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A Tempo - Revista de Pesquisa em Música - n°2 (jan/jun ... - Fames

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a t<strong>em</strong>po<br />

REVISTA DE PESQUISA EM MÚSICA<br />

NÚMERO 2<br />

2012/1<br />

FACULDADE DE MÚSICA DO ESPÍRITO SANTO “MAURÍCIO DE OLIVEIRA”<br />

VITÓRIA - ES


a t<strong>em</strong>po – REVISTA DE PESQUISA EM MÚSICA. Coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> pós-graduação / Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> do Espírito Santo.<br />

V.2, n.2 (<strong>jan</strong>/<strong>jun</strong> 2012).<br />

Vitória, ES: DIO/ES, 2012<br />

S<strong>em</strong>estral<br />

1. <strong>Música</strong> - Periódicos.<br />

ISSN 2237-7425<br />

CDD: 780.7<br />

Tirag<strong>em</strong>: 500 ex<strong>em</strong>plares


a t<strong>em</strong>po<br />

REVISTA DE PESQUISA EM MÚSICA<br />

FACULDADE DE MÚSICA DO ESPÍRITO SANTO “MAURÍCIO DE OLIVEIRA”<br />

COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO<br />

EDITORA<br />

Gina Denise Barreto Soares<br />

CONSELHO EDITORIAL<br />

Antônio Marcos Cardoso (UFG)<br />

Diana Santiago (UFBA)<br />

Elizabeth Travassos (UNIRIO)<br />

Ernesto Hartmann (UFES)<br />

Jorge Antunes (UNB)<br />

José Alberto Salgado (UFRJ)<br />

José Nunes Fernan<strong>de</strong>s (UNIRIO)<br />

Luis Ricardo Silva Queiroz (UFPB)<br />

Margarete Arroyo (UNESP)<br />

Mônica Vermes (UFES)<br />

Ricardo Tacuchian (UFRJ)<br />

Sérgio Luiz Ferreira <strong>de</strong> Figueiredo (UDESC)<br />

Sílvio Ferraz (UNICAMP)<br />

Sônia Albano (UNESP)<br />

Vanda Freire (UFRJ)<br />

ASSESSORIA EDITORIAL<br />

Marcelo Rauta<br />

Paula Maria Lima Galama<br />

Wan<strong>de</strong>r Luiz<br />

Wellington Rogério Da Silva<br />

REVISÃO TÉCNICA<br />

Wellington Rogério Da Silva<br />

ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO<br />

Daniela Ramos<br />

PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO<br />

Sérgio Rodrigo da S. Ferreira


Sumário<br />

08 | Editorial<br />

10 | Formação continuada com os professores <strong>de</strong> musicalização<br />

infantil: momentos <strong>de</strong> reflexão e <strong>de</strong> ação<br />

Alba Janes Santos Lima<br />

28 | Canção Melancólica: aspectos formais, estilísticos e interpretativos<br />

Raquel Almeida Rohr <strong>de</strong> Oliveira Isidoro<br />

44 | O estudo diário do violino: estratégias <strong>de</strong> estudo<br />

Silas <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> Neto<br />

56 | Ernesto Nazareth e suas valsas para piano<br />

Ângela Volpato Almeida<br />

78 | Possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> análise rítmica à partir da Cartilha<br />

Rítmica para piano <strong>de</strong> Almeida Prado: uma análise introdutória<br />

<strong>de</strong> três exercícios<br />

Alan Caldas Simões<br />

74 | A relação imag<strong>em</strong> e som no cin<strong>em</strong>a: do espaço <strong>de</strong> correspondências<br />

audiovisuais<br />

Francysmeyre Rodrigues Thompson, Vinicius Fabio Ferreira Silva e<br />

Izaura Serpa Kaiser


Editorial<br />

Dentre os <strong>de</strong>safios que envolv<strong>em</strong> a<br />

compreensão musical, a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> campos<br />

<strong>de</strong> conhecimento com a qual a música se<br />

relaciona é um <strong>de</strong>les. Nesse sentido, a pesquisa<br />

na área da música t<strong>em</strong> expandido seus limites<br />

e estabelecido relações com diferentes áreas,<br />

provocando assim um enriquecimento<br />

consi<strong>de</strong>rável que advém <strong>de</strong>sse trato dialético<br />

entre campos diversos. Assim, o conhecimento<br />

musical ganha conotações que o colocam<br />

<strong>em</strong> sintonia com áreas <strong>de</strong> conhecimento<br />

possuidoras <strong>de</strong> tradição <strong>em</strong> pesquisa mais<br />

fortalecidas que aquelas relacionadas às artes.<br />

Em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma expressão da or<strong>de</strong>m<br />

do não verbal e <strong>de</strong> ter uma materialida<strong>de</strong><br />

própria, não comparável com a <strong>de</strong> outras<br />

artes, a subjetivida<strong>de</strong> inerente à música é<br />

frequent<strong>em</strong>ente supervalorizada. Esse fato<br />

acaba alimentando concepções pouco realistas,<br />

levando a música e todo o con<strong>jun</strong>to <strong>de</strong> saberes<br />

que lhe são relacionados a uma situação<br />

especial. Diversa das outras formas <strong>de</strong> produção<br />

<strong>de</strong> conhecimento por não ser consi<strong>de</strong>rada do<br />

mesmo modo, <strong>de</strong> forma objetiva e racional, <strong>em</strong><br />

geral é comum observar opiniões no domínio<br />

do senso comum, até mesmo entre profissionais<br />

da área, que tratam o conhecimento musical<br />

como algo dado, inato e da or<strong>de</strong>m do divino.<br />

Se seguirmos essa perspectiva, a pesquisa <strong>em</strong><br />

música, até mesmo a própria pedagogia, corre<br />

o risco <strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada irrelevante ou mesmo<br />

dispensável, pois, assim, reforça-se a i<strong>de</strong>ia que a<br />

expressão artística está para além do ensino e<br />

do <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Mas, diante da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> refletir e<br />

encontrar estratégias para as ações necessárias<br />

ao fazer musical, as pesquisas têm se<br />

<strong>de</strong>senvolvido e conquistado relevância. Tal<br />

fato t<strong>em</strong> sido verificado entre os profissionais<br />

que, ao compartilhar<strong>em</strong> seus estudos, também<br />

têm mobilizado a opinião pública. Por ocasião<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>bates relacionados a projetos sociais,<br />

mostrando <strong>de</strong> forma prática o quanto a música<br />

t<strong>em</strong> oferecido oportunida<strong>de</strong>s e sentido na<br />

transformação <strong>de</strong> trajetórias individuais, e da<br />

aprovação da lei que regulamenta o ensino<br />

da música como conteúdo obrigatório na<br />

educação básica, <strong>de</strong>paramo-nos com indícios do<br />

interesse que o assunto <strong>de</strong>sperta. As tentativas<br />

<strong>de</strong> compartilhar experiências do trabalho com<br />

a música, pouco a pouco vêm consquistando<br />

legitimida<strong>de</strong>, qualida<strong>de</strong> e importância.<br />

Consi<strong>de</strong>rando a pesquisa um meio <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r<br />

e explicar, <strong>de</strong> forma sist<strong>em</strong>ática, aspectos que<br />

<strong>em</strong> geral estão presentes na nossa atuação<br />

profissional cotidiana, torna-se importante<br />

compartilhar nossas conclusões. É nessa<br />

direção que a pesquisa encontra uma <strong>de</strong><br />

suas justificativas mais plausíveis, ao oferecer<br />

instrumentos que nos permit<strong>em</strong> renovar a<br />

nossa prática. Contribuindo para divulgação<br />

<strong>de</strong> conhecimentos acadêmicos e buscando<br />

fortalecer a cumplicida<strong>de</strong> entre teoria e prática:<br />

estamos imbuídos do verda<strong>de</strong>iro sentido<br />

da pesquisa. Este seria aquele que, mesmo<br />

aten<strong>de</strong>ndo a pressupostos metodológicos<br />

e científicos, permite que o conhecimento<br />

produzido possa ser compartilhado com a<br />

comunida<strong>de</strong> dos que, <strong>de</strong> alguma maneira,<br />

possu<strong>em</strong> interesse nos vários t<strong>em</strong>as das várias<br />

áreas da pesquisa, profissionais ou não.<br />

Portanto, a <strong>Fames</strong> buscando fazer parte


<strong>de</strong>sse movimento <strong>de</strong> incentivo e divulgação<br />

<strong>de</strong> pesquisas na área da música, apresenta<br />

o segundo volume da a t<strong>em</strong>po – <strong>Revista</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>Pesquisa</strong> <strong>em</strong> <strong>Música</strong>. A publicação traz seis<br />

artigos que, tendo como campo principal,<br />

a música, dialoga com outros campos do<br />

conhecimento como ver<strong>em</strong>os a seguir.<br />

Iniciamos a revista com o artigo <strong>de</strong> Alba Janes<br />

Santos Lima, que t<strong>em</strong> como t<strong>em</strong>a a “Formação<br />

continuada com os professores <strong>de</strong> musicalização<br />

infantil: momentos <strong>de</strong> reflexão e ação”. Tratando<br />

<strong>de</strong> uma vivência proposta e realizada pela<br />

autora, o artigo apresenta os resultados <strong>de</strong><br />

uma série <strong>de</strong> encontros entre os Professores<br />

do Departamento <strong>de</strong> Musicalização Infantil da<br />

<strong>Fames</strong>.<br />

A seguir, o Professor Alceu Camargo, compositor<br />

e violinista, importante nome associado à<br />

fundação da <strong>Fames</strong> e da Orquestra Filarmônica<br />

do Espírito Santo (OFES), t<strong>em</strong> uma <strong>de</strong> suas peças<br />

para violoncelo e piano como objeto <strong>de</strong> pesquisa<br />

do trabalho <strong>de</strong> Raquel Almeida Rohr <strong>de</strong> Oliveira<br />

Isidoro no artigo “Canção Melancólica: aspectos<br />

formais, estilísticos e interpretativos”.<br />

a partir da Cartilha Rítmica para piano <strong>de</strong><br />

Almeida Prado: uma análise introdutória <strong>de</strong> três<br />

exercícios”, <strong>de</strong> Alan Caldas Simões, traz reflexões<br />

sobre parte <strong>de</strong> uma obra que potencialmente<br />

po<strong>de</strong> contribuir com a ampliação <strong>de</strong> questões<br />

referentes à escuta e à performance musicais.<br />

Abordando questões sobre a utilização da<br />

música no cin<strong>em</strong>a, <strong>em</strong> “A relação imag<strong>em</strong> e<br />

som no cin<strong>em</strong>a: do espaço <strong>de</strong> correspondências<br />

audiovisuais” Francysmeyre Rodrigues<br />

Thompson, Vinícius Fábio Ferreira Silva e Izaura<br />

Serpa Kaiser elaboram uma revisão bibliográfica<br />

sobre o assunto.<br />

Esperamos que essa publicação esteja “a t<strong>em</strong>po”<br />

<strong>de</strong> cumprir seus propósitos e que colabore <strong>em</strong><br />

alguma medida, com o redimensionamento do<br />

conhecimento da pesquisa <strong>em</strong> música <strong>de</strong> seus<br />

leitores.<br />

Gina Denise Barreto Soares<br />

Editora<br />

Preocupando-se com questões relacionadas ao<br />

aprendizado do instrumento, o artigo “O estudo<br />

diário do violino: estratégias <strong>de</strong> estudo”, <strong>de</strong> Silas<br />

<strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> Neto, propõe uma reflexão sobre a<br />

condução <strong>de</strong>sse aprendizado.<br />

Em “Ernesto Nazareth e suas valsas <strong>de</strong> piano”,<br />

Angela Volpato Almeida constrói um panorama<br />

no qual o compositor <strong>de</strong>senvolveu sua obra<br />

que, transitando entre a música popular e a<br />

erudita, possui características ímpares. O artigo<br />

traz análises <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados aspectos das<br />

valsas, um dos gêneros significativos na obra do<br />

compositor.<br />

O artigo “Possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> análise rítmica


Formação Continuada<br />

com os Professores <strong>de</strong><br />

Musicalização Infantil:<br />

Momentos <strong>de</strong> Reflexão e <strong>de</strong><br />

Ação<br />

Alba Janes Santos Lima<br />

Professora do curso <strong>de</strong> licenciatura da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> do Espírito Santo “Maurício <strong>de</strong> Oliveira” - FAMES,<br />

mestranda <strong>em</strong> música pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro – UFRJ.<br />

Resumo<br />

Abstract<br />

O artigo apresenta os resultados da formação<br />

continuada realizada pela autora com nove<br />

professores do Departamento <strong>de</strong> Musicalização<br />

Infantil da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> do Espírito Santo –<br />

FAMES. Nos encontros se tratou dos seguintes t<strong>em</strong>as:<br />

abordagens <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e aprendizag<strong>em</strong><br />

segundo Piaget e Vygotsky, diversida<strong>de</strong> e cotidiano<br />

escolar, educação inclusiva além da própria formação<br />

continuada e suas fundamentações. Foram utilizados<br />

os procedimentos metodológicos da pesquisa-ação.<br />

A análise foi baseada nos dados coletados através<br />

<strong>de</strong> questionário, diário <strong>de</strong> campo e entrevistas<br />

s<strong>em</strong>iestruturadas, <strong>em</strong> que se buscou fazer uma<br />

escuta sensível <strong>jun</strong>to ao grupo. Após um ano <strong>de</strong><br />

encontros, os resultados superaram as expectativas.<br />

De acordo com a pesquisa, houve a ampliação do<br />

conhecimento na área <strong>de</strong> educação e a compreensão<br />

da importância <strong>de</strong> formações <strong>de</strong> tal tipo.<br />

Palavras-chave: formação continuada -<br />

musicalização infantil - pesquisa-ação.<br />

This article collects the results of the action continuing<br />

education done with nine professors and directed by<br />

the author, on the FAMES (Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> do<br />

Espirito Santo) Department of Child Music Education.<br />

This was accomplished by various meetings where<br />

was discussed the following th<strong>em</strong>es: approaches<br />

on <strong>de</strong>velopment and learning according to Piaget<br />

e Vygotsky , diversity and everyday school, inclusive<br />

education after the continuing formation and its<br />

reasons. It was used the search-action methodology.<br />

This analysis was ma<strong>de</strong> upon day-to-day field<br />

questionnaires and s<strong>em</strong>i-structured interviews,<br />

where we tried to do a sensitive listening of the<br />

group. After one year meetings the results beat by far<br />

what we expected. According to the research there<br />

was an extension of the knowledge of education and<br />

the comprehension of the importance of classes that<br />

have.<br />

Keywords: continuing education - child music<br />

education - action research.


Introdução e Contextualização<br />

Várias discussões têm sido feitas a respeito<br />

<strong>de</strong> uma formação profissional mais ampla<br />

no campo da educação, especialmente <strong>de</strong><br />

uma formação que capacite e possibilite<br />

os professores a lidar<strong>em</strong> com a imensa<br />

diversida<strong>de</strong> que caracteriza o universo<br />

escolar. Alguns autores como Ferraço<br />

(2005); Alarcão (2003); Carvalho (2004) vêm<br />

buscando caminhos efetivos para estimular<br />

professores a refletir e a agir <strong>de</strong> forma mais<br />

contextualizada na sua ação pedagógica<br />

com o objetivo <strong>de</strong> superar os <strong>de</strong>safios que<br />

se apresentam.<br />

A condição <strong>de</strong> ser/estar professor instigounos<br />

a curiosida<strong>de</strong> <strong>em</strong> dialogar a respeito<br />

<strong>de</strong>ssa profissão e possibilitou analisar e<br />

<strong>de</strong>svelar esse pensar/agir entre o grupo<br />

<strong>de</strong> professores do Departamento <strong>de</strong><br />

Musicalização Infantil que faz parte da<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> do Espírito Santo<br />

– FAMES. A técnica <strong>de</strong> execução <strong>de</strong> um<br />

instrumento e a performance <strong>de</strong>sses<br />

profissionais não estão, aqui, postos <strong>em</strong><br />

dúvida. Mas será que a forma <strong>de</strong> apresentar<br />

os alunos a música, sensibilizá-los, seduzilos,<br />

ensiná-los e estimulá-los é igualmente<br />

eficiente? E mais: existiria uma fórmula<br />

única que servisse a todos indistintamente?<br />

A docência não é, portanto, uma ativida<strong>de</strong><br />

mágica, no sentido <strong>de</strong> que, executando-se<br />

os procedimentos programados, a mudança<br />

se dará e o resultado, previsível, estará<br />

garantido. Ao contrário, há s<strong>em</strong>pre um<br />

<strong>de</strong>safio que se propõe, que se renova, há que<br />

se buscar s<strong>em</strong>pre soluções diferenciadas<br />

para situações também <strong>em</strong> permanente<br />

mudança. Ou seja, ensinar e apren<strong>de</strong>r são<br />

faces da mesma moeda e ambas exig<strong>em</strong> do<br />

professor muitas competências e reflexão<br />

constante. Discutindo essas competências,<br />

Alarcão (2003) afirma que:<br />

[...] talvez não seja apenas necessário<br />

apren<strong>de</strong>r a apren<strong>de</strong>r, mas apren<strong>de</strong>r<br />

a <strong>de</strong>sapren<strong>de</strong>r para reapren<strong>de</strong>r e<br />

<strong>em</strong>preen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> forma diversa e a<br />

um nível qualitativamente diferente<br />

com base <strong>em</strong> métodos, estratégias,<br />

conteúdos e formas <strong>de</strong> organização,<br />

gestão e avaliação distintas (ALARCAO,<br />

2003, p. 43).<br />

A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver um projeto vinculado<br />

à minha prática docente <strong>jun</strong>to à FAMES é<br />

fruto <strong>de</strong> uma reflexão pessoal que venho<br />

<strong>de</strong>senvolvendo há algum t<strong>em</strong>po sobre a<br />

questão da diversida<strong>de</strong> no universo escolar,<br />

particularmente no caso do ensino <strong>de</strong><br />

música.<br />

No Departamento <strong>de</strong> Musicalização Infantil<br />

não havia encontros pré-agendados<br />

<strong>de</strong>stinados à troca <strong>de</strong> idéias entre os<br />

12


professores. As conversas aconteciam nos<br />

corredores ou na sala da coor<strong>de</strong>nação<br />

pedagógica, casualmente. Dessa maneira,<br />

era praticamente impossível chegar a<br />

consensos, pois o grupo não conseguia se<br />

reunir para tomar <strong>de</strong>cisões importantes<br />

referentes ao trabalho. Observei e apontei<br />

para o grupo a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer<br />

uma reunião pedagógica. A idéia foi aceita<br />

e apoiada por todos os colegas. Assim, o<br />

grupo <strong>de</strong> professores <strong>de</strong> musicalização da<br />

FAMES passou a realizar s<strong>em</strong>analmente uma<br />

reunião pedagógica.<br />

Des<strong>de</strong> o início houve a preocupação no<br />

sentido <strong>de</strong> que as reuniões se tornass<strong>em</strong><br />

momentos <strong>de</strong> reflexão e ação e um espaço<br />

<strong>de</strong> discussão, cuja importância na prática<br />

pedagógica fosse percebida por cada um<br />

<strong>de</strong> nós. Em pouco t<strong>em</strong>po, o projeto inicial<br />

assumiu o caráter <strong>de</strong> formação continuada<br />

<strong>em</strong> serviço, isto é, a ser <strong>de</strong>senvolvida <strong>de</strong>ntro<br />

da própria carga horária do professor.<br />

O Curso <strong>de</strong> Musicalização Infantil da<br />

FAMES está organizado <strong>em</strong> oito níveis<br />

com duração <strong>de</strong> oito anos. O curso aborda<br />

conteúdos básicos dos el<strong>em</strong>entos musicais,<br />

vivenciados <strong>de</strong> forma natural e espontânea,<br />

do concreto para o simbólico, utilizando,<br />

como recursos didáticos, a voz, o corpo,<br />

o lúdico. T<strong>em</strong> como objetivos: sensibilizar<br />

musicalmente a criança, <strong>de</strong>senvolvendo a<br />

expressivida<strong>de</strong>, criativida<strong>de</strong> e a percepção<br />

sonora; construir conhecimentos musicais<br />

relativos aos el<strong>em</strong>entos básicos da música,<br />

experimentando-os <strong>de</strong> forma ativa e<br />

prazerosa; <strong>de</strong>senvolver a percepção rítmica,<br />

a percepção melódica e harmônica, o ouvido<br />

musical, e a m<strong>em</strong>ória auditiva; alfabetizar,<br />

musicalmente, crianças entre 04 e 11 anos.<br />

O funcionamento do curso se dá nos turnos<br />

matutino e vespertino (FAMES, 2006).<br />

No bojo das discussões, com o grupo<br />

<strong>de</strong> professores, foram se <strong>de</strong>lineando as<br />

motivações para realizar-se a formação<br />

continuada. Percebi quatro razões como<br />

sendo as mais importantes.<br />

A primeira <strong>de</strong>las está relacionada ao próprio<br />

cotidiano escolar, já que esse cotidiano,<br />

por si só cria necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interação<br />

entre os pares a fim <strong>de</strong> tomar <strong>de</strong>cisões<br />

comuns a respeito <strong>de</strong> questões seguintes:<br />

calendário, ativida<strong>de</strong>s pedagógicas, s<strong>em</strong>ana<br />

<strong>de</strong> avaliação, avanço e rendimento <strong>de</strong><br />

alunos, estratégias para a realização do<br />

ensino-aprendizag<strong>em</strong> e formações como<br />

s<strong>em</strong>inários, palestras e cursos.<br />

A segunda razão diz respeito à necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> conhecer mais sobre o campo da<br />

educação no que concerne às teorias <strong>de</strong><br />

13


aprendizag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Piaget e Vygotsky. Esse<br />

interesse foi manifestado nos encontros<br />

com a equipe <strong>de</strong> professores.<br />

Já a terceira razão surgiu por conta da<br />

chegada <strong>de</strong> uma criança com muita<br />

dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> concentração. Este fato<br />

fez com que o grupo se sentisse inseguro<br />

quanto às praticas educativas que <strong>de</strong>veriam<br />

ser oferecidas a tal criança e quais estratégias<br />

<strong>de</strong> ensino-aprendizag<strong>em</strong> po<strong>de</strong>riam ser<br />

utilizadas para que ela fosse beneficiada.<br />

Por fim, a quarta razão v<strong>em</strong> da representação<br />

social que o curso <strong>de</strong> música, especialmente<br />

o <strong>de</strong> musicalização infantil, possui. Ele é<br />

muito procurado por pais que, aconselhados<br />

por psicólogos e psiquiatras, ve<strong>em</strong> na<br />

música um apoio educacional e psicológico<br />

para seus filhos.<br />

Todas essas razões, i<strong>de</strong>ntificadas por meio<br />

<strong>de</strong> observações e diálogos, produziram<br />

inquietações e impulsionaram, afinal, a<br />

realização <strong>de</strong>ste trabalho.<br />

O projeto <strong>de</strong>stinou-se a um grupo<br />

<strong>de</strong> professores do Departamento <strong>de</strong><br />

Musicalização Infantil da FAMES e tinha os<br />

seguintes objetivos: <strong>de</strong>spertar o grupo para<br />

compreen<strong>de</strong>r a importância da formação<br />

continuada; propiciar ao grupo uma<br />

formação continuada que evi<strong>de</strong>nciasse<br />

o conhecimento <strong>de</strong> alguns t<strong>em</strong>as, já<br />

solicitados pelo grupo, relacionados à<br />

educação; fomentar nos encontros s<strong>em</strong>anais<br />

discussões sobre t<strong>em</strong>as sugeridos pela<br />

equipe, a fim <strong>de</strong> propiciar a reorganização<br />

do programa, com a participação <strong>de</strong> todos;<br />

orientar o grupo na escolha e na execução<br />

<strong>de</strong> um plano <strong>de</strong> ação direcionando a um<br />

pensar/fazer reflexivo sobre e para além da<br />

prática escolar; compreen<strong>de</strong>r os princípios<br />

da educação inclusiva e sua importância na<br />

atualida<strong>de</strong>; analisar a opinião dos professores<br />

envolvidos na formação continuada e as<br />

mudanças percebidas por estes.<br />

A pesquisa seguiu os procedimentos<br />

metodológicos que caracterizam a pesquisaação.<br />

O pesquisador também integra o<br />

grupo analisado. Propõe-se a implantar e<br />

a estruturar a formação continuada, b<strong>em</strong><br />

como fazer as mediações nesse processo que<br />

envolve os professores do Departamento <strong>de</strong><br />

Musicalização Infantil da FAMES.<br />

A pesquisa-ação é <strong>de</strong>finida como<br />

[...] um tipo <strong>de</strong> investigação social<br />

com base <strong>em</strong>pírica que é concebida<br />

e realizada <strong>em</strong> estreita associação<br />

com uma ação ou com a resolução<br />

<strong>de</strong> um probl<strong>em</strong>a coletivo no qual<br />

os pesquisadores e os participantes<br />

representativos da situação ou<br />

do probl<strong>em</strong>a estão envolvidos <strong>de</strong><br />

14


modo cooperativo ou participativo<br />

(THIOLLENT, 1994, p. 30).<br />

O objetivo da pesquisa-ação consiste<br />

<strong>em</strong> resolver ou, pelo menos, esclarecer<br />

os probl<strong>em</strong>as da situação observada. “A<br />

pesquisa-ação possui três características<br />

importantes, como: a contribuição para a<br />

mudança, o caráter participativo e apoiante<br />

do grupo e o impulso <strong>de</strong>mocrático”<br />

(ALARCÃO, 2003, p. 47). Outra característica<br />

<strong>de</strong>ssa metodologia é que o pesquisador<br />

procura ter uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> elucidação<br />

dos aspectos das situações apresentadas,<br />

s<strong>em</strong> imposição unilateral <strong>de</strong> suas próprias<br />

concepções (THIOLLENT, 1994).<br />

A pesquisa consi<strong>de</strong>rou os sujeitos como<br />

atores sociais <strong>em</strong> relação a grupos específicos.<br />

Esses sujeitos <strong>de</strong> investigação, primeiramente,<br />

são constituídos teoricamente<br />

como componentes do objeto <strong>de</strong> estudo.<br />

Esses mesmos sujeitos, atores, no campo <strong>de</strong><br />

estudo [...] “faz<strong>em</strong> parte <strong>de</strong> uma relação <strong>de</strong><br />

intersubjetivida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> interação social com<br />

o pesquisador (MINAYO, 1996, p. 105).<br />

Foram consi<strong>de</strong>rados como participantes<br />

<strong>de</strong>ste estudo todos os <strong>de</strong>z professores<br />

(incluindo a pessoa do pesquisador) e<br />

a coor<strong>de</strong>nadora do Departamento <strong>de</strong><br />

Musicalização Infantil da FAMES. Um<br />

questionário foi elaborado e aplicado<br />

com o objetivo <strong>de</strong> colher informações e<br />

analisar os tópicos propostos na formação<br />

continuada. O questionário continha oito<br />

perguntas que apontaram para o conceitual<br />

que seria utilizado. Também foi feito um<br />

levantamento, através <strong>de</strong> uma pequena<br />

entrevista, das experiências <strong>de</strong> formação<br />

continuada vivenciadas pelos integrantes<br />

do grupo.<br />

T<strong>em</strong>as Dialogados<br />

A formação continuada foi realizada <strong>em</strong> 13<br />

encontros e vários t<strong>em</strong>as foram apresentados<br />

como: Formação Continuada; As Teorias<br />

<strong>de</strong> Desenvolvimento e <strong>de</strong> Aprendizag<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong> Piaget e Vygotsky; Professor, Intelectual<br />

Crítico e Reflexivo; Diversida<strong>de</strong> e Cotidiano<br />

Escolar; Educação Inclusiva.<br />

Três concepções <strong>de</strong> formação continuada foram<br />

observadas <strong>em</strong> estudos feitos por Sana<br />

(2001, p. 49). A primeira concepção <strong>de</strong>fen<strong>de</strong><br />

a utilização <strong>de</strong> tecnologia educacional <strong>em</strong><br />

cursos, palestras, treinamentos e assim permitir<br />

ao formando adquirir competências.<br />

A segunda concepção concebe a formação<br />

continuada sendo igual à prática reflexiva.<br />

Com referência a formação continuada,<br />

Carvalho & Simões apontam que,<br />

15


<strong>de</strong> modo geral, todos os estudos<br />

ten<strong>de</strong>m a recusar a idéia <strong>de</strong> formação<br />

continuada como treinamentos,<br />

cursos, s<strong>em</strong>inários, palestras e outros,<br />

e sinalizam para uma compreensão da<br />

formação continuada como processo<br />

que vai além da capacitação e/ou<br />

instrumentalização do professor com<br />

ferramentas (conhecimentos) técnicos<br />

pedagógicos (RANGEL, 2003, p. 39).<br />

A terceira concepção conceitua formação<br />

continuada como sendo uma reflexão sobre<br />

e para além da prática reflexiva.<br />

Os <strong>de</strong>fensores da formação como<br />

reflexão sobre e para além da prática<br />

analisam a prática escolar iluminados<br />

por ‘olhares’ que extrapolam os<br />

limites da instituição estudada e<br />

contextualizam tal reflexão no âmbito<br />

<strong>de</strong> um contexto mais amplo, tendo<br />

como objetivo a transformação da<br />

realida<strong>de</strong> (CARVALHO & SIMÕES apud<br />

SANA, 2001, p. 51).<br />

Para efeito do presente estudo, será<br />

consi<strong>de</strong>rada a terceira concepção, ou seja,<br />

formação continuada como reflexão sobre<br />

e para além da prática, por se tratar <strong>de</strong> uma<br />

concepção muito mais abrangente, no<br />

ponto <strong>de</strong> vista da pesquisadora.<br />

A formação do professor é uma elaboração<br />

histórica continuada. Um eterno processo<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, no qual o educador,<br />

no cotidiano do seu trabalho, no exercício<br />

consciente <strong>de</strong> sua prática social pedagógica,<br />

vai revendo, analisando e fazendo, assim,<br />

uma reflexão <strong>de</strong> sua competência <strong>de</strong> acordo<br />

com as exigências do momento histórico,<br />

do trabalho pedagógico e dos seus<br />

compromissos sociais.<br />

A formação continuada do professor<br />

<strong>de</strong>ve, assim, não só privilegiar os aspectos<br />

técnicos do exercício da profissão docente,<br />

<strong>de</strong>ve ir além, articulando-se com uma<br />

formação política, uma formação cultural,<br />

uma formação ética, uma formação estética<br />

(RANGEL, 2003). Uma formação (tanto<br />

inicial quanto continuada) <strong>de</strong>ve garantir<br />

ao professor a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> olhar para<br />

a realida<strong>de</strong> <strong>em</strong> sua totalida<strong>de</strong>, tornandose<br />

capaz <strong>de</strong>, perscrutando meandros da<br />

ação político-pedagógica que escapam aos<br />

mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> avaliação formal. Desta forma,<br />

precisam buscar <strong>em</strong> sua práxis não uma<br />

simples transmissão passiva <strong>de</strong> conteúdos<br />

ou uma aplicação <strong>de</strong> técnicas didático<br />

pedagógicas, e sim, uma ação sociopolítica<br />

(ALARCÃO, 1999).<br />

Outros t<strong>em</strong>as abordados nas formações<br />

foram As Teorias <strong>de</strong> Desenvolvimento e<br />

Aprendizag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Piaget e <strong>de</strong> Vygotsky.<br />

Para Piaget o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo<br />

é uma teoria <strong>de</strong> etapas que pressupõe que<br />

os seres humanos passam por uma série <strong>de</strong><br />

mudanças or<strong>de</strong>nadas e previsíveis. A criança<br />

é concebida como um ser dinâmico, que a<br />

16


todo o momento interage com a realida<strong>de</strong>,<br />

operando ativamente com objetos e<br />

pessoas. Essa interação com o ambiente faz<br />

com que ela construa estruturas mentais<br />

e adquira maneiras <strong>de</strong> fazê-las funcionar.<br />

O eixo central, portanto, é a interação<br />

organismo-meio e essa interação acontece<br />

através <strong>de</strong> dois processos simultâneos:<br />

a organização interna e a adaptação ao<br />

meio, funções exercidas pelo organismo<br />

ao longo da vida. A inserção <strong>de</strong> um<br />

objeto <strong>de</strong> conhecimento num sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong><br />

relações ocorre, fundamentalmente, por<br />

meio da ação do indivíduo sobre o objeto.<br />

“Piaget traça um esqu<strong>em</strong>a muito claro do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento intelectual elaborado <strong>em</strong><br />

estágios” (FONTANA & CRUZ, 1997, p. 45).<br />

Já a teoria <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e <strong>de</strong><br />

aprendizag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Vygotsky consi<strong>de</strong>ra<br />

que o conhecimento não se dá a partir<br />

da interação direta sujeito-objeto. Essa<br />

interação é, <strong>em</strong> essência, mediada. Com<br />

isso, ele propõe a idéia <strong>de</strong> mediação, tendo<br />

por base a concepção <strong>de</strong> Marx e Engels,<br />

realizada pelos instrumentos e signos. Os<br />

instrumentos são objetos do mundo físico,<br />

aqueles que me<strong>de</strong>iam à ação do hom<strong>em</strong><br />

sobre a natureza (OLIVEIRA, 1993). Os<br />

signos aparec<strong>em</strong> como os instrumentos<br />

psicológicos, pois eles ajudam na elaboração<br />

do próprio pensamento. Vygotsky construiu<br />

sua teoria tendo por base o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

do indivíduo como resultado <strong>de</strong> um<br />

processo sócio-histórico, enfatizando o<br />

papel da linguag<strong>em</strong> e da aprendizag<strong>em</strong><br />

nesse <strong>de</strong>senvolvimento, sendo essa teoria<br />

consi<strong>de</strong>rada histórico-social (FONTANA &<br />

CRUZ, 1997).<br />

Vygotsky afirma que a idéia central para a<br />

compreensão <strong>de</strong> suas concepções sobre o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento humano como processo<br />

sócio-histórico é a idéia <strong>de</strong> mediação:<br />

enquanto sujeito do conhecimento, o<br />

hom<strong>em</strong> não t<strong>em</strong> acesso direto aos objetos,<br />

mas acesso mediado, através <strong>de</strong> recortes do<br />

social, operados pelos sist<strong>em</strong>as simbólicos<br />

<strong>de</strong> que dispõe. Portanto, enfatiza a<br />

construção do conhecimento como uma<br />

interação mediada por várias relações, ou<br />

seja, o conhecimento não está sendo visto<br />

como uma ação do sujeito sobre a realida<strong>de</strong><br />

social, assim como no construtivismo, e sim,<br />

pela mediação feita por outros sujeitos.<br />

O mediador é qu<strong>em</strong> ajuda a criança a<br />

concretizar um <strong>de</strong>senvolvimento que ela<br />

ainda não atinge sozinha. Na escola, o<br />

professor e os colegas mais experientes são<br />

os principais mediadores.<br />

Partindo <strong>de</strong> sua perspectiva teórica,<br />

Vygotsky trabalhou também com crianças<br />

e adolescentes portadores <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s<br />

especiais, físicas, sensoriais e mentais,<br />

17


colocando <strong>em</strong> foco as capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sses<br />

alunos e não suas <strong>de</strong>ficiências. O aluno não<br />

é tão somente o sujeito da aprendizag<strong>em</strong>,<br />

mas, aquele que apren<strong>de</strong> <strong>jun</strong>to ao outro o<br />

que o seu grupo social produz (OLIVEIRA,<br />

1993).<br />

T<strong>em</strong>as como professor e escola reflexiva estavam<br />

presentes nos encontros <strong>de</strong> formação.<br />

Alarcão (2003) nos ajudou a pensar a<br />

respeito do professor reflexivo e o <strong>de</strong>fine<br />

como sendo aquela pessoa que reflete <strong>em</strong><br />

situação e principalmente constrói conhecimento<br />

a partir do pensamento sobre a sua<br />

prática.<br />

[...] é preciso vencer inércias, é preciso<br />

vonta<strong>de</strong> e persistência. “É preciso<br />

fazer um esforço gran<strong>de</strong> para passar<br />

do nível meramente <strong>de</strong>scritivo ou<br />

narrativo para o nível <strong>em</strong> que se<br />

buscam interpretações articuladas<br />

e justificadas e sist<strong>em</strong>atizações<br />

cognitivas” (ALARCÃO, 2003, p. 42).<br />

É importante ressaltar um triplo diálogo<br />

no professor reflexivo “Um diálogo consigo<br />

próprio, um diálogo com os outros, incluindo<br />

os que antes <strong>de</strong> nós construíram conhecimentos<br />

que são referência e o diálogo<br />

com a própria situação [...]”(ALARCÃO, 2003,<br />

p.45). Antes mesmo do professor auxiliar sua<br />

equipe, ele precisa conhecer quais são suas<br />

limitações e suas potencialida<strong>de</strong>s. É o diálogo<br />

consigo próprio que po<strong>de</strong>rá trazer novas<br />

avaliações e perspectivas quanto a novos<br />

projetos a ser<strong>em</strong> estabelecidos e alcançados<br />

para si mesmo. Giroux (1987) acredita que “a<br />

mera reflexão sobre o trabalho docente <strong>de</strong><br />

sala <strong>de</strong> aula é insuficiente para uma compreensão<br />

teórica dos el<strong>em</strong>entos que condicionam<br />

a prática profissional” (GIROUX, 1987, p.<br />

54). Sendo assim é necessário que o professor<br />

reflexivo construa <strong>em</strong> con<strong>jun</strong>to com outros<br />

professores a sua prática pedagógica.<br />

“A diferença não é somente uma<br />

manifestação do ser único que cada um é;<br />

<strong>em</strong> muitos casos, é a manifestação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

ou <strong>de</strong> chegar a ser, <strong>de</strong> ter possibilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> ser e <strong>de</strong> participar dos bens sociais,<br />

econômicos e culturais” (SACRISTÁN, 2002,<br />

p. 10). A diversida<strong>de</strong> e a singularida<strong>de</strong> estão<br />

presentes <strong>em</strong> todos os seres humanos. Nós,<br />

educadores, participamos da diversificação<br />

e da homogeneização da equiparação e da<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>. “A Educação <strong>de</strong>ve guiar-se<br />

reflexiva por um projeto, e isso leva a pensar<br />

o que fazer diante do t<strong>em</strong>a – probl<strong>em</strong>a da<br />

diversida<strong>de</strong> e que fazer também diante da<br />

universalida<strong>de</strong>” (SACRISTÁN, 2002, p. 11).<br />

O trato com a diversida<strong>de</strong>, presente<br />

<strong>em</strong> toda relação humana, verifica-se<br />

também na educação escolar. Como seres<br />

humanos somos organizados no aspecto<br />

social, político, econômico, psicológico e<br />

18


culturalmente viv<strong>em</strong>os numa dinâmica<br />

<strong>de</strong> vida que nos impõe uma série <strong>de</strong><br />

contradições, internas e externas, que, por<br />

sua vez, nos tornam diferentes uns dos<br />

outros.<br />

Desvendar o mundo dos significados<br />

da diversida<strong>de</strong> ou da diferença e ver<br />

o que se quis fazer com elas é um<br />

caminho para <strong>de</strong>scobrir práticas,<br />

afinar objetivos, tomar consciência<br />

e po<strong>de</strong>r administrar os processos<br />

<strong>de</strong> mudança <strong>de</strong> maneira um pouco<br />

reflexiva, principalmente agora que as<br />

reformas educacionais levantam, entre<br />

outras, a ban<strong>de</strong>ira da diversificação;<br />

um programa que anima todo tipo <strong>de</strong><br />

apoio (SACRISTÁN, 2002, p.08).<br />

O cotidiano escolar é vivo, multifacetado e<br />

complexo. Os processos informais surg<strong>em</strong><br />

e estão presentes no ambiente educacional<br />

<strong>de</strong> forma maciça e se apresentam dia após<br />

dia como um amontoado caótico <strong>de</strong> fatos,<br />

ocorrências e comportamento isolados.<br />

Contudo todos esses acontecimentos<br />

mantêm entre si uma relação, uma conexão,<br />

que as pessoas envolvidas nessa área<br />

i<strong>de</strong>ntificam como cotidiano escolar.<br />

Cada pessoa é única, com características<br />

físicas, mentais, sensoriais, afetivas e<br />

cognitivas diferenciadas. Portanto, há<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se respeitar e <strong>de</strong> se valorizar<br />

a diversida<strong>de</strong> e a singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada ser<br />

humano. Estaríamos, assim, assentando as<br />

bases da escola da inclusão, que vai além <strong>de</strong><br />

objetivos puramente escolares.<br />

Por fim, o grupo trabalhou t<strong>em</strong>as referentes<br />

à educação inclusiva. A complexida<strong>de</strong><br />

da nova organização social, construída<br />

<strong>em</strong> um processo <strong>de</strong> mudança com ritmo<br />

muito acelerado, gera novas <strong>de</strong>mandas,<br />

evi<strong>de</strong>nciando que os conhecimentos<br />

disponíveis são insuficientes. A globalização<br />

da socieda<strong>de</strong> cont<strong>em</strong>porânea, fato marcante<br />

<strong>de</strong>ssa fase, torna o mundo mais complexo.<br />

Coexist<strong>em</strong> novas e velhas necessida<strong>de</strong>s<br />

sociais. As indagações se tornam mais<br />

constantes do que as respostas. Para que<br />

aconteça a inclusão, é necessária uma<br />

reformulação dos currículos, das formas <strong>de</strong><br />

avaliação, da formação <strong>de</strong> professores e <strong>de</strong><br />

uma política educacional mais <strong>de</strong>mocrática.<br />

Implicará <strong>de</strong>ssa forma, uma reestruturação<br />

do sist<strong>em</strong>a educacional que vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

políticas públicas até a sala <strong>de</strong> aula.<br />

Dois aspectos são centrais para que haja<br />

uma política <strong>de</strong> educação inclusiva: a organização<br />

<strong>de</strong> serviços e a formação <strong>de</strong> professores.<br />

A inclusão é um processo constante<br />

que precisa ser continuamente revisto. Exige<br />

dos profissionais uma nova postura diante<br />

da realida<strong>de</strong>, pois os conceitos e as práticas<br />

educativas serão construídos com um<br />

trabalho cooperativo e colaborativo. Não há<br />

respostas prontas n<strong>em</strong> pré-estabelecidas.<br />

19


(Re)organizar esta nova prática educativa<br />

para alunos com necessida<strong>de</strong>s educativas<br />

especiais que chegam ao ensino regular não<br />

é uma tarefa fácil, já que exigirá dos profissionais<br />

<strong>de</strong> educação um novo pensar, uma<br />

nova postura diante da diversida<strong>de</strong>.<br />

MOMENTOS DE REFLEXÃO<br />

Durante os encontros, a pesquisa buscou<br />

enfatizar a importância da formação<br />

continuada, s<strong>em</strong>pre l<strong>em</strong>brando que o<br />

trabalho colaborativo, a interação com os<br />

colegas com regularida<strong>de</strong>, os grupos <strong>de</strong><br />

estudos, os diálogos consigo próprio e com<br />

o grupo, estivess<strong>em</strong> presentes. Através das<br />

conversas registradas, i<strong>de</strong>ntificamos que<br />

o trabalho <strong>em</strong> equipe é um dos fatores<br />

fundamentais para impulsionar não só a<br />

melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino, como<br />

também o <strong>de</strong>senvolvimento profissional<br />

dos professores.<br />

Os profissionais da educação que<br />

constitu<strong>em</strong> sua equipe têm como tarefa<br />

comum a educação dos seus alunos e essa<br />

é uma tarefa a ser compartilhada. Mais do<br />

que as características individuais <strong>de</strong> cada<br />

profissional, a coerência e a eficácia da<br />

equipe, no <strong>de</strong>senvolvimento do seu trabalho,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do compromisso <strong>de</strong> cada um e <strong>de</strong><br />

todos com a tarefa assumida coletivamente.<br />

Quando os professores trabalham <strong>de</strong> modo<br />

cooperativo, compartilhando e analisando<br />

con<strong>jun</strong>tamente as situações vivenciadas,<br />

o enriquecimento pessoal e profissional<br />

aumenta.<br />

A proposta <strong>de</strong> formação continuada foi<br />

fundamentada <strong>em</strong> princípios educacionais<br />

e <strong>em</strong> vários autores, <strong>de</strong> forma a oferecer<br />

ao grupo um amplo leque <strong>de</strong> escolhas. A<br />

pesquisa reconhece que a cooperação,<br />

a autonomia intelectual e social e a<br />

aprendizag<strong>em</strong> ativa são condições<br />

que propiciam o <strong>de</strong>senvolvimento dos<br />

professores.<br />

Os textos utilizados como materiais <strong>de</strong><br />

apoio foram selecionados da literatura<br />

especializada <strong>em</strong> função da proposta do<br />

projeto e <strong>de</strong> sugestões do grupo. No total,<br />

foram <strong>de</strong>z textos e um filme. A pesquisadora<br />

se responsabilizou pela reprodução e<br />

organização do material. A dinâmica das<br />

intervenções estava centrada na discussão<br />

e na reflexão dos textos e do filme<br />

apresentados, estabelecendo pontes com a<br />

prática pedagógica <strong>de</strong> cada participante.<br />

Observamos, ao apresentar e <strong>de</strong>senvolver<br />

o t<strong>em</strong>a Professor, intelectual crítico reflexivo,<br />

que é preciso auxiliar os professores na<br />

reflexão ação da sua prática pedagógica e<br />

20


permitir-lhes, por meio da autorreflexão crítica<br />

e socializada com outros componentes<br />

do grupo, apontar dispositivos <strong>de</strong> mudança<br />

da sua práxis. Buscamos nos encontros, discutir<br />

e refletir com o grupo que a formação<br />

continuada precisa acontecer com qualida<strong>de</strong>.<br />

É preciso que os professores do Departamento<br />

<strong>de</strong> Musicalização Infantil da FAMES<br />

se percebam como profissionais reflexivos,<br />

articuladores, responsáveis pelo ato educativo<br />

e pela sua própria formação continuada,<br />

propondo e impl<strong>em</strong>entando ações concretas.<br />

São <strong>de</strong> fundamental importância que<br />

possam reconhecer suas limitações, suas dificulda<strong>de</strong>s<br />

e suas lacunas, mas também perceber<br />

seus avanços e suas potencialida<strong>de</strong>s<br />

diante <strong>de</strong> suas práticas pedagógicas.<br />

O questionário aplicado aos professores<br />

também se mostrou um bom instrumento<br />

<strong>de</strong> reflexão, na medida <strong>em</strong> que permitiu<br />

a cada um, não só analisar suas formações<br />

continuadas anteriores e sua conduta<br />

no trabalho docente, como também a<br />

reformular sua práxis. O questionário era<br />

constituído <strong>de</strong> 8 perguntas e foi aplicado<br />

<strong>em</strong> duas partes. As perguntas 1, 2 e 3 foram<br />

respondidas logo no início do segundo<br />

encontro, a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectar as opiniões e<br />

conceitos antes mesmo <strong>de</strong> apresentarmos<br />

os t<strong>em</strong>as selecionados pelos professores. A<br />

seguir, algumas perguntas e suas respostas<br />

serão apresentadas.<br />

Na pergunta 2 - Para você o que é formação<br />

continuada? As falas foram as seguintes. “É<br />

uma formação que t<strong>em</strong> início e <strong>de</strong> acordo<br />

com a área <strong>de</strong> especialização escolhida,<br />

s<strong>em</strong>pre terá continuida<strong>de</strong> a fim <strong>de</strong> se<br />

atualizar” (PROFESSOR 1). “Continuar me<br />

aprimorando” (PROFESSOR 2). “Para mim<br />

seria dar continuida<strong>de</strong> a algo que já foi<br />

iniciado” (PROFESSOR 3). “É quando o aluno<br />

t<strong>em</strong> oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar continuida<strong>de</strong> a<br />

um <strong>de</strong>terminado assunto, s<strong>em</strong> interromper”<br />

(PROFESSOR 4). “Como professor que<br />

já tenho uma formação, penso que<br />

é uma continuação a todo processo<br />

educativo (s<strong>em</strong>inários, palestras, simpósio,<br />

capacitação, etc.)” (PROFESSOR 5). “Cursos<br />

<strong>de</strong> reciclag<strong>em</strong>, capacitação, festivais <strong>de</strong><br />

inverno” (PROFESSOR 7).<br />

As respostas acima apontaram para uma<br />

concepção única do que seja formação<br />

continuada, isto é, aquela que prevê a<br />

utilização <strong>de</strong> tecnologia educacional <strong>em</strong><br />

cursos, palestras, treinamentos, permitindo,<br />

com isso, a aquisição <strong>de</strong> competências.<br />

Ora, <strong>de</strong>sse resultado <strong>de</strong>duz-se que,<br />

nas formações anteriores, as quais os 9<br />

professores tinham participado, a ênfase<br />

recaía <strong>em</strong> conteúdos que não levavam <strong>em</strong><br />

conta suas necessida<strong>de</strong>s diárias como atores<br />

21


da sua sala <strong>de</strong> aula. A esse respeito, alerta<br />

Brasiliano (1999) que “o maior <strong>de</strong>safio hoje<br />

é garantir uma continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formação<br />

on<strong>de</strong> as práticas profissionais se torn<strong>em</strong><br />

terreno <strong>de</strong> formação e não pacotes <strong>de</strong><br />

treinamentos” (BRASILIANO, 1999, p. 34).<br />

As perguntas 4, 5, 6, 7 e 8 foram respondidas<br />

após a apresentação e discussão <strong>de</strong> todos<br />

os tópicos. Destacar<strong>em</strong>os a questão quatro,<br />

pois a mesma perguntava diretamente<br />

sobre o t<strong>em</strong>a formação continuada.<br />

a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> cursos ampliava e incorporara a<br />

<strong>de</strong> formação continuada como sendo uma<br />

reflexão sobre e para além da prática. Esta<br />

concepção mais abrangente não se limita<br />

apenas a cursos que po<strong>de</strong>m ser oferecidos.<br />

A formação continuada dos professores do<br />

Departamento <strong>de</strong> Musicalização Infantil da<br />

FAMES foi i<strong>de</strong>alizada como um encontro<br />

que possibilitasse reflexão e ação, visando<br />

auxiliar o cotidiano da sala <strong>de</strong> aula e não<br />

apenas como um meio a mais <strong>de</strong> obter<br />

certificados.<br />

Pergunta 4 - Depois do assunto abordado,<br />

Formação Continuada, qual seu conceito<br />

sobre o mesmo? As respostas dos professores<br />

foram as seguintes:<br />

Seria aquela que vai além da formação<br />

acadêmica, mas aquela que se constrói<br />

<strong>em</strong> cima da prática da experiência<br />

(PROFESSOR 1).<br />

S<strong>em</strong>pre <strong>de</strong>vo estar atenta nas palestras,<br />

cursos, capacitação, mas acima <strong>de</strong> tudo<br />

refletindo e praticando na minha sala<br />

<strong>de</strong> aula e não somente acumulando<br />

certificados (PROFESSOR 2).<br />

Não são apenas os eventos, mas uma<br />

reflexão sobre a prática do dia a dia<br />

para que as mudanças possam ocorrer<br />

<strong>de</strong> uma forma contínua (PROFESSOR 5).<br />

Percebeu-se uma nítida reflexão dos<br />

professores <strong>de</strong>finindo <strong>de</strong> forma mais precisa<br />

o que é uma formação continuada. Ou seja,<br />

Pergunta 6 - O que você acha que faltou<br />

nas formações continuadas das quais você<br />

participou? Todos os professores <strong>de</strong>ram<br />

sua opinião. “Acho que são pincelados os<br />

assuntos, s<strong>em</strong> t<strong>em</strong>po para se aprofundar.<br />

E também muito técnicos e teóricos”<br />

(professor 5). “Dar continuida<strong>de</strong> ao assunto”<br />

(professor 4). “Faltou a abordag<strong>em</strong> dos<br />

principais educadores musicais” (professor<br />

3). “Faltou a prática” (professor 1). “Conexão<br />

da teoria com a prática” (professor 7).<br />

Alguns professores acabam se <strong>de</strong>sinteressando<br />

dos cursos <strong>de</strong> formação continuada<br />

na medida <strong>em</strong> que estes são <strong>de</strong>cididos <strong>de</strong><br />

cima para baixo, portanto, não expressam<br />

suas necessida<strong>de</strong>s, dificulda<strong>de</strong>s e anseios e<br />

muito menos retratam a realida<strong>de</strong> vivida no<br />

cotidiano escolar. Dessa forma, a <strong>de</strong>termina-<br />

22


ção da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar uma formação<br />

continuada a partir das expectativas do<br />

grupo po<strong>de</strong> contribuir e respeitar os trajetos<br />

profissionais, individuais, específico e coletivo<br />

(BRASILIANO, 1999).<br />

Reforçou-se o princípio <strong>de</strong> que a formação<br />

continuada <strong>de</strong>ve acontecer a partir da<br />

pesquisa da prática docente, tendo no<br />

professor o próprio pesquisador <strong>de</strong> sua<br />

prática.<br />

É preciso que os professores tenham<br />

acesso ao conhecimento produzido<br />

na área da educação e da cultura<br />

<strong>em</strong> geral, para repassar<strong>em</strong> sua<br />

prática, se reconstituír<strong>em</strong> como<br />

cidadãos e atuar<strong>em</strong> como sujeitos<br />

da produção do conhecimento. [...]<br />

<strong>de</strong>v<strong>em</strong> efetivamente participar <strong>de</strong> sua<br />

concepção, construção e consolidação<br />

(KRAMER apud RANGEL, 2003, p. 26).<br />

Os professores <strong>de</strong>monstraram nas suas<br />

opiniões que os encontros <strong>de</strong> formação<br />

continuada, oferecidos pelas instituições,<br />

precisam ser mais claros <strong>em</strong> seus objetivos.<br />

É preciso que a direção e as coor<strong>de</strong>nações os<br />

vejam como agentes e protagonistas da sua<br />

própria formação e não meros receptores.<br />

A formação é apenas um dos aspectos<br />

importantes no <strong>de</strong>senvolvimento dos<br />

sist<strong>em</strong>as educacionais, mas não é o<br />

único. A formação continuada estabelece<br />

relações íntimas com questões <strong>de</strong> cunho<br />

político e pedagógico, que precisam ser<br />

compreendidas para que o professor<br />

possa ter a consciência <strong>de</strong> que sua prática<br />

pedagógica é também uma prática política,<br />

que sua ação com os alunos não po<strong>de</strong><br />

acontecer <strong>de</strong>svinculada <strong>de</strong> uma intenção<br />

(RANGEL, 2003).<br />

Procuramos, a partir da pesquisa-ação, atuar<br />

diretamente com os professores, instigandoos<br />

e auxiliando-os a investigar suas próprias<br />

práticas. Mais do que impl<strong>em</strong>entar,<br />

acompanhar e analisar a formação<br />

continuada, como pesquisadora, <strong>de</strong>sejei<br />

rever minhas práticas e questionar-me neste<br />

educar coletivo. As inquietações faziamse<br />

presentes à minha atuação profissional,<br />

pessoal, histórica e política. A importância<br />

<strong>de</strong> pensar e agir com o outro me fez, a partir<br />

da troca, compartilhar conhecimentos que<br />

possibilitariam a mim e a outros professores,<br />

colegas do mesmo trabalho, a construção<br />

<strong>de</strong> nossa autonomia docente.<br />

No último encontro <strong>de</strong> formação<br />

continuada, estimulamos o grupo a<br />

manifestar-se verbalmente suas opiniões<br />

sobre os 13 encontros que participamos.<br />

Os professores opinaram da seguinte<br />

forma: “Percebi na formação continuada<br />

que ás vezes é necessário solicitar ajuda <strong>de</strong><br />

23


outros profissionais do campo da Educação<br />

para nos ajudar no trabalho pedagógico”<br />

(professor 3). “Precisamos informar a toda<br />

escola a respeito do que foi a nossa formação<br />

continuada” (professor 5). “Precisamos<br />

manter a formação continuada no nosso<br />

grupo e realizar o módulo II (principais<br />

educadores musicais)” (professor 1).<br />

“Acredito que um musicoterapeuta atuando<br />

<strong>em</strong> momentos separados com algumas<br />

crianças com necessida<strong>de</strong>s educativas<br />

especiais iria nos ajudar no trabalho<br />

pedagógico” (professor 9). “Acredito que é<br />

preciso organizar uma formação continuada<br />

igual a nossa para a escola inteira” (professor<br />

2). “Esta é a linha <strong>de</strong> pensamento que<br />

eu penso e acredito que <strong>de</strong>ve acontecer<br />

para todos os profissionais <strong>de</strong> Educação”<br />

(professor 7). “Senti a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cursar<br />

licenciatura <strong>em</strong> música e estou fazendo para<br />

po<strong>de</strong>r melhorar minha prática pedagógica”<br />

(professor 6). “A formação ampliou minha<br />

visão e me <strong>de</strong>u um maior suporte para a Pós<br />

Graduação que estou fazendo” (professor 4).<br />

“A formação <strong>de</strong>u uma abordag<strong>em</strong> geral<br />

<strong>de</strong> vários assuntos que precisamos nesse<br />

momento” (professor 8). “Rever alguns<br />

assuntos e se inteirar <strong>de</strong> outros foi algo<br />

bom para todos nós” (professor 2). “A<br />

formação abordou vários t<strong>em</strong>as que eu<br />

não tinha conhecimento” (professor 3).<br />

“Nunca tinha estudado algo <strong>de</strong> Educação<br />

Inclusiva, s<strong>em</strong>pre tive contato com assuntos<br />

que diz<strong>em</strong> respeito só a música. (professor<br />

9). “ Confesso que li muito pouco sobre<br />

educação e conhecer a teoria <strong>de</strong> Piaget<br />

e Vygotsky foi algo novo e gostoso para<br />

mim” (professor 6). “Este ano voltei a estudar<br />

graças a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ampliar meu<br />

conhecimento, isto foi <strong>de</strong>vido ao estímulo<br />

oferecido pela formação continuada”<br />

(professor 2). “ Precisamos manter a Reunião<br />

pedagógica, pois através <strong>de</strong>la a gente po<strong>de</strong><br />

ter nossos encontros s<strong>em</strong>anais e a realização<br />

da formação continuada. Aliás nenhum<br />

outro grupo da escola t<strong>em</strong> este momento<br />

precioso ou se quer sabe o que estamos<br />

elaborando aqui” (professor 1).<br />

As falas apresentavam informações<br />

importantes. Interessante foi observar que<br />

no momento da entrevista s<strong>em</strong>iestruturada,<br />

os professores queriam expressar o que<br />

significavam os momentos <strong>de</strong> formação<br />

continuada que foram gerenciados por<br />

eles <strong>em</strong> con<strong>jun</strong>to com a pesquisadora.<br />

As opiniões registradas mostraram que:<br />

Valeram os momentos <strong>em</strong> que foram<br />

realizados os encontros do projeto<br />

elaborado pela pesquisadora; Os t<strong>em</strong>as<br />

abordados realmente foram ao encontro das<br />

necessida<strong>de</strong>s do grupo; O grupo percebeu<br />

que precisa da ajuda <strong>de</strong> outros colegas<br />

24


para realizar uma reflexão e uma prática<br />

pedagógica mais abrangente; É preciso<br />

compartilhar com a escola toda o que foi a<br />

formação e as ações sugeridas pelo grupo.<br />

Individualmente me <strong>de</strong>frontei com aspectos<br />

psicoafetivos, uma vez que, na pesquisa-<br />

-ação, o objeto <strong>de</strong> investigação s<strong>em</strong>pre terá<br />

uma relação direta com a personalida<strong>de</strong> do<br />

pesquisador (BARBIER, 2004). Como pesquisadora,<br />

por muitas vezes fazia a escuta sensível<br />

que permitiu ouvir e ver o outro. Esta<br />

escuta me possibilitou ouvir os professores<br />

que solicitavam conhecimento <strong>de</strong> alguns<br />

t<strong>em</strong>as relacionados à Educação que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong><br />

auxiliá-los no processo ensino-aprendizag<strong>em</strong>.<br />

A presença <strong>de</strong> crianças com algumas<br />

dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interagir<strong>em</strong> com o processo<br />

ensino-aprendizag<strong>em</strong> provocou inquietações<br />

no grupo <strong>de</strong> professores. Tal fato possibilitou<br />

uma das justificativas <strong>de</strong>sta formação<br />

continuada e me fez ver a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

autorrefletir e olhar minhas práticas pedagógicas<br />

como professora, percebendo que,<br />

se há uma dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizag<strong>em</strong>, há<br />

também uma dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino.<br />

“A pesquisa-acão não po<strong>de</strong> ser concluída<br />

s<strong>em</strong> levantar <strong>em</strong> conta certo número<br />

<strong>de</strong> questões incômodas para a or<strong>de</strong>m<br />

estabelecida, inclusive no seio do seu próprio<br />

processo” (BARBIER, 2004, p.107). Sendo<br />

assim, <strong>jun</strong>to com o grupo <strong>de</strong> professores<br />

do Departamento <strong>de</strong> Musicalização Infantil,<br />

sugiram algumas proposições para que<br />

a formação e o processo <strong>de</strong> reflexão e<br />

ação tenham s<strong>em</strong>pre lugar na formação<br />

continuada, são elas:<br />

• Colocar a relação ensinoaprendizag<strong>em</strong><br />

como o eixo do grupo e da<br />

instituição;<br />

• Abrir espaço para que a cooperação,<br />

o diálogo, a solidarieda<strong>de</strong>, a criativida<strong>de</strong><br />

e o espírito crítico sejam exercitados, por<br />

professores, administradores, funcionários,<br />

alunos e comunida<strong>de</strong>;<br />

• Estimular a realização contínua<br />

da formação <strong>em</strong> contexto, a formação<br />

profissional <strong>de</strong>ve ser articulada com as<br />

necessida<strong>de</strong>s cotidianas;<br />

• Realizar a formação continuada<br />

(módulo II) com ênfase na pedagogia<br />

musical;<br />

• Reconhecer que o Departamento<br />

<strong>de</strong> Musicalização Infantil, no seu coletivo, é<br />

responsável pelo processo educacional dos<br />

seus alunos;<br />

• Buscar a ação, a experiência, a<br />

avaliação e a reflexão constante sobre a<br />

prática realizada como base para quaisquer<br />

processos <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> conhecimentos<br />

e <strong>de</strong> práticas mais condizentes;<br />

• Realizar grupos <strong>de</strong> estudos para<br />

aprofundamento <strong>de</strong> t<strong>em</strong>as pertinentes a<br />

25


necessida<strong>de</strong>s do grupo;<br />

• Garantir a formação continuada dos<br />

professores como direito que lhes assiste<br />

e consi<strong>de</strong>rá-los como mediadores do<br />

conhecimento.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

O professor precisa perceber sua prática como<br />

um sist<strong>em</strong>a aberto. Seus conhecimentos não<br />

são estanques n<strong>em</strong> <strong>de</strong>finitivos. As respostas<br />

às situações novas também po<strong>de</strong>rão ser<br />

encontradas nos textos, mas estas <strong>de</strong>v<strong>em</strong><br />

estar associadas às reflexões do grupo.<br />

A experiência dos professores, aliada ao<br />

estudo, oferecerá alternativas para lidar com<br />

questões relevantes da Educação que estão<br />

presentes no cotidiano escolar.<br />

Além <strong>de</strong> oferecer certificados, os encontros<br />

<strong>em</strong> formação continuada po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>v<strong>em</strong><br />

fortalecer e ajudar a equipe <strong>de</strong> educadores<br />

a conhecer e a buscar possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

reflexão e ação <strong>de</strong> sua práxis pedagógica<br />

musical.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ALARCÃO, Isabel (org.). Formação reflexiva <strong>de</strong><br />

professores: estratégias <strong>de</strong> supervisão. São Paulo:<br />

Cortez, 1999.<br />

_________. Professores reflexivos <strong>em</strong> uma escola<br />

reflexiva. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2003.<br />

BARBIER, Rene. A <strong>Pesquisa</strong>-Ação. Brasília: Liber Livro,<br />

2004.<br />

BRASILIANO, Rosiane. A formação continuada<br />

do professor do Ensino Fundamental. Dissertação<br />

(Mestrado <strong>em</strong> Educação) – Programa <strong>de</strong> Pósgraduação<br />

<strong>em</strong> Educação, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do<br />

Espírito Santo, Vitória, 1999.<br />

FERRAÇO, Carlos Eduardo. Cotidiano Escolar,<br />

Formação <strong>de</strong> Professores (As) e Currículo. São Paulo.<br />

Editora Cortez, 2005.<br />

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GIROUX, Henry. Escola crítica e política cultural. São<br />

Paulo: Cortez, 1987.<br />

MINAYO, Maria Cecília. 1996. O <strong>de</strong>safio do<br />

Conhecimento. São Paulo: Abrasco, 1996.<br />

OLIVEIRA, Marta Kohl. Vygotsky: Aprendizado e<br />

<strong>de</strong>senvolvimento, um processo sócio-histórico. São<br />

Paulo: Scipione, 1993.<br />

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professores da educação infantil no sist<strong>em</strong>a municipal<br />

<strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> Vitória: um confronto entre as propostas<br />

oficiais e a opinião dos professores. 2003. Dissertação<br />

(Mestrado <strong>em</strong> Educação) – Programa <strong>de</strong> Pós-<br />

26


graduação <strong>em</strong> Educação, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do<br />

Espírito Santo, Vitória, 2003.<br />

SACRISTÁN, José Gimeno. A construção do discurso<br />

sobre a diversida<strong>de</strong> e suas práticas. In ALCODIA, Rosa<br />

[et al]. Atenção à diversida<strong>de</strong>. Porto alegre: Artmed,<br />

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THIOLLENT, Michel. Metodologia da <strong>Pesquisa</strong>-Ação.<br />

São Paulo: Cortez; 1994.<br />

VYGOTSKY, Lev. Pensamento e Linguag<strong>em</strong>. Tradução<br />

Jéferson Luiz Camargo. Ed. Martins Fonte, São Paulo,<br />

1987.<br />

27


CANÇÃO MELANCÓLICA:<br />

ASPECTOS FORMAIS,<br />

ESTILÍSTICOS E<br />

INTERPRETATIVOS<br />

Raquel Almeida Rohr <strong>de</strong> Oliveira Isidoro<br />

Mestre <strong>em</strong> <strong>Música</strong> pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais (UFMG) e Professora <strong>de</strong> violoncelo da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>Música</strong> do Espírito Santo “Maurício <strong>de</strong> Oliveira” (FAMES).<br />

Resumo<br />

O presente artigo apresenta uma breve biografia<br />

do compositor Alceu Camargo, além <strong>de</strong> analisar<br />

aspectos formais e estilísticos <strong>de</strong> sua peça Canção<br />

Melancólica, para violoncelo e piano. Também são<br />

abordados aspectos interpretativos da referida peça,<br />

utilizando como base os padrões i<strong>de</strong>ntificados no<br />

fonograma <strong>de</strong> Valsa, do compositor carioca Carlos <strong>de</strong><br />

Almeida, interpretado por Alceu Camargo.<br />

Palavras-chave: Alceu Camargo - <strong>Música</strong> brasileira<br />

e violoncelo - Interpretação musical.<br />

Abstract<br />

This paper presents a brief biography of the composer<br />

Alceu Camargo, and analyzes formal and stylistic<br />

aspects of his work Canção Melancólica, for cello and<br />

piano. Interpretative aspects of the piece are also<br />

discussed, using as basis the standards i<strong>de</strong>ntified<br />

in the phonogram of Valsa, of the composer Carlos<br />

<strong>de</strong> Almeida, from Rio <strong>de</strong> Janeiro, played by Alceu<br />

Camargo.<br />

Keywords: Alceu Camargo - <strong>Música</strong> Brasileira e<br />

violoncello - Interpretação musical.


Introdução<br />

A história recente do ensino <strong>de</strong> música<br />

no Espírito Santo t<strong>em</strong> no violinista Alceu<br />

Camargo um <strong>de</strong> seus principais personagens.<br />

Juntamente com sua esposa, a também<br />

violinista Vera Camargo, ele foi responsável<br />

pela implantação do ensino sist<strong>em</strong>atizado<br />

<strong>de</strong> cordas no Estado, a partir da fundação da<br />

Escola <strong>de</strong> <strong>Música</strong> do Espírito Santo (EMES),<br />

atual Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> do Espírito Santo<br />

(FAMES), no ano <strong>de</strong> 1954.<br />

Nascido <strong>em</strong> Curitiba, Paraná, <strong>em</strong> 1907,<br />

graduou-se <strong>em</strong> violino no Instituto Nacional<br />

<strong>de</strong> <strong>Música</strong> (INM) <strong>em</strong> 1926, na classe do<br />

professor Francisco Chiaffitelli. Devido à<br />

sua performance refinada, alcançou, nesse<br />

mesmo ano, o prêmio medalha <strong>de</strong> ouro<br />

oferecido por aquela instituição. A partir <strong>de</strong><br />

então, <strong>de</strong>senvolveu uma carreira artística<br />

bastante movimentada, trabalhando com<br />

música <strong>de</strong> câmara e também tocando <strong>em</strong><br />

diversas orquestras. Foi um dos m<strong>em</strong>bros<br />

fundadores da Orquestra Sinfônica<br />

Brasileira, além <strong>de</strong> também ter participado<br />

<strong>de</strong> orquestras <strong>de</strong> rádio e cassinos, comuns<br />

na primeira meta<strong>de</strong> do século XX no Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, o que possibilitou a ele ter a vivência<br />

da música erudita e também da música<br />

popular feita à época (THOMPSON, 2010).<br />

Após breve passag<strong>em</strong> por Belo Horizonte<br />

radicou-se no Espírito Santo <strong>em</strong> 1954, on<strong>de</strong><br />

lecionou na EMES. A partir <strong>de</strong> seu trabalho<br />

nessa instituição surgiram diversos grupos<br />

musicais que, por fim, culminaram na<br />

organização da Orquestra Filarmônica do<br />

Espírito Santo, da qual foi m<strong>em</strong>bro fundador<br />

(MAGALHÃES, 2003, p.28). Sua atuação<br />

contribuiu para a consolidação e expansão<br />

do ensino <strong>de</strong> instrumentos <strong>de</strong> cordas<br />

friccionadas neste Estado. Alceu Camargo<br />

faleceu <strong>em</strong> 28 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2001 na<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vitória (ES).<br />

Alceu Camargo começou a compor após a<br />

sua chegada <strong>em</strong> Vitória, com o intuito <strong>de</strong><br />

prover repertório para utilização <strong>em</strong> sala <strong>de</strong><br />

aula. Ele compôs para formações variadas,<br />

das quais <strong>de</strong>stacamos as peças para<br />

violoncelo e piano: Um Sonho, Canção para<br />

Nídia, Canção Melancólica, Suave Melodia,<br />

Enlevo, Seresta; além <strong>de</strong> Conversa Fiada, para<br />

quarteto <strong>de</strong> violoncelos.<br />

Aspectos Formais<br />

Escrita <strong>em</strong> 1984, Canção Melancólica é<br />

uma das primeiras composições <strong>de</strong> Alceu<br />

Camargo para violoncelo e piano. Sua<br />

primeira peça para violoncelo, da qual<br />

conhec<strong>em</strong>os a data <strong>de</strong> composição, é Um<br />

Sonho, <strong>de</strong> 1974, <strong>de</strong>z anos antes <strong>de</strong> Canção<br />

Melancólica, o que <strong>de</strong>ixa claro que ele não<br />

compunha com muita regularida<strong>de</strong>, como<br />

observou Thompson (2010, p. 57).<br />

A peça é <strong>de</strong>dicada à Vera Camargo, esposa<br />

do compositor, que o auxiliava tocando suas<br />

composições ao piano e também copiando<br />

os manuscritos. Não foi possível precisar<br />

a data <strong>de</strong> estreia da obra. Entretanto, foi<br />

encontrado registro fonográfico <strong>de</strong> uma<br />

performance do violoncelista Watson Clis<br />

(CAMARGO, [198-?]), provavelmente da<br />

década <strong>de</strong> 1980.<br />

30


Quanto ao estilo e forma, é uma valsa lenta, na tonalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mi menor, com a seguinte<br />

estrutura formal (Fig.1):<br />

Fig.1 – Estrutura Formal<br />

<strong>de</strong> Canção Melancólica<br />

As seções A e B têm, ambas, extensão <strong>de</strong> 32 compassos. Todas as subseções têm extensão <strong>de</strong><br />

8 compassos e são formadas por duas frases <strong>de</strong> 4 compassos cada, não havendo, portanto,<br />

transgressão da quadratura, conforme <strong>de</strong>monstrado nos diagramas a seguir (Fig. 2 e 3):<br />

Fig.2 – Quadratura<br />

da Seção A <strong>de</strong> Canção<br />

Melancólica<br />

Fig.3 – Quadratura<br />

da Seção B <strong>de</strong> Canção<br />

Melancólica<br />

Na Seção A, o violoncelo apresenta uma melodia cantabile, que recebe acompanhamento<br />

valsante pelo piano. É caracterizada pelo Motivo M1, recorrente no violoncelo, apresentada<br />

logo no início da música (ex.1).<br />

Ex. 1 – Motivo principal<br />

<strong>de</strong> Canção Melancólica<br />

(c. 1-4) <strong>de</strong> Alceu<br />

Camargo<br />

31


Toda a peça é construída sobre o Motivo M1, sendo que, na Seção A, ele não sofre elaborações<br />

significativas, apenas algumas transposições e inversões, <strong>de</strong>ntre outros processos,<br />

conservando, <strong>de</strong>ssa forma, o perfil original (ex.2).<br />

Ex.2 – Elaborações do<br />

Motivo M1 <strong>em</strong> Canção<br />

Melancólica(c.6-11)<br />

A repetição constante do material proposto no Motivo M1 confere unida<strong>de</strong> à peça e <strong>de</strong>limita<br />

claramente sua estrutura, o que faz com que ela seja <strong>de</strong> fácil entendimento e assimilação. No<br />

final da Seção A, a série <strong>de</strong> repetições do Motivo M1 é quebrada, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>marcar<br />

uma articulação estrutural da peça. A partir do c.29 até o c. 31, perceb<strong>em</strong>os uma elaboração<br />

da segunda parte do Motivo M1, a sequência <strong>de</strong> graus con<strong>jun</strong>tos <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes, dando orig<strong>em</strong><br />

a dois movimentos melódicos concorrentes, um ascen<strong>de</strong>nte, a partir da nota Dó♯2, e outro<br />

<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte, a partir da nota Lá2, que alcançam a nota Mi2 no c. 31 (ex. 3).<br />

Ex. 3–Elaboração do<br />

Motivo M1 na cadência<br />

final da Seção A <strong>de</strong><br />

Canção Melancólica (c.<br />

27-31)<br />

A escrita simples <strong>de</strong> Canção Melancólica po<strong>de</strong> ser aferida também por meio <strong>de</strong> sua estrutura<br />

harmônica. Na Seção A, o acompanhamento realizado pelo piano sublinha harmonicamente<br />

a melodia, fornecendo a base para que esta se <strong>de</strong>senvolva, apresentando o seguinte percurso<br />

(Fig.4):<br />

Fig.4 – Percurso<br />

harmônico na Seção A<br />

<strong>de</strong> Canção Melancólica<br />

A Subseção a1 inicia com uma cadência perfeita, confirmando o tom <strong>de</strong> Mi menor. Em seguida,<br />

ocorre uma inclinação para o tom da subdominante, pela inserção do acor<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mi Maior<br />

com 7ª, como uma dominante secundária, preparando uma cadência ao IV grau. Ressaltamos<br />

aqui que o acor<strong>de</strong> <strong>de</strong> dominante do IV, no c. 5, é formado através <strong>de</strong> cromatismo, evi<strong>de</strong>nciado<br />

pela linha do baixo do piano (ex.4).<br />

32


Ex.4 – Cromatismo na<br />

condução harmônica<br />

<strong>de</strong> Canção Melancólica<br />

(c.4-10)<br />

A Subseção a2 é dominante secundária para o tom da dominante do tom principal. Nos<br />

compassos <strong>de</strong> 11 a 16, há uma cadência imperfeita para o tom da dominante, Si Maior (ex. 5). O<br />

término <strong>de</strong>ssa subseção no V grau prepara a volta da Subseção a1, que apresenta novamente<br />

a cadência perfeita confirmando o tom <strong>de</strong> Mi menor (c.17-19).<br />

Ex.5 – Cadência à<br />

dominante. Canção<br />

Melancólica (c.11-16)<br />

A Subseção a3 t<strong>em</strong> percurso harmônico<br />

similar ao da Subseção a2, contudo,<br />

enquanto nesta é realizada uma cadência<br />

ao tom da dominante, naquela a cadência<br />

é conduzida para a tônica (Mi menor), por<br />

meio da cadência I (V/V) V I, com utilização<br />

<strong>de</strong> dominante secundária.<br />

Embora seja construída sobre os mesmos<br />

materiais musicais da Seção A, a Seção<br />

B apresenta aspectos contrastantes <strong>em</strong><br />

relação àquela. A melodia executada pelo<br />

violoncelo é <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> parte do Motivo M1,<br />

apresentado na Subseção a1, acrescida <strong>de</strong><br />

cromatismo <strong>de</strong> passag<strong>em</strong> (ex.6). A melodia<br />

<strong>de</strong>senvolve-se <strong>de</strong> maneira menos elaborada<br />

que na seção anterior, uma vez que o ritmo é<br />

quase anulado pela ocorrência obstinada da<br />

figura do pulso – s<strong>em</strong>ínima –, não havendo<br />

espaço t<strong>em</strong>poral para gran<strong>de</strong>s proposições<br />

e variações melódicas – consi<strong>de</strong>rando o<br />

universo e as dimensões <strong>de</strong>sta peça <strong>em</strong><br />

específico. Isso facilita a performance no<br />

que diz respeito ao <strong>de</strong>dilhado, visto se tratar<br />

33


<strong>de</strong> sequências <strong>de</strong> graus con<strong>jun</strong>tos, e também <strong>em</strong> relação à utilização do arco, pois, <strong>em</strong> geral,<br />

será usado o arco todo e as ligaduras existentes são <strong>de</strong> fácil realização.<br />

Na Seção B a mão esquerda do piano passa a apresentar uma melodia coadjuvante à do<br />

violoncelo (ex.6), construída <strong>em</strong> arpejos, fazendo um acompanhamento que r<strong>em</strong>ete ao<br />

baixo seresteiro executado no violão, enquanto a mão direita, por sua vez, segue com o<br />

acompanhamento <strong>de</strong> valsa. Devido à inserção <strong>de</strong>ssa linha do baixo, a performance <strong>em</strong><br />

con<strong>jun</strong>to po<strong>de</strong> ser melhor explorada, visto que o piano <strong>de</strong>ixa o papel <strong>de</strong> mero acompanhador.<br />

Ex.6 – Cromatismo<br />

<strong>de</strong> passag<strong>em</strong> na voz<br />

do violoncelo e linha<br />

melódica do baixo<br />

na Seção B <strong>de</strong> Canção<br />

Melancólica (c. 33-37)<br />

A movimentação acrescentada na linha do baixo contribui para a mudança <strong>de</strong> caráter proposta<br />

pelo compositor. Se a Seção A r<strong>em</strong>ete à melancolia, a Seção B é mais agitada e obstinada.<br />

É interessante notar que a própria escrita <strong>de</strong> Alceu Camargo facilita a compreensão <strong>de</strong> suas<br />

i<strong>de</strong>ias, como <strong>de</strong>screve o violoncelista Cláudio Coutinho:<br />

[...] na segunda parte [Seção B], a movimentação que o violoncelo faz é uma coisa obstinada,<br />

s<strong>em</strong>pre da mesma forma, e aí qu<strong>em</strong> trabalha é o piano. [...]. Apesar do violoncelo ter a melodia, e é<br />

uma melodia muito simples, a movimentação harmônica fica por conta do piano [...] feita na forma<br />

<strong>de</strong> um turbilhão <strong>de</strong> notas, não é só mais aquela coisa simplória <strong>de</strong> uma nota na mão esquerda e<br />

um acor<strong>de</strong> na mão direita. (COUTINHO, Entrevista <strong>em</strong> 3 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2010)<br />

A Seção B subdivi<strong>de</strong>-se nas Subseções b1, b2 e b3, conforme gráfico apresentado anteriormente.<br />

A elaboração da linha do baixo não interfere na condução harmônica, bastante similar à da<br />

Seção A, conforme v<strong>em</strong>os a seguir (Fig.5):<br />

Fig.5 – Percurso<br />

harmônico na Seção B<br />

<strong>de</strong> Canção Melancólica<br />

34


O percurso harmônico nas Subseções b1 e b2 é idêntico ao <strong>de</strong>scrito para as Subseções a1 e a2,<br />

incluindo o uso do cromatismo no baixo com finalida<strong>de</strong> harmônica. A Subseção b3 é similar<br />

à Subseção a3, diferenciando-se apenas na cadência final. Enquanto que na Subseção a3 a<br />

tônica é atingida por meio <strong>de</strong> cadência que passa pela dominante secundária do V grau, a<br />

Subseção b3 apresenta a cadência imperfeita I IV V I (c.50-53), reforçando o retorno à tonalida<strong>de</strong><br />

principal <strong>de</strong> Mi menor antes que a Seção A seja retomada (ex.7).<br />

Ex. 7 – Cadência final<br />

da Seção B <strong>de</strong> Canção<br />

Melancólica (c.50-54)<br />

As Subseções b2 e b3 diferenciam-se a partir do compasso 50, on<strong>de</strong> há um sequenciamento<br />

com um salto ascen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> 7ª ou 6ª, compensado por um movimento <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte por<br />

grau con<strong>jun</strong>to. No c. 53, há uma inversão geral do contorno melódico, que se equilibra com<br />

o sequenciamento ascen<strong>de</strong>nte, sendo que a harmonia resolve no I grau, ocorrendo uma<br />

bordadura na melodia <strong>em</strong> torno da nota Mi 3, seguida <strong>de</strong> um arpejo com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

mudar a oitava para a nota Mi 2, <strong>de</strong> forma a preparar o retorno da Seção A (ex. 8).<br />

Ex. 8 – Contorno<br />

Melódico da Subseção<br />

b3 <strong>de</strong> Canção<br />

Melancólica (c. 50-54)<br />

A tessitura utilizada por Alceu Camargo na melodia do violoncelo é, <strong>de</strong> certa forma, restrita,<br />

uma oitava e uma sexta menor (Si 1 a Sol 3), limitando-se à região média do instrumento. Esse<br />

fato po<strong>de</strong> ser tomado como um indicativo <strong>de</strong> que seu processo composicional era intuitivo,<br />

visto que a tessitura utilizada po<strong>de</strong>ria ser entoada com facilida<strong>de</strong> pela voz humana.<br />

Os saltos intervalares <strong>em</strong>pregados por Alceu Camargo para <strong>de</strong>linear o contorno da melodia<br />

35


são restritos, não havendo nenhum salto <strong>de</strong><br />

8ª, ou intervalo superior a esse. De maneira<br />

geral, encontramos saltos <strong>de</strong> 4ª e 5ª, contudo<br />

há alguns saltos <strong>de</strong> 6ª ou 7ª, estes <strong>em</strong> menor<br />

número, que o compositor utiliza com o<br />

intuito <strong>de</strong> mudar o registro da melodia, a fim<br />

<strong>de</strong> que esta permaneça na mesma tessitura.<br />

O acompanhamento simples do piano<br />

reforça a ênfase dada pelo autor na melodia.<br />

Thompson (2010, p.104) <strong>de</strong>monstrou esse<br />

fato também nas peças para piano <strong>de</strong><br />

Alceu Camargo, atribuindo sua ocorrência<br />

à prevalência do pensamento violinístico<br />

do compositor. Cláudio Coutinho (2010)<br />

confirmou essa tese <strong>em</strong> entrevista,<br />

afirmando que “a valorização estava na<br />

melodia. [...] Quando a gente ensaiava, eu<br />

não l<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> Alceu trabalhando a parte<br />

do piano <strong>em</strong> <strong>de</strong>talhe. Eu l<strong>em</strong>bro que ele<br />

trabalhava o canto, que era a parte do<br />

solista, que ele fazia com o violino.”<br />

Estilo<br />

Passar<strong>em</strong>os agora a consi<strong>de</strong>rar aspectos<br />

<strong>de</strong> estilo e interpretação <strong>em</strong> Canção<br />

Melancólica. O processo composicional <strong>de</strong><br />

Alceu Camargo era bastante intuitivo, o que é<br />

<strong>de</strong>monstrado pela sua facilida<strong>de</strong> <strong>em</strong> compor<br />

melodias. Isso se <strong>de</strong>ve, possivelmente, à<br />

característica melódica do seu instrumento<br />

<strong>de</strong> orig<strong>em</strong>. Vera Camargo relatou a seguinte<br />

história:<br />

[Alceu] Tinha facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escrever<br />

s<strong>em</strong> sentar no piano.[...] Uma ocasião<br />

que nós fomos ao Rio [...] <strong>de</strong> ônibus,<br />

e eu s<strong>em</strong>pre gostei <strong>de</strong> fazer palavra<br />

cruzada, aí ele falou: “Me dá esse<br />

ca<strong>de</strong>rno aí”. Foi na última folha, fez<br />

uma pauta e disse: “É que eu estou com<br />

uma melodia aqui na cabeça, <strong>de</strong>ixa eu<br />

escrever para não esquecer”. Vinham as<br />

melodias na cabeça <strong>de</strong>le e ele passava<br />

para o papel. (CAMARGO, Entrevista <strong>em</strong><br />

30 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2010)<br />

Thompson (2010) aponta que Alceu<br />

Camargo não teve a intenção <strong>de</strong> compor<br />

<strong>de</strong> maneira mais acadêmica, ou seguir<br />

alguma escola ou tendência <strong>de</strong> sua época.<br />

Perceb<strong>em</strong>os essa forte predominância da<br />

melodia <strong>em</strong> Canção Melancólica, que é uma<br />

melodia acompanhada, on<strong>de</strong> a melodia e o<br />

acompanhamento apresentam-se, <strong>em</strong> geral,<br />

<strong>de</strong> forma bastante simples.<br />

L<strong>em</strong>bramos que o professor Alceu não<br />

teve formação acadêmica estrita na área<br />

<strong>de</strong> composição; seus conhecimentos <strong>de</strong><br />

harmonia, contraponto, <strong>de</strong>ntre outros, foram<br />

adquiridos durante seu curso <strong>de</strong> violino no<br />

Instituto Nacional <strong>de</strong> <strong>Música</strong> e sua prática<br />

no meio profissional, erudito e popular. Isso<br />

indica que a ativida<strong>de</strong> composicional <strong>de</strong>le<br />

se dava <strong>de</strong> maneira predominant<strong>em</strong>ente<br />

intuitiva, o que foi ressaltado por sua viúva:<br />

Alceu [...] escreveu por intuição. Não<br />

era como esses compositores que<br />

escreviam por encomenda [...]As<br />

melodias apareciam na cabeça <strong>de</strong>le,<br />

e ele botava no papel. Assim que ele<br />

compunha.[...] sentava e escrevia. [...]<br />

o Marlos Nobre perguntou para Alceu:<br />

“Professor, como o senhor escreve?”<br />

[...] Ele ficou impressionado com as<br />

músicas <strong>de</strong> Alceu.[...] Alceu disse<br />

para ele: “Marlos, eu sinto a música e<br />

36


escrevo”. [...] Outro que quis saber foi o<br />

Ernani Aguiar, que perguntou: “Como<br />

o senhor faz professor? Como escreve<br />

peças tão melodiosas?” Alceu riu e<br />

disse: “Eu sinto a música e escrevo”.<br />

(CAMARGO, Entrevista <strong>em</strong> 30 <strong>de</strong><br />

set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2010)<br />

Encontramos outros compositores<br />

brasileiros que também se valeram da<br />

intuição para compor, como Francisco<br />

Mignone e Radamés Gnattali, por ex<strong>em</strong>plo.<br />

Azevedo (1948, p. 34), a respeito <strong>de</strong><br />

Mignone, afirma que “[...] sua arte nada t<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong> cerebral. É instintiva. [...]<strong>de</strong>masiadamente<br />

instintiva. Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> […] vê <strong>em</strong><br />

Mignone […] o compositor do povo, porque<br />

o povo compreen<strong>de</strong> a sua música e com ela<br />

se entusiasma” (AZEVEDO, 1948, p. 34).<br />

Comparando Mignone, Gnattali e Camargo,<br />

v<strong>em</strong>os que os três são intuitivos, <strong>em</strong>bora<br />

os dois primeiros apresent<strong>em</strong> um sólido<br />

conhecimento das estéticas composicionais,<br />

diferindo <strong>de</strong> Camargo neste aspecto. As<br />

experiências que tiveram com a música<br />

popular brasileira, <strong>de</strong>vido ao trabalho que<br />

<strong>de</strong>s<strong>em</strong>penharam no meio radiofônico no<br />

Brasil, também são marcantes nas trajetórias<br />

dos compositores citados. É a proximida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> suas composições com a música popular<br />

que <strong>de</strong>sperta o interesse do público,<br />

facilitando a compreensão e estimulando o<br />

gosto por elas.<br />

É certo que a experiência <strong>de</strong> Alceu Camargo<br />

com a música popular, por meio das<br />

orquestras <strong>de</strong> rádios e cassinos, e a sua<br />

intuição, são fatores que nos esclarec<strong>em</strong> a<br />

respeito <strong>de</strong> seu estilo <strong>de</strong> escrita. Contudo,<br />

seria exagerado creditar todo o seu trabalho<br />

somente à intuição ou inspiração.<br />

[...] <strong>de</strong> modo geral, a falta <strong>de</strong> consciência<br />

<strong>de</strong> como se dá o processo criativo do<br />

músico, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> v<strong>em</strong> sua “inspiração”,<br />

acaba <strong>de</strong>s<strong>em</strong>bocando <strong>em</strong> uma série <strong>de</strong><br />

equívocos e mitificações. Os próprios<br />

músicos, com a “naturalização” do<br />

comportamento musical pela prática,<br />

per<strong>de</strong>m <strong>de</strong> vista o seu processo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento e o tomam por<br />

“dom”, pensam já ter nascido assim.<br />

(SCHROEDER, apud FUCCI AMATO,<br />

2004, p. 83)<br />

Alceu Camargo aliou sua intuição apurada<br />

aos conhecimentos teóricos e práticos<br />

adquiridos, muitas vezes por meios não<br />

formais, ao longo <strong>de</strong> sua carreira como músico<br />

<strong>de</strong> orquestra, o que po<strong>de</strong> ser percebido <strong>em</strong><br />

suas composições. Por menos que houvesse<br />

passado por uma formação acadêmica<br />

mais estrita, ele possuía os conhecimentos<br />

necessários para materializar o processo<br />

criativo <strong>em</strong> suas composições.<br />

A obra para violoncelo <strong>de</strong> Alceu Camargo<br />

apresenta homogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estilo, e<br />

as peças guardam muitas s<strong>em</strong>elhanças<br />

estruturais entre si. A respeito <strong>de</strong>sse<br />

con<strong>jun</strong>to <strong>de</strong> peças, Sanny Souza ressalta<br />

que, “<strong>em</strong> termos <strong>de</strong> Brasil, elas não têm,<br />

por ex<strong>em</strong>plo, um caráter folclórico[...], ou<br />

nacionalista[...]. Elas têm exatamente a i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong>le [...]” (SOUZA, Entrevista <strong>em</strong> 5 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong><br />

2009). Esse estilo peculiar <strong>de</strong> Alceu também<br />

se faz presente <strong>em</strong> Canção Melancólica.<br />

Cláudio Coutinho, seu ex-aluno, <strong>de</strong>staca que<br />

“as músicas <strong>de</strong>le têm uma ‘marca d’água’[...]<br />

37


T<strong>em</strong> muito essa coisa da brinca<strong>de</strong>ira; são<br />

músicas alegres, divertidas.[...] A música <strong>de</strong>le<br />

tinha a cara <strong>de</strong>le, e ele fazia da maneira que<br />

ele achava melhor” (COUTINHO, Entrevista<br />

<strong>em</strong> 3 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2010).<br />

Outro <strong>de</strong> seus ex-alunos, Alexandre Lopes<br />

(2010), esclarece-nos um pouco melhor<br />

acerca da estética adotada por Alceu<br />

Camargo, l<strong>em</strong>brando que encontramos, <strong>em</strong><br />

suas peças para piano, violino, violoncelo e<br />

canto, um estilo seresteiro. Nesse sentido,<br />

Thompson (2010, p. 47) argumenta que<br />

o estilo seresteiro <strong>de</strong> escrita <strong>de</strong> Alceu foi<br />

construído com base na vivência que o<br />

compositor teve com a música <strong>de</strong> salão<br />

<strong>em</strong> sua infância, b<strong>em</strong> como por meio <strong>de</strong><br />

sua experiência <strong>em</strong> orquestras populares e<br />

eruditas no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Encontramos ainda <strong>em</strong> Canção Melancólica<br />

esta característica seresteira, que é o uso<br />

do cromatismo, principalmente na linha<br />

do baixo. Thompson (2010, p. 65) mostra<br />

a ocorrência <strong>de</strong> cromatismo também<br />

nas peças para piano, como <strong>em</strong> Estudo<br />

Seresteiro, comparando a condução do<br />

baixo aos acompanhamentos realizados<br />

pelos chorões e seresteiros, principalmente<br />

ao violão.<br />

A influência da música <strong>de</strong> salão po<strong>de</strong> ser<br />

percebida ainda na maneira com que o<br />

professor Alceu estrutura suas obras <strong>em</strong><br />

geral. Thompson (2010) comenta que<br />

Outra peculiarida<strong>de</strong> do estilo<br />

composicional <strong>de</strong> Alceu Camargo é<br />

a recorrência <strong>de</strong> uns poucos padrões<br />

formais, geralmente a forma ternária<br />

(A/B/A), utilizando apenas duas i<strong>de</strong>ias<br />

diferentes. [...] a peça característica <strong>de</strong><br />

salão geralmente baseia-se <strong>em</strong> A/B/A<br />

ou forma Rondó. Assim sendo, a forma<br />

<strong>em</strong> que Alceu Camargo escreve suas<br />

obras está b<strong>em</strong> <strong>de</strong> acordo com uma<br />

das formas tradicionalizadas da música<br />

<strong>de</strong> salão do Brasil do final do século<br />

XIX e início do século XX. (THOMPSON,<br />

2010, p. 59)<br />

Canção Melancólica não foge a esta regra,<br />

apresentando estrutura ternária A/B/A.<br />

Ainda <strong>de</strong>ntro do estilo seresteiro <strong>de</strong> escrita<br />

adotado pelo compositor, <strong>de</strong>stacamos a<br />

característica valsante prensente na peça,<br />

expressa pelo compasso ternário escolhido<br />

para a peça, pelo andamento, e ainda pela<br />

construção do baixo na Seção B.<br />

O tratamento dado por Alceu Camargo<br />

ao acompanhamento, <strong>em</strong> sua obra para<br />

violoncelo e piano, também segue um<br />

padrão. O acompanhamento realizado<br />

pelo piano é simples <strong>em</strong> todas as músicas,<br />

tendo apenas a função <strong>de</strong> sublinhar<br />

harmonicamente o que é proposto pela<br />

melodia, o que po<strong>de</strong> ser notado <strong>em</strong> Canção<br />

Melancólica.<br />

Preferências Interpretativas<br />

Embora Canção Melancólica tenha sido<br />

escrita <strong>em</strong> 1984, seu estilo ass<strong>em</strong>elha-se às<br />

músicas <strong>de</strong> salão e seresta, muito presentes<br />

no cenário carioca na primeira meta<strong>de</strong> do<br />

século XX. Percebe-se, ainda, <strong>em</strong> sua escrita,<br />

el<strong>em</strong>entos da modinha, estilo representativo<br />

da música popular do Rio <strong>de</strong> Janeiro no<br />

início do século XX.<br />

38


Vera Camargo(2010) e Alexandre Lopes<br />

(2010), ressaltam relação próxima entre<br />

Alceu Camargo e o violinista e compositor<br />

Carlos <strong>de</strong> Almeida, comentando que o<br />

professor Alceu, muitas vezes, mostrava<br />

suas composições para o colega, a fim <strong>de</strong><br />

obter sugestões e i<strong>de</strong>ias. O apreço pela obra<br />

<strong>de</strong> seu colega fez com que Alceu Camargo<br />

gravasse uma <strong>de</strong> suas músicas, Valsa, como<br />

relatou Vera Camargo:<br />

Um amigo nosso ganhou aquele<br />

gravador gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> fita. Ele chegou<br />

lá <strong>em</strong> casa, [...], e pediu que Alceu<br />

tocasse alguma coisa para ele po<strong>de</strong>r<br />

usar o gravador <strong>de</strong>le. Aí eu l<strong>em</strong>brei da<br />

Valsa <strong>de</strong> Carlos <strong>de</strong> Almeida e peguei a<br />

parte <strong>de</strong> piano, para tocar com Alceu.<br />

Mas quando ele gravou, gravou com<br />

meio tom acima. [...] Isso foi na década<br />

<strong>de</strong> 60, e ele <strong>de</strong>u a fita cassete para<br />

Alceu. (CAMARGO, Entrevista <strong>em</strong> 30 <strong>de</strong><br />

set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2010)<br />

A gravação a que se refere a viúva do<br />

compositor é a única existente com a<br />

performance <strong>de</strong> Alceu Camargo. O erro <strong>de</strong><br />

gravação citado por ela, ocorreu <strong>de</strong>vido a<br />

diferença entre a rotação <strong>de</strong> gravação e <strong>de</strong><br />

reprodução. Possivelmente o aparelho fez<br />

a gravação <strong>em</strong> uma rotação inferior àquela<br />

utilizada na hora da reprodução, o que faz<br />

com que a música pareça ter sido gravada<br />

<strong>em</strong> outra tonalida<strong>de</strong>.<br />

Mesmo com a divergência <strong>de</strong> rotação da<br />

gravação, esse fonograma foi incluído<br />

posteriormente no CD Cantilena Caprichosa<br />

(ALMEIDA, [19--]), contendo obras <strong>de</strong> Alceu<br />

Camargo e Carlos <strong>de</strong> Almeida. Foi <strong>de</strong>ste a<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> registrar a obra <strong>de</strong> ambos por meio<br />

<strong>de</strong> gravação. Segundo Vera Camargo (2010),<br />

seu marido enviou para o Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

algumas <strong>de</strong> suas peças para piano, que<br />

foram gravadas por uma pianista daquela<br />

cida<strong>de</strong>. Foi enviado, também, o fonograma<br />

da Valsa, <strong>de</strong> Carlos <strong>de</strong> Almeida, gravado por<br />

Alceu Camargo ao violino e sua esposa ao<br />

piano.<br />

A escrita <strong>de</strong> Carlos <strong>de</strong> Almeida é similar à<br />

<strong>de</strong> Alceu Camargo <strong>em</strong> diversos aspectos. A<br />

Valsa, especificamente, t<strong>em</strong> forma A-B-A e<br />

é uma melodia acompanhada. A maneira<br />

como Almeida conduz tanto melodia quanto<br />

acompanhamento ass<strong>em</strong>elha-se à praticada<br />

por Camargo, especialmente <strong>em</strong> suas peças<br />

para violoncelo e piano. Dada a s<strong>em</strong>elhança<br />

<strong>de</strong> estilo, utilizar<strong>em</strong>os o fonograma <strong>de</strong><br />

Valsa, a fim <strong>de</strong> explicitar preferências<br />

interpretativas <strong>de</strong> Alceu Camargo, que<br />

po<strong>de</strong>m, <strong>de</strong> maneira geral, ser aplicadas na<br />

interpretação <strong>de</strong> Canção Melancólica.<br />

O contexto <strong>de</strong> Valsa, e <strong>de</strong> toda obra <strong>de</strong> Alceu<br />

Camargo, é próximo da nossa realida<strong>de</strong>.<br />

Além das peças não ser<strong>em</strong> antigas, também<br />

são baseadas <strong>em</strong> el<strong>em</strong>entos da cultura<br />

popular brasileira, o que faz com que seja<br />

possível a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos<br />

idiomáticos que auxiliam na interpretação<br />

das mesmas. Sobre a interpretação musical,<br />

Carvalho (2005) ressalta que<br />

O el<strong>em</strong>ento idiomático está ligado ao<br />

texto notado na exata medida <strong>em</strong> que<br />

é omitido neste. É tudo aquilo [...], que,<br />

por ser óbvio na práxis musical, está<br />

ausente da notação.[...] Dir-se-ia que<br />

o idioma é o contexto que sustenta a<br />

obra no momento histórico <strong>em</strong> que<br />

39


ela surge e/ou naquele <strong>em</strong> que ela é<br />

interpretada.(CARVALHO, 2005, p. 220)<br />

Em contraste com a prática da música<br />

erudita, no âmbito da música popular há<br />

poucas anotações nas partituras, quando<br />

essas são utilizadas, a fim <strong>de</strong> conferir maior<br />

liberda<strong>de</strong> ao intérprete na performance.<br />

Essa prática po<strong>de</strong> ser notada <strong>em</strong> Canção<br />

Melancólica, manuscrito on<strong>de</strong> o compositor<br />

faz poucas anotações.<br />

Tomando como base o fonograma <strong>de</strong><br />

Valsa <strong>de</strong> Carlos <strong>de</strong> Almeida, nota-se que a<br />

liberda<strong>de</strong> na interpretação era valorizada<br />

por Alceu Camargo, principalmente no<br />

tocante a mudanças <strong>de</strong> agógica. Coutinho<br />

(2010) confirma que<br />

Tinha liberda<strong>de</strong>, não era uma coisa<br />

quadrada. E aí que estava a gran<strong>de</strong><br />

dificulda<strong>de</strong>. No roubo dos t<strong>em</strong>pos,<br />

quando você puxa <strong>de</strong> uma nota para<br />

entregar para outra, aquilo ali tinha uma<br />

certa precisão, e tínhamos que fazer até<br />

ficar bom. [...] tinha uma precisão na<br />

imprecisão. Não era <strong>de</strong> qualquer jeito.<br />

“Ah, vou fazer aqui um rallentando”;<br />

não, o rallentando tinha forma. [...]<br />

tinha essa coisa da movimentação do<br />

t<strong>em</strong>po. (COUTINHO, Entrevista <strong>em</strong> 3 <strong>de</strong><br />

outubro <strong>de</strong> 2010)<br />

Na performance <strong>de</strong> Valsa, Alceu Camargo<br />

aplica a movimentação do t<strong>em</strong>po como<br />

recurso expressivo, utilizando rubato<br />

e também acellerandos. Destacamos<br />

também a flexibilida<strong>de</strong> e interesse que<br />

essa prática confere à melodia, criando<br />

uma nova expectativa no ouvinte para<br />

um perfil melódico que se repete diversas<br />

vezes. Em CançãoMelancólica, o recurso<br />

da flexibilida<strong>de</strong> do t<strong>em</strong>po também <strong>de</strong>ve<br />

ser, visto que as melodias se repet<strong>em</strong> e<br />

carec<strong>em</strong> <strong>de</strong> novo interesse cada vez que são<br />

executadas.<br />

O rubato é um el<strong>em</strong>ento interpretativo<br />

largamente utilizado nesse tipo <strong>de</strong><br />

repertório e <strong>de</strong>ve ser <strong>em</strong>pregado na peça<br />

<strong>em</strong> questão. Serão consi<strong>de</strong>rados os dois<br />

tipos <strong>de</strong> rubato categorizados por Ferguson<br />

(apud FARIA,2004): rubato melódico e rubato<br />

estrutural.<br />

O rubato melódico é realizado mantendo<br />

o t<strong>em</strong>po regular no acompanhamento,<br />

enquanto t<strong>em</strong>pos são roubados ou<br />

alongados na melodia. Essa prática é antiga<br />

e encontram-se registros que r<strong>em</strong>ontam a<br />

Mozart, C. P. E. Bach e Frescobaldi. Dorian<br />

(1966) documenta a prática interpretativa<br />

<strong>de</strong> Mozart no tocante ao rubato através <strong>de</strong><br />

sua correspondência com seu pai, Leopold<br />

Mozart. A técnica <strong>em</strong>pregada por ele é<br />

idêntica ao rubato melódico proposto por<br />

Ferguson (apud FARIA, 2004).<br />

Esse recurso é <strong>em</strong>pregado predominant<strong>em</strong>ente<br />

<strong>em</strong> contextos melódicos, ressaltando<br />

as características vocais <strong>de</strong> uma frase. Essa<br />

forma <strong>de</strong> rubato é facilmente aplicável <strong>em</strong><br />

Canção Melancólica, <strong>de</strong>vido à sua característica<br />

melódica marcante. O uso <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong><br />

rubato fica a cargo das <strong>de</strong>cisões do intérprete.<br />

Nesse sentido, nenhuma sugestão será<br />

feita no presente trabalho, visto enten<strong>de</strong>rmos<br />

que essa questão admite muitas soluções.<br />

Entretanto, encorajamos a utilização<br />

<strong>de</strong>sse recurso interpretativo.<br />

40


Já o rubato estrutural, assim classificado<br />

por Ferguson (apud FARIA, 2004), influi<br />

tanto na estrutura da melodia quanto do<br />

acompanhamento. É mais amplamente<br />

utilizado que o rubato melódico e está<br />

presente <strong>em</strong> quase todas as músicas na<br />

forma <strong>de</strong> rallentando, ritenuto, acellerando,<br />

<strong>de</strong>ntre outros. Esse recurso po<strong>de</strong> ser usado<br />

com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar a forma da<br />

música, separando frases ou seções.<br />

Em Canção Melancólica, além da indicação<br />

inicial <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po, Mo<strong>de</strong>rato, não há nada que<br />

aponte para uma mudança <strong>de</strong> andamento<br />

na peça, somente indicações <strong>de</strong> rallentando<br />

e poco acellerando, esta última no início da<br />

Seção B, o que não caracteriza propriamente<br />

uma mudança do t<strong>em</strong>po. Seria essa<br />

indicação <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po suficiente?<br />

No tocante à mudança <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po,<br />

encontramos <strong>em</strong> sua obra para piano um<br />

ex<strong>em</strong>plo s<strong>em</strong>elhante ao caso estudado aqui,<br />

que é sua peça Divagando, para piano solo.<br />

A estrutura formal <strong>de</strong>ssa peça é a mesma da<br />

Canção Melancólica, além <strong>de</strong> também ser<br />

uma valsa lenta. Ainda segundo Thompson<br />

(2010, p. 81), a Seção B <strong>de</strong> Divagando<br />

é “i<strong>de</strong>ntificada com a indicação <strong>de</strong><br />

andamento ‘Piu mosso’”. A mesma situação<br />

é encontrada na Valsa da Sauda<strong>de</strong>, também<br />

para piano solo, on<strong>de</strong> o compositor escreve<br />

que a Seção B <strong>de</strong>ve ter o andamento “Mais<br />

movido” <strong>em</strong> relação ao t<strong>em</strong>po inicial da obra<br />

(THOMPSON, 2010, p. 95).<br />

Cláudio Coutinho recorda que, quando era<br />

aluno <strong>de</strong> violoncelo da EMES e estudou<br />

a Canção Melancólica, o professor Alceu<br />

costumava ouvir seus ensaios com piano:<br />

Quando chegava na segunda parte,<br />

que [...] é agitada, ela anda, Alceu<br />

pedia para puxar o t<strong>em</strong>po mesmo.<br />

[...] Ele pedia para acelerar e no final<br />

fazer um rallentando para voltar para<br />

o movimento anterior. [...] Era correria,<br />

a segunda parte passa rápido. Para<br />

po<strong>de</strong>r fazer música, porque senão fica<br />

chato. Acelerava b<strong>em</strong> o andamento<br />

para fazer uma melodia bonita. No<br />

final essa coisa morre e volta ao início<br />

com aquele caráter melancólico <strong>de</strong><br />

novo. (COUTINHO, Entrevista <strong>em</strong> 3 <strong>de</strong><br />

outubro <strong>de</strong> 2010)<br />

Consi<strong>de</strong>rando a s<strong>em</strong>elhança estrutural entre<br />

a Canção Melancólica e as peças Divagando<br />

e Valsa da Sauda<strong>de</strong>, para piano solo, o relato<br />

acima, as características da peça, b<strong>em</strong> como<br />

seus aspectos estilísticos, cr<strong>em</strong>os que,<br />

<strong>em</strong>bora a indicação no manuscrito seja <strong>de</strong><br />

poco acell., a intenção do compositor era<br />

promover uma mudança real no andamento,<br />

motivo pelo qual enten<strong>de</strong>mos que a<br />

indicação Piu Mosso seja mais a<strong>de</strong>quada.<br />

Ressaltamos ainda que a mudança efetiva<br />

<strong>de</strong> andamento irá auxiliar na construção do<br />

contraste entre as Seções A e B, conferindo<br />

maior expressivida<strong>de</strong> à obra.<br />

Como vimos, as mudanças <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po são<br />

ferramentas expressivas po<strong>de</strong>rosas para<br />

o intérprete. Por meio <strong>de</strong>las, é possível<br />

explicitar para o ouvinte o discurso musical<br />

que está sendo proposto. Alceu Camargo<br />

<strong>em</strong>prega esses dois recursos <strong>de</strong> mudança <strong>de</strong><br />

agógica <strong>em</strong> Valsa, que po<strong>de</strong>m ser aplicados<br />

também <strong>em</strong> Canção Melancólica.<br />

41


Outro recurso expressivo muito utilizado<br />

por Alceu Camargo <strong>em</strong> sua interpretação da<br />

Valsa <strong>de</strong> Carlos <strong>de</strong> Almeida é o portamento.<br />

Seu uso auxilia no <strong>de</strong>senho do contorno<br />

melódico, valorizando os pontos culminantes<br />

<strong>de</strong> algumas frases ou suavizando intervalos.<br />

Alceu Camargo utiliza tanto o portamento<br />

<strong>em</strong> mudanças <strong>de</strong> posição ascen<strong>de</strong>nte como<br />

nas mudanças <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes, entretanto, nas<br />

primeiras, <strong>em</strong> geral, ele é mais evi<strong>de</strong>nciado,<br />

valorizando a nota <strong>de</strong> chegada. Quando<br />

o portamento ocorre <strong>em</strong> mudanças <strong>de</strong><br />

posição <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte, ele reforça a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

repouso, sendo mais utilizado <strong>em</strong> finais <strong>de</strong><br />

frase.<br />

Quanto à variação <strong>de</strong> dinâmica, perceb<strong>em</strong>os<br />

que ela acompanha, <strong>de</strong> maneira geral, o<br />

<strong>de</strong>senho da frase. A Valsa apresenta melodia<br />

e harmonia simples e <strong>de</strong> fácil entendimento,<br />

o que faz com que o fraseado da música seja,<br />

até certo ponto, intuitivo. Alceu Camargo,<br />

<strong>em</strong> sua interpretação, realiza o fraseado<br />

proposto <strong>de</strong> forma simples e objetiva,<br />

po<strong>de</strong>ríamos dizer até intuitiva.<br />

Há ainda variações <strong>de</strong> caráter expressas por<br />

meio da variação <strong>de</strong> dinâmica e <strong>de</strong> timbre.<br />

Ele usa dinâmicas contrastantes para<br />

explicitar diferentes seções da música. Junto<br />

com a variação <strong>de</strong> dinâmica é <strong>em</strong>pregada<br />

também a variação timbrística. No geral,<br />

<strong>em</strong> toda a Valsa, o timbre predominante é<br />

mais suave, aproximando-se do sul tasto,<br />

contudo há momentos <strong>em</strong> que Alceu<br />

Camargo abandona esse timbre mais suave,<br />

passando para uma sonorida<strong>de</strong> um pouco<br />

mais projetada, a fim <strong>de</strong> expressar uma nova<br />

i<strong>de</strong>ia. A maneira como ele combina timbre e<br />

dinâmica confere varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sonorida<strong>de</strong>s,<br />

ambientes e caráter à peça.<br />

Todos esses recursos abordados, presentes<br />

na gravação <strong>de</strong> Valsa, po<strong>de</strong>m ser utilizados,<br />

s<strong>em</strong> restrições, na performance <strong>de</strong> Canção<br />

Melancólica, <strong>de</strong> Alceu Camargo. Há ainda<br />

um fonograma <strong>de</strong>ssa peça (CAMARGO, [198-<br />

?]) interpretada pelo violoncelista Watson<br />

Clis, também segue os mesmos padrões<br />

<strong>de</strong> interpretação, sendo possível encontrar<br />

todos os recursos interpretativos discutidos<br />

anteriormente. Entretanto, a abordag<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />

Watson Clis difere da <strong>de</strong> Alceu Camargo no<br />

tocante ao timbre. Enquanto Camargo opta<br />

pelo timbre sul tasto <strong>em</strong> quase toda Valsa, Clis<br />

utiliza mais o som natural, mais projetado,<br />

<strong>em</strong> sua versão <strong>de</strong> Canção Melancólica.<br />

Referências<br />

ALMEIDA, Carlos <strong>de</strong>. Valsa. In: Cantilena Caprichosa.<br />

Alceu Camargo, violino; Vera Camargo, piano. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, [19--]. (CD <strong>de</strong> música)<br />

AZEVEDO, Luiz Heitor Corrêa <strong>de</strong>. A música brasileira e<br />

seus fundamentos. Washington: União Pan Americana,<br />

1948. 92 p.<br />

CAMARGO, Alceu. Canção Melancólica. Vitória:<br />

Manuscrito do autor. (Partitura)<br />

__________. Canção Melancólica. In: Minhas<br />

Composições. Watson Clis, violoncelo. Espírito Santo,<br />

[198-?]. (CD <strong>de</strong> música)<br />

42


CAMARGO, Vera. Entrevista concedida a Raquel<br />

Almeida Rohr <strong>de</strong> Oliveira Isidoro na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vitória<br />

<strong>em</strong> 30 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2010.<br />

CARVALHO, Mário Vieira <strong>de</strong>, in Duarte, Rodrigo (org.).<br />

A partitura como ‘Espírito Sedimentado’: <strong>em</strong> torno da<br />

teoria da interpretação musical <strong>de</strong> Adorno. Theoria<br />

Aesthetica. Porto Alegre: Escritos, 2005<br />

Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Vitória, ES,<br />

2003.<br />

MARTINS, Regina Célia Nava. Escola <strong>de</strong> <strong>Música</strong><br />

do Espírito Santo: 50 anos <strong>de</strong> história. 2006. 26f.<br />

Monografia (Pós-Graduação <strong>em</strong> Docência para o<br />

Ensino Superior) - Faculda<strong>de</strong> Batista <strong>de</strong> Vitória -<br />

FABAVI, Vitória, 2006.<br />

COOK, Nicholas. A gui<strong>de</strong> to musical analisys. Oxford:<br />

Oxford University Press, 1994. 384 p.<br />

COUTINHO, Cláudio Quintas. Entrevista concedida a<br />

Raquel Almeida Rohr <strong>de</strong> Oliveira Isidoro na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Vitória <strong>em</strong> 3 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2010.<br />

DORIAN, Fre<strong>de</strong>rik. The history of music in performance:<br />

the art of musical interpretation from the renaissance<br />

to our day. New York: W. W. Norton &Company, 1966.<br />

SOUZA, Sanny. Entrevista concedida a Raquel<br />

Almeida Rohr <strong>de</strong> Oliveira Isidoro na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vitória<br />

<strong>em</strong> 5 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2009.<br />

THOMPSON, Cláudio Laeber. Alceu Camargo:<br />

violinista profissional, compositor diletante. Análise<br />

<strong>de</strong> sua obra completa para piano. Dissertação <strong>de</strong><br />

mestrado. UDESC, Florianópolis, SC, 2010<br />

FARIA, Antônio Guerreiro <strong>de</strong>. O pianismo <strong>de</strong> Nazareth<br />

<strong>em</strong> t<strong>em</strong>po rubato. Belo Horizonte: Per Musi, n. 10,<br />

2004.<br />

FUCCI AMATO, Rita <strong>de</strong> Cássia. Capital cultural versus<br />

dom inato: questionando sociologicamente a<br />

trajetória musical <strong>de</strong> compositores e intérpretes<br />

brasileiros. Opus, Goiânia, v. 14, n. 1, p. 79-97, <strong>jun</strong>.<br />

2008.<br />

GREEN, Douglass Marshall. Form in tonal music: an<br />

introduction to analysis. Schirmer, 2nd edition, 1979.<br />

336p.<br />

LOPES, Alexandre <strong>de</strong> Oliveira. Entrevista concedida a<br />

Raquel Almeida Rohr <strong>de</strong> Oliveira Isidoro na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Vitória <strong>em</strong> 28 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2010.<br />

MAGALHÃES, Juca. Da capo: a história da Orquestra<br />

Filarmônica do Espírito Santo: 1977 – 2002. Instituto<br />

43


O ESTUDO DIÁRIO DO VIOLINO:<br />

ESTRATÉGIAS DE ESTUDO<br />

Silas <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> Neto<br />

Professor <strong>de</strong> Violino nos cursos <strong>de</strong> Bacharelado e Formação Musical da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> do Espírito Santo<br />

“Maurício <strong>de</strong> Oliveira” – FAMES, violinista da Orquestra Filarmônica do Espírito Santo (OFES), mestre <strong>em</strong> música pela<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais (UFMG).<br />

Resumo<br />

Saber estudar é um ingrediente indispensável para<br />

o instrumentista. O estudo diário b<strong>em</strong> realizado<br />

leva a uma performance segura, confortável, eficaz,<br />

e consequent<strong>em</strong>ente conduz à própria satisfação<br />

do músico. Segundo renomados pedagogos, a<br />

presença <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> estudo na prática diária<br />

do instrumento, é fundamental para a obtenção <strong>de</strong><br />

resultados positivos durante a mesma. Este artigo<br />

apresentará o que quatro principais violinistas<br />

pedagogos do século XX têm a dizer sobre os<br />

seguintes tópicos: domínio técnico, repetição,<br />

planejamento <strong>de</strong> estudo, higiene do estudo, e<br />

material <strong>de</strong> estudo<br />

Palavras-chave: Violino – Performance -<br />

Estratégias <strong>de</strong> estudo.<br />

Abstract<br />

Knowing how to study is an indispensable ingredient<br />

for the performer. Studying correctly, everyday, takes<br />

to a safe, comfortable and efficient performance and,<br />

consequently, to the self satisfaction of the musician.<br />

According to renowned pedagogues, the presence of<br />

studying strategies on a daily basis of the instrument<br />

is fundamental in a way to obtain positive results<br />

during it. This article will present what four of the<br />

main violinist teachers of the 20th century have to<br />

say about the following topics: technical dominion,<br />

repetition, studying strategy, cleanness of the study<br />

and studying material.<br />

Keywords: Violin – Performance - Studying<br />

strategies.


INTRODUÇÃO<br />

Po<strong>de</strong>mos dizer que saber estudar é uma<br />

arte indispensável para o sucesso na<br />

performance musical e consequente<br />

satisfação do músico. Isso significa conhecer<br />

ferramentas, estratégias e processos <strong>de</strong><br />

estudo fundamentais para uma prática<br />

eficaz e efetiva, e aplicá-los no estudo<br />

diário do instrumento. Requer serieda<strong>de</strong>,<br />

direcionamento, concentração, <strong>de</strong>finição<br />

<strong>de</strong> objetivos, disciplina, para que haja a<br />

otimização do t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> estudo. É um sério<br />

compromisso que o músico <strong>de</strong>ve ter consigo<br />

(ANDRADE NETO, 2010, p. 1).<br />

Enten<strong>de</strong>mos por otimização do t<strong>em</strong>po<br />

<strong>de</strong> estudo, a conquista <strong>de</strong> um objetivo<br />

previamente traçado, utilizando o menor<br />

t<strong>em</strong>po possível. Trata-se <strong>de</strong> um ingrediente<br />

<strong>de</strong> suma importância para o estudante<br />

hoje. Entretanto, como músico profissional,<br />

professor e aluno, percebo um agravante no<br />

meio musical: há músicos que <strong>de</strong>sperdiçam<br />

o t<strong>em</strong>po que têm disponível para o estudo,<br />

ao invés <strong>de</strong> tentar aproveitá-lo da melhor<br />

forma possível (ANDRADE NETO, 2010, p. 1).<br />

Segundo Leopold La Fosse 1 , <strong>em</strong> seu artigo<br />

não publicado Prática Criativa e Efetiva, o<br />

que importa para alcançar metas musicais<br />

não é a quantida<strong>de</strong> do t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> estudo,<br />

mas sim a qualida<strong>de</strong> do mesmo.<br />

Segundo GERLE (1983, p.11), todos os<br />

instrumentistas, amadores ou profissionais,<br />

têm <strong>em</strong> comum uma constante diminuição<br />

do t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> que dispõ<strong>em</strong> para estudar,<br />

1 Leopold La Fosse (1928 – 2003) – Ex-<br />

Professor <strong>de</strong> Violino da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Iowa, EUA.<br />

<strong>de</strong>vido às mudanças no quadro sociológico<br />

<strong>de</strong> nossa época, como por ex<strong>em</strong>plo:<br />

expansão da mídia e telecomunicações.<br />

É possível que gran<strong>de</strong> parte dos estudantes<br />

universitários vá para uma avaliação<br />

ou recital s<strong>em</strong>estral <strong>de</strong>spreparada para<br />

apresentar uma performance segura,<br />

confiante, confortável e satisfatória<br />

(ANDRADE NETO, 2010, p. 1). Acredito que<br />

isso acontece principalmente pela ausência<br />

<strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> estudo que possam tornar<br />

esse estudo eficaz.<br />

Para o instrumentista, o estudo diário é o<br />

processo pelo qual se <strong>de</strong>ve passar para se<br />

alcançar um produto final: a performance<br />

instrumental. O grau <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta<br />

performance instrumental <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá da<br />

forma como o estudo é realizado (ANDRADE<br />

NETO, 2010, p. 2). Visto que na música<br />

precisamos buscar s<strong>em</strong>pre o maior grau<br />

<strong>de</strong> refinamento técnico e musical, faz-se<br />

necessário o conhecimento <strong>de</strong> estratégias<br />

<strong>de</strong> estudo que contribuam para a qualida<strong>de</strong><br />

da performance.<br />

ESTRATÉGIAS DE ESTUDO<br />

Segundo renomados pedagogos, a presença<br />

<strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> estudo na prática diária<br />

do instrumento, é fundamental para a<br />

obtenção <strong>de</strong> resultados positivos durante a<br />

mesma. Alguns dos resultados positivos que<br />

po<strong>de</strong>m ser obtidos através da adoção <strong>de</strong> estratégias<br />

<strong>de</strong> estudo são: otimização do t<strong>em</strong>po<br />

<strong>de</strong> estudo, segurança técnica, conforto,<br />

direcionamento do estudo, satisfação pelo<br />

trabalho realizado (ANDRADE NETO, 2010,<br />

46


p. 3). Este artigo é resultado <strong>de</strong> uma revisão<br />

bibliográfica realizada, com o objetivo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scobrirmos o que renomados pedagogos<br />

do século XX têm a dizer sobre a prática diária<br />

do instrumento. A partir <strong>de</strong>ssa revisão<br />

bibliográfica, selecionamos quatro autores<br />

que consi<strong>de</strong>ramos ser<strong>em</strong> os principais violinistas<br />

pedagogos do século XX, por ter<strong>em</strong><br />

contribuído ricamente para o campo da didática<br />

do violino com um material importante<br />

referente a estratégias <strong>de</strong> estudo: Carl<br />

Flech, Elizabeth A. H. Green, Ivan Galamian e<br />

Robert Gerle. A seguir, serão expostos pontos<br />

importantes encontrados na literatura<br />

pesquisada referente à: domínio técnico,<br />

repetição, planejamento <strong>de</strong> estudo, higiene<br />

do estudo, e material <strong>de</strong> estudo.<br />

DOMÍNIO TÉCNICO<br />

Gerle afirma que “é essencial apren<strong>de</strong>r<br />

corretamente os fundamentos básicos da<br />

técnica do violino. Mas não basta apenas<br />

aprendê-los, é <strong>de</strong> igual importância saber o<br />

que fazer com esta habilida<strong>de</strong>, como mantêla,<br />

<strong>de</strong>senvolvê-la, e como aplicá-la ao serviço<br />

da performance e interpretação musical”<br />

(GERLE, 1983, p. 9).<br />

Para Galamian, “uma técnica completa é o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> todos os el<strong>em</strong>entos<br />

da habilida<strong>de</strong> violinística ao mais alto<br />

nível, o domínio completo sobre todas<br />

as potencialida<strong>de</strong>s do instrumento”<br />

(GALAMIAN, 1985, p. 5).<br />

Flesch assegura que, “após a aprendizag<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong> uma passag<strong>em</strong>, o fato <strong>de</strong> pensar<br />

conscient<strong>em</strong>ente nos movimentos<br />

individuais envolvidos, ou refletir sobre a<br />

constituição <strong>de</strong> tal passag<strong>em</strong> durante a<br />

performance, na maioria dos casos resulta<br />

<strong>em</strong> colapso “motor” ” (FLESCH, 1930, p. 81).<br />

Segundo Flesch, “durante a performance<br />

<strong>de</strong> uma obra, é importante que não haja<br />

preocupação referente a <strong>de</strong>talhes que<br />

possam não estar ainda tecnicamente<br />

perfeitos. Contudo, sugere que tais <strong>de</strong>talhes<br />

sejam marcados nas margens da partitura,<br />

para mais tar<strong>de</strong> estudá-los” (FLESCH, 1930,<br />

p. 147). O autor faz a seguinte afirmativa<br />

sobre domínio técnico:<br />

Completo domínio sobre dificulda<strong>de</strong>s<br />

técnicas <strong>em</strong> performance pública exige<br />

um elevado grau <strong>de</strong> auto-controle<br />

no que concerne à supervisão do<br />

grau <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong> dos movimentos<br />

envolvidos. É também muito<br />

aconselhável olhar para qualquer<br />

exercício técnico como um estudo<br />

sonoro ao mesmo t<strong>em</strong>po” (FLESCH,<br />

1930, p. 149). 2<br />

Flesch afirma ainda que “o meio mais<br />

eficiente para se alcançar um grau<br />

significante <strong>de</strong> segurança técnica, no que<br />

diz respeito à mudança <strong>de</strong> posição, é usar<br />

consistent<strong>em</strong>ente notas intermediárias nas<br />

mudanças” (FLESCH, 1930, p. 157).<br />

REPETIÇÃO<br />

Gerle (1983, p. 9) fala contra o tipo <strong>de</strong> estudo<br />

que não passa <strong>de</strong> uma cega e interminável<br />

2 As citações feitas neste trabalho foram<br />

traduzidas pelo autor do mesmo.<br />

47


epetição da mesma passag<strong>em</strong>, on<strong>de</strong> se<br />

repete normalmente os mesmos erros. Ele<br />

afirma que tal estudo é um <strong>de</strong>sperdício <strong>de</strong><br />

t<strong>em</strong>po que não conduz ao progresso, apenas<br />

à frustração e reforço dos erros. “Repetição<br />

é a mãe do conhecimento somente se a<br />

passag<strong>em</strong> tocada perfeitamente é repetida<br />

mais vezes do que a passag<strong>em</strong> tocada com<br />

erros” (GERLE, 1983, p. 14).<br />

Galamian relata que “é importante conscientizar<br />

o aluno sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manter<br />

a mente constant<strong>em</strong>ente <strong>em</strong> estado <strong>de</strong><br />

alerta durante o estudo, pois frequent<strong>em</strong>ente<br />

eles permit<strong>em</strong> que a mente vagueie enquanto<br />

os <strong>de</strong>dos e as mãos estão envolvidos<br />

numa rotina <strong>de</strong> funcionamento mecânico e<br />

repetições intermináveis. Esse tipo <strong>de</strong> estudo<br />

significa <strong>de</strong>sperdício <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po e esforço.<br />

Como os erros são repetidos constant<strong>em</strong>ente,<br />

o ouvido torna-se insensível aos <strong>de</strong>feitos.<br />

Como estratégia para manter a mente mais<br />

fresca, o material <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong>ve ser misturado<br />

ao invés <strong>de</strong> permanecer apenas <strong>em</strong> um<br />

único it<strong>em</strong>” (GALAMIAN, 1985, p. 94).<br />

Segundo o autor, “ao progredir dos<br />

probl<strong>em</strong>as mais simples para os mais<br />

difíceis, um princípio muito importante que<br />

se aplica a qualquer tipo <strong>de</strong> estudo t<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />

ser mantido <strong>em</strong> mente: s<strong>em</strong>pre que um<br />

probl<strong>em</strong>a é resolvido, é inútil repeti-lo. É<br />

preciso <strong>de</strong>ixá-lo e prosseguir para o próximo”.<br />

Ele consi<strong>de</strong>ra “um <strong>de</strong>sperdício <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po,<br />

estudar como uma rotina o que não precisa<br />

mais <strong>de</strong> estudo”. Mas ressalta que “é legítimo<br />

voltar após um <strong>de</strong>terminado intervalo<br />

<strong>de</strong> t<strong>em</strong>po a uma passag<strong>em</strong> previamente<br />

estudada, com o objetivo <strong>de</strong> verificar se a<br />

habilida<strong>de</strong> possuída ainda é segura ou se<br />

precisa <strong>de</strong> reparos” (GALAMIAN, 1985, p. 95).<br />

Flesch relata que “é fato que precisamos<br />

repetir uma série específica <strong>de</strong> notas, (mais<br />

ou menos frequent<strong>em</strong>ente), com o objetivo<br />

<strong>de</strong> dominá-las mentalmente e tecnicamente”.<br />

Segundo ele, “a maioria dos violinistas se<br />

engana ao acreditar que, o estudo eficiente<br />

é sinônimo <strong>de</strong> repetir uma passag<strong>em</strong> a ser<br />

aprendida, enquanto for necessário, com<br />

o objetivo <strong>de</strong> se tornar capaz <strong>de</strong> tocá-la”<br />

(FLESCH, 1930, p. 81). E afirma que “essa<br />

prática é um erro <strong>de</strong>sastroso”. Para o autor,<br />

“repetição excessiva <strong>de</strong> uma passag<strong>em</strong> e<br />

estudo duradouro <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s técnicas<br />

impe<strong>de</strong>m o músico <strong>de</strong> fazer música com<br />

prazer”. Flesch “é contra a repetição habitual,<br />

impensada e infinita”. Para ele, “tal repetição<br />

prejudica qualquer espontaneida<strong>de</strong><br />

que o músico possa ter <strong>de</strong> exprimir seus<br />

sentimentos e rouba-lhe sua personalida<strong>de</strong><br />

musical” (FLESCH, 1930, p. 82).<br />

A respeito da importância da repetição no<br />

estudo, Flesch relata o seguinte:<br />

Estudar é a ativida<strong>de</strong> intencional,<br />

através da qual buscamos dominar<br />

os movimentos necessários para<br />

uma performance b<strong>em</strong> sucedida e<br />

superar as dificulda<strong>de</strong>s que possam<br />

ficar no caminho <strong>de</strong> um fluxo correto<br />

dos movimentos. Isso é feito mais ou<br />

menos por meio da repetição (FLESCH,<br />

1930, p.147).<br />

Conforme o autor, “não se <strong>de</strong>ve repetir<br />

uma passag<strong>em</strong> mais do que 12 vezes<br />

consecutivas, e é importante que haja uma<br />

48


curta pausa intervindo durante o processo<br />

<strong>de</strong> repetição”. Segundo ele, “para se alcançar<br />

uma meta <strong>de</strong>sejada por meio da repetição,<br />

é necessário que haja calma reflexão, análise<br />

e avaliação do obstáculo e repetição b<strong>em</strong><br />

planejada” (FLESCH, 1930, p. 157).<br />

PLANEJAMENTO DE ESTUDO<br />

Flesch relata que “excesso <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po<br />

<strong>de</strong>dicado ao estudo, irracionável fixação<br />

<strong>em</strong> <strong>de</strong>terminadas configurações técnicas,<br />

favorecendo estudos <strong>de</strong> uma natureza<br />

árida, não musical, baseia-se na crença<br />

<strong>de</strong> que para se alcançar habilida<strong>de</strong> ou<br />

domínio <strong>de</strong> qualquer tipo, é necessário<br />

que haja inúmeras repetições do mesmo<br />

movimento”. Mas segundo ele, “apenas o<br />

oposto é verda<strong>de</strong>iro” (FLESCH, 1930, p. 82).<br />

O autor compara a absorção mental com a<br />

absorção do estômago. “Da mesma forma<br />

que o estômago só po<strong>de</strong> absorver pequenas<br />

quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comida <strong>de</strong> uma só vez, assim<br />

também a mente não po<strong>de</strong> digerir porções<br />

muito gran<strong>de</strong>s”. Dessa forma, ele recomenda<br />

que “qualquer tipo <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong> técnica<br />

seja estudada <strong>em</strong> pequenas quantida<strong>de</strong>s,<br />

mas com maior freqüência, a fim <strong>de</strong> que esta<br />

habilida<strong>de</strong> seja dominada” (FLESCH, 1930, p.<br />

82).<br />

Para Flesch, “é <strong>de</strong>snecessário estudar 8 horas<br />

por dia”. Ele refere-se a isso como sendo “um<br />

caminho <strong>de</strong>sastroso que po<strong>de</strong> levar mesmo<br />

gran<strong>de</strong>s talentos à ruína artística, espiritual,<br />

e às vezes até física. Além <strong>de</strong> fazê-los<br />

per<strong>de</strong>r contato com a essência da música,<br />

a técnica torna-se um fim <strong>em</strong> si mesmo, a<br />

fonte <strong>de</strong> sentimento e expressivida<strong>de</strong> seca.<br />

A solução para o fim das <strong>de</strong>snecessárias 8<br />

horas diárias <strong>de</strong> estudo, resi<strong>de</strong> numa das<br />

mais importantes tarefas do professor, que<br />

é fazer com que o aluno <strong>de</strong>senvolva sua<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar”. “O aluno <strong>de</strong>ve estar<br />

preparado para perceber que mais po<strong>de</strong> ser<br />

feito <strong>em</strong> meia hora <strong>de</strong> estudo intencional do<br />

que <strong>em</strong> uma s<strong>em</strong>ana <strong>de</strong> estudo mecânico”<br />

(FLESCH, 1930, p. 147).<br />

Para Flesch (1930, p. 83) a divisão mais<br />

vantajosa do t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> estudo, baseada<br />

<strong>em</strong> um violinista b<strong>em</strong> treinado <strong>em</strong> todas<br />

as áreas, normalmente talentoso, e que<br />

se <strong>de</strong>para com tarefas artísticas <strong>de</strong> média<br />

dificulda<strong>de</strong>, é a seguinte:<br />

1. Uma hora <strong>de</strong> técnica geral (Sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong><br />

Escala com exercícios <strong>de</strong> arco – proposto <strong>em</strong><br />

seu livro na página 85) e Estudos.<br />

2. Uma hora e meia <strong>de</strong> técnica aplicada<br />

(estudo técnico <strong>de</strong> repertório).<br />

3. Uma hora e meia <strong>de</strong> puro fazer musical.<br />

Conforme o autor “o estudo <strong>de</strong> puro fazer<br />

musical é a fase mais importante, porque<br />

expõe <strong>de</strong>ficiências técnicas que possam<br />

ainda existir, e fornece excelente material <strong>de</strong><br />

estudo para o dia seguinte”. Ele relata que<br />

“para essa fase do estudo é essencial que se<br />

<strong>de</strong>dique mais t<strong>em</strong>po” (FLESCH, 1930, p. 83).<br />

Ainda sobre divisão do t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> estudo,<br />

Flesch “aponta como parte mais difícil e<br />

consumidora <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po a técnica aplicada,<br />

o domínio dos aspectos técnicos <strong>de</strong> peças<br />

<strong>de</strong> performance”. Ele afirma que “o t<strong>em</strong>po<br />

e o esforço <strong>de</strong>dicados à aprendizag<strong>em</strong> do<br />

conteúdo musical da obra, levará menos<br />

49


t<strong>em</strong>po, mas não é menos importante. Além<br />

disso, <strong>de</strong>ve-se dar atenção também à técnica<br />

geral, que sendo equilibrada e completa<br />

po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada mais como uma<br />

manutenção <strong>de</strong> equipamentos técnicos”<br />

(FLESCH, 1930, p. 83).<br />

Conforme Flesch, “no início do aprendizado<br />

<strong>de</strong> uma música, o primeiro passo a ser<br />

tomado é <strong>de</strong>terminar o número e a natureza<br />

dos probl<strong>em</strong>as existentes”. Além disso, ele<br />

afirma que “cada probl<strong>em</strong>a técnico <strong>de</strong>ve<br />

ser isolado e resolvido individualmente. Se,<br />

apesar disso, o aluno encontrar dificulda<strong>de</strong>s<br />

que não consegue vencer, é sinal <strong>de</strong> que<br />

exist<strong>em</strong> obstáculos mais básicos que <strong>de</strong>v<strong>em</strong><br />

ser diagnosticados e superados” (FLESCH,<br />

1930, p. 147).<br />

Gerle, nessa mesma linha <strong>de</strong> raciocínio,<br />

afirma que “<strong>de</strong>ve-se saber s<strong>em</strong>pre<br />

exatamente o que precisa estudar e por quê.<br />

Além disso, <strong>de</strong>ve-se traçar objetivos a ser<strong>em</strong><br />

alcançados durante o dia <strong>de</strong> estudo”. “Para<br />

resolvermos um probl<strong>em</strong>a, é preciso antes<br />

<strong>de</strong>fini-lo, i<strong>de</strong>ntificar a razão da dificulda<strong>de</strong><br />

e <strong>em</strong> seguida escolher o r<strong>em</strong>édio correto<br />

para resolvê-lo” (GERLE, 1983, p. 13). “Os<br />

probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser separados e resolvidos<br />

um por um” (GERLE, 1983, p. 17). Ele afirma<br />

que <strong>de</strong>ssa forma “o estudo se torna muito<br />

mais produtivo e eficiente. Depois <strong>de</strong><br />

resolvido o probl<strong>em</strong>a, <strong>de</strong>ve-se reconstituir<br />

e estudar a passag<strong>em</strong> como está escrita”<br />

(GERLE, 1883, p. 18).<br />

Quanto ao t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> estudo, o autor relata<br />

que este “<strong>de</strong>ve ser organizado <strong>de</strong> forma a<br />

aten<strong>de</strong>r às circunstâncias”. Segundo ele, “a<br />

quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po que será gasto com<br />

cada componente do material <strong>de</strong> estudo,<br />

<strong>de</strong>ve ser planejada <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> para<br />

que está se preparando e <strong>de</strong> quanto t<strong>em</strong>po<br />

se t<strong>em</strong> disponível” (GERLE, 1983, p. 13).<br />

Para Galamian, “não faz sentido padronizar<br />

um certo número <strong>de</strong> horas, exigindo que<br />

seja cumprido por todos os estudantes, <strong>de</strong><br />

acordo com uma programação rígida”. Para<br />

ele, “o t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá das<br />

exigências e possibilida<strong>de</strong>s que irão variar <strong>em</strong><br />

casos individuais. O aluno, individualmente,<br />

t<strong>em</strong> que <strong>de</strong>scobrir experimentando o que é<br />

melhor para si” (GALAMIAN, 1985, p. 94).<br />

Quanto ao material <strong>de</strong> estudo, Galamian<br />

afirma ser “<strong>de</strong>snecessário fixar um padrão<br />

para a sequência do material <strong>de</strong> estudo, por<br />

ex<strong>em</strong>plo, primeiro escala, <strong>de</strong>pois estudos,<br />

<strong>em</strong> seguida repertório”. Para ele, “<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

o trabalho a ser feito seja cumprido, essa<br />

or<strong>de</strong>m po<strong>de</strong> ser modificada começando<br />

com peças e terminando com escalas. O<br />

importante é que o t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> estudo seja<br />

b<strong>em</strong> utilizado, e que estudar seja um hábito<br />

diário. Tanto técnica quanto interpretação<br />

<strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser objetivos do estudo” (GALAMIAN,<br />

1985, p. 94).<br />

Galamian (1985, p. 95) afirma ser <strong>de</strong> muita<br />

importância a existência <strong>de</strong> uma divisão<br />

inteligent<strong>em</strong>ente equilibrada das horas <strong>de</strong><br />

estudo, e sugere que as horas <strong>de</strong> estudo<br />

sejam distribuídas entre:<br />

1 – Estudo Construtivo: <strong>de</strong>ve ser realizado<br />

<strong>em</strong> parte com escalas e exercícios<br />

fundamentais similares e, <strong>em</strong> parte, <strong>em</strong> lidar<br />

50


com probl<strong>em</strong>as técnicos encontrados <strong>em</strong><br />

estudos e no repertório.<br />

2 – Estudo Interpretativo: <strong>de</strong>ve ser dada<br />

atenção à expressivida<strong>de</strong> musical, formação<br />

<strong>de</strong> frases.<br />

3 – Estudo Performático: <strong>de</strong>ve ser realizado<br />

s<strong>em</strong>pre que uma peça está sendo preparada<br />

para performance. Durante esse estudo, a<br />

obra inteira <strong>de</strong>ve ser tocada s<strong>em</strong> interrupção,<br />

<strong>de</strong> preferência com acompanhamento,<br />

imaginando a presença <strong>de</strong> ouvintes.<br />

Green (2006, p. 21) fala sobre a importância<br />

<strong>de</strong> se estudar isoladamente trechos<br />

probl<strong>em</strong>áticos, com a utilização <strong>de</strong> motivos<br />

rítmicos, para a solução <strong>de</strong> probl<strong>em</strong>as.<br />

Conforme a autora, quando os <strong>de</strong>dos<br />

encontram dificulda<strong>de</strong> ao ler uma passag<strong>em</strong><br />

difícil, é hora <strong>de</strong> escolher um estudo rítmico<br />

a<strong>de</strong>quado. Ela afirma que “o uso <strong>de</strong> motivos<br />

rítmicos po<strong>de</strong> conduzir o aluno ao “princípio<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobertas”” (GREEN, 2006, p. 23). Ou<br />

seja, o aluno começa a <strong>de</strong>scobrir on<strong>de</strong> estão<br />

localizados os probl<strong>em</strong>as.<br />

HIGIENE DO ESTUDO<br />

O termo “Higiene do Estudo” está ligado<br />

diretamente com o uso <strong>de</strong> estratégias<br />

<strong>de</strong> estudo, pois se refere aos cuidados<br />

que <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os ter durante o estudo do<br />

instrumento. Esse termo foi utilizado por<br />

Carl Flesch. Ter higiene no estudo significa<br />

passar para a mente uma impressão clara do<br />

texto musical através <strong>de</strong> um equipamento<br />

a<strong>de</strong>quado, limpo, <strong>em</strong> local apropriado,<br />

abordando o material musical <strong>de</strong> maneira<br />

criteriosa. É necessário, antes <strong>de</strong> estudar,<br />

<strong>de</strong>finir estratégias que tornarão o estudo<br />

mais eficaz e consequent<strong>em</strong>ente satisfatório.<br />

Segundo o Flesch, “a “higiene” no estudo<br />

nos permite preservar intacta nossa<br />

expressivida<strong>de</strong> musical e nossa alegria <strong>em</strong><br />

fazer música, mesmo durante o estudo<br />

<strong>de</strong> inevitáveis e necessários exercícios<br />

mecânicos” (FLESCH, 1930, p. 82).<br />

Ele relata que “estudar uma passag<strong>em</strong><br />

difícil apenas na sua forma original provoca<br />

falta <strong>de</strong> concentração e cansaço, <strong>de</strong>vido à<br />

monotonia <strong>de</strong> tal estudo. Além disso, isso<br />

po<strong>de</strong> fazer com que o músico perca o sentido<br />

musical da passag<strong>em</strong>, e a interpretação da<br />

obra fique prejudicada” (FLESCH, 1930, p.<br />

148).<br />

“Dificulda<strong>de</strong>s técnicas <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser estudadas<br />

lentamente” (FLESCH, 1930, p. 148). “Do<br />

ponto <strong>de</strong> vista técnico, violinistas que<br />

estudam lentamente se <strong>de</strong>stacam dos<br />

outros, e o mérito <strong>de</strong>sse estudo é percebido<br />

não tanto na sala <strong>de</strong> estudo, mas sim no<br />

palco do concerto”. Além disso, “o músico<br />

que estuda lentamente possui maior grau <strong>de</strong><br />

conscientização muscular, melhor m<strong>em</strong>ória,<br />

mais auto-controle e corag<strong>em</strong> do que qu<strong>em</strong><br />

estuda rápido” (FLESCH, 1930, p. 149).<br />

“O estudo muito rápido traz diversas<br />

<strong>de</strong>svantagens, como: falta <strong>de</strong> controle <strong>de</strong><br />

afinação, tendência à falta <strong>de</strong> clareza e<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> articulação, falta <strong>de</strong> auto-controle<br />

(FLESCH, 1930, p. 148)”. “Tecnicamente<br />

e psicologicamente, o músico torna-se<br />

inseguro” (FLESCH, 1930, p. 149).<br />

51


“O estudo lento traz resultados benéficos<br />

como, por ex<strong>em</strong>plo, no que diz respeito à<br />

limpeza e afinação. Mas não significa que<br />

se <strong>de</strong>ve estudar apenas lentamente. Devese<br />

estudar primeiro lento, por questão <strong>de</strong><br />

limpeza, e <strong>em</strong> seguida no t<strong>em</strong>po previsto,<br />

por questão <strong>de</strong> leveza e facilida<strong>de</strong> da<br />

técnica” (FLESCH, 1930, p. 149).<br />

Gerle, quanto ao t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> estudo, afirma:<br />

“Não há virtu<strong>de</strong> <strong>em</strong> estudar oito horas<br />

diárias apenas por estudar: duas ou três<br />

horas <strong>de</strong> bom estudo é melhor do que seis<br />

horas <strong>de</strong> estudo ruim” (GERLE, (1983, p. 14).<br />

Quanto ao andamento, o autor afirma que<br />

“se <strong>de</strong>ve estudar tanto rápido quanto lento,<br />

mesmo nos estágios iniciais do aprendizado<br />

(escolha <strong>de</strong> arcadas e <strong>de</strong>dilhados)” (GERLE,<br />

1983, p. 14). No estudo <strong>de</strong> passagens<br />

probl<strong>em</strong>áticas, sugere como uma forma<br />

efetiva <strong>de</strong> estudar, “combinar o estudo<br />

lento e o rápido”. Sugere também o “uso<br />

<strong>de</strong> pausas com fermatas”. “O objetivo do<br />

uso das fermatas é fornecer o t<strong>em</strong>po para<br />

que seja julgada a exatidão com que a<br />

passag<strong>em</strong> foi executada, para pensar na<br />

próxima passag<strong>em</strong> <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>talhada, e<br />

para formular o comando seguinte” (GERLE,<br />

1983, p. 15). Além disso, com o objetivo <strong>de</strong><br />

construir uma marg<strong>em</strong> extra <strong>de</strong> segurança,<br />

abaixo e acima do t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> performance,<br />

sugere “estudar passagens num andamento<br />

mais rápido do que o andamento final,<br />

e andamentos lentos mais lentos ainda”<br />

(GERLE, 1983, p. 15).<br />

Conforme o autor “o segredo para se<br />

tocar rápido com exatidão e s<strong>em</strong> esforço,<br />

enquanto a velocida<strong>de</strong> dos <strong>de</strong>dos e do arco<br />

aumentam, é manter constante a velocida<strong>de</strong><br />

com que o cérebro envia os comandos para<br />

executar os mecanismos da performance”<br />

(GERLE, 1983, p. 15).<br />

Gerle, afirma que “<strong>de</strong>v<strong>em</strong>os dar igual<br />

atenção ao arco e à mão esquerda” (GERLE,<br />

1983, p. 17). Mas também afirma “que<br />

durante o estudo <strong>de</strong> uma passag<strong>em</strong>, sendo<br />

ela difícil ou fácil, <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os <strong>de</strong>cidir se vamos<br />

nos concentrar na arcada ou no <strong>de</strong>dilhado.<br />

Dev<strong>em</strong>os s<strong>em</strong>pre nos concentrar na<br />

dificulda<strong>de</strong> maior” (GERLE, 1983, p. 62).<br />

“Após isolar e dominar um probl<strong>em</strong>a, as<br />

passagens difíceis <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser estudadas<br />

<strong>de</strong>ntro do seu contexto, ou seja, como<br />

estão escritas” (GERLE, 1983, p. 19). Além<br />

disso, “<strong>de</strong>v<strong>em</strong>os estudar também <strong>em</strong> forma<br />

<strong>de</strong> performance, tocando e não apenas<br />

estudando” (GERLE, 1983, p. 21).<br />

Para o autor, assim como boa afinação ou<br />

qualquer outra habilida<strong>de</strong> técnica, o senso<br />

rítmico <strong>de</strong>ve ser mantido no estudo. “Ritmo<br />

e probl<strong>em</strong>as rítmicos são tão importantes<br />

quanto as outras habilida<strong>de</strong>s técnicas.<br />

Dev<strong>em</strong>os estudá-los com o mesmo cuidado<br />

e intensida<strong>de</strong>” (GERLE, 1983, p. 75).<br />

Galamian refere-se ao som, à afinação e<br />

ao ritmo como “el<strong>em</strong>entos básicos <strong>de</strong> toda<br />

música”. Para ele “a técnica do violino <strong>de</strong>ve<br />

ser fundada solidamente sobre esses três<br />

el<strong>em</strong>entos <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> beleza do som,<br />

precisão da afinação e controle preciso<br />

do ritmo”. Ele afirma ainda que, “para o<br />

sucesso da performance, a técnica t<strong>em</strong> que<br />

52


combinar com a interpretação” (GALAMIAN,<br />

1985, p. 3).<br />

Conforme o autor, “não adianta estudar<br />

muito se o estudo é do tipo que não traz<br />

resultados. A coisa mais preciosa para<br />

um instrumentista é ter a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

trabalhar eficient<strong>em</strong>ente, ou seja, usar o<br />

mínimo <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po possível para conseguir<br />

o máximo <strong>de</strong> resultados benéficos”<br />

(GALAMIAN, 1985, p. 93).<br />

Para ele, “é função do professor ensinar<br />

ao aluno que ele <strong>de</strong>ve lidar com o estudo<br />

como uma continuação da aula on<strong>de</strong>, na<br />

ausência do professor, ele <strong>de</strong>ve agir como<br />

professor ad<strong>jun</strong>to, <strong>de</strong> forma a se autoinstruir,<br />

atribuindo tarefas a si mesmo e<br />

supervisionando o seu próprio trabalho”<br />

(GALAMIAN, 1985, p. 93).<br />

A respeito <strong>de</strong> probl<strong>em</strong>as técnicos, Galamian<br />

relata que s<strong>em</strong>pre que for<strong>em</strong> encontrados<br />

<strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser analisados, a fim <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar a<br />

natureza da dificulda<strong>de</strong>: afinação, mudança<br />

<strong>de</strong> posição, ritmo, velocida<strong>de</strong>, arcada,<br />

coor<strong>de</strong>nação das mãos. Ele sugere que<br />

“cada dificulda<strong>de</strong> seja isolada e reduzida a<br />

sua forma mais simples, a fim <strong>de</strong> facilitar a<br />

elaboração e aplicação <strong>de</strong> um procedimento<br />

<strong>de</strong> estudo para a mesma” (GALAMIAN, 1985,<br />

p. 99).<br />

“A mente <strong>de</strong>ve antecipar a ação e dar seus<br />

comandos com clareza e precisão. S<strong>em</strong><br />

exageros, o andamento do estudo, <strong>de</strong>ve<br />

ser lento na maioria das vezes” (GALAMIAN,<br />

1985, p. 99).<br />

Ainda a respeito <strong>de</strong> probl<strong>em</strong>as técnicos, o<br />

autor afirma que “os dispositivos <strong>de</strong> estudo<br />

usados para a solução dos mesmos, <strong>de</strong>v<strong>em</strong><br />

ser variados como, por ex<strong>em</strong>plo, alterando<br />

os ritmos, arcada, acentos, andamentos”.<br />

Segundo ele “esse procedimento<br />

proporciona um maior grau <strong>de</strong> segurança”<br />

(GALAMIAN, 1985, p. 99).<br />

Green (2006, p. 19) vê o estudo improdutivo<br />

como uma das experiências mais frustrantes<br />

da vida. Ela afirma que a tal estudo po<strong>de</strong>m<br />

ser atribuídas várias causas e cita algumas:<br />

- Falta <strong>de</strong> concentração;<br />

- Rapi<strong>de</strong>z no estudo permitindo que erros<br />

aconteçam;<br />

- Ausência <strong>de</strong> aprendizado <strong>de</strong> bons hábitos<br />

básicos <strong>de</strong> estudo.<br />

A autora afirma que estudar é uma ativida<strong>de</strong><br />

adulta que <strong>de</strong>manda <strong>de</strong>terminação madura,<br />

e que, apesar <strong>de</strong> ser essencialmente uma<br />

repetição monótona, não t<strong>em</strong> que ser.<br />

“O primeiro antídoto b<strong>em</strong> sucedido<br />

para a monotonia é varieda<strong>de</strong>.<br />

Varieda<strong>de</strong> cria interesse. Interesse<br />

cria atenção. Atenção significa que<br />

os sentidos (ouvidos e olhos) estão<br />

trabalhando e que a mente está<br />

centrada, potência total, sobre o que<br />

está acontecendo” (GREEN, 2006, p. 20).<br />

Green é a favor do uso <strong>de</strong> motivos rítmicos<br />

no estudo. Para ela “motivo rítmico é fonte<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong>”. Segundo a autora,<br />

com o uso <strong>de</strong> tal abordag<strong>em</strong>, “progredindo<br />

do nível mais fácil para o mais difícil,<br />

perceber<strong>em</strong>os um certo <strong>de</strong>senvolvimento<br />

53


durante o processo” (GREEN, 2006, p. 20).<br />

A autora relata que “durante o aprendizado<br />

<strong>de</strong> algo novo, os neurônios entram <strong>em</strong><br />

ativida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> forma que se <strong>jun</strong>tam às outras<br />

células, com o objetivo <strong>de</strong> estabelecer<br />

um novo caminho no cérebro”. Segundo<br />

ela, “conforme estudamos, fortalec<strong>em</strong>os<br />

esse novo caminho. Quando este está<br />

suficient<strong>em</strong>ente forte, torna-se um hábito<br />

que funcionará automaticamente” (GREEN,<br />

2006, p. 117). Isso revela o perigo <strong>de</strong> se<br />

cometer erros durante o estudo. Causa<br />

confusão nos neurônios. Portanto, <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os<br />

pensar antes <strong>de</strong> tocar. Além disso, para a<br />

autora “é imperativo que se <strong>de</strong>va estudar<br />

lento” (GREEN, 2006, p. 118).<br />

MATERIAL DE ESTUDO<br />

Flesch relata que, “ao contrário do que a<br />

maioria dos violinistas acredita, tocar uma<br />

escala diatônica <strong>de</strong> três oitavas uma vez<br />

por dia, não é o suficiente para cobrir todas<br />

as facetas da técnica <strong>de</strong> mão esquerda”<br />

(FLESCH, 1930, p. 84).<br />

O autor afirma ser “enorme o volume <strong>de</strong><br />

material <strong>de</strong> estudo existente para a mão<br />

esquerda, e mais ainda para a mão direita”.<br />

Afirma ainda que, “apenas o estudo <strong>de</strong><br />

técnica geral, utilizaria totalmente três a<br />

quatro horas <strong>de</strong> estudo”. Para ele “existe<br />

um caminho melhor, que seria sua série<br />

<strong>de</strong> fórmulas técnicas gerais para a mão<br />

esquerda”, que ele chama <strong>de</strong> “sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong><br />

escala”. Para a mão direita, ele sugere seu<br />

método “Urstudien” (FLESCH, 1930, p. 84).<br />

Quanto à escolha do material <strong>de</strong> estudo<br />

disponível, para Flesch “a escolha que o<br />

professor faz <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> muitas vezes do seu<br />

gosto pessoal. Mas, a or<strong>de</strong>m <strong>em</strong> que po<strong>de</strong><br />

ser usado <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> mais da aptidão e nível<br />

técnico do aluno” (FLESCH, 1930, p. 91).<br />

Para o trabalho puramente técnico, “não<br />

<strong>de</strong>v<strong>em</strong>os substituir os exercícios diários<br />

como escalas e Estudos pelo estudo <strong>de</strong><br />

partes difíceis <strong>de</strong> peças <strong>de</strong> repertório.<br />

Entretanto, po<strong>de</strong> ocorrer que, pressionado<br />

pelo t<strong>em</strong>po, um músico b<strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvido<br />

tecnicamente, faça isso s<strong>em</strong> que haja efeito<br />

negativo sobre sua personalida<strong>de</strong> artística”<br />

(FLESCH, 1930, p. 158).<br />

Gerle, a respeito do estudo <strong>de</strong> escalas,<br />

aponta sugestões variadas para realização<br />

do mesmo. Por ex<strong>em</strong>plo, sugere “começar<br />

não apenas da nota mais grave, mas também<br />

da nota mais aguda, <strong>de</strong>scer a escala, e para<br />

terminar, subir novamente a escala” (GERLE,<br />

1983, p. 55).<br />

“É também importante estudar escala<br />

numa velocida<strong>de</strong> rápida, ocasionalmente,<br />

para apren<strong>de</strong>r a seqüência, a or<strong>de</strong>m e a<br />

sucessão dos movimentos combinados <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>do, mudanças <strong>de</strong> posição, mudanças<br />

<strong>de</strong> corda e mudanças <strong>de</strong> arco”. Além disso,<br />

o autor sugere “dividir as escalas <strong>de</strong> três e<br />

quatro oitavas <strong>em</strong> duas meta<strong>de</strong>s, e estudar<br />

separadamente os probl<strong>em</strong>as que elas<br />

apresentam” (GERLE, 1983, p. 55).<br />

Para Gerle, “um motivo pelo qual é<br />

importante estudar e m<strong>em</strong>orizar escalas,<br />

terças quebradas e tría<strong>de</strong>s, arpejos, oitavas,<br />

54


e assim por diante, é o fato <strong>de</strong> que todos<br />

esses el<strong>em</strong>entos musicais estão inseridos<br />

na construção das obras que faz<strong>em</strong> parte<br />

da literatura da música erudita”. Ele aponta o<br />

Sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Escala <strong>de</strong> Carl Flesch como uma<br />

obra que, segundo ele, é uma “gramática<br />

completa da linguag<strong>em</strong> da música erudita<br />

para o violino” (GERLE, 1983, p. 64).<br />

Sobre a importância das escalas, Galamian<br />

afirma:<br />

Escalas constro<strong>em</strong> afinação e<br />

estabelec<strong>em</strong> a forma da mão; a sua<br />

utilida<strong>de</strong> para o estudo <strong>de</strong> correlação<br />

foi discutida; a sua aplicabilida<strong>de</strong><br />

para o estudo <strong>de</strong> todas as arcadas, da<br />

qualida<strong>de</strong> do som, da divisão <strong>de</strong> arco,<br />

<strong>de</strong> dinâmicas e <strong>de</strong> vibrato é quase<br />

infinita (GALAMIAN, 1985, p. 102).<br />

Quanto ao material que será usado para o<br />

ensino, o autor afirma que este “<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá<br />

das necessida<strong>de</strong>s individuais”. Segundo<br />

ele, “o estudo <strong>de</strong> escalas e exercícios<br />

aliados é importante para a construção <strong>de</strong><br />

cada el<strong>em</strong>ento da técnica”. “Estudos são<br />

muito importantes, também, porque eles<br />

constro<strong>em</strong> técnica que funciona <strong>em</strong> um<br />

contexto musical, e muitos dos Estudos<br />

tradicionais po<strong>de</strong>m ser usados para este<br />

benefício” (GALAMIAN, 1985, p. 107).<br />

Para Green, “estudar Estudos resulta no<br />

aumento da atenção e da resistência física”.<br />

“Mesmo durante o aprendizado <strong>de</strong> um<br />

único Estudo, toda a técnica do músico<br />

po<strong>de</strong> ser beneficiada”. Além disso, afirma<br />

que “se ao invés <strong>de</strong> estudar apenas como<br />

o compositor escreveu, adicionarmos<br />

variações a tal Estudo, isso garantirá um<br />

melhor aprendizado do mesmo” (GREEN,<br />

2006, p. 60). Mas, realça que “é importante<br />

que o músico tenha consciência do objetivo<br />

estabelecido pelo Estudo” (GREEN, 2006, p.<br />

61).<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Este artigo foi produzido a partir da minha<br />

dissertação <strong>de</strong> mestrado, que teve como<br />

foco estudantes <strong>de</strong> violino. Mas acredito<br />

que, senão <strong>em</strong> sua totalida<strong>de</strong>, gran<strong>de</strong> parte<br />

do que foi dito pelos quatro principais<br />

pedagogos do violino do século XX, no que<br />

diz respeito a estratégias <strong>de</strong> estudo, po<strong>de</strong>rá<br />

ser útil para outros instrumentistas.<br />

A partir da abordag<strong>em</strong> <strong>de</strong>ste artigo,<br />

po<strong>de</strong>mos enxergar com clareza, que para<br />

se alcançar uma performance segura,<br />

confortável, eficaz, e satisfatória, faz-se<br />

necessário o conhecimento e a aplicação<br />

<strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> estudo durante a prática<br />

diária do instrumento.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

- ANDRADE NETO, Silas <strong>de</strong>. O Estudo Diário do Violino:<br />

uma investigação da rotina <strong>de</strong> preparação técnicointerpretativa<br />

dos alunos do Curso <strong>de</strong> Bacharelado<br />

<strong>em</strong> <strong>Música</strong> da FAMES. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong><br />

<strong>Música</strong>). Escola <strong>de</strong> <strong>Música</strong> da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />

<strong>de</strong> Minas Gerais, Belo Horizonte, agosto 2010 (53 p.).<br />

- FLESCH, Carl. The Art of Violin Playing: artistic<br />

realization and instruction. New York: Carl Fischer,<br />

1930 (237 p. Book 1).<br />

- GALAMIAN, Ivan. Principles of Violin Playing &<br />

55


Teaching. 2 ed. New Jersey: Prentice Hall, 1985 (144<br />

p.).<br />

- GERLE, Robert. The Art of Practicing the Violin.<br />

Londres: Stainer & Bell Ltd, 1983 (110 p.).<br />

- GREEN, Elizabeth A. H. Practicing Successfully:<br />

a masterclass in the musical art. Chicago: GIA<br />

Publications, Inc., 2006 (147 p.).<br />

- LA FOSSE, Leopold. Prática Criativa e Efetiva. (Artigo<br />

não publicado – 4 p.).<br />

56


ERNESTO NAZARETH E SUAS<br />

VALSAS PARA PIANO<br />

Ângela Volpato Almeida<br />

Mestre <strong>em</strong> música pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro – UFRJ. Psicóloga, psicopedagoga. Regente do Coral<br />

do Colégio UP e <strong>em</strong> projetos <strong>de</strong> idosos da Prefeitura <strong>de</strong> Vitória (Espírito Santo, Brasil).<br />

Resumo<br />

O objetivo <strong>de</strong>ste artigo é <strong>de</strong> propor uma análise<br />

da relação da vida e obra do compositor Ernesto<br />

Nazareth com as transformações ocorridas no Brasil,<br />

principalmente na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro; além <strong>de</strong><br />

sintetizar uma discussão sobre o processo subjetivo<br />

que traçou a trajetória do compositor e analisar o<br />

gênero valsa <strong>em</strong> sua obra.<br />

Palavras-chave: Nazareth - Valsas - Piano.<br />

Abstract<br />

The objective of this article is to propose an analysis<br />

of the relationship of Ernesto Nazareth’s life and his<br />

work with the transformations occurred in Brazil,<br />

mainly in the city of Rio <strong>de</strong> Janeiro; besi<strong>de</strong>s, it also<br />

aims at synthetizing a discussion on the subjective<br />

process which traced the composer’s trajectory and<br />

analyzing the Waltz in his work.<br />

Keywords: Nazareth - Waltz - Piano.


Introdução<br />

Nossa percepção acerca <strong>de</strong> Nazareth partirá<br />

<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rações e comentários <strong>de</strong> autores<br />

que tentaram classificar sua obra como<br />

erudita ou popular. Seguir<strong>em</strong>os através<br />

<strong>de</strong> um traçado do seu contexto histórico e<br />

finalizar<strong>em</strong>os com a análise do gênero valsa<br />

<strong>em</strong> sua obra.<br />

Territórios <strong>de</strong>marcados<br />

Chamou-nos a atenção a insistente tentativa<br />

<strong>de</strong> alguns estudiosos <strong>em</strong> <strong>de</strong>finir se a obra<br />

<strong>de</strong> Nazareth era erudita, popular ou s<strong>em</strong>ierudita.<br />

Alguns autores, <strong>de</strong>ntre eles Mário<br />

<strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> (ANDRADE, 1976 [1926], p. 122),<br />

consi<strong>de</strong>raram a obra <strong>de</strong> Nazareth erudita;<br />

outros, como Mozart <strong>de</strong> Araújo (ARAÚJO,<br />

1972, p. 13), a consi<strong>de</strong>rou popular; e outros,<br />

como Brasílio Itiberê (ITIBERÊ, 1946, p. 310),<br />

a consi<strong>de</strong>rou uma transição entre popular<br />

e erudito. Para nós, o principal território<br />

habitado por Nazareth, tanto no sentido<br />

geográfico quanto no subjetivo, foi o da<br />

transformação e da criativida<strong>de</strong> artística.<br />

O Brasil <strong>de</strong> Nazareth: território <strong>de</strong><br />

transformações<br />

Em 20 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1863 nascia, no Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, Ernesto Júlio Nazareth, vindo a<br />

falecer nos primeiros dias <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong><br />

1934. Durante a sua vida tornar-se-ia um<br />

dos gran<strong>de</strong>s nomes da música brasileira.<br />

Foi praticamente um pianista e compositor<br />

auto-didata. Ainda criança iniciou seus<br />

estudos <strong>de</strong> piano com a mãe; t<strong>em</strong>pos <strong>de</strong>pois<br />

obteve aulas particulares por um ano com<br />

o professor Eduardo Ma<strong>de</strong>ira e, finalmente,<br />

por um pequeno período <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po, com o<br />

professor Lucien Lambert. Aos 14 anos que<br />

Nazareth compôs a sua primeira peça para<br />

piano; a polca Você b<strong>em</strong> sabe (SIQUEIRA, p.<br />

22).<br />

Viveu <strong>em</strong> um período <strong>de</strong> intensas<br />

transformações políticas e sociais no Brasil<br />

<strong>de</strong>correntes da Guerra do Paraguai e da<br />

Proclamação da República (DINIZ, p. 71).<br />

Também test<strong>em</strong>unhou a intensa mudança<br />

urbana na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro (KESSEL,<br />

2001). Po<strong>de</strong>mos perceber o quanto estas<br />

mudanças o afetavam ao analisarmos as<br />

consi<strong>de</strong>rações feitas por Afifi <strong>de</strong> Almeida,<br />

professora <strong>de</strong> piano, (ALMEIDA, 1984, p. 39 e<br />

40) acerca dos títulos das suas obras.<br />

Além <strong>de</strong>ste canal direto com a cultura<br />

brasileira, Nazareth cultivou um forte e<br />

notável gosto pela herança européia, mais<br />

ligada à tradição <strong>de</strong> salões burgueses,<br />

inspirando-se no formalismo e compondo<br />

peças no estilo romântico.<br />

Penso, então, que este aspecto<br />

multifacetado da música <strong>de</strong> Ernesto<br />

Nazareth — obra produzida <strong>em</strong> função <strong>de</strong><br />

inúmeras influências sociais e artísticas — é<br />

um ponto dos mais relevantes <strong>de</strong> sua obra<br />

e sua história: ele é um híbrido — resultado<br />

<strong>de</strong> uma formação social, cultural e artística<br />

multiforme.<br />

O gênero valsa e Ernesto Nazareth<br />

A valsa t<strong>em</strong> sido uma marca nos salões<br />

58


e festas familiares no Brasil e <strong>em</strong> vários<br />

cantos do mundo. Quando apreciamos esta<br />

dança tão singela e respeitosa, que figura<br />

<strong>de</strong>stacadamente nas festas <strong>de</strong> <strong>de</strong>butantes<br />

e nos bailes <strong>de</strong> formatura, não conseguimos<br />

imaginar o quanto foi consi<strong>de</strong>rada obscena<br />

e imprópria, no passado, para qualquer<br />

moça <strong>de</strong> família ou senhora <strong>de</strong> respeito.<br />

Vamos <strong>de</strong>senvolver, a partir <strong>de</strong> agora,<br />

uma trajetória resumida da dança que<br />

inicialmente era consi<strong>de</strong>rada ultra<strong>jan</strong>te e<br />

que posteriormente tornou-se marca <strong>de</strong><br />

refinamento e beleza.<br />

Ainda não há como se afirmar precisamente<br />

a orig<strong>em</strong> da valsa. O que sab<strong>em</strong>os é que está<br />

ligada a pelo menos duas outras danças, à<br />

<strong>de</strong>utsche, que é uma dança al<strong>em</strong>ã, e ao<br />

ländler do final do século XVIII; ambas <strong>em</strong><br />

compasso ternário (Dicionário Grove <strong>de</strong><br />

<strong>Música</strong>, 1994, p. 977). Apesar da orig<strong>em</strong><br />

obscura, a valsa, durante o século XIX, se<br />

diss<strong>em</strong>inou pela Europa e atravessou os<br />

oceanos para conquistar outras terras. Este<br />

movimento <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são popular não se <strong>de</strong>u<br />

s<strong>em</strong> objeções: havia reprovação por parte<br />

da medicina (os rodopios eram vistos como<br />

um mal para a saú<strong>de</strong>) e dos valores morais<br />

(a intimida<strong>de</strong> vivida pelo par <strong>de</strong> dançarinos<br />

durante o bailado fazia ruborizar as faces<br />

mais tradicionais).<br />

A valsa teria sido admitida nos salões das<br />

cortes vienenses a partir do ano <strong>de</strong> 1815<br />

(2006, p. 763) 1 . Foi Sigismund Neukomm<br />

1 Kiefer (1990) distingue três<br />

modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> valsa: a valsa-peça-<strong>de</strong>concerto,<br />

a valsa-peça-<strong>de</strong>-salão e a valsadança.<br />

o compositor que conseguiu quebrar as<br />

barreiras que mantinham a valsa longe dos<br />

bailes da nobreza; também foi ele qu<strong>em</strong>, <strong>em</strong><br />

1816, veio ao Brasil e tornou-se professor<br />

<strong>de</strong> música <strong>de</strong> Dom Pedro I e <strong>de</strong> Dona<br />

Leopoldina.<br />

Ainda no século XIX, a valsa atraiu os<br />

compositores eruditos da Europa e do<br />

Brasil (2000, p. 803). Na Europa um dos<br />

gran<strong>de</strong>s consolidadores do gênero foi<br />

Johann Strauss (o pai); na década <strong>de</strong> 1860<br />

seus filhos Johann e Joseph a levaram ao<br />

seu apogeu. Mesmo que este t<strong>em</strong>po áureo<br />

não durasse eternamente, a valsa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

então, continuou atraindo compositores <strong>de</strong><br />

diferentes formações.<br />

A chegada da valsa ao Brasil, <strong>em</strong> 1816,<br />

t<strong>em</strong> uma aura <strong>de</strong> nobreza: ela brota dos<br />

salões da família real logo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>sta se<br />

instalar no Brasil (Enciclopédia da <strong>Música</strong><br />

Brasileira Popular, Erudita e Folclórica, p.<br />

803). Teria Dom Pedro I sido o precursor<br />

dos compositores do gênero <strong>em</strong> terras<br />

brasileiras. A popularização <strong>de</strong>u-se <strong>em</strong><br />

seguida, influenciando a modinha e<br />

transformando-se <strong>em</strong> música <strong>de</strong> seresta<br />

executada por con<strong>jun</strong>tos instrumentais<br />

(que posteriormente foram <strong>de</strong>signados por<br />

choro 2 ); invadindo as salas das residências,<br />

<strong>de</strong> diversão e confeitarias. A sua aceitação<br />

e proliferação foi tão significativa que<br />

po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacá-la como el<strong>em</strong>ento<br />

importante das primeiras gravações feitas<br />

2 Para maiores esclarecimentos sobre a<br />

orig<strong>em</strong> do choro, consultar a tese <strong>de</strong> Doutorado<br />

<strong>de</strong> Marcelo Oliveira Verzoni, intitulada “Os<br />

primórdios do ‘choro’ no Rio <strong>de</strong> Janeiro”.<br />

59


no Brasil e como parte dos repertórios<br />

executados nas rádios.<br />

Bruno Kiefer (1990, p. 8 e 9) <strong>de</strong>staca a difusão<br />

da valsa tanto no terreno popular como<br />

no erudito e relaciona alguns importantes<br />

compositores brasileiros que se <strong>de</strong>dicaram<br />

a compô-las (p 13 e 14). Para ele (p. 125)<br />

as valsas <strong>de</strong> Nazareth são o gênero on<strong>de</strong> o<br />

compositor menos imprime uma linguag<strong>em</strong><br />

nacional, pois estaria muito ligado ao estilo<br />

<strong>de</strong> composição <strong>de</strong> Chopin. Também Mário<br />

<strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> teria percebido influências<br />

<strong>de</strong> Chopin na obra <strong>de</strong> Ernesto Nazareth<br />

(ANDRADE, 1976, p.123).<br />

De fato, nosso interesse central neste<br />

trabalho é conhecer e investigar esta parte<br />

da obra <strong>de</strong> Nazareth. Decidimos, então,<br />

partir das fontes, as próprias músicas, e fazer<br />

um reconhecimento geral <strong>de</strong> todas as peças<br />

registradas.<br />

A <strong>de</strong>cisão <strong>em</strong> se organizar o acervo e a<br />

execução das peças pela or<strong>de</strong>m cronológica<br />

<strong>de</strong>ve-se ao fato <strong>de</strong> nos interessar fazer uma<br />

análise dos <strong>de</strong>sdobramentos da história<br />

do gênero valsa <strong>em</strong> Nazareth. Desejamos<br />

i<strong>de</strong>ntificar as possíveis mudanças, inovações<br />

pelas quais esta parte <strong>de</strong> sua obra passou.<br />

Po<strong>de</strong>mos contar, atualmente, com a<br />

existência <strong>de</strong> 42 valsas compostas por<br />

Ernesto Nazareth 3 . É interessante l<strong>em</strong>brar<br />

que Nazareth escreveu duas versões para<br />

3 Para maiores <strong>de</strong>talhes acerca da<br />

estrutura formal e das tonalida<strong>de</strong>s das<br />

valsas <strong>de</strong> Nazareth, consultar tabelas que se<br />

encontram no anexo <strong>de</strong>sta dissertação.<br />

Rosa Maria, sua única valsa para canto e<br />

piano. Em relação a este trabalho, as análises<br />

incidirão sobre a segunda versão, que não<br />

traz mudanças muito radicais à peça. Nela,<br />

Nazareth buscou distinguir o piano do canto<br />

e acrescentou uma repetição da seção B e<br />

uma pequena coda.<br />

A primeira composição <strong>de</strong> Ernesto Nazareth<br />

foi a polca Você B<strong>em</strong> Sabe, quando ele<br />

ainda era apenas um jov<strong>em</strong> <strong>de</strong> 14 anos.<br />

Aos 25 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, Nazareth compôs<br />

a sua primeira valsa intitulada O Nome<br />

D’ela (1878). A década <strong>de</strong> 1910 foi a que<br />

Nazareth mais compôs valsas: foram doze.<br />

Mas po<strong>de</strong>mos afirmar que a produção <strong>de</strong><br />

valsas esteve <strong>em</strong> alta para o compositor<br />

durante aproximadamente 40 anos: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />

década <strong>de</strong> 1890 até a década <strong>de</strong> 1920 foram<br />

compostas 37 valsas. Na década <strong>de</strong> 1930 há<br />

apenas uma valsa; certamente a fragilida<strong>de</strong><br />

do fim da vida fez a produção do compositor<br />

diminuir.<br />

Como b<strong>em</strong> observa Verzoni (VERZONI,<br />

1996, p. 52), Nazareth gostava <strong>de</strong> dar nomes<br />

f<strong>em</strong>ininos às suas valsas (Julita, Julieta,<br />

Helena, Orminda, etc) “ou intitulava-as<br />

<strong>de</strong> maneira a fazer referências ao mundo<br />

f<strong>em</strong>inino” (O Nome D’ela, Primorosa, Brejeira,<br />

Divina, etc). Notamos que alguns títulos t<strong>em</strong><br />

relação direta com uma pessoa presente na<br />

vivência <strong>de</strong> Nazareth (Julieta, filha do Dr.<br />

José Mariano; Dora, esposa <strong>de</strong> Nazareth;<br />

Dirce, filha do Dr. José Pinto <strong>de</strong> Freitas);<br />

pelo menos um t<strong>em</strong> relação com a própria<br />

obra do autor: Brejeira, que é uma versão do<br />

tango Brejeiro; alguns outros parece não ter<br />

nenhuma relação com o universo f<strong>em</strong>inino<br />

60


(Genial, Vesper, Elite-Club, Eléctrica, Pássaros<br />

<strong>em</strong> Festa e Segredos da Infância).<br />

Assim como Verzoni (1996, p. 54)<br />

acreditamos que os títulos das valsas, <strong>em</strong><br />

alguns casos, po<strong>de</strong>m nos trazer informações<br />

sobre a maneira <strong>de</strong> interpretá-las: “Tal dado<br />

[o título] po<strong>de</strong>, eventualmente, indicarnos<br />

algum caminho a seguir no que se<br />

refere ao andamento, à dinâmica ou a<br />

algum aspecto <strong>de</strong> caráter expressivo ou<br />

psicológico.” Po<strong>de</strong>mos citar, aqui, como<br />

títulos sugestivos, Brejeira, Coração que<br />

Sente, Expansiva, Sauda<strong>de</strong>, Elegantíssima,<br />

Sentimentos D’alma, Dor Secreta, Faceira e<br />

Resignação; a primeira por que t<strong>em</strong> o tango<br />

Brejeiro como referência, e as outras por<br />

que se refer<strong>em</strong> a sentimentos e a postura e<br />

expressão corporal. Mas os dados fornecidos<br />

pelos títulos não se sobrepõ<strong>em</strong> ao texto<br />

musical. Ainda Verzoni (p. 54):<br />

Por outro lado, é importante ter <strong>em</strong><br />

mente que não <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os ater-nos<br />

<strong>de</strong>masiadamente a estes dados. O<br />

texto musical está acima <strong>de</strong> todas<br />

estas informações adicionais que, <strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>terminados casos, serv<strong>em</strong> apenas<br />

como inspiração, ou seja, como uma<br />

espécie <strong>de</strong> “ponto <strong>de</strong> partida” para o<br />

compositor.<br />

Em relação às indicações <strong>de</strong> caráter,<br />

encontramos nas valsas <strong>de</strong> Nazareth, b<strong>em</strong><br />

como <strong>em</strong> seus tangos (VERZONI, p. 83),<br />

expressões tanto <strong>em</strong> português como <strong>em</strong><br />

italiano. Este não é um fato inédito n<strong>em</strong><br />

raro entre os compositores brasileiros; pelo<br />

contrário: po<strong>de</strong>mos encarar como uma<br />

tradição entre nossos músicos o hábito<br />

do registro do caráter da peça nestas duas<br />

línguas. Algumas <strong>de</strong>stas indicações são<br />

ortodoxas (molto expressivo, dolcissimo,<br />

grazioso) e outras bastante peculiares (com<br />

primor, com mimo, mimoso, dolente, con<br />

alma); sendo que, nas valsas <strong>de</strong> Nazareth,<br />

as primeiras são as mais utilizadas. Apesar<br />

<strong>de</strong> tais indicações ser<strong>em</strong> <strong>de</strong> um modo<br />

geral bastante subjetivas, serv<strong>em</strong> como<br />

um norteador para o intérprete elaborar<br />

a forma <strong>de</strong> execução <strong>de</strong> tais peças. Elas<br />

também reflet<strong>em</strong> o dil<strong>em</strong>a constante vivido<br />

pelo artista brasileiro que ao mesmo t<strong>em</strong>po<br />

se sente atraído pela tradição européia e se<br />

vê envolvido pela multiplicida<strong>de</strong> da cultura<br />

brasileira.<br />

Quanto às <strong>de</strong>signações <strong>em</strong> suas valsas,<br />

constatamos que a maioria significativa<br />

<strong>de</strong>las (31), Nazareth <strong>de</strong>signou apenas como<br />

valsas e que a maior parte das <strong>de</strong>signações<br />

específicas (sete <strong>de</strong>ntre 11 <strong>de</strong>las) aparece<br />

a partir <strong>de</strong> 1914, que nos pareceu ser a<br />

década on<strong>de</strong> Nazareth iniciou um processo<br />

<strong>de</strong> inserção <strong>de</strong> novos el<strong>em</strong>entos <strong>em</strong> suas<br />

valsas. A este respeito é bom <strong>de</strong>stacar que<br />

não há uma ruptura abrupta <strong>em</strong> sua forma<br />

<strong>de</strong> compor; estes novos el<strong>em</strong>entos figuram<br />

como adornos <strong>em</strong> trechos <strong>de</strong> algumas<br />

valsas e surg<strong>em</strong> a partir da década <strong>de</strong> 1910.<br />

Esta compreensão <strong>de</strong> uma transformação<br />

<strong>de</strong> estilo <strong>em</strong> Nazareth <strong>de</strong>ve-se ao fato da<br />

aplicação <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

tipos <strong>de</strong> acompanhamento com rítmica<br />

b<strong>em</strong> mais diversificada, das variações <strong>de</strong><br />

acompanhamento <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma seção e<br />

do uso frequente da “ponte” entre as seções.<br />

Pouco a pouco, nos anos que se segu<strong>em</strong>, o<br />

compositor insere novos el<strong>em</strong>entos <strong>em</strong> sua<br />

obra que, <strong>em</strong> alguns casos, produz<strong>em</strong> peças<br />

61


astante singulares. Acreditamos merecer<br />

<strong>de</strong>staque, neste processo: Turbilhão <strong>de</strong><br />

Beijos, Expansiva, Fidalga, Divina, Gotas <strong>de</strong><br />

Ouro, Celestial, Elegantíssima, Fantástica,<br />

Pássaros <strong>em</strong> Festa, Yolanda, Dirce, Segredos<br />

<strong>de</strong> Infância.<br />

Gostaríamos <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar aqui as verificações<br />

que fiz<strong>em</strong>os acerca das estruturas formais<br />

das valsas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>stes dois con<strong>jun</strong>tos <strong>de</strong><br />

peças: as compostas até a década <strong>de</strong> 1910, e<br />

as compostas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ste período. Dentre<br />

as 19 valsas compostas por Nazareth antes<br />

<strong>de</strong> 1910 contabilizamos que <strong>em</strong> apenas<br />

uma há a “ponte” (5,26%), <strong>em</strong> 7 <strong>de</strong>las há<br />

introdução (36,84%) e <strong>em</strong> 4 há uma coda<br />

(21,05%). Inicialmente tiv<strong>em</strong>os a impressão<br />

que haveria elevação na ocorrência do<br />

uso <strong>de</strong> todas estas estruturas a partir da<br />

década <strong>de</strong> 1910; constatamos, então, que<br />

apenas um it<strong>em</strong> teve aumento significativo<br />

<strong>de</strong> ocorrência: a “ponte” foi inserida entre<br />

seções <strong>em</strong> 8 das 23 valsas compostas<br />

por Nazareth a partir <strong>de</strong> 1910 (34,47%).<br />

Já a introdução teve um aumento mais<br />

discreto <strong>de</strong> ocorrência: 11 introduções <strong>em</strong><br />

23 valsas (47,82); e a coda praticamente<br />

manteve o nível <strong>de</strong> ocorrências: 5 vezes<br />

(21,73%). Po<strong>de</strong>mos afirmar, então, que,<br />

estruturalmente, a gran<strong>de</strong> mudança nas<br />

valsas <strong>de</strong> Nazareth, a partir <strong>de</strong> 1910, foi o<br />

uso recorrente da “ponte” a partir da década<br />

<strong>de</strong> 1910.<br />

Após estas consi<strong>de</strong>rações iniciais e gerais,<br />

preten<strong>de</strong>mos abordar alguns aspectos mais<br />

específicos sobre as valsas <strong>de</strong> Nazareth.<br />

São eles: a beleza e a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

execução <strong>de</strong>stas músicas; os el<strong>em</strong>entos que<br />

caracterizam as valsas e as singularida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> algumas peças, ou trechos <strong>de</strong> peças, <strong>em</strong><br />

relação a esta parte da obra <strong>de</strong> Nazareth;<br />

algumas influências i<strong>de</strong>ntificadas nas valsas<br />

e possibilida<strong>de</strong>s <strong>em</strong> sua interpretação.<br />

A primeira coisa que se <strong>de</strong>stacou diante<br />

<strong>de</strong> nós, ao executarmos todas as valsas, foi<br />

a explícita dificulda<strong>de</strong> técnica encontrada<br />

nestas peças. Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> (ANDRADE,<br />

1976, p. 124) chama a atenção para a<br />

qualida<strong>de</strong> geral da obra <strong>de</strong> Nazareth e para<br />

a habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste no tratamento <strong>de</strong> suas<br />

composições.<br />

E então com que ciência habilidosa<br />

ele equilibra as sonorida<strong>de</strong>s! As<br />

harmonizações, os acor<strong>de</strong>s, as oitavas,<br />

os saltos arrevezados, audaciosos, até,<br />

jamais não <strong>de</strong>sequilibram a ambiência<br />

sonora (...) Por todos esses caracteres e<br />

excelências, a riqueza rítmica, a falta <strong>de</strong><br />

vocalida<strong>de</strong>, a celularida<strong>de</strong>, o pianístico<br />

muita feita <strong>de</strong> execução difícil, a obra<br />

<strong>de</strong> Nazareth se distancia da produção<br />

geral congênere [dos compositores<br />

populares que compunham nos<br />

mesmos gêneros].<br />

Brasílio Itiberê (1946, p. 317) também<br />

<strong>de</strong>staca a dificulda<strong>de</strong> pianística das músicas<br />

<strong>de</strong> Nazareth e salienta ser este um fator que<br />

distingue a obra <strong>de</strong>ste da música popular: “A<br />

dificulda<strong>de</strong> pianística é outra circunstância<br />

que afasta Nazareth da simples esfera<br />

popular, porque ele utiliza a técnica<br />

pianística com <strong>de</strong>senvoltura e gran<strong>de</strong><br />

varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos.”<br />

Esta dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> execução presente<br />

nas músicas <strong>de</strong> Ernesto Nazareth <strong>de</strong>ve-<br />

62


se ao fato da intimida<strong>de</strong> do pianista com<br />

seu instrumento. Como intérprete <strong>de</strong> um<br />

repertório difícil, que consta <strong>de</strong> peças <strong>de</strong><br />

Chopin, Beethoven, Men<strong>de</strong>lssohn, etc<br />

(VERZONI, 1996, p. 31), este compositor<br />

conhecia muito b<strong>em</strong> as possibilida<strong>de</strong>s<br />

oferecidas pelo piano e sabia dominar<br />

suas dificulda<strong>de</strong>s técnicas. A respeito <strong>de</strong>ste<br />

domínio e habilida<strong>de</strong> no uso dos recursos<br />

do instrumento Afifi diz:<br />

Nazareth explorou os recursos do<br />

piano <strong>de</strong> forma ampla. Todos os<br />

efeitos objetivos são utilizados na<br />

extensão <strong>de</strong> sua obra. Fixou-se na<br />

região aguda, nas polcas “Apanheite<br />

Cavaquinho”, “Ameno Resedá”. Na<br />

região grave, na valsa “Confidências”,<br />

no “Duvidoso”, “Turuna”, “Tenebroso”.<br />

Usou notas repetidas, simples e<br />

duplas no “Escorregando” e no<br />

“Sarambeque”. Trouxe o cantabile<br />

lírico do piano no “Pássaros <strong>em</strong> Festa”.<br />

O brilho vistuosísitco do instrumento<br />

<strong>em</strong> “V<strong>em</strong> cá, Branquinha”. Suscitou o<br />

“toque staccato”, usou oitavas, acor<strong>de</strong>s<br />

arpejados, ornamentos e saltos... Enfim,<br />

“Fon-fon”, “Encantada”, “Improviso”,<br />

“Sarambeque”, “Batuque”, “Nenê”,<br />

Labirinto”, “Gaúcho”, “Escorregando”,<br />

são peças, assim como a maioria,<br />

que por sua importância pianística,<br />

requer<strong>em</strong> um preparo técnico<br />

cuidadoso e apurado (AFIFI, 1984, p.<br />

43).<br />

Certamente a maioria das valsas não é para<br />

ser lida e tocada instantaneamente. Os<br />

fatores que contribu<strong>em</strong> para a dificulda<strong>de</strong><br />

técnica são: o uso <strong>de</strong> tonalida<strong>de</strong>s com muitas<br />

alterações na armadura (Réb M, Láb M, Mib<br />

M, Lá M e Mi M), <strong>de</strong> inúmeras alterações no<br />

<strong>de</strong>correr das peças e, <strong>em</strong> vários momentos,<br />

<strong>de</strong> longas sequências <strong>de</strong> acor<strong>de</strong>s arpejados<br />

e oitavas. Chamou-nos a atenção, também,<br />

a beleza da gran<strong>de</strong> maioria <strong>de</strong>stas valsas.<br />

Po<strong>de</strong>mos dizer, então, que a dificulda<strong>de</strong><br />

técnica e a gran<strong>de</strong> habilida<strong>de</strong> <strong>em</strong> elaborar<br />

suas composições são características<br />

presentes no <strong>de</strong>correr da obra <strong>de</strong> Nazareth;<br />

não sendo diferente <strong>em</strong> suas valsas.<br />

Ainda consi<strong>de</strong>rando o que é recorrente<br />

po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar o uso constante e<br />

significativo das apogiaturas na estruturação<br />

das melodias das valsas compostas por<br />

Ernesto Nazareth. Após executarmos e<br />

analisarmos todas as valsas perceb<strong>em</strong>os<br />

que, neste quesito, as melodias das valsas<br />

são elaboradas, <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> parte, <strong>em</strong><br />

torno das notas do acor<strong>de</strong> que <strong>de</strong>fine a<br />

harmonia <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado compasso<br />

e, ligadas a estas notas, há a inserção <strong>de</strong><br />

inúmeras apogiaturas. Esta técnica, além<br />

<strong>de</strong> resultar <strong>em</strong> uma riqueza melódica<br />

muito significativa, produz alguns eventos<br />

dissonantes: como as apogiaturas são notas<br />

que escapam da harmonia do acor<strong>de</strong> que<br />

preenche o compasso, naturalmente elas se<br />

mostram um pouco ou bastante dissonantes<br />

<strong>em</strong> muitas ocasiões.<br />

A fim <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plificarmos a utilização<br />

<strong>de</strong>sta técnica <strong>de</strong> estruturação melódica,<br />

apresentamos, na página seguinte, um<br />

trecho da seção A <strong>de</strong> Dirce (Fig. 1). Observe<br />

que a apogiatura, na valsa <strong>em</strong> questão,<br />

ocorre s<strong>em</strong>pre na cabeça do primeiro e do<br />

segundo t<strong>em</strong>po; justamente no momento<br />

<strong>em</strong> que a força tonal do acor<strong>de</strong> se mostra<br />

mais explicitamente.<br />

63


Figura 1<br />

Outro el<strong>em</strong>ento recorrente, nas valsas <strong>de</strong> Ernesto Nazareth, é a caracterização do baixo<br />

como uma segunda ou terceira linha melódica. Esta outra melodia geralmente se <strong>de</strong>senrola<br />

sutilmente no <strong>de</strong>correr das valsas. Há, no entanto, alguns momentos que Nazareth <strong>de</strong>staca<br />

esta melodia, como que indicando que naquele trecho ela <strong>de</strong>vesse ser mais explicitada. Este<br />

baixo melódico, também, po<strong>de</strong> ganhar um status <strong>de</strong> uma segunda melodia tal qual <strong>em</strong> um<br />

contraponto, como ver<strong>em</strong>os <strong>em</strong> um ex<strong>em</strong>plo adiante, ou simplesmente como uma melodia<br />

básica que serve <strong>de</strong> condução para o baixo.<br />

Como ex<strong>em</strong>plo do segundo caso <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> baixo, Resignação (Fig. 2) merece ser<br />

mencionada pelo fato <strong>de</strong> o compositor <strong>de</strong>stacar explicitamente o baixo <strong>em</strong> toda a seção A<br />

com o uso da mínima pontuada, como po<strong>de</strong>mos observar a seguir.<br />

Figura 2<br />

No início da seção A <strong>de</strong> Turbilhão <strong>de</strong> Beijos (Fig. 3), por sua vez, a melodia do baixo parece<br />

64


Figura 3<br />

dialogar com a melodia principal da mão direita.<br />

E <strong>em</strong> Expansiva (Fig. 4), a melodia que mais se <strong>de</strong>staca no início da seção A (repetindo-se<br />

no início da segunda frase – meta<strong>de</strong> da seção) se encontra no baixo executado pela mão<br />

esquerda.<br />

Figura 4<br />

Já nos oito primeiros compassos da seção A <strong>de</strong> Fidalga (Figura 5) po<strong>de</strong>mos i<strong>de</strong>ntificar a<br />

existência <strong>de</strong> duas melodias simultâneas (verificar na página seguinte). A mão direita abarca<br />

a melodia principal, enquanto a mão esquerda conduz uma segunda linha melódica que<br />

acreditamos ser tão relevante quanto a primeira. Vale ressaltar que esta é a primeira valsa<br />

<strong>em</strong> que Nazareth usa a segunda melodia <strong>em</strong> praticamente toda a primeira seção. Ele já havia<br />

usado este recurso <strong>em</strong> Turbilhão <strong>de</strong> Beijos e Expansiva, por ex<strong>em</strong>plo, mas não com a mesma<br />

freqüência que <strong>em</strong> Fidalga.<br />

65


Figura 5<br />

Perceb<strong>em</strong>os, então, que Nazareth diversificou as formas <strong>de</strong> construir este baixo melódico, ora<br />

tratando-o mais como uma base harmônica, ora tratando-o como uma segunda melodia tão<br />

ou quase tão importante quanto a melodia principal. Quanto às inovações que se tornaram<br />

recorrentes a partir da década <strong>de</strong> 1910, além da citada anteriormente (a segunda melodia <strong>em</strong><br />

quase toda a seção A <strong>de</strong> Fidalga), preten<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar, a partir <strong>de</strong> agora, outras que nos<br />

pareceram muito significativas.<br />

Uma novida<strong>de</strong> absoluta <strong>em</strong> Fidalga é a ocorrência <strong>de</strong> um acompanhamento sobre acor<strong>de</strong>s<br />

arpejados <strong>em</strong> quase toda a seção B (Fig. 6). Arpejos na mão esquerda são usados <strong>em</strong> outros<br />

trechos das valsas <strong>de</strong> Nazareth anteriores à Fidalga, mas eles são s<strong>em</strong>pre pontuais e não<br />

caracterizam a seção, como acontece neste caso.<br />

66


Figura 6<br />

Outro el<strong>em</strong>ento novo <strong>em</strong> Fidalga é o surgimento <strong>de</strong> duas melodias simultâneas na mão<br />

direita da seção C (Fig. 7).<br />

67


Figura 7<br />

Em Divina encontramos um fato raro nas valsas <strong>de</strong> Nazareth: a instabilida<strong>de</strong> métrica. Como<br />

sab<strong>em</strong>os, a primeira coisa que caracteriza uma valsa é o compasso ternário. Mas, na seção<br />

A <strong>de</strong> Divina (Fig. 8), entre os compassos 39 e 42 (repetindo-se entre os compassos 55 e 58),<br />

encontramos um trecho on<strong>de</strong> a mão direita parece executar uma música no compasso binário,<br />

enquanto a mão esquerda permanece no compasso ternário. Apesar da permanência do<br />

acompanhamento no padrão da valsa, o <strong>de</strong>senho da mão direita gera uma certa instabilida<strong>de</strong>,<br />

muito b<strong>em</strong> vinda, no sentido que surpreen<strong>de</strong>r o intérprete e o ouvinte, e <strong>de</strong> exigir relevante<br />

Figura 8<br />

68


controle técnico.<br />

Celestial t<strong>em</strong> duas peculiarida<strong>de</strong>s. A primeira <strong>de</strong>las é a divisão da seção B entre duas tonalida<strong>de</strong>s<br />

homônimas: a primeira meta<strong>de</strong> da seção está na tonalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ré M e a segunda meta<strong>de</strong><br />

na tonalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ré menor. A segunda <strong>de</strong>las é o reaparecimento da instabilida<strong>de</strong> métrica<br />

provocada por uma sugestão <strong>de</strong> mudança <strong>de</strong> compasso na mão direita entre os compassos<br />

Figura 9<br />

102 e 107 da seção C (Fig. 9).<br />

Em Elegantíssima, na casa um da seção A (Fig. 10), encontramos um trecho <strong>de</strong> dois compassos<br />

<strong>em</strong> que Nazareth usou somente intervalos harmônicos <strong>de</strong> quartas e quintas, <strong>em</strong> movimentação<br />

cromática <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte que, assim como o restante <strong>de</strong>sta valsa, nos <strong>de</strong>safia pela dificulda<strong>de</strong><br />

Figura 10<br />

<strong>de</strong> leitura e execução.<br />

Outro el<strong>em</strong>ento singular <strong>em</strong> Elegantíssima é o aparecimento <strong>de</strong> escalas <strong>em</strong> terças paralelas<br />

Figura 11<br />

69


na seção C (Fig. 11).<br />

Ainda <strong>em</strong> Elegantíssima (Fig. 12), <strong>em</strong> sua introdução, há também que se <strong>de</strong>stacar a sequência<br />

<strong>de</strong> acor<strong>de</strong>s diminutos seguidos <strong>de</strong> uma bela resolução, na mão esquerda, e <strong>de</strong> fusas <strong>de</strong> difícil<br />

Figura 12<br />

execução na mão direita.<br />

Pássaros <strong>em</strong> Festa é uma valsa lenta que foi organizada intercalando-se seção A lenta com as<br />

seções B e C rápidas e vibrantes, que produz uma dinâmica <strong>de</strong> mudança constante. Pareceunos,<br />

também, ser o ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> uma peça inovadora do estilo <strong>de</strong> Nazareth a partir da década<br />

<strong>de</strong> 1910. O acompanhamento feito pela mão esquerda se diferencia <strong>de</strong> uma seção para a<br />

outra, e até mesmo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma mesma seção, com o uso da variação do acompanhamento<br />

característico <strong>de</strong> valsa seguido <strong>de</strong> arpejos. No final da seção A (Fig. 13) há um pequeno trecho<br />

(dois compassos) on<strong>de</strong> a mão esquerda parece imitar um violão fazendo o baixo; <strong>em</strong> seguida<br />

surge uma pequena sequência <strong>de</strong> acor<strong>de</strong>s arpejados.<br />

70


Figura 13<br />

Chamou-nos a atenção, ainda <strong>em</strong> Pássaros <strong>em</strong> Festa (Fig. 14), que se encontra na página seguinte,<br />

Nazareth colocar uma melodia sobre notas longas (figuras <strong>de</strong> três t<strong>em</strong>pos) simultaneamente<br />

às notas arpejadas na mão direita <strong>de</strong> quase toda a seção C. Desta feita, melodia e parte do<br />

acompanhamento foram executados por uma só mão que segue um <strong>de</strong>terminado padrão<br />

por quase todo o trecho.<br />

Figura 14<br />

Em Yolanda quer<strong>em</strong>os <strong>de</strong>stacar, na primeira meta<strong>de</strong> da seção C (Fig. 15), o aparecimento do<br />

trinado na melodia <strong>de</strong>senhada pelo baixo na mão esquerda.<br />

71


Figura 15<br />

Voltando à Dirce, quer<strong>em</strong>os <strong>de</strong>stacar o acompanhamento singular da mão esquerda que<br />

compõe toda a seção B (Fig. 16). Construído sobre colcheias, ele mescla acor<strong>de</strong>s arpejados<br />

Figura 16<br />

com trechos cromáticos <strong>de</strong> movimentação intensa.<br />

Na seção C <strong>de</strong> Dirce (Fig. 17), Nazareth também dá um <strong>de</strong>staque para o baixo, fazendo <strong>de</strong>le<br />

uma voz relevante, mesmo que <strong>em</strong> segundo plano.<br />

72


Figura 17<br />

Acerca da rítmica usada <strong>em</strong> suas valsas constatamos imediatamente que o padrão da valsa<br />

<strong>de</strong> três s<strong>em</strong>ínimas, como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, é uma constante. Nazareth, no entanto,<br />

escapa propositadamente <strong>de</strong>ste padrão <strong>em</strong> Hespañolita (Fig. 18). É nítido que ele o faz a fim<br />

<strong>de</strong> buscar reproduzir uma sonorida<strong>de</strong> que nos r<strong>em</strong>etesse aos sons provenientes da música<br />

espanhola.<br />

Encontramos, então, na seção A <strong>de</strong>sta valsa, a célula rítmica que caracteriza esta peça:<br />

s<strong>em</strong>ínima – duas colcheias – s<strong>em</strong>ínima.<br />

Figura 18<br />

Já diss<strong>em</strong>os, nos capítulos iniciais <strong>de</strong>ste trabalho, o quanto o meio vivido por Nazareth<br />

influenciou a produção <strong>de</strong> sua obra. Interessa-nos, a partir <strong>de</strong> agora, traçar algumas<br />

consi<strong>de</strong>rações compl<strong>em</strong>entares acerca do ambiente e das influências musicais vividas por<br />

73


Nazareth, b<strong>em</strong> como tentar alinhavar uma<br />

sugestão para a interpretação <strong>de</strong> suas valsas.<br />

Na leitura por nós visitada algumas<br />

influências percebidas na obra <strong>de</strong> Nazareth<br />

receberam <strong>de</strong>staque especial; são elas:<br />

a música erudita e a música <strong>de</strong> salão<br />

importadas da Europa, e a sonorida<strong>de</strong> da<br />

música popular brasileira <strong>de</strong> então. Mário<br />

<strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, já <strong>em</strong> 1926, nos chamava a<br />

atenção para a presença <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos da<br />

música <strong>de</strong> Chopin nas composições <strong>de</strong><br />

Nazareth (ANDRADE, 1976, p. 123) e da<br />

dança importada (p. 126):<br />

Duma feita, a uma pergunta proposital<br />

que fiz pra ele, Ernesto Nazareth me<br />

contou que executara muito Chopin. Eu<br />

já pensamenteara nisso, pela influência<br />

subtil do pianístico <strong>de</strong> Chopin sobre a<br />

obra <strong>de</strong>le. (...) Mas por vezes também<br />

essa obra se encontra pare<strong>de</strong>s-meias<br />

com a habanera (...) E a melódica<br />

europea também não é rara na obra <strong>de</strong><br />

Ernesto Nazareth.<br />

Itiberê (ITIBERÊ, 1946, p. 310 e 311) também<br />

se ocupa <strong>em</strong> falar dos diversos conteúdos<br />

musicais presentes no cotidiano <strong>de</strong> Nazareth<br />

e que constituíram a sua formação:<br />

(...) com papá Lambert [professor <strong>de</strong><br />

piano], Nazareth só estudava Czerny<br />

e tocava muito Chopin, nas horas<br />

vagas ouvia com <strong>de</strong>lícia a música<br />

popular da época: choros, serenatas,<br />

polcas e lundus. E durante o carnaval<br />

as melopéias bárbaras dos cucumbís<br />

e dos cordões. (...) é preciso levar <strong>em</strong><br />

conta, na formação <strong>de</strong> Nazareth (...) o<br />

pianeiro carioca, da época <strong>de</strong> 1900.<br />

Pinto (PINTO, 1963, p.33) explica que<br />

Nazareth sincretizou as danças importadas<br />

com as coreografias brasileiras:<br />

(..) foi o trabalho <strong>de</strong> Ernesto Nazareth<br />

, esse admirável compositor, que,<br />

longe <strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r a sedução <strong>de</strong> imitar os<br />

mo<strong>de</strong>los importados, como a valsa,<br />

a polka, a habanera, a schottisch e a<br />

mazurka, - entregou-se, ao contrário,<br />

à tarefa <strong>de</strong> nacionalizá-los ao sabor<br />

<strong>de</strong> nossa sensibilida<strong>de</strong>. Com luci<strong>de</strong>z<br />

incomparável, sincretizou danças<br />

européias com algumas formas<br />

coreográficas brasileiras, dando-lhes<br />

novas cores mediante a aclimatação<br />

e ambientação do material rítmicomelódico.<br />

Mozart <strong>de</strong> Araújo também fala <strong>de</strong>sta<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nazareth <strong>em</strong> misturar<br />

e reformatar estes conteúdos musicais<br />

diversos (ARAÚJO, 1994, p. 167) e como esta<br />

con<strong>de</strong>nsação característica da obra <strong>de</strong>ste<br />

compositor trouxe novos recursos técnicos<br />

para o piano (p. 169):<br />

Diante <strong>de</strong>ste ambiente, caracterizado<br />

pela transfusão <strong>de</strong> valores musicais<br />

nativos, <strong>de</strong> um lado, e <strong>de</strong> valores musicais<br />

importados, <strong>de</strong> outro, Ernesto Nazareth<br />

não adotou a política reacionária do<br />

protesto ou da xenofobia. Preferiu a<br />

política sutil da <strong>de</strong>formação. As valsas<br />

<strong>de</strong> Strauss, <strong>de</strong> Waldteufel, <strong>de</strong> Cr<strong>em</strong>ieux<br />

ou <strong>de</strong> Berger se converteram na<br />

“Eponina”, na “Expansiva”, na “Coração<br />

que sente”, na “Gotas <strong>de</strong> Ouro”. A polca<br />

européia se transformou <strong>em</strong> “Apanheite,<br />

cavaquinho” e o tango ibérico<br />

ou a habanera se transfiguraram no<br />

“O<strong>de</strong>on”, no “Brejeiro”, no “Bambino”.<br />

Nazareth enxertava nos mo<strong>de</strong>los<br />

importados o sotaque, a ginga, o<br />

<strong>de</strong>ngue, o jeitinho nacional. Deformava<br />

para nacionalizar os gêneros que mais<br />

se afeiçoavam ao seu t<strong>em</strong>peramento<br />

74


<strong>de</strong> músico. E nisso foi um mestre. (...)<br />

Para o piano, Nazareth canalizou toda<br />

aquela música que andava dispersa<br />

pelas esquinas. O formulário rítmico e<br />

melódico do choro e da seresta carioca,<br />

a gíria improvisatória do maxixe, tudo<br />

isso Ernesto Nazareth captou, refinou,<br />

filtrou, transfigurou e con<strong>de</strong>nsou na<br />

sua obra pianística. E dos processos<br />

que utilizou para abrasileirar os<br />

gêneros estrangeiros que dominavam<br />

o ambiente musical da metrópole,<br />

o mais importante – creio – por seu<br />

ineditismo, foi o <strong>de</strong> transpor para<br />

o piano os instrumentos populares<br />

brasileiros: a flauta, o violão, o<br />

cavaquinho, o oficlei<strong>de</strong>, o bombardino,<br />

a percussão. Não se trata – observe-se<br />

b<strong>em</strong> – <strong>de</strong> transcrição. Nazareth não<br />

reproduziu literalmente para no piano<br />

o instrumento popular. Ele sugere,<br />

amolda e adapta aos recursos do<br />

instrumento nobre, os processos e os<br />

modismos do instrumento popular.<br />

Inserindo na sua produção pianística<br />

essa contribuição do instrumental<br />

popular, Ernesto Nazareth trouxe<br />

para o piano brasileiro novos recursos<br />

técnicos e enriqueceu a música<br />

brasileira <strong>de</strong> novos meios <strong>de</strong> expressão<br />

musical.<br />

Assim como Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Itiberê<br />

conseguiu i<strong>de</strong>ntificar a influência <strong>de</strong> Chopin<br />

na obra <strong>de</strong> Nazareth, b<strong>em</strong> como a dos<br />

pianistas populares da época:<br />

(...) o caráter acentuadamente<br />

pianístico <strong>de</strong> suas composições, <strong>em</strong><br />

que se reflete a influência <strong>de</strong> Chopin<br />

e muito da técnica do antigo pianeiro,<br />

carioca (...) É sensível a influência <strong>de</strong><br />

Chopin na obra <strong>de</strong> Nazareth (ITIBERÊ, p.<br />

314 e 318).<br />

Bruno Kiefer (KIEFER, 1982, p. 123 e 124)<br />

também <strong>de</strong>staca a influência <strong>de</strong> Chopin<br />

(principalmente <strong>em</strong> suas valsas) e a<br />

referência a outros instrumentos feita por<br />

Nazareth <strong>em</strong> suas músicas para piano.<br />

Partindo <strong>de</strong>stas constatações acerca<br />

das influências diversas sobre a obra <strong>de</strong><br />

Nazareth, cabe-nos, agora, buscar <strong>de</strong>linear<br />

certos critérios para a prática interpretativa<br />

<strong>de</strong> suas valsas.<br />

Há, na música <strong>de</strong> Nazareth, segundo muitos<br />

autores que trataram <strong>de</strong>ste t<strong>em</strong>a, presença<br />

incontestável dos gêneros dançantes<br />

importados e nacionais (habanera, valsa,<br />

polca, samba, maxixe, etc) da música popular<br />

(sonorida<strong>de</strong> dos con<strong>jun</strong>tos instrumentais<br />

da época, dos pianistas populares, serestas,<br />

etc) e da sonorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Chopin. A primeira<br />

referência <strong>de</strong> interpretação para a obra<br />

<strong>de</strong> Nazareth v<strong>em</strong> da prática interpretativa<br />

do próprio compositor, nas palavras do<br />

francês Darius Milhaud, que <strong>em</strong> 1917 teve<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouvir Nazareth tocando<br />

piano:<br />

Os ritmos <strong>de</strong>sta música popular me<br />

intrigavam e me fascinavam. Havia,<br />

na síncope, uma imperceptível<br />

suspensão, uma respiração molenga,<br />

uma sutil parada que era muito difícil<br />

<strong>de</strong> captar. Comprei então uma gran<strong>de</strong><br />

quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> maxixes e tangos;<br />

esforcei-me para tocá-las com suas<br />

síncopes que passavam <strong>de</strong> uma para<br />

a outra mão. Meus esforços foram<br />

recompensados e eu pu<strong>de</strong> enfim<br />

expressar e analisar este pequeno<br />

nada tão tipicamente brasileiro. Um<br />

dos melhores compositores <strong>de</strong> música<br />

75


<strong>de</strong>sse gênero, Nazareth, tocava piano<br />

na entrada <strong>de</strong> um cin<strong>em</strong>a da Avenida<br />

Rio Branco. Seu modo <strong>de</strong> tocar, flúido,<br />

inapreensível e triste, ajudou-me,<br />

igualmente, a melhor conhecer a alma<br />

brasileira (MILHAUD, apud ARAÚJO, p.<br />

154).<br />

Como po<strong>de</strong>ríamos enten<strong>de</strong>r o que<br />

Milhaud chama jeito “flúido, inapreensível<br />

e triste” <strong>de</strong> Nazareth tocar piano? Haveria<br />

um sentimentalismo <strong>em</strong> sua maneira <strong>de</strong><br />

interpretar, uma certa melancolia? Estariam<br />

as valsas incluídas neste repertório <strong>de</strong> sala<br />

<strong>de</strong> espera? Não há como traçar respostas<br />

<strong>de</strong>finitivas. Mas há como conjecturar<br />

que certamente Nazareth falava <strong>de</strong> seus<br />

sentimentos através <strong>de</strong> sua música e <strong>de</strong> sua<br />

maneira <strong>de</strong> interpretá-la; o que talvez possa<br />

ser realmente entendido como uma maneira<br />

sentimental <strong>de</strong> se tocar piano.<br />

Outro fator importante a ser consi<strong>de</strong>rado<br />

diz respeito à presença <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos<br />

da música <strong>de</strong> Chopin na sonorida<strong>de</strong> da<br />

música <strong>de</strong> Nazareth. Sab<strong>em</strong>os que uma das<br />

marcas da música para piano <strong>de</strong> Chopin é a<br />

aplicação dos rubatos. Como <strong>de</strong>finição do<br />

que seja o rubato, Chopin explicava (GROUT<br />

e PALISCA, 2001, p. 596) ser “uma ligeira<br />

aceleração ou atraso no fraseado da mão<br />

direita enquanto o acompanhamento da<br />

mão esquerda prossegue rigorosamente.”<br />

Acreditamos, <strong>de</strong>sta forma, ser o rubato<br />

um recurso importante a ser aplicado nas<br />

interpretações das valsas <strong>de</strong> Nazareth.<br />

Pensando-se, ainda, <strong>em</strong> parâmetros para<br />

uma prática interpretativa das valsas,<br />

precisamos consi<strong>de</strong>rar os el<strong>em</strong>entos<br />

brasileiros na música <strong>de</strong> Nazareth; fator<br />

repetido por muitos autores. Acreditamos<br />

ser importante, <strong>de</strong>sta feita, <strong>de</strong>stacar a<br />

presença do jeito <strong>de</strong> ser do brasileiro e da<br />

sonorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua música na virada do<br />

século XIX para o XX, nas composições<br />

<strong>de</strong> Nazareth. Para sintetizar muitas falas a<br />

respeito <strong>de</strong>ste fato quer<strong>em</strong>os <strong>de</strong>stacar aqui<br />

o que Mozart <strong>de</strong> Araújo (p. 169), <strong>em</strong> trecho<br />

já citado neste trabalho, consi<strong>de</strong>ra como<br />

el<strong>em</strong>entos do jeito brasileiro na música <strong>de</strong><br />

Nazareth: “o sotaque, a ginga, o <strong>de</strong>ngue, o<br />

jeitinho nacional.” Assim como a <strong>de</strong>streza <strong>em</strong><br />

traduzir, s<strong>em</strong> transcrever, a sonorida<strong>de</strong> dos<br />

instrumentos populares (a flauta, o violão,<br />

o cavaquinho, o oficlei<strong>de</strong>, o bombardino, a<br />

percussão) através dos recursos do piano.<br />

Dentre os instrumentos da música popular<br />

citados, pareceu-nos haver uma constante,<br />

porém sutil referência à flauta, no fraseado<br />

feito pela melodia, e, <strong>em</strong> alguns poucos<br />

momentos, uma referência ao violão na<br />

condução do baixo feito pela mão esquerda.<br />

Como sugestão final acreditamos, então, ser<br />

possível elaborar um critério, nada rígido<br />

ou <strong>de</strong>finitivo, <strong>de</strong> se interpretar as valsas <strong>de</strong><br />

Nazareth. Para este fim o pianista precisa<br />

r<strong>em</strong>eter sua interpretação ao hom<strong>em</strong><br />

sentimental que se inspirava na música <strong>de</strong><br />

Chopin e se <strong>de</strong>ixava levar pela ginga e pelos<br />

sons da música popular brasileira <strong>de</strong> então.<br />

O fraseado da melodia <strong>de</strong>ve buscar traduzir<br />

as possibilida<strong>de</strong>s da flauta, produzindo,<br />

<strong>de</strong>sta feita, uma interpretação <strong>de</strong> pulsação<br />

maleável, com fraseado t<strong>em</strong>perado pelo<br />

sentimentalismo e com ares <strong>de</strong> recitação<br />

seresteira.<br />

76


Conclusão<br />

Como personag<strong>em</strong> <strong>de</strong> uma época, Ernesto<br />

Nazareth foi um compositor que absorveu<br />

intensamente a cultura que o ro<strong>de</strong>ava: era a<br />

ida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>em</strong> fins do século XIX<br />

e começo do século XX. As transformações<br />

urbanas, sociais e tecnológicas o<br />

alcançaram; o apego à cultura européia<br />

era seu parâmetro artístico; as sonorida<strong>de</strong>s<br />

brasileiras e importadas foram o t<strong>em</strong>pero <strong>de</strong><br />

sua criação. Apesar das limitações impostas<br />

pela realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua condição social ele<br />

foi um sujeito criativo que soube aproveitar<br />

el<strong>em</strong>entos variados para criar suas obras.<br />

Quanto ao gênero valsa, po<strong>de</strong>mos constatar<br />

que Ernesto Nazareth compôs a maior parte<br />

<strong>de</strong> suas valsas entre as décadas <strong>de</strong> 1890<br />

e 1920, sendo a década <strong>de</strong> 1910 a mais<br />

produtiva.<br />

As transformações nas valsas, no <strong>de</strong>correr<br />

dos anos, não produziram rupturas bruscas<br />

no estilo <strong>de</strong> compor <strong>de</strong> Nazareth. Tais<br />

transformações, por sua vez, apesar <strong>de</strong><br />

significativas, foram sendo apresentadas<br />

<strong>de</strong> forma discreta e não se configuraram<br />

como mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>finitivo <strong>de</strong> composição. O<br />

que pu<strong>de</strong>mos notar, durante a análise das<br />

valsas, foi que, pouco a pouco, Nazareth<br />

foi mudando a maneira <strong>de</strong> tratar as bases<br />

usadas no acompanhamento feito pela mão<br />

esquerda. Notamos que até a década <strong>de</strong><br />

1910 o compositor raramente usava mais <strong>de</strong><br />

uma base rítmica para os acompanhamentos<br />

<strong>em</strong> uma mesma seção e há uma elevada<br />

ocorrência do acompanhamento padrão<br />

da valsa baseado nas três s<strong>em</strong>ínimas<br />

características do ritmo <strong>de</strong> valsa. Esta<br />

maneira <strong>de</strong> tratar o acompanhamento, no<br />

entanto, foi mudando, e o que encontramos<br />

<strong>em</strong> suas últimas valsas é uma varieda<strong>de</strong><br />

bastante significativa <strong>de</strong> acompanhamentos<br />

<strong>em</strong> uma peça e até <strong>em</strong> uma mesma<br />

seção. Claro que o tratamento dado aos<br />

acompanhamentos não segue uma fórmula<br />

fixa, imutável. Encontramos variações <strong>em</strong><br />

alguns acompanhamentos nas valsas até<br />

1910, b<strong>em</strong> como há valsas datadas após<br />

este período que não as contêm. Não há,<br />

portanto, um padrão rígido na forma <strong>de</strong> se<br />

elaborar os acompanhamentos nas valsas<br />

<strong>de</strong> Nazareth; mas há uma certa tendência<br />

que po<strong>de</strong> distinguir duas fases <strong>em</strong> sua obra.<br />

Acerca da maneira <strong>de</strong> se interpretar as valsas<br />

<strong>de</strong> Nazareth, acreditamos na necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> se con<strong>de</strong>nsar o sentimentalismo <strong>de</strong><br />

sua música, o rubato <strong>de</strong> Chopin, a flui<strong>de</strong>z<br />

da música brasileira e a sugestão das<br />

sonorida<strong>de</strong>s dos instrumentos populares <strong>de</strong><br />

então.<br />

Quanto à sua formação subjetiva, Nazareth<br />

foi um artista que não reconhecia seu valor,<br />

pois consi<strong>de</strong>rava-se inferior <strong>em</strong> relação<br />

aos outros músicos <strong>de</strong> seu t<strong>em</strong>po que<br />

conseguiram uma formação acadêmica<br />

consistente. Teve vida simples e pacata,<br />

com poucos recursos materiais; apesar<br />

<strong>de</strong> tais limitações produziu uma obra que<br />

t<strong>em</strong> atravessado gerações e continua<br />

<strong>de</strong>spertando o interesse <strong>de</strong> intérpretes,<br />

estudiosos e ouvintes até os dias <strong>de</strong> hoje.<br />

77


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78


POSSIBILIDADES DE ANÁLISE<br />

RÍTMICA À PARTIR DA CARTILHA<br />

RÍTMICA PARA PIANO DE<br />

ALMEIDA PRADO: UMA ANÁLISE<br />

INTRODUTÓRIA DE TRÊS<br />

EXERCÍCIOS<br />

Alan Caldas Simões<br />

Mestrando <strong>em</strong> <strong>Música</strong> pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UFRJ) e licenciado <strong>em</strong> <strong>Música</strong> pela Universida<strong>de</strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral do Espírito Santo (UFES).<br />

Resumo<br />

O presente artigo apresenta a análise, <strong>de</strong> três peças da<br />

Cartilha Rítmica para piano <strong>de</strong> Almeida Prado: Mudanças<br />

<strong>de</strong> Compassos; Valsa <strong>em</strong> Quatro Andamentos; Diferentes<br />

articulações. Tal cartilha, compostas por Almeida Prado<br />

e organizado por Sara Cohen e Salomea Gan<strong>de</strong>lman,<br />

apresenta uma série <strong>de</strong> exercícios para piano on<strong>de</strong> o<br />

estudante é introduzido, <strong>de</strong> maneira didática, a aspectos da<br />

linguag<strong>em</strong> composicional própria do século XX. Em nosso<br />

trabalho apresentamos uma possibilida<strong>de</strong> introdutória <strong>de</strong><br />

análise rítmica, fundamentada <strong>em</strong> autores como LESTER<br />

(1986); HASTY (1981); WINOLD (1975); e <strong>em</strong> nossas próprias<br />

intuições musicais. A partir <strong>de</strong> tais análises, concluímos que<br />

o estudo <strong>de</strong> questões rítmicas próprias da música, po<strong>de</strong><br />

servir como fonte <strong>de</strong> discussões e reflexões que ampliam<br />

as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> escuta e performance musical. Neste<br />

sentido a Cartilha Rítmica para Piano <strong>de</strong> Almeida Prado,<br />

configura-se, como relevante instrumento <strong>de</strong> estudo e<br />

pesquisa para pianistas, e músicos interessados nestes<br />

aspectos.<br />

Palavras-chave: Almeida Prado - Cartilha rítmica -<br />

Ritmo no século XX.<br />

Abstract<br />

This article presents the analysis of three pieces of<br />

Cartilha Rítmica para piano <strong>de</strong> Almeida Prado: Mudanças<br />

<strong>de</strong> Compassos; Valsa <strong>em</strong> Quatro Andamentos; Diferentes<br />

articulações. This work, composed by Almeida Prado and<br />

organized by Sara Cohen and Salomea Gan<strong>de</strong>lman, presents<br />

a series of exercises for the piano where the stu<strong>de</strong>nt is<br />

introduced in a didactic manner, the compositional aspects<br />

of the language itself of the twentieth century. In our work<br />

we present an introductory analysis rhythmic ability, based<br />

on authors as LESTER (1986); HASTY (1981); WINOLD (1975);<br />

and in our own musical intuitions. From such analysis, we<br />

conclu<strong>de</strong> that the study of issues peculiar to the rhythmic<br />

music can serve as a source of discussion and reflection<br />

that expand the possibilities of listening and musical<br />

performance. In this sense the Cartilha Rítmica para Piano<br />

<strong>de</strong> Almeida Prado, set up, as relevant study and research tool<br />

for pianists and musicians interested in these aspects.<br />

Keywords: Almeida Prado - Primer rhythmical -<br />

Rhythm in the twentieth century.


Consi<strong>de</strong>rações iniciais<br />

O presente trabalho é resultado das<br />

discussões e sist<strong>em</strong>atizações que realizei<br />

como requisito parcial para aprovação na<br />

disciplina Tópicos Especiais V, ministrada pela<br />

professora Sara Cohen, no programa <strong>de</strong> Pós-<br />

Graduação <strong>em</strong> <strong>Música</strong> da Escola <strong>de</strong> <strong>Música</strong><br />

da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

(UFRJ). Nesta disciplina tive contato com a<br />

Cartilha Rítmica para piano <strong>de</strong> Almeida Prado<br />

e, contato também, com discussões sobre a<br />

natureza do ritmo na música do século XX;<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> análises rítmicas; relações<br />

entre performance e análise da estrutura<br />

métrica <strong>de</strong> uma peça, entre outros.<br />

Apresentar<strong>em</strong>os a seguir: (a) breve revisão<br />

<strong>de</strong> literatura sobre questões rítmicas na<br />

música tonal; (b) apresentação da Cartilha<br />

Rítmica para piano <strong>de</strong> Almeida Prado; (c)<br />

análise <strong>de</strong> três composições <strong>de</strong> Almeida<br />

Prado: Mudanças <strong>de</strong> Compassos; Valsa <strong>em</strong><br />

Quatro Andamentos; Diferentes articulações;<br />

(d) consi<strong>de</strong>rações finais.<br />

Ressaltamos que as análises que<br />

apresentar<strong>em</strong>os não correspon<strong>de</strong>m a uma<br />

análise formalista/estruturalista. Optamos<br />

por realizar uma análise musical apoiada <strong>em</strong><br />

el<strong>em</strong>entos fornecidos pela escuta musical<br />

atenta, el<strong>em</strong>entos visuais presentes na<br />

partitura (representação gráfico-musical) e<br />

relações entre escuta e leitura <strong>de</strong> mundo,<br />

b<strong>em</strong> como, relações ‘intertextuais’, el<strong>em</strong>ento<br />

presente e característico na Obra <strong>de</strong> Prado.<br />

Introdução: A ‘probl<strong>em</strong>ática’ do ‘ritmo’<br />

“O fenômeno da música nos é dado com o<br />

único propósito <strong>de</strong> estabelecer uma or<strong>de</strong>m<br />

nas coisas, incluindo, particularmente, a<br />

coor<strong>de</strong>nação entre o hom<strong>em</strong> e o t<strong>em</strong>po”<br />

(STRAVINSKY, 1962, apud WINOLD, 1975,<br />

p. 268, tradução nossa). O aspecto rítmico<br />

é um dos mais <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>áticos e difíceis <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>finir <strong>em</strong> música.<br />

Se observarmos atentamente, perceber<strong>em</strong>os<br />

que na literatura atual, <strong>de</strong>senvolvida<br />

<strong>em</strong> pesquisas <strong>em</strong> música, pelo menos no<br />

Brasil, são poucas as que abordam questões<br />

rítmicas. Pensando no dil<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Agostinho<br />

talvez ali encontr<strong>em</strong>os a resposta: “Então, o<br />

que é o t<strong>em</strong>po? Se ninguém me pergunta,<br />

eu sei; Se eu for explicar isso a alguém, então<br />

eu não sei” (AGOSTINHO, Confessions XI. 17,<br />

apud MORAIS, 2003, p. 123, tradução nossa).<br />

Abordando questões rítmicas, abordamos<br />

também, implicitamente, questões sobre o<br />

t<strong>em</strong>po, sobre t<strong>em</strong>poralida<strong>de</strong>, relações crono-intervalares,<br />

entre outras.<br />

A maior parte dos músicos, ou mesmo<br />

apreciadores <strong>de</strong> música, compreen<strong>de</strong>m que<br />

o ‘ritmo’ é um aspecto importante da música.<br />

Ele é qu<strong>em</strong> apresenta o tom vivificante e<br />

torna este fenômeno, a música, realizável.<br />

“[A]dmite-se que o ritmo é para a música,<br />

especialmente a música tonal, o el<strong>em</strong>ento<br />

fundamental, ou mesmo fundante” (MORAIS,<br />

2003, p. 122). Dessa forma,<br />

cada músico, seja intérprete,<br />

compositor, ou teórico vai concordar<br />

que ‘No princípio era o ritmo’. Porque o<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lação do ritmo e, mais<br />

80


amplamente falando da organização<br />

t<strong>em</strong>poral da música é uma condição<br />

sine qua non <strong>de</strong>ssa arte (Cooper &<br />

Meyer, 1960, apud MORAIS, 2003, p.<br />

122, tradução nossa).<br />

Contraditoriamente, o ‘ritmo’, este aspecto<br />

mais ‘fácil’ <strong>de</strong> discernir ao se ouvir uma<br />

música; é um dos mais difíceis, como já<br />

mencionado, <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir e evasivo para se<br />

discutir. Sua <strong>de</strong>scrição, mesmo por músicos<br />

experientes, “[...] é muitas vezes, vaga,<br />

superficial e incompleta [...]” (WINOLD, 1975,<br />

p. 208, tradução nossa). Em outras ocasiões,<br />

o ‘ritmo’, é <strong>de</strong>finido por sua representação, ou<br />

seja, <strong>de</strong>fini-se como ritmo a representação<br />

da notação musical tradicional, a partitura.<br />

Dessa forma, o ‘ritmo’ passa a ser aquilo que<br />

a notação musical consegue representar.<br />

Entretanto, tal notação, possui suas<br />

limitações, levando a erros e simplificações<br />

na <strong>de</strong>scrição dos eventos rítmico-sonoros<br />

(WINOLD, 1975, p. 208).<br />

O que comumente se chama <strong>de</strong> teoria<br />

musical, não representa uma real teoria,<br />

no sentido estrito da palavra, pois sua base<br />

consiste, na <strong>de</strong>scrição literal dos signos<br />

visuais da notação musical. Dessa maneira,<br />

“[s]e o método científico não é extensível à<br />

teoria musical, então a teoria musical não<br />

é teoria <strong>em</strong> nenhum sentido da palavra”<br />

(HACKMAN, apud MORAIS, 2002). Jackendoff<br />

e Lerdahal acrescentam ainda, que “[a] teoria<br />

musical isola (aparta/afasta) as questões da<br />

arte [musical] <strong>de</strong> uma investigação racional<br />

mais profunda e trata a música como se<br />

ela nada tivesse a ver com outros aspectos<br />

do mundo” (JACKENDOFF, R.; LERDAHAL<br />

F., 1983, apud MORAIS, 2002). Devido a<br />

simplificações, ou posicionamentos como<br />

estes, a ‘probl<strong>em</strong>ática’ do ‘ritmo’ camufla-se,<br />

apresentando-se como resolvida no meio<br />

musical.<br />

Quando consi<strong>de</strong>ramos o significado da<br />

raiz <strong>de</strong> ‘ritmo’ a palavra é fluxo, como<br />

no fluxo <strong>de</strong> um rio, somos l<strong>em</strong>brados<br />

<strong>de</strong> uma das maiores armadilhas <strong>em</strong><br />

qualquer consi<strong>de</strong>ração do ritmo na<br />

música. Nós nunca po<strong>de</strong>mos parar<br />

o fluxo <strong>de</strong> um rio para examinar e<br />

<strong>de</strong>screvê-lo, porque então já não t<strong>em</strong>os<br />

um fluxo, mas apenas água. Assim<br />

também, a experiência do ritmo na<br />

música <strong>de</strong>ve ser s<strong>em</strong>pre a experiência<br />

<strong>de</strong> sons que se <strong>de</strong>slocam no t<strong>em</strong>po. Se<br />

paramos este movimento, não ter<strong>em</strong>os<br />

mais o ritmo, mas apenas sons isolados<br />

no espaço ou inanimadas notas no<br />

papel (WINOLD, 1975, p. 209, tradução<br />

nossa).<br />

No <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>ste texto não buscamos<br />

<strong>de</strong>finir o que seja o ‘ritmo’, que apresentamos<br />

grafado entre aspas, ou elucubrar sobre<br />

sua natureza, mas reconhecer que, quando<br />

falamos sobre ‘ritmo’ estamos falando<br />

<strong>de</strong> toda uma t<strong>em</strong>poralida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> todo um<br />

universo <strong>em</strong> música que se relaciona<br />

intimamente com o todo musical, não<br />

po<strong>de</strong>ndo ser esquecido ou isolado <strong>em</strong><br />

uma análise musical formal. Assim, uma<br />

análise rítmica <strong>de</strong> uma peça, não envolve<br />

somente aspectos duracionais; mas relações<br />

com: a or<strong>de</strong>nação das unida<strong>de</strong>s t<strong>em</strong>porais<br />

das estruturas rítmicas (agrupamentos);<br />

altura; harmonia; textura; dinâmica; timbre;<br />

acentuação e metro, entre outros. Conforme<br />

Cooper e Meyer, compreen<strong>de</strong>mos que, “[e]<br />

studar o ritmo é estudar a música como um<br />

todo” (1960, apud MORAIS, 2002).<br />

81


Uma dificulda<strong>de</strong> <strong>em</strong> análises rítmicas<br />

é a ausência <strong>de</strong> uma teoria sobre ritmo<br />

que seja suficient<strong>em</strong>ente abrangente e<br />

aplicável a músicas <strong>de</strong> vários períodos e<br />

estilos, incluindo músicas do século XX<br />

(WINOLD, 1975, p. 209). Outra dificulda<strong>de</strong><br />

está <strong>em</strong> <strong>de</strong>finir o que seja o ‘ritmo’. Segundo<br />

Hasty (1981, p. 183), o termo adquiriu uma<br />

extraordinária gama <strong>de</strong> significados que<br />

po<strong>de</strong>m ser agrupados <strong>em</strong> três categorias:<br />

(1) Observações específicas relativas a<br />

proporções <strong>de</strong> duração quantitativas,<br />

padrões <strong>de</strong> pulso e metro, agrupamentos<br />

<strong>de</strong> pulsos acentuados e não acentuados;<br />

(2) Desdobramentos da forma musical; (3)<br />

Natureza geral da organização t<strong>em</strong>poral<br />

na música. Sendo que, a maior parte dos<br />

estudos sobre ritmo, concentram-se sobre<br />

essa primeira categoria assinalada.<br />

Em vez <strong>de</strong> isolarmos o componente rítmico<br />

<strong>de</strong> uma música “[...] parece mais razoável ver<br />

o ritmo como convergência, sob o aspecto<br />

da t<strong>em</strong>poralida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> qualquer<br />

componente que nós escolh<strong>em</strong>os para<br />

isolar <strong>em</strong> análise (duração, acento, tom,<br />

timbre, e assim por diante)” (HASTY, 2009, p.<br />

184, tradução nossa).<br />

Através <strong>de</strong>sta breve revisão <strong>de</strong> literatura<br />

fica evi<strong>de</strong>nciado que exist<strong>em</strong> questões<br />

sobre o ‘ritmo’ e sua natureza t<strong>em</strong>poral<br />

que ultrapassam as questões notacionais,<br />

requerendo uma investigação holística<br />

e abrangente do fenômeno t<strong>em</strong>poral <strong>em</strong><br />

música.<br />

A Cartilha Rítmica para piano <strong>de</strong> Almeida<br />

Prado<br />

Ao longo dos séculos assistimos a gran<strong>de</strong>s<br />

transformações na maneira <strong>de</strong> se fazer<br />

música e no modo como os homens se<br />

relacionam com ela. Acompanhamos a<br />

evolução e o <strong>de</strong>senvolvimento do sist<strong>em</strong>a<br />

<strong>de</strong> notação musical, seja ele convencional ou<br />

não-convencional; o processo <strong>de</strong> dilatação<br />

da tonalida<strong>de</strong>, culminando no nascimento<br />

<strong>de</strong> uma nova linguag<strong>em</strong> musical, entre<br />

outros.<br />

Em paralelo a estas transformações <strong>de</strong><br />

índole musical, a estrutura rítmica também<br />

se modificou. Acompanhando o caráter <strong>de</strong><br />

busca por liberda<strong>de</strong> da música do século XX,<br />

a estrutura rítmica, gradualmente, libertouse<br />

da métrica rígidas dos compassos,<br />

buscando in<strong>de</strong>pendência agógica do<br />

fraseado melódico, o que culminou na<br />

polirritmia, rítmica alternada e na total<br />

abolição do mensuralismo.<br />

Para introduzir o aluno <strong>de</strong> música, e<br />

principalmente alunos <strong>de</strong> piano, a tais<br />

transformações, <strong>de</strong> modo natural e, ao<br />

mesmo t<strong>em</strong>po didático, Almeida Prado 1<br />

compôs uma série exercícios, organizados<br />

<strong>em</strong> forma <strong>de</strong> cartilha, que introduz<strong>em</strong> o<br />

musicista às “[...] principais configurações<br />

rítmicas ocorridas ao longo do processo <strong>de</strong><br />

libertação da quadratura setecentista”<br />

1 Dr. José Antônio Rezen<strong>de</strong> <strong>de</strong> Almeida Prado,<br />

nasceu <strong>em</strong> 1943. Foi aluno <strong>de</strong>: Dinorá <strong>de</strong> Carvalho,<br />

Camargo Guarnieri, Osvaldo Lacerda e Gilberto<br />

Men<strong>de</strong>s, Nádia Boulanger, Olivier Messiaen e Annette<br />

Dieudonnée, entre outros.<br />

82


(KRIEGER, 2005, apud, COHEN, 2006,<br />

prefácio).<br />

Na verda<strong>de</strong>, ninguém melhor do<br />

que ele [Almeida Prado] para essa<br />

tarefa: sua própria criação musical é,<br />

<strong>em</strong> si mesma, um vasto mostruário<br />

<strong>de</strong> invenção rítmica, fruto <strong>de</strong> uma<br />

fecunda imaginação criadora tanto<br />

no campo da rítmica quanto nos da<br />

linguag<strong>em</strong> e da expressão. Essa fértil<br />

imaginação criada não raro provoca<br />

arrepios nos intérpretes, ao visualizar<br />

a complexida<strong>de</strong> da estrutura métrica e<br />

rítmica <strong>de</strong> suas partituras. Mas <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> uma aproximação mais serena,<br />

sua execução resulta <strong>de</strong> uma fluência<br />

e naturalida<strong>de</strong> que i<strong>de</strong>ntificam o<br />

primado do pensamento musical<br />

sobre as aparentes elucubrações<br />

mat<strong>em</strong>áticas, confirmando a presença<br />

<strong>de</strong> um mestre (KRIEGER, 2005, apud,<br />

COHEN, 2006, prefácio) 2 .<br />

Segundo Cohen (2006, p. 14), responsável<br />

pela concepção e coor<strong>de</strong>nação do projeto<br />

que originou A Cartilha Rítmica para Piano <strong>de</strong><br />

Almeida Prado, seu <strong>de</strong>sejo é que os estudos<br />

organizados na cartilha sejam<br />

[...] um incentivo àqueles que se<br />

aventurar<strong>em</strong> pelas trilhas rítmicas da<br />

música, <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> aprofundamento<br />

do conhecimento, da competência para<br />

a solução <strong>de</strong> questões <strong>de</strong> performance<br />

e do <strong>de</strong>senvolvimento e processos<br />

criativos.<br />

2 “Conceitos tais como modulação<br />

métrica, ritmos aditivos e divisivos, polirritmia,<br />

polit<strong>em</strong>poralida<strong>de</strong>, assincronia, entre outros suscitados<br />

pela notação musical, são cont<strong>em</strong>plados <strong>em</strong> pequenas<br />

miniaturas impregnadas pela musicalida<strong>de</strong> do<br />

compositor santista.” (GANDELMAN; COHEN,<br />

2006, p. 719)<br />

A cartilha é composta por cento e três<br />

exercícios organizados progressivamente,<br />

distribuídos <strong>em</strong> quatro volumes, compostos,<br />

<strong>em</strong> sua maioria entre 1992-1999. Nela<br />

encontramos partituras revisadas e editadas<br />

com a supervisão do autor; textos que<br />

introduz<strong>em</strong> o leitor às concepções rítmicas<br />

próprias do século XX; uma relação <strong>de</strong><br />

teses e dissertações sobre a obra pianística<br />

<strong>de</strong> Almeida Prado; e um CD on<strong>de</strong> foram<br />

registrados 75 minutos dos 95 minutos<br />

<strong>de</strong> duração da cartilha. Sobre o registro<br />

fonográfico ressalta-se<br />

[...] o excelente registro sonoro<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte dos exercícios,<br />

brilhant<strong>em</strong>ente executados por<br />

Sara Cohen, comprovando, com sua<br />

perfeição técnica, a fluência musical<br />

que faz das mais complexas figurações<br />

rítmicas um acontecimento sonoro<br />

fascinante (KRIEGER, 2005, apud,<br />

COHEN, 2006, prefácio).<br />

Apesar da cartilha ser i<strong>de</strong>alizada para o<br />

piano, ela levanta questões, que abrang<strong>em</strong><br />

todos aqueles interessados <strong>em</strong> se aventurar<br />

nas estratégias rítmicas do século XX<br />

(GANDELMAN; COHEN, 2005, p. 1499).<br />

Seu potencial pedagógico po<strong>de</strong> ser um<br />

relevante instrumento <strong>de</strong> pesquisa e estudo<br />

para compositores, alunos <strong>de</strong> graduação e<br />

pós-graduação <strong>em</strong> música, instrumentistas<br />

e músicos <strong>em</strong> geral 3 .<br />

3 Ressalta-se que os exercícios presentes na<br />

cartilha são organizados <strong>de</strong> maneira gradativa <strong>em</strong><br />

níveis <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>. Entretanto, <strong>de</strong>ste o primeiro,<br />

requer<strong>em</strong> do pianista <strong>em</strong> questão boa leitura musical,<br />

coor<strong>de</strong>nação motora e controle técnico prévios.<br />

83


Três possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> análise a partir dos exercícios presentes na Cartilha Rítmica para<br />

Piano <strong>de</strong> Almeida Prado 4<br />

4 Apresentamos a seguir uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise introdutória sobre três exercícios presentes na Cartilha<br />

Rítmica para Piano <strong>de</strong> Almeida Prado. Tais análises não representam análises estruturalistas, ou morfológicas. Em<br />

nossas análises buscamos priorizar o processo <strong>de</strong> escuta e sua relação com a leitura <strong>de</strong> mundo e os el<strong>em</strong>entos gráficomusicais<br />

presentes na partitura analisada.<br />

84


Figura 1 - Mudanças <strong>de</strong> Compassos (COHEN; GANDELMAN, 2006, p. 62-63)<br />

85


Mudanças <strong>de</strong> Compassos: Ciranda<br />

Inicialmente, partindo <strong>de</strong> uma análise<br />

estrutural 5 da peça, observamos que ela<br />

está construída sob a alternância entre o<br />

compasso 4/4 e compassos compostos. Tal<br />

alternância se revela através da seguinte<br />

lógica: 4/4 – 2/8 – 4/4 – 3/8... 4/4 – 13/8.<br />

Ou seja, a cada repetição do compasso 4/4<br />

t<strong>em</strong>os o acréscimo <strong>de</strong> 1/8 até alcançarmos<br />

a razão 13/8.<br />

Harmonicamente, a voz expressa na mão<br />

esquerda, <strong>de</strong>senvolve-se cromaticamente,<br />

exceto pelo penúltimo compasso, que,<br />

seguindo a lógica, <strong>de</strong>veria ser Ré b<strong>em</strong>ol.<br />

No primeiro compasso t<strong>em</strong>os o acor<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Dó maior seguido pelo acor<strong>de</strong> “dominante”<br />

<strong>de</strong> Ré b<strong>em</strong>ol. Assim, alterna-se hora<br />

tría<strong>de</strong>s maiores, hora acor<strong>de</strong>s dominantes.<br />

O que segue a lógica, apresentada na<br />

alternância <strong>de</strong> compassos. Obt<strong>em</strong>os, <strong>de</strong>sta<br />

forma, a seguinte nova relação: [4/4 + Dó<br />

(tría<strong>de</strong> maior)] – [2/8 + Ré b<strong>em</strong>ol (tétra<strong>de</strong><br />

“dominante”)] – [4/4 + Ré (tría<strong>de</strong> maior)] –<br />

[2/8 + Mi b<strong>em</strong>ol (tétra<strong>de</strong> “dominante”)]...<br />

Nesta música a harmonia não funciona<br />

sob as égi<strong>de</strong>s da hierarquia tonal. Assim,<br />

<strong>em</strong>bora auditivamente ouçamos os acor<strong>de</strong>s<br />

dominantes, eles não possu<strong>em</strong> função<br />

dominante. Dessa forma, não t<strong>em</strong>os a<br />

relação dissonância resolução, os acor<strong>de</strong>s<br />

apenas se movimentam seguindo a lógica<br />

anteriormente estabelecida.<br />

Po<strong>de</strong>mos dizer que este diálogo representa<br />

5 Análise estrutural entendida aqui<br />

como: análise dos aspectos melódicos, rítmicos e<br />

harmônicos.<br />

a intertextualida<strong>de</strong> da tradição com a<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, uma vez que se utilizam dos<br />

mesmos el<strong>em</strong>entos pianísticos introdutórios<br />

(como melodia da mão direita apoiada <strong>em</strong><br />

cinco <strong>de</strong>dos que realizam movimentos<br />

ascen<strong>de</strong>ntes e <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>em</strong> graus<br />

con<strong>jun</strong>tos, e acor<strong>de</strong>s, mão esquerda, que<br />

se movimentam <strong>em</strong> graus con<strong>jun</strong>tos<br />

cromaticamente), no entanto, utilizando<br />

linguagens diferentes. Enquanto <strong>em</strong> Czerny<br />

t<strong>em</strong>os as funções harmônicas e quadratura<br />

rítmica estabelecidas e b<strong>em</strong> <strong>de</strong>finidas; <strong>em</strong><br />

Mudança <strong>de</strong> Compassos esta harmonia<br />

per<strong>de</strong> sua função e a organização métrica é<br />

modificada radicalmente.<br />

Relacionando a composição <strong>de</strong> Prado,<br />

Mudanças <strong>de</strong> Compassos, com a ciranda<br />

observamos a circularida<strong>de</strong> como<br />

estrutura central da composição. Cada<br />

compasso é acentuado <strong>em</strong> primeiro t<strong>em</strong>po,<br />

simulando o ataque da zabumba. A seguir,<br />

<strong>de</strong>senvolver<strong>em</strong>os a idéia <strong>de</strong> circularida<strong>de</strong><br />

e jogo na composição Mudanças <strong>de</strong><br />

Compassos <strong>de</strong> Almeida Prado.<br />

A composição apresenta, <strong>em</strong> nossa<br />

análise, dois perfis cíclicos, uma estrutura<br />

macro (E.M.) e outra estrutura micro (E.m.).<br />

A estrutura <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adora do movimento<br />

está presente no primeiro compasso. Assim,<br />

t<strong>em</strong>os o movimento do-re-mi-fa-sol-fa-mire<br />

como E.m. circular que busca “resolução”<br />

<strong>em</strong> dó, seu ponto culminante 6 e, ao mesmo<br />

t<strong>em</strong>po, início. Entretanto, a melodia somente<br />

se “resolve” ao chegar no último compasso,<br />

alcançando a nota dó. No segundo compasso<br />

t<strong>em</strong>os a melodia buscando imitar o primeiro<br />

6 Ponto culminante aqui entendido por: ponto<br />

mais alto (mais agudo) da estrutura melódica.<br />

86


compasso: do-re-mi-fa-sol-fa-mi-re-(do);<br />

mas este movimento se inicia <strong>de</strong> nota à<br />

nota <strong>em</strong> consonância ao aparecimento<br />

<strong>de</strong> cada compasso composto. A harmonia,<br />

mão esquerda, também apresenta sua E.M.<br />

cíclica, inicia <strong>em</strong> dó e ten<strong>de</strong> a retornar a dó.<br />

No compasso 13 a harmonia atinge seu<br />

ponto culminante e inicia seu processo <strong>de</strong><br />

retorno ao ponto inicial. No compasso 14 a<br />

melodia, mão direita, atinge seu objetivo -<br />

do-re-mi-fa-sol-fa-mi-re-do. Como num jogo<br />

a brinca<strong>de</strong>ira terminou para a E.m. iniciada<br />

no segundo compasso, mas a brinca<strong>de</strong>ira<br />

somente termina quando todos estão<br />

satisfeitos. Como a harmonia não concluiu<br />

seu movimento retornando ao ponto inicial,<br />

se inicia mais uma rodada neste jogo cíclico<br />

e circular. Assim, enquanto a harmonia<br />

busca chegar a dó, a melodia do compasso<br />

composto (compasso 14) se duplicará,<br />

aguardando a chegada da harmonia a<br />

estrutura triádica <strong>de</strong> dó maior.<br />

Observamos ainda que,<br />

auditivamente, a peça mantém seu<br />

andamento constante e pulsação<br />

evi<strong>de</strong>nciada pelas “colcheias” presentes na<br />

voz para mão direita, que acaba servindo,<br />

ao mesmo t<strong>em</strong>po, como estrutura mínima<br />

<strong>de</strong> pulsação – o que mantêm o fluxo rítmico.<br />

Segundo Winold (1975, p. 213),<br />

normalmente os pulsos <strong>em</strong> um<br />

<strong>de</strong>terminado nível são ouvidos como<br />

unida<strong>de</strong>s básicas <strong>de</strong> movimento ou<br />

<strong>de</strong> cronometrag<strong>em</strong>. Pulsos neste nível<br />

são chamados <strong>de</strong> beat e o nível <strong>em</strong> si<br />

é chamado <strong>de</strong> beat level. Níveis mais<br />

rápidos ou mais lentos que o nível<br />

do beat são ouvidos <strong>em</strong> relação a<br />

ele e po<strong>de</strong>m ser chamados <strong>de</strong> níveis<br />

<strong>de</strong> divisão e <strong>de</strong> múltiplos níveis,<br />

respectivamente.(WINOLD, 1975, p.<br />

213, tradução nossa).<br />

Dessa forma, este pulso mínimo,<br />

representado pela ‘colcheia’ po<strong>de</strong><br />

ser estabelecido como “unida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

cronometrag<strong>em</strong>”, po<strong>de</strong>ndo ser fixado como<br />

o primeiro nível <strong>de</strong> pulsação, ou beat level.<br />

Embora, nesta música, o primeiro nível <strong>de</strong><br />

pulsações seja estabelecido pela harmonia.<br />

Os pulsos po<strong>de</strong>m se <strong>de</strong>sdobrar<strong>em</strong> <strong>em</strong> vários<br />

níveis, sendo subdivididos ou multiplicados,<br />

entretanto<br />

[...] o complexo pulsativo relevante<br />

para o ritmo musical é limitado a uma<br />

faixa <strong>de</strong> freqüências <strong>de</strong>terminada<br />

por fatores que se reportam às<br />

limitações <strong>de</strong> nosso humano ‘aparelho’<br />

perceptivo e cognitivo e mesmo motor<br />

(na psicomotricida<strong>de</strong>, por ex<strong>em</strong>plo)<br />

(MORAIS, 2003, p. 155).<br />

Embora a peça apresente a grafia das<br />

fórmulas <strong>de</strong> compassos, esta não se faz<br />

necessária, pois, após o estabelecimento<br />

da estrutura mínima <strong>de</strong> pulsação, aliada aos<br />

stacattos grafados, indicações <strong>de</strong> dinâmica e<br />

ligaduras <strong>de</strong> expressão, o estabelecimento<br />

das fórmulas <strong>de</strong> compasso se tornam<br />

redundância. Conforme Lester,<br />

supondo-se que a notação representa<br />

plenamente a música ouvida po<strong>de</strong>mos<br />

ser levados a soluções fáceis que<br />

concordam com nossa percepção visual<br />

da notação, mas não necessariamente<br />

com a nossa percepção auditiva da<br />

música ouvida (LESTER, 1986, p. 3,<br />

tradução nossa).<br />

87


Dessa forma, os el<strong>em</strong>entos que estabelec<strong>em</strong><br />

o metro ultrapassam os limites do<br />

estabelecimento da fórmula <strong>de</strong> compasso.<br />

Todos os el<strong>em</strong>entos presentes na música,<br />

entre eles altura, duração, acentuações<br />

e harmonia, entre outros, corroboram<br />

para fixação do metro que po<strong>de</strong> ser<br />

percebido auditivamente, não necessitado,<br />

estritamente, do registro gráfico. Segundo<br />

Hasty, “[p]ara a formação do metro são<br />

necessárias duas coisas: primeiro, uma<br />

unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> medida continuamente<br />

recorrentes <strong>de</strong> duração <strong>de</strong>terminada e,<br />

segundo, a recorrência <strong>de</strong> um evento que<br />

t<strong>em</strong> como duração um múltiplo da unida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> pulso” (HASTY, 1981, p. 185, tradução<br />

nossa).<br />

compassos. Não seria mais fácil? Certamente.<br />

Entretanto a intenção do compositor não<br />

era apenas trabalhar a passag<strong>em</strong> <strong>de</strong> uma<br />

fórmula <strong>de</strong> compasso simples para outra<br />

composta, e vice-versa, e sim introduzir o<br />

pianista à linguag<strong>em</strong> rítmica e harmônica<br />

da música cont<strong>em</strong>porânea partindo da<br />

tradição, neste caso, representada por pelos<br />

exercícios <strong>de</strong> Czerny.<br />

Retornando a nossa análise, a primeira<br />

vista, t<strong>em</strong>os a impressão que a harmonia<br />

(mão esquerda) e a melodia (mão direita)<br />

realizam movimentos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

e não correlacionados, pois o ouvido<br />

acostumado ao tonalismo, busca um ponto<br />

<strong>de</strong> apoio, ou caminho auditivo familiar, e<br />

não encontra. Se imaginarmos a execução<br />

somente da harmonia, que auditivamente<br />

acaba conduzindo a escuta, s<strong>em</strong> a melodia,<br />

é provável que tenhamos dificulda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> execução. Por que supomos isto?<br />

Pois a tradição musical nos acostumou a<br />

pensarmos as durações como unida<strong>de</strong>s<br />

estáticas e pré-<strong>de</strong>finidas, entretanto Prado,<br />

<strong>em</strong> Mudanças <strong>de</strong> Compassos, questiona<br />

implicitamente este conceito.<br />

Por fim probl<strong>em</strong>atizamos: Por que o<br />

compositor não manteve s<strong>em</strong>pre a mesma<br />

harmonia e melodia, variando apenas os<br />

88


Figura 2 - Valsa <strong>em</strong> quatro andamentos (COHEN; GANDELMAN, 2006, p. 68-70)<br />

91


Valsa <strong>em</strong> Quatro Andamentos: Sonhos<br />

<strong>em</strong> Lilás (Homenag<strong>em</strong> a Chiquinha<br />

Gonzaga)<br />

Inicialmente, observando-se o título da<br />

peça e seu subtítulo, constatamos a busca<br />

do compositor por estabelecer um diálogo<br />

musical com a tradição, seja ela recente ou<br />

antiga, erudita ou popular. Dessa maneira, o<br />

estudante da cartilha é conduzido, através<br />

dos jogos intertextuais, ao pensamento<br />

composicional <strong>de</strong> Prado e, ao mesmo t<strong>em</strong>po,<br />

a lógica rítmica do século XX.<br />

Tal característica faz-se presente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />

primeiros exercícios da cartilha, on<strong>de</strong> <strong>em</strong><br />

Mudanças <strong>de</strong> Compassos (COHEN, 2006,<br />

p. 62-63), dialogamos com a tradição<br />

pianística representada por Czerny; <strong>em</strong><br />

Diferentes articulações (COHEN, 2006, p.<br />

64-65), dialogamos com Bach, possuindo<br />

inclusive uma citação direta ao prelúdio<br />

<strong>em</strong> Dó menor <strong>de</strong> Bach; e <strong>em</strong> Acentuações<br />

diversas <strong>em</strong> 6/8, dialogando com a tradição<br />

musical popular representada pela catira<br />

(COHEN, 2006, p. 66-67).<br />

Na valsa composta por Prado, <strong>em</strong> sua<br />

primeira parte, ou primeiro andamento/<br />

movimento, o compositor procura utilizar<br />

el<strong>em</strong>entos musicais característicos da<br />

valsa seresteira, como a melodia cantábile,<br />

cadências harmônicas do tipo I – V – I,<br />

disposição melódica apresentada sob forma:<br />

exposição, <strong>de</strong>senvolvimento, reexposição; e<br />

a utilização <strong>de</strong> uma métrica ternária, entre<br />

outros.<br />

No tocante a rítmica <strong>de</strong>sta primeira sessão<br />

observamos, tanto visualmente como<br />

auditivamente, uma métrica ternária que se<br />

confirma fort<strong>em</strong>ente pela estruturação da<br />

harmonia. Segundo Lester,<br />

os padrões duracional <strong>de</strong> mudanças<br />

harmônicas, às vezes chamado ritmo<br />

harmônico ou o ritmo <strong>de</strong> mudança<br />

harmônica, geralmente é um fator<br />

crucial no estabelecimento <strong>de</strong> nossa<br />

percepção do metro na música tonal<br />

[...] (LESTER, 1986, p. 8, tradução nossa).<br />

A presença do baixo seguido por dois<br />

acor<strong>de</strong>s <strong>em</strong> registro agudo, comparandose<br />

a primeira nota executada, sendo<br />

repetido como estrutura métrica padrão<br />

do primeiro ao sexto compasso, permite<br />

ao ouvinte confirmar a forma ternária da<br />

primeira sessão. Assim, ten<strong>de</strong>mos a manter<br />

este padrão métrico invariável uma vez que<br />

estabelecido (WINOLD, 1975, p. 217).<br />

Num contexto métrico ternários ten<strong>de</strong>mos<br />

a perceber o primeiro t<strong>em</strong>po como<br />

acentuado 7 . Segundo Lester,<br />

um acento é um ponto <strong>de</strong> ênfase.<br />

Para que um ponto no t<strong>em</strong>po musical<br />

seja acentuado, algo <strong>de</strong>ve ocorrer<br />

para marcar este ponto. É o início <strong>de</strong><br />

um evento musical marcado fora dos<br />

pontos acentuados no t<strong>em</strong>po. Acentos<br />

são, portanto, pontos <strong>de</strong> iniciação<br />

(LESTER, 1986, p. 16, tradução nossa).<br />

7 O conceito <strong>de</strong> acento na literatura sobre ritmo é<br />

variado. Vários fatores são responsáveis por <strong>de</strong>finições<br />

ina<strong>de</strong>quadas do mesmo. Sobre esta discussão consultar<br />

LESTER (1986, p. 13-15). Neste trabalho adotamos a<br />

<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> acento <strong>de</strong> Lester (1986, p. 16).<br />

92


Ao ouvirmos a execução do trecho inicial<br />

da música imaginamos estar diante <strong>de</strong><br />

uma valsa ‘característica’, s<strong>em</strong> maiores<br />

novida<strong>de</strong>s. Entretanto ao acompanharmos<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento da peça esta afirmação<br />

não se mantêm.<br />

Entre os vários fatores que po<strong>de</strong>m provocar o<br />

nascimento <strong>de</strong> um acento, além da mudança<br />

<strong>de</strong> registro, como no ex<strong>em</strong>plo citado acima,<br />

estão: mudanças <strong>de</strong> padrões duracionais;<br />

textura; ritmo harmônico; metro; timbre;<br />

articulação; dinâmica; mudanças no fraseado<br />

e variações na continuida<strong>de</strong> do fluxo<br />

musical, entre outros (LESTER, 1986, p. 5-6).<br />

Portanto, “[...] é impossível discutir a maior<br />

parte dos aspectos musicais, s<strong>em</strong> consi<strong>de</strong>rar<br />

o ritmo, pelo menos implicitamente, sendo<br />

impossível discutir o ritmo <strong>de</strong> forma isolada<br />

<strong>de</strong> outros aspectos musicais” (LESTER, 1986,<br />

p. 4, tradução nossa).<br />

A organização métrica dos dois primeiros<br />

compasso da sessão (34, 35) suger<strong>em</strong> uma<br />

organização binária, apesar do agrupamento<br />

das s<strong>em</strong>icolcheias <strong>em</strong> disposição <strong>de</strong> três<br />

pares, o que também permite uma leitura<br />

ternária (2+2+2). Já nos compasso 36 e 37<br />

a lógica se inverte, as s<strong>em</strong>icolcheias são<br />

agrupadas <strong>em</strong> grupos <strong>de</strong> três, mas dispostas<br />

<strong>em</strong> dois grupos por compasso.<br />

No compasso 55 observamos um ritmo<br />

resultante <strong>de</strong> 12 s<strong>em</strong>icolcheias, o que<br />

permite tanto uma organização <strong>em</strong> três<br />

grupos <strong>de</strong> quatro s<strong>em</strong>icolcheias; como<br />

uma organização <strong>em</strong> três grupos <strong>de</strong> três<br />

s<strong>em</strong>icolcheias. Novamente t<strong>em</strong>os expressa<br />

na peça a relação 3:2 e/ou 2:3 como sinal <strong>de</strong><br />

ambigüida<strong>de</strong>.<br />

Nesta composição Prado utiliza o conceito<br />

<strong>de</strong> H<strong>em</strong>iólia aplicada à métrica ternária<br />

da Valsa. A H<strong>em</strong>íola, <strong>em</strong> música, <strong>de</strong>screve<br />

padrões rítmicos on<strong>de</strong> dois compassos<br />

ternários são articulados como se houvesse<br />

três compassos binários. O termo foi<br />

cunhado pelos gregos antigos, significando<br />

um-e-meio, referindo-se à proporção 3:2,<br />

que equivale à proporção do intervalo<br />

<strong>de</strong> quinta perfeita. Na Ida<strong>de</strong> Média e<br />

Renascimento o conceito foi usado para<br />

significar o uso <strong>de</strong> três breves quando o<br />

material musical predominante segue um<br />

ritmo <strong>de</strong> duas breves pontuadas <strong>em</strong> cada<br />

compasso. Na prática t<strong>em</strong>os uma métrica 1-<br />

2- 3; 1- 2- 3 soando como 1- 2; 1- 2; 1- 2.<br />

Este movimento h<strong>em</strong>iólico permeia toda<br />

peça Valsa <strong>em</strong> quatro andamentos aliado<br />

às modificações na organização métrica.<br />

Tais modificações oferec<strong>em</strong> ao ouvinte a<br />

sensação <strong>de</strong> aceleração ou <strong>de</strong>saceleração<br />

presentes no que o compositor chama <strong>de</strong><br />

quatro andamentos. A peça se apresenta<br />

como quatro momentos ternários dispostos<br />

<strong>em</strong> velocida<strong>de</strong>s/andamentos distintos <strong>de</strong><br />

pulsação.<br />

No compasso 47 perceb<strong>em</strong>os auditivamente<br />

um rallentando, apesar da manutenção do<br />

andamento, pois saímos <strong>de</strong> uma organização<br />

ternário, presente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o compasso 38,<br />

para uma lógica binária (compassos 47<br />

ao 49) expressa por duas s<strong>em</strong>icolcheias<br />

pontuadas.<br />

Do compasso 50 <strong>em</strong> diante, o compositor<br />

93


após <strong>de</strong>ixar explícita a idéia central <strong>de</strong><br />

construção da peça, quanto às variações<br />

métricas e utilização da H<strong>em</strong>iólia, realiza<br />

a passag<strong>em</strong> <strong>de</strong> um compasso para outro<br />

s<strong>em</strong> antecipar estas modificações, como<br />

observamos anteriormente nos compasso<br />

19, 32-33.<br />

94


Figura 3 - Diferentes articulações após o prelúdio BWV999 <strong>de</strong> J. S. Bach (COHEN; GANDELMAN,<br />

2006, p. 64-65)<br />

96


Diferentes articulações (Após o prelúdio<br />

BWV999 <strong>de</strong> J.S.Bach )<br />

Conforme indica o subtítulo da música<br />

esta sugere um compl<strong>em</strong>ento ao estudo<br />

<strong>de</strong> articulações 8 presentes no prelúdio <strong>em</strong><br />

Dó menor BWV 999 <strong>de</strong> Bach. O prelúdio <strong>de</strong><br />

Bach se apresenta no tom <strong>de</strong> Dó menor;<br />

sob organização métrica ternária simples;<br />

possuindo um mesmo motivo rítmico do<br />

início ao fim, apresentado sob a forma<br />

rítmica resultante <strong>de</strong> 12 s<strong>em</strong>icolcheias. Tal<br />

motivo é exposto no primeiro compasso da<br />

peça; quanto às articulações se apresentam<br />

da seguinte forma: (a) a voz da mão direita:<br />

<strong>em</strong> legatto, excetuando a penúltima e a<br />

última nota que são articuladas <strong>em</strong> stacatto;<br />

(b) voz da mão esquerda: as duas últimas<br />

notas são articuladas <strong>em</strong> stacatto recebendo<br />

uma ligadura <strong>de</strong> expressão que se esten<strong>de</strong><br />

até a primeira nota do segundo compasso<br />

que é articulada <strong>em</strong> tenuto. Conforme<br />

Figura 4 abaixo:<br />

s<strong>em</strong>pre ‘sinalizadas’ pela presença <strong>de</strong> um<br />

acor<strong>de</strong> com função dominante e procedidas<br />

pela nova região tônica, <strong>de</strong>ssa forma a<br />

harmonia passeia <strong>de</strong> Dó menor a Sol maior,<br />

região tônica final da peça.<br />

Em Prado a harmonia se move <strong>de</strong> modo<br />

inusitado, se comparada a Bach. Os caminhos<br />

harmônicos escolhidos pelo compositor<br />

não são comuns aos da chamada ‘música<br />

da prática comum’ 9 . No segundo compasso<br />

observamos uma sobreposição <strong>de</strong> quartas,<br />

seguidas por uma sobreposição <strong>de</strong> quintas<br />

no terceiro compasso. Tal estrutura se<br />

apresenta como fora dos padrões da<br />

harmonia tradicional, que utiliza formação<br />

triádica <strong>em</strong> blocos, <strong>em</strong> posição fundamental,<br />

ou <strong>em</strong> inversões.<br />

Além da utilização <strong>de</strong> uma nova lógica <strong>de</strong><br />

construção harmônica, digamos mo<strong>de</strong>rna,<br />

a composição Diferentes articulações,<br />

no tocante ao ritmo, apresenta variadas<br />

Figura 4 - Prelúdio <strong>em</strong><br />

Dó menor BWV 999 <strong>de</strong><br />

Bach (compassos 1, 2<br />

e 3).<br />

Apesar do prelúdio <strong>de</strong> Bach possuir uma<br />

harmonia modulante, esta se apresenta<br />

<strong>de</strong>ntro do sist<strong>em</strong>a e hierarquias do<br />

tonalismo. As mudanças <strong>de</strong> tonalida<strong>de</strong> são<br />

8 Neste texto enten<strong>de</strong>r<strong>em</strong>os articulações como<br />

formas <strong>de</strong> <strong>em</strong>itir o som, ou seja, o modo como nos<br />

portar<strong>em</strong>os para produzir o som.<br />

mudanças métricas indicadas por fórmulas<br />

<strong>de</strong> compasso. Seguindo as mudanças <strong>de</strong><br />

fórmulas <strong>de</strong> compasso ter<strong>em</strong>os a seguinte<br />

seqüência numérica: 3/4; 11/16; 3/4; 13/16;<br />

9 Tradução nossa para o termo Common<br />

practice: utilizado para <strong>de</strong>signar a prática musical<br />

comum ao período compreendido entre os séculos<br />

XVII e XIX (WINOLD, 1975).<br />

97


3/4; 17/16; 3/4; 5/16; 3/4. Dessa forma, o<br />

ritmo resultante, expresso pela unida<strong>de</strong><br />

mínima s<strong>em</strong>icolcheia, <strong>de</strong> cada compasso se<br />

altera. Seguindo a mesma lógica ter<strong>em</strong>os:<br />

12; 11; 12; 13; 12; 17; 12; 5; 12.<br />

Conforme po<strong>de</strong>mos observar tais compassos<br />

assinalados <strong>em</strong> negrito, interpolados por<br />

compassos ternários simples, não possu<strong>em</strong><br />

uma divisão perfeita, on<strong>de</strong> resulte o<br />

agrupamento <strong>de</strong> forma igual entre as notas<br />

do compasso. Os números 11, 13, 17 e 5<br />

são números primos, ou seja, são divisíveis<br />

apenas por si mesmo e por um. Dessa forma,<br />

as notas agrupadas sob estas fórmulas <strong>de</strong><br />

compassos se apresentam <strong>de</strong> modo não<br />

regular. Assim: 11/16 (3+3+3+2 =11); 13/16<br />

(3+3+3+4 =13); 17/16 (3+3+3+3+5 =17);<br />

5/16 (5).<br />

Assim observamos que o compositor<br />

conscient<strong>em</strong>ente não escolheu fórmulas <strong>de</strong><br />

compassos on<strong>de</strong> a quadratura seria perfeita,<br />

seja <strong>de</strong> forma ternária ou binária. Assim, não<br />

utilizou compassos como: 12/16 (3+3+3+3<br />

=12); 14/16 (2+2+2+2+2+2+2 =15); 15/16<br />

(3+3+3+3+3 = 15), entre outros, como<br />

sugeriria uma possível lógica mat<strong>em</strong>ática.<br />

No tocante as articulações a peça Diferentes<br />

articulações, Após o prelúdio BWV 999 <strong>de</strong><br />

J. S. Bach possui, realmente, diferentes<br />

articulações se comparada a composição<br />

<strong>de</strong> Bach. Não somente pelas articulações<br />

grafadas, mas pelas acentuações naturais<br />

que surg<strong>em</strong> das escolhas composicionais <strong>de</strong><br />

Prado.<br />

Tais escolhas estabelec<strong>em</strong> um senso<br />

métrico que nós, como ouvintes ten<strong>de</strong>mos<br />

a manter. Observando os fatores produtores<br />

<strong>de</strong> acento, conforme anteriormente citado,<br />

po<strong>de</strong>ríamos dizer que “[...] quanto maior o<br />

número <strong>de</strong> fatores produtores <strong>de</strong> acentos<br />

que converg<strong>em</strong> para uma <strong>de</strong>terminada nota<br />

ou evento existe maior força <strong>de</strong> acentuação<br />

sobre aquela a nota ou evento” (LESTER,<br />

1986, p. 41, tradução nossa). Entretanto esta<br />

afirmação <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra três aspectos: (1)<br />

n<strong>em</strong> todos os fatores <strong>de</strong> acento possu<strong>em</strong><br />

a mesma força <strong>de</strong> acentuação; (2) o acento<br />

é um evento musical que ocorre <strong>em</strong> um<br />

contexto métrico, portanto o metro é<br />

produto <strong>de</strong> certos padrões <strong>de</strong> acentuação,<br />

mas uma vez estabelecido, ten<strong>de</strong> a<br />

exerce um influência sobre esta mesma<br />

acentuação; (3) cada ouvinte possui uma<br />

capacida<strong>de</strong> para perceber as acentuações<br />

<strong>em</strong> uma passag<strong>em</strong> musical, ocorrendo uma<br />

tendência a conforma-se/a<strong>de</strong>quar-se aos<br />

padrões <strong>de</strong> acentuação mais familiares. Cada<br />

um <strong>de</strong>stes aspectos <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rado<br />

neste julgamento sobre acentuações<br />

(LESTER, 1986, p. 41). E, por fim, resta “[...] o<br />

performer, que interpreta e projeta todos os<br />

padrões <strong>de</strong> acentuação. Embora todos os<br />

fatores, incluindo metro, que dão orig<strong>em</strong> a<br />

padrões <strong>de</strong> acentuação estão ‘na música’, é<br />

o artista que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> como trazê-los à tona”<br />

(LESTER, 1986, p. 44, tradução nossa).<br />

No terceiro compasso da música a abertura<br />

da Harmonia, por sobreposição <strong>de</strong> quintas,<br />

anuncia as mudanças no tratamento<br />

harmônico que ocorreram dali <strong>em</strong> diante. No<br />

quarto compasso a repetição das notas fá e<br />

si b<strong>em</strong>ol, presentes na voz para mão direita,<br />

<strong>de</strong>ixam <strong>em</strong> evidência a seqüência melódica,<br />

98


ealizada <strong>em</strong> saltos <strong>de</strong> quarta, da voz para<br />

mão esquerda. Auditivamente soam como<br />

acentos, <strong>em</strong>bora não sejam grafadas como<br />

tal. O mesmo ocorre no compasso 6.<br />

Outro aspecto quanto às acentuações não<br />

grafadas por Prado nesta peça, fica expresso<br />

nos compassos 7, 8, 10-19. Auditivamente<br />

perceb<strong>em</strong>os uma ênfase, ou acentuações,<br />

nas regiões on<strong>de</strong> existe uma nota grave<br />

seguida por outra <strong>de</strong> altura superior. Quanto<br />

maior é a distância consecutiva entre as<br />

alturas, maior é a sensação <strong>de</strong> acentuação<br />

sobre as notas mais graves.<br />

Nos compassos assinalados pela fórmula<br />

<strong>de</strong> compasso 5/16 a segunda nota do<br />

agrupamento melódico, é acentuada;<br />

contrapondo-se as notas graves dobradas<br />

<strong>em</strong> oitava, executas pela voz para mão<br />

esquerda. Observamos que os sons graves,<br />

entre outros fatores, pelo dobramento<br />

(oitava), ten<strong>de</strong>m a ser auditivamente mais<br />

presentes que as notas executadas na mão<br />

direita.<br />

Dessa forma, compreen<strong>de</strong>mos que a<br />

peça <strong>de</strong> Prado, Diferentes Articulações,<br />

representa um compl<strong>em</strong>ento aos estudos<br />

das articulações presentes no prelúdio <strong>em</strong><br />

Dó menor <strong>de</strong> Bach. Não por que existam<br />

diversas articulações grafadas na partitura,<br />

mas por que as variações métricas, aliadas a<br />

mudanças harmônicas, variação <strong>de</strong> timbre,<br />

registro e altura, apresentadas como tal,<br />

criam naturalmente acentuação e variações<br />

no t<strong>em</strong>po musical. Por fim concluímos, que<br />

“[m]ais importante do que a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong><br />

cada um dos gestos rítmicos é uma análise<br />

do modo como os gestos se relacionam<br />

uns com os outros” (WINOLD, 1975, p. 240,<br />

tradução nossa).<br />

Consi<strong>de</strong>rações finais<br />

Diante <strong>de</strong> todo o exposto concluímos<br />

que uma análise morfológica das peças<br />

acima <strong>de</strong>scritas não seria capaz <strong>de</strong> revelar<br />

a estrutura particular <strong>de</strong> cada composição.<br />

Com este exercício <strong>de</strong> análise apren<strong>de</strong>mos<br />

que a partitura é apenas uma representação<br />

gráfica da mesma e não é capaz <strong>de</strong><br />

representar a música com total fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>.<br />

Apren<strong>de</strong>mos ainda que as escolhas <strong>em</strong><br />

composição ou <strong>em</strong> performance não são<br />

aleatórias e se configuram <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma<br />

lógica que <strong>de</strong>ve ser coerente do início ao<br />

fim. Faz-se necessário “[...] minimizarmos a<br />

importância das convenções <strong>de</strong> notação,<br />

não a transformando na única base para<br />

uma análise do ritmo” (WINOLD, 1975, p.<br />

217, tradução nossa).<br />

Compreen<strong>de</strong>r a lógica da estruturação e<br />

organização rítmica, aliada aos aspectos<br />

harmônicos e melódicos, oferec<strong>em</strong><br />

el<strong>em</strong>entos para ampliar as possibilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> escuta, performance e criação musical<br />

do estudante <strong>de</strong> música, este <strong>em</strong> fase inicial<br />

ou avançadas <strong>de</strong> estudos. No exercício<br />

Mudanças <strong>de</strong> Compasso, que po<strong>de</strong>mos<br />

chamar <strong>de</strong> uma pequena peça musical,<br />

encontramos todos estes el<strong>em</strong>entos<br />

expressos, o que confirma o gênio musical<br />

e veia composicional articulada a aspectos<br />

didáticos do compositor.<br />

O ponto principal <strong>em</strong> uma análise rítmica é<br />

99


compreen<strong>de</strong>r que a fórmula <strong>de</strong> compasso,<br />

não necessariamente representa a estrutura<br />

métrica da música. A fórmula <strong>de</strong> compasso<br />

“[...] <strong>de</strong>ve ser traduzida <strong>em</strong> uma estrutura<br />

métrica <strong>em</strong> diferentes níveis, para ser b<strong>em</strong><br />

compreendido” (WINOLD, 1975, p. 218,<br />

tradução nossa). Dessa forma, “[...] metro é<br />

apenas um caso especial <strong>de</strong> musical motion<br />

e que motion, <strong>em</strong>bora possa estar imbuído<br />

<strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>,<br />

surge da unificação estrutural dos eventos<br />

[rítmicos]” (HASTY, 2009, p. 192, tradução<br />

nossa).<br />

Compreen<strong>de</strong>mos ainda que, estudar<br />

os aspectos rítmicos <strong>de</strong> uma peça, não<br />

significa isolar o ‘ritmo’ dos outros aspectos<br />

da música; e sim estudar e analisar todos os<br />

fatores que dão orig<strong>em</strong> a continuida<strong>de</strong> e<br />

fluxo musical como um todo (LESTER, 1986,<br />

p. 12). Em nossas análises perceb<strong>em</strong>os, <strong>em</strong><br />

consonância ao pensamento <strong>de</strong> Lester, que<br />

[e]stabelecer a hierarquia métrica<br />

<strong>de</strong> uma peça ou seção envolve o<br />

estabelecimento <strong>de</strong> um pulso e a<br />

organização <strong>de</strong>sse pulso. O pulso<br />

surgi do valor rítmico recorrente <strong>em</strong><br />

uma parte, no ritmo composto, ou da<br />

regularida<strong>de</strong> que ocorre <strong>em</strong> meio a<br />

outros padrões duracionais. A ativida<strong>de</strong><br />

contínua faz cada unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pulso<br />

palpável. Mas não é necessário ouvir<br />

todas as unida<strong>de</strong>s, a fim <strong>de</strong> saber que<br />

estas unida<strong>de</strong>s existe. (LESTER, 1986, p.<br />

67, tradução nossa)<br />

A peça Valsa <strong>em</strong> quatro andamentos,<br />

representa, além dos aspectos já<br />

mencionados, uma forma <strong>de</strong> introdução<br />

a diferentes maneiras <strong>de</strong> se pensar<br />

a performance musical e aspectos<br />

composicionais. Analisando-se a peça, fora<br />

do âmbito morfológico, po<strong>de</strong>mos construir<br />

argumentos que <strong>em</strong>basariam diferentes<br />

performances e escolhas <strong>em</strong> composição.<br />

Todos estes aspectos ressaltam a figura<br />

<strong>de</strong> Prado como gran<strong>de</strong> compositor, que<br />

através <strong>de</strong> uma mesma ‘idéia’ musical<br />

po<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver diversas variantes que,<br />

ao mesmo t<strong>em</strong>po, soam como ‘idéias’<br />

inteiramente novas.<br />

Por fim, acreditamos que o estudo <strong>de</strong><br />

questões rítmicas na música po<strong>de</strong>m<br />

servir como fonte <strong>de</strong> reflexões musicais<br />

que ampliam as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> escuta,<br />

composição e execução musical. Neste<br />

sentido, a Cartilha Rítmica para Piano <strong>de</strong><br />

Almeida Prado, configura-se como relevante<br />

instrumento <strong>de</strong> estudo e pesquisa.<br />

Referências Bibliográficas<br />

COHEN, Sara; GANDELMAN, Salomea. Cartilha<br />

Rítmica para piano <strong>de</strong> Almeida Prado. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

[s.n.], 2006.<br />

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<strong>de</strong> Janeiro: Associação Nacional <strong>de</strong> pesquisa e<br />

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Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong> 1<br />

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GANDELMAN, Salomea; COHEN, Sara. <strong>T<strong>em</strong>po</strong><br />

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In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE<br />

PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA, 16.,<br />

100


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719-724. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>: 1 <strong>de</strong>z. 2011.<br />

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LESTER, Joel. The Rhythms of Tonal Music. Carbondale:<br />

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preparado para os alunos da disciplina Fundamentos<br />

da <strong>Música</strong> I, do curso <strong>de</strong> Licenciatura <strong>em</strong> <strong>Música</strong> da<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Espírito Santo (UFES).<br />

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primeiras para a comunicação verbal sobre a música.<br />

2003. 190f. Tese (Doutorado <strong>em</strong> Comunicação<br />

e s<strong>em</strong>iótica) – Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong><br />

Comunicação e S<strong>em</strong>iótica, Pontifícia Universida<strong>de</strong><br />

Católica <strong>de</strong> São Paulo, São Paulo, 2003.<br />

WINOLD, Allen. Rhythm in the Twentieth-Century<br />

Music. In: DELONE, Richard et al. Aspects of Twentieth-<br />

Century music. New Jersey: Prentice-Hall, 1975.<br />

101


102


A RELAÇÃO IMAGEM E SOM<br />

NO CINEMA: DO ESPAÇO<br />

DE CORRESPONDÊNCIAS<br />

AUDIOVISUAIS<br />

Francysmeyre Rodrigues Thompson 1<br />

Vinicius Fabio Ferreira Silva 2<br />

Izaura Serpa Kaiser 3<br />

1<br />

Licenciada <strong>em</strong> música pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> do Espírito Santo - FAMES, graduanda <strong>em</strong> artes visuais pela Universida<strong>de</strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral do Espírito Santo – UFES.<br />

2<br />

Bacharel <strong>em</strong> relações internacionais pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vila Velha – UVV, graduando <strong>em</strong> música pela Universida<strong>de</strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral do Espírito Santo – UFES.<br />

3<br />

Mestre <strong>em</strong> artes pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo – USP , professora dos cursos <strong>de</strong> bacharelado e licenciatura da<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> do Espírito Santo – FAMES, artista visual.<br />

Resumo<br />

O presente artigo t<strong>em</strong> como principal objetivo investigar<br />

como se estabelece a relação sonorovisual <strong>de</strong>ntro do<br />

contexto fílmico. Optamos por uma revisão bibliográfica<br />

que explorasse os princípios e fundamentos das linguagens<br />

visual e sonora, e também dos processos perceptivos.<br />

Ainda, consi<strong>de</strong>ramos o espectador como parte <strong>de</strong>ste<br />

processo, enten<strong>de</strong>ndo como o exercício da percepção<br />

interfere na sua relação com a obra. Para tal, baseados<br />

no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> montag<strong>em</strong> vertical <strong>de</strong> Sergei Eisenstein,<br />

analisamos a relação imag<strong>em</strong> e som proposta <strong>em</strong> um filme,<br />

tomando como mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> análise uma cena do filme O<br />

Iluminado <strong>de</strong> Stanley Kubrick.<br />

Palavras-chave: Relação sonoro visual - Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

montag<strong>em</strong> vertical - Campo perceptivo<br />

Abstract<br />

This paper aims to investigate how the relationship between<br />

sound and image is <strong>de</strong>veloped in filmic context. We draw<br />

from a bibliography that explores fundamental principles of<br />

sound and visual languages, as well as perceptual processes.<br />

Moreover, we take the role of the spectator into account,<br />

in or<strong>de</strong>r to un<strong>de</strong>rstand how the process of perception<br />

affects the relation between the work and the spectator. In<br />

or<strong>de</strong>r to carry this out, we have analyzed the sound/image<br />

relationship in a scene of Stanley Kubrick’s the Shining,<br />

according to principles from Eisenstein’s mo<strong>de</strong>l of vertical<br />

montage.<br />

Keywords: Sound/image relationship - Vertical<br />

montage mo<strong>de</strong>l - Perceptive field


“É justamente o t<strong>em</strong>a do espaço que é<br />

<strong>de</strong>cisivo para se pensar a representação<br />

nas artes <strong>em</strong> geral. O espaço é, digamos,<br />

o potencializador <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista”<br />

(FLORES, 2006, p. 83). Para Barthes (1990),<br />

a relação entre o espectador e o filme é<br />

muito mais subjetiva e profunda. Campan<br />

(1999, apud FLORES, 2006, p. 83) trata <strong>de</strong>ste<br />

espaço como sendo “um espaço imaginário<br />

que compete ao espectador construir na<br />

medida do <strong>de</strong>senrolar da representação”.<br />

O cineasta Sergei Eisenstein nutria gran<strong>de</strong><br />

respeito pelos po<strong>de</strong>res do espectador e<br />

pelos misteriosos trabalhos da percepção<br />

e da compreensão (ANDREW, 2002, p. 48).<br />

Justificado por essa profunda relação,<br />

Eisenstein <strong>de</strong>sejou criar para o cin<strong>em</strong>a<br />

um sist<strong>em</strong>a <strong>em</strong> que todos os el<strong>em</strong>entos<br />

seriam iguais e comensuráveis [...] a<br />

fim <strong>de</strong> que o filme possa escapar do<br />

realismo cru <strong>de</strong> apenas contar uma<br />

história acompanhada por el<strong>em</strong>entos<br />

<strong>de</strong> apoio. Eisenstein afirmou que cada<br />

el<strong>em</strong>ento funciona como uma atração<br />

[...] capaz <strong>de</strong> dar ao espectador uma<br />

impressão psicológica precisa [...] Para<br />

Eisenstein, ver um filme é como ser<br />

sacudido por uma ca<strong>de</strong>ia contínua<br />

<strong>de</strong> choques vindos <strong>de</strong> cada um dos<br />

vários el<strong>em</strong>entos do espetáculo<br />

cin<strong>em</strong>atográfico, não apenas do<br />

enredo (ANDREW, 2002, p. 50).<br />

Enten<strong>de</strong>ndo a diegese 1 fílmica como um<br />

1 “O termo diegese provém do grego diegesis,<br />

significando narração e <strong>de</strong>signava particularmente<br />

uma das partes obrigatórias do discurso judiciário, a<br />

exposição dos fatos. Tratando-se <strong>de</strong> cin<strong>em</strong>a o termo foi<br />

revalorizado por Étienne Souriau; <strong>de</strong>signa a instância<br />

representada do filme, isto é, o con<strong>jun</strong>to <strong>de</strong> <strong>de</strong>notação<br />

fílmica: o enredo <strong>em</strong> si, mas também o t<strong>em</strong>po e o<br />

organismo, a proposta do cineasta é tratar<br />

cada um <strong>de</strong> seus el<strong>em</strong>entos como uma área<br />

<strong>de</strong> interação perceptiva que atuará gerando<br />

reações e relações do espectador com a<br />

obra. Assim fundamenta-se o espaço <strong>de</strong><br />

correspondência audiovisual: as relações dos<br />

conteúdos sonoros e visuais <strong>em</strong> todos seus<br />

aspectos colaboram para a sincronização<br />

<strong>de</strong> sentidos que catalisam a percepção, pois<br />

tratam da relação entre o som e a imag<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>ntro do contexto fílmico. A soma <strong>de</strong>stas<br />

linguagens gera um texto a ser recebido pelo<br />

fruidor. E este texto po<strong>de</strong> ser compreendido<br />

<strong>em</strong> vários níveis <strong>de</strong> informação.<br />

Por um lado, o falado e o con<strong>jun</strong>to<br />

do sonoro conquistaram autonomia:<br />

[...] <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser um componente<br />

da imag<strong>em</strong> visual, como no primeiro<br />

estágio, tornaram-se imag<strong>em</strong><br />

integralmente. A imag<strong>em</strong> sonora<br />

nasceu, <strong>em</strong> sua própria ruptura, <strong>de</strong><br />

sua ruptura com a imag<strong>em</strong> visual.<br />

Já não são n<strong>em</strong> dois componentes<br />

autônomos <strong>de</strong> uma mesma imag<strong>em</strong><br />

audiovisual [...] são duas imagens<br />

“heutônomas”, uma visual e uma<br />

sonora, com uma falha, um interstício,<br />

um corte irracional entre ambas [...]<br />

Não há portanto mais extracampo,<br />

tampouco sons off para povoá-lo, já<br />

que as duas formas <strong>de</strong> extracampo, e as<br />

distribuições sonoras correspon<strong>de</strong>ntes,<br />

eram ainda características da imag<strong>em</strong><br />

visual. Agora porém, a imag<strong>em</strong> visual<br />

renunciou a sua exteriorida<strong>de</strong>, separouse<br />

do mundo e conquistou seu avesso,<br />

libertou-se do que <strong>de</strong>la <strong>de</strong>pendia.<br />

Paralelamente, a imag<strong>em</strong> sonora<br />

livrou-se <strong>de</strong> sua própria <strong>de</strong>pendência,<br />

espaço implicados no e pelo enredo, portanto, as<br />

personagens, as paisagens, acontecimentos e outros<br />

el<strong>em</strong>entos narrativos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que tomados no seu estado<br />

<strong>de</strong>notado” (METZ, 1997, apud FLORES, 2006, p. 13).<br />

104


tornou-se autônoma, conquistou<br />

seu enquadramento. A exteriorida<strong>de</strong><br />

da imag<strong>em</strong> visual enquanto única<br />

enquadrada (extracampo) foi<br />

substituída pelo interstício entre dois<br />

enquadramentos, o visual e o sonoro,<br />

corte irracional entre duas imagens, a<br />

visual e a sonora (DELEUZE, 1990, apud<br />

FLORES, 2006, p. 98).<br />

Para um nível mais completo <strong>de</strong> compreensão,<br />

a construção sensorial/linguística<br />

do sujeito receptor <strong>de</strong>ve ser exercitada. O<br />

perceber musical fundamenta este campo,<br />

gerando bases para compreensão e criação.<br />

Eisenstein (2002, p. 115) acredita que a<br />

“coincidência do movimento da música com<br />

o movimento do contorno visual” fará a impressão<br />

do espectador mais surpreen<strong>de</strong>nte<br />

e imediata, uma vez que tal sincronia enfatiza<br />

o movimento fílmico.<br />

Ao se combinar imag<strong>em</strong> e som, po<strong>de</strong>se<br />

chegar à sincronização que preenche<br />

todas essas potencialida<strong>de</strong>s (apesar<br />

<strong>de</strong> isto muito raramente ocorrer), ou<br />

ela po<strong>de</strong> ser construída com base<br />

numa combinação <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos não<br />

afins, s<strong>em</strong> tentar ignorar a dissonância<br />

resultante entre os sons e as imagens.<br />

Isto ocorre frequent<strong>em</strong>ente. Quando<br />

ocorrer, costuma-se explicar que as<br />

imagens “exist<strong>em</strong> por si mesmas”,<br />

que a música “existe por si mesma”:<br />

som e imag<strong>em</strong>, cada um corre<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente, s<strong>em</strong> se unir<strong>em</strong><br />

num todo orgânico. É importante<br />

ter <strong>em</strong> mente que nossa concepção<br />

<strong>de</strong> sincronização não presume<br />

coincidência. Nesta concepção<br />

exist<strong>em</strong> plenas possibilida<strong>de</strong>s<br />

para a execução <strong>de</strong> ambos,<br />

“movimentos” correspon<strong>de</strong>ntes e nãocorrespon<strong>de</strong>ntes,<br />

mas <strong>em</strong> qualquer<br />

dos casos a relação <strong>de</strong>ve ser controlada<br />

composicionalmente. É evi<strong>de</strong>nte que<br />

qualquer uma <strong>de</strong>ssas abordagens <strong>de</strong><br />

sincronização po<strong>de</strong> servir como fator<br />

“principal”, <strong>de</strong>terminante da estrutura,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da necessida<strong>de</strong>. Algumas<br />

cenas requer<strong>em</strong> ritmo como um fator<br />

<strong>de</strong>terminante, outras são controladas<br />

pelo tom, e assim por diante<br />

(EISENSTEIN, 2002, p. 60).<br />

Xavier (2008, p. 31), pensa que a unificação<br />

produzida pela montag<strong>em</strong> faz com que<br />

o cin<strong>em</strong>a passe da “esfera da ação” para a<br />

“esfera da significância, do entendimento”.<br />

O som não é mais um seguidor da imag<strong>em</strong>,<br />

ele é expressivo por si só, tangível ao<br />

espectador. A incorporação do som no<br />

cin<strong>em</strong>a “trouxe um fortalecimento para a<br />

estrutura formal narrativa”, já que acrescenta<br />

conteúdo imensurável na “estrutura formal<br />

narrativa”. O som v<strong>em</strong> “reforçar o real, não<br />

por causa da matéria sonora, mas por ser<br />

o ‘naturalismo’, a busca da ilusão realista”. A<br />

relação audiovisual no cin<strong>em</strong>a se dá “pelo<br />

movimento <strong>de</strong> captação recíproca do som<br />

pela imag<strong>em</strong> e da imag<strong>em</strong> pelo som, graças,<br />

<strong>em</strong> particular, ao sincronismo” (FLORES,<br />

2006, p. 68-83).<br />

Para Belton (1985),<br />

[...] o som se <strong>de</strong>fine <strong>em</strong> termos <strong>de</strong><br />

t<strong>em</strong>poralida<strong>de</strong> e espacialida<strong>de</strong> da<br />

imag<strong>em</strong>, observando um sincronismo<br />

e/ou perspectiva imposta pelo visível.<br />

Seu processo <strong>de</strong> mimetismo adota<br />

como mo<strong>de</strong>lo não o acontecimento<br />

pré-cin<strong>em</strong>atográfico, mas a imag<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>le registrada. A trilha sonora não<br />

duplica o mundo colocado diante <strong>de</strong>la,<br />

ela constrói um mundo imaginário,<br />

conferindo ao espaço e aos seus<br />

objetos, no interior do espaço da<br />

105


história, uma outra dimensão, a qual<br />

compl<strong>em</strong>enta sua existência t<strong>em</strong>poral<br />

e espacial como representações. O que<br />

a trilha sonora preten<strong>de</strong> duplicar é o<br />

som <strong>de</strong> uma imag<strong>em</strong>, não o som do<br />

mundo (BELTON, 1985, apud FLORES,<br />

2006, p. 84).<br />

As correspondências audiovisuais são<br />

<strong>de</strong>corrência do <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

plasticida<strong>de</strong> cin<strong>em</strong>atográfica. É fundamental<br />

que se estabeleça a interação entre a<br />

imag<strong>em</strong> e o som, uma vez que a primeira<br />

também influencia a percepção que t<strong>em</strong>os<br />

do som. Para o cont<strong>em</strong>plador, essa relação<br />

po<strong>de</strong> facilitar a vivência musical, já que<br />

une e explora as linguagens na busca pela<br />

compreensão do objeto arte.<br />

Entretanto, é importante salientar que<br />

não se <strong>de</strong>ve dar maior importância a uma<br />

das linguagens <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento a outra,<br />

na construção cin<strong>em</strong>atográfica, fato<br />

recorrente <strong>em</strong> várias das produções que<br />

exist<strong>em</strong> na atualida<strong>de</strong> (FLORES, 2006). Isto<br />

afeta a compreensão/fruição por parte dos<br />

cont<strong>em</strong>pladores, uma vez que o conteúdo<br />

não cabe sozinho <strong>em</strong> apenas um campo<br />

artístico. Cada representação se vincula a<br />

uma série <strong>de</strong> representações, firmando seu<br />

espaço e reproduzindo o conteúdo anterior.<br />

O cin<strong>em</strong>a age na esfera do entendimento,<br />

da significância, tornando-se matéria<br />

da expressão e da impressão. Por isto, “a<br />

experiência e o sujeito estarão s<strong>em</strong>pre<br />

<strong>jun</strong>tos no ato <strong>de</strong> fruição. Nenhum filme<br />

po<strong>de</strong>rá ser escutado, pelo espectador ou<br />

pelo crítico, s<strong>em</strong> ser a partir <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong><br />

vista subjetivo” (FLORES, 2006, p. 47).<br />

O filme: histórico e análise<br />

O filme O Iluminado - Titulo original: The<br />

Shining - foi lançado <strong>em</strong> 23 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1980,<br />

nos Estado Unidos, colorido, com duração<br />

<strong>de</strong> 144 minutos, gênero terror. Dirigido por<br />

Stanley Kubrick e produzido por Jan Harlan,<br />

Martins Richards e Stanley Kubrick. O<br />

roteiro <strong>de</strong> Diane Johnson e Stanley Kubrick<br />

foi adaptação do livro <strong>de</strong> Stephen King,<br />

lançado <strong>em</strong> 1977. O elenco original do filme<br />

é composto por Jack Nicholson, Shelley<br />

Duvall, Danny Lloyd, Scatman Crothers,<br />

Barry Nelson, Philip Stone e Joe Turkel. A<br />

música é <strong>de</strong> Wendy Carlos e Rachel Elkind;<br />

cin<strong>em</strong>atografia <strong>de</strong> John Alcott e edição <strong>de</strong><br />

Ray Lovejoy. Os operadores <strong>de</strong> câmera são<br />

Devis e Kelvin Puke, e operador <strong>de</strong> steadycam<br />

é Garret Brown. Estúdio responsável<br />

Producers Circle, Perrigrine Productions;<br />

distribuição por Warner Bros.<br />

Na adaptação da obra literária <strong>de</strong> Stephen<br />

King (1997), Kubrick (1980) escolhe abrir<br />

sua versão com uma vista aérea que<br />

sobrevoa o rio à marg<strong>em</strong> da estrada on<strong>de</strong> o<br />

solitário fusca da família Torrance percorre<br />

a caminho do Hotel Overlook – local da<br />

trama. De acordo com Vugman (2001, p. 3),<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, “uma atmosfera opressiva é<br />

cuidadosamente construída”. Não há nada<br />

<strong>de</strong> relaxante na paisag<strong>em</strong> montanhosa<br />

composta por estradas sinuosas e <strong>de</strong>sertas:<br />

“a música ameaçadora anula qualquer<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encantamento com o<br />

cenário bucólico, e a câmera <strong>em</strong> nenhum<br />

momento nos dá o ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> Jack”,<br />

um dos personagens centrais, vivido por<br />

106


Jack Nicholson. A música que acompanha<br />

a abertura t<strong>em</strong> a força <strong>de</strong> chamar a atenção<br />

da nossa percepção. ”Usada <strong>de</strong>ssa forma, a<br />

música faz mais que oferecer uma ilustração<br />

paralela da mesma idéia e intensificar a<br />

impressão <strong>de</strong>corrente das imagens visuais;<br />

ela cria a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma impressão<br />

nova e transfigurada do mesmo material”<br />

(TARKOVSKI, 1990, apud SAÇASHIMA, 2007,<br />

p. 44). O carro dos Torrance, a princípio numa<br />

viag<strong>em</strong> tão banal, se torna tão minúsculo na<br />

tomada aérea, se a<strong>de</strong>quando perfeitamente<br />

às convenções do gênero, e o que ouvimos<br />

permite tornar a sequência completamente<br />

sombria, contribuindo para “criar a sensação<br />

<strong>de</strong> que a ação das personagens transcorrerá<br />

numa estrutura maior, autônoma, e que<br />

não po<strong>de</strong> ser contida”. O que a música<br />

proporciona é uma nova impressão daquilo<br />

que v<strong>em</strong>os.<br />

Jack está a caminho <strong>de</strong> uma entrevista<br />

<strong>de</strong> <strong>em</strong>prego, on<strong>de</strong>, se contratado, será<br />

responsável por zelar <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> e<br />

tradicional hotel, durante todo o inverno.<br />

Neste período, fica inviável manter o hotel<br />

aberto, dado o inacesso à ele. A neve se<br />

acumula pela estrada e torna impossível<br />

a chegada ou partida. Este é um dos<br />

fatores que, mais tar<strong>de</strong>, impedirá a fuga<br />

<strong>de</strong> Danny e Wendy. Quando Jack é aceito<br />

para o <strong>em</strong>prego <strong>de</strong> zelador, é advertido<br />

pelo gerente da dificulda<strong>de</strong> <strong>em</strong> ficar<br />

isolado. Ele conta para Jack a história <strong>de</strong><br />

um antigo zelador, que ensan<strong>de</strong>cido pelo<br />

isolamento mata sua esposa e filhas, se<br />

matando <strong>em</strong> seguida. Jack não dá muita<br />

atenção ao caso e assim que possivel liga<br />

para sua casa para dar a notícia. Somos<br />

apresentados à sua família: “uma família<br />

americana branca convencional - baseada<br />

no patriarcado, no hetero-sexualismo<br />

e no casamento como manutenção da<br />

proprieda<strong>de</strong> privada” que “luta para se<br />

manter inteira nas condições sociais <strong>em</strong><br />

um contexto capitalista” (VUGMAN, 2001,<br />

p. 3). Danny Torrance, a criança iluminada<br />

mostra-se pouco sociável e com pouco ou<br />

nenhum contato com outras crianças. Seu<br />

único amigo é imaginário, chama-se Tony, e<br />

manifesta-se através <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>do indicador.<br />

É através das manifestações <strong>de</strong> Tony que se<br />

expressa o dom especial <strong>de</strong> Danny. Danny,<br />

instruído por Tony, recusa-se s<strong>em</strong> sucesso,<br />

a ir ao hotel, sabendo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já dos perigos<br />

que sua família corre. Wendy - esposa <strong>de</strong><br />

Jack, mãe <strong>de</strong> Danny - apresenta-se passiva e<br />

omissa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da narrativa. Como os<br />

outros personagens, Wendy é esvaziada <strong>de</strong><br />

qualquer profundida<strong>de</strong> <strong>em</strong>ocional, Wendy<br />

simboliza as frustradas e submissas donas<br />

<strong>de</strong> casa dos Estados Unidos.<br />

É Wendy qu<strong>em</strong> faz o trabalho duro <strong>de</strong><br />

prevenção e manutenção do hotel. Trabalho<br />

este <strong>de</strong>signado a Jack. “Se no filme Jack não<br />

executa suas funções <strong>de</strong> zelador há, ainda,<br />

o seu projeto <strong>de</strong> aproveitar o isolamento do<br />

inverno no Overlook para escrever” um livro.<br />

Jack passa horas num dos principais salões<br />

do hotel, concentrado, tendo às costas a<br />

ban<strong>de</strong>ira americana, e também ro<strong>de</strong>ado<br />

pelos três lados por <strong>de</strong>senhos indígenas.<br />

“Tudo o que ele faz é olhar fixamente para<br />

sua máquina <strong>de</strong> escrever, imóvel, ou então,<br />

passar horas arr<strong>em</strong>essando uma bola <strong>de</strong><br />

tênis contra a pare<strong>de</strong>, pegando-a <strong>de</strong> volta”.<br />

Nestas sequências, tudo que se houve são<br />

107


os ruídos comuns aos movimentos da cena,<br />

como a bola <strong>de</strong> tênis batendo na pare<strong>de</strong> ou<br />

quicando. Esse vazio sonoro nos informa<br />

do vazio que cresce <strong>em</strong> Jack. Toda a cena<br />

concentra-se no som da “bola batendo na<br />

pare<strong>de</strong> e ecoando <strong>de</strong> modo sombrio, como<br />

que para enfatizar o vazio <strong>de</strong> sua mente. A<br />

platéia não é informada sobre o que ele está<br />

pensando”, mas Jack já ouve vozes <strong>em</strong> sua<br />

cabeça e vê pessoas que o orientam a “educar”<br />

o filho <strong>de</strong> forma mais severa (VUGMAN, 2001,<br />

p. 7). Fica claro o distanciamento <strong>de</strong> Jack.<br />

Wendy e Danny interag<strong>em</strong> durante muitos<br />

momentos da narrativa, enquanto Jack está<br />

completamente isolado. Wendy “se afasta <strong>de</strong><br />

seu marido para estar cada vez mais próxima<br />

do filho”. No que diz respeito a Jack, “trata-se<br />

<strong>de</strong> uma violência associada à loucura, mas<br />

também, como ver<strong>em</strong>os, à amoralida<strong>de</strong>.<br />

Nesse sentido, ele irá se confrontar com a<br />

moralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Wendy” (SAÇASHIMA, 2007,<br />

p. 45; 50). A esta altura, comumente v<strong>em</strong>os<br />

Jack consumindo bebidas alcoólicas. O<br />

personag<strong>em</strong> t<strong>em</strong> alucinações ou <strong>de</strong> fato é<br />

levado a festas nos salões do Hotel, on<strong>de</strong><br />

consome gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> álcool. No<br />

início do filme, somos informados, porém,<br />

que as bebidas alcoólicas são guardadas<br />

no dia do encerramento das ativida<strong>de</strong>s do<br />

Hotel, ficando assim, inacessíveis para Jack.<br />

A cena da tentativa <strong>de</strong> Wendy<br />

<strong>de</strong> se comunicar com o mundo<br />

exterior sintetiza a transição <strong>de</strong> uma<br />

t<strong>em</strong>poralida<strong>de</strong> para outra. Em um<br />

primeiro momento, ela tenta ligações<br />

telefônicas s<strong>em</strong> sucesso, pois as linhas<br />

estão mudas <strong>de</strong>vido à nevasca, ou<br />

seja, v<strong>em</strong>os a natureza se sobrepondo<br />

à tecnologia mo<strong>de</strong>rna. Na sequência,<br />

no entanto, Wendy tentará contato<br />

pela rádio e irá falar com um guarda<br />

florestal. Como no telefon<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Jack,<br />

t<strong>em</strong>os mais uma vez um aparelho <strong>de</strong><br />

comunicação estabelecendo o vínculo<br />

<strong>de</strong> Wendy com um personag<strong>em</strong> que<br />

associamos à violência (SAÇASHIMA,<br />

2007, p. 59).<br />

“É claro que se po<strong>de</strong> argumentar que<br />

Danny permanece uma figura central<br />

na narrativa fílmica. Quando a câmera o<br />

segue pelos corredores vazios do Overlook,<br />

pedalando seu triciclo, o menino funciona<br />

simultaneamente como filtro e focalizador”.<br />

Interessante perceber que o som, referente a<br />

Danny e suas visões, é produzido pelo atrito<br />

das rodas <strong>de</strong> seu triciclo com o chão e tapetes<br />

do hotel. Não há música, e uma atmosfera<br />

tensa é fortalecida com estes sons. “Suas<br />

visões macabras <strong>de</strong> eventos e hóspe<strong>de</strong>s<br />

antigos do hotel, seu aviso inicial contra a<br />

ida da família para o hotel, sua ligação forte<br />

com o cozinheiro negro Hallorann, tudo isto<br />

o mantém como um importante condutor<br />

da atenção do espectador”. O resultado é a<br />

Transformação <strong>de</strong> um personag<strong>em</strong><br />

<strong>em</strong> um símbolo; assim como<br />

esvaziara Wendy e Jack <strong>de</strong> qualquer<br />

profundida<strong>de</strong> <strong>em</strong>ocional, fazendoos<br />

representar não seres humanos<br />

individualizados, mas sim a dona<br />

<strong>de</strong> casa americana e o trabalhador<br />

americano, Kubrick faz <strong>de</strong> Danny mais<br />

um personag<strong>em</strong> psicologicamente<br />

superficial que, <strong>de</strong>stituído <strong>de</strong> uma<br />

personalida<strong>de</strong> individual, funcionará<br />

no filme como um olho mágico que<br />

expõe recantos escuros da formação da<br />

socieda<strong>de</strong> americana (VUGMAN, 2001,<br />

p. 9).<br />

108


Montada esta estrutura, Kubrick explora<br />

b<strong>em</strong> todas as ferramentas audiovisuais<br />

para manter o clima tenso do filme. Com<br />

uma fotografia bastante original, ângulos<br />

específicos e música diegética, o espectador<br />

t<strong>em</strong> nutrido o clima <strong>de</strong> horror. Jack,<br />

oprimido pelos espíritos do hotel, enten<strong>de</strong><br />

ser melhor matar Danny. Daí para frente,<br />

o filme nos leva para uma quase realida<strong>de</strong><br />

paralela, on<strong>de</strong> seres macabros e situações<br />

bizarras são mostrados, enquanto Wendy<br />

tenta salvar a si e ao filho das mãos do pai<br />

psicótico. Ao fim <strong>de</strong>sta fuga,<br />

Jack morre <strong>de</strong> forma patética, enganado<br />

pelo truque indígena usado por Danny<br />

para disfarçar as próprias pegadas na<br />

neve. Quando a câmera aproxima-se<br />

num plano médio, do corpo <strong>de</strong> Jack<br />

s<strong>em</strong>i enterrado na neve, até um close<br />

up <strong>de</strong> seus olhos abertos, mortos,<br />

olhando eternamente para o vazio, o<br />

que v<strong>em</strong>os é a imag<strong>em</strong> simbólica do<br />

sonho americano, congelado no t<strong>em</strong>po<br />

e recusando-se, eternamente, a expor o<br />

preço <strong>de</strong> sua ilusão. E quando o filme<br />

termina num close up <strong>de</strong> uma foto <strong>em</strong><br />

preto e branco na pare<strong>de</strong> do hotel [...]<br />

mostrando qu<strong>em</strong> seria Jack, numa vida<br />

passada, “num baile <strong>de</strong> reveillon no<br />

Overlook, celebrando a entrada do ano <strong>de</strong><br />

1925”, nos faz pensar que a alma <strong>de</strong> Jack<br />

pertence e s<strong>em</strong>pre pertencerá ao Hotel<br />

Overlook (VUGMAN, 2001, p. 12-13).<br />

A cena: <strong>de</strong>scrição e justificativa <strong>de</strong><br />

escolha<br />

A cena selecionada para este trabalho se dá<br />

dos 23’40’’ até os 24’15’’, portanto, num trecho<br />

<strong>de</strong> trinta e cinco segundos. Denominar<strong>em</strong>os<br />

a cena como “a corrida <strong>de</strong> Danny”. A família<br />

Torrence já está instalada no hotel há mais <strong>de</strong><br />

um mês. É inverno e, portanto, faz bastante<br />

frio e neva muito, o que impe<strong>de</strong> Danny <strong>de</strong><br />

sair do hotel para brincar. Por isto mesmo,<br />

um <strong>de</strong> seus passat<strong>em</strong>pos favoritos é andar<br />

<strong>de</strong> triciclo pelos corredores do Overlook.<br />

Nesta cena, Danny está sozinho, andando<br />

<strong>de</strong> triciclo. Seu triciclo é azul, assim como<br />

seu macacão. Ele ainda veste uma blusa <strong>de</strong><br />

frio vermelha.<br />

Seu percurso se dá por quatro corredores que<br />

formam o circuito. Para Saçashima (2007, p.<br />

57), “o círculo nos sugere uma t<strong>em</strong>poralida<strong>de</strong><br />

distinta da do relógio e, por isso, o pedalar<br />

<strong>de</strong> Danny será na direção contrária à dos<br />

ponteiros do relógio”. Danny passa por um<br />

corredor <strong>de</strong> acesso restrito a funcionários,<br />

que t<strong>em</strong> o chão vermelho - só há um tom <strong>de</strong><br />

vermelho <strong>em</strong> toda a fotografia do filme. O<br />

uso e a citação do vermelho faz<strong>em</strong> menção<br />

a sangue e ao terror -, pare<strong>de</strong>s pintadas<br />

até o meio <strong>de</strong> sua altura <strong>de</strong> cinza, e a outra<br />

meta<strong>de</strong> até o teto, <strong>de</strong> bege. Há praticáveis<br />

e mesas <strong>de</strong> apoio distribuídas por todo o<br />

corredor. Há também uma escada <strong>de</strong> acesso<br />

a outro andar. Todos estes objetos são cinza.<br />

O salão que compõe o percurso é o salão<br />

cavernoso. É o mesmo que seu pai utiliza para<br />

escrever. Este é claro e com uma <strong>de</strong>coração<br />

bastante sofisticada. Por todo o chão <strong>de</strong><br />

ma<strong>de</strong>ira há tapetes, e na verda<strong>de</strong> toda a<br />

<strong>de</strong>coração r<strong>em</strong>ete ao contexto indígena.<br />

Há várias mesas e ca<strong>de</strong>iras por todo o salão,<br />

que t<strong>em</strong> tons <strong>de</strong> marrom predominando. Há<br />

fotografias penduradas nas pare<strong>de</strong>s e lustres<br />

refinados dispostos do começo ao fim do<br />

109


salão. A câmera segue atrás <strong>de</strong> Danny. Não<br />

v<strong>em</strong>os seu rosto <strong>em</strong> nenhum momento. A<br />

cena inicia-se no corredor <strong>de</strong> acesso restrito,<br />

e basicamente a câmera acompanha Danny<br />

percorrendo os corredores. Ele é o objeto<br />

central das imagens compostas, on<strong>de</strong> o que<br />

muda é seu entorno.<br />

Para Saçashima (2007, p. 37), as imagens do<br />

Iluminado <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser compreendidas <strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>sdobramento, ou seja, s<strong>em</strong>pre que v<strong>em</strong>os<br />

uma imag<strong>em</strong>, automaticamente, v<strong>em</strong>os uma<br />

segunda imag<strong>em</strong>. Assim, aquela cena não<br />

quer tratar simplesmente <strong>de</strong> uma criança<br />

brincando, ela nos instiga a pensar porque<br />

o menino no triciclo corre tanto? Porque<br />

não v<strong>em</strong>os seu rosto? On<strong>de</strong> estão seus<br />

pais? Estas questões nos aflig<strong>em</strong>, e neste<br />

contexto, somos informados que aquelas<br />

pare<strong>de</strong>s, b<strong>em</strong> como tudo que compõe o<br />

hotel guardam <strong>em</strong> si algum segredo vivo,<br />

alguma informação do passado que não<br />

quer ir <strong>em</strong>bora.<br />

Não há o que po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar música.<br />

O som que acompanha toda a cena é<br />

resultado do contato das rodas do triciclo <strong>de</strong><br />

Danny com o chão e tapetes do hotel. Tratase<br />

<strong>de</strong> ruídos <strong>de</strong> contato. Há basicamente<br />

dois sons. Um, do contato das rodas com<br />

o chão <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, e outro, do contato das<br />

rodas com os tapetes. Os sons são sujos, não<br />

tratados e granulados. São o texto da cena.<br />

Através <strong>de</strong>les, somos informados do clima<br />

<strong>de</strong> tensão, a suspeita <strong>de</strong> horror não se dissipa<br />

<strong>em</strong> momento nenhum, que até mesmo a<br />

brinca<strong>de</strong>ira inocente <strong>de</strong> Danny po<strong>de</strong> conter<br />

algo macabro. A cena faz-se apenas pelo<br />

passeio <strong>de</strong> Danny neste circuito.<br />

Danny percorre os corredores como qu<strong>em</strong><br />

busca algo, e ao mesmo t<strong>em</strong>po, como<br />

qu<strong>em</strong> foge <strong>de</strong> algo. A esta altura, o hotel<br />

- que cresce sutilmente sufocando os<br />

personagens, mas ainda assim não é um<br />

dos protagonistas da história - cerca Danny<br />

<strong>de</strong> tal maneira, que nós, espectadores,<br />

passamos a nos sentir sufocados também<br />

(BROCHADO, 2005, p. 34). Kubrick trabalha<br />

com a <strong>em</strong>inência do perigo. Cria a agonia do<br />

<strong>de</strong>sconhecido, transformando <strong>em</strong> horror o<br />

que talvez esteja por vir. A <strong>de</strong>sconfiança, a<br />

falta <strong>de</strong> certeza do perigo corrente também<br />

são torturas.<br />

Esta cena foi selecionada pela altíssima<br />

qualida<strong>de</strong> geral, seja sua característica<br />

estética, que trabalha cores, formas e<br />

conteúdos <strong>de</strong> maneira à tensionar uma<br />

simples brinca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> criança, s pelo grau<br />

<strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu conteúdo, que<br />

necessita <strong>de</strong> assimilação linguística para<br />

ser compreendido. Mesmo sendo uma<br />

cena bastante informativa e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> valia<br />

narrativa, todo seu conteúdo se apresenta<br />

<strong>de</strong> forma subliminar. Ainda, a <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za<br />

e fineza das composições estéticas<br />

chamaram atenção <strong>de</strong>ntro dos parâmetros<br />

<strong>de</strong>sta pesquisa. A construção estética<br />

diferenciada, tanto visual como sonora, traz<br />

características bastante peculiares à cena. É<br />

principalmente, uma cena que necessita da<br />

interação sonorovisual para ser plena.<br />

110


O mo<strong>de</strong>lo eisensteiniano<br />

O cineasta Sergei Eisenstein (2002) 2<br />

enxergou <strong>de</strong> maneira vanguardista a<br />

relação sonoro-visual do cin<strong>em</strong>a. Para<br />

ele, a relação entre o som e a imag<strong>em</strong> no<br />

contexto fílmico vai além da idéia plástica.<br />

Ele <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que a significância i<strong>de</strong>ológica<br />

v<strong>em</strong> da verda<strong>de</strong>ira e profunda relação entre<br />

as linguagens. Formado <strong>em</strong> engenharia<br />

mecânica, mas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> s<strong>em</strong>pre no circulo<br />

artístico <strong>de</strong> Moscou, trabalhando com<br />

teatro e mais tar<strong>de</strong> com cin<strong>em</strong>a, Eisenstein<br />

acompanhou o resultado <strong>de</strong> inclusão do<br />

som no cin<strong>em</strong>a. Como gran<strong>de</strong> pesquisador,<br />

estudando ativamente os processos que<br />

compõ<strong>em</strong> a linguag<strong>em</strong>, produziu muito<br />

ensaios, artigos e textos que tratavam da<br />

arte cin<strong>em</strong>atográfica. Para ele, no período<br />

do cin<strong>em</strong>a <strong>de</strong> atrações, a platéia olhava para<br />

os eventos cin<strong>em</strong>atográficos exatamente<br />

como olhava para os eventos cotidianos,<br />

tornando o cineasta mero canal através do<br />

qual a realida<strong>de</strong> seria reproduzida. Porém,<br />

com o advento do som no cin<strong>em</strong>a, o cineasta<br />

passa enxergar “o po<strong>de</strong>r criativo” <strong>de</strong>sta arte,<br />

on<strong>de</strong>, por meio <strong>de</strong> “células” isoladas se faz<br />

um conteúdo cin<strong>em</strong>ático vivo. “Isso garante<br />

que as células irão interagir <strong>em</strong> montag<strong>em</strong><br />

polifônica e criar um “monismo <strong>de</strong> con<strong>jun</strong>to””<br />

(ANDREW, 2002, p. 63). Ele busca encontrar<br />

“a chave para a igualda<strong>de</strong> rítmica <strong>de</strong> uma<br />

faixa <strong>de</strong> música e uma faixa <strong>de</strong> imag<strong>em</strong>”.<br />

Essa igualda<strong>de</strong> torna capaz “unir ambas as<br />

faixas ‘verticalmente’ ou simultaneamente”<br />

2 Sergei Eisenstein (1898–1948), cineasta <strong>de</strong><br />

vanguarda russa, é diretor <strong>de</strong> O Couraçado Pot<strong>em</strong>kin,<br />

Outubro: <strong>de</strong>z dias que abalaram o mundo, Alexan<strong>de</strong>r<br />

Nevsky e Ivan, o terrível. Notabilizou-se por seus<br />

escritos sobre montag<strong>em</strong> cin<strong>em</strong>atográfica.<br />

(EISENSTEIN, 2002, p. 105-106).<br />

Explicando seu mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> montag<strong>em</strong><br />

vertical, Eisenstein diz que<br />

Segundo ele,<br />

Assim,<br />

Todos estão familiarizados com o<br />

aspecto <strong>de</strong> uma partitura orquestral.<br />

Há várias pautas, cada uma contendo<br />

a parte <strong>de</strong> um instrumento ou <strong>de</strong> um<br />

grupo <strong>de</strong> instrumentos afins. Cada parte<br />

é <strong>de</strong>senvolvida horizontalmente. Mas a<br />

estrutura vertical não <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penha um<br />

papel menos importante, interligando<br />

todos os el<strong>em</strong>entos da orquestra<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cada unida<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada.<br />

Através da progressão da linha<br />

vertical, que permeia toda a orquestra,<br />

e entrelaçado horizontalmente, se<br />

<strong>de</strong>senvolve o movimento musical<br />

complexo e harmônico <strong>de</strong> toda a<br />

orquestra (EISENSTEIN, 2002, p. 54).<br />

Quando passamos <strong>de</strong>sta imag<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />

partitura orquestral para a da partitura<br />

audiovisual, verificamos ser necessário<br />

adicionar um novo it<strong>em</strong> às partes<br />

instrumentais: este novo it<strong>em</strong> é uma<br />

“pauta” <strong>de</strong> imagens visuais, que se<br />

suce<strong>de</strong>m e se correspon<strong>de</strong>m, <strong>de</strong> acordo<br />

com suas próprias leis, ao movimento<br />

da música – e vice-versa (EISENSTEIN,<br />

2002, p. 54).<br />

Essa correspondência, ou relação,<br />

po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>screver <strong>de</strong> igual modo o<br />

que ocorre se substituirmos a imag<strong>em</strong><br />

da partitura orquestral pela estrutura<br />

<strong>de</strong> montag<strong>em</strong> do cin<strong>em</strong>a mudo<br />

(EISENSTEIN, 2002, p. 54).<br />

111


Então,<br />

Para isso, ter<strong>em</strong>os <strong>de</strong> extrair da nossa<br />

experiência do cin<strong>em</strong>a mudo um<br />

ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> montag<strong>em</strong> polifônica, na<br />

qual um plano é ligado a outro não<br />

apenas através <strong>de</strong> uma indicação – <strong>de</strong><br />

movimento, valores <strong>de</strong> iluminação,<br />

pausa na exposição do enredo, ou algo<br />

s<strong>em</strong>elhante -, mas através <strong>de</strong> um avanço<br />

simultâneo <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> múltiplas<br />

linhas, cada qual contribuindo para<br />

o curso <strong>de</strong> composição total da<br />

sequência (EISENSTEIN, 2002, p. 55).<br />

Para Eisenstein, os sentidos são vistos<br />

como linhas <strong>de</strong> composição, assim,<br />

quando unificados – com imag<strong>em</strong> e som se<br />

relacionando – os resultados são vistos tanto<br />

na unida<strong>de</strong> quanto na estrutura. “Nossos<br />

sentidos apreen<strong>de</strong>m a atração <strong>de</strong> cada plano<br />

e nossos <strong>de</strong>sejos interiores compartilham<br />

essas atrações através da s<strong>em</strong>elhança ou<br />

do contraste, criando uma unida<strong>de</strong> superior<br />

e uma interação <strong>de</strong> planos específicos<br />

que produz significado” (ANDREW, 2002,<br />

p. 53). O cineasta acredita que “este<br />

movimento também po<strong>de</strong> estar ligado ao<br />

movimento <strong>em</strong>ocional” (EISENSTEIN, 2002,<br />

p. 120). Consi<strong>de</strong>rando o cin<strong>em</strong>a como um<br />

organismo, Eisenstein enten<strong>de</strong> que cada<br />

célula <strong>de</strong>sse corpo <strong>de</strong>ve se relacionar com<br />

as outras para fazer do resultado final uma<br />

unida<strong>de</strong> coesa e coerente. Através <strong>de</strong> uma<br />

estrutura “calculada <strong>de</strong> atrações”, o cineasta<br />

acreditava ser possível moldar os processos<br />

mentais do espectador, respeitando seus<br />

po<strong>de</strong>res sensoriais, e os “misteriosos<br />

trabalhos da percepção e compreensão”,<br />

compondo o filme <strong>de</strong> maneira a chamar<br />

atenção da percepção. Ao se compreen<strong>de</strong>r<br />

o conteúdo perceptivo do sujeito, po<strong>de</strong>se<br />

oferecer algo que atenda aos interesses<br />

<strong>de</strong>sta área, já que<br />

A Arte estava reservada para aqueles<br />

tipos <strong>de</strong> efeitos e mensagens não<br />

disponíveis ao discurso comum. Isto é,<br />

a arte visa antes <strong>de</strong> tudo as <strong>em</strong>oções, e<br />

apenas <strong>em</strong> segundo lugar a razão. Ela<br />

causa um efeito que não é disponível<br />

à linguag<strong>em</strong> comum. A arte, então, é<br />

s<strong>em</strong>elhante a outros veículos retóricos,<br />

mas é <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m superior, capaz <strong>de</strong><br />

transmitir mensagens completas e <strong>de</strong><br />

envolver todo ser humano (ANDREW,<br />

2002, p. 67).<br />

Esse sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> combinações faz as<br />

impressões psicológicas se relacionar<strong>em</strong> e se<br />

combinar<strong>em</strong> a fim <strong>de</strong> gerar a impressão final<br />

da obra, estabelecendo o relacionamento<br />

do fruidor com o cin<strong>em</strong>a. Cada um dos<br />

el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong>ste organismo atinge uma área<br />

perceptiva, e, no todo, atua gerando reações<br />

e relações, criando a impressão final.<br />

O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> montag<strong>em</strong> vertical <strong>de</strong><br />

Eisenstein traz ferramentas <strong>de</strong>talhistas<br />

e peculiares não encontradas <strong>em</strong><br />

nenhum outro mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> montag<strong>em</strong><br />

cin<strong>em</strong>atográfica (ANDREW, 2002, p. 53).<br />

Segundo Eisenstein, “parece o diagrama<br />

<strong>de</strong> uma <strong>jun</strong>ção porque a montag<strong>em</strong> é na<br />

realida<strong>de</strong> um amplo movimento t<strong>em</strong>ático <strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento, progredindo através <strong>de</strong> um<br />

diagrama”. Por tratar <strong>de</strong> “<strong>jun</strong>ções individuais”,<br />

é preciso encontrar uma “sincronização<br />

interna entre a imag<strong>em</strong> tangível e os<br />

sons percebidos <strong>de</strong> modo diferente” para<br />

que haja compreensão. Trata-se <strong>de</strong> uma<br />

112


“sincronização interna”, natural àquele que<br />

lê a montag<strong>em</strong> e percebe a fusão entre os<br />

“el<strong>em</strong>entos plásticos”. O movimento é qu<strong>em</strong><br />

une estes el<strong>em</strong>entos, ele “revelará todos<br />

os substratos da sincronização interna”,<br />

mostrando “o significado e o método do<br />

processo <strong>de</strong> fusão” (EISENSTEIN, 2002, p. 58-<br />

59).<br />

Naturalmente é útil o fato <strong>de</strong>, s<strong>em</strong><br />

contar com os el<strong>em</strong>entos individuais,<br />

a estrutura polifônica obter seu efeito<br />

total através da sensação <strong>de</strong> combinação<br />

<strong>de</strong> todas as peças como um todo. Esta<br />

“fisionomia” da sequência acabada<br />

é uma soma dos aspectos individuais<br />

e da sensação geral produzidos pela<br />

sequência. [...] Ao combinar a música<br />

com a sequência, essa sensação<br />

geral é um fator <strong>de</strong>cisivo, porque<br />

está diretamente ligada à percepção<br />

da imag<strong>em</strong> da música assim como<br />

dos quadros. Isto requer constantes<br />

correções e ajustamentos dos aspectos<br />

individuais para preservar o efeito<br />

geral. Por fazermos um diagrama do<br />

que ocorre na montag<strong>em</strong> vertical,<br />

<strong>de</strong>v<strong>em</strong>os visualizá-la como duas linhas,<br />

tendo <strong>em</strong> mente que cada uma <strong>de</strong>ssas<br />

linhas representa todo um complexo <strong>de</strong><br />

uma partitura <strong>de</strong> muitas vozes. A busca<br />

da correspondência <strong>de</strong>ve ocorrer<br />

a partir da interação <strong>de</strong> combinar<br />

quadro e música com a “imag<strong>em</strong>”<br />

geral, complexa, produzida pelo todo<br />

(EISENSTEIN, 2002, p. 56).<br />

Um conceito que <strong>de</strong>fine b<strong>em</strong> os resultados<br />

da relação imag<strong>em</strong>/som é o <strong>de</strong> “valor<br />

agregado”. Segundo Chion (2003), este<br />

termo po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido como:<br />

Valor sensorial, informativo, s<strong>em</strong>ântico,<br />

narrativo, estrutural ou expressivo que<br />

um som escutado numa cena nos leva<br />

a projetar sobre a imag<strong>em</strong>, até criar a<br />

impressão <strong>de</strong> que v<strong>em</strong>os naquilo o que<br />

na realida<strong>de</strong> ‘audiov<strong>em</strong>os’. Este efeito,<br />

utilizado corretamente, é a maior<br />

parte do t<strong>em</strong>po inconsciente por parte<br />

daqueles que o experimentam (CHION,<br />

2003, apud FLORES, 2006, p.14).<br />

Ao <strong>de</strong>senvolver este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> montag<strong>em</strong><br />

vertical ou polifônico, Eisenstein acredita<br />

que a “impressão” mais profunda será<br />

“imediatamente obtida” logo quando ocorra<br />

“uma coincidência do movimento da música<br />

com o movimento do contorno visual”, pois<br />

este contorno se transforma no “mais vívido<br />

enfatizador da própria idéia do movimento”<br />

(ESENSTEIN, 2002, p. 115).<br />

A estrutura vertical da cena “a corrida <strong>de</strong><br />

Danny”<br />

Nosso exame, que segue <strong>em</strong> esqu<strong>em</strong>a<br />

reduzido, baseado no mo<strong>de</strong>lo Eisensteiniano,<br />

analisará a “corrida <strong>de</strong> Danny” composta por<br />

quatorze fotogramas extraídos dos trinta<br />

e cinco segundos que compõe a cena <strong>de</strong><br />

um único plano sequência. Seu conteúdo<br />

t<strong>em</strong>ático b<strong>em</strong> simples é o passeio <strong>de</strong><br />

Danny pelos corredores do Hotel Overlook.<br />

O diagrama da análise se divi<strong>de</strong> <strong>em</strong> três<br />

quadros.<br />

O primeiro - partitura do som - foi construído<br />

baseado no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> notação musical<br />

não convencional <strong>de</strong> George Self(1967) 3 .<br />

3 “George Self propõe um tipo <strong>de</strong> notação<br />

musical simplificada, particularmente a<strong>de</strong>quada ao<br />

113


Consi<strong>de</strong>ramos este mo<strong>de</strong>lo porque a<br />

trilha <strong>de</strong>sta cena não é composta por<br />

música convencional, com notação<br />

tradicional. Nossa partitura não é dividida<br />

<strong>em</strong> compassos, mas <strong>em</strong> segundos, tendo<br />

trinta e cinco segundos notados. As figuras<br />

musicais que a compõ<strong>em</strong> foram criadas<br />

por nós, e representam o conteúdo que<br />

encontramos no som <strong>de</strong>sta cena, tais como<br />

sons trêmulos, sons curtos, sons abafados,<br />

<strong>de</strong>ntre outros. A partitura também t<strong>em</strong><br />

divisão <strong>de</strong> altura. Agudo, meio e grave são<br />

os campos sobrepostos que preench<strong>em</strong> a<br />

linha da partitura do som. Assim, buscamos<br />

posicionar a notação da partitura, tendo<br />

como referência a altura, o segundo e a<br />

duração que o som apresenta durante sua<br />

execução.<br />

No segundo quadro - fotogramas - estão<br />

expostos os quinze fotogramas selecionados<br />

da cena que correspon<strong>de</strong> diretamente ao<br />

som executado. Em relação à partitura, eles<br />

são dispostos <strong>de</strong> acordo com os segundos<br />

<strong>de</strong> som executados referentes à imag<strong>em</strong>, o<br />

que significa que um fotograma po<strong>de</strong> ter<br />

correspondência com nove segundos <strong>de</strong><br />

partitura, ou apenas um segundo. Ainda,<br />

foram selecionados fotogramas <strong>de</strong> acordo<br />

com o momento da cena que representam<br />

e estão diretamente ligados ao conteúdo<br />

sonoro.<br />

som e à estrutura da música cont<strong>em</strong>porânea, <strong>em</strong> que<br />

o timbre e a textura ganham precedência <strong>em</strong> relação<br />

à linha melódica e à exatidão rítmica [...] Pelo fato<br />

<strong>de</strong> a notação musical convencional não dar conta<br />

das questões <strong>de</strong> timbre e estrutura sonora que quer<br />

<strong>de</strong>senvolver <strong>em</strong> seus alunos, a criação <strong>de</strong> um tipo<br />

alternativo <strong>de</strong> notação parece-lhe a única saída”<br />

(FONTERRADA, 2005, p. 168).<br />

O terceiro quadro - diagrama do movimento<br />

- é que une as correspondências sonoras<br />

e visuais. Nele, são consi<strong>de</strong>rados os<br />

movimentos do som e os movimentos das<br />

imagens, unindo-os <strong>em</strong> sincronismo, a fim<br />

<strong>de</strong> mostrar a similarida<strong>de</strong> dos movimentos<br />

fundamentais das duas linguagens. Tanto o<br />

conteúdo visual quanto o sonoro segu<strong>em</strong> o<br />

mesmo contorno.<br />

O diagrama do movimento mostra a<br />

linha reta que Danny segue durante seu<br />

trajeto, que coinci<strong>de</strong> com a dureza do<br />

som. Representamos a correspondência<br />

da imag<strong>em</strong> com o som através <strong>de</strong> uma<br />

linha reta, pela invariabilida<strong>de</strong> que ambas<br />

apresentam. A simplicida<strong>de</strong> da imag<strong>em</strong> e o<br />

conteúdo sujo do som geram a tensão. As<br />

curvas rápidas que Danny faz, nos <strong>de</strong>ixando<br />

por alguns segundo s<strong>em</strong> saber o que v<strong>em</strong><br />

no próximo corredor, e o som gerado<br />

nestes momentos, como que “engolindo”<br />

alguma coisa, traz<strong>em</strong> um texto subjetivo,<br />

informando que essa união evoca algo<br />

assombroso. São afiguradas como <strong>de</strong>clives<br />

arredondados justamente por trazer<strong>em</strong><br />

a sensação <strong>de</strong> queda, <strong>de</strong> “estar sendo<br />

engolido”. A cena finaliza-se com a imag<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong> Danny seguindo um longo e vazio<br />

corredor <strong>de</strong> hotel, acompanhado pelo som<br />

sujo e granuloso <strong>de</strong> seu triciclo <strong>em</strong> atrito<br />

com o chão, retratado <strong>em</strong> uma linha reta.<br />

Com a montag<strong>em</strong> <strong>de</strong>ste esqu<strong>em</strong>a, Eisenstein<br />

(2002) conclui que<br />

As imagens musicais e visuais na<br />

realida<strong>de</strong> não são comensuráveis<br />

através <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos estritamente<br />

“plásticos”. Se falamos <strong>de</strong> relações<br />

114


verda<strong>de</strong>iras e profundas e proporções<br />

entre a música e o quadro, só po<strong>de</strong><br />

ser com referência às relações entre os<br />

movimentos fundamentais da música e<br />

do quadro, isto é, el<strong>em</strong>entos estruturais<br />

e plásticos, já que as relações entre os<br />

“quadros”, e os “quadros” produzidos<br />

pelas imagens musicais <strong>em</strong> geral são<br />

tão individuais, quanto à percepção, e<br />

tão pouco concretos que não po<strong>de</strong>m ser<br />

inseridos <strong>em</strong> nenhum “regulamento”<br />

estritamente metodológico. [...]<br />

Po<strong>de</strong>mos falar apenas do que é<br />

realmente “comensurável”, isto<br />

é, movimento na base tanto da<br />

lei estrutural da peça musical<br />

<strong>de</strong>terminada, quanto da lei estrutural da<br />

representação pictórica <strong>de</strong>terminada.<br />

Neste caso, uma compreensão das<br />

leis estruturais do processo e do ritmo<br />

que estão na base da estabilização<br />

e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ambos<br />

proporciona o único fundamento<br />

firme para o estabelecimento <strong>de</strong> uma<br />

unida<strong>de</strong> entre os dois. Isto ocorre não<br />

apenas porque esta compreensão do<br />

movimento regulado é “materializada”<br />

<strong>em</strong> igual medida através da<br />

especificida<strong>de</strong> particular <strong>de</strong> qualquer<br />

arte, mas é principalmente porque a<br />

lei estrutural é geralmente o primeiro<br />

passo <strong>em</strong> direção à personificação <strong>de</strong><br />

um t<strong>em</strong>a, através <strong>de</strong> uma imag<strong>em</strong> ou<br />

forma da obra criativa, não importa o<br />

material no qual o t<strong>em</strong>a é mo<strong>de</strong>lado<br />

(EISENSTEIN, 2002, p. 110).<br />

<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação, uma predisposição para<br />

que o objeto seja reconhecido pelo sujeito.<br />

Estar para fora do ser amplia a visão, traz a<br />

aplicação do objeto para o contexto.<br />

O esqu<strong>em</strong>a <strong>de</strong> montag<strong>em</strong> vertical transmite<br />

o “sentimento pleno e preciso” que o<br />

espectador precisa para sua atenção ser<br />

levada para “além do horizonte” (EISESNTEIN,<br />

2002, p. 124). A partir <strong>de</strong> agora, buscamos<br />

enten<strong>de</strong>r, no campo, como se estabelece e<br />

firma essa relação. É necessário um exercício<br />

115


116


Referências<br />

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As principais teorias do cin<strong>em</strong>a: uma introdução. Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2002. cap. 3, p. 46-71.<br />

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óbvio e o obtuso. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Fronteira, 1990.<br />

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BROCHADO, Solon Godinho. Dois olhares sobre<br />

uma fábula: o iluminado <strong>de</strong> King e Kubrick. 2005.<br />

65 f. Trabalho <strong>de</strong> Conclusão <strong>de</strong> Curso (Bacharelado<br />

<strong>em</strong> Jornalismo) – Curso <strong>de</strong> Comunicação Social,<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Biblioteconomia e Comunicação,<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Porto<br />

Alegre, 2005. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>: 16<br />

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VUGMAN, Fernando S. O iluminado, <strong>de</strong> Stanley<br />

Kubrick. In: CONGRESSO BRASILEIRO DA<br />

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XAVIER, Ismail. O cin<strong>em</strong>a discurso e a <strong>de</strong>sconstrução.<br />

In:______. O discurso cin<strong>em</strong>atográfico: a opacida<strong>de</strong><br />

e a transparência. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2008.<br />

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EISENSTEIN, Sergei. O sentido do filme. Tradução <strong>de</strong><br />

Teresa Otoni. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar, 2002.<br />

FLORES, Virginia Osorio. O cin<strong>em</strong>a: uma arte sonora.<br />

2006. 154 f. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> <strong>Música</strong>) –<br />

Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> <strong>Música</strong>, Escola <strong>de</strong><br />

<strong>Música</strong>, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro, 2006.<br />

FONTERRADA, Marisa Trench <strong>de</strong> Oliveira. Tramando<br />

os fios da educação musical: os métodos ativos.<br />

In:______. De tramas e fios: um ensaio sobre música e<br />

educação. São Paulo: UNESP, 2005. cap. 2, p. 107-190.<br />

O ILUMINADO. Direção: Stanley Kubrick. Produção:<br />

Stanley Kubrick; Jan Harlan e Martin Richards.<br />

Intérpretes: Jack Nicholson; Shelley Duvall; Danny<br />

Lloyd e Scatmans Crothers. Roteiro: Stanley Kubrick<br />

e Diane Johnson. [S.l.]: The Producer Circle Co, 1980.<br />

1 DVD (144 min), wi<strong>de</strong>screen, color. Produzido por<br />

Robert Fryer e Stanley Kubrick. Baseado no livro “O<br />

iluminado” <strong>de</strong> Stephen King.<br />

SAÇASHIMA, Edílson A. A questão da “violência” no<br />

cin<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Stanley Kubrick: análise dos filmes Laranja<br />

Mecânica, Barry Lyndon e O Iluminado. 2007. 124 f.<br />

Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Sociologia) – Programa<br />

<strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Sociologia, Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

117


118


Informações para publicação<br />

O periódico s<strong>em</strong>estral a t<strong>em</strong>po – <strong>Revista</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>Pesquisa</strong> <strong>em</strong> <strong>Música</strong> da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong><br />

do Espírito Santo (<strong>Fames</strong>) t<strong>em</strong> o objetivo<br />

<strong>de</strong> divulgar produções científicas <strong>de</strong> pesquisadores<br />

que tenham a música como área <strong>de</strong><br />

conhecimento. Serão aceitos para publicação<br />

artigos, ensaios e resenhas inéditas. O<br />

material enviado será apreciado por m<strong>em</strong>bros<br />

do Conselho Editorial que se responsabilizarão<br />

pela seleção dos textos a ser<strong>em</strong><br />

publicados. Serão aceitas colaborações do<br />

Brasil e do exterior com textos escritos <strong>em</strong><br />

português e espanhol. Há a possibilida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong> acordo com o interesse da publicação, <strong>de</strong><br />

encomendar artigos a pesquisadores experientes<br />

visando enfatizar <strong>de</strong>terminado t<strong>em</strong>a.<br />

Normas Técnicas:<br />

1 - Os artigos e ensaios <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ter uma extensão<br />

entre 3.000 e 6.000 palavras e as resenhas<br />

entre 2.000 a 4.000 palavras.<br />

2 - Serão aceitos artigos, ensaios e resenhas<br />

escritos <strong>em</strong> português e espanhol.<br />

3 - Os procedimento <strong>de</strong> envio são os seguintes:<br />

3-1- Os trabalhos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser enviados por<br />

e-mail como anexo <strong>em</strong> formato “doc” ou<br />

“docx” para o en<strong>de</strong>reço eletrônico que segue:<br />

at<strong>em</strong>po@fames.es.gov.br<br />

3-2- A seguir, o mesmo <strong>de</strong>verá ser enviado<br />

pelo correio, <strong>em</strong> uma cópia impressa e outra<br />

<strong>em</strong> CD – Rom para o seguinte en<strong>de</strong>reço:<br />

a t<strong>em</strong>po – <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> <strong>Pesquisa</strong> <strong>em</strong> <strong>Música</strong><br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> do Espírito Santo<br />

“Maurício <strong>de</strong> Oliveira” (<strong>Fames</strong>)<br />

Coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Pós- Graduação<br />

Praça Poli Monjardim, 60, Centro, Vitória, ES<br />

C.E.P. 29010-640<br />

4 – O trabalho para submissão não <strong>de</strong>ve<br />

conter nenhuma referência a sua autoria,<br />

estas <strong>de</strong>v<strong>em</strong> vir sinalizadas como XXXXX e,<br />

<strong>em</strong> caso <strong>de</strong> aprovação, o trabalho retornará<br />

ao autor para que sejam inseridas tais informações.<br />

5 – Em outro arquivo <strong>de</strong>ve vir a i<strong>de</strong>ntificação<br />

do(s) autor(es) com nome completo,<br />

vínculo institucional, cargo, en<strong>de</strong>reço para<br />

correspondência, fone, fax e e-mail além do<br />

Curriculum Lattes resumido <strong>em</strong> que conste<br />

a titulação, as principais ativida<strong>de</strong>s na área<br />

e o título das principais publicações do(s)<br />

autore(s).<br />

6 - O conselho editorial, após apreciação<br />

dos trabalhos, po<strong>de</strong>rá sugerir modificações<br />

<strong>de</strong> estrutura ou conteúdo ao autor. Os trabalhos<br />

po<strong>de</strong>rão ser <strong>de</strong>volvidos para correções<br />

e modificações a ser<strong>em</strong> realizadas pelo<br />

autor que será o responsável por qualquer<br />

alteração sugerida. O conteúdo do material<br />

enviado é <strong>de</strong> inteira responsabilida<strong>de</strong> do autor.<br />

7 - Não haverá <strong>de</strong>volução dos originais mes-<br />

119


mo <strong>em</strong> caso <strong>de</strong> não publicação dos artigos.<br />

8 – Os trabalhos <strong>de</strong>verão seguir a seguinte<br />

estrutura:<br />

8 -1 - El<strong>em</strong>entos pré-textuais:<br />

a) Título e subtítulo: na primeira linha, centralizados,<br />

negrito. Fonte: Times New Roman,<br />

fonte 12, apenas a primeira letra será<br />

maiúscula <strong>em</strong> ambos.<br />

b) O nome do autor: duas linhas abaixo do<br />

título, alinhado à direita, com letras maiúsculas<br />

apenas nas letras iniciais dos nomes. Para<br />

submissão, este espaço será preenchido com<br />

XXXXX, como informado anteriormente,<br />

para posterior substituição, b<strong>em</strong> como todas<br />

as referências feitas à autoria do trabalho.<br />

c) RESUMO: três linhas abaixo do nome do<br />

autor; <strong>em</strong> português, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da língua<br />

<strong>em</strong> que o texto tiver sido escrito. Colocar<br />

a palavra RESUMO <strong>em</strong> caixa alta, corpo<br />

10, seguida <strong>de</strong> ponto. Texto <strong>em</strong> parágrafo<br />

único, espaço simples, justificado, com no<br />

máximo 150 palavras. Fonte: Times New Roman,<br />

corpo 10, para todo o resumo.<br />

d) Palavras-chave: <strong>em</strong> número <strong>de</strong> 03 a<br />

05, duas linhas abaixo do resumo, <strong>em</strong> português,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da língua <strong>em</strong> que<br />

o texto tiver sido escrito. Colocar o termo<br />

Palavras-chave, <strong>em</strong> caixa baixa, primeira letra<br />

<strong>em</strong> maiúscula. Fonte: Times New Roman,<br />

corpo 10. Cada palavra-chave <strong>em</strong> caixa-baixa<br />

com apenas a primeira letra maiúscula.<br />

As palavras-chave <strong>de</strong>v<strong>em</strong> estar separadas<br />

por ponto.<br />

c) ABSTRACT: duas linhas abaixo das palavras-chave,<br />

colocar a palavra ABSTRACT<br />

<strong>em</strong> caixa alta, corpo 10, seguida <strong>de</strong> ponto.<br />

Redigir o texto <strong>em</strong> inglês, <strong>em</strong> parágrafo<br />

único, espaço simples, justificado com<br />

o máximo <strong>de</strong> 150 palavras. Fonte: Times<br />

New Roman, corpo 10, para todo abstract.<br />

d) Keywords: <strong>em</strong> número <strong>de</strong> 03 a 05, duas<br />

linhas abaixo do abstract. Fonte: Times New<br />

Roman, corpo 10. Cada Keyword <strong>em</strong> caixa-<br />

-baixa com apenas a primeira letra maiúscula.<br />

As keywords <strong>de</strong>v<strong>em</strong> estar separadas por<br />

ponto.<br />

8 - 2 – El<strong>em</strong>entos textuais:<br />

a) Fonte: Times New Roman, corpo 12, alinhamento<br />

justificado ao longo <strong>de</strong> todo o texto.<br />

b) Espaçamento: simples entre linhas e parágrafos,<br />

duplo entre partes do texto (tabelas,<br />

ilustrações, citações <strong>em</strong> <strong>de</strong>staque, etc).<br />

c) Citações: no corpo do texto, serão <strong>de</strong> até<br />

03 linhas, entre aspas duplas. Fonte: Times<br />

New Roman corpo 12. Quando as citações<br />

for<strong>em</strong> maiores do que 03 linhas, <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser<br />

<strong>de</strong>stacadas fora do corpo do texto. Fonte:<br />

Times New Roman, corpo 10, <strong>em</strong> espaço<br />

simples, com recuo <strong>de</strong> 4cm à esquerda. Todas<br />

as referências das citações ou menções<br />

a outros textos (tanto nas incluídas no corpo<br />

do texto, como as que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> aparecer<br />

<strong>em</strong> <strong>de</strong>staque) <strong>de</strong>verão ser indicadas, após<br />

a citação, com as seguintes informações,<br />

entre parênteses: sobrenome do autor <strong>em</strong><br />

caixa alta, vírgula, ano da publicação, abreviatura<br />

<strong>de</strong> página e o número <strong>de</strong>sta. Ex<strong>em</strong>plo:<br />

(SWANWICK, 1999, p. 15-16). Evitar a<br />

120


utilização <strong>de</strong> i<strong>de</strong>m ou ibi<strong>de</strong>m e Cf. Quando<br />

for utilizado o apud, colocar as mesmas informações<br />

solicitadas anteriormente para o<br />

autor do texto <strong>de</strong> on<strong>de</strong> a citação foi retirada.<br />

Ex<strong>em</strong>plo: (DELEUZE, 1987, apud KAS-<br />

TRUP, 2001, p. 217). Incluir todos os dados<br />

<strong>de</strong> ambos os autores e colocar somente as<br />

obras consultadas diretamente nas Referências.<br />

d) Notas <strong>de</strong> rodapé: <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser utilizadas,<br />

se necessárias, para contribuir com a clareza<br />

do texto. Fonte: Times New Roman, corpo<br />

10.<br />

e) Títulos e subtítulos das seções: ao ser<strong>em</strong><br />

constituídos por palavras, não utilizar numeração<br />

arábica, inclusive Introdução, Conclusão,<br />

Referências e el<strong>em</strong>entos pós-textuais,<br />

s<strong>em</strong> recuo <strong>de</strong> parágrafo, <strong>em</strong> negrito, com<br />

maiúscula somente para a primeira palavra<br />

da seção. Ao ser<strong>em</strong> constituídos apenas por<br />

números, colocar o número seguindo as<br />

mesmas regras anteriores e s<strong>em</strong> pontuação.<br />

f) El<strong>em</strong>entos ilustrativos: tabelas, figuras,<br />

fotos, etc., <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser inseridas no texto,<br />

logo após ser<strong>em</strong> citadas, contendo a <strong>de</strong>vida<br />

explicação na parte inferior da mesma,<br />

numeradas sequencialmente. Serão referidas,<br />

no corpo do texto, <strong>de</strong> forma abreviada.<br />

Ex<strong>em</strong>plo. Fig. 1. Fig. 2, etc<br />

8 – 3 - El<strong>em</strong>entos pós-textuais:<br />

Referências: seguir normas da ABNT <strong>em</strong> uso<br />

(NRB-6023/02). Usar espaçamento 1 entre as<br />

linhas das referências e espaco 1,5 entre uma<br />

referência e outra, alinhamento à esquerda.<br />

Incluir a data <strong>de</strong> envio do artigo para publicação.<br />

EXEMPLOS DE REFERÊNCIAS<br />

Artigo <strong>de</strong> periódico:<br />

FERNANDES, José Nunes. <strong>Pesquisa</strong> <strong>em</strong> educação<br />

musical: situação do campo nas dissertações<br />

e teses dos cursos <strong>de</strong> pós-graduação<br />

strictu senso brasileiros. <strong>Revista</strong> da<br />

ABEM, Porto Alegre, v.15, p. 11-26, set. 2006.<br />

Livros:<br />

GREEN, Barry. The inner game of music. New<br />

York: Doubleday, 1986.<br />

Capítulos <strong>de</strong> livros:<br />

SANTOS, Regina Márcia S; REQUIÃO, Luciana.<br />

A educação musical no estado do Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro. In: OLIVEIRA, A; CAJAZEIRA, R.<br />

(Orgs.) A Educação Musical no Brasil. Salvador,<br />

Sonare, p. 129-144, 2007.<br />

Monografias, dissertações e teses:<br />

ALFONSO, Neila R. Prática coral como plano<br />

<strong>de</strong> composição <strong>em</strong> Marcos Leite e <strong>em</strong> dois coros<br />

infantis. 2004, 154 f. Dissertação (Mestrado<br />

<strong>em</strong> <strong>Música</strong>). Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação<br />

<strong>em</strong> <strong>Música</strong>, UNIRIO, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2004.<br />

,PAIVA, S.R. Aspectos da biologia celular e molecular<br />

<strong>de</strong> espécies <strong>de</strong> Plumbaginácea. 1999.<br />

120 f. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ecologia)<br />

– Museu Nacional, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1999.


DUARTE, Mônica <strong>de</strong> Almeida. Por uma análise<br />

retórica dos sentidos da música na escola.<br />

2004. 265 f. Tese (Doutorado <strong>em</strong> Educação<br />

Escolar) – Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação Escolar) –<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2004.<br />

Congresso, Conferências, Encontros e outros<br />

eventos:<br />

BORÉM, Fausto. Afinação integrada no<br />

contrabaixo: <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um<br />

sist<strong>em</strong>a sensório-motor baseado na audição,<br />

tato e visão. In: ENCONTRO ANU-<br />

AL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-<br />

-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM MÚSICA, 10.<br />

Anais do ... Goiânia, agosto, 1997, p. 53-58.<br />

Citação <strong>de</strong> citação:<br />

MARINHO, Pedro. A pesquisa <strong>em</strong> ciências<br />

humanas. Petrópolis: Vozes, 1980 apud<br />

MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Técnica<br />

<strong>de</strong> pesquisa. São Paulo: Atlas, 1982.<br />

Documentos eletrônicos:<br />

CARPEGGIANI, Schnei<strong>de</strong>r. Pernambuco num<br />

concerto <strong>de</strong> muitos ritmos. Nor<strong>de</strong>steWeb, 9<br />

<strong>de</strong> abr. 2001. Disponível <strong>em</strong>: www.nor<strong>de</strong>steweb.com/not04/ne_not_20010409a.htm<br />

Acesso <strong>em</strong>: 19 fev. 2007.<br />

CD-ROM:<br />

KOOGAN, A.; HOUASSIS, A (Ed.) Enciclopédia<br />

e dicionário digital 98. Direção geral <strong>de</strong><br />

André Koogan Breikman. São Paulo: Delta:<br />

Estadão, 1998. 5 CD-ROM. Produzida por Vi<strong>de</strong>olar<br />

Multimídia.

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