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2010 - Centro Cultural São Paulo

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artista selecionada IIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII Nara Amelia<br />

Stummheit, texto e subtexto<br />

Clarissa Diniz<br />

O trabalho de Nara Amelia navega por alguns<br />

“tabus” de parte da produção recente de arte<br />

e, com esta, pelos pré-conceitos de meu<br />

pensamento a respeito. É que, por baixo de um<br />

discurso “oficial” sobre a interdisciplinaridade<br />

de sua obra – que se daria, segundo a artista,<br />

mormente em sua exploração das “relações<br />

entre imagem e enunciado, ou artes visuais<br />

e literatura” –, habitam subtextos que, talvez<br />

por suas idiossincrasias perante um contexto<br />

relativamente homogeneizador da arte<br />

contemporânea, adquirem corpo e força quando<br />

tomados como centro de uma leitura possível<br />

sobre seu trabalho. Refiro-me ao caráter<br />

“crédulo” que atravessa suas gravuras, cuja<br />

aparente “desconstrução” das fronteiras entre<br />

realidade e ficção, arte e literatura, humanidade<br />

e animalidade, etc., pode obscurecer seu lado de<br />

crença e aposta: na simbolização, numa espécie<br />

de moral e em certa metafísica – tabus para um<br />

pensamento de arte que se quer problematizador<br />

dos sentidos, das verdades, do ser.<br />

Envoltas por uma fina cortina de ironia – por que<br />

nossa cultura expande o uso de um “modo do<br />

discurso onde dizemos alguma coisa que realmente<br />

não queremos dizer e esperamos que as pessoas<br />

entendam não só o que queremos de fato dizer<br />

como, também, nossa atitude diante da coisa?”,<br />

perguntaria Linda Hutcheon 1 acerca do lugar da<br />

ironia na atualidade (mas isso já é outra conversa...)<br />

–, que na maior parte das vezes encobre a<br />

melancolia pela impossibilidade de realização de<br />

suas crenças e desejos, as imagens criadas por<br />

Nara Amelia partem da natureza para pensar o<br />

homem e a cultura. Na mediação entre essas<br />

esferas estão a fábula e a ficção que, todavia, não<br />

se resumem como tal: a partir da apropriação de<br />

estéticas (e sentidos) emprestados por ilustrações,<br />

livros, documentos (partituras, manuscritos,<br />

imagens), uma camada de “realidade” é aplicada<br />

sobre esses recursos de linguagem que então não<br />

se podem privar de um posicionamento face a ela.<br />

As imagens-textos de Nara Amelia convocam a<br />

simbolização para um comentário acerca do real,<br />

mas que, ao partir da natureza (como também da<br />

religião), fazem ver uma perspectiva metafísica do<br />

mesmo. (Ou seria apenas ironia?)<br />

A série Este lugar é mal assombrado (2008) parece<br />

dizer algo a respeito. Composta de quatro gravuras<br />

que retratam um quarto com dois homens 2 , cuja<br />

vista que se tem pela janela é alterada em cada<br />

uma das quatro gravuras (um corvo em vôo; um<br />

cardeal cuja cabeça é a de um esquilo, ao redor da<br />

qual há uma aura; um pequeno avião decolando<br />

e um céu repleto de nuvens pesadas), o conjunto<br />

talvez sintetize algumas das questões em torno<br />

da existência humana que a obra de Nara coloca<br />

ao sugerir relações de contemplação, submissão,<br />

mistério, metamorfose e coexistência entre os<br />

seres e seu entorno, que surgem quase sempre<br />

envoltos em medo ou culpa. Uma hierarquia entre<br />

estados de existência (homem, animal, natureza)<br />

– simbolizada por meio de alturas, cordas, posição<br />

de mãos ou sinais de reverência ao longo de<br />

seus trabalhos –, tendo o ser humano não como<br />

referencial, mas como baliza, lança o foco de<br />

sentido de vida para além das razões unicamente<br />

humanas. Num mesmo interior residencial,<br />

Stummheit<br />

água-forte e aquarela, 30 x 30cm<br />

<strong>2010</strong><br />

1<br />

HUTCHEON, Linda. Irony’s edge – the theory and politics<br />

of irony. London: Routledge, 1994.<br />

2<br />

Um, metade animal (fauno), dorme sobre uma cama junto<br />

a um esquilo, ao lado da qual está um aparelho de telefone;<br />

o outro, trajado com um terno cujas calças estão abaixadas,<br />

sentado numa cadeira, mira a grande janela do ambiente.<br />

22 programa de exposições <strong>2010</strong> centro cultural são paulo 23

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