

aplicadas aos vetores de média amostral<br />

observados para cada população, isto é,<br />

j<br />

j<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 23-32, nov. 2008


A regra de classificação consiste em<br />

calcular a distância Euclidiana entre os vetores<br />

^ ^<br />

Y j<br />

e Y j<br />

para todo i = 1,2,3..., g, sendo o<br />

correspondente elemento amostral j,<br />

classificado na população, cuja distância é a<br />

menor.<br />

A regra de classificação consiste em<br />

calcular a distância Euclidiana entre os vetores<br />

e para todo sendo o correspondente elemento<br />

amostral , classificado na população, cuja<br />

distância é a menor.<br />

3 FUNÇÃO DISCRIMINANTE QUADRÁTICA<br />

Quando as matrizes de covariâncias<br />

são diferentes, uma Função Discriminante<br />

Quadrática é apropriada. A função é dada por:<br />

onde:<br />

(4)<br />

vetor médio da população I I i<br />

.<br />

= matriz de covariâncias da população I I i<br />

.<br />

p i<br />

= probabilidade a priori de a observação<br />

pertencer à população I I i<br />

.<br />

x vetor aleatório<br />

A regra de classificação consiste em alocar x<br />

em I I k<br />

se:<br />

(5)<br />

4 COMPARANDO MATRIZES DE COVARIÂNCIA<br />

Como as suposições de igualdade das matrizes<br />

de covariância podem ser criticadas, é natural<br />

considerar um teste da taxa de verossimilhança<br />

para H 0.<br />

Assim, é obtida a equação para a taxa de<br />

verossimilhança,<br />

onde<br />

2log l<br />

(6)<br />

Quando H 0<br />

é verdadeiro e n é grande, _<br />

é aproximadamente distribuído com<br />

x 2 v1 , onde: v 1 = 1 d (d + 1) (I _ 1). Contu-<br />

2<br />

do, uma melhor aproximação qui-quadrado<br />

pode ser obtida por uma desprezível modificação<br />

de l . Esta modificação, na qual f i<br />

(= n _<br />

i<br />

1),<br />

os graus de liberdade associados com Q i,<br />

restabelecido<br />

n i<br />

,e no qual conduz para um teste não<br />

tendencioso, isto é:<br />

(7)<br />

Box (1949) propôs duas aproximações<br />

para a distribuição de M, a aproximação Qui-<br />

Quadrado e a aproximação-F.<br />

5 TESTE DE ASSIMETRIA E CURTOSE DE MAR-<br />

DIA (1970, 1974, 1975)<br />

Os dados de uma população normal<br />

multivariada não possuem assimetria ou curtose<br />

significante. Assim, a hipótese de assimetria e<br />

curtose não significantes é compatível com a<br />

suposição de que os dados foram retirados de<br />

uma população normal multivariada. Considere<br />

uma amostra aleatória X = (x 1<br />

, x 2<br />

, ..., x n<br />

) de<br />

tamanho N de uma distribuição p-variáveis e x<br />

sendo a média de X. A distância Mahalanobis<br />

dos casos x i<br />

e x pode ser calculada, como:<br />

onde:<br />

pxp é a matriz de covariância amostral e<br />

i=1,...N.<br />

27<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 23-32, nov. 2008


28<br />

O valor r ij<br />

, também conhecido como<br />

ângulo Mahalanobis entre os vetores x i<br />

_ x e<br />

x j<br />

_ x, pode ser calculado, como:<br />

Baseado sobre essas duas r-medidas,<br />

Mardia (1970) define uma medida de assimetria<br />

e curtose multivariadas, respectivamente,<br />

como:<br />

9<br />

10<br />

11<br />

Mardia (1970) apresenta que dado a<br />

normalidade multivariada tem-se assintoticamente:<br />

segue uma distribuição<br />

e,<br />

com:<br />

segue distribuição normal.<br />

Caso haja violação da pressuposição de<br />

normalidade multivariada, Seber (1984) diz que<br />

uma apropriada transformação pode freqüentemente<br />

produzir um conjunto de dados que<br />

segue uma distribuição normal, aumentando a<br />

aplicabilidade e o uso de técnicas, baseadas<br />

sobre as suposições de normalidade.<br />

6 TRANSFORMAÇÃO DE BOX-COX (1964)<br />

12<br />

13<br />

Box e Cox (1964) têm sugerido uma família<br />

de transformações para normalizar observações,<br />

para estabilizar a variância, e linearizar<br />

a relação entre variáveis dependentes e independentes.<br />

Exemplos notáveis dessa família de<br />

transformações são: (a) transformação raiz quadrada<br />

para estabilizar a variância e para remover<br />

a não-normalidade; (b) transformação raiz<br />

cúbica para remover a não-normalidade, e (c)<br />

transformação logarítmica para estabilizar a variância<br />

e para remover a não-normalidade; Box<br />

e Cox consideram uma família de transformações,<br />

sendo definida por:<br />

14<br />

que simultaneamente satisfaz todas as três suposições.<br />

O coeficiente pode ser estimado<br />

pelo método da máxima verossimilhança.<br />

7 INFLUÊNCIA LOCAL<br />

Dado um conjunto de observações,<br />

seja l o logaritmo da função de verossimilhança<br />

correspondente ao modelo postulado,<br />

sendo que é um vetor (p + 1) x 1 de<br />

parâmetros desconhecidos. Perturbações podem<br />

ser introduzidas no modelo por um vetor<br />

, pertencente a um<br />

subconjunto aberto de .<br />

Supondo que o esquema de perturbação<br />

esteja definido, denotado por l como<br />

logaritmo da função de verossimilhança<br />

perturbada, o vetor expressa um esquema<br />

de pesos, existindo um ponto ,<br />

em que l l . Dado que é o<br />

estimador de máxima verossimilhança,<br />

obtido por meio de l ( ) e é o estimador<br />

de máxima verossimilhança, obtido<br />

por meio de l , o objetivo é comparar<br />

e , quando varia em . Cook (1986)<br />

sugere que a comparação entre e seja feita<br />

por afastamento pelo logaritmo da função de verossimilhança<br />

, expresso da seguinte<br />

maneira:<br />

15<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 23-32, nov. 2008


Dessa forma, contém informação<br />

essencial sobre a influência do esquema de perturbação.<br />

A idéia de Cook (1986) é estudar o<br />

comportamento da função numa vizinhança<br />

, que é o ponto em que as duas<br />

verossimilhanças são iguais. Para isso, o autor<br />

considerou a seguinte superfície geométrica:<br />

(16)<br />

que é denominada de gráfico de influência. O<br />

estudo de influência local consiste em analisar<br />

como a superfície desvia-se de seu plano<br />

tangente em (T O<br />

) . Essa análise pode ser feita<br />

estudando-se as curvaturas das seções normais<br />

da superfície em , que são as intersecções de<br />

com planos, contendo o vetor normal com seu<br />

plano tangente em. As curvaturas dessas seções<br />

são denominadas curvaturas normais.<br />

A interseção entre a seção normal e o<br />

plano tangente T O<br />

é denominada linha projetada.<br />

Essa linha pode ser obtida por meio do gráfico<br />

de LD ( o<br />

+ ah) contra<br />

A curvatura normal da linha projetada,<br />

denotada por C h<br />

, é definida como sendo a curvatura<br />

de (a, LD { (a)}) em a = 0, em<br />

que (a) = o<br />

+ ah. Denomina-se C h<br />

curvatura<br />

normal da superfície em e na direção<br />

o<br />

unitária h .<br />

Cook (1986) mostra que a curvatura normal<br />

na direção h pode ser expressa da seguinte forma:<br />

C h<br />

= 2 h T F ¨ h ,<br />

(17)<br />

Sendo que F<br />

¨<br />

= T [ I ( )] -1 , I ( ) é<br />

a matriz de informação observada sob o modelo<br />

postulado, e é a matriz (p + 1) x n definida<br />

por:<br />

(18)<br />

avaliada em .<br />

O interesse particular está na direção (ou<br />

nas direções) que produz(em) maior influência<br />

local. Segundo Cook (1986), a direção que produz<br />

a maior mudança local na estimativa dos<br />

parâmetros é dada por l max , que corresponde<br />

ao autovetor normalizado, correspondente ao<br />

maior autovalor da matriz<br />

. O vetor<br />

l max é utilizado para identificar as observações<br />

que podem estar controlando propriedades importantes<br />

na análise dos dados.<br />

Cook (1986), equação (38) e (39), demonstra<br />

que para o caso Variáveis Explanatórias,<br />

os autovalores de F ¨ e a curvatura normal<br />

são dados respectivamente por:<br />

8 ADEQUAÇÃO DO MODELO<br />

(19)<br />

(20)<br />

Um dos métodos mais mencionados na<br />

literatura para verificar a discriminação para<br />

g 2 populações, com n 1<br />

, n 2<br />

,... n g<br />

observações<br />

respectivamente e o total de observações n =<br />

n 1<br />

+ n 2<br />

+ ... + n g<br />

, é o método de Wilk para<br />

comparações dos vetores médias populacionais,<br />

sendo dado por:<br />

V<br />

= W / T<br />

(21)<br />

A matriz W é obtida da matriz definida<br />

em (2) e a matriz T é chamada de matriz soma de<br />

quadrados e produtos cruzados total, sendo<br />

obtida pela soma das matrizes (2) e (3).<br />

O Lambda de Wilk pode ser convertido<br />

a um valor de F.<br />

29<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 23-32, nov. 2008


30<br />

9 APLICAÇÃO<br />

Um conjunto de dados reais de uma<br />

instituição financeira será usado para ilustração,<br />

aplicando as três estratégias apresentadas para<br />

uma melhor discriminação dos dados.<br />

O primeiro grupo é denominado “bom”,<br />

sendo composto por clientes que não obtiveram<br />

atraso no pagamento da prestação ou que<br />

obtiveram atrasos de até 60 dias. O segundo<br />

grupo é chamado “ruim”, composto por clientes<br />

que obtiveram atrasos superiores há 180 dias.<br />

A amostra é composta por 904 contratos<br />

de clientes que tomaram empréstimos em 02/<br />

01/2005 a 31/12/2006. Para cada um desses<br />

contratos foram obtidas 11 variáveis, as quais<br />

foram denotadas por x 1<br />

, x 2<br />

, ..., x 11<br />

.<br />

Aplicando o teste de Mardia<br />

(1970,1974,1975) no SPSS 16 por meio da macro<br />

de DeCarlo (1997), obtiveram-se as medidas de<br />

assimetria e curtose, respectivamente, por:<br />

b 1,p<br />

= 50,68 e b 2,p<br />

= 176, 41<br />

De (14) e (15), com d =11 e f= 904, obtémse:<br />

A = 1351,57 o qual é significante quando<br />

comparado com x 2 , e 165<br />

B = 12, 49 o qual é significante quando<br />

comparado com N(0,1).<br />

Assim, conclui-se que os dados<br />

apresentam um afastamento notório da<br />

normalidade multivariada. Nesse caso, será<br />

proposta a estratégia 1: transformação de Box-<br />

Cox.<br />

9.1 ESTRATÉGIA 1<br />

Com os dados aproximadamente<br />

normalizados aplicou-se a Análise<br />

Discriminante de Fisher. Os resultados são<br />

apresentados na tabela 1.<br />

Tabela 1: Resultado da Função Discriminante<br />

de Fisher – dados transformados<br />

Para responder a questão concernente<br />

se houve melhoria no resultado, aplicando a<br />

Transformação de Box-Cox (1964), foi aplicado<br />

a Análise Discriminante de Fisher para os dados<br />

não transformados. Os resultados são<br />

apresentados na tabela 2.<br />

Tabela 2: Resultado da Função Discriminante<br />

de Fisher – dados sem transformação<br />

Analisando os resultados apresentados<br />

nas tabelas 1 e 2, observa-se uma melhoria<br />

significativa quando aplicado a aproximação de<br />

Box-Cox (1964) de 83,4 % para 87,4%.<br />

O próximo passo é verificar se existem<br />

observações que possam estar influenciando o<br />

resultado da análise. Diante disso, será aplicada<br />

a estratégia 2: influência local.<br />

9.2 ESTRATÉGIA 2<br />

Tem-se que a curvat ura C max<br />

= 4,93<br />

computada de (20) é relativamente pequena.<br />

Contudo, Verbeke e Molenberghs (2000), têm<br />

apresentado que, indiferente do tamanho de<br />

C max, uma inspeção de l max é valida. Sendo que<br />

os maiores valores de correspondem às<br />

observações influentes.<br />

Na figura 1, é apresentado o gráfico de<br />

influência, implementado no software R,<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 23-32, nov. 2008


observados que os valores de l max acima de 0.006<br />

se destacam em relação aos demais. Contudo,<br />

é observado ainda que os valores de l max abaixo<br />

de 0.0018 também se destacam. Nesse caso,<br />

serão feitas duas análises:<br />

a) consideram-se os valores de acima de 0.006<br />

como pontos influentes, sendo encontrados<br />

67 pontos influentes;<br />

b) consideram-se os valores de acima de 0.006<br />

e abaixo de 0.0018 como pontos influentes,<br />

sendo encontrados 112 pontos influentes.<br />

Figura 1: Gráfico de Influência<br />

– Caso variáveis explanatórias<br />

Para reanálise dos dados são retirados<br />

os 67 e os 112 possíveis pontos influentes,<br />

respectivamente.<br />

Após a retirada das 67 e das 112<br />

observações influentes, é importante constatar<br />

se houve melhoria na discriminação dos dados.<br />

Os resultados são apresentados na tabela 3 e 4.<br />

Tabela 3: Resultado da Função Discriminante<br />

de Fisher – retirados 67 pontos influentes<br />

Tabela 4: Resultado da Função Discriminante<br />

de Fisher – retirados 112 pontos influentes<br />

Observando as tabelas 3 e 4, verifica-se<br />

uma melhoria significativa quando aplicado a<br />

metodologia de influência local de Cook (1986),<br />

de 87,3% para 94,3% e de 87,3% para 97,1%,<br />

respectivamente.<br />

Diante dos resultados apresentados nas<br />

tabelas 3 e 4, é possível constatar que o<br />

procedimento de diagnósticos em análise de<br />

influência, proposta por Cook (1986), é eficiente<br />

para o modelo proposto.<br />

Contudo, é importante verificar se a igualdade<br />

das matrizes de covariâncias pode ser contestada,<br />

nesse caso, a função discriminante quadrática<br />

será mais indicada. A seguir é proposta a estratégia<br />

3, caso o teste de Box (1979) rejeite a premissa de<br />

igualdade das matrizes de covariâncias.<br />

9.3 ESTRATÉGIA 3<br />

Aplicado o teste de Box e convertido a<br />

um valor F, obtiveram-se os valores de 26,13 e<br />

24,16 para os dois procedimentos, respectivamente.<br />

Como o p-valor nos dois casos são 0,00,<br />

menor que o nível de significância igual a 0,05, é<br />

rejeitada a hipótese das matrizes de covariância<br />

intra-classe serem iguais nos dois modelos.<br />

Para contornar esse problema a Função<br />

Discriminante Quadrática será a mais indicada.<br />

Os resultados estão presentes na tabela 5 e 6.<br />

Tabela 5: Resultado da Função Discriminante<br />

Quadrática – retirados 67 pontos<br />

31<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 23-32, nov. 2008


Tabela 6: Resultado da Função Discriminante<br />

Quadrática – retirados 112 pontos<br />

são diferentes. Portanto, conclui-se que as diferenças<br />

entre as três amostras são adequadamente<br />

descritas pelas funções discriminantes.<br />

32<br />

Aplicado a função discriminante quadrática<br />

verifica-se uma melhoria de 94,3%, para 94,7%<br />

e 97,1% para 99,7%, conforme tabelas 3 e 5; 4 e 6.<br />

O passo seguinte é verificar a adequação<br />

do modelo de discriminação. Nesse caso,<br />

será validado apenas o modelo que apresentou<br />

melhor desempenho, cujos resultados de classificação<br />

estão na tabela 6.<br />

9.4 VALIDAÇÃO DO MODELO<br />

Utilizando o método de Wilk, o mesmo<br />

apresentou o valor F aproximado de 296,78. O p-<br />

valor calculado apresentou ser menor que o nível<br />

de significância alfa = 0,05. Nesse caso, devese<br />

rejeitar a hipótese nula H 0<br />

: os vetores médios<br />

das 3 classes são iguais, em favor da hipótese<br />

alternativa H a<br />

: os vetores médios das 3 classes<br />

10 DISCUSSÃO<br />

A conclusão que pode ser feita a partir<br />

de todos os resultados observados é que o uso<br />

combinado da metodologia proposta, neste trabalho,<br />

foi capaz de melhorar a classificação dos<br />

clientes em 16,30%.<br />

O resultado de 99,70% indica que a aplicação<br />

do modelo na prática será capaz de classificar<br />

corretamente uma proporção bastante elevada<br />

de todas as operações de crédito submetidas<br />

à análise. Diante desse resultado, é possível<br />

afirmar que – apesar da análise discriminante<br />

ser baseada em diversas premissas que geralmente<br />

são violadas quando a mesma é aplicada<br />

na construção de modelos de credit scoring<br />

– é possível obter um excelente modelo de<br />

credit scoring, utilizando a análise discriminante.<br />

Contudo, faz-se necessário o uso combinado<br />

das técnicas apresentadas neste trabalho.<br />

Caso contrário, os resultados obtidos podem<br />

distanciar consideravelmente da realidade.<br />

BOX, G. E. P. e Cox, D. R., An analysis of transformations.<br />

Journal of the Royal Statistical Society,<br />

v. 26, p. 211-252, 1964.<br />

______. A general distribution theory for a class of<br />

likelihood criteria, Biometrika, v. 36, p. 317-346, 1949.<br />

CAOUETTE, J. B., Altman, E. I. e Narayanan, P.<br />

Gestão do Risco de Crédito. 1. ed. Qualitymark,<br />

Rio de Janeiro, 1999.<br />

COOK, R. R. Assessment of local influence (with<br />

discussion), Journal of the Royal Statististical<br />

Society, v. 48, p 133-169, 1986.<br />

DECARLO, L. T. On the Meaning and Use of Kurtosis,<br />

Psychological Methods, v. 3, p. 292-307, 1997.<br />

FISHER, R. A. The use of multiple measurement<br />

in taxonomic problems. Annals of Eugenics, v.<br />

7, p. 179-188, 1936.<br />

REFERÊNCIAS<br />

MARDIA, K.V. Measures of multivariate skewness<br />

e kurtosis with applications, Biometrika, v.<br />

57, p. 519-530, 1970.<br />

______. Applications of some measures of multivariate<br />

skewness and kurtosis in testing normality<br />

and robustness studies, Sankhyã B, v. 35,<br />

p. 115-128, 1974.<br />

MARDIA, K.V. Assessment of multinormality and<br />

therobustness of Hotelling’s T 2 test, Applied<br />

Statistics, v. 24, p. 163-171, 1975.<br />

SEBER, G. A. F. Multivariate Observations. 1 ed.<br />

John Wiley & Sons, Canada, 1984.<br />

Verbeke, G. e Molenberghs, G. Linear Mixed<br />

Models for Longitudinal Data, 1 ed. Springer,<br />

New York, 2000.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 23-32, nov. 2008


CURSOS SEQÜENCIAIS:<br />

uma ferramenta de<br />

flexibilização às organizações<br />

33<br />

Artur Vicente da Costa<br />

Joaquim Augusto Souza de Menezes<br />

Leila Márcia Sousa de Lima Elias<br />

Maria de Fátima Ferreira Seabra<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 33-43, nov. 2008


34<br />

Traços, Belém, v. 10, n. 21, p. 23-34, jun. 2008


CURSOS SEQÜENCIAIS:<br />

uma ferramenta de flexibilização às organizações<br />

Artur Vicente da Costa*<br />

Joaquim Augusto Souza de Menezes**<br />

Leila Márcia Sousa de Lima Elias***<br />

Maria de Fátima Ferreira Seabra ****<br />

RESUMO<br />

Este artigo aborda os Cursos Seqüenciais como<br />

um instrumento de flexibilização do sistema educacional<br />

brasileiro, contribuindo para o desenvolvimento<br />

das organizações vistas como organismos.<br />

Inicialmente, será contextualizado a origem<br />

dos Cursos Seqüenciais, a contribuição destes<br />

na inovação educacional em um determinado<br />

campo específico do saber, a estrutura do sistema<br />

educacional antes e após a Lei de Diretrizes<br />

e Bases da Educação Nacional e por final, a<br />

vinculação dos Cursos Seqüenciais com a organização<br />

vista como organismo.<br />

Palavras-chave: Cursos Seqüenciais. Flexibilização<br />

e campo do saber. Inovação educacional. LDB.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Este artigo pretende tecer considerações<br />

sobre o recente tema Cursos Seqüenciais de<br />

Nível Superior, definidos pela nova Lei de Diretrizes<br />

e Bases da Educação Nacional - LDB e concebido<br />

como uma modalidade de flexibilização<br />

e diversificação da oferta de cursos superiores<br />

no Brasil, como uma variável inovadora do sistema<br />

educacional brasileiro.<br />

Os Cursos Seqüenciais são procurados<br />

para uma formação específica em um dado “campo<br />

do saber”. O exemplo, dessa afirmação pode<br />

ser visto na ciência da administração, tendo a<br />

equivalência a esta um curso seqüencial no campo<br />

específico de Gestão de Órgãos Públicos, no<br />

qual o prazo para realização é relativamente à<br />

metade da carga horária do curso de Graduação,<br />

com duração de dois anos ou dois anos e<br />

meio, com objetivos claros e práticos.<br />

Neste artigo será abordado inicialmente<br />

a contextualização da origem dos Cursos Seqüenciais,<br />

sua base legal e em seguida uma abordagem<br />

sobre a inovação educacional em determinado<br />

campo do saber, a estrutura antes e após<br />

a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,<br />

Lei Nº. 9.394/96 e as considerações finais.<br />

1.1 CONTEXTO<br />

O ensino superior brasileiro, na década<br />

dos anos 90, começou a conviver com um novo<br />

modelo de Educação Superior - Cursos Seqüenciais<br />

de Nível Superior, definido pela nova Lei<br />

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –<br />

LDB (Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996), que<br />

apresenta uma nova modalidade de oferta de<br />

cursos superiores no Brasil.<br />

Para uma primeira interligação com o<br />

contexto há a necessidade da abordagem nos<br />

aspectos das políticas de Educação Superior, assim<br />

como a filosofia que permeia a LDB/1996 no<br />

que tange a esse nível de educação – cursos seqüenciais,<br />

qual seja a idéia de flexibilização que<br />

permitiria uma maior diversidade nas modalidades<br />

de oferta de cursos superiores, aliada ao<br />

35<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 33-43, nov. 2008


36<br />

reforço das funções de supervisão e avaliação<br />

realizadas pelo Ministério da Educação – MEC,<br />

como contrapartida à ampliação da autonomia<br />

e responsabilidade das Instituições de Ensino<br />

Superior (IES), definindo-se, assim, uma política<br />

que é explicitada como sendo de “expansão<br />

com qualidade”, a partir da construção de um<br />

conjunto de indicadores de avaliação.<br />

A ampla divulgação dos resultados da<br />

avaliação dos cursos e das instituições<br />

transformaram a sociedade em<br />

instrumento fundamental de pressão<br />

e os estudantes em aliados do Ministério<br />

na guerra pela expansão com<br />

qualidade (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO,<br />

2000a, p. 14).<br />

Em seu artigo 44, a Lei 9.394 de 20 de<br />

dezembro de 1996, define as modalidades da<br />

Educação Superior da seguinte maneira:<br />

Art. 44. A educação superior abrangerá<br />

os seguintes cursos e programas:<br />

I - cursos seqüenciais por campo de saber,<br />

de diferentes níveis de abrangência,<br />

abertos a candidatos que atendam<br />

aos requisitos estabelecidos pelas<br />

instituições de ensino;<br />

II - de graduação, abertos a candidatos<br />

que tenham concluído o ensino<br />

médio ou equivalente e tenham sido<br />

classificados em processo seletivo;<br />

III - de pós-graduação, compreendendo<br />

programas de mestrado e doutorado,<br />

cursos de especialização e aperfeiçoamento<br />

e outros abertos a candidatos<br />

diplomados em cursos de graduação<br />

e que atendam às exigências das<br />

instituições de ensino;<br />

IV - de extensão, abertos a candidatos<br />

que atendam aos requisitos estabelecidos<br />

em cada caso pelas instituições<br />

de ensino.<br />

A nova abordagem, que surge na redação<br />

do artigo supracitado, é exatamente em seu primeiro<br />

inciso, que cria a modalidade dos cursos<br />

seqüenciais no Brasil, considerando o campo do<br />

saber em determinada área do conhecimento.<br />

Em 1998, após dois anos de pressões<br />

desencadeadas pela ausência de uma norma<br />

reguladora dos cursos seqüenciais, o Conselho<br />

Nacional de Educação – CNE, elaborou um primeiro<br />

parecer a respeito do assunto, o Parecer<br />

da Câmara de Educação Superior - CES/CNE 670,<br />

que abordou pontos obscuros da concepção dos<br />

cursos seqüenciais a partir das idéias originais<br />

de seu idealizador, o Senador Darcy Ribeiro.<br />

Assim, pela primeira vez surgia um detalhamento<br />

sobre os termos utilizados na definição do<br />

inciso I do artigo 44 da LDB sobre os cursos seqüenciais<br />

por “campo de saber”. Esse parecer<br />

ainda foi reformulado duas outras vezes, no<br />

Parecer 672/98 e no Parecer 968/98 que, finalmente,<br />

foi homologado pelo Ministro da Educação<br />

e deu origem à Resolução 1/99, documento<br />

atual da regulamentação dos cursos seqüenciais,<br />

a qual dispõe:<br />

Promulgada a Lei Nº. 9.394/96, a Câmara<br />

de Educação Superior do Conselho<br />

Nacional de Educação iniciou estudos<br />

que resultaram em pareceres com vistas<br />

à regulamentação de dispositivos<br />

do novo diploma legal.<br />

Um destes pareceres, o de Nº. 670/97,<br />

tratava dos cursos seqüenciais no ensino<br />

superior (...).<br />

Aprovado em novembro de 1997, e encaminhado<br />

à homologação do Ministro<br />

da Educação, (...) posteriormente foi<br />

devolvido para reexame pela CES. Foi<br />

então elaborado o Parecer Nº. 672/98,<br />

que ampliou e melhor explicitou o escopo<br />

dos cursos seqüenciais, baseando-se<br />

amplamente naquele de Nº. 670/<br />

97. Posteriormente, alguns conselheiros<br />

apresentaram ponderações refe-<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 33-43, nov. 2008


entes à implementação dos cursos<br />

seqüenciais, o que recomendou a retificação<br />

do Parecer Nº. 672/98. (...).<br />

Outro aspecto importante é à afirmação<br />

de que os cursos seqüenciais são cursos de equivalência<br />

de nível superior, quer dizer, não apenas<br />

de nível pós-médio, mas cursos direcionados<br />

a propiciar conhecimentos aos discentes que<br />

neles estiverem inseridos à formação em determinado<br />

campo específico de uma determinada<br />

área do conhecimento, inc. II, art. 44/LDB/96.<br />

Dessa maneira, os Cursos Seqüenciais<br />

passaram a ser mais uma modalidade alternativa<br />

de acesso à Educação Superior, tendo<br />

em vista uma qualificação preocupada com a<br />

qualidade da teoria versus prática para o mundo<br />

do trabalho com o conceito de formação<br />

continuada.<br />

A necessidade de diversificação da Educação<br />

Superior está ligada, por um lado, à demanda<br />

pela expansão de vagas nas Instituições<br />

de Ensino Superior de maneira a atender cada<br />

vez mais um número de concluintes do Ensino<br />

Médio, além de, é claro, a possibilidade de acesso<br />

a uma formação superior em carreiras diferenciadas<br />

das formações tradicionais, tendo<br />

como foco atender as necessidades do mundo<br />

do trabalho globalizado.<br />

2 CURSOS SEQÜENCIAIS COMO INSTRU-<br />

MENTOS DE FLEXIBILIZAÇÃO DA GESTÃO EDU-<br />

CACIONAL<br />

O Brasil vem presenciando transformações<br />

significativas no seu ordenamento jurídico<br />

com a Constituição Federal sendo constantemente<br />

reformada por meio de emendas, em<br />

muito modificando as idéias vigentes na época<br />

de sua elaboração, na Assembléia Constituinte<br />

encerrada de 05 de outubro de 1988, sendo que<br />

esse cenário se aplica, também, ao sistema educacional<br />

brasileiro.<br />

Antes de 1996, a organização da estrutura<br />

do sistema educacional brasileiro era vista<br />

somente como um processo normativo, o sistema<br />

educacional era um instrumento rígido, apresentando<br />

visão mecanicista, não interligado,<br />

regido pela Lei Nº. 4.024/61.<br />

Após esse período, surge a Lei Nº 5.692/<br />

71 como parte integrante do processo educacional.<br />

O primeiro grau não apresentava, em sua<br />

essência, um sistema educacional continuado<br />

que se interligasse ao plano concebido para segundo<br />

grau. Este continha determinados campos<br />

do saber e era composto na estrutura de<br />

“modalidade” de Educação Profissional, vista<br />

como técnica – tida como um apêndice desta<br />

modalidade, isto é do segundo grau, tais como:<br />

técnico em contabilidade, técnico administrativo,<br />

magistério, técnico em edificações, técnico<br />

em construção civil, técnico em desenho industrial<br />

etc.<br />

Em seguida, objetivando adequar o sistema<br />

educacional brasileiro às necessidades do<br />

mundo globalizado, o Ministério da Educação<br />

implementa a Lei Nº. 7.044/82, que começa a<br />

trabalhar a visão por área do conhecimento,<br />

como: Ciências Humanas, Ciências Biológicas,<br />

Ciências Exatas, Letras e Artes etc.<br />

Nesse momento, o cenário da política<br />

educacional brasileira começa a implementar<br />

estudos, objetivando transformar a estrutura<br />

da educação que era vista como mecanicista<br />

para a concepção do saber saber, saber fazer e<br />

saber ter, considerando as mudanças do cenário<br />

educacional mundial que passa a enxergar<br />

as organizações de ensino como organismos<br />

vivos, isto é, levam-se em consideração os processos<br />

que contém não somente a máquina do<br />

capital social e humano, mas principalmente<br />

os processos interligados à busca da teoria versus<br />

os diversos campos do saber profissional.<br />

A seguir, a construção do entendimento pelo<br />

grupo em relação ao sistema educacional brasileiro,<br />

antes do ano de 1996.<br />

37<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 33-43, nov. 2008


Pós-Graduação<br />

Lato e Stricto Sensu<br />

3º Grau<br />

Graduação<br />

Educação Básica<br />

1º e 2º Grau e Alfabetização<br />

38<br />

Fonte: Sistema educacional – Idealização do grupo.<br />

Ao ter como meta mundial, a universalização<br />

da educação, a partir de 1996, o Brasil<br />

aplica novos dispositivos legais, que proporcionam<br />

maior flexibilização no que tange as modalidades<br />

de ensino, principalmente na Educação<br />

Superior.<br />

O surgimento da nova Lei de Diretrizes<br />

e Bases da Educação Nacional - LDB, Lei 9394/96,<br />

um instrumento norteador e regulador do novo<br />

sistema educacional brasileiro, conceituado por<br />

muitos estudiosos como o instrumento de<br />

“equivalência” à Constituição Federal Brasileira,<br />

pois regulariza e norteia todos os procedimentos<br />

do Sistema Educacional na Pátria.<br />

Dentre as especificidades, constata-se<br />

a necessidade de novos parâmetros de formação<br />

e qualificação profissional, para que esses<br />

trabalhadores qualificados possam atender as<br />

novas demandas das atividades produtivas, visto<br />

que, nesse momento, a sociedade almejava<br />

parâmetros de formação profissional.<br />

Nesse contexto, a educação, especificamente<br />

a formação profissional, emerge no cenário<br />

educacional como prioridade para alavancar<br />

o crescimento econômico e o desenvolvimento<br />

social do Brasil, já que parecia haver unanimidade<br />

entre os diferentes setores, que buscavam<br />

referências na teoria do capital humano,<br />

que defende os investimentos na educação<br />

como algo indispensável.<br />

Finalmente, com a regulamentação dos<br />

cursos seqüenciais, estes foram definidos como<br />

um conjunto de atividades de formação, alternativas<br />

ou complementares aos cursos de Graduação,<br />

abertos a candidatos que atendessem<br />

aos requisitos estabelecidos pelas Instituições<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 33-43, nov. 2008


de Ensino Superior e fossem portadores de certificação<br />

de nível médio, e tudo isto consta na<br />

Resolução do CNE/CESU Nº. 1/99.<br />

Os referidos cursos foram organizados<br />

em duas categorias: cursos superiores de formação<br />

específica e cursos superiores de complementação<br />

de estudos, em que o primeiro<br />

assegura a obtenção de um diploma; e o segundo<br />

garante um certificado, conforme demonstrado<br />

no diagrama, a seguir.<br />

STRICTO SENSU<br />

DOUTORADO<br />

MESTRADO<br />

LATO SENSU<br />

PÓS-DOUTORADO<br />

ESPECIALIZAÇÃO,<br />

APERFEIÇOAMENTO,<br />

OUTROS.<br />

EDUCAÇÃO<br />

SUPERIOR<br />

Duração variável<br />

Anos de Estudo<br />

6º<br />

5º<br />

4º<br />

3º<br />

2º<br />

1º<br />

CURSOS<br />

SEQÛENCIAIS<br />

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL<br />

CURSOS DE EXTENSÃO<br />

PROCESSOS SELETIVOS<br />

1 8<br />

1 7<br />

1 6<br />

1 5<br />

Idade - anos<br />

ENSINO<br />

MÉDIO<br />

Anos de<br />

Estudo<br />

4º<br />

3º<br />

2º<br />

1º<br />

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL<br />

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS<br />

Mínimo: 18 anos de idade<br />

39<br />

1 4<br />

1 3<br />

1 2<br />

1 1<br />

1 0<br />

9<br />

8<br />

Idade - anos<br />

ENSINO FUNDAMNTAL<br />

Anos de<br />

Estudo<br />

Anos de Estudo<br />

8º<br />

7º<br />

6º<br />

5º<br />

4º<br />

3º<br />

2º<br />

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS<br />

Mínimo: 15 anos de idade<br />

EDUCAÇÃO ESPECIAL<br />

Integrada preferencialmente na rede regular de<br />

ensino.<br />

Atendimento em classes, escolas e serviços especializados.<br />

Educação para o trabalho.<br />

7<br />

1º<br />

4-6<br />

0-3<br />

EDUCAÇÃO<br />

INFANTIL<br />

PRÉ-<br />

ESCOLAR<br />

CRECHES<br />

Diagrama 1: Organização e Estrutura do Sistema Educacional – Nova LDB.<br />

Fonte: Gomes, 1998<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 33-43, nov. 2008


O novo modelo de gestão da educação<br />

nacional se expressa, mediante da organização<br />

dos sistemas de ensino, explicitando<br />

as incumbências da União, dos Estados<br />

e dos Municípios, interligando o processo<br />

de educação, modificando a organização<br />

e a estrutura do sistema educacional.<br />

Quadro 1.<br />

40<br />

União Estados Municípios<br />

•Organizar, manter e desenvolver<br />

o sistema federal de ensino e dos<br />

territórios.<br />

•Coordenar a política nacional de<br />

educação, articulando níveis de<br />

sistema.<br />

•Normatizar sobre cursos de Graduação<br />

e Pós-Graduação.<br />

•Elaborar o plano nacional de educação,<br />

em colaboração com os<br />

demais níveis de governo.<br />

•Estabelecer competências e definir<br />

diretrizes curriculares para a<br />

Educação Infantil, o Ensino Fundamental<br />

e Médio.<br />

•Assegurar processo nacional de<br />

avaliação do rendimento escolar,<br />

no ensino fundamental e médio e<br />

educação superior, em colaboração<br />

com os sistemas de ensino.<br />

•Assegurar o processo nacional de<br />

avaliação das instituições de<br />

educação superior, com a cooperação<br />

dos sistemas de ensinos<br />

envolvidos.<br />

•Exercer função redistributiva e<br />

supletiva em relação às demais<br />

instâncias (Estados e Municípios).<br />

•Supervisionar cursos das instituições<br />

de educação superior e estabelecimentos<br />

de seu sistema de<br />

ensino.<br />

•Organizar, manter e desenvolver<br />

o seu sistema de ensino.<br />

•Assegurar o Ensino Fundamental<br />

e oferecer, com prioridade, o<br />

Ensino Médio.<br />

•Elaborar e executar políticas e<br />

planos educacionais, em consonância<br />

com os planos nacionais,<br />

integrando as suas ações<br />

e a dos seus municípios.· Definir,<br />

com os municípios, formas<br />

de colaboração na oferta do<br />

ensino fundamental, assegurando<br />

distribuição proporcional<br />

de responsabilidades.<br />

•Exercer função redistributiva<br />

em relação a seus municípios.<br />

•Autorizar, reconhecer, credenciar,<br />

supervisionar e avaliar cursos<br />

das instituições de Educação<br />

Superior e estabelecimentos<br />

do seu sistema de ensino.<br />

•Baixar normas complementares<br />

para seu sistema de ensino.<br />

•Organizar, manter e desenvolver<br />

o seu sistema de ensino, integrando-os<br />

às políticas e planos.<br />

•Oferecer a Educação Infantil e,<br />

com prioridade, o Ensino Fundamental.<br />

•Exercer função redistributiva<br />

em relação às suas escolas.<br />

•Baixar normas complementares<br />

para o seu sistema de ensino.<br />

•Autorizar, credenciar e supervisionar<br />

os estabelecimentos do<br />

seu sistema de ensino.<br />

Quadro 1: Organização dos sistemas de Ensino.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 33-43, nov. 2008


A partir dessa premissa, da interdependência<br />

flexível da União, dos Estados e Municípios,<br />

a educação passa a ser vista como uma organização<br />

viva (organismo), como parte de um<br />

processo de interligação da capacitação do ser<br />

humano com suas perspectivas profissionais, no<br />

intuito de capacitar para o meio em que o mesmo<br />

está inserido.<br />

Com a necessidade de uma maior rapidez<br />

na obtenção e na atualização de qualificações<br />

técnicas, profissionais ou acadêmicas, para<br />

a alavancagem e flexibilidade das organizações,<br />

em um mundo cada vez mais complexo, devido<br />

os avanços tecnológicos e a massificação das<br />

relações com o aumento da globalização, criase<br />

os cursos seqüenciais por campos de saber,<br />

caracterizados no inciso I do art. 44 da Lei 9.394/<br />

96, que são regulamentados nos termos da resolução<br />

CES Nº. 1, de 27 de Janeiro de 1999.<br />

3 A ORGANIZAÇÃO EDUCACIONAL VISTA<br />

COMO ORGANISMOS<br />

O século XXI emerge, no campo educacional,<br />

exigindo novas posturas daqueles que<br />

tem compromisso com a transformação da humanidade,<br />

e aponta a educação como o único<br />

caminho possível de mudar o cenário que está<br />

diante de todos, onde as desigualdades sociais<br />

colocam-se como um desafio para a sociedade.<br />

Por isso, entende-se que cabe à educação<br />

gerar conhecimentos, competências e habilidades<br />

para que o indivíduo busque a adaptabilidade<br />

e melhorias no meio em que vive.<br />

A necessidade das organizações de atender<br />

às demandas de mercado obrigou o surgimento<br />

de novos modelos de produção – observação<br />

dos objetos na transformação dos objetos<br />

–, criando um tipo de Educação Profissional<br />

que permite à sociedade fornecer recursos humanos<br />

capacitados e capazes de harmonizar o<br />

empírico e o teórico do ensino com as constantes<br />

inovações. Entretanto, para que isso ocorra,<br />

a educação deve pautar sua prática em torno de<br />

quatro aprendizagens fundamentais, que serão<br />

para cada indivíduo, os pilares do conhecimento;<br />

aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender<br />

a viver juntos, aprender a ser, entendendo<br />

que estas quatro vias do saber tornam-se únicas,<br />

por estarem correlacionadas uma a outra,<br />

necessitam sempre de troca de informações<br />

entre si. Figura 1.<br />

Quando se pensa no aprender a conhecer,<br />

entende-se que é o prazer de compreender,<br />

de conhecer e de descobrir e, por isso, se<br />

faz necessário criar formas para que a escolaridade<br />

tenha seu tempo prolongado, ou seja, que<br />

o adulto, após concluir seus estudos, possa prosseguir<br />

com vontade de fazer novos cursos, pesquisa,<br />

etc., fazendo-o perceber que o aumento<br />

do saber o faz compreender melhor o ambiente,<br />

sob os seus diversos aspectos e, com isso,<br />

ser mais crítico e atualizado, seja por meio de<br />

cursos de Especialização, cursos profissionalizantes,<br />

para que se prepare para o mercado<br />

competitivo dentro da sociedade onde vive.<br />

41<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 33-43, nov. 2008


Aprender a conhecer<br />

Aprender a ser CONHECIMENTO<br />

Aprender a fazer<br />

Aprender a viver juntos<br />

42<br />

Figura 1: Pilares de sustentação do conhecimento – Idealização do grupo.<br />

O aprender a fazer tem maior referência<br />

com a formação profissional, quando o indivíduo<br />

aprende e põe em prática os seus conhecimentos,<br />

entretanto, deve-se observar que<br />

aprender a fazer não significa apenas ensinar o<br />

jovem para uma determinada função, mas estimular<br />

sua competência pessoal para que a combinação<br />

entre qualificação, comportamento social,<br />

sentido de equipe e capacidade de iniciativa,<br />

seja desenvolvida e que haja, de fato, a combinação<br />

entre o “Saber Fazer” e o “Saber Ser”.<br />

Nesse contexto, o aprender a ser prioriza<br />

o desenvolvimento total da pessoa, espírito<br />

e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido<br />

estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade,<br />

pois é assim que os seres humanos devem<br />

ser preparados pela educação que recebem,<br />

para agirem nas diferentes circunstâncias<br />

da vida, para ter pensamentos autônomos, críticos<br />

e com personalidade própria.<br />

Por tudo isso, entende-se que compete à<br />

educação formar seres humanos preparados para<br />

as mudanças sociais, econômicas, culturais e que<br />

sejam capazes de evitar a desumanização do mundo<br />

relacionado com a evolução tecnológica.<br />

Portanto, espera-se que a educação prepare<br />

as crianças, jovens e adultos para possíveis<br />

descobertas e experimentações, visto que o desenvolvimento<br />

tem por objetivo a realização<br />

completa do homem, em toda a sua riqueza, complexidade<br />

das suas expressões e dos seus compromissos,<br />

pois o processo da inovação do campo<br />

do saber encontra-se em constante mudança,<br />

haja vista que se deve lutar e pôr em prática todos<br />

os estudos e projetos para a modernização<br />

da educação, deixa-se de escrever e criticar os<br />

assuntos e inicia-se uma nova concepção do hoje,<br />

buscando implementar políticas públicas educacionais,<br />

voltadas a atender às necessidades fundamentais<br />

de cada cidadão brasileiro.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 33-43, nov. 2008


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Para se obter o desenvolvimento de um<br />

país se faz necessário, primeiramente, políticas<br />

educacionais voltadas para os campos: organizacional,<br />

econômico, social, moral, ético, intelectual,<br />

cultural etc., objetivando acompanhar<br />

as tendências e as necessidades do mundo globalizado,<br />

não dissociando as questões estratégicas<br />

que envolvem a tecnologia do conhecimento<br />

e o desenvolvimento, que embasado em<br />

noções sobre a proteção do conhecimento, pois<br />

sem tais informações a geração do conhecimento<br />

fica comprometida.<br />

Evidentemente, apenas gerar informação<br />

e tecnologia por meio do espírito inovador<br />

não basta para que as condições sociais se tornem<br />

mais igualitárias, é necessário que se criem<br />

mecanismos de distribuição de conhecimento,<br />

conjugados com a educação.<br />

Com as inovações dos cursos seqüenciais<br />

de equivalência aos cursos de Graduação<br />

começou a existir transformações consideráveis<br />

no mercado de trabalho, haja vista, a flexibilização<br />

dos instrumentos de um determinado<br />

campo do saber. As relações trabalhistas tradicionais<br />

que eram embaladas na teoria das áreas<br />

da Graduação, foram de maneira incipiente<br />

substituídas pela prática do conhecimento dos<br />

cursos de formação específica, tendo como benefício<br />

à rentabilidade, para as instituições públicas<br />

e privadas.<br />

Outro aspecto a ser considerado como<br />

uma vantagem dos cursos seqüenciais, como<br />

um instrumento de flexibilização para as organizações<br />

se manterem vivas no mercado, interagindo<br />

com o meio, é a contribuição da praticidade<br />

e da rapidez do conhecimento adquirido<br />

em um determinado campo específico do saber,<br />

que contribui para as organizações serem<br />

vistas como organismos vivos.<br />

Os Cursos Seqüenciais, inseridos no sistema<br />

de Ensino Superior, representam uma<br />

mudança significativa no processo brasileiro de<br />

formação educacional e profissional, pois procura<br />

atender um espaço existente entre o mercado<br />

de trabalho e a formação acadêmica sem<br />

conhecimentos práticos, tão exigidos no momento<br />

da contratação profissional, caracterizando<br />

uma adaptação ao ambiente em mutação,<br />

permitindo diferentes tipos de capacitações em<br />

áreas diversas do saber, atendendo as demandas<br />

sociais e psicológicas dos indivíduos e das<br />

organizações.<br />

43<br />

REFERÊNCIAS<br />

BRASIL. Lei Nº. 9.394 de 20 de dezembro de 1996.<br />

Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação<br />

Nacional. Diário Oficial da União, de 23 de dezembro<br />

de 1996.<br />

______. Ministério da Educação. Resolução Nº.<br />

1 de 27 de janeiro de 1990. Brasília: Conselho<br />

Nacional de Educação.<br />

______. Ministério da Educação. Secretaria do Ensino<br />

Médio e Educação Tecnológica. Diretrizes Curriculares<br />

Nacionais Gerais para a Educação Profissional<br />

de Nível Tecnológico. Brasília, 2002. p. 6.50.<br />

MARTINS, Rubens de Oliveira. Cursos Sequenciais:<br />

entendendo a formação superior de curta duração /<br />

Rubens de Oliveira Martins – Bauru, SP: EDUSC, 2004.<br />

MORGAN, Gareth, 1943 – Imagem da Organização:<br />

edição executiva / Gareth Morgan; tradução<br />

Geni G. Goldschimidt. 2. ed. – 4. reimpressão.<br />

São Paulo: Atlas, 2002.<br />

TEIXEIRA, Anísio. A expansão do ensino superior<br />

no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos.<br />

Rio de Janeiro, v. 36, n. 83, p. 3-4, jul./<br />

set. 1961.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 33-43, nov. 2008


44<br />

Traços, Belém, v. 10, n. 21, p. 35-50, jun. 2008


O SUJEITO E O SONHO NA<br />

ERA DA FRAGMENTAÇÃO:<br />

Clube da Luta e<br />

Pós-Modernidade<br />

45<br />

Enderson Oliveira<br />

Fabrício Ferreira<br />

Thamiris de Sousa<br />

Relivaldo de Oliveira<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 45-57, nov. 2008


46<br />

Traços, Belém, v. 10, n. 21, p. 35-50, jun. 2008


O SUJEITO E O SONHO NA ERA DA FRAGMENTAÇÃO:<br />

Clube da Luta e Pós-Modernidade 1<br />

Enderson Oliveira*<br />

Fabrício Ferreira**<br />

Thamiris de Sousa***<br />

Relivaldo de Oliveira****<br />

RESUMO<br />

Este ensaio busca traçar um panorama das características<br />

do Pós-Modernismo, em especial<br />

as de uma estética fílmica pós-moderna, que<br />

podem ser percebidas no filme Clube da Luta.<br />

Aborda, também, a atual situação do sujeito<br />

contemporâneo, definido por Hall como fragmentado,<br />

não tendo uma identidade fixa, essencial<br />

ou permanente. A partir daí, procura-se<br />

estabelecer relações dialógicas de tal película<br />

com a chamada “Era Pós-Moderna”, sendo produto<br />

não somente estético e comercial, mas<br />

também das inquietações psicossociais que afetam<br />

o indivíduo.<br />

Palavras-chave: Pós-Modernismo. Clube da<br />

Luta. Sujeito. Identidade. Inquietações Psicossociais.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Não se fazem mais filmes de boa qualidade<br />

como antigamente – ou será que os de<br />

outrora não eram tão bons quanto os de hoje?<br />

Realmente não se sabe – nem será objeto de<br />

estudo descobrir. O fato é que aqueles filmes<br />

que prendem o telespectador do início ao fim,<br />

causando-lhe curiosidade, poder de reflexão,<br />

de percepção e de detalhadas avaliações de<br />

sequências bem formuladas, estão cada vez mais<br />

escassos. Em seu lugar, no novo cenário da Pós-<br />

Modernidade - nome aplicado à lenta transformação<br />

cultural emergente nas sociedades ocidentais,<br />

uma mudança de sensibilidade nas ciências<br />

e artes desde os anos 50, quando por convenção<br />

se encerra o modernismo - estão os típicos<br />

filmes dessa era (HARVEY, 2003, p. 45).<br />

Sequências rápidas, sem muita relação<br />

entre si, mas causadoras de um prazer momentâneo,<br />

são típicas no enredo dos longas-metragens<br />

atuais, que acabam proporcionando aos<br />

consumidores assistirem aos filmes mais relaxados<br />

e saborearem as pipocas nas suas poltronas<br />

tranquilamente. Se os filmes são meramente<br />

prazerosos e momentâneos, a pipoca pode<br />

ser considerada bem-vinda. Ao contrário, se<br />

houvesse reflexões e questionamentos, qualquer<br />

indivíduo que se esmerasse, ao menos ficaria<br />

‘boquiaberto’ com seqüências hipnotizantes<br />

e questionadoras, que mal conseguiria engolir<br />

sua própria saliva, muito menos pensaria<br />

em saborear algo...<br />

* Estudante de Graduação 4° semestre do Curso de Comunicação<br />

Social - Jornalismo, e-mail:<br />

enderson_e@yahoo.com.br.<br />

** Estudante de Graduação 4° semestre do Curso de Comunicação<br />

Social - Jornalismo, e-mail:<br />

fmferreiraler@yahoo.com.br.<br />

*** Estudante de Graduação 4° semestre do Curso de Comunicação<br />

Social - Jornalismo, e-mail:<br />

thamirismodel@hotmail.com.<br />

**** Orientador do trabalho. Professor da <strong>Unama</strong>. Doutorando<br />

em Ciências Sociais (UFPA). e-mail:<br />

relivaldodeoliveira@yahoo.com.br.<br />

1<br />

Trabalho apresentado na Sessão Comunicação Audiovisual<br />

(cinema, rádio e televisão) – Jornada de Iniciação Científica<br />

em Comunicação, evento componente do XXXI Congresso<br />

Brasileiro de Ciências da Comunicação.<br />

47<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 45-57, nov. 2008


48<br />

No entanto, não se deve generalizar, citando<br />

todos os filmes pós-modernos como meramente<br />

prazerosos e momentâneos, assim<br />

como, afirmar que os modernos são questionadores<br />

e causam reflexões. Alguns pós-modernos<br />

conseguem despertar no telespectador<br />

uma visão questionadora a respeito dos fatos<br />

presentes no filme e uma tentativa de encaixar<br />

o “quebra-cabeça”, geralmente proposto por<br />

estes. Assim, em vez de querer saborear a pipoca,<br />

o telespectador irá tentar unir as peças do<br />

enigma a fim de solucionar o que o filme quer<br />

dizer. Em algumas vezes, isso será possível. Outras,<br />

porém, tentativas inúteis.<br />

Neste breve ensaio, destaca-se um produto<br />

comunicacional como objeto de estudo, o<br />

filme Clube da Luta, do Diretor David Fincher 1 ,<br />

que proporcionará a análise do Pós-Modernismo<br />

no cinema.<br />

2 O SOCO NA MENTE DO ESPECTADOR<br />

Clube da Luta, ao contrário do que o próprio<br />

título nos induz a pensar, é um longa-metragem<br />

que traz reflexões e questionamentos a<br />

respeito de atitudes consumistas e alienadoras<br />

da sociedade. O narrador da história, personagem<br />

de Edward Norton, é um homem atormentado<br />

por insônias, que busca ser uma pessoa<br />

diferente. Procura, ainda, dentro de si próprio<br />

– tanto quanto inconscientemente – alguém que<br />

lhe mostre a vida como realmente deseja ver,<br />

que lhe dê os “melhores conselhos” e mostre a<br />

solução para seus problemas. É justamente a<br />

partir daí que Edward Norton conhece Tyler Durden<br />

(personagem de Brad Pitt), um homem fora<br />

do comum que lhe faz elogios e mostra o mundo<br />

que ele queria enxergar.<br />

1<br />

David Fincher (1962-), diretor estadunidense de longas-metragens<br />

como: “Alien 3” (1992), “Seven – Os sete pecados<br />

capitais” (1995), “Vidas em Jogo” (1997), “Clube da Luta”<br />

(1999) e “Zodíaco” (2007). Oriundo da publicidade, dirigiu<br />

também videoclipes de bandas como Rolling Stones, cantores<br />

como Sting, Michael Jackson e Madonna, além de comercias<br />

de TV para Nike, Coca-Cola, Pepsi, Chanel, entre outros.<br />

Por meio de frases como: “Evolua, mesmo<br />

se você desmoronar por dentro”, Tyler levao<br />

a se “encantar” e, intuitivamente, perceber<br />

que Durden era o homem que ele queria ser,<br />

mas não conseguia, por ainda ignorar o fato de<br />

estar preso ao consumismo e materialismo. Assim,<br />

Durden acaba tornando-se seu único e grande<br />

amigo, dizendo sempre as palavras que o<br />

narrador queria ouvir e ter as atitudes que este<br />

desejava ter, mas até então lhe faltava coragem.<br />

3 DO LIVRO SEM FIGURAS AO JOGO DE REALI-<br />

DADE ALTERNATIVA<br />

Antes, porém, de aprofundar a relação<br />

de conceitos pós-modernos com o filme Clube<br />

da Luta, é importante uma breve introdução ao<br />

conceito de pós-modernidade. Para isso, é necessário<br />

um pequeno esboço do chamado projeto<br />

da modernidade que, segundo Teixeira<br />

Coelho (2001, p. 20) “recobriria de modo amplo<br />

e geral os últimos três séculos da cultura ocidental<br />

de extração européia”.<br />

O projeto da modernidade, segundo<br />

Coelho (2001, p. 20) “inicia-se com a distinção<br />

clara de três domínios, anteriormente imbricados<br />

num único: ciência, arte e moral, com o posterior<br />

aparecimento de outros campos autônomos,<br />

como o da lei e da política”. Ou seja, a arte,<br />

anteriormente atrelada aos rígidos preceitos<br />

religiosos e morais da Igreja Católica, a partir de<br />

então vai adquirindo certa autonomia, o mesmo<br />

se aplicando à ciência e a moral. Lançado no<br />

século XVIII e firmado ao longo do séc. XIX, o<br />

projeto da modernidade parece cristalizar-se e<br />

assumir contornos mais trabalhados nos primeiros<br />

anos do século XX, com o surgimento de variados<br />

movimentos artísticos renovadores e das<br />

revoluções socialistas.<br />

É a partir da segunda metade do século<br />

XX que o palco propício para uma crítica do projeto<br />

da modernidade começaria a ser montado.<br />

Mudanças históricas viriam a ocasionar alterações<br />

paradigmáticas no modo de se pensar a<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 45-57, nov. 2008


sociedade, suas instituições e manifestações<br />

culturais. Apoiados na crítica aos valores do projeto<br />

modernista, pensadores começaram a falar<br />

em pós-modernidade.<br />

Hipermodernidade, Pós-industrial, Terceira<br />

Fase do Capitalismo, Modernidade Líquida...<br />

a pós-modernidade tem vários nomes, mas<br />

as idéias são basicamente as mesmas: o homem<br />

não tem mais uma identidade fixa, cujo centro<br />

é a sua personalidade única (HALL, 2003, 12); a<br />

incredulidade em relação às próprias metanarrativas,<br />

como saberes únicos e totalizantes (LYO-<br />

TARD, 2002, p. 16); e, por fim, a arte se despindo<br />

de ideais racionalistas e sociais, procurando<br />

incorporar elementos de uma cultura popular,<br />

valorizando multiplicidade de estilos ao invés<br />

da originalidade modernista.<br />

Por todas essas mudanças, pode-se dizer,<br />

como muitos críticos, que a pós-modernidade<br />

não é um conceito com uma definição certa,<br />

mas é inegável que há uma grande transformação,<br />

ainda em curso, muito mais rica em perguntas<br />

do que certezas, que se reflete em várias realizações<br />

artísticas e cuturais, entre elas, o cinema.<br />

4 O HÍBRIDO E O INSÓLITO EM CENA: o cinema<br />

pós-moderno<br />

Poderia se dizer que o cinema pós-moderno<br />

refere-se à produção cinematográfica do<br />

final do século XX e princípio do atual (PUCCI JR<br />

apud MASCARELLO, 2007, p.362). No entanto,<br />

tal definição seria vaga demais e levaria em conta<br />

apenas uma classificação cronológica, e não<br />

o principal a ser considerado neste artigo: as<br />

características dos filmes pós-modernos 2 .<br />

A partir do ponto de que o Pós-Modernismo<br />

possui um caráter híbrido, plural e contraditório,<br />

deve-se ter em mente que este não<br />

2<br />

Há que se considerar a diferença estabelecida por Renato<br />

Luiz Pucci Jr. Em seu artigo “O Cinema Pós-Moderno” (in:<br />

História do Cinema Mundial, p. 361) entre Pós-Modernidade<br />

(diz respeito a um período histórico) e Pós-Modernismo<br />

(refere-se a um campo cultural).<br />

prega, necessariamente, a oposição e negação<br />

de todas as características modernistas, mas as<br />

adapta e transforma de acordo com os seus próprios<br />

“interesses”, até mesmo porque, originalidade<br />

não é um valor pós-moderno: “O prefixo<br />

pós, segundo Linda Hutcheon, não indica que o<br />

pós-modernismo seja a negação e o oposto do<br />

modernismo [...]. Hutcheon insiste que o pósmodernismo<br />

é intrinsecamente paradoxal, ou<br />

seja, constitui-se por características opostas”<br />

(PUCCI JR apud MASCARELLO, 2007, p. 371).<br />

A criação de um conceito de Pós-Modernismo<br />

ao cinema designaria, portanto, o que<br />

foge às classificações da teoria. Entretanto, ainda<br />

que se leve em consideração essa “fuga”,<br />

pode-se observar certas características comuns<br />

aos filmes considerados pós-modernos, pelas<br />

quais se norteará esta breve análise. Tais características<br />

partiriam desde a coexistência de gêneros<br />

cinematográficos (como a utopia fantástica,<br />

a comédia-pastelão, a tragédia, a aventura<br />

e mesmo o drama), o rompimento com a tradição<br />

do verossímil, a existência de simulacros,<br />

pastiches, intertextualidade além de uma psicanálise<br />

pop, um fim das “fronteiras históricas”<br />

entre a baixa e a alta cultura 3 , e elementos do<br />

cinema de entretenimento e de videoclipes e<br />

até mesmo um “ar respeitoso” para com os produtos<br />

da mídia 4 , que não deve ser confundindo<br />

com “homenagens” para com a chamada “Indústria<br />

Cultural”.<br />

É justamente a partir destes conceitos e<br />

definições do que seja “Pós-Modernismo” e que<br />

características possui a sua produção cinematográfica<br />

– aqui incluído o filme Clube da Luta –<br />

3<br />

Termo criado por Connor (1989, p.145) que se refere a uma<br />

mesma obra conseguir evocar tranquilamente ao mesmo<br />

tempo as complexidades da alta teoria sem impedir espectadores<br />

comuns de acompanhar a narrativa.<br />

4<br />

Tal “ar respeitoso” vai de encontro às críticas realizadas pelo<br />

filósofo modernista Theodor Adorno (1903-1969), ao abordar<br />

a Indústria Cultural, o que assinala outra importante<br />

característica do Pós-Modernismo: um certo repúdio para<br />

com determinadas “marcas” do Modernismo, como, por<br />

exemplo, as cosmologias.<br />

49<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 45-57, nov. 2008


50<br />

que será analisada tal película, bem como a atual<br />

relação do indivíduo com as mudanças que<br />

vêm ocorrendo nas sociedades a partir da década<br />

de 50 e que podem ser observadas no filme<br />

em questão.<br />

5 CLUBE DA LUTA E O PÓS-MODERNISMO<br />

5.1 A FRAGMENTAÇÃO DA RAZÃO E O INÍCIO<br />

DO SONHO<br />

5<br />

Termo de origem americana que é a abreviação de Young Urban<br />

Profissional (Jovem Profissional Urbano) e designa jovens<br />

profissionais de classe média alta, solteiros e bemsucedidos.<br />

Correntes elétricas percorrendo freneticamente<br />

neurônios sinuosos, balançando ao<br />

som agitado de uma música mixada, observados<br />

por uma câmera que corre apressadamente<br />

de dentro de um cérebro, até se posicionar em<br />

frente a um rosto assustado com uma arma na<br />

boca... É dessa forma que Clube da Luta se apresenta<br />

ao espectador. A partir de então, o narrador,<br />

interpretado por Edward Norton, conta a<br />

história conforme relembra os fatos, afinal, este<br />

momento é, na verdade, o fim da trama. Isso<br />

confere à narrativa um aspecto não-linear e<br />

pessoal, constituindo-se em uma mistura de<br />

sonho e realidade.<br />

O protagonista, que não se identifica de<br />

imediato, passa a contar tudo o que aconteceu<br />

anteriormente, em forma de flashbacks. A expectativa<br />

em torno do que levou tais personagens<br />

a essa situação é a garantia de assegurar a<br />

atenção do espectador para que acompanhe a<br />

história narrada, por mais absurda ou fantástica<br />

que ela se apresente.<br />

Supervisor nada ético de seguros de uma<br />

empresa de automóveis, o personagem de Norton<br />

sofria de insônia e, como um bom yuppie 5 ,<br />

era um consumista compulsivo, ao ponto de dizer<br />

“me tornei um escravo do consumismo instintivo<br />

caseiro”. Esses problemas o levam a procurar<br />

ajuda médica. O médico o incita a participar<br />

de uma reunião de homens com câncer de<br />

testículo, para que veja o que é “sofrimento de<br />

verdade”.<br />

A partir de uma visita a esse grupo, o narrador<br />

torna-se um viciado em grupos de apoio a<br />

pessoas com doenças terminais e, sentindo-se<br />

curado de sua insônia, tudo parecia bem. Utiliza<br />

nomes falsos em cada reunião que frequenta (Rupert,<br />

Cornelius etc.), como se em cada grupo, ele<br />

pudesse ser outra pessoa e, ao mesmo tempo, ser<br />

ele mesmo, egoísta e insensível, apenas mais uma<br />

de suas facetas diversas, entre tantas. Começa assim,<br />

para o protagonista, um processo de fragmentação<br />

de sua identidade em várias outras. O próprio<br />

sujeito da pós-modernidade, segundo Hall<br />

(2003, p. 12), com uma identidade unificada e estável<br />

“está se tornando fragmentado; composto<br />

não de uma única, mas de várias identidades, algumas<br />

vezes contraditórias e mal-resolvidas”.<br />

Em um dos grupos, a orientadora leva<br />

os participantes a se submeterem a uma espécie<br />

de hipnose, em que veriam a sua “caverna<br />

interior” e lá dentro a sua “força animal”.<br />

A seqüência, que mostra o narrador entrando<br />

na sua “caverna”, contém aspectos irônicos<br />

e oníricos: a caverna, coberta de gelo e,<br />

lá dentro, um pingüim, que olha para o protagonista<br />

assustado e diz: “deslize!”. Sem maiores<br />

explicações, ele acorda desse “sonho” e<br />

a história continua. Uma obra do cinema considerado<br />

moderno, como Morangos Silvestres<br />

6 , de Ingmar Bergman, também traz uma<br />

construção de seqüência onírica que serve de<br />

contraponto à história que está sendo contada.<br />

Nas palavras do diretor sueco:<br />

6<br />

Morangos Silvestres (Smulltronstället, no original) é um filme<br />

de 1957, escrito e dirigido pelo diretor sueco Ingmar Bergman<br />

(1918-2007), sobre um velho professor de medicina,<br />

Isak Borg (interpretado pelo cineasta Victor Sjöstrom) que<br />

em uma viagem para a cidade de Lund, receberá um prêmio<br />

pelos 50 anos de carreira. No caminho, entre sonhos e pesadelos,<br />

relembra os principais momentos de sua vida, temendo<br />

a morte que se aproxima.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 45-57, nov. 2008


O professor Isak Borg vai ser promovido<br />

a doutor na Universidade de Lund.<br />

À noite sonha que se encontra numa<br />

cidade desconhecida, despovoada. Um<br />

caixão cai de um carro funerário. Uma<br />

mão aparece sob a tampa do caixão e<br />

agarra o professor Borg, que se vê em<br />

seguida deitado, ele mesmo, no caixão<br />

(BERGMAN, 1996, p. 403).<br />

A diferença entre as sequências é que na<br />

obra de Bergman, a seqüência citada possui uma<br />

complexidade onírica cuidadosamente planejada<br />

e é essencial para se compreender os aspectos<br />

psicológicos do personagem. No filme de Fincher,<br />

a seqüência da caverna surge muito mais<br />

como um fragmento de sonho, em que a palavra<br />

“deslize” adquire vários significados, não sendo,<br />

necessariamente, essencial para a complexidade<br />

psicológica do personagem.<br />

Nesse momento, uma nova personagem<br />

aparece: Marla Singer (Helena Bonham Carter)<br />

que cumpre o papel de mulher misteriosa e fatal,<br />

ao mesmo tempo excêntrica e depressiva,<br />

em uma referência a femme fatale, do cinema<br />

noir 7 . Aqui, então, observa-se outro ponto característico<br />

do Pós-Modernismo: o pastiche,<br />

uma referência nada original a estilos anteriores<br />

bem diversos, sem nenhum sentido específico.<br />

Diferentemente da paródia, o pastiche “é<br />

a imitação de um estilo peculiar ou único, o uso<br />

de uma máscara estilística, a fala numa língua<br />

morta: mas é uma prática neutra dessa mímica,<br />

sem a motivação ulterior da paródia, sem o impulso<br />

satírico” (JAMESON, 2002, p. 23), ou seja,<br />

o pastiche é a paródia vazia, sem o riso e sem a<br />

releitura do estilo parodiado, uma “colagem”<br />

de estilos passados.<br />

7<br />

Movimento que teve origem no cinema americano na década<br />

de 1940, e pode ser definido por atmosfera, temas e estrutura<br />

narrativa (que usa a voz em off). Possui alguns personagens<br />

fundamentais, como a femme fatale e uma problematização<br />

masculina. Esses elementos estão presentes<br />

em Clube da Luta, na forma de pastiche.<br />

Marla passa também a freqüentar, como<br />

“turista”, os grupos de apoio aos doentes, o que<br />

deixa o narrador furioso. “Nela eu via a minha<br />

mentira refletida”, diz. Revoltado e sem conseguir<br />

dormir novamente, deseja até mesmo a<br />

morte, em uma de suas viagens de avião, a trabalho.<br />

Nesse momento, conhece um vendedor<br />

de sabonetes: Tyler Durden (Brad Pitt).<br />

Falante, com idéias rebeldes e vestido com<br />

roupas de cores fortes, Tyler logo conquista a amizade<br />

do narrador, que se vê fascinado pelo seu<br />

discurso. Toda a admiração que este passa a sentir<br />

por Tyler se tornará mais complexa, quando perceber,<br />

na parte final do filme, que na verdade,<br />

Tyler Durden era ele mesmo 8 . Isso não quer dizer,<br />

necessariamente, que o narrador teria dupla personalidade,<br />

como no livro do escritor escocês Robert<br />

Louis Stevenson: O Médico e o Monstro 9 .<br />

Durden não é um oposto do narrador, mas uma<br />

materialização de suas idéias; surge de forma confusa,<br />

em que não se sabe ao certo quando foi Tyler,<br />

quem agiu e quando foi o narrador.<br />

Mas, então, em quem o narrador teria se<br />

“inspirado” para “criar” Tyler? Nele mesmo? Não<br />

exatamente, mas no que ele queria ser, ou seja,<br />

em um referencial inexistente... Um simulacro,<br />

nesse sentido, segundo o conceito de Jean Baudrillard<br />

(1981, p. 12): “A simulação já não é a simulação<br />

de um território, de um ser referencial,<br />

8<br />

Tyler Durden aparece ao narrador como um libertador do<br />

consumismo que o oprimia, e não só a ele, mas aos participantes<br />

do clube da luta e, posteriormente, aos voluntários<br />

do Projeto Caos, do qual se torna o grande líder. Pode-se<br />

até mesmo fazer uma analogia com o papel messiânico assumido<br />

por Moisés, no Antigo Testamento, que liderou o<br />

povo de Israel na libertação da opressão do Egito. Moisés<br />

incomoda-se com tal opressão, mas por ser tímido e pacífico,<br />

leva o seu eloqüente irmão Arão, para falar em seu lugar.<br />

Tyler, seguindo ainda essa comparação, seria Arão, e o<br />

narrador seria Moisés, o verdadeiro líder, fato comprovado<br />

no momento em que se revela que Durden e o personagem<br />

de Edward Norton são a mesma pessoa. Ou seja, as idéias<br />

de Tyler eram, desde o começo, do narrador, sendo que<br />

quem falava era o personagem de Brad Pitt.<br />

9<br />

O Médico e o Monstro (no original em inglês, The Strange Case<br />

of Dr. Jekyll and Mr. Hyde) é o nome do romance do escocês<br />

Robert Louis Stevenson publicado em 1886, em que o protagonista,<br />

Dr. Jekill deve lidar com seus dois “eus”: um inclinado<br />

ao bem (Jekyll) e outro ao mal (Hyde).<br />

51<br />

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52<br />

de uma substância. É a geração pelos modelos<br />

de um real sem origem nem realidade: hiperreal”.<br />

O simulacro é um conceito chave para entender<br />

a Pós-Modernidade da realidade alternativa,<br />

das imagens hiper-reais em terceira dimensão<br />

e dos modelos de beleza artificiais.<br />

Outra característica fundamental da estética<br />

do cinema pós-moderno, verificada na<br />

película, é a linguagem do vídeo-clipe. Com uma<br />

montagem de cortes céleres, planos curtíssimos,<br />

ângulos não usuais e uma preferência por<br />

movimentos rápidos, que acompanhem o ritmo<br />

acelerado da música, a “estética de videoclipes”<br />

ocasiona a fragmentação e a interrupção<br />

da contemplação. A contemplação seria uma<br />

apreciação cuidadosa e intelectual da obra de<br />

arte, que segundo Steven Connor (2000, p. 241),<br />

era buscada pelos grandes cineastas do cinema<br />

considerado moderno.<br />

A partir do momento em que o personagem<br />

de Edward Norton “conhece” Tyler se inicia<br />

uma longa jornada, em que o narrador, atormentado<br />

pela insônia e por sua própria (in) consciência,<br />

mergulha no sonho de ser mais do que<br />

ele mesmo imaginou. Até o momento em que,<br />

ao abrir os olhos, perceber que é tarde demais<br />

para reconstruir-se.<br />

5.2 O CLUBE E A LUTA DOS “INDESEJADOS DE DEUS”<br />

Após o primeiro encontro com Tyler, o<br />

personagem de Edward Norton, ao desembarcar<br />

do avião, é interpelado pela segurança sobre<br />

algo (que fica subentendido ser um vibrador)<br />

e que supostamente estaria em sua bagagem.<br />

Ao fundo, no alto falante do aeroporto,<br />

ouve-se o nome de alguém: “Sr. Robert Poulsen”<br />

(personagem de Meat Loaf), o ex-alterofilista<br />

que frequentara, junto com o narrador, um<br />

grupo de apoio para pessoas com câncer de testículo.<br />

De modo prático, no entanto, pode-se<br />

afirmar que tal sequência não é de grande relevância<br />

para o desenvolvimento da trama, caracterizando-se<br />

como uma seqüência com significante,<br />

mas sem significado aparente, característica<br />

bastante explorada pelos pós-modernos.<br />

Ao retornar a sua residência, o narrador é<br />

avisado que seu apartamento fora incendiado, o<br />

que é confirmado pelo porteiro, que complementa<br />

dizendo: “Não há nada lá dentro, senhor”.<br />

Essa grande perda provavelmente representou<br />

um duro golpe para o narrador, que dizia estar<br />

perto de ser completo e agora se encontrava desprovido<br />

do suporte material/consumista no qual<br />

baseava sua vida. Pode-se, aqui, fazer uma analogia<br />

ao comportamento anterior do personagem<br />

de Norton com a “falsa felicidade” de que fala o<br />

filósofo alemão Herbert Marcuse (apud JAME-<br />

SON, 2002, p. 286), baseada na “gratificação de<br />

um carro novo, de um TV dinner, de sentar-se no<br />

sofá e ver o programa favorito”.<br />

Em tais condições, o personagem de<br />

Norton decide (não se sabe ao certo por que<br />

motivo) procurar alguém: o melhor amigo descartável<br />

que já tivera e que há pouco conhecera:<br />

Tyler Durden.<br />

Encontram-se em um bar, onde conversam<br />

sobre vários assuntos, nos quais se percebe<br />

a preponderância dos temas abordados por<br />

Tyler, que despeja comentários contra o consumismo<br />

apregoado pelo capitalismo e que podem<br />

ser sintetizadas em sua máxima: “as coisas<br />

que possui acabam te possuindo”. Alguns chopes<br />

e interpelações anticapitalistas depois, o<br />

personagem de Edward Norton é “convidado”<br />

por Tyler para uma luta entre si, ao que resiste<br />

um pouco, porém termina aceitando e dando<br />

início, assim, a um clube da luta.<br />

Não se deve deixar de lado que, antes<br />

de iniciar a luta, o narrador, dirigindo-se aos próprios<br />

telespectadores, faz uma breve apresentação<br />

de Tyler Durden, enfatizando o fato de<br />

este ser responsável pela montagem de alguns<br />

filmes (nos quais inseria lances de pornografia)<br />

e também trabalhar como garçom (dos menos<br />

convencionais) de um luxuoso restaurante e<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 45-57, nov. 2008


que, dentre outras coisas, urinava e espirrava<br />

nos pratos servidos. Deve-se observar, também,<br />

que a escolha do personagem de Norton para<br />

falar de Tyler não é por acaso, afinal de contas<br />

quem melhor para falar de seu alter-ego (ou si<br />

mesmo) que o próprio narrador? Poder-se-ia<br />

responder um psicanalista... No entanto, a figura<br />

de tal profissional representa um dos maiores<br />

avanços do período Modernista: o desenvolvimento<br />

da Psicanálise, uma das principais<br />

metanarrativas da época. Importante notar, também,<br />

que é justamente a partir da “descrença e<br />

desencanto” para com as metanarrativas que se<br />

começa a falar em Pós-Modernidade. Nas palavras<br />

de Harvey:<br />

As verdades eternas e universais, se é<br />

que existem, não podem ser especificadas.<br />

Condenando as metanarrativas<br />

(amplos esquemas interpretativos<br />

como os produzidos por Marx e Freud)<br />

como “totalizantes”, eles insistem na<br />

pluralidade de formações de “poderdiscurso”<br />

(Foucault) ou “jogos de linguagem”<br />

(Lyotard). Lyotard, com efeito,<br />

define o pós-moderno simplesmente<br />

como “incredulidade diante das metanarrativas”<br />

(HARVEY, 2003, p. 49,50).<br />

Assim, na Pós-Modernidade, o sujeito –<br />

sem qualquer grande referencial - crê-se capacitado<br />

a tentar explicar determinadas situações<br />

ou mesmo a si próprio, ou até a desistir de explicar<br />

coisa alguma, preterindo a opinião e mesmo<br />

o auxílio de figuras ligadas às metateorias,<br />

como os psicanalistas, por exemplo.<br />

Em pouco tempo, o clube consegue um<br />

grande número de “membros” e passa a funcionar<br />

quase todos os dias e não mais só aos sábados.<br />

Executivos, garçons, comerciantes, manobristas...<br />

Todos eram bem-vindos. Tal sucesso<br />

talvez se explique pelo fato de os “indesejados<br />

de Deus” (como Tyler denominava os “lutadores”)<br />

também estarem em busca de um projeto,<br />

uma ideologia, uma razão - que antes tentavam<br />

encontrar em bares, grupos de apoio, drogas.<br />

Talvez compartilhassem do mesmo pensamento<br />

do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (2005, p.<br />

430) ao referir-se ao Niilismo: “Vemos que não<br />

alcançamos a esfera em que pusemos nossos<br />

valores – com isso a outra esfera, em que vivemos,<br />

de nenhum modo ainda ganhou valor: ao<br />

contrário, estamos cansados, porque perdemos<br />

o estímulo principal. ‘Foi em vão até agora!’”.<br />

Talvez também cressem que a luta seria<br />

uma das poucas soluções existentes e que um<br />

clube da luta materializaria as palavras do narrador<br />

de que “Só depois de perdermos tudo é<br />

que estamos livres para fazer qualquer coisa” e<br />

“Depois de lutar, tudo na vida tem menos importância”,<br />

o que amenizaria tanto as “dores”<br />

dos hematomas quanto as dores psicossociais<br />

da “Era Pós-Moderna”.<br />

Dessa forma, até mesmo o resultado das<br />

lutas teria menos importância, uma vez que os<br />

“lutadores” não visariam, necessariamente, a<br />

vitória ou o reconhecimento, mas algo diferente<br />

e catártico. Essa busca meio “fetichista” remete<br />

a célebre frase de Nietzsche, bastante citada<br />

por outros filósofos pós-modernos: “O que<br />

não me mata me fortalece”, afinal de contas,<br />

após as lutas, fossem vencedores ou vencidos,<br />

todos se sentiam mais fortes, mais “equilibrados”,<br />

o que é claramente referido pelo narrador<br />

ao afirmar que “Depois de tudo, todos se<br />

sentiam salvos”.<br />

É importante ressaltar que esta referência<br />

à “salvação” não está relacionada ao projeto<br />

teológico pós-moderno 10 , e sim, ao encontro de<br />

uma alternativa para os problemas acentuados<br />

na Pós-Modernidade, em que cada vez mais se<br />

busca a “salvação” e cada vez mais, ela se torna<br />

inalcançável, praticamente inatingível em uma<br />

10<br />

Segundo Harvey (2003, p.47), o projeto teológico pós-moderno<br />

é reafirmar a verdade de Deus sem abandonar os poderes<br />

da razão.<br />

53<br />

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54<br />

época em que até mesmo um encontro de si<br />

mesmo é quase impossível, em razão da fragmentação<br />

identitária já citada.<br />

5.3 A LUTA (EN) CONTRA O CAOS<br />

Com o passar do tempo, só lutar nos clubes<br />

clandestinos já não era mais tão catártico e<br />

empolgante. Algo deveria ser feito extra clube.<br />

Sob o comando de Tyler, os participantes do clube<br />

da luta passam a receber “lições para casa”:<br />

umas mais “leves” como, por exemplo, arrumar<br />

uma briga com um desconhecido e outras mais<br />

“pesadas”, como realizar “pequenas” explosões.<br />

Entregues sigilosamente em envelopes lacrados,<br />

tal preocupação foi um dos primeiros passos para<br />

a transformação (ou erupção) do clube em uma<br />

organização “terrorista”, com fortes tendências<br />

anárquicas - deve-se lembrar que a Anarquia<br />

também é característica pós-moderna.<br />

Assim, a partir desse momento, a trama<br />

toma outro rumo. O que anteriormente havia<br />

sido apenas uma “diversão” para os sábados<br />

transforma-se em uma organização de terroristas<br />

utópicos que, curiosamente, pregam a contra-utopia,<br />

que desejam lutar contra o caos difundido<br />

pelo capitalismo espalhando o caos pela<br />

cidade, e que possuem um projeto (curiosamente<br />

chamado de Projeto Caos) de destruição de<br />

vários símbolos do Capitalismo, como lojas e até<br />

mesmo empresas de cartões de crédito e de sistemas<br />

de informação.<br />

Formada pelos “indesejados de Deus”,<br />

tal organização questionava as máximas capitalistas<br />

– em especial os produtos da chamada Indústria<br />

Cultural –, acreditando que, mediante<br />

as ações terroristas, teriam “voz” na sociedade.<br />

Essa expectativa de possibilidade de “voz” remete<br />

ao comentário de Huyssens (apud HAR-<br />

VEY, ARVEY2003, p. 110), quando afirma que o<br />

pós-modernismo tem especial valor por reconhecer<br />

“as múltiplas formas de alteridade que<br />

emergem das diferenças de subjetividade, de<br />

gênero e sexualidade, de raça, de classe, de (configurações<br />

de sensibilidade) temporal e de localizações<br />

e deslocamentos geográficos espaciais<br />

e temporais”.<br />

Há que se considerar, ainda, que nas<br />

ações praticadas pelos “terroristas” evidencia-se<br />

melhor outra característica pós-moderna;<br />

a presença de vários estilos cinematográficos,<br />

como o suspense (que cria a expectativa<br />

e envolve as ações “terroristas”); o drama<br />

(percebido na presença do narrador ao tomar<br />

conhecimento da morte de seu amigo, Robert<br />

Poulsen); e, até mesmo, a comédia-pastelão<br />

(uma vez que se copia ação de terroristas só<br />

que de forma jocosa, em nada quase se assemelhando<br />

a estas).<br />

Em outra sequência de Clube da Luta,<br />

sem perceber a criação de seu simulacro, o personagem<br />

de Edward Norton admira-se com o<br />

primeiro grande atentado (festejado por ser<br />

apresentado na TV), realizado por ele e seus<br />

“comparsas”, do qual nem tinha consciência de<br />

ter participado: o Projeto Caos começava, então,<br />

a ter a repercussão midiática aparentemente<br />

esperada. Esse “reconhecimento” foi facilitado<br />

pelo papel da mídia, uma vez que esta se<br />

constitui perfeitamente como a grande “possibilitadora”<br />

do conceito/ideal pós-moderno de<br />

que “a idéia de que todos os grupos têm o direito<br />

de falar por si mesmos, com sua própria voz,<br />

e de ter aceita essa voz como autêntica e legítima,<br />

é essencial para o pluralismo pós-moderno”<br />

(HARVEY, 2003, p. 52)<br />

De volta à “estranheza” do narrador,<br />

deve-se considerar isto já como um sinal para<br />

que este comece a suspeitar que algo de estranho<br />

ocorria, sendo que tais suspeitas só fizeram<br />

aumentar quando, um dia, em um carro,<br />

metaforicamente guiado por Tyler, provoca um<br />

acidente, que é chave para um início de retomada<br />

de consciência de si e que se assemelha<br />

ao anterior desejo do personagem de Edward<br />

Norton de sofrer um acidente de avião.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 45-57, nov. 2008


As próprias características do filme se<br />

modificam durante o curto período, após esse<br />

acidente. Em curtas cenas (característica de videoclipes),<br />

sobrepõem-se reflexões, delírios e<br />

a saída de Tyler, o que causa espanto no personagem<br />

de Norton, e que o incita a empreender<br />

todos os seus esforços, a partir de então, para<br />

reencontrar Tyler, o que pode ser entendido<br />

como uma metafórica busca de si mesmo.<br />

5.4 A LUTA FINAL<br />

Em uma das seqüências finais do filme,<br />

aparecem inúmeras vezes, na mente do narrador,<br />

lembranças, em formas de flashback, que<br />

acentuam a desconfiança deste de que ele e Tyler<br />

poderiam ser a mesma pessoa. Cenas rápidas,<br />

que apontavam pistas, tornando-o quase<br />

certo de que realmente se tratava de um alterego<br />

seu, que criara para satisfazer suas vontades<br />

e desejos, também estavam presentes. Tais sequências<br />

mostram a idéia inicialmente descrita<br />

sobre uma das principais características pós-modernas:<br />

a heterotopia, que, segundo Michel Foucault,<br />

filósofo francês, “é a coexistência num ‘espaço<br />

impossível’, de um ‘grande número de mundos<br />

possíveis fragmentários’, mais simplesmente,<br />

espaços ilimitados que são justapostos e superpostos<br />

uns aos outros” (HARVEY, 2003, 52).<br />

O narrador, ao final, consegue se libertar<br />

do seu alter-ego, o ego “destruidor”, sendo<br />

importante ressaltar uma sequência anterior em<br />

que o personagem de Norton, ao tentar atingir<br />

Tyler, não consegue se libertar, porém, ao atingir-se<br />

a si próprio o destrói, o que explica-se<br />

pelo fato de Tyler ser um fragmento dele próprio.<br />

No término do filme, o narrador segura na<br />

mão de Marla e diz que ela o conheceu “em um<br />

momento estranho” de sua vida, mas que no<br />

momento atual tudo terminara, o pesadelo desaparecera<br />

e, então, “viveram felizes para sempre”,<br />

o que lembra os típicos desfechos dos filmes<br />

hollywoodianos.<br />

Quando se pensa que o filme acabou,<br />

ainda nessa mesma seqüência em que Norton<br />

pega na mão de Marla - ambos assistindo a destruição<br />

dos prédios (e ao fundo a “típica” música<br />

pós-moderna) –, nota-se, quase que imperceptivelmente,<br />

uma imagem (genitália masculina)<br />

passando rapidamente, sem qualquer relação<br />

aparente com o filme. Tal cena seria um<br />

“significante sem significado”, porém, percebese<br />

que esta se relaciona com uma seqüência<br />

anterior, onde Norton explica no que Tyler trabalha<br />

– auto-descrição –, dizendo que este é<br />

responsável pela montagem das seqüências de<br />

filmes, o que acaba por ter certa relação, mas<br />

sem - aparentemente - qualquer finalidade com<br />

esta cena final.<br />

Assim, o filme apresenta-se como uma<br />

espécie de “quebra-cabeça”, não trazendo para o<br />

espectador respostas para um entendimento satisfatório<br />

em seu término. No entanto, ao observar<br />

determinadas correlações aparentes, pode-se<br />

fazer certas inferências para cada um tirar sua próprias<br />

conclusões, sendo importante ressaltar que,<br />

no início do longa, aparece um aviso – quase que<br />

imperceptível – assinado por Tyler sobre o filme.<br />

O aviso fala sobre o consumismo e o que<br />

Durden diz para o narrador no decorrer de Clube da<br />

Luta, ou seja, suas “lições” de vida para ele. Esse<br />

aviso, ao mesmo tempo em que pode ajudar a<br />

montar o quebra-cabeça lançado no decorrer do<br />

filme, pode ser comparado com todos os outros<br />

avisos de advertência que geralmente passam antes<br />

de começarem os longas e que muitas pessoas<br />

não prestam atenção, ou não se importam em fazêlo.<br />

No caso do filme Clube da Luta, esse aviso, em<br />

geral, também passa despercebido por parte dos<br />

espectadores por crerem tratar-se de apenas mais<br />

um que dirá as mesmas coisas, e não as próprias<br />

lições que Tyler diz ao narrador, antecipando o assunto<br />

que irá ser tratado no decorrer da trama.<br />

Para a Psicanálise, o mais importante em<br />

um sonho são os detalhes, muitas vezes, passados<br />

despercebidos, mas que fazem/podem fazer<br />

55<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 45-57, nov. 2008


56<br />

toda a diferença no final. Contextualizando ao filme<br />

em questão, os detalhes, como este do aviso,<br />

são muitas vezes passados despercebidos, e são<br />

justamente os que fazem toda a diferença. Essas<br />

minúcias, se relacionadas com as demais e contextualizadas<br />

com os demais detalhes já aqui citados,<br />

acabam tendo mais significado e importância<br />

do que toda a história do filme. Ou melhor, essas<br />

descobertas fazem parte da história do filme, mas<br />

terminam sendo uma verdade inexistente para<br />

muitos, por não perceberem tais detalhes.<br />

Ainda com relação aos detalhes do filme,<br />

logo após o aviso, surge um desenho de<br />

uma careta sorrindo com uma voz ao fundo. Essas<br />

imagens são mostradas de forma muito rápida.<br />

Porém, ao analisar o filme na sua totalidade,<br />

percebe-se que estas, bem como a seqüência<br />

citada anteriormente sobre a genitália, não<br />

foram colocadas ao acaso, mas podem se relacionar<br />

com um momento da trama.<br />

Deve-se lembrar que Tyler trabalhava<br />

como projecionista de filmes. E, conforme já foi<br />

dito, Durden insere cenas pornográficas quase que<br />

imperceptíveis (na seqüencia, aparece uma garotinha<br />

no cinema, chorando ao ver esta imagem<br />

“desagradável”, projetada por Tyler) nos filmes nos<br />

quais é responsável pela projeção. Fazendo uma<br />

analogia, percebe-se que o espectador, muitas<br />

vezes, é comparável com a garotinha do cinema,<br />

ao deixar passar despercebidas cenas sem qualquer<br />

aparente relação e significado entre si, mas<br />

que podem se complementar no final.<br />

Tais fatos levam a crer que o personagem<br />

de Norton, assim como foi capaz de falar de Tyler,<br />

ou seja, de si próprio - também foi o grande<br />

protagonista de todo o filme, do seu próprio espetáculo,<br />

desde o início até a última seqüência.<br />

Tudo está interligado e existem, quase sempre<br />

passadas despercebidas aos olhos dos telespectadores,<br />

todas as relações possíveis entre as seqüências,<br />

sendo Tyler o ator principal de tais ocorrências,<br />

o produtor de seu próprio filme e o contador<br />

da sua própria história.<br />

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS : o estranho despertar<br />

pós-moderno<br />

Se filmes como Clube da Luta, que dialogam<br />

com características pós-modernas, utilizando<br />

de seqüências rápidas e digitalizadas,<br />

grande número de referências e narrativas fragmentadas<br />

parecem confundir o espectador,<br />

pode-se dizer que, necessariamente, interrompem<br />

a contemplação da obra cinematográfica<br />

como obra de arte? O fato inegável é que as<br />

novas tecnologias (como o DVD, que possibilita<br />

rever inúmeras vezes seqüências e pausar em<br />

uma cena específica, podendo analisar seus<br />

detalhes), incorporadas às realizações artísticas,<br />

trouxeram mudanças e só tendem a se cristalizar<br />

ainda mais.<br />

Nada mais consumível por parte do homem<br />

da pós-modernidade, desde cedo apresentado<br />

a formas incontáveis de interpretações<br />

da realidade, devido a uma multiplicidade de<br />

vozes, que em gritaria conjunta, tentam seduzi-lo.<br />

Confuso e indeciso, sente-se deslocado<br />

da realidade, sem lugar no mundo e na história,<br />

sem história: esquizofrênico, em uma sociedade<br />

que, no dizer de Deleuze e Guattari “produz<br />

esquizofrênicos da mesma maneira como produz<br />

o xampu Prell ou os carros Ford, com a única<br />

diferença de que os esquizofrênicos não são<br />

vendáveis” (apud HARVEY, 2003, p.57). Ao fundo,<br />

um Tyler irônico, confirma: “Nós somos os<br />

filhos do meio da história, sem propósito ou<br />

lugar. Não tivemos Grande Guerra, não tivemos<br />

Grande Depressão”.<br />

Resultado de uma era globalizada em<br />

que as minorias periféricas (como um clube da<br />

luta) ganham as ruas e se fazem ouvidas, por<br />

meio da violência ou não. Os monstros pósmodernos<br />

se fazem ouvidos no momento em<br />

que, ao liberar seus demônios, o indivíduo perde<br />

a noção da realidade. Nada mais faz sentido,<br />

afinal “Deus está morto, Marx também e eu não<br />

me sinto muito bem”, o que remete à máxima<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 45-57, nov. 2008


do personagem de Crime e Castigo 11 , de Dostoievski:<br />

“Se Deus não existe, então tudo é permitido”,<br />

com a diferença de que no romance do<br />

escritor russo moderno, o protagonista se sente<br />

culpado do delito que cometera, enquanto<br />

os “indesejados de Deus” do Projeto Caos se<br />

congratulam após ver sua “façanha” (a explosão<br />

de um prédio 12 ) como matéria principal em<br />

um telejornal.<br />

Goya 13 , pintor moderno espanhol, afirmou<br />

que “o sono da razão produz monstros”.<br />

Então pode-se dizer que a razão está em permanente<br />

sono, em nossa época? Ou que simplesmente<br />

está esquecida em livros empoeirados<br />

e sem figuras? E os monstros, pós-modernos,<br />

não são mais tão assustadores assim: sedutores,<br />

são vendidos em qualquer esquina, em<br />

vários modelos e tamanhos...<br />

Até quando? Não se sabe... O sujeito pósmoderno<br />

dorme, e só acordaria se, como o narrador<br />

de Clube da Luta, de olhos bem abertos, se<br />

auto-destruísse e eliminasse o seu próprio fragmento<br />

de sonho... Mas então nunca mais acordaria<br />

e estaria preso no labirinto que ele mesmo<br />

criou?... Seria então o triunfo da criação sobre o<br />

criador, do simulacro sobre a referência, do fragmento<br />

sobre o todo?... Ao acordar (ou dormir de<br />

vez), o narrador da Pós-Modernidade olha para o<br />

outro que o observa (na figura de Marla Singers,<br />

que representa o espectador confuso do cinema)<br />

e diz: “Você me conheceu em uma época<br />

estranha - pós-moderna - da minha história...”<br />

REFERÊNCIAS<br />

BAUDRILLARD, J. Simulacros e Simulação. Lisboa:<br />

Editora Relógio d’Água, 1981.<br />

BERGMAN, I. Imagens. São Paulo: Martins Fontes,<br />

1996.<br />

BÍBLIA. Português. A Bíblia Sagrada: Antigo e Novo<br />

Testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida.<br />

Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.<br />

CLUBE da Luta. Direção: David Fincher. Produção:<br />

Ross Bell, Cean Chaffin e Art Linson. Intérpretes:<br />

Edward Norton; Brad Pitt; Helena Bohan<br />

Carter; Meat Loaf e outros. Roteiro: Chuck<br />

Palahniuk e Jim Uhls. Música: The Dust Brothers.<br />

11<br />

Crime e Castigo (no original, Prestuplênie i nakazánie) é um<br />

romance do escritor russo Fiódor Dostoiévski (1821 - 1881),<br />

publicado em 1866. Narra a história de um jovem estudante<br />

que comete um assassinato e se vê perseguido por sua<br />

incapacidade de continuar sua vida após o delito.<br />

12<br />

Esta cena é simbolicamente chamada, na edição em DVD do<br />

filme, de Muralhas de Jericó. Jericó, segundo o Antigo Testamento,<br />

foi a primeira cidade a ser conquistada pelo povo de<br />

Israel, após se libertar da escravidão do Egito, sob o comando<br />

de Moisés. As muralhas eram imensas e intransponíveis<br />

e sua destruição simbolizava o início da conquista da “Terra<br />

Prometida” pelo povo recém liberto israelita, assim como a<br />

destruição dos prédios de empresas de cartão de crédito<br />

por parte dos voluntários do Projeto Caos simbolizaria a<br />

conquista de sua afirmação frente a sociedade, logo após<br />

serem “libertos” do que os oprimia.<br />

13<br />

Francisco José de Goya y Lucientes (1746 - 1828), foi um pintor<br />

e gravador espanhol.<br />

Los Angeles:, 1999. 1 DVD (139 min), widescreen,<br />

color. Produzido por Universal Pictures. Baseado<br />

no livro “Fight Club”, de Chuck Palahniuk.<br />

Coleção Os Pensadores. F. Nietzsche. Edição<br />

n.19. São Paulo: Nova Cultural, 2005<br />

COELHO, T. Moderno Pós Moderno: modos e<br />

versões. 4. ed. São Paulo: Iluminuras, 2001.<br />

CONNOR, S. Cultura Pós-Moderna: introdução<br />

às teorias do contemporâneo. 4.ed. São Paulo:<br />

Edições Loyola, 2000.<br />

HALL, S. A identidade cultural na Pós-<br />

Modernidade.7.ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora,<br />

2003.<br />

HARVEY, D. Condição Pós-Moderna. 12. ed. São<br />

Paulo: Edições Loyola, 2003.<br />

JAMESON, F. Pós-Modernismo: A lógica cultural<br />

do capitalismo tardio. 2. ed. São Paulo: Editora<br />

Ática, 2002.<br />

LYOTARD, J-F. A Condição Pós-Moderna. 7.ed.<br />

Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2002.<br />

PUCCI JR.,R . Cinema Pós-Moderno. In: MASCARE-<br />

LLO, F. (Org.). História do Cinema Mundial. 2.ed.<br />

Campinas: Papirus Editora, 2007. p. 361 - 378.<br />

57<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 45-57, nov. 2008


58<br />

Traços, Belém, v. 10, n. 21, p. 51-68, jun. 2008


A FACE INSUSPEITA DO PODER:<br />

um estudo sobre a analítica do<br />

poder em Michel Foucault<br />

59<br />

Ronald Valentim Gomes Sampaio<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008


60<br />

Traços, Belém, v. 10, n. 21, p. 51-68, jun. 2008


A FACE INSUSPEITA DO PODER:<br />

um estudo sobre a analítica do poder em Michel Foucault<br />

Ronald Valentim Gomes Sampaio*<br />

RESUMO<br />

A presente análise consiste na elaboração pontuada<br />

do projeto foucaultiano da analítica do<br />

poder em sua fase genealógica, buscando identificar<br />

um conteúdo específico e inominado que<br />

não se confunde com as categorias do poder da<br />

soberania e disciplinar. O argumento central<br />

propõe identificar um conceito foucaultiano de<br />

poder, cujo conteúdo, depurado da idéia de repressão<br />

e de lei, o torna produtivo, positivo e<br />

emancipatório.<br />

Palavras-chave: Poder. Disciplinar. Controle. Vigilância.<br />

Política. Governamentalidade. Bio-<br />

Poder. Bio-Política.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

As formas tradicionais de análise do poder<br />

1 e suas estruturas componentes e afins, ainda,<br />

são as mesmas desde o século XVII, vinculando-se<br />

ao Estado (soberano) toda a manifestação<br />

do “potesta” (poder) e, nele, somente<br />

nele, encontram legitimidade. Juridicamente<br />

pensado, o poder é essencialmente uno (único),<br />

sua divisão ou repartição existe apenas para<br />

viabilizar o seu exercício, sua atuação sobre os<br />

destinatários dele mesmo 2 . Os exercentes do<br />

poder recebem a investidura legal para exercêlo<br />

em nome e em função do Estado, portanto,<br />

sempre realizando continuamente um objetivo<br />

que não é pessoal, mas, unitário, orgânico.<br />

Em termos de organização ou arquitetônica<br />

do poder, os teóricos propõem modelos<br />

e interpretações que visam perpetuar a tese<br />

clássica do poder uno, indissolúvel, intransferível<br />

e impessoal. Teses como a desconcentração<br />

e a descentralização do poder, do poder função<br />

etc., tecnologias da governamentalidade na terminologia<br />

foucaultiana respeitam as mesmas<br />

linhas fundamentais da teoria do poder.<br />

A razão de ser da teoria clássica ou da<br />

teoria recorrente é exibir o poder como uma<br />

realização necessária, agregadora e desinteressada;<br />

o poder deve ser visto como fundamento<br />

da ordem política indisponível, nele não há<br />

interesse egoístico, intenção própria ou realização<br />

material! Está acima das intenções ou<br />

desejos humanos. Nessa construção do ideal<br />

da ordem, a obra foucaultiana detecta a formação<br />

do sujeito, conceito que perpassa toda<br />

obra do pensador. O quadro descrito perfaz a<br />

essência do poder soberano, do poder do rei<br />

ou Estado-Leviatã 3 .<br />

61<br />

*<br />

Professor de Filosofia e Filosofia do Direito. Mestrando em<br />

Psicanálise (UFPA). Professor da <strong>Unama</strong>.<br />

1<br />

Trata-se da visão negativa do poder, isto é, o poder é a repressão,<br />

proibição etc. É criticando essa visão que Foucault<br />

constrói uma genealogia do poder.<br />

2<br />

A visão tripartida do poder remonta a Aristóteles (Política),<br />

mas consagra-se nas obras de John Locke (Segundo tratado<br />

sobre o Governo Civil) e Montesquieu (Espírito das Leis).<br />

3<br />

O Leviatã designa a obra política mais importante de Thomas<br />

Hobbes. O título é alusivo ao monstro fenício com olhos<br />

espalhados por todo o corpo e detentor de um poder descomunal.<br />

Traços, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008


62<br />

4<br />

Sujeição e obediência, eis os fundamentos da soberania.<br />

Um dos grandes defensores do poder soberano assim define<br />

a soberania: “la puissance absolue et perpétuelle dúne<br />

Republique” (JEAN BODIN) Apud NADER, Paulo. Filosofia do<br />

direito. Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 130.<br />

É em torno desse poder que nasce a concepção<br />

tradicional de sua compreensão, isto é,<br />

o poder deriva da legitimidade do Estado que,<br />

por sua vez, se servirá de uma dominante teoria<br />

jurídica. Esta garantirá a sujeição e a obediência<br />

dos indivíduos (jurisdicionados) à soberania<br />

estatal 4 .<br />

Contra essa visão conformadora do poder,<br />

projeta-se a análise de Michel Foucault.<br />

Análise essa que pulveriza o poder em todo o<br />

seu ser promove a reforma de sua compreensão<br />

e expõe sua descontinuidade.<br />

A pretensão de Foucault não é elaborar<br />

uma nova teoria do poder ou refazer a chamada<br />

teoria clássica, mas descortinar o acontecimento<br />

do poder como atuação e materialização de<br />

relações diversas, constantes e qualificadoras<br />

de posições.<br />

As obras de Foucault pesquisadas são as<br />

que compõem o seu esquema genealógico: “Vigiar<br />

e Punir” (1976), “História da Sexualidade I<br />

– A Vontade de Saber” (1976) e a coletânea chamada<br />

“Microfísica do Poder” (1981). Mediante<br />

do método arqueológico, esse filósofo aborda<br />

os saberes que falam sobre o homem, as práticas<br />

discursivas e as não-verdades em relação a<br />

este homem.<br />

Para melhor entender o percurso foucaultiano<br />

da construção da análise do poder, o<br />

presente trabalho está dividido em três capítulos<br />

básicos, estruturados da seguinte forma.<br />

O Primeiro Capítulo mostra o labor filosófico<br />

de Michel Foucault na construção da sua<br />

compreensão do poder, pela qual o pensador<br />

revela que os modelos clássicos de análise do<br />

poder não podem dar conta da sua real natureza.<br />

No Segundo Capítulo, seguindo o mesmo<br />

ritmo de Foucault, apresenta-se os deslocamentos<br />

e atualizações da noção de poder e o<br />

aprimoramento da analítica na detecção das formas<br />

tecnológicas desenvolvidas a partir desta<br />

categoria, tais como: poder disciplinar, bio-poder,<br />

governamentalidade etc.<br />

O Terceiro Capítulo trata do problema<br />

do “governo”, que acompanha, segundo Foucault,<br />

a evolução do próprio poder que atravessa<br />

os séculos difundindo a disciplina, o controle<br />

e a vigilância.<br />

O trabalho finaliza com a referência inquestionável<br />

de Gilles Deleuze, ao pensamento<br />

inovador de Paul Michel Foucault, o filósofo<br />

da crítica das evidências.<br />

2 O PODER COMO FUNDAÇÃO DE POSIÇÕES<br />

2.1 A REVOLUÇÃO COPERNICANA DE FOU-<br />

CAULT: a analítica do poder<br />

Foucault é um pensador preocupado<br />

com a destruição das evidências, com o descortinar<br />

as janelas únicas e definitivas das verdades<br />

históricas. Por essa razão, não se revela um<br />

pensador cansativo, articulista de um tema só.<br />

Na verdade, poucos autores do cenário<br />

contemporâneo trilharam tantas áreas do saber<br />

como Michel Foucault. Suas incursões nas questões<br />

da sexualidade, da loucura, da punição e<br />

da literatura são bastante conhecidas.<br />

Mas, como é notório, o estudo do poder<br />

foi o causador da maior repercussão de seu pensamento<br />

no universo intelectual. As suas investigações,<br />

ao longo dos anos 70, em torno da problemática<br />

do poder, com suas peculiares sutilezas investigativas,<br />

o projetaram como o filósofo francês<br />

(ao lado de Jacques Derrida) de maior presença<br />

no cenário cultural alemão e anglo-saxão.<br />

Argumenta-se que essa parte do trabalho<br />

de Foucault não foi objeto de uma organização<br />

de suas premissas, nem de uma sistematização<br />

de seus resultados.<br />

Não se pretende com este trabalho ordenar<br />

o pensamento de Foucault sobre o po-<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008


der, até porque tal não é o seu objeto, mas deseja-se<br />

alcançar o máximo possível a concepção<br />

que o autor desenvolve sobre o poder em suas<br />

múltiplas faces e desdobramentos teóricos.<br />

É importante adiantar que não há em<br />

Foucault uma teoria geral do poder, a-histórica,<br />

podendo ser aplicada a todas as relações de poder<br />

existentes na sociedade, em qualquer contexto<br />

5 . Foucault, com efeito, pretende trabalhar<br />

uma analítica do poder capaz de dar conta do seu<br />

funcionamento local, em campos e discursos específicos<br />

e em épocas determinadas 6 .<br />

A analítica tem limites definidos quando<br />

comparada a uma teoria do poder, pois para aquela<br />

não está em questão a origem do poder, o conceito<br />

e a sua aplicação ideal. A analítica adota<br />

uma perspectiva eminentemente descritiva,<br />

procura identificar e explicitar os diferentes<br />

mecanismos, táticas e estratégias empregadas na<br />

sua efetivação, bem como a forma de funcionamento<br />

das relações de poder em sociedade 7 .<br />

Foucault não pretende ir além da analítica,<br />

qualificando a sua pretensão genealógica<br />

do poder como atividade identificadora.<br />

5<br />

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Ed.<br />

Graal, 1989a, p, X. Nesta passagem Roberto Machado em<br />

apresentação dos textos de Foucault afirma: “Mas é preciso<br />

não se equivocar e se arriscar a nada compreender das<br />

investigações mais recentes desta genealogia: não existe<br />

em Foucault uma teoria geral do poder.”<br />

6<br />

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I – A vontade de<br />

saber. 9. ed. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1988, p. 80: “ O que<br />

está em jogo nas investigações que virão a seguir é dirigirmos<br />

menos para uma teoria...”<br />

7<br />

FOUCAULT, Michel. V igiar e punir. Petrópolis: Ed. Vozes,<br />

1989b, p.154: “[...] o problema não é de constituir uma teoria<br />

do poder que teria como função refazer o que um Boulaivilliers<br />

ou Rousseau queriam fazer. Todos os dois partem<br />

de um estágio originário em que todos os homens são iguais,<br />

e depois o que acontece? Invasão histórica para um, acontecimento<br />

mítico para outro, mas sempre aparece a idéia<br />

de que, a partir de um momento, as pessoas não tiveram<br />

mais direitos e surgiu o poder. Se o objetivo for construir<br />

uma teoria do poder, haverá sempre a necessidade de considerá-lo<br />

como algo que surgiu em um determinado momento,<br />

de que se deveria fazer a gênese e depois a dedução.<br />

Mas se o poder na realidade é um feixe aberto, mais ou<br />

menos coordenado (e sem dúvida mal coordenado) de relações,<br />

então o único problema é munir-se de princípios de<br />

análise que permitam uma analítica do poder.”<br />

Entre nós, Roberto Machado (in Microfísica)<br />

tem sido o que melhor caracteriza a forma<br />

de trabalho empreendida por Foucault e o âmbito<br />

da reflexão, acerca do tema, muito caro ao<br />

pensador francês. 8<br />

Na analítica do poder em Foucault temse<br />

evidente o abandono de uma visão tradicional<br />

do poder em que sua atuação se basearia,<br />

fundamentalmente, em seus aspectos negativos:<br />

proibição, censura, interdição, repressão,<br />

coação etc. Inclusive o próprio Foucault já chamava<br />

atenção para essa questão enfrentada<br />

pela analítica. 9<br />

A riqueza da análise de Foucault reside<br />

exatamente aí: analisar o poder transpassando a<br />

sua ótica mais cômoda, mais evidente, explicar o<br />

porquê da destruição das evidências operada<br />

pela analítica. Com efeito, fica mais coerente<br />

sustentar com o pensador a seguinte posição: “O<br />

que faz com que o poder se mantenha e que seja<br />

aceito é simplesmente que ele não pesa só com<br />

a força que diz não, mas que fato ele permeia<br />

produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz<br />

discurso” (FOUCAULT, 1989a, p 8).<br />

A rejeição manifestada pelo pensador<br />

de uma análise do poder enquanto teoria acabada<br />

é marcada por preocupações metodológicas<br />

que deixam claro o uso conseqüente dessa<br />

categoria de análise, a saber:<br />

8<br />

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Ed.<br />

Graal, 1989a, p. XVI: “ Mas é preciso ser menos geral e englobante.<br />

Porque a análise de Foucault sobre a questão do<br />

poder é o resultado de investigação delimitadas, circunscritas,<br />

com objetos bem demarcados. Por isso, embora, às<br />

vezes suas afirmações tenham uma ambição englobante,<br />

inclusive pelo tom muitas vezes provocativo e polêmico que<br />

as caracteriza, é importante não perder de vista que se trata<br />

de análises particularizadas, que não podem e não devem<br />

ser aplicadas indistintamente sobre novos objetos,<br />

fazendo-lhes assim assumir uma postura metodológica que<br />

lhes daria universalidade.<br />

9<br />

FOUCAULT, Michel. A vontade de saber. 2. ed. Rio de Janeiro:<br />

Ed. Graal, 1988, p. 79. “Já repeti cem vezes que a história<br />

dos últimos séculos da sociedade ocidental não mostrava<br />

a atuação de um poder essencialmente repressivo”.<br />

63<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008


64<br />

- Analisar o poder na extremidade menos jurídica<br />

de seu exercício.<br />

- Analisar em que ele se implanta e produz<br />

efeitos reais.<br />

- Analisar o poder como algo que se exerce em<br />

rede, que circula.<br />

- Analisar o poder de forma ascendente, de<br />

baixo para cima, investigando como suas estratégias<br />

são investidas e captadas por fenômenos<br />

mais gerais.<br />

- Compreender que os aparelhos de saber constituídos<br />

para que se exerçam os poderes não<br />

são constituições ideológicas.<br />

Certo de que a análise do poder, para<br />

chegar a uma visão coerente do próprio poder,<br />

precisa transpor as barreiras monolíticas da pesquisa<br />

tradicional, Foucault delibera:<br />

[...] em vez de orientar a pesquisa sobre<br />

o poder no sentido do edifício jurídico<br />

da soberania, dos aparelhos do<br />

Estado e das ideologias que o acompanham,<br />

deve-se orientá-la para dominação,<br />

os operadores materiais, as<br />

formas de sujeição, os usos e as conexões<br />

da sujeição pelos sistemas locais<br />

e os dispositivos estratégicos.É<br />

preciso estudar o poder colocando-se<br />

fora de modelo do Leviatã, fora do campo<br />

delimitado pela soberania jurídica<br />

estatal. É preciso estudá-lo a partir das<br />

técnicas e táticas de dominação [...]<br />

(FOUCAULT, 1989a, p.186).<br />

saber o que era exploração; mas talvez<br />

ainda não se saiba o que é poder. E<br />

Marx e Freud talvez não sejam suficientes<br />

para nos ajudar a conhecer esta<br />

coisa tão inigmática, ao mesmo tempo<br />

visível e invisível, presente e oculta<br />

investida em toda parte, que se chama<br />

poder. A teoria do Estado, a análise tradicional<br />

dos aparelhos de Estado sem<br />

dúvida não esgotam o campo de exercício<br />

e do funcionamento do poder. Existe<br />

atualmente um grande desconhecido:<br />

quem exerce o poder? (FOUCAULT,<br />

1989a, p. 75).<br />

Como visto, Foucault rejeita a tese do<br />

poder como emanação absoluta do Estado, mas<br />

também abandona a visão tradicional do poder<br />

como atuação negativa.<br />

Na trajetória da analítica, ao enfatizar o<br />

aspecto produtor do poder, Foucault se insurge<br />

contra uma visão do poder que o encara predominantemente<br />

com expressão de uma operação<br />

que teria a forma de enunciação da lei e do<br />

discurso da proibição, com toda uma série de<br />

efeitos negativos.<br />

A partir desta perspectiva, é a lei da interdição<br />

e da censura que atravessa todo o campo<br />

social como forma por excelência de exercício<br />

do poder.<br />

2.2 A SUPERAÇÃO DOS MODELOS TRADICIO-<br />

NAIS DE ANÁLISE DO PODER<br />

A analítica foucaultiana, como já afirmado,<br />

afasta-se deliberadamente da visão clássica<br />

do Estado enquanto instância primordial de<br />

emanação do poder, locus privilegiado de poder-saber.<br />

Com efeito, afirma Foucault:<br />

Foucault pretende uma mudança nesse<br />

enfoque e dá vida a sua pretensão, encarando o<br />

exercício do poder menos em termos jurídicos<br />

e de proibição e mais como técnicas e estratégias<br />

com efeitos produtivos. 10<br />

Esta dificuldade – nosso embaraço de<br />

encontrar as formas de luta adequadas<br />

– não virá, de que ainda ignoramos<br />

o que é poder? Afinal de contas,<br />

foi preciso esperar o século XIX para<br />

10<br />

“Temos que deixar de descrever sempre os efeitos do poder<br />

em termos negativos: ele exclui, reprime, recalca, censura,<br />

abstrai, mascara, esconde. Na verdade, o poder produz<br />

realidade, produz campos de objetos e rituais da verdade.<br />

O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se<br />

originam nessa produção” (FOUCAULT, Michel. A Vontade<br />

de Saber. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Graal, p. 172).<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008


Ao avançar em seu empreendimento<br />

analítico, Foucault propõe investigação do poder,<br />

no qual é abandonado o modelo legal. “É preciso<br />

construir uma analítica do poder que não tome o<br />

direito como modelo” (FOUCAULT, 1988, p.87).<br />

O modelo legal toma o direito como parâmetro<br />

à compreensão das relações do poder.<br />

Esse modelo, como demonstrado por Foucault,<br />

11 tem se revelado insuficiente ao longo<br />

da história para dar conta da incessante movimentação<br />

das relações políticas e de poder.<br />

Ao abandonar o modelo legal, Foucault<br />

dá origem a uma nova percepção desse fenômeno<br />

tão presente entre nós. Destarte, o poder<br />

não deve ser conhecido como algo “apropriado”<br />

por uma classe (a burguesia) que o teria<br />

conquistado, destituindo os dominados de sua<br />

participação. Pelo contrário, as relações de poder<br />

pressupõem um enfrentamento perpétuo.<br />

Conseqüentemente, o funcionamento<br />

do poder é melhor compreendido por meio da<br />

idéia de que o seu exercício se dá, mediante de<br />

estratégias e que seus efeitos não são atribuídos<br />

a uma apropriação, mas a manobras táticas<br />

e técnicas. A proposição se esclarece na seguinte<br />

abordagem de Vigiar e Punir:<br />

Ora o estudo desta microfísica supõe<br />

que o poder nela exercido não seja<br />

concebido como uma propriedade, mas<br />

como uma estratégia, que seus efeitos<br />

de dominação não sejam atribuídos a<br />

uma ‘apropriação’, mas a disposições,<br />

a manobras, a táticas, a técnicas, a funcionamentos;<br />

que se desvende nele<br />

antes uma rede de relações sempre<br />

tensas, sempre em atividade, que um<br />

privilégio que se pudesse deter; que<br />

seja dado como modelo antes a batalha<br />

perpétua que o contrato que faz<br />

11<br />

FOUCAULT, Michel. A Vontade de Saber. 2. ed. Rio de Janeiro:<br />

Ed. Graal, 1988, p. 86: “No fundo, apesar das diferenças de<br />

época e de objetivos, a representação do poder permaneceu<br />

marcada pela monarquia. No pensamento e na análise<br />

política ainda não cortaram a cabeça do rei”.<br />

uma cessão ou uma conquista que se<br />

apodere de um domínio.<br />

Temos, em<br />

suma, que admitir que esse poder se<br />

exerce mais do que se possui, que não<br />

é `privilégio` adquirido ou conservado<br />

da classe dominante, mas o efeito conjunto<br />

de suas posições estratégicas –<br />

efeito manifestado e às vezes reconduzido<br />

pela posição dos que são dominados<br />

(FOUCAULT, 1988, p. 79).<br />

Importa, também, constatar que a análise<br />

de Foucault imporá uma nova articulação<br />

do poder em relação ao papel do Estado. Isto<br />

ocorre pelo fato do pensador francês acreditar<br />

que não existe sociedade sem relação de poder,<br />

conseqüentemente, os grupos estarão sempre<br />

permeados por essa relação, posto que a<br />

existência dela é coexistente à vida social.<br />

A visão, em questão, redimenciona o<br />

alcance da análise política que sempre garantiu<br />

um lócus privilegiado ao Estado. 12<br />

Na analítica, o Estado não detém a prerrogativa<br />

de ser o centro irradiador das relações<br />

de poder. Não se nega, no entanto, que a partir<br />

da consolidação do Estado Nacional, como forma<br />

de organização política por excelência, este<br />

ente tenha capturado focos de poder para o seu<br />

próprio funcionamento.<br />

O olhar foucaultiano identifica uma série<br />

de relações de poder na sociedade atual que<br />

se colocam fora do estado e que não podem ser<br />

analisadas em termo de soberania, de proibição<br />

ou de imposições de leis. A explicação é<br />

simples: o poder, enquanto relação está presente<br />

em todos os setores da sociedade: nas<br />

relações entre homem e mulher; nos membros<br />

de uma família; nas relações mais simples en-<br />

12<br />

As obras jurídicas em nosso país dedicadas à análise política,<br />

p. ex., mantêm esta mesma posição já tem algumas<br />

décadas. O Estado ocupa o lugar irradiador de toda e qualquer<br />

relação de poder, pois é único legitimador de posições.<br />

As produções na área de direito constitucional, teoria geral<br />

do Estado e direito administrativo expõem o estado como<br />

fonte única de poder.<br />

65<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008


66<br />

tre quem sabe e não sabe, em cada ponta do<br />

corpo social. Ora, é inconcebível perceber essas<br />

relações como projeções do poder do Estado.<br />

Sem sombra de dúvida, é uma das preocupações<br />

da analítica dar conta dessas relações,<br />

pois sem compreendê-las, dificilmente se poderá<br />

alterar o jogo do poder na sociedade.<br />

A retirada do Estado, como ponto irradiador<br />

de toda a sorte de poder pela analítica,<br />

impõe a colocação de um princípio fundamental<br />

dela mesma, a saber: “...o poder é um feixe<br />

de relações mais ou menos coordenado” (FOU-<br />

CAULT, 1989a, p. 248). Essa proposição estabelece<br />

uma nova percepção acerca do poder, não<br />

o vendo como bloco, mas como móvel, dinâmico,<br />

existindo sempre em relação, envolvendo<br />

forças que se chocam e que se contrapõem.<br />

Na verdade, na relação de poder está<br />

presente uma pluralidade de correlações de<br />

forças que atravessam todo o corpo social. O<br />

poder traz à ação relações entre indivíduos ou<br />

grupos de indivíduos que, por sua vez, induzem<br />

a outras relações e, assim, sucessivamente. A<br />

natureza relacional do jogo do poder, que não<br />

tem soma zero, pressupõe enfretamento constante<br />

e perpétuo.<br />

Impõe-se aqui observar que, no jogo do<br />

poder, como conseqüência de sua natureza relacional,<br />

abre-se para o contato com a liberdade.<br />

É ela que possibilita a reação por parte daqueles<br />

sobre os quais o poder é exercido. Infere-se<br />

daí que a liberdade é fundamental nas<br />

relações de poder, de forma que não há poder<br />

sem liberdade e sem potencial de revolta. Obtém-se<br />

a partir desse raciocínio que as relações<br />

de poder não são relações de constrangimento<br />

físico absoluto, por conseguinte, o poder é exercido<br />

somente sobre sujeitos livres e apenas<br />

enquanto são livres.<br />

A analítica do poder de Foucault também<br />

enfrenta o problema da violência. Esta pode ser<br />

um instrumento utilizado nas relações de poder,<br />

mas não é um princípio básico da sua natureza. O<br />

poder enquanto atuação assume formas muitos<br />

mais sutis, não se exercendo essencialmente em<br />

aspectos negativos. Ele, com efeito, tem um aspecto<br />

produtivo fundamental.<br />

Nesse sentido, o exercício do poder impõe<br />

avaliá-lo como uma maneira pela qual certas<br />

ações podem estruturar o campo de outras possíveis<br />

ações: o poder é uma estrutura de ações.<br />

As considerações feitas linhas atrás permitem<br />

visualizar o poder acontecendo em um<br />

campo aberto de possibilidades, sobretudo por<br />

inexistir, inobstante tem-se o tecido social imerso<br />

em uma ampla rede de relações de poder,<br />

um poder onipresente, invadindo todos os recantos<br />

da vida em sociedade, levando a uma<br />

situação na qual não haveria espaço a resistência<br />

e alternativas de transformação.<br />

Na importante entrevista que Foucault<br />

deu a Bernard Henri-Lévy (Não ao Sexo Rei),<br />

extrai-se que a capacidade de recalcitrar, de se<br />

insurgir, de se rebelar e resistir, são elementos<br />

constitutivos da própria definição de poder. Assim,<br />

diz Foucault (1989a, p. 241): “Digo simplesmente:<br />

a partir do momento em que há uma<br />

relação de poder, há uma possibilidade de resistência.<br />

Jamais somos aprisionados pelo poder:<br />

podemos sempre modificar sua dominação<br />

em condições determinadas e segundo uma<br />

estratégia precisa”.<br />

A analítica do poder pari passu aprofunda<br />

sua própria reflexão. Na passagem citada,<br />

como ponto fundamental da analítica, aparece<br />

a possibilidade de resistência em múltiplos focos,<br />

do mesmo modo que o poder funciona a<br />

partir de uma multiplicidade de pontos no tecido<br />

social. Eis como Foucault apresenta a questão<br />

na sua vontade de saber:<br />

... que lá onde há poder há resistência<br />

e, no entanto, (ou melhor, por isso mesmo)<br />

esta nunca se encontra em posição<br />

de exterioridade [...] Não existe,<br />

com respeito ao poder, um lugar de<br />

grande recusa – alma da revolta, foco<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008


de todas as rebeliões, lei pura do revolucionário.<br />

Mas sim, resistências no<br />

plural, que são casos únicos: possíveis,<br />

necessárias, improváveis, espontâneas,<br />

selvagens, solitárias, planejadas,<br />

arrastadas, violentas, irreconciliáveis,<br />

prontas ao compromisso, interessadas<br />

ou fadadas ao sacrifício; por definição<br />

não podem existir a não ser no campo<br />

estratégico das relações de poder. [...]<br />

Elas não são o outro termo nas relações<br />

de poder; inscrevem-se nestas relações<br />

como interlocutor irredutível”.<br />

(FOUCAULT, 2001, p. 91).<br />

Uma outra grande questão presente na<br />

composição da analítica do poder é a adoção do<br />

modelo da guerra à inteligibilidade das relações<br />

de poder. Eis a posição do filósofo: “O poder é<br />

guerra, guerra prolongada por outros meios”<br />

(FOUCAULT, 1989a, p.176).<br />

O modelo em questão é utilizado por<br />

Foucault em face do modelo jurídico-legal, do<br />

marxismo e outros assemelhados. Pois é em<br />

termos de confronto e de combate com suas<br />

táticas e estratégias que melhor se compreende<br />

o modo pelo qual o poder, enquanto rede se<br />

desdobra e articula, ao atravessar o corpo social<br />

como um todo.<br />

Pretende-se com o modelo mostrar que a<br />

base das relações de poder é o confronto belicoso<br />

entre as forças sociais em constante choque. O<br />

fundamento teórico, dessa abordagem, reside no<br />

fato de que, os que se encontram submetidos às<br />

relações de poder manifestam rebeldia e insurgência<br />

constantes em relação a ele mesmo.<br />

Embora não tenha inventando o modelo<br />

em questão, Foucault critica o seu mau uso,<br />

razão porque reclama a necessidade de se aprimorar<br />

o uso correto do modelo. Assim:<br />

O que me parece certo é que, para analisar<br />

as relações de poder, só dispomos<br />

de dois modelos: o que o Direito<br />

nos propõe (poder com lei, proibição,<br />

instituição) e o modelo guerreiro ou<br />

estratégico em termos de relações de<br />

forças. O primeiro foi muito utilizado e<br />

mostrou acho eu, ser inadequado: sabemos<br />

que o Direito não descreve o<br />

poder. O outro, se bem que também é<br />

muito usado. Mas fica nas palavras:<br />

utilizam-se noções pré-fabricadas ou<br />

metáforas (‘guerras de todos contra<br />

todos’, ‘luta pela vida’) ou ainda esquemas<br />

formais (as estratégias estão<br />

muito em moda entre alguns sociólogos<br />

e economistas, sobretudo americanos).<br />

Penso que seria necessário tentar<br />

aprimorar esta análise das relações<br />

de força. (FOUCAULT, 1989a, p. 241).<br />

3 FOUCAULT E AS FORMAS DO PODER<br />

3.1 DESLOCAMENTO E ATUALIZAÇÕES DA NO-<br />

ÇÃO DE PODER<br />

No primeiro capítulo, deste trabalho,<br />

procurou-se cum grano salis apresentar o pensador<br />

francês preocupado com o problema do<br />

poder na sociedade ocidental, em face de tradições<br />

metodológicas, postas em xeque por ele.<br />

Por visar superar a tradição política da compreensão<br />

do poder, Foucault inova a pesquisa, inaugurando<br />

a sua analítica, que não pode ser confundida<br />

com uma teoria do poder pelos motivos<br />

declinados no capitulo anterior. O que poderia<br />

ser apenas um insight episódico de pesquisador,<br />

mormente nas primeiras obras arqueológicas,<br />

assume o lugar de um projeto ambicioso<br />

que atravessa toda a sua produção. Assim,<br />

se pode afirmar que a concepção de poder que<br />

nasce em Foucault foi objeto de significativas<br />

modificações no desenvolvimento de sua obra,<br />

sobretudo no transcurso da década de 70.<br />

Nas suas primeiras obras, especificamente<br />

em História da Loucura (1961), detectase<br />

uma concepção de poder que não difere das<br />

67<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008


68<br />

teorias tradicionais, isto é, o poder é repressivo,<br />

negativo, limita a liberdade, é privilegio dos<br />

que o possuem em detrimento dos que dele<br />

são destituídos. Nos trabalhos subseqüentes,<br />

entretanto, Foucault perceberá que o modelo<br />

tradicional não dá conta de uma série de sutilezas<br />

tecnológicas do poder, atualizadas e reorientadas<br />

nas relações de todo o corpo social.<br />

Com vistas a acompanhar essa modificação<br />

da percepção do projeto foucaultiano, convém<br />

a apropriação das categorias utilizadas por<br />

Foucault ao longo de sua pesquisa sobre o poder,<br />

a saber: poder disciplinar, biopoder, governamentalidade<br />

etc. Importa, no entanto, asseverar<br />

que elas surgiram durante os estudos do<br />

pensador na década de 70 e devem ser entendidas<br />

como diferentes tecnologias de poder, postas<br />

em funcionamento a partir do século XVI. Essas<br />

tecnologias podem aparecer, às vezes, com<br />

hegemonia de uma delas, mas, em geral coexistem<br />

em complexos arranjos no contexto social.<br />

No transcurso dos anos 70 percebe-se<br />

com nitidez que o primaz da analítica de Foucault<br />

se expande, aprofundando a aplicação da<br />

sua pesquisa genealógica. Destarte, observa-se<br />

que o problema do poder disciplinar aparece<br />

como questão central nos anos de 1973 a 1975,<br />

doutra feita, nos anos de 1976 a 1977, o pensador<br />

passa a problematizar, o bio-poder, deixando<br />

ainda espaço para enfrentar o “fenômeno”<br />

da governabilidade a partir de 1978.<br />

A explicação para esse comportamento<br />

inquietante de Foucault, ao nosso sentir, reside<br />

no fato dele se deixar levar pela sedução do<br />

material empírico trabalhado, aguçando sua curiosidade<br />

e motivando novas indagações. Isto<br />

parece esclarecido por Foucault na seguinte<br />

passagem: “São as coisas gerais que surgem em<br />

último lugar. É o preço e a recompensa de todo<br />

o trabalho em que as peças teóricas se elaboram<br />

a partir de um certo domínio empírico”<br />

(FOUCAULT, 1989b, p. 76).<br />

4 PODER DISCIPLINAR: uma invenção rentável<br />

Uma das preocupações de Foucault, ao<br />

longe de sua vida produtiva, reside na compreensão<br />

da tomada do poder sobre os corpos na<br />

sociedade ocidental. Essa forma do poder que<br />

articula e atualiza uma série de tecnologias de<br />

adestramento e manipulação deles mesmos,<br />

ocupara as pesquisas do pensador francês, a<br />

partir de 1972/73.<br />

Obras como Vigiar e Punir (1975), História<br />

da Sexualidade I - a vontade de saber (1976)<br />

e a coletânea de ensaios conhecida como Microfísica<br />

do Poder (1979) representam um resultado<br />

visível e gratificante do trabalho do pensador,<br />

acerca do problema disciplinar.<br />

Sinteticamente, sem nenhuma pretensão<br />

estereotípica, em Vigiar e Punir, Foucault<br />

define os mecanismos de sujeição do corpo<br />

como uma tecnologia.<br />

Na Vontade de Saber, argumenta que “o<br />

poder não é exclusivamente repressivo, havendo<br />

inúmeras relações de poder que se tramam<br />

lateralmente nos saberes acerca do individuo,<br />

seu corpo, seu comportamento, e que visam<br />

principalmente o comportamento sexual” (ARA-<br />

ÚJO, 2001, p, 83).<br />

Na Microfísica do Poder, Foucault analisa<br />

o poder à luz do conceito, soberania, disciplina<br />

e governo etc.<br />

Essas obras já estavam presentes no projeto<br />

foucaultiano e realizam a sua proposta genealógica<br />

sugerida no seu texto “Nietzsche, a<br />

genealogia e a história”. Assim, “A genealogia<br />

[...] está, portanto no ponto de articulação do<br />

corpo com a história. Ela deve mostrar o corpo<br />

inteiramente marcado e a história arruinando o<br />

corpo” (FOUCAULT, 1989a, p. 22).<br />

A partir de agora, há de se falar sobre as<br />

categorias foucaultianas que se prestam à compreensão<br />

do poder como movimento historicamente<br />

detectável e apreensível.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008


4.1 O NASCIMENTO DA SOCIEDADE DISCIPLINAR<br />

Mudanças sociais ocorridas ao longo dos<br />

séculos XVII e XVIII levaram as alterações consideráveis<br />

nas relações de poder. Sem dúvida, a<br />

mais importante de todas é a passagem do poder<br />

da soberania para o poder disciplinar, tudo<br />

dentro de um processo gradativo e sutil, em que<br />

se percebe ser mais eficaz e rentável “vigiar”<br />

do que “punir”.<br />

As monarquias soberanas, do anúncio<br />

das regras e da lei, convertem-se em verdadeiras<br />

sociedades disciplinares, da vigilância e das<br />

normas.<br />

Em Vigiar e Punir, Foucault responderá a<br />

que se deve tal transformação histórica, identificando<br />

e analisando as instituições disciplinares,<br />

surgidas ao longo desses dois séculos, a saber:<br />

oficinas, fábricas, escolas, prisões etc.<br />

Verifica-se que o poder disciplinar, ao<br />

contrário do poder da soberania, não se materializa<br />

na pessoa do rei, mas nos corpos dos<br />

sujeitos individualizados por suas técnicas disciplinares.<br />

Com efeito, o poder disciplinar descobre<br />

o corpo.<br />

O poder soberano ou poder da soberania,<br />

com suas técnicas jurídicas, atua sobre<br />

os súditos tocando em seus bens, retirando<br />

e “pilhando” suas riquezas, ao passo<br />

que o poder disciplinar não se detém como<br />

uma coisa, não se transfere como uma propriedade,<br />

assim: “O poder disciplinar é com<br />

efeito um poder que, em vez de se apropriar<br />

e de retirar, tem como função maior ‘adestrar´;<br />

ou sem dúvida adestrar para retirar e<br />

se apropriar ainda mais e melhor” (FOU-<br />

CAULT, 1989b, p.153).<br />

A razão para essa mudança de atuação<br />

do poder disciplinar extrai-se do próprio resultado<br />

de uma e de outra postura. A modalidade<br />

disciplinar do poder faz aumentar a utilidade<br />

dos indivíduos, faz crescer suas habilidades<br />

e aptidões, bem como seus rendimentos e<br />

lucros. Inclusive amplia e consolida a moral<br />

pública, baseada no corpo disciplinado.<br />

Sem sombra de dúvida, a mudança que<br />

se opera na própria concepção política do poder<br />

altera também sua localização ou centralização,<br />

bem como sua visibilidade.<br />

O poder soberano ou poder da soberania<br />

apresenta o poder encarnado na figura<br />

do rei, monarca ou governante, centro irradiador<br />

de todas as relações de poder. Na<br />

versão do poder disciplinar (Estado da Disciplina),<br />

a que atualiza o poder da soberania,<br />

não há um lugar comum do poder, como<br />

o rei, por exemplo, nem emblemas de unidades<br />

de poder (políticos, parlamento etc).<br />

Aqui, o poder está pulverizado, presente<br />

em todas as relações sociais, em todos os<br />

corpos a ele submetidos.<br />

Na soberania, o poder é visível, presente<br />

e pujante; não há quem não tema o<br />

poder, afinal de contas o rei ou governante<br />

pode fazer coisas absurdas utilizando um simples<br />

gesto de poder.<br />

O poder disciplinar, ao contrário, age na<br />

invisibilidade para produzir seus efeitos permanentes,<br />

domando e adestrando os corpos, já não<br />

recorre a forma primária do poder.<br />

Os séculos XVII e XVIII, segundo Foucault,<br />

assistiram a multiplicação de instituições disciplinares,<br />

mas mais do que isso, a difusão e o<br />

aprimoramento de dispositivos disciplinares.<br />

Importante agora é sabermos em que<br />

consistem esses dispositivos e, antes de<br />

qualquer coisa, em que consiste a disciplina<br />

mesma.<br />

A disciplina apresenta-se para Foucault<br />

como uma técnica a serviço do poder que se<br />

aprimora até atingir o status de tecnologia. Assim:<br />

“A disciplina ‘fabrica’ indivíduos, ela é a<br />

técnica especifica de um poder que torna os indivíduos<br />

ao mesmo tempo como objeto e como<br />

instrumento de seu exercício” (FOUCAULT,<br />

1989b, p.153).<br />

69<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008


E continua:<br />

“A disciplina não pode se<br />

identificar com uma instituição<br />

ou com um aparelho; ela<br />

é um tipo de poder, uma modalidade<br />

para exercê-lo, que<br />

comporta todo um conjunto<br />

de instrumentos, de técnicas,<br />

de procedimentos, de níveis<br />

de aplicação de alvos; ela é<br />

uma ‘física’ ou uma anatomia<br />

do poder, uma tecnologia”<br />

(FOUCAULT, 1989b, p.189).<br />

N. Andry. L’orthopédie ou l’art<br />

de prévenir et de corriger dans<br />

les enfants les difformités du<br />

corps, 1749.<br />

Em Vigiar e Punir, Foucault expõe os dispositivos<br />

disciplinares ou instrumentos do poder<br />

disciplinar que marcam a sua atuação penetrante<br />

e performativa. Os mais importantes são:<br />

o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e o<br />

exame. 14<br />

5.1 O OLHAR HIERÁRQUICO<br />

70<br />

No campo das relações mesmas do poder,<br />

a disciplina não fabrica apenas indivíduos<br />

úteis, ela atua no campo da capacidade produtiva,<br />

fazendo tudo crescer, ela aumenta a produtividade.<br />

Mas não é só isso, ela faz aumentar<br />

a produção de saber (na escola), de saúde (nos<br />

hospitais) e de força (no exército). 13<br />

5 DISPOSITIVOS DISCIPLINARES<br />

Intérieur de l’Ecole d’enseignement mutuel, situeé<br />

rue du Port-Mahon, au moment de l’exercice d’écriture.<br />

Lithographie de Hippolite Lecomte, 1818. (Collections<br />

historiques de l’INRDP)<br />

13<br />

O olhar hierárquico traduz a idéia mais ampla de Foucault,<br />

nesse particular, falar de um triplo objetivo da disciplina.<br />

Cf. Foucault, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Ed. Vozes,<br />

1989b. p. 183/185.<br />

Collège de Navarre. Dessiné et gravé par François-<br />

Nicolas Martinet, vers 1760. (Collections historiques<br />

de l’INRDP).<br />

Traduz a idéia mais ampla de vigilância.<br />

Esta, por sua vez, é a mais importante máquina,<br />

a mola mestra do poder disciplinar. Ela atua na<br />

direção da automatização e individualização do<br />

poder, ao mesmo tempo em que contribui para<br />

individualizar os sujeitos a ele submetidos.<br />

A vigilância é um dispositivo eficaz do<br />

poder disciplinar, ela generaliza a disciplina,<br />

expandido-a para além das instituições fechadas.<br />

Ela tem o condão de pulverizar o poder, de<br />

fazê-lo exponencial, ou mesmo, infinitesimal.<br />

Produzindo, atuando, transferindo efeitos<br />

de poder, a vigilância produz novas mecânicas<br />

de poder, destacando-se pela importância e<br />

notabilidade. Nesse sentido, exsurge o Panóptico<br />

de Bentham, cujo cognome dado por Foucault<br />

é muito sugestivo: “ovo de Colombo da política”.<br />

14<br />

EIZIRIK, Marisa Faermann: Michel Foucault: um pensador do<br />

presente. Ijuí: Ed. Unijuí, 2002, p.60.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008


Sem sombra de dúvida, o Panóptico de<br />

Bentham é uma utopia política da arquitetura do<br />

século XIX, exibindo como função precípua garantir<br />

o funcionamento automático do poder. Assim:<br />

O projeto de Bentham de um poder visível<br />

e inverificável tornou-se realidade na adoção<br />

da arquitetura circular nas escolas, prisões,<br />

hospitais, fábricas, centros religiosos etc. Nas<br />

chamadas instituições disciplinares, o poder se<br />

mostrava visível, mas nada se sabia sobre ele,<br />

dado a sua inverificabilidade.<br />

A pujança do panóptico está no efeito<br />

de poder que ele produz. Os que são a ele submetidos<br />

precisam saber que são vigiados ou que<br />

são potencialmente vigiados.<br />

O poder disciplinar é exercido plenamente<br />

quando os que são vigiados ou potencialmente<br />

vigiados exercem, sobre si mesmos,<br />

vigilância conseqüente e de acordo com a expectativa<br />

da disciplina. Há, nesse acontecimento,<br />

o auto-adestramento, uma auto-correção<br />

que transita entre os submetidos às relações<br />

do poder disciplinar.<br />

A vigilância faz do poder disciplinar um<br />

sistema integrado, não há um centro, não há<br />

um titular desse poder, na verdade a engrenagem<br />

como um todo produz poder.<br />

Funciona dentro das expectativas de uma<br />

máquina ajustada, segundo Foucault (1989b, p.183)<br />

“...o que importa é tornar mais fortes as forças sociais<br />

– aumentar a produção, desenvolver a economia,<br />

espalhar a instrução, elevar o nível da moral<br />

pública, fazer crescer e multiplicar”.<br />

Eis, pois, a fórmula foucaultiana do poder:<br />

disciplina e saber.<br />

Fazer com que a vigilância seja permanente<br />

em seus efeitos, mesmo se é<br />

descontinua em sua ação; que a perfeição<br />

do poder tenda a tornar inútil a<br />

atualidade de seu exercício; que esse<br />

aparelho arquitetural seja uma máquina<br />

de criar e sustentar uma relação de<br />

poder independente daquele que o<br />

exerce; enfim, que os detentos se encontrem<br />

presos numa situação de poder<br />

de que eles mesmos são os portadores<br />

(FOUCAULT, 1989b, p. 177).<br />

5.2 A SANÇÃO NORMALIZADORA<br />

Apresenta-se como o segundo dos principais<br />

dispositivos disciplinares, a disciplina articula<br />

uma maneira própria de punir. O uso do<br />

castigo disciplinar visa à correção é à redução<br />

dos desvios. Não pretende expiar e reprimir,<br />

mas normatizar, adestrar, conformar a princípios<br />

reitores da disciplina. Desse modo, Foucault<br />

(1989b, p.163) assevera que “A penalidade perpétua<br />

que atravessa todos os pontos e controla<br />

todos os instantes das instituições disciplinares<br />

compara, diferencia, hierarquiza, homogeniza,<br />

exclui. Em uma palavra, ela normaliza”.<br />

Foucault revela que com o poder disciplinar<br />

nasce o poder da norma, que substitui<br />

paulatinamente o papel que a lei mantinha no<br />

regime do poder soberano. Ocorre, portanto,<br />

nesse processo, uma mudança fundamental na<br />

utilização das duas categorias, qual seja a passagem<br />

da codificação dos comportamentos para<br />

a normalização das condutas.<br />

5.3 O EXAME<br />

Um dos mais eficazes dispositivos de<br />

poder funciona como uma articulação entre a<br />

vigilância e a sanção normalizadora.<br />

Ele constitui o indivíduo como objeto de<br />

análise e, conseqüente, dado de comparação. É um<br />

controle normatizante, permanente vigilância que<br />

permite qualificar, classificar e punir. Mantém sobre<br />

os indivíduos uma visibilidade, mediante a qual<br />

eles são diferenciados e sancionados. 15<br />

15<br />

(15) FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Ed. Vozes,<br />

1989b, p.164. “O exame combina as técnicas de hierarquia<br />

que vigia e as da sanção que normaliza. É um controle normalizante,<br />

uma vigilância que permite qualificar, classificar<br />

e punir. Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade<br />

através da qual eles são diferenciados e sancionados”.<br />

71<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008


72<br />

No item dos processos de disciplina, o<br />

exame manifesta a sujeição dos que são percebidos<br />

como objetos e a objetivação dos que se<br />

sujeitam. 16<br />

O exame se encontra no centro vital da<br />

disciplina, objetivando-se pela concomitância<br />

entre a visibilidade dos sujeitos e a invisibilidade<br />

da disciplina.<br />

Na analítica foucaultiana, o exame põe<br />

em funcionamento relações de poder que permitem<br />

obter saber com o exame, o indivíduo<br />

passa a fazer parte de uma relação triangular fundamental<br />

no interior do poder disciplinar; isto é,<br />

ele é efeito e objeto do poder e do saber. 17<br />

Foucault nos mostra que a vigilância do<br />

panóptico, a disciplina e o exame, entre outros<br />

dispositivos disciplinares funcionais, operam<br />

como um laboratório de poder, proporcionando<br />

um aumento de saber em todas as manipulações<br />

e atuações.<br />

Esses dispositivos disciplinares, sem exceção,<br />

integraram a sociedade disciplinar do século<br />

pretérito e continuam no presente século,<br />

atualizando e incrementando as suas formas e<br />

modus operandi.<br />

6 CONSIDERAÇÕES<br />

O conceito de poder é o pano de fundo<br />

das análises empreendidas por Michel Foucault.<br />

Para esse autor, como se observou nos<br />

argumentos que ficaram para trás, o poder não<br />

é algo que se possa possuir, que se possa represar.<br />

Com efeito, as sociedades não se dividem<br />

entre os que têm e os que não têm poder. Podese<br />

dizer que poder se exerce ou se pratica.<br />

16<br />

(16) Idem.<br />

17<br />

Idem, Ibidem, p.171: “Finalmente, o exame está no centro<br />

dos processos que constituem o indivíduo como efeito e<br />

objeto de poder, como efeito e objeto de saber. É ele que,<br />

combinando vigilância hierárquica e sanção normalizadora,<br />

realiza as grandes funções disciplinares de repartição e<br />

classificação, de extração máxima das forças e do tempo,<br />

de acumulação genética contínua, de composição ótima<br />

das aptidões.”<br />

Segundo Foucault, o poder não existe<br />

como hipóstase ou mônada, pois se encontra entre<br />

os sujeitos são relações e práticas de poder.<br />

O poder circula, o poder constitui, o poder<br />

identifica, o poder sujeita. Para Foucault, ao<br />

contrário das teses dos marxistas, como as althusserianas<br />

- segundo as quais todo poder emana<br />

do Estado para os Aparelhos Ideológicos - há as<br />

chamadas redes microfísicas do poder, em que<br />

encontramos estruturas que se intercruzam sem<br />

jamais se anularem. “De modo geral, penso que<br />

é preciso ver como as grandes estratégias de poder<br />

se incrustam, encontram suas condições de<br />

exercício em micro-relações de poder. Mas sempre<br />

há também movimentos de retorno, que fazem<br />

com que estratégias que coordenam as relações<br />

de poder produzam efeitos novos e avancem<br />

sobre domínios que, até o momento, não<br />

estavam concernidos” (FOUCAULT, 1989, 249).<br />

Assim, o poder é retirado do exclusivo<br />

campo político para ser instalado no cotidiano<br />

das pessoas, onde realmente acontece e se<br />

constitui como forma da existência.<br />

É nas relações que ocorrem nos quadros<br />

da vida que, na interface do poder, abre-se espaço<br />

para o exercício da resistência. Portanto,<br />

na perspectiva de Foucault não existem dominantes<br />

e dominados, porém, sujeitos que se<br />

constituem enquanto detentores de formas e<br />

estratégias de poder.<br />

Foucault mostra-se contrário à concepção<br />

do poder do senso comum. Para as massas,<br />

o poder é uma propriedade de poucos, tem uma<br />

localização e tem um aspecto negativo (dominação).<br />

Seria fácil imaginar: o poder é vertical.<br />

Uma pirâmide cujo topo exerce poder sobre a<br />

base. O mesmo poderia se dizer sobre o Estado.<br />

Porém, em Foucault, essas formulações não<br />

encontram mais qualquer fundamento no mundo<br />

das relações entre sujeito que são constituídos<br />

a partir de modos tecnológicos de poder.<br />

O poder está em todo canto!<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008


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RABINOW, P. & DREYFUS, H. Michel Foucault:<br />

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73<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008


COOPERAÇÃO CHINA-ÁFRICA<br />

75<br />

Renan Almeida de Farias<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 75-82, nov. 2008


76<br />

Traços, Belém, v. 10, n. 21, p. 69-80, jun. 2008


COOPERAÇÃO CHINA – ÁFRICA 1<br />

Renan Almeida de Farias*<br />

RESUMO<br />

Este artigo tem o compromisso de analisar a<br />

política de investimento que o governo da China<br />

está introduzindo no continente africano.<br />

Em novembro de 2006, na capital Pequim, em<br />

reunião com os representantes dos países<br />

africanos, o presidente chinês Hu Jintao garantiu<br />

para os 48 Chefes de Estado, presentes,<br />

investimentos nos setores de energia e<br />

segurança, em troca do direito de explorar<br />

seus recursos naturais, principalmente as reservas<br />

minerais e o petróleo, existentes na<br />

África. Contudo, o parlamento europeu critica<br />

o governo chinês de ser conivente em relação<br />

aos regimes ditatoriais. Mediante da<br />

política de cooperação com os governos africanos,<br />

o presidente Hu Jintao pretende lograr<br />

um claro objetivo, que é vencer a corrida contra<br />

os norte-americanos pela detenção de recursos<br />

naturais no sistema internacional.<br />

Palavras-chave: China. Chefes de Estado. Parlamento<br />

Europeu. Política de Cooperação. Sistema<br />

Intenacional.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Durante séculos, o continente africano<br />

foi entregue à própria sorte. A teoria adotada<br />

pelos países do ocidente tinha a África como<br />

uma região com dificuldades impossíveis de<br />

serem solucionadas, repleto de doenças, fome<br />

e corrupção. Entretanto, no início do século XXI,<br />

os chineses apareceram com um novo discurso.<br />

A China destinou parte de seu US$ 1,3 trilhão<br />

em reservas cambiais para investimentos na<br />

África, bem como está disponibilizando capital<br />

para setores sociais, como: escolas, hospitais,<br />

estradas e redes de saneamento. Até o momento,<br />

os chineses já empregaram, na África, o montante<br />

de US$ 25 bilhões e mais US$ 10 bilhões<br />

estão em fase de negociação. Só em Angola,<br />

aplicaram US$ 4 bilhões. Vale salientar, todavia,<br />

que todo esse investimento chinês não é gratuito.<br />

Em troca, os chineses reivindicam o direito<br />

de explorar os recursos naturais, principalmente<br />

as reservas de minérios e petróleo, situadas<br />

no continente africano.<br />

Observa-se com essa iniciativa que a<br />

China decidiu explorar uma região que, até pouco<br />

tempo, não apresentava nenhum significado<br />

expressivo para as potências européias e<br />

para a administração norte-americana.<br />

2 O CRESCIMENTO ECONÔMICO NA ÁFRICA<br />

De acordo com o artigo publicado no dia<br />

14 de novembro de 2007 pela BBC para África, o<br />

continente apresentou melhorias fundamentais<br />

na última década, registrando um crescimento<br />

na ordem de 5,4 % e o colocando ao nível das<br />

taxas globais. O último relatório do Banco Mundial,<br />

sobre os “Indicadores de Desenvolvimento<br />

na África para 2007”, analisou indicadores presentes<br />

nos setores econômicos, privados, de<br />

desenvolvimento humano e governança dos<br />

*<br />

Acadêmico do curso de Relações Internacionais da <strong>Unama</strong>.<br />

Email: nan.almeida@yahoo.com.br<br />

1<br />

Artigo orientado pelo Prof. Felix Gerardo Ibarra Prieto, Mestre<br />

em Relações Internacionais e Coordenador do Curso de<br />

Relações Internacionais da <strong>Unama</strong><br />

77<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 75-82, nov. 2008


78<br />

países. E concluiu que o crescimento em muitos<br />

países africanos demonstra ser forte e acelerado,<br />

atraindo investimento global e reduzindo<br />

taxas de pobreza. O relatório, ainda, aponta que<br />

é necessário um investimento constante no<br />

continente para sustentar um desenvolvimento<br />

a longo-prazo.<br />

Ainda no artigo da BBC para África, o representante<br />

econômico do Banco Mundial no<br />

continente africano, John Page, afirmou estar<br />

“bastante otimista” em relação às mudanças no<br />

quadro econômico da África, principalmente em<br />

dois grupos de países: os exportadores de petróleo<br />

e os que apresentam expansão com diversidade<br />

econômica.<br />

“Pela primeira vez em cerca de 30 anos,<br />

vemos um grande número de países africanos<br />

que começaram a mostrar um crescimento econômico<br />

sustentado, com taxas semelhantes às<br />

de outros países em desenvolvimento de todo<br />

o mundo e excedeu a taxa de crescimento de<br />

países mais desenvolvidos”, afirmou Page à BBC.<br />

John Page ratifica que a “África aprendeu<br />

a negociar de maneira mais eficaz com o<br />

resto do mundo, a confiar mais no setor privado<br />

e a evitar os sérios colapsos no crescimento econômico<br />

que caracterizam os anos 70, 80, e início<br />

dos 90”.<br />

3 A POLÍTICA DE INVESTIMENTO CHINESA SO-<br />

BRE A ÁFRICA<br />

Em novembro de 2006, os periódicos<br />

internacionais destacaram a realização em Pequim,<br />

nos dias 4 e 5 daquele mês, de uma cúpula<br />

formada pelo presidente chinês Hu Jintao e<br />

Chefes de Estado de 48 países africanos. Foi o<br />

maior encontro internacional realizado pela RPC<br />

(República Popular da China), e os jornais mencionaram<br />

inclusive que a logística em torno da<br />

reunião seria uma espécie de ensaio para os<br />

possíveis desafios a serem enfrentados nas<br />

Olimpíadas de 2008. Foi também enfatizado que<br />

o Governo chinês estava financiando a viagem<br />

e a hospedagem das 48 delegações.<br />

O que não ficou claro nos noticiários é<br />

que não se tratava de uma iniciativa diplomática<br />

isolada. Tratava-se, na verdade, da segunda<br />

sessão plenária do Fórum on China-Africa Cooperation<br />

- FOCAC formada em 2000, também em<br />

Pequim. Essa conferência de fundação fora prevista<br />

para repetir-se a cada três anos, como já<br />

aconteceu em 2003 no Adis Abeba; 2006 em<br />

Pequim; e deverá ocorrer em 2009 no Cairo.<br />

Durante o encontro, o presidente Hu<br />

Jintao prometeu créditos e empréstimos de longo<br />

prazo aos países africanos, na importância<br />

de US$ 5 bilhões e afirmou que até 2009 a China<br />

dobrará sua ajuda. Em outra frente, o governo<br />

chinês comprometeu-se em formar quinze mil<br />

profissionais africanos, isentar de tarifas algumas<br />

importações da África e estabelecer cinco<br />

zonas de livre comércio. Além disso, algumas<br />

empresas chinesas assinaram acordos com onze<br />

países africanos, prevendo investimentos de<br />

US$ 1,9 bilhão nos setores de telecomunicações<br />

e equipamentos tecnológicos, infra-estrutura,<br />

matérias primas, bancários e de seguros.<br />

Com o objetivo de ratificar a importância<br />

do FOCAC, Hu Jintao voltou à África, menos<br />

de um ano, após sua última visita por aquele<br />

continente. Entre os meses de janeiro e fevereiro<br />

de 2007, o presidente chinês visitou oito<br />

países africanos, determinado a disponibilizar<br />

a esses Estados 2 US$ 3 bilhões em créditos especiais.<br />

No âmbito das relações de trocas, segundo<br />

informações divulgadas, no início de<br />

2007, pela agência chinesa de notícias, Xinhua,<br />

a China terminou 2006 com um déficit comercial<br />

de US$ 2,1 bilhões com a África. Além disso,<br />

ofereceu ao Sudão um empréstimo de US$ 12<br />

milhões, sem juros, e perdoou uma dívida de<br />

US$ 70 milhões. O comércio bilateral China-Sudão<br />

superou, em 2006, a casa dos US$ 3 bilhões.<br />

2<br />

Nação politicamente organizada por leis próprias.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 75-82, nov. 2008


A RPC também assumiu a responsabilidade<br />

de ajudar os governos africanos a enfrentarem<br />

os problemas relacionados à saúde<br />

pública, oferecendo inicialmente uma ajuda<br />

humanitária no valor de US$ 48 milhões.<br />

Em maio de 2007 durante a sexagésima reunião<br />

anual da Organização Mundial da Saúde<br />

(OMS) 3 , celebrada em Genebra, o então, ministro<br />

da saúde chinês, Gao Qiang, anunciou<br />

que seu governo doaria cerca de 5 milhões de<br />

euros à OMS, com o objetivo de reformar e<br />

desenvolver o sistema de saúde africano, estabelecendo<br />

na região dez centros de prevenção<br />

e tratamento contra a malária.<br />

Outro setor que influencia fortemente<br />

a economia na relação sino-africana é o turismo,<br />

devido ao fortalecimento do poder aquisitivo<br />

da classe média chinesa, que favorece o<br />

fluxo de turistas em direção a África. África do<br />

Sul, Zimbábue, Tanzânia, Maurícias, Zâmbia,<br />

Namíbia, Madagáscar e Moçambique são exemplos<br />

de países que receberam transfusões de<br />

receitas turísticas e tiveram como resultados<br />

crescimentos econômicos entre 5,9% e 12,6%,<br />

após serem incluídos no O Estatuto de Destino<br />

Turístico Aprovado - acordo bilateral na área do<br />

turismo - no qual o estado chinês permite que<br />

os seus cidadãos façam visitas de grupo a outros<br />

países sem necessidade de autorização de<br />

saída, mas sempre por meio de agências de viagens<br />

autorizadas pelo governo.<br />

3.1 PARTICIPAÇÃO DA CHINA NO SETOR MILI-<br />

TAR AFRICANO<br />

3<br />

O objetivo da Organização Mundial da Saúde é a aquisição,<br />

por todos os povos, do nível de saúde mais elevado que for<br />

possível<br />

4<br />

Relativo ou oriundo da China.<br />

As relações da China com a África não<br />

ficam apenas no terreno dos interesses comerciais<br />

e humanitários. Nos últimos anos, o<br />

governo sínico 4 expandiu a sua presença militar<br />

na região africana, como exemplo, destaca-se<br />

a participação de soldados chineses no<br />

contingente de manutenção de paz na Libéria<br />

em dezembro 2003, fato que ocorreu dois<br />

meses, após a Libéria ter alterado o seu reconhecimento<br />

diplomático de Taiwan para a<br />

China. A China enviou também soldados para<br />

manutenção da paz para República Democrática<br />

do Congo; forneceu uniformes ao exército<br />

de Moçambique; helicópteros ao Mali e<br />

Angola, e armas à Namíbia e Serra Leoa. A<br />

cooperação militar tem sido intensa com o<br />

Zimbábue; o Sudão e a Etiópia. Em abril de<br />

2005, Zimbábue recebeu seis aeronaves para<br />

operações militares e no ano anterior havia<br />

comprado l2 caças e l00 veículos militares.<br />

Devido a essa postura, voltada para o<br />

setor de segurança, o governo chinês é fortemente<br />

criticado por apoiar regimes ditatoriais,<br />

principalmente pelo fato da China ser um<br />

membro permanente do Conselho de Segurança<br />

da Organização das Nações Unidas - ONU<br />

que apresenta como responsabilidade a manutenção<br />

da paz no Sistema Internacional.<br />

No relatório do parlamento europeu<br />

sobre a política da China e o seu impacto na<br />

África, do dia 25 de abril de 2008, a euro-deputada<br />

portuguesa Ana Gomes afirma que<br />

“União Européia deve ratificar o seu embargo<br />

à venda de armamento à China, enquanto<br />

este país continuar a exportar armas para as<br />

forças armadas e os grupos armados de países<br />

que alimentam e perpetuam conflitos e<br />

cometem graves violações dos direitos humanos”,<br />

sugerindo que o governo do presidente<br />

Hu Jintao exerce certa cumplicidade<br />

em relação às políticas opressivas e conflitos,<br />

estabelecidos na região. No mesmo relatório<br />

do Parlamento Europeu, ainda, acrescenta<br />

que “a China é responsável por importantes<br />

transferências de armamento para<br />

países em conflito”.<br />

Contudo, “por ser membro permanente<br />

do Conselho de Segurança da ONU, os países<br />

79<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 75-82, nov. 2008


80<br />

africanos vêem na China uma garantia de apoio<br />

e defesa de seus interesses face às tentativas<br />

de interferência em seus assuntos internos”<br />

(Maria Gabriela Araújo Diniz, 2007, p.2).<br />

3.2 A RELAÇÃO SINO-AFRICANAS NO DOMÍ-<br />

NIO DA ENERGIA<br />

Um quarto das importações de petróleo<br />

da China, tem como origem a África, com interesses<br />

petrolíferos na Argélia, Angola, Chade e Sudão;<br />

e grandes participações na Guiné Equatorial,<br />

Gabão e Nigéria. É importante destacar a peculiaridade<br />

dos interesses energéticos da China em<br />

relação ao Chade, uma vez que este Estado ainda<br />

mantém relações diplomáticas com Taiwan.<br />

O trabalho, em conjunto no setor energético<br />

entre a China e o Sudão, representa uma<br />

das várias áreas, onde divergem os interesses<br />

dos governos norte-americano e chinês. A CNPC<br />

China National Petroleum Corporation-CNPC<br />

adquiriu direitos de exploração do petróleo no<br />

Sudão em 1995, dois anos, após Washington cortar<br />

relações com o país africano. Essa iniciativa<br />

tornou o Sudão a maior base de produção petrolifera<br />

da China fora do seu território, sendo<br />

responsável por cinco por cento (5%) da totalidade<br />

das importações de petróleo chinesas.<br />

O comércio sino-africano aumentou 50%<br />

entre 2002 e 2003, atingindo os US$ 18.5 bilhões<br />

por ano, crescendo para US$ 30 bilhões em 2006.<br />

Atualmente, 700 empresas chinesas operam em<br />

49 países africanos, tendo como destaque de investimentos<br />

no continente africano, a construção<br />

na Nigéria, da maior linha ferroviária de África,<br />

que terá uma extensão de aproximadamente 1300<br />

quilômetros e custará cerca de US$ 700 milhões.<br />

4 O DESENCONTRO SINO-AFRICANO<br />

Evidentemente, nem tudo se apresenta<br />

de maneira positiva no relacionamento<br />

entre líderes africanos e o governo chinês, um<br />

dos pontos de divergência é o comércio.<br />

A indústria têxtil e as manufaturas de<br />

baixa tecnologia, presentes na África, são abaladas<br />

pelo fluxo de produtos de baixo preço,<br />

provenientes da China. Redes de lojas chinesas<br />

espalham-se pelo continente africano, aumentando<br />

o descontentamento de pequenos comerciantes,<br />

muitas fábricas foram fechadas no<br />

Quênia, Lesoto, África do Sul e Suazilândia. Em<br />

outubro de 2007, a revista inglesa The Economist<br />

publicou um artigo, no qual afirmava que a<br />

estratégia econômica, adotada pelo governo de<br />

Hu Jintao, não auxilia a diversificação da produção<br />

africana.<br />

A África do Sul é um dos países mais abalados<br />

pela invasão oriental de bens e serviços.<br />

Em fevereiro de 2007, o presidente sul africano<br />

Thabo Mbeki criticou severamente o governo<br />

sínico, descrevendo a aproximação da China em<br />

relação à África como uma ação imperialista.<br />

Thabo Mbeki acredita que a aliança sino-africana<br />

compromete totalmente o desenvolvimento<br />

econômico 5 do continente.<br />

Segundo a imprensa chinesa, outra fonte<br />

de ressentimentos é a prática de empresas<br />

chinesas de levarem seus trabalhadores para<br />

projetos contratados, devido, entre outros motivos,<br />

à escassez de mão de obra qualificada no<br />

continente africano, provocando elevadas taxas<br />

de desemprego. Essa atitude da China levou<br />

a realização de protestos na Zâmbia e no<br />

Lesoto. No ano de 2008, o periódico Global Business<br />

Perspective mencionou como um dos<br />

grandes responsáveis pela entrada de trabalhadores<br />

chineses no continente, o presidente da<br />

Câmara de Comércio do Chade, que espera a<br />

chegada de cerca de 40 mil chineses ao seu país<br />

nos próximos anos.<br />

De acordo com dados apresentados na<br />

terceira edição da Conferência Nacional de Política<br />

Externa e Política Internacional, realizada<br />

nos dias 8 e 9 de dezembro de 2008 no Rio de<br />

Janeiro, que tinha como um dos focos a política<br />

5<br />

Melhoria das condições de vida da população.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 75-82, nov. 2008


chinesa, no Sistema Internacional, estima-se em<br />

80 mil o número de técnicos e trabalhadores<br />

chineses, presentes por todo o continente africano,<br />

no entanto, eles não apenas convivem<br />

pouco com os cidadãos nativos, isolando-se,<br />

como gastam praticamente nada do capital que<br />

conquistam, optando por enviar remessas para<br />

o seu país, deixando um verdadeiro rombo na<br />

economia local.<br />

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Enquanto os Estados Unidos e a Europa<br />

ignoram a África, “o gigante asiático estende o<br />

tapete vermelho” (ISTOÉ, abril de 2008) para receber<br />

grande parte das nações que compõem<br />

este esquecido continente, à exceção dos cinco<br />

países que reconhecem Taiwan. A China se prontificou<br />

a oferecer ajuda econômica e investimentos<br />

à África, em troca do que mais necessita,<br />

matérias-primas para sustentar o seu crescimento,<br />

assim como, explorar um mercado consumidor,<br />

ainda, virgem e praticamente esquecido<br />

pelas multinacionais ocidentais. Entretanto,<br />

é importante ressaltar que as relações de<br />

investimentos chineses apresentam aspectos<br />

negativos, pois o continente africano está à<br />

mercê de uma nova política imperialista, auxiliando<br />

o governo do presidente Hu Jintao na corrida<br />

contra os norte-americanos pela detenção<br />

de recursos naturais no cenário internacional.<br />

Enganados estão a Europa e os Estados Unidos,<br />

porque a África tem muito a oferecer. Não foi<br />

por acaso, que durante a cúpula em Pequim foram<br />

celebrados cerca de 2500 acordos sino-africanos.<br />

O que poucos sabem é que a China não<br />

almeja simplesmente o setor econômico, esse<br />

Estado também deseja expandir-se culturalmente,<br />

com a abertura de escolas, centros de<br />

línguas, intercâmbios e bolsas.<br />

Segundo a política exercida pelo Chefe<br />

de Estado Hu Jintao, o melhor ambiente para<br />

começar essa estratégia é, sem dúvida, o continente<br />

que até pouco tempo era taxado como<br />

insolúvel por grande parte do mundo (VAN-<br />

GUARDIA, 2008, p.26).<br />

81<br />

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Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 75-82, nov. 2008


DEMARCAÇÃO DE TERRAS<br />

INDÍGENAS NA AMAZÔNIA:<br />

atores, perspectivas e ação<br />

83<br />

Voyner Ravena Cañete<br />

Nirvia Ravena de Souza<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 83-96, nov. 2008


84<br />

Traços, Belém, v. 10, n. 21, p. 81-94, jun. 2008


DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS NA AMAZÔNIA:<br />

atores, perspectivas e ação<br />

Voyner Ravena Cañete *<br />

Nírvia Ravena de Sousa **<br />

RESUMO<br />

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu o<br />

direito ao reconhecimento da diversidade cultural<br />

dos povos indígenas, alterando no Brasil a tradição<br />

das políticas assimilacionistas que, então,<br />

selavam o futuro das diversas etnias presentes no<br />

território brasileiro à integração com a sociedade<br />

nacional. Esse novo cenário constitucional promoveu<br />

o surgimento de processos de identificação e<br />

demarcação de Terras Indígenas. Este artigo situa<br />

o cenário político e social no qual se inserem minorias<br />

étnicas na Região Amazônica. Demonstra,<br />

especialmente, o papel dos atores presentes no<br />

sudeste paraense, lançando luz sobre uma situação<br />

caso que envolve Terras Indígenas. Apresenta<br />

o caso específico do projeto Trairão, indevidamente<br />

situado na Terra Indígena Kayapó, evidencia a<br />

mudança cultural como um componente a ser considerado<br />

pelo direito nas situações de conflito relativos<br />

à demarcação de Terras Indígenas.<br />

Palavras-chave: Região amazônica. Atores sociais.<br />

Cenário político. Minorias étnicas. Demarcação.<br />

Terras Indígenas.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Após cinco séculos de ocupação do território<br />

nacional, a Amazônia se caracteriza, ainda,<br />

como área de fronteira 1 , onde a diversidade bi-<br />

1<br />

Entenda-se aqui fronteira em sua concepção clássica, ou<br />

seja, ocupação de áreas pouco povoadas e que têm nesse<br />

processo de ocupação uma dinâmica social própria marcada<br />

pela ausência do Estado e das regras institucionalizadas<br />

que normalmente orientam as ações dos atores<br />

sociais (CASTRO; HÉBETTE, 1989).<br />

ológica, social e cultural presente nessa região<br />

se mantém e desenvolve. Todavia, a crescente<br />

demanda por recursos naturais que marca o<br />

modelo de desenvolvimento mundial vem acelerando<br />

o processo de ocupação dessa região<br />

ameaçando essa diversidade tão cara à humanidade.<br />

Os modelos de desenvolvimento para<br />

a Amazônia vêm se instalando, sem cuidado,<br />

respeito ou previdência com o futuro das próximas<br />

gerações. Nesse cenário de ausência de<br />

preocupações, as minorias possuem voz diminuta<br />

e inaudível para um Estado nacional que, a<br />

pretexto do desenvolvimento, prioriza modelos<br />

de exploração predatórios e destrutivos,<br />

privilegiando atores sociais historicamente<br />

mais organizados, engajados e reprodutores da<br />

lógica do sistema no qual o país está inserido.<br />

Ao percorrer um caminho inverso a esse<br />

modelo perverso, a Constituição Federal de<br />

1988 estabeleceu o direito ao reconhecimento<br />

da diversidade cultural dos povos indígenas, alterando<br />

no Brasil a tradição das políticas assimilacionistas<br />

que então selavam o futuro das diversas<br />

etnias presentes no território brasileiro<br />

à integração com a sociedade nacional. Esse<br />

novo cenário constitucional promoveu o surgimento<br />

de processos de identificação das denominadas<br />

“terras de ocupação tradicional” que<br />

foram normatizados pelo Governo Federal em<br />

* Antropóloga, Doutora em Ciências Socioambientais (NAEA/<br />

UFPA). Prof. do Mestrado em Desenvolvimento e Meio<br />

Ambiente Urbano da <strong>Unama</strong>. E-mail:<br />

ravenacanete@uol.com.br<br />

** Cientista Política, Doutora em Ciência Política (IUPE/RJ).<br />

Professora do Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente<br />

Urbano da <strong>Unama</strong>. Professora do Departamento de<br />

Ciência Política da UFPA. E-mail: niravena@uol.com.br<br />

85<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 83-96, nov. 2008


86<br />

1996, gerando, assim, um quadro de contestação<br />

entre capital privado, governos estadual e<br />

federal e seus diversos organismos de gestão.<br />

Algumas reflexões sobre essa realidade de conflito<br />

constituem-se no objeto deste texto.<br />

Dividido em duas seções, inicialmente este<br />

artigo situa historicamente os modelos de desenvolvimento,<br />

adotados para a Região Amazônica,<br />

descrevendo o cenário político e social no<br />

qual está inserida a região. Em um segundo momento,<br />

analisa o papel dos atores presentes no<br />

cenário amazônico, especialmente no sudeste<br />

paraense, lançando luz sobre uma situação caso<br />

que envolve a ocupação dos grupos Kayapó e a<br />

respectiva demarcação das Terras Indígenas (TI)<br />

onde se localizam esses grupos. Focaliza, ainda,<br />

a sobreposição de ações e poderes dos órgãos<br />

públicos que cria um cenário de conflito e contestação<br />

de propriedade de terras. Por fim, evidencia<br />

a mudança cultural como um componente<br />

a ser considerado pelo direito nas situações<br />

de conflito relativo à demarcação de TI.<br />

2 AMAZÔNIA: atores e cenário político-social<br />

As concepções sobre a utilização do espaço orientam<br />

as ações humanas no tocante à ocupação<br />

de territórios, estabelecendo para estes diferentes<br />

significados e usos. Quando aqui se evoca a<br />

idéia da significância de um território, busca-se<br />

pontuar a correlação entre a cognição originada<br />

pela cultura e as determinantes institucionais que<br />

ordenam o comportamento dos indivíduos em sua<br />

relação com outros indivíduos e com a natureza.<br />

Assim, a Amazônia, enquanto território,<br />

adentrou o imaginário ocidental desde o século<br />

XVIII como uma área de fronteira marcada<br />

pela idéia de um espaço, onde o vazio permanece<br />

até os dias atuais, tanto nas concepções<br />

dos indivíduos que migram para esse território<br />

quanto para os tomadores de decisão que operam<br />

nas políticas públicas (OLIVEIRA FILHO,<br />

1999; BECKER, 1998; LIMA; POZZOBON, 2005).<br />

A materialização dessas concepções ocorre<br />

na esfera da interação entre os indivíduos e<br />

entre estes e as instituições 2 . Dessa forma, a<br />

Amazônia, enquanto território, é acessada e<br />

ocupada tanto por indivíduos quanto por ações<br />

governamentais, como se ainda se constituísse<br />

num espaço que requer uma fundação civilizatória.<br />

É importante considerar que o acesso e<br />

uso desse território se assentam numa assimetria<br />

de poder entre aqueles que o habitam. Explica-se:<br />

a crença de que há o vazio a ser preenchido,<br />

quando associada a informações privilegiadas<br />

por parte de alguns indivíduos, promove<br />

um desequilíbrio nas estratégias dos diversos<br />

atores que ocupam esse espaço. Mais que isso,<br />

o critério da ancianidade 3 na ocupação da área é<br />

desconsiderado e direitos fundamentados nas<br />

concepções jusnaturalistas são desrespeitados<br />

em uma das vias da interação estratégica. Grupos<br />

indígenas inseridos em lógicas culturais e<br />

sociais diferentes das que operam nas instituições<br />

da sociedade ocidental são olvidados. Por<br />

outro lado, esse mesmo critério de ancianidade<br />

é evocado nas vias institucionais para a garantia<br />

dos direitos individuais de sujeitos com<br />

um maior grau de informação que acessam canais<br />

de justiça.<br />

A ocupação do território por grupos com baixo<br />

grau de organização diante da sociedade nacional,<br />

mas com comprovada ancianidade no<br />

espaço, como é o caso dos indígenas se vê, portanto,<br />

desconsiderada. Sobrepõe-se a esse quadro<br />

perverso o contato de formas particulares<br />

de interação social, em que a diferença substancial<br />

entre as culturas em contato se estabe-<br />

2<br />

Para a abordagem tomada neste trabalho, utiliza-se o estudo<br />

de Lessa (1998), acerca da interação estratégica.<br />

3<br />

O critério de ancianidade é utilizado aqui em sua perspectiva<br />

antropológica, em que onde o caráter imemorial é o<br />

elemento central. Imemorial é o que está presente a tanto<br />

tempo que não se tem noção ao certo de quando surgiu<br />

(LEA, 1997 a; b).<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 83-96, nov. 2008


lece a partir da cosmogonia 4 dos atores que se<br />

encontram nesse território.<br />

Cabe aqui destacar o papel fundamental que<br />

a cosmogonia desempenha no contato entre sociedades<br />

complexas e sociedades, cujo grau de<br />

complexificação segue caminhos não convencionados<br />

na cultura ocidental. Assim, na Amazônia,<br />

quando indivíduos, atores coletivos ou instituições<br />

interagem com grupos indígenas, tornase<br />

evidente que a fricção interétnica 5 adquire<br />

uma escala e uma saliência significativa.<br />

Então, retorna-se ao ponto no qual indivíduos,<br />

não organizados coletivamente, concebem a<br />

Amazônia como fronteira. O choque entre duas<br />

cosmogonias dicotômicas, como a dos migrantes<br />

da fronteira e a daqueles que já a ocupavam<br />

mesmo antes do contato é, muitas vezes, letal<br />

para grupos indígenas que se apresentam culturalmente<br />

numa perspectiva coletiva, mas, no<br />

entanto, não possuem expressão de poder na<br />

sociedade nacional. Isso ocorre porque esses grupos<br />

não dispõem de mecanismos eficientes de<br />

representação coletiva no interior da lógica reconhecida<br />

pelas instituições formais. A racionalidade<br />

nas instituições é tomada como universal<br />

para todas as culturas, o que acresce aos grupos<br />

indígenas custos de transação no momento em<br />

que interagem com a sociedade envolvente,<br />

dado que suas concepções sobre espaço e território<br />

não se assemelham àquelas estabelecidas<br />

pela sociedade ocidental e seus indivíduos.<br />

4<br />

Cosmogonia configura-se como a forma de compreensão<br />

de mundo que grupos sócio-culturais apresentam. Os indígenas<br />

dispõem de um arcabouço cultural diferente daquele<br />

compartilhado por indivíduos na sociedade ocidental. A<br />

distinção entre estas duas cosmogonias é interpretada por<br />

Lima (2004), ao compreender o contato entre estas duas<br />

formas de concepção do mundo e da realidade.<br />

5<br />

O conceito de fricção interétnica, cunhado por Roberto<br />

Cardoso de Oliveira (1964), permite descrever a situação<br />

de contato entre grupos étnicos diferentes, interagindo<br />

em um mesmo cenário social. Ao suar categorias como<br />

ideologia, identidade e identidade étnica, ele demonstra<br />

que a identidade construída por um grupo, ou mesmo um<br />

indivíduo está diretamente relacionada ao cenário no qual<br />

o mesmo está inserido.<br />

Enquanto atores individuais interpretam o<br />

território amazônico como fronteira, grupos indígenas<br />

concebem esse mesmo território como<br />

uma área imemorial onde os significados relativos<br />

a suas práticas sociais e culturais mantêm<br />

com o território uma interdependência. Essa<br />

interdependência é o elemento que possibilita<br />

a manutenção da vida sócio-cultural desses grupos.<br />

Uma vez alterado o território, são alteradas<br />

de forma estrutural essas relações. É importante<br />

destacar que os dois critérios, ancianidade<br />

e interdependência, já sustentam que o<br />

território seja definido a partir de critérios ligados<br />

ao que é imemorial aos grupos indígenas. E<br />

mais, os dois critérios, oriundos das discussões<br />

teóricas próprias do campo de conhecimento<br />

das humanidades, sustentam cientificamente<br />

que o direito a esse território seja garantido.<br />

Assim, conceitos como fronteira, ancianidade<br />

e interdependência configuram uma tríade<br />

que permite verificar de que forma o contato<br />

entre duas racionalidades pode ser pernicioso<br />

para grupos indígenas que se constituem social<br />

e culturalmente numa perspectiva coletiva, mas<br />

que não dispõem de ferramentas institucionais<br />

eficientes para se representar coletivamente,<br />

e cuja cosmogonia não se assemelha ao que a<br />

sociedade ocidental inscreve em suas instituições<br />

como formas eivadas de critérios de validade.<br />

Instituições formais operam com arcabouços<br />

teóricos de compreensão dos indivíduos<br />

quando se relacionam entre si e com as regras<br />

inscritas nessas instituições, sem incluir nos<br />

pressupostos dessa interação os formatos culturais<br />

de outros tipos de racionalidade que não<br />

são comuns à sociedade capitalista avançada.<br />

Nesse sentido, a corrente de pensamento<br />

neo-contratualista e liberal igualitária tem se<br />

manifestado no campo de conhecimento relativo<br />

às humanidades para que as minorias tenham<br />

seus direitos garantidos. Numa tradição<br />

que remonta tanto aos cânones do contratualismo<br />

como aos liberais, teóricos como John<br />

87<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 83-96, nov. 2008


88<br />

Rawls (1999) e Amartya Sen (1973) proporcionam<br />

o escopo teórico suficientemente robusto<br />

para que minorias como os grupos indígenas<br />

tenham respeitado seu direito natural mais primordial:<br />

a vida. Esta, como já destacado, está<br />

intrinsecamente ligada à relação do grupo indígena<br />

com o território.<br />

Na presente argumentação, é importante<br />

destacar que o movimento de constituição da<br />

Amazônia enquanto fronteira foi peculiar dada<br />

a forte ingerência do Estado na condução das<br />

ações direcionadas à região 6 . Ainda sob a égide<br />

da modernização autoritária, o movimento de<br />

ocupação da Amazônia conduzido pelo Estado<br />

tornou este espaço um locus onde os diversos<br />

atores citados interagiram, buscando fundar e<br />

validar sua lógica como princípio dominante do<br />

agir, desconsiderando qualquer racionalidade<br />

anterior de acesso e uso desse território. A partir<br />

dessas interações, a Amazônia tornou-se um<br />

mosaico de arranjos territoriais onde convivem<br />

dicotomias e antagonismos de ordem ideológica<br />

que se materializam em estradas, novas e<br />

antigas cidades, projetos de colonização, barragens,<br />

Terras Indígenas, Unidades de Conservação,<br />

mineração e garimpo, agroindústrias, terras<br />

devolutas, terras de Igreja, posse e grilagem,<br />

comunidades rurais e ribeirinhas, pecuarização,<br />

cerrado e florestas, rede hidrográfica e redes<br />

telemáticas, expansão da moderna agricultura<br />

e periferização de cidades.<br />

No interior desta miríade de situações sócio-espaciais<br />

duas se destacam quando o foco<br />

da reflexão é a interação desbalanceada no tocante<br />

à informação dos atores e seu posicionamento<br />

frente às instituições formais. Fala-se<br />

aqui do conflito de interesses entre grupos indígenas<br />

e indivíduos pertencentes à sociedade<br />

envolvente. Nesses casos, a abertura de estradas<br />

pela intervenção do Estado ou a apropriação<br />

de terras da União por mecanismos lícitos<br />

ou ilícitos, entre estas, a prática da grilagem 7 ,<br />

podem ser destruidoras para atores sociais com<br />

menor acesso às informações no cenário da Sociedade<br />

Nacional.<br />

Todavia, esses fenômenos não podem ser<br />

explicados por uma causalidade específica, no<br />

entanto, mantêm uma relação estreita quando<br />

o fenômeno da apropriação de terras da União<br />

se manifesta. Aqui, um destaque. É necessário<br />

verificar que quando o Estado, sob a égide da<br />

modernização autoritária, destinou para a Amazônia<br />

um pacote de ações voltadas a refundação<br />

civilizatória dessa região, sinalizou para o<br />

excedente populacional de outras regiões, e<br />

para o capital, que essa seria uma área onde a<br />

terra, enquanto reserva de valor, poderia se<br />

estabelecer. Na esteira dos Grandes Projetos,<br />

como Carajás, Polonoroeste, Tucuruí e outros,<br />

pequenas ações aleatórias, completamente fora<br />

da regulação estatal, findaram por se estabelecer<br />

como regra. Essas ações originaram-se, primeiramente,<br />

da forma como novos atores adentram<br />

a fronteira amazônica.<br />

Nessa perspectiva, o aumento populacional<br />

não é acompanhado por medidas de ordenamento<br />

espacial e as instituições reguladoras da propriedade<br />

de terra acabam, por incapacidade institucional,<br />

mediando operações que desordenam<br />

as relações entre os indivíduos e o território. Na<br />

6<br />

Sobre os modelos de desenvolvimento para a Amazônia<br />

ver Jean Hébette e Rosa Acevedo (1977; 1979), Edna Castro<br />

e Jean Hébette (1989), Francisco de Assis Costa (1992;<br />

1993), Alfredo Wagner Berno de Almeida (1992), Araújo e<br />

Schiavoni (1998), Luciana Miranda Costa (1999), Rosa E.<br />

Acevedo (2002), Voyner Ravena-Cañete (2000) entre outras<br />

publicações, trazem à luz uma realidade que tem<br />

como base as relações de exploração, as alterações vividas<br />

a partir da entrada do grande capital, e os conflitos<br />

gerados nesse novo quadro.<br />

7<br />

Segundo Becker (1998), o grileiro “[...] é um agente cujo expediente<br />

para obter extensões de terra é a falsificação de<br />

títulos de propriedade e documentos de toda a ordem. As<br />

origens populares da palavra são elucidativas. O ‘grilo’, ou<br />

‘grilagem’ das terras, corresponde ao método adotado<br />

para a falsificação: buscam-se folhas de papel timbrado,<br />

imitam-se escritas, e os documentos são amalerecidos propositadamente,<br />

guardados em gavetas/compartimentos<br />

repletos de grilos que lhes dão o ar de antigos” (p. 31).<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 83-96, nov. 2008


Amazônia, o aumento populacional vertiginoso<br />

foi um indicador desse efeito deletério de intervenção<br />

estatal. Hébette (1989) e Becker (1998)<br />

detalham a mudança no perfil da população. Tanto<br />

numérica quanto culturalmente a entrada de<br />

frentes migratórias de outras regiões obrigatoriamente<br />

trouxe consigo demandas por bens e<br />

serviços, cuja regulação estatal não logrou alcançar.<br />

Instalou-se, então, o círculo perverso da ausência<br />

institucional modelando o território pelo<br />

conflito. Este ocorria em instâncias diversas que<br />

se tangenciaram e, muitas vezes, estabeleceram<br />

interfaces duradouras.<br />

A falta de dados precisos, acerca da propriedade<br />

pública de terras, finda por estabelecer conflitos<br />

também na esfera intra-setorial no âmbito da<br />

relação federativa. Estados e União divergem sobre<br />

os dados cartográficos, acerca da propriedade<br />

territorial, enquanto que indivíduos, numa lógica<br />

oportunista, encontram nessa divergência uma<br />

janela de oportunidades para capturar recursos<br />

públicos como a terra. A lógica privada substitui os<br />

pressupostos de gestão da res publica.<br />

Assim, historicamente, processos de apropriação<br />

de terras, como a grilagem, por exemplo,<br />

tem-se beneficiado dos seguintes fatores:<br />

a) reconhecimento do desmatamento, mesmo<br />

realizado em áreas públicas, como benfeitoria,<br />

para fins de regularização fundiária; b) fragilidades<br />

de processos discriminatórios e de averiguação<br />

da legitimidade de títulos; c) falta de<br />

supervisão dos cartórios de títulos e notas; d)<br />

baixo preço da terra e elevado retorno das atividades<br />

econômicas predatórias; e) interesses<br />

políticos que incentivam ocupações de terras<br />

por posseiros; e f) especulação relacionada com<br />

expectativas de desapropriações e/ou instalação<br />

de infra-estrutura. Freqüentemente, a grilagem<br />

se relaciona a outros atos ilícitos, como o<br />

trabalho escravo e outras violações dos direitos<br />

humanos e trabalhistas, evasão de impostos,<br />

extração ilegal de madeira e lavagem de dinheiro<br />

do narcotráfico.<br />

Novamente é necessário pontuar que é nesse<br />

cenário de especificidade territorial e social<br />

que, estrategicamente, atores com maior grau<br />

de informação adentram territórios já habitados<br />

por atores coletivos que não dispõem de<br />

um grau de organização coletiva, reconhecida<br />

pela sociedade, e capaz de enfrentar, no jogo<br />

interativo, os primeiros. Nesse sentido, a história<br />

mais recente do estado do Pará testemunha<br />

essa trajetória.<br />

2.1 ÓRGÃOS PÚBLICOS E ATORES SOCIAIS NO<br />

ESTADO DO PARÁ: o caso da TI Kayapó e o Projeto<br />

Trairão<br />

A trajetória de ocupação do sudeste paraense<br />

carrega consigo a marca do conflito entre frentes<br />

migratórias e populações indígenas já presentes<br />

na região. A história de conflito entre<br />

indivíduos da sociedade envolvente e os índios<br />

8 Kayapó representam uma parte desse processo.<br />

Sobre esse grupo e sobre a imemorialidade<br />

de sua presença, no sul/sudeste do estado<br />

do Pará, trata parte deste texto.<br />

Como mencionado, a palavra Kayapó é originária<br />

do tronco lingüístico tupi, ainda que nomeie<br />

um grupo pertencente ao tronco macro-jê 9 e quer<br />

dizer macaco semelhante. Uma das características<br />

8<br />

A denominação “índio” configura-se, de fato, como uma<br />

classificação da sociedade nacional para os povos précolombianos<br />

e seus remanescentes. Todavia, essa é uma<br />

definição generalizada feita pela sociedade nacional que<br />

desconsidera as diferenciações existentes entre esses<br />

povos. A autodenominação corresponde a uma definição<br />

mais apropriada desses grupos e a ela esse documento irá<br />

se referir para orientar o leitor. Assim, a palavra Kayapó é<br />

originária do tronco lingüístico tupi, ainda que nomeie um<br />

grupo pertencente ao tronco macro-jê e quer dizer macaco<br />

semelhante (ARNAUD, 1989, p. 433). Tal denominação<br />

foi dada de forma pejorativa no contato com um grupo Tupi<br />

(TURNER, 1966; POSEY, 1979 in ARNAUD, 1989, p. 434). Mas<br />

o grupo conhecido pela sociedade nacional como Kayapó,<br />

se autodenomina M½bengokre, o que quer dizer “gente do<br />

buraco d’água”.<br />

9<br />

Extensos e diversos são os estudos da antropologia sobre<br />

as línguas faladas entre os povos indígenas no Brasil. Para<br />

este artigo vale lembrar apenas os dois principais troncos<br />

lingüísticos: macro-jê e tupi.<br />

89<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 83-96, nov. 2008


90<br />

10<br />

Para melhor compreensão do leitor, doravante neste texto<br />

será usada a autodenominação M½bengokre seguida<br />

da denominação Kayapó, em parênteses.<br />

marcantes na formação social dos M½bengokre<br />

(Kayapó) 10 reside na constante necessidade de<br />

cisão interna do grupo. Foi tal processo que deu<br />

origem aos grupos que hoje ocupam as áreas do<br />

sul do Pará e norte do Mato Grosso. A vida política<br />

entre os M½bengokre (Kayapó) gira em entorno<br />

da casa dos homens, refletindo a organização espacial<br />

da aldeia. Nesta, há um descampado central<br />

onde está situada a casa dos homens. Nela<br />

acontece a vida política exercida pelos homens e<br />

os rituais do grupo. Na periferia encontram-se as<br />

casas onde vivem as famílias extensas.<br />

Mediante de dados etno-históricos (NIMUEN-<br />

DAJU, 1981) é possível afirmar que os<br />

M½bengokre (Kayapó) eram formados por três<br />

grupos (Irâ’âmranh-re: “os que passeiam na planícies”;<br />

Goroti-Kumrenhtx: “os homens do verdadeiro<br />

grande grupo”; e os Porekry: “os homens<br />

dos pequenos bambus”), sendo que dentre estes,<br />

somente os Goroti-Kumrenhtx fizeram o caminho<br />

de distanciamento, ou não aceitação do<br />

contato com os colonizadores. Dessa forma, esse<br />

foi o único grupo M½bengokre (Kayapó) que sobreviveu<br />

ao processo de colonização do território<br />

brasileiro. Os outros dois grupos desapareceram<br />

no contato com a Sociedade Nacional, seja<br />

por epidemias, guerra de resistência, ou mesmo<br />

pela captura para escravização ainda nos séculos<br />

XVII e XVIII (VERSWIJVER, 1985).<br />

Historicamente, o contato com a sociedade<br />

nacional foi inevitável, visto que a fronteira<br />

avançou para o Centro-Oeste no início do século<br />

XX, desdobrando-se para a Região Amazônica<br />

já principiando os anos de 1960. É no início do<br />

século XX que ocorre a cisão entre os<br />

M½bengokre (Kayapó-Gorotire), originando o<br />

grupo Menkragnoti e Gorotire.<br />

Espacialmente os Gorotire se moveram para<br />

leste, enquanto que para o oeste se dirigiu o<br />

grupo Menkragnoti, originado da casa dos homens<br />

de mesmo nome. Os M½bengokre (Kayapó),<br />

ou como se denomina comumente na sociedade<br />

do entorno, Kayapó-Gorotire, obedecem<br />

a uma subdivisão principal: M½bengokre do leste<br />

do Xingu (Gorotire) e M½bengokre do oeste<br />

do Xingu (Menkragnoti). Entre estes últimos,<br />

uma outra divisão principal se efetivou, originando<br />

também os Mentuktire (conhecidos também<br />

como Txukarramãe, denominação dada<br />

pelos Juruna), habitantes do lado oeste, mais<br />

ao sul (Kapoto/Jarina - Mato Grosso).<br />

Em aldeias dispersas no transcurso superior<br />

dos rios Iriri, Curuá, Baú e Fresco, os<br />

M½bengokre (Kayapó) vivem em uma área com<br />

mais de 10.000.000 há, ocupando um território<br />

caracterizado principalmente pela presença da<br />

floresta tropical, exceto a parte oriental, recoberta<br />

pela vegetação de cerrado. Os<br />

M½bengokre (Kayapó) apresentam uma organização<br />

social marcada pela cisão interna de seus<br />

grupos, o que demonstra a pertinência do território<br />

já demarcado para efetivar tal estratégia<br />

de reprodução social. Tais cisões explicam também<br />

as diferenças de dialetos entre os vários<br />

grupos M½bengokre (Kayapó).<br />

Atualmente, vivem no território<br />

M½bengokre (Kayapó) 19 comunidades indígenas,<br />

cuja densidade populacional vem crescendo<br />

de forma importante no decorrer das duas<br />

últimas décadas. Todavia, tal crescimento não<br />

significa a certeza da manutenção do grupo, visto<br />

que epidemias e a falta de assistência médica<br />

findam por ocasionar baixas populacionais<br />

acentuadas. Segundo dados da Fundação Nacional<br />

de Saúde (Funasa), a estimativa do ano de<br />

2000 indica uma população total para os<br />

M½bengokre (Kayapó) entre 6.300 indivíduos,<br />

colocando esse grupo, sob o ponto de visa demográfico,<br />

entre os 15 mais importantes grupos<br />

indígenas do Brasil.<br />

A média populacional em uma aldeia<br />

M½bengokre (Kayapó) normalmente está entre<br />

300 e 500 indivíduos. No entanto, é possível<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 83-96, nov. 2008


encontrar uma flutuação populacional ainda<br />

maior, permitindo constatar aldeias com 60 pessoas<br />

e outras com quase 900.<br />

As referências sobre a divisão entre os<br />

M½bengokre (Kayapó) (ARNAUD, 1989; NIMUEN-<br />

DAJU, 1981; VERSWIJVER, 1978) remontam ao início<br />

do século XX. Entre todas as obras disponíveis<br />

sobre esses grupos, vale aqui destacar o material<br />

produzido por Gustaaf Verswijver, visto que<br />

todo seu trabalho foi dedicado ao grupo Menkragnoti.<br />

Os demais grupos M½bengokre (Kayapó)<br />

são descritos também por esse antropólogo, na<br />

medida em que aparecem no cenário de interface<br />

com os Menkragnoti.<br />

Segundo Curt Nimuendaju (1981), os<br />

M½bengokre (Kayapó) ocupavam os estados do<br />

Pará e do Mato Grosso (1723/1916/1940), triângulo<br />

mineiro e noroeste de São Paulo (1806/<br />

1816). Três seriam os sub-grupos M½bengokre<br />

(Kayapó) que desde tempos imemoriais ocupavam<br />

a área do alto rio Tocantins. Desses três<br />

subgrupos somente, os Gorotire escolheram o<br />

afastamento diante do contato com os colonizadores,<br />

sendo o único a escapar do desaparecimento,<br />

como mencionado.<br />

Em conseqüência da constante cisão do grupo,<br />

como característica marcante da formação<br />

social, constam, entre 1890 e 1900, os primeiros<br />

registros de uma cisão no grande grupo Gorotire,<br />

então, localizado na região do alto Riozinho.<br />

Nessa cisão, os Menkragnoti se deslocaram<br />

para a região do baixo rio Jarina, na área<br />

conhecida como “o grande campo”, o Kapot,<br />

considerada como a aldeia ancestral. Entre<br />

1910 e 1915 instalou-se a primeira aldeia<br />

Menkragnoti localizada entre os rios Iriri/Curuá,<br />

denominada aldeia Krôdjamre. Essa localidade<br />

está próxima a área, onde, em 1985 se<br />

localizava a aldeia Pukanu. Mas de fato, os<br />

Menkragnoti, continuaram freqüentando as<br />

duas regiões: do Kapot e Iriri/Curuá.<br />

Menkragnoti era uma única sociedade dos<br />

homens, mas em 1930, a partir de uma cisão, foi<br />

originado o grupo Mentuktire, chamado e conhecido<br />

também como Txucarramãe. As duas<br />

regiões mencionadas permaneceram como o<br />

centro das atividades entre esses dois grupos<br />

que se formaram. Em 1940, esses dois grupos<br />

estavam unidos em uma única aldeia, representados<br />

por duas sociedades de homens, cujos<br />

chefes eram Kremôr e Kretire, na região de campos<br />

(Kapot).<br />

Em 1944, Kremôr e Bepgogoti instalaram-se<br />

entre os rios Xingu e Liberdade. Por outro lado,<br />

Kretire se dirigiu com seu grupo para o alto Iriri,<br />

mas logo voltou a sua aldeia ancestral. Em disputas<br />

internas, Bepgogoti separou-se de Kremôr<br />

juntando-se a Kretire, deixando assim o<br />

grupo de Kremôr mais fraco que os demais e,<br />

em 1948, este se juntou aos outros na região de<br />

campos (Kapot), mas novos atritos ocorreram.<br />

Entre 1952 e 1953, os irmãos Vilas Boas fizeram<br />

contato com os Menkragnoti, então em uma<br />

fase de grande tensão interna no grupo. Uma<br />

vez, mais Kremôr e seus homens haviam se separado<br />

do grupo de Kretire/Bepgogoti dirigindo-se<br />

dessa vez para a cachoeira Von Martius<br />

do Xingu. Em 1954, os irmãos Vilas Boas findaram<br />

conciliando o atrito entre os dois grupos<br />

liderados por Kremôr e Kretire/Bepgogoti, sendo<br />

que, finalmente, o primeiro se junta ao segundo<br />

grupo. Todavia, em 1954/1955, um novo<br />

embate leva Kremôr a separar-se com seus homens,<br />

ainda que retornando posteriormente,<br />

mas um novo conflito se estabelece, gerando<br />

uma separação definitiva.<br />

Em 1956, seguidos de Kretire e posteriormente<br />

de Bepgogoti, um grupo se instalou na área<br />

dos rios Iriri/Curuá. Já sem grande força política,<br />

Kremôr deslocou-se com metade de seu grupo<br />

para o Kubenkrakein. Acusado de shamanismo,<br />

Kremôr voltou para o grupo no Xingu, sob a<br />

liderança de Raoni e Krumare.<br />

Em decorrência de conflitos com seringueiros,<br />

entre 1958 e 1961, os Menkragnoti foram<br />

pacificados pelo sertanista Francisco Meirel-<br />

91<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 83-96, nov. 2008


92<br />

les. Em 1960, os Menkragnoti do médio Curuá<br />

foram transferidos para o igarapé Baú e os<br />

Menkragnoti do rio Iriri, remanejados para o<br />

igarapé Candoca.<br />

Após a pacificação e abandonados pelo, então,<br />

Serviço de Proteção ao Índio (SPI), houve<br />

uma epidemia com morte de mais de 40 índios<br />

de uma população de 220 pessoas. Em 1970, a<br />

Funai cria o Posto Indígena Menkragnoti que<br />

efetivamente passa a funcionar apenas em 1973.<br />

No início da década de 1970, o antropólogo<br />

belga Gustaaf Verswijver inicia seus estudos<br />

entre os Menkragnoti, sendo que em 1979 seus<br />

relatórios apontam uma cisão entre os grupos<br />

de Bepgogoti/Kokorêti e Bontire/Ayó/Kute’ê.<br />

Efetivamente, essa cisão somente se processa<br />

em 1981 com o início da construção de uma nova<br />

aldeia. Esta finda por ser construída no rio Iriri,<br />

sendo nomeada como aldeia Pukanu. Do grupo<br />

que originou a nova aldeia, 95 foram para o<br />

Pukanu, enquanto 270 índios permaneceram no<br />

Posto Indígena Menkragnoti.<br />

Entre 1984 e 1985, a intenção da Força Aérea<br />

Brasileira (FAB), de ter disponível uma área de<br />

100km próximo à Base da Serra do Cachimbo,<br />

impeliu a Funai a solicitar ao antropólogo Gustaaf<br />

Verswijver que o mesmo convencesse Bepgogoti<br />

a transferir a aldeia para o Iriri Novo, o<br />

que de fato ocorreu.<br />

Nas duas últimas décadas, o contato com a<br />

sociedade nacional foi se tornando mais freqüente<br />

e intenso, como se poderia esperar<br />

do processo de ocupação da Amazônia. Todavia,<br />

os M½bengokre (Kayapó) se posicionam<br />

no cenário político brasileiro de forma articulada,<br />

conseguindo garantir, ainda que de<br />

forma parcial, os direitos conquistados na<br />

Constituição de 1988.<br />

Desde o início da década de 1970, Gustaaf<br />

Verswijver desenvolve estudos sobre os<br />

Menkragnoti, configurando-se como fonte privilegiada<br />

de informação sobre o mesmo. Com<br />

duas décadas de contato direto com esse grupo<br />

e interlocução constante com a Fundação Nacional<br />

do Índio (Funai), o referido antropólogo<br />

apresentou várias propostas de demarcação para<br />

a área indígena Menkragnoti. Seu trabalho constitui-se<br />

em importante fonte de informação<br />

para o grupo de trabalho que reconheceu e demarcou<br />

a respectiva área indígena, além de ser<br />

obra obrigatória para todo trabalho que tenha<br />

os M½bengokre (Kayapó) como objeto de investigação<br />

acadêmica.<br />

Assim, grande parte das propostas de demarcação<br />

feita para a Terra Indígena Menkragnoti<br />

foi elaborada por Gustaaf Verswijver. Entre as<br />

décadas de 1970 e 1991, foram apresentadas oito<br />

propostas de demarcação, sendo cinco de proposição<br />

de Gustaaf Verswijver e três resultantes<br />

de GT, nomeados por portarias federais.<br />

Quanto aos índios Gorotire, Expedito Arnaud<br />

apresenta o texto “A expansão dos índios Kayapó-Gorotire<br />

e a ocupação nacional (região sul<br />

do Pará)”, no qual é apresentado uma descrição<br />

sobre os deslocamentos desse grupo (áreas<br />

Kayapó e Badjonkore). Quanto à Terra Indígena<br />

Badjonkore, sua homologação foi assinada em<br />

2003, sendo que as aldeias que integram essa<br />

área pertencem ao grupo Gorotire.<br />

Quanto à Terra Indígena Menkragnoti, a primeira<br />

proposta data de 1960 (Serviço de Proteção<br />

ao Índio), sendo seguida de mais cinco propostas<br />

que tiveram como contribuição os relatórios<br />

de Gustaaf Verswijver, enviados à Funai<br />

(1972, 1976, 1977, 1979 e 1982).<br />

A Figura 1 permite visualizar a dimensão e<br />

localização das TI onde se encontram os<br />

M½bengokre, no sudeste paraense.<br />

A demarcação das TI do povo M½bengokre<br />

(Kayapó) resulta de um trabalho intenso que<br />

descreve, como aqui mencionado, a trajetória<br />

desse grupo no sul paraense, evidenciando a<br />

imemorialidade de ocupação na área. Todavia, o<br />

movimento de demarcação de TI no sul do Pará<br />

foi acompanhado pelo avanço da fronteira. Assim,<br />

no decorrer da década de 1980, o estado do<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 83-96, nov. 2008


Pará, mediante de projetos do Instituto de Terras<br />

do Pará (Iterpa), loteou áreas de terras da<br />

União. Tais projetos tiveram como formato um<br />

processo de licitação, divulgado nacionalmente<br />

em diferentes esferas de comunicação 11 .<br />

Funai, foi constatado que a área da gleba Altamira<br />

VI, por exemplo, encontrava-se dentro da<br />

área indígena M½bengokre (Kayapó), como é<br />

possível visualizar na Figura 2.<br />

93<br />

Figura 1: Terras Indígenas Kayapó<br />

(Menkragnoti, Kayapó, Baú e Badjonkore)<br />

Fonte: figura produzida a partir dos mapas disponibilizados<br />

pela Sectam/PA em: http://www.céu.sectam.pa.gov.Br/<br />

website/Bacias/viewer.htm. Acesso em: 01 jun. 2006.<br />

Na licitação, propostas de compra e venda<br />

eram aceitas, sendo que a aquisição do imóvel<br />

se efetivava somente após o pagamento da primeira<br />

parcela. Na expedição de títulos para áreas<br />

já ocupadas por populações tradicionais, aqui<br />

especificamente os índios M½bengokre (Kayapó),<br />

após submissão a exame cartográfico pela<br />

11<br />

Dados sobre o processo licitatório foram obtidos no Iterpa.<br />

Neste texto trabalha-se especificamente o Projeto Integrado<br />

Trairão, implementado pelo Iterpa no decorrer da<br />

década de 1980.<br />

Figura 2: Projeto Integrado Trairão sobreposto<br />

a TI Kayapó, Menkrangnoti, Baú e Badjankore<br />

Fonte: produzida a partir de recuperação de dados do<br />

arquivo do Iterpa, sobreposta aos mapas disponibilizados<br />

pela Sectam/PA em: . Acesso em: 01 jun. 2006.<br />

Na figura, em tela, é possível visualizar um<br />

cenário que explicita a sobreposição de terras<br />

que se legitimam enquanto propriedade privada,<br />

por meio de títulos expedidos pelo Iterpa,<br />

mas que, no entanto, se sobrepõem à área indígena.<br />

Tal situação findou por gerar um quadro<br />

de contestação no qual a imemorialidade do uso<br />

da terra pelas populações indígenas é questionado,<br />

ou mesmo sua posse tradicional.<br />

O conceito de imemorialidade evoca a noção<br />

de passado. Assim, no Novo Dicionário Aurélio<br />

da Língua Portuguesa, para tal palavra consta<br />

a seguinte definição: Adj. 2 g. 1. de que não<br />

pode haver ou não há memória; imemorável,<br />

imemoriável. 2. De que não há memória por<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 83-96, nov. 2008


94<br />

causa de sua extraordinária antiguidade; antiqüíssimo,<br />

imemoriável. Ao consider tal definição<br />

é possível afirmar que a área sobre a qual se<br />

sobrepõem as glebas que compõem o Projeto<br />

Integrado Trairão configura-se como imemorial,<br />

visto que a população Kayapó (M½bengokre)<br />

que dela faz uso não se lembra do primeiro uso<br />

feito sobre esta, mas recorda a cada instante a<br />

importância e uso que faz dela atualmente.<br />

No que se refere à posse tradicional é possível<br />

afirmar que a área em questão possui também<br />

tal caráter. Explica-se: a discussão sobre a<br />

demarcação das terras indígenas no Brasil, marcou<br />

a construção da Constituição de 1988 (SAN-<br />

TILLI apud KASBURG & GRANKOW, 1999)<br />

É nesse sentido que terras tradicionais passam<br />

a estar amarradas por quatro elementos<br />

constitutivos: permanência, atividade produtiva,<br />

preservação dos recursos ambientais indispensáveis<br />

à reprodução física e cultural, de acordo<br />

com usos, costumes e tradições do grupo.<br />

Assim, é possível afirmar que a área litigiosa encontra-se<br />

dentro de uma área indígena marcada<br />

pela imemorialidade e tradicionalmente ocupada<br />

pelo povo Kayapó (M½bengokre).<br />

Por outro lado, as lides que envolvem indenização<br />

na Amazônia apresentam um contorno<br />

peculiar, visto que:<br />

Terras imemoriais são freqüentemente reivindicadas<br />

como propriedade em ações na justiça.<br />

Reivindica-se até indenização pela perda,<br />

não da terra, mas do título de propriedade. Ou<br />

seja, reivindica-se indenização pelos ‘papéis’<br />

que circulam como direito de propriedade (RO-<br />

DRIGUES in LEA, 1997a, p. 3).<br />

É no projeto de incorporação da Amazônia<br />

no cenário nacional, por meios de projetos que<br />

privilegiaram o grande capital em detrimento<br />

das populações tradicionais, que se estabelecem<br />

as lides que originam processos de contestação,<br />

envolvendo a União, o estado do Pará e a<br />

iniciativa privada.<br />

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Nesse sentido, pensar tradição e imemorialidade<br />

pode ser apenas uma questão de interpretação.<br />

Vale então, uma vez mais, reportarse<br />

aos dados disponíveis na literatura antropológica<br />

que asseveram que os M½bengokre<br />

(Kayapó) estão no sul do Pará, antes mesmo dos<br />

bandeirantes do século XVII pensarem em subir<br />

para as Minas Gerais.<br />

Manter-se enquanto ator que se representa<br />

coletivamente e é partícipe de uma Nação, mas<br />

com tradição e costumes diferenciados, é um<br />

desafio que está sendo enfrentado por grupos<br />

indígenas em todas as partes do planeta. Essa<br />

busca ocorre no interior da sociedade ocidental<br />

que considera a democracia um sistema de governo<br />

mais justo. Eqüidade e justiça são, portanto,<br />

valores intrínsecos à democracia vigente<br />

no mundo globalizado.<br />

No Brasil, a garantia de direitos constitucionais<br />

parece sempre estar vulnerável ao agir individual,<br />

característico de sociedades ocidentais,<br />

cujas instituições democráticas são inoperantes.<br />

Nos últimos anos, no entanto, esse quadro<br />

mudou. A virtuosidade das instituições políticas,<br />

fundadas nos princípios democráticos,<br />

tem sido evocada. Mais que isso, o direito de<br />

atores que se organizam e representam coletivamente,<br />

encontra abrigo nessas instituições e<br />

a validação dos princípios de justiça não é mais<br />

retórica e sim ação institucional. É importante<br />

lembrar que alguns resultados dessas buscas<br />

por validação de direito no interior de novas<br />

democracias já apresentam resultados concretos<br />

e virtuosos tanto para os grupos nativos dos<br />

territórios que se tornaram jovens democracias<br />

quanto para as instituições políticas democráticas<br />

de alguns países. Mesmo com histórias semelhantes<br />

de usurpação territorial, algumas<br />

etnias nativas do novo mundo puderam agir<br />

coletivamente e manter graus de identidade<br />

frente à sociedade do entorno.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 83-96, nov. 2008


Um caso emblemático é o da Nova Zelândia<br />

(WALKER, 1997), cuja etnia Maori tem suas<br />

especificidades e direitos garantidos e é considerada<br />

fundamental na percepção de nacionalidade<br />

dos neozelandeses. Ao considerar<br />

o avanço e a robustez das instituições democráticas<br />

brasileiras é possível desejar e acreditar<br />

que elas serão o veículo para que o Brasil<br />

passe a tratar seus nativos a partir dos princípios<br />

justos e equânimes que caracterizam<br />

os sistemas democráticos já existentes em<br />

nações jovens.<br />

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96<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 83-96, nov. 2008


IMPLICAÇÕES PROCESSUAIS DA<br />

NOVA DISCIPLINA DA EVICÇÃO<br />

NO CÓDIGO CIVIL DE 2002<br />

97<br />

Ágatha Gonçalves Santana<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 97-108, nov. 2008


98<br />

Traços, Belém, v. 10, n. 21, p. 95-106, jun. 2008


IMPLICAÇÕES PROCESSUAIS DA NOVA DISCIPLINA<br />

DA EVICÇÃO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002<br />

Ágatha Gonçalves Santana*<br />

RESUMO<br />

É bem sabido que a evicção é a perda do bem<br />

adquirido por contrato oneroso, em virtude de<br />

uma sentença judicial ou um ato administrativo,<br />

disciplinada no Novo Código Civil. Considerandose<br />

o Novo Código Civil como lei híbrida, consubstanciando<br />

direito material e direito processual,<br />

observa-se que determinados dispositivos travam<br />

sérias discussões jurídicas, acerca dos aspectos<br />

processuais na ocasião que poderá ocorrer a evicção.<br />

A questão primeiramente levantada no presente<br />

trabalho é justamente a de que, com o advento<br />

do Novo Código Civil, a denunciação da lide<br />

passou a ser matéria controvertida, principalmente<br />

sobre os aspectos da obrigatoriedade, bem<br />

como da possibilidade da modalidade per saltum.<br />

Serão examinadas aqui tais impactos da lei civil na<br />

lei processual, com base na doutrina e na jurisprudência<br />

de modo a fomentar o debate.<br />

Palavras-chave: Novo Código Civil. Lei Processual.<br />

Denunciação da Lide. denunciação per saltum.<br />

Evicção.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Para muitos estudantes de Direito, a evicção,<br />

em seu aspecto processual, continua sendo<br />

um assunto um tanto quanto controverso e confuso,<br />

principalmente pelo seu caráter híbrido,<br />

pois possui cunho material e processual.<br />

Os problemas maiores surgem em relação<br />

às disposições legais, dispostas no Novo Código<br />

Civil, que tratou de maneira controversa o<br />

instituto da intervenção de terceiros na denunciação<br />

da lide em relação ao procedimento que<br />

dá origem a evicção clássica, ou seja, a perda da<br />

coisa em virtude de uma decisão judicial.<br />

A questão da obrigatoriedade da denunciação<br />

da lide, bem como a possibilidade da chamada<br />

“denunciação da lide per saltum” (com a<br />

conseqüente condenação direta do denunciado)<br />

são os focos deste ensaio, acarretando impactos<br />

no sistema processualista vigente, causando<br />

controvérsias e críticas contundentes a<br />

respeito do assunto.<br />

Assim, o objetivo do presente trabalho é<br />

a compreensão dos debates que pairam acerca da<br />

matéria, procurando solucionar algumas dúvidas<br />

básicas, bem como levantar o debate acerca de<br />

questões importantes que dela emanam, fomentando<br />

o debate à luz do processo civil, bem como<br />

dando um posicionamento direcionado com base<br />

na melhor doutrina e na jurisprudência.<br />

Desde logo, atenta-se, a denunciação da<br />

lide será abordada de uma maneira geral, de maneira<br />

a explicar seus principais problemas com a<br />

lei civil, utilizando-se de um diálogo entre a legislação<br />

civil e a processual, não se adentrando por<br />

demais nos aspectos técnico-procedimentais 1 .<br />

* Bacharel em Direito pela <strong>Unama</strong>. Mestranda em Direitos<br />

Humanos e Relações Privadas pela UFPA. Email:<br />

emaildaagatha@yahoo.com.br<br />

1<br />

A chamada “tese do diálogo das fontes”, citada por Flávio<br />

Tartuce (2008, p. 34-35), vem sendo muito utilizada e com<br />

sucesso, ocasionando a coerência de todo um sistema legislativo,<br />

bem como a valorização dos direitos humanos.<br />

Cuida-se da aproximação de dois ou mais diplomas legais<br />

de modo a “dialogarem”, se complementando ou se coadunando<br />

de maneira a melhorar em prol de uma aproximação<br />

a lei maior, a Constituição Federal.<br />

99<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 97-108, nov. 2008


100<br />

O método aqui utilizado será o de apresentação<br />

sistemática da pesquisa documental, de<br />

aspecto dedutivo-indutivo, de maneira a indicar<br />

a importância prática do presente tema. Com indicações<br />

a obras processuais, incita-se aqui ao<br />

leitor, para instigar-lhe a pesquisa, dentro do interessante<br />

campo do direito processual, fazendo-o<br />

enxergar um horizonte muito maior do que<br />

um mero estudo de procedimentos.<br />

2 PRIMEIRAMENTE, A QUESTÃO DA DENUNCI-<br />

AÇÃO DA LIDE<br />

De um modo geral, conforme a doutrina<br />

de Fredie Didier (DIDIER, 2007, p. 298), a intervenção<br />

de terceiros “trata-se de ato jurídico<br />

processual pelo qual um terceiro, autorizado por<br />

lei, ingressa em processo pendente, transformando-se<br />

em parte”.<br />

Há, portanto, um processo, as partes<br />

tradicionais no binômio autor e réu; e há um<br />

terceiro, que possui um interesse jurídico no<br />

ganho da causa, que pode ser tanto por parte<br />

do autor quanto por parte do réu.<br />

Assim, a denunciação da lide é uma modalidade<br />

de intervenção de terceiros provocada:<br />

o terceiro é chamado a integrar o processo, porque<br />

uma demanda lhe é dirigida. Na lição de<br />

Marinoni et al (2007, p. 182-183), é uma segunda<br />

demanda, dentro de um processo principal, pois<br />

o réu, ao denunciar, integra uma terceira pessoa,<br />

agregando ao processo pedido novo, ampliando<br />

o objeto litigioso do processo.<br />

Seria assim uma nova ação, subsidiária<br />

aquela originariamente instaurada, analisada se<br />

o denunciante vier a sucumbir na ação principal,<br />

configurando demanda incidental, regressiva,<br />

eventual e antecipada (DIDIER, 2007).<br />

Configura assim uma nova demanda em<br />

processo já existente, sendo, pois, um incidente.<br />

A sentença deverá dispor sobre a relação jurídica<br />

entre a parte e o denunciante e entre o denunciante<br />

e o denunciado, senão será considerada citra<br />

petita. Julgado improcedente, automaticamente<br />

a denunciação da lide perde o seu objeto, pois<br />

não há o que indenizar.<br />

Há, portanto, uma relação de dependência<br />

em relação a denunciação da lide com a ação<br />

principal. Em outras palavras, para o juiz apreciar<br />

a denunciação da lide deverá, primeiramente,<br />

analisar a demanda principal. Mas, se posteriormente<br />

analisar a matéria principal e deixar<br />

de apreciar a denunciação da lide, a sentença<br />

será tida como nula.<br />

As relações jurídicas processuais travadas<br />

e apreciadas pelo juiz serão entre a parte e<br />

o denunciante (que poderá ser o autor ou o réu);<br />

e a relação do denunciante com o denunciado.<br />

Conforme alerta Didier (2007, p. 318), do<br />

ponto de vista substancial, é uma demanda que<br />

veicula pretensão regressiva, pois “o denunciante<br />

visa ao ressarcimento pelo denunciado<br />

pelos eventuais prejuízos que venha a sofrer<br />

em razão do processo pendente”. Não há relação<br />

jurídica direta entre o denunciado e o adversário<br />

do denunciante, portanto.<br />

É eventual porque é condicional: a demanda<br />

regressiva somente será examinada se<br />

o denunciante, ao final, for derrotado na demanda<br />

principal. Sua característica, conforme<br />

salientado por Nery Junior et al (2006. p. 245), é<br />

a eventualidade para a ocasião de duas lides<br />

em processos simultâneos.<br />

E ainda, é antecipada, pois, segundo Didier<br />

(2007, p. 319), “o denunciante se antecipa<br />

e, antes de sofrer qualquer prejuízo, na hipótese<br />

de vir a sofrê-lo, demanda em face de terceiro,<br />

com o objetivo de imputar-lhe a responsabilidade<br />

pelo ressarcimento”, ao invés de engendrar<br />

ação ressarcitória apenas depois de<br />

vencer nessa primeira demanda, após um longo<br />

processo, logo em seguida do trânsito em<br />

julgado da sentença. Seria uma questão de economia<br />

processual, visando vincular o terceiro<br />

ao que decidido na causa e a condenação do<br />

denunciado à indenização.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 97-108, nov. 2008


É possível, ainda, segundo Didier (2007),<br />

o denunciado promover a denunciação da lide<br />

de uma quarta pessoa (denunciação sucessiva,<br />

art. 73 CPC), incidente que deve ser recusado<br />

pelo juiz se comprometer desproporcionalmente<br />

a celeridade do feito<br />

Atente-se, desde logo, como ressaltado<br />

por Nery Jr et al (2006), que é descabida expressamente<br />

qualquer modalidade de intervenção de<br />

terceiros no procedimento sumário ou sumaríssimo;<br />

e por incompatibilidade em ação declaratória<br />

de falsidade documental por não ser ação de reparação;<br />

ou na reconvenção, que somente poderá<br />

ser deduzida contra o autor. Caberá, outrossim,<br />

no ajuizamento de cautelar de produção antecipada<br />

de prova; e mesmo das ações possessórias.<br />

3 DOS PROBLEMAS PROCESSUAIS ADVINDOS<br />

COM O NOVO CÓDIGO CIVIL ACERCA DA EVICÇÃO<br />

Corroborando a afirmação do autor Alexandre<br />

Freire Pimentel (2004), com o advento<br />

do Novo Código Civil houve grandes implicações<br />

(e principalmente complicações) processuais,<br />

decorrentes da normatização do art. 456<br />

do mencionado diploma.<br />

Com efeito, o caput do referido dispositivo<br />

permitiu que o evicto (o adquirente do objeto,<br />

o sujeito que perde a coisa em virtude da decisão<br />

judicial) ofereça a litisdenunciação tanto para o<br />

alienante imediato quanto para os anteriores 2 .<br />

2<br />

É mister aqui fazer um breve esclarecimento acerca da evicção.<br />

A evicção, em sentido clássico, é a perda da coisa, ou<br />

seu desapossamento, em virtude de sentença, podendo<br />

ocorrer não apenas em ação reivindicatória da propriedade,<br />

como também, em ação declaratória; em ação de usucapião;<br />

em ação possessória; em ação de perdimento de<br />

bens; e até mesmo em ação de servidão. Nesse sentido,<br />

Nelson Nery Jr et al (2006, p. 246), em quaisquer dessas<br />

hipóteses, o autor engendra uma das ações citadas contra<br />

o réu (evicto – denunciante), que denuncia a lide aquele<br />

que lhe entregou o bem mediante certa remuneração (será<br />

o dendunciado, que posteriormente irá ressarcir o evicto),<br />

e vem a perder o bem para o autor. Ai se dá a evicção em<br />

uma linha simples de explicação. Os direitos decorrentes<br />

da evicção é verificada no Código Civil vigente nos arts. 402;<br />

450. Saliente-se aqui ainda que não é admissível no sistema<br />

brasileiro o ajuizamento de ação autônoma de evicção.<br />

Mais ainda, a grande ‘vedete’ do mencionado<br />

dispositivo, foi a questão levantada em seu<br />

parágrafo único, pelo qual o evicto é obrigado a<br />

denunciar, mas se o alienante devidamente citado<br />

não atender à denunciação da lide (em sua revelia),<br />

e, sendo manifesta a procedência da evicção,<br />

é lícito ao adquirente (o réu demandado, possível<br />

evicto), deixar de contestar ou recorrer.<br />

Assim está disposto na letra da lei, não<br />

tendo sido alterada do Projeto original do Código<br />

Civil de 2002 (FIÚZA, 2003, p. 405), in verbis:<br />

Art. 456. Para poder exercitar o direito<br />

que da evicção lhe resulta, o adquirente<br />

notificará do litígio o alienante imediato,<br />

ou qualquer dos anteriores,<br />

quando e como lhe determinarem as<br />

leis do processo.<br />

Parágrafo único. Não atendendo o alienante<br />

à denunciação da lide, e sendo<br />

manifesta a procedência da evicção,<br />

pode o adquirente deixar de oferecer<br />

contestação, ou usar de recursos. 3<br />

Dessa forma, advém os debates, não<br />

apenas na questão da obrigatoriedade de proceder<br />

no processo com a denunciação da lide,<br />

para que o evicto tenha o direito ao ressarcimento<br />

do preço pago, bem como demais direitos<br />

da evicção.<br />

Ademais, poderia assim o juiz condenar<br />

de maneira direta, o alienante, sem que este<br />

faça parte da relação processual, sem que tenha<br />

sido citado? E, sendo assim, como seria a<br />

situação do réu? Se o mesmo optasse por não<br />

contestar ou recorrer, poderia ser ou não condenado<br />

pelo juiz? Os efeitos da coisa julgada<br />

repercutirão sobre o terceiro? Essas perguntas<br />

são levantadas por Pimentel (2004, p. 150).<br />

3<br />

Primeiramente, é de se notar que o termo “notificação está<br />

posicionado de maneira incorreta, uma vez que, utilizando-se<br />

dos “meios processuais adequados”, somente se<br />

pode entender como citação, dentro do procedimento da<br />

denunciação da lide.<br />

101<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 97-108, nov. 2008


102<br />

Essas foram as grandes problemáticas<br />

advindas com o novel Código Civil.<br />

4 BREVE ANÁLISE DO ART. 70, I DO CPC<br />

O art. 70, inciso I do Código de Processo<br />

Civil professa que “A denunciação da lide é obrigatória:<br />

I – ao alienante, na ação em que terceiro<br />

reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido<br />

à parte, a fim de que esta possa vir a exercer<br />

o direito que da evicção lhe resulta; (...)”<br />

É pacífico na doutrina e na jurisprudência<br />

que, os demais casos prescritos no artigo 70 do<br />

Código de Processo Civil, a denunciação da lide é<br />

facultativa, podendo-se adentrar posteriormente<br />

com a cabível ação ressarcitória ou ação de regresso<br />

contra quem realmente deu causa à perda.<br />

Com efeito, como afirma Nery Jr et al<br />

(2006, p. 245), o direito material é omisso quanto<br />

à forma de obter a indenização, não podendo<br />

entender, ao menos nas hipóteses dos incisos<br />

II e III, que no desatendimento do ônus processual<br />

somente poderia ensejar preclusão ou<br />

nulidade do ato, não trazendo como conseqüência<br />

a perda do direito material de indenização,<br />

apenas impedindo que esse direito fosse<br />

exercido no mesmo processo.<br />

Assim o era em relação ao inciso I, antes<br />

do advento do Novo Código Civil. O entrave,<br />

em relação a esse incito ocorreu por força do<br />

art. 456 do Novo Código Civil, faria com que a<br />

denunciação da lide fosse obrigatória, sob pena<br />

da perda do direito material.<br />

a. DA OBRIGATORIEDADE DA DENUNCIAÇÃO<br />

DA LIDE<br />

Como dito, o grande entrave é em relação<br />

ao inciso I, inerente a evicção, uma vez com<br />

o advento do Novo Código Civil, o art. 456 indica<br />

que, para o exercício dos direitos da evicção<br />

(a responsabilidade do alienante que alienou<br />

coisa de outrem, ou seja, coisa que não deveria<br />

ser alienada), deverá necessariamente, proceder<br />

de acordo com a lei processual civil que,<br />

nesse caso, é interpretada por grande parte da<br />

doutrina como a necessidade do procedimento<br />

da denunciação da lide.<br />

Com o argumento de que o dispositivo<br />

da lei civil é lei especial, puro e simples, aduzem<br />

ser obrigatória a denunciação da lide a grande<br />

parte dos civilistas, tais como: Flávio Tartuce<br />

(2008, p. 211-212); Silvio Rodrigues (2003, p.<br />

116) 4 ; dentre outros, e até mesmo, parecendose<br />

favoráveis a tal obrigatoriedade, ao menos<br />

pela sua não oposição, Marinoni (2007, p. 184),<br />

Nery Jr et al (2006, p. 245) e Humberto Theodoro<br />

Junior (2008, p. 132).<br />

Não obstante, em via de contra-mão, há<br />

jurisprudência contundente em relação a não<br />

obrigatoriedade, auspiciada até no Superior Tribunal<br />

de Justiça, primando que, não obstante<br />

não haver as partes procedido com a denunciação<br />

da lide, não há impedimento de se pleitear<br />

a devolução do preço da coisa vendida. 5 6<br />

Contemplando esse entendimento, civilistas<br />

de vanguarda, como Jones Figueirêdo Alves<br />

(in FIUZA, 2003); Pablo Stoze Gagliano e Rodolfo<br />

Pamplona (2005); e processualistas preocupados<br />

com o aspecto substancial 7 do processo, como Di-<br />

4<br />

É interessante mencionar que, na obra desse civilista, o mesmo<br />

menciona a obrigatoriedade do “chamamento à autoria”,<br />

intervenção de terceiro precedente à denunciação da lide,<br />

presente do Código de Processo Civil anterior ao vigente CPC.<br />

Tal confusão, como mencionado por autores de ponta do<br />

âmbito processual, tais como: Didier (2007) e Pimentel (2004),<br />

parece ter norteado o legislador do atual Código Civil, que<br />

primou pela obrigatoriedade da intervenção de terceiros para<br />

se obter os direitos que da evicção se resulta.<br />

5<br />

Nesse sentido, STJ, REsp 132.258/RJ Recurso Especial (1997/<br />

0034131-3), DJ 17.04.2000, p. 56, RDTJRJ 44/52, rel. Min.<br />

Nilson Naves, j. 06.12.1999, 3ª Turma.<br />

6<br />

Ainda assim, é importante ressaltar, que nada impede ação<br />

autônoma de indenização por danos imateriais, abarcando-se<br />

o dano moral, pelo princípio da reparação integral<br />

dos danos, retirado do art. 5º, incisos V e X da CF/88.<br />

7<br />

O processo em seu aspecto substancial é aquele pelo qual<br />

o processo não é mais visto como mera sucessão de atos<br />

previstos nos diplomas legais vigentes, mas sim como garantia<br />

dos direitos, em especial os direitos fundamentais,<br />

do jurisdicionado, relacionando-se, dessa maneira, a utilizada<br />

denominação de “ instrumentalidade do processo”.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 97-108, nov. 2008


dier, (2007), entendem pela não obrigatoriedade<br />

da denunciação da lide nos casos das lides que<br />

venham a gerar o fenômeno da evicção.<br />

Destarte, para Didier (2007, p. 320), não<br />

se pode falar em obrigatoriedade em sentido<br />

técnico, pois a denunciação é exercício do direito<br />

de ação, não sendo um dever, sendo, na<br />

verdade, um ônus processual absoluto, e, portanto,<br />

facultativa. Seria um encargo atribuído à<br />

parte, e não uma obrigação, uma vez que é de<br />

seu próprio interesse, pois haverá o prejuízo de<br />

não se aproveitar do mesmo processo para o<br />

ajuizamento da demanda regressiva.<br />

Sob esta óptica, o possível denunciante<br />

não perderia o direito de regresso, acaso não<br />

promova a denunciação da lide, não obtendo<br />

qualquer tipo de ressarcimento contra aquele<br />

que alienou de maneira indevida e onerosamente<br />

a coisa perdida.<br />

Saliente-se novamente, que a relação<br />

dos demais incisos do art. 70 não possui qualquer<br />

discussão, onde a não denunciação da lide<br />

apenas implica a perda da oportunidade de ver<br />

o direito de regresso ser apreciado no mesmo<br />

processo, sendo permitido posteriormente o<br />

ajuizamento de ação autônoma para o ressarcimento,<br />

em ação regressiva, também chamada<br />

de ação de regresso.<br />

Em síntese: o adquirente (evicto) deve,<br />

uma vez em litígio contra o evecente/evictor,<br />

denunciar a lide o alienante, sob pena de perder<br />

a pretensão regressiva que surge da evicção,<br />

verificada ao final do processo.<br />

No entanto, embora a doutrina majoritária<br />

se inclinasse ao fato de que o adquirente<br />

evicto (o que perdeu a coisa em virtude de sentença<br />

judicial) deveria denunciar a lide e o alienante,<br />

sob pena de perder a pretensão regressiva,<br />

de acordo com Didier (2007):<br />

...a jurisprudência e a doutrina percebiam<br />

que essa conseqüência não poderia<br />

acontecer em todas as situações,<br />

porque há casos em que a própria legislação<br />

processual veda a denunciação da lide:<br />

uma vez proibido o exercício eventual e<br />

incidental da pretensão regressiva, não<br />

poderia o adquirente ser prejudicado<br />

pelo não exercício deste direito. É o que<br />

acontece no âmbito dos Juizados Especiais e<br />

no rito sumário, procedimentos que não autorizam<br />

a denunciação da lide no caso de<br />

evicção. Convém lembrar, ainda, que a<br />

doutrina admite a ocorrência da evicção<br />

por ato administrativo (apreensão<br />

de veículo pelo DETRAN, por exemplo),<br />

quando também não será possível a<br />

denunciação da lide, que pressupõe a<br />

existência de processo jurisdicional. Em<br />

todas essas hipóteses, admite-se a<br />

denominada “ação autônoma de evicção.<br />

(grifo nosso) 8 .<br />

Didier (2007, p. 321) e Pimentel (2004)<br />

criticam a redação do Novo Código Civil, que<br />

parece acompanhar o raciocínio do antigo instituto<br />

de processo civil que cedeu lugar à denunciação<br />

da lide, o chamamento à autoria,<br />

que o direito brasileiro havia herdado do direito<br />

romano, por intermédio das ordenações<br />

portuguesas, presente do Código de Processo<br />

Civil de 1939.<br />

Em relação da impossibilidade do uso<br />

da denunciação da lide por força da inadissibilidade<br />

imposta por determinado rito, como por<br />

exemplo, o rito sumário e os Juizados Especiais,<br />

que expressamente proíbem o uso da intervenção<br />

de terceiros, e conseqüentemente<br />

da denunciação da lide, Pimentel (2004, p.155)<br />

aduz que teria apenas 3 alternativas, caso se<br />

devesse considerar a obrigatoriedade. Assim,<br />

em tais hipóteses:<br />

8<br />

Autores como Tartuce, de mesma forma, mencionam o novo<br />

conceito de evicção, como perda da coisa ou seu desapossamento,<br />

também em virtude de decisão administrativa,<br />

não obstante não comentando como ficaria a hipótese do<br />

conflito com a norma constante do art. 456 do Código Civil<br />

vigente, uma vez que não comporta, em processo administrativo,<br />

qualquer hipótese de intervenção de terceiros, figuras<br />

exclusivas do processo civil.<br />

103<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 97-108, nov. 2008


104<br />

a) Seria a conversão do procedimento sumário<br />

para o ordinário, o que não seria adequado.<br />

b) Aceitar a denunciação no rito sumário, para<br />

coordenar as normas, o que daria conflito.<br />

c) Admitir a denunciação da lide como ação regressiva<br />

autônoma posterior em caso de derrota.<br />

9<br />

Abre-se aqui um parêntese, ressaltando que o jurisdicionado<br />

não tem o dever de saber os procedimentos processuais,<br />

sendo que, se o patrono da parte, por esquecimento<br />

ou por mau procedimento, deixar de denunciar a lide, como<br />

ficaria a denunciação? Logicamente a parte poderia engendrar<br />

representação contra o seu patrono, bem como adentrar<br />

com uma ação contra o mesmo. Não teria, assim, que<br />

se falar em economia processual, não havendo razão de se<br />

fundamentar a obrigatoriedade por este modo.<br />

10<br />

REsp 132.258, j. 06-12-1999, DJ de 17-04-2000; REsp<br />

255.639, j. 24.04.2001, Informativo do STJ 93<br />

Não haveria, portanto, como aceitar a<br />

obrigatoriedade da denunciação da lide nesse<br />

sentido. Mas seria apenas uma restrição ou exceção<br />

a questão da obrigatoriedade?<br />

Isso tudo com o risco de recair no problema<br />

do enriquecimento sem causa do alienante<br />

à custa do adquirente, em afronta às regras<br />

dos arts. 884-886 do Código Civil de 2002,<br />

cuja vedação é expressa. Quem agiu indevidamente,<br />

no caso o alienante, se locupletará de<br />

sua própria torpeza em detrimento ao que não<br />

procedeu com a denunciação da lide, ou seja,<br />

tirará benefício de sua conduta indevida unicamente<br />

porque não se procedeu com essa modalidade<br />

de intervenção de terceiros no processo<br />

principal 9 .<br />

Há proposta de alteração do art. 456 do<br />

CC-2002, encaminhado pelo finado Deputado<br />

Ricardo Fiúza (Projeto de Lei 6.960/2002), que<br />

retira o ônus da denunciação da lide para o exercício<br />

dos direitos da evicção, na linha de precedentes<br />

do STJ 10 .<br />

Pela proposta ficaria o seguinte: art. 456.<br />

Para o direito que da evicção lhe resulta, independente<br />

o evicto da denunciação da lide ao<br />

alienante, podendo fazê-la, se lhe parecer conveniente,<br />

pelos princípios da economia e da rapidez<br />

processual” (DIDIER, 2007).<br />

Com efeito, a questão da economia e<br />

rapidez processual, não obstante o princípio<br />

constitucional da garantia da razoável duração<br />

do processo, não poderá configurar supressão<br />

de instâncias que vedem ou dificultem a apreciação<br />

de lesão ou ameaça de lesão de direito,<br />

de maneira a ferir demais direitos constitucionais<br />

dos jurisdicionados 11 , uma vez que o tema<br />

da morosidade processual é um problema extremamente<br />

complexo em que meras medidas<br />

legislativas não são suficientes, muito menos<br />

as que promovem a celeridade a qualquer custo,<br />

principalmente quando ferindo demais direitos<br />

do cidadão.<br />

b. DA DENUNCIAÇÃO DA LIDE PER SALTUM EM<br />

CASO DE EVICÇÃO.<br />

Ainda em decorrência da nova disciplina<br />

do art. 456 do novel Código Civil de 2002,<br />

ocorreu outra polêmica, em relação ao sujeito a<br />

ser denunciado.<br />

O art. 70 do Código de Processo Civil,<br />

em seu inciso I, autoriza a denunciação da lide<br />

ao alienante, ou seja, o responsável pela alienação<br />

do objeto que poderá ser perdido é que<br />

será denunciado, com o objetivo de responsabilizá-lo<br />

pela possível perda. O inciso é destinado<br />

a todo aquele que, adquirindo a título oneroso<br />

o domínio, a posse ou uso da coisa, vem a<br />

perdê-los em virtude de decisão judicial.<br />

Ocorre que o art. 456 do Código Civil de<br />

2002 pretendeu trazer outra inovação ao regramento<br />

da denunciação da lide em caso de evicção,<br />

permitindo-se ao adquirente denunciar a<br />

lide o alienante imediato da coisa sub judice,<br />

11<br />

Para complementação da leitura, consultar a monografia<br />

de Santana, Ágatha Gonçalves. A importância do princípio<br />

da razoável duração do processo para a realização dos direitos<br />

fundamentais. Monografia apresentada como quesito<br />

parcial de obtenção do grau de Bacharel pela Universidade<br />

da Amazônia – UNAMA. 2006.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 97-108, nov. 2008


ou qualquer dos alienantes anteriores. Em outras<br />

palavras, seria possível o réu (possível evicto)<br />

denunciar à lide não apenas a pessoa que<br />

alienou o bem a ele, e sim a quem alienou o<br />

bem ao alienante e assim sucessivamente.<br />

Didier (2007, p. 324-325) atenta que há<br />

cinco posicionamentos doutrinários acerca do<br />

tema:<br />

a) A primeira corrente aduz que o Novo Código<br />

Civil teria admitido a denunciação da lide per<br />

saltum, permitindo que o adquirente demande<br />

em face de alguém com quem não manteve<br />

qualquer relação jurídica, sendo caso de<br />

legitimação extraordinária em litisconsórcio<br />

facultativo passivo, como forma de sub-rogação<br />

legal. Assim, estaria autorizado ao adquirente<br />

denunciar a lide ao alienante imediato,<br />

ou a qualquer outro alienante que<br />

conste da cadeia de alienação. Esse é o posicionamento<br />

de Nery Jr. et al, (2006, p. 245).<br />

b) A segunda corrente, mencionada por Didier<br />

(2007), afirma que a regra teria consagrado a<br />

possibilidade da “denunciação coletiva”, sugerida<br />

por Moniz de Aragão, de modo a evitar<br />

as dificuldades das denunciações sucessivas,<br />

defendendo ainda a possibilidade de o<br />

adquirente denunciar a lide de uma só vez a<br />

todos os que compusessem a cadeia sucessória<br />

de alienação, consagrando então a denunciação<br />

coletiva.<br />

c) A terceira corrente, mencionada por Didier<br />

(2007), indica Flávio Yarshell como entendedor<br />

de que a nova regra seria a consagração,<br />

na legislação civil, da possibilidade de denunciação<br />

sucessiva, prevista no art. 73 do<br />

CPC, e não a consagração da denunciação da<br />

lide per saltum, que poderia vir a permitir<br />

que um alienante, provavelmente aquele<br />

que tivesse maior capacidade econômica,<br />

pudesse responder por diferentes indenizações,<br />

de diferentes adquirentes, configurando<br />

injustiça.<br />

d) A quarta teoria, onde se cita como defensor<br />

Theodoro Jr. (2008, p. 139), se posiciona no<br />

sentido de que o Código Civil de 2002 teria<br />

estabelecido a solidariedade passiva legal de<br />

todos os alienantes que compõem a cadeia<br />

sucessória em face do último adquirente:<br />

Todos teriam a obrigação de responder pela<br />

evicção, sendo justificada a denunciação da<br />

lide não apenas sucessiva, como também a<br />

per saltum. Como destacado por Didier, a teoria<br />

encontra o óbice na regra de que a solidariedade<br />

não se presume (Art. 265 CC-2002),<br />

só havendo solidariedade entre os alienantes<br />

que conjuntamente alienaram o mesmo<br />

bem de maneira indevida.<br />

e) Finalmente, a quinta teoria, citada pelo processualista<br />

baiano, indica os que reputam a mudança<br />

inócua. Alexandre Câmara (2005, p. 210),<br />

muito embora admita que a interpretação isolada<br />

do art. 456 do Código Civil de 2002 induzisse<br />

a denunciação per saltum, de modo a evitar<br />

as denunciações sucessivas, afirma que quando<br />

a lei determina que a “notificação” se faça<br />

“quando e como lhe determinarem as leis do<br />

processo”, remeteria ao sistema do CPC, pelo<br />

qual a denunciação da lide é feita pelo adquirente<br />

ao seu alienante imediato e este, por sua<br />

vez, denunciaria à lide quem lhe transferiu o<br />

bem, e assim por diante, não sendo possível a<br />

denunciação per saltum.<br />

Didier (2007) afirma não haver fundamento<br />

razoável a denunciação per saltum, uma<br />

vez que o denunciante não tem qualquer relação<br />

jurídica com o denunciado e aduz parecer<br />

ser a melhor solução.<br />

c. OUTRA NOVIDADE DO ART. 456: DA REVELIA<br />

DO RÉU CUMULADA COM A GRANDE POSSIBILI-<br />

DADE DE OCORRER EVICÇÃO<br />

O Parágrafo único do art. 456 do Código<br />

Civil de 2002 trouxe nova regra processual em<br />

105<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 97-108, nov. 2008


106<br />

relação ao regime jurídico da denunciação da<br />

lide disciplinado no inciso II do art. 75 do Diploma<br />

Processual, ocasionando uma revogação total<br />

deste inciso do dispositivo processual.<br />

Reza o art. 456, parágrafo único do Diploma<br />

Civil que “Não atendendo o alienante à<br />

denunciação da lide” (sendo revel – conduta<br />

descrita no inciso II do art. 75 do CPC) e ainda,<br />

“sendo manifesta a procedência da evicção,<br />

pode o adquirente deixar de oferecer contestação,<br />

ou usar de recursos”.<br />

O art. 75, II do CPC prevê que se o denunciado<br />

pelo réu for revel, cumprirá ao denunciante<br />

prosseguir na defesa até o final. Não obstante<br />

tal redação, o art. 456 do vigente Código<br />

Civil, para o caso de denunciação da lide feita<br />

pelo réu em razão da evicção (art. 70, I do CPC),<br />

e somente em ocasião desta, permite que, revel<br />

o denunciado, e sendo manifesta a procedência<br />

da evicção, possa o denunciante adquirente<br />

(evicto) deixar de oferecer a contestação<br />

ou usar de recursos. Ou seja, poderia o réu denunciante<br />

deixar de oferecer defesa 12 .<br />

Calmon de Passos, citado por Didier (2007,<br />

p. 339), entende que, não promovendo a defesa,<br />

o réu-denunciante descumpre o ônus do art. 75<br />

e, assim, perde a “possibilidade de ver seu direito<br />

declarado na sentença que lhe asseguraria o<br />

título reclamado para a execução contra o alienante<br />

ou contra o regressivamente responsável”.<br />

Ainda segundo Didier (2007), alguns<br />

doutrinadores, para dar ao inciso II do art. 75<br />

alguma serventia, extraíram tal conseqüência:<br />

o réu-denunciante que não prosseguir na defesa<br />

até o final, apesar da revelia do denunciado,<br />

perde a possibilidade de ver a sua pretensão<br />

regressiva apreciada na mesma sentença.<br />

12<br />

Nesse caso, o réu pode denunciar a lide sem contestar,<br />

porém não pode contestar e depois denunciar a lide, em<br />

face da pretensão consumativa. O réu poderá inclusive<br />

confessar a existência dos fatos trazidos pelo autor, e ainda<br />

assim requeira a denunciação. Se o magistrado acolhe<br />

o pedido, a partir do “despacho citatório do terceiro” suspende-se<br />

o processo, conforme o art. 72 do Código de Processo<br />

Civil.<br />

Não obstante, autores do quilate de<br />

Candido Rangel Dinamarco (apud DIDIER, 2007,<br />

p. 341) trouxeram argumentos contrários à interpretação<br />

literal deste inciso.<br />

Primeiramente, porque o litisdenunciado<br />

não tem a faculdade de recusar a denunciação<br />

da lide, “porque ele é réu na demanda de<br />

garantia proposta pelo denunciante e nenhum<br />

réu tem o poder de afastar por vontade e ato<br />

próprios a autoridade que o juiz exerce sobre<br />

ele no processo”.<br />

Secundariamente, porque quer o denunciado<br />

aceite a denunciação e responda à inicial,<br />

quer ele a recuse ou mesmo fique revel, sempre<br />

cumprirá ao denunciante prosseguir na defesa<br />

até final – porque esse é um ônus de toda parte<br />

em qualquer processo e também porque, ainda<br />

quando o terceiro venha efetivamente ao processo<br />

e adote comportamento diligente e atuante,<br />

nem por isso o denunciante fica dispensado<br />

de prosseguir na defesa até o final.<br />

Enfim, após ocasionar polêmicas em relação<br />

à obrigatoriedade, bem como à possibilidade<br />

de realização da lide per saltum, o art. 456<br />

do Código Civil de 2002, teria acertado em consertar<br />

o equívoco do vigente Código de Processo<br />

Civil, conforme atesta Didier (2007), não havendo<br />

mais o ônus do réu denunciante de prosseguir<br />

na sua defesa até o final, se o denunciado<br />

for revel, não implicando na perda do direito<br />

da pretensão regressiva do denunciante, examinada<br />

na mesma sentença, conforme o conteúdo<br />

do art. 76 do Diploma processual.<br />

i. A possibilidade de ocorrer a “condenação direta”<br />

do denunciado<br />

Em relação a possibilidade de “condenação<br />

direta”, Pimentel (2004, p. 165) indica<br />

que quando o juiz condena diretamente o terceiro,<br />

em face do autor do processo principal,<br />

acabará por agredir a lógica sistemática do<br />

processo, uma vez que entre o terceiro e o<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 97-108, nov. 2008


autor da ação não há relação jurídica processual,<br />

ao menos direta.<br />

Alega Pimentel (2004) que a validade de<br />

tal sentença é questionável, considerando que<br />

o alienante não é litisconsorte do denunciante,<br />

e, portanto, não integra a mesma relação processual<br />

da qual o adversário do denunciante<br />

participa, citando, inclusive precedente processual:<br />

o TRF da 5ª Região já anulou sentença que<br />

fizera o mesmo, antes da vigência do novo CC.<br />

De fato, os efeitos da coisa julgada repercutirão<br />

sobre o terceiro, uma vez este integrando<br />

a relação processual por intermédio da<br />

denunciação da lide. Não obstante, a condenação<br />

direta parece encontrar óbice nas regras<br />

processuais da relação jurídica processual travada<br />

entre o autor e o réu, e não entre o terceiro,<br />

que somente terá o dever de indenizar.<br />

No que tange especificamente à ação<br />

reivindicatória, segundo Didier (2007), que dá<br />

azo à denunciação da lide pelo réu, trata-se de<br />

demanda que tem por objetivo a entrega da<br />

coisa, que está nas mãos do réu, e não nas do<br />

alienante-denunciado. Nesse caso, Didier entende<br />

que, nessa hipótese, não poderia haver<br />

“condenação direta” do denunciado a devolver<br />

uma coisa que não está com ele.<br />

Não obstante, se o autor agregasse ao<br />

pleito reivindicatório o pedido de indenização,<br />

como os danos e os frutos colhidos e percebidos,<br />

em relação a esta parcela da demanda seria<br />

possível cogitar-se de “condenação direta”<br />

do denunciado. Didier (2007), nesse sentido,<br />

concorda que o parágrafo único do art. 456 pode<br />

servir como mais um argumento a favor daqueles<br />

que defendem a possibilidade de condenação<br />

direta do denunciado.<br />

A questão está longe de ser pacífica. Os<br />

posicionamentos jurisprudenciais se divergem.<br />

O Enunciado 29 do Conselho de Justiça<br />

Federal/ STJ, da I Jornada de Direito Civil:<br />

“a interpretação do art. 456 do novo Código<br />

Civil permite ao evicto a denunciação direta<br />

de qualquer dos responsáveis pelo vício”. Trata-se<br />

da denunciação per saltum, e de certa<br />

forma uma “condenação per saltum”, que não<br />

é o posicionamento unânime no Superior Tribunal<br />

de Justiça.<br />

Esta sim, poderia ser considerada como<br />

uma possibilidade de conferir uma certa economia<br />

processual, bem como uma possibilidade<br />

de imprimir uma certa celeridade ao procedimento,<br />

em consagração às tendências de neoprivatismo<br />

do processo civil, conferindo ao juiz<br />

maiores poderes em prol da justiça. 13<br />

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS /<br />

NOTAS CONCLUSIVAS<br />

O Código Civil de 2002, no seu art. 456,<br />

repetiu a regra do vetusto Código de 1916, em<br />

nada alterando a exigência de notificação (leiase,<br />

citação em processo judicial pela intervenção<br />

de terceiros forçada) do litígio do alienante,<br />

mantendo-se o equívoco anterior, perdendo-se<br />

uma oportunidade de atualizar a correção do ato<br />

de ciência processual ao litisdenunciado.<br />

Opta-se aqui pela não obrigatoriedade.<br />

Primeiro, porque há procedimentos que não<br />

admitem a intervenção de terceiro. Segundo,<br />

porque, ainda, que se fale em celeridade processual,<br />

não há de se falar em possibilidade de<br />

obrigatoriedade, privilegiando o direito fundamental<br />

à duração razoável do processo, uma vez<br />

que não são meras modificações processuais<br />

que irá sanar um problema complexo que é a<br />

morosidade do judiciário.<br />

Opta-se, também, por entender que a<br />

denunciação per saltum poderia configurar injustiça<br />

não apenas porque o de maior capacidade<br />

econômica responderia em detrimento<br />

dos demais responsáveis, inclusive responsá-<br />

13<br />

Nesse sentido, indica-se o ensaio de Moreira, O Neoprivatismo<br />

no Processo Civil. In:_____. Leituras Complementares<br />

de Processo Civil. 6. ed. rev. e ampl. Bahia: podivum, 2008.<br />

p. 31-42.<br />

107<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 97-108, nov. 2008


veis que tenham agido com dolo, conquanto<br />

outros poderiam ter agido de boa-fé, como<br />

também o que tivesse maior culpa poderia sair<br />

impune. Diga-se que o que alienasse o bem<br />

viciado, de boa-fé, responderia no lugar de<br />

quem o fez de má-fé.<br />

Diga-se que o Brasil possui uma realidade<br />

em que muitas pessoas mal sabem ler, e não<br />

dá para exigir total entendimento do que “sabia<br />

ou deveria saber estar errado”. Ou seja, uma<br />

pessoa adquire de um cidadão de boa-fé uma<br />

propriedade viciada, e vem a descobrir. Logo<br />

para se livrar das possíveis conseqüências, ao<br />

invés de recuperar o valor por medida judicial,<br />

repassa a coisa vendendo ao futuro evicto. O<br />

evicto denuncia a lide de maneira per saltum o<br />

vendedor de boa-fé por entender que o mesmo<br />

tinha mais recursos de lhe ressarcir, sequer<br />

tendo relação jurídica direta com o mesmo.<br />

De certo ir-se-ia recair na possibilidade<br />

de cometer graves injustiças.<br />

Quanto a possibilidade de condenação<br />

direta do denunciado, vê-se com bons<br />

olhos, uma vez que poderia vir a imprimir<br />

um mecanismo para se efetivar a duração<br />

razoável do processo, direito fundamental<br />

consagrado expressamente na Constituição<br />

Federal Brasileira.<br />

Não obstante, aguarda-se a apreciação<br />

das casas legislativas do Projeto de lei que sugere<br />

razoável modificação no teor da norma civil,<br />

no sentido de aclarar os debates, bem como<br />

corrigir as falhas que poderão ocasionar a violação<br />

do direito fundamental ao acesso a justiça.<br />

REFERÊNCIAS<br />

108<br />

CÂMARA, Alexandre. Lições de direito processual<br />

civil. 9. ed. 1 vol. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2005.<br />

DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil.<br />

8. ed. Salvador: Podivm, 2007, p. 317-343.<br />

FIUZA, Ricardo. Novo código civil comentado.<br />

São Paulo: Saraiva, 2003.<br />

GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO,<br />

Rodolfo. Novo curso de direito civil. São Paulo:<br />

Saraiva, 2005. 1 v.<br />

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio<br />

Cruz. Curso de processo civil: processo de conhecimento.<br />

6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,<br />

2007. 2 v.<br />

NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.<br />

Código de processo civil comentado e legislação<br />

extravagante. 9. ed. rev. e ampl. São Paulo:<br />

Revista dos Tribunais, 2006.<br />

PIMENTEL, Alexandre Freire. Evicção e denunciação<br />

da lide no novo código civil. In:_____.<br />

DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo.<br />

Novo código civil: questões controvertidas. São<br />

Paulo: Método, 2004. p. 149-168.<br />

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e<br />

das declarações unilaterais de vontade. 29. ed.<br />

São Paulo: Saraiva, 2003. 3 v.<br />

TARTUCE, Flávio. Direito civil: teoria geral dos<br />

contratos e contratos em espécie. 3. ed. rev. e<br />

atual. São Paulo: Método, 2008.<br />

THEODORO JR, Humberto. Curso de direito processual<br />

civil: teoria geral do direito processual civil<br />

e processo de conhecimento. 49. ed. Rio de<br />

Janeiro: Forense, 2008. p. 129-139.<br />

Sites consultados: www.stj.gov.br<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 97-108, nov. 2008


A CONTABILIDADE COMO UMA<br />

FERRAMENTA DE MENSURAÇÃO<br />

DE PROJETOS DE CRÉDITOS<br />

DE CARBONO<br />

109<br />

Marisa Luchtenberg Pagunssat<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008


110<br />

Traços, Belém, v. 10, n. 21, p.107-124, jun. 2008


A CONTABILIDADE COMO UMA FERRAMENTA DE<br />

MENSURAÇÃO DE PROJETOS DE CRÉDITOS DE CARBONO 1<br />

Marisa Luchtenberg Pagunssat*<br />

RESUMO<br />

Ao longo dos últimos anos, as atividades<br />

de pesquisa, acerca dos impactos ambientais<br />

globais, causados pelas emissões de dióxido<br />

de carbono (CO2), têm sido intensificadas. O<br />

mercado de créditos de carbono é um grande<br />

esforço na busca pela minimização desse gás,<br />

haja vista que possibilita incentivos para que<br />

os países desenvolvidos e em desenvolvimento<br />

tenham estímulo a não incorporarem em suas<br />

matrizes energéticas, fontes de energia mais<br />

propícias à emissão de CO2. Diante dessa temática,<br />

a presente pesquisa vem mensurar a atuação<br />

da contabilidade em relação aos projetos<br />

de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo,<br />

propostos pelo Protocolo de Kyoto, cujo mecanismo<br />

permitiu a formação do Mercado de Crédito<br />

de Carbono, fator de motivação econômica,<br />

que possibilita um desenvolvimento sustentável<br />

nos países em desenvolvimento. Os investimentos<br />

em tecnologias para a produção<br />

mais limpa devem ser controlados, analisados<br />

e divulgados, devido ao grande interesse de<br />

várias partes, como investidores, governo e sociedade,<br />

cuja demanda por tecnologias sustentáveis<br />

está em crescimento exponencial, mobilizando<br />

todas as áreas profissionais. A contabilidade,<br />

na sua capacidade de disponibilizar informações<br />

confiáveis, relevantes, comparáveis<br />

e imprescindíveis à tomada de decisão, tem por<br />

necessidade se preparar e adaptar-se para incorporar<br />

as informações relativas à negociação<br />

de Créditos de Carbono. Isto porque, o merca-<br />

do demonstra-se promissor, crescente e envolve<br />

grandes volumes de negociações.<br />

Palavras-chave: Impactos ambientais globais.<br />

Contabilidade. Protocolo de Kyoto. Mecanismos<br />

de Desenvolvimento Limpo (MDL). Crédito de<br />

Carbono.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

De cunho bibliográfico, a presente pesquisa<br />

procurará definir os conceitos ambientais<br />

e contábeis pertinentes à questão dos projetos<br />

de Créditos de Carbono, e apresentar o resultado<br />

ao problema apresentado: a contabilidade<br />

pode ser utilizada como uma ferramenta de mensuração<br />

de projetos de créditos de carbono?<br />

Com caráter exploratório, o estudo objetiva<br />

mensurar a atuação da contabilidade,<br />

como fonte de informações, no que tange aos<br />

projetos de Créditos de Carbono, evidenciados<br />

no Protocolo de Kyoto, tendo como objetivos<br />

específicos mensurar o mercado de créditos de<br />

carbono e verificar o tratamento contábil desses<br />

projetos.<br />

Nesse contexto, o cenário: “aquecimento<br />

global”ou “mudanças Climáticas” tem sido um<br />

tema bastante discutido no Brasil, nos últimos<br />

anos, não somente por acadêmicos e pesquisa-<br />

* Acadêmica do VII período de Ciências Contábeis da Faculdade<br />

de Rolim de Moura – FAROL.<br />

1<br />

Artigo desenvolvido e apresentado ao IX Fórum dos Estudantes<br />

de Ciências Contábeis de Rondônia, sob a orientação<br />

do Professor Especialista Emerson Boritza.<br />

111<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008


112<br />

dores, mas também pelos empresários interessados<br />

em compreender de que maneira essa<br />

questão causa impactos em seu negócio.<br />

De acordo com a definição do Protocolo<br />

de Kyoto, “Mudança do clima” significa uma<br />

mudança que possa ser direta ou indiretamente<br />

atribuída à atividade humana que altere a<br />

composição da atmosfera mundial e que se<br />

some àquela provocada pela variabilidade climática<br />

natural, observada ao longo de períodos<br />

comparáveis.<br />

Diante desse perigo, autoridades mundiais<br />

começaram a tomar atitudes para reverter<br />

essa situação. O objetivo é fazer com que os<br />

países reduzam a concentração dos gases causadores<br />

do efeito estufa (GEE), diminuindo os<br />

níveis de emissões de dióxido de carbono (CO2<br />

– principal gás do efeito estufa). Para isso, autoridades<br />

assinaram o Protocolo de Kyoto, um<br />

tratado internacional que determina metas de<br />

redução de emissões de gases e estimula o desenvolvimento<br />

de tecnologias sustentáveis.<br />

O objetivo do Protocolo é reduzir a concentração<br />

dos gases causadores do efeito estufa<br />

(GEE) na atmosfera. Para isso, os países industrializados<br />

se comprometeram a reduzir as<br />

emissões de GEE em 5,2% em relação aos níveis<br />

de 1990, durante o período de 2008 a 2012.<br />

Para os países em desenvolvimento,<br />

como o Brasil, o protocolo não prevê compromissos<br />

de reduções de GEE. O principal papel<br />

dos países em desenvolvimento é diminuir as<br />

emissões a partir de fontes limpas de energia e<br />

atuar como sumidouro de dióxido de carbono<br />

(CO2), através das florestas. No Brasil, o Protocolo<br />

de Kyoto foi ratificado em 19 de junho de<br />

2002 e sancionado pelo presidente Fernando<br />

Henrique Cardoso, em 23 de julho do mesmo<br />

ano, ficando, assim, o país não obrigado a reduzir<br />

as emissões de GEE.<br />

A participação brasileira na contribuição<br />

para a redução de GEE ocorre pelo desenvolvimento<br />

de projetos de Mecanismo de Desenvolvimento<br />

Limpo (MDL), para a redução e posterior<br />

venda de créditos, para que os países desenvolvidos<br />

possam cumprir suas metas.<br />

O MDL consta no artigo 12 do protocolo<br />

de Kyoto e permite que os países listados no<br />

anexo I cumpram suas metas, pela aquisição de<br />

crédito de carbono (C.C).<br />

Para que um projeto se encaixe dentro<br />

das regras do Mecanismo de Desenvolvimento<br />

Limpo (MDL), ele precisa ou absorver dióxido de<br />

carbono da atmosfera (no caso de reflorestamentos)<br />

ou evitar o lançamento de gases do efeito<br />

estufa (no caso de eficiência energética), e deve<br />

receber a aprovação das Nações Unidas.<br />

A relevância do assunto ocorre em função<br />

do mercado mundial de créditos de carbono,<br />

vir apresentando crescimento exponencial<br />

em seu volume. O momento é promissor e o<br />

comércio de transações deve movimentar bilhões<br />

de dólares nos próximos anos, sendo que<br />

aproveitar as oportunidades geradas e lucrar<br />

com elas, requer profissionais experimentados<br />

nas mais diversas áreas (econômica, ambiental,<br />

jurídica, contábil, relações exteriores,<br />

entre outras).<br />

A Contabilidade apresenta-se como o<br />

sistema de informações que tem como finalidade<br />

principal coletar, mensurar e evidenciar<br />

as transações, visando exercer o importante<br />

papel de veículo de comunicação entre a empresa<br />

e a sociedade. Assim, o objetivo deste<br />

artigo é apresentar a contabilidade como uma<br />

ferramenta de mensuração de projetos de créditos<br />

de carbono.<br />

Acrescenta-se que este estudo será de<br />

natureza qualitativa, tendo como base essencial<br />

a revisão bibliográfica em livros, teses, artigos,<br />

normas e sites especializados, pois pretende-se<br />

discutir os procedimentos mais adequados<br />

para o tratamento contábil, de forma a promover<br />

a harmonização ou convergência das informações<br />

das operações de créditos de carbono<br />

já iniciadas.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008


2 TEORIA DE BASE<br />

2.1 PROTOCOLO DE KYOTO<br />

O Protocolo de Kyoto foi criado em 1997,<br />

durante a Terceira Conferência das Nações Unidas<br />

sobre Mudanças Climáticas (COP 3), realizada<br />

na cidade de Kyoto, Japão. O acordo internacional<br />

foi assinado por representantes de mais<br />

de 160 países como complemento à Conferência<br />

das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e<br />

Desenvolvimento – ECO 92, realizada em 1992,<br />

na cidade do Rio de Janeiro.<br />

O Protocolo tem como missão alcançar<br />

a estabilização da concentração de gases na atmosfera,<br />

reduzindo sua interferência no clima<br />

e, portanto, contribuindo para a sustentabilidade<br />

do planeta (ARAÚJO, 2008, p. 14).<br />

Por visar atingir a estabilização dos gases<br />

na atmosfera, o Protocolo classificou os países<br />

em: ANEXO I: em que foram relacionados os países<br />

desenvolvidos, historicamente poluentes,<br />

que precisam abater as emissões de gases de<br />

efeito estufa, nele estão: EUA, Japão, União Européia,<br />

Outros Países da Organização para a Cooperação<br />

e o Desenvolvimento Econômico (OCDE),<br />

Europa Ocidental e ex-União Soviética; ANEXO<br />

II: onde estão os países em desenvolvimento,<br />

nele estão os países exportadores de energia:<br />

China, Índia, Economias dinâmicas da Ásia, Brasil<br />

e o resto do mundo (ARAÚJO, 2008, p. 12).<br />

Como a emissão dos gases poluentes é<br />

mais intensa nos países industrializados, o Protocolo<br />

de Kyoto propõe um calendário pelo qual<br />

os países desenvolvidos/industrializados têm a<br />

obrigação de reduzir a quantidade de gases poluentes<br />

em, pelo menos, 5,2% (cinco vírgula<br />

dois por cento) até 2012, em relação aos níveis<br />

de 1990. Os países que assinaram o protocolo<br />

terão que colocar em prática planos para reduzir<br />

a emissão desses gases, sendo o primeiro<br />

período de implementação entre 2008 e 2012,<br />

consoante disposição a seguir:<br />

Art. 3.1. As Partes incluídas no Anexo I<br />

devem, individual ou conjuntamente, assegurar<br />

que suas emissões antrópicas<br />

agregadas, expressas em dióxido de carbono<br />

equivalente, dos gases de efeito<br />

estufa listados no Anexo A não excedam<br />

suas quantidades atribuídas, calculadas<br />

em conformidade com seus compromissos<br />

quantificados de limitação e redução<br />

de emissões descritos no Anexo B e<br />

de acordo com as disposições deste Artigo,<br />

com vistas a reduzir suas emissões<br />

totais desses gases em pelo menos 5<br />

por cento abaixo dos níveis de 1990 no<br />

período de compromisso de 2008 a 2012.<br />

Para a redução das emissões, o Protocolo<br />

de Kyoto determina que os países estabeleçam<br />

programas de redução dentro de seus territórios,<br />

mas oferece também mecanismos de flexibilização<br />

para reduzir custos das iniciativas controle<br />

emissões dos Gases de Efeito Estufa - GEEs.<br />

Os três mecanismos previstos são conhecidos<br />

como Implementação Conjunta (IC), Mecanismos<br />

de Desenvolvimento Limpo (MDL) e Comércio<br />

de Emissões (CE) (ARAÚJO, 2006, p. 18).<br />

A participação brasileira na contribuição<br />

para a redução de GEE ocorre pelo desenvolvimento<br />

de projetos de Mecanismo de Desenvolvimento<br />

Limpo (MDL), para a redução e posterior<br />

venda de créditos, para que os países desenvolvidos<br />

possam cumprir suas metas.<br />

2.2 MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO<br />

LIMPO (MDL)<br />

O Protocolo de Kyoto, firmado em 1997,<br />

com o objetivo incentivar o desenvolvimento<br />

econômico sustentável veio firmar compromisso<br />

entre as partes envolvidas para o desenvolvimento<br />

de tecnologias mais limpas, reduzindo<br />

as emissões de gases poluentes. O Mecanismo<br />

de Desenvolvimento Limpo (MDL) é uma das<br />

formas de redução propostas pelo acordo.<br />

113<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008


114<br />

Segundo Barbieri (2006, p. 17):<br />

O Mecanismo envolve o desenvolvimento<br />

e a implantação de projetos<br />

para redução de emissões e eliminação<br />

de GEEs nos países em desenvolvimento,<br />

os quais poderão ser financiados<br />

pelos países desenvolvidos em<br />

troca de créditos para serem abatidos<br />

dos seus compromissos de redução de<br />

em iss õ es.<br />

Alguns requisitos, definidos pelo Protocolo<br />

de Kyoto, são exigidos para que os projetos<br />

sejam considerados como MDL:<br />

a) Participação voluntária das Partes envolvidas.<br />

b) Benefícios relacionados com a mudança do<br />

clima que sejam reais, mensuráveis e de longo<br />

prazo.<br />

c) Redução de emissões adicionais às que, na ausência<br />

do projeto, ocorreriam naturalmente.<br />

Conforme ressalta Ribeiro (2005), o objetivo<br />

principal do MDL é gerar recursos para<br />

que os países em desenvolvimento implantem<br />

tecnologias de recuperação e preservação ambientais,<br />

e colaborar com os países desenvolvidos<br />

para que estes alcancem as metas de reduções<br />

de emissões.<br />

art. 12.<br />

1. Fica definido um mecanismo de desenvolvimento<br />

limpo.<br />

2. O objetivo do mecanismo de desenvolvimento<br />

limpo deve ser assistir às<br />

Partes não incluídas no Anexo I para<br />

que atinjam o desenvolvimento sustentável<br />

e contribuam para o objetivo<br />

final da Convenção, e assistir às Partes<br />

incluídas no Anexo I para que cumpram<br />

seus compromissos quantificados<br />

de limitação e redução de emissões,<br />

assumidos no Artigo 3.<br />

3. Sob o mecanismo de desenvolvimento<br />

limpo: (a) As Partes não incluídas no<br />

Anexo I beneficiar-se-ão de atividades<br />

de projetos que resultem em reduções<br />

certificadas de emissões; e, (b) As Partes<br />

incluídas no Anexo I podem utilizar<br />

as reduções certificadas de emissões,<br />

resultantes de tais atividades de projetos,<br />

para contribuir com o cumprimento<br />

de parte de seus compromissos<br />

quantificados de limitação e redução<br />

de emissões, assumidos no Artigo 3,<br />

como determinado pela Conferência<br />

das Partes na qualidade de reunião<br />

das Partes deste Protocolo.<br />

Os projetos de MDL geram diversos benefícios,<br />

pois, além de colaborarem na redução<br />

de emissões dos Gases Efeito Estufa (GEE), promovem<br />

o desenvolvimento sustentável no país<br />

hospedeiro do projeto e geram créditos do “direito”<br />

de poluir, que podem ser comercializados.<br />

As organizações têm visto este tipo de projeto<br />

como um investimento muito promissor, pois<br />

o mercado dos créditos de carbono tem crescido<br />

bastante, além de ser um fator de competitividade,<br />

isto porque a preservação ambiental tem sido<br />

bastante valorada pela sociedade moderna.<br />

2.2.1 Implementação e geração dos créditos<br />

Para serem validados, existem basicamente<br />

duas modalidades de projetos de MDL<br />

considerados elegíveis perante as regras do Protocolo<br />

de Kyoto:<br />

a) Projetos Florestais: as atividades que visam<br />

à remoção de CO da atmosfera e estão relacionados<br />

ao uso da terra, e referem-se aos<br />

projetos florestais. As áreas elegíveis, à luz<br />

do Protocolo de Kyoto, para florestamento e<br />

reflorestamento devem comprovar que não<br />

apresentavam cobertura florestal até o anoreferência<br />

de 1989.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008


) Projetos Não-Florestais: são projetos cujas<br />

atividades objetivam a redução da emissão<br />

de gases do efeito estufa. Para essa modalidade,<br />

o Protocolo relaciona os setores e<br />

as categorias para potenciais projetos de<br />

MDL:<br />

b.1) Setor de energia: queima de combustível<br />

(setor energético, indústria de transformação<br />

e construção, transporte, outros) e<br />

emissões fugitivas de combustíveis (combustíveis<br />

sólidos, petróleo e gás natural,<br />

outros);<br />

b.2) Setor de processos: industriais (mineradoras,<br />

químicas, de metais, produção e consumo<br />

de halocarbonos e hexafluereto de<br />

enxofre);<br />

b.3) Setor agrícola: fermentação entérica, cultivo<br />

de arroz, manejo do solo, queimadas e<br />

queima de resíduos agrícolas e outros;<br />

b.4) Setor de resíduos: disposição em aterros,<br />

tratamento de esgoto, incineração de resíduos,<br />

outros.<br />

Para serem reconhecidos, os projetos<br />

MDL´s devem demonstrar sua eficiência em reduzir<br />

as emissões antrópicas quesito assim exigido.<br />

O artigo 12º do Protocolo de Kyoto menciona:<br />

(a) Participação voluntária aprovada por Parte<br />

envolvida;<br />

(b) Benefícios reais, mensuráveis e de longo<br />

prazo relacionados com a mitigação da mudança<br />

do clima; e<br />

(c) Reduções de emissões que sejam adicionais<br />

às que ocorreriam na ausência da atividade<br />

certificada de projeto.<br />

Para que isso seja comprovado e os projetos<br />

certificados, eles devem passar por uma<br />

série de etapas de validação e certificação.<br />

Em um primeiro momento, deve-se elaborar<br />

o Documento de Concepção do Projeto –<br />

DCP, que fica sob responsabilidade dos participantes<br />

do projeto. Deve conter a atividade do<br />

projeto; os participantes; a metodologia da linha<br />

de base, isto é, a metodologia para cálculo da<br />

quantidade de carbono evitada ou seqüestrada,<br />

dependendo do projeto; definição da duração do<br />

projeto e do período de obtenção dos créditos;<br />

plano de monitoramento; impactos ambientais<br />

e comentários dos participantes.<br />

O segundo passo é a validação do projeto,<br />

que no Brasil é realizada por Entidades Operacionais<br />

Designadas (EOD). A EOD verificará se<br />

o DCP contempla as exigências do Protocolo e<br />

caracteriza-se MDL. Após todo esse processo,<br />

cabe a aprovação pela Autoridade Nacional Designada<br />

(AND), que no caso do Brasil é a Comissão<br />

Interministerial de Mudança Global do Clima<br />

(CIMGC), que analisa a contribuição do projeto<br />

para o desenvolvimento sustentável, baseando-se<br />

em cinco critérios básicos: distribuição<br />

de renda, sustentabilidade ambiental local;<br />

desenvolvimento das condições de trabalho e<br />

geração líquida de emprego, capacitação e desenvolvimento<br />

tecnológico; integração regional;<br />

e articulação com outros setores.<br />

Após a validação pela Autoridade Nacional<br />

Designada (AND), deve-se solicitar o registro<br />

junto ao Conselho Executivo da Convenção-Quadro<br />

das Nações Unidas sobre Mudança<br />

do Clima, que analisará a metodologia, a adicionalidade<br />

do projeto para efetuar o registro.<br />

Uma vez aceito, o projeto passa para a fase de<br />

monitoramento.<br />

O monitoramento deverá ser feito pelo<br />

participante do projeto, onde deverá calcular<br />

as reduções de emissões, como uma diferença<br />

entre as emissões monitoradas de fato e as linhas<br />

de base de emissões. O resultado deve<br />

ser resumido em um relatório de monitoramento,<br />

que será verificado pela Entidade Operacional<br />

Designada (EOD). Esta procederá à revisão<br />

dos resultados monitorados e do sistema de<br />

coletas de dados relacionados à redução de<br />

emissões; das práticas estabelecidas e da pre-<br />

115<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008


116<br />

cisão dos dados levantados, bem como do equipamento<br />

de monitoramento; do sistema de<br />

gestão no qual se baseia o relatório de reduções<br />

de emissões, além de realizar entrevistas<br />

com os participantes e atores dos projetos.<br />

Segundo Barbieri (2006, p. 24), “baseada<br />

em uma verificação bem-sucedida, a entidade<br />

operacional determinará a quantidade de<br />

Reduções Certificadas de Emissão a ser encaminhada<br />

ao Conselho Executivo para a documentação<br />

dos créditos certificados”.<br />

As Reduções Certificadas de Emissões<br />

(RCE´s), que são vistas como “permissões” para<br />

emissão de GEE´s, podem ser comercializadas com<br />

países que não alcançaram as metas de reduções.<br />

Esse mecanismo interessa muito ao Brasil,<br />

pois permite a certificação de projetos de<br />

redução de emissões brasileiras e a posterior<br />

venda desses certificados aos países desenvolvidos,<br />

como modo suplementar ao cumprimento<br />

das metas desses países de redução da emissão<br />

de gases (ARAÚJO 2008, p.25).<br />

2.3 CRÉDITOS DE CARBONO<br />

Os Créditos de Carbono são certificados<br />

que autorizam o “direito de poluir”. As agências<br />

de proteção ambiental reguladoras emitem certificados,<br />

autorizando emissões de toneladas de<br />

dióxido de enxofre, monóxido de carbono e<br />

outros gases poluentes. Inicialmente, selecionam-se<br />

indústrias que mais poluem no país e, a<br />

partir daí, são estabelecidas metas para a redução<br />

de suas emissões. As empresas recebem<br />

créditos negociáveis na proporção de suas responsabilidades,<br />

sendo que cada crédito de carbono<br />

equivale a uma tonelada de poluentes.<br />

Segundo Araújo (2006, p. 29), “A quantificação<br />

é feita com base em cálculos que demonstram<br />

a quantidade de dióxido de carbono<br />

a ser removida ou a quantidade de gases do efeito<br />

estufa que deixará de ser lançada na atmosfera<br />

com a efetivação de um projeto”.<br />

Quem não cumpre as metas de redução<br />

progressiva, estabelecidas por lei, tem de comprar<br />

certificados das empresas mais bem sucedidas.<br />

Esses certificados podem ser comercializados<br />

de várias formas, inclusive nas Bolsas de<br />

Valores e de Mercadorias.<br />

Art. 17 - A Conferência das Partes deve<br />

definir os princípios, as modalidades,<br />

regras e diretrizes apropriados, em<br />

particular para verificação, elaboração<br />

de relatórios e prestação de contas do<br />

comércio de emissões. As Partes incluídas<br />

no Anexo B podem participar<br />

do comércio de emissões com o objetivo<br />

de cumprir os compromissos assumidos<br />

sob o Artigo 3. Tal comércio<br />

deve ser suplementar às ações domésticas<br />

com vistas a atender os compromissos<br />

quantificados de limitação e<br />

redução de emissões, assumidos sob<br />

esse Artigo.<br />

O mercado de créditos de carbono ou<br />

mercado de carbono é o termo popular, utilizado<br />

para denominar os sistemas de negociação<br />

de unidades de redução de emissões de gases<br />

de efeito estufa (GEEs).<br />

A troca de créditos de cotas entre países<br />

desenvolvidos que estabelecem limite ao<br />

“direito de poluir”, pode ser transformada em<br />

títulos comercializáveis em mercados de balcão<br />

(contratos de gaveta) ou em mercados organizados<br />

(Bolsas, Interbancários, Intergovernamentais<br />

etc).<br />

O mercado de carbono funciona sob as<br />

regras do Protocolo de Kyoto, onde, a comercialização<br />

de emissões de gases do efeito estufa<br />

é feita em bolsas (exchanges), onde os países<br />

desenvolvidos, que devem cumprir compromissos<br />

de redução da emissão desses gases, compram<br />

Créditos de Carbono de países em desenvolvimento.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008


Bolsas de Carbono<br />

a) CCX - Bolsa do Clima de Chicago.<br />

b) CCFE - Chicago Climate Exchange Futures<br />

- Subsidiária da CCX.<br />

c) ECX - Bolsa do Clima Européia.<br />

d) NordPoll (Oslo)<br />

e) EXAA - Bolsa de Energia da Áustria.<br />

f) BM&F - Bolsa de Mercadorias e Fundos -<br />

Por enquanto somente trabalha com o leilão<br />

de créditos de carbono.<br />

g) New Values/Climex (Alemanha).<br />

h) Vertis Environmental Finance (Budapeste).<br />

i) Bluenext - Antiga Powernext (Paris).<br />

Bolsa formada no ano passado pela bolsa<br />

de valores internacional NYSE Euronext e<br />

pelo Banco Público Francês Caisse des<br />

Depots, após a compra das atividades de<br />

carbono da Powernext.<br />

j) MCX - Multi-Commodity Exchange (Índia)<br />

- Maior bolsa de commodities da Índia.<br />

Lançou em 21 de janeiro de 2008 contratos<br />

futuros para a negociação de RCEs (Reduções<br />

Certificadas de Emissão) com tamanho<br />

mínimo de 200 toneladas de CO2e.<br />

Em 2007, o valor do mercado global de<br />

carbono cresceu 80%, alcançando 40 bilhões de<br />

euros (equivalente a 59 bilhões de doláres),<br />

segundo um relatório da Point Carbon 2 . A empresa<br />

atribuiu esse crescimento aos novos participantes<br />

do mercado e ao reforço dos limites<br />

sobre as emissões para o segundo período de<br />

compromisso do Esquema de Comércio de Emissões<br />

ETS (2008-2012) na União Européia. O MDL<br />

foi avaliado pela Point Carbon em 12 bilhões de<br />

euros em 2007, com probabilidade de crescimento<br />

na demanda por esses certificados em<br />

2008, devido a maior procura por projetos que,<br />

antes, pareciam muito arriscados.<br />

2<br />

Site internacional relacionado à comercialização de certificados<br />

de carbono (http://www.pointcarbon.com).<br />

Atualmente, a tonelada de carbono dos<br />

projetos de MDL é vendida em torno de 8,00 euros<br />

a 18,00 euros para projetos que obedeçam<br />

todas as premissas do Protocolo de Kyoto. Entretanto,<br />

outras alternativas de comercialização de<br />

caráter volutário se apresentam, com regras mais<br />

flexíveis, como a Chigaco Climate Exchange- Bolsa<br />

do clima de Chigago (CCX). Em nota publicada<br />

no site carbonobrasil de 18/09/2008, os preços<br />

para tonelada de créditos voluntários apresentou<br />

alta de 26% com uma média de preço de 6,3<br />

doláres, sendo que em 2007 os mesmo créditos<br />

estavam avaliados em 5 doláres.<br />

2.4 CONTABILIDADE<br />

A Contabilidade é uma ferramenta de<br />

gestão e tem como principal função subsidiar a<br />

tomada de decisões. Seu objeto de estudo é o<br />

patrimônio das entidades, consistindo este no<br />

conjunto de bens, direitos e obrigações e ter<br />

por finalidade controlar os fenômenos ocorridos<br />

no patrimônio da entidade.<br />

De acordo com Franco (2006, p. 19):<br />

A função da contabilidade é registrar,<br />

classificar, demonstrar, auditar e analisar<br />

todos os fenômenos que ocorrem<br />

no patrimônio das entidades, objetivando<br />

fornecer informações, interpretações<br />

e orientações sobre a composição<br />

e as variações desse patrimônio,<br />

para a tomada de decisões de seus administradores.<br />

A Contabilidade surgiu a partir da necessidade<br />

de se criar sistemas para o controle<br />

patrimonial. Segundo Lopes de Sá (2002, p. 21):<br />

Há mais de 20.000 anos, no Paleolítico<br />

Superior, quando era ainda primitiva a<br />

civiliação, mas já havia a industria de<br />

instrumentos, como forma de uso de<br />

uma inteligência já desenvolvida, sur-<br />

117<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008


118<br />

giram as observações do homem em<br />

relação a suas provisões que eram sua<br />

riqueza patrimonial.<br />

Percebe-se que, desde tempos remotos,<br />

a Contabilidade é usada para registro e controle<br />

dos fatos patrimoniais.<br />

De acordo com Marion (2004, p. 26):<br />

A Contabilidade é o instrumento que<br />

fornece o máximo de informações úteis<br />

para a tomada de decisões dentro e<br />

fora da empresa. Ela é muito antiga e<br />

sempre existiu para auxiliar as pessoas<br />

a tomarem decisões. Com o passar<br />

do tempo, o governo começa a utilizarse<br />

dela para arrecadar impostos e a<br />

torna obrigatória para a maioria das<br />

em presas.<br />

A Contabilidade é mantida para gerar<br />

informações fidedignas e oportunas para os diversos<br />

tipos de interesses. Vale ressaltar que<br />

os objetivos da Contabilidade são essencialmente<br />

pragmáticos:<br />

1. Fornecer informações que sejam<br />

úteis para investidores e credores<br />

atuais e em potencial, bem como<br />

para outros usuários que a utilizem<br />

para tomada de decisões. As informações<br />

devem ser compreensíveis<br />

aos que possuem uma noção razoável<br />

dos negócios e estejam dispostos<br />

a estudar essas informações;<br />

2. A divulgação financeira deve proporcionar<br />

informações aos usuários<br />

sobre o volume e a incerteza dos<br />

fluxos de caixa referentes a juros e<br />

dividendos e resgate de empresários<br />

(SANTOS et al, 2003, p. 62).<br />

Além de informações financeiras, previstas<br />

legalmente, as finalidades gerenciais da<br />

informação contábil auxiliam no Planejamento<br />

e no Controle. Tais informações precisam ser<br />

revestidas de alguns atributos indispensáveis,<br />

dentre eles: confiabilidade, tempestividade,<br />

compreensibilidade e comparabilidade.<br />

A Contabilidade apresenta-se desta forma<br />

como um sistema de informações que tem<br />

como finalidade principal coletar, mensurar e<br />

evidenciar as transações, visando exercer o importante<br />

papel de veículo de comunicação entre<br />

a empresa e a sociedade.<br />

2.5 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL<br />

A sustentabilidade ambiental tem se<br />

tornado um fator de competitividade. A sociedade<br />

tem se preocupado cada vez mais com o<br />

meio ambiente. A partir da premissa de que os<br />

recursos são escassos e a preservação é a melhor<br />

forma de garantir a sobrevivência do planeta,<br />

as organizações estão sendo obrigadas a<br />

colaborar com a responsabilidade social, implementando<br />

novas técnicas de produção.<br />

A conciliação entre crescimento econômico<br />

e preservação ambiental, denominado<br />

desenvolvimento sustentável, ocorre por meio<br />

de investimentos em tecnologias de produção<br />

mais limpa.<br />

Em seu livro Gestão ambiental, Seiffert<br />

(2007, p.22) conceitua:<br />

1. Crescimento: relaciona-se à expansão<br />

da escala das dimensões físicas<br />

do sistema econômico, ou expansão<br />

da escala de produção;<br />

2. Desenvolvimento: significa um estágio<br />

econômico, social e político<br />

de determinada comunidade, no<br />

qual é caracterizado por altos índices<br />

de rendimentos dos fatores de<br />

produção, ou seja, pelos recursos<br />

naturais, o capital e o trabalho;<br />

3. Sustentável: possui dos significados,<br />

o primeiro é estático, que significa<br />

“impedir que caia, suportar,<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008


apoiar, conservar, manter e proteger”,<br />

e o segundo é dinâmico e positivo<br />

significa “favorecer, auxiliar,<br />

estimular,incitar e instigar”.<br />

O gerenciamento ecológico, além de<br />

trazer benefícios sociais, passa a ser uma questão<br />

de competitividade. Assim, o desenvolvimento<br />

sustentável constitui-se: “na adoção de<br />

um padrão de desenvolvimento requerido<br />

para obter a satisfação duradoura das necessidades<br />

humanas, com qualidade de<br />

vida”(SEIFFERT. 2007 p.23).<br />

Dessa forma, organizações que investem<br />

em tecnologia mais limpa pela alta administraçes<br />

e por administradores e produtosatravossa<br />

dispor no desenvolvimento de seus neg<br />

visam à melhoria da imagem tanto da empresa<br />

quanto de seus produtos. Portanto, a questão<br />

ambiental deve ser analisada como um fator<br />

estratégico pela alta administração.<br />

Os investimentos em projetos MDL caracterizam-se<br />

como um controle ambiental, pois<br />

visam à redução de poluições e a eliminação de<br />

gases efeito estufa como, por exemplo, o dióxido<br />

de carbono.<br />

Diante do exposto, percebe-se a relevância<br />

da Contabilidade no contexto organizacional,<br />

onde ela atua como um sistema organizado<br />

com a finalidade de gerar informações confiáveis<br />

às partes interessadas. Investimentos em<br />

projetos MDL merecem destaque na mensuração<br />

contábil, pois, dentre as várias interferências<br />

patrimoniais, eles podem gerar lucros financeiros,<br />

mediante da comercialização da redução<br />

de emissões.<br />

2.6 CONTABILIDADE AMBIENTAL<br />

A contabilidade ambiental tem crescido<br />

em importância dentro das organizações, visto<br />

que a questão do meio ambiente passou a<br />

ser discutida no meio econômico, social e político<br />

do mundo inteiro; seu desenvolvimento é<br />

resultado da necessidade de oferecer informações<br />

adequadas às características de uma gestão<br />

ambiental.<br />

A ciência contábil, como um mecanismo<br />

organizado para gerar informações necessárias<br />

a tomada de decisão, tem desenvolvido<br />

metodologias para identificar, monitorar e informar<br />

aspectos ambientais. A razão disso é que<br />

o mercado, sempre competitivo, necessita conhecer<br />

a organização como um todo, e a contabilidade<br />

é o meio mais adequado para gerar e<br />

fornecer as informações adequadas.<br />

A Contabilidade provoca benefícios potenciais<br />

à industria e à sociedade, entre<br />

outros: identifica, estima, aloca, administra<br />

e reduzem os custos, particularmente<br />

os ambientais; permite o uso<br />

mais eficiente de recursos naturais, incluindo<br />

a energia e a água; fornece informações<br />

para a tomada de decisão,<br />

melhorando a política pública (TINO-<br />

CO; KRAEMER, 2004, p. 12).<br />

A experiência e a invovação são fundamentais<br />

para a criação de um sitema contábil<br />

para a sustentabilidade. Rob Gray, um dos mais<br />

importantes autores especializados em Contabilidade<br />

Ambiental, frisa: “Sob o ponto de vista<br />

humano, ético e profissional, o contador é acometido<br />

de um interresse público e de melhoria<br />

da crise ecológica e a sobrevivência da espécie<br />

humana pode falhar naquele interesse” (FER-<br />

REIRA, 2007, p. 68).<br />

Um conceito admitido a Contabilidade<br />

Ambiental é de ser uma nova base e um novo<br />

sistema de reconhecimento e mensuração de<br />

custos, incluinco as extremidades (FERREIRA,<br />

2007, p. 74).<br />

O papel da contabilidade, diante desse<br />

processo, é apresentar informações, por meio<br />

de relatórios, que encorajem a empresa a caminhar<br />

em direção à sustentabilidade e tam-<br />

119<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008


120<br />

bém inibir resultados que possam afetar negativamente<br />

o meio ambiente.Esse relátorios<br />

devem incluir:<br />

a) Análise de custo-beneficio, representado o<br />

meio ambiente em termos monetários.<br />

b) Relatorios ambientais que procurem relatar<br />

as políticas ou desempenho da empresa<br />

onde dispertem o interrese de seus funcionários<br />

para essas questõs.<br />

c) As informações contábeis devem ser apresentadas<br />

de maneira amigável e compreensível<br />

para tomada de decisões.<br />

d) Aspectos legais e governamentais são um<br />

importante direcionador das ações das empresas,<br />

no sentido de emplementar uma política<br />

ambiental.<br />

e) Tornar o desenvolvimento sustentável o<br />

centro das atenções dos gerentes.<br />

f) Avaliar qual melhor estratégia para atender<br />

as questões ambientais na empresa.<br />

Portanto, fica evidente que a contabilidade<br />

precisa atentar-se às questões atuais e<br />

utilizar de seu mecanismo para trazer benefícios<br />

à organização. A mensuração contábil dos<br />

investimentos, gastos e custos ambientais afeta<br />

diretamente a imagem da organização, perante<br />

o mercado.<br />

2.7 CONTABILIDADE UMA FERRAMENTA DE<br />

MENSURAÇÃO DE PROJETOS DE CRÉDITOS<br />

DE CARBONO<br />

De acordo com o protocolo de Kyoto e<br />

com a decisão para a redução dos GEE, ocorre<br />

uma implicação contábil, por causa das conseqüências<br />

financeiras. Assim, direitos e obrigações<br />

deveriam constar no balanço patrimonial,<br />

pois os custos e as receitas das emissões relativas<br />

às negociações de emissões ou dos contratos<br />

existentes de projetos de GEE, deveriam ser<br />

registrados pela contabilidade.<br />

O objetivo da contabilidade é fornecer<br />

informações aos seus usuários sobre a situação<br />

financeira e econômica da entidade para a tomada<br />

de decisão, considerando que os projetos<br />

de MDL e, conseqüentemente, as operações<br />

com créditos de carbono interferem com a situação<br />

econômica e financeira de uma entidade,<br />

e que a contabilidade existe para atender ao<br />

seu objetivo, é necessário o reconhecimento<br />

contábil dos créditos de carbono.<br />

2.7.1 Contabilização dos Créditos de Carbono<br />

Observa-se que os valores das operações<br />

com créditos de carbono são significativos e que<br />

estes devem ser contabilizados. Porém, faltam<br />

instruções de como contabilizar essas operações<br />

e em qual momento de reconhecer os créditos de<br />

carbono na contabilidade das empresas que estão<br />

desenvolvendo projetos de MDL. Contudo,<br />

mesmo sem normas quanto à contabilização dos<br />

créditos de carbono, as operações entre as empresas<br />

estão ocorrendo, o que requer registros<br />

contábeis. Nesse momento, é que as dúvidas<br />

quanto como contabilizar e tributar as operações<br />

com créditos de carbono e qual o melhor momento<br />

para reconhecê-lo na contabilidade aparecem.<br />

Alguns estudos foram realizados e aparecem<br />

opiniões adversas sobre como enquadrar<br />

os créditos de carbono, alguns autores consideram<br />

como um ativo intangível, outros como estoques.<br />

Em outras situações, autores enquadram<br />

os créditos de carbono como derivativos<br />

e há opiniões divergentes em relação ao melhor<br />

momento para reconhecer a receita deles<br />

decorrentes. Existe ainda a possibilidade de ter<br />

relação com o ativo diferido ou o passivo.<br />

Quanto ao enquadramento no ativo, Ribeiro<br />

(2005, p. 58) esclarece que:<br />

[...] os créditos de carbono têm<br />

todas as características para enquadramento<br />

como Ativos, uma vez que repre-<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008


sentam benefícios econômicos futuros<br />

que influenciarão o fluxo de caixa na<br />

medida em que contribuam para a adequação<br />

da empresa às metas do Protocolo<br />

de Quioto, e têm origem em eventos<br />

ocorridos no passado, que é o momento<br />

em que foram negociados.<br />

Bito (2006, p. 83), em seu artigo: Tratamento<br />

contábil dos projetos de mecanismo de<br />

desenvolvimento limpo – MDL no Brasil - um<br />

estudo exploratório, considera os créditos de<br />

carbono um ativo intangível mesmo sem ser classificado<br />

no ativo permanente. O autor menciona<br />

que “o direito de Crédito de Carbono de uma<br />

empresa que tem o projeto de redução ou seqüestro<br />

de carbono pode ser considerado um<br />

intangível mesmo sem caráter permanente, por<br />

não ter essa característica, visto que a intenção<br />

dessas empresas é comercializar esses direitos”.<br />

Com base na teoria contábil, os créditos<br />

de carbono podem ser perfeitamente considerados<br />

um ativo intangível classificado no ativo<br />

circulante ou realizável a longo prazo (dependendo<br />

do prazo que a venda se efetivará), por<br />

ter a finalidade de venda pela entidade que está<br />

desenvolvendo o projeto de MDL. Porém, os<br />

contadores procuram limitar a classificação de<br />

intangível para bens do ativo permanente, não<br />

destinados à venda, principalmente em decorrência<br />

de imposições legais.<br />

Dessa forma, então, os créditos de carbono<br />

deveriam ser contabilizados como um ativo<br />

intangível pelo seu valor de custo de aquisição,<br />

que são todos os gastos com a implantação<br />

do projeto até a sua fase final.<br />

Ferreira (2007, p. 108) recomenda que<br />

os investimentos com a realização do projeto<br />

sejam reconhecidos como gastos pré-operacionais<br />

no Ativo Diferido; e após o final do projeto<br />

deve ser transferido o total para o Ativo Permanente<br />

- Tecnologia de Limpeza.<br />

Ainda sobre o posicionamento de Ferreira<br />

(2007, p. 108), a contabilização dos créditos<br />

de carbono no grupo estoques e que<br />

todos os gastos após a aprovação do projeto<br />

pela ONU (registro no conselho executivo) até<br />

a emissão das RCEs, sejam contabilizados no<br />

grupo de estoques. A contabilização deve<br />

ocorrer na conta “Seqüestro de Carbono em<br />

Andamento”, antes da emissão dos títulos, e<br />

após a sua emissão em “Seqüestro de Carbono<br />

Certificado”. Quando forem emitidas as<br />

reduções certificadas de emissões, os estoques<br />

devem ser reconhecidos pelo valor realizável<br />

líquido (valor justo), por ocasião da<br />

emissão dos certificados de carbono. A autora<br />

ressalta: “Essa contabilização se dá por similaridade<br />

ao processo produtivo.”<br />

Já com relação à venda do certificado,<br />

Ferreira (2007, p 108) sugere que a baixa deve<br />

ser pelo valor de custo do serviço de seqüestro<br />

e a receita pelo valor da venda do título, e suas<br />

classificações seriam nas contas: Receita de Venda<br />

de Certificados de Reduções de Emissões e<br />

Custo do Serviço de Seqüestro de Carbono.<br />

Já de acordo com Nascimento e Tasso,<br />

em artigo Protocolo de Quioto- Análise dos Aspectos<br />

do Mercado de Carbono: em primeiro<br />

momento as operações concernentes ao mercado<br />

de carbono por natureza deverão ser classificadas<br />

no ativo permanente, podendo chamá-los<br />

de “investimentos ambientais”; num<br />

segundo momento, essas quotas podem ser<br />

adquiridas com o intuito apenas de venda no<br />

mercado de ações. Nesse caso, seriam classificadas<br />

no ativo circulando, como “ investimentos<br />

temporários ambientais”<br />

Ainda, seguindo a linha de Nascimento<br />

e Tasso, as empresas que adquirirem para investimentos<br />

temporários, os resultados serão<br />

levados ao resultado, porém não deve ser classificado<br />

como receita ambiental. Já às que adquirem<br />

para investimentos, devido à necessidade<br />

de quotas para utilizar na produção, deverão<br />

baixar os investimentos à medida que estes<br />

forem utilizados em sua atividade.<br />

121<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008


122<br />

Bito (2006) recomenda que os créditos<br />

de carbono sejam reconhecidos na contabilidade<br />

das empresas que estão desenvolvendo os<br />

projetos do MDL, antes mesmo de sua venda<br />

efetiva. Há a sugestão do reconhecimento no<br />

ativo no final da produção, ou seja, quando efetivamente<br />

ocorre a redução dos GEE, que pode<br />

ser no momento da fase de monitoramento.<br />

Nesse caso, a entidade estaria valorizando o<br />

ativo, tendo em contrapartida um ganho no resultado.<br />

A outra forma recomendada por Bito<br />

(2006) seria reconhecer a receita antes da transferência<br />

por valoração dos estoques, o que deixaria<br />

o ativo, o resultado e o patrimônio líquido<br />

adequados.<br />

Na Lei 11.638, de 28 de dezembro de<br />

2007, art. 182, § 3º, consta o que deve ser contabilizado<br />

na conta de ajustes de avaliação patrimonial,<br />

classificada no patrimônio líquido:<br />

Serão classificadas como ajustes de<br />

avaliação patrimonial, enquanto não<br />

computadas no resultado do exercício<br />

em obediência ao regime de competência,<br />

as contrapartidas de aumentos ou<br />

diminuições de valor atribuído a elementos<br />

do ativo(§ 5º do art. 177, inciso I<br />

do caput do art. 183 e § 3º do art. 226<br />

desta Lei) e do passivo, em decorrência<br />

da sua avaliação a preço de mercado.<br />

Quanto à constituição de um passivo,<br />

perante as empresas dos países em desenvolvimento,<br />

é preciso analisar as condições contratuais<br />

que foram realizadas. Caso uma empresa<br />

implantar um projeto de MDL, em que não<br />

tenha um comprador definido, o passivo não<br />

deve ser reconhecido, visto que o Brasil e, conseqüentemente,<br />

as empresas não possuem<br />

obrigatoriedade de redução (RIBEIRO, 2005).<br />

Quando ocorre uma venda antecipada dos créditos<br />

de carbono, ou seja, a empresa desenvolvedora<br />

do projeto de MDL recebe valores monetários,<br />

antes mesmo da emissão das RCEs<br />

pelo conselho executivo, é recomendado por<br />

Pereira e Nossa (2005, p. 13) que se faça um registro<br />

contábil em adiamento de clientes.<br />

As empresas envolvidas no MDL, especialmente<br />

as comprometidas com as metas de redução<br />

de emissão, têm por obrigação prestar contas<br />

sobre seu desempenho, devem entregar aos<br />

órgãos competentes a quantia de créditos de<br />

carbono equivalente ao montante que excedeu<br />

suas cotas. A emissão de GEEs é o fato gerador do<br />

passivo e, assim, devem ser reconhecidos.<br />

Quanto ao reconhecimento da receita<br />

com os créditos de carbono, Pereira e Nossa<br />

(2005, p. 13) afirmam que:<br />

Emitida a certificação, é possível o reconhecimento<br />

da receita oriunda da<br />

venda de créditos de carbono, uma vez<br />

que as condições necessárias para<br />

esse fim são atendidas, quais sejam:<br />

a realização de todo ou quase todo o<br />

esforço seja feita para gerar a receita;<br />

os custos e as despesas ou as deduções<br />

da receita em que se incorre para<br />

obtenção do CER sejam conhecidos; e<br />

seja possível a validação econômica<br />

pelo mercado, dada a redução das incertezas<br />

quanto à obtenção do CER.<br />

A proposição de Pereira e Nossa (2005)<br />

é contrária a de Ferreira (2007, p. 10),que recomendam<br />

que as receitas dos créditos de carbono<br />

sejam reconhecidas no momento em que<br />

ocorrem a venda das RCEs, por ser o ponto onde<br />

a maior parte das incertezas quanto ao fluxo de<br />

serviços está resolvidas.<br />

Pereira e Nossa (2005) afirmam que é<br />

possível o reconhecimento da receita, após a<br />

emissão das reduções certificadas de emissões<br />

(RCEs) ou certificados de emissões reduzidas<br />

(CERs) pelo conselho executivo do MDL, ou seja,<br />

quando todas as fases do projeto estiverem concluídas.<br />

Desse modo, o ativo da entidade estaria<br />

reconhecido adequadamente.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008


Depreende-se que há opiniões divergentes<br />

em relação ao tratamento contábil dos<br />

créditos de carbono, visto que não há normas<br />

contábeis sobre o assunto.<br />

3 SÍNTESE DOS RESULTADOS<br />

Durante a pesquisa bibliográfica, os resultados<br />

encontrados acerca dos objetivos proposto<br />

ao estudo foram sancionados. A contabilidade<br />

de fato é a ferramenta recomendada<br />

para a mensuração dos créditos de carbono, pois<br />

em sua essência os créditos de carbono têm ligação<br />

direta com o patrimônio da empresa e,<br />

assim, devem ser evidenciados em relatórios,<br />

sendo devidamente mensurados.<br />

Acerca do tratamento contábil desses<br />

Créditos de Carbono, as informações são discrepantes<br />

quanto à forma de registro, mas devese<br />

levar em consideração o prestígio no meio<br />

contábil de Ferreira, que destaca os Créditos de<br />

Carbono, passando pelo diferido, no momento<br />

da implantação do projeto, e depois ao estoque<br />

da empresa, ficando, dessa forma, até o<br />

momento da venda.<br />

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Diante das informações coletadas e<br />

apresentadas, verifica-se que, no mundo globalizado<br />

e competitivo, a informação contábil<br />

tem sido de grande valia, pois permite conhecer<br />

a situação sócio-econômica da organização.<br />

Os projetos de Mecanismo Desenvolvimento<br />

Limpo (MDL) interferem diretamente no<br />

patrimônio das organizações, pois geram créditos<br />

comercializáveis e estes merecem o devido<br />

tratamento contábil. Porém, tais projetos não<br />

se limitam aos créditos. Eles agregam valor à<br />

organização, isso porque o investimento em<br />

projetos ambientais têm sido bem vistos no<br />

mercado mundial.<br />

Os projetos de Créditos de Carbono deverão<br />

ser muito bem elaborados, detalhados e<br />

auditados de forma a garantir os certificados. A<br />

implantação deverá ser permanentemente<br />

monitorada e gerar relatórios de desempenho<br />

que subsidiarão sua certificação<br />

O papel da contabilidade, portanto, na<br />

implantação e controle de projetos de Créditos<br />

de Carbono é gerar relatórios e demonstrativos,<br />

mensurando os investimentos no projeto,<br />

pois estes exercem influência direta na tomada<br />

de decisões.<br />

A pesquisa identificou o tratamento contábil<br />

que está sendo aplicado nas operações<br />

com créditos de carbono no Brasil; e apresenta<br />

opiniões divergentes, referente ao tratamento<br />

a ser aplicado nessas operações. Alguns pesquisadores<br />

consideram os créditos de carbono<br />

como ativo intangível; e têm empresas que<br />

classificam os créditos de carbono como estoques<br />

da entidade.<br />

Também foi verificado que há opiniões<br />

diferentes em relação ao melhor momento para<br />

reconhecimento das receitas. Alguns autores<br />

acreditam que o melhor momento seria na<br />

emissão das CERs pelo conselho executivo do<br />

MDL; outros já acreditam que deveria ser no<br />

ato do pagamento da venda por parte do comprador<br />

(regime de caixa). Entretanto, todos os<br />

pesquisadores concordam que a falta de reconhecimento<br />

do crédito de carbono nas demonstrações<br />

contábeis, no momento em que a<br />

entidade passa a ter direito pelas reduções de<br />

emissões, distorce a informação contábil.<br />

Com base na pesquisa realizada, conclui-se<br />

que ainda não há uma uniformidade<br />

de entendimento sobre a contabilização, esse<br />

fato justifica-se por não existir, ainda, legislações<br />

e normas contábeis sobre créditos de<br />

carbono. Os resultados obtidos na pesquisa indicam<br />

que o assunto precisa ser amplamente<br />

discutido, visto que há opiniões e práticas, distintas<br />

em relação ao tratamento contábil nas<br />

operações com créditos de carbono, sendo que<br />

123<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008


esses tratamentos deveriam ser regulamentados<br />

pelos órgãos contábeis e pelo governo.<br />

De maneira geral, percebe-se que o assunto<br />

merece ser desenvolvido e discutido. A<br />

contabilidade precisa acompanhar o desenvolvimento<br />

e adaptar-se às questões que influenciam<br />

na competitividade e continuidade das<br />

organizações para, dessa forma, trazer uniformidade<br />

e maior esclarecimento à questão contábil<br />

acerca do tema.<br />

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124<br />

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:


126


AGENDA 21 GLOBAL:<br />

um estudo acadêmico sobre<br />

a importância das Ciências<br />

Contábeis para o desenvolvimento<br />

sustentável<br />

127<br />

Edgar de Lima Silva<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008


128


AGENDA 21 GLOBAL:<br />

um estudo acadêmico sobre a importância das Ciências<br />

Contábeis para o desenvolvimento sustentável<br />

Edgar de Lima Silva*<br />

RESUMO<br />

O estudo visa promover um ‘apanhado’ qualitativo<br />

de atividades acadêmicas de alunos concluintes<br />

do curso de Ciências Contábeis a partir<br />

de Estudos de Casos sobre a Agenda 21 Global.<br />

O estudo revela a qualidade das pesquisas na<br />

disciplina de Contabilidade Ambiental. Os temas<br />

desenvolvidos nos estudos foram: Poluição<br />

Urbana, Lixo, Feiras Livres, Aquecimento<br />

Global, Florestas, Água, Legislação Ambiental e<br />

Contabilidade Ambiental. Nos seminários, os<br />

temas foram bem explorados pelas equipes,<br />

suscitando debates interessantes. A partir de<br />

discussões, os alunos puderam ter mais noção<br />

sobre a importância da disciplina, do Desenvolvimento<br />

Sustentável e da Agenda 21 Global,<br />

sempre relacionados com os temas. As situações<br />

cases discutidas tiveram como foco as diferentes<br />

atividades empresariais, considerando<br />

suas relações ambientais e sociais. Por fim, a<br />

comunidade acadêmica envolvida foi avaliada<br />

e, mostrando-se preocupada com o futuro Planeta<br />

Terra, apresentou propostas sobre o que<br />

se pode fazer para os benefícios que as futuras<br />

gerações poderão ter.<br />

Palavras-chave: Agenda 21 Global. Desenvolvimento<br />

Sustentável. Contabilidade Ambiental.<br />

Meio Ambiente. Estudo de Caso. Atividades<br />

Acadêmicas.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

As possibilidades que dão oportunidades<br />

do acesso ao Ensino Superior, no Brasil, têm<br />

gerado discussões entre as mais diferentes áreas<br />

de conhecimentos científicos na sociedade.<br />

A mídia, por sua vez, tem procurado dar<br />

ênfase ao assunto e questiona a capacidade dos<br />

governos em garantir o ensino para todos. Por<br />

outro lado, os setores relacionados à educação,<br />

principalmente, as Instituições de Ensino Superior<br />

– IES procuram se manter atentas para recuperar<br />

essa falha e oferecer cursos superiores,<br />

visando à formação crítica do cidadão. Entretanto,<br />

levando-se em consideração os diferentes<br />

momentos vividos pela educação brasileira, há<br />

de se colocar em jogo a qualidade oferecida por<br />

algumas IES em determinados cursos, fato comprovado<br />

pelo Ministério da Educação – MEC a<br />

partir de resultados obtidos nos exames nacionais.<br />

Realidade que serve como alerta às IES, e<br />

aos estudantes que pretendem realizar um curso<br />

superior.<br />

*<br />

Mestre em Controladoria e Contabilidade pela FEA/USP;<br />

Doutorando em Gestão de Empresas – UAA,; Professor a<br />

UFPA e UNAMA; Diretor da Faculdade de Ciências Contábeis<br />

da UFPA;Pesquisador em Contabilidade Ambiental.<br />

129<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008


130<br />

O cenário atual aponta para a necessidade<br />

de mudanças nos segmentos empresariais para<br />

ajustes frente à nova ordem social e ambiental.<br />

Nessa perspectiva, os Sistemas de Gestão Ambiental<br />

– SGA representam, para a empresa, alternativas<br />

pela busca da qualidade, além da origem<br />

bem definida da matéria-prima. Os clientes estão<br />

cada vez mais informados e predispostos a comprar<br />

e usar produtos que respeitem o ambiente<br />

(TINOCO e KRAEMER, 2004), reservando às empresas<br />

a condição de competitividade.<br />

Nesse sentido, desde os momentos iniciais<br />

de sua preparação como cidadão e profissional,<br />

cabe-lhe o empenho para agregar conhecimentos<br />

sobre os cenários econômicos e, é com<br />

esse propósito que as atividades desenvolvidas<br />

em sala de aula sobre diferentes casos, voltados<br />

para a Agenda 21 Global e o futuro da humanidade,<br />

foram pesquisadas, desenvolvidas e apresentadas<br />

pelos alunos em forma de seminários.<br />

Desse modo, as pesquisas realizadas permitiram<br />

que as discussões sobre os Estudos de<br />

Casos, envolvendo empresas que têm atividades<br />

relacionadas ao meio ambiente, fossem apresentadas<br />

pelos esses estudantes que demonstraram<br />

conhecimentos científicos e, principalmente, conscientizações,<br />

acerca das questões ambientais.<br />

Num futuro próximo, quando esses estudantes<br />

chegarem ao mercado de trabalho,<br />

poderão orientar seus clientes e empresas para<br />

que a partir das atividades operacionais as práticas<br />

ambientais sejam levadas a uma redução<br />

de gastos (TINOCO e KRAEMER, 2004) que dê<br />

melhoria nos resultados e, dessa forma, atender<br />

ao pressuposto básico da contabilidade<br />

como ciência social.<br />

2 MARCO TEÓRICO<br />

2.1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL<br />

A comunidade internacional passou a<br />

refletir sobre o assunto com a finalidade de alcançar<br />

uma conclusão pessoal (LAKATOS e MAR-<br />

CONI, 1992), a partir desse envolvimento, visando<br />

o destino da humanidade foi definido o<br />

conceito de Desenvolvimento Sustentável “que<br />

procura satisfazer as necessidades da geração<br />

atual, sem comprometer a capacidade das gerações<br />

futuras de satisfazerem as suas próprias<br />

necessidades” (CMMAD, 1987). Durante a Conferência<br />

Rio 92 foi concebida a Agenda 21 Global,<br />

comprometida com a mudança da matriz<br />

de desenvolvimento no século XXI.<br />

O Ministério do Meio Ambiente – MMA<br />

(2008) destaca que além do documento em si,<br />

a Agenda 21 Global é um processo de planejamento<br />

participativo que resulta na análise da<br />

situação atual dos atores envolvidos e planeja<br />

o futuro de forma sustentável. Esse processo<br />

deve envolver toda a sociedade na discussão<br />

dos principais problemas e na formação de<br />

parcerias e compromissos para a sua solução a<br />

curto, médio e longo prazos. A análise do cenário<br />

atual e o encaminhamento das propostas<br />

para o futuro devem ser realizadas dentro<br />

de uma abordagem integrada e sistêmica das<br />

dimensões econômica, social, ambiental e político-institucional<br />

da localidade. Em outras<br />

palavras, o esforço de planejar o futuro, com<br />

base nos princípios da Agenda 21 Global, gera<br />

inserção social e oportunidades para que as<br />

sociedades e os governos possam definir prioridades<br />

nas políticas públicas.<br />

É importante destacar que a Rio 92 foi<br />

orientada para o desenvolvimento, e que a<br />

Agenda 21 Global é uma Agenda de Desenvolvimento<br />

Sustentável, onde, evidentemente,<br />

o meio ambiente é uma consideração de primeira<br />

ordem. O enfoque desse processo de<br />

planejamento apresentado com o nome de<br />

Agenda 21 Global não é restrito às questões<br />

ligadas à preservação e conservação da natureza,<br />

sim a uma proposta que rompe com o desenvolvimento<br />

dominante, onde predomina o<br />

econômico, dando lugar à sustentabilidade<br />

ampliada, que une a Agenda Ambiental e a<br />

Agenda Social, ao enunciar a indissociabilida-<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008


de entre os fatores sociais e ambientais e a<br />

necessidade de que a degradação do meio<br />

ambiente seja enfrentada,<br />

juntamente com o problema mundial da<br />

pobreza. Enfim, a Agenda 21 Global considera,<br />

dentre outras, questões estratégicas ligadas à<br />

geração de emprego e renda; à diminuição das<br />

disparidades regionais e inter-pessoais de renda;<br />

às mudanças nos padrões de produção e consumo;<br />

à construção de cidades sustentáveis e à<br />

adoção de novos modelos e instrumentos de<br />

gestão, espaço que a Contabilidade pode dar<br />

valiosa contribuição.<br />

Essa concepção processual e gradativa<br />

da validação do conceito implica assumir que<br />

os princípios e as premissas que devem orientar<br />

a Agenda 21 Global não constituem um rol<br />

completo e acabado: torná-la realidade é antes<br />

de tudo um processo social, no qual, todos os<br />

envolvidos vão pactuando paulatinamente novos<br />

consensos e montando uma Agenda possível,<br />

rumo ao futuro que se deseja sustentável.<br />

2.2 AGENDA 21 GLOBAL<br />

A Agenda 21 Global foi concebida a partir<br />

de um plano de ação para ser adotado global,<br />

nacional e localmente, por organizações do sistema<br />

das Nações Unidas, governos e pela sociedade<br />

civil, em todas as áreas em que a ação<br />

humana impacta o meio ambiente. Constituise<br />

na mais abrangente tentativa já realizada de<br />

orientar para um novo padrão de desenvolvimento<br />

para o século XXI, cujo alicerce é a sinergia<br />

da sustentabilidade ambiental, social e econômica,<br />

perpassando em todas as suas ações<br />

propostas. (www.mma.gov.br).<br />

A Agenda 21 Global contém 40 capítulos<br />

e foi construída a partir de consenso dos países<br />

participantes, com a contribuição de governos<br />

e instituições da sociedade civil de 179 países,<br />

em um processo que durou dois anos e culminou<br />

com a realização da Conferência das Nações<br />

Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento<br />

– CNUMAD, no Rio de Janeiro, em 1992,<br />

também conhecida por Rio 92.<br />

Diante de iniciativas tão necessárias<br />

como esta, a cada dia vem se fortalecendo os<br />

debates acerca das questões ambientais. A partir<br />

dessa conscientização, a sociedade tem tido<br />

olhos, ouvido e voz para manifestar preocupações<br />

sobre a forma como o Planeta Terra vem<br />

sendo tratado, rejeitando ações de empreendimentos<br />

que, em suas atividades operacionais,<br />

agridam o meio ambiente sem retorno compensatório<br />

ao mal causado.<br />

Por outro lado, o valor da empresa já não<br />

pode ser mensurado apenas pelo seu patrimônio<br />

constituído, mas, sobretudo, ela deve incorporar<br />

um capital intangível que será significativo<br />

para sua continuidade (SILVA, 2003a).<br />

Nesse sentido, uma empresa tida como nociva<br />

ao meio ambiente, de acordo com os padrões<br />

internacionais de qualidade, não terá espaço<br />

competitivo, diante do conceito que vem sendo<br />

concebido pela sociedade atual.<br />

No Brasil, as questões inerentes ao meio<br />

ambiente ganham maior dimensão social e política,<br />

na medida em que, pelas particularidades<br />

apresentadas em suas riquezas, espalhadas<br />

em todas as regiões, especialmente, a amazônica<br />

dão ao país um fôlego de sustentabilidade<br />

natural, diferente daqueles países que não contam<br />

com esse mesmo privilégio. Entretanto,<br />

essa situação coloca o Brasil entre os países com<br />

maior visibilidade para os eventuais danos ambientais.<br />

Nesse particular, a Contabilidade, enquanto<br />

ciência abre uma vertente para estudos<br />

relacionados ao meio ambiente, pois é por meio<br />

de relatórios e conceitos que se deverá chegar<br />

a ponto de entender que os controles dos gastos<br />

e uso dos recursos poderão ser mais bem<br />

aprimorados com adoção de sistemas (SILVA,<br />

2003a) para garantir que gerações futuras possam<br />

continuar tendo os mesmos benefícios que<br />

se tem hoje (SILVA, 2003b).<br />

Isso considerando que estes são<br />

abrangentes e usados para designar ações<br />

131<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008


132<br />

ambientais em espaços geográficos específicos<br />

de recursos naturais e, portanto, constitui-se<br />

em um instrumento de gestão (SIL-<br />

VA, 2003b) que possibilitam a organização de<br />

qualquer dimensão, visando controlar o impacto<br />

operacional no ambiente (TINOCO e<br />

KRAEMER, 2004), portanto, demanda o planejamento<br />

das atividades para a eliminação<br />

ou minimização dos impactos ao meio ambiente<br />

e a Agenda 21 Global vem dar mais consistência<br />

a essa realidade.<br />

Por conta de uma realidade, onde o<br />

meio ambiente representa uma prioridade<br />

mundial, conforme bem definido na Agenda 21<br />

Global, não se vê espaço para a exclusão de qualquer<br />

segmento, e sim a evolução dos diferentes<br />

cenários que devem adaptar-se a cada dia<br />

com realidades que venham trazer benefícios<br />

ao meio ambiente.<br />

2.3 EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA CONTÁBIL<br />

A história da contabilidade se confunde<br />

com a própria história do homem. Em trabalhos<br />

arqueológicos foram encontrados vestígios<br />

que remetem a existência de sistemas<br />

contábeis já na pré-história, mais precisamente<br />

durante o período Mesolítico (SCHMIDT,<br />

1996), cujo período está compreendido entre<br />

10.000 e 5.000 anos a.C. Ainda, segundo Schmidt,<br />

(1996), esse achado foi caracterizado como<br />

pré-histórico pelo fato de situar-se antes do<br />

aparecimento da escrita. Em outra abordagem,<br />

o autor relata que em sítios arqueológicos do<br />

Oriente Próximo foram encontrados materiais<br />

utilizados por civilizações pré-históricas que<br />

caracterizaram um sistema contábil, utilizado<br />

entre 8.000 e 3.000 a.C., constituído de pequenas<br />

fichas de barro.<br />

A partir de 1494, com a publicação do<br />

Frei Luca Pacioli, sobre um sistema de codificação<br />

(HENDRIKSEN e BREDA, 1999), surgia uma<br />

nova metodologia científica, denominada como<br />

o Método das Partidas Dobradas – MPD. Essa<br />

obra representa uma importante contribuição<br />

para o avanço da Ciência Contábil, uma vez que<br />

traz um eficiente recurso para quantificar a evolução<br />

patrimonial (IUDÍCIBUS, 2000).<br />

Ao passar por vários momentos da história,<br />

a Contabilidade vem apresentando constantes<br />

modificações evolutivas e chega aos dias<br />

atuais com perspectivas de abrir espaços para a<br />

concentração de novas vertentes de estudos,<br />

permitindo aos diferentes usuários uma informação<br />

mais apropriada.<br />

Nesse particular, a vertente Contabilidade<br />

Ambiental tem seu propósito voltado a<br />

estudos acerca de fenômenos patrimoniais<br />

que, numa eventualidade operacional, possa<br />

afetar o patrimônio natural ou ambiental. Destacam<br />

Hendriksen e Breda (1999) que se Pacioli<br />

estivesse vendo esses acontecimentos se<br />

sentiria muito confortável com os sistemas<br />

contábeis existentes, e chamam atenção sobre<br />

os vários instrumentos financeiros disponíveis,<br />

capazes de gerar benefícios consideráveis<br />

na informação.<br />

Portanto, a contabilidade financeira representa<br />

a base para que os estudos ambientais<br />

sejam desenvolvidos a contento, na medida em<br />

que os efeitos econômicos imputados ao patrimônio<br />

devem ser bem interpretados para que a<br />

informação seja útil na tomada de decisão.<br />

Por seguir a linha da história da evolução<br />

contábil, o meio ambiente oferece grandes<br />

desafios para as diferentes ciências e, na Contabilidade,<br />

existem estudos que estão em busca<br />

do desenvolvimento de metodologias que<br />

venham possibilitar maior acompanhamento do<br />

patrimônio natural, cuja realidade, é a abundância<br />

dos recursos classificados como bens livres<br />

(DONAIRE,1999), configurando-se como atrativo<br />

para uma exploração sem limite, fato já constatado<br />

e que tem despertado interesses sociais<br />

e das ciências que introduzem mecanismos de<br />

controle sobre o uso dos destes.<br />

Segundo Maimon (1992 apud DONAIRE,<br />

1999) destaca que “Adam Smith considera os re-<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008


cursos naturais como importante pré-requisito no<br />

processo de desenvolvimento”, significando que<br />

seja qual for a seqüência que a ciência tome, o<br />

meio ambiente não pode deixar de ser desconsiderado<br />

em seus estudos e, dessa forma, abre espaço<br />

para que acadêmicos possam se envolver na<br />

questão e mostrar suas experiências por meio de<br />

exposições em sala de aula, possibilitando, assim,<br />

o compartilhamento das atividades.<br />

2.3.1 Contabilidade Ambiental<br />

A Contabilidade tem modificado a maneira<br />

de informar, adotando sistemas que<br />

melhor se adapte à realidade dos usuários,<br />

uma vez que “a dinâmica e a complexidade<br />

da economia e da política mundial têm sofrido<br />

profundas alterações ao longo do tempo”<br />

(RIBEIRO, 1998), exigindo, dessa forma, uma<br />

contextualização compatível, dando lugar<br />

para a vertente Contabilidade Ambiental. Sua<br />

proposta vem atender a necessidade específica<br />

que possibilite a quantificação da riqueza<br />

patrimonial, sem perder de vista o relacionamento<br />

que a entidade tem com o meio<br />

ambiente, decorrente de suas atividades<br />

operacionais.<br />

Se essa é uma questão que passa pela<br />

gestão das entidades, as decisões devem fluir a<br />

um ponto que leve a empresa ao aperfeiçoamento<br />

de seus produtos e serviços, dando à<br />

administração uma visão holística dos fatores<br />

que circundam sua atividade, sem perder de<br />

vista a realidade patrimonial do empreendimento,<br />

em que a Lei das Sociedades por Ações<br />

e suas alterações definem que a empresa deverá<br />

buscar seus objetivos operacionais, sem<br />

perder de vista a maneira de demonstrar sua<br />

riqueza patrimonial.<br />

Nesse sentido, as empresas podem levantar<br />

a sua realidade patrimonial, utilizando<br />

a Contabilidade Ambiental, sem perder de vista<br />

a estrutura patrimonial, definida em lei, ao<br />

ponto de se saber sobre sua realidade operacional<br />

frente às questões ambientais. Sobretudo,<br />

deve-se entender que investimentos<br />

prévios para a preservação evitam problemas<br />

futuros e são, quase sempre, menores que<br />

podem resultar, a médios e longos prazos,<br />

menos risco à continuidade da entidade (DO-<br />

NAIRE, 1999).<br />

Diante das dificuldades que a empresa<br />

possa encontrar, o ponto falho relacionado com<br />

exploração desordenada de recursos decorrentes<br />

de atividades econômicas causa sérios prejuízos,<br />

de modo sistêmico e, em muitos casos,<br />

gerando passivo ambiental para a empresa, a<br />

ponto de comprometer sua continuidade.<br />

Os danos causados ao meio ambiente<br />

podem ser sentidos, desde a crescente ocorrência<br />

de fenômenos naturais às resultantes<br />

de processos operacionais das empresas. Ainda<br />

assim, gera certa falta de preocupação sobre<br />

a urgência necessária de preservação por<br />

parte das nações, em particular aquelas tidas<br />

como desenvolvidas que, por sinal, são as que<br />

mais agridem o meio ambiente, fato que a<br />

Agenda 21 Global institui como um dos parâmetros<br />

para adotar procedimentos relacionados<br />

à sustentabilidade, sabendo-se que as diferentes<br />

economias mundiais têm suas realidades<br />

assentadas nas atividades desenvolvidas<br />

pelas empresas.<br />

Os quarenta capítulos da Agenda 21 Global<br />

representam o resultado de um amplo debate,<br />

onde aponta para um cenário relacionado<br />

ao Século XXI; contemplam os diferentes setores<br />

sociais e produtivos, no sentido de encontrar<br />

mecanismos para estabelecer o nível de<br />

equilíbrio do desenvolvimento, sem prejuízo<br />

para o ecossistema, portanto, sustentável.<br />

A Contabilidade Ambiental representa<br />

as possibilidades de novos estudos, desenvolvidos<br />

por estudiosos, na tentativa de estabelecer<br />

uma interação de diferentes ciências para<br />

facilitar na identificação, mensuração, registro,<br />

demonstração e análise dos fatos ambientais,<br />

portanto, representa um grande desafio.<br />

133<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008


134<br />

2.3.2 Ciência Contábil: a questão ambiental<br />

em foco<br />

As ciências vêm em apoio ao manejo<br />

prudente do meio ambiente e desenvolvimento<br />

para a sobrevivência diária e o futuro da humanidade.<br />

Elas<br />

podem proporcionar os conhecimentos<br />

por meio de pesquisas, aprofundadas dos processos<br />

ambientais, e por meio da aplicação dos<br />

instrumentos modernos e eficientes de que se<br />

dispõe, portanto, devem continuar desempenhando<br />

um papel cada vez mais importante no<br />

aumento da eficiência do aproveitamento dos<br />

recursos e na descoberta de novas práticas, recursos<br />

e alternativas de desenvolvimento, conforme<br />

estabelecido na Agenda 21 Global.<br />

Nesse sentido, a Agenda 21 Global, em seu<br />

Capítulo 35, destaca que “devem-se aplicar os conhecimentos<br />

científicos para articular e apoiar as<br />

metas de desenvolvimento sustentável por meio<br />

da avaliação científica da situação atual e das perspectivas<br />

futuras do sistema Terra”.<br />

Diante das ameaças, prevê a Agenda 21<br />

Global, em seu Capítulo 35, sobre danos ambientais<br />

irreversíveis, a falta de conhecimentos científicos<br />

não deve ser desculpa para postergar a<br />

adoção de medidas que se justifiquem por si<br />

mesmas. A abordagem da precaução pode oferecer<br />

uma base para políticas relativas aos sistemas<br />

complexos que ainda não são plenamente<br />

compreendidos e cujas conseqüências de perturbações<br />

não podem, ainda, ser previstas.<br />

Desse modo, o desenvolvimento de<br />

ações que busquem conscientizar as pessoas sobre<br />

a realidade ambiental, representa uma maneira<br />

para utilizar o poder de determinada Ciência<br />

em oferecer subsídios às mudanças necessárias.<br />

Nessa linha de raciocínio que o presente<br />

estudo foi desenvolvido a partir de informações<br />

obtidas em atividades acadêmicas de<br />

sala de aula, dando aos alunos de Ciências Contábeis,<br />

em fase de conclusão de curso, tarefas<br />

de pesquisas sobre as atividades empresariais,<br />

visando conhecer suas realidades com os estudos<br />

de casos acerca de Sistemas de Gestão Ambiental<br />

– SGA, onde a vertente Contabilidade<br />

Ambiental possa oferecer os instrumentos de<br />

controle sobre as diferentes questões relacionadas<br />

ao meio ambiente.<br />

Diante da experiência e, considerando a<br />

grande qualidade das pesquisas apresentadas<br />

durante os seminários e, ainda, as contribuições<br />

dadas pelos alunos que passaram a demonstraram<br />

maior conscientização acerca desse cenário<br />

ambiental, optou-se pelo aproveitamento das<br />

informações para socializar com a comunidade<br />

contábil brasileira, visto que o Capítulo 35, da<br />

Agenda 21 Global, trata exatamente sobre “a ciência<br />

para o desenvolvimento sustentável” e,<br />

entende-se que a Contabilidade não pode se furtar<br />

ao direito científico de manter debates sobre<br />

as questões inerentes ao meio ambiente e, principalmente,<br />

do desenvolvimento sustentável.<br />

3 MARCO METODOLÓGICO DA PESQUISA<br />

Para o desenvolvimento das pesquisas<br />

utilizou-se como parâmetro o total de alunos do<br />

curso de Ciências Contábeis de uma Instituição de<br />

Ensino Superior – IES, a qual tem registrado em<br />

sua matrícula um total de 925 alunos, divididos<br />

em 22 turmas de primeiro ao oitavo semestre.<br />

A partir da população estudada e, levando<br />

em consideração as particularidades da<br />

Matriz Curricular do Projeto Pedagógico da IES<br />

que contempla a disciplina específica sobre<br />

questões ambientais, aplicada aos alunos do<br />

sétimo semestre, foi possível a aproximação<br />

do mundo real e se tirar subsídios para discussões<br />

em sala de aula. Assim, foram envolvidos<br />

cerca de 209 alunos, ou seja, aproximadamente<br />

23% da população total e 100% da<br />

população de alunos matriculados para desenvolver<br />

as atividades.<br />

No desenvolvimento das atividades foram<br />

formadas equipes para trabalhar com diferentes<br />

temas, como: Poluição Urbana, Lixo, Fei-<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008


as Livres, Aquecimento Global, Florestas, Água,<br />

Legislação Ambiental, Contabilidade Ambiental.<br />

As atividades tiveram como foco a<br />

Agenda 21 Global e foram desenvolvidas durante<br />

o período de agosto de 2007 a março de<br />

2008, possibilitando discussões com enfoques<br />

na função social da contabilidade em relação<br />

às questões relacionadas à Agenda 21 Global e<br />

o desenvolvimento sustentável, conforme os<br />

estudos de casos que foram desenvolvidos a<br />

partir de pesquisas junto às empresas.<br />

4 RESULTADOS DA PESQUISA: análise qualitativa<br />

dos cases<br />

Com o desenvolvimento das atividades,<br />

as equipes foram avaliadas em suas performances<br />

pelo professor que pode tirar conclusões<br />

acerca dos cases discutidos, verificando<br />

a qualidade das produções, que possibilitou<br />

a análise qualitativa dos dados levantados<br />

durante as pesquisas, conforme apresentadas<br />

nos Quadros 1 e 2.<br />

135<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008


136<br />

Atividade/Caso Abordagem Reflexos Discussões Conclusões<br />

As discussões possibilitaram<br />

novo posicionamento<br />

de parte dos alunos.<br />

Os casos possibilitaram a<br />

fixação do aprendizado.<br />

As turmas refletiram e demonstraram<br />

interesse pelo<br />

assunto.<br />

Poluição Urbana Estudos sobre os diferentes<br />

tipos de poluição.<br />

Conscientização dos<br />

alunos sobre a necessidade<br />

do tratamento adequado<br />

ao lixo.<br />

Reflexão do papel que cada<br />

cidadão com essa causa.<br />

Os prejuízos que trazem ao<br />

meio ambiente.<br />

Lixo Visão sobre conceito de resíduos<br />

gerados.<br />

Mais cuidados com os alimentos<br />

e a necessidade de<br />

adoção de políticas públicas<br />

fiscalizadoras.<br />

Feirantes que não têm conhecimento<br />

e compromissos<br />

com a realidade ambiental.<br />

Identificação das origens e<br />

forma de comercializar os<br />

alimentos.<br />

Feiras Livres Visitas em algumas feiras<br />

para análise da realidade<br />

dessas atividades.<br />

O Planeta está em perigo<br />

e a humanidade<br />

necessita tomar providências<br />

para salvá-lo.<br />

Necessidades das empresas<br />

melhorem sua realidade operacional.<br />

Os alunos conheceram mais<br />

a realidade sobre o aquecimento<br />

global.<br />

Aquecimento Global Estudo da realidade sobre o<br />

futuro do Planeta Terra.<br />

Mais envolvimento da<br />

sociedade e governo<br />

para coibir o uso desordenado<br />

das florestas. A<br />

Contabilidade pode auxiliar<br />

nesse processo.<br />

Plano de manejos como alternativa<br />

de melhoria da realidade<br />

florestal.<br />

Os recursos florestais podem<br />

levar ao esgotamento e falta<br />

para gerações futuras.<br />

Florestas Os diferentes tipos de florestas<br />

e o uso dos recursos.<br />

Mudança de comportamentos<br />

em cada cidadão.<br />

O quê se pode fazer para a<br />

melhoria do cenário.<br />

A escassez desse recurso e o<br />

comprometimento para as futuras<br />

gerações.<br />

Água A disponibilidade de água<br />

para consumo é de menos de<br />

1%. Uso inadequado pela população.<br />

Necessidade de mais fiscalização<br />

por parte dos<br />

órgãos competentes e sociedade.<br />

Os tipos de legislações existentes<br />

e sua aplicabilidade.<br />

Instrumentos de sanções para<br />

coibir ou punir atividades inadequadas<br />

ao meio ambiente.<br />

Legislação Ambiental As legislações para coibir<br />

ações inadequadas das empresas.<br />

Quadro 1 – Análise das Pesquisas: Cases.<br />

Fonte: Cases: Trabalhos de Pesquisa, 2008.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008


Atividade/Caso Abordagem Reflexos Discussões Conclusões<br />

deverá ter o profissional<br />

para orientar as empresas.<br />

Gerais<br />

O contador pode orientar as empresas<br />

sobre a importância desses<br />

componentes patrimoniais.<br />

Influência do aprendizado na<br />

atividade profissional do<br />

Contabilista.<br />

Ativos são itens que devem<br />

considerados de forma segregada<br />

aos demais.<br />

Contabilidade Ambiental<br />

Conhecimento novo que<br />

deve ser adotado pelas<br />

IES e orientação aos profissionais<br />

para introduzir<br />

mudanças nas empresas.<br />

Aprendizado sobre as formas<br />

de adoção de procedimentos<br />

para o incremento de caixa.<br />

Benefícios a partir do incremento<br />

de caixa pelas vendas<br />

de subprodutos pela empresa.<br />

Receitas Ambientais com a<br />

possibilidade de reaproveitamento<br />

de resíduos para<br />

transformação em subprodutos<br />

e a realidade do CO 2<br />

.<br />

Ampliação das literaturas<br />

mais específicas sobre<br />

a Contabilidade Ambiental.<br />

Como tratar a questão dos sumidouros<br />

de gás carbônico.<br />

Os alunos entenderam a importância<br />

da adoção de medidas<br />

para identificação dos<br />

custos ambientais no processo<br />

produtivo.<br />

Custos Ambientais como condição<br />

estratégica para a empresa.<br />

Reconhecimento pela sociedade<br />

em decorrência<br />

ações positivas de empresas<br />

em relação às questões<br />

ambientais, fato que<br />

poderá ter participação<br />

direta do profissional da<br />

contabilidade.<br />

Como os profissionais da área<br />

contábil devem passar orientações<br />

aos seus clientes sobre<br />

essa realidade.<br />

Constituição de provisão propicia<br />

à empresa manter uma<br />

imagem positiva perante a sociedade<br />

em relação ao meio<br />

ambiente.<br />

Passivos Ambientais em função<br />

de riscos ambientais decorrentes<br />

das atividades operacionais<br />

da empresa.<br />

Como deverão ser passadas<br />

as orientações de prevenção<br />

ambiental às empresas pelos<br />

profissionais da contabilidade.<br />

A incidência do resultado sobre<br />

o patrimônio líquido da empresa.<br />

Despesas Ambientais ocorreram<br />

na perspectiva de obter<br />

receitas, numa relação direta<br />

com o meio ambiente.<br />

Quanto à preocupação que<br />

Quadro 2 – Reflexos Patrimoniais: análise dos Cases.<br />

Fonte: Cases: Trabalhos de Pesquisa, 2008.<br />

137<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008


138<br />

Nessa perspectiva, da realidade acadêmica<br />

em que foi dado aos estudantes oportunidade<br />

de interação com a ciência, obteve-se as<br />

contribuições acadêmicas colocados a teste, diante<br />

dos aprendizados na academia em relação<br />

ao mundo científico.<br />

Para contextualizar aspectos científicos,<br />

relacionados à Agenda 21 Global, foram segregadas<br />

situações dos diferentes casos estudados<br />

pelos alunos, os quais a partir de uma análise<br />

qualitativa são apresentados no estudo em<br />

questão.<br />

Nesse particular, foram designadas equipes<br />

para desenvolver a Busca de informações<br />

sobre as questões inerentes a situação da água<br />

no planeta.<br />

Água<br />

Racionalizar o uso da água não significa ficar<br />

sem ela periodicamente. Significa usála<br />

sem desperdício, considerá-la uma prioridade<br />

social e ambiental, para que a água<br />

tratada, saudável, nunca falte nas torneiras.<br />

(www.mma.gov.br – Turma 7CCN12, 2008).<br />

a. Algumas medidas para ajudar na solução de<br />

problemas em relação à poluição da água:<br />

1. A existência de normas, como a Lei n°<br />

9.605, de 12.02.1998, vem com o propósito de<br />

manter o rigor para que as indústrias procurem<br />

tratar seus resíduos antes de lançá-los<br />

nos rios e oceanos.<br />

2. Investimentos nas áreas de fiscalização das<br />

indústrias; ampliação da rede de esgotos; saneamento<br />

básico para todos.<br />

3.Investimentos na construção de navios mais<br />

seguros para o orte de combustíveis.<br />

4. Melhoramentos no sistema de coleta de lixo<br />

e a implantação de novas estações de tratamento<br />

de esgotos.<br />

5. Campanhas publicitárias, buscando a explicação<br />

de técnicas de saneamento para a população<br />

carente e os riscos da poluição.<br />

Feiras Livres<br />

b. A origem das feiras livres confunde-se com a<br />

própria história, não se sabe ao certo onde e<br />

quando apareceu a primeira feira. Existem<br />

dados que permitem afirmar que em 500 a.C.<br />

já havia feiras no Médio Oriente.<br />

As feiras sempre revelaram um caráter comercial<br />

desde o início. Mercadores de terras distantes<br />

juntavam-se para troca de produtos e,<br />

com o passar do tempo, tornaram-se grandes<br />

fontes de empregos e escoamento da produção,<br />

cuja fonte de consulta foi desenvolvida<br />

por alunos da Turma 7CCN12, durante atividades<br />

realizadas em 2008.<br />

c. Vale destacar que a Lei Orgânica do Município<br />

da Cidade de Belém, Estado do Pará, dispõe<br />

que as atividades comerciais nas feiras<br />

livres destinam-se ao abastecimento supletivo<br />

de gêneros alimentícios essenciais à população;<br />

será exercida mediante licença,<br />

após matrícula na Prefeitura Municipal, além<br />

de priorizar os produtores rurais.<br />

A localização das feiras será em áreas<br />

ou logradouros públicos organizados de modo<br />

a não prejudicar o trânsito e o acesso fácil para<br />

aquisição de mercadorias, bem como as mercadorias<br />

devem ser expostas em estruturas padronizadas<br />

e higiênicas, dentro dos horários previamente<br />

estabelecidos, de maneira que todos<br />

os procedimentos estejam condizentes com as<br />

realidades ambientais do entorno.<br />

No Estudo de Caso na Feira do Ver-o-Peso, de<br />

Belém do Pará, foi constatada sua importância<br />

para a economia regional, onde são injetados<br />

cerca de R$ 1,3 milhão por dia, com um volume<br />

de pessoas envolvidas em torno 50 mil/dia<br />

(www.secon.govpa.br, 2008).<br />

Legislação Ambiental<br />

d. A legislação relacionada a Crimes Ambientais,<br />

conforme Lei n° 9.605, de 12.02.1998,<br />

dá à sociedade um instrumento para garan-<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008


tir agilidade e eficácia na punição de infratores<br />

do meio ambiente. A lei não trata apenas<br />

de punições severas, incorporou métodos<br />

e possibilidades para a dispensa de aplicação<br />

das penas, desde que o infrator recupere<br />

o dano ou, de outra forma, pague sua<br />

dívida à sociedade.<br />

A partir do Quadro 3, pode-se fazer uma<br />

comparação da situação antes e depois da lei.<br />

A partir dessa realidade, a empresa desenvolve<br />

suas atividades e contribui para a diminuição<br />

das diferenças ambientais, procurando<br />

dar o destino adequado aos resíduos<br />

(www.natura.com.br – Turma 7CCN12, 2008).<br />

f. As equipes, após as pesquisas realizadas sobre<br />

o assunto, apresentam três formas para o<br />

melhor tratamento do lixo a partir da regra<br />

dos três Rs, quais sejam:<br />

Antes da Lei Depois d3i<br />

Leis esparsas, de difícil aplicação.<br />

Pessoa jurídica não era responsabilizada<br />

criminalmente.<br />

Pessoa jurídica não tinha decretada liquidação<br />

quando cometia infração ambiental.<br />

A reparação do dano ambiental não extinguia<br />

a punibilidade.<br />

A legislação ambiental é consolidada; as penas<br />

têm uniformização e gradação adequadas<br />

e as infrações são claramente definidas.<br />

Define a responsabilidade da pessoa jurídica<br />

- inclusive a responsabilidade penal - e<br />

permite a responsabilização também da pessoa<br />

física autora ou co-autora da infração.<br />

Pode ter liquidação forçada no caso de ser<br />

criada e/ou utilizada para permitir, facilitar<br />

ou ocultar crime definido na lei. E seu patrimônio<br />

é transferido para o Patrimônio Penitenciário<br />

Nacional.<br />

A punição é extinta com apresentação de<br />

laudo que comprove a recuperação do dano<br />

ambiental.<br />

139<br />

Quadro 3 – Legislação Ambiental: Lei n° 9.605/98.<br />

Fonte: MMA (apud Turma 7CCN11, 2008).<br />

Lixo<br />

e. O estudo foi realizado com a Empresa de Cosméticos<br />

Natura, localizada em Benevides, no<br />

Pará, que adotando o conceito de sustentabilidade<br />

mantém a preocupação com as comunidades<br />

de seu entorno, formando parcerias<br />

com estas para manter suas atividades<br />

operacionais.<br />

“R” de Reduzir – O primeiro passo para diminuir<br />

a quantidade de lixo é reduzir o consumo.<br />

“R” de Reutilizar – Após o consumo procurar<br />

reutilizar as coisas, antes de jogá-las no meio<br />

ambiente.<br />

“R” de Reciclar – Após evitar consumir coisas<br />

desnecessárias, reaproveitar outras, agora é<br />

hora de pensar em reciclar. Muitos materiais<br />

podem ser reciclados e cada um por uma técnica<br />

diferente. A reciclagem permite uma diminuição<br />

da exploração dos recursos naturais e,<br />

muitas vezes, é um processo mais barato em<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008


140<br />

relação à produção de um material a partir da<br />

matéria-prima bruta.<br />

Um dos maiores problemas do lixo é<br />

que grande parte das pessoas pensam<br />

que basta jogar o lixo na lata e o problema<br />

da sujeira vai estar resolvido.<br />

Nada disso. O problema só começa aí.<br />

(Turma 7CCN11, 2008).<br />

g. A segregação de material reciclável possibilita<br />

a redução de lixo a ser coletado, além da<br />

possibilidade de geração de receita, seguindo<br />

dois procedimentos básicos:<br />

1. O Reaproveitamento de materiais descartáveis<br />

é um fator para a redução da quantidade<br />

de lixo produzido.<br />

2. A coleta seletiva de lixo pela fonte geradora<br />

contribui para evitar a poluição do meio ambiente.<br />

Poluição Urbana<br />

h. A poluição do ar influi na qualidade de vida<br />

da população. O Estudo de Caso apresenta<br />

informações sobre as condições climáticas e,<br />

revela fatos que marcaram:<br />

Dezembro de 1930, no Vale do Meuse,<br />

região da Bélgica, havia uma grande concentração<br />

de indústrias que utilizavam fornos de carvão<br />

e gasogênio, em um período de cinco dias<br />

sob condições climáticas desfavoráveis para a<br />

dispersão dos poluentes atmosféricos. Lá ocorreu<br />

aumento de doenças e mortes por patologias<br />

respiratórias que ultrapassaram as ocorrências<br />

dos últimos dez anos, ao evento.<br />

Janeiro de 1931, em Manchester, Inglaterra:<br />

durante nove dias de condições climáticas<br />

desfavoráveis, morreu 592 pessoas, número<br />

superior à média da época.<br />

Em 1948, em Donora, EUA: concentra<br />

grande número de siderúrgicas e fábricas de<br />

produtos químicos. Nessa cidade uma inversão<br />

térmica produziu alta concentração de poluentes,<br />

ocasionando sintomas de doenças cardiorespiratórias<br />

na metade da população local. Foram<br />

registradas, na época, vinte mortes, durante<br />

os seis dias da ocorrência desse fenômeno.<br />

Dezembro de 1952, em Londres, na Inglaterra,<br />

ocorreu o mais grave episódio de efeitos<br />

nocivos da poluição do ar. A queima de carvão nos<br />

lares londrinos para enfrentar o frio de cinco dias,<br />

associada a uma inversão térmica, produziu uma<br />

densa névoa de material particulado e enxofre.<br />

Isso ocasionou aumento de quatro mil mortes, em<br />

relação à média de períodos semelhantes.<br />

Florestas<br />

i. O estudo foi concentrado a partir de simulações<br />

feitas em computador pelo Instituto Nacional<br />

de Pesquisas Espaciais - INPE, que indicam<br />

que a floresta desaparecerá quando a<br />

perda atingir entre 40% e 60% da cobertura<br />

vegetal. Em 40 anos a mata reduziu 17%. Fonte:<br />

(Turma 7CCN11, 2008).<br />

j. Apenas 2% das multas ambientais na Amazônia<br />

são pagas. O Estado do Pará tem maior incidência,<br />

cerca de 2 mil infrações em 2003. Em<br />

relação aos custos de incêndios na Amazônia,<br />

avalia-se que os prejuízos causados chegam a<br />

US$ 5 bilhões. Fonte: (Turma 7CCN11, 2008).<br />

Aquecimento Global<br />

k. A floresta Amazônica é maior que alguns países.<br />

Erroneamente, considerada o Pulmão do<br />

Mundo, não é, pois, cientificamente, foi comprovado<br />

que a floresta consome cerca de 65%<br />

do oxigênio que produz com a respiração e<br />

transpiração das plantas. Situada em sua porção<br />

centro-norte é cortada pela linha equatorial<br />

e, portanto, compreendida em área de<br />

baixas latitudes. Ocupa cerca de 2/5 do continente<br />

e mais da metade do Brasil. Inclui nove<br />

países (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador,<br />

Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e<br />

Venezuela). A Amazônia brasileira compre-<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008


ende 3.581 Km2, o que equivale a 42,07% do<br />

país. A chamada Amazônia Legal é maior ainda,<br />

cobrindo 60% do território em um total<br />

de cinco milhões de Km2.<br />

Atualmente, a área que ‘sofre’ com o desmatamento<br />

corresponde a mais de 350 mil Km 2 , a<br />

um ritmo de 20 hectares por minuto, 30 mil por dia<br />

e 8 milhões por ano. Com esse processo, diversas<br />

espécies, muitas delas, sequer identificadas pelo<br />

homem, desapareceram da Amazônia.<br />

l. As queimadas e desmatamentos deixam o<br />

solo desprotegido, facilitando a erosão, provocando<br />

perda de nutrientes que diminuem<br />

a fertilidade. O solo sem cobertura causa<br />

o assoreamento dos rios, produzindo<br />

inundações. Represas recebem grande<br />

quantidade de terra, sofrendo contínuo processo<br />

de assoreamento e prejudicando a<br />

vida aquática. Formam-se novas ilhas nos<br />

santuários dos rios, impedindo a subida dos<br />

peixes e dificultando o transporte fluvial.<br />

m. O efeito estufa decorre da concentração de<br />

dióxido de carbono na atmosfera e tem aumentado<br />

em torno de 0,4% ao ano devido à<br />

utilização de petróleo, gás e carvão e à destruição<br />

das florestas tropicais. A concentração<br />

de outros gases que contribuem para o efeito<br />

de estufa tem aumentado a temperatura, provocando<br />

o aquecimento global, estimado entre<br />

2 e 6 ºC nos próximos 100 anos. Um aquecimento,<br />

dessa ordem, não só irá alterar os climas<br />

em nível mundial, como, também, aumentará<br />

o nível médio das águas do mar em,<br />

pelo menos, 30 cm, interferindo na vida de<br />

milhões de pessoas (Fonte: 7CCN12, 2008).<br />

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

5.1 CONCLUSÕES<br />

Os estudos desenvolvidos e apresentados<br />

pelos alunos possibilitaram rastrear diferentes<br />

situações em relação a algumas pesquisas<br />

que vêm sendo desenvolvidas nas diferentes<br />

áreas do conhecimento. Nesse particular,<br />

relacionadas ao meio ambiente, quando tiveram<br />

a oportunidade de analisar criticamente os<br />

aspectos relatados nos cases. A partir dessa realidade<br />

foi possível avaliar a fixação do aprendizado.<br />

Fato confirmado pelo professor a partir<br />

de relatos favoráveis sobre as atividades apresentados<br />

pelos alunos, onde vale destacar, a<br />

qualidade dos trabalhos elaborados e apresentados<br />

nos seminários.<br />

Após as apresentações, os alunos foram<br />

questionados pelos seus pares e professor, onde<br />

se obteve as respostas desejadas em vista do<br />

conteúdo discutido e, pode-se, dessa forma, confirmar,<br />

satisfatoriamente, que a adoção da atividade<br />

propiciou maior conhecimento sobre a importância<br />

da Agenda 21 Global que, no entendimento<br />

geral, inclusive da Coordenação do Curso<br />

de Ciências Contábeis da Universidade da Amazônia<br />

– <strong>Unama</strong>, deve continuar para que se mantenham<br />

as discussões sobre o contexto relacionado<br />

ao desenvolvimento sustentável.<br />

Nesse sentido, em vista das discussões<br />

realizadas sobre cada tema é possível traçar um<br />

prognóstico de que as ações propostas pela<br />

Agenda 21 Global se materializarão com o envolvimento<br />

de toda a sociedade e ciências que,<br />

nesse particular, envolve a comunidade acadêmica<br />

da <strong>Unama</strong>, comprometida com o desenvolvimento<br />

regional e manutenção da sustentabilidade<br />

pelo bem do futuro da humanidade.<br />

5.2 RECOMENDAÇÕES<br />

A partir das constatações apresentadas<br />

pelos alunos, existe a necessidade da inserção<br />

de componentes curriculares nos projetos pedagógicos<br />

de IES, para garantir que o assunto continue<br />

a ganhar força e maior propagação social.<br />

Outro aspecto a considerar é quanto à<br />

necessidade da capacitação de professores para<br />

o exercício de atividades acadêmicas, ligadas às<br />

realidades ambientais, para que possamos vêlos<br />

preparados a conduzir atividades acadêmi-<br />

141<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008


cas, relacionadas sobre o meio ambiente, nesse<br />

particular, sobre o assunto aqui abordado.<br />

Por fim, a necessidade de intensificação<br />

de pesquisas na área contábil, visando<br />

alargar conhecimentos e medidas necessárias<br />

quanto aos aspectos metodológicos das<br />

questões ambientais tratadas pela contabilidade<br />

e, dessa maneira, venha garantir maior<br />

contribuição da Ciência Contábil para promover<br />

as mudanças sobre questões de riscos que<br />

vêm sendo tratados em relação do desenvolvimento<br />

sustentável.<br />

REFERÊNCIAS<br />

142<br />

BRASIL. Lei das Sociedades por ações. 1976<br />

BRASIL. Lei nº 9.605 - Dispõe sobre as sanções<br />

penais e administrativas derivadas de condutas<br />

e atividades lesivas ao meio ambiente. 1998.<br />

DONAIRE, Denis. Gestão ambiental na empresa.<br />

2. ed. São Paulo: Atlas, 1999.<br />

HENDRIKSEN, Eldon S. e BREDA, Michael F. Van.<br />

Teoria da contabilidade, tradução de Antonio<br />

Zoratto SANVICENTE. São Paulo: Atlas, 1999.<br />

IUDÍCIBUS, Sérgio de. Teoria da contabilidade.<br />

6. ed. - São Paulo: Atlas, 2000.<br />

LAKATOS, Eva Maria, MARCONI, Marina de Andrade.<br />

Metodologia do trabalho científico. 4. ed.<br />

São Paulo: Atlas, 1992.<br />

RIBEIRO, Maisa de Souza. Custeio das atividades<br />

de natureza ambiental. São Paulo, 1998,<br />

241p, Tese (Doutorado) – Faculdade de Economia,<br />

Administração e contabilidade da Universidade<br />

de São Paulo, São Paulo, 1998.<br />

SCHMIDT, Paulo. Uma contribuição ao estudo<br />

do pensamento contábil. São Paulo, 1996. 506p.<br />

Tese (Doutorado) – Faculdade de Economia,<br />

Administração e Contabilidade da Universidade<br />

de São Paulo, 1996.<br />

SILVA, Benedito Albuquerque da. Contabilidade<br />

e meio ambiente: considerações teóricas e<br />

práticas sobre o controle dos gastos ambientais.<br />

São Paulo: Annablume/Fapesp, 2003a.<br />

SILVA, Edgar de Lima. Uma contribuição da<br />

contabilidade ao acompanhamento das atividades<br />

do setor madeireiro na Amazônia Paraense.<br />

São Paulo, 2003. 208p. Dissertação (Mestrado)<br />

– Faculdade de Economia, Administração e<br />

Contabilidade da Universidade de São Paulo,<br />

São Paulo, 2003b<br />

TINOCO, Eduardo Prudência. KRAEMER, Maria<br />

Elizabeth Pereira. Contabilidade e gestão ambiental.<br />

São Paulo : Atlas, 2004<br />

WEB<br />

Disponível em:<br />

www.ibama.gov.br. Acesso em: 02. mar.2008.<br />

Disponível em:<br />

www.cfc.org.br. Acesso em: 13. mar. 2008 e 22.<br />

mar.2008.<br />

Disponível em:<br />

www.mma.gov.br. Acesso em: 25. mar. 2008.<br />

Disponível em:<br />

www.mec.gov.br. Acesso em: 12. abri. 2008.<br />

Disponível em:<br />

www.secon.gopa.br. Acesso em: 22. mar. 2008.<br />

Disponível em:<br />

www.natura.com.br. Acesso em: 12. mar.2008.<br />

Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008


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