Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
artista convidado IIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII Eduardo Climachauska<br />
Baião do samba<br />
Clarissa Diniz<br />
Pensar o espaço ao prescindir do plano é como<br />
pensar a linguagem à revelia da significação. Com<br />
Lygia Clark a arte brasileira já sabia que “o plano é<br />
um conceito criado pelo homem com um objetivo<br />
prático: satisfazer sua necessidade de equilíbrio” 1 .<br />
Com Hélio Oiticica também sabia que a obra deveria<br />
fugir “à busca da interpretação. Todas essas são<br />
coisas velhas: a interpretação, a tentativa de buscar<br />
significados e de vivenciar estruturas significantes,<br />
todas essas coisas são coisas superadas (...).” 2<br />
Abster-se de ancoragem – fosse plano, fosse<br />
significado – era exercício de libertação e, ao<br />
mesmo tempo, de coragem, pois há sempre algum<br />
tipo de gravidade que tende a tudo sedimentar:<br />
havendo tanto magnetismo ao centro, o impulso<br />
para as bordas é sempre um ato de força.<br />
existência e de contentamento: a instauração é o<br />
horizonte da utopia.<br />
Bim bom bim bim bom bom/Bim bom bim bim bom<br />
bim bom/Bim bom bim bim bom bom/Bim bom bim<br />
bim bom bim bim. À expressão (vocalizada) de João<br />
Gilberto – experiência refundada a cada canto –, e<br />
apesar de sua assertiva de que “é só isso o meu<br />
baião/e não tem mais nada não/o meu coração<br />
pediu assim, só” 5 , teimamos em agregar planos<br />
significantes. Como aponta Lorenzo Mammi, não<br />
é “por acaso que os únicos dois textos musicados<br />
do autor se baseiam sobre assonâncias sem<br />
sentido: Bim Bom e Oba-la-lá” 6 . Há um campo<br />
da linguagem que, contínuo ato de instauração,<br />
se esquiva à significação – nele, ironicamente,<br />
interpretar perde o sentido, e se torna anteparo.<br />
“No princípio, era o ato” 3 . Do princípio verbal bíblico<br />
(“no princípio, era o verbo”) ao princípio de ação<br />
proposto na literatura de Goethe, não teríamos<br />
apenas uma questão de tradução (verbo = ação),<br />
mas uma demarcação de diferença (verbo x ação).<br />
O agir se dá, portanto, para além da teia de sentidos<br />
da linguagem: o ato instaura um espaço-tempo<br />
próprio – inarrável –, que o verbo anseia restaurar.<br />
Também, para Lygia, “o instante do ato não se<br />
renova. Existe por si mesmo: repeti-lo é dar-lhe um<br />
novo significado” 4 . Há, na ação, uma possibilidade de<br />
Arquitetura amplificada. O <strong>Centro</strong> <strong>Cultural</strong> São <strong>Paulo</strong><br />
se fez com menos paredes que de hábito – poucos<br />
planos e muito espaço: “com o <strong>Centro</strong> <strong>Cultural</strong>,<br />
nós estávamos projetando um espaço de encontro<br />
o tempo inteiro. (...) Queríamos a redução dos<br />
controles. Lutávamos pela liberdade, que quase<br />
não tinha sobrado neste País. Queríamos uma<br />
arquitetura que permitisse que os transeuntes,<br />
de repente, se perdessem e caíssem aqui dentro,<br />
sem porta principal, sem saguões incríveis e nem<br />
amedrontamento” 7 . Atuar libertariamente no CCSP<br />
Bim Bom<br />
mármore, aço inox, 100 x 47 x 37cm<br />
<strong>2010</strong><br />
1<br />
Lygia Clark no texto A morte do plano (1960). Disponível<br />
em http://www.lygiaclark.org.br/arquivo_detPT.<br />
asp?idarquivo=14<br />
2<br />
Hélio Oiticica em entrevista a Ivan Cardoso, em 1979, para<br />
o filme HO. FILHO, César Oiticica; VIEIRA, Ingrid (org). Hélio<br />
Oiticica. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2009.<br />
3<br />
Tradução livre de trecho de Fausto (1832), de Johann<br />
Wolfgang von Goethe. Disponível em: http://www.<br />
culturabrasil.org/zip/fausto.pdf<br />
4<br />
Lygia Clark no texto A propósito do instante (1965).<br />
Disponível em http://www.lygiaclark.org.br/arquivo_detPT.<br />
asp?idarquivo=19<br />
5<br />
Grifo em itálico da autora.<br />
6<br />
MAMMI, Lorenzo. João Gilberto e o projeto utópico da<br />
Bossa Nova. Novos Estudos CEBRAP. São <strong>Paulo</strong>: CEBRAP,<br />
nº 34, novembro de 1992, p. 63-70.<br />
7<br />
Luiz Telles, coautor do projeto arquitetônico do <strong>Centro</strong><br />
<strong>Cultural</strong> São <strong>Paulo</strong>, em entrevista disponível em http://<br />
www.centrocultural.sp.gov.br/ccsp_entrevista.asp<br />
14 programa de exposições <strong>2010</strong> centro cultural são paulo 15