03.09.2014 Views

Iana Sudo MEDICALIZAÇÃO DAS MULHERES - Instituto de ...

Iana Sudo MEDICALIZAÇÃO DAS MULHERES - Instituto de ...

Iana Sudo MEDICALIZAÇÃO DAS MULHERES - Instituto de ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

amamentar, eu olhava a campanha <strong>de</strong> um jeito, antes <strong>de</strong> amamentar, eu olhava a campanha<br />

assim, eu falava assim: “ah, mas isso é óbvio gente, claro, até seis meses, puxa, eu acho que<br />

todo mundo, a mulher consciente...”, eu acho que eu tinha um pouco esse discurso, sabe.<br />

Claro, pô, toda hora falando, sinceramente, a mulher que não amamenta é porque ela não<br />

quer mesmo, porque todo mundo sabe disso, tá aí, toda hora na televisão, você vai no posto,<br />

tá lá o cartaz, cê tá lá no ônibus, tá lá na praça, tá tudo em que é lugar. A mulher que não<br />

fala que não sabe é porque ela não quer amamentar. Quando eu tive a Clara e comecei a<br />

amamentar, e teve uma campanha no meio, que eu vi a médica falando na televisão “porque<br />

é melhor pro seu filho, as mulheres têm que ter consciência”, eu comecei a gargalhar. Aí,<br />

eu falei assim “ah, isso é uma piada”, porque, enten<strong>de</strong>u, pra mim a campanha era diferente.<br />

Eu falei assim “essa campanha é um absurdo”, porque fica todo mundo falando como se<br />

fosse óbvio, natural, automático, sabe, é uma coisa que é assim, “a mulher que não faz é<br />

porque ela não tem consciência”. Então, e esses dilemas todos e essas coisas todas, quem é<br />

que vai conversar, quem é que vai falar sobre isso?<br />

I: Eles ignoram<br />

N: Eles ignoram. Então, eu tive, e eu conversei isso com essa minha amiga que <strong>de</strong>u quatro<br />

meses ali no sufoco, ela falando: “- olha, essas campanhas são...”, ela era boa <strong>de</strong> você<br />

entrevistar, porque ela foi um sofrimento, ela quase teve <strong>de</strong>pressão mesmo, ela chorava<br />

todo dia, foi um negócio brabo. Ela foi, o <strong>de</strong>la foi sério mesmo. O meu, eu acho assim, que<br />

eu rapidamente consegui administrar a situação. Ela foram quatro meses <strong>de</strong> sofrimento, e só<br />

quatro meses, nem mais nem menos (<strong>de</strong> amamentar). Sabe, assim, ela foi aquele negócio<br />

assim: “- vou voltar a trabalhar, não posso mais, acabou meu tempo”. Ela não queria nem<br />

mais conversar sobre o assunto. Não era nem seis meses, porque eu acho que tem uma<br />

galera dos quatro, que é o negócio do tempo do trabalho, porque é muito legal você falar<br />

dos seis meses, ah, tudo bem que não é exclusivo, é porque você vai trabalhar, mas você<br />

continua amamentando, mas vai <strong>de</strong>pois a mulher trabalhando fazer (a amamentação)<br />

também?! Porque o meu caso é diferente. Mas, aí, você volta a trabalhar a tua vida é uma<br />

loucura e você ainda tem que se preocupar com isso.<br />

I: Mas as mães, no grupo, chegam com essa queixa, super angustiadas.<br />

N: Claro. Hoje, se eu tivesse um filho, trabalhando, quatro meses, enten<strong>de</strong>u, com essa<br />

minha cabeça <strong>de</strong> hoje. Mas, o tempo do trabalho, <strong>de</strong>pois, se sobrasse, e <strong>de</strong>sse, mas eu não<br />

me proporia a fazer isso <strong>de</strong>ssa forma, porque do jeito que eu fiz, eu vi como é exclusivo<br />

mesmo, eu teria uma outra relação com a amamentação, porque você tem que ter uma vida.<br />

Eu, sem trabalhar, fazendo doutorado, era uma coisa, eu até pu<strong>de</strong> fazer isso, mas eu acho<br />

que ali, a mulher, naquele dilema, sair <strong>de</strong> casa, vem cansada, tem que fazer comida, tem<br />

que não sei o que, você ainda falar assim: “ôpa, per aí, que agora eu vou amamentar”, sabe,<br />

isso é tudo muito bonito, tá tudo muito legal, mas a prática não é essa. Eu acho assim, você<br />

até po<strong>de</strong> dá, a criança po<strong>de</strong> até querer, você po<strong>de</strong> continuar naquilo, mas não é <strong>de</strong>sse jeito.<br />

Eu acho que, na minha concepção, quando eu via campanha, <strong>de</strong>pois que tinha passado (seus<br />

problemas com a amamentação), eu comecei a rir. Eu falei, vendo a médica falando na<br />

televisão, eu comecei a rir, porque eu falei: “meu Deus, será que essa mulher já teve<br />

filho?”, porque fica uma coisa falsa, o discurso não cola, pra mim, ele não colava. Ele<br />

soava muito falso, muito, assim, todo maquiado. E aquilo me incomodava, porque eu acho<br />

que eu senti necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma coisa humana, <strong>de</strong> me tratarem como uma mulher, não<br />

como “a mãe!”. Eu queria que alguém falasse comigo como uma pessoa que tá enfrentando<br />

um momento difícil, que aquilo não era um absurdo, aquilo era uma coisa que fazia parte <strong>de</strong>

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!