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03.09.2014 Views

4.1. UNIVERSO DA PESQUISA E ANÁLISE DOS MATERIAIS A pesquisa de campo foi realizada num grupo de mães que a ONG Amigas do Peito mantém como sendo um de seus principais trabalhos sociais. Ali, realizei observações diretas, entre junho e novembro de 2002, 44 período em que participei de dez das doze reuniões do grupo, do bairro da Tijuca, da ONG Amigas do Peito, no Rio de Janeiro, tendo liberdade para anotar dados considerados relevantes para a pesquisa, tais como o que as mulheres-mães sentiam, pensavam e experenciavam sobre a amamentação, suas dificuldades, seus prazeres, seus dilemas etc. É, esses grupos de mútua-ajuda, eles são muito bons pra isso, porque a pessoa se sente acompanhada (Marina, psicóloga). 45 Esse grupo de mães se enquadra no que Goffman (1988) caracteriza como um “clube de ajuda mútua”, cujo objetivo é o de ajudar pessoas em situação de desvantagem: “Além disso há os clubes de ajuda mútua para os divorciados, os velhos, os obesos, os que se encontram em situação de desvantagem física, os que sofreram uma ileostomia ou uma colostomia. Há clubes residenciais, subvencionados por contribuições voluntárias de diversos graus, formados por ex-alcoólatras e exviciados (...). Essas associações são, quase sempre, o ponto máximo de anos de esforço por parte de pessoas e grupos situados em diversas posições e constituem um objeto de estudo exemplar enquanto movimentos sociais” (GOFFMAN, 1988, p. 31). Pode-se considerar que a ONG Amigas do Peito, com os seus grupos de mães, reedita, sob um determinado aspecto, o que Del Priore (1995) ressalta como sendo uma “ação terapêutica confirmada pela experiência” (p. 271), que, baseadas no princípio da experiência, aparecem como um espaço possível de escuta e apoio da mulher nos seus próprios termos. As mães do presente procuram buscar, nas reuniões, o que não conseguiram com o auxílio do saber médico. Os dilemas da amamentação começam aí. Assim, as mães 44 Também participei de uma reunião do grupo de Icaraí, bairro no município de Niterói. Infelizmente, nenhuma participante compareceu devido ao mau tempo. 45 Relato obtido durante meu trabalho de campo.

procuram as Amigas porque têm o desejo de amamentar seus filhos no peito apresentando algumas queixas que as impedem de realizar o ato, o que já me chamou atenção para o fato de que, se a mulher esta aparelhada para amamentar, sendo isso algo biológico, a prática de dar de mamar pode ser extremamente difícil. Elas chegam, muitas das vezes, angustiadas por não estarem conseguindo amamentar, seja pelas fissuras e rachaduras, seja porque seus filhos não querem abocanhar o peito. E, através do diálogo, da troca de “experiência de uma mãe falando para outra” (Beatriz, reunião do dia 09 jul. 02), que a coordenadora diz ser a essência do trabalho desse grupo, que as mães podem encontrar meios para superar as dificuldades presentes no ato de amamentar: Então, porque é importante você ouvir o relato de outras mães porque aquilo te incentiva, entendeu. Então, quer dizer, por isso que eu acho importante as “Amigas do Peito”, por esse relato, de falar: “- não, eu já passei por isso”. Eu ter voltado lá (na reunião) , entendeu e falado: “- não, olha, eu já passei por isso, entendeu, é uma fase, mas dá pra superar” (Luiza). 46 A criação deste tipo de grupo deixa entrever que, na atualidade, as mães, que enfrentam dificuldades em amamentar vivenciariam o que o autor denominou de uma “desvantagem social”, impostas a partir de um discurso presente na medicina, em sua maioria culpabilizante, em torno das mães que não amamentam, ignorando o fator sóciocultural presente neste ato. O grupo é então criado para que experiências sejam trocadas e incentivos sejam fornecidos, para que a mãe não desista de amamentar. Paralelamente, realizei cinco entrevistas semi-dirigidas, com mulheres cuja faixa etária variou entre 30 a 49 anos, sendo que três delas foram mulheres que estavam dispostas a me conceder seus relatos e as conheci durante o meu trabalho de campo no grupo de mães da Tijuca da ONG Amigas do Peito; e as outras duas entrevistadas foram indicadas por conhecidos meus. Todas eram moradoras do Rio de Janeiro, completaram o nível superior, sendo uma delas doutoranda em Antropologia Social. Dessas cinco entrevistadas, uma era aposentada e as outras estavam inseridas no mercado de trabalho. Com exceção de uma das 46 Relato obtido durante meu trabalho de campo.

4.1. UNIVERSO DA PESQUISA E ANÁLISE DOS MATERIAIS<br />

A pesquisa <strong>de</strong> campo foi realizada num grupo <strong>de</strong> mães que a ONG Amigas do Peito<br />

mantém como sendo um <strong>de</strong> seus principais trabalhos sociais. Ali, realizei observações<br />

diretas, entre junho e novembro <strong>de</strong> 2002, 44 período em que participei <strong>de</strong> <strong>de</strong>z das doze<br />

reuniões do grupo, do bairro da Tijuca, da ONG Amigas do Peito, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, tendo<br />

liberda<strong>de</strong> para anotar dados consi<strong>de</strong>rados relevantes para a pesquisa, tais como o que as<br />

mulheres-mães sentiam, pensavam e experenciavam sobre a amamentação, suas<br />

dificulda<strong>de</strong>s, seus prazeres, seus dilemas etc.<br />

É, esses grupos <strong>de</strong> mútua-ajuda, eles são muito bons pra isso, porque a pessoa se<br />

sente acompanhada (Marina, psicóloga). 45<br />

Esse grupo <strong>de</strong> mães se enquadra no que Goffman (1988) caracteriza como um<br />

“clube <strong>de</strong> ajuda mútua”, cujo objetivo é o <strong>de</strong> ajudar pessoas em situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>svantagem:<br />

“Além disso há os clubes <strong>de</strong> ajuda mútua para os divorciados, os velhos, os<br />

obesos, os que se encontram em situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>svantagem física, os que sofreram uma<br />

ileostomia ou uma colostomia. Há clubes resi<strong>de</strong>nciais, subvencionados por<br />

contribuições voluntárias <strong>de</strong> diversos graus, formados por ex-alcoólatras e exviciados<br />

(...). Essas associações são, quase sempre, o ponto máximo <strong>de</strong> anos <strong>de</strong><br />

esforço por parte <strong>de</strong> pessoas e grupos situados em diversas posições e constituem um<br />

objeto <strong>de</strong> estudo exemplar enquanto movimentos sociais” (GOFFMAN, 1988, p. 31).<br />

Po<strong>de</strong>-se consi<strong>de</strong>rar que a ONG Amigas do Peito, com os seus grupos <strong>de</strong> mães,<br />

reedita, sob um <strong>de</strong>terminado aspecto, o que Del Priore (1995) ressalta como sendo uma<br />

“ação terapêutica confirmada pela experiência” (p. 271), que, baseadas no princípio da<br />

experiência, aparecem como um espaço possível <strong>de</strong> escuta e apoio da mulher nos seus<br />

próprios termos.<br />

As mães do presente procuram buscar, nas reuniões, o que não conseguiram com o<br />

auxílio do saber médico. Os dilemas da amamentação começam aí. Assim, as mães<br />

44 Também participei <strong>de</strong> uma reunião do grupo <strong>de</strong> Icaraí, bairro no município <strong>de</strong> Niterói. Infelizmente,<br />

nenhuma participante compareceu <strong>de</strong>vido ao mau tempo.<br />

45 Relato obtido durante meu trabalho <strong>de</strong> campo.

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