A Tempo - Revista de Pesquisa em Música - n°2 (jan/jun ... - Fames
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“É justamente o t<strong>em</strong>a do espaço que é<br />
<strong>de</strong>cisivo para se pensar a representação<br />
nas artes <strong>em</strong> geral. O espaço é, digamos,<br />
o potencializador <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista”<br />
(FLORES, 2006, p. 83). Para Barthes (1990),<br />
a relação entre o espectador e o filme é<br />
muito mais subjetiva e profunda. Campan<br />
(1999, apud FLORES, 2006, p. 83) trata <strong>de</strong>ste<br />
espaço como sendo “um espaço imaginário<br />
que compete ao espectador construir na<br />
medida do <strong>de</strong>senrolar da representação”.<br />
O cineasta Sergei Eisenstein nutria gran<strong>de</strong><br />
respeito pelos po<strong>de</strong>res do espectador e<br />
pelos misteriosos trabalhos da percepção<br />
e da compreensão (ANDREW, 2002, p. 48).<br />
Justificado por essa profunda relação,<br />
Eisenstein <strong>de</strong>sejou criar para o cin<strong>em</strong>a<br />
um sist<strong>em</strong>a <strong>em</strong> que todos os el<strong>em</strong>entos<br />
seriam iguais e comensuráveis [...] a<br />
fim <strong>de</strong> que o filme possa escapar do<br />
realismo cru <strong>de</strong> apenas contar uma<br />
história acompanhada por el<strong>em</strong>entos<br />
<strong>de</strong> apoio. Eisenstein afirmou que cada<br />
el<strong>em</strong>ento funciona como uma atração<br />
[...] capaz <strong>de</strong> dar ao espectador uma<br />
impressão psicológica precisa [...] Para<br />
Eisenstein, ver um filme é como ser<br />
sacudido por uma ca<strong>de</strong>ia contínua<br />
<strong>de</strong> choques vindos <strong>de</strong> cada um dos<br />
vários el<strong>em</strong>entos do espetáculo<br />
cin<strong>em</strong>atográfico, não apenas do<br />
enredo (ANDREW, 2002, p. 50).<br />
Enten<strong>de</strong>ndo a diegese 1 fílmica como um<br />
1 “O termo diegese provém do grego diegesis,<br />
significando narração e <strong>de</strong>signava particularmente<br />
uma das partes obrigatórias do discurso judiciário, a<br />
exposição dos fatos. Tratando-se <strong>de</strong> cin<strong>em</strong>a o termo foi<br />
revalorizado por Étienne Souriau; <strong>de</strong>signa a instância<br />
representada do filme, isto é, o con<strong>jun</strong>to <strong>de</strong> <strong>de</strong>notação<br />
fílmica: o enredo <strong>em</strong> si, mas também o t<strong>em</strong>po e o<br />
organismo, a proposta do cineasta é tratar<br />
cada um <strong>de</strong> seus el<strong>em</strong>entos como uma área<br />
<strong>de</strong> interação perceptiva que atuará gerando<br />
reações e relações do espectador com a<br />
obra. Assim fundamenta-se o espaço <strong>de</strong><br />
correspondência audiovisual: as relações dos<br />
conteúdos sonoros e visuais <strong>em</strong> todos seus<br />
aspectos colaboram para a sincronização<br />
<strong>de</strong> sentidos que catalisam a percepção, pois<br />
tratam da relação entre o som e a imag<strong>em</strong><br />
<strong>de</strong>ntro do contexto fílmico. A soma <strong>de</strong>stas<br />
linguagens gera um texto a ser recebido pelo<br />
fruidor. E este texto po<strong>de</strong> ser compreendido<br />
<strong>em</strong> vários níveis <strong>de</strong> informação.<br />
Por um lado, o falado e o con<strong>jun</strong>to<br />
do sonoro conquistaram autonomia:<br />
[...] <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser um componente<br />
da imag<strong>em</strong> visual, como no primeiro<br />
estágio, tornaram-se imag<strong>em</strong><br />
integralmente. A imag<strong>em</strong> sonora<br />
nasceu, <strong>em</strong> sua própria ruptura, <strong>de</strong><br />
sua ruptura com a imag<strong>em</strong> visual.<br />
Já não são n<strong>em</strong> dois componentes<br />
autônomos <strong>de</strong> uma mesma imag<strong>em</strong><br />
audiovisual [...] são duas imagens<br />
“heutônomas”, uma visual e uma<br />
sonora, com uma falha, um interstício,<br />
um corte irracional entre ambas [...]<br />
Não há portanto mais extracampo,<br />
tampouco sons off para povoá-lo, já<br />
que as duas formas <strong>de</strong> extracampo, e as<br />
distribuições sonoras correspon<strong>de</strong>ntes,<br />
eram ainda características da imag<strong>em</strong><br />
visual. Agora porém, a imag<strong>em</strong> visual<br />
renunciou a sua exteriorida<strong>de</strong>, separouse<br />
do mundo e conquistou seu avesso,<br />
libertou-se do que <strong>de</strong>la <strong>de</strong>pendia.<br />
Paralelamente, a imag<strong>em</strong> sonora<br />
livrou-se <strong>de</strong> sua própria <strong>de</strong>pendência,<br />
espaço implicados no e pelo enredo, portanto, as<br />
personagens, as paisagens, acontecimentos e outros<br />
el<strong>em</strong>entos narrativos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que tomados no seu estado<br />
<strong>de</strong>notado” (METZ, 1997, apud FLORES, 2006, p. 13).<br />
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