TEREZA SANDRA LOIOLA VASCONCELOS ... - Uece

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146 apresentados deixam de produzir nos seus lotes agrícolas e, atualmente, compõem comunidades com precárias condições de habitação, tornando-se reféns do agronegócio, quando contraem dívidas bancárias ou trabalham como diaristas nas terras alheias, mesmo possuindo as suas, a exemplo de um agricultor reassentado e morador da vila dos Amaros 107 , localizada em Marco. Esse agricultor viu na condição de posseiro 108 a saída para o cultivo familiar. Sua terra, a priori, estava entre aquelas onde o perímetro irrigado viria se implantar, logo, fora desapropriado. A ele é imposto sair de suas origens, para compor o quadro de reassentados do projeto de irrigação. Por não se adequar às imposições do novo meio de produzir, o agricultor ausenta-se de seu lote, passando a residir em outras comunidades, com problemas maiores ainda, segundo os relatos da sua esposa: Nós já saimo desapropriado, e voltar pra ser reassentado e ser obrigado a vir pra cá de novo pior, porque quando nós saimo daqui nós não devia ninguém e hoje nós se esconde pra não ver o pessoal que a gente deve, porque nós confiava que ia subir e nós fizemo foi cair 109 . Para Martins (1991), esse é o retrato vivo da expropriação pela qual passam os agricultores, no momento em que são “divorciados” dos seus instrumentos de trabalho, como a terra, por exemplo. Mesmo no caso apresentado, em que essa separação não ocorre totalmente, visto que o agricultor familiar camponês permanece com seu lote agrícola, ele é obrigado, pela situação, a separar-se do seu meio de trabalho, por falta de orientação e apoio técnico, além dos embustes a que são submetidos, sendo colocados à margem do projeto que fora direcionado para os empresários. Esses agricultores e suas famílias, no entanto, resguardam nas suas palavras o desejo de retornar para suas terras, no intuito de consolidar a terra do trabalho. Não passa pela minha mente vender meu lote, porque ele é uma herança que eu deixo pros meus filhos. 110 Esse sentimento, o desejo de retorno, assemelha-se aos pensamentos de Martins (1991, p. 45), quando nos diz: 107 Preferimos resguardar a identidade do agricultor. Entrevista realizada em dezembro de 2009, no Município de Marco. 108 Segundo Martins (1991, p. 56), “Só é legítima a posse porque é baseada no seu trabalho. É o trabalho que legitima a posse da terra; é nele que reside o direito de propriedade. Esse direito está em conflito com os pressupostos da propriedade capitalista”. 109 Entrevista realizada em dezembro de 2009, com a esposa do agricultor reassentado do Perímetro Irrigado Baixo Acaraú e moradores da comunidade Vila dos Amaros, localizada em Marco. 110 Entrevista realizada em dezembro de 2009, com a esposa do agricultor reassentado do Perímetro Irrigado Baixo Acaraú e moradores da comunidade Vila dos Amaros, localizada em Marco.

147 Mais do que o trânsito de um lugar a outro, há transição de um tempo a outro. (...) é mais do que ir e vir – é viver, em espaços geograficamente diferentes, temporalidades dilaceradas pelas contradições sociais. (...) é viver tais contradições como duplicidade; é ser duas pessoas ao mesmo tempo, cada uma constituída por específicas relações sociais, historicamente definidas; é viver como presente e sonhar como ausente. É ser e não ser ao mesmo tempo; sair quando está chegando, voltar quando está indo. É estar em dois lugares ao mesmo tempo, e não estar em nenhum. Esses agricultores possuem a consciência de que, se venderem os seus lotes agrícolas, logo o Estado irá transformá-los em terra do negócio e, assim, retornarão para a condição de agricultores sem terra, continuando endividados com os bancos, como nos fala o agricultor: Eles [representantes do Estado] querem tomar para vender pros outros. Mas, eu não entrego. Eles tomam e vende pros outros bem baratinho e bota o dinheiro nos bolsos e acabou-se. Eles tomam meu lote e vende pra outra pessoa, “come” aquele dinheiro e continua minha conta, no meu nome 111 [acréscimo nosso]. A comunidade, da qual faz parte, “vila dos Amaros”, não é a única despercebida de condições sociais no município de Marco. Essas habitações proliferam no interior do Ceará e acentuam-se na vizinhança das áreas de intensos investimentos econômicos na modernização da agricultura. (figuras 43 e 44/ 45 e 46). Martins (1991, p. 179) já dissera, em uma de suas obras, que as “favelas têm surgido não só nas capitais dos estados, mas também em grandes cidades do interior. Povoadas, principalmente, pelos migrantes expulsos da terra e da agricultura”. Aguçando as desigualdades em torno do projeto de irrigação, no Triângulo de Marco concentram-se estabelecimentos empresariais, diretamente relacionados à agricultura irrigada, tais como: lojas de insumos agrícolas, aluguel de tratores, vendas de frutas etc. Estes aceleram o circuito produtivo da fruticultura. 111 Entrevista realizada em dezembro de 2009, com o agricultor reassentado do Perímetro Irrigado Baixo Acaraú e morador da comunidade vila dos Amaros, localizada em Marco. Na sua fala, ele expressa a afetividade com o seu lote agrícola, a esperança de poder produzir nele e revela a prática cotidiana da venda de lotes agrícolas no projeto de irrigação.

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Mais do que o trânsito de um lugar a outro, há transição de um tempo a outro. (...) é<br />

mais do que ir e vir – é viver, em espaços geograficamente diferentes,<br />

temporalidades dilaceradas pelas contradições sociais. (...) é viver tais contradições<br />

como duplicidade; é ser duas pessoas ao mesmo tempo, cada uma constituída por<br />

específicas relações sociais, historicamente definidas; é viver como presente e<br />

sonhar como ausente. É ser e não ser ao mesmo tempo; sair quando está chegando,<br />

voltar quando está indo. É estar em dois lugares ao mesmo tempo, e não estar em<br />

nenhum.<br />

Esses agricultores possuem a consciência de que, se venderem os seus lotes<br />

agrícolas, logo o Estado irá transformá-los em terra do negócio e, assim, retornarão para a<br />

condição de agricultores sem terra, continuando endividados com os bancos, como nos fala o<br />

agricultor:<br />

Eles [representantes do Estado] querem tomar para vender pros outros. Mas, eu<br />

não entrego. Eles tomam e vende pros outros bem baratinho e bota o dinheiro nos<br />

bolsos e acabou-se. Eles tomam meu lote e vende pra outra pessoa, “come” aquele<br />

dinheiro e continua minha conta, no meu nome 111 [acréscimo nosso].<br />

A comunidade, da qual faz parte, “vila dos Amaros”, não é a única despercebida<br />

de condições sociais no município de Marco. Essas habitações proliferam no interior do Ceará<br />

e acentuam-se na vizinhança das áreas de intensos investimentos econômicos na<br />

modernização da agricultura. (figuras 43 e 44/ 45 e 46).<br />

Martins (1991, p. 179) já dissera, em uma de suas obras, que as “favelas têm<br />

surgido não só nas capitais dos estados, mas também em grandes cidades do interior.<br />

Povoadas, principalmente, pelos migrantes expulsos da terra e da agricultura”.<br />

Aguçando as desigualdades em torno do projeto de irrigação, no Triângulo de<br />

Marco concentram-se estabelecimentos empresariais, diretamente relacionados à agricultura<br />

irrigada, tais como: lojas de insumos agrícolas, aluguel de tratores, vendas de frutas etc. Estes<br />

aceleram o circuito produtivo da fruticultura.<br />

111 Entrevista realizada em dezembro de 2009, com o agricultor reassentado do Perímetro Irrigado Baixo Acaraú<br />

e morador da comunidade vila dos Amaros, localizada em Marco. Na sua fala, ele expressa a afetividade com o<br />

seu lote agrícola, a esperança de poder produzir nele e revela a prática cotidiana da venda de lotes agrícolas no<br />

projeto de irrigação.

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