Iana Sudo MEDICALIZAÇÃO DAS MULHERES - Instituto de ...

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03.09.2014 Views

saber do filho, imagina. I: Mas, e você, enquanto mãe que amamentou, se uma mulher, se uma mãe chegar pra você e falar que não está mais agüentando, que não vai mais amamentar, o que você falaria pra ela? N: Ah, eu falaria pra ela assim: “tá muito ruim mesmo? Não tá dando mesmo? Então, dá uma mamadeira”. Porque eu acho que é melhor uma mãe sã, dando mamadeira pro seu filho, do que louca, destranbelhada, desesperada, saindo, largando a criança porque não tem condições. Eu acho assim, se eu sentisse que eu não tinha condições, eu tranqüilamente eu teria feito isso. I: Mas antes de você ter amamentado, você acha que falaria a mesma coisa? N: Acho que não, é difícil falar. Na teoria, na época eu acho que eu diria assim “não!”, eu acho que eu ia dizer: “pra agüentar, porque...”, eu acho que eu diria pra você, entendeu. Hoje, não tenha dúvida, mas, de ninguém, se falar comigo, eu falo assim: “dá uma mamadeira, não faz isso não”, porque eu acho que é mais importante você estar inteira, o seu emocional. Porque é uma experiência que exige de você muito, não é só amamentar, ser mãe não é só amamentar, isso é que é a minha experiência, porque senão, você pega uma criança pra adotar, você pega um bebê, você dá de mamar, você se envolve, você é aquilo: você quer ver se a criança, se ela tá crescendo, se ela tá ganhando peso, por que quê ela tá vermelhinha aqui, ai ela espirrou, se ela tá, é tudo um envolvimento, é tudo uma coisa, não é só amamentar. Amamentar é uma parte disso tudo, entendeu, por isso que eu acho...importa o teu envolvimento, a tua dedicação, o teu carinho, se você tá bem, você procurar está estabilizada emocionalmente, sabe, porque a criança chora porque tem cólica, porque é isso, porque é aquilo, tem que dar vacina, tem que fazer o teste do pesinho, a criança berra pra caramba, você chora junto (???) aquelas coisas, sabe, se fosse só uma coisa: ai vai dar banho, não sabe dar banho, o umbigo, o umbigo, o umbigo. Eu falei: “meu Deus isso é horrível!”. Meu marido, ótimo. Meu marido é uma pessoa, que graças a Deus, ele parece que teve dez filhos, porque ele: “- não, é assim mesmo, o umbigo, lava põe o álcool”. Aí ele botava o álcool, tanto que, depois, por causa dele, ele me ajudou a ser menos psicótica, assim, porque ele, eu via um vermelhinho, ele: “- ai, Nina, tá bom, é o calor, puxa, tá bem”, ele dava umas assim, sabe, dava umas, me tratava assim, meio como maluca, e, de ver ele calmo, eu ficava calma. Porque eu acho que se eu tivesse com uma pessoa também nervosa, aí eu acho que eu tinha pirado, porque eu acho que tem uma tendência na minha família, porque é tudo muito assim: “ai, não será que é alguma doença, será que é alguma coisa assim, liga pra médica”, tudo eu queria ligar pra médica, e ele : “Nina, não vou ligar de novo, sabe, dá um tempo”, mas, então, eu comecei a confiar, eu falei: “não, se ele tá calmo, ele é uma pessoa de bom senso, se ele tá calmo, eu vou ficar calma”. Porque eu acho que se você tiver outra pessoa do seu lado nervosa... I: Ele te ajudou. N: Ele me ajudou muito, eu não posso reclamar nesse sentido não. Eu acho que tudo isso me ajudou: o companheirismo dele, assim, a médica, essas minhas amigas, mas se eu não tivesse nada disso, eu teria ido prum grupo, eu acho, pra ver se eu era normal, vê se era isso mesmo, pra alguém me ajudar, porque senão eu ia acabar parando. Das duas uma: se eu não controlasse a situação, eu ia parar, eu ia parar, sabe. Mas eu acho que foi isso, depois que passou esse caos, que eu conversei, que eu comecei a administrar, aí eu comecei a dosar um pouco mais, tipo assim: “não, eu acho que dá pra levar”, e era isso, eu olhava pra mamadeira e pensava “se não der também, eu dô”, sabe, “se não der eu tomo aquele remédio”, você começa a criar uma série de subterfúgio, de coisas, sabe, pra te dar força.

Mas, hoje, se eu encontrasse alguém numa situação assim, eu não tenho dúvida: “não faz isso”; “vai beber e amamentar, então, não amamenta, não faz isso, porque aí eu acho que você tem que assumir. Porque se você quer continuar dando o peito, então...”, entendeu, aí, tem que assumir isso, aí não pode beber, não pode. Pode beber, assim, quando você já tiver mais lá pra frente, hoje você não amamenta, toma um chope, entendeu. Aquilo não é alimentação da criança, porque você tem que ter consciência, isso eu acho que você tem que ter, fazer por fazer também, como eu vejo algumas pessoas, né, tô com a criança no bar, tá no peito, tá fumando, tá bebendo, isso eu acho que é o fim da picada, pra mim não tem sentido uma coisa dessa. I: Ela teria que escolher: ou dar o peito...? N: Ela tem que escolher. I: Aí ela pode escolher? N: Ela pode escolher. Ela pode escolher. Aí, eu acho que a mamadeira é muito mais saudável, entendeu, do que uma mãe toda intoxicada, eu acho que, porque esse discurso, “porque aí o seu filho vai ser saudável”, mas ele não pode ser saudável desse jeito, entende, eu penso assim, foram conclusões que eu cheguei, então eu acho que no segundo filho, se é que eu tivesse, que eu já não penso em ter, mas eu acho que se eu tivesse, eu acho que ia ser muito melhor. Eu tenho essa ilusão, muito embora, eu fiquei com trauma do início, eu tenho medo de um início daquele. Quem me garante que eu não vou ter aquilo tudo de novo? Porque, sabe uma coisa que eu fiquei pensando, tipo assim: “será que não é físico, químico, esse negócio desse hormônio também?”, que a médica falava isso pra mim, que o discurso médico, a médica falava assim: “- não Nina, porque você tomou muito hormônio, depois sai a criança, pára de produzir aquelas coisas todas no teu corpo”, eu disse “ai, será que não é?” Então, né, e você com cabeça de antropóloga, começa a questionar, a dizer: “não, isso é cultura”, porque eu acho que isso também teve um peso na história, porque eu falava assim: “pô, não é a cultura? Não é a sociedade? Então por que quê eu tô sentindo isso? sabe, tô sentindo angústia, meu coração tá batendo. Ah, isso é porque a sociedade diz que te tem que ser assim, porque aí a antropologia vai dizer “não, mas é porque você tá preparada pra sentir tudo isso, porque a sociedade é quem cria essa expectativa. Então, você, na verdade, tá vivendo um mito que existe, tem sociedades que não existem”. Eu dizia isso tudo pra mim, no meio daquilo tudo, eu jogava a antropologia na minha cabeça também, sabe, eu me apoiava em tudo, “não, índio vai pro mato, tem filho, cadê a depressão pós-parto, cadê que fica nervosa, que liga pra ginecologista? Que frescura, então a sociedade”. Eu, tudo eu me...eu me debati com tudo, entendeu. Aí tinha dias que eu ficava com raiva da antropologia, eu dizia: “mas isso não serve pra porra nenhuma, eu tomei, deve ser hormônio, gente, deve ser, alguém tem que me dar algum remédio”. Entendeu, então eu acho, talvez a mulher intelectualizada tenha mais problemas com tudo isso, que ela racionaliza, e ela quer se apoiar nas teorias. E eu acho que tem uma dimensão de natureza que escapa (???), sabe, tem uma dimensão de natureza, das modificações que seu corpo passa que são naturais, em última instância, eu acho que tem isso. claro que tá lá a cultura, claro que tá lá a tua educação, claro que tá lá todo aquele processo pedagógico dos nove meses, de como ser mãe, de como conceber, de como tratar, mas, o diabo do negócio, é que quando chega ali, teu corpo mudou muito. Realmente, você tem que ter uma mudança hormonal, isso existe, não adianta, querer, entendeu, escapar disso. Claro que cada sociedade recebe de um jeito, cada mulher recebe de um jeito, cada família, cada classe social, mas tem uma dimensão de natureza, de química disso tudo, que pesa, pesa na balança. Seu corpo tá diferente, você olha no espelho, você tem um peito enorme, seu peito

saber do filho, imagina.<br />

I: Mas, e você, enquanto mãe que amamentou, se uma mulher, se uma mãe chegar pra<br />

você e falar que não está mais agüentando, que não vai mais amamentar, o que você<br />

falaria pra ela?<br />

N: Ah, eu falaria pra ela assim: “tá muito ruim mesmo? Não tá dando mesmo? Então, dá<br />

uma mama<strong>de</strong>ira”. Porque eu acho que é melhor uma mãe sã, dando mama<strong>de</strong>ira pro seu<br />

filho, do que louca, <strong>de</strong>stranbelhada, <strong>de</strong>sesperada, saindo, largando a criança porque não tem<br />

condições. Eu acho assim, se eu sentisse que eu não tinha condições, eu tranqüilamente eu<br />

teria feito isso.<br />

I: Mas antes <strong>de</strong> você ter amamentado, você acha que falaria a mesma coisa?<br />

N: Acho que não, é difícil falar. Na teoria, na época eu acho que eu diria assim “não!”, eu<br />

acho que eu ia dizer: “pra agüentar, porque...”, eu acho que eu diria pra você, enten<strong>de</strong>u.<br />

Hoje, não tenha dúvida, mas, <strong>de</strong> ninguém, se falar comigo, eu falo assim: “dá uma<br />

mama<strong>de</strong>ira, não faz isso não”, porque eu acho que é mais importante você estar inteira, o<br />

seu emocional. Porque é uma experiência que exige <strong>de</strong> você muito, não é só amamentar, ser<br />

mãe não é só amamentar, isso é que é a minha experiência, porque senão, você pega uma<br />

criança pra adotar, você pega um bebê, você dá <strong>de</strong> mamar, você se envolve, você é aquilo:<br />

você quer ver se a criança, se ela tá crescendo, se ela tá ganhando peso, por que quê ela tá<br />

vermelhinha aqui, ai ela espirrou, se ela tá, é tudo um envolvimento, é tudo uma coisa, não<br />

é só amamentar. Amamentar é uma parte disso tudo, enten<strong>de</strong>u, por isso que eu<br />

acho...importa o teu envolvimento, a tua <strong>de</strong>dicação, o teu carinho, se você tá bem, você<br />

procurar está estabilizada emocionalmente, sabe, porque a criança chora porque tem cólica,<br />

porque é isso, porque é aquilo, tem que dar vacina, tem que fazer o teste do pesinho, a<br />

criança berra pra caramba, você chora junto (???) aquelas coisas, sabe, se fosse só uma<br />

coisa: ai vai dar banho, não sabe dar banho, o umbigo, o umbigo, o umbigo. Eu falei: “meu<br />

Deus isso é horrível!”. Meu marido, ótimo. Meu marido é uma pessoa, que graças a Deus,<br />

ele parece que teve <strong>de</strong>z filhos, porque ele: “- não, é assim mesmo, o umbigo, lava põe o<br />

álcool”. Aí ele botava o álcool, tanto que, <strong>de</strong>pois, por causa <strong>de</strong>le, ele me ajudou a ser menos<br />

psicótica, assim, porque ele, eu via um vermelhinho, ele: “- ai, Nina, tá bom, é o calor,<br />

puxa, tá bem”, ele dava umas assim, sabe, dava umas, me tratava assim, meio como<br />

maluca, e, <strong>de</strong> ver ele calmo, eu ficava calma. Porque eu acho que se eu tivesse com uma<br />

pessoa também nervosa, aí eu acho que eu tinha pirado, porque eu acho que tem uma<br />

tendência na minha família, porque é tudo muito assim: “ai, não será que é alguma doença,<br />

será que é alguma coisa assim, liga pra médica”, tudo eu queria ligar pra médica, e ele :<br />

“Nina, não vou ligar <strong>de</strong> novo, sabe, dá um tempo”, mas, então, eu comecei a confiar, eu<br />

falei: “não, se ele tá calmo, ele é uma pessoa <strong>de</strong> bom senso, se ele tá calmo, eu vou ficar<br />

calma”. Porque eu acho que se você tiver outra pessoa do seu lado nervosa...<br />

I: Ele te ajudou.<br />

N: Ele me ajudou muito, eu não posso reclamar nesse sentido não. Eu acho que tudo isso<br />

me ajudou: o companheirismo <strong>de</strong>le, assim, a médica, essas minhas amigas, mas se eu não<br />

tivesse nada disso, eu teria ido prum grupo, eu acho, pra ver se eu era normal, vê se era isso<br />

mesmo, pra alguém me ajudar, porque senão eu ia acabar parando. Das duas uma: se eu não<br />

controlasse a situação, eu ia parar, eu ia parar, sabe. Mas eu acho que foi isso, <strong>de</strong>pois que<br />

passou esse caos, que eu conversei, que eu comecei a administrar, aí eu comecei a dosar um<br />

pouco mais, tipo assim: “não, eu acho que dá pra levar”, e era isso, eu olhava pra<br />

mama<strong>de</strong>ira e pensava “se não <strong>de</strong>r também, eu dô”, sabe, “se não <strong>de</strong>r eu tomo aquele<br />

remédio”, você começa a criar uma série <strong>de</strong> subterfúgio, <strong>de</strong> coisas, sabe, pra te dar força.

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