Iana Sudo MEDICALIZAÇÃO DAS MULHERES - Instituto de ...

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03.09.2014 Views

assim: “- minha filha, isso é horrível”. Aí que comecei a chorar porque eu falei: “alguém entendeu”. Aí eu achei assim: “ai meu Deus, ela me entendeu”. Ela, “- não, isso é horrível, você não vai agüentar assim, nessa coisa de não dormir”. E ela é muito comilona e tal: “- eu vou te passar um remédio natural, que não tem problema nenhum”. Eu falei: “Não tem mesmo?”, ela falou: “- não tem. Eu não posso te dar uma química, agora eu vou te dar um natural”. Eu falei: “Mas será que vai funcionar?”, ela falou assim: “- tenha fé em Deus”, ela ainda falou assim: “- minha filha reza, porque é assim mesmo, isso é tipo uma depressãosinha, é muita mudança na sua vida”. Mas aí eu encontrei uma pessoa que naquela hora falou, porque, normalmente, todo mundo é assim: “- você tem que agüentar, é sua filha, ela é tão linda, tá tudo bem, por que você tá assim?” então parecia tudo pior, porque tudo o que eu acho que você quer é falar com alguém que entenda o que você está sentindo. Não é que você não quer aquilo, é porque aquilo é difícil. Então, eu acho assim, eu sou uma pessoa, eu me considero uma pessoa muito esclarecida, que buscou informação, que queria essa família, uma mãe mais velha, mas aquela experiência é uma experiência difícil, eu acho. I: Você já conheceu outras pessoas antes de você... N: Já. I: Que tiveram, que relataram essas mesmas dificuldades? N: Não. Eu tenho uma amiga que me ajudou muito, porque a minha irmã, por exemplo, ela é o contrário. A minha irmã é aquela pessoa assim: tem a dificuldade, mas ela é exatamente isso, ela acha assim: “não, eu sou a mãe, e é o leite da minha filha, então, isso faz”. Ela tem uma outra forma que eu acho que ajuda a atravessar esse período de uma maneira melhor. Eu não conseguia porque eu ficava o tempo inteiro relativizando aquilo. Eu falava: “ai, gente, pelo amor de Deus, não tem uma válvula de escape, não tem nada?” sabe, “eu não tô agüentando!”. E, então, você quer, mas tá difícil, então você fica naquele jogo, então, a médica passou essa medicação, que não adiantou nada no primeiro dia. Eu liguei pra ela à tarde, eu falei: “-não aconteceu nada, eu continuo nervosa”. Ela: “- calma Nina, porque é natural, vai demorar. Dá uns dois dias pra isso começar...sabe, procura se acalmar”, ela até falou: “desce, vai na esquina, fica um pouco lá sozinha. Toma uma coca-cola no bar da esquina”. E tudo isso me ajudava, porque isso, a pessoa entendia, você tá sufocado, você quer parar de falar daquilo. E todo mundo dando mil conselhos, “porque...” a cólica então, assim, todo mundo fala, “faz”; é isso, é aquilo, é como você tá dando de mamar; “- você tá nervosa?”. Então, você não pode falar, tem que...enfim. Então, eu tava toda policiada: comida, é bebida, o sono que não é direito, então eu tava nervosa. I: Mas o seu marido, ele também, ele tava como? N: Ele tava super me apoiando. Ele foi um apoio incrível, porque ele, assim, com ele era a única pessoa que eu podia dizer, coitado, só que ele não tinha muito o que fazer, porque ele falava assim, entendeu “eu dô de mamar, eu tô operada, ele falou. Puxa, só conversava. Eu alugava ele muito, eu reclamava, eu chorava, chorava. Mas aí passaram aqueles primeiros dias, aí esse pico de crise, assim, diminuiu um pouco, mas a sensação não diminuiu. Durante o período da cólica, eu acho que eu sofri muito, porque era isso, assim, eu vivia me policiando com o que eu comia. Aí ela tinha cólica, aí eu, porque depois o peito melhorou, aí tudo eu comecei a administrar, não era mais aquilo. Porque no início também, meu peito ficou enorme, então, e se ela não mamasse, eu tinha que correr pra ela mamar também, porque senão meu peito ficava todo duro, entendeu. Teve um dia que eu comecei a ficar com aquela pedrinha, aquelas...pareciam umas pedrinhas no peito, a médica: “- ah, tem que ordenhar”.

I: Mas você sabia dessas coisas? N: Não, essa parte eu não sabia, o negócio de ordenhar, eu falei: “ordenhar como?”. “- Minha filha, você tem que apertar seu peito, vai no chuveiro”. Eu: “meu Deus que coisa horrível, não é possível”, entendeu, eu ficava assim, “mas eu achava que era só dar o peito, mas tem um monte de coisa que você tem que fazer”. Então, dá de ordenhar pra tirar o excesso, então, eu acho que você se vê numa situação, por mais que você tenha lido, eu pelo menos, ali, na hora “h” é complicado porque, eu não sei se eu me senti despreparada ou se eu me senti, assim, muito, muito sem vida própria, eu acho, muito à mercê daquela situação. Quando eu estava na rua, meu peito vazava, eu me molhava toda. Aí tinha que trocar aqueles negócios toda hora. Eu acho que, aquilo pra mim, aquele começo, pra mim, eu acho que eu senti muito sem controle da minha vida. I: Suas dificuldades, você sempre falava com a médica ou tinha outra pessoa além dessa sua amiga? N: Não, eu falei com a médica, todas às vezes que eu fui na consulta, por telefona a gente se falou algumas vezes que ajudou. E eu tive essa amiga, uma amiga não, duas amigas, elas são irmãs. Uma, foi terrível pra ela, ela teve uma experiência horrível. Ela amamentou quatro meses contados, com complemento. Isso, assim, chorando, com depressão. O dela sim, quando deu quatro meses, ela, alforria, ela fez por obrigação. A irmã dela não. A irmã dela fez complemento porque teve problema na amamentação: exatamente de sugar, a criança, então ela teve que dar. Mas ela amamentou junto. Só que ela teve o primeiro mês difícil também, não pela cólica, mas pela adaptação, o filho dela teve na UTI, então ela não conseguiu dar logo. É um caso muito interessante também, porque aí o desespero: ela queria e não podia. Então, ela tinha que retirar o leite, porque não tinha como dar e aí a (???) dava. Tanto é que ela fez até um carocinho, depois desfez, porque ela não tinha como a criança, entendeu. Então cada, aliás as três são casos diferentes, mas todas ligadas à amamentação. E ela teve esse primeiro mês difícil, e aí, quando eu quase pifei, ela me socorreu, porque ela foi a primeira pessoa que falou assim: “- Nina, é difícil!” ela foi a primeira pessoa que falou assim, quer dizer, a médica teve o lado médica, e ela teve um lado, assim, muito de amiga. Ela falou: “- Nina, é assim mesmo, é difícil”, porque eu comecei a achar assim: “ai, gente, será que é normal, puxa, eu gosto tanto da minha filha, mas porque eu tô sentindo isso, eu achava que ia chegar agora, e ia ser assim: ‘ai que coisa linda, minha filha tá mamando”, sabe, aquela coisa: “ai, meu peito tá enchendo de leite’”, e na hora não, eu comecei a ficar assim: “ai meu Deus...”, sabe, que desespero, eu já ficava angustiada, sabe, ficava aquela ansiedade toda. Eu falei: “puxa, por que quê eu tô sentindo isso? Eu não podia tá assim.” I: Na literatura que você leu, ninguém falava nada sobre isso? N: Falava, só que uns falavam logo em depressão pós-parto. O que eu acho que a médica, ela falou o seguinte: “- não, não é isso. Tem vários estágios, tem várias, tem a própria adaptação”, quer dizer, mas isso é uma coisa que não se fala, essas coisas intermediárias, então, quando eu li, eu achava que tinha sim, depressão pós-parto, entendeu. Aí eu falei: “pô, será que é depressão pós-parto, gente, isso?”. Mas aí, falando com essa minha amiga, com essa outra amiga e com a médica: “- Nina, é super-normal, é que um monte de gente não fala”, e tem gente que esquece. Eu acho que tem duas coisas aí: gente que esqueceu, né; e gente que não fala, sabe, que aí transpõe aquela coisa da maternidade, então ela consegue superar, né, ou porque vive aquilo diferentemente, ou porque não quer mesmo dizer, isso tal. Mas ela falou: -“ Mas é mesmo difícil, eu fiquei muito triste alguns dias, é um negócio complicado”, então isso me ajudou, encontrar essas pessoas me ajudou, porque naquela

I: Mas você sabia <strong>de</strong>ssas coisas?<br />

N: Não, essa parte eu não sabia, o negócio <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nhar, eu falei: “or<strong>de</strong>nhar como?”. “-<br />

Minha filha, você tem que apertar seu peito, vai no chuveiro”. Eu: “meu Deus que coisa<br />

horrível, não é possível”, enten<strong>de</strong>u, eu ficava assim, “mas eu achava que era só dar o peito,<br />

mas tem um monte <strong>de</strong> coisa que você tem que fazer”. Então, dá <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nhar pra tirar o<br />

excesso, então, eu acho que você se vê numa situação, por mais que você tenha lido, eu<br />

pelo menos, ali, na hora “h” é complicado porque, eu não sei se eu me senti <strong>de</strong>spreparada<br />

ou se eu me senti, assim, muito, muito sem vida própria, eu acho, muito à mercê daquela<br />

situação. Quando eu estava na rua, meu peito vazava, eu me molhava toda. Aí tinha que<br />

trocar aqueles negócios toda hora. Eu acho que, aquilo pra mim, aquele começo, pra mim,<br />

eu acho que eu senti muito sem controle da minha vida.<br />

I: Suas dificulda<strong>de</strong>s, você sempre falava com a médica ou tinha outra pessoa além<br />

<strong>de</strong>ssa sua amiga?<br />

N: Não, eu falei com a médica, todas às vezes que eu fui na consulta, por telefona a gente<br />

se falou algumas vezes que ajudou. E eu tive essa amiga, uma amiga não, duas amigas, elas<br />

são irmãs. Uma, foi terrível pra ela, ela teve uma experiência horrível. Ela amamentou<br />

quatro meses contados, com complemento. Isso, assim, chorando, com <strong>de</strong>pressão. O <strong>de</strong>la<br />

sim, quando <strong>de</strong>u quatro meses, ela, alforria, ela fez por obrigação. A irmã <strong>de</strong>la não. A irmã<br />

<strong>de</strong>la fez complemento porque teve problema na amamentação: exatamente <strong>de</strong> sugar, a<br />

criança, então ela teve que dar. Mas ela amamentou junto. Só que ela teve o primeiro mês<br />

difícil também, não pela cólica, mas pela adaptação, o filho <strong>de</strong>la teve na UTI, então ela não<br />

conseguiu dar logo. É um caso muito interessante também, porque aí o <strong>de</strong>sespero: ela<br />

queria e não podia. Então, ela tinha que retirar o leite, porque não tinha como dar e aí a<br />

(???) dava. Tanto é que ela fez até um carocinho, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>sfez, porque ela não tinha como<br />

a criança, enten<strong>de</strong>u. Então cada, aliás as três são casos diferentes, mas todas ligadas à<br />

amamentação. E ela teve esse primeiro mês difícil, e aí, quando eu quase pifei, ela me<br />

socorreu, porque ela foi a primeira pessoa que falou assim: “- Nina, é difícil!” ela foi a<br />

primeira pessoa que falou assim, quer dizer, a médica teve o lado médica, e ela teve um<br />

lado, assim, muito <strong>de</strong> amiga. Ela falou: “- Nina, é assim mesmo, é difícil”, porque eu<br />

comecei a achar assim: “ai, gente, será que é normal, puxa, eu gosto tanto da minha filha,<br />

mas porque eu tô sentindo isso, eu achava que ia chegar agora, e ia ser assim: ‘ai que coisa<br />

linda, minha filha tá mamando”, sabe, aquela coisa: “ai, meu peito tá enchendo <strong>de</strong> leite’”, e<br />

na hora não, eu comecei a ficar assim: “ai meu Deus...”, sabe, que <strong>de</strong>sespero, eu já ficava<br />

angustiada, sabe, ficava aquela ansieda<strong>de</strong> toda. Eu falei: “puxa, por que quê eu tô sentindo<br />

isso? Eu não podia tá assim.”<br />

I: Na literatura que você leu, ninguém falava nada sobre isso?<br />

N: Falava, só que uns falavam logo em <strong>de</strong>pressão pós-parto. O que eu acho que a médica,<br />

ela falou o seguinte: “- não, não é isso. Tem vários estágios, tem várias, tem a própria<br />

adaptação”, quer dizer, mas isso é uma coisa que não se fala, essas coisas intermediárias,<br />

então, quando eu li, eu achava que tinha sim, <strong>de</strong>pressão pós-parto, enten<strong>de</strong>u. Aí eu falei:<br />

“pô, será que é <strong>de</strong>pressão pós-parto, gente, isso?”. Mas aí, falando com essa minha amiga,<br />

com essa outra amiga e com a médica: “- Nina, é super-normal, é que um monte <strong>de</strong> gente<br />

não fala”, e tem gente que esquece. Eu acho que tem duas coisas aí: gente que esqueceu, né;<br />

e gente que não fala, sabe, que aí transpõe aquela coisa da maternida<strong>de</strong>, então ela consegue<br />

superar, né, ou porque vive aquilo diferentemente, ou porque não quer mesmo dizer, isso<br />

tal. Mas ela falou: -“ Mas é mesmo difícil, eu fiquei muito triste alguns dias, é um negócio<br />

complicado”, então isso me ajudou, encontrar essas pessoas me ajudou, porque naquela

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