M:\EDITORA\EDITORA 2009\EDITORA - Unama
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MOVENDO IDÉIAS<br />
REVISTA DO CENTRO DE ESTUDOS<br />
SOCIAIS APLICADOS<br />
1
2<br />
MOVENDO IDÉIAS<br />
REVISTA DO CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS<br />
C 2008, UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA<br />
REITOR<br />
Édson Raymundo Pinheiro de Souza Franco<br />
VICE-REITOR<br />
Antonio de Carvalho Vaz Pereira<br />
PRÓ-REITOR DE ENSINO<br />
Mário Francisco Guzzo<br />
PRÓ-REITORA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO<br />
Núbia Maria de Vasconcelos Maciel<br />
DIRETOR DO CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS<br />
ILMAR LOPES SOARES<br />
ASSESSOR DA DIREÇÃO DO CESA<br />
ROBERTO CARLOS QUINTELA DE ALCÂNTARA<br />
COORDENADORA DO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO<br />
FÍBIA BRITO GUIMARÃES<br />
COORDENADORA ADJUNTA<br />
ELAINE CRISTINA GRECCHI GONÇALVES<br />
COORDENADOR DO CURSO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS<br />
JOSÉ NONATO DA SILVA<br />
COORDENADORA ADJUNTA<br />
ANA SABRINA SILVA FAVACHO<br />
COORDENADOR DO CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS<br />
KLEBER ANTÔNIO DA COSTA MOURÃO<br />
COORDENADORA DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL<br />
ALDA CRISTINA SILVA DA COSTA<br />
COORDENADOR ADJUNTO DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL<br />
RELIVALDO PINHO DE OLIVEIRA<br />
COORDENADORA DO CURSO DE DIREITO<br />
CRISTINA SILVIA ALVES LOURENÇO<br />
COORDENADORAS ADJUNTAS DO CURSO DE DIREITO<br />
ELIANA MARIA DE SOUZA FRANCO TEIXEIRA<br />
MARIA ALIDA SOARES VAN DEN BERG<br />
COORDENADOR DO CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS<br />
FÉLIX GERARDO IBARRA PRIETO<br />
ASSESSOR DO CESA<br />
JOSÉ NONATO DA SILVA<br />
EXPEDIENTE<br />
EDIÇÃO: Editora UNAMA<br />
RESPONSÁVEL: João Carlos Pereira<br />
SUPERVISÃO: Helder Leite<br />
NORMALIZAÇÃO: Maria Miranda<br />
FORMATAÇÃO GRÁFICA: Elailson Santos<br />
REVISÃO DE TEXTO: Noely Mesquita<br />
IMPRESSÃO:<br />
“Campus” Alcindo Cacela<br />
Av. Alcindo Cacela, 287<br />
66060-902 - Belém-Pará<br />
Fone geral: (91) 4009-3000<br />
Fax: (91) 3225-3909<br />
“Campus” BR<br />
Rod. BR-316, km3<br />
67113-901 - Ananindeua-Pa<br />
Fone: (91) 4009-9200<br />
Fax: (91) 4009-9308<br />
Catalogação na fonte<br />
www.unama.br<br />
“Campus” Quintino<br />
Trav. Quintino Bocaiúva, 1808<br />
66035-190 - Belém-Pará<br />
Fone: (91) 4009-3300<br />
Fax: (91) 4009-0622<br />
“Campus” Senador Lemos<br />
Av. Senador Lemos, 2809<br />
66120-901 - Belém-Pará<br />
Fone: (91) 4009-7100<br />
Fax: (91) 4009-7153<br />
T759tt Movendo Idéias: Revista do Centro de Estudos Sociais Aplicados. Belém: UNAMA, v. 13, n. 2,<br />
nov. 2008<br />
142 p.<br />
ISSN: 1517-199x<br />
1. Administração. 2. Contabilidade. 3. Comunicação. 4. Direito. 5. CESA - periódicos. 6.<br />
UNAMA. - periódicos. I. Título.<br />
CDD: 050
SUMÁRIO<br />
EDITORIAL ........................................................................................................................................ 5<br />
ELECCIONES Y DERECHO FUNDAMENTAL A LA HOMOAFECTIVIDAD<br />
Jorge Augusto de Medeiros Pinheiro............................................................................................... 7<br />
COMBINAÇÃO DE TÉCNICAS PARA CONSTRUÇÃO DE UM MODELO DE CREDIT SCORING,<br />
USANDO ANÁLISE DISCRIMINANTE<br />
Marcos dos Santos Dutra<br />
Elenice Biazi ................................................................................................................................... 23<br />
CURSOS SEQUENCIAIS: uma ferramenta de flexibilização às organizações<br />
Artur Vicente da Costa<br />
Joaquim Augusto Souza de Menezes<br />
Leila Márcia Sousa de Lima Elias<br />
Maria de Fátima Ferreira Seabra .................................................................................................... 33<br />
O SUJEITO E O SONHO NA ERA DA FRAGMENTAÇÃO: Clube da Luta e Pós-Modernidade<br />
Enderson Oliveira<br />
Fabrício Ferreira<br />
Thamiris de Sousa<br />
Relivaldo de Oliveira ..................................................................................................................... 45<br />
3<br />
A FACE INSUSPEITA DO PODER: um estudo sobre a analítica do poder em Michel Foucault<br />
Ronald Valentim Gomes Sampaio .................................................................................................. 59<br />
COOPERAÇÃO CHINA-ÁFRICA<br />
Renan Almeida de Farias ............................................................................................................... 75<br />
DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS NA AMAZÔNIA: atores, perspectivas e ação<br />
Voyner Ravena Cañete<br />
Nirvia Ravena de Souza .................................................................................................................. 83<br />
IMPLICAÇÕES PROCESSUAIS DA NOVA DISCIPLINA DA EVICÇÃO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002<br />
Ágatha Gonçalves Santana ............................................................................................................. 97<br />
A CONTABILIDADE COMO UMA FERRAMENTA DE MENSURAÇÃO DE PROJETOS DE<br />
CRÉDITOS DE CARBONO<br />
Marisa Luchtenberg Pagunssat .................................................................................................... 109<br />
AGENDA 21 GLOBAL: um estudo acadêmico sobre a importância das<br />
Ciências Contábeis para o desenvolvimento sustentável<br />
Edgar de Lima Silva ....................................................................................................................... 127
EDITORIAL<br />
OCentro de Estudos Sociais Aplicados, com orgulho, apresenta mais esta edição da<br />
Revista MOVENDO IDÉIAS, para que todos tenham a oportunidade de ampliar seus<br />
conhecimentos acerca do mundo que nos rodeia, e das mudanças que constantemente<br />
acontecem e para as quais nem sempre estamos preparados.<br />
Nesta edição da revista MOVENDO IDÉIAS a comunidade acadêmica é brindada com<br />
dez artigos de altíssimo nível, selecionados dentre tantos que chegam ao nosso Conselho<br />
Editorial, escritos por professores e alunos do Centro de Estudos Sociais Aplicados, dos<br />
demais centros de estudos da Universidade ou ainda por com autores de outras Instituições<br />
de Ensino Superior, que nos procuram com artigos e ensaios técnicos para publicação, o que<br />
nos da um imenso prazer.<br />
Os artigos aqui apresentados contemplam, com pertinência, um cenário diversificado<br />
que permeia as diversas áreas de estudos das Ciências Sociais Aplicadas, com especial<br />
enfoque na Administração, nas Ciências Contábeis, nas Relações Internacionais e nas Ciências<br />
Sociais e Jurídicas.<br />
Recomendamos uma leitura acurada dos artigos aqui publicados, a saber:<br />
• ELECCIONES Y DERECHO FUNDAMENTAL A LA HOMOAFECTIVIDAD;<br />
• AÇÃO DE TÉCNICAS PARA CONSTRUÇÃO DE UM MODELO DE CREDIT SCORING,<br />
USANDO ANÁLISE DISCRIMINANTE;<br />
• CURSOS SEQUENCIAIS: uma ferramenta de flexibilização às organizações;<br />
• O SUJEITO E O SONHO NA ERA DA FRAGMENTAÇÃO: Clube da Luta e Pós-Modernidade;<br />
• A FACE INSUSPEITA DO PODER: um estudo sobre a analítica do poder em Michel Foucault;<br />
• COOPERAÇÃO CHINA-ÁFRICA;<br />
• DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS NA AMAZÔNIA: atores, perspectivas e ação;0<br />
• IMPLICAÇÕES PROCESSUAIS DA NOVA DISCIPLINA DA EVICÇÃO NO CÓDIGO CIVIL DE<br />
2002;<br />
• A CONTABILIDADE COMO UMA FERRAMENTA DE MENSURAÇÃO DE PROJETOS DE<br />
CRÉDITOS DE CARBONO;<br />
• AGENDA 21 GLOBAL: um estudo acadêmico sobre a importância das Ciências Contábeis<br />
para o desenvolvimento sustentável.<br />
Agradecemos a todos que tornaram possível esta publicação, e convocamos você para<br />
que faça parte também da Revista MOVENDO IDÉIAS, contribuindo com o seu talento e seus<br />
conhecimentos para mudar e aperfeiçoar nossa realidade, encaminhando um artigo para publicação<br />
nos próximos números de nossa revista.<br />
5<br />
Ilmar Lopes Soares<br />
Diretor do Centro de Estudos Sociais aplicados
ELECCIONES Y DERECHO<br />
FUNDAMENTAL A<br />
LA HOMOAFECTIVIDAD<br />
7<br />
Jorge Augusto de Medeiros Pinheiro<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008
ELECCIONES Y DERECHO<br />
FUNDAMENTAL A LA HOMOAFECTIVIDAD<br />
Jorge Augusto de Medeiros Pinheiro*<br />
RESUMEN<br />
Este trabajo tiene por objetivo analizar las uniones<br />
homoafectivas frente al caso concreto de<br />
las elecciones, sobre una visión de los derechos<br />
fundamentales, con base en la teoría tridimensional<br />
del derecho, de Werner Goldschmidt y<br />
de Miguel Reale, con una mirada sociológica,<br />
normológica y axiológica. Finalmente se concluye<br />
que las personas y las iglesias no deben<br />
olvidar que el mundo de hoy es plural y que<br />
todas las naciones buscan el ejercicio de los<br />
derechos sociales individuales, la libertad, la<br />
seguridad, el bienestar, el desarrollo, la igualdad<br />
y la justicia como valores supremos de una<br />
sociedad fraterna, pluralista y sin prejuicios.<br />
Palabras Clave: Uniones homoafectivas. Derechos<br />
fundamentales. Elecciones y homoafectividad.<br />
Homoafectividad y la teoría tridimensional<br />
del derecho. Derechos humanos y uniones<br />
homoafectivas.<br />
1 INTRODUCCIÓN<br />
Teniendo como base a la Carta de las<br />
Naciones Unidas y su importancia para la fraternidad,<br />
la libertad, la justicia y la paz en el mundo,<br />
los que son soportes para el reconocimiento<br />
de la dignidad intrínseca y de los derechos<br />
iguales e inalienables de todos los miembros<br />
de la familia humana.<br />
La Declaración Universal de Derechos<br />
Humanos de las Naciones Unidas y la Declaración<br />
Americana de los Derechos y Deberes del<br />
Hombre de la Organización de los Estados Americanos<br />
que tienen casi 60 años y la más reciente,<br />
con 39 años, es la Convención Americana<br />
sobre Derechos Humanos, conocida como Pacto<br />
de San José de Costa Rica, ambas establecen<br />
que todos los seres humanos nacen libres e<br />
iguales en dignidad y derechos, no habiendo<br />
distinción alguna de raza, color, sexo, idioma,<br />
religión, opinión política o de cualquier otra índole,<br />
origen nacional o social, posición económica,<br />
nacimiento o cualquier otra condición y<br />
también establece el deber de convivir con otras<br />
personas, de manera que todas y cada una de<br />
ellas puedan formar y desenvolver íntegramente<br />
su personalidad, siendo este un deber ante<br />
la sociedad.<br />
A pesar del tiempo que ha pasado, que<br />
es considerable, pocas cosas han cambiado en<br />
el mundo. La mayor meta de esas declaraciones<br />
es consagrar el principio de la igualdad de toda<br />
persona humana y eso también lo contienen<br />
todas las Constituciones Nacionales de los países<br />
occidentales.<br />
Puede decirse que hasta los días de hoy,<br />
en virtud de un fuerte trazo conservador en la<br />
sociedad, y por la difícil posibilidad de vencer<br />
las barreras y prejuicios impuestos por esa misma<br />
sociedad, los homosexuales no gozan de algunos<br />
derechos de los que si gozan los heterosexuales.<br />
Quién busca una felicidad fuera de<br />
los padrones aceptados por la sociedad, debe<br />
vivir en la marginalidad.<br />
* Abogado. Doctor en Ciencias Empresariales/Argentina. Profesor<br />
Adjunto IV de la Universidad Federal de Pará. Doctorando<br />
en Derecho Penal y Ciencias Penales/Argentina. Profesor<br />
Visitante de Doctorado en Derecho de la Universidad de<br />
Museo Social Argentino y de la Universidad de Ciencias Empresariales<br />
y Sociales - Argentina.<br />
9<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008
10<br />
Las uniones homoafectivas, término<br />
utilizado por Maria Berenice Dias, en su libro<br />
Unión Homosexual: el prejuicio y la justicia, están<br />
sujetas a una resistencia muy fuerte por<br />
parte de la sociedad, en virtud de haber contrariado<br />
la orden natural de las cosas y el padrón<br />
estipulado, que no puede ser quebrado.<br />
En este trabajo, se investigará con base<br />
en la Teoría Tridimensional del Derecho de Werner<br />
Goldschmidt y de Miguel Reale, con una visión<br />
sociológica, normológica y axiológica.<br />
2 DIMENSIÓN SOCIOLÓGICA<br />
2.1 DISCRIMINACIÓN Y LIBERTAD<br />
Las personas que sufren discriminaciones<br />
son, por ejemplo, los negros, los judíos, los<br />
pobres, los homosexuales, los indios, los orientales<br />
(en el mundo occidental) y las mujeres<br />
(en el mundo oriental e islámico). Ellos sufren<br />
este tipo de discriminaciones por ser diferentes<br />
de los modelos estipulados por la sociedad<br />
o por encontrarse fuera de esos padrones, por<br />
lo que son consideradas minorías sociales.<br />
A pesar de que los derechos humanos<br />
estipulan que no deberá existir discriminación<br />
por motivos de raza, sexo y posición económica,<br />
esas personas continúan no siendo aceptas<br />
por la sociedad.<br />
Algunos autores consideran la sexualidad<br />
como un derecho de primera generación,<br />
en el mismo status que la libertad y la igualdad.<br />
La libertad comprende el derecho a la libertad<br />
sexual, unida al derecho de tratamiento igualitario,<br />
e independiente de la tendencia sexual.<br />
Trátase de una libertad individual, es decir, de<br />
un derecho del individuo y como todos los derechos<br />
de primera generación son inalienables<br />
e imprescriptibles. Es un derecho natural que<br />
acompaña el ser humano desde su nacimiento,<br />
pues viene de su propia naturaleza.<br />
Considérase la libre orientación sexual<br />
como un derecho de segunda generación. La<br />
discriminación y el prejuicio de los que son blancos<br />
los homosexuales dan origen a una categoría<br />
digna de protección. A pesar de que la hiposufiencia<br />
puede ser considerada solamente por<br />
el lado económico, debe elastizarse su significado.<br />
Este es un presupuesto y causa de un especial<br />
tratamiento dispensado por el derecho,<br />
tanto que son reconocidos como hiposufientes<br />
el anciano, el niño, el deficiente o portador de<br />
necesidades especiales, el negro, el judío, la<br />
mujer, el aborigen, porque siempre fueron blancos<br />
de exclusión social.<br />
La hiposuficiencia social que se da por<br />
prejuicios y discriminación genera, por reflejo,<br />
la hiposufiencia jurídica. La ausencia de norma<br />
jurídica lleva al margen del Derecho, a ciertas<br />
categorías sociales, cuyo criterio de clasificación<br />
no es el económico. No se puede, por lo tanto,<br />
dejar de incluir como hiposufientes a los<br />
homosexuales. Aun cuando vengan de una condición<br />
económica suficiente, puede decirse son<br />
social y jurídicamente hiposuficientes.<br />
El derecho a la sexualidad avanza para ser<br />
inserto como un derecho de tercera generación,<br />
que comprende los derechos corrientes en la naturaleza<br />
humana, tomados no individualmente,<br />
sino más genéricamente, solidariamente.<br />
La realización integral de la humanidad<br />
abarca todos los aspectos necesarios a la preservación<br />
de la dignidad humana e incluye el<br />
derecho del ser humano de exigir respeto al libre<br />
ejercicio de su sexualidad. Es un derecho<br />
de todos y de cada uno, a ser garantizado a cada<br />
individuo por todos los individuos, puede decir<br />
que es un derecho de solidaridad, sin lo cual la<br />
condición humana no se realiza, no es integral.<br />
Es indudable que la sexualidad es un<br />
elemento de la propia naturaleza humana, sea<br />
individualmente, sea genéricamente considerada.<br />
Sin libertad sexual, sin derecho al libre<br />
ejercicio de la sexualidad, sin opción sexual libre,<br />
el propio género humano no se realiza, falta<br />
la libertad, que es un derecho fundamental<br />
de la persona humana.<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008
La doctrina y la jurisprudencia de los<br />
tribunales han desempeñados papeles importantes<br />
para un cambio de mentalidad. En Brasil,<br />
el término concubinato, no es más utilizado,<br />
fue cambiado para una expresión moderna<br />
llamada unión estable. La alteración del término,<br />
que era usado para relaciones extramatrimoniales,<br />
fue provocada por los operadores<br />
del derecho. La justicia al extraer consecuencias<br />
jurídicas de esas relaciones de hecho, hizo<br />
con que la Carta Magna brasileña tuviese un<br />
contenido reconociendo esa relación como<br />
entidad familiar.<br />
2.2 ADOPCIÓN POR HOMOSEXUALES<br />
La teoría de la degeneración, que hizo<br />
escuela largamente en ámbitos científicos y silvestres<br />
sustentaba la tesis de que a padres heterosexuales,<br />
hijos heterosexuales, por lo que<br />
un hijo homosexual sería producto de la degeneración<br />
de lo normal.<br />
Tributaria de aquella teoría surge una<br />
que dictamina que a padres homosexuales, hijos<br />
homosexuales. Hay numerosos casos de hijos<br />
de parejas homosexuales, donde sus hijos<br />
son heterosexuales. El desarrollo psicoemocional<br />
de esos hijos, tira por la borda las manifestaciones<br />
prejuiciosas acerca de los trastornos<br />
identificatorios, la habilidad identitaria y sobre<br />
todo esquemas preformados de elección de<br />
objeto amoroso.<br />
Algunas corrientes acreditarían que serían<br />
degenerados y son normales por casualidad,<br />
sostienen que seguramente profundizando<br />
en sus cualidades psíquicas se descubrirán<br />
las huellas patológicas de la situación antinatural<br />
a la que fueron sometidos.<br />
Para algunas personas es horroroso que<br />
se permita que un niño o una niña abandonados<br />
sean adoptados por homosexuales. No hay<br />
la misma manifestación de horror hacia el<br />
maltrato cotidiano, las vejaciones, abusos y violaciones<br />
que suelen sufrir a veces en sus hogares<br />
de origen, o siempre, en las instituciones<br />
de internación, sin olvidar los niños en las calles,<br />
que están abandonados por su familia y por<br />
el gobierno.<br />
La pregunta básica que subyace es si<br />
la orientación sexual de una persona que quiere<br />
adoptar es determinante para sus chances<br />
de lograrlo. Si bien podría argumentarse<br />
erróneamente que la cuestión de fondo pasa<br />
porque la sociedad determina que el niño<br />
debe ser criado en una situación de familia<br />
clásica, con roles claros y funciones anatómica<br />
y socialmente determinadas, este argumento<br />
escatima la cuestión que lo que subyace<br />
es la discriminación hacia la homosexualidad,<br />
los miedos, los prejuicios y el horror que<br />
esto despierta.<br />
Hoy, la ciencia admite que los niños y<br />
niñas que crecen con padres gays, lesbianas, travestis,<br />
transexuales, bisexuales o intersexo se<br />
desarrollan en forma normal en lo cognitivo, social<br />
e emocional, pensando lo normal como un<br />
equilibrio dinámico y no como una ausencia de<br />
conflicto, pues eso escapa a la especie humana.<br />
Esa situación fue el caso de la Asociación<br />
de Pediatras Americanos, con sede en Nueva<br />
York, que tuvo que admitir que la orientación<br />
sexual de quienes ejercen las funciones<br />
maternas y paternas no genera ninguna patología<br />
en particular.<br />
La cuestión de que las trabas para la<br />
adopción monoparental son infinitamente menores,<br />
salvo en aquellos casos en que sospecha<br />
de la orientación sexual del solicitante abona<br />
estos dichos.<br />
El determinar la aptitud de alguien<br />
para adoptar, situación que debe establecerse<br />
fehacientemente no pasa, al menos desde<br />
la perspectiva psicológica, por la orientación<br />
sexual, sino por otras cuestiones entre las<br />
cuales el deseo de tener un hijo no es precisamente<br />
menor.<br />
11<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008
12<br />
2.3 LA MORAL Y EL PENSAMIENTO DE LA IGLE-<br />
SIA CATÓLICA<br />
Buscar un lugar para la minoría homosexual<br />
en la sociedad no es un problema reciente.<br />
Aristófanes, en uno de los diálogos en el Symposium,<br />
de Platón, decía que la raza humana fue<br />
creada con tres géneros: los doblemente machos,<br />
las doblemente hembras y los que eran<br />
macho y hembra al mismo tiempo. Cada uno de<br />
ellos con cuatro piernas y cuatro brazos.<br />
Como toda buena mitología griega, en algún<br />
momento las criaturas fueron punidas por los<br />
dioses, que las separan en dos partes. Aristófanes<br />
concebio una parábola para el amor en los tiempos<br />
modernos, contemplando el relacionamiento<br />
no sólo entre hombres y mujeres, más también<br />
entre hombre y hombre, y mujeres y mujeres.<br />
Al estar delante de ese tipo de reflexión,<br />
gran parte de las personas alega valores<br />
morales para ubicarse contra la unión civil entre<br />
dos personas del mismo sexo.<br />
En febrero de 2003, cuando George W.<br />
Bush propone una enmienda en la Constitución<br />
americana prohibiendo que homosexuales se<br />
casen, alegó que actuara para proteger la institución<br />
más fundamental de la civilización.<br />
No hay duda, que las personas que profesan<br />
la religión católica tienen derecho a contraer el<br />
matrimonio que ellos consideran único e indivisible,<br />
pero eso no obliga al resto de los ciudadanos.<br />
La Iglesia Católica considera una propuesta<br />
errónea e injusta y un retroceso democrático<br />
aquellos países que establecieran la unión<br />
civil de parejas de mismo sexo. Eso modelo de<br />
razonamiento es seguido por parte de la prensa.<br />
El comentarista Charles Krauthammer escribió<br />
en la revista Time que la mayoría de los americanos<br />
consideraba las parejas homosexuales<br />
“moral y psicológicamente repugnantes y no<br />
merecedores de aprobación social”, pero olvidó<br />
de mencionar que en los Estados Unidos, la<br />
concordancia con el casamiento entre personas<br />
del mismo sexo oscila poco debajo del 50%.<br />
Para entender cuales son los valores fundamentales<br />
de ese rechazo, es necesario mirar<br />
para la más común de su origen, que es la religión.<br />
Todas las grandes religiones monoteístas rechazan<br />
el sexo homosexual. Islamismo, judaísmo<br />
y cristianismo lo consideran antinatural. En<br />
el Levítico, la Biblia asevera que “si un hombre se<br />
acostase con otro hombre como si fuese una<br />
mujer, ambos cometerían una cosa abominable.<br />
La punición será la muerte”. En la verdad, esas<br />
personas romperían con un acuerdo histórico.<br />
Las iglesias consideran que el casamiento<br />
es una unión de amor entre hombre y<br />
mujer, para toda la vida y con objetivo de procrear<br />
y educar los niños. Gays y lesbias, por lo<br />
tanto, son incapaces de cumplir integralmente<br />
la misión primordial del casamiento.<br />
Si no hay duda sobre la condena bíblica a<br />
la homosexualidad, los objetivos del matrimonio<br />
parecen ser aliviados por los religiosos en<br />
otras situaciones. Ninguna iglesia prohibe el casamiento<br />
de personas estériles, o sea, que no<br />
pueden procrear o de personas con una cierta<br />
edad, que también no pueden más tener niños.<br />
Conforme los sociólogos, la respuesta<br />
está fuera de la Biblia. A pesar de justificada en<br />
valores religiosos, la condena a la homosexualidad<br />
es fundamentada en un concepto llamado<br />
de tradicionalismo. En general, las personas<br />
tienen dificultad de lidiar con cuestiones cuyas<br />
respuestas van a confrontar con lo que se presenta<br />
como correcto. No hay duda que mirar los<br />
homosexuales como iguales, es una novedad<br />
radical en la realidad de los heterosexuales.<br />
3 DIMENSIÓN NORMOLÓGICA<br />
3.1 LA HOMOAFECTIVIDAD EN EL DERECHO<br />
COMPARADO<br />
Los países nórdicos fueron los primeros<br />
en aceptar personas del mismo sexo, que se<br />
uniesen como pareja homosexual. Del lado opuesto<br />
esta la mayoría de los países árabes, que<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008
condenan a prisión, a quienes tienen relaciones<br />
sexuales con personas del mismo sexo, y<br />
en el caso de Africa, esta Zimbabwe, cuyo dictador<br />
mira a los gays como “subanimales” y “sin<br />
derechos”. En la última década, el mundo poco<br />
a poco empezó a mostrar naciones que garantizan<br />
derechos a los gays y otras que no les reconocen<br />
como ciudadanos.<br />
3.1.1 Dinamarca<br />
Fue el primer país en el mundo a legislar<br />
sobre unión civil homosexual, a través de<br />
una ley llamada Danish Registred Partnership<br />
Act, en 7 de junio de 1989, con vigencia en 1º de<br />
octubre de 1989.<br />
Esa ley produjo los mismos efectos legales<br />
que el contrato de casamiento, excepto la<br />
adopción, hay también otra exigencia, en el caso<br />
de extranjeros, que por lo menos uno de la pareja<br />
debe ser danés, con domicilio y residencia.<br />
Otro detalle, es que la solución de los<br />
problemas patrimoniales, cuando termina la<br />
relación, tiene como regla el Principio del Enriquecimiento<br />
Sin Causa, que dispone que un<br />
compañero o una compañera no tiene derecho<br />
de tomar posesión de un inmueble o de los objetos<br />
domésticos que pertenece al otro.<br />
3.1.2 Noruega<br />
Promulgó la Ley n. 40, denominada Lov on<br />
Registred Patnerskap, en 30 de abril de 1993. Esa<br />
ley prohibe expresamente la adopción, pero los<br />
compañeros pueden ejercer la patria potestad y<br />
con relación a los derechos patrimoniales, la pareja<br />
es considerada propietaria en partes iguales.<br />
3.1.3 Suecia<br />
Partenariat, fue la ley aprobada en 26<br />
de julio de 1994 en ese país sobre pareja homosexual.<br />
Hay previsión legal en los derechos patrimoniales,<br />
donde toda propiedad adquirida<br />
en la constancia de la pareja deberá ser dividida<br />
igualmente, al término de la relación. La edad<br />
mínima para formar una pareja, es 18 años. En<br />
el caso de extranjeros, exígese que uno de los<br />
compañeros tenga ciudadanía y domicilio establecido<br />
en Suecia y es vedada la adopción individual<br />
o conjunta.<br />
El Contrato de Unión Civil es oficializado<br />
en la Intendencia o en la Casa Legislativa de<br />
la Municipalidad. Establece también que la disolución<br />
del contrato civil, puede ser considerado<br />
un acto civil, es decir, habrá intervención<br />
judicial y sus requisitos y procedimientos son<br />
los mismos que se aplican al casamiento.<br />
3.1.4 Islandia<br />
En 4 de junio de 1996 fue promulgada la<br />
ley que posibilita el registro de unión civil, estableciendo<br />
que la pareja puede tener el ejercicio<br />
de la patria potestad.<br />
3.1.5 España<br />
En 30 de junio de 1998, España aprobó<br />
una ley que reconoce la unión civil, definiendo<br />
como Unión Estable de Pareja Formada por Dos<br />
Personas del Mismo Sexo Viviendo de Manera<br />
Marital.<br />
Actualmente, el gobierno de José Luis<br />
Rodríguez Zapatero aprobó el anteproyecto de<br />
ley que permitirá el matrimonio de personas<br />
del mismo sexo. La principal razón por lo cual el<br />
gobierno aprobó esa medida, es el reconocimiento<br />
de derechos de los homosexuales a formar<br />
familias y a dejar de ser ciudadanos de “segunda”,<br />
conforme declaración del presidente<br />
del gobierno.<br />
Es interesante mirar las palabras textuales<br />
del jefe de gobierno ejecutivo español José<br />
Luís Rodríguez Zapatero (2004) dichas para el<br />
diario El País, de Madrid, y su importancia, en<br />
virtud de España ser un país predominantemente<br />
católico:<br />
13<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008
14<br />
Los homosexuales tienen todas las<br />
obligaciones como ciudadanos y sin<br />
embargo, se les niegan algunos derechos.<br />
Lo que quiere el gobierno es que<br />
estos ciudadanos que todos conocemos,<br />
porque son amigos, parientes o<br />
compañeros de trabajo, dejen de ser<br />
de segunda y tengan plenos derechos,<br />
lo que incluye que puedan formar una<br />
familia (ZAPATERO, 2004, p.3).<br />
En el ámbito del PSOE – Partido Socialista<br />
Operario Español, el responsable de Movimientos<br />
Sociales y ONG, Pedro Zerolo, aseguró<br />
que la ley “no va contra nadie”, sino a favor de<br />
una sociedad en la que quepan todos.<br />
3.1.6 Francia<br />
Ese país aprobó el Pacto Civil de Solidaridad,<br />
a través de la Ley n. 944, en 15 de noviembre<br />
de 1999 y con varios decretos reglamentarios,<br />
n. 1089, n. 1090 y 1.091, en 21 de diciembre<br />
de 1999.<br />
El Pacto Civil de Solidaridad es un contrato<br />
celebrado entre dos personas mayores de<br />
edad del mismo sexo o diferentes, con lo desideratum<br />
de organizar la vida en común. Ese pacto<br />
no tiene efecto en el estado civil de las personas,<br />
una vez que la transcripción del estado<br />
civil no será en el registro público, más sobre<br />
un registro particular.<br />
Un detalle de la ley es que personas<br />
menores de edad, mismo emancipadas, no pueden<br />
firmar el pacto; la forma de división de los<br />
bienes deberá estar prevista, es necesario también<br />
constar en el pacto la descripción de la forma<br />
con la cual cada compañero contribuirá para<br />
la vida en común.<br />
El pacto deberá ser presentado en dos<br />
vías, mencionando que las cláusulas allí contenidas<br />
tiene como fundamento la Ley del Pacto Civil<br />
de Solidaridad, siendo llevado por las partes a<br />
la Notaría del Tribunal Común y presentar la documentación<br />
exigida, o sea, partida de nacimiento,<br />
certificado de domicilio, comprobante de<br />
nacionalidad, etc. Si una de las partes es de nacionalidad<br />
extranjera, el pacto será celebrado en<br />
el consulado o embajada correspondiente.<br />
Es interesante observar, que el pacto prevé<br />
la total cobertura médica al compañero descubierto,<br />
en caso de muerte del compañero asegurado.<br />
El compañero superviviente tendrá derechos<br />
a la pensión. Otro detalle, es que casando<br />
uno de los compañeros, el pacto esta extinto.<br />
3.1.7 Holanda<br />
La ley es denominada de Act on the<br />
Opening Up of Marriage, fue publicada el 11 de<br />
enero de 2001, entró en vigor en abril del mismo<br />
año. La aprobación de la ley que permite los<br />
matrimonios entre homosexuales fue saludada<br />
con aplausos y abrazos entre el público que<br />
siguió el debate desde las tribunas del Parlamento<br />
holandés.<br />
Es considerada la ley más liberal sobre<br />
homosexualidad. La edad mínima requerida<br />
para el casamiento y unión homosexual registrada<br />
es 18 años. Sólo la adopción, también permitida,<br />
presenta dos requisitos singulares. La<br />
pareja precisa al menos tres años de convivencia<br />
y por lo menos uno de los compañeros deberá<br />
ser ciudadano holandés y tener su domicilio<br />
y residencia habitual en Holanda, en caso de<br />
extranjeros. Los niños deben tener la nacionalidad<br />
holandesa.<br />
3.1.8 Alemania<br />
En Alemania se reconoce la unión civil,<br />
la ley empezó a regir el 1º de agosto de 2001. La<br />
ley tiene beneficios como la inclusión al seguro<br />
de salud y la reglamentación de herencia, pero<br />
prohibe la adopción. La unión civil para tener<br />
efectos deberá ser registrada ante el Instituto<br />
para el derecho de la Familia.<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008
3.1.9 Argentina<br />
La Ciudad Autónoma de Buenos Aires reconoce<br />
la unión civil desde 12 de diciembre de<br />
2002. La ley protege la unión conformada por dos<br />
personas con independencia de su sexo o orientación<br />
sexual, que hayan convivido en una relación<br />
de afectividad estable y pública por un período<br />
mínimo de dos años. Prohibe que entre los integrantes<br />
haya descendencia en común y no pueden<br />
constituir unión civil los menores de edad.<br />
Los integrantes de la unión civil deben<br />
tener domicilio legal en la Ciudad Autónoma<br />
de Buenos Aires, inscripto con por lo menos dos<br />
años y pueden inscribir la unión en el Registro<br />
Público de Uniones Civiles.<br />
Algunas corrientes doctrinarias son contrarias<br />
a la unión civil en Argentina, pero hay<br />
aquellos que defienden, como Andrés Gil Domínguez<br />
(2003), Profesor de Derecho Constitucional<br />
de la Universidad de Buenos Aires y Universidad<br />
de Salamanca, en su artículo Ley de<br />
Unión Civil: un gran paso, en el Diario Clarín de<br />
Buenos Aires, que dice:<br />
Aunque no lo establezcan expresamente,<br />
surge del texto que tanto la Constitución<br />
Argentina como la Constitución de la<br />
ciudad de Buenos aires adscriben al modelo<br />
de Estado social y democrático de<br />
derecho. Dicho paradigma se basa en tres<br />
postulados esenciales: la tolerancia, el<br />
pluralismo y la participación. La tolerancia<br />
presenta como requisito la consciencia<br />
de la propia identidad: sólo quien<br />
está seguro de su biografía puede aceptar<br />
que cada persona alcance la trascendencia<br />
por medio de la fe, la razón o cualquier<br />
otro camino. El pluralismo implica<br />
una visión del mundo basada en la creencia<br />
de que la diferencia, el contraste,<br />
la disidencia y el cambio contribuyen positivamente<br />
a lograr la integración democrática<br />
mucho más que la unanimidad. La<br />
participación permite la redefinición del<br />
contrato de representación popular.<br />
3.1.10 Bélgica<br />
Siguió los pasos de Holanda en materia<br />
de matrimonio homosexual, legalizando las<br />
uniones civiles de personas del mismo sexo en<br />
enero de 2003, pero la ley entró en vigor el 1º<br />
de junio de 2003, fecha en la cual se celebró ya<br />
la primera boda homosexual.<br />
Dado que la ley abre esta posibilidad<br />
para matrimonio homosexual, excluye expresamente<br />
la adopción de niños.<br />
3.1.11 Estados Unidos<br />
Algunos estados americanos son extremamente<br />
conservadores, como el estado de<br />
Florida que prohibe la adopción, y otros más<br />
liberales como la ciudad de San Francisco, estado<br />
de California. La situación actual del país “más<br />
democrático” del mundo, frente a los derechos<br />
fundamentales y humanos es compleja, en virtud<br />
de la postura de su mayor dirigente.<br />
3.1.12 Africa del Sur<br />
En la realidad, este país, a pesar de todos<br />
los problemas, la legislación es extremamente<br />
moderna, asegurando la no-discriminación,<br />
especialmente en las relaciones de trabajo<br />
y seguridad social. El reconocimiento formal<br />
de la pareja permanente confiere al compañero<br />
el beneficio de pensión, asistencia médica y<br />
derechos sucesorios.<br />
3.2 LA HOMOAFECTIVIDAD EN BRASIL<br />
3.2.1 Aspectos Constitucionales<br />
Se pretende en ese tópico, abordar que<br />
la Constitución de la República Federativa de<br />
Brasil del año 1988 alberga principios que permiten<br />
la posibilidad de otorga de efectos jurídicos<br />
a las relaciones homoafectivas, vale decir,<br />
que partiendo de una interpretación sistemica<br />
15<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008
16<br />
del texto constitucional, se identifica que la<br />
Carta Magna no vedó el reconocimiento jurídico<br />
a las uniones homosexuales, una vez que<br />
provienen de hecho social capaz de provocar<br />
consecuencias jurídicas relevantes.<br />
Con efecto, la Constitución Brasileña<br />
consagra el principio de igualdad, al disponer<br />
en el caput del su articulo 5º, que todos son iguales<br />
delante a la ley sin distinción de cualquier<br />
naturaleza. De igual modo, consta en su articulo<br />
3º, inciso IV, como uno de los objetivos de la<br />
República Federativa de Brasil el de promover<br />
el bien de todos, sin preconceptos de origen,<br />
raza, sexo, color, edad y cualesquier otras formas<br />
de discriminación.<br />
La igualdad representa, en el campo de<br />
las uniones homoafectivas, la imposibilidad de<br />
si dar tratamiento desigual resultando de la orientación<br />
sexual.<br />
En otras palabras, en el aspecto formal<br />
de la igualdad se debe dar el mismo tratamiento<br />
jurídico a todos los individuos, sin distinción<br />
de elección sexual. Si prohibe la discriminación<br />
por orientación sexual.<br />
Por su turno, el derecho a la libertad es<br />
prestigiado por la Constitución desde su preámbulo,<br />
como uno de los objetivos de la República<br />
Federativa de Brasil y está expreso en diversos<br />
dispositivos, tales como de la manifestación del<br />
pensamiento (art. 5º, inciso IV); libertad de conciencia<br />
y de creencia (art. 5º, inciso VI); de la libre<br />
expresión de la actividad intelectual (art.5º,<br />
inciso IX); del libre ejercicio de cualquier trabajo,<br />
oficio o profesión (art.5º, inciso XIII); de la libre<br />
locomoción en el territorio nacional (art.5º,<br />
inciso XV); de la plena libertad de asociación para<br />
fines lícitos (art.5º, inciso XVII).<br />
Así, la homosexualidad se ubica en el<br />
campo del derecho de libertad a través de la posibilidad<br />
de la libre elección de la opción sexual.<br />
Haciendo un líame entre eses dos principios,<br />
es decir, de la igualdad y de la libertad,<br />
comenta Maria Berenice Dias (2004a):<br />
Si alguien dirige su interés sexual a<br />
otra persona, es decir, opta por otro<br />
para mantener un vínculo afectivo, está<br />
ejerciendo su libertad. El hecho de direccionar<br />
su atención a una persona<br />
del mismo o de distinto sexo que el<br />
suyo, no puede ser blanco de tratamiento<br />
discriminatorio. Resulta exclusivamente<br />
del sexo de la persona que<br />
hace la elección, al cual dispone de la<br />
libertad de opción. El tratamiento diferente<br />
por alguien por orientarse en<br />
dirección de uno u otro sexo, resulta<br />
en una clara discriminación a la propia<br />
persona, en función de su identidad<br />
sexual. El hecho de nada sufrir se<br />
intenta un vínculo a una persona de<br />
sexo opuesto al suyo, y ser blanco del<br />
repudio social por dirigir su deseo a la<br />
persona del mismo sexo es prueba clara<br />
de la existencia de discriminación.<br />
Si todos son iguales ante la ley, sin<br />
distinción de cualquier naturaleza, acá<br />
está incluso, por supuesto, la opción<br />
sexual que tenga.<br />
Así, la protección contra la discriminación<br />
involucra el derecho a la orientación<br />
sexual, una vez que el sexo de la<br />
persona elegida (hombre o mujer), no<br />
puede generar tratamiento desigual<br />
con relación a quien elige, so pretexto<br />
de estar discriminando a alguien por<br />
el sexo que posee: igual o distinto del<br />
sexo de la persona elegido (DIAS, 2004a,<br />
p. 91) (Traducción hecha por el autor).<br />
De extrema importancia, también, para<br />
el planteamiento de las cuestiones jurídicas involucrando<br />
la homosexualidad, parece el principio<br />
de la protección de la dignidad de la persona<br />
humana.<br />
La dignidad humana constituye en el texto<br />
constitucional brasileño como uno de los fundamentos<br />
del Estado Democrático de Derecho.<br />
A través de ella, se busca asegurar el<br />
respeto a la individualidad de cada uno, inde-<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008
pendiente de su opción sexual. Al revés, afrenta<br />
tal principio agredir u ofender una persona<br />
por fuerza de su orientación sexual. Y dice Guimarães<br />
(2003):<br />
El reconocimiento de efectos jurídicos a<br />
las relaciones homosexuales viene basado<br />
en la Constitución Federal, que<br />
establece entre los derechos fundamentales<br />
la dignidad de la persona humana,<br />
objetivando la construcción de una<br />
sociedad libre y solidaria, erradicando<br />
la marginalización y promoviendo el bien<br />
de todos, sin preconcepto de sexo y cualquier<br />
otras formas de discriminación, con<br />
fundamento en el principio de prevalecer<br />
los derechos humanos.<br />
La buena doctrina y la moderna jurisprudencia,<br />
ante los dispositivos constitucionales,<br />
buscan evitar cualquier<br />
forma de marginalización del ser humano,<br />
sea por la orientación sexual,<br />
por raza, por genero, por edad, por condición<br />
financiera. Todo un contingente<br />
de operadores del derecho, tiene inoculado,<br />
en si, el germen de la constante<br />
revisión del derecho puesto frente a<br />
la evolución del hecho social. Se trata<br />
de reformadores sensibles a la realidad,<br />
despojados de preconceptos y llenos<br />
de sentimiento de justicia, y respeto<br />
al semejante. Asimismo, la sociedad<br />
no está compuesta por solamente<br />
de reformadores. Buena parte de los<br />
operadores del derecho también son<br />
conservadores y pretenden, equivocadamente,<br />
reglamentar sentimientos. Se<br />
iluden narcisicamente, pensando que<br />
al aprisionar el hecho social estarán<br />
estableciendo el rumbo de la historia<br />
de la humanidad (GUIMARÃES, 2003, p.<br />
150). (Traducción hecha por el autor).<br />
Cabe entonces, analizar el artículo 226,<br />
párrafo 3º, da CF, que así dispone:<br />
Artículo 226 – La familia, base de la sociedad,<br />
tiene especial protección del<br />
Estado.<br />
(...)<br />
Párrafo 3º - Para efecto de protección<br />
del Estado es reconocida la unión estable<br />
entre el hombre y la mujer como<br />
ente familiar, debiendo la ley facilitar<br />
su conversión en casamiento.<br />
Tiene los que sostienen que el dispositivo<br />
arriba sería impeditivo del reconocimiento<br />
de la unión estable entre personas del mismo<br />
sexo, pues restringió la definición de unión estable<br />
aquella formada por personas de sexo distinto,<br />
es decir, entre el hombre y la mujer.<br />
Esa no es, sin duda, la mejor exégesis<br />
que se debe extraer del texto constitucional.<br />
Antes de buscar lo entender, no se debe<br />
perder de mira que cabe al intérprete se socorrer<br />
de principios de interpretación de la Constitución,<br />
entre ellos, se destacan para la solución del<br />
caso concreto, el principio de la efectividad, por lo<br />
cual compete al hermeneuta conferir la máxima<br />
efectividad posible a la norma constitucional.<br />
Además, también merece destaque el<br />
principio de la concordancia práctica o de la armonización,<br />
por lo cual, habiendo aparente colisión<br />
entre normas constitucionales, se debe<br />
prestigiar la optimización, de forma a asegurar<br />
los valores por ella protegidos, sin que si acarree<br />
la negociación de ninguno de ellos.<br />
Sin embargo, el conflicto, en la especie<br />
vertiente, es meramente aparente, pues<br />
en ningún momento el art. 226, § 3º de la Carta<br />
Magna brasileña puede ser interpretado como<br />
forma de otorga negativa de protección a los<br />
individuos que constituyen relaciones con persona<br />
del mismo sexo. Sin duda, el constituyente<br />
brasileño visó solamente facilitar la conversión<br />
en casamiento de la unión estable formada<br />
entre hombre y mujer, le concediendo el<br />
reconocimiento de entidad familiar. La disposición<br />
comentado, no veta, no prohibe la con-<br />
17<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008
18<br />
cesión de protección jurídica de las relaciones<br />
homoafectivas.<br />
De otro modo, las normas constitucionales<br />
necesitan ser examinadas dentro de un<br />
sistema unitario de reglas y principios, y no de<br />
forma aislada. Así, entender contrariamente, o<br />
sea, que el enunciativo acarrearía la exclusión<br />
de reconocimiento de la convivencia entre homosexuales,<br />
importaría en considerar que la<br />
Constitución podría permitir la discriminación,<br />
en detrimento de los principios de igualdad, libertad<br />
y protección a la dignidad humana.<br />
Sobre el tema, expone Rios (2001):<br />
La tesis que sostiene la aplicación<br />
analógica del instituto de la unión estable<br />
a las uniones homosexuales aleja,<br />
primeramente, la existencia de óbice<br />
constitucional al reconocimiento de<br />
estas uniones en la citada especie de<br />
comunidad familiar. En la ausencia de<br />
prohibición expresa o de previsión positiva,<br />
postula la interpretación de la<br />
Constitución de acuerdo con el canon<br />
hermenéutico de la ‘ unidad de la Constitución<br />
‘, según lo cual una interpretación<br />
adecuada del texto constitucional<br />
exige la consideración de las demás<br />
normas constitucionales, de modo que<br />
sean evitadas conclusiones contradictorias<br />
(RIOS, 2001, p.122). (Traducción<br />
hecha por el autor).<br />
En síntesis, la Carta Magna brasileña de<br />
1988 no impidió otorgar derechos y deberes a la<br />
unión formada por personas del mismo sexo,<br />
vetando, al mismo tiempo, cualquier tipo de<br />
discriminación proveniente de orientación sexual.<br />
Tal reconocimiento, sin embargo, está<br />
aguardando una solución legislativa y no precisa<br />
necesariamente, recurrir a su equiparación a<br />
la entidad familiar, bastando que sean reglamentados<br />
los negocios jurídicos de ellas provenientes.<br />
Vale decir, que no hay posibilidad de<br />
extraer del texto constitucional cualquier prohibición<br />
en el sentido de que sean disciplinados<br />
los efectos jurídicos provenientes de las<br />
uniones entre personas del mismo sexo.<br />
Sin embargo, la Constitución brasileña<br />
de 1988 solamente reconoció tres especies de<br />
familia: la proveniente del casamiento, la familia<br />
monoparental y la familia constituida a través<br />
de la unión estable entre hombre y mujer.<br />
La familia constituida por el casamiento<br />
tiene como presupuesto la diferencia entre los<br />
sexos, es requisito esencial para su propia existencia<br />
que el casamiento sea entre hombre y<br />
mujer.<br />
En relación a la familia monoparental,<br />
se extrae su noción de la disposición del § 4º,<br />
art. 226 de la Carta Magna brasileña de 1988, o<br />
sea, es formada por cualquier de los padres y<br />
sus descendientes. Si aleja la noción de una<br />
pareja, pues la entidad familiar es formada por<br />
apenas uno de los cónyuges.<br />
La unión estable está reconocida, en el<br />
texto constitucional, a través del § 3º, art. 226,<br />
como ya analizado. Presupone la convivencia<br />
pública, continua y duradera entre hombre y<br />
mujer con el objetivo de constituir una familia.<br />
3.2.2 Nuevo Código Civil Brasileño<br />
El nuevo Código Civil de Brasil que entró<br />
en vigor, originado de un proyecto de ley que<br />
tramitaba desde el año 1975, no reglamentó la<br />
materia, nada disponía sobre la unión entre personas<br />
del mismo sexo, pero al disciplinar en relación<br />
a la unión estable, aclaró la exigencia de la<br />
dualidad de sexos, en términos de su artículo<br />
1.723, todo conforme al § 3º, art. 226 de la Constitución<br />
de la República Federativa de Brasil.<br />
Necesario se hace aludir a la existencia<br />
de proyecto de ley presentado por el Diputado<br />
Nacional Ricardo Fiúza que, al aceptar la colaboración<br />
y sugestiones producidas por especia-<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008
listas en la materia, como los Profesores Doctores<br />
Zeno Veloso, Alvaro Vilaca y Regina Beatriz<br />
Tavares da Silva, que proponen diversas alteraciones<br />
al nuevo Código en vigor. Debe ser aclarado<br />
que este parlamentario fue el relator del<br />
proyecto del Código Civil durante su aprobación<br />
por el Congreso Nacional. Para suplir la apuntada<br />
omisión, recomienda el proyecto sea acrecentado<br />
al Estatuto Civil un nuevo dispositivo,<br />
con el siguiente término:<br />
Artículo 1.727-A - Las disposiciones contenidas<br />
en los artículos anteriores<br />
(1.723 a 1.727) se aplican, en que caber,<br />
las uniones fácticas de personas capaces,<br />
que vivan en economía común,<br />
de forma pública y notoria, desde que<br />
no contraríen las normas de orden pública<br />
y de las buenas costumbres.<br />
La justificativa para la propuesta está así<br />
fundamentada:<br />
Es imperioso que si acrecenté dispositivo<br />
que reconozca derechos patrimoniales<br />
a las uniones fácticas de dos<br />
personas capaces, mismo porque la<br />
propia jurisprudencia ya viene atribuyendo<br />
a esas uniones los mismos<br />
efectos jurídicos de las sociedades de<br />
hecho. Entiendo que por lo menos la<br />
cuestión patrimonial entre parejas civiles<br />
debe ser disciplinada por el Derecho<br />
de Familia.<br />
3.2.3 Proyecto de Ley<br />
La diputada Marta Suplicy, del Partido<br />
de los Trabajadores del estado de San Pablo, en<br />
1995 presentó un proyecto de ley disciplinando<br />
la unión civil entre personas del mismo sexo.<br />
En su justificativa decía que pretendía<br />
valer el derecho a la orientación sexual, hetero,<br />
bi o homosexual, mientras expresión de los derechos<br />
inherentes de la persona humana. Si los<br />
individuos tienen derecho a la búsqueda de la<br />
felicidad, por una norma impuesta por el derecho<br />
natural de todas las civilizaciones, no hay<br />
porque continuar negando o queriendo desconocer<br />
que muchas personas sólo son felices si<br />
ligadas a otras personas del mismo sexo, lejos<br />
de escándalos o anomalías, es difícil reconocer<br />
que esas personas sólo buscan el respeto a sus<br />
uniones como parejas, respeto y consideración<br />
que les es debida por la sociedad y por el Estado.<br />
3.2.4 El fallo del Tribunal Superior Electoral<br />
En 1º de octubre de 2004, en una decisión<br />
inédita, histórica y unánime, los ministros<br />
del Tribunal Superior Electoral brasileño, reconocieran<br />
la existencia de una relación afectiva<br />
estable entre personas del mismo sexo y negaran<br />
el registro de la candidatura de una diputada<br />
provincial a la intendencia de un municipio<br />
en el estado del Pará en virtud de ser compañera<br />
de la actual intendente del municipio.<br />
Al decidir, los ministros hicieran una lectura<br />
moderna de la Constitución Nacional brasileña.<br />
El artículo 14, párrafo 7º, establece que<br />
“son inelegibles, en el territorio o jurisdicción<br />
del titular, el cónyuge y los parientes consanguíneos<br />
o afines, hasta el segundo grado o por<br />
adopción” de los ocupantes de cargos en el ejecutivo.<br />
Esa prohibición tiene el objetivo de evitar<br />
el uso de la maquina administrativa en la<br />
elección y la perpetuación de familias en el poder,<br />
o sea, las llamadas manutención de las oligarquías<br />
en el poder.<br />
El ministro Gilmar Mendes, relator del<br />
fallo, dice que el tribunal tiene entendido que,<br />
además del cónyuge casado oficialmente con<br />
el actual intendente, gobernador o presidente<br />
reelecto, la concubina es inelegible. Dice que:<br />
“En que pese el ordenamiento jurídico brasileño<br />
aun no tener admitido la comunión de vidas<br />
entre personas del mismo sexo como entidad<br />
familiar, creo que esa relación tenga reflejo<br />
en la esfera federal”.<br />
19<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008
20<br />
3.2.5 Decisiones Administrativas y Otros Fallos<br />
En nivel administrativo, el Instituto Nacional<br />
de Seguridad Social brasileño normalizó<br />
la concesión de beneficios a las parejas homosexuales,<br />
en face de la decisión del Supremo<br />
Tribunal Federal tener extendido los beneficios<br />
de seguridad a los pares del mismo sexo.<br />
El facto de no haber previsión legal para<br />
específica situación, no significa ausencia de<br />
derecho a la tutela jurídica. La omisión de la ley,<br />
no quiere decir inexistencia de derecho, ni impide<br />
que se extraían efectos jurídicos de determinada<br />
situación fáctica. El silencio del legislador<br />
debe ser suplido por el juez<br />
No hay como negar aunque carente de<br />
legislación para reglamentar eso modelo de relación<br />
social, la evolutiva jurisprudencia, en especial,<br />
del Superior Tribunal de Justicia viene<br />
proclamando con vanguardia la existencia de la<br />
sociedad de facto en las relaciones homoafectivas,<br />
como se observa en el fallo:<br />
SOCIEDAD DE FACTO. HOMOSEXUALES. DI-<br />
VISIÓN DEL BIEN COMÚN. EL COMPAÑE-<br />
RO TIENE EL DERECHO DE RECIBIR LA MI-<br />
TAD DEL PATRIMONIO ADQUIRIDO POR EL<br />
ESFUERZO COMÚN, RECONOCIDA LA EXIS-<br />
TENCIA DE SOCIEDAD DE FACTO CON LOS<br />
REQUISITOS EN EL ART. 1363 DEL C. CIVIL.<br />
Responsabilidad civil. Daño moral.<br />
Asistencia al enfermo con sida. Improcedencia<br />
de la pretensión de recibir<br />
del padre del compañero que murio<br />
con sida la indemnización por el daño<br />
moral de haber soportado sólo los gastos<br />
que resultaron de la enfermedad.<br />
Daño que resultó de la opción de vida<br />
asumida por el autor y no de la omisión<br />
del pariente, faltando el nexo de<br />
causalidad. art. 159 del C. Civil. Acción<br />
posesoria juzgada improcedente. Demás<br />
cuestiones prejudiciales. Recurso<br />
conocido en parte y aceptado.<br />
4 DIMENSIÓN AXIOLÓGICA<br />
4.1 CONCLUSIÓN<br />
Una persona que sufra discriminación<br />
no puede ser libre en el sentido lato de la palabra.<br />
Faltando libertad, se está violando un principio<br />
fundamental de la persona.<br />
No es más posible convivir con la intolerancia,<br />
con la exclusión social. Se debe luchar<br />
por un mundo más fraterno, sin ninguna discriminación,<br />
que las personas tengan por lo menos,<br />
más solidaridad y fraternidad.<br />
El Poder Judicial tiene una gran parte<br />
de contribución para disminuir la discriminación,<br />
sea ella cual fuera. Debiendo el juez atender<br />
en su misión mayor, que es respetar la dignidad<br />
del ser humano. No se puede esconder<br />
más en su toga, en el acto de juzgar.<br />
Es preciso sacar la venda de la justicia,<br />
olvidar el aforismo de que el juez es un hombre<br />
sólo. No, el juez es un ser social, que debe juzgar<br />
dentro de la realidad en que vive.<br />
Es imperioso que los jueces cumplan con<br />
su verdadera misión, que es hacer justicia. Arriba<br />
de todo precisan tener sensibilidad para tratar<br />
de temas tan delicados, como las relaciones<br />
afectivas, cuyas demandas deben ser juzgadas<br />
con más sensibilidad y menos prejuicios. Las decisiones<br />
precisan dar más atención al principio<br />
de la igualdad y revestirse de más humanismo.<br />
Es necesario tener una visión plural de<br />
las estructuras familiares e insertar en el concepto<br />
de familia los vínculos afectivos que, por<br />
involucrarse más en el sentimiento de que la<br />
voluntad, merecen la especial protección que<br />
sólo el derecho de familia consigue asegurar.<br />
Las personas y las iglesias no deben olvidar<br />
que el mundo de hoy es plural y que todas<br />
las naciones buscan el ejercicio de los derechos<br />
sociales individuales, la libertad, la seguridad,<br />
el bienestar, el desarrollo, la igualdad y la justicia<br />
como valores supremos de una sociedad fraterna,<br />
pluralista y sin prejuicios.<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008
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21<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 7-21, nov. 2008
22<br />
Traços, Belém, v. 10, n. 21, p. 9-22, jun. 2008
COMBINAÇÃO DE TÉCNICAS PARA<br />
CONSTRUÇÃO DE UM MODELO<br />
DE CREDIT SCORING, USANDO<br />
ANÁLISE DISCRIMINANTE<br />
23<br />
Marcos dos Santos Dutra<br />
Elenice Biazi<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 23-32, nov. 2008
24<br />
Traços, Belém, v. 10, n. 21, p. 23-34, jun. 2008
COMBINAÇÃO DE TÉCNICAS PARA CONSTRUÇÃO<br />
DE UM MODELO DE CREDIT SCORING,<br />
USANDO ANÁLISE DISCRIMINANTE<br />
Marcos dos Santos Dutra*<br />
Elenice Biazi**<br />
RESUMO<br />
Apesar de alguns pesquisadores criticarem<br />
o uso da análise discriminante em<br />
modelos de credit scoring, devido as fortes<br />
pressuposições necessárias para correta discriminação<br />
dos dados, sua utilização é bastante<br />
usual. Este artigo propõe o uso combinado<br />
de técnicas capazes de amenizar os problemas<br />
de violações das pressuposições da<br />
análise discriminante e conseqüentemente<br />
reduzir os erros de classificação. Os resultados<br />
indicam que o uso combinado das técnicas<br />
propostas neste trabalho foi capaz de<br />
aumentar a eficiência do modelo em 16,30<br />
pontos percentuais.<br />
Palavras-chave: Análise Discriminante. Credit<br />
Scoring. Técnicas. Classificação. Eficiência do<br />
Modelo.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Fisher (1936) desenvolveu a análise<br />
discriminante, técnica estatística de análise<br />
multivariada que, a partir de características<br />
disponíveis de um indivíduo, cria uma regra de<br />
classificação que permite inferir a que<br />
população ele pertence. Isto permitiu o<br />
desenvolvimento dos primeiros modelos de<br />
credit scoring.<br />
Como afirmam Caoutte, Altman e<br />
Narayanan (1999), os modelos tradicionais de<br />
credit scoring atribuem pesos estatisticamente<br />
predeterminados a alguns atributos dos<br />
solicitantes, para gerar um escore de crédito. Se<br />
esse escore é favorável, quando comparado a um<br />
valor de corte, então a solicitação é aprovada.<br />
Assim, os modelos de credit scoring são uma<br />
ferramenta valiosa para decisões de aprovação<br />
ou não de pedidos de crédito, obedecendo à<br />
hipótese que o público alvo da carteira de crédito,<br />
após a implementação do modelo se mantenha<br />
o mesmo que no passado, sobre o qual os<br />
procedimentos estatísticos se baseiam.<br />
Caouette, Altman e Narayanan (1999)<br />
afirmam que, a maioria dos modelos de credit<br />
scoring apresentam alguns defeitos, como a<br />
violação da normalidade multivariada que pode<br />
afetar a validade estatística dos modelos.<br />
Entretanto, dificilmente são apresentados<br />
métodos, para solucionar estes problemas de<br />
violações. O que existe em abundância são<br />
discussões acerca dos problemas das<br />
metodologias estatísticas, mas de fato,<br />
dificilmente é encontrado algum estudo<br />
empírico revelando todas as etapas do processo<br />
de formação até a aplicação do modelo. A maior<br />
razão para isso é a necessidade de sigilo, visto<br />
que boas e sofisticadas técnicas trazem<br />
vantagem competitivas e, portanto, as<br />
instituições que as utilizam procuram não<br />
divulgá-las.<br />
*Mestre em Modelagem Matemática e Computacional (CFEDT/<br />
MG). Coordenador de Riscos do Banco Intermedium S/A. E-<br />
mail: marcosdutra@dppg.cefetmg.br<br />
** PhD In Statistics - University of Warwick. Professora do Centro<br />
Federal de Educação Tecnológica de Minas<br />
Gerais. E-mail: elenice@dppg.cefetmg.br<br />
25<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 23-32, nov. 2008
26<br />
Apesar dos problemas de violações da<br />
análise discriminante, sua aplicação em<br />
modelos de credit scoring é bastante usual.<br />
Assim, faz-se necessário amenizar ou resolver<br />
os problemas de violações das premissas da<br />
análise discriminante, caso contrário, pode-se<br />
ter um modelo ineficiente.<br />
O presente trabalho justifica-se por<br />
tratar de um tema de fundamental importância<br />
para as empresas que trabalham com crédito<br />
para pessoas físicas, sendo proposta a aplicação<br />
de técnicas estatísticas sofisticadas que<br />
viabilizem a aplicação da análise discriminante,<br />
mesmo quando as pressuposições necessárias<br />
para correta discriminação dos dados são<br />
violadas.Serão propostas três estratégias para<br />
melhor discriminação dos dados. Na estratégia<br />
01 será proposta a transformação de Box-Cox<br />
(1964), para obtenção de uma distribuição<br />
normal aproximada. Na estratégia 02 será<br />
proposta a técnica denominada influência local<br />
de Cook (1986), para detectar observações<br />
influentes. E finalmente, na estratégia 03 será<br />
proposta a análise discriminante quadrática.<br />
Este artigo, inicialmente será<br />
apresentado uma revisão sobre Análise<br />
Discriminante de Fisher e Quadrática. Nas<br />
seções 5 e 6 serão descritos o teste de<br />
normalidade multivariada de Mardia<br />
(1970,1974,1975) e a transformação de Box-Cox<br />
(1964). Na seção 7 será apresentada a técnica<br />
de influência local de Cook (1986). A estatística<br />
proposta e algumas outras técnicas estatísticas<br />
disponíveis na literatura são analisadas em um<br />
exemplo de aplicação financeira e os resultados<br />
estão presentes na seção 9. O artigo é concluído<br />
com uma discussão na seção 10.<br />
2 ANÁLISE DISCRIMINANTE DE FISHER<br />
Fisher (1936) introduziu a idéia de se<br />
construir funções discriminantes a partir de<br />
combinações lineares das variáveis originais. O<br />
método envolve a suposição que há p-variáveis<br />
aleatórias, g populações normais p-variadas e<br />
iguais matrizes de covariâncias populacionais.<br />
Nesse caso, é possível construir s combinações<br />
lineares, s < _ min (g _ 1, p), chamadas de<br />
funções discriminantes lineares de Fisher<br />
definidas por:<br />
eˆ<br />
W eˆ<br />
1,<br />
( 1)<br />
onde ê!j é o j-ésimo autovetor correspondente<br />
ao j-ésimo maior autovalor da matriz W - 1 B e<br />
tal que ê! j<br />
W ê j<br />
= 1, sendo W e B chamadas de<br />
matrizes soma de quadrados e produtos<br />
cruzados dentro (Within) dos grupos e entre<br />
(Between) grupos, sendo, respectivamente,<br />
definidas por:<br />
(2)<br />
(3)<br />
Sendo X ik<br />
o vetor de observações do<br />
elemento amostral k que pertence à população<br />
i, X i<br />
o vetor de médias amostrais da população<br />
i, X o vetor de médias amostrais, considerandose<br />
todas as n observações conjuntamente e n i<br />
o<br />
número de elementos pertencentes à amostra<br />
da população i, i = 1,2,3..., g,<br />
n i<br />
= n. As<br />
combinações lineares são as de maior poder<br />
discriminante dentro do conjunto de variáveis<br />
utilizadas para discriminação.<br />
Após a construção das funções<br />
discriminantes, para cada elemento amostral<br />
com vetor de observações x j<br />
, ter-se-á um<br />
vetor com seus escores nessas funções, isto<br />
é, Y! j<br />
= [ê! 1<br />
x j<br />
ê! 2<br />
x j<br />
... ê! s<br />
x j<br />
]. Além disso, terse-á<br />
os escores das funções discriminantes<br />
aplicadas aos vetores de média amostral<br />
observados para cada população, isto é,<br />
j<br />
j<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 23-32, nov. 2008
A regra de classificação consiste em<br />
calcular a distância Euclidiana entre os vetores<br />
^ ^<br />
Y j<br />
e Y j<br />
para todo i = 1,2,3..., g, sendo o<br />
correspondente elemento amostral j,<br />
classificado na população, cuja distância é a<br />
menor.<br />
A regra de classificação consiste em<br />
calcular a distância Euclidiana entre os vetores<br />
e para todo sendo o correspondente elemento<br />
amostral , classificado na população, cuja<br />
distância é a menor.<br />
3 FUNÇÃO DISCRIMINANTE QUADRÁTICA<br />
Quando as matrizes de covariâncias<br />
são diferentes, uma Função Discriminante<br />
Quadrática é apropriada. A função é dada por:<br />
onde:<br />
(4)<br />
vetor médio da população I I i<br />
.<br />
= matriz de covariâncias da população I I i<br />
.<br />
p i<br />
= probabilidade a priori de a observação<br />
pertencer à população I I i<br />
.<br />
x vetor aleatório<br />
A regra de classificação consiste em alocar x<br />
em I I k<br />
se:<br />
(5)<br />
4 COMPARANDO MATRIZES DE COVARIÂNCIA<br />
Como as suposições de igualdade das matrizes<br />
de covariância podem ser criticadas, é natural<br />
considerar um teste da taxa de verossimilhança<br />
para H 0.<br />
Assim, é obtida a equação para a taxa de<br />
verossimilhança,<br />
onde<br />
2log l<br />
(6)<br />
Quando H 0<br />
é verdadeiro e n é grande, _<br />
é aproximadamente distribuído com<br />
x 2 v1 , onde: v 1 = 1 d (d + 1) (I _ 1). Contu-<br />
2<br />
do, uma melhor aproximação qui-quadrado<br />
pode ser obtida por uma desprezível modificação<br />
de l . Esta modificação, na qual f i<br />
(= n _<br />
i<br />
1),<br />
os graus de liberdade associados com Q i,<br />
restabelecido<br />
n i<br />
,e no qual conduz para um teste não<br />
tendencioso, isto é:<br />
(7)<br />
Box (1949) propôs duas aproximações<br />
para a distribuição de M, a aproximação Qui-<br />
Quadrado e a aproximação-F.<br />
5 TESTE DE ASSIMETRIA E CURTOSE DE MAR-<br />
DIA (1970, 1974, 1975)<br />
Os dados de uma população normal<br />
multivariada não possuem assimetria ou curtose<br />
significante. Assim, a hipótese de assimetria e<br />
curtose não significantes é compatível com a<br />
suposição de que os dados foram retirados de<br />
uma população normal multivariada. Considere<br />
uma amostra aleatória X = (x 1<br />
, x 2<br />
, ..., x n<br />
) de<br />
tamanho N de uma distribuição p-variáveis e x<br />
sendo a média de X. A distância Mahalanobis<br />
dos casos x i<br />
e x pode ser calculada, como:<br />
onde:<br />
pxp é a matriz de covariância amostral e<br />
i=1,...N.<br />
27<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 23-32, nov. 2008
28<br />
O valor r ij<br />
, também conhecido como<br />
ângulo Mahalanobis entre os vetores x i<br />
_ x e<br />
x j<br />
_ x, pode ser calculado, como:<br />
Baseado sobre essas duas r-medidas,<br />
Mardia (1970) define uma medida de assimetria<br />
e curtose multivariadas, respectivamente,<br />
como:<br />
9<br />
10<br />
11<br />
Mardia (1970) apresenta que dado a<br />
normalidade multivariada tem-se assintoticamente:<br />
segue uma distribuição<br />
e,<br />
com:<br />
segue distribuição normal.<br />
Caso haja violação da pressuposição de<br />
normalidade multivariada, Seber (1984) diz que<br />
uma apropriada transformação pode freqüentemente<br />
produzir um conjunto de dados que<br />
segue uma distribuição normal, aumentando a<br />
aplicabilidade e o uso de técnicas, baseadas<br />
sobre as suposições de normalidade.<br />
6 TRANSFORMAÇÃO DE BOX-COX (1964)<br />
12<br />
13<br />
Box e Cox (1964) têm sugerido uma família<br />
de transformações para normalizar observações,<br />
para estabilizar a variância, e linearizar<br />
a relação entre variáveis dependentes e independentes.<br />
Exemplos notáveis dessa família de<br />
transformações são: (a) transformação raiz quadrada<br />
para estabilizar a variância e para remover<br />
a não-normalidade; (b) transformação raiz<br />
cúbica para remover a não-normalidade, e (c)<br />
transformação logarítmica para estabilizar a variância<br />
e para remover a não-normalidade; Box<br />
e Cox consideram uma família de transformações,<br />
sendo definida por:<br />
14<br />
que simultaneamente satisfaz todas as três suposições.<br />
O coeficiente pode ser estimado<br />
pelo método da máxima verossimilhança.<br />
7 INFLUÊNCIA LOCAL<br />
Dado um conjunto de observações,<br />
seja l o logaritmo da função de verossimilhança<br />
correspondente ao modelo postulado,<br />
sendo que é um vetor (p + 1) x 1 de<br />
parâmetros desconhecidos. Perturbações podem<br />
ser introduzidas no modelo por um vetor<br />
, pertencente a um<br />
subconjunto aberto de .<br />
Supondo que o esquema de perturbação<br />
esteja definido, denotado por l como<br />
logaritmo da função de verossimilhança<br />
perturbada, o vetor expressa um esquema<br />
de pesos, existindo um ponto ,<br />
em que l l . Dado que é o<br />
estimador de máxima verossimilhança,<br />
obtido por meio de l ( ) e é o estimador<br />
de máxima verossimilhança, obtido<br />
por meio de l , o objetivo é comparar<br />
e , quando varia em . Cook (1986)<br />
sugere que a comparação entre e seja feita<br />
por afastamento pelo logaritmo da função de verossimilhança<br />
, expresso da seguinte<br />
maneira:<br />
15<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 23-32, nov. 2008
Dessa forma, contém informação<br />
essencial sobre a influência do esquema de perturbação.<br />
A idéia de Cook (1986) é estudar o<br />
comportamento da função numa vizinhança<br />
, que é o ponto em que as duas<br />
verossimilhanças são iguais. Para isso, o autor<br />
considerou a seguinte superfície geométrica:<br />
(16)<br />
que é denominada de gráfico de influência. O<br />
estudo de influência local consiste em analisar<br />
como a superfície desvia-se de seu plano<br />
tangente em (T O<br />
) . Essa análise pode ser feita<br />
estudando-se as curvaturas das seções normais<br />
da superfície em , que são as intersecções de<br />
com planos, contendo o vetor normal com seu<br />
plano tangente em. As curvaturas dessas seções<br />
são denominadas curvaturas normais.<br />
A interseção entre a seção normal e o<br />
plano tangente T O<br />
é denominada linha projetada.<br />
Essa linha pode ser obtida por meio do gráfico<br />
de LD ( o<br />
+ ah) contra<br />
A curvatura normal da linha projetada,<br />
denotada por C h<br />
, é definida como sendo a curvatura<br />
de (a, LD { (a)}) em a = 0, em<br />
que (a) = o<br />
+ ah. Denomina-se C h<br />
curvatura<br />
normal da superfície em e na direção<br />
o<br />
unitária h .<br />
Cook (1986) mostra que a curvatura normal<br />
na direção h pode ser expressa da seguinte forma:<br />
C h<br />
= 2 h T F ¨ h ,<br />
(17)<br />
Sendo que F<br />
¨<br />
= T [ I ( )] -1 , I ( ) é<br />
a matriz de informação observada sob o modelo<br />
postulado, e é a matriz (p + 1) x n definida<br />
por:<br />
(18)<br />
avaliada em .<br />
O interesse particular está na direção (ou<br />
nas direções) que produz(em) maior influência<br />
local. Segundo Cook (1986), a direção que produz<br />
a maior mudança local na estimativa dos<br />
parâmetros é dada por l max , que corresponde<br />
ao autovetor normalizado, correspondente ao<br />
maior autovalor da matriz<br />
. O vetor<br />
l max é utilizado para identificar as observações<br />
que podem estar controlando propriedades importantes<br />
na análise dos dados.<br />
Cook (1986), equação (38) e (39), demonstra<br />
que para o caso Variáveis Explanatórias,<br />
os autovalores de F ¨ e a curvatura normal<br />
são dados respectivamente por:<br />
8 ADEQUAÇÃO DO MODELO<br />
(19)<br />
(20)<br />
Um dos métodos mais mencionados na<br />
literatura para verificar a discriminação para<br />
g 2 populações, com n 1<br />
, n 2<br />
,... n g<br />
observações<br />
respectivamente e o total de observações n =<br />
n 1<br />
+ n 2<br />
+ ... + n g<br />
, é o método de Wilk para<br />
comparações dos vetores médias populacionais,<br />
sendo dado por:<br />
V<br />
= W / T<br />
(21)<br />
A matriz W é obtida da matriz definida<br />
em (2) e a matriz T é chamada de matriz soma de<br />
quadrados e produtos cruzados total, sendo<br />
obtida pela soma das matrizes (2) e (3).<br />
O Lambda de Wilk pode ser convertido<br />
a um valor de F.<br />
29<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 23-32, nov. 2008
30<br />
9 APLICAÇÃO<br />
Um conjunto de dados reais de uma<br />
instituição financeira será usado para ilustração,<br />
aplicando as três estratégias apresentadas para<br />
uma melhor discriminação dos dados.<br />
O primeiro grupo é denominado “bom”,<br />
sendo composto por clientes que não obtiveram<br />
atraso no pagamento da prestação ou que<br />
obtiveram atrasos de até 60 dias. O segundo<br />
grupo é chamado “ruim”, composto por clientes<br />
que obtiveram atrasos superiores há 180 dias.<br />
A amostra é composta por 904 contratos<br />
de clientes que tomaram empréstimos em 02/<br />
01/2005 a 31/12/2006. Para cada um desses<br />
contratos foram obtidas 11 variáveis, as quais<br />
foram denotadas por x 1<br />
, x 2<br />
, ..., x 11<br />
.<br />
Aplicando o teste de Mardia<br />
(1970,1974,1975) no SPSS 16 por meio da macro<br />
de DeCarlo (1997), obtiveram-se as medidas de<br />
assimetria e curtose, respectivamente, por:<br />
b 1,p<br />
= 50,68 e b 2,p<br />
= 176, 41<br />
De (14) e (15), com d =11 e f= 904, obtémse:<br />
A = 1351,57 o qual é significante quando<br />
comparado com x 2 , e 165<br />
B = 12, 49 o qual é significante quando<br />
comparado com N(0,1).<br />
Assim, conclui-se que os dados<br />
apresentam um afastamento notório da<br />
normalidade multivariada. Nesse caso, será<br />
proposta a estratégia 1: transformação de Box-<br />
Cox.<br />
9.1 ESTRATÉGIA 1<br />
Com os dados aproximadamente<br />
normalizados aplicou-se a Análise<br />
Discriminante de Fisher. Os resultados são<br />
apresentados na tabela 1.<br />
Tabela 1: Resultado da Função Discriminante<br />
de Fisher – dados transformados<br />
Para responder a questão concernente<br />
se houve melhoria no resultado, aplicando a<br />
Transformação de Box-Cox (1964), foi aplicado<br />
a Análise Discriminante de Fisher para os dados<br />
não transformados. Os resultados são<br />
apresentados na tabela 2.<br />
Tabela 2: Resultado da Função Discriminante<br />
de Fisher – dados sem transformação<br />
Analisando os resultados apresentados<br />
nas tabelas 1 e 2, observa-se uma melhoria<br />
significativa quando aplicado a aproximação de<br />
Box-Cox (1964) de 83,4 % para 87,4%.<br />
O próximo passo é verificar se existem<br />
observações que possam estar influenciando o<br />
resultado da análise. Diante disso, será aplicada<br />
a estratégia 2: influência local.<br />
9.2 ESTRATÉGIA 2<br />
Tem-se que a curvat ura C max<br />
= 4,93<br />
computada de (20) é relativamente pequena.<br />
Contudo, Verbeke e Molenberghs (2000), têm<br />
apresentado que, indiferente do tamanho de<br />
C max, uma inspeção de l max é valida. Sendo que<br />
os maiores valores de correspondem às<br />
observações influentes.<br />
Na figura 1, é apresentado o gráfico de<br />
influência, implementado no software R,<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 23-32, nov. 2008
observados que os valores de l max acima de 0.006<br />
se destacam em relação aos demais. Contudo,<br />
é observado ainda que os valores de l max abaixo<br />
de 0.0018 também se destacam. Nesse caso,<br />
serão feitas duas análises:<br />
a) consideram-se os valores de acima de 0.006<br />
como pontos influentes, sendo encontrados<br />
67 pontos influentes;<br />
b) consideram-se os valores de acima de 0.006<br />
e abaixo de 0.0018 como pontos influentes,<br />
sendo encontrados 112 pontos influentes.<br />
Figura 1: Gráfico de Influência<br />
– Caso variáveis explanatórias<br />
Para reanálise dos dados são retirados<br />
os 67 e os 112 possíveis pontos influentes,<br />
respectivamente.<br />
Após a retirada das 67 e das 112<br />
observações influentes, é importante constatar<br />
se houve melhoria na discriminação dos dados.<br />
Os resultados são apresentados na tabela 3 e 4.<br />
Tabela 3: Resultado da Função Discriminante<br />
de Fisher – retirados 67 pontos influentes<br />
Tabela 4: Resultado da Função Discriminante<br />
de Fisher – retirados 112 pontos influentes<br />
Observando as tabelas 3 e 4, verifica-se<br />
uma melhoria significativa quando aplicado a<br />
metodologia de influência local de Cook (1986),<br />
de 87,3% para 94,3% e de 87,3% para 97,1%,<br />
respectivamente.<br />
Diante dos resultados apresentados nas<br />
tabelas 3 e 4, é possível constatar que o<br />
procedimento de diagnósticos em análise de<br />
influência, proposta por Cook (1986), é eficiente<br />
para o modelo proposto.<br />
Contudo, é importante verificar se a igualdade<br />
das matrizes de covariâncias pode ser contestada,<br />
nesse caso, a função discriminante quadrática<br />
será mais indicada. A seguir é proposta a estratégia<br />
3, caso o teste de Box (1979) rejeite a premissa de<br />
igualdade das matrizes de covariâncias.<br />
9.3 ESTRATÉGIA 3<br />
Aplicado o teste de Box e convertido a<br />
um valor F, obtiveram-se os valores de 26,13 e<br />
24,16 para os dois procedimentos, respectivamente.<br />
Como o p-valor nos dois casos são 0,00,<br />
menor que o nível de significância igual a 0,05, é<br />
rejeitada a hipótese das matrizes de covariância<br />
intra-classe serem iguais nos dois modelos.<br />
Para contornar esse problema a Função<br />
Discriminante Quadrática será a mais indicada.<br />
Os resultados estão presentes na tabela 5 e 6.<br />
Tabela 5: Resultado da Função Discriminante<br />
Quadrática – retirados 67 pontos<br />
31<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 23-32, nov. 2008
Tabela 6: Resultado da Função Discriminante<br />
Quadrática – retirados 112 pontos<br />
são diferentes. Portanto, conclui-se que as diferenças<br />
entre as três amostras são adequadamente<br />
descritas pelas funções discriminantes.<br />
32<br />
Aplicado a função discriminante quadrática<br />
verifica-se uma melhoria de 94,3%, para 94,7%<br />
e 97,1% para 99,7%, conforme tabelas 3 e 5; 4 e 6.<br />
O passo seguinte é verificar a adequação<br />
do modelo de discriminação. Nesse caso,<br />
será validado apenas o modelo que apresentou<br />
melhor desempenho, cujos resultados de classificação<br />
estão na tabela 6.<br />
9.4 VALIDAÇÃO DO MODELO<br />
Utilizando o método de Wilk, o mesmo<br />
apresentou o valor F aproximado de 296,78. O p-<br />
valor calculado apresentou ser menor que o nível<br />
de significância alfa = 0,05. Nesse caso, devese<br />
rejeitar a hipótese nula H 0<br />
: os vetores médios<br />
das 3 classes são iguais, em favor da hipótese<br />
alternativa H a<br />
: os vetores médios das 3 classes<br />
10 DISCUSSÃO<br />
A conclusão que pode ser feita a partir<br />
de todos os resultados observados é que o uso<br />
combinado da metodologia proposta, neste trabalho,<br />
foi capaz de melhorar a classificação dos<br />
clientes em 16,30%.<br />
O resultado de 99,70% indica que a aplicação<br />
do modelo na prática será capaz de classificar<br />
corretamente uma proporção bastante elevada<br />
de todas as operações de crédito submetidas<br />
à análise. Diante desse resultado, é possível<br />
afirmar que – apesar da análise discriminante<br />
ser baseada em diversas premissas que geralmente<br />
são violadas quando a mesma é aplicada<br />
na construção de modelos de credit scoring<br />
– é possível obter um excelente modelo de<br />
credit scoring, utilizando a análise discriminante.<br />
Contudo, faz-se necessário o uso combinado<br />
das técnicas apresentadas neste trabalho.<br />
Caso contrário, os resultados obtidos podem<br />
distanciar consideravelmente da realidade.<br />
BOX, G. E. P. e Cox, D. R., An analysis of transformations.<br />
Journal of the Royal Statistical Society,<br />
v. 26, p. 211-252, 1964.<br />
______. A general distribution theory for a class of<br />
likelihood criteria, Biometrika, v. 36, p. 317-346, 1949.<br />
CAOUETTE, J. B., Altman, E. I. e Narayanan, P.<br />
Gestão do Risco de Crédito. 1. ed. Qualitymark,<br />
Rio de Janeiro, 1999.<br />
COOK, R. R. Assessment of local influence (with<br />
discussion), Journal of the Royal Statististical<br />
Society, v. 48, p 133-169, 1986.<br />
DECARLO, L. T. On the Meaning and Use of Kurtosis,<br />
Psychological Methods, v. 3, p. 292-307, 1997.<br />
FISHER, R. A. The use of multiple measurement<br />
in taxonomic problems. Annals of Eugenics, v.<br />
7, p. 179-188, 1936.<br />
REFERÊNCIAS<br />
MARDIA, K.V. Measures of multivariate skewness<br />
e kurtosis with applications, Biometrika, v.<br />
57, p. 519-530, 1970.<br />
______. Applications of some measures of multivariate<br />
skewness and kurtosis in testing normality<br />
and robustness studies, Sankhyã B, v. 35,<br />
p. 115-128, 1974.<br />
MARDIA, K.V. Assessment of multinormality and<br />
therobustness of Hotelling’s T 2 test, Applied<br />
Statistics, v. 24, p. 163-171, 1975.<br />
SEBER, G. A. F. Multivariate Observations. 1 ed.<br />
John Wiley & Sons, Canada, 1984.<br />
Verbeke, G. e Molenberghs, G. Linear Mixed<br />
Models for Longitudinal Data, 1 ed. Springer,<br />
New York, 2000.<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 23-32, nov. 2008
CURSOS SEQÜENCIAIS:<br />
uma ferramenta de<br />
flexibilização às organizações<br />
33<br />
Artur Vicente da Costa<br />
Joaquim Augusto Souza de Menezes<br />
Leila Márcia Sousa de Lima Elias<br />
Maria de Fátima Ferreira Seabra<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 33-43, nov. 2008
34<br />
Traços, Belém, v. 10, n. 21, p. 23-34, jun. 2008
CURSOS SEQÜENCIAIS:<br />
uma ferramenta de flexibilização às organizações<br />
Artur Vicente da Costa*<br />
Joaquim Augusto Souza de Menezes**<br />
Leila Márcia Sousa de Lima Elias***<br />
Maria de Fátima Ferreira Seabra ****<br />
RESUMO<br />
Este artigo aborda os Cursos Seqüenciais como<br />
um instrumento de flexibilização do sistema educacional<br />
brasileiro, contribuindo para o desenvolvimento<br />
das organizações vistas como organismos.<br />
Inicialmente, será contextualizado a origem<br />
dos Cursos Seqüenciais, a contribuição destes<br />
na inovação educacional em um determinado<br />
campo específico do saber, a estrutura do sistema<br />
educacional antes e após a Lei de Diretrizes<br />
e Bases da Educação Nacional e por final, a<br />
vinculação dos Cursos Seqüenciais com a organização<br />
vista como organismo.<br />
Palavras-chave: Cursos Seqüenciais. Flexibilização<br />
e campo do saber. Inovação educacional. LDB.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Este artigo pretende tecer considerações<br />
sobre o recente tema Cursos Seqüenciais de<br />
Nível Superior, definidos pela nova Lei de Diretrizes<br />
e Bases da Educação Nacional - LDB e concebido<br />
como uma modalidade de flexibilização<br />
e diversificação da oferta de cursos superiores<br />
no Brasil, como uma variável inovadora do sistema<br />
educacional brasileiro.<br />
Os Cursos Seqüenciais são procurados<br />
para uma formação específica em um dado “campo<br />
do saber”. O exemplo, dessa afirmação pode<br />
ser visto na ciência da administração, tendo a<br />
equivalência a esta um curso seqüencial no campo<br />
específico de Gestão de Órgãos Públicos, no<br />
qual o prazo para realização é relativamente à<br />
metade da carga horária do curso de Graduação,<br />
com duração de dois anos ou dois anos e<br />
meio, com objetivos claros e práticos.<br />
Neste artigo será abordado inicialmente<br />
a contextualização da origem dos Cursos Seqüenciais,<br />
sua base legal e em seguida uma abordagem<br />
sobre a inovação educacional em determinado<br />
campo do saber, a estrutura antes e após<br />
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,<br />
Lei Nº. 9.394/96 e as considerações finais.<br />
1.1 CONTEXTO<br />
O ensino superior brasileiro, na década<br />
dos anos 90, começou a conviver com um novo<br />
modelo de Educação Superior - Cursos Seqüenciais<br />
de Nível Superior, definido pela nova Lei<br />
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –<br />
LDB (Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996), que<br />
apresenta uma nova modalidade de oferta de<br />
cursos superiores no Brasil.<br />
Para uma primeira interligação com o<br />
contexto há a necessidade da abordagem nos<br />
aspectos das políticas de Educação Superior, assim<br />
como a filosofia que permeia a LDB/1996 no<br />
que tange a esse nível de educação – cursos seqüenciais,<br />
qual seja a idéia de flexibilização que<br />
permitiria uma maior diversidade nas modalidades<br />
de oferta de cursos superiores, aliada ao<br />
35<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 33-43, nov. 2008
36<br />
reforço das funções de supervisão e avaliação<br />
realizadas pelo Ministério da Educação – MEC,<br />
como contrapartida à ampliação da autonomia<br />
e responsabilidade das Instituições de Ensino<br />
Superior (IES), definindo-se, assim, uma política<br />
que é explicitada como sendo de “expansão<br />
com qualidade”, a partir da construção de um<br />
conjunto de indicadores de avaliação.<br />
A ampla divulgação dos resultados da<br />
avaliação dos cursos e das instituições<br />
transformaram a sociedade em<br />
instrumento fundamental de pressão<br />
e os estudantes em aliados do Ministério<br />
na guerra pela expansão com<br />
qualidade (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO,<br />
2000a, p. 14).<br />
Em seu artigo 44, a Lei 9.394 de 20 de<br />
dezembro de 1996, define as modalidades da<br />
Educação Superior da seguinte maneira:<br />
Art. 44. A educação superior abrangerá<br />
os seguintes cursos e programas:<br />
I - cursos seqüenciais por campo de saber,<br />
de diferentes níveis de abrangência,<br />
abertos a candidatos que atendam<br />
aos requisitos estabelecidos pelas<br />
instituições de ensino;<br />
II - de graduação, abertos a candidatos<br />
que tenham concluído o ensino<br />
médio ou equivalente e tenham sido<br />
classificados em processo seletivo;<br />
III - de pós-graduação, compreendendo<br />
programas de mestrado e doutorado,<br />
cursos de especialização e aperfeiçoamento<br />
e outros abertos a candidatos<br />
diplomados em cursos de graduação<br />
e que atendam às exigências das<br />
instituições de ensino;<br />
IV - de extensão, abertos a candidatos<br />
que atendam aos requisitos estabelecidos<br />
em cada caso pelas instituições<br />
de ensino.<br />
A nova abordagem, que surge na redação<br />
do artigo supracitado, é exatamente em seu primeiro<br />
inciso, que cria a modalidade dos cursos<br />
seqüenciais no Brasil, considerando o campo do<br />
saber em determinada área do conhecimento.<br />
Em 1998, após dois anos de pressões<br />
desencadeadas pela ausência de uma norma<br />
reguladora dos cursos seqüenciais, o Conselho<br />
Nacional de Educação – CNE, elaborou um primeiro<br />
parecer a respeito do assunto, o Parecer<br />
da Câmara de Educação Superior - CES/CNE 670,<br />
que abordou pontos obscuros da concepção dos<br />
cursos seqüenciais a partir das idéias originais<br />
de seu idealizador, o Senador Darcy Ribeiro.<br />
Assim, pela primeira vez surgia um detalhamento<br />
sobre os termos utilizados na definição do<br />
inciso I do artigo 44 da LDB sobre os cursos seqüenciais<br />
por “campo de saber”. Esse parecer<br />
ainda foi reformulado duas outras vezes, no<br />
Parecer 672/98 e no Parecer 968/98 que, finalmente,<br />
foi homologado pelo Ministro da Educação<br />
e deu origem à Resolução 1/99, documento<br />
atual da regulamentação dos cursos seqüenciais,<br />
a qual dispõe:<br />
Promulgada a Lei Nº. 9.394/96, a Câmara<br />
de Educação Superior do Conselho<br />
Nacional de Educação iniciou estudos<br />
que resultaram em pareceres com vistas<br />
à regulamentação de dispositivos<br />
do novo diploma legal.<br />
Um destes pareceres, o de Nº. 670/97,<br />
tratava dos cursos seqüenciais no ensino<br />
superior (...).<br />
Aprovado em novembro de 1997, e encaminhado<br />
à homologação do Ministro<br />
da Educação, (...) posteriormente foi<br />
devolvido para reexame pela CES. Foi<br />
então elaborado o Parecer Nº. 672/98,<br />
que ampliou e melhor explicitou o escopo<br />
dos cursos seqüenciais, baseando-se<br />
amplamente naquele de Nº. 670/<br />
97. Posteriormente, alguns conselheiros<br />
apresentaram ponderações refe-<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 33-43, nov. 2008
entes à implementação dos cursos<br />
seqüenciais, o que recomendou a retificação<br />
do Parecer Nº. 672/98. (...).<br />
Outro aspecto importante é à afirmação<br />
de que os cursos seqüenciais são cursos de equivalência<br />
de nível superior, quer dizer, não apenas<br />
de nível pós-médio, mas cursos direcionados<br />
a propiciar conhecimentos aos discentes que<br />
neles estiverem inseridos à formação em determinado<br />
campo específico de uma determinada<br />
área do conhecimento, inc. II, art. 44/LDB/96.<br />
Dessa maneira, os Cursos Seqüenciais<br />
passaram a ser mais uma modalidade alternativa<br />
de acesso à Educação Superior, tendo<br />
em vista uma qualificação preocupada com a<br />
qualidade da teoria versus prática para o mundo<br />
do trabalho com o conceito de formação<br />
continuada.<br />
A necessidade de diversificação da Educação<br />
Superior está ligada, por um lado, à demanda<br />
pela expansão de vagas nas Instituições<br />
de Ensino Superior de maneira a atender cada<br />
vez mais um número de concluintes do Ensino<br />
Médio, além de, é claro, a possibilidade de acesso<br />
a uma formação superior em carreiras diferenciadas<br />
das formações tradicionais, tendo<br />
como foco atender as necessidades do mundo<br />
do trabalho globalizado.<br />
2 CURSOS SEQÜENCIAIS COMO INSTRU-<br />
MENTOS DE FLEXIBILIZAÇÃO DA GESTÃO EDU-<br />
CACIONAL<br />
O Brasil vem presenciando transformações<br />
significativas no seu ordenamento jurídico<br />
com a Constituição Federal sendo constantemente<br />
reformada por meio de emendas, em<br />
muito modificando as idéias vigentes na época<br />
de sua elaboração, na Assembléia Constituinte<br />
encerrada de 05 de outubro de 1988, sendo que<br />
esse cenário se aplica, também, ao sistema educacional<br />
brasileiro.<br />
Antes de 1996, a organização da estrutura<br />
do sistema educacional brasileiro era vista<br />
somente como um processo normativo, o sistema<br />
educacional era um instrumento rígido, apresentando<br />
visão mecanicista, não interligado,<br />
regido pela Lei Nº. 4.024/61.<br />
Após esse período, surge a Lei Nº 5.692/<br />
71 como parte integrante do processo educacional.<br />
O primeiro grau não apresentava, em sua<br />
essência, um sistema educacional continuado<br />
que se interligasse ao plano concebido para segundo<br />
grau. Este continha determinados campos<br />
do saber e era composto na estrutura de<br />
“modalidade” de Educação Profissional, vista<br />
como técnica – tida como um apêndice desta<br />
modalidade, isto é do segundo grau, tais como:<br />
técnico em contabilidade, técnico administrativo,<br />
magistério, técnico em edificações, técnico<br />
em construção civil, técnico em desenho industrial<br />
etc.<br />
Em seguida, objetivando adequar o sistema<br />
educacional brasileiro às necessidades do<br />
mundo globalizado, o Ministério da Educação<br />
implementa a Lei Nº. 7.044/82, que começa a<br />
trabalhar a visão por área do conhecimento,<br />
como: Ciências Humanas, Ciências Biológicas,<br />
Ciências Exatas, Letras e Artes etc.<br />
Nesse momento, o cenário da política<br />
educacional brasileira começa a implementar<br />
estudos, objetivando transformar a estrutura<br />
da educação que era vista como mecanicista<br />
para a concepção do saber saber, saber fazer e<br />
saber ter, considerando as mudanças do cenário<br />
educacional mundial que passa a enxergar<br />
as organizações de ensino como organismos<br />
vivos, isto é, levam-se em consideração os processos<br />
que contém não somente a máquina do<br />
capital social e humano, mas principalmente<br />
os processos interligados à busca da teoria versus<br />
os diversos campos do saber profissional.<br />
A seguir, a construção do entendimento pelo<br />
grupo em relação ao sistema educacional brasileiro,<br />
antes do ano de 1996.<br />
37<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 33-43, nov. 2008
Pós-Graduação<br />
Lato e Stricto Sensu<br />
3º Grau<br />
Graduação<br />
Educação Básica<br />
1º e 2º Grau e Alfabetização<br />
38<br />
Fonte: Sistema educacional – Idealização do grupo.<br />
Ao ter como meta mundial, a universalização<br />
da educação, a partir de 1996, o Brasil<br />
aplica novos dispositivos legais, que proporcionam<br />
maior flexibilização no que tange as modalidades<br />
de ensino, principalmente na Educação<br />
Superior.<br />
O surgimento da nova Lei de Diretrizes<br />
e Bases da Educação Nacional - LDB, Lei 9394/96,<br />
um instrumento norteador e regulador do novo<br />
sistema educacional brasileiro, conceituado por<br />
muitos estudiosos como o instrumento de<br />
“equivalência” à Constituição Federal Brasileira,<br />
pois regulariza e norteia todos os procedimentos<br />
do Sistema Educacional na Pátria.<br />
Dentre as especificidades, constata-se<br />
a necessidade de novos parâmetros de formação<br />
e qualificação profissional, para que esses<br />
trabalhadores qualificados possam atender as<br />
novas demandas das atividades produtivas, visto<br />
que, nesse momento, a sociedade almejava<br />
parâmetros de formação profissional.<br />
Nesse contexto, a educação, especificamente<br />
a formação profissional, emerge no cenário<br />
educacional como prioridade para alavancar<br />
o crescimento econômico e o desenvolvimento<br />
social do Brasil, já que parecia haver unanimidade<br />
entre os diferentes setores, que buscavam<br />
referências na teoria do capital humano,<br />
que defende os investimentos na educação<br />
como algo indispensável.<br />
Finalmente, com a regulamentação dos<br />
cursos seqüenciais, estes foram definidos como<br />
um conjunto de atividades de formação, alternativas<br />
ou complementares aos cursos de Graduação,<br />
abertos a candidatos que atendessem<br />
aos requisitos estabelecidos pelas Instituições<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 33-43, nov. 2008
de Ensino Superior e fossem portadores de certificação<br />
de nível médio, e tudo isto consta na<br />
Resolução do CNE/CESU Nº. 1/99.<br />
Os referidos cursos foram organizados<br />
em duas categorias: cursos superiores de formação<br />
específica e cursos superiores de complementação<br />
de estudos, em que o primeiro<br />
assegura a obtenção de um diploma; e o segundo<br />
garante um certificado, conforme demonstrado<br />
no diagrama, a seguir.<br />
STRICTO SENSU<br />
DOUTORADO<br />
MESTRADO<br />
LATO SENSU<br />
PÓS-DOUTORADO<br />
ESPECIALIZAÇÃO,<br />
APERFEIÇOAMENTO,<br />
OUTROS.<br />
EDUCAÇÃO<br />
SUPERIOR<br />
Duração variável<br />
Anos de Estudo<br />
6º<br />
5º<br />
4º<br />
3º<br />
2º<br />
1º<br />
CURSOS<br />
SEQÛENCIAIS<br />
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL<br />
CURSOS DE EXTENSÃO<br />
PROCESSOS SELETIVOS<br />
1 8<br />
1 7<br />
1 6<br />
1 5<br />
Idade - anos<br />
ENSINO<br />
MÉDIO<br />
Anos de<br />
Estudo<br />
4º<br />
3º<br />
2º<br />
1º<br />
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL<br />
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS<br />
Mínimo: 18 anos de idade<br />
39<br />
1 4<br />
1 3<br />
1 2<br />
1 1<br />
1 0<br />
9<br />
8<br />
Idade - anos<br />
ENSINO FUNDAMNTAL<br />
Anos de<br />
Estudo<br />
Anos de Estudo<br />
8º<br />
7º<br />
6º<br />
5º<br />
4º<br />
3º<br />
2º<br />
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS<br />
Mínimo: 15 anos de idade<br />
EDUCAÇÃO ESPECIAL<br />
Integrada preferencialmente na rede regular de<br />
ensino.<br />
Atendimento em classes, escolas e serviços especializados.<br />
Educação para o trabalho.<br />
7<br />
1º<br />
4-6<br />
0-3<br />
EDUCAÇÃO<br />
INFANTIL<br />
PRÉ-<br />
ESCOLAR<br />
CRECHES<br />
Diagrama 1: Organização e Estrutura do Sistema Educacional – Nova LDB.<br />
Fonte: Gomes, 1998<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 33-43, nov. 2008
O novo modelo de gestão da educação<br />
nacional se expressa, mediante da organização<br />
dos sistemas de ensino, explicitando<br />
as incumbências da União, dos Estados<br />
e dos Municípios, interligando o processo<br />
de educação, modificando a organização<br />
e a estrutura do sistema educacional.<br />
Quadro 1.<br />
40<br />
União Estados Municípios<br />
•Organizar, manter e desenvolver<br />
o sistema federal de ensino e dos<br />
territórios.<br />
•Coordenar a política nacional de<br />
educação, articulando níveis de<br />
sistema.<br />
•Normatizar sobre cursos de Graduação<br />
e Pós-Graduação.<br />
•Elaborar o plano nacional de educação,<br />
em colaboração com os<br />
demais níveis de governo.<br />
•Estabelecer competências e definir<br />
diretrizes curriculares para a<br />
Educação Infantil, o Ensino Fundamental<br />
e Médio.<br />
•Assegurar processo nacional de<br />
avaliação do rendimento escolar,<br />
no ensino fundamental e médio e<br />
educação superior, em colaboração<br />
com os sistemas de ensino.<br />
•Assegurar o processo nacional de<br />
avaliação das instituições de<br />
educação superior, com a cooperação<br />
dos sistemas de ensinos<br />
envolvidos.<br />
•Exercer função redistributiva e<br />
supletiva em relação às demais<br />
instâncias (Estados e Municípios).<br />
•Supervisionar cursos das instituições<br />
de educação superior e estabelecimentos<br />
de seu sistema de<br />
ensino.<br />
•Organizar, manter e desenvolver<br />
o seu sistema de ensino.<br />
•Assegurar o Ensino Fundamental<br />
e oferecer, com prioridade, o<br />
Ensino Médio.<br />
•Elaborar e executar políticas e<br />
planos educacionais, em consonância<br />
com os planos nacionais,<br />
integrando as suas ações<br />
e a dos seus municípios.· Definir,<br />
com os municípios, formas<br />
de colaboração na oferta do<br />
ensino fundamental, assegurando<br />
distribuição proporcional<br />
de responsabilidades.<br />
•Exercer função redistributiva<br />
em relação a seus municípios.<br />
•Autorizar, reconhecer, credenciar,<br />
supervisionar e avaliar cursos<br />
das instituições de Educação<br />
Superior e estabelecimentos<br />
do seu sistema de ensino.<br />
•Baixar normas complementares<br />
para seu sistema de ensino.<br />
•Organizar, manter e desenvolver<br />
o seu sistema de ensino, integrando-os<br />
às políticas e planos.<br />
•Oferecer a Educação Infantil e,<br />
com prioridade, o Ensino Fundamental.<br />
•Exercer função redistributiva<br />
em relação às suas escolas.<br />
•Baixar normas complementares<br />
para o seu sistema de ensino.<br />
•Autorizar, credenciar e supervisionar<br />
os estabelecimentos do<br />
seu sistema de ensino.<br />
Quadro 1: Organização dos sistemas de Ensino.<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 33-43, nov. 2008
A partir dessa premissa, da interdependência<br />
flexível da União, dos Estados e Municípios,<br />
a educação passa a ser vista como uma organização<br />
viva (organismo), como parte de um<br />
processo de interligação da capacitação do ser<br />
humano com suas perspectivas profissionais, no<br />
intuito de capacitar para o meio em que o mesmo<br />
está inserido.<br />
Com a necessidade de uma maior rapidez<br />
na obtenção e na atualização de qualificações<br />
técnicas, profissionais ou acadêmicas, para<br />
a alavancagem e flexibilidade das organizações,<br />
em um mundo cada vez mais complexo, devido<br />
os avanços tecnológicos e a massificação das<br />
relações com o aumento da globalização, criase<br />
os cursos seqüenciais por campos de saber,<br />
caracterizados no inciso I do art. 44 da Lei 9.394/<br />
96, que são regulamentados nos termos da resolução<br />
CES Nº. 1, de 27 de Janeiro de 1999.<br />
3 A ORGANIZAÇÃO EDUCACIONAL VISTA<br />
COMO ORGANISMOS<br />
O século XXI emerge, no campo educacional,<br />
exigindo novas posturas daqueles que<br />
tem compromisso com a transformação da humanidade,<br />
e aponta a educação como o único<br />
caminho possível de mudar o cenário que está<br />
diante de todos, onde as desigualdades sociais<br />
colocam-se como um desafio para a sociedade.<br />
Por isso, entende-se que cabe à educação<br />
gerar conhecimentos, competências e habilidades<br />
para que o indivíduo busque a adaptabilidade<br />
e melhorias no meio em que vive.<br />
A necessidade das organizações de atender<br />
às demandas de mercado obrigou o surgimento<br />
de novos modelos de produção – observação<br />
dos objetos na transformação dos objetos<br />
–, criando um tipo de Educação Profissional<br />
que permite à sociedade fornecer recursos humanos<br />
capacitados e capazes de harmonizar o<br />
empírico e o teórico do ensino com as constantes<br />
inovações. Entretanto, para que isso ocorra,<br />
a educação deve pautar sua prática em torno de<br />
quatro aprendizagens fundamentais, que serão<br />
para cada indivíduo, os pilares do conhecimento;<br />
aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender<br />
a viver juntos, aprender a ser, entendendo<br />
que estas quatro vias do saber tornam-se únicas,<br />
por estarem correlacionadas uma a outra,<br />
necessitam sempre de troca de informações<br />
entre si. Figura 1.<br />
Quando se pensa no aprender a conhecer,<br />
entende-se que é o prazer de compreender,<br />
de conhecer e de descobrir e, por isso, se<br />
faz necessário criar formas para que a escolaridade<br />
tenha seu tempo prolongado, ou seja, que<br />
o adulto, após concluir seus estudos, possa prosseguir<br />
com vontade de fazer novos cursos, pesquisa,<br />
etc., fazendo-o perceber que o aumento<br />
do saber o faz compreender melhor o ambiente,<br />
sob os seus diversos aspectos e, com isso,<br />
ser mais crítico e atualizado, seja por meio de<br />
cursos de Especialização, cursos profissionalizantes,<br />
para que se prepare para o mercado<br />
competitivo dentro da sociedade onde vive.<br />
41<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 33-43, nov. 2008
Aprender a conhecer<br />
Aprender a ser CONHECIMENTO<br />
Aprender a fazer<br />
Aprender a viver juntos<br />
42<br />
Figura 1: Pilares de sustentação do conhecimento – Idealização do grupo.<br />
O aprender a fazer tem maior referência<br />
com a formação profissional, quando o indivíduo<br />
aprende e põe em prática os seus conhecimentos,<br />
entretanto, deve-se observar que<br />
aprender a fazer não significa apenas ensinar o<br />
jovem para uma determinada função, mas estimular<br />
sua competência pessoal para que a combinação<br />
entre qualificação, comportamento social,<br />
sentido de equipe e capacidade de iniciativa,<br />
seja desenvolvida e que haja, de fato, a combinação<br />
entre o “Saber Fazer” e o “Saber Ser”.<br />
Nesse contexto, o aprender a ser prioriza<br />
o desenvolvimento total da pessoa, espírito<br />
e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido<br />
estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade,<br />
pois é assim que os seres humanos devem<br />
ser preparados pela educação que recebem,<br />
para agirem nas diferentes circunstâncias<br />
da vida, para ter pensamentos autônomos, críticos<br />
e com personalidade própria.<br />
Por tudo isso, entende-se que compete à<br />
educação formar seres humanos preparados para<br />
as mudanças sociais, econômicas, culturais e que<br />
sejam capazes de evitar a desumanização do mundo<br />
relacionado com a evolução tecnológica.<br />
Portanto, espera-se que a educação prepare<br />
as crianças, jovens e adultos para possíveis<br />
descobertas e experimentações, visto que o desenvolvimento<br />
tem por objetivo a realização<br />
completa do homem, em toda a sua riqueza, complexidade<br />
das suas expressões e dos seus compromissos,<br />
pois o processo da inovação do campo<br />
do saber encontra-se em constante mudança,<br />
haja vista que se deve lutar e pôr em prática todos<br />
os estudos e projetos para a modernização<br />
da educação, deixa-se de escrever e criticar os<br />
assuntos e inicia-se uma nova concepção do hoje,<br />
buscando implementar políticas públicas educacionais,<br />
voltadas a atender às necessidades fundamentais<br />
de cada cidadão brasileiro.<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 33-43, nov. 2008
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Para se obter o desenvolvimento de um<br />
país se faz necessário, primeiramente, políticas<br />
educacionais voltadas para os campos: organizacional,<br />
econômico, social, moral, ético, intelectual,<br />
cultural etc., objetivando acompanhar<br />
as tendências e as necessidades do mundo globalizado,<br />
não dissociando as questões estratégicas<br />
que envolvem a tecnologia do conhecimento<br />
e o desenvolvimento, que embasado em<br />
noções sobre a proteção do conhecimento, pois<br />
sem tais informações a geração do conhecimento<br />
fica comprometida.<br />
Evidentemente, apenas gerar informação<br />
e tecnologia por meio do espírito inovador<br />
não basta para que as condições sociais se tornem<br />
mais igualitárias, é necessário que se criem<br />
mecanismos de distribuição de conhecimento,<br />
conjugados com a educação.<br />
Com as inovações dos cursos seqüenciais<br />
de equivalência aos cursos de Graduação<br />
começou a existir transformações consideráveis<br />
no mercado de trabalho, haja vista, a flexibilização<br />
dos instrumentos de um determinado<br />
campo do saber. As relações trabalhistas tradicionais<br />
que eram embaladas na teoria das áreas<br />
da Graduação, foram de maneira incipiente<br />
substituídas pela prática do conhecimento dos<br />
cursos de formação específica, tendo como benefício<br />
à rentabilidade, para as instituições públicas<br />
e privadas.<br />
Outro aspecto a ser considerado como<br />
uma vantagem dos cursos seqüenciais, como<br />
um instrumento de flexibilização para as organizações<br />
se manterem vivas no mercado, interagindo<br />
com o meio, é a contribuição da praticidade<br />
e da rapidez do conhecimento adquirido<br />
em um determinado campo específico do saber,<br />
que contribui para as organizações serem<br />
vistas como organismos vivos.<br />
Os Cursos Seqüenciais, inseridos no sistema<br />
de Ensino Superior, representam uma<br />
mudança significativa no processo brasileiro de<br />
formação educacional e profissional, pois procura<br />
atender um espaço existente entre o mercado<br />
de trabalho e a formação acadêmica sem<br />
conhecimentos práticos, tão exigidos no momento<br />
da contratação profissional, caracterizando<br />
uma adaptação ao ambiente em mutação,<br />
permitindo diferentes tipos de capacitações em<br />
áreas diversas do saber, atendendo as demandas<br />
sociais e psicológicas dos indivíduos e das<br />
organizações.<br />
43<br />
REFERÊNCIAS<br />
BRASIL. Lei Nº. 9.394 de 20 de dezembro de 1996.<br />
Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação<br />
Nacional. Diário Oficial da União, de 23 de dezembro<br />
de 1996.<br />
______. Ministério da Educação. Resolução Nº.<br />
1 de 27 de janeiro de 1990. Brasília: Conselho<br />
Nacional de Educação.<br />
______. Ministério da Educação. Secretaria do Ensino<br />
Médio e Educação Tecnológica. Diretrizes Curriculares<br />
Nacionais Gerais para a Educação Profissional<br />
de Nível Tecnológico. Brasília, 2002. p. 6.50.<br />
MARTINS, Rubens de Oliveira. Cursos Sequenciais:<br />
entendendo a formação superior de curta duração /<br />
Rubens de Oliveira Martins – Bauru, SP: EDUSC, 2004.<br />
MORGAN, Gareth, 1943 – Imagem da Organização:<br />
edição executiva / Gareth Morgan; tradução<br />
Geni G. Goldschimidt. 2. ed. – 4. reimpressão.<br />
São Paulo: Atlas, 2002.<br />
TEIXEIRA, Anísio. A expansão do ensino superior<br />
no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos.<br />
Rio de Janeiro, v. 36, n. 83, p. 3-4, jul./<br />
set. 1961.<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 33-43, nov. 2008
44<br />
Traços, Belém, v. 10, n. 21, p. 35-50, jun. 2008
O SUJEITO E O SONHO NA<br />
ERA DA FRAGMENTAÇÃO:<br />
Clube da Luta e<br />
Pós-Modernidade<br />
45<br />
Enderson Oliveira<br />
Fabrício Ferreira<br />
Thamiris de Sousa<br />
Relivaldo de Oliveira<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 45-57, nov. 2008
46<br />
Traços, Belém, v. 10, n. 21, p. 35-50, jun. 2008
O SUJEITO E O SONHO NA ERA DA FRAGMENTAÇÃO:<br />
Clube da Luta e Pós-Modernidade 1<br />
Enderson Oliveira*<br />
Fabrício Ferreira**<br />
Thamiris de Sousa***<br />
Relivaldo de Oliveira****<br />
RESUMO<br />
Este ensaio busca traçar um panorama das características<br />
do Pós-Modernismo, em especial<br />
as de uma estética fílmica pós-moderna, que<br />
podem ser percebidas no filme Clube da Luta.<br />
Aborda, também, a atual situação do sujeito<br />
contemporâneo, definido por Hall como fragmentado,<br />
não tendo uma identidade fixa, essencial<br />
ou permanente. A partir daí, procura-se<br />
estabelecer relações dialógicas de tal película<br />
com a chamada “Era Pós-Moderna”, sendo produto<br />
não somente estético e comercial, mas<br />
também das inquietações psicossociais que afetam<br />
o indivíduo.<br />
Palavras-chave: Pós-Modernismo. Clube da<br />
Luta. Sujeito. Identidade. Inquietações Psicossociais.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Não se fazem mais filmes de boa qualidade<br />
como antigamente – ou será que os de<br />
outrora não eram tão bons quanto os de hoje?<br />
Realmente não se sabe – nem será objeto de<br />
estudo descobrir. O fato é que aqueles filmes<br />
que prendem o telespectador do início ao fim,<br />
causando-lhe curiosidade, poder de reflexão,<br />
de percepção e de detalhadas avaliações de<br />
sequências bem formuladas, estão cada vez mais<br />
escassos. Em seu lugar, no novo cenário da Pós-<br />
Modernidade - nome aplicado à lenta transformação<br />
cultural emergente nas sociedades ocidentais,<br />
uma mudança de sensibilidade nas ciências<br />
e artes desde os anos 50, quando por convenção<br />
se encerra o modernismo - estão os típicos<br />
filmes dessa era (HARVEY, 2003, p. 45).<br />
Sequências rápidas, sem muita relação<br />
entre si, mas causadoras de um prazer momentâneo,<br />
são típicas no enredo dos longas-metragens<br />
atuais, que acabam proporcionando aos<br />
consumidores assistirem aos filmes mais relaxados<br />
e saborearem as pipocas nas suas poltronas<br />
tranquilamente. Se os filmes são meramente<br />
prazerosos e momentâneos, a pipoca pode<br />
ser considerada bem-vinda. Ao contrário, se<br />
houvesse reflexões e questionamentos, qualquer<br />
indivíduo que se esmerasse, ao menos ficaria<br />
‘boquiaberto’ com seqüências hipnotizantes<br />
e questionadoras, que mal conseguiria engolir<br />
sua própria saliva, muito menos pensaria<br />
em saborear algo...<br />
* Estudante de Graduação 4° semestre do Curso de Comunicação<br />
Social - Jornalismo, e-mail:<br />
enderson_e@yahoo.com.br.<br />
** Estudante de Graduação 4° semestre do Curso de Comunicação<br />
Social - Jornalismo, e-mail:<br />
fmferreiraler@yahoo.com.br.<br />
*** Estudante de Graduação 4° semestre do Curso de Comunicação<br />
Social - Jornalismo, e-mail:<br />
thamirismodel@hotmail.com.<br />
**** Orientador do trabalho. Professor da <strong>Unama</strong>. Doutorando<br />
em Ciências Sociais (UFPA). e-mail:<br />
relivaldodeoliveira@yahoo.com.br.<br />
1<br />
Trabalho apresentado na Sessão Comunicação Audiovisual<br />
(cinema, rádio e televisão) – Jornada de Iniciação Científica<br />
em Comunicação, evento componente do XXXI Congresso<br />
Brasileiro de Ciências da Comunicação.<br />
47<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 45-57, nov. 2008
48<br />
No entanto, não se deve generalizar, citando<br />
todos os filmes pós-modernos como meramente<br />
prazerosos e momentâneos, assim<br />
como, afirmar que os modernos são questionadores<br />
e causam reflexões. Alguns pós-modernos<br />
conseguem despertar no telespectador<br />
uma visão questionadora a respeito dos fatos<br />
presentes no filme e uma tentativa de encaixar<br />
o “quebra-cabeça”, geralmente proposto por<br />
estes. Assim, em vez de querer saborear a pipoca,<br />
o telespectador irá tentar unir as peças do<br />
enigma a fim de solucionar o que o filme quer<br />
dizer. Em algumas vezes, isso será possível. Outras,<br />
porém, tentativas inúteis.<br />
Neste breve ensaio, destaca-se um produto<br />
comunicacional como objeto de estudo, o<br />
filme Clube da Luta, do Diretor David Fincher 1 ,<br />
que proporcionará a análise do Pós-Modernismo<br />
no cinema.<br />
2 O SOCO NA MENTE DO ESPECTADOR<br />
Clube da Luta, ao contrário do que o próprio<br />
título nos induz a pensar, é um longa-metragem<br />
que traz reflexões e questionamentos a<br />
respeito de atitudes consumistas e alienadoras<br />
da sociedade. O narrador da história, personagem<br />
de Edward Norton, é um homem atormentado<br />
por insônias, que busca ser uma pessoa<br />
diferente. Procura, ainda, dentro de si próprio<br />
– tanto quanto inconscientemente – alguém que<br />
lhe mostre a vida como realmente deseja ver,<br />
que lhe dê os “melhores conselhos” e mostre a<br />
solução para seus problemas. É justamente a<br />
partir daí que Edward Norton conhece Tyler Durden<br />
(personagem de Brad Pitt), um homem fora<br />
do comum que lhe faz elogios e mostra o mundo<br />
que ele queria enxergar.<br />
1<br />
David Fincher (1962-), diretor estadunidense de longas-metragens<br />
como: “Alien 3” (1992), “Seven – Os sete pecados<br />
capitais” (1995), “Vidas em Jogo” (1997), “Clube da Luta”<br />
(1999) e “Zodíaco” (2007). Oriundo da publicidade, dirigiu<br />
também videoclipes de bandas como Rolling Stones, cantores<br />
como Sting, Michael Jackson e Madonna, além de comercias<br />
de TV para Nike, Coca-Cola, Pepsi, Chanel, entre outros.<br />
Por meio de frases como: “Evolua, mesmo<br />
se você desmoronar por dentro”, Tyler levao<br />
a se “encantar” e, intuitivamente, perceber<br />
que Durden era o homem que ele queria ser,<br />
mas não conseguia, por ainda ignorar o fato de<br />
estar preso ao consumismo e materialismo. Assim,<br />
Durden acaba tornando-se seu único e grande<br />
amigo, dizendo sempre as palavras que o<br />
narrador queria ouvir e ter as atitudes que este<br />
desejava ter, mas até então lhe faltava coragem.<br />
3 DO LIVRO SEM FIGURAS AO JOGO DE REALI-<br />
DADE ALTERNATIVA<br />
Antes, porém, de aprofundar a relação<br />
de conceitos pós-modernos com o filme Clube<br />
da Luta, é importante uma breve introdução ao<br />
conceito de pós-modernidade. Para isso, é necessário<br />
um pequeno esboço do chamado projeto<br />
da modernidade que, segundo Teixeira<br />
Coelho (2001, p. 20) “recobriria de modo amplo<br />
e geral os últimos três séculos da cultura ocidental<br />
de extração européia”.<br />
O projeto da modernidade, segundo<br />
Coelho (2001, p. 20) “inicia-se com a distinção<br />
clara de três domínios, anteriormente imbricados<br />
num único: ciência, arte e moral, com o posterior<br />
aparecimento de outros campos autônomos,<br />
como o da lei e da política”. Ou seja, a arte,<br />
anteriormente atrelada aos rígidos preceitos<br />
religiosos e morais da Igreja Católica, a partir de<br />
então vai adquirindo certa autonomia, o mesmo<br />
se aplicando à ciência e a moral. Lançado no<br />
século XVIII e firmado ao longo do séc. XIX, o<br />
projeto da modernidade parece cristalizar-se e<br />
assumir contornos mais trabalhados nos primeiros<br />
anos do século XX, com o surgimento de variados<br />
movimentos artísticos renovadores e das<br />
revoluções socialistas.<br />
É a partir da segunda metade do século<br />
XX que o palco propício para uma crítica do projeto<br />
da modernidade começaria a ser montado.<br />
Mudanças históricas viriam a ocasionar alterações<br />
paradigmáticas no modo de se pensar a<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 45-57, nov. 2008
sociedade, suas instituições e manifestações<br />
culturais. Apoiados na crítica aos valores do projeto<br />
modernista, pensadores começaram a falar<br />
em pós-modernidade.<br />
Hipermodernidade, Pós-industrial, Terceira<br />
Fase do Capitalismo, Modernidade Líquida...<br />
a pós-modernidade tem vários nomes, mas<br />
as idéias são basicamente as mesmas: o homem<br />
não tem mais uma identidade fixa, cujo centro<br />
é a sua personalidade única (HALL, 2003, 12); a<br />
incredulidade em relação às próprias metanarrativas,<br />
como saberes únicos e totalizantes (LYO-<br />
TARD, 2002, p. 16); e, por fim, a arte se despindo<br />
de ideais racionalistas e sociais, procurando<br />
incorporar elementos de uma cultura popular,<br />
valorizando multiplicidade de estilos ao invés<br />
da originalidade modernista.<br />
Por todas essas mudanças, pode-se dizer,<br />
como muitos críticos, que a pós-modernidade<br />
não é um conceito com uma definição certa,<br />
mas é inegável que há uma grande transformação,<br />
ainda em curso, muito mais rica em perguntas<br />
do que certezas, que se reflete em várias realizações<br />
artísticas e cuturais, entre elas, o cinema.<br />
4 O HÍBRIDO E O INSÓLITO EM CENA: o cinema<br />
pós-moderno<br />
Poderia se dizer que o cinema pós-moderno<br />
refere-se à produção cinematográfica do<br />
final do século XX e princípio do atual (PUCCI JR<br />
apud MASCARELLO, 2007, p.362). No entanto,<br />
tal definição seria vaga demais e levaria em conta<br />
apenas uma classificação cronológica, e não<br />
o principal a ser considerado neste artigo: as<br />
características dos filmes pós-modernos 2 .<br />
A partir do ponto de que o Pós-Modernismo<br />
possui um caráter híbrido, plural e contraditório,<br />
deve-se ter em mente que este não<br />
2<br />
Há que se considerar a diferença estabelecida por Renato<br />
Luiz Pucci Jr. Em seu artigo “O Cinema Pós-Moderno” (in:<br />
História do Cinema Mundial, p. 361) entre Pós-Modernidade<br />
(diz respeito a um período histórico) e Pós-Modernismo<br />
(refere-se a um campo cultural).<br />
prega, necessariamente, a oposição e negação<br />
de todas as características modernistas, mas as<br />
adapta e transforma de acordo com os seus próprios<br />
“interesses”, até mesmo porque, originalidade<br />
não é um valor pós-moderno: “O prefixo<br />
pós, segundo Linda Hutcheon, não indica que o<br />
pós-modernismo seja a negação e o oposto do<br />
modernismo [...]. Hutcheon insiste que o pósmodernismo<br />
é intrinsecamente paradoxal, ou<br />
seja, constitui-se por características opostas”<br />
(PUCCI JR apud MASCARELLO, 2007, p. 371).<br />
A criação de um conceito de Pós-Modernismo<br />
ao cinema designaria, portanto, o que<br />
foge às classificações da teoria. Entretanto, ainda<br />
que se leve em consideração essa “fuga”,<br />
pode-se observar certas características comuns<br />
aos filmes considerados pós-modernos, pelas<br />
quais se norteará esta breve análise. Tais características<br />
partiriam desde a coexistência de gêneros<br />
cinematográficos (como a utopia fantástica,<br />
a comédia-pastelão, a tragédia, a aventura<br />
e mesmo o drama), o rompimento com a tradição<br />
do verossímil, a existência de simulacros,<br />
pastiches, intertextualidade além de uma psicanálise<br />
pop, um fim das “fronteiras históricas”<br />
entre a baixa e a alta cultura 3 , e elementos do<br />
cinema de entretenimento e de videoclipes e<br />
até mesmo um “ar respeitoso” para com os produtos<br />
da mídia 4 , que não deve ser confundindo<br />
com “homenagens” para com a chamada “Indústria<br />
Cultural”.<br />
É justamente a partir destes conceitos e<br />
definições do que seja “Pós-Modernismo” e que<br />
características possui a sua produção cinematográfica<br />
– aqui incluído o filme Clube da Luta –<br />
3<br />
Termo criado por Connor (1989, p.145) que se refere a uma<br />
mesma obra conseguir evocar tranquilamente ao mesmo<br />
tempo as complexidades da alta teoria sem impedir espectadores<br />
comuns de acompanhar a narrativa.<br />
4<br />
Tal “ar respeitoso” vai de encontro às críticas realizadas pelo<br />
filósofo modernista Theodor Adorno (1903-1969), ao abordar<br />
a Indústria Cultural, o que assinala outra importante<br />
característica do Pós-Modernismo: um certo repúdio para<br />
com determinadas “marcas” do Modernismo, como, por<br />
exemplo, as cosmologias.<br />
49<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 45-57, nov. 2008
50<br />
que será analisada tal película, bem como a atual<br />
relação do indivíduo com as mudanças que<br />
vêm ocorrendo nas sociedades a partir da década<br />
de 50 e que podem ser observadas no filme<br />
em questão.<br />
5 CLUBE DA LUTA E O PÓS-MODERNISMO<br />
5.1 A FRAGMENTAÇÃO DA RAZÃO E O INÍCIO<br />
DO SONHO<br />
5<br />
Termo de origem americana que é a abreviação de Young Urban<br />
Profissional (Jovem Profissional Urbano) e designa jovens<br />
profissionais de classe média alta, solteiros e bemsucedidos.<br />
Correntes elétricas percorrendo freneticamente<br />
neurônios sinuosos, balançando ao<br />
som agitado de uma música mixada, observados<br />
por uma câmera que corre apressadamente<br />
de dentro de um cérebro, até se posicionar em<br />
frente a um rosto assustado com uma arma na<br />
boca... É dessa forma que Clube da Luta se apresenta<br />
ao espectador. A partir de então, o narrador,<br />
interpretado por Edward Norton, conta a<br />
história conforme relembra os fatos, afinal, este<br />
momento é, na verdade, o fim da trama. Isso<br />
confere à narrativa um aspecto não-linear e<br />
pessoal, constituindo-se em uma mistura de<br />
sonho e realidade.<br />
O protagonista, que não se identifica de<br />
imediato, passa a contar tudo o que aconteceu<br />
anteriormente, em forma de flashbacks. A expectativa<br />
em torno do que levou tais personagens<br />
a essa situação é a garantia de assegurar a<br />
atenção do espectador para que acompanhe a<br />
história narrada, por mais absurda ou fantástica<br />
que ela se apresente.<br />
Supervisor nada ético de seguros de uma<br />
empresa de automóveis, o personagem de Norton<br />
sofria de insônia e, como um bom yuppie 5 ,<br />
era um consumista compulsivo, ao ponto de dizer<br />
“me tornei um escravo do consumismo instintivo<br />
caseiro”. Esses problemas o levam a procurar<br />
ajuda médica. O médico o incita a participar<br />
de uma reunião de homens com câncer de<br />
testículo, para que veja o que é “sofrimento de<br />
verdade”.<br />
A partir de uma visita a esse grupo, o narrador<br />
torna-se um viciado em grupos de apoio a<br />
pessoas com doenças terminais e, sentindo-se<br />
curado de sua insônia, tudo parecia bem. Utiliza<br />
nomes falsos em cada reunião que frequenta (Rupert,<br />
Cornelius etc.), como se em cada grupo, ele<br />
pudesse ser outra pessoa e, ao mesmo tempo, ser<br />
ele mesmo, egoísta e insensível, apenas mais uma<br />
de suas facetas diversas, entre tantas. Começa assim,<br />
para o protagonista, um processo de fragmentação<br />
de sua identidade em várias outras. O próprio<br />
sujeito da pós-modernidade, segundo Hall<br />
(2003, p. 12), com uma identidade unificada e estável<br />
“está se tornando fragmentado; composto<br />
não de uma única, mas de várias identidades, algumas<br />
vezes contraditórias e mal-resolvidas”.<br />
Em um dos grupos, a orientadora leva<br />
os participantes a se submeterem a uma espécie<br />
de hipnose, em que veriam a sua “caverna<br />
interior” e lá dentro a sua “força animal”.<br />
A seqüência, que mostra o narrador entrando<br />
na sua “caverna”, contém aspectos irônicos<br />
e oníricos: a caverna, coberta de gelo e,<br />
lá dentro, um pingüim, que olha para o protagonista<br />
assustado e diz: “deslize!”. Sem maiores<br />
explicações, ele acorda desse “sonho” e<br />
a história continua. Uma obra do cinema considerado<br />
moderno, como Morangos Silvestres<br />
6 , de Ingmar Bergman, também traz uma<br />
construção de seqüência onírica que serve de<br />
contraponto à história que está sendo contada.<br />
Nas palavras do diretor sueco:<br />
6<br />
Morangos Silvestres (Smulltronstället, no original) é um filme<br />
de 1957, escrito e dirigido pelo diretor sueco Ingmar Bergman<br />
(1918-2007), sobre um velho professor de medicina,<br />
Isak Borg (interpretado pelo cineasta Victor Sjöstrom) que<br />
em uma viagem para a cidade de Lund, receberá um prêmio<br />
pelos 50 anos de carreira. No caminho, entre sonhos e pesadelos,<br />
relembra os principais momentos de sua vida, temendo<br />
a morte que se aproxima.<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 45-57, nov. 2008
O professor Isak Borg vai ser promovido<br />
a doutor na Universidade de Lund.<br />
À noite sonha que se encontra numa<br />
cidade desconhecida, despovoada. Um<br />
caixão cai de um carro funerário. Uma<br />
mão aparece sob a tampa do caixão e<br />
agarra o professor Borg, que se vê em<br />
seguida deitado, ele mesmo, no caixão<br />
(BERGMAN, 1996, p. 403).<br />
A diferença entre as sequências é que na<br />
obra de Bergman, a seqüência citada possui uma<br />
complexidade onírica cuidadosamente planejada<br />
e é essencial para se compreender os aspectos<br />
psicológicos do personagem. No filme de Fincher,<br />
a seqüência da caverna surge muito mais<br />
como um fragmento de sonho, em que a palavra<br />
“deslize” adquire vários significados, não sendo,<br />
necessariamente, essencial para a complexidade<br />
psicológica do personagem.<br />
Nesse momento, uma nova personagem<br />
aparece: Marla Singer (Helena Bonham Carter)<br />
que cumpre o papel de mulher misteriosa e fatal,<br />
ao mesmo tempo excêntrica e depressiva,<br />
em uma referência a femme fatale, do cinema<br />
noir 7 . Aqui, então, observa-se outro ponto característico<br />
do Pós-Modernismo: o pastiche,<br />
uma referência nada original a estilos anteriores<br />
bem diversos, sem nenhum sentido específico.<br />
Diferentemente da paródia, o pastiche “é<br />
a imitação de um estilo peculiar ou único, o uso<br />
de uma máscara estilística, a fala numa língua<br />
morta: mas é uma prática neutra dessa mímica,<br />
sem a motivação ulterior da paródia, sem o impulso<br />
satírico” (JAMESON, 2002, p. 23), ou seja,<br />
o pastiche é a paródia vazia, sem o riso e sem a<br />
releitura do estilo parodiado, uma “colagem”<br />
de estilos passados.<br />
7<br />
Movimento que teve origem no cinema americano na década<br />
de 1940, e pode ser definido por atmosfera, temas e estrutura<br />
narrativa (que usa a voz em off). Possui alguns personagens<br />
fundamentais, como a femme fatale e uma problematização<br />
masculina. Esses elementos estão presentes<br />
em Clube da Luta, na forma de pastiche.<br />
Marla passa também a freqüentar, como<br />
“turista”, os grupos de apoio aos doentes, o que<br />
deixa o narrador furioso. “Nela eu via a minha<br />
mentira refletida”, diz. Revoltado e sem conseguir<br />
dormir novamente, deseja até mesmo a<br />
morte, em uma de suas viagens de avião, a trabalho.<br />
Nesse momento, conhece um vendedor<br />
de sabonetes: Tyler Durden (Brad Pitt).<br />
Falante, com idéias rebeldes e vestido com<br />
roupas de cores fortes, Tyler logo conquista a amizade<br />
do narrador, que se vê fascinado pelo seu<br />
discurso. Toda a admiração que este passa a sentir<br />
por Tyler se tornará mais complexa, quando perceber,<br />
na parte final do filme, que na verdade,<br />
Tyler Durden era ele mesmo 8 . Isso não quer dizer,<br />
necessariamente, que o narrador teria dupla personalidade,<br />
como no livro do escritor escocês Robert<br />
Louis Stevenson: O Médico e o Monstro 9 .<br />
Durden não é um oposto do narrador, mas uma<br />
materialização de suas idéias; surge de forma confusa,<br />
em que não se sabe ao certo quando foi Tyler,<br />
quem agiu e quando foi o narrador.<br />
Mas, então, em quem o narrador teria se<br />
“inspirado” para “criar” Tyler? Nele mesmo? Não<br />
exatamente, mas no que ele queria ser, ou seja,<br />
em um referencial inexistente... Um simulacro,<br />
nesse sentido, segundo o conceito de Jean Baudrillard<br />
(1981, p. 12): “A simulação já não é a simulação<br />
de um território, de um ser referencial,<br />
8<br />
Tyler Durden aparece ao narrador como um libertador do<br />
consumismo que o oprimia, e não só a ele, mas aos participantes<br />
do clube da luta e, posteriormente, aos voluntários<br />
do Projeto Caos, do qual se torna o grande líder. Pode-se<br />
até mesmo fazer uma analogia com o papel messiânico assumido<br />
por Moisés, no Antigo Testamento, que liderou o<br />
povo de Israel na libertação da opressão do Egito. Moisés<br />
incomoda-se com tal opressão, mas por ser tímido e pacífico,<br />
leva o seu eloqüente irmão Arão, para falar em seu lugar.<br />
Tyler, seguindo ainda essa comparação, seria Arão, e o<br />
narrador seria Moisés, o verdadeiro líder, fato comprovado<br />
no momento em que se revela que Durden e o personagem<br />
de Edward Norton são a mesma pessoa. Ou seja, as idéias<br />
de Tyler eram, desde o começo, do narrador, sendo que<br />
quem falava era o personagem de Brad Pitt.<br />
9<br />
O Médico e o Monstro (no original em inglês, The Strange Case<br />
of Dr. Jekyll and Mr. Hyde) é o nome do romance do escocês<br />
Robert Louis Stevenson publicado em 1886, em que o protagonista,<br />
Dr. Jekill deve lidar com seus dois “eus”: um inclinado<br />
ao bem (Jekyll) e outro ao mal (Hyde).<br />
51<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 45-57, nov. 2008
52<br />
de uma substância. É a geração pelos modelos<br />
de um real sem origem nem realidade: hiperreal”.<br />
O simulacro é um conceito chave para entender<br />
a Pós-Modernidade da realidade alternativa,<br />
das imagens hiper-reais em terceira dimensão<br />
e dos modelos de beleza artificiais.<br />
Outra característica fundamental da estética<br />
do cinema pós-moderno, verificada na<br />
película, é a linguagem do vídeo-clipe. Com uma<br />
montagem de cortes céleres, planos curtíssimos,<br />
ângulos não usuais e uma preferência por<br />
movimentos rápidos, que acompanhem o ritmo<br />
acelerado da música, a “estética de videoclipes”<br />
ocasiona a fragmentação e a interrupção<br />
da contemplação. A contemplação seria uma<br />
apreciação cuidadosa e intelectual da obra de<br />
arte, que segundo Steven Connor (2000, p. 241),<br />
era buscada pelos grandes cineastas do cinema<br />
considerado moderno.<br />
A partir do momento em que o personagem<br />
de Edward Norton “conhece” Tyler se inicia<br />
uma longa jornada, em que o narrador, atormentado<br />
pela insônia e por sua própria (in) consciência,<br />
mergulha no sonho de ser mais do que<br />
ele mesmo imaginou. Até o momento em que,<br />
ao abrir os olhos, perceber que é tarde demais<br />
para reconstruir-se.<br />
5.2 O CLUBE E A LUTA DOS “INDESEJADOS DE DEUS”<br />
Após o primeiro encontro com Tyler, o<br />
personagem de Edward Norton, ao desembarcar<br />
do avião, é interpelado pela segurança sobre<br />
algo (que fica subentendido ser um vibrador)<br />
e que supostamente estaria em sua bagagem.<br />
Ao fundo, no alto falante do aeroporto,<br />
ouve-se o nome de alguém: “Sr. Robert Poulsen”<br />
(personagem de Meat Loaf), o ex-alterofilista<br />
que frequentara, junto com o narrador, um<br />
grupo de apoio para pessoas com câncer de testículo.<br />
De modo prático, no entanto, pode-se<br />
afirmar que tal sequência não é de grande relevância<br />
para o desenvolvimento da trama, caracterizando-se<br />
como uma seqüência com significante,<br />
mas sem significado aparente, característica<br />
bastante explorada pelos pós-modernos.<br />
Ao retornar a sua residência, o narrador é<br />
avisado que seu apartamento fora incendiado, o<br />
que é confirmado pelo porteiro, que complementa<br />
dizendo: “Não há nada lá dentro, senhor”.<br />
Essa grande perda provavelmente representou<br />
um duro golpe para o narrador, que dizia estar<br />
perto de ser completo e agora se encontrava desprovido<br />
do suporte material/consumista no qual<br />
baseava sua vida. Pode-se, aqui, fazer uma analogia<br />
ao comportamento anterior do personagem<br />
de Norton com a “falsa felicidade” de que fala o<br />
filósofo alemão Herbert Marcuse (apud JAME-<br />
SON, 2002, p. 286), baseada na “gratificação de<br />
um carro novo, de um TV dinner, de sentar-se no<br />
sofá e ver o programa favorito”.<br />
Em tais condições, o personagem de<br />
Norton decide (não se sabe ao certo por que<br />
motivo) procurar alguém: o melhor amigo descartável<br />
que já tivera e que há pouco conhecera:<br />
Tyler Durden.<br />
Encontram-se em um bar, onde conversam<br />
sobre vários assuntos, nos quais se percebe<br />
a preponderância dos temas abordados por<br />
Tyler, que despeja comentários contra o consumismo<br />
apregoado pelo capitalismo e que podem<br />
ser sintetizadas em sua máxima: “as coisas<br />
que possui acabam te possuindo”. Alguns chopes<br />
e interpelações anticapitalistas depois, o<br />
personagem de Edward Norton é “convidado”<br />
por Tyler para uma luta entre si, ao que resiste<br />
um pouco, porém termina aceitando e dando<br />
início, assim, a um clube da luta.<br />
Não se deve deixar de lado que, antes<br />
de iniciar a luta, o narrador, dirigindo-se aos próprios<br />
telespectadores, faz uma breve apresentação<br />
de Tyler Durden, enfatizando o fato de<br />
este ser responsável pela montagem de alguns<br />
filmes (nos quais inseria lances de pornografia)<br />
e também trabalhar como garçom (dos menos<br />
convencionais) de um luxuoso restaurante e<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 45-57, nov. 2008
que, dentre outras coisas, urinava e espirrava<br />
nos pratos servidos. Deve-se observar, também,<br />
que a escolha do personagem de Norton para<br />
falar de Tyler não é por acaso, afinal de contas<br />
quem melhor para falar de seu alter-ego (ou si<br />
mesmo) que o próprio narrador? Poder-se-ia<br />
responder um psicanalista... No entanto, a figura<br />
de tal profissional representa um dos maiores<br />
avanços do período Modernista: o desenvolvimento<br />
da Psicanálise, uma das principais<br />
metanarrativas da época. Importante notar, também,<br />
que é justamente a partir da “descrença e<br />
desencanto” para com as metanarrativas que se<br />
começa a falar em Pós-Modernidade. Nas palavras<br />
de Harvey:<br />
As verdades eternas e universais, se é<br />
que existem, não podem ser especificadas.<br />
Condenando as metanarrativas<br />
(amplos esquemas interpretativos<br />
como os produzidos por Marx e Freud)<br />
como “totalizantes”, eles insistem na<br />
pluralidade de formações de “poderdiscurso”<br />
(Foucault) ou “jogos de linguagem”<br />
(Lyotard). Lyotard, com efeito,<br />
define o pós-moderno simplesmente<br />
como “incredulidade diante das metanarrativas”<br />
(HARVEY, 2003, p. 49,50).<br />
Assim, na Pós-Modernidade, o sujeito –<br />
sem qualquer grande referencial - crê-se capacitado<br />
a tentar explicar determinadas situações<br />
ou mesmo a si próprio, ou até a desistir de explicar<br />
coisa alguma, preterindo a opinião e mesmo<br />
o auxílio de figuras ligadas às metateorias,<br />
como os psicanalistas, por exemplo.<br />
Em pouco tempo, o clube consegue um<br />
grande número de “membros” e passa a funcionar<br />
quase todos os dias e não mais só aos sábados.<br />
Executivos, garçons, comerciantes, manobristas...<br />
Todos eram bem-vindos. Tal sucesso<br />
talvez se explique pelo fato de os “indesejados<br />
de Deus” (como Tyler denominava os “lutadores”)<br />
também estarem em busca de um projeto,<br />
uma ideologia, uma razão - que antes tentavam<br />
encontrar em bares, grupos de apoio, drogas.<br />
Talvez compartilhassem do mesmo pensamento<br />
do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (2005, p.<br />
430) ao referir-se ao Niilismo: “Vemos que não<br />
alcançamos a esfera em que pusemos nossos<br />
valores – com isso a outra esfera, em que vivemos,<br />
de nenhum modo ainda ganhou valor: ao<br />
contrário, estamos cansados, porque perdemos<br />
o estímulo principal. ‘Foi em vão até agora!’”.<br />
Talvez também cressem que a luta seria<br />
uma das poucas soluções existentes e que um<br />
clube da luta materializaria as palavras do narrador<br />
de que “Só depois de perdermos tudo é<br />
que estamos livres para fazer qualquer coisa” e<br />
“Depois de lutar, tudo na vida tem menos importância”,<br />
o que amenizaria tanto as “dores”<br />
dos hematomas quanto as dores psicossociais<br />
da “Era Pós-Moderna”.<br />
Dessa forma, até mesmo o resultado das<br />
lutas teria menos importância, uma vez que os<br />
“lutadores” não visariam, necessariamente, a<br />
vitória ou o reconhecimento, mas algo diferente<br />
e catártico. Essa busca meio “fetichista” remete<br />
a célebre frase de Nietzsche, bastante citada<br />
por outros filósofos pós-modernos: “O que<br />
não me mata me fortalece”, afinal de contas,<br />
após as lutas, fossem vencedores ou vencidos,<br />
todos se sentiam mais fortes, mais “equilibrados”,<br />
o que é claramente referido pelo narrador<br />
ao afirmar que “Depois de tudo, todos se<br />
sentiam salvos”.<br />
É importante ressaltar que esta referência<br />
à “salvação” não está relacionada ao projeto<br />
teológico pós-moderno 10 , e sim, ao encontro de<br />
uma alternativa para os problemas acentuados<br />
na Pós-Modernidade, em que cada vez mais se<br />
busca a “salvação” e cada vez mais, ela se torna<br />
inalcançável, praticamente inatingível em uma<br />
10<br />
Segundo Harvey (2003, p.47), o projeto teológico pós-moderno<br />
é reafirmar a verdade de Deus sem abandonar os poderes<br />
da razão.<br />
53<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 45-57, nov. 2008
54<br />
época em que até mesmo um encontro de si<br />
mesmo é quase impossível, em razão da fragmentação<br />
identitária já citada.<br />
5.3 A LUTA (EN) CONTRA O CAOS<br />
Com o passar do tempo, só lutar nos clubes<br />
clandestinos já não era mais tão catártico e<br />
empolgante. Algo deveria ser feito extra clube.<br />
Sob o comando de Tyler, os participantes do clube<br />
da luta passam a receber “lições para casa”:<br />
umas mais “leves” como, por exemplo, arrumar<br />
uma briga com um desconhecido e outras mais<br />
“pesadas”, como realizar “pequenas” explosões.<br />
Entregues sigilosamente em envelopes lacrados,<br />
tal preocupação foi um dos primeiros passos para<br />
a transformação (ou erupção) do clube em uma<br />
organização “terrorista”, com fortes tendências<br />
anárquicas - deve-se lembrar que a Anarquia<br />
também é característica pós-moderna.<br />
Assim, a partir desse momento, a trama<br />
toma outro rumo. O que anteriormente havia<br />
sido apenas uma “diversão” para os sábados<br />
transforma-se em uma organização de terroristas<br />
utópicos que, curiosamente, pregam a contra-utopia,<br />
que desejam lutar contra o caos difundido<br />
pelo capitalismo espalhando o caos pela<br />
cidade, e que possuem um projeto (curiosamente<br />
chamado de Projeto Caos) de destruição de<br />
vários símbolos do Capitalismo, como lojas e até<br />
mesmo empresas de cartões de crédito e de sistemas<br />
de informação.<br />
Formada pelos “indesejados de Deus”,<br />
tal organização questionava as máximas capitalistas<br />
– em especial os produtos da chamada Indústria<br />
Cultural –, acreditando que, mediante<br />
as ações terroristas, teriam “voz” na sociedade.<br />
Essa expectativa de possibilidade de “voz” remete<br />
ao comentário de Huyssens (apud HAR-<br />
VEY, ARVEY2003, p. 110), quando afirma que o<br />
pós-modernismo tem especial valor por reconhecer<br />
“as múltiplas formas de alteridade que<br />
emergem das diferenças de subjetividade, de<br />
gênero e sexualidade, de raça, de classe, de (configurações<br />
de sensibilidade) temporal e de localizações<br />
e deslocamentos geográficos espaciais<br />
e temporais”.<br />
Há que se considerar, ainda, que nas<br />
ações praticadas pelos “terroristas” evidencia-se<br />
melhor outra característica pós-moderna;<br />
a presença de vários estilos cinematográficos,<br />
como o suspense (que cria a expectativa<br />
e envolve as ações “terroristas”); o drama<br />
(percebido na presença do narrador ao tomar<br />
conhecimento da morte de seu amigo, Robert<br />
Poulsen); e, até mesmo, a comédia-pastelão<br />
(uma vez que se copia ação de terroristas só<br />
que de forma jocosa, em nada quase se assemelhando<br />
a estas).<br />
Em outra sequência de Clube da Luta,<br />
sem perceber a criação de seu simulacro, o personagem<br />
de Edward Norton admira-se com o<br />
primeiro grande atentado (festejado por ser<br />
apresentado na TV), realizado por ele e seus<br />
“comparsas”, do qual nem tinha consciência de<br />
ter participado: o Projeto Caos começava, então,<br />
a ter a repercussão midiática aparentemente<br />
esperada. Esse “reconhecimento” foi facilitado<br />
pelo papel da mídia, uma vez que esta se<br />
constitui perfeitamente como a grande “possibilitadora”<br />
do conceito/ideal pós-moderno de<br />
que “a idéia de que todos os grupos têm o direito<br />
de falar por si mesmos, com sua própria voz,<br />
e de ter aceita essa voz como autêntica e legítima,<br />
é essencial para o pluralismo pós-moderno”<br />
(HARVEY, 2003, p. 52)<br />
De volta à “estranheza” do narrador,<br />
deve-se considerar isto já como um sinal para<br />
que este comece a suspeitar que algo de estranho<br />
ocorria, sendo que tais suspeitas só fizeram<br />
aumentar quando, um dia, em um carro,<br />
metaforicamente guiado por Tyler, provoca um<br />
acidente, que é chave para um início de retomada<br />
de consciência de si e que se assemelha<br />
ao anterior desejo do personagem de Edward<br />
Norton de sofrer um acidente de avião.<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 45-57, nov. 2008
As próprias características do filme se<br />
modificam durante o curto período, após esse<br />
acidente. Em curtas cenas (característica de videoclipes),<br />
sobrepõem-se reflexões, delírios e<br />
a saída de Tyler, o que causa espanto no personagem<br />
de Norton, e que o incita a empreender<br />
todos os seus esforços, a partir de então, para<br />
reencontrar Tyler, o que pode ser entendido<br />
como uma metafórica busca de si mesmo.<br />
5.4 A LUTA FINAL<br />
Em uma das seqüências finais do filme,<br />
aparecem inúmeras vezes, na mente do narrador,<br />
lembranças, em formas de flashback, que<br />
acentuam a desconfiança deste de que ele e Tyler<br />
poderiam ser a mesma pessoa. Cenas rápidas,<br />
que apontavam pistas, tornando-o quase<br />
certo de que realmente se tratava de um alterego<br />
seu, que criara para satisfazer suas vontades<br />
e desejos, também estavam presentes. Tais sequências<br />
mostram a idéia inicialmente descrita<br />
sobre uma das principais características pós-modernas:<br />
a heterotopia, que, segundo Michel Foucault,<br />
filósofo francês, “é a coexistência num ‘espaço<br />
impossível’, de um ‘grande número de mundos<br />
possíveis fragmentários’, mais simplesmente,<br />
espaços ilimitados que são justapostos e superpostos<br />
uns aos outros” (HARVEY, 2003, 52).<br />
O narrador, ao final, consegue se libertar<br />
do seu alter-ego, o ego “destruidor”, sendo<br />
importante ressaltar uma sequência anterior em<br />
que o personagem de Norton, ao tentar atingir<br />
Tyler, não consegue se libertar, porém, ao atingir-se<br />
a si próprio o destrói, o que explica-se<br />
pelo fato de Tyler ser um fragmento dele próprio.<br />
No término do filme, o narrador segura na<br />
mão de Marla e diz que ela o conheceu “em um<br />
momento estranho” de sua vida, mas que no<br />
momento atual tudo terminara, o pesadelo desaparecera<br />
e, então, “viveram felizes para sempre”,<br />
o que lembra os típicos desfechos dos filmes<br />
hollywoodianos.<br />
Quando se pensa que o filme acabou,<br />
ainda nessa mesma seqüência em que Norton<br />
pega na mão de Marla - ambos assistindo a destruição<br />
dos prédios (e ao fundo a “típica” música<br />
pós-moderna) –, nota-se, quase que imperceptivelmente,<br />
uma imagem (genitália masculina)<br />
passando rapidamente, sem qualquer relação<br />
aparente com o filme. Tal cena seria um<br />
“significante sem significado”, porém, percebese<br />
que esta se relaciona com uma seqüência<br />
anterior, onde Norton explica no que Tyler trabalha<br />
– auto-descrição –, dizendo que este é<br />
responsável pela montagem das seqüências de<br />
filmes, o que acaba por ter certa relação, mas<br />
sem - aparentemente - qualquer finalidade com<br />
esta cena final.<br />
Assim, o filme apresenta-se como uma<br />
espécie de “quebra-cabeça”, não trazendo para o<br />
espectador respostas para um entendimento satisfatório<br />
em seu término. No entanto, ao observar<br />
determinadas correlações aparentes, pode-se<br />
fazer certas inferências para cada um tirar sua próprias<br />
conclusões, sendo importante ressaltar que,<br />
no início do longa, aparece um aviso – quase que<br />
imperceptível – assinado por Tyler sobre o filme.<br />
O aviso fala sobre o consumismo e o que<br />
Durden diz para o narrador no decorrer de Clube da<br />
Luta, ou seja, suas “lições” de vida para ele. Esse<br />
aviso, ao mesmo tempo em que pode ajudar a<br />
montar o quebra-cabeça lançado no decorrer do<br />
filme, pode ser comparado com todos os outros<br />
avisos de advertência que geralmente passam antes<br />
de começarem os longas e que muitas pessoas<br />
não prestam atenção, ou não se importam em fazêlo.<br />
No caso do filme Clube da Luta, esse aviso, em<br />
geral, também passa despercebido por parte dos<br />
espectadores por crerem tratar-se de apenas mais<br />
um que dirá as mesmas coisas, e não as próprias<br />
lições que Tyler diz ao narrador, antecipando o assunto<br />
que irá ser tratado no decorrer da trama.<br />
Para a Psicanálise, o mais importante em<br />
um sonho são os detalhes, muitas vezes, passados<br />
despercebidos, mas que fazem/podem fazer<br />
55<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 45-57, nov. 2008
56<br />
toda a diferença no final. Contextualizando ao filme<br />
em questão, os detalhes, como este do aviso,<br />
são muitas vezes passados despercebidos, e são<br />
justamente os que fazem toda a diferença. Essas<br />
minúcias, se relacionadas com as demais e contextualizadas<br />
com os demais detalhes já aqui citados,<br />
acabam tendo mais significado e importância<br />
do que toda a história do filme. Ou melhor, essas<br />
descobertas fazem parte da história do filme, mas<br />
terminam sendo uma verdade inexistente para<br />
muitos, por não perceberem tais detalhes.<br />
Ainda com relação aos detalhes do filme,<br />
logo após o aviso, surge um desenho de<br />
uma careta sorrindo com uma voz ao fundo. Essas<br />
imagens são mostradas de forma muito rápida.<br />
Porém, ao analisar o filme na sua totalidade,<br />
percebe-se que estas, bem como a seqüência<br />
citada anteriormente sobre a genitália, não<br />
foram colocadas ao acaso, mas podem se relacionar<br />
com um momento da trama.<br />
Deve-se lembrar que Tyler trabalhava<br />
como projecionista de filmes. E, conforme já foi<br />
dito, Durden insere cenas pornográficas quase que<br />
imperceptíveis (na seqüencia, aparece uma garotinha<br />
no cinema, chorando ao ver esta imagem<br />
“desagradável”, projetada por Tyler) nos filmes nos<br />
quais é responsável pela projeção. Fazendo uma<br />
analogia, percebe-se que o espectador, muitas<br />
vezes, é comparável com a garotinha do cinema,<br />
ao deixar passar despercebidas cenas sem qualquer<br />
aparente relação e significado entre si, mas<br />
que podem se complementar no final.<br />
Tais fatos levam a crer que o personagem<br />
de Norton, assim como foi capaz de falar de Tyler,<br />
ou seja, de si próprio - também foi o grande<br />
protagonista de todo o filme, do seu próprio espetáculo,<br />
desde o início até a última seqüência.<br />
Tudo está interligado e existem, quase sempre<br />
passadas despercebidas aos olhos dos telespectadores,<br />
todas as relações possíveis entre as seqüências,<br />
sendo Tyler o ator principal de tais ocorrências,<br />
o produtor de seu próprio filme e o contador<br />
da sua própria história.<br />
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS : o estranho despertar<br />
pós-moderno<br />
Se filmes como Clube da Luta, que dialogam<br />
com características pós-modernas, utilizando<br />
de seqüências rápidas e digitalizadas,<br />
grande número de referências e narrativas fragmentadas<br />
parecem confundir o espectador,<br />
pode-se dizer que, necessariamente, interrompem<br />
a contemplação da obra cinematográfica<br />
como obra de arte? O fato inegável é que as<br />
novas tecnologias (como o DVD, que possibilita<br />
rever inúmeras vezes seqüências e pausar em<br />
uma cena específica, podendo analisar seus<br />
detalhes), incorporadas às realizações artísticas,<br />
trouxeram mudanças e só tendem a se cristalizar<br />
ainda mais.<br />
Nada mais consumível por parte do homem<br />
da pós-modernidade, desde cedo apresentado<br />
a formas incontáveis de interpretações<br />
da realidade, devido a uma multiplicidade de<br />
vozes, que em gritaria conjunta, tentam seduzi-lo.<br />
Confuso e indeciso, sente-se deslocado<br />
da realidade, sem lugar no mundo e na história,<br />
sem história: esquizofrênico, em uma sociedade<br />
que, no dizer de Deleuze e Guattari “produz<br />
esquizofrênicos da mesma maneira como produz<br />
o xampu Prell ou os carros Ford, com a única<br />
diferença de que os esquizofrênicos não são<br />
vendáveis” (apud HARVEY, 2003, p.57). Ao fundo,<br />
um Tyler irônico, confirma: “Nós somos os<br />
filhos do meio da história, sem propósito ou<br />
lugar. Não tivemos Grande Guerra, não tivemos<br />
Grande Depressão”.<br />
Resultado de uma era globalizada em<br />
que as minorias periféricas (como um clube da<br />
luta) ganham as ruas e se fazem ouvidas, por<br />
meio da violência ou não. Os monstros pósmodernos<br />
se fazem ouvidos no momento em<br />
que, ao liberar seus demônios, o indivíduo perde<br />
a noção da realidade. Nada mais faz sentido,<br />
afinal “Deus está morto, Marx também e eu não<br />
me sinto muito bem”, o que remete à máxima<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 45-57, nov. 2008
do personagem de Crime e Castigo 11 , de Dostoievski:<br />
“Se Deus não existe, então tudo é permitido”,<br />
com a diferença de que no romance do<br />
escritor russo moderno, o protagonista se sente<br />
culpado do delito que cometera, enquanto<br />
os “indesejados de Deus” do Projeto Caos se<br />
congratulam após ver sua “façanha” (a explosão<br />
de um prédio 12 ) como matéria principal em<br />
um telejornal.<br />
Goya 13 , pintor moderno espanhol, afirmou<br />
que “o sono da razão produz monstros”.<br />
Então pode-se dizer que a razão está em permanente<br />
sono, em nossa época? Ou que simplesmente<br />
está esquecida em livros empoeirados<br />
e sem figuras? E os monstros, pós-modernos,<br />
não são mais tão assustadores assim: sedutores,<br />
são vendidos em qualquer esquina, em<br />
vários modelos e tamanhos...<br />
Até quando? Não se sabe... O sujeito pósmoderno<br />
dorme, e só acordaria se, como o narrador<br />
de Clube da Luta, de olhos bem abertos, se<br />
auto-destruísse e eliminasse o seu próprio fragmento<br />
de sonho... Mas então nunca mais acordaria<br />
e estaria preso no labirinto que ele mesmo<br />
criou?... Seria então o triunfo da criação sobre o<br />
criador, do simulacro sobre a referência, do fragmento<br />
sobre o todo?... Ao acordar (ou dormir de<br />
vez), o narrador da Pós-Modernidade olha para o<br />
outro que o observa (na figura de Marla Singers,<br />
que representa o espectador confuso do cinema)<br />
e diz: “Você me conheceu em uma época<br />
estranha - pós-moderna - da minha história...”<br />
REFERÊNCIAS<br />
BAUDRILLARD, J. Simulacros e Simulação. Lisboa:<br />
Editora Relógio d’Água, 1981.<br />
BERGMAN, I. Imagens. São Paulo: Martins Fontes,<br />
1996.<br />
BÍBLIA. Português. A Bíblia Sagrada: Antigo e Novo<br />
Testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida.<br />
Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.<br />
CLUBE da Luta. Direção: David Fincher. Produção:<br />
Ross Bell, Cean Chaffin e Art Linson. Intérpretes:<br />
Edward Norton; Brad Pitt; Helena Bohan<br />
Carter; Meat Loaf e outros. Roteiro: Chuck<br />
Palahniuk e Jim Uhls. Música: The Dust Brothers.<br />
11<br />
Crime e Castigo (no original, Prestuplênie i nakazánie) é um<br />
romance do escritor russo Fiódor Dostoiévski (1821 - 1881),<br />
publicado em 1866. Narra a história de um jovem estudante<br />
que comete um assassinato e se vê perseguido por sua<br />
incapacidade de continuar sua vida após o delito.<br />
12<br />
Esta cena é simbolicamente chamada, na edição em DVD do<br />
filme, de Muralhas de Jericó. Jericó, segundo o Antigo Testamento,<br />
foi a primeira cidade a ser conquistada pelo povo de<br />
Israel, após se libertar da escravidão do Egito, sob o comando<br />
de Moisés. As muralhas eram imensas e intransponíveis<br />
e sua destruição simbolizava o início da conquista da “Terra<br />
Prometida” pelo povo recém liberto israelita, assim como a<br />
destruição dos prédios de empresas de cartão de crédito<br />
por parte dos voluntários do Projeto Caos simbolizaria a<br />
conquista de sua afirmação frente a sociedade, logo após<br />
serem “libertos” do que os oprimia.<br />
13<br />
Francisco José de Goya y Lucientes (1746 - 1828), foi um pintor<br />
e gravador espanhol.<br />
Los Angeles:, 1999. 1 DVD (139 min), widescreen,<br />
color. Produzido por Universal Pictures. Baseado<br />
no livro “Fight Club”, de Chuck Palahniuk.<br />
Coleção Os Pensadores. F. Nietzsche. Edição<br />
n.19. São Paulo: Nova Cultural, 2005<br />
COELHO, T. Moderno Pós Moderno: modos e<br />
versões. 4. ed. São Paulo: Iluminuras, 2001.<br />
CONNOR, S. Cultura Pós-Moderna: introdução<br />
às teorias do contemporâneo. 4.ed. São Paulo:<br />
Edições Loyola, 2000.<br />
HALL, S. A identidade cultural na Pós-<br />
Modernidade.7.ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora,<br />
2003.<br />
HARVEY, D. Condição Pós-Moderna. 12. ed. São<br />
Paulo: Edições Loyola, 2003.<br />
JAMESON, F. Pós-Modernismo: A lógica cultural<br />
do capitalismo tardio. 2. ed. São Paulo: Editora<br />
Ática, 2002.<br />
LYOTARD, J-F. A Condição Pós-Moderna. 7.ed.<br />
Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2002.<br />
PUCCI JR.,R . Cinema Pós-Moderno. In: MASCARE-<br />
LLO, F. (Org.). História do Cinema Mundial. 2.ed.<br />
Campinas: Papirus Editora, 2007. p. 361 - 378.<br />
57<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 45-57, nov. 2008
58<br />
Traços, Belém, v. 10, n. 21, p. 51-68, jun. 2008
A FACE INSUSPEITA DO PODER:<br />
um estudo sobre a analítica do<br />
poder em Michel Foucault<br />
59<br />
Ronald Valentim Gomes Sampaio<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008
60<br />
Traços, Belém, v. 10, n. 21, p. 51-68, jun. 2008
A FACE INSUSPEITA DO PODER:<br />
um estudo sobre a analítica do poder em Michel Foucault<br />
Ronald Valentim Gomes Sampaio*<br />
RESUMO<br />
A presente análise consiste na elaboração pontuada<br />
do projeto foucaultiano da analítica do<br />
poder em sua fase genealógica, buscando identificar<br />
um conteúdo específico e inominado que<br />
não se confunde com as categorias do poder da<br />
soberania e disciplinar. O argumento central<br />
propõe identificar um conceito foucaultiano de<br />
poder, cujo conteúdo, depurado da idéia de repressão<br />
e de lei, o torna produtivo, positivo e<br />
emancipatório.<br />
Palavras-chave: Poder. Disciplinar. Controle. Vigilância.<br />
Política. Governamentalidade. Bio-<br />
Poder. Bio-Política.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
As formas tradicionais de análise do poder<br />
1 e suas estruturas componentes e afins, ainda,<br />
são as mesmas desde o século XVII, vinculando-se<br />
ao Estado (soberano) toda a manifestação<br />
do “potesta” (poder) e, nele, somente<br />
nele, encontram legitimidade. Juridicamente<br />
pensado, o poder é essencialmente uno (único),<br />
sua divisão ou repartição existe apenas para<br />
viabilizar o seu exercício, sua atuação sobre os<br />
destinatários dele mesmo 2 . Os exercentes do<br />
poder recebem a investidura legal para exercêlo<br />
em nome e em função do Estado, portanto,<br />
sempre realizando continuamente um objetivo<br />
que não é pessoal, mas, unitário, orgânico.<br />
Em termos de organização ou arquitetônica<br />
do poder, os teóricos propõem modelos<br />
e interpretações que visam perpetuar a tese<br />
clássica do poder uno, indissolúvel, intransferível<br />
e impessoal. Teses como a desconcentração<br />
e a descentralização do poder, do poder função<br />
etc., tecnologias da governamentalidade na terminologia<br />
foucaultiana respeitam as mesmas<br />
linhas fundamentais da teoria do poder.<br />
A razão de ser da teoria clássica ou da<br />
teoria recorrente é exibir o poder como uma<br />
realização necessária, agregadora e desinteressada;<br />
o poder deve ser visto como fundamento<br />
da ordem política indisponível, nele não há<br />
interesse egoístico, intenção própria ou realização<br />
material! Está acima das intenções ou<br />
desejos humanos. Nessa construção do ideal<br />
da ordem, a obra foucaultiana detecta a formação<br />
do sujeito, conceito que perpassa toda<br />
obra do pensador. O quadro descrito perfaz a<br />
essência do poder soberano, do poder do rei<br />
ou Estado-Leviatã 3 .<br />
61<br />
*<br />
Professor de Filosofia e Filosofia do Direito. Mestrando em<br />
Psicanálise (UFPA). Professor da <strong>Unama</strong>.<br />
1<br />
Trata-se da visão negativa do poder, isto é, o poder é a repressão,<br />
proibição etc. É criticando essa visão que Foucault<br />
constrói uma genealogia do poder.<br />
2<br />
A visão tripartida do poder remonta a Aristóteles (Política),<br />
mas consagra-se nas obras de John Locke (Segundo tratado<br />
sobre o Governo Civil) e Montesquieu (Espírito das Leis).<br />
3<br />
O Leviatã designa a obra política mais importante de Thomas<br />
Hobbes. O título é alusivo ao monstro fenício com olhos<br />
espalhados por todo o corpo e detentor de um poder descomunal.<br />
Traços, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008
62<br />
4<br />
Sujeição e obediência, eis os fundamentos da soberania.<br />
Um dos grandes defensores do poder soberano assim define<br />
a soberania: “la puissance absolue et perpétuelle dúne<br />
Republique” (JEAN BODIN) Apud NADER, Paulo. Filosofia do<br />
direito. Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 130.<br />
É em torno desse poder que nasce a concepção<br />
tradicional de sua compreensão, isto é,<br />
o poder deriva da legitimidade do Estado que,<br />
por sua vez, se servirá de uma dominante teoria<br />
jurídica. Esta garantirá a sujeição e a obediência<br />
dos indivíduos (jurisdicionados) à soberania<br />
estatal 4 .<br />
Contra essa visão conformadora do poder,<br />
projeta-se a análise de Michel Foucault.<br />
Análise essa que pulveriza o poder em todo o<br />
seu ser promove a reforma de sua compreensão<br />
e expõe sua descontinuidade.<br />
A pretensão de Foucault não é elaborar<br />
uma nova teoria do poder ou refazer a chamada<br />
teoria clássica, mas descortinar o acontecimento<br />
do poder como atuação e materialização de<br />
relações diversas, constantes e qualificadoras<br />
de posições.<br />
As obras de Foucault pesquisadas são as<br />
que compõem o seu esquema genealógico: “Vigiar<br />
e Punir” (1976), “História da Sexualidade I<br />
– A Vontade de Saber” (1976) e a coletânea chamada<br />
“Microfísica do Poder” (1981). Mediante<br />
do método arqueológico, esse filósofo aborda<br />
os saberes que falam sobre o homem, as práticas<br />
discursivas e as não-verdades em relação a<br />
este homem.<br />
Para melhor entender o percurso foucaultiano<br />
da construção da análise do poder, o<br />
presente trabalho está dividido em três capítulos<br />
básicos, estruturados da seguinte forma.<br />
O Primeiro Capítulo mostra o labor filosófico<br />
de Michel Foucault na construção da sua<br />
compreensão do poder, pela qual o pensador<br />
revela que os modelos clássicos de análise do<br />
poder não podem dar conta da sua real natureza.<br />
No Segundo Capítulo, seguindo o mesmo<br />
ritmo de Foucault, apresenta-se os deslocamentos<br />
e atualizações da noção de poder e o<br />
aprimoramento da analítica na detecção das formas<br />
tecnológicas desenvolvidas a partir desta<br />
categoria, tais como: poder disciplinar, bio-poder,<br />
governamentalidade etc.<br />
O Terceiro Capítulo trata do problema<br />
do “governo”, que acompanha, segundo Foucault,<br />
a evolução do próprio poder que atravessa<br />
os séculos difundindo a disciplina, o controle<br />
e a vigilância.<br />
O trabalho finaliza com a referência inquestionável<br />
de Gilles Deleuze, ao pensamento<br />
inovador de Paul Michel Foucault, o filósofo<br />
da crítica das evidências.<br />
2 O PODER COMO FUNDAÇÃO DE POSIÇÕES<br />
2.1 A REVOLUÇÃO COPERNICANA DE FOU-<br />
CAULT: a analítica do poder<br />
Foucault é um pensador preocupado<br />
com a destruição das evidências, com o descortinar<br />
as janelas únicas e definitivas das verdades<br />
históricas. Por essa razão, não se revela um<br />
pensador cansativo, articulista de um tema só.<br />
Na verdade, poucos autores do cenário<br />
contemporâneo trilharam tantas áreas do saber<br />
como Michel Foucault. Suas incursões nas questões<br />
da sexualidade, da loucura, da punição e<br />
da literatura são bastante conhecidas.<br />
Mas, como é notório, o estudo do poder<br />
foi o causador da maior repercussão de seu pensamento<br />
no universo intelectual. As suas investigações,<br />
ao longo dos anos 70, em torno da problemática<br />
do poder, com suas peculiares sutilezas investigativas,<br />
o projetaram como o filósofo francês<br />
(ao lado de Jacques Derrida) de maior presença<br />
no cenário cultural alemão e anglo-saxão.<br />
Argumenta-se que essa parte do trabalho<br />
de Foucault não foi objeto de uma organização<br />
de suas premissas, nem de uma sistematização<br />
de seus resultados.<br />
Não se pretende com este trabalho ordenar<br />
o pensamento de Foucault sobre o po-<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008
der, até porque tal não é o seu objeto, mas deseja-se<br />
alcançar o máximo possível a concepção<br />
que o autor desenvolve sobre o poder em suas<br />
múltiplas faces e desdobramentos teóricos.<br />
É importante adiantar que não há em<br />
Foucault uma teoria geral do poder, a-histórica,<br />
podendo ser aplicada a todas as relações de poder<br />
existentes na sociedade, em qualquer contexto<br />
5 . Foucault, com efeito, pretende trabalhar<br />
uma analítica do poder capaz de dar conta do seu<br />
funcionamento local, em campos e discursos específicos<br />
e em épocas determinadas 6 .<br />
A analítica tem limites definidos quando<br />
comparada a uma teoria do poder, pois para aquela<br />
não está em questão a origem do poder, o conceito<br />
e a sua aplicação ideal. A analítica adota<br />
uma perspectiva eminentemente descritiva,<br />
procura identificar e explicitar os diferentes<br />
mecanismos, táticas e estratégias empregadas na<br />
sua efetivação, bem como a forma de funcionamento<br />
das relações de poder em sociedade 7 .<br />
Foucault não pretende ir além da analítica,<br />
qualificando a sua pretensão genealógica<br />
do poder como atividade identificadora.<br />
5<br />
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Ed.<br />
Graal, 1989a, p, X. Nesta passagem Roberto Machado em<br />
apresentação dos textos de Foucault afirma: “Mas é preciso<br />
não se equivocar e se arriscar a nada compreender das<br />
investigações mais recentes desta genealogia: não existe<br />
em Foucault uma teoria geral do poder.”<br />
6<br />
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I – A vontade de<br />
saber. 9. ed. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1988, p. 80: “ O que<br />
está em jogo nas investigações que virão a seguir é dirigirmos<br />
menos para uma teoria...”<br />
7<br />
FOUCAULT, Michel. V igiar e punir. Petrópolis: Ed. Vozes,<br />
1989b, p.154: “[...] o problema não é de constituir uma teoria<br />
do poder que teria como função refazer o que um Boulaivilliers<br />
ou Rousseau queriam fazer. Todos os dois partem<br />
de um estágio originário em que todos os homens são iguais,<br />
e depois o que acontece? Invasão histórica para um, acontecimento<br />
mítico para outro, mas sempre aparece a idéia<br />
de que, a partir de um momento, as pessoas não tiveram<br />
mais direitos e surgiu o poder. Se o objetivo for construir<br />
uma teoria do poder, haverá sempre a necessidade de considerá-lo<br />
como algo que surgiu em um determinado momento,<br />
de que se deveria fazer a gênese e depois a dedução.<br />
Mas se o poder na realidade é um feixe aberto, mais ou<br />
menos coordenado (e sem dúvida mal coordenado) de relações,<br />
então o único problema é munir-se de princípios de<br />
análise que permitam uma analítica do poder.”<br />
Entre nós, Roberto Machado (in Microfísica)<br />
tem sido o que melhor caracteriza a forma<br />
de trabalho empreendida por Foucault e o âmbito<br />
da reflexão, acerca do tema, muito caro ao<br />
pensador francês. 8<br />
Na analítica do poder em Foucault temse<br />
evidente o abandono de uma visão tradicional<br />
do poder em que sua atuação se basearia,<br />
fundamentalmente, em seus aspectos negativos:<br />
proibição, censura, interdição, repressão,<br />
coação etc. Inclusive o próprio Foucault já chamava<br />
atenção para essa questão enfrentada<br />
pela analítica. 9<br />
A riqueza da análise de Foucault reside<br />
exatamente aí: analisar o poder transpassando a<br />
sua ótica mais cômoda, mais evidente, explicar o<br />
porquê da destruição das evidências operada<br />
pela analítica. Com efeito, fica mais coerente<br />
sustentar com o pensador a seguinte posição: “O<br />
que faz com que o poder se mantenha e que seja<br />
aceito é simplesmente que ele não pesa só com<br />
a força que diz não, mas que fato ele permeia<br />
produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz<br />
discurso” (FOUCAULT, 1989a, p 8).<br />
A rejeição manifestada pelo pensador<br />
de uma análise do poder enquanto teoria acabada<br />
é marcada por preocupações metodológicas<br />
que deixam claro o uso conseqüente dessa<br />
categoria de análise, a saber:<br />
8<br />
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Ed.<br />
Graal, 1989a, p. XVI: “ Mas é preciso ser menos geral e englobante.<br />
Porque a análise de Foucault sobre a questão do<br />
poder é o resultado de investigação delimitadas, circunscritas,<br />
com objetos bem demarcados. Por isso, embora, às<br />
vezes suas afirmações tenham uma ambição englobante,<br />
inclusive pelo tom muitas vezes provocativo e polêmico que<br />
as caracteriza, é importante não perder de vista que se trata<br />
de análises particularizadas, que não podem e não devem<br />
ser aplicadas indistintamente sobre novos objetos,<br />
fazendo-lhes assim assumir uma postura metodológica que<br />
lhes daria universalidade.<br />
9<br />
FOUCAULT, Michel. A vontade de saber. 2. ed. Rio de Janeiro:<br />
Ed. Graal, 1988, p. 79. “Já repeti cem vezes que a história<br />
dos últimos séculos da sociedade ocidental não mostrava<br />
a atuação de um poder essencialmente repressivo”.<br />
63<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008
64<br />
- Analisar o poder na extremidade menos jurídica<br />
de seu exercício.<br />
- Analisar em que ele se implanta e produz<br />
efeitos reais.<br />
- Analisar o poder como algo que se exerce em<br />
rede, que circula.<br />
- Analisar o poder de forma ascendente, de<br />
baixo para cima, investigando como suas estratégias<br />
são investidas e captadas por fenômenos<br />
mais gerais.<br />
- Compreender que os aparelhos de saber constituídos<br />
para que se exerçam os poderes não<br />
são constituições ideológicas.<br />
Certo de que a análise do poder, para<br />
chegar a uma visão coerente do próprio poder,<br />
precisa transpor as barreiras monolíticas da pesquisa<br />
tradicional, Foucault delibera:<br />
[...] em vez de orientar a pesquisa sobre<br />
o poder no sentido do edifício jurídico<br />
da soberania, dos aparelhos do<br />
Estado e das ideologias que o acompanham,<br />
deve-se orientá-la para dominação,<br />
os operadores materiais, as<br />
formas de sujeição, os usos e as conexões<br />
da sujeição pelos sistemas locais<br />
e os dispositivos estratégicos.É<br />
preciso estudar o poder colocando-se<br />
fora de modelo do Leviatã, fora do campo<br />
delimitado pela soberania jurídica<br />
estatal. É preciso estudá-lo a partir das<br />
técnicas e táticas de dominação [...]<br />
(FOUCAULT, 1989a, p.186).<br />
saber o que era exploração; mas talvez<br />
ainda não se saiba o que é poder. E<br />
Marx e Freud talvez não sejam suficientes<br />
para nos ajudar a conhecer esta<br />
coisa tão inigmática, ao mesmo tempo<br />
visível e invisível, presente e oculta<br />
investida em toda parte, que se chama<br />
poder. A teoria do Estado, a análise tradicional<br />
dos aparelhos de Estado sem<br />
dúvida não esgotam o campo de exercício<br />
e do funcionamento do poder. Existe<br />
atualmente um grande desconhecido:<br />
quem exerce o poder? (FOUCAULT,<br />
1989a, p. 75).<br />
Como visto, Foucault rejeita a tese do<br />
poder como emanação absoluta do Estado, mas<br />
também abandona a visão tradicional do poder<br />
como atuação negativa.<br />
Na trajetória da analítica, ao enfatizar o<br />
aspecto produtor do poder, Foucault se insurge<br />
contra uma visão do poder que o encara predominantemente<br />
com expressão de uma operação<br />
que teria a forma de enunciação da lei e do<br />
discurso da proibição, com toda uma série de<br />
efeitos negativos.<br />
A partir desta perspectiva, é a lei da interdição<br />
e da censura que atravessa todo o campo<br />
social como forma por excelência de exercício<br />
do poder.<br />
2.2 A SUPERAÇÃO DOS MODELOS TRADICIO-<br />
NAIS DE ANÁLISE DO PODER<br />
A analítica foucaultiana, como já afirmado,<br />
afasta-se deliberadamente da visão clássica<br />
do Estado enquanto instância primordial de<br />
emanação do poder, locus privilegiado de poder-saber.<br />
Com efeito, afirma Foucault:<br />
Foucault pretende uma mudança nesse<br />
enfoque e dá vida a sua pretensão, encarando o<br />
exercício do poder menos em termos jurídicos<br />
e de proibição e mais como técnicas e estratégias<br />
com efeitos produtivos. 10<br />
Esta dificuldade – nosso embaraço de<br />
encontrar as formas de luta adequadas<br />
– não virá, de que ainda ignoramos<br />
o que é poder? Afinal de contas,<br />
foi preciso esperar o século XIX para<br />
10<br />
“Temos que deixar de descrever sempre os efeitos do poder<br />
em termos negativos: ele exclui, reprime, recalca, censura,<br />
abstrai, mascara, esconde. Na verdade, o poder produz<br />
realidade, produz campos de objetos e rituais da verdade.<br />
O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se<br />
originam nessa produção” (FOUCAULT, Michel. A Vontade<br />
de Saber. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Graal, p. 172).<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008
Ao avançar em seu empreendimento<br />
analítico, Foucault propõe investigação do poder,<br />
no qual é abandonado o modelo legal. “É preciso<br />
construir uma analítica do poder que não tome o<br />
direito como modelo” (FOUCAULT, 1988, p.87).<br />
O modelo legal toma o direito como parâmetro<br />
à compreensão das relações do poder.<br />
Esse modelo, como demonstrado por Foucault,<br />
11 tem se revelado insuficiente ao longo<br />
da história para dar conta da incessante movimentação<br />
das relações políticas e de poder.<br />
Ao abandonar o modelo legal, Foucault<br />
dá origem a uma nova percepção desse fenômeno<br />
tão presente entre nós. Destarte, o poder<br />
não deve ser conhecido como algo “apropriado”<br />
por uma classe (a burguesia) que o teria<br />
conquistado, destituindo os dominados de sua<br />
participação. Pelo contrário, as relações de poder<br />
pressupõem um enfrentamento perpétuo.<br />
Conseqüentemente, o funcionamento<br />
do poder é melhor compreendido por meio da<br />
idéia de que o seu exercício se dá, mediante de<br />
estratégias e que seus efeitos não são atribuídos<br />
a uma apropriação, mas a manobras táticas<br />
e técnicas. A proposição se esclarece na seguinte<br />
abordagem de Vigiar e Punir:<br />
Ora o estudo desta microfísica supõe<br />
que o poder nela exercido não seja<br />
concebido como uma propriedade, mas<br />
como uma estratégia, que seus efeitos<br />
de dominação não sejam atribuídos a<br />
uma ‘apropriação’, mas a disposições,<br />
a manobras, a táticas, a técnicas, a funcionamentos;<br />
que se desvende nele<br />
antes uma rede de relações sempre<br />
tensas, sempre em atividade, que um<br />
privilégio que se pudesse deter; que<br />
seja dado como modelo antes a batalha<br />
perpétua que o contrato que faz<br />
11<br />
FOUCAULT, Michel. A Vontade de Saber. 2. ed. Rio de Janeiro:<br />
Ed. Graal, 1988, p. 86: “No fundo, apesar das diferenças de<br />
época e de objetivos, a representação do poder permaneceu<br />
marcada pela monarquia. No pensamento e na análise<br />
política ainda não cortaram a cabeça do rei”.<br />
uma cessão ou uma conquista que se<br />
apodere de um domínio.<br />
Temos, em<br />
suma, que admitir que esse poder se<br />
exerce mais do que se possui, que não<br />
é `privilégio` adquirido ou conservado<br />
da classe dominante, mas o efeito conjunto<br />
de suas posições estratégicas –<br />
efeito manifestado e às vezes reconduzido<br />
pela posição dos que são dominados<br />
(FOUCAULT, 1988, p. 79).<br />
Importa, também, constatar que a análise<br />
de Foucault imporá uma nova articulação<br />
do poder em relação ao papel do Estado. Isto<br />
ocorre pelo fato do pensador francês acreditar<br />
que não existe sociedade sem relação de poder,<br />
conseqüentemente, os grupos estarão sempre<br />
permeados por essa relação, posto que a<br />
existência dela é coexistente à vida social.<br />
A visão, em questão, redimenciona o<br />
alcance da análise política que sempre garantiu<br />
um lócus privilegiado ao Estado. 12<br />
Na analítica, o Estado não detém a prerrogativa<br />
de ser o centro irradiador das relações<br />
de poder. Não se nega, no entanto, que a partir<br />
da consolidação do Estado Nacional, como forma<br />
de organização política por excelência, este<br />
ente tenha capturado focos de poder para o seu<br />
próprio funcionamento.<br />
O olhar foucaultiano identifica uma série<br />
de relações de poder na sociedade atual que<br />
se colocam fora do estado e que não podem ser<br />
analisadas em termo de soberania, de proibição<br />
ou de imposições de leis. A explicação é<br />
simples: o poder, enquanto relação está presente<br />
em todos os setores da sociedade: nas<br />
relações entre homem e mulher; nos membros<br />
de uma família; nas relações mais simples en-<br />
12<br />
As obras jurídicas em nosso país dedicadas à análise política,<br />
p. ex., mantêm esta mesma posição já tem algumas<br />
décadas. O Estado ocupa o lugar irradiador de toda e qualquer<br />
relação de poder, pois é único legitimador de posições.<br />
As produções na área de direito constitucional, teoria geral<br />
do Estado e direito administrativo expõem o estado como<br />
fonte única de poder.<br />
65<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008
66<br />
tre quem sabe e não sabe, em cada ponta do<br />
corpo social. Ora, é inconcebível perceber essas<br />
relações como projeções do poder do Estado.<br />
Sem sombra de dúvida, é uma das preocupações<br />
da analítica dar conta dessas relações,<br />
pois sem compreendê-las, dificilmente se poderá<br />
alterar o jogo do poder na sociedade.<br />
A retirada do Estado, como ponto irradiador<br />
de toda a sorte de poder pela analítica,<br />
impõe a colocação de um princípio fundamental<br />
dela mesma, a saber: “...o poder é um feixe<br />
de relações mais ou menos coordenado” (FOU-<br />
CAULT, 1989a, p. 248). Essa proposição estabelece<br />
uma nova percepção acerca do poder, não<br />
o vendo como bloco, mas como móvel, dinâmico,<br />
existindo sempre em relação, envolvendo<br />
forças que se chocam e que se contrapõem.<br />
Na verdade, na relação de poder está<br />
presente uma pluralidade de correlações de<br />
forças que atravessam todo o corpo social. O<br />
poder traz à ação relações entre indivíduos ou<br />
grupos de indivíduos que, por sua vez, induzem<br />
a outras relações e, assim, sucessivamente. A<br />
natureza relacional do jogo do poder, que não<br />
tem soma zero, pressupõe enfretamento constante<br />
e perpétuo.<br />
Impõe-se aqui observar que, no jogo do<br />
poder, como conseqüência de sua natureza relacional,<br />
abre-se para o contato com a liberdade.<br />
É ela que possibilita a reação por parte daqueles<br />
sobre os quais o poder é exercido. Infere-se<br />
daí que a liberdade é fundamental nas<br />
relações de poder, de forma que não há poder<br />
sem liberdade e sem potencial de revolta. Obtém-se<br />
a partir desse raciocínio que as relações<br />
de poder não são relações de constrangimento<br />
físico absoluto, por conseguinte, o poder é exercido<br />
somente sobre sujeitos livres e apenas<br />
enquanto são livres.<br />
A analítica do poder de Foucault também<br />
enfrenta o problema da violência. Esta pode ser<br />
um instrumento utilizado nas relações de poder,<br />
mas não é um princípio básico da sua natureza. O<br />
poder enquanto atuação assume formas muitos<br />
mais sutis, não se exercendo essencialmente em<br />
aspectos negativos. Ele, com efeito, tem um aspecto<br />
produtivo fundamental.<br />
Nesse sentido, o exercício do poder impõe<br />
avaliá-lo como uma maneira pela qual certas<br />
ações podem estruturar o campo de outras possíveis<br />
ações: o poder é uma estrutura de ações.<br />
As considerações feitas linhas atrás permitem<br />
visualizar o poder acontecendo em um<br />
campo aberto de possibilidades, sobretudo por<br />
inexistir, inobstante tem-se o tecido social imerso<br />
em uma ampla rede de relações de poder,<br />
um poder onipresente, invadindo todos os recantos<br />
da vida em sociedade, levando a uma<br />
situação na qual não haveria espaço a resistência<br />
e alternativas de transformação.<br />
Na importante entrevista que Foucault<br />
deu a Bernard Henri-Lévy (Não ao Sexo Rei),<br />
extrai-se que a capacidade de recalcitrar, de se<br />
insurgir, de se rebelar e resistir, são elementos<br />
constitutivos da própria definição de poder. Assim,<br />
diz Foucault (1989a, p. 241): “Digo simplesmente:<br />
a partir do momento em que há uma<br />
relação de poder, há uma possibilidade de resistência.<br />
Jamais somos aprisionados pelo poder:<br />
podemos sempre modificar sua dominação<br />
em condições determinadas e segundo uma<br />
estratégia precisa”.<br />
A analítica do poder pari passu aprofunda<br />
sua própria reflexão. Na passagem citada,<br />
como ponto fundamental da analítica, aparece<br />
a possibilidade de resistência em múltiplos focos,<br />
do mesmo modo que o poder funciona a<br />
partir de uma multiplicidade de pontos no tecido<br />
social. Eis como Foucault apresenta a questão<br />
na sua vontade de saber:<br />
... que lá onde há poder há resistência<br />
e, no entanto, (ou melhor, por isso mesmo)<br />
esta nunca se encontra em posição<br />
de exterioridade [...] Não existe,<br />
com respeito ao poder, um lugar de<br />
grande recusa – alma da revolta, foco<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008
de todas as rebeliões, lei pura do revolucionário.<br />
Mas sim, resistências no<br />
plural, que são casos únicos: possíveis,<br />
necessárias, improváveis, espontâneas,<br />
selvagens, solitárias, planejadas,<br />
arrastadas, violentas, irreconciliáveis,<br />
prontas ao compromisso, interessadas<br />
ou fadadas ao sacrifício; por definição<br />
não podem existir a não ser no campo<br />
estratégico das relações de poder. [...]<br />
Elas não são o outro termo nas relações<br />
de poder; inscrevem-se nestas relações<br />
como interlocutor irredutível”.<br />
(FOUCAULT, 2001, p. 91).<br />
Uma outra grande questão presente na<br />
composição da analítica do poder é a adoção do<br />
modelo da guerra à inteligibilidade das relações<br />
de poder. Eis a posição do filósofo: “O poder é<br />
guerra, guerra prolongada por outros meios”<br />
(FOUCAULT, 1989a, p.176).<br />
O modelo em questão é utilizado por<br />
Foucault em face do modelo jurídico-legal, do<br />
marxismo e outros assemelhados. Pois é em<br />
termos de confronto e de combate com suas<br />
táticas e estratégias que melhor se compreende<br />
o modo pelo qual o poder, enquanto rede se<br />
desdobra e articula, ao atravessar o corpo social<br />
como um todo.<br />
Pretende-se com o modelo mostrar que a<br />
base das relações de poder é o confronto belicoso<br />
entre as forças sociais em constante choque. O<br />
fundamento teórico, dessa abordagem, reside no<br />
fato de que, os que se encontram submetidos às<br />
relações de poder manifestam rebeldia e insurgência<br />
constantes em relação a ele mesmo.<br />
Embora não tenha inventando o modelo<br />
em questão, Foucault critica o seu mau uso,<br />
razão porque reclama a necessidade de se aprimorar<br />
o uso correto do modelo. Assim:<br />
O que me parece certo é que, para analisar<br />
as relações de poder, só dispomos<br />
de dois modelos: o que o Direito<br />
nos propõe (poder com lei, proibição,<br />
instituição) e o modelo guerreiro ou<br />
estratégico em termos de relações de<br />
forças. O primeiro foi muito utilizado e<br />
mostrou acho eu, ser inadequado: sabemos<br />
que o Direito não descreve o<br />
poder. O outro, se bem que também é<br />
muito usado. Mas fica nas palavras:<br />
utilizam-se noções pré-fabricadas ou<br />
metáforas (‘guerras de todos contra<br />
todos’, ‘luta pela vida’) ou ainda esquemas<br />
formais (as estratégias estão<br />
muito em moda entre alguns sociólogos<br />
e economistas, sobretudo americanos).<br />
Penso que seria necessário tentar<br />
aprimorar esta análise das relações<br />
de força. (FOUCAULT, 1989a, p. 241).<br />
3 FOUCAULT E AS FORMAS DO PODER<br />
3.1 DESLOCAMENTO E ATUALIZAÇÕES DA NO-<br />
ÇÃO DE PODER<br />
No primeiro capítulo, deste trabalho,<br />
procurou-se cum grano salis apresentar o pensador<br />
francês preocupado com o problema do<br />
poder na sociedade ocidental, em face de tradições<br />
metodológicas, postas em xeque por ele.<br />
Por visar superar a tradição política da compreensão<br />
do poder, Foucault inova a pesquisa, inaugurando<br />
a sua analítica, que não pode ser confundida<br />
com uma teoria do poder pelos motivos<br />
declinados no capitulo anterior. O que poderia<br />
ser apenas um insight episódico de pesquisador,<br />
mormente nas primeiras obras arqueológicas,<br />
assume o lugar de um projeto ambicioso<br />
que atravessa toda a sua produção. Assim,<br />
se pode afirmar que a concepção de poder que<br />
nasce em Foucault foi objeto de significativas<br />
modificações no desenvolvimento de sua obra,<br />
sobretudo no transcurso da década de 70.<br />
Nas suas primeiras obras, especificamente<br />
em História da Loucura (1961), detectase<br />
uma concepção de poder que não difere das<br />
67<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008
68<br />
teorias tradicionais, isto é, o poder é repressivo,<br />
negativo, limita a liberdade, é privilegio dos<br />
que o possuem em detrimento dos que dele<br />
são destituídos. Nos trabalhos subseqüentes,<br />
entretanto, Foucault perceberá que o modelo<br />
tradicional não dá conta de uma série de sutilezas<br />
tecnológicas do poder, atualizadas e reorientadas<br />
nas relações de todo o corpo social.<br />
Com vistas a acompanhar essa modificação<br />
da percepção do projeto foucaultiano, convém<br />
a apropriação das categorias utilizadas por<br />
Foucault ao longo de sua pesquisa sobre o poder,<br />
a saber: poder disciplinar, biopoder, governamentalidade<br />
etc. Importa, no entanto, asseverar<br />
que elas surgiram durante os estudos do<br />
pensador na década de 70 e devem ser entendidas<br />
como diferentes tecnologias de poder, postas<br />
em funcionamento a partir do século XVI. Essas<br />
tecnologias podem aparecer, às vezes, com<br />
hegemonia de uma delas, mas, em geral coexistem<br />
em complexos arranjos no contexto social.<br />
No transcurso dos anos 70 percebe-se<br />
com nitidez que o primaz da analítica de Foucault<br />
se expande, aprofundando a aplicação da<br />
sua pesquisa genealógica. Destarte, observa-se<br />
que o problema do poder disciplinar aparece<br />
como questão central nos anos de 1973 a 1975,<br />
doutra feita, nos anos de 1976 a 1977, o pensador<br />
passa a problematizar, o bio-poder, deixando<br />
ainda espaço para enfrentar o “fenômeno”<br />
da governabilidade a partir de 1978.<br />
A explicação para esse comportamento<br />
inquietante de Foucault, ao nosso sentir, reside<br />
no fato dele se deixar levar pela sedução do<br />
material empírico trabalhado, aguçando sua curiosidade<br />
e motivando novas indagações. Isto<br />
parece esclarecido por Foucault na seguinte<br />
passagem: “São as coisas gerais que surgem em<br />
último lugar. É o preço e a recompensa de todo<br />
o trabalho em que as peças teóricas se elaboram<br />
a partir de um certo domínio empírico”<br />
(FOUCAULT, 1989b, p. 76).<br />
4 PODER DISCIPLINAR: uma invenção rentável<br />
Uma das preocupações de Foucault, ao<br />
longe de sua vida produtiva, reside na compreensão<br />
da tomada do poder sobre os corpos na<br />
sociedade ocidental. Essa forma do poder que<br />
articula e atualiza uma série de tecnologias de<br />
adestramento e manipulação deles mesmos,<br />
ocupara as pesquisas do pensador francês, a<br />
partir de 1972/73.<br />
Obras como Vigiar e Punir (1975), História<br />
da Sexualidade I - a vontade de saber (1976)<br />
e a coletânea de ensaios conhecida como Microfísica<br />
do Poder (1979) representam um resultado<br />
visível e gratificante do trabalho do pensador,<br />
acerca do problema disciplinar.<br />
Sinteticamente, sem nenhuma pretensão<br />
estereotípica, em Vigiar e Punir, Foucault<br />
define os mecanismos de sujeição do corpo<br />
como uma tecnologia.<br />
Na Vontade de Saber, argumenta que “o<br />
poder não é exclusivamente repressivo, havendo<br />
inúmeras relações de poder que se tramam<br />
lateralmente nos saberes acerca do individuo,<br />
seu corpo, seu comportamento, e que visam<br />
principalmente o comportamento sexual” (ARA-<br />
ÚJO, 2001, p, 83).<br />
Na Microfísica do Poder, Foucault analisa<br />
o poder à luz do conceito, soberania, disciplina<br />
e governo etc.<br />
Essas obras já estavam presentes no projeto<br />
foucaultiano e realizam a sua proposta genealógica<br />
sugerida no seu texto “Nietzsche, a<br />
genealogia e a história”. Assim, “A genealogia<br />
[...] está, portanto no ponto de articulação do<br />
corpo com a história. Ela deve mostrar o corpo<br />
inteiramente marcado e a história arruinando o<br />
corpo” (FOUCAULT, 1989a, p. 22).<br />
A partir de agora, há de se falar sobre as<br />
categorias foucaultianas que se prestam à compreensão<br />
do poder como movimento historicamente<br />
detectável e apreensível.<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008
4.1 O NASCIMENTO DA SOCIEDADE DISCIPLINAR<br />
Mudanças sociais ocorridas ao longo dos<br />
séculos XVII e XVIII levaram as alterações consideráveis<br />
nas relações de poder. Sem dúvida, a<br />
mais importante de todas é a passagem do poder<br />
da soberania para o poder disciplinar, tudo<br />
dentro de um processo gradativo e sutil, em que<br />
se percebe ser mais eficaz e rentável “vigiar”<br />
do que “punir”.<br />
As monarquias soberanas, do anúncio<br />
das regras e da lei, convertem-se em verdadeiras<br />
sociedades disciplinares, da vigilância e das<br />
normas.<br />
Em Vigiar e Punir, Foucault responderá a<br />
que se deve tal transformação histórica, identificando<br />
e analisando as instituições disciplinares,<br />
surgidas ao longo desses dois séculos, a saber:<br />
oficinas, fábricas, escolas, prisões etc.<br />
Verifica-se que o poder disciplinar, ao<br />
contrário do poder da soberania, não se materializa<br />
na pessoa do rei, mas nos corpos dos<br />
sujeitos individualizados por suas técnicas disciplinares.<br />
Com efeito, o poder disciplinar descobre<br />
o corpo.<br />
O poder soberano ou poder da soberania,<br />
com suas técnicas jurídicas, atua sobre<br />
os súditos tocando em seus bens, retirando<br />
e “pilhando” suas riquezas, ao passo<br />
que o poder disciplinar não se detém como<br />
uma coisa, não se transfere como uma propriedade,<br />
assim: “O poder disciplinar é com<br />
efeito um poder que, em vez de se apropriar<br />
e de retirar, tem como função maior ‘adestrar´;<br />
ou sem dúvida adestrar para retirar e<br />
se apropriar ainda mais e melhor” (FOU-<br />
CAULT, 1989b, p.153).<br />
A razão para essa mudança de atuação<br />
do poder disciplinar extrai-se do próprio resultado<br />
de uma e de outra postura. A modalidade<br />
disciplinar do poder faz aumentar a utilidade<br />
dos indivíduos, faz crescer suas habilidades<br />
e aptidões, bem como seus rendimentos e<br />
lucros. Inclusive amplia e consolida a moral<br />
pública, baseada no corpo disciplinado.<br />
Sem sombra de dúvida, a mudança que<br />
se opera na própria concepção política do poder<br />
altera também sua localização ou centralização,<br />
bem como sua visibilidade.<br />
O poder soberano ou poder da soberania<br />
apresenta o poder encarnado na figura<br />
do rei, monarca ou governante, centro irradiador<br />
de todas as relações de poder. Na<br />
versão do poder disciplinar (Estado da Disciplina),<br />
a que atualiza o poder da soberania,<br />
não há um lugar comum do poder, como<br />
o rei, por exemplo, nem emblemas de unidades<br />
de poder (políticos, parlamento etc).<br />
Aqui, o poder está pulverizado, presente<br />
em todas as relações sociais, em todos os<br />
corpos a ele submetidos.<br />
Na soberania, o poder é visível, presente<br />
e pujante; não há quem não tema o<br />
poder, afinal de contas o rei ou governante<br />
pode fazer coisas absurdas utilizando um simples<br />
gesto de poder.<br />
O poder disciplinar, ao contrário, age na<br />
invisibilidade para produzir seus efeitos permanentes,<br />
domando e adestrando os corpos, já não<br />
recorre a forma primária do poder.<br />
Os séculos XVII e XVIII, segundo Foucault,<br />
assistiram a multiplicação de instituições disciplinares,<br />
mas mais do que isso, a difusão e o<br />
aprimoramento de dispositivos disciplinares.<br />
Importante agora é sabermos em que<br />
consistem esses dispositivos e, antes de<br />
qualquer coisa, em que consiste a disciplina<br />
mesma.<br />
A disciplina apresenta-se para Foucault<br />
como uma técnica a serviço do poder que se<br />
aprimora até atingir o status de tecnologia. Assim:<br />
“A disciplina ‘fabrica’ indivíduos, ela é a<br />
técnica especifica de um poder que torna os indivíduos<br />
ao mesmo tempo como objeto e como<br />
instrumento de seu exercício” (FOUCAULT,<br />
1989b, p.153).<br />
69<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008
E continua:<br />
“A disciplina não pode se<br />
identificar com uma instituição<br />
ou com um aparelho; ela<br />
é um tipo de poder, uma modalidade<br />
para exercê-lo, que<br />
comporta todo um conjunto<br />
de instrumentos, de técnicas,<br />
de procedimentos, de níveis<br />
de aplicação de alvos; ela é<br />
uma ‘física’ ou uma anatomia<br />
do poder, uma tecnologia”<br />
(FOUCAULT, 1989b, p.189).<br />
N. Andry. L’orthopédie ou l’art<br />
de prévenir et de corriger dans<br />
les enfants les difformités du<br />
corps, 1749.<br />
Em Vigiar e Punir, Foucault expõe os dispositivos<br />
disciplinares ou instrumentos do poder<br />
disciplinar que marcam a sua atuação penetrante<br />
e performativa. Os mais importantes são:<br />
o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e o<br />
exame. 14<br />
5.1 O OLHAR HIERÁRQUICO<br />
70<br />
No campo das relações mesmas do poder,<br />
a disciplina não fabrica apenas indivíduos<br />
úteis, ela atua no campo da capacidade produtiva,<br />
fazendo tudo crescer, ela aumenta a produtividade.<br />
Mas não é só isso, ela faz aumentar<br />
a produção de saber (na escola), de saúde (nos<br />
hospitais) e de força (no exército). 13<br />
5 DISPOSITIVOS DISCIPLINARES<br />
Intérieur de l’Ecole d’enseignement mutuel, situeé<br />
rue du Port-Mahon, au moment de l’exercice d’écriture.<br />
Lithographie de Hippolite Lecomte, 1818. (Collections<br />
historiques de l’INRDP)<br />
13<br />
O olhar hierárquico traduz a idéia mais ampla de Foucault,<br />
nesse particular, falar de um triplo objetivo da disciplina.<br />
Cf. Foucault, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Ed. Vozes,<br />
1989b. p. 183/185.<br />
Collège de Navarre. Dessiné et gravé par François-<br />
Nicolas Martinet, vers 1760. (Collections historiques<br />
de l’INRDP).<br />
Traduz a idéia mais ampla de vigilância.<br />
Esta, por sua vez, é a mais importante máquina,<br />
a mola mestra do poder disciplinar. Ela atua na<br />
direção da automatização e individualização do<br />
poder, ao mesmo tempo em que contribui para<br />
individualizar os sujeitos a ele submetidos.<br />
A vigilância é um dispositivo eficaz do<br />
poder disciplinar, ela generaliza a disciplina,<br />
expandido-a para além das instituições fechadas.<br />
Ela tem o condão de pulverizar o poder, de<br />
fazê-lo exponencial, ou mesmo, infinitesimal.<br />
Produzindo, atuando, transferindo efeitos<br />
de poder, a vigilância produz novas mecânicas<br />
de poder, destacando-se pela importância e<br />
notabilidade. Nesse sentido, exsurge o Panóptico<br />
de Bentham, cujo cognome dado por Foucault<br />
é muito sugestivo: “ovo de Colombo da política”.<br />
14<br />
EIZIRIK, Marisa Faermann: Michel Foucault: um pensador do<br />
presente. Ijuí: Ed. Unijuí, 2002, p.60.<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008
Sem sombra de dúvida, o Panóptico de<br />
Bentham é uma utopia política da arquitetura do<br />
século XIX, exibindo como função precípua garantir<br />
o funcionamento automático do poder. Assim:<br />
O projeto de Bentham de um poder visível<br />
e inverificável tornou-se realidade na adoção<br />
da arquitetura circular nas escolas, prisões,<br />
hospitais, fábricas, centros religiosos etc. Nas<br />
chamadas instituições disciplinares, o poder se<br />
mostrava visível, mas nada se sabia sobre ele,<br />
dado a sua inverificabilidade.<br />
A pujança do panóptico está no efeito<br />
de poder que ele produz. Os que são a ele submetidos<br />
precisam saber que são vigiados ou que<br />
são potencialmente vigiados.<br />
O poder disciplinar é exercido plenamente<br />
quando os que são vigiados ou potencialmente<br />
vigiados exercem, sobre si mesmos,<br />
vigilância conseqüente e de acordo com a expectativa<br />
da disciplina. Há, nesse acontecimento,<br />
o auto-adestramento, uma auto-correção<br />
que transita entre os submetidos às relações<br />
do poder disciplinar.<br />
A vigilância faz do poder disciplinar um<br />
sistema integrado, não há um centro, não há<br />
um titular desse poder, na verdade a engrenagem<br />
como um todo produz poder.<br />
Funciona dentro das expectativas de uma<br />
máquina ajustada, segundo Foucault (1989b, p.183)<br />
“...o que importa é tornar mais fortes as forças sociais<br />
– aumentar a produção, desenvolver a economia,<br />
espalhar a instrução, elevar o nível da moral<br />
pública, fazer crescer e multiplicar”.<br />
Eis, pois, a fórmula foucaultiana do poder:<br />
disciplina e saber.<br />
Fazer com que a vigilância seja permanente<br />
em seus efeitos, mesmo se é<br />
descontinua em sua ação; que a perfeição<br />
do poder tenda a tornar inútil a<br />
atualidade de seu exercício; que esse<br />
aparelho arquitetural seja uma máquina<br />
de criar e sustentar uma relação de<br />
poder independente daquele que o<br />
exerce; enfim, que os detentos se encontrem<br />
presos numa situação de poder<br />
de que eles mesmos são os portadores<br />
(FOUCAULT, 1989b, p. 177).<br />
5.2 A SANÇÃO NORMALIZADORA<br />
Apresenta-se como o segundo dos principais<br />
dispositivos disciplinares, a disciplina articula<br />
uma maneira própria de punir. O uso do<br />
castigo disciplinar visa à correção é à redução<br />
dos desvios. Não pretende expiar e reprimir,<br />
mas normatizar, adestrar, conformar a princípios<br />
reitores da disciplina. Desse modo, Foucault<br />
(1989b, p.163) assevera que “A penalidade perpétua<br />
que atravessa todos os pontos e controla<br />
todos os instantes das instituições disciplinares<br />
compara, diferencia, hierarquiza, homogeniza,<br />
exclui. Em uma palavra, ela normaliza”.<br />
Foucault revela que com o poder disciplinar<br />
nasce o poder da norma, que substitui<br />
paulatinamente o papel que a lei mantinha no<br />
regime do poder soberano. Ocorre, portanto,<br />
nesse processo, uma mudança fundamental na<br />
utilização das duas categorias, qual seja a passagem<br />
da codificação dos comportamentos para<br />
a normalização das condutas.<br />
5.3 O EXAME<br />
Um dos mais eficazes dispositivos de<br />
poder funciona como uma articulação entre a<br />
vigilância e a sanção normalizadora.<br />
Ele constitui o indivíduo como objeto de<br />
análise e, conseqüente, dado de comparação. É um<br />
controle normatizante, permanente vigilância que<br />
permite qualificar, classificar e punir. Mantém sobre<br />
os indivíduos uma visibilidade, mediante a qual<br />
eles são diferenciados e sancionados. 15<br />
15<br />
(15) FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Ed. Vozes,<br />
1989b, p.164. “O exame combina as técnicas de hierarquia<br />
que vigia e as da sanção que normaliza. É um controle normalizante,<br />
uma vigilância que permite qualificar, classificar<br />
e punir. Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade<br />
através da qual eles são diferenciados e sancionados”.<br />
71<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008
72<br />
No item dos processos de disciplina, o<br />
exame manifesta a sujeição dos que são percebidos<br />
como objetos e a objetivação dos que se<br />
sujeitam. 16<br />
O exame se encontra no centro vital da<br />
disciplina, objetivando-se pela concomitância<br />
entre a visibilidade dos sujeitos e a invisibilidade<br />
da disciplina.<br />
Na analítica foucaultiana, o exame põe<br />
em funcionamento relações de poder que permitem<br />
obter saber com o exame, o indivíduo<br />
passa a fazer parte de uma relação triangular fundamental<br />
no interior do poder disciplinar; isto é,<br />
ele é efeito e objeto do poder e do saber. 17<br />
Foucault nos mostra que a vigilância do<br />
panóptico, a disciplina e o exame, entre outros<br />
dispositivos disciplinares funcionais, operam<br />
como um laboratório de poder, proporcionando<br />
um aumento de saber em todas as manipulações<br />
e atuações.<br />
Esses dispositivos disciplinares, sem exceção,<br />
integraram a sociedade disciplinar do século<br />
pretérito e continuam no presente século,<br />
atualizando e incrementando as suas formas e<br />
modus operandi.<br />
6 CONSIDERAÇÕES<br />
O conceito de poder é o pano de fundo<br />
das análises empreendidas por Michel Foucault.<br />
Para esse autor, como se observou nos<br />
argumentos que ficaram para trás, o poder não<br />
é algo que se possa possuir, que se possa represar.<br />
Com efeito, as sociedades não se dividem<br />
entre os que têm e os que não têm poder. Podese<br />
dizer que poder se exerce ou se pratica.<br />
16<br />
(16) Idem.<br />
17<br />
Idem, Ibidem, p.171: “Finalmente, o exame está no centro<br />
dos processos que constituem o indivíduo como efeito e<br />
objeto de poder, como efeito e objeto de saber. É ele que,<br />
combinando vigilância hierárquica e sanção normalizadora,<br />
realiza as grandes funções disciplinares de repartição e<br />
classificação, de extração máxima das forças e do tempo,<br />
de acumulação genética contínua, de composição ótima<br />
das aptidões.”<br />
Segundo Foucault, o poder não existe<br />
como hipóstase ou mônada, pois se encontra entre<br />
os sujeitos são relações e práticas de poder.<br />
O poder circula, o poder constitui, o poder<br />
identifica, o poder sujeita. Para Foucault, ao<br />
contrário das teses dos marxistas, como as althusserianas<br />
- segundo as quais todo poder emana<br />
do Estado para os Aparelhos Ideológicos - há as<br />
chamadas redes microfísicas do poder, em que<br />
encontramos estruturas que se intercruzam sem<br />
jamais se anularem. “De modo geral, penso que<br />
é preciso ver como as grandes estratégias de poder<br />
se incrustam, encontram suas condições de<br />
exercício em micro-relações de poder. Mas sempre<br />
há também movimentos de retorno, que fazem<br />
com que estratégias que coordenam as relações<br />
de poder produzam efeitos novos e avancem<br />
sobre domínios que, até o momento, não<br />
estavam concernidos” (FOUCAULT, 1989, 249).<br />
Assim, o poder é retirado do exclusivo<br />
campo político para ser instalado no cotidiano<br />
das pessoas, onde realmente acontece e se<br />
constitui como forma da existência.<br />
É nas relações que ocorrem nos quadros<br />
da vida que, na interface do poder, abre-se espaço<br />
para o exercício da resistência. Portanto,<br />
na perspectiva de Foucault não existem dominantes<br />
e dominados, porém, sujeitos que se<br />
constituem enquanto detentores de formas e<br />
estratégias de poder.<br />
Foucault mostra-se contrário à concepção<br />
do poder do senso comum. Para as massas,<br />
o poder é uma propriedade de poucos, tem uma<br />
localização e tem um aspecto negativo (dominação).<br />
Seria fácil imaginar: o poder é vertical.<br />
Uma pirâmide cujo topo exerce poder sobre a<br />
base. O mesmo poderia se dizer sobre o Estado.<br />
Porém, em Foucault, essas formulações não<br />
encontram mais qualquer fundamento no mundo<br />
das relações entre sujeito que são constituídos<br />
a partir de modos tecnológicos de poder.<br />
O poder está em todo canto!<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008
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73<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 59-73, nov. 2008
COOPERAÇÃO CHINA-ÁFRICA<br />
75<br />
Renan Almeida de Farias<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 75-82, nov. 2008
76<br />
Traços, Belém, v. 10, n. 21, p. 69-80, jun. 2008
COOPERAÇÃO CHINA – ÁFRICA 1<br />
Renan Almeida de Farias*<br />
RESUMO<br />
Este artigo tem o compromisso de analisar a<br />
política de investimento que o governo da China<br />
está introduzindo no continente africano.<br />
Em novembro de 2006, na capital Pequim, em<br />
reunião com os representantes dos países<br />
africanos, o presidente chinês Hu Jintao garantiu<br />
para os 48 Chefes de Estado, presentes,<br />
investimentos nos setores de energia e<br />
segurança, em troca do direito de explorar<br />
seus recursos naturais, principalmente as reservas<br />
minerais e o petróleo, existentes na<br />
África. Contudo, o parlamento europeu critica<br />
o governo chinês de ser conivente em relação<br />
aos regimes ditatoriais. Mediante da<br />
política de cooperação com os governos africanos,<br />
o presidente Hu Jintao pretende lograr<br />
um claro objetivo, que é vencer a corrida contra<br />
os norte-americanos pela detenção de recursos<br />
naturais no sistema internacional.<br />
Palavras-chave: China. Chefes de Estado. Parlamento<br />
Europeu. Política de Cooperação. Sistema<br />
Intenacional.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Durante séculos, o continente africano<br />
foi entregue à própria sorte. A teoria adotada<br />
pelos países do ocidente tinha a África como<br />
uma região com dificuldades impossíveis de<br />
serem solucionadas, repleto de doenças, fome<br />
e corrupção. Entretanto, no início do século XXI,<br />
os chineses apareceram com um novo discurso.<br />
A China destinou parte de seu US$ 1,3 trilhão<br />
em reservas cambiais para investimentos na<br />
África, bem como está disponibilizando capital<br />
para setores sociais, como: escolas, hospitais,<br />
estradas e redes de saneamento. Até o momento,<br />
os chineses já empregaram, na África, o montante<br />
de US$ 25 bilhões e mais US$ 10 bilhões<br />
estão em fase de negociação. Só em Angola,<br />
aplicaram US$ 4 bilhões. Vale salientar, todavia,<br />
que todo esse investimento chinês não é gratuito.<br />
Em troca, os chineses reivindicam o direito<br />
de explorar os recursos naturais, principalmente<br />
as reservas de minérios e petróleo, situadas<br />
no continente africano.<br />
Observa-se com essa iniciativa que a<br />
China decidiu explorar uma região que, até pouco<br />
tempo, não apresentava nenhum significado<br />
expressivo para as potências européias e<br />
para a administração norte-americana.<br />
2 O CRESCIMENTO ECONÔMICO NA ÁFRICA<br />
De acordo com o artigo publicado no dia<br />
14 de novembro de 2007 pela BBC para África, o<br />
continente apresentou melhorias fundamentais<br />
na última década, registrando um crescimento<br />
na ordem de 5,4 % e o colocando ao nível das<br />
taxas globais. O último relatório do Banco Mundial,<br />
sobre os “Indicadores de Desenvolvimento<br />
na África para 2007”, analisou indicadores presentes<br />
nos setores econômicos, privados, de<br />
desenvolvimento humano e governança dos<br />
*<br />
Acadêmico do curso de Relações Internacionais da <strong>Unama</strong>.<br />
Email: nan.almeida@yahoo.com.br<br />
1<br />
Artigo orientado pelo Prof. Felix Gerardo Ibarra Prieto, Mestre<br />
em Relações Internacionais e Coordenador do Curso de<br />
Relações Internacionais da <strong>Unama</strong><br />
77<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 75-82, nov. 2008
78<br />
países. E concluiu que o crescimento em muitos<br />
países africanos demonstra ser forte e acelerado,<br />
atraindo investimento global e reduzindo<br />
taxas de pobreza. O relatório, ainda, aponta que<br />
é necessário um investimento constante no<br />
continente para sustentar um desenvolvimento<br />
a longo-prazo.<br />
Ainda no artigo da BBC para África, o representante<br />
econômico do Banco Mundial no<br />
continente africano, John Page, afirmou estar<br />
“bastante otimista” em relação às mudanças no<br />
quadro econômico da África, principalmente em<br />
dois grupos de países: os exportadores de petróleo<br />
e os que apresentam expansão com diversidade<br />
econômica.<br />
“Pela primeira vez em cerca de 30 anos,<br />
vemos um grande número de países africanos<br />
que começaram a mostrar um crescimento econômico<br />
sustentado, com taxas semelhantes às<br />
de outros países em desenvolvimento de todo<br />
o mundo e excedeu a taxa de crescimento de<br />
países mais desenvolvidos”, afirmou Page à BBC.<br />
John Page ratifica que a “África aprendeu<br />
a negociar de maneira mais eficaz com o<br />
resto do mundo, a confiar mais no setor privado<br />
e a evitar os sérios colapsos no crescimento econômico<br />
que caracterizam os anos 70, 80, e início<br />
dos 90”.<br />
3 A POLÍTICA DE INVESTIMENTO CHINESA SO-<br />
BRE A ÁFRICA<br />
Em novembro de 2006, os periódicos<br />
internacionais destacaram a realização em Pequim,<br />
nos dias 4 e 5 daquele mês, de uma cúpula<br />
formada pelo presidente chinês Hu Jintao e<br />
Chefes de Estado de 48 países africanos. Foi o<br />
maior encontro internacional realizado pela RPC<br />
(República Popular da China), e os jornais mencionaram<br />
inclusive que a logística em torno da<br />
reunião seria uma espécie de ensaio para os<br />
possíveis desafios a serem enfrentados nas<br />
Olimpíadas de 2008. Foi também enfatizado que<br />
o Governo chinês estava financiando a viagem<br />
e a hospedagem das 48 delegações.<br />
O que não ficou claro nos noticiários é<br />
que não se tratava de uma iniciativa diplomática<br />
isolada. Tratava-se, na verdade, da segunda<br />
sessão plenária do Fórum on China-Africa Cooperation<br />
- FOCAC formada em 2000, também em<br />
Pequim. Essa conferência de fundação fora prevista<br />
para repetir-se a cada três anos, como já<br />
aconteceu em 2003 no Adis Abeba; 2006 em<br />
Pequim; e deverá ocorrer em 2009 no Cairo.<br />
Durante o encontro, o presidente Hu<br />
Jintao prometeu créditos e empréstimos de longo<br />
prazo aos países africanos, na importância<br />
de US$ 5 bilhões e afirmou que até 2009 a China<br />
dobrará sua ajuda. Em outra frente, o governo<br />
chinês comprometeu-se em formar quinze mil<br />
profissionais africanos, isentar de tarifas algumas<br />
importações da África e estabelecer cinco<br />
zonas de livre comércio. Além disso, algumas<br />
empresas chinesas assinaram acordos com onze<br />
países africanos, prevendo investimentos de<br />
US$ 1,9 bilhão nos setores de telecomunicações<br />
e equipamentos tecnológicos, infra-estrutura,<br />
matérias primas, bancários e de seguros.<br />
Com o objetivo de ratificar a importância<br />
do FOCAC, Hu Jintao voltou à África, menos<br />
de um ano, após sua última visita por aquele<br />
continente. Entre os meses de janeiro e fevereiro<br />
de 2007, o presidente chinês visitou oito<br />
países africanos, determinado a disponibilizar<br />
a esses Estados 2 US$ 3 bilhões em créditos especiais.<br />
No âmbito das relações de trocas, segundo<br />
informações divulgadas, no início de<br />
2007, pela agência chinesa de notícias, Xinhua,<br />
a China terminou 2006 com um déficit comercial<br />
de US$ 2,1 bilhões com a África. Além disso,<br />
ofereceu ao Sudão um empréstimo de US$ 12<br />
milhões, sem juros, e perdoou uma dívida de<br />
US$ 70 milhões. O comércio bilateral China-Sudão<br />
superou, em 2006, a casa dos US$ 3 bilhões.<br />
2<br />
Nação politicamente organizada por leis próprias.<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 75-82, nov. 2008
A RPC também assumiu a responsabilidade<br />
de ajudar os governos africanos a enfrentarem<br />
os problemas relacionados à saúde<br />
pública, oferecendo inicialmente uma ajuda<br />
humanitária no valor de US$ 48 milhões.<br />
Em maio de 2007 durante a sexagésima reunião<br />
anual da Organização Mundial da Saúde<br />
(OMS) 3 , celebrada em Genebra, o então, ministro<br />
da saúde chinês, Gao Qiang, anunciou<br />
que seu governo doaria cerca de 5 milhões de<br />
euros à OMS, com o objetivo de reformar e<br />
desenvolver o sistema de saúde africano, estabelecendo<br />
na região dez centros de prevenção<br />
e tratamento contra a malária.<br />
Outro setor que influencia fortemente<br />
a economia na relação sino-africana é o turismo,<br />
devido ao fortalecimento do poder aquisitivo<br />
da classe média chinesa, que favorece o<br />
fluxo de turistas em direção a África. África do<br />
Sul, Zimbábue, Tanzânia, Maurícias, Zâmbia,<br />
Namíbia, Madagáscar e Moçambique são exemplos<br />
de países que receberam transfusões de<br />
receitas turísticas e tiveram como resultados<br />
crescimentos econômicos entre 5,9% e 12,6%,<br />
após serem incluídos no O Estatuto de Destino<br />
Turístico Aprovado - acordo bilateral na área do<br />
turismo - no qual o estado chinês permite que<br />
os seus cidadãos façam visitas de grupo a outros<br />
países sem necessidade de autorização de<br />
saída, mas sempre por meio de agências de viagens<br />
autorizadas pelo governo.<br />
3.1 PARTICIPAÇÃO DA CHINA NO SETOR MILI-<br />
TAR AFRICANO<br />
3<br />
O objetivo da Organização Mundial da Saúde é a aquisição,<br />
por todos os povos, do nível de saúde mais elevado que for<br />
possível<br />
4<br />
Relativo ou oriundo da China.<br />
As relações da China com a África não<br />
ficam apenas no terreno dos interesses comerciais<br />
e humanitários. Nos últimos anos, o<br />
governo sínico 4 expandiu a sua presença militar<br />
na região africana, como exemplo, destaca-se<br />
a participação de soldados chineses no<br />
contingente de manutenção de paz na Libéria<br />
em dezembro 2003, fato que ocorreu dois<br />
meses, após a Libéria ter alterado o seu reconhecimento<br />
diplomático de Taiwan para a<br />
China. A China enviou também soldados para<br />
manutenção da paz para República Democrática<br />
do Congo; forneceu uniformes ao exército<br />
de Moçambique; helicópteros ao Mali e<br />
Angola, e armas à Namíbia e Serra Leoa. A<br />
cooperação militar tem sido intensa com o<br />
Zimbábue; o Sudão e a Etiópia. Em abril de<br />
2005, Zimbábue recebeu seis aeronaves para<br />
operações militares e no ano anterior havia<br />
comprado l2 caças e l00 veículos militares.<br />
Devido a essa postura, voltada para o<br />
setor de segurança, o governo chinês é fortemente<br />
criticado por apoiar regimes ditatoriais,<br />
principalmente pelo fato da China ser um<br />
membro permanente do Conselho de Segurança<br />
da Organização das Nações Unidas - ONU<br />
que apresenta como responsabilidade a manutenção<br />
da paz no Sistema Internacional.<br />
No relatório do parlamento europeu<br />
sobre a política da China e o seu impacto na<br />
África, do dia 25 de abril de 2008, a euro-deputada<br />
portuguesa Ana Gomes afirma que<br />
“União Européia deve ratificar o seu embargo<br />
à venda de armamento à China, enquanto<br />
este país continuar a exportar armas para as<br />
forças armadas e os grupos armados de países<br />
que alimentam e perpetuam conflitos e<br />
cometem graves violações dos direitos humanos”,<br />
sugerindo que o governo do presidente<br />
Hu Jintao exerce certa cumplicidade<br />
em relação às políticas opressivas e conflitos,<br />
estabelecidos na região. No mesmo relatório<br />
do Parlamento Europeu, ainda, acrescenta<br />
que “a China é responsável por importantes<br />
transferências de armamento para<br />
países em conflito”.<br />
Contudo, “por ser membro permanente<br />
do Conselho de Segurança da ONU, os países<br />
79<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 75-82, nov. 2008
80<br />
africanos vêem na China uma garantia de apoio<br />
e defesa de seus interesses face às tentativas<br />
de interferência em seus assuntos internos”<br />
(Maria Gabriela Araújo Diniz, 2007, p.2).<br />
3.2 A RELAÇÃO SINO-AFRICANAS NO DOMÍ-<br />
NIO DA ENERGIA<br />
Um quarto das importações de petróleo<br />
da China, tem como origem a África, com interesses<br />
petrolíferos na Argélia, Angola, Chade e Sudão;<br />
e grandes participações na Guiné Equatorial,<br />
Gabão e Nigéria. É importante destacar a peculiaridade<br />
dos interesses energéticos da China em<br />
relação ao Chade, uma vez que este Estado ainda<br />
mantém relações diplomáticas com Taiwan.<br />
O trabalho, em conjunto no setor energético<br />
entre a China e o Sudão, representa uma<br />
das várias áreas, onde divergem os interesses<br />
dos governos norte-americano e chinês. A CNPC<br />
China National Petroleum Corporation-CNPC<br />
adquiriu direitos de exploração do petróleo no<br />
Sudão em 1995, dois anos, após Washington cortar<br />
relações com o país africano. Essa iniciativa<br />
tornou o Sudão a maior base de produção petrolifera<br />
da China fora do seu território, sendo<br />
responsável por cinco por cento (5%) da totalidade<br />
das importações de petróleo chinesas.<br />
O comércio sino-africano aumentou 50%<br />
entre 2002 e 2003, atingindo os US$ 18.5 bilhões<br />
por ano, crescendo para US$ 30 bilhões em 2006.<br />
Atualmente, 700 empresas chinesas operam em<br />
49 países africanos, tendo como destaque de investimentos<br />
no continente africano, a construção<br />
na Nigéria, da maior linha ferroviária de África,<br />
que terá uma extensão de aproximadamente 1300<br />
quilômetros e custará cerca de US$ 700 milhões.<br />
4 O DESENCONTRO SINO-AFRICANO<br />
Evidentemente, nem tudo se apresenta<br />
de maneira positiva no relacionamento<br />
entre líderes africanos e o governo chinês, um<br />
dos pontos de divergência é o comércio.<br />
A indústria têxtil e as manufaturas de<br />
baixa tecnologia, presentes na África, são abaladas<br />
pelo fluxo de produtos de baixo preço,<br />
provenientes da China. Redes de lojas chinesas<br />
espalham-se pelo continente africano, aumentando<br />
o descontentamento de pequenos comerciantes,<br />
muitas fábricas foram fechadas no<br />
Quênia, Lesoto, África do Sul e Suazilândia. Em<br />
outubro de 2007, a revista inglesa The Economist<br />
publicou um artigo, no qual afirmava que a<br />
estratégia econômica, adotada pelo governo de<br />
Hu Jintao, não auxilia a diversificação da produção<br />
africana.<br />
A África do Sul é um dos países mais abalados<br />
pela invasão oriental de bens e serviços.<br />
Em fevereiro de 2007, o presidente sul africano<br />
Thabo Mbeki criticou severamente o governo<br />
sínico, descrevendo a aproximação da China em<br />
relação à África como uma ação imperialista.<br />
Thabo Mbeki acredita que a aliança sino-africana<br />
compromete totalmente o desenvolvimento<br />
econômico 5 do continente.<br />
Segundo a imprensa chinesa, outra fonte<br />
de ressentimentos é a prática de empresas<br />
chinesas de levarem seus trabalhadores para<br />
projetos contratados, devido, entre outros motivos,<br />
à escassez de mão de obra qualificada no<br />
continente africano, provocando elevadas taxas<br />
de desemprego. Essa atitude da China levou<br />
a realização de protestos na Zâmbia e no<br />
Lesoto. No ano de 2008, o periódico Global Business<br />
Perspective mencionou como um dos<br />
grandes responsáveis pela entrada de trabalhadores<br />
chineses no continente, o presidente da<br />
Câmara de Comércio do Chade, que espera a<br />
chegada de cerca de 40 mil chineses ao seu país<br />
nos próximos anos.<br />
De acordo com dados apresentados na<br />
terceira edição da Conferência Nacional de Política<br />
Externa e Política Internacional, realizada<br />
nos dias 8 e 9 de dezembro de 2008 no Rio de<br />
Janeiro, que tinha como um dos focos a política<br />
5<br />
Melhoria das condições de vida da população.<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 75-82, nov. 2008
chinesa, no Sistema Internacional, estima-se em<br />
80 mil o número de técnicos e trabalhadores<br />
chineses, presentes por todo o continente africano,<br />
no entanto, eles não apenas convivem<br />
pouco com os cidadãos nativos, isolando-se,<br />
como gastam praticamente nada do capital que<br />
conquistam, optando por enviar remessas para<br />
o seu país, deixando um verdadeiro rombo na<br />
economia local.<br />
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Enquanto os Estados Unidos e a Europa<br />
ignoram a África, “o gigante asiático estende o<br />
tapete vermelho” (ISTOÉ, abril de 2008) para receber<br />
grande parte das nações que compõem<br />
este esquecido continente, à exceção dos cinco<br />
países que reconhecem Taiwan. A China se prontificou<br />
a oferecer ajuda econômica e investimentos<br />
à África, em troca do que mais necessita,<br />
matérias-primas para sustentar o seu crescimento,<br />
assim como, explorar um mercado consumidor,<br />
ainda, virgem e praticamente esquecido<br />
pelas multinacionais ocidentais. Entretanto,<br />
é importante ressaltar que as relações de<br />
investimentos chineses apresentam aspectos<br />
negativos, pois o continente africano está à<br />
mercê de uma nova política imperialista, auxiliando<br />
o governo do presidente Hu Jintao na corrida<br />
contra os norte-americanos pela detenção<br />
de recursos naturais no cenário internacional.<br />
Enganados estão a Europa e os Estados Unidos,<br />
porque a África tem muito a oferecer. Não foi<br />
por acaso, que durante a cúpula em Pequim foram<br />
celebrados cerca de 2500 acordos sino-africanos.<br />
O que poucos sabem é que a China não<br />
almeja simplesmente o setor econômico, esse<br />
Estado também deseja expandir-se culturalmente,<br />
com a abertura de escolas, centros de<br />
línguas, intercâmbios e bolsas.<br />
Segundo a política exercida pelo Chefe<br />
de Estado Hu Jintao, o melhor ambiente para<br />
começar essa estratégia é, sem dúvida, o continente<br />
que até pouco tempo era taxado como<br />
insolúvel por grande parte do mundo (VAN-<br />
GUARDIA, 2008, p.26).<br />
81<br />
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dos povos indígenas, alterando no Brasil a tradição<br />
das políticas assimilacionistas que, então,<br />
selavam o futuro das diversas etnias presentes no<br />
território brasileiro à integração com a sociedade<br />
nacional. Esse novo cenário constitucional promoveu<br />
o surgimento de processos de identificação e<br />
demarcação de Terras Indígenas. Este artigo situa<br />
o cenário político e social no qual se inserem minorias<br />
étnicas na Região Amazônica. Demonstra,<br />
especialmente, o papel dos atores presentes no<br />
sudeste paraense, lançando luz sobre uma situação<br />
caso que envolve Terras Indígenas. Apresenta<br />
o caso específico do projeto Trairão, indevidamente<br />
situado na Terra Indígena Kayapó, evidencia a<br />
mudança cultural como um componente a ser considerado<br />
pelo direito nas situações de conflito relativos<br />
à demarcação de Terras Indígenas.<br />
Palavras-chave: Região amazônica. Atores sociais.<br />
Cenário político. Minorias étnicas. Demarcação.<br />
Terras Indígenas.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Após cinco séculos de ocupação do território<br />
nacional, a Amazônia se caracteriza, ainda,<br />
como área de fronteira 1 , onde a diversidade bi-<br />
1<br />
Entenda-se aqui fronteira em sua concepção clássica, ou<br />
seja, ocupação de áreas pouco povoadas e que têm nesse<br />
processo de ocupação uma dinâmica social própria marcada<br />
pela ausência do Estado e das regras institucionalizadas<br />
que normalmente orientam as ações dos atores<br />
sociais (CASTRO; HÉBETTE, 1989).<br />
ológica, social e cultural presente nessa região<br />
se mantém e desenvolve. Todavia, a crescente<br />
demanda por recursos naturais que marca o<br />
modelo de desenvolvimento mundial vem acelerando<br />
o processo de ocupação dessa região<br />
ameaçando essa diversidade tão cara à humanidade.<br />
Os modelos de desenvolvimento para<br />
a Amazônia vêm se instalando, sem cuidado,<br />
respeito ou previdência com o futuro das próximas<br />
gerações. Nesse cenário de ausência de<br />
preocupações, as minorias possuem voz diminuta<br />
e inaudível para um Estado nacional que, a<br />
pretexto do desenvolvimento, prioriza modelos<br />
de exploração predatórios e destrutivos,<br />
privilegiando atores sociais historicamente<br />
mais organizados, engajados e reprodutores da<br />
lógica do sistema no qual o país está inserido.<br />
Ao percorrer um caminho inverso a esse<br />
modelo perverso, a Constituição Federal de<br />
1988 estabeleceu o direito ao reconhecimento<br />
da diversidade cultural dos povos indígenas, alterando<br />
no Brasil a tradição das políticas assimilacionistas<br />
que então selavam o futuro das diversas<br />
etnias presentes no território brasileiro<br />
à integração com a sociedade nacional. Esse<br />
novo cenário constitucional promoveu o surgimento<br />
de processos de identificação das denominadas<br />
“terras de ocupação tradicional” que<br />
foram normatizados pelo Governo Federal em<br />
* Antropóloga, Doutora em Ciências Socioambientais (NAEA/<br />
UFPA). Prof. do Mestrado em Desenvolvimento e Meio<br />
Ambiente Urbano da <strong>Unama</strong>. E-mail:<br />
ravenacanete@uol.com.br<br />
** Cientista Política, Doutora em Ciência Política (IUPE/RJ).<br />
Professora do Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente<br />
Urbano da <strong>Unama</strong>. Professora do Departamento de<br />
Ciência Política da UFPA. E-mail: niravena@uol.com.br<br />
85<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 83-96, nov. 2008
86<br />
1996, gerando, assim, um quadro de contestação<br />
entre capital privado, governos estadual e<br />
federal e seus diversos organismos de gestão.<br />
Algumas reflexões sobre essa realidade de conflito<br />
constituem-se no objeto deste texto.<br />
Dividido em duas seções, inicialmente este<br />
artigo situa historicamente os modelos de desenvolvimento,<br />
adotados para a Região Amazônica,<br />
descrevendo o cenário político e social no<br />
qual está inserida a região. Em um segundo momento,<br />
analisa o papel dos atores presentes no<br />
cenário amazônico, especialmente no sudeste<br />
paraense, lançando luz sobre uma situação caso<br />
que envolve a ocupação dos grupos Kayapó e a<br />
respectiva demarcação das Terras Indígenas (TI)<br />
onde se localizam esses grupos. Focaliza, ainda,<br />
a sobreposição de ações e poderes dos órgãos<br />
públicos que cria um cenário de conflito e contestação<br />
de propriedade de terras. Por fim, evidencia<br />
a mudança cultural como um componente<br />
a ser considerado pelo direito nas situações<br />
de conflito relativo à demarcação de TI.<br />
2 AMAZÔNIA: atores e cenário político-social<br />
As concepções sobre a utilização do espaço orientam<br />
as ações humanas no tocante à ocupação<br />
de territórios, estabelecendo para estes diferentes<br />
significados e usos. Quando aqui se evoca a<br />
idéia da significância de um território, busca-se<br />
pontuar a correlação entre a cognição originada<br />
pela cultura e as determinantes institucionais que<br />
ordenam o comportamento dos indivíduos em sua<br />
relação com outros indivíduos e com a natureza.<br />
Assim, a Amazônia, enquanto território,<br />
adentrou o imaginário ocidental desde o século<br />
XVIII como uma área de fronteira marcada<br />
pela idéia de um espaço, onde o vazio permanece<br />
até os dias atuais, tanto nas concepções<br />
dos indivíduos que migram para esse território<br />
quanto para os tomadores de decisão que operam<br />
nas políticas públicas (OLIVEIRA FILHO,<br />
1999; BECKER, 1998; LIMA; POZZOBON, 2005).<br />
A materialização dessas concepções ocorre<br />
na esfera da interação entre os indivíduos e<br />
entre estes e as instituições 2 . Dessa forma, a<br />
Amazônia, enquanto território, é acessada e<br />
ocupada tanto por indivíduos quanto por ações<br />
governamentais, como se ainda se constituísse<br />
num espaço que requer uma fundação civilizatória.<br />
É importante considerar que o acesso e<br />
uso desse território se assentam numa assimetria<br />
de poder entre aqueles que o habitam. Explica-se:<br />
a crença de que há o vazio a ser preenchido,<br />
quando associada a informações privilegiadas<br />
por parte de alguns indivíduos, promove<br />
um desequilíbrio nas estratégias dos diversos<br />
atores que ocupam esse espaço. Mais que isso,<br />
o critério da ancianidade 3 na ocupação da área é<br />
desconsiderado e direitos fundamentados nas<br />
concepções jusnaturalistas são desrespeitados<br />
em uma das vias da interação estratégica. Grupos<br />
indígenas inseridos em lógicas culturais e<br />
sociais diferentes das que operam nas instituições<br />
da sociedade ocidental são olvidados. Por<br />
outro lado, esse mesmo critério de ancianidade<br />
é evocado nas vias institucionais para a garantia<br />
dos direitos individuais de sujeitos com<br />
um maior grau de informação que acessam canais<br />
de justiça.<br />
A ocupação do território por grupos com baixo<br />
grau de organização diante da sociedade nacional,<br />
mas com comprovada ancianidade no<br />
espaço, como é o caso dos indígenas se vê, portanto,<br />
desconsiderada. Sobrepõe-se a esse quadro<br />
perverso o contato de formas particulares<br />
de interação social, em que a diferença substancial<br />
entre as culturas em contato se estabe-<br />
2<br />
Para a abordagem tomada neste trabalho, utiliza-se o estudo<br />
de Lessa (1998), acerca da interação estratégica.<br />
3<br />
O critério de ancianidade é utilizado aqui em sua perspectiva<br />
antropológica, em que onde o caráter imemorial é o<br />
elemento central. Imemorial é o que está presente a tanto<br />
tempo que não se tem noção ao certo de quando surgiu<br />
(LEA, 1997 a; b).<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 83-96, nov. 2008
lece a partir da cosmogonia 4 dos atores que se<br />
encontram nesse território.<br />
Cabe aqui destacar o papel fundamental que<br />
a cosmogonia desempenha no contato entre sociedades<br />
complexas e sociedades, cujo grau de<br />
complexificação segue caminhos não convencionados<br />
na cultura ocidental. Assim, na Amazônia,<br />
quando indivíduos, atores coletivos ou instituições<br />
interagem com grupos indígenas, tornase<br />
evidente que a fricção interétnica 5 adquire<br />
uma escala e uma saliência significativa.<br />
Então, retorna-se ao ponto no qual indivíduos,<br />
não organizados coletivamente, concebem a<br />
Amazônia como fronteira. O choque entre duas<br />
cosmogonias dicotômicas, como a dos migrantes<br />
da fronteira e a daqueles que já a ocupavam<br />
mesmo antes do contato é, muitas vezes, letal<br />
para grupos indígenas que se apresentam culturalmente<br />
numa perspectiva coletiva, mas, no<br />
entanto, não possuem expressão de poder na<br />
sociedade nacional. Isso ocorre porque esses grupos<br />
não dispõem de mecanismos eficientes de<br />
representação coletiva no interior da lógica reconhecida<br />
pelas instituições formais. A racionalidade<br />
nas instituições é tomada como universal<br />
para todas as culturas, o que acresce aos grupos<br />
indígenas custos de transação no momento em<br />
que interagem com a sociedade envolvente,<br />
dado que suas concepções sobre espaço e território<br />
não se assemelham àquelas estabelecidas<br />
pela sociedade ocidental e seus indivíduos.<br />
4<br />
Cosmogonia configura-se como a forma de compreensão<br />
de mundo que grupos sócio-culturais apresentam. Os indígenas<br />
dispõem de um arcabouço cultural diferente daquele<br />
compartilhado por indivíduos na sociedade ocidental. A<br />
distinção entre estas duas cosmogonias é interpretada por<br />
Lima (2004), ao compreender o contato entre estas duas<br />
formas de concepção do mundo e da realidade.<br />
5<br />
O conceito de fricção interétnica, cunhado por Roberto<br />
Cardoso de Oliveira (1964), permite descrever a situação<br />
de contato entre grupos étnicos diferentes, interagindo<br />
em um mesmo cenário social. Ao suar categorias como<br />
ideologia, identidade e identidade étnica, ele demonstra<br />
que a identidade construída por um grupo, ou mesmo um<br />
indivíduo está diretamente relacionada ao cenário no qual<br />
o mesmo está inserido.<br />
Enquanto atores individuais interpretam o<br />
território amazônico como fronteira, grupos indígenas<br />
concebem esse mesmo território como<br />
uma área imemorial onde os significados relativos<br />
a suas práticas sociais e culturais mantêm<br />
com o território uma interdependência. Essa<br />
interdependência é o elemento que possibilita<br />
a manutenção da vida sócio-cultural desses grupos.<br />
Uma vez alterado o território, são alteradas<br />
de forma estrutural essas relações. É importante<br />
destacar que os dois critérios, ancianidade<br />
e interdependência, já sustentam que o<br />
território seja definido a partir de critérios ligados<br />
ao que é imemorial aos grupos indígenas. E<br />
mais, os dois critérios, oriundos das discussões<br />
teóricas próprias do campo de conhecimento<br />
das humanidades, sustentam cientificamente<br />
que o direito a esse território seja garantido.<br />
Assim, conceitos como fronteira, ancianidade<br />
e interdependência configuram uma tríade<br />
que permite verificar de que forma o contato<br />
entre duas racionalidades pode ser pernicioso<br />
para grupos indígenas que se constituem social<br />
e culturalmente numa perspectiva coletiva, mas<br />
que não dispõem de ferramentas institucionais<br />
eficientes para se representar coletivamente,<br />
e cuja cosmogonia não se assemelha ao que a<br />
sociedade ocidental inscreve em suas instituições<br />
como formas eivadas de critérios de validade.<br />
Instituições formais operam com arcabouços<br />
teóricos de compreensão dos indivíduos<br />
quando se relacionam entre si e com as regras<br />
inscritas nessas instituições, sem incluir nos<br />
pressupostos dessa interação os formatos culturais<br />
de outros tipos de racionalidade que não<br />
são comuns à sociedade capitalista avançada.<br />
Nesse sentido, a corrente de pensamento<br />
neo-contratualista e liberal igualitária tem se<br />
manifestado no campo de conhecimento relativo<br />
às humanidades para que as minorias tenham<br />
seus direitos garantidos. Numa tradição<br />
que remonta tanto aos cânones do contratualismo<br />
como aos liberais, teóricos como John<br />
87<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 83-96, nov. 2008
88<br />
Rawls (1999) e Amartya Sen (1973) proporcionam<br />
o escopo teórico suficientemente robusto<br />
para que minorias como os grupos indígenas<br />
tenham respeitado seu direito natural mais primordial:<br />
a vida. Esta, como já destacado, está<br />
intrinsecamente ligada à relação do grupo indígena<br />
com o território.<br />
Na presente argumentação, é importante<br />
destacar que o movimento de constituição da<br />
Amazônia enquanto fronteira foi peculiar dada<br />
a forte ingerência do Estado na condução das<br />
ações direcionadas à região 6 . Ainda sob a égide<br />
da modernização autoritária, o movimento de<br />
ocupação da Amazônia conduzido pelo Estado<br />
tornou este espaço um locus onde os diversos<br />
atores citados interagiram, buscando fundar e<br />
validar sua lógica como princípio dominante do<br />
agir, desconsiderando qualquer racionalidade<br />
anterior de acesso e uso desse território. A partir<br />
dessas interações, a Amazônia tornou-se um<br />
mosaico de arranjos territoriais onde convivem<br />
dicotomias e antagonismos de ordem ideológica<br />
que se materializam em estradas, novas e<br />
antigas cidades, projetos de colonização, barragens,<br />
Terras Indígenas, Unidades de Conservação,<br />
mineração e garimpo, agroindústrias, terras<br />
devolutas, terras de Igreja, posse e grilagem,<br />
comunidades rurais e ribeirinhas, pecuarização,<br />
cerrado e florestas, rede hidrográfica e redes<br />
telemáticas, expansão da moderna agricultura<br />
e periferização de cidades.<br />
No interior desta miríade de situações sócio-espaciais<br />
duas se destacam quando o foco<br />
da reflexão é a interação desbalanceada no tocante<br />
à informação dos atores e seu posicionamento<br />
frente às instituições formais. Fala-se<br />
aqui do conflito de interesses entre grupos indígenas<br />
e indivíduos pertencentes à sociedade<br />
envolvente. Nesses casos, a abertura de estradas<br />
pela intervenção do Estado ou a apropriação<br />
de terras da União por mecanismos lícitos<br />
ou ilícitos, entre estas, a prática da grilagem 7 ,<br />
podem ser destruidoras para atores sociais com<br />
menor acesso às informações no cenário da Sociedade<br />
Nacional.<br />
Todavia, esses fenômenos não podem ser<br />
explicados por uma causalidade específica, no<br />
entanto, mantêm uma relação estreita quando<br />
o fenômeno da apropriação de terras da União<br />
se manifesta. Aqui, um destaque. É necessário<br />
verificar que quando o Estado, sob a égide da<br />
modernização autoritária, destinou para a Amazônia<br />
um pacote de ações voltadas a refundação<br />
civilizatória dessa região, sinalizou para o<br />
excedente populacional de outras regiões, e<br />
para o capital, que essa seria uma área onde a<br />
terra, enquanto reserva de valor, poderia se<br />
estabelecer. Na esteira dos Grandes Projetos,<br />
como Carajás, Polonoroeste, Tucuruí e outros,<br />
pequenas ações aleatórias, completamente fora<br />
da regulação estatal, findaram por se estabelecer<br />
como regra. Essas ações originaram-se, primeiramente,<br />
da forma como novos atores adentram<br />
a fronteira amazônica.<br />
Nessa perspectiva, o aumento populacional<br />
não é acompanhado por medidas de ordenamento<br />
espacial e as instituições reguladoras da propriedade<br />
de terra acabam, por incapacidade institucional,<br />
mediando operações que desordenam<br />
as relações entre os indivíduos e o território. Na<br />
6<br />
Sobre os modelos de desenvolvimento para a Amazônia<br />
ver Jean Hébette e Rosa Acevedo (1977; 1979), Edna Castro<br />
e Jean Hébette (1989), Francisco de Assis Costa (1992;<br />
1993), Alfredo Wagner Berno de Almeida (1992), Araújo e<br />
Schiavoni (1998), Luciana Miranda Costa (1999), Rosa E.<br />
Acevedo (2002), Voyner Ravena-Cañete (2000) entre outras<br />
publicações, trazem à luz uma realidade que tem<br />
como base as relações de exploração, as alterações vividas<br />
a partir da entrada do grande capital, e os conflitos<br />
gerados nesse novo quadro.<br />
7<br />
Segundo Becker (1998), o grileiro “[...] é um agente cujo expediente<br />
para obter extensões de terra é a falsificação de<br />
títulos de propriedade e documentos de toda a ordem. As<br />
origens populares da palavra são elucidativas. O ‘grilo’, ou<br />
‘grilagem’ das terras, corresponde ao método adotado<br />
para a falsificação: buscam-se folhas de papel timbrado,<br />
imitam-se escritas, e os documentos são amalerecidos propositadamente,<br />
guardados em gavetas/compartimentos<br />
repletos de grilos que lhes dão o ar de antigos” (p. 31).<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 83-96, nov. 2008
Amazônia, o aumento populacional vertiginoso<br />
foi um indicador desse efeito deletério de intervenção<br />
estatal. Hébette (1989) e Becker (1998)<br />
detalham a mudança no perfil da população. Tanto<br />
numérica quanto culturalmente a entrada de<br />
frentes migratórias de outras regiões obrigatoriamente<br />
trouxe consigo demandas por bens e<br />
serviços, cuja regulação estatal não logrou alcançar.<br />
Instalou-se, então, o círculo perverso da ausência<br />
institucional modelando o território pelo<br />
conflito. Este ocorria em instâncias diversas que<br />
se tangenciaram e, muitas vezes, estabeleceram<br />
interfaces duradouras.<br />
A falta de dados precisos, acerca da propriedade<br />
pública de terras, finda por estabelecer conflitos<br />
também na esfera intra-setorial no âmbito da<br />
relação federativa. Estados e União divergem sobre<br />
os dados cartográficos, acerca da propriedade<br />
territorial, enquanto que indivíduos, numa lógica<br />
oportunista, encontram nessa divergência uma<br />
janela de oportunidades para capturar recursos<br />
públicos como a terra. A lógica privada substitui os<br />
pressupostos de gestão da res publica.<br />
Assim, historicamente, processos de apropriação<br />
de terras, como a grilagem, por exemplo,<br />
tem-se beneficiado dos seguintes fatores:<br />
a) reconhecimento do desmatamento, mesmo<br />
realizado em áreas públicas, como benfeitoria,<br />
para fins de regularização fundiária; b) fragilidades<br />
de processos discriminatórios e de averiguação<br />
da legitimidade de títulos; c) falta de<br />
supervisão dos cartórios de títulos e notas; d)<br />
baixo preço da terra e elevado retorno das atividades<br />
econômicas predatórias; e) interesses<br />
políticos que incentivam ocupações de terras<br />
por posseiros; e f) especulação relacionada com<br />
expectativas de desapropriações e/ou instalação<br />
de infra-estrutura. Freqüentemente, a grilagem<br />
se relaciona a outros atos ilícitos, como o<br />
trabalho escravo e outras violações dos direitos<br />
humanos e trabalhistas, evasão de impostos,<br />
extração ilegal de madeira e lavagem de dinheiro<br />
do narcotráfico.<br />
Novamente é necessário pontuar que é nesse<br />
cenário de especificidade territorial e social<br />
que, estrategicamente, atores com maior grau<br />
de informação adentram territórios já habitados<br />
por atores coletivos que não dispõem de<br />
um grau de organização coletiva, reconhecida<br />
pela sociedade, e capaz de enfrentar, no jogo<br />
interativo, os primeiros. Nesse sentido, a história<br />
mais recente do estado do Pará testemunha<br />
essa trajetória.<br />
2.1 ÓRGÃOS PÚBLICOS E ATORES SOCIAIS NO<br />
ESTADO DO PARÁ: o caso da TI Kayapó e o Projeto<br />
Trairão<br />
A trajetória de ocupação do sudeste paraense<br />
carrega consigo a marca do conflito entre frentes<br />
migratórias e populações indígenas já presentes<br />
na região. A história de conflito entre<br />
indivíduos da sociedade envolvente e os índios<br />
8 Kayapó representam uma parte desse processo.<br />
Sobre esse grupo e sobre a imemorialidade<br />
de sua presença, no sul/sudeste do estado<br />
do Pará, trata parte deste texto.<br />
Como mencionado, a palavra Kayapó é originária<br />
do tronco lingüístico tupi, ainda que nomeie<br />
um grupo pertencente ao tronco macro-jê 9 e quer<br />
dizer macaco semelhante. Uma das características<br />
8<br />
A denominação “índio” configura-se, de fato, como uma<br />
classificação da sociedade nacional para os povos précolombianos<br />
e seus remanescentes. Todavia, essa é uma<br />
definição generalizada feita pela sociedade nacional que<br />
desconsidera as diferenciações existentes entre esses<br />
povos. A autodenominação corresponde a uma definição<br />
mais apropriada desses grupos e a ela esse documento irá<br />
se referir para orientar o leitor. Assim, a palavra Kayapó é<br />
originária do tronco lingüístico tupi, ainda que nomeie um<br />
grupo pertencente ao tronco macro-jê e quer dizer macaco<br />
semelhante (ARNAUD, 1989, p. 433). Tal denominação<br />
foi dada de forma pejorativa no contato com um grupo Tupi<br />
(TURNER, 1966; POSEY, 1979 in ARNAUD, 1989, p. 434). Mas<br />
o grupo conhecido pela sociedade nacional como Kayapó,<br />
se autodenomina M½bengokre, o que quer dizer “gente do<br />
buraco d’água”.<br />
9<br />
Extensos e diversos são os estudos da antropologia sobre<br />
as línguas faladas entre os povos indígenas no Brasil. Para<br />
este artigo vale lembrar apenas os dois principais troncos<br />
lingüísticos: macro-jê e tupi.<br />
89<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 83-96, nov. 2008
90<br />
10<br />
Para melhor compreensão do leitor, doravante neste texto<br />
será usada a autodenominação M½bengokre seguida<br />
da denominação Kayapó, em parênteses.<br />
marcantes na formação social dos M½bengokre<br />
(Kayapó) 10 reside na constante necessidade de<br />
cisão interna do grupo. Foi tal processo que deu<br />
origem aos grupos que hoje ocupam as áreas do<br />
sul do Pará e norte do Mato Grosso. A vida política<br />
entre os M½bengokre (Kayapó) gira em entorno<br />
da casa dos homens, refletindo a organização espacial<br />
da aldeia. Nesta, há um descampado central<br />
onde está situada a casa dos homens. Nela<br />
acontece a vida política exercida pelos homens e<br />
os rituais do grupo. Na periferia encontram-se as<br />
casas onde vivem as famílias extensas.<br />
Mediante de dados etno-históricos (NIMUEN-<br />
DAJU, 1981) é possível afirmar que os<br />
M½bengokre (Kayapó) eram formados por três<br />
grupos (Irâ’âmranh-re: “os que passeiam na planícies”;<br />
Goroti-Kumrenhtx: “os homens do verdadeiro<br />
grande grupo”; e os Porekry: “os homens<br />
dos pequenos bambus”), sendo que dentre estes,<br />
somente os Goroti-Kumrenhtx fizeram o caminho<br />
de distanciamento, ou não aceitação do<br />
contato com os colonizadores. Dessa forma, esse<br />
foi o único grupo M½bengokre (Kayapó) que sobreviveu<br />
ao processo de colonização do território<br />
brasileiro. Os outros dois grupos desapareceram<br />
no contato com a Sociedade Nacional, seja<br />
por epidemias, guerra de resistência, ou mesmo<br />
pela captura para escravização ainda nos séculos<br />
XVII e XVIII (VERSWIJVER, 1985).<br />
Historicamente, o contato com a sociedade<br />
nacional foi inevitável, visto que a fronteira<br />
avançou para o Centro-Oeste no início do século<br />
XX, desdobrando-se para a Região Amazônica<br />
já principiando os anos de 1960. É no início do<br />
século XX que ocorre a cisão entre os<br />
M½bengokre (Kayapó-Gorotire), originando o<br />
grupo Menkragnoti e Gorotire.<br />
Espacialmente os Gorotire se moveram para<br />
leste, enquanto que para o oeste se dirigiu o<br />
grupo Menkragnoti, originado da casa dos homens<br />
de mesmo nome. Os M½bengokre (Kayapó),<br />
ou como se denomina comumente na sociedade<br />
do entorno, Kayapó-Gorotire, obedecem<br />
a uma subdivisão principal: M½bengokre do leste<br />
do Xingu (Gorotire) e M½bengokre do oeste<br />
do Xingu (Menkragnoti). Entre estes últimos,<br />
uma outra divisão principal se efetivou, originando<br />
também os Mentuktire (conhecidos também<br />
como Txukarramãe, denominação dada<br />
pelos Juruna), habitantes do lado oeste, mais<br />
ao sul (Kapoto/Jarina - Mato Grosso).<br />
Em aldeias dispersas no transcurso superior<br />
dos rios Iriri, Curuá, Baú e Fresco, os<br />
M½bengokre (Kayapó) vivem em uma área com<br />
mais de 10.000.000 há, ocupando um território<br />
caracterizado principalmente pela presença da<br />
floresta tropical, exceto a parte oriental, recoberta<br />
pela vegetação de cerrado. Os<br />
M½bengokre (Kayapó) apresentam uma organização<br />
social marcada pela cisão interna de seus<br />
grupos, o que demonstra a pertinência do território<br />
já demarcado para efetivar tal estratégia<br />
de reprodução social. Tais cisões explicam também<br />
as diferenças de dialetos entre os vários<br />
grupos M½bengokre (Kayapó).<br />
Atualmente, vivem no território<br />
M½bengokre (Kayapó) 19 comunidades indígenas,<br />
cuja densidade populacional vem crescendo<br />
de forma importante no decorrer das duas<br />
últimas décadas. Todavia, tal crescimento não<br />
significa a certeza da manutenção do grupo, visto<br />
que epidemias e a falta de assistência médica<br />
findam por ocasionar baixas populacionais<br />
acentuadas. Segundo dados da Fundação Nacional<br />
de Saúde (Funasa), a estimativa do ano de<br />
2000 indica uma população total para os<br />
M½bengokre (Kayapó) entre 6.300 indivíduos,<br />
colocando esse grupo, sob o ponto de visa demográfico,<br />
entre os 15 mais importantes grupos<br />
indígenas do Brasil.<br />
A média populacional em uma aldeia<br />
M½bengokre (Kayapó) normalmente está entre<br />
300 e 500 indivíduos. No entanto, é possível<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 83-96, nov. 2008
encontrar uma flutuação populacional ainda<br />
maior, permitindo constatar aldeias com 60 pessoas<br />
e outras com quase 900.<br />
As referências sobre a divisão entre os<br />
M½bengokre (Kayapó) (ARNAUD, 1989; NIMUEN-<br />
DAJU, 1981; VERSWIJVER, 1978) remontam ao início<br />
do século XX. Entre todas as obras disponíveis<br />
sobre esses grupos, vale aqui destacar o material<br />
produzido por Gustaaf Verswijver, visto que<br />
todo seu trabalho foi dedicado ao grupo Menkragnoti.<br />
Os demais grupos M½bengokre (Kayapó)<br />
são descritos também por esse antropólogo, na<br />
medida em que aparecem no cenário de interface<br />
com os Menkragnoti.<br />
Segundo Curt Nimuendaju (1981), os<br />
M½bengokre (Kayapó) ocupavam os estados do<br />
Pará e do Mato Grosso (1723/1916/1940), triângulo<br />
mineiro e noroeste de São Paulo (1806/<br />
1816). Três seriam os sub-grupos M½bengokre<br />
(Kayapó) que desde tempos imemoriais ocupavam<br />
a área do alto rio Tocantins. Desses três<br />
subgrupos somente, os Gorotire escolheram o<br />
afastamento diante do contato com os colonizadores,<br />
sendo o único a escapar do desaparecimento,<br />
como mencionado.<br />
Em conseqüência da constante cisão do grupo,<br />
como característica marcante da formação<br />
social, constam, entre 1890 e 1900, os primeiros<br />
registros de uma cisão no grande grupo Gorotire,<br />
então, localizado na região do alto Riozinho.<br />
Nessa cisão, os Menkragnoti se deslocaram<br />
para a região do baixo rio Jarina, na área<br />
conhecida como “o grande campo”, o Kapot,<br />
considerada como a aldeia ancestral. Entre<br />
1910 e 1915 instalou-se a primeira aldeia<br />
Menkragnoti localizada entre os rios Iriri/Curuá,<br />
denominada aldeia Krôdjamre. Essa localidade<br />
está próxima a área, onde, em 1985 se<br />
localizava a aldeia Pukanu. Mas de fato, os<br />
Menkragnoti, continuaram freqüentando as<br />
duas regiões: do Kapot e Iriri/Curuá.<br />
Menkragnoti era uma única sociedade dos<br />
homens, mas em 1930, a partir de uma cisão, foi<br />
originado o grupo Mentuktire, chamado e conhecido<br />
também como Txucarramãe. As duas<br />
regiões mencionadas permaneceram como o<br />
centro das atividades entre esses dois grupos<br />
que se formaram. Em 1940, esses dois grupos<br />
estavam unidos em uma única aldeia, representados<br />
por duas sociedades de homens, cujos<br />
chefes eram Kremôr e Kretire, na região de campos<br />
(Kapot).<br />
Em 1944, Kremôr e Bepgogoti instalaram-se<br />
entre os rios Xingu e Liberdade. Por outro lado,<br />
Kretire se dirigiu com seu grupo para o alto Iriri,<br />
mas logo voltou a sua aldeia ancestral. Em disputas<br />
internas, Bepgogoti separou-se de Kremôr<br />
juntando-se a Kretire, deixando assim o<br />
grupo de Kremôr mais fraco que os demais e,<br />
em 1948, este se juntou aos outros na região de<br />
campos (Kapot), mas novos atritos ocorreram.<br />
Entre 1952 e 1953, os irmãos Vilas Boas fizeram<br />
contato com os Menkragnoti, então em uma<br />
fase de grande tensão interna no grupo. Uma<br />
vez, mais Kremôr e seus homens haviam se separado<br />
do grupo de Kretire/Bepgogoti dirigindo-se<br />
dessa vez para a cachoeira Von Martius<br />
do Xingu. Em 1954, os irmãos Vilas Boas findaram<br />
conciliando o atrito entre os dois grupos<br />
liderados por Kremôr e Kretire/Bepgogoti, sendo<br />
que, finalmente, o primeiro se junta ao segundo<br />
grupo. Todavia, em 1954/1955, um novo<br />
embate leva Kremôr a separar-se com seus homens,<br />
ainda que retornando posteriormente,<br />
mas um novo conflito se estabelece, gerando<br />
uma separação definitiva.<br />
Em 1956, seguidos de Kretire e posteriormente<br />
de Bepgogoti, um grupo se instalou na área<br />
dos rios Iriri/Curuá. Já sem grande força política,<br />
Kremôr deslocou-se com metade de seu grupo<br />
para o Kubenkrakein. Acusado de shamanismo,<br />
Kremôr voltou para o grupo no Xingu, sob a<br />
liderança de Raoni e Krumare.<br />
Em decorrência de conflitos com seringueiros,<br />
entre 1958 e 1961, os Menkragnoti foram<br />
pacificados pelo sertanista Francisco Meirel-<br />
91<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 83-96, nov. 2008
92<br />
les. Em 1960, os Menkragnoti do médio Curuá<br />
foram transferidos para o igarapé Baú e os<br />
Menkragnoti do rio Iriri, remanejados para o<br />
igarapé Candoca.<br />
Após a pacificação e abandonados pelo, então,<br />
Serviço de Proteção ao Índio (SPI), houve<br />
uma epidemia com morte de mais de 40 índios<br />
de uma população de 220 pessoas. Em 1970, a<br />
Funai cria o Posto Indígena Menkragnoti que<br />
efetivamente passa a funcionar apenas em 1973.<br />
No início da década de 1970, o antropólogo<br />
belga Gustaaf Verswijver inicia seus estudos<br />
entre os Menkragnoti, sendo que em 1979 seus<br />
relatórios apontam uma cisão entre os grupos<br />
de Bepgogoti/Kokorêti e Bontire/Ayó/Kute’ê.<br />
Efetivamente, essa cisão somente se processa<br />
em 1981 com o início da construção de uma nova<br />
aldeia. Esta finda por ser construída no rio Iriri,<br />
sendo nomeada como aldeia Pukanu. Do grupo<br />
que originou a nova aldeia, 95 foram para o<br />
Pukanu, enquanto 270 índios permaneceram no<br />
Posto Indígena Menkragnoti.<br />
Entre 1984 e 1985, a intenção da Força Aérea<br />
Brasileira (FAB), de ter disponível uma área de<br />
100km próximo à Base da Serra do Cachimbo,<br />
impeliu a Funai a solicitar ao antropólogo Gustaaf<br />
Verswijver que o mesmo convencesse Bepgogoti<br />
a transferir a aldeia para o Iriri Novo, o<br />
que de fato ocorreu.<br />
Nas duas últimas décadas, o contato com a<br />
sociedade nacional foi se tornando mais freqüente<br />
e intenso, como se poderia esperar<br />
do processo de ocupação da Amazônia. Todavia,<br />
os M½bengokre (Kayapó) se posicionam<br />
no cenário político brasileiro de forma articulada,<br />
conseguindo garantir, ainda que de<br />
forma parcial, os direitos conquistados na<br />
Constituição de 1988.<br />
Desde o início da década de 1970, Gustaaf<br />
Verswijver desenvolve estudos sobre os<br />
Menkragnoti, configurando-se como fonte privilegiada<br />
de informação sobre o mesmo. Com<br />
duas décadas de contato direto com esse grupo<br />
e interlocução constante com a Fundação Nacional<br />
do Índio (Funai), o referido antropólogo<br />
apresentou várias propostas de demarcação para<br />
a área indígena Menkragnoti. Seu trabalho constitui-se<br />
em importante fonte de informação<br />
para o grupo de trabalho que reconheceu e demarcou<br />
a respectiva área indígena, além de ser<br />
obra obrigatória para todo trabalho que tenha<br />
os M½bengokre (Kayapó) como objeto de investigação<br />
acadêmica.<br />
Assim, grande parte das propostas de demarcação<br />
feita para a Terra Indígena Menkragnoti<br />
foi elaborada por Gustaaf Verswijver. Entre as<br />
décadas de 1970 e 1991, foram apresentadas oito<br />
propostas de demarcação, sendo cinco de proposição<br />
de Gustaaf Verswijver e três resultantes<br />
de GT, nomeados por portarias federais.<br />
Quanto aos índios Gorotire, Expedito Arnaud<br />
apresenta o texto “A expansão dos índios Kayapó-Gorotire<br />
e a ocupação nacional (região sul<br />
do Pará)”, no qual é apresentado uma descrição<br />
sobre os deslocamentos desse grupo (áreas<br />
Kayapó e Badjonkore). Quanto à Terra Indígena<br />
Badjonkore, sua homologação foi assinada em<br />
2003, sendo que as aldeias que integram essa<br />
área pertencem ao grupo Gorotire.<br />
Quanto à Terra Indígena Menkragnoti, a primeira<br />
proposta data de 1960 (Serviço de Proteção<br />
ao Índio), sendo seguida de mais cinco propostas<br />
que tiveram como contribuição os relatórios<br />
de Gustaaf Verswijver, enviados à Funai<br />
(1972, 1976, 1977, 1979 e 1982).<br />
A Figura 1 permite visualizar a dimensão e<br />
localização das TI onde se encontram os<br />
M½bengokre, no sudeste paraense.<br />
A demarcação das TI do povo M½bengokre<br />
(Kayapó) resulta de um trabalho intenso que<br />
descreve, como aqui mencionado, a trajetória<br />
desse grupo no sul paraense, evidenciando a<br />
imemorialidade de ocupação na área. Todavia, o<br />
movimento de demarcação de TI no sul do Pará<br />
foi acompanhado pelo avanço da fronteira. Assim,<br />
no decorrer da década de 1980, o estado do<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 83-96, nov. 2008
Pará, mediante de projetos do Instituto de Terras<br />
do Pará (Iterpa), loteou áreas de terras da<br />
União. Tais projetos tiveram como formato um<br />
processo de licitação, divulgado nacionalmente<br />
em diferentes esferas de comunicação 11 .<br />
Funai, foi constatado que a área da gleba Altamira<br />
VI, por exemplo, encontrava-se dentro da<br />
área indígena M½bengokre (Kayapó), como é<br />
possível visualizar na Figura 2.<br />
93<br />
Figura 1: Terras Indígenas Kayapó<br />
(Menkragnoti, Kayapó, Baú e Badjonkore)<br />
Fonte: figura produzida a partir dos mapas disponibilizados<br />
pela Sectam/PA em: http://www.céu.sectam.pa.gov.Br/<br />
website/Bacias/viewer.htm. Acesso em: 01 jun. 2006.<br />
Na licitação, propostas de compra e venda<br />
eram aceitas, sendo que a aquisição do imóvel<br />
se efetivava somente após o pagamento da primeira<br />
parcela. Na expedição de títulos para áreas<br />
já ocupadas por populações tradicionais, aqui<br />
especificamente os índios M½bengokre (Kayapó),<br />
após submissão a exame cartográfico pela<br />
11<br />
Dados sobre o processo licitatório foram obtidos no Iterpa.<br />
Neste texto trabalha-se especificamente o Projeto Integrado<br />
Trairão, implementado pelo Iterpa no decorrer da<br />
década de 1980.<br />
Figura 2: Projeto Integrado Trairão sobreposto<br />
a TI Kayapó, Menkrangnoti, Baú e Badjankore<br />
Fonte: produzida a partir de recuperação de dados do<br />
arquivo do Iterpa, sobreposta aos mapas disponibilizados<br />
pela Sectam/PA em: . Acesso em: 01 jun. 2006.<br />
Na figura, em tela, é possível visualizar um<br />
cenário que explicita a sobreposição de terras<br />
que se legitimam enquanto propriedade privada,<br />
por meio de títulos expedidos pelo Iterpa,<br />
mas que, no entanto, se sobrepõem à área indígena.<br />
Tal situação findou por gerar um quadro<br />
de contestação no qual a imemorialidade do uso<br />
da terra pelas populações indígenas é questionado,<br />
ou mesmo sua posse tradicional.<br />
O conceito de imemorialidade evoca a noção<br />
de passado. Assim, no Novo Dicionário Aurélio<br />
da Língua Portuguesa, para tal palavra consta<br />
a seguinte definição: Adj. 2 g. 1. de que não<br />
pode haver ou não há memória; imemorável,<br />
imemoriável. 2. De que não há memória por<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 83-96, nov. 2008
94<br />
causa de sua extraordinária antiguidade; antiqüíssimo,<br />
imemoriável. Ao consider tal definição<br />
é possível afirmar que a área sobre a qual se<br />
sobrepõem as glebas que compõem o Projeto<br />
Integrado Trairão configura-se como imemorial,<br />
visto que a população Kayapó (M½bengokre)<br />
que dela faz uso não se lembra do primeiro uso<br />
feito sobre esta, mas recorda a cada instante a<br />
importância e uso que faz dela atualmente.<br />
No que se refere à posse tradicional é possível<br />
afirmar que a área em questão possui também<br />
tal caráter. Explica-se: a discussão sobre a<br />
demarcação das terras indígenas no Brasil, marcou<br />
a construção da Constituição de 1988 (SAN-<br />
TILLI apud KASBURG & GRANKOW, 1999)<br />
É nesse sentido que terras tradicionais passam<br />
a estar amarradas por quatro elementos<br />
constitutivos: permanência, atividade produtiva,<br />
preservação dos recursos ambientais indispensáveis<br />
à reprodução física e cultural, de acordo<br />
com usos, costumes e tradições do grupo.<br />
Assim, é possível afirmar que a área litigiosa encontra-se<br />
dentro de uma área indígena marcada<br />
pela imemorialidade e tradicionalmente ocupada<br />
pelo povo Kayapó (M½bengokre).<br />
Por outro lado, as lides que envolvem indenização<br />
na Amazônia apresentam um contorno<br />
peculiar, visto que:<br />
Terras imemoriais são freqüentemente reivindicadas<br />
como propriedade em ações na justiça.<br />
Reivindica-se até indenização pela perda,<br />
não da terra, mas do título de propriedade. Ou<br />
seja, reivindica-se indenização pelos ‘papéis’<br />
que circulam como direito de propriedade (RO-<br />
DRIGUES in LEA, 1997a, p. 3).<br />
É no projeto de incorporação da Amazônia<br />
no cenário nacional, por meios de projetos que<br />
privilegiaram o grande capital em detrimento<br />
das populações tradicionais, que se estabelecem<br />
as lides que originam processos de contestação,<br />
envolvendo a União, o estado do Pará e a<br />
iniciativa privada.<br />
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Nesse sentido, pensar tradição e imemorialidade<br />
pode ser apenas uma questão de interpretação.<br />
Vale então, uma vez mais, reportarse<br />
aos dados disponíveis na literatura antropológica<br />
que asseveram que os M½bengokre<br />
(Kayapó) estão no sul do Pará, antes mesmo dos<br />
bandeirantes do século XVII pensarem em subir<br />
para as Minas Gerais.<br />
Manter-se enquanto ator que se representa<br />
coletivamente e é partícipe de uma Nação, mas<br />
com tradição e costumes diferenciados, é um<br />
desafio que está sendo enfrentado por grupos<br />
indígenas em todas as partes do planeta. Essa<br />
busca ocorre no interior da sociedade ocidental<br />
que considera a democracia um sistema de governo<br />
mais justo. Eqüidade e justiça são, portanto,<br />
valores intrínsecos à democracia vigente<br />
no mundo globalizado.<br />
No Brasil, a garantia de direitos constitucionais<br />
parece sempre estar vulnerável ao agir individual,<br />
característico de sociedades ocidentais,<br />
cujas instituições democráticas são inoperantes.<br />
Nos últimos anos, no entanto, esse quadro<br />
mudou. A virtuosidade das instituições políticas,<br />
fundadas nos princípios democráticos,<br />
tem sido evocada. Mais que isso, o direito de<br />
atores que se organizam e representam coletivamente,<br />
encontra abrigo nessas instituições e<br />
a validação dos princípios de justiça não é mais<br />
retórica e sim ação institucional. É importante<br />
lembrar que alguns resultados dessas buscas<br />
por validação de direito no interior de novas<br />
democracias já apresentam resultados concretos<br />
e virtuosos tanto para os grupos nativos dos<br />
territórios que se tornaram jovens democracias<br />
quanto para as instituições políticas democráticas<br />
de alguns países. Mesmo com histórias semelhantes<br />
de usurpação territorial, algumas<br />
etnias nativas do novo mundo puderam agir<br />
coletivamente e manter graus de identidade<br />
frente à sociedade do entorno.<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 83-96, nov. 2008
Um caso emblemático é o da Nova Zelândia<br />
(WALKER, 1997), cuja etnia Maori tem suas<br />
especificidades e direitos garantidos e é considerada<br />
fundamental na percepção de nacionalidade<br />
dos neozelandeses. Ao considerar<br />
o avanço e a robustez das instituições democráticas<br />
brasileiras é possível desejar e acreditar<br />
que elas serão o veículo para que o Brasil<br />
passe a tratar seus nativos a partir dos princípios<br />
justos e equânimes que caracterizam<br />
os sistemas democráticos já existentes em<br />
nações jovens.<br />
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Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 97-108, nov. 2008
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Traços, Belém, v. 10, n. 21, p. 95-106, jun. 2008
IMPLICAÇÕES PROCESSUAIS DA NOVA DISCIPLINA<br />
DA EVICÇÃO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002<br />
Ágatha Gonçalves Santana*<br />
RESUMO<br />
É bem sabido que a evicção é a perda do bem<br />
adquirido por contrato oneroso, em virtude de<br />
uma sentença judicial ou um ato administrativo,<br />
disciplinada no Novo Código Civil. Considerandose<br />
o Novo Código Civil como lei híbrida, consubstanciando<br />
direito material e direito processual,<br />
observa-se que determinados dispositivos travam<br />
sérias discussões jurídicas, acerca dos aspectos<br />
processuais na ocasião que poderá ocorrer a evicção.<br />
A questão primeiramente levantada no presente<br />
trabalho é justamente a de que, com o advento<br />
do Novo Código Civil, a denunciação da lide<br />
passou a ser matéria controvertida, principalmente<br />
sobre os aspectos da obrigatoriedade, bem<br />
como da possibilidade da modalidade per saltum.<br />
Serão examinadas aqui tais impactos da lei civil na<br />
lei processual, com base na doutrina e na jurisprudência<br />
de modo a fomentar o debate.<br />
Palavras-chave: Novo Código Civil. Lei Processual.<br />
Denunciação da Lide. denunciação per saltum.<br />
Evicção.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Para muitos estudantes de Direito, a evicção,<br />
em seu aspecto processual, continua sendo<br />
um assunto um tanto quanto controverso e confuso,<br />
principalmente pelo seu caráter híbrido,<br />
pois possui cunho material e processual.<br />
Os problemas maiores surgem em relação<br />
às disposições legais, dispostas no Novo Código<br />
Civil, que tratou de maneira controversa o<br />
instituto da intervenção de terceiros na denunciação<br />
da lide em relação ao procedimento que<br />
dá origem a evicção clássica, ou seja, a perda da<br />
coisa em virtude de uma decisão judicial.<br />
A questão da obrigatoriedade da denunciação<br />
da lide, bem como a possibilidade da chamada<br />
“denunciação da lide per saltum” (com a<br />
conseqüente condenação direta do denunciado)<br />
são os focos deste ensaio, acarretando impactos<br />
no sistema processualista vigente, causando<br />
controvérsias e críticas contundentes a<br />
respeito do assunto.<br />
Assim, o objetivo do presente trabalho é<br />
a compreensão dos debates que pairam acerca da<br />
matéria, procurando solucionar algumas dúvidas<br />
básicas, bem como levantar o debate acerca de<br />
questões importantes que dela emanam, fomentando<br />
o debate à luz do processo civil, bem como<br />
dando um posicionamento direcionado com base<br />
na melhor doutrina e na jurisprudência.<br />
Desde logo, atenta-se, a denunciação da<br />
lide será abordada de uma maneira geral, de maneira<br />
a explicar seus principais problemas com a<br />
lei civil, utilizando-se de um diálogo entre a legislação<br />
civil e a processual, não se adentrando por<br />
demais nos aspectos técnico-procedimentais 1 .<br />
* Bacharel em Direito pela <strong>Unama</strong>. Mestranda em Direitos<br />
Humanos e Relações Privadas pela UFPA. Email:<br />
emaildaagatha@yahoo.com.br<br />
1<br />
A chamada “tese do diálogo das fontes”, citada por Flávio<br />
Tartuce (2008, p. 34-35), vem sendo muito utilizada e com<br />
sucesso, ocasionando a coerência de todo um sistema legislativo,<br />
bem como a valorização dos direitos humanos.<br />
Cuida-se da aproximação de dois ou mais diplomas legais<br />
de modo a “dialogarem”, se complementando ou se coadunando<br />
de maneira a melhorar em prol de uma aproximação<br />
a lei maior, a Constituição Federal.<br />
99<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 97-108, nov. 2008
100<br />
O método aqui utilizado será o de apresentação<br />
sistemática da pesquisa documental, de<br />
aspecto dedutivo-indutivo, de maneira a indicar<br />
a importância prática do presente tema. Com indicações<br />
a obras processuais, incita-se aqui ao<br />
leitor, para instigar-lhe a pesquisa, dentro do interessante<br />
campo do direito processual, fazendo-o<br />
enxergar um horizonte muito maior do que<br />
um mero estudo de procedimentos.<br />
2 PRIMEIRAMENTE, A QUESTÃO DA DENUNCI-<br />
AÇÃO DA LIDE<br />
De um modo geral, conforme a doutrina<br />
de Fredie Didier (DIDIER, 2007, p. 298), a intervenção<br />
de terceiros “trata-se de ato jurídico<br />
processual pelo qual um terceiro, autorizado por<br />
lei, ingressa em processo pendente, transformando-se<br />
em parte”.<br />
Há, portanto, um processo, as partes<br />
tradicionais no binômio autor e réu; e há um<br />
terceiro, que possui um interesse jurídico no<br />
ganho da causa, que pode ser tanto por parte<br />
do autor quanto por parte do réu.<br />
Assim, a denunciação da lide é uma modalidade<br />
de intervenção de terceiros provocada:<br />
o terceiro é chamado a integrar o processo, porque<br />
uma demanda lhe é dirigida. Na lição de<br />
Marinoni et al (2007, p. 182-183), é uma segunda<br />
demanda, dentro de um processo principal, pois<br />
o réu, ao denunciar, integra uma terceira pessoa,<br />
agregando ao processo pedido novo, ampliando<br />
o objeto litigioso do processo.<br />
Seria assim uma nova ação, subsidiária<br />
aquela originariamente instaurada, analisada se<br />
o denunciante vier a sucumbir na ação principal,<br />
configurando demanda incidental, regressiva,<br />
eventual e antecipada (DIDIER, 2007).<br />
Configura assim uma nova demanda em<br />
processo já existente, sendo, pois, um incidente.<br />
A sentença deverá dispor sobre a relação jurídica<br />
entre a parte e o denunciante e entre o denunciante<br />
e o denunciado, senão será considerada citra<br />
petita. Julgado improcedente, automaticamente<br />
a denunciação da lide perde o seu objeto, pois<br />
não há o que indenizar.<br />
Há, portanto, uma relação de dependência<br />
em relação a denunciação da lide com a ação<br />
principal. Em outras palavras, para o juiz apreciar<br />
a denunciação da lide deverá, primeiramente,<br />
analisar a demanda principal. Mas, se posteriormente<br />
analisar a matéria principal e deixar<br />
de apreciar a denunciação da lide, a sentença<br />
será tida como nula.<br />
As relações jurídicas processuais travadas<br />
e apreciadas pelo juiz serão entre a parte e<br />
o denunciante (que poderá ser o autor ou o réu);<br />
e a relação do denunciante com o denunciado.<br />
Conforme alerta Didier (2007, p. 318), do<br />
ponto de vista substancial, é uma demanda que<br />
veicula pretensão regressiva, pois “o denunciante<br />
visa ao ressarcimento pelo denunciado<br />
pelos eventuais prejuízos que venha a sofrer<br />
em razão do processo pendente”. Não há relação<br />
jurídica direta entre o denunciado e o adversário<br />
do denunciante, portanto.<br />
É eventual porque é condicional: a demanda<br />
regressiva somente será examinada se<br />
o denunciante, ao final, for derrotado na demanda<br />
principal. Sua característica, conforme<br />
salientado por Nery Junior et al (2006. p. 245), é<br />
a eventualidade para a ocasião de duas lides<br />
em processos simultâneos.<br />
E ainda, é antecipada, pois, segundo Didier<br />
(2007, p. 319), “o denunciante se antecipa<br />
e, antes de sofrer qualquer prejuízo, na hipótese<br />
de vir a sofrê-lo, demanda em face de terceiro,<br />
com o objetivo de imputar-lhe a responsabilidade<br />
pelo ressarcimento”, ao invés de engendrar<br />
ação ressarcitória apenas depois de<br />
vencer nessa primeira demanda, após um longo<br />
processo, logo em seguida do trânsito em<br />
julgado da sentença. Seria uma questão de economia<br />
processual, visando vincular o terceiro<br />
ao que decidido na causa e a condenação do<br />
denunciado à indenização.<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 97-108, nov. 2008
É possível, ainda, segundo Didier (2007),<br />
o denunciado promover a denunciação da lide<br />
de uma quarta pessoa (denunciação sucessiva,<br />
art. 73 CPC), incidente que deve ser recusado<br />
pelo juiz se comprometer desproporcionalmente<br />
a celeridade do feito<br />
Atente-se, desde logo, como ressaltado<br />
por Nery Jr et al (2006), que é descabida expressamente<br />
qualquer modalidade de intervenção de<br />
terceiros no procedimento sumário ou sumaríssimo;<br />
e por incompatibilidade em ação declaratória<br />
de falsidade documental por não ser ação de reparação;<br />
ou na reconvenção, que somente poderá<br />
ser deduzida contra o autor. Caberá, outrossim,<br />
no ajuizamento de cautelar de produção antecipada<br />
de prova; e mesmo das ações possessórias.<br />
3 DOS PROBLEMAS PROCESSUAIS ADVINDOS<br />
COM O NOVO CÓDIGO CIVIL ACERCA DA EVICÇÃO<br />
Corroborando a afirmação do autor Alexandre<br />
Freire Pimentel (2004), com o advento<br />
do Novo Código Civil houve grandes implicações<br />
(e principalmente complicações) processuais,<br />
decorrentes da normatização do art. 456<br />
do mencionado diploma.<br />
Com efeito, o caput do referido dispositivo<br />
permitiu que o evicto (o adquirente do objeto,<br />
o sujeito que perde a coisa em virtude da decisão<br />
judicial) ofereça a litisdenunciação tanto para o<br />
alienante imediato quanto para os anteriores 2 .<br />
2<br />
É mister aqui fazer um breve esclarecimento acerca da evicção.<br />
A evicção, em sentido clássico, é a perda da coisa, ou<br />
seu desapossamento, em virtude de sentença, podendo<br />
ocorrer não apenas em ação reivindicatória da propriedade,<br />
como também, em ação declaratória; em ação de usucapião;<br />
em ação possessória; em ação de perdimento de<br />
bens; e até mesmo em ação de servidão. Nesse sentido,<br />
Nelson Nery Jr et al (2006, p. 246), em quaisquer dessas<br />
hipóteses, o autor engendra uma das ações citadas contra<br />
o réu (evicto – denunciante), que denuncia a lide aquele<br />
que lhe entregou o bem mediante certa remuneração (será<br />
o dendunciado, que posteriormente irá ressarcir o evicto),<br />
e vem a perder o bem para o autor. Ai se dá a evicção em<br />
uma linha simples de explicação. Os direitos decorrentes<br />
da evicção é verificada no Código Civil vigente nos arts. 402;<br />
450. Saliente-se aqui ainda que não é admissível no sistema<br />
brasileiro o ajuizamento de ação autônoma de evicção.<br />
Mais ainda, a grande ‘vedete’ do mencionado<br />
dispositivo, foi a questão levantada em seu<br />
parágrafo único, pelo qual o evicto é obrigado a<br />
denunciar, mas se o alienante devidamente citado<br />
não atender à denunciação da lide (em sua revelia),<br />
e, sendo manifesta a procedência da evicção,<br />
é lícito ao adquirente (o réu demandado, possível<br />
evicto), deixar de contestar ou recorrer.<br />
Assim está disposto na letra da lei, não<br />
tendo sido alterada do Projeto original do Código<br />
Civil de 2002 (FIÚZA, 2003, p. 405), in verbis:<br />
Art. 456. Para poder exercitar o direito<br />
que da evicção lhe resulta, o adquirente<br />
notificará do litígio o alienante imediato,<br />
ou qualquer dos anteriores,<br />
quando e como lhe determinarem as<br />
leis do processo.<br />
Parágrafo único. Não atendendo o alienante<br />
à denunciação da lide, e sendo<br />
manifesta a procedência da evicção,<br />
pode o adquirente deixar de oferecer<br />
contestação, ou usar de recursos. 3<br />
Dessa forma, advém os debates, não<br />
apenas na questão da obrigatoriedade de proceder<br />
no processo com a denunciação da lide,<br />
para que o evicto tenha o direito ao ressarcimento<br />
do preço pago, bem como demais direitos<br />
da evicção.<br />
Ademais, poderia assim o juiz condenar<br />
de maneira direta, o alienante, sem que este<br />
faça parte da relação processual, sem que tenha<br />
sido citado? E, sendo assim, como seria a<br />
situação do réu? Se o mesmo optasse por não<br />
contestar ou recorrer, poderia ser ou não condenado<br />
pelo juiz? Os efeitos da coisa julgada<br />
repercutirão sobre o terceiro? Essas perguntas<br />
são levantadas por Pimentel (2004, p. 150).<br />
3<br />
Primeiramente, é de se notar que o termo “notificação está<br />
posicionado de maneira incorreta, uma vez que, utilizando-se<br />
dos “meios processuais adequados”, somente se<br />
pode entender como citação, dentro do procedimento da<br />
denunciação da lide.<br />
101<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 97-108, nov. 2008
102<br />
Essas foram as grandes problemáticas<br />
advindas com o novel Código Civil.<br />
4 BREVE ANÁLISE DO ART. 70, I DO CPC<br />
O art. 70, inciso I do Código de Processo<br />
Civil professa que “A denunciação da lide é obrigatória:<br />
I – ao alienante, na ação em que terceiro<br />
reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido<br />
à parte, a fim de que esta possa vir a exercer<br />
o direito que da evicção lhe resulta; (...)”<br />
É pacífico na doutrina e na jurisprudência<br />
que, os demais casos prescritos no artigo 70 do<br />
Código de Processo Civil, a denunciação da lide é<br />
facultativa, podendo-se adentrar posteriormente<br />
com a cabível ação ressarcitória ou ação de regresso<br />
contra quem realmente deu causa à perda.<br />
Com efeito, como afirma Nery Jr et al<br />
(2006, p. 245), o direito material é omisso quanto<br />
à forma de obter a indenização, não podendo<br />
entender, ao menos nas hipóteses dos incisos<br />
II e III, que no desatendimento do ônus processual<br />
somente poderia ensejar preclusão ou<br />
nulidade do ato, não trazendo como conseqüência<br />
a perda do direito material de indenização,<br />
apenas impedindo que esse direito fosse<br />
exercido no mesmo processo.<br />
Assim o era em relação ao inciso I, antes<br />
do advento do Novo Código Civil. O entrave,<br />
em relação a esse incito ocorreu por força do<br />
art. 456 do Novo Código Civil, faria com que a<br />
denunciação da lide fosse obrigatória, sob pena<br />
da perda do direito material.<br />
a. DA OBRIGATORIEDADE DA DENUNCIAÇÃO<br />
DA LIDE<br />
Como dito, o grande entrave é em relação<br />
ao inciso I, inerente a evicção, uma vez com<br />
o advento do Novo Código Civil, o art. 456 indica<br />
que, para o exercício dos direitos da evicção<br />
(a responsabilidade do alienante que alienou<br />
coisa de outrem, ou seja, coisa que não deveria<br />
ser alienada), deverá necessariamente, proceder<br />
de acordo com a lei processual civil que,<br />
nesse caso, é interpretada por grande parte da<br />
doutrina como a necessidade do procedimento<br />
da denunciação da lide.<br />
Com o argumento de que o dispositivo<br />
da lei civil é lei especial, puro e simples, aduzem<br />
ser obrigatória a denunciação da lide a grande<br />
parte dos civilistas, tais como: Flávio Tartuce<br />
(2008, p. 211-212); Silvio Rodrigues (2003, p.<br />
116) 4 ; dentre outros, e até mesmo, parecendose<br />
favoráveis a tal obrigatoriedade, ao menos<br />
pela sua não oposição, Marinoni (2007, p. 184),<br />
Nery Jr et al (2006, p. 245) e Humberto Theodoro<br />
Junior (2008, p. 132).<br />
Não obstante, em via de contra-mão, há<br />
jurisprudência contundente em relação a não<br />
obrigatoriedade, auspiciada até no Superior Tribunal<br />
de Justiça, primando que, não obstante<br />
não haver as partes procedido com a denunciação<br />
da lide, não há impedimento de se pleitear<br />
a devolução do preço da coisa vendida. 5 6<br />
Contemplando esse entendimento, civilistas<br />
de vanguarda, como Jones Figueirêdo Alves<br />
(in FIUZA, 2003); Pablo Stoze Gagliano e Rodolfo<br />
Pamplona (2005); e processualistas preocupados<br />
com o aspecto substancial 7 do processo, como Di-<br />
4<br />
É interessante mencionar que, na obra desse civilista, o mesmo<br />
menciona a obrigatoriedade do “chamamento à autoria”,<br />
intervenção de terceiro precedente à denunciação da lide,<br />
presente do Código de Processo Civil anterior ao vigente CPC.<br />
Tal confusão, como mencionado por autores de ponta do<br />
âmbito processual, tais como: Didier (2007) e Pimentel (2004),<br />
parece ter norteado o legislador do atual Código Civil, que<br />
primou pela obrigatoriedade da intervenção de terceiros para<br />
se obter os direitos que da evicção se resulta.<br />
5<br />
Nesse sentido, STJ, REsp 132.258/RJ Recurso Especial (1997/<br />
0034131-3), DJ 17.04.2000, p. 56, RDTJRJ 44/52, rel. Min.<br />
Nilson Naves, j. 06.12.1999, 3ª Turma.<br />
6<br />
Ainda assim, é importante ressaltar, que nada impede ação<br />
autônoma de indenização por danos imateriais, abarcando-se<br />
o dano moral, pelo princípio da reparação integral<br />
dos danos, retirado do art. 5º, incisos V e X da CF/88.<br />
7<br />
O processo em seu aspecto substancial é aquele pelo qual<br />
o processo não é mais visto como mera sucessão de atos<br />
previstos nos diplomas legais vigentes, mas sim como garantia<br />
dos direitos, em especial os direitos fundamentais,<br />
do jurisdicionado, relacionando-se, dessa maneira, a utilizada<br />
denominação de “ instrumentalidade do processo”.<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 97-108, nov. 2008
dier, (2007), entendem pela não obrigatoriedade<br />
da denunciação da lide nos casos das lides que<br />
venham a gerar o fenômeno da evicção.<br />
Destarte, para Didier (2007, p. 320), não<br />
se pode falar em obrigatoriedade em sentido<br />
técnico, pois a denunciação é exercício do direito<br />
de ação, não sendo um dever, sendo, na<br />
verdade, um ônus processual absoluto, e, portanto,<br />
facultativa. Seria um encargo atribuído à<br />
parte, e não uma obrigação, uma vez que é de<br />
seu próprio interesse, pois haverá o prejuízo de<br />
não se aproveitar do mesmo processo para o<br />
ajuizamento da demanda regressiva.<br />
Sob esta óptica, o possível denunciante<br />
não perderia o direito de regresso, acaso não<br />
promova a denunciação da lide, não obtendo<br />
qualquer tipo de ressarcimento contra aquele<br />
que alienou de maneira indevida e onerosamente<br />
a coisa perdida.<br />
Saliente-se novamente, que a relação<br />
dos demais incisos do art. 70 não possui qualquer<br />
discussão, onde a não denunciação da lide<br />
apenas implica a perda da oportunidade de ver<br />
o direito de regresso ser apreciado no mesmo<br />
processo, sendo permitido posteriormente o<br />
ajuizamento de ação autônoma para o ressarcimento,<br />
em ação regressiva, também chamada<br />
de ação de regresso.<br />
Em síntese: o adquirente (evicto) deve,<br />
uma vez em litígio contra o evecente/evictor,<br />
denunciar a lide o alienante, sob pena de perder<br />
a pretensão regressiva que surge da evicção,<br />
verificada ao final do processo.<br />
No entanto, embora a doutrina majoritária<br />
se inclinasse ao fato de que o adquirente<br />
evicto (o que perdeu a coisa em virtude de sentença<br />
judicial) deveria denunciar a lide e o alienante,<br />
sob pena de perder a pretensão regressiva,<br />
de acordo com Didier (2007):<br />
...a jurisprudência e a doutrina percebiam<br />
que essa conseqüência não poderia<br />
acontecer em todas as situações,<br />
porque há casos em que a própria legislação<br />
processual veda a denunciação da lide:<br />
uma vez proibido o exercício eventual e<br />
incidental da pretensão regressiva, não<br />
poderia o adquirente ser prejudicado<br />
pelo não exercício deste direito. É o que<br />
acontece no âmbito dos Juizados Especiais e<br />
no rito sumário, procedimentos que não autorizam<br />
a denunciação da lide no caso de<br />
evicção. Convém lembrar, ainda, que a<br />
doutrina admite a ocorrência da evicção<br />
por ato administrativo (apreensão<br />
de veículo pelo DETRAN, por exemplo),<br />
quando também não será possível a<br />
denunciação da lide, que pressupõe a<br />
existência de processo jurisdicional. Em<br />
todas essas hipóteses, admite-se a<br />
denominada “ação autônoma de evicção.<br />
(grifo nosso) 8 .<br />
Didier (2007, p. 321) e Pimentel (2004)<br />
criticam a redação do Novo Código Civil, que<br />
parece acompanhar o raciocínio do antigo instituto<br />
de processo civil que cedeu lugar à denunciação<br />
da lide, o chamamento à autoria,<br />
que o direito brasileiro havia herdado do direito<br />
romano, por intermédio das ordenações<br />
portuguesas, presente do Código de Processo<br />
Civil de 1939.<br />
Em relação da impossibilidade do uso<br />
da denunciação da lide por força da inadissibilidade<br />
imposta por determinado rito, como por<br />
exemplo, o rito sumário e os Juizados Especiais,<br />
que expressamente proíbem o uso da intervenção<br />
de terceiros, e conseqüentemente<br />
da denunciação da lide, Pimentel (2004, p.155)<br />
aduz que teria apenas 3 alternativas, caso se<br />
devesse considerar a obrigatoriedade. Assim,<br />
em tais hipóteses:<br />
8<br />
Autores como Tartuce, de mesma forma, mencionam o novo<br />
conceito de evicção, como perda da coisa ou seu desapossamento,<br />
também em virtude de decisão administrativa,<br />
não obstante não comentando como ficaria a hipótese do<br />
conflito com a norma constante do art. 456 do Código Civil<br />
vigente, uma vez que não comporta, em processo administrativo,<br />
qualquer hipótese de intervenção de terceiros, figuras<br />
exclusivas do processo civil.<br />
103<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 97-108, nov. 2008
104<br />
a) Seria a conversão do procedimento sumário<br />
para o ordinário, o que não seria adequado.<br />
b) Aceitar a denunciação no rito sumário, para<br />
coordenar as normas, o que daria conflito.<br />
c) Admitir a denunciação da lide como ação regressiva<br />
autônoma posterior em caso de derrota.<br />
9<br />
Abre-se aqui um parêntese, ressaltando que o jurisdicionado<br />
não tem o dever de saber os procedimentos processuais,<br />
sendo que, se o patrono da parte, por esquecimento<br />
ou por mau procedimento, deixar de denunciar a lide, como<br />
ficaria a denunciação? Logicamente a parte poderia engendrar<br />
representação contra o seu patrono, bem como adentrar<br />
com uma ação contra o mesmo. Não teria, assim, que<br />
se falar em economia processual, não havendo razão de se<br />
fundamentar a obrigatoriedade por este modo.<br />
10<br />
REsp 132.258, j. 06-12-1999, DJ de 17-04-2000; REsp<br />
255.639, j. 24.04.2001, Informativo do STJ 93<br />
Não haveria, portanto, como aceitar a<br />
obrigatoriedade da denunciação da lide nesse<br />
sentido. Mas seria apenas uma restrição ou exceção<br />
a questão da obrigatoriedade?<br />
Isso tudo com o risco de recair no problema<br />
do enriquecimento sem causa do alienante<br />
à custa do adquirente, em afronta às regras<br />
dos arts. 884-886 do Código Civil de 2002,<br />
cuja vedação é expressa. Quem agiu indevidamente,<br />
no caso o alienante, se locupletará de<br />
sua própria torpeza em detrimento ao que não<br />
procedeu com a denunciação da lide, ou seja,<br />
tirará benefício de sua conduta indevida unicamente<br />
porque não se procedeu com essa modalidade<br />
de intervenção de terceiros no processo<br />
principal 9 .<br />
Há proposta de alteração do art. 456 do<br />
CC-2002, encaminhado pelo finado Deputado<br />
Ricardo Fiúza (Projeto de Lei 6.960/2002), que<br />
retira o ônus da denunciação da lide para o exercício<br />
dos direitos da evicção, na linha de precedentes<br />
do STJ 10 .<br />
Pela proposta ficaria o seguinte: art. 456.<br />
Para o direito que da evicção lhe resulta, independente<br />
o evicto da denunciação da lide ao<br />
alienante, podendo fazê-la, se lhe parecer conveniente,<br />
pelos princípios da economia e da rapidez<br />
processual” (DIDIER, 2007).<br />
Com efeito, a questão da economia e<br />
rapidez processual, não obstante o princípio<br />
constitucional da garantia da razoável duração<br />
do processo, não poderá configurar supressão<br />
de instâncias que vedem ou dificultem a apreciação<br />
de lesão ou ameaça de lesão de direito,<br />
de maneira a ferir demais direitos constitucionais<br />
dos jurisdicionados 11 , uma vez que o tema<br />
da morosidade processual é um problema extremamente<br />
complexo em que meras medidas<br />
legislativas não são suficientes, muito menos<br />
as que promovem a celeridade a qualquer custo,<br />
principalmente quando ferindo demais direitos<br />
do cidadão.<br />
b. DA DENUNCIAÇÃO DA LIDE PER SALTUM EM<br />
CASO DE EVICÇÃO.<br />
Ainda em decorrência da nova disciplina<br />
do art. 456 do novel Código Civil de 2002,<br />
ocorreu outra polêmica, em relação ao sujeito a<br />
ser denunciado.<br />
O art. 70 do Código de Processo Civil,<br />
em seu inciso I, autoriza a denunciação da lide<br />
ao alienante, ou seja, o responsável pela alienação<br />
do objeto que poderá ser perdido é que<br />
será denunciado, com o objetivo de responsabilizá-lo<br />
pela possível perda. O inciso é destinado<br />
a todo aquele que, adquirindo a título oneroso<br />
o domínio, a posse ou uso da coisa, vem a<br />
perdê-los em virtude de decisão judicial.<br />
Ocorre que o art. 456 do Código Civil de<br />
2002 pretendeu trazer outra inovação ao regramento<br />
da denunciação da lide em caso de evicção,<br />
permitindo-se ao adquirente denunciar a<br />
lide o alienante imediato da coisa sub judice,<br />
11<br />
Para complementação da leitura, consultar a monografia<br />
de Santana, Ágatha Gonçalves. A importância do princípio<br />
da razoável duração do processo para a realização dos direitos<br />
fundamentais. Monografia apresentada como quesito<br />
parcial de obtenção do grau de Bacharel pela Universidade<br />
da Amazônia – UNAMA. 2006.<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 97-108, nov. 2008
ou qualquer dos alienantes anteriores. Em outras<br />
palavras, seria possível o réu (possível evicto)<br />
denunciar à lide não apenas a pessoa que<br />
alienou o bem a ele, e sim a quem alienou o<br />
bem ao alienante e assim sucessivamente.<br />
Didier (2007, p. 324-325) atenta que há<br />
cinco posicionamentos doutrinários acerca do<br />
tema:<br />
a) A primeira corrente aduz que o Novo Código<br />
Civil teria admitido a denunciação da lide per<br />
saltum, permitindo que o adquirente demande<br />
em face de alguém com quem não manteve<br />
qualquer relação jurídica, sendo caso de<br />
legitimação extraordinária em litisconsórcio<br />
facultativo passivo, como forma de sub-rogação<br />
legal. Assim, estaria autorizado ao adquirente<br />
denunciar a lide ao alienante imediato,<br />
ou a qualquer outro alienante que<br />
conste da cadeia de alienação. Esse é o posicionamento<br />
de Nery Jr. et al, (2006, p. 245).<br />
b) A segunda corrente, mencionada por Didier<br />
(2007), afirma que a regra teria consagrado a<br />
possibilidade da “denunciação coletiva”, sugerida<br />
por Moniz de Aragão, de modo a evitar<br />
as dificuldades das denunciações sucessivas,<br />
defendendo ainda a possibilidade de o<br />
adquirente denunciar a lide de uma só vez a<br />
todos os que compusessem a cadeia sucessória<br />
de alienação, consagrando então a denunciação<br />
coletiva.<br />
c) A terceira corrente, mencionada por Didier<br />
(2007), indica Flávio Yarshell como entendedor<br />
de que a nova regra seria a consagração,<br />
na legislação civil, da possibilidade de denunciação<br />
sucessiva, prevista no art. 73 do<br />
CPC, e não a consagração da denunciação da<br />
lide per saltum, que poderia vir a permitir<br />
que um alienante, provavelmente aquele<br />
que tivesse maior capacidade econômica,<br />
pudesse responder por diferentes indenizações,<br />
de diferentes adquirentes, configurando<br />
injustiça.<br />
d) A quarta teoria, onde se cita como defensor<br />
Theodoro Jr. (2008, p. 139), se posiciona no<br />
sentido de que o Código Civil de 2002 teria<br />
estabelecido a solidariedade passiva legal de<br />
todos os alienantes que compõem a cadeia<br />
sucessória em face do último adquirente:<br />
Todos teriam a obrigação de responder pela<br />
evicção, sendo justificada a denunciação da<br />
lide não apenas sucessiva, como também a<br />
per saltum. Como destacado por Didier, a teoria<br />
encontra o óbice na regra de que a solidariedade<br />
não se presume (Art. 265 CC-2002),<br />
só havendo solidariedade entre os alienantes<br />
que conjuntamente alienaram o mesmo<br />
bem de maneira indevida.<br />
e) Finalmente, a quinta teoria, citada pelo processualista<br />
baiano, indica os que reputam a mudança<br />
inócua. Alexandre Câmara (2005, p. 210),<br />
muito embora admita que a interpretação isolada<br />
do art. 456 do Código Civil de 2002 induzisse<br />
a denunciação per saltum, de modo a evitar<br />
as denunciações sucessivas, afirma que quando<br />
a lei determina que a “notificação” se faça<br />
“quando e como lhe determinarem as leis do<br />
processo”, remeteria ao sistema do CPC, pelo<br />
qual a denunciação da lide é feita pelo adquirente<br />
ao seu alienante imediato e este, por sua<br />
vez, denunciaria à lide quem lhe transferiu o<br />
bem, e assim por diante, não sendo possível a<br />
denunciação per saltum.<br />
Didier (2007) afirma não haver fundamento<br />
razoável a denunciação per saltum, uma<br />
vez que o denunciante não tem qualquer relação<br />
jurídica com o denunciado e aduz parecer<br />
ser a melhor solução.<br />
c. OUTRA NOVIDADE DO ART. 456: DA REVELIA<br />
DO RÉU CUMULADA COM A GRANDE POSSIBILI-<br />
DADE DE OCORRER EVICÇÃO<br />
O Parágrafo único do art. 456 do Código<br />
Civil de 2002 trouxe nova regra processual em<br />
105<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 97-108, nov. 2008
106<br />
relação ao regime jurídico da denunciação da<br />
lide disciplinado no inciso II do art. 75 do Diploma<br />
Processual, ocasionando uma revogação total<br />
deste inciso do dispositivo processual.<br />
Reza o art. 456, parágrafo único do Diploma<br />
Civil que “Não atendendo o alienante à<br />
denunciação da lide” (sendo revel – conduta<br />
descrita no inciso II do art. 75 do CPC) e ainda,<br />
“sendo manifesta a procedência da evicção,<br />
pode o adquirente deixar de oferecer contestação,<br />
ou usar de recursos”.<br />
O art. 75, II do CPC prevê que se o denunciado<br />
pelo réu for revel, cumprirá ao denunciante<br />
prosseguir na defesa até o final. Não obstante<br />
tal redação, o art. 456 do vigente Código<br />
Civil, para o caso de denunciação da lide feita<br />
pelo réu em razão da evicção (art. 70, I do CPC),<br />
e somente em ocasião desta, permite que, revel<br />
o denunciado, e sendo manifesta a procedência<br />
da evicção, possa o denunciante adquirente<br />
(evicto) deixar de oferecer a contestação<br />
ou usar de recursos. Ou seja, poderia o réu denunciante<br />
deixar de oferecer defesa 12 .<br />
Calmon de Passos, citado por Didier (2007,<br />
p. 339), entende que, não promovendo a defesa,<br />
o réu-denunciante descumpre o ônus do art. 75<br />
e, assim, perde a “possibilidade de ver seu direito<br />
declarado na sentença que lhe asseguraria o<br />
título reclamado para a execução contra o alienante<br />
ou contra o regressivamente responsável”.<br />
Ainda segundo Didier (2007), alguns<br />
doutrinadores, para dar ao inciso II do art. 75<br />
alguma serventia, extraíram tal conseqüência:<br />
o réu-denunciante que não prosseguir na defesa<br />
até o final, apesar da revelia do denunciado,<br />
perde a possibilidade de ver a sua pretensão<br />
regressiva apreciada na mesma sentença.<br />
12<br />
Nesse caso, o réu pode denunciar a lide sem contestar,<br />
porém não pode contestar e depois denunciar a lide, em<br />
face da pretensão consumativa. O réu poderá inclusive<br />
confessar a existência dos fatos trazidos pelo autor, e ainda<br />
assim requeira a denunciação. Se o magistrado acolhe<br />
o pedido, a partir do “despacho citatório do terceiro” suspende-se<br />
o processo, conforme o art. 72 do Código de Processo<br />
Civil.<br />
Não obstante, autores do quilate de<br />
Candido Rangel Dinamarco (apud DIDIER, 2007,<br />
p. 341) trouxeram argumentos contrários à interpretação<br />
literal deste inciso.<br />
Primeiramente, porque o litisdenunciado<br />
não tem a faculdade de recusar a denunciação<br />
da lide, “porque ele é réu na demanda de<br />
garantia proposta pelo denunciante e nenhum<br />
réu tem o poder de afastar por vontade e ato<br />
próprios a autoridade que o juiz exerce sobre<br />
ele no processo”.<br />
Secundariamente, porque quer o denunciado<br />
aceite a denunciação e responda à inicial,<br />
quer ele a recuse ou mesmo fique revel, sempre<br />
cumprirá ao denunciante prosseguir na defesa<br />
até final – porque esse é um ônus de toda parte<br />
em qualquer processo e também porque, ainda<br />
quando o terceiro venha efetivamente ao processo<br />
e adote comportamento diligente e atuante,<br />
nem por isso o denunciante fica dispensado<br />
de prosseguir na defesa até o final.<br />
Enfim, após ocasionar polêmicas em relação<br />
à obrigatoriedade, bem como à possibilidade<br />
de realização da lide per saltum, o art. 456<br />
do Código Civil de 2002, teria acertado em consertar<br />
o equívoco do vigente Código de Processo<br />
Civil, conforme atesta Didier (2007), não havendo<br />
mais o ônus do réu denunciante de prosseguir<br />
na sua defesa até o final, se o denunciado<br />
for revel, não implicando na perda do direito<br />
da pretensão regressiva do denunciante, examinada<br />
na mesma sentença, conforme o conteúdo<br />
do art. 76 do Diploma processual.<br />
i. A possibilidade de ocorrer a “condenação direta”<br />
do denunciado<br />
Em relação a possibilidade de “condenação<br />
direta”, Pimentel (2004, p. 165) indica<br />
que quando o juiz condena diretamente o terceiro,<br />
em face do autor do processo principal,<br />
acabará por agredir a lógica sistemática do<br />
processo, uma vez que entre o terceiro e o<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 97-108, nov. 2008
autor da ação não há relação jurídica processual,<br />
ao menos direta.<br />
Alega Pimentel (2004) que a validade de<br />
tal sentença é questionável, considerando que<br />
o alienante não é litisconsorte do denunciante,<br />
e, portanto, não integra a mesma relação processual<br />
da qual o adversário do denunciante<br />
participa, citando, inclusive precedente processual:<br />
o TRF da 5ª Região já anulou sentença que<br />
fizera o mesmo, antes da vigência do novo CC.<br />
De fato, os efeitos da coisa julgada repercutirão<br />
sobre o terceiro, uma vez este integrando<br />
a relação processual por intermédio da<br />
denunciação da lide. Não obstante, a condenação<br />
direta parece encontrar óbice nas regras<br />
processuais da relação jurídica processual travada<br />
entre o autor e o réu, e não entre o terceiro,<br />
que somente terá o dever de indenizar.<br />
No que tange especificamente à ação<br />
reivindicatória, segundo Didier (2007), que dá<br />
azo à denunciação da lide pelo réu, trata-se de<br />
demanda que tem por objetivo a entrega da<br />
coisa, que está nas mãos do réu, e não nas do<br />
alienante-denunciado. Nesse caso, Didier entende<br />
que, nessa hipótese, não poderia haver<br />
“condenação direta” do denunciado a devolver<br />
uma coisa que não está com ele.<br />
Não obstante, se o autor agregasse ao<br />
pleito reivindicatório o pedido de indenização,<br />
como os danos e os frutos colhidos e percebidos,<br />
em relação a esta parcela da demanda seria<br />
possível cogitar-se de “condenação direta”<br />
do denunciado. Didier (2007), nesse sentido,<br />
concorda que o parágrafo único do art. 456 pode<br />
servir como mais um argumento a favor daqueles<br />
que defendem a possibilidade de condenação<br />
direta do denunciado.<br />
A questão está longe de ser pacífica. Os<br />
posicionamentos jurisprudenciais se divergem.<br />
O Enunciado 29 do Conselho de Justiça<br />
Federal/ STJ, da I Jornada de Direito Civil:<br />
“a interpretação do art. 456 do novo Código<br />
Civil permite ao evicto a denunciação direta<br />
de qualquer dos responsáveis pelo vício”. Trata-se<br />
da denunciação per saltum, e de certa<br />
forma uma “condenação per saltum”, que não<br />
é o posicionamento unânime no Superior Tribunal<br />
de Justiça.<br />
Esta sim, poderia ser considerada como<br />
uma possibilidade de conferir uma certa economia<br />
processual, bem como uma possibilidade<br />
de imprimir uma certa celeridade ao procedimento,<br />
em consagração às tendências de neoprivatismo<br />
do processo civil, conferindo ao juiz<br />
maiores poderes em prol da justiça. 13<br />
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS /<br />
NOTAS CONCLUSIVAS<br />
O Código Civil de 2002, no seu art. 456,<br />
repetiu a regra do vetusto Código de 1916, em<br />
nada alterando a exigência de notificação (leiase,<br />
citação em processo judicial pela intervenção<br />
de terceiros forçada) do litígio do alienante,<br />
mantendo-se o equívoco anterior, perdendo-se<br />
uma oportunidade de atualizar a correção do ato<br />
de ciência processual ao litisdenunciado.<br />
Opta-se aqui pela não obrigatoriedade.<br />
Primeiro, porque há procedimentos que não<br />
admitem a intervenção de terceiro. Segundo,<br />
porque, ainda, que se fale em celeridade processual,<br />
não há de se falar em possibilidade de<br />
obrigatoriedade, privilegiando o direito fundamental<br />
à duração razoável do processo, uma vez<br />
que não são meras modificações processuais<br />
que irá sanar um problema complexo que é a<br />
morosidade do judiciário.<br />
Opta-se, também, por entender que a<br />
denunciação per saltum poderia configurar injustiça<br />
não apenas porque o de maior capacidade<br />
econômica responderia em detrimento<br />
dos demais responsáveis, inclusive responsá-<br />
13<br />
Nesse sentido, indica-se o ensaio de Moreira, O Neoprivatismo<br />
no Processo Civil. In:_____. Leituras Complementares<br />
de Processo Civil. 6. ed. rev. e ampl. Bahia: podivum, 2008.<br />
p. 31-42.<br />
107<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 97-108, nov. 2008
veis que tenham agido com dolo, conquanto<br />
outros poderiam ter agido de boa-fé, como<br />
também o que tivesse maior culpa poderia sair<br />
impune. Diga-se que o que alienasse o bem<br />
viciado, de boa-fé, responderia no lugar de<br />
quem o fez de má-fé.<br />
Diga-se que o Brasil possui uma realidade<br />
em que muitas pessoas mal sabem ler, e não<br />
dá para exigir total entendimento do que “sabia<br />
ou deveria saber estar errado”. Ou seja, uma<br />
pessoa adquire de um cidadão de boa-fé uma<br />
propriedade viciada, e vem a descobrir. Logo<br />
para se livrar das possíveis conseqüências, ao<br />
invés de recuperar o valor por medida judicial,<br />
repassa a coisa vendendo ao futuro evicto. O<br />
evicto denuncia a lide de maneira per saltum o<br />
vendedor de boa-fé por entender que o mesmo<br />
tinha mais recursos de lhe ressarcir, sequer<br />
tendo relação jurídica direta com o mesmo.<br />
De certo ir-se-ia recair na possibilidade<br />
de cometer graves injustiças.<br />
Quanto a possibilidade de condenação<br />
direta do denunciado, vê-se com bons<br />
olhos, uma vez que poderia vir a imprimir<br />
um mecanismo para se efetivar a duração<br />
razoável do processo, direito fundamental<br />
consagrado expressamente na Constituição<br />
Federal Brasileira.<br />
Não obstante, aguarda-se a apreciação<br />
das casas legislativas do Projeto de lei que sugere<br />
razoável modificação no teor da norma civil,<br />
no sentido de aclarar os debates, bem como<br />
corrigir as falhas que poderão ocasionar a violação<br />
do direito fundamental ao acesso a justiça.<br />
REFERÊNCIAS<br />
108<br />
CÂMARA, Alexandre. Lições de direito processual<br />
civil. 9. ed. 1 vol. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2005.<br />
DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil.<br />
8. ed. Salvador: Podivm, 2007, p. 317-343.<br />
FIUZA, Ricardo. Novo código civil comentado.<br />
São Paulo: Saraiva, 2003.<br />
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO,<br />
Rodolfo. Novo curso de direito civil. São Paulo:<br />
Saraiva, 2005. 1 v.<br />
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio<br />
Cruz. Curso de processo civil: processo de conhecimento.<br />
6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,<br />
2007. 2 v.<br />
NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.<br />
Código de processo civil comentado e legislação<br />
extravagante. 9. ed. rev. e ampl. São Paulo:<br />
Revista dos Tribunais, 2006.<br />
PIMENTEL, Alexandre Freire. Evicção e denunciação<br />
da lide no novo código civil. In:_____.<br />
DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo.<br />
Novo código civil: questões controvertidas. São<br />
Paulo: Método, 2004. p. 149-168.<br />
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e<br />
das declarações unilaterais de vontade. 29. ed.<br />
São Paulo: Saraiva, 2003. 3 v.<br />
TARTUCE, Flávio. Direito civil: teoria geral dos<br />
contratos e contratos em espécie. 3. ed. rev. e<br />
atual. São Paulo: Método, 2008.<br />
THEODORO JR, Humberto. Curso de direito processual<br />
civil: teoria geral do direito processual civil<br />
e processo de conhecimento. 49. ed. Rio de<br />
Janeiro: Forense, 2008. p. 129-139.<br />
Sites consultados: www.stj.gov.br<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 13, n. 2, p. 97-108, nov. 2008
A CONTABILIDADE COMO UMA<br />
FERRAMENTA DE MENSURAÇÃO<br />
DE PROJETOS DE CRÉDITOS<br />
DE CARBONO<br />
109<br />
Marisa Luchtenberg Pagunssat<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008
110<br />
Traços, Belém, v. 10, n. 21, p.107-124, jun. 2008
A CONTABILIDADE COMO UMA FERRAMENTA DE<br />
MENSURAÇÃO DE PROJETOS DE CRÉDITOS DE CARBONO 1<br />
Marisa Luchtenberg Pagunssat*<br />
RESUMO<br />
Ao longo dos últimos anos, as atividades<br />
de pesquisa, acerca dos impactos ambientais<br />
globais, causados pelas emissões de dióxido<br />
de carbono (CO2), têm sido intensificadas. O<br />
mercado de créditos de carbono é um grande<br />
esforço na busca pela minimização desse gás,<br />
haja vista que possibilita incentivos para que<br />
os países desenvolvidos e em desenvolvimento<br />
tenham estímulo a não incorporarem em suas<br />
matrizes energéticas, fontes de energia mais<br />
propícias à emissão de CO2. Diante dessa temática,<br />
a presente pesquisa vem mensurar a atuação<br />
da contabilidade em relação aos projetos<br />
de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo,<br />
propostos pelo Protocolo de Kyoto, cujo mecanismo<br />
permitiu a formação do Mercado de Crédito<br />
de Carbono, fator de motivação econômica,<br />
que possibilita um desenvolvimento sustentável<br />
nos países em desenvolvimento. Os investimentos<br />
em tecnologias para a produção<br />
mais limpa devem ser controlados, analisados<br />
e divulgados, devido ao grande interesse de<br />
várias partes, como investidores, governo e sociedade,<br />
cuja demanda por tecnologias sustentáveis<br />
está em crescimento exponencial, mobilizando<br />
todas as áreas profissionais. A contabilidade,<br />
na sua capacidade de disponibilizar informações<br />
confiáveis, relevantes, comparáveis<br />
e imprescindíveis à tomada de decisão, tem por<br />
necessidade se preparar e adaptar-se para incorporar<br />
as informações relativas à negociação<br />
de Créditos de Carbono. Isto porque, o merca-<br />
do demonstra-se promissor, crescente e envolve<br />
grandes volumes de negociações.<br />
Palavras-chave: Impactos ambientais globais.<br />
Contabilidade. Protocolo de Kyoto. Mecanismos<br />
de Desenvolvimento Limpo (MDL). Crédito de<br />
Carbono.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
De cunho bibliográfico, a presente pesquisa<br />
procurará definir os conceitos ambientais<br />
e contábeis pertinentes à questão dos projetos<br />
de Créditos de Carbono, e apresentar o resultado<br />
ao problema apresentado: a contabilidade<br />
pode ser utilizada como uma ferramenta de mensuração<br />
de projetos de créditos de carbono?<br />
Com caráter exploratório, o estudo objetiva<br />
mensurar a atuação da contabilidade,<br />
como fonte de informações, no que tange aos<br />
projetos de Créditos de Carbono, evidenciados<br />
no Protocolo de Kyoto, tendo como objetivos<br />
específicos mensurar o mercado de créditos de<br />
carbono e verificar o tratamento contábil desses<br />
projetos.<br />
Nesse contexto, o cenário: “aquecimento<br />
global”ou “mudanças Climáticas” tem sido um<br />
tema bastante discutido no Brasil, nos últimos<br />
anos, não somente por acadêmicos e pesquisa-<br />
* Acadêmica do VII período de Ciências Contábeis da Faculdade<br />
de Rolim de Moura – FAROL.<br />
1<br />
Artigo desenvolvido e apresentado ao IX Fórum dos Estudantes<br />
de Ciências Contábeis de Rondônia, sob a orientação<br />
do Professor Especialista Emerson Boritza.<br />
111<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008
112<br />
dores, mas também pelos empresários interessados<br />
em compreender de que maneira essa<br />
questão causa impactos em seu negócio.<br />
De acordo com a definição do Protocolo<br />
de Kyoto, “Mudança do clima” significa uma<br />
mudança que possa ser direta ou indiretamente<br />
atribuída à atividade humana que altere a<br />
composição da atmosfera mundial e que se<br />
some àquela provocada pela variabilidade climática<br />
natural, observada ao longo de períodos<br />
comparáveis.<br />
Diante desse perigo, autoridades mundiais<br />
começaram a tomar atitudes para reverter<br />
essa situação. O objetivo é fazer com que os<br />
países reduzam a concentração dos gases causadores<br />
do efeito estufa (GEE), diminuindo os<br />
níveis de emissões de dióxido de carbono (CO2<br />
– principal gás do efeito estufa). Para isso, autoridades<br />
assinaram o Protocolo de Kyoto, um<br />
tratado internacional que determina metas de<br />
redução de emissões de gases e estimula o desenvolvimento<br />
de tecnologias sustentáveis.<br />
O objetivo do Protocolo é reduzir a concentração<br />
dos gases causadores do efeito estufa<br />
(GEE) na atmosfera. Para isso, os países industrializados<br />
se comprometeram a reduzir as<br />
emissões de GEE em 5,2% em relação aos níveis<br />
de 1990, durante o período de 2008 a 2012.<br />
Para os países em desenvolvimento,<br />
como o Brasil, o protocolo não prevê compromissos<br />
de reduções de GEE. O principal papel<br />
dos países em desenvolvimento é diminuir as<br />
emissões a partir de fontes limpas de energia e<br />
atuar como sumidouro de dióxido de carbono<br />
(CO2), através das florestas. No Brasil, o Protocolo<br />
de Kyoto foi ratificado em 19 de junho de<br />
2002 e sancionado pelo presidente Fernando<br />
Henrique Cardoso, em 23 de julho do mesmo<br />
ano, ficando, assim, o país não obrigado a reduzir<br />
as emissões de GEE.<br />
A participação brasileira na contribuição<br />
para a redução de GEE ocorre pelo desenvolvimento<br />
de projetos de Mecanismo de Desenvolvimento<br />
Limpo (MDL), para a redução e posterior<br />
venda de créditos, para que os países desenvolvidos<br />
possam cumprir suas metas.<br />
O MDL consta no artigo 12 do protocolo<br />
de Kyoto e permite que os países listados no<br />
anexo I cumpram suas metas, pela aquisição de<br />
crédito de carbono (C.C).<br />
Para que um projeto se encaixe dentro<br />
das regras do Mecanismo de Desenvolvimento<br />
Limpo (MDL), ele precisa ou absorver dióxido de<br />
carbono da atmosfera (no caso de reflorestamentos)<br />
ou evitar o lançamento de gases do efeito<br />
estufa (no caso de eficiência energética), e deve<br />
receber a aprovação das Nações Unidas.<br />
A relevância do assunto ocorre em função<br />
do mercado mundial de créditos de carbono,<br />
vir apresentando crescimento exponencial<br />
em seu volume. O momento é promissor e o<br />
comércio de transações deve movimentar bilhões<br />
de dólares nos próximos anos, sendo que<br />
aproveitar as oportunidades geradas e lucrar<br />
com elas, requer profissionais experimentados<br />
nas mais diversas áreas (econômica, ambiental,<br />
jurídica, contábil, relações exteriores,<br />
entre outras).<br />
A Contabilidade apresenta-se como o<br />
sistema de informações que tem como finalidade<br />
principal coletar, mensurar e evidenciar<br />
as transações, visando exercer o importante<br />
papel de veículo de comunicação entre a empresa<br />
e a sociedade. Assim, o objetivo deste<br />
artigo é apresentar a contabilidade como uma<br />
ferramenta de mensuração de projetos de créditos<br />
de carbono.<br />
Acrescenta-se que este estudo será de<br />
natureza qualitativa, tendo como base essencial<br />
a revisão bibliográfica em livros, teses, artigos,<br />
normas e sites especializados, pois pretende-se<br />
discutir os procedimentos mais adequados<br />
para o tratamento contábil, de forma a promover<br />
a harmonização ou convergência das informações<br />
das operações de créditos de carbono<br />
já iniciadas.<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008
2 TEORIA DE BASE<br />
2.1 PROTOCOLO DE KYOTO<br />
O Protocolo de Kyoto foi criado em 1997,<br />
durante a Terceira Conferência das Nações Unidas<br />
sobre Mudanças Climáticas (COP 3), realizada<br />
na cidade de Kyoto, Japão. O acordo internacional<br />
foi assinado por representantes de mais<br />
de 160 países como complemento à Conferência<br />
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e<br />
Desenvolvimento – ECO 92, realizada em 1992,<br />
na cidade do Rio de Janeiro.<br />
O Protocolo tem como missão alcançar<br />
a estabilização da concentração de gases na atmosfera,<br />
reduzindo sua interferência no clima<br />
e, portanto, contribuindo para a sustentabilidade<br />
do planeta (ARAÚJO, 2008, p. 14).<br />
Por visar atingir a estabilização dos gases<br />
na atmosfera, o Protocolo classificou os países<br />
em: ANEXO I: em que foram relacionados os países<br />
desenvolvidos, historicamente poluentes,<br />
que precisam abater as emissões de gases de<br />
efeito estufa, nele estão: EUA, Japão, União Européia,<br />
Outros Países da Organização para a Cooperação<br />
e o Desenvolvimento Econômico (OCDE),<br />
Europa Ocidental e ex-União Soviética; ANEXO<br />
II: onde estão os países em desenvolvimento,<br />
nele estão os países exportadores de energia:<br />
China, Índia, Economias dinâmicas da Ásia, Brasil<br />
e o resto do mundo (ARAÚJO, 2008, p. 12).<br />
Como a emissão dos gases poluentes é<br />
mais intensa nos países industrializados, o Protocolo<br />
de Kyoto propõe um calendário pelo qual<br />
os países desenvolvidos/industrializados têm a<br />
obrigação de reduzir a quantidade de gases poluentes<br />
em, pelo menos, 5,2% (cinco vírgula<br />
dois por cento) até 2012, em relação aos níveis<br />
de 1990. Os países que assinaram o protocolo<br />
terão que colocar em prática planos para reduzir<br />
a emissão desses gases, sendo o primeiro<br />
período de implementação entre 2008 e 2012,<br />
consoante disposição a seguir:<br />
Art. 3.1. As Partes incluídas no Anexo I<br />
devem, individual ou conjuntamente, assegurar<br />
que suas emissões antrópicas<br />
agregadas, expressas em dióxido de carbono<br />
equivalente, dos gases de efeito<br />
estufa listados no Anexo A não excedam<br />
suas quantidades atribuídas, calculadas<br />
em conformidade com seus compromissos<br />
quantificados de limitação e redução<br />
de emissões descritos no Anexo B e<br />
de acordo com as disposições deste Artigo,<br />
com vistas a reduzir suas emissões<br />
totais desses gases em pelo menos 5<br />
por cento abaixo dos níveis de 1990 no<br />
período de compromisso de 2008 a 2012.<br />
Para a redução das emissões, o Protocolo<br />
de Kyoto determina que os países estabeleçam<br />
programas de redução dentro de seus territórios,<br />
mas oferece também mecanismos de flexibilização<br />
para reduzir custos das iniciativas controle<br />
emissões dos Gases de Efeito Estufa - GEEs.<br />
Os três mecanismos previstos são conhecidos<br />
como Implementação Conjunta (IC), Mecanismos<br />
de Desenvolvimento Limpo (MDL) e Comércio<br />
de Emissões (CE) (ARAÚJO, 2006, p. 18).<br />
A participação brasileira na contribuição<br />
para a redução de GEE ocorre pelo desenvolvimento<br />
de projetos de Mecanismo de Desenvolvimento<br />
Limpo (MDL), para a redução e posterior<br />
venda de créditos, para que os países desenvolvidos<br />
possam cumprir suas metas.<br />
2.2 MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO<br />
LIMPO (MDL)<br />
O Protocolo de Kyoto, firmado em 1997,<br />
com o objetivo incentivar o desenvolvimento<br />
econômico sustentável veio firmar compromisso<br />
entre as partes envolvidas para o desenvolvimento<br />
de tecnologias mais limpas, reduzindo<br />
as emissões de gases poluentes. O Mecanismo<br />
de Desenvolvimento Limpo (MDL) é uma das<br />
formas de redução propostas pelo acordo.<br />
113<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008
114<br />
Segundo Barbieri (2006, p. 17):<br />
O Mecanismo envolve o desenvolvimento<br />
e a implantação de projetos<br />
para redução de emissões e eliminação<br />
de GEEs nos países em desenvolvimento,<br />
os quais poderão ser financiados<br />
pelos países desenvolvidos em<br />
troca de créditos para serem abatidos<br />
dos seus compromissos de redução de<br />
em iss õ es.<br />
Alguns requisitos, definidos pelo Protocolo<br />
de Kyoto, são exigidos para que os projetos<br />
sejam considerados como MDL:<br />
a) Participação voluntária das Partes envolvidas.<br />
b) Benefícios relacionados com a mudança do<br />
clima que sejam reais, mensuráveis e de longo<br />
prazo.<br />
c) Redução de emissões adicionais às que, na ausência<br />
do projeto, ocorreriam naturalmente.<br />
Conforme ressalta Ribeiro (2005), o objetivo<br />
principal do MDL é gerar recursos para<br />
que os países em desenvolvimento implantem<br />
tecnologias de recuperação e preservação ambientais,<br />
e colaborar com os países desenvolvidos<br />
para que estes alcancem as metas de reduções<br />
de emissões.<br />
art. 12.<br />
1. Fica definido um mecanismo de desenvolvimento<br />
limpo.<br />
2. O objetivo do mecanismo de desenvolvimento<br />
limpo deve ser assistir às<br />
Partes não incluídas no Anexo I para<br />
que atinjam o desenvolvimento sustentável<br />
e contribuam para o objetivo<br />
final da Convenção, e assistir às Partes<br />
incluídas no Anexo I para que cumpram<br />
seus compromissos quantificados<br />
de limitação e redução de emissões,<br />
assumidos no Artigo 3.<br />
3. Sob o mecanismo de desenvolvimento<br />
limpo: (a) As Partes não incluídas no<br />
Anexo I beneficiar-se-ão de atividades<br />
de projetos que resultem em reduções<br />
certificadas de emissões; e, (b) As Partes<br />
incluídas no Anexo I podem utilizar<br />
as reduções certificadas de emissões,<br />
resultantes de tais atividades de projetos,<br />
para contribuir com o cumprimento<br />
de parte de seus compromissos<br />
quantificados de limitação e redução<br />
de emissões, assumidos no Artigo 3,<br />
como determinado pela Conferência<br />
das Partes na qualidade de reunião<br />
das Partes deste Protocolo.<br />
Os projetos de MDL geram diversos benefícios,<br />
pois, além de colaborarem na redução<br />
de emissões dos Gases Efeito Estufa (GEE), promovem<br />
o desenvolvimento sustentável no país<br />
hospedeiro do projeto e geram créditos do “direito”<br />
de poluir, que podem ser comercializados.<br />
As organizações têm visto este tipo de projeto<br />
como um investimento muito promissor, pois<br />
o mercado dos créditos de carbono tem crescido<br />
bastante, além de ser um fator de competitividade,<br />
isto porque a preservação ambiental tem sido<br />
bastante valorada pela sociedade moderna.<br />
2.2.1 Implementação e geração dos créditos<br />
Para serem validados, existem basicamente<br />
duas modalidades de projetos de MDL<br />
considerados elegíveis perante as regras do Protocolo<br />
de Kyoto:<br />
a) Projetos Florestais: as atividades que visam<br />
à remoção de CO da atmosfera e estão relacionados<br />
ao uso da terra, e referem-se aos<br />
projetos florestais. As áreas elegíveis, à luz<br />
do Protocolo de Kyoto, para florestamento e<br />
reflorestamento devem comprovar que não<br />
apresentavam cobertura florestal até o anoreferência<br />
de 1989.<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008
) Projetos Não-Florestais: são projetos cujas<br />
atividades objetivam a redução da emissão<br />
de gases do efeito estufa. Para essa modalidade,<br />
o Protocolo relaciona os setores e<br />
as categorias para potenciais projetos de<br />
MDL:<br />
b.1) Setor de energia: queima de combustível<br />
(setor energético, indústria de transformação<br />
e construção, transporte, outros) e<br />
emissões fugitivas de combustíveis (combustíveis<br />
sólidos, petróleo e gás natural,<br />
outros);<br />
b.2) Setor de processos: industriais (mineradoras,<br />
químicas, de metais, produção e consumo<br />
de halocarbonos e hexafluereto de<br />
enxofre);<br />
b.3) Setor agrícola: fermentação entérica, cultivo<br />
de arroz, manejo do solo, queimadas e<br />
queima de resíduos agrícolas e outros;<br />
b.4) Setor de resíduos: disposição em aterros,<br />
tratamento de esgoto, incineração de resíduos,<br />
outros.<br />
Para serem reconhecidos, os projetos<br />
MDL´s devem demonstrar sua eficiência em reduzir<br />
as emissões antrópicas quesito assim exigido.<br />
O artigo 12º do Protocolo de Kyoto menciona:<br />
(a) Participação voluntária aprovada por Parte<br />
envolvida;<br />
(b) Benefícios reais, mensuráveis e de longo<br />
prazo relacionados com a mitigação da mudança<br />
do clima; e<br />
(c) Reduções de emissões que sejam adicionais<br />
às que ocorreriam na ausência da atividade<br />
certificada de projeto.<br />
Para que isso seja comprovado e os projetos<br />
certificados, eles devem passar por uma<br />
série de etapas de validação e certificação.<br />
Em um primeiro momento, deve-se elaborar<br />
o Documento de Concepção do Projeto –<br />
DCP, que fica sob responsabilidade dos participantes<br />
do projeto. Deve conter a atividade do<br />
projeto; os participantes; a metodologia da linha<br />
de base, isto é, a metodologia para cálculo da<br />
quantidade de carbono evitada ou seqüestrada,<br />
dependendo do projeto; definição da duração do<br />
projeto e do período de obtenção dos créditos;<br />
plano de monitoramento; impactos ambientais<br />
e comentários dos participantes.<br />
O segundo passo é a validação do projeto,<br />
que no Brasil é realizada por Entidades Operacionais<br />
Designadas (EOD). A EOD verificará se<br />
o DCP contempla as exigências do Protocolo e<br />
caracteriza-se MDL. Após todo esse processo,<br />
cabe a aprovação pela Autoridade Nacional Designada<br />
(AND), que no caso do Brasil é a Comissão<br />
Interministerial de Mudança Global do Clima<br />
(CIMGC), que analisa a contribuição do projeto<br />
para o desenvolvimento sustentável, baseando-se<br />
em cinco critérios básicos: distribuição<br />
de renda, sustentabilidade ambiental local;<br />
desenvolvimento das condições de trabalho e<br />
geração líquida de emprego, capacitação e desenvolvimento<br />
tecnológico; integração regional;<br />
e articulação com outros setores.<br />
Após a validação pela Autoridade Nacional<br />
Designada (AND), deve-se solicitar o registro<br />
junto ao Conselho Executivo da Convenção-Quadro<br />
das Nações Unidas sobre Mudança<br />
do Clima, que analisará a metodologia, a adicionalidade<br />
do projeto para efetuar o registro.<br />
Uma vez aceito, o projeto passa para a fase de<br />
monitoramento.<br />
O monitoramento deverá ser feito pelo<br />
participante do projeto, onde deverá calcular<br />
as reduções de emissões, como uma diferença<br />
entre as emissões monitoradas de fato e as linhas<br />
de base de emissões. O resultado deve<br />
ser resumido em um relatório de monitoramento,<br />
que será verificado pela Entidade Operacional<br />
Designada (EOD). Esta procederá à revisão<br />
dos resultados monitorados e do sistema de<br />
coletas de dados relacionados à redução de<br />
emissões; das práticas estabelecidas e da pre-<br />
115<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008
116<br />
cisão dos dados levantados, bem como do equipamento<br />
de monitoramento; do sistema de<br />
gestão no qual se baseia o relatório de reduções<br />
de emissões, além de realizar entrevistas<br />
com os participantes e atores dos projetos.<br />
Segundo Barbieri (2006, p. 24), “baseada<br />
em uma verificação bem-sucedida, a entidade<br />
operacional determinará a quantidade de<br />
Reduções Certificadas de Emissão a ser encaminhada<br />
ao Conselho Executivo para a documentação<br />
dos créditos certificados”.<br />
As Reduções Certificadas de Emissões<br />
(RCE´s), que são vistas como “permissões” para<br />
emissão de GEE´s, podem ser comercializadas com<br />
países que não alcançaram as metas de reduções.<br />
Esse mecanismo interessa muito ao Brasil,<br />
pois permite a certificação de projetos de<br />
redução de emissões brasileiras e a posterior<br />
venda desses certificados aos países desenvolvidos,<br />
como modo suplementar ao cumprimento<br />
das metas desses países de redução da emissão<br />
de gases (ARAÚJO 2008, p.25).<br />
2.3 CRÉDITOS DE CARBONO<br />
Os Créditos de Carbono são certificados<br />
que autorizam o “direito de poluir”. As agências<br />
de proteção ambiental reguladoras emitem certificados,<br />
autorizando emissões de toneladas de<br />
dióxido de enxofre, monóxido de carbono e<br />
outros gases poluentes. Inicialmente, selecionam-se<br />
indústrias que mais poluem no país e, a<br />
partir daí, são estabelecidas metas para a redução<br />
de suas emissões. As empresas recebem<br />
créditos negociáveis na proporção de suas responsabilidades,<br />
sendo que cada crédito de carbono<br />
equivale a uma tonelada de poluentes.<br />
Segundo Araújo (2006, p. 29), “A quantificação<br />
é feita com base em cálculos que demonstram<br />
a quantidade de dióxido de carbono<br />
a ser removida ou a quantidade de gases do efeito<br />
estufa que deixará de ser lançada na atmosfera<br />
com a efetivação de um projeto”.<br />
Quem não cumpre as metas de redução<br />
progressiva, estabelecidas por lei, tem de comprar<br />
certificados das empresas mais bem sucedidas.<br />
Esses certificados podem ser comercializados<br />
de várias formas, inclusive nas Bolsas de<br />
Valores e de Mercadorias.<br />
Art. 17 - A Conferência das Partes deve<br />
definir os princípios, as modalidades,<br />
regras e diretrizes apropriados, em<br />
particular para verificação, elaboração<br />
de relatórios e prestação de contas do<br />
comércio de emissões. As Partes incluídas<br />
no Anexo B podem participar<br />
do comércio de emissões com o objetivo<br />
de cumprir os compromissos assumidos<br />
sob o Artigo 3. Tal comércio<br />
deve ser suplementar às ações domésticas<br />
com vistas a atender os compromissos<br />
quantificados de limitação e<br />
redução de emissões, assumidos sob<br />
esse Artigo.<br />
O mercado de créditos de carbono ou<br />
mercado de carbono é o termo popular, utilizado<br />
para denominar os sistemas de negociação<br />
de unidades de redução de emissões de gases<br />
de efeito estufa (GEEs).<br />
A troca de créditos de cotas entre países<br />
desenvolvidos que estabelecem limite ao<br />
“direito de poluir”, pode ser transformada em<br />
títulos comercializáveis em mercados de balcão<br />
(contratos de gaveta) ou em mercados organizados<br />
(Bolsas, Interbancários, Intergovernamentais<br />
etc).<br />
O mercado de carbono funciona sob as<br />
regras do Protocolo de Kyoto, onde, a comercialização<br />
de emissões de gases do efeito estufa<br />
é feita em bolsas (exchanges), onde os países<br />
desenvolvidos, que devem cumprir compromissos<br />
de redução da emissão desses gases, compram<br />
Créditos de Carbono de países em desenvolvimento.<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008
Bolsas de Carbono<br />
a) CCX - Bolsa do Clima de Chicago.<br />
b) CCFE - Chicago Climate Exchange Futures<br />
- Subsidiária da CCX.<br />
c) ECX - Bolsa do Clima Européia.<br />
d) NordPoll (Oslo)<br />
e) EXAA - Bolsa de Energia da Áustria.<br />
f) BM&F - Bolsa de Mercadorias e Fundos -<br />
Por enquanto somente trabalha com o leilão<br />
de créditos de carbono.<br />
g) New Values/Climex (Alemanha).<br />
h) Vertis Environmental Finance (Budapeste).<br />
i) Bluenext - Antiga Powernext (Paris).<br />
Bolsa formada no ano passado pela bolsa<br />
de valores internacional NYSE Euronext e<br />
pelo Banco Público Francês Caisse des<br />
Depots, após a compra das atividades de<br />
carbono da Powernext.<br />
j) MCX - Multi-Commodity Exchange (Índia)<br />
- Maior bolsa de commodities da Índia.<br />
Lançou em 21 de janeiro de 2008 contratos<br />
futuros para a negociação de RCEs (Reduções<br />
Certificadas de Emissão) com tamanho<br />
mínimo de 200 toneladas de CO2e.<br />
Em 2007, o valor do mercado global de<br />
carbono cresceu 80%, alcançando 40 bilhões de<br />
euros (equivalente a 59 bilhões de doláres),<br />
segundo um relatório da Point Carbon 2 . A empresa<br />
atribuiu esse crescimento aos novos participantes<br />
do mercado e ao reforço dos limites<br />
sobre as emissões para o segundo período de<br />
compromisso do Esquema de Comércio de Emissões<br />
ETS (2008-2012) na União Européia. O MDL<br />
foi avaliado pela Point Carbon em 12 bilhões de<br />
euros em 2007, com probabilidade de crescimento<br />
na demanda por esses certificados em<br />
2008, devido a maior procura por projetos que,<br />
antes, pareciam muito arriscados.<br />
2<br />
Site internacional relacionado à comercialização de certificados<br />
de carbono (http://www.pointcarbon.com).<br />
Atualmente, a tonelada de carbono dos<br />
projetos de MDL é vendida em torno de 8,00 euros<br />
a 18,00 euros para projetos que obedeçam<br />
todas as premissas do Protocolo de Kyoto. Entretanto,<br />
outras alternativas de comercialização de<br />
caráter volutário se apresentam, com regras mais<br />
flexíveis, como a Chigaco Climate Exchange- Bolsa<br />
do clima de Chigago (CCX). Em nota publicada<br />
no site carbonobrasil de 18/09/2008, os preços<br />
para tonelada de créditos voluntários apresentou<br />
alta de 26% com uma média de preço de 6,3<br />
doláres, sendo que em 2007 os mesmo créditos<br />
estavam avaliados em 5 doláres.<br />
2.4 CONTABILIDADE<br />
A Contabilidade é uma ferramenta de<br />
gestão e tem como principal função subsidiar a<br />
tomada de decisões. Seu objeto de estudo é o<br />
patrimônio das entidades, consistindo este no<br />
conjunto de bens, direitos e obrigações e ter<br />
por finalidade controlar os fenômenos ocorridos<br />
no patrimônio da entidade.<br />
De acordo com Franco (2006, p. 19):<br />
A função da contabilidade é registrar,<br />
classificar, demonstrar, auditar e analisar<br />
todos os fenômenos que ocorrem<br />
no patrimônio das entidades, objetivando<br />
fornecer informações, interpretações<br />
e orientações sobre a composição<br />
e as variações desse patrimônio,<br />
para a tomada de decisões de seus administradores.<br />
A Contabilidade surgiu a partir da necessidade<br />
de se criar sistemas para o controle<br />
patrimonial. Segundo Lopes de Sá (2002, p. 21):<br />
Há mais de 20.000 anos, no Paleolítico<br />
Superior, quando era ainda primitiva a<br />
civiliação, mas já havia a industria de<br />
instrumentos, como forma de uso de<br />
uma inteligência já desenvolvida, sur-<br />
117<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008
118<br />
giram as observações do homem em<br />
relação a suas provisões que eram sua<br />
riqueza patrimonial.<br />
Percebe-se que, desde tempos remotos,<br />
a Contabilidade é usada para registro e controle<br />
dos fatos patrimoniais.<br />
De acordo com Marion (2004, p. 26):<br />
A Contabilidade é o instrumento que<br />
fornece o máximo de informações úteis<br />
para a tomada de decisões dentro e<br />
fora da empresa. Ela é muito antiga e<br />
sempre existiu para auxiliar as pessoas<br />
a tomarem decisões. Com o passar<br />
do tempo, o governo começa a utilizarse<br />
dela para arrecadar impostos e a<br />
torna obrigatória para a maioria das<br />
em presas.<br />
A Contabilidade é mantida para gerar<br />
informações fidedignas e oportunas para os diversos<br />
tipos de interesses. Vale ressaltar que<br />
os objetivos da Contabilidade são essencialmente<br />
pragmáticos:<br />
1. Fornecer informações que sejam<br />
úteis para investidores e credores<br />
atuais e em potencial, bem como<br />
para outros usuários que a utilizem<br />
para tomada de decisões. As informações<br />
devem ser compreensíveis<br />
aos que possuem uma noção razoável<br />
dos negócios e estejam dispostos<br />
a estudar essas informações;<br />
2. A divulgação financeira deve proporcionar<br />
informações aos usuários<br />
sobre o volume e a incerteza dos<br />
fluxos de caixa referentes a juros e<br />
dividendos e resgate de empresários<br />
(SANTOS et al, 2003, p. 62).<br />
Além de informações financeiras, previstas<br />
legalmente, as finalidades gerenciais da<br />
informação contábil auxiliam no Planejamento<br />
e no Controle. Tais informações precisam ser<br />
revestidas de alguns atributos indispensáveis,<br />
dentre eles: confiabilidade, tempestividade,<br />
compreensibilidade e comparabilidade.<br />
A Contabilidade apresenta-se desta forma<br />
como um sistema de informações que tem<br />
como finalidade principal coletar, mensurar e<br />
evidenciar as transações, visando exercer o importante<br />
papel de veículo de comunicação entre<br />
a empresa e a sociedade.<br />
2.5 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL<br />
A sustentabilidade ambiental tem se<br />
tornado um fator de competitividade. A sociedade<br />
tem se preocupado cada vez mais com o<br />
meio ambiente. A partir da premissa de que os<br />
recursos são escassos e a preservação é a melhor<br />
forma de garantir a sobrevivência do planeta,<br />
as organizações estão sendo obrigadas a<br />
colaborar com a responsabilidade social, implementando<br />
novas técnicas de produção.<br />
A conciliação entre crescimento econômico<br />
e preservação ambiental, denominado<br />
desenvolvimento sustentável, ocorre por meio<br />
de investimentos em tecnologias de produção<br />
mais limpa.<br />
Em seu livro Gestão ambiental, Seiffert<br />
(2007, p.22) conceitua:<br />
1. Crescimento: relaciona-se à expansão<br />
da escala das dimensões físicas<br />
do sistema econômico, ou expansão<br />
da escala de produção;<br />
2. Desenvolvimento: significa um estágio<br />
econômico, social e político<br />
de determinada comunidade, no<br />
qual é caracterizado por altos índices<br />
de rendimentos dos fatores de<br />
produção, ou seja, pelos recursos<br />
naturais, o capital e o trabalho;<br />
3. Sustentável: possui dos significados,<br />
o primeiro é estático, que significa<br />
“impedir que caia, suportar,<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008
apoiar, conservar, manter e proteger”,<br />
e o segundo é dinâmico e positivo<br />
significa “favorecer, auxiliar,<br />
estimular,incitar e instigar”.<br />
O gerenciamento ecológico, além de<br />
trazer benefícios sociais, passa a ser uma questão<br />
de competitividade. Assim, o desenvolvimento<br />
sustentável constitui-se: “na adoção de<br />
um padrão de desenvolvimento requerido<br />
para obter a satisfação duradoura das necessidades<br />
humanas, com qualidade de<br />
vida”(SEIFFERT. 2007 p.23).<br />
Dessa forma, organizações que investem<br />
em tecnologia mais limpa pela alta administraçes<br />
e por administradores e produtosatravossa<br />
dispor no desenvolvimento de seus neg<br />
visam à melhoria da imagem tanto da empresa<br />
quanto de seus produtos. Portanto, a questão<br />
ambiental deve ser analisada como um fator<br />
estratégico pela alta administração.<br />
Os investimentos em projetos MDL caracterizam-se<br />
como um controle ambiental, pois<br />
visam à redução de poluições e a eliminação de<br />
gases efeito estufa como, por exemplo, o dióxido<br />
de carbono.<br />
Diante do exposto, percebe-se a relevância<br />
da Contabilidade no contexto organizacional,<br />
onde ela atua como um sistema organizado<br />
com a finalidade de gerar informações confiáveis<br />
às partes interessadas. Investimentos em<br />
projetos MDL merecem destaque na mensuração<br />
contábil, pois, dentre as várias interferências<br />
patrimoniais, eles podem gerar lucros financeiros,<br />
mediante da comercialização da redução<br />
de emissões.<br />
2.6 CONTABILIDADE AMBIENTAL<br />
A contabilidade ambiental tem crescido<br />
em importância dentro das organizações, visto<br />
que a questão do meio ambiente passou a<br />
ser discutida no meio econômico, social e político<br />
do mundo inteiro; seu desenvolvimento é<br />
resultado da necessidade de oferecer informações<br />
adequadas às características de uma gestão<br />
ambiental.<br />
A ciência contábil, como um mecanismo<br />
organizado para gerar informações necessárias<br />
a tomada de decisão, tem desenvolvido<br />
metodologias para identificar, monitorar e informar<br />
aspectos ambientais. A razão disso é que<br />
o mercado, sempre competitivo, necessita conhecer<br />
a organização como um todo, e a contabilidade<br />
é o meio mais adequado para gerar e<br />
fornecer as informações adequadas.<br />
A Contabilidade provoca benefícios potenciais<br />
à industria e à sociedade, entre<br />
outros: identifica, estima, aloca, administra<br />
e reduzem os custos, particularmente<br />
os ambientais; permite o uso<br />
mais eficiente de recursos naturais, incluindo<br />
a energia e a água; fornece informações<br />
para a tomada de decisão,<br />
melhorando a política pública (TINO-<br />
CO; KRAEMER, 2004, p. 12).<br />
A experiência e a invovação são fundamentais<br />
para a criação de um sitema contábil<br />
para a sustentabilidade. Rob Gray, um dos mais<br />
importantes autores especializados em Contabilidade<br />
Ambiental, frisa: “Sob o ponto de vista<br />
humano, ético e profissional, o contador é acometido<br />
de um interresse público e de melhoria<br />
da crise ecológica e a sobrevivência da espécie<br />
humana pode falhar naquele interesse” (FER-<br />
REIRA, 2007, p. 68).<br />
Um conceito admitido a Contabilidade<br />
Ambiental é de ser uma nova base e um novo<br />
sistema de reconhecimento e mensuração de<br />
custos, incluinco as extremidades (FERREIRA,<br />
2007, p. 74).<br />
O papel da contabilidade, diante desse<br />
processo, é apresentar informações, por meio<br />
de relatórios, que encorajem a empresa a caminhar<br />
em direção à sustentabilidade e tam-<br />
119<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008
120<br />
bém inibir resultados que possam afetar negativamente<br />
o meio ambiente.Esse relátorios<br />
devem incluir:<br />
a) Análise de custo-beneficio, representado o<br />
meio ambiente em termos monetários.<br />
b) Relatorios ambientais que procurem relatar<br />
as políticas ou desempenho da empresa<br />
onde dispertem o interrese de seus funcionários<br />
para essas questõs.<br />
c) As informações contábeis devem ser apresentadas<br />
de maneira amigável e compreensível<br />
para tomada de decisões.<br />
d) Aspectos legais e governamentais são um<br />
importante direcionador das ações das empresas,<br />
no sentido de emplementar uma política<br />
ambiental.<br />
e) Tornar o desenvolvimento sustentável o<br />
centro das atenções dos gerentes.<br />
f) Avaliar qual melhor estratégia para atender<br />
as questões ambientais na empresa.<br />
Portanto, fica evidente que a contabilidade<br />
precisa atentar-se às questões atuais e<br />
utilizar de seu mecanismo para trazer benefícios<br />
à organização. A mensuração contábil dos<br />
investimentos, gastos e custos ambientais afeta<br />
diretamente a imagem da organização, perante<br />
o mercado.<br />
2.7 CONTABILIDADE UMA FERRAMENTA DE<br />
MENSURAÇÃO DE PROJETOS DE CRÉDITOS<br />
DE CARBONO<br />
De acordo com o protocolo de Kyoto e<br />
com a decisão para a redução dos GEE, ocorre<br />
uma implicação contábil, por causa das conseqüências<br />
financeiras. Assim, direitos e obrigações<br />
deveriam constar no balanço patrimonial,<br />
pois os custos e as receitas das emissões relativas<br />
às negociações de emissões ou dos contratos<br />
existentes de projetos de GEE, deveriam ser<br />
registrados pela contabilidade.<br />
O objetivo da contabilidade é fornecer<br />
informações aos seus usuários sobre a situação<br />
financeira e econômica da entidade para a tomada<br />
de decisão, considerando que os projetos<br />
de MDL e, conseqüentemente, as operações<br />
com créditos de carbono interferem com a situação<br />
econômica e financeira de uma entidade,<br />
e que a contabilidade existe para atender ao<br />
seu objetivo, é necessário o reconhecimento<br />
contábil dos créditos de carbono.<br />
2.7.1 Contabilização dos Créditos de Carbono<br />
Observa-se que os valores das operações<br />
com créditos de carbono são significativos e que<br />
estes devem ser contabilizados. Porém, faltam<br />
instruções de como contabilizar essas operações<br />
e em qual momento de reconhecer os créditos de<br />
carbono na contabilidade das empresas que estão<br />
desenvolvendo projetos de MDL. Contudo,<br />
mesmo sem normas quanto à contabilização dos<br />
créditos de carbono, as operações entre as empresas<br />
estão ocorrendo, o que requer registros<br />
contábeis. Nesse momento, é que as dúvidas<br />
quanto como contabilizar e tributar as operações<br />
com créditos de carbono e qual o melhor momento<br />
para reconhecê-lo na contabilidade aparecem.<br />
Alguns estudos foram realizados e aparecem<br />
opiniões adversas sobre como enquadrar<br />
os créditos de carbono, alguns autores consideram<br />
como um ativo intangível, outros como estoques.<br />
Em outras situações, autores enquadram<br />
os créditos de carbono como derivativos<br />
e há opiniões divergentes em relação ao melhor<br />
momento para reconhecer a receita deles<br />
decorrentes. Existe ainda a possibilidade de ter<br />
relação com o ativo diferido ou o passivo.<br />
Quanto ao enquadramento no ativo, Ribeiro<br />
(2005, p. 58) esclarece que:<br />
[...] os créditos de carbono têm<br />
todas as características para enquadramento<br />
como Ativos, uma vez que repre-<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008
sentam benefícios econômicos futuros<br />
que influenciarão o fluxo de caixa na<br />
medida em que contribuam para a adequação<br />
da empresa às metas do Protocolo<br />
de Quioto, e têm origem em eventos<br />
ocorridos no passado, que é o momento<br />
em que foram negociados.<br />
Bito (2006, p. 83), em seu artigo: Tratamento<br />
contábil dos projetos de mecanismo de<br />
desenvolvimento limpo – MDL no Brasil - um<br />
estudo exploratório, considera os créditos de<br />
carbono um ativo intangível mesmo sem ser classificado<br />
no ativo permanente. O autor menciona<br />
que “o direito de Crédito de Carbono de uma<br />
empresa que tem o projeto de redução ou seqüestro<br />
de carbono pode ser considerado um<br />
intangível mesmo sem caráter permanente, por<br />
não ter essa característica, visto que a intenção<br />
dessas empresas é comercializar esses direitos”.<br />
Com base na teoria contábil, os créditos<br />
de carbono podem ser perfeitamente considerados<br />
um ativo intangível classificado no ativo<br />
circulante ou realizável a longo prazo (dependendo<br />
do prazo que a venda se efetivará), por<br />
ter a finalidade de venda pela entidade que está<br />
desenvolvendo o projeto de MDL. Porém, os<br />
contadores procuram limitar a classificação de<br />
intangível para bens do ativo permanente, não<br />
destinados à venda, principalmente em decorrência<br />
de imposições legais.<br />
Dessa forma, então, os créditos de carbono<br />
deveriam ser contabilizados como um ativo<br />
intangível pelo seu valor de custo de aquisição,<br />
que são todos os gastos com a implantação<br />
do projeto até a sua fase final.<br />
Ferreira (2007, p. 108) recomenda que<br />
os investimentos com a realização do projeto<br />
sejam reconhecidos como gastos pré-operacionais<br />
no Ativo Diferido; e após o final do projeto<br />
deve ser transferido o total para o Ativo Permanente<br />
- Tecnologia de Limpeza.<br />
Ainda sobre o posicionamento de Ferreira<br />
(2007, p. 108), a contabilização dos créditos<br />
de carbono no grupo estoques e que<br />
todos os gastos após a aprovação do projeto<br />
pela ONU (registro no conselho executivo) até<br />
a emissão das RCEs, sejam contabilizados no<br />
grupo de estoques. A contabilização deve<br />
ocorrer na conta “Seqüestro de Carbono em<br />
Andamento”, antes da emissão dos títulos, e<br />
após a sua emissão em “Seqüestro de Carbono<br />
Certificado”. Quando forem emitidas as<br />
reduções certificadas de emissões, os estoques<br />
devem ser reconhecidos pelo valor realizável<br />
líquido (valor justo), por ocasião da<br />
emissão dos certificados de carbono. A autora<br />
ressalta: “Essa contabilização se dá por similaridade<br />
ao processo produtivo.”<br />
Já com relação à venda do certificado,<br />
Ferreira (2007, p 108) sugere que a baixa deve<br />
ser pelo valor de custo do serviço de seqüestro<br />
e a receita pelo valor da venda do título, e suas<br />
classificações seriam nas contas: Receita de Venda<br />
de Certificados de Reduções de Emissões e<br />
Custo do Serviço de Seqüestro de Carbono.<br />
Já de acordo com Nascimento e Tasso,<br />
em artigo Protocolo de Quioto- Análise dos Aspectos<br />
do Mercado de Carbono: em primeiro<br />
momento as operações concernentes ao mercado<br />
de carbono por natureza deverão ser classificadas<br />
no ativo permanente, podendo chamá-los<br />
de “investimentos ambientais”; num<br />
segundo momento, essas quotas podem ser<br />
adquiridas com o intuito apenas de venda no<br />
mercado de ações. Nesse caso, seriam classificadas<br />
no ativo circulando, como “ investimentos<br />
temporários ambientais”<br />
Ainda, seguindo a linha de Nascimento<br />
e Tasso, as empresas que adquirirem para investimentos<br />
temporários, os resultados serão<br />
levados ao resultado, porém não deve ser classificado<br />
como receita ambiental. Já às que adquirem<br />
para investimentos, devido à necessidade<br />
de quotas para utilizar na produção, deverão<br />
baixar os investimentos à medida que estes<br />
forem utilizados em sua atividade.<br />
121<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008
122<br />
Bito (2006) recomenda que os créditos<br />
de carbono sejam reconhecidos na contabilidade<br />
das empresas que estão desenvolvendo os<br />
projetos do MDL, antes mesmo de sua venda<br />
efetiva. Há a sugestão do reconhecimento no<br />
ativo no final da produção, ou seja, quando efetivamente<br />
ocorre a redução dos GEE, que pode<br />
ser no momento da fase de monitoramento.<br />
Nesse caso, a entidade estaria valorizando o<br />
ativo, tendo em contrapartida um ganho no resultado.<br />
A outra forma recomendada por Bito<br />
(2006) seria reconhecer a receita antes da transferência<br />
por valoração dos estoques, o que deixaria<br />
o ativo, o resultado e o patrimônio líquido<br />
adequados.<br />
Na Lei 11.638, de 28 de dezembro de<br />
2007, art. 182, § 3º, consta o que deve ser contabilizado<br />
na conta de ajustes de avaliação patrimonial,<br />
classificada no patrimônio líquido:<br />
Serão classificadas como ajustes de<br />
avaliação patrimonial, enquanto não<br />
computadas no resultado do exercício<br />
em obediência ao regime de competência,<br />
as contrapartidas de aumentos ou<br />
diminuições de valor atribuído a elementos<br />
do ativo(§ 5º do art. 177, inciso I<br />
do caput do art. 183 e § 3º do art. 226<br />
desta Lei) e do passivo, em decorrência<br />
da sua avaliação a preço de mercado.<br />
Quanto à constituição de um passivo,<br />
perante as empresas dos países em desenvolvimento,<br />
é preciso analisar as condições contratuais<br />
que foram realizadas. Caso uma empresa<br />
implantar um projeto de MDL, em que não<br />
tenha um comprador definido, o passivo não<br />
deve ser reconhecido, visto que o Brasil e, conseqüentemente,<br />
as empresas não possuem<br />
obrigatoriedade de redução (RIBEIRO, 2005).<br />
Quando ocorre uma venda antecipada dos créditos<br />
de carbono, ou seja, a empresa desenvolvedora<br />
do projeto de MDL recebe valores monetários,<br />
antes mesmo da emissão das RCEs<br />
pelo conselho executivo, é recomendado por<br />
Pereira e Nossa (2005, p. 13) que se faça um registro<br />
contábil em adiamento de clientes.<br />
As empresas envolvidas no MDL, especialmente<br />
as comprometidas com as metas de redução<br />
de emissão, têm por obrigação prestar contas<br />
sobre seu desempenho, devem entregar aos<br />
órgãos competentes a quantia de créditos de<br />
carbono equivalente ao montante que excedeu<br />
suas cotas. A emissão de GEEs é o fato gerador do<br />
passivo e, assim, devem ser reconhecidos.<br />
Quanto ao reconhecimento da receita<br />
com os créditos de carbono, Pereira e Nossa<br />
(2005, p. 13) afirmam que:<br />
Emitida a certificação, é possível o reconhecimento<br />
da receita oriunda da<br />
venda de créditos de carbono, uma vez<br />
que as condições necessárias para<br />
esse fim são atendidas, quais sejam:<br />
a realização de todo ou quase todo o<br />
esforço seja feita para gerar a receita;<br />
os custos e as despesas ou as deduções<br />
da receita em que se incorre para<br />
obtenção do CER sejam conhecidos; e<br />
seja possível a validação econômica<br />
pelo mercado, dada a redução das incertezas<br />
quanto à obtenção do CER.<br />
A proposição de Pereira e Nossa (2005)<br />
é contrária a de Ferreira (2007, p. 10),que recomendam<br />
que as receitas dos créditos de carbono<br />
sejam reconhecidas no momento em que<br />
ocorrem a venda das RCEs, por ser o ponto onde<br />
a maior parte das incertezas quanto ao fluxo de<br />
serviços está resolvidas.<br />
Pereira e Nossa (2005) afirmam que é<br />
possível o reconhecimento da receita, após a<br />
emissão das reduções certificadas de emissões<br />
(RCEs) ou certificados de emissões reduzidas<br />
(CERs) pelo conselho executivo do MDL, ou seja,<br />
quando todas as fases do projeto estiverem concluídas.<br />
Desse modo, o ativo da entidade estaria<br />
reconhecido adequadamente.<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008
Depreende-se que há opiniões divergentes<br />
em relação ao tratamento contábil dos<br />
créditos de carbono, visto que não há normas<br />
contábeis sobre o assunto.<br />
3 SÍNTESE DOS RESULTADOS<br />
Durante a pesquisa bibliográfica, os resultados<br />
encontrados acerca dos objetivos proposto<br />
ao estudo foram sancionados. A contabilidade<br />
de fato é a ferramenta recomendada<br />
para a mensuração dos créditos de carbono, pois<br />
em sua essência os créditos de carbono têm ligação<br />
direta com o patrimônio da empresa e,<br />
assim, devem ser evidenciados em relatórios,<br />
sendo devidamente mensurados.<br />
Acerca do tratamento contábil desses<br />
Créditos de Carbono, as informações são discrepantes<br />
quanto à forma de registro, mas devese<br />
levar em consideração o prestígio no meio<br />
contábil de Ferreira, que destaca os Créditos de<br />
Carbono, passando pelo diferido, no momento<br />
da implantação do projeto, e depois ao estoque<br />
da empresa, ficando, dessa forma, até o<br />
momento da venda.<br />
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Diante das informações coletadas e<br />
apresentadas, verifica-se que, no mundo globalizado<br />
e competitivo, a informação contábil<br />
tem sido de grande valia, pois permite conhecer<br />
a situação sócio-econômica da organização.<br />
Os projetos de Mecanismo Desenvolvimento<br />
Limpo (MDL) interferem diretamente no<br />
patrimônio das organizações, pois geram créditos<br />
comercializáveis e estes merecem o devido<br />
tratamento contábil. Porém, tais projetos não<br />
se limitam aos créditos. Eles agregam valor à<br />
organização, isso porque o investimento em<br />
projetos ambientais têm sido bem vistos no<br />
mercado mundial.<br />
Os projetos de Créditos de Carbono deverão<br />
ser muito bem elaborados, detalhados e<br />
auditados de forma a garantir os certificados. A<br />
implantação deverá ser permanentemente<br />
monitorada e gerar relatórios de desempenho<br />
que subsidiarão sua certificação<br />
O papel da contabilidade, portanto, na<br />
implantação e controle de projetos de Créditos<br />
de Carbono é gerar relatórios e demonstrativos,<br />
mensurando os investimentos no projeto,<br />
pois estes exercem influência direta na tomada<br />
de decisões.<br />
A pesquisa identificou o tratamento contábil<br />
que está sendo aplicado nas operações<br />
com créditos de carbono no Brasil; e apresenta<br />
opiniões divergentes, referente ao tratamento<br />
a ser aplicado nessas operações. Alguns pesquisadores<br />
consideram os créditos de carbono<br />
como ativo intangível; e têm empresas que<br />
classificam os créditos de carbono como estoques<br />
da entidade.<br />
Também foi verificado que há opiniões<br />
diferentes em relação ao melhor momento para<br />
reconhecimento das receitas. Alguns autores<br />
acreditam que o melhor momento seria na<br />
emissão das CERs pelo conselho executivo do<br />
MDL; outros já acreditam que deveria ser no<br />
ato do pagamento da venda por parte do comprador<br />
(regime de caixa). Entretanto, todos os<br />
pesquisadores concordam que a falta de reconhecimento<br />
do crédito de carbono nas demonstrações<br />
contábeis, no momento em que a<br />
entidade passa a ter direito pelas reduções de<br />
emissões, distorce a informação contábil.<br />
Com base na pesquisa realizada, conclui-se<br />
que ainda não há uma uniformidade<br />
de entendimento sobre a contabilização, esse<br />
fato justifica-se por não existir, ainda, legislações<br />
e normas contábeis sobre créditos de<br />
carbono. Os resultados obtidos na pesquisa indicam<br />
que o assunto precisa ser amplamente<br />
discutido, visto que há opiniões e práticas, distintas<br />
em relação ao tratamento contábil nas<br />
operações com créditos de carbono, sendo que<br />
123<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.109-125, jun. 2008
esses tratamentos deveriam ser regulamentados<br />
pelos órgãos contábeis e pelo governo.<br />
De maneira geral, percebe-se que o assunto<br />
merece ser desenvolvido e discutido. A<br />
contabilidade precisa acompanhar o desenvolvimento<br />
e adaptar-se às questões que influenciam<br />
na competitividade e continuidade das<br />
organizações para, dessa forma, trazer uniformidade<br />
e maior esclarecimento à questão contábil<br />
acerca do tema.<br />
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124<br />
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:
126
AGENDA 21 GLOBAL:<br />
um estudo acadêmico sobre<br />
a importância das Ciências<br />
Contábeis para o desenvolvimento<br />
sustentável<br />
127<br />
Edgar de Lima Silva<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008
128
AGENDA 21 GLOBAL:<br />
um estudo acadêmico sobre a importância das Ciências<br />
Contábeis para o desenvolvimento sustentável<br />
Edgar de Lima Silva*<br />
RESUMO<br />
O estudo visa promover um ‘apanhado’ qualitativo<br />
de atividades acadêmicas de alunos concluintes<br />
do curso de Ciências Contábeis a partir<br />
de Estudos de Casos sobre a Agenda 21 Global.<br />
O estudo revela a qualidade das pesquisas na<br />
disciplina de Contabilidade Ambiental. Os temas<br />
desenvolvidos nos estudos foram: Poluição<br />
Urbana, Lixo, Feiras Livres, Aquecimento<br />
Global, Florestas, Água, Legislação Ambiental e<br />
Contabilidade Ambiental. Nos seminários, os<br />
temas foram bem explorados pelas equipes,<br />
suscitando debates interessantes. A partir de<br />
discussões, os alunos puderam ter mais noção<br />
sobre a importância da disciplina, do Desenvolvimento<br />
Sustentável e da Agenda 21 Global,<br />
sempre relacionados com os temas. As situações<br />
cases discutidas tiveram como foco as diferentes<br />
atividades empresariais, considerando<br />
suas relações ambientais e sociais. Por fim, a<br />
comunidade acadêmica envolvida foi avaliada<br />
e, mostrando-se preocupada com o futuro Planeta<br />
Terra, apresentou propostas sobre o que<br />
se pode fazer para os benefícios que as futuras<br />
gerações poderão ter.<br />
Palavras-chave: Agenda 21 Global. Desenvolvimento<br />
Sustentável. Contabilidade Ambiental.<br />
Meio Ambiente. Estudo de Caso. Atividades<br />
Acadêmicas.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
As possibilidades que dão oportunidades<br />
do acesso ao Ensino Superior, no Brasil, têm<br />
gerado discussões entre as mais diferentes áreas<br />
de conhecimentos científicos na sociedade.<br />
A mídia, por sua vez, tem procurado dar<br />
ênfase ao assunto e questiona a capacidade dos<br />
governos em garantir o ensino para todos. Por<br />
outro lado, os setores relacionados à educação,<br />
principalmente, as Instituições de Ensino Superior<br />
– IES procuram se manter atentas para recuperar<br />
essa falha e oferecer cursos superiores,<br />
visando à formação crítica do cidadão. Entretanto,<br />
levando-se em consideração os diferentes<br />
momentos vividos pela educação brasileira, há<br />
de se colocar em jogo a qualidade oferecida por<br />
algumas IES em determinados cursos, fato comprovado<br />
pelo Ministério da Educação – MEC a<br />
partir de resultados obtidos nos exames nacionais.<br />
Realidade que serve como alerta às IES, e<br />
aos estudantes que pretendem realizar um curso<br />
superior.<br />
*<br />
Mestre em Controladoria e Contabilidade pela FEA/USP;<br />
Doutorando em Gestão de Empresas – UAA,; Professor a<br />
UFPA e UNAMA; Diretor da Faculdade de Ciências Contábeis<br />
da UFPA;Pesquisador em Contabilidade Ambiental.<br />
129<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008
130<br />
O cenário atual aponta para a necessidade<br />
de mudanças nos segmentos empresariais para<br />
ajustes frente à nova ordem social e ambiental.<br />
Nessa perspectiva, os Sistemas de Gestão Ambiental<br />
– SGA representam, para a empresa, alternativas<br />
pela busca da qualidade, além da origem<br />
bem definida da matéria-prima. Os clientes estão<br />
cada vez mais informados e predispostos a comprar<br />
e usar produtos que respeitem o ambiente<br />
(TINOCO e KRAEMER, 2004), reservando às empresas<br />
a condição de competitividade.<br />
Nesse sentido, desde os momentos iniciais<br />
de sua preparação como cidadão e profissional,<br />
cabe-lhe o empenho para agregar conhecimentos<br />
sobre os cenários econômicos e, é com<br />
esse propósito que as atividades desenvolvidas<br />
em sala de aula sobre diferentes casos, voltados<br />
para a Agenda 21 Global e o futuro da humanidade,<br />
foram pesquisadas, desenvolvidas e apresentadas<br />
pelos alunos em forma de seminários.<br />
Desse modo, as pesquisas realizadas permitiram<br />
que as discussões sobre os Estudos de<br />
Casos, envolvendo empresas que têm atividades<br />
relacionadas ao meio ambiente, fossem apresentadas<br />
pelos esses estudantes que demonstraram<br />
conhecimentos científicos e, principalmente, conscientizações,<br />
acerca das questões ambientais.<br />
Num futuro próximo, quando esses estudantes<br />
chegarem ao mercado de trabalho,<br />
poderão orientar seus clientes e empresas para<br />
que a partir das atividades operacionais as práticas<br />
ambientais sejam levadas a uma redução<br />
de gastos (TINOCO e KRAEMER, 2004) que dê<br />
melhoria nos resultados e, dessa forma, atender<br />
ao pressuposto básico da contabilidade<br />
como ciência social.<br />
2 MARCO TEÓRICO<br />
2.1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL<br />
A comunidade internacional passou a<br />
refletir sobre o assunto com a finalidade de alcançar<br />
uma conclusão pessoal (LAKATOS e MAR-<br />
CONI, 1992), a partir desse envolvimento, visando<br />
o destino da humanidade foi definido o<br />
conceito de Desenvolvimento Sustentável “que<br />
procura satisfazer as necessidades da geração<br />
atual, sem comprometer a capacidade das gerações<br />
futuras de satisfazerem as suas próprias<br />
necessidades” (CMMAD, 1987). Durante a Conferência<br />
Rio 92 foi concebida a Agenda 21 Global,<br />
comprometida com a mudança da matriz<br />
de desenvolvimento no século XXI.<br />
O Ministério do Meio Ambiente – MMA<br />
(2008) destaca que além do documento em si,<br />
a Agenda 21 Global é um processo de planejamento<br />
participativo que resulta na análise da<br />
situação atual dos atores envolvidos e planeja<br />
o futuro de forma sustentável. Esse processo<br />
deve envolver toda a sociedade na discussão<br />
dos principais problemas e na formação de<br />
parcerias e compromissos para a sua solução a<br />
curto, médio e longo prazos. A análise do cenário<br />
atual e o encaminhamento das propostas<br />
para o futuro devem ser realizadas dentro<br />
de uma abordagem integrada e sistêmica das<br />
dimensões econômica, social, ambiental e político-institucional<br />
da localidade. Em outras<br />
palavras, o esforço de planejar o futuro, com<br />
base nos princípios da Agenda 21 Global, gera<br />
inserção social e oportunidades para que as<br />
sociedades e os governos possam definir prioridades<br />
nas políticas públicas.<br />
É importante destacar que a Rio 92 foi<br />
orientada para o desenvolvimento, e que a<br />
Agenda 21 Global é uma Agenda de Desenvolvimento<br />
Sustentável, onde, evidentemente,<br />
o meio ambiente é uma consideração de primeira<br />
ordem. O enfoque desse processo de<br />
planejamento apresentado com o nome de<br />
Agenda 21 Global não é restrito às questões<br />
ligadas à preservação e conservação da natureza,<br />
sim a uma proposta que rompe com o desenvolvimento<br />
dominante, onde predomina o<br />
econômico, dando lugar à sustentabilidade<br />
ampliada, que une a Agenda Ambiental e a<br />
Agenda Social, ao enunciar a indissociabilida-<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008
de entre os fatores sociais e ambientais e a<br />
necessidade de que a degradação do meio<br />
ambiente seja enfrentada,<br />
juntamente com o problema mundial da<br />
pobreza. Enfim, a Agenda 21 Global considera,<br />
dentre outras, questões estratégicas ligadas à<br />
geração de emprego e renda; à diminuição das<br />
disparidades regionais e inter-pessoais de renda;<br />
às mudanças nos padrões de produção e consumo;<br />
à construção de cidades sustentáveis e à<br />
adoção de novos modelos e instrumentos de<br />
gestão, espaço que a Contabilidade pode dar<br />
valiosa contribuição.<br />
Essa concepção processual e gradativa<br />
da validação do conceito implica assumir que<br />
os princípios e as premissas que devem orientar<br />
a Agenda 21 Global não constituem um rol<br />
completo e acabado: torná-la realidade é antes<br />
de tudo um processo social, no qual, todos os<br />
envolvidos vão pactuando paulatinamente novos<br />
consensos e montando uma Agenda possível,<br />
rumo ao futuro que se deseja sustentável.<br />
2.2 AGENDA 21 GLOBAL<br />
A Agenda 21 Global foi concebida a partir<br />
de um plano de ação para ser adotado global,<br />
nacional e localmente, por organizações do sistema<br />
das Nações Unidas, governos e pela sociedade<br />
civil, em todas as áreas em que a ação<br />
humana impacta o meio ambiente. Constituise<br />
na mais abrangente tentativa já realizada de<br />
orientar para um novo padrão de desenvolvimento<br />
para o século XXI, cujo alicerce é a sinergia<br />
da sustentabilidade ambiental, social e econômica,<br />
perpassando em todas as suas ações<br />
propostas. (www.mma.gov.br).<br />
A Agenda 21 Global contém 40 capítulos<br />
e foi construída a partir de consenso dos países<br />
participantes, com a contribuição de governos<br />
e instituições da sociedade civil de 179 países,<br />
em um processo que durou dois anos e culminou<br />
com a realização da Conferência das Nações<br />
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento<br />
– CNUMAD, no Rio de Janeiro, em 1992,<br />
também conhecida por Rio 92.<br />
Diante de iniciativas tão necessárias<br />
como esta, a cada dia vem se fortalecendo os<br />
debates acerca das questões ambientais. A partir<br />
dessa conscientização, a sociedade tem tido<br />
olhos, ouvido e voz para manifestar preocupações<br />
sobre a forma como o Planeta Terra vem<br />
sendo tratado, rejeitando ações de empreendimentos<br />
que, em suas atividades operacionais,<br />
agridam o meio ambiente sem retorno compensatório<br />
ao mal causado.<br />
Por outro lado, o valor da empresa já não<br />
pode ser mensurado apenas pelo seu patrimônio<br />
constituído, mas, sobretudo, ela deve incorporar<br />
um capital intangível que será significativo<br />
para sua continuidade (SILVA, 2003a).<br />
Nesse sentido, uma empresa tida como nociva<br />
ao meio ambiente, de acordo com os padrões<br />
internacionais de qualidade, não terá espaço<br />
competitivo, diante do conceito que vem sendo<br />
concebido pela sociedade atual.<br />
No Brasil, as questões inerentes ao meio<br />
ambiente ganham maior dimensão social e política,<br />
na medida em que, pelas particularidades<br />
apresentadas em suas riquezas, espalhadas<br />
em todas as regiões, especialmente, a amazônica<br />
dão ao país um fôlego de sustentabilidade<br />
natural, diferente daqueles países que não contam<br />
com esse mesmo privilégio. Entretanto,<br />
essa situação coloca o Brasil entre os países com<br />
maior visibilidade para os eventuais danos ambientais.<br />
Nesse particular, a Contabilidade, enquanto<br />
ciência abre uma vertente para estudos<br />
relacionados ao meio ambiente, pois é por meio<br />
de relatórios e conceitos que se deverá chegar<br />
a ponto de entender que os controles dos gastos<br />
e uso dos recursos poderão ser mais bem<br />
aprimorados com adoção de sistemas (SILVA,<br />
2003a) para garantir que gerações futuras possam<br />
continuar tendo os mesmos benefícios que<br />
se tem hoje (SILVA, 2003b).<br />
Isso considerando que estes são<br />
abrangentes e usados para designar ações<br />
131<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008
132<br />
ambientais em espaços geográficos específicos<br />
de recursos naturais e, portanto, constitui-se<br />
em um instrumento de gestão (SIL-<br />
VA, 2003b) que possibilitam a organização de<br />
qualquer dimensão, visando controlar o impacto<br />
operacional no ambiente (TINOCO e<br />
KRAEMER, 2004), portanto, demanda o planejamento<br />
das atividades para a eliminação<br />
ou minimização dos impactos ao meio ambiente<br />
e a Agenda 21 Global vem dar mais consistência<br />
a essa realidade.<br />
Por conta de uma realidade, onde o<br />
meio ambiente representa uma prioridade<br />
mundial, conforme bem definido na Agenda 21<br />
Global, não se vê espaço para a exclusão de qualquer<br />
segmento, e sim a evolução dos diferentes<br />
cenários que devem adaptar-se a cada dia<br />
com realidades que venham trazer benefícios<br />
ao meio ambiente.<br />
2.3 EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA CONTÁBIL<br />
A história da contabilidade se confunde<br />
com a própria história do homem. Em trabalhos<br />
arqueológicos foram encontrados vestígios<br />
que remetem a existência de sistemas<br />
contábeis já na pré-história, mais precisamente<br />
durante o período Mesolítico (SCHMIDT,<br />
1996), cujo período está compreendido entre<br />
10.000 e 5.000 anos a.C. Ainda, segundo Schmidt,<br />
(1996), esse achado foi caracterizado como<br />
pré-histórico pelo fato de situar-se antes do<br />
aparecimento da escrita. Em outra abordagem,<br />
o autor relata que em sítios arqueológicos do<br />
Oriente Próximo foram encontrados materiais<br />
utilizados por civilizações pré-históricas que<br />
caracterizaram um sistema contábil, utilizado<br />
entre 8.000 e 3.000 a.C., constituído de pequenas<br />
fichas de barro.<br />
A partir de 1494, com a publicação do<br />
Frei Luca Pacioli, sobre um sistema de codificação<br />
(HENDRIKSEN e BREDA, 1999), surgia uma<br />
nova metodologia científica, denominada como<br />
o Método das Partidas Dobradas – MPD. Essa<br />
obra representa uma importante contribuição<br />
para o avanço da Ciência Contábil, uma vez que<br />
traz um eficiente recurso para quantificar a evolução<br />
patrimonial (IUDÍCIBUS, 2000).<br />
Ao passar por vários momentos da história,<br />
a Contabilidade vem apresentando constantes<br />
modificações evolutivas e chega aos dias<br />
atuais com perspectivas de abrir espaços para a<br />
concentração de novas vertentes de estudos,<br />
permitindo aos diferentes usuários uma informação<br />
mais apropriada.<br />
Nesse particular, a vertente Contabilidade<br />
Ambiental tem seu propósito voltado a<br />
estudos acerca de fenômenos patrimoniais<br />
que, numa eventualidade operacional, possa<br />
afetar o patrimônio natural ou ambiental. Destacam<br />
Hendriksen e Breda (1999) que se Pacioli<br />
estivesse vendo esses acontecimentos se<br />
sentiria muito confortável com os sistemas<br />
contábeis existentes, e chamam atenção sobre<br />
os vários instrumentos financeiros disponíveis,<br />
capazes de gerar benefícios consideráveis<br />
na informação.<br />
Portanto, a contabilidade financeira representa<br />
a base para que os estudos ambientais<br />
sejam desenvolvidos a contento, na medida em<br />
que os efeitos econômicos imputados ao patrimônio<br />
devem ser bem interpretados para que a<br />
informação seja útil na tomada de decisão.<br />
Por seguir a linha da história da evolução<br />
contábil, o meio ambiente oferece grandes<br />
desafios para as diferentes ciências e, na Contabilidade,<br />
existem estudos que estão em busca<br />
do desenvolvimento de metodologias que<br />
venham possibilitar maior acompanhamento do<br />
patrimônio natural, cuja realidade, é a abundância<br />
dos recursos classificados como bens livres<br />
(DONAIRE,1999), configurando-se como atrativo<br />
para uma exploração sem limite, fato já constatado<br />
e que tem despertado interesses sociais<br />
e das ciências que introduzem mecanismos de<br />
controle sobre o uso dos destes.<br />
Segundo Maimon (1992 apud DONAIRE,<br />
1999) destaca que “Adam Smith considera os re-<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008
cursos naturais como importante pré-requisito no<br />
processo de desenvolvimento”, significando que<br />
seja qual for a seqüência que a ciência tome, o<br />
meio ambiente não pode deixar de ser desconsiderado<br />
em seus estudos e, dessa forma, abre espaço<br />
para que acadêmicos possam se envolver na<br />
questão e mostrar suas experiências por meio de<br />
exposições em sala de aula, possibilitando, assim,<br />
o compartilhamento das atividades.<br />
2.3.1 Contabilidade Ambiental<br />
A Contabilidade tem modificado a maneira<br />
de informar, adotando sistemas que<br />
melhor se adapte à realidade dos usuários,<br />
uma vez que “a dinâmica e a complexidade<br />
da economia e da política mundial têm sofrido<br />
profundas alterações ao longo do tempo”<br />
(RIBEIRO, 1998), exigindo, dessa forma, uma<br />
contextualização compatível, dando lugar<br />
para a vertente Contabilidade Ambiental. Sua<br />
proposta vem atender a necessidade específica<br />
que possibilite a quantificação da riqueza<br />
patrimonial, sem perder de vista o relacionamento<br />
que a entidade tem com o meio<br />
ambiente, decorrente de suas atividades<br />
operacionais.<br />
Se essa é uma questão que passa pela<br />
gestão das entidades, as decisões devem fluir a<br />
um ponto que leve a empresa ao aperfeiçoamento<br />
de seus produtos e serviços, dando à<br />
administração uma visão holística dos fatores<br />
que circundam sua atividade, sem perder de<br />
vista a realidade patrimonial do empreendimento,<br />
em que a Lei das Sociedades por Ações<br />
e suas alterações definem que a empresa deverá<br />
buscar seus objetivos operacionais, sem<br />
perder de vista a maneira de demonstrar sua<br />
riqueza patrimonial.<br />
Nesse sentido, as empresas podem levantar<br />
a sua realidade patrimonial, utilizando<br />
a Contabilidade Ambiental, sem perder de vista<br />
a estrutura patrimonial, definida em lei, ao<br />
ponto de se saber sobre sua realidade operacional<br />
frente às questões ambientais. Sobretudo,<br />
deve-se entender que investimentos<br />
prévios para a preservação evitam problemas<br />
futuros e são, quase sempre, menores que<br />
podem resultar, a médios e longos prazos,<br />
menos risco à continuidade da entidade (DO-<br />
NAIRE, 1999).<br />
Diante das dificuldades que a empresa<br />
possa encontrar, o ponto falho relacionado com<br />
exploração desordenada de recursos decorrentes<br />
de atividades econômicas causa sérios prejuízos,<br />
de modo sistêmico e, em muitos casos,<br />
gerando passivo ambiental para a empresa, a<br />
ponto de comprometer sua continuidade.<br />
Os danos causados ao meio ambiente<br />
podem ser sentidos, desde a crescente ocorrência<br />
de fenômenos naturais às resultantes<br />
de processos operacionais das empresas. Ainda<br />
assim, gera certa falta de preocupação sobre<br />
a urgência necessária de preservação por<br />
parte das nações, em particular aquelas tidas<br />
como desenvolvidas que, por sinal, são as que<br />
mais agridem o meio ambiente, fato que a<br />
Agenda 21 Global institui como um dos parâmetros<br />
para adotar procedimentos relacionados<br />
à sustentabilidade, sabendo-se que as diferentes<br />
economias mundiais têm suas realidades<br />
assentadas nas atividades desenvolvidas<br />
pelas empresas.<br />
Os quarenta capítulos da Agenda 21 Global<br />
representam o resultado de um amplo debate,<br />
onde aponta para um cenário relacionado<br />
ao Século XXI; contemplam os diferentes setores<br />
sociais e produtivos, no sentido de encontrar<br />
mecanismos para estabelecer o nível de<br />
equilíbrio do desenvolvimento, sem prejuízo<br />
para o ecossistema, portanto, sustentável.<br />
A Contabilidade Ambiental representa<br />
as possibilidades de novos estudos, desenvolvidos<br />
por estudiosos, na tentativa de estabelecer<br />
uma interação de diferentes ciências para<br />
facilitar na identificação, mensuração, registro,<br />
demonstração e análise dos fatos ambientais,<br />
portanto, representa um grande desafio.<br />
133<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008
134<br />
2.3.2 Ciência Contábil: a questão ambiental<br />
em foco<br />
As ciências vêm em apoio ao manejo<br />
prudente do meio ambiente e desenvolvimento<br />
para a sobrevivência diária e o futuro da humanidade.<br />
Elas<br />
podem proporcionar os conhecimentos<br />
por meio de pesquisas, aprofundadas dos processos<br />
ambientais, e por meio da aplicação dos<br />
instrumentos modernos e eficientes de que se<br />
dispõe, portanto, devem continuar desempenhando<br />
um papel cada vez mais importante no<br />
aumento da eficiência do aproveitamento dos<br />
recursos e na descoberta de novas práticas, recursos<br />
e alternativas de desenvolvimento, conforme<br />
estabelecido na Agenda 21 Global.<br />
Nesse sentido, a Agenda 21 Global, em seu<br />
Capítulo 35, destaca que “devem-se aplicar os conhecimentos<br />
científicos para articular e apoiar as<br />
metas de desenvolvimento sustentável por meio<br />
da avaliação científica da situação atual e das perspectivas<br />
futuras do sistema Terra”.<br />
Diante das ameaças, prevê a Agenda 21<br />
Global, em seu Capítulo 35, sobre danos ambientais<br />
irreversíveis, a falta de conhecimentos científicos<br />
não deve ser desculpa para postergar a<br />
adoção de medidas que se justifiquem por si<br />
mesmas. A abordagem da precaução pode oferecer<br />
uma base para políticas relativas aos sistemas<br />
complexos que ainda não são plenamente<br />
compreendidos e cujas conseqüências de perturbações<br />
não podem, ainda, ser previstas.<br />
Desse modo, o desenvolvimento de<br />
ações que busquem conscientizar as pessoas sobre<br />
a realidade ambiental, representa uma maneira<br />
para utilizar o poder de determinada Ciência<br />
em oferecer subsídios às mudanças necessárias.<br />
Nessa linha de raciocínio que o presente<br />
estudo foi desenvolvido a partir de informações<br />
obtidas em atividades acadêmicas de<br />
sala de aula, dando aos alunos de Ciências Contábeis,<br />
em fase de conclusão de curso, tarefas<br />
de pesquisas sobre as atividades empresariais,<br />
visando conhecer suas realidades com os estudos<br />
de casos acerca de Sistemas de Gestão Ambiental<br />
– SGA, onde a vertente Contabilidade<br />
Ambiental possa oferecer os instrumentos de<br />
controle sobre as diferentes questões relacionadas<br />
ao meio ambiente.<br />
Diante da experiência e, considerando a<br />
grande qualidade das pesquisas apresentadas<br />
durante os seminários e, ainda, as contribuições<br />
dadas pelos alunos que passaram a demonstraram<br />
maior conscientização acerca desse cenário<br />
ambiental, optou-se pelo aproveitamento das<br />
informações para socializar com a comunidade<br />
contábil brasileira, visto que o Capítulo 35, da<br />
Agenda 21 Global, trata exatamente sobre “a ciência<br />
para o desenvolvimento sustentável” e,<br />
entende-se que a Contabilidade não pode se furtar<br />
ao direito científico de manter debates sobre<br />
as questões inerentes ao meio ambiente e, principalmente,<br />
do desenvolvimento sustentável.<br />
3 MARCO METODOLÓGICO DA PESQUISA<br />
Para o desenvolvimento das pesquisas<br />
utilizou-se como parâmetro o total de alunos do<br />
curso de Ciências Contábeis de uma Instituição de<br />
Ensino Superior – IES, a qual tem registrado em<br />
sua matrícula um total de 925 alunos, divididos<br />
em 22 turmas de primeiro ao oitavo semestre.<br />
A partir da população estudada e, levando<br />
em consideração as particularidades da<br />
Matriz Curricular do Projeto Pedagógico da IES<br />
que contempla a disciplina específica sobre<br />
questões ambientais, aplicada aos alunos do<br />
sétimo semestre, foi possível a aproximação<br />
do mundo real e se tirar subsídios para discussões<br />
em sala de aula. Assim, foram envolvidos<br />
cerca de 209 alunos, ou seja, aproximadamente<br />
23% da população total e 100% da<br />
população de alunos matriculados para desenvolver<br />
as atividades.<br />
No desenvolvimento das atividades foram<br />
formadas equipes para trabalhar com diferentes<br />
temas, como: Poluição Urbana, Lixo, Fei-<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008
as Livres, Aquecimento Global, Florestas, Água,<br />
Legislação Ambiental, Contabilidade Ambiental.<br />
As atividades tiveram como foco a<br />
Agenda 21 Global e foram desenvolvidas durante<br />
o período de agosto de 2007 a março de<br />
2008, possibilitando discussões com enfoques<br />
na função social da contabilidade em relação<br />
às questões relacionadas à Agenda 21 Global e<br />
o desenvolvimento sustentável, conforme os<br />
estudos de casos que foram desenvolvidos a<br />
partir de pesquisas junto às empresas.<br />
4 RESULTADOS DA PESQUISA: análise qualitativa<br />
dos cases<br />
Com o desenvolvimento das atividades,<br />
as equipes foram avaliadas em suas performances<br />
pelo professor que pode tirar conclusões<br />
acerca dos cases discutidos, verificando<br />
a qualidade das produções, que possibilitou<br />
a análise qualitativa dos dados levantados<br />
durante as pesquisas, conforme apresentadas<br />
nos Quadros 1 e 2.<br />
135<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008
136<br />
Atividade/Caso Abordagem Reflexos Discussões Conclusões<br />
As discussões possibilitaram<br />
novo posicionamento<br />
de parte dos alunos.<br />
Os casos possibilitaram a<br />
fixação do aprendizado.<br />
As turmas refletiram e demonstraram<br />
interesse pelo<br />
assunto.<br />
Poluição Urbana Estudos sobre os diferentes<br />
tipos de poluição.<br />
Conscientização dos<br />
alunos sobre a necessidade<br />
do tratamento adequado<br />
ao lixo.<br />
Reflexão do papel que cada<br />
cidadão com essa causa.<br />
Os prejuízos que trazem ao<br />
meio ambiente.<br />
Lixo Visão sobre conceito de resíduos<br />
gerados.<br />
Mais cuidados com os alimentos<br />
e a necessidade de<br />
adoção de políticas públicas<br />
fiscalizadoras.<br />
Feirantes que não têm conhecimento<br />
e compromissos<br />
com a realidade ambiental.<br />
Identificação das origens e<br />
forma de comercializar os<br />
alimentos.<br />
Feiras Livres Visitas em algumas feiras<br />
para análise da realidade<br />
dessas atividades.<br />
O Planeta está em perigo<br />
e a humanidade<br />
necessita tomar providências<br />
para salvá-lo.<br />
Necessidades das empresas<br />
melhorem sua realidade operacional.<br />
Os alunos conheceram mais<br />
a realidade sobre o aquecimento<br />
global.<br />
Aquecimento Global Estudo da realidade sobre o<br />
futuro do Planeta Terra.<br />
Mais envolvimento da<br />
sociedade e governo<br />
para coibir o uso desordenado<br />
das florestas. A<br />
Contabilidade pode auxiliar<br />
nesse processo.<br />
Plano de manejos como alternativa<br />
de melhoria da realidade<br />
florestal.<br />
Os recursos florestais podem<br />
levar ao esgotamento e falta<br />
para gerações futuras.<br />
Florestas Os diferentes tipos de florestas<br />
e o uso dos recursos.<br />
Mudança de comportamentos<br />
em cada cidadão.<br />
O quê se pode fazer para a<br />
melhoria do cenário.<br />
A escassez desse recurso e o<br />
comprometimento para as futuras<br />
gerações.<br />
Água A disponibilidade de água<br />
para consumo é de menos de<br />
1%. Uso inadequado pela população.<br />
Necessidade de mais fiscalização<br />
por parte dos<br />
órgãos competentes e sociedade.<br />
Os tipos de legislações existentes<br />
e sua aplicabilidade.<br />
Instrumentos de sanções para<br />
coibir ou punir atividades inadequadas<br />
ao meio ambiente.<br />
Legislação Ambiental As legislações para coibir<br />
ações inadequadas das empresas.<br />
Quadro 1 – Análise das Pesquisas: Cases.<br />
Fonte: Cases: Trabalhos de Pesquisa, 2008.<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008
Atividade/Caso Abordagem Reflexos Discussões Conclusões<br />
deverá ter o profissional<br />
para orientar as empresas.<br />
Gerais<br />
O contador pode orientar as empresas<br />
sobre a importância desses<br />
componentes patrimoniais.<br />
Influência do aprendizado na<br />
atividade profissional do<br />
Contabilista.<br />
Ativos são itens que devem<br />
considerados de forma segregada<br />
aos demais.<br />
Contabilidade Ambiental<br />
Conhecimento novo que<br />
deve ser adotado pelas<br />
IES e orientação aos profissionais<br />
para introduzir<br />
mudanças nas empresas.<br />
Aprendizado sobre as formas<br />
de adoção de procedimentos<br />
para o incremento de caixa.<br />
Benefícios a partir do incremento<br />
de caixa pelas vendas<br />
de subprodutos pela empresa.<br />
Receitas Ambientais com a<br />
possibilidade de reaproveitamento<br />
de resíduos para<br />
transformação em subprodutos<br />
e a realidade do CO 2<br />
.<br />
Ampliação das literaturas<br />
mais específicas sobre<br />
a Contabilidade Ambiental.<br />
Como tratar a questão dos sumidouros<br />
de gás carbônico.<br />
Os alunos entenderam a importância<br />
da adoção de medidas<br />
para identificação dos<br />
custos ambientais no processo<br />
produtivo.<br />
Custos Ambientais como condição<br />
estratégica para a empresa.<br />
Reconhecimento pela sociedade<br />
em decorrência<br />
ações positivas de empresas<br />
em relação às questões<br />
ambientais, fato que<br />
poderá ter participação<br />
direta do profissional da<br />
contabilidade.<br />
Como os profissionais da área<br />
contábil devem passar orientações<br />
aos seus clientes sobre<br />
essa realidade.<br />
Constituição de provisão propicia<br />
à empresa manter uma<br />
imagem positiva perante a sociedade<br />
em relação ao meio<br />
ambiente.<br />
Passivos Ambientais em função<br />
de riscos ambientais decorrentes<br />
das atividades operacionais<br />
da empresa.<br />
Como deverão ser passadas<br />
as orientações de prevenção<br />
ambiental às empresas pelos<br />
profissionais da contabilidade.<br />
A incidência do resultado sobre<br />
o patrimônio líquido da empresa.<br />
Despesas Ambientais ocorreram<br />
na perspectiva de obter<br />
receitas, numa relação direta<br />
com o meio ambiente.<br />
Quanto à preocupação que<br />
Quadro 2 – Reflexos Patrimoniais: análise dos Cases.<br />
Fonte: Cases: Trabalhos de Pesquisa, 2008.<br />
137<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008
138<br />
Nessa perspectiva, da realidade acadêmica<br />
em que foi dado aos estudantes oportunidade<br />
de interação com a ciência, obteve-se as<br />
contribuições acadêmicas colocados a teste, diante<br />
dos aprendizados na academia em relação<br />
ao mundo científico.<br />
Para contextualizar aspectos científicos,<br />
relacionados à Agenda 21 Global, foram segregadas<br />
situações dos diferentes casos estudados<br />
pelos alunos, os quais a partir de uma análise<br />
qualitativa são apresentados no estudo em<br />
questão.<br />
Nesse particular, foram designadas equipes<br />
para desenvolver a Busca de informações<br />
sobre as questões inerentes a situação da água<br />
no planeta.<br />
Água<br />
Racionalizar o uso da água não significa ficar<br />
sem ela periodicamente. Significa usála<br />
sem desperdício, considerá-la uma prioridade<br />
social e ambiental, para que a água<br />
tratada, saudável, nunca falte nas torneiras.<br />
(www.mma.gov.br – Turma 7CCN12, 2008).<br />
a. Algumas medidas para ajudar na solução de<br />
problemas em relação à poluição da água:<br />
1. A existência de normas, como a Lei n°<br />
9.605, de 12.02.1998, vem com o propósito de<br />
manter o rigor para que as indústrias procurem<br />
tratar seus resíduos antes de lançá-los<br />
nos rios e oceanos.<br />
2. Investimentos nas áreas de fiscalização das<br />
indústrias; ampliação da rede de esgotos; saneamento<br />
básico para todos.<br />
3.Investimentos na construção de navios mais<br />
seguros para o orte de combustíveis.<br />
4. Melhoramentos no sistema de coleta de lixo<br />
e a implantação de novas estações de tratamento<br />
de esgotos.<br />
5. Campanhas publicitárias, buscando a explicação<br />
de técnicas de saneamento para a população<br />
carente e os riscos da poluição.<br />
Feiras Livres<br />
b. A origem das feiras livres confunde-se com a<br />
própria história, não se sabe ao certo onde e<br />
quando apareceu a primeira feira. Existem<br />
dados que permitem afirmar que em 500 a.C.<br />
já havia feiras no Médio Oriente.<br />
As feiras sempre revelaram um caráter comercial<br />
desde o início. Mercadores de terras distantes<br />
juntavam-se para troca de produtos e,<br />
com o passar do tempo, tornaram-se grandes<br />
fontes de empregos e escoamento da produção,<br />
cuja fonte de consulta foi desenvolvida<br />
por alunos da Turma 7CCN12, durante atividades<br />
realizadas em 2008.<br />
c. Vale destacar que a Lei Orgânica do Município<br />
da Cidade de Belém, Estado do Pará, dispõe<br />
que as atividades comerciais nas feiras<br />
livres destinam-se ao abastecimento supletivo<br />
de gêneros alimentícios essenciais à população;<br />
será exercida mediante licença,<br />
após matrícula na Prefeitura Municipal, além<br />
de priorizar os produtores rurais.<br />
A localização das feiras será em áreas<br />
ou logradouros públicos organizados de modo<br />
a não prejudicar o trânsito e o acesso fácil para<br />
aquisição de mercadorias, bem como as mercadorias<br />
devem ser expostas em estruturas padronizadas<br />
e higiênicas, dentro dos horários previamente<br />
estabelecidos, de maneira que todos<br />
os procedimentos estejam condizentes com as<br />
realidades ambientais do entorno.<br />
No Estudo de Caso na Feira do Ver-o-Peso, de<br />
Belém do Pará, foi constatada sua importância<br />
para a economia regional, onde são injetados<br />
cerca de R$ 1,3 milhão por dia, com um volume<br />
de pessoas envolvidas em torno 50 mil/dia<br />
(www.secon.govpa.br, 2008).<br />
Legislação Ambiental<br />
d. A legislação relacionada a Crimes Ambientais,<br />
conforme Lei n° 9.605, de 12.02.1998,<br />
dá à sociedade um instrumento para garan-<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008
tir agilidade e eficácia na punição de infratores<br />
do meio ambiente. A lei não trata apenas<br />
de punições severas, incorporou métodos<br />
e possibilidades para a dispensa de aplicação<br />
das penas, desde que o infrator recupere<br />
o dano ou, de outra forma, pague sua<br />
dívida à sociedade.<br />
A partir do Quadro 3, pode-se fazer uma<br />
comparação da situação antes e depois da lei.<br />
A partir dessa realidade, a empresa desenvolve<br />
suas atividades e contribui para a diminuição<br />
das diferenças ambientais, procurando<br />
dar o destino adequado aos resíduos<br />
(www.natura.com.br – Turma 7CCN12, 2008).<br />
f. As equipes, após as pesquisas realizadas sobre<br />
o assunto, apresentam três formas para o<br />
melhor tratamento do lixo a partir da regra<br />
dos três Rs, quais sejam:<br />
Antes da Lei Depois d3i<br />
Leis esparsas, de difícil aplicação.<br />
Pessoa jurídica não era responsabilizada<br />
criminalmente.<br />
Pessoa jurídica não tinha decretada liquidação<br />
quando cometia infração ambiental.<br />
A reparação do dano ambiental não extinguia<br />
a punibilidade.<br />
A legislação ambiental é consolidada; as penas<br />
têm uniformização e gradação adequadas<br />
e as infrações são claramente definidas.<br />
Define a responsabilidade da pessoa jurídica<br />
- inclusive a responsabilidade penal - e<br />
permite a responsabilização também da pessoa<br />
física autora ou co-autora da infração.<br />
Pode ter liquidação forçada no caso de ser<br />
criada e/ou utilizada para permitir, facilitar<br />
ou ocultar crime definido na lei. E seu patrimônio<br />
é transferido para o Patrimônio Penitenciário<br />
Nacional.<br />
A punição é extinta com apresentação de<br />
laudo que comprove a recuperação do dano<br />
ambiental.<br />
139<br />
Quadro 3 – Legislação Ambiental: Lei n° 9.605/98.<br />
Fonte: MMA (apud Turma 7CCN11, 2008).<br />
Lixo<br />
e. O estudo foi realizado com a Empresa de Cosméticos<br />
Natura, localizada em Benevides, no<br />
Pará, que adotando o conceito de sustentabilidade<br />
mantém a preocupação com as comunidades<br />
de seu entorno, formando parcerias<br />
com estas para manter suas atividades<br />
operacionais.<br />
“R” de Reduzir – O primeiro passo para diminuir<br />
a quantidade de lixo é reduzir o consumo.<br />
“R” de Reutilizar – Após o consumo procurar<br />
reutilizar as coisas, antes de jogá-las no meio<br />
ambiente.<br />
“R” de Reciclar – Após evitar consumir coisas<br />
desnecessárias, reaproveitar outras, agora é<br />
hora de pensar em reciclar. Muitos materiais<br />
podem ser reciclados e cada um por uma técnica<br />
diferente. A reciclagem permite uma diminuição<br />
da exploração dos recursos naturais e,<br />
muitas vezes, é um processo mais barato em<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008
140<br />
relação à produção de um material a partir da<br />
matéria-prima bruta.<br />
Um dos maiores problemas do lixo é<br />
que grande parte das pessoas pensam<br />
que basta jogar o lixo na lata e o problema<br />
da sujeira vai estar resolvido.<br />
Nada disso. O problema só começa aí.<br />
(Turma 7CCN11, 2008).<br />
g. A segregação de material reciclável possibilita<br />
a redução de lixo a ser coletado, além da<br />
possibilidade de geração de receita, seguindo<br />
dois procedimentos básicos:<br />
1. O Reaproveitamento de materiais descartáveis<br />
é um fator para a redução da quantidade<br />
de lixo produzido.<br />
2. A coleta seletiva de lixo pela fonte geradora<br />
contribui para evitar a poluição do meio ambiente.<br />
Poluição Urbana<br />
h. A poluição do ar influi na qualidade de vida<br />
da população. O Estudo de Caso apresenta<br />
informações sobre as condições climáticas e,<br />
revela fatos que marcaram:<br />
Dezembro de 1930, no Vale do Meuse,<br />
região da Bélgica, havia uma grande concentração<br />
de indústrias que utilizavam fornos de carvão<br />
e gasogênio, em um período de cinco dias<br />
sob condições climáticas desfavoráveis para a<br />
dispersão dos poluentes atmosféricos. Lá ocorreu<br />
aumento de doenças e mortes por patologias<br />
respiratórias que ultrapassaram as ocorrências<br />
dos últimos dez anos, ao evento.<br />
Janeiro de 1931, em Manchester, Inglaterra:<br />
durante nove dias de condições climáticas<br />
desfavoráveis, morreu 592 pessoas, número<br />
superior à média da época.<br />
Em 1948, em Donora, EUA: concentra<br />
grande número de siderúrgicas e fábricas de<br />
produtos químicos. Nessa cidade uma inversão<br />
térmica produziu alta concentração de poluentes,<br />
ocasionando sintomas de doenças cardiorespiratórias<br />
na metade da população local. Foram<br />
registradas, na época, vinte mortes, durante<br />
os seis dias da ocorrência desse fenômeno.<br />
Dezembro de 1952, em Londres, na Inglaterra,<br />
ocorreu o mais grave episódio de efeitos<br />
nocivos da poluição do ar. A queima de carvão nos<br />
lares londrinos para enfrentar o frio de cinco dias,<br />
associada a uma inversão térmica, produziu uma<br />
densa névoa de material particulado e enxofre.<br />
Isso ocasionou aumento de quatro mil mortes, em<br />
relação à média de períodos semelhantes.<br />
Florestas<br />
i. O estudo foi concentrado a partir de simulações<br />
feitas em computador pelo Instituto Nacional<br />
de Pesquisas Espaciais - INPE, que indicam<br />
que a floresta desaparecerá quando a<br />
perda atingir entre 40% e 60% da cobertura<br />
vegetal. Em 40 anos a mata reduziu 17%. Fonte:<br />
(Turma 7CCN11, 2008).<br />
j. Apenas 2% das multas ambientais na Amazônia<br />
são pagas. O Estado do Pará tem maior incidência,<br />
cerca de 2 mil infrações em 2003. Em<br />
relação aos custos de incêndios na Amazônia,<br />
avalia-se que os prejuízos causados chegam a<br />
US$ 5 bilhões. Fonte: (Turma 7CCN11, 2008).<br />
Aquecimento Global<br />
k. A floresta Amazônica é maior que alguns países.<br />
Erroneamente, considerada o Pulmão do<br />
Mundo, não é, pois, cientificamente, foi comprovado<br />
que a floresta consome cerca de 65%<br />
do oxigênio que produz com a respiração e<br />
transpiração das plantas. Situada em sua porção<br />
centro-norte é cortada pela linha equatorial<br />
e, portanto, compreendida em área de<br />
baixas latitudes. Ocupa cerca de 2/5 do continente<br />
e mais da metade do Brasil. Inclui nove<br />
países (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador,<br />
Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e<br />
Venezuela). A Amazônia brasileira compre-<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008
ende 3.581 Km2, o que equivale a 42,07% do<br />
país. A chamada Amazônia Legal é maior ainda,<br />
cobrindo 60% do território em um total<br />
de cinco milhões de Km2.<br />
Atualmente, a área que ‘sofre’ com o desmatamento<br />
corresponde a mais de 350 mil Km 2 , a<br />
um ritmo de 20 hectares por minuto, 30 mil por dia<br />
e 8 milhões por ano. Com esse processo, diversas<br />
espécies, muitas delas, sequer identificadas pelo<br />
homem, desapareceram da Amazônia.<br />
l. As queimadas e desmatamentos deixam o<br />
solo desprotegido, facilitando a erosão, provocando<br />
perda de nutrientes que diminuem<br />
a fertilidade. O solo sem cobertura causa<br />
o assoreamento dos rios, produzindo<br />
inundações. Represas recebem grande<br />
quantidade de terra, sofrendo contínuo processo<br />
de assoreamento e prejudicando a<br />
vida aquática. Formam-se novas ilhas nos<br />
santuários dos rios, impedindo a subida dos<br />
peixes e dificultando o transporte fluvial.<br />
m. O efeito estufa decorre da concentração de<br />
dióxido de carbono na atmosfera e tem aumentado<br />
em torno de 0,4% ao ano devido à<br />
utilização de petróleo, gás e carvão e à destruição<br />
das florestas tropicais. A concentração<br />
de outros gases que contribuem para o efeito<br />
de estufa tem aumentado a temperatura, provocando<br />
o aquecimento global, estimado entre<br />
2 e 6 ºC nos próximos 100 anos. Um aquecimento,<br />
dessa ordem, não só irá alterar os climas<br />
em nível mundial, como, também, aumentará<br />
o nível médio das águas do mar em,<br />
pelo menos, 30 cm, interferindo na vida de<br />
milhões de pessoas (Fonte: 7CCN12, 2008).<br />
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
5.1 CONCLUSÕES<br />
Os estudos desenvolvidos e apresentados<br />
pelos alunos possibilitaram rastrear diferentes<br />
situações em relação a algumas pesquisas<br />
que vêm sendo desenvolvidas nas diferentes<br />
áreas do conhecimento. Nesse particular,<br />
relacionadas ao meio ambiente, quando tiveram<br />
a oportunidade de analisar criticamente os<br />
aspectos relatados nos cases. A partir dessa realidade<br />
foi possível avaliar a fixação do aprendizado.<br />
Fato confirmado pelo professor a partir<br />
de relatos favoráveis sobre as atividades apresentados<br />
pelos alunos, onde vale destacar, a<br />
qualidade dos trabalhos elaborados e apresentados<br />
nos seminários.<br />
Após as apresentações, os alunos foram<br />
questionados pelos seus pares e professor, onde<br />
se obteve as respostas desejadas em vista do<br />
conteúdo discutido e, pode-se, dessa forma, confirmar,<br />
satisfatoriamente, que a adoção da atividade<br />
propiciou maior conhecimento sobre a importância<br />
da Agenda 21 Global que, no entendimento<br />
geral, inclusive da Coordenação do Curso<br />
de Ciências Contábeis da Universidade da Amazônia<br />
– <strong>Unama</strong>, deve continuar para que se mantenham<br />
as discussões sobre o contexto relacionado<br />
ao desenvolvimento sustentável.<br />
Nesse sentido, em vista das discussões<br />
realizadas sobre cada tema é possível traçar um<br />
prognóstico de que as ações propostas pela<br />
Agenda 21 Global se materializarão com o envolvimento<br />
de toda a sociedade e ciências que,<br />
nesse particular, envolve a comunidade acadêmica<br />
da <strong>Unama</strong>, comprometida com o desenvolvimento<br />
regional e manutenção da sustentabilidade<br />
pelo bem do futuro da humanidade.<br />
5.2 RECOMENDAÇÕES<br />
A partir das constatações apresentadas<br />
pelos alunos, existe a necessidade da inserção<br />
de componentes curriculares nos projetos pedagógicos<br />
de IES, para garantir que o assunto continue<br />
a ganhar força e maior propagação social.<br />
Outro aspecto a considerar é quanto à<br />
necessidade da capacitação de professores para<br />
o exercício de atividades acadêmicas, ligadas às<br />
realidades ambientais, para que possamos vêlos<br />
preparados a conduzir atividades acadêmi-<br />
141<br />
Movendo Idéias, Belém, v. 10, n. 21, p.127-142, jun. 2008
cas, relacionadas sobre o meio ambiente, nesse<br />
particular, sobre o assunto aqui abordado.<br />
Por fim, a necessidade de intensificação<br />
de pesquisas na área contábil, visando<br />
alargar conhecimentos e medidas necessárias<br />
quanto aos aspectos metodológicos das<br />
questões ambientais tratadas pela contabilidade<br />
e, dessa maneira, venha garantir maior<br />
contribuição da Ciência Contábil para promover<br />
as mudanças sobre questões de riscos que<br />
vêm sendo tratados em relação do desenvolvimento<br />
sustentável.<br />
REFERÊNCIAS<br />
142<br />
BRASIL. Lei das Sociedades por ações. 1976<br />
BRASIL. Lei nº 9.605 - Dispõe sobre as sanções<br />
penais e administrativas derivadas de condutas<br />
e atividades lesivas ao meio ambiente. 1998.<br />
DONAIRE, Denis. Gestão ambiental na empresa.<br />
2. ed. São Paulo: Atlas, 1999.<br />
HENDRIKSEN, Eldon S. e BREDA, Michael F. Van.<br />
Teoria da contabilidade, tradução de Antonio<br />
Zoratto SANVICENTE. São Paulo: Atlas, 1999.<br />
IUDÍCIBUS, Sérgio de. Teoria da contabilidade.<br />
6. ed. - São Paulo: Atlas, 2000.<br />
LAKATOS, Eva Maria, MARCONI, Marina de Andrade.<br />
Metodologia do trabalho científico. 4. ed.<br />
São Paulo: Atlas, 1992.<br />
RIBEIRO, Maisa de Souza. Custeio das atividades<br />
de natureza ambiental. São Paulo, 1998,<br />
241p, Tese (Doutorado) – Faculdade de Economia,<br />
Administração e contabilidade da Universidade<br />
de São Paulo, São Paulo, 1998.<br />
SCHMIDT, Paulo. Uma contribuição ao estudo<br />
do pensamento contábil. São Paulo, 1996. 506p.<br />
Tese (Doutorado) – Faculdade de Economia,<br />
Administração e Contabilidade da Universidade<br />
de São Paulo, 1996.<br />
SILVA, Benedito Albuquerque da. Contabilidade<br />
e meio ambiente: considerações teóricas e<br />
práticas sobre o controle dos gastos ambientais.<br />
São Paulo: Annablume/Fapesp, 2003a.<br />
SILVA, Edgar de Lima. Uma contribuição da<br />
contabilidade ao acompanhamento das atividades<br />
do setor madeireiro na Amazônia Paraense.<br />
São Paulo, 2003. 208p. Dissertação (Mestrado)<br />
– Faculdade de Economia, Administração e<br />
Contabilidade da Universidade de São Paulo,<br />
São Paulo, 2003b<br />
TINOCO, Eduardo Prudência. KRAEMER, Maria<br />
Elizabeth Pereira. Contabilidade e gestão ambiental.<br />
São Paulo : Atlas, 2004<br />
WEB<br />
Disponível em:<br />
www.ibama.gov.br. Acesso em: 02. mar.2008.<br />
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Disponível em:<br />
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143