Iana Sudo MEDICALIZAÃÃO DAS MULHERES - Instituto de ...
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impasses da formação da subjetividade feminina moderna não foram resolvidas, já que a mulher, agora, tem que conciliar as antigas imposições domésticas que ainda as fixam no espaço privado, com as obrigações que desempenham no espaço público. As mulheres ainda seriam nascidas para o casamento e para a vida doméstica, e seu social estaria atrelado a sua condição maternal, com uma valorização desse trabalho doméstico e de suas funções características (de esposa, mãe, dona de casa) conforme salientou D´Ávila Neto (1998). Entretanto, o sentido que se dá a cada uma dessas funções irá variar e será sentido de forma diferente dependendo da sociedade a qual a mulher esteja inserida. O mesmo se deve em relação à amamentação, que é um ato que envolve saber, aprender e desejar amamentar, com variações que passam, inclusive, pela decisão de amamentar ou interromper a amamentação no seio quaisquer que sejam os motivos. A revisão histórica realizada permitiu-me perceber o quanto o período que se inicia no século XVIII, no Ocidente, foi decisivo na implantação de um discurso naturalizante do sexo feminino. Nesse período, interesses demográficos, estreitamente vinculados a uma política tão industrial influenciaram intensamente a sexualidade das mulheres no que se refere à reprodução, ao número de filhos, à criminalização do aborto etc., com a ajuda de uma medicalização normativa. Essa situação sofre mudanças radicais em fins do século XIX e, sobretudo no século XX, especialmente na segunda metade do mesmo, com o Movimento Feminista e as pesquisas de sociólogos e antropólogos, ao mostrarem que os paradigmas sexuais, até então vigentes e tidos como universais, posto que naturais, do ser mulher, ou ser homem, sofriam um forte desmentido em outras culturas. A Fenomenologia, o movimento existencialista e uma obra como O Segundo Sexo, Beauvoir (1980), mostram a falta de honestidade científica dos discursos baseados em uma sexualidade essencialista e naturalista. Compreender, entretanto, porque esses discursos são ainda vigentes na atualidade, me remete à lei sociológica que afirma serem os hábitos mentais bem mais difíceis de mudar do que os comportamentos. Efetivamente, ao lado da chamada liberdade sexual de
nossos dias, observam-se hábitos mentais e representações sociais naturalizantes da sexualidade, fonte de conflito para os sujeitos. Os resultados de minhas análises apontaram para a presença, ainda em nossos dias, de uma naturalização arcaica das mulheres, nas representações sociais sobre as funções da da amamentação e da maternidade. Pude perceber que essas representações impregnam um grande número de discursos sociais, de práticas médicas e de informações midiáticas, sendo também introjetadas pelas próprias mães, mas nem sempre, pois a experiência vivida da maternidade e da amamentação as faz perceber, muitas vezes, que “as coisas não eram como lhes contavam”. Foi possível ver o quanto, ao ser considerada natural, a amamentação tem, em conseqüência, sua aprendizagem negligenciada e seu estudo científico pouco incrementado, além de gerar, freqüentemente, efeitos prejudiciais para a subjetividade das mães: angústia, culpa e sentimentos de desamparo diante de uma prática para a qual não se sentem preparadas e assistidas. Devo assinalar que contribuem, para a formação desses sentimentos, pensamentos com um caráter de culpabilização como o do médico Lawrence Gartner, da Academia Americana de Pediatria, um discurso legitimado: “É difícil dizer para as mães que seu filho vai se tornar mais estúpido e doente se ela não amamentá-lo no peito. Mas é isso que os trabalhos estão mostrando”. 57 Como salienta Giffin (1991), a existência de um papel biológico do homem na reprodução e na constituição genética dos filhos não tem contribuindo para uma maior ampliação da definição social da paternidade como um conjunto de direitos e deveres. Ao contrário, os especialistas modernos, como os psicólogos, vêm enfatizando cada vez mais, em seus estudos, as responsabilidades da maternidade, recaindo sobre a mãe uma parcela cada vez maior de responsabilidade no cuidado da criança. 57 “Mais sabidos: estudo mostra que o leite materno pode aumentar a inteligência”. Revista Veja. 19 nov. 2001.
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Os resultados <strong>de</strong> minhas análises apontaram para a presença, ainda em nossos dias,<br />
<strong>de</strong> uma naturalização arcaica das mulheres, nas representações sociais sobre as funções da<br />
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gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> discursos sociais, <strong>de</strong> práticas médicas e <strong>de</strong> informações midiáticas, sendo<br />
também introjetadas pelas próprias mães, mas nem sempre, pois a experiência vivida da<br />
maternida<strong>de</strong> e da amamentação as faz perceber, muitas vezes, que “as coisas não eram<br />
como lhes contavam”.<br />
Foi possível ver o quanto, ao ser consi<strong>de</strong>rada natural, a amamentação tem, em<br />
conseqüência, sua aprendizagem negligenciada e seu estudo científico pouco incrementado,<br />
além <strong>de</strong> gerar, freqüentemente, efeitos prejudiciais para a subjetivida<strong>de</strong> das mães: angústia,<br />
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sentimentos, pensamentos com um caráter <strong>de</strong> culpabilização como o do médico Lawrence<br />
Gartner, da Aca<strong>de</strong>mia Americana <strong>de</strong> Pediatria, um discurso legitimado:<br />
“É difícil dizer para as mães que seu filho vai se tornar mais estúpido e doente se ela<br />
não amamentá-lo no peito. Mas é isso que os trabalhos estão mostrando”. 57<br />
Como salienta Giffin (1991), a existência <strong>de</strong> um papel biológico do homem na<br />
reprodução e na constituição genética dos filhos não tem contribuindo para uma maior<br />
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