Iana Sudo MEDICALIZAÇÃO DAS MULHERES - Instituto de ...

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03.09.2014 Views

Rohden (2001) ressalta que neste processo surgiu uma necessidade de gerir a reprodução com o objetivo de incentivar e controlar o nascimento de novos cidadãos saudáveis, a fim de garantir o futuro da nação. É com base nesta visão, que a amamentação tornou-se um dos aspectos fundamentais para a efetivação desse controle, recaindo, a atenção médica, sobretudo nas crianças e nas mulheres. Estas passaram a ser responsabilizadas não só pelo processo da gestação e procriação, como, também, pela alimentação da criança. Reservadas por sua natureza, as mulheres estavam ligadas a uma missão da maternidade, expressada pelos seus corpos, que seriam moldados para a gestação e o parir, com a presença do útero e do ovário e por fim, por sua capacidade fisiológica de produzir leite, argumentos que fundamentavam a posição social que as mulheres deveriam ocupar no espaço social. Além dessas características, as mulheres eram supostamente investidas de uma fragilidade moral, “(...) sujeita aos desgovernos sexuais, à dissimulação, à mentira, ao capricho, e dotada de aptidões intelectuais medíocres” (ROHDEN, 2001, p. 16). E, por se acreditar que tais características eram transmitidas ao feto, esses corpos, tidos como corpos instáveis, deviam ser normatizados e, acima de tudo, regulados (Ibid.). D’Ávila Neto (1994) estabelece também que o mundo patriarcal, dominado pelo phallus, determina um conjunto de papéis; a identidade da mulher é encaminhada para a maternidade ou para sua função reprodutora. Em relação ao processo de medicalização que ocorreu no Brasil, Costa (1979) e Nunes (1982) atestam que esse teve seus contornos definidos no século XIX, onde os médicos-higienistas, influenciados sobretudo pelas medicinas francesa e portuguesa, passaram a gerir a vida dos homens, das mulheres e das crianças, criando normas e condutas de comportamento sociais e de ações. Com suas teses inaugurais, médicos como J. P. Soares (1862), da febre puerperal, Wenceslau Henrique Silva (1891), da menstruação, Vital Modesto da Silva Mello Hygiene, do puerpério (1899), passaram a estudar cada vez mais os órgãos, funções e problemas das mulheres. Temas como fecundação, gestação,

parto e aleitamento materno eram os principais tópicos desses tratados médicos (COSTA, 1979; NUNES, 1982; DEL PRIORE, 1995; ROHDEN, 2001; VIEIRA, 2002). 2.1.1 Intervenção da Lógica Médica nos Saberes das Mulheres É neste contexto, que o aleitamento materno adquire uma função especial para que a medicina se apropriasse dos saberes das mulheres (DONZELOT, 1986) e contribuísse para fazer acreditar que era na amamentação que as mães modelariam os corpos dos seus filhos, se reconhecendo neles (DEL PRIORE, 1995). Para isso, a medicina utilizou-se de uma tentativa de relativizar e discriminar os saberes e conhecimentos das “comadres” em relação aos seus corpos e suas doenças (Ibid.), que praticariam, nas palavras de Boltanski (1984) um “exercício ilegal” da medicina. Isto significa dizer que os médicos acreditavam serem os únicos representantes legais da medicina e os únicos investidos de direito para a sua prática. O autor (1984) prossegue afirmando que os médicos estão constantemente se defrontando com essas práticas leigas da medicina. A medicina oficial estava sempre em oposição à “medicina popular”. Boltanski (1984) demonstra que a história da medicina é uma história de confrontos constantes contra os preconceitos médicos do público, das práticas médicas populares, com o intuito de reforçar a autoridade médica e assim assegurar o seu monopólio diante desse conhecimento. Berriot-Salvadore (1991) expõe que o médico, com seu conhecimento oficializado, passou a se destacar pelo seu papel, tanto de educador quanto de guardião da moral e dos costumes, sendo esse controle o eixo da medicalização, de modo a inserir a sexualidade e a reprodução feminina. Apoiado num saber de caráter de cientificidade, formula normas para que a sociedade obedeça, nascendo, então “uma crescente oficialização da medicina pelo Estado” (ROHDEN, 2001, p. 24), tornando-se os especialistas da sociedade, diagnosticando os problemas sociais e suas soluções que consideram mais adequadas (Ibid.).

Roh<strong>de</strong>n (2001) ressalta que neste processo surgiu uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerir a<br />

reprodução com o objetivo <strong>de</strong> incentivar e controlar o nascimento <strong>de</strong> novos cidadãos<br />

saudáveis, a fim <strong>de</strong> garantir o futuro da nação. É com base nesta visão, que a amamentação<br />

tornou-se um dos aspectos fundamentais para a efetivação <strong>de</strong>sse controle, recaindo, a<br />

atenção médica, sobretudo nas crianças e nas mulheres. Estas passaram a ser<br />

responsabilizadas não só pelo processo da gestação e procriação, como, também, pela<br />

alimentação da criança.<br />

Reservadas por sua natureza, as mulheres estavam ligadas a uma missão da<br />

maternida<strong>de</strong>, expressada pelos seus corpos, que seriam moldados para a gestação e o parir,<br />

com a presença do útero e do ovário e por fim, por sua capacida<strong>de</strong> fisiológica <strong>de</strong> produzir<br />

leite, argumentos que fundamentavam a posição social que as mulheres <strong>de</strong>veriam ocupar no<br />

espaço social. Além <strong>de</strong>ssas características, as mulheres eram supostamente investidas <strong>de</strong><br />

uma fragilida<strong>de</strong> moral, “(...) sujeita aos <strong>de</strong>sgovernos sexuais, à dissimulação, à mentira, ao<br />

capricho, e dotada <strong>de</strong> aptidões intelectuais medíocres” (ROHDEN, 2001, p. 16). E, por se<br />

acreditar que tais características eram transmitidas ao feto, esses corpos, tidos como corpos<br />

instáveis, <strong>de</strong>viam ser normatizados e, acima <strong>de</strong> tudo, regulados (Ibid.).<br />

D’Ávila Neto (1994) estabelece também que o mundo patriarcal, dominado pelo<br />

phallus, <strong>de</strong>termina um conjunto <strong>de</strong> papéis; a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da mulher é encaminhada para a<br />

maternida<strong>de</strong> ou para sua função reprodutora.<br />

Em relação ao processo <strong>de</strong> medicalização que ocorreu no Brasil, Costa (1979) e<br />

Nunes (1982) atestam que esse teve seus contornos <strong>de</strong>finidos no século XIX, on<strong>de</strong> os<br />

médicos-higienistas, influenciados sobretudo pelas medicinas francesa e portuguesa,<br />

passaram a gerir a vida dos homens, das mulheres e das crianças, criando normas e<br />

condutas <strong>de</strong> comportamento sociais e <strong>de</strong> ações. Com suas teses inaugurais, médicos como J.<br />

P. Soares (1862), da febre puerperal, Wenceslau Henrique Silva (1891), da menstruação,<br />

Vital Mo<strong>de</strong>sto da Silva Mello Hygiene, do puerpério (1899), passaram a estudar cada vez<br />

mais os órgãos, funções e problemas das mulheres. Temas como fecundação, gestação,

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