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artista selecionada IIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII Renata Ursaia<br />
O prazer da dúvida<br />
Jorge Mascarenhas Menna Barreto<br />
Repouso<br />
fotografia em papel metalizado, 80 x 120 cm<br />
2009<br />
A dúvida é aquele estado mental que nos faz<br />
pendular entre a segurança de algo que temos<br />
como dado e a desconfiança de que o chão sobre o<br />
qual este algo repousa talvez não seja tão estável<br />
assim. É exatamente nas bases do pensamento<br />
que a dúvida atua, corroendo as certezas e<br />
multiplicando as possibilidades interpretativas<br />
de uma situação, objeto ou imagem. Por isso é<br />
tão potente e pode abalar estruturas tidas como<br />
sólidas. Na vida cotidiana e nas relações pessoais,<br />
pode ser muito cruel. Mas na arte e na filosofia,<br />
a dúvida é o que possibilita os mais prazerosos<br />
exercícios do pensar. O estado duvidoso é o que nos<br />
arranca daquele mundo anestesiado e faz brotar<br />
possibilidades de pensá-lo a partir de posições que<br />
não imaginávamos existir, questionando o nosso<br />
bom e velho ponto de vista unidirecional.<br />
– Olha o camelo, filha!<br />
No vídeo Dromedário, Renata Ursaia captura a<br />
imagem de um dromedário no zoológico. No início do<br />
filme, vemos a cabeça do animal estática, dormindo,<br />
e ouvimos uma voz em off de uma mãe que aponta o<br />
bicho para a filha, dizendo: “Olha o camelo, filha!”. O<br />
título do trabalho revela a imprecisão do comentário<br />
que, no entanto, não é passível de ser verificada pelo<br />
público, pois tudo o que vemos é a cabeça do animal.<br />
Após essa voz, o áudio silencia e inicia-se um lento<br />
movimento de acordar do bicho, que gira sua cabeça,<br />
abrindo os olhos e encarando a câmera com um<br />
olhar morno, indiferente, contendo até mesmo um<br />
certo desprezo.<br />
O que temos neste primeiro trabalho é uma relação<br />
ambígua entre a imagem que se apresenta, a voz de<br />
alguém que não aparece – dirigida para um outro<br />
alguém, também oculto – e o título do trabalho.<br />
Essa triangulação por si só já garantiria uma<br />
reflexão intelectual interessante sobre a relação<br />
entre texto, imagem e veracidade, por exemplo.<br />
No entanto, a nossa tentativa de organização do<br />
sentido, a partir dessa narrativa, é fulminada<br />
pelo olhar do animal que, encarando a câmera ao<br />
final, derrete toda a distância e gera um campo<br />
de identificação de alto impacto com o visitante,<br />
olho no olho. A partir deste vínculo e torsão no eixo<br />
da narrativa, não somos mais nós que olhamos o<br />
bicho. É ele que nos arrebata com sua verdade e<br />
põe a ruir as paredes do labirinto mental que tanto<br />
se esforça – em vão – para desvendar o indecifrável.<br />
Esse mesmo lugar da dúvida e da incerteza é<br />
alimentado nas próximas obras apresentadas por<br />
Renata nesta exposição. Em Brenda e Tampinha,<br />
a artista planeja um encontro entre um minipônei<br />
e um poodle gigante, cujos tamanhos são muito<br />
similares. O encontro se dá em um ambiente<br />
natural, no campo. Curioso é que estes dois<br />
animais são produtos da cultura, ou seja, não<br />
são encontrados espontaneamente na natureza.<br />
Foi a manipulação das espécies que possibilitou<br />
criar essas formas inusitadas; assim como a<br />
intervenção no destino que possibilitou esse<br />
encontro. Mas o que surpreende na operação da<br />
artista não é exatamente o estranhamento que<br />
um cachorro gigante e um cavalo anão podem<br />
causar, mas a naturalidade com que se afeiçoam,<br />
mesmo pertencendo a espécies tão distintas. O<br />
beijo entre eles, flagrado pela câmera, confunde<br />
a ideia do que seria natural ou artificial,<br />
acusando que essas noções são construções<br />
culturais e que as categorias que vemos são o<br />
resultado de um olhar doutrinado que, mais cedo<br />
ou mais tarde, acaba revelando suas limitações<br />
para dar conta do mundo das coisas.<br />
30 programa de exposições <strong>2010</strong> centro cultural são paulo 31