Anais - Territórios do PolÃtico - vol. 1 - Universidade Estadual de ...
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ruas ou <strong>de</strong>vora<strong>do</strong>s pelos animais, causavam consternação e re<strong>vol</strong>ta. “A <strong>de</strong>scoberta a cada<br />
manhã <strong>de</strong> frágeis corpinhos mutila<strong>do</strong>s, que serviam <strong>de</strong> pasto a cães e outros bichos,<br />
tornou-se sinónimo <strong>de</strong> barbárie.” 17 Esses aban<strong>do</strong>nos são <strong>de</strong>scritos por Laima Mesgravis:<br />
Até 1824 eram as crianças in<strong>de</strong>sejáveis expostas nas portas das<br />
casas particulares, nos lugares públicos como igrejas e ruas, ou<br />
atiradas em monturos <strong>de</strong> lixo! (...). O primeiro a revelar interesse<br />
por esses infelizes inocentes foi o quarto bispo <strong>de</strong> São Paulo, D.<br />
Mateus <strong>de</strong> Abreu Pereira, (...) em frente à mesma casa <strong>de</strong>ste<br />
prela<strong>do</strong> existia um cisqueiro e matos, on<strong>de</strong> era aí costume<br />
enjeitarem crianças... logo que houvia choro <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>las<br />
no mesmo lugar, (...) se apressava em mandar o seu cria<strong>do</strong><br />
buscá-las e, da janela, batisava a mesma criança, recean<strong>do</strong> que<br />
os porcos ou outros animais, (...), a <strong>de</strong>vorassem antes da<br />
chegada <strong>do</strong> mesmo cria<strong>do</strong>. 18<br />
O que mais escandalizava as autorida<strong>de</strong>s políticas e a socieda<strong>de</strong> paulista no séc.<br />
XIX não era simplesmente o ato <strong>do</strong> aban<strong>do</strong>no da criança, mas também expo-las ao<br />
perigo <strong>de</strong> vida, caracterizan<strong>do</strong> crime <strong>de</strong> infanticídio, con<strong>de</strong>nável tanto pelas regras<br />
religiosas, “Aban<strong>do</strong>nar a própria prole consistia em impieda<strong>de</strong>, em <strong>de</strong>srespeito aos<br />
mandamentos católicos.” 19 quanto pela justiça criminal. “Consi<strong>de</strong>rava-se o infanticídio<br />
um crime, ao passo que, no aban<strong>do</strong>no (...) não havia qualquer tipo <strong>de</strong> punição legal.” 20<br />
Apesar das advertências, a prática <strong>do</strong> aban<strong>do</strong>no-infanticídio não diminuiu. “O<br />
infanticídio era um crime severamente puni<strong>do</strong>. No entanto, era pratica<strong>do</strong> em segre<strong>do</strong>,<br />
(...).” 21 Diante <strong>de</strong> tal quadro dramático <strong>do</strong>s enjeita<strong>do</strong>s, não houve alternativa que não<br />
fosse à implantação da Roda <strong>do</strong>s Expostos:<br />
Depois <strong>de</strong> muita luta, criou-se a Roda <strong>de</strong> Expostos. Após a<br />
aquisição da Chácara <strong>do</strong>s Ingleses, no largo da Rua da Glória,<br />
em 2 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1825, ali se instalaram o Hospital <strong>de</strong><br />
Carida<strong>de</strong> e a Roda <strong>do</strong>s Expostos. Apesar <strong>de</strong> possuir prédio<br />
próprio, suas instalações eram acanhadas e não muito<br />
satisfatórias. A Roda ficava em uma janela <strong>do</strong> andar térreo <strong>do</strong><br />
casarão. 22<br />
17 VENANCIO, Op. cit. p.24<br />
18 MESGRAVIS, op. cit. p.178-179<br />
19 VENANCIO, Op. cit. p.19<br />
20 I<strong>de</strong>m, p.19<br />
21 ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Tradução <strong>de</strong> Dora Flaskman. 2ª edição. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Editora LTC, 1981, p.15<br />
22 MARCILIO, Op. cit. p.156