Educar ou Punir? Permanências Históricas na Justiça da Infância
Este estudo pretende analisar permanências históricas, ou seja, práticas antigas que permeiam a atuação da Justiça da Infância e da Juventude, frente à nova sistemática do Estatuto da Criança e do Adolescente. Entendidas aqui como resquícios de visões “adultocêntricas” e tutelares impregnadas de representações sócio-ideológicas a respeito da criança e do adolescente empobrecidos (representados como perigo e ameaça social).
Busca-se, também, correlacionar os conteúdos flagrados em decisões judiciais, portarias-normativas, projetos de lei, emendas constitucionais e do “direito penal juvenil”, com a nova condição jurídica e de direitos humanos da criança e do adolescente, reconhecidos como sujeitos de direitos a partir da Doutrina da Proteção Integral.
O objetivo geral que se deseja alcançar, formulado como hipótese central da
investigação, é demonstrar que há, no âmbito da justiça da infância um déficit histórico de cumprimento da função declarada pela Doutrina da Proteção Integral ao mesmo tempo em que o cumprimento excessivo de outras funções não apenas distintas, mas opostas às oficialmente declaradas. No desdobramento desta hipótese fundamental procuramos inventariar permanências presentes também nas práticas de outros atores do sistema de
garantia de direitos, representados pelos poderes executivo e legislativo.
Este estudo pretende analisar permanências históricas, ou seja, práticas antigas que permeiam a atuação da Justiça da Infância e da Juventude, frente à nova sistemática do Estatuto da Criança e do Adolescente. Entendidas aqui como resquícios de visões “adultocêntricas” e tutelares impregnadas de representações sócio-ideológicas a respeito da criança e do adolescente empobrecidos (representados como perigo e ameaça social).
Busca-se, também, correlacionar os conteúdos flagrados em decisões judiciais, portarias-normativas, projetos de lei, emendas constitucionais e do “direito penal juvenil”, com a nova condição jurídica e de direitos humanos da criança e do adolescente, reconhecidos como sujeitos de direitos a partir da Doutrina da Proteção Integral.
O objetivo geral que se deseja alcançar, formulado como hipótese central da
investigação, é demonstrar que há, no âmbito da justiça da infância um déficit histórico de cumprimento da função declarada pela Doutrina da Proteção Integral ao mesmo tempo em que o cumprimento excessivo de outras funções não apenas distintas, mas opostas às oficialmente declaradas. No desdobramento desta hipótese fundamental procuramos inventariar permanências presentes também nas práticas de outros atores do sistema de
garantia de direitos, representados pelos poderes executivo e legislativo.
102 Essa visão tutelar que ressalta sua perversa conseqüência de criminalização da miséria é combatida no voto (vencido) declarado pelo Ministro Félix Fischer: Dizer-se que a internação é medida benéfica, data vênia, carece de amparo jurídico. Não compete, logicamente, ao Poder Judiciário ficar internando, em forma de medida de recuperação, todos os jovens desassistidos ou carentes, apresentando a ‘solução´ atacada como ideal e necessária. A aceitação deste tipo de pensamento leva à tão criticada seleção daqueles que são excluídos da verdadeira e desejada assistência do Estado. Jovem pobre é internado. Adulto pobre é recolhido ao sistema prisional. Data vênia, a legislação não permite que assim se atue nem com pretexto ou finalidade de resolver problema social. A questão é saber, também, se os delinqüentes jovens de classe privilegiadas, que por muito maiores razões não poderiam praticar infrações, têm merecido o mesmo tratamento. Na verdade são entregues aos pais. O ECA, certo ou não, compõe um sistema legal que deve ser aplicado e obedecido”. (grifei) * * * O segundo caso trata-se de W.S.B., adolescente, morador da favela Vila do João, a quem se atribui a pratica de ato infracional análogo ao crime de tráfico de drogas e porte de armas, em razão desses fatos o juízo da 2ª Vara da Infância e Juventude determinou por sentença a internação do adolescente. Inconformado, o adolescente recorre da decisão, apresentando por intermédio da Defensoria Geral do Estado recurso de apelação, pleiteando em síntese, improcedência da medida aplicada, em face de inexistir prova de ter concorrido para a prática dos atos infracionais. A 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (Apelação Criminal nº 024/99-100) 190 , por unanimidade, deu provimento ao recurso, por entender que não havia prova suficiente que caracterizasse a infração, tendo sido expedido alvará de soltura para o adolescente. Embora o recurso tenha sido favorável ao adolescente, vale destacar trechos da manifestação do Relator – Desembargador Liborni Siqueira, que reconhece ter sido necessária e proveitosa a medida aplicada, apesar de não se dispor de provas de que o adolescente tenha participado da infração: O art. 114 da Lei 8069/90 é bem claro quando determina que a interposição das medidas previstas nos incisos II a VI do art. 112, pressupõe a existência de provas suficientes de autoria e da materialidade da infração, não ocorrendo, havendo dúvida, esta favorece ao representado. 190 fonte: www.tj.rj.gov.br, acesso em 24/03/2005
103 Aqui não se trata de aplicação da pena, mas de medida sócio-educativa, que se operou em 05.11.98 com a internação provisória, que se justifica, pois o Apelante, aos poucos, se marginaliza, eis que sua mãe declarou ao Serviço Social, fls. 36, que o filho não obedece, não se interessa pelos estudos, tendo abandonado a escola e permanecendo, com freqüência, na Vila do João, ao invés de fazê-lo na sua própria casa. Está internado a nove meses e acreditamos que tenha servido de lição para coatar casos futuros.(grifei) A decisão do Dr. Liborni Siqueira (Agravo nº 24/99) tem merecido um destaque especial nas decisões Juiz Titular da 2ª Vara da Infância e Juventude – Dr. Guaraci de Campos Vianna, destacamos a seguir alguns trechos: 191 ...Apesar de reconhecer que aplicar as normas legais às realidades mais ou menos informe e arestosas neste Juizado da Infância e Juventude tem algo de semelhante ao gesto do escultor, na expressão do Des. Nogueira Itagiba, que tem que tirar miraculosamente da pedra bruta as linhas harmoniosas de suas estátuas, a difícil missão de aplicar medidas sócio-educativas e de buscar o que é melhor para afastar o adolescente do meio que o perverteu tem sido dificultada pela atuação de alguns dos defensores públicos em exercício junto a este Juízo, uma vez que os mesmos exacerbam as funções de defesa chegando aos extremos para, mesmo sabendo que o atendimento de sua pretensão será prejudicial para o adolescente, pugnar pela prevalência de sua postulação. Como disse o Des. Liborni Siqueira, em recente acórdão (Agravo de Instrumento nº 24/99 da 8ª Câmara Criminal) deve-se afastar o pieguismo daqueles que apenas palreiam na ilusão de que estão postulando um direito para o menor quando, em verdade contribuem para o processo marginalizador. (...) a verdade é que há um desprezo, por parte da Defensoria Pública, do interesse do adolescente e de sua família, e também uma verdadeira inversão de valores: melhor para o adolescente é obter a liberdade e voltar a delinqüir ou permanecer internado até que se lhe dê opções de mudança de vida, aderindo a esta nova maneira de viver? Este é o caso dos autos: não se têm elementos seguros que permitam afastar, de plano, todas as possibilidades e riscos de o adolescente tornar a delinqüir. (...) A nobre Defensoria procura de maneira muito inteligente distorcer os termos legais para justificar que o autor de um delito grave, com passagens anteriores por este Juízo, contumaz infrator, estaria ressocializado agora, como que por um passe de mágica, apenas pelos jogos de palavras utilizados. Nós acreditamos na recuperação dos infratores, mas quadros graves não se revertem assim, de inopino: é preciso trabalho árduo e técnicas especializadas, as quais exigem um certo tempo de utilização para a obtenção de resultados. Dessa forma, mantenho a decisão guardando, respeitosamente, o resultado do recurso para reiniciar, se for o caso, o procedimento de reavaliação da medida. P.R.I. (p. 34) 192 (grifei) 191 Decisões semelhantes foram publicadas no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro nos dias 7 e 21 de dezembro de 1998 e 7, 11 e 25 de janeiro de 1999. 192 VIANNA, G.C. apud. ARANTES, M.E. (org.) Envolvimento de Adolescentes com o Uso e o Tráfico de Drogas no Rio de Janeiro. Cadernos de Pesquisa n. 1 (jun. 2000) – Rio de Janeiro : UERJ, PRODEMAN, 2000 p. 23
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Essa visão tutelar que ressalta sua perversa conseqüência de crimi<strong>na</strong>lização <strong>da</strong><br />
miséria é combati<strong>da</strong> no voto (vencido) declarado pelo Ministro Félix Fischer:<br />
Dizer-se que a inter<strong>na</strong>ção é medi<strong>da</strong> benéfica, <strong>da</strong>ta vênia, carece de amparo jurídico. Não compete,<br />
logicamente, ao Poder Judiciário ficar inter<strong>na</strong>ndo, em forma de medi<strong>da</strong> de recuperação, todos os<br />
jovens desassistidos <strong>ou</strong> carentes, apresentando a ‘solução´ ataca<strong>da</strong> como ideal e necessária.<br />
A aceitação deste tipo de pensamento leva à tão critica<strong>da</strong> seleção <strong>da</strong>queles que são excluídos <strong>da</strong><br />
ver<strong>da</strong>deira e deseja<strong>da</strong> assistência do Estado. Jovem pobre é inter<strong>na</strong>do. Adulto pobre é recolhido<br />
ao sistema prisio<strong>na</strong>l. Data vênia, a legislação não permite que assim se atue nem com pretexto <strong>ou</strong><br />
fi<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de de resolver problema social. A questão é saber, também, se os delinqüentes jovens de<br />
classe privilegia<strong>da</strong>s, que por muito maiores razões não poderiam praticar infrações, têm merecido<br />
o mesmo tratamento. Na ver<strong>da</strong>de são entregues aos pais. O ECA, certo <strong>ou</strong> não, compõe um<br />
sistema legal que deve ser aplicado e obedecido”. (grifei)<br />
* * *<br />
O segundo caso trata-se de W.S.B., adolescente, morador <strong>da</strong> favela Vila do João, a<br />
quem se atribui a pratica de ato infracio<strong>na</strong>l análogo ao crime de tráfico de drogas e porte de<br />
armas, em razão desses fatos o juízo <strong>da</strong> 2ª Vara <strong>da</strong> <strong>Infância</strong> e Juventude determin<strong>ou</strong> por<br />
sentença a inter<strong>na</strong>ção do adolescente.<br />
Inconformado, o adolescente recorre <strong>da</strong> decisão, apresentando por intermédio <strong>da</strong><br />
Defensoria Geral do Estado recurso de apelação, pleiteando em síntese, improcedência <strong>da</strong><br />
medi<strong>da</strong> aplica<strong>da</strong>, em face de inexistir prova de ter concorrido para a prática dos atos<br />
infracio<strong>na</strong>is.<br />
A 8ª Câmara Crimi<strong>na</strong>l do Tribu<strong>na</strong>l de <strong>Justiça</strong> do Rio de Janeiro (Apelação Crimi<strong>na</strong>l<br />
nº 024/99-100) 190 , por u<strong>na</strong>nimi<strong>da</strong>de, deu provimento ao recurso, por entender que não havia<br />
prova suficiente que caracterizasse a infração, tendo sido expedido alvará de soltura para o<br />
adolescente.<br />
Embora o recurso tenha sido favorável ao adolescente, vale destacar trechos <strong>da</strong><br />
manifestação do Relator – Desembargador Liborni Siqueira, que reconhece ter sido<br />
necessária e proveitosa a medi<strong>da</strong> aplica<strong>da</strong>, apesar de não se dispor de provas de que o<br />
adolescente tenha participado <strong>da</strong> infração:<br />
O art. 114 <strong>da</strong> Lei 8069/90 é bem claro quando determi<strong>na</strong> que a interposição <strong>da</strong>s<br />
medi<strong>da</strong>s previstas nos incisos II a VI do art. 112, pressupõe a existência de provas<br />
suficientes de autoria e <strong>da</strong> materiali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> infração, não ocorrendo, havendo<br />
dúvi<strong>da</strong>, esta favorece ao representado.<br />
190 fonte: www.tj.rj.gov.br, acesso em 24/03/2005