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2010 - Centro Cultural São Paulo

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artista convidado IIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII Eduardo Climachauska<br />

Baião do samba<br />

Clarissa Diniz<br />

Pensar o espaço ao prescindir do plano é como<br />

pensar a linguagem à revelia da significação. Com<br />

Lygia Clark a arte brasileira já sabia que “o plano é<br />

um conceito criado pelo homem com um objetivo<br />

prático: satisfazer sua necessidade de equilíbrio” 1 .<br />

Com Hélio Oiticica também sabia que a obra deveria<br />

fugir “à busca da interpretação. Todas essas são<br />

coisas velhas: a interpretação, a tentativa de buscar<br />

significados e de vivenciar estruturas significantes,<br />

todas essas coisas são coisas superadas (...).” 2<br />

Abster-se de ancoragem – fosse plano, fosse<br />

significado – era exercício de libertação e, ao<br />

mesmo tempo, de coragem, pois há sempre algum<br />

tipo de gravidade que tende a tudo sedimentar:<br />

havendo tanto magnetismo ao centro, o impulso<br />

para as bordas é sempre um ato de força.<br />

existência e de contentamento: a instauração é o<br />

horizonte da utopia.<br />

Bim bom bim bim bom bom/Bim bom bim bim bom<br />

bim bom/Bim bom bim bim bom bom/Bim bom bim<br />

bim bom bim bim. À expressão (vocalizada) de João<br />

Gilberto – experiência refundada a cada canto –, e<br />

apesar de sua assertiva de que “é só isso o meu<br />

baião/e não tem mais nada não/o meu coração<br />

pediu assim, só” 5 , teimamos em agregar planos<br />

significantes. Como aponta Lorenzo Mammi, não<br />

é “por acaso que os únicos dois textos musicados<br />

do autor se baseiam sobre assonâncias sem<br />

sentido: Bim Bom e Oba-la-lá” 6 . Há um campo<br />

da linguagem que, contínuo ato de instauração,<br />

se esquiva à significação – nele, ironicamente,<br />

interpretar perde o sentido, e se torna anteparo.<br />

“No princípio, era o ato” 3 . Do princípio verbal bíblico<br />

(“no princípio, era o verbo”) ao princípio de ação<br />

proposto na literatura de Goethe, não teríamos<br />

apenas uma questão de tradução (verbo = ação),<br />

mas uma demarcação de diferença (verbo x ação).<br />

O agir se dá, portanto, para além da teia de sentidos<br />

da linguagem: o ato instaura um espaço-tempo<br />

próprio – inarrável –, que o verbo anseia restaurar.<br />

Também, para Lygia, “o instante do ato não se<br />

renova. Existe por si mesmo: repeti-lo é dar-lhe um<br />

novo significado” 4 . Há, na ação, uma possibilidade de<br />

Arquitetura amplificada. O <strong>Centro</strong> <strong>Cultural</strong> São <strong>Paulo</strong><br />

se fez com menos paredes que de hábito – poucos<br />

planos e muito espaço: “com o <strong>Centro</strong> <strong>Cultural</strong>,<br />

nós estávamos projetando um espaço de encontro<br />

o tempo inteiro. (...) Queríamos a redução dos<br />

controles. Lutávamos pela liberdade, que quase<br />

não tinha sobrado neste País. Queríamos uma<br />

arquitetura que permitisse que os transeuntes,<br />

de repente, se perdessem e caíssem aqui dentro,<br />

sem porta principal, sem saguões incríveis e nem<br />

amedrontamento” 7 . Atuar libertariamente no CCSP<br />

Bim Bom<br />

mármore, aço inox, 100 x 47 x 37cm<br />

<strong>2010</strong><br />

1<br />

Lygia Clark no texto A morte do plano (1960). Disponível<br />

em http://www.lygiaclark.org.br/arquivo_detPT.<br />

asp?idarquivo=14<br />

2<br />

Hélio Oiticica em entrevista a Ivan Cardoso, em 1979, para<br />

o filme HO. FILHO, César Oiticica; VIEIRA, Ingrid (org). Hélio<br />

Oiticica. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2009.<br />

3<br />

Tradução livre de trecho de Fausto (1832), de Johann<br />

Wolfgang von Goethe. Disponível em: http://www.<br />

culturabrasil.org/zip/fausto.pdf<br />

4<br />

Lygia Clark no texto A propósito do instante (1965).<br />

Disponível em http://www.lygiaclark.org.br/arquivo_detPT.<br />

asp?idarquivo=19<br />

5<br />

Grifo em itálico da autora.<br />

6<br />

MAMMI, Lorenzo. João Gilberto e o projeto utópico da<br />

Bossa Nova. Novos Estudos CEBRAP. São <strong>Paulo</strong>: CEBRAP,<br />

nº 34, novembro de 1992, p. 63-70.<br />

7<br />

Luiz Telles, coautor do projeto arquitetônico do <strong>Centro</strong><br />

<strong>Cultural</strong> São <strong>Paulo</strong>, em entrevista disponível em http://<br />

www.centrocultural.sp.gov.br/ccsp_entrevista.asp<br />

14 programa de exposições <strong>2010</strong> centro cultural são paulo 15

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