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03.09.2014 Views

Lessa (1951) identifica a fundação de postos de puericultura, cuja atividade fundamental consistia em fazer passar as crianças, periodicamente, por exames médicos, em seguir-lhes o desenvolvimento e em ministrar, às mães, informações sobre os meios de mantê-las sadias, a partir de iniciativas de médicos franceses como Budin (1892) e Dufour (1894). Essa atividade englobava a persuasão das mães em amamentar e manterem o aleitamento materno e ministrar noções de puericultura entre mães e gestantes. Na maior parte, esses postos funcionavam anexos a maternidades ou a consultórios. Da França, esse movimento migrou para países como Estados Unidos e Inglaterra. Também nestes postos se distribuíam leites de vaca esterilizados, para as mães cujo leite era insuficiente. Esses postos também possuíam um serviço chamado de “as visitadoras de domicílios”, que prestavam assistência aos médicos, batendo de casa em casa, persuadindo as mães a fazerem os exames médicos das crianças. Elas também investigavam se as prescrições tinham sido compreendidas e se as instruções dos médicos estavam sendo cumpridas ou não, auxiliando, no que fosse possível, essas mulheres. Esse trabalho tinha um caráter educacional (LESSA, 1951). Costa (1979) faz referência que a medicina fixou as características supostamente típicas de cada sexo e apresentou-as como imperativos da natureza para a construção dos modelos de conduta social dos homens e das mulheres. Esta identificação entre masculinidade e paternidade, e entre feminilidade e maternidade torna-se o padrão regulador da existência social e emocional de homens e mulheres. Os médicos ganharam uma nova função social, passaram a se tornar o conselheiro privilegiado das famílias, ocuparam o lugar das parteiras para realizar os partos, acompanhar o desenvolvimento da gravidez e do puerpério e assistir às crianças e às mulheres em suas doenças, ofício e prática até então pertencente particularmente as mulheres. Também na ginecologia, na obstetrícia e na puericultura, a intervenção das mulheres e o cuidado dos bebês tornaram-se assuntos e especialidades dos homens, em prejuízo das práticas e da autoridade da mãe (ROHDEN, 2001).

3 O PAPEL SOCIAL DA MULHER ATRAVÉS DA AMAMENTAÇÃO 3.1 A PRÁTICA DO ALEITAMENTO MATERNO NA EUROPA “Eu acho que tem uma dimensão biológica, a gente não pode negar: o teu peito vai ficando inchado, as tuas veias vão se dilatando, porque segundo os padrões naturais, você vai ter uma criança, vai estar gerando uma vida, e ele se prepara para aquilo. Agora, a resolução de viver essa experiência, e como você vai viver, eu acho que é cultural” (Nina, 38 anos, antropóloga). 21 Se hoje recai sobre a amamentação materna um discurso que a considera uma expressão de um sentimento de maternidade essencial para o desenvolvimento sadio da criança, historicamente, esta linha de pensamento nem sempre foi assim percebida, variando de acordo com as representações sociais sobre a criança e o papel social da mulher ao longo do tempo. No século XVI, era comum a prática de se alugar as chamadas amas-de-leite ou nutrizes, para alimentarem os filhos tanto das famílias abastadas quanto das famílias das classes operárias e camponesas européias, se estendendo, tal prática, até o século XIX. (ARIÈS, 1981; FLANDRIN, 1988; GÉLIS, 1991). Farge (1991) e Hufton (1991) concordam que a prática de se entregar os filhos às nutrizes, que ficou conhecida como amamentação mercenária (Flandrin, 1988), 22 refletia uma atitude social e cultural de uma época, mais do que representar uma indiferença dos pais pelos seus filhos. Segundo Flandrin (1988), em meados do século XVI, essa prática de se entregar o filho à nutriz passou a ser combatida por alguns moralistas e médicos higienistas, como 21 Relato obtido durante o meu trabalho de campo. 22 A amamentação mercenária era, então, denunciada pelos médicos como sendo um aleitamento promíscuo, onde imperava o dinheiro e a amizade devido a troca freqüente de crianças entre as nutrizes (KNIBIEHLER, 1991).

3 O PAPEL SOCIAL DA MULHER ATRAVÉS DA AMAMENTAÇÃO<br />

3.1 A PRÁTICA DO ALEITAMENTO MATERNO NA EUROPA<br />

“Eu acho que tem uma dimensão biológica, a gente<br />

não po<strong>de</strong> negar: o teu peito vai ficando inchado, as<br />

tuas veias vão se dilatando, porque segundo os padrões<br />

naturais, você vai ter uma criança, vai estar gerando<br />

uma vida, e ele se prepara para aquilo. Agora, a<br />

resolução <strong>de</strong> viver essa experiência, e como você vai<br />

viver, eu acho que é cultural”<br />

(Nina, 38 anos, antropóloga). 21<br />

Se hoje recai sobre a amamentação materna um discurso que a consi<strong>de</strong>ra uma<br />

expressão <strong>de</strong> um sentimento <strong>de</strong> maternida<strong>de</strong> essencial para o <strong>de</strong>senvolvimento sadio da<br />

criança, historicamente, esta linha <strong>de</strong> pensamento nem sempre foi assim percebida,<br />

variando <strong>de</strong> acordo com as representações sociais sobre a criança e o papel social da mulher<br />

ao longo do tempo.<br />

No século XVI, era comum a prática <strong>de</strong> se alugar as chamadas amas-<strong>de</strong>-leite ou<br />

nutrizes, para alimentarem os filhos tanto das famílias abastadas quanto das famílias das<br />

classes operárias e camponesas européias, se esten<strong>de</strong>ndo, tal prática, até o século XIX.<br />

(ARIÈS, 1981; FLANDRIN, 1988; GÉLIS, 1991).<br />

Farge (1991) e Hufton (1991) concordam que a prática <strong>de</strong> se entregar os filhos às<br />

nutrizes, que ficou conhecida como amamentação mercenária (Flandrin, 1988), 22 refletia<br />

uma atitu<strong>de</strong> social e cultural <strong>de</strong> uma época, mais do que representar uma indiferença dos<br />

pais pelos seus filhos.<br />

Segundo Flandrin (1988), em meados do século XVI, essa prática <strong>de</strong> se entregar o<br />

filho à nutriz passou a ser combatida por alguns moralistas e médicos higienistas, como<br />

21 Relato obtido durante o meu trabalho <strong>de</strong> campo.<br />

22 A amamentação mercenária era, então, <strong>de</strong>nunciada pelos médicos como sendo um aleitamento promíscuo,<br />

on<strong>de</strong> imperava o dinheiro e a amiza<strong>de</strong> <strong>de</strong>vido a troca freqüente <strong>de</strong> crianças entre as nutrizes (KNIBIEHLER,<br />

1991).

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