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artista convidada IIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII Cristina Canale<br />
possibilidades para a pintura<br />
Fernanda Lopes<br />
Não se trata de pintar a vida. Trata-se de tornar a pintura viva<br />
Pierre Bonnard<br />
Bartira<br />
película adesiva, 560 x 500cm<br />
<strong>2010</strong><br />
foto de Sônia Parma<br />
É entre a pintura e o desenho que reside a<br />
investigação de Cristina Canale. Não na relação<br />
entre um e outro, ou nos limites entre um e outro,<br />
mas em como esses dois procedimentos podem<br />
coexistir em um plano. É na tentativa de pacificar<br />
o gesto gráfico, íntimo, e a pincelada mais solta,<br />
que está a busca de Cristina Canale. Não interessa<br />
a escolha entre um ou outro, e sim encontrar o<br />
ponto mais próximo do empate, da coexistência.<br />
Nascida no Rio de Janeiro, a artista estudou desenho<br />
na Escola de Artes Visuais do Parque Lage com<br />
John Nicholson entre 1980 e 1983, participando<br />
no ano seguinte da exposição coletiva Como Vai<br />
Você, Geração 80? – um dos marcos do que ficou<br />
conhecido como “retorno à pintura” naquela década.<br />
Os desenhos iniciais carregados, pictóricos, já davam<br />
a ver que muito em breve a pintura seria o suporte<br />
definitivo. A linha, marca tradicional do desenho, não<br />
era o ponto de partida da ação, e sim consequência.<br />
Formava-se pelo encontro entre as massas de tinta<br />
em um pensamento construído por relações de<br />
campos de cor. Revelava-se pelo acúmulo e encontro<br />
de planos, pela persistência da construção da pintura.<br />
No início da década de 1990, Canale mudou-se para<br />
a Alemanha, onde estudou na Academia de Artes<br />
de Düsseldorf, sob orientação do artista conceitual<br />
holandês Jan Dibbets, e reside até hoje. A partir<br />
daquele momento, o embate entre figuração e<br />
matéria se acirra, tendo como consequência uma<br />
deformação cada vez maior dos elementos presentes<br />
no quadro. Alguns poucos elementos reconhecíveis<br />
ainda resistem por entre campos de cor que se<br />
justapõem. Agora a matéria não se apresenta de<br />
maneira tão vigorosa como na década anterior. É<br />
uma matéria mais leve, mas que ainda é matéria.<br />
Toda essa dinâmica está presente nos trabalhos<br />
recentes apresentados por Cristina Canale na I<br />
Mostra do Programa de Exposições <strong>2010</strong> no <strong>Centro</strong><br />
<strong>Cultural</strong> São <strong>Paulo</strong>. No piso expositivo, uma série<br />
de desenhos em aquarela traz à tona uma figura<br />
feminina em diferentes situações. Essas “Bartiras<br />
de mentira” reforçam o aspecto gráfico da produção<br />
da artista por meio de linhas descontínuas, de<br />
manchas e sobreposições de cores, de traços e<br />
pinceladas em sentidos diversos dando um aspecto<br />
inacabado às imagens. Aos poucos, a figura da<br />
menina índia passa de uma constatação para uma<br />
insinuação. Os desenhos vão ganhando indefinição<br />
nas formas em pinturas liquefeitas, meio sujas, de<br />
contornos imperfeitos, ao mesmo tempo em que a<br />
figura vai perdendo identidade.<br />
Na mesma exposição, pela primeira vez, Canale arrisca<br />
a projeção de seu trabalho em escala arquitetônica.<br />
Provavelmente uma das imagens da série que mais<br />
se aproxima da abstração ganha a vidraça da entrada<br />
da área expositiva do CCSP, em uma película adesiva<br />
de 3x3m. Está presente, no centro da imagem, a<br />
pequena índia que permanece de costas e já não traz<br />
adereços característicos. Ela fica no limite de perder<br />
seu protagonismo, não mais representando um<br />
personagem, e sim aludindo a um. Sua presença pode<br />
ser vista como campos de cores. Aqui, a artista explora<br />
a transparência e a projeção de cores para dentro do<br />
espaço expositivo. Sempre à beira de uma iminente<br />
dissolução, a produção de Cristina Canale pode ter aí<br />
um novo campo a ser explorado.<br />
10 programa de exposições <strong>2010</strong> centro cultural são paulo 11