Revista de Pesquisa em Música - n°1 - Fames - Governo do Estado ...
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a t<strong>em</strong>po<br />
REVISTA DE PESQUISA EM MÚSICA<br />
NÚMERO 1<br />
2011/2<br />
FACULDADE DE MÚSICA DO ESPÍRITO SANTO “MAURÍCIO DE OLIVEIRA”<br />
VITÓRIA - ES
a t<strong>em</strong>po – REVISTA DE PESQUISA EM MÚSICA. Coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> pós-graduação / Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> <strong>do</strong> Espírito Santo.<br />
V.1, n.1 (jul/<strong>de</strong>z 2011).<br />
Vitória, ES: DIO/ES, 2011<br />
S<strong>em</strong>estral<br />
1. <strong>Música</strong> - Periódicos.<br />
ISSN 2237-7425<br />
CDD: 780.7
a t<strong>em</strong>po<br />
REVISTA DE PESQUISA EM MÚSICA<br />
FACULDADE DE MÚSICA DO ESPÍRITO SANTO “MAURÍCIO DE OLIVEIRA”<br />
COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO<br />
EDITORA<br />
Gina Denise Barreto Soares<br />
CONSELHO EDITORIAL<br />
Antônio Marcos Car<strong>do</strong>so (UFG)<br />
Diana Santiago (UFBA)<br />
Elizabeth Travassos (UNIRIO)<br />
Ernesto Hartmann (UFES)<br />
Jorge Antunes (UNB)<br />
José Alberto Salga<strong>do</strong> (UFRJ)<br />
José Nunes Fernan<strong>de</strong>s (UNIRIO)<br />
Luis Ricar<strong>do</strong> Silva Queiroz (UFPB)<br />
Margarete Arroyo (UNESP)<br />
Mônica Vermes (UFES)<br />
Ricar<strong>do</strong> Tacuchian (UFRJ)<br />
Sérgio Luiz Ferreira <strong>de</strong> Figueire<strong>do</strong> (UDESC)<br />
Sílvio Ferraz (UNICAMP)<br />
Sônia Albano (UNESP)<br />
Vanda Freire (UFRJ)<br />
ASSESSORIA EDITORIAL<br />
Paula Maria Lima Galama<br />
Wan<strong>de</strong>r Luiz<br />
Wellington Rogério Da Silva<br />
REVISÃO TÉCNICA<br />
Wellington Rogério Da Silva<br />
ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO<br />
Daniela Ramos<br />
PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO<br />
Sérgio Rodrigo da S. Ferreira<br />
Tirag<strong>em</strong>: 500 ex<strong>em</strong>plares
Sumário<br />
08 | Editorial<br />
10 | <strong>Música</strong> Guarani: mitos, sonhos, realida<strong>de</strong><br />
Raquel Ribeiro <strong>de</strong> Morais<br />
24 | A Interdisciplinarida<strong>de</strong> e suas contribuições na formação<br />
inicial <strong>do</strong> licencian<strong>do</strong> <strong>em</strong> música<br />
A<strong>de</strong>mir A<strong>de</strong>odato e Alba Janes Santos Lima<br />
36 | J. Lins – Fábrica e frutos <strong>do</strong> absoluto<br />
Paula Maria Lima Galama<br />
46 | E por falar <strong>em</strong> música, on<strong>de</strong> está a poiesis? Análise da<br />
poesia- performance <strong>de</strong> Anissa Mohammedi: consi<strong>de</strong>rações,<br />
reflexões e (quase) elucubrações para o campo <strong>de</strong> análise<br />
poético-musical<br />
Wellington Rogério Da Silva<br />
60 | Análise comparativa <strong>de</strong> Peguei a Reta: uma contribuição<br />
para o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> trompete no choro<br />
Pedro Francisco da Mota Júnior<br />
74 | <strong>Música</strong> na segunda meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XX: um pensamento<br />
novo ou parte <strong>de</strong> um mesmo continuum?<br />
Gina Denise Barreto Soares
Editorial<br />
As tentativas <strong>de</strong> propor uma <strong>de</strong>finição para<br />
a música se configuram num eterno <strong>de</strong>safio.<br />
Mas algo inquestionável po<strong>de</strong> <strong>em</strong>ergir <strong>de</strong> tal<br />
propósito: é a relação da música com o t<strong>em</strong>po.<br />
A princípio, a música só existiria na performance,<br />
<strong>em</strong> relação permanente com o fluxo t<strong>em</strong>poral. A<br />
partitura, neste caso, não passaria <strong>de</strong> um código<br />
que funciona como um conjunto <strong>de</strong> pistas que<br />
orientam a realização <strong>de</strong> um evento sonoro musical<br />
dinâmico e vivo. A música, na <strong>de</strong>pendência<br />
<strong>do</strong> t<strong>em</strong>po e materializada poeticamente adquire<br />
caráter varia<strong>do</strong>. Tal caráter po<strong>de</strong> ser manti<strong>do</strong> ao<br />
longo <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o texto musical ou ce<strong>de</strong>r a contrastes.<br />
Depen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> histórico, uma<br />
peça musical mantém caráter único <strong>do</strong> início ao<br />
fim ou comporta seções contrastantes. Ritardan<strong>do</strong>,<br />
affretan<strong>do</strong>, mudan<strong>do</strong> <strong>de</strong> andamento <strong>de</strong> forma<br />
brusca ou suave, as nuances po<strong>de</strong>m se mostrar<br />
como meios <strong>de</strong> expressão a informar sobre a<br />
intenção musical <strong>do</strong> compositor, que se combina<br />
com a daquele que a faz renascer - o intérprete. O<br />
que varia <strong>em</strong> música, ocorre <strong>em</strong> relação à <strong>de</strong>terminada<br />
referência. Sen<strong>do</strong> assim, um ritardan<strong>do</strong><br />
ou um affretan<strong>do</strong> ocorr<strong>em</strong> toman<strong>do</strong> por base<br />
certo andamento. Neste ciclo, quan<strong>do</strong> se volta,<br />
retorna-se a t<strong>em</strong>po, n<strong>em</strong> mais n<strong>em</strong> menos, simplesmente<br />
a t<strong>em</strong>po.<br />
Entre movimentos <strong>de</strong> ritardan<strong>do</strong> e affretan<strong>do</strong>,<br />
somos convida<strong>do</strong>s a nos afinar com o t<strong>em</strong>po<br />
<strong>de</strong> nossa existência. É preciso estar a t<strong>em</strong>po,<br />
capturar as intenções, perceber as <strong>de</strong>mandas e<br />
oferecer o que está ao nosso alcance para contribuirmos<br />
efetivamente como o momento <strong>em</strong><br />
que viv<strong>em</strong>os. Conduzida por este pensamento, a<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> <strong>do</strong> Espírito Santo – <strong>Fames</strong>,<br />
entre tantas outras iniciativas, v<strong>em</strong> direcionan<strong>do</strong><br />
esforços no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver a pesquisa<br />
<strong>em</strong> música junto a seu corpo <strong>do</strong>cente e discente.<br />
Sen<strong>do</strong> uma instituição que ao longo <strong>de</strong> mais <strong>de</strong><br />
cinco décadas <strong>de</strong> história pô<strong>de</strong> se notabilizar<br />
principalmente na área da performance, chega<br />
o momento <strong>de</strong> agregar a pesquisa não somente<br />
à referida área, mas também a outras linhas <strong>de</strong><br />
ação que têm toma<strong>do</strong> corpo <strong>de</strong>ntro da instituição<br />
mais recent<strong>em</strong>ente.<br />
Por isso, é com gran<strong>de</strong> alegria que apresentamos<br />
a t<strong>em</strong>po – <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> <strong>Pesquisa</strong> <strong>em</strong> <strong>Música</strong>. A alegria<br />
para nós, seguin<strong>do</strong> os passos <strong>do</strong> s<strong>em</strong>iólogo Roland<br />
Barthes, <strong>em</strong> seu opúsculo Aula, supera e<br />
substitui a honra que não <strong>de</strong>sejamos, pois aqui<br />
a alegria <strong>do</strong> trabalho realiza<strong>do</strong> aponta para os<br />
muitos outros trabalhos com os quais sonhamos,<br />
reconhecen<strong>do</strong> na pesquisa muitos caminhos<br />
que po<strong>de</strong>rão ser toma<strong>do</strong>s para que chegu<strong>em</strong>os<br />
a uma melhor relação <strong>do</strong> hom<strong>em</strong> com o<br />
mun<strong>do</strong>.<br />
A publicação da revista t<strong>em</strong> o própósito <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver,<br />
promover e divulgar a pesquisa <strong>em</strong><br />
música, b<strong>em</strong> como fomentar diálogos interdisciplinares<br />
entre a música e campos afins. Em seu<br />
primeiro número, <strong>de</strong> caráter inaugural, foram<br />
seleciona<strong>do</strong>s artigos <strong>de</strong> autoria <strong>do</strong>s professores<br />
da <strong>Fames</strong>. Tais artigos se <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
linhas <strong>de</strong> pesquisa variadas, tais como a etnomusicologia,<br />
a educação musical, a musicologia e a<br />
performance, ou constro<strong>em</strong> campos interdisciplinares<br />
quan<strong>do</strong> as abordagens assim o exig<strong>em</strong>.<br />
De t<strong>em</strong>áticas diversas, esses artigos atestam a<br />
heterogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interesses na área da música.<br />
Iniciamos a publicação com o artigo <strong>de</strong> Raquel<br />
Ribeiro <strong>de</strong> Moraes que, através <strong>de</strong> uma aborda-
g<strong>em</strong> etnográfica, reflete sobre a música <strong>do</strong>s<br />
Guaranis. Num panorama que faz associações<br />
entre música, educação e cultura, preten<strong>de</strong>-se<br />
conhecer como ocorre a transmissão da tradição<br />
musical indígena nas escolas das al<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Boa<br />
Esperança e Três Palmeiras, no município <strong>de</strong><br />
Aracruz - ES.<br />
A interdisciplinarida<strong>de</strong> nos cursos <strong>de</strong> licenciatura<br />
<strong>em</strong> música é o t<strong>em</strong>a <strong>do</strong> próximo artigo. De autoria<br />
<strong>de</strong> A<strong>de</strong>mir A<strong>de</strong>odato e Alba Janes Santos<br />
Lima o artigo é o resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho interdisciplinar<br />
<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> nas disciplinas Estágio Supervisiona<strong>do</strong><br />
III e Apreciação Musical I <strong>do</strong> curso<br />
<strong>de</strong> licenciatura da <strong>Fames</strong>.<br />
Homenagean<strong>do</strong> o <strong>de</strong>saparecimento <strong>do</strong> compositor<br />
pernambucano Jaceguay Lins, na época<br />
radica<strong>do</strong> <strong>em</strong> Vitória, Paula Maria Lima Galama<br />
traça um breve relato <strong>de</strong> sua vida e obra b<strong>em</strong><br />
como traz à tona características ímpares <strong>de</strong> sua<br />
personalida<strong>de</strong>. Enriqueci<strong>do</strong> por entrevistas e<br />
<strong>do</strong>cumentos cedi<strong>do</strong>s pelo próprio compositor<br />
após ter fixa<strong>do</strong> residência <strong>em</strong> solo capixaba, o artigo<br />
retrata a genialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um cria<strong>do</strong>r <strong>em</strong> sua<br />
permanente busca <strong>de</strong> realização.<br />
<strong>de</strong> suas respectivas épocas.<br />
Finalizan<strong>do</strong> o presente número, Gina Denise Barreto<br />
Soares apresenta uma revisão <strong>de</strong> literatura<br />
sobre a música na segunda meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século<br />
XX. Tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> aspectos inerentes a relações<br />
<strong>do</strong> hom<strong>em</strong> com a música, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios,<br />
parte-se para a reflexão sobre as transformações<br />
ocorridas no pensamento musical ao longo da<br />
história e amplia-se o foco para a segunda meta<strong>de</strong><br />
<strong>do</strong> século XX. No referi<strong>do</strong> perío<strong>do</strong>, questionase<br />
até que ponto tais transformações representam<br />
uma ruptura da tradição musical ou apenas<br />
parte <strong>de</strong> um mesmo continuun.<br />
Esperamos que esta publicação, com os artigos<br />
aqui veicula<strong>do</strong>s, cumpra a sua função <strong>de</strong> divulgar<br />
e compartilhar os conhecimentos produzi<strong>do</strong>s no<br />
campo da música, oferecen<strong>do</strong> incentivo para<br />
novos estu<strong>do</strong>s, tornan<strong>do</strong>-se referência e contribuin<strong>do</strong><br />
para uma permanente atualização na<br />
área <strong>de</strong> pesquisa <strong>em</strong> música.<br />
Gina Denise Barreto Soares<br />
Editora<br />
Em uma abordag<strong>em</strong> que transcorre na interface<br />
entre música e a poesia, Wellington Rogério Da<br />
Silva traz a análise da poesia-performance <strong>de</strong><br />
Anissa Mohammedi, poetisa argelina, representante<br />
da África francófona <strong>de</strong> uma literaturamun<strong>do</strong>.<br />
Nele são <strong>de</strong>senvolvidas reflexões no<br />
campo da análise poético-musical.<br />
Com preocupações no âmbito das práticas interpretativas,<br />
Pedro Francisco da Mota Júnior<br />
propõe uma análise comparativa entre duas<br />
gravações <strong>de</strong> Peguei a Reta, peça <strong>do</strong> trompetistacompositor<br />
Porfírio Costa. Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> as escolhas<br />
interpretativas <strong>de</strong> cada instrumentista, os<br />
resulta<strong>do</strong>s da análise mostram traços estilísticos
MÚSICA GUARANI: MITOS,<br />
SONHOS, REALIDADE<br />
Raquel Ribeiro <strong>de</strong> Moraes<br />
Professora <strong>de</strong> Percepção e Teoria Musical na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> <strong>do</strong> Espírito Santo “Maurício <strong>de</strong> Oliveira” – FAMES,<br />
mestranda <strong>em</strong> Educação pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Espírito Santo – UFES.<br />
Resumo<br />
Este projeto <strong>de</strong> pesquisa situa-se no âmbito das<br />
atuais reflexões sobre música, educação e cultura, focalizan<strong>do</strong><br />
o trabalho relativo à música Guarani, <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong><br />
por professores indígenas com as crianças das<br />
al<strong>de</strong>ias Boa Esperança e Três Palmeiras, no município<br />
<strong>de</strong> Aracruz. O estu<strong>do</strong> t<strong>em</strong> como um <strong>do</strong>s seus objetivos<br />
centrais investigar os processos pelos quais as crianças<br />
das al<strong>de</strong>ias Três Palmeiras e Boa Esperança têm<br />
aprendi<strong>do</strong> as músicas <strong>de</strong> seu povo, incluin<strong>do</strong> nessa<br />
investigação uma reflexão sobre o papel <strong>do</strong> professor<br />
indígena na articulação entre a preservação <strong>de</strong> sua<br />
cultura e a irreversível influência da cultura <strong>de</strong> massa<br />
na vida <strong>do</strong>s al<strong>de</strong>a<strong>do</strong>s. O referencial teórico constituise<br />
das reflexões <strong>de</strong>senvolvidas nas áreas da Arte-educação,<br />
da Cultura – basean<strong>do</strong>-se na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> entrelugar<br />
proposta por Bhabha, da Educação Escolar Indígena e<br />
da Etnomusicologia. A questão <strong>do</strong> lugar <strong>do</strong> professor<br />
indígena frente às realida<strong>de</strong>s culturais será o ponto <strong>de</strong><br />
encontro entre essas áreas <strong>do</strong> conhecimento. Como<br />
aporte meto<strong>do</strong>lógico, percebe-se a i<strong>de</strong>ntificação com<br />
a pesquisa qualitativa e, mais especificamente com o<br />
estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso <strong>do</strong> tipo etnográfico.<br />
Abstract<br />
This study att<strong>em</strong>pts to contribute towards the current<br />
discussion on music, education and culture. It focuses<br />
on the teaching of Guarani music by indigenous<br />
teachers with children living in two villages called Boa<br />
Esperança and Três Palmeiras, in the municipality of<br />
Aracruz, Espírito Santo, Brasil. Among its main objectives<br />
is that of investigating the ways in which those<br />
children have been learning the songs transmitted by<br />
their ancestors, as well as the role of the indigenous<br />
teachers as they combine their own cultural values<br />
with the irreversible influence of mass culture in the<br />
dwellers lives. The work is based on the i<strong>de</strong>as put forward<br />
in the fields of art, education and culture, such<br />
as indigenous education, ethnomusicology and the<br />
inbetween proposed by Bhabha. The meeting point<br />
between each one of these fields and the others is<br />
the place occupied by the indigenous teachers viz-aviz<br />
the present cultural realities. The method a<strong>do</strong>pted<br />
can be i<strong>de</strong>ntified as qualitative research and, more<br />
specifically, as a case study of an etnographic kind.<br />
Keywords: music - i<strong>de</strong>ntity - education<br />
Palavras-chave: música - i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> - educação
A importância da diversida<strong>de</strong> e <strong>do</strong>s saberes <strong>de</strong> cada<br />
Ser: acaso o B<strong>em</strong>-te-vi canta o canto <strong>do</strong> “Martim<br />
Pesca<strong>do</strong>r”?<br />
Cacique Antônio Carvalho – Al<strong>de</strong>ia Boa Esperança<br />
Tratar <strong>de</strong> música e cultura indígenas no<br />
século XXI significa colocar-se diante da<br />
realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um povo que vive <strong>em</strong> duas<br />
dimensões concomitantes: o exercício<br />
<strong>de</strong> preservação <strong>de</strong> suas marcas históricas<br />
e culturais e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, a<br />
experiência com as transformações sociais<br />
e tecnológicas pelas quais v<strong>em</strong> passan<strong>do</strong><br />
a socieda<strong>de</strong> brasileira, invadin<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os<br />
mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida humana, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />
condição econômica, localização territorial<br />
ou orig<strong>em</strong> étnica. Morais (2004) abor<strong>do</strong>u<br />
essa probl<strong>em</strong>ática focalizan<strong>do</strong>-a na<br />
experiência <strong>do</strong>s povos indígenas Kamaiurás<br />
e Yawalapitis, no Alto Xingu. Em seu estu<strong>do</strong><br />
o autor revela que o crescente envolvimento<br />
<strong>do</strong>s jovens indígenas com a cultura oci<strong>de</strong>ntal<br />
urbana t<strong>em</strong> provoca<strong>do</strong> um distanciamento<br />
acentua<strong>do</strong> <strong>do</strong>s antigos costumes e crenças<br />
cultiva<strong>do</strong>s nas al<strong>de</strong>ias ao longo <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po.<br />
Carvalho (2006) focaliza esse mesmo<br />
fenômeno e cita relatos <strong>do</strong>s próprios<br />
indígenas Kamaiurás sobre a questão:<br />
[...] pelo que eu tô enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, hoje <strong>em</strong><br />
dia as coisas muda tu<strong>do</strong>. Não t<strong>em</strong> como<br />
a gente voltar lá no fun<strong>do</strong>, trazer tu<strong>do</strong><br />
as coisas que nós estamos queren<strong>do</strong>.<br />
Por ex<strong>em</strong>plo, vocês os brancos: hoje<br />
você veste a roupa que o Cabral e<br />
esse pessoal aí usava? Não usa mais,<br />
já é tu<strong>do</strong> outra coisa. Sapato é outro<br />
mo<strong>de</strong>lo, calça, gravata, parece que hoje<br />
<strong>em</strong> dia ninguém usa mais coroa. Então<br />
é a mesma coisa. Mesma coisa acontece<br />
aqui no Xingu: o que antigo usava a<br />
gente tá <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>, por que a partir <strong>de</strong><br />
agora [...] estamos b<strong>em</strong> abraça<strong>do</strong>s com<br />
os caraíbas. (trecho <strong>de</strong> conversa <strong>do</strong><br />
indígena Trauim com o pesquisa<strong>do</strong>r.<br />
2006, p. 94)<br />
Aprofundan<strong>do</strong> sua investigação, Carvalho<br />
afirma que as tentativas <strong>de</strong> preservação da<br />
cultura indígena, <strong>em</strong> geral, v<strong>em</strong> ocorren<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> maneira artificial, crian<strong>do</strong> a falsa i<strong>de</strong>ia<br />
que os mora<strong>do</strong>res das al<strong>de</strong>ias mantêm<br />
intactos os mesmos mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> existir <strong>de</strong> seus<br />
antepassa<strong>do</strong>s.<br />
Tais fatos estão <strong>em</strong> consonância com<br />
reflexões mais recentes acerca <strong>do</strong> termo<br />
cultura, que é entendi<strong>do</strong> como construção<br />
permanente, não como algo estanque e<br />
imutável. Corroboran<strong>do</strong> essa posição,<br />
[...] Bhabha <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> um novo conceito<br />
<strong>de</strong> cultura, consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> enquanto<br />
“verbo” e não mais como “substantivo”.<br />
[Assim, torna-se] híbri<strong>do</strong>, dinâmico,<br />
transnacional – geran<strong>do</strong> o trânsito <strong>de</strong><br />
experiências entre nações - e tradutório<br />
– crian<strong>do</strong> novos significa<strong>do</strong>s para os<br />
símbolos culturais (SOUZA, 2004, p.<br />
126).<br />
Estamos diante, então, <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
cultura que se propõe múltipla e híbrida,<br />
10
<strong>de</strong>smistifican<strong>do</strong> a imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> pureza<br />
cultural. Esse novo posicionamento<br />
atinge, <strong>de</strong> maneira contun<strong>de</strong>nte, as i<strong>de</strong>ias<br />
estereotipadas e anacrônicas - verificáveis<br />
no senso comum b<strong>em</strong> como nos conteú<strong>do</strong>s<br />
escolares – a respeito <strong>do</strong>s povos nãooci<strong>de</strong>ntais,<br />
incluin<strong>do</strong>-se aí os povos<br />
indígenas <strong>do</strong> Brasil.<br />
Pinar (2009) contesta as políticas <strong>do</strong><br />
multiculturalismo,<br />
representadas<br />
principalmente por europeus e norteamericanos,<br />
que conceb<strong>em</strong> “o outro” <strong>de</strong><br />
forma estereotipada, agrupan<strong>do</strong> suas<br />
singularida<strong>de</strong>s <strong>em</strong> categorias totalizantes<br />
e pasteurizadas. Há ex<strong>em</strong>plos cita<strong>do</strong>s pelo<br />
autor a respeito <strong>do</strong> povo negro, por ex<strong>em</strong>plo,<br />
<strong>em</strong> que a negritu<strong>de</strong> é fantasiada “como um<br />
imutável núcleo cultural <strong>de</strong> intuição, ritmo,<br />
sentimento e criativida<strong>de</strong>” (2009:151).<br />
Alinhan<strong>do</strong>-se a esse pensamento, Balandier<br />
(1976) afirma que as socieda<strong>de</strong>s estão <strong>em</strong><br />
constante processo <strong>de</strong> mudança e que, no<br />
caso das socieda<strong>de</strong>s indígenas, a sensação<br />
<strong>de</strong> que se mantêm cristalizadas no exercício<br />
<strong>de</strong> seus costumes e cultura é uma percepção<br />
ilusória, focada somente naqueles aspectos<br />
que permanec<strong>em</strong> pouco altera<strong>do</strong>s. Para ele,<br />
não existe a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> eternizar as<br />
práticas culturais e os costumes tais como se<br />
realizaram <strong>em</strong> um passa<strong>do</strong> mítico.<br />
SANTOS (2007) também faz sérias críticas<br />
a esses mo<strong>de</strong>los culturais fecha<strong>do</strong>s,<br />
enquadran<strong>do</strong>-os no que ele <strong>de</strong>nomina<br />
monocultura <strong>de</strong> saberes. O sociólogo propõe<br />
às instituições e aos processos educacionais,<br />
<strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> geral, a ecologia <strong>do</strong>s saberes, que<br />
encampa os mais diferentes conhecimentos,<br />
sejam eles acadêmicos, sejam eles origina<strong>do</strong>s<br />
na experiência. In<strong>do</strong> além, nessa percepção,<br />
ele diz:<br />
Não é simplesmente <strong>de</strong> um<br />
conhecimento novo que necessitamos;<br />
o que necessitamos é <strong>de</strong> um novo mo<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> produção <strong>de</strong> conhecimento. Isso é<br />
ainda mais urgente [...] já que <strong>em</strong> nossos<br />
países se vê cada vez mais claro que a<br />
compreensão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é muito mais<br />
ampla que a compreensão oci<strong>de</strong>ntal <strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong> (SANTOS, 2007, p. 20).<br />
As práticas musicais entre as crianças Guarani<br />
- Al<strong>de</strong>ias Três Palmeiras e Boa Esperança/<br />
Aracruz – ES - mostram essa amplitu<strong>de</strong>.<br />
São práticas atualmente marcadas pelo<br />
hibridismo, envolven<strong>do</strong> tanto os cantos<br />
da sua tradição quanto os mais recentes<br />
sucessos pop da mídia. Esse hibridismo,<br />
nos termos <strong>de</strong> Bhabha, ocorre nos t<strong>em</strong>poespaços<br />
visíveis e audíveis <strong>em</strong> que a liberda<strong>de</strong><br />
para ser e criar se coloca como guia <strong>de</strong> novos<br />
e impensa<strong>do</strong>s usos das produções culturais<br />
e estéticas. Enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a escola como<br />
lugar que promove, autoriza e encaminha<br />
11
conhecimentos, b<strong>em</strong> como o lugar social <strong>em</strong><br />
que as crianças compartilham todas as suas<br />
vivências <strong>de</strong> mun<strong>do</strong>, incluin<strong>do</strong>-se os cantos,<br />
este artigo procura abordar os mecanismos<br />
<strong>de</strong> preservação musical <strong>de</strong>tecta<strong>do</strong>s no<br />
cotidiano das referidas al<strong>de</strong>ias, b<strong>em</strong> como<br />
<strong>de</strong>senvolve um a breve análise musical <strong>de</strong><br />
algumas <strong>de</strong> suas músicas.<br />
A importância da música para os Guarani<br />
t<strong>em</strong> si<strong>do</strong> objeto <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong> muitos<br />
pesquisa<strong>do</strong>res, revelan<strong>do</strong> que falar <strong>em</strong> música<br />
significa falar <strong>do</strong> ser, <strong>do</strong> existir. Para eles, a<br />
música é o regente <strong>do</strong> universo, responsável<br />
pela manutenção da vida (MONTARDO,<br />
2002). Na perspectiva indígena, “a arte<br />
integra o conjunto das expressões gerais <strong>do</strong>s<br />
objetivos humanos” (VAN VELTHEM, 2000,<br />
p. 83). O antropólogo Darcy Ribeiro (1996)<br />
distingue três funções fundamentais da arte<br />
nas comunida<strong>de</strong>s indígenas: a <strong>de</strong> estabelecer<br />
diferenças entre os grupos étnicos, a <strong>de</strong><br />
distinguir o universo humano <strong>do</strong> universo<br />
<strong>do</strong>s animais e a <strong>de</strong> ofertar aos homens a<br />
corag<strong>em</strong> e a alegria <strong>de</strong> viver.<br />
Para os Guarani, a música não é criação<br />
humana mas provém <strong>do</strong>s <strong>de</strong>uses, por<br />
intermédio <strong>de</strong> sonhos, não existin<strong>do</strong> assim<br />
a figura <strong>do</strong> músico como conhecida pela<br />
socieda<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal. Por esse motivo, o<br />
processo <strong>de</strong> criação musical no estrito<br />
contexto das tradições indígenas significa o<br />
aban<strong>do</strong>no da i<strong>de</strong>ia <strong>do</strong> indivíduo compositor,<br />
pois<br />
os Guarani não se consi<strong>de</strong>ram <strong>do</strong>nos<br />
<strong>do</strong>s cantos. Mesmo os cantos individuais<br />
recebi<strong>do</strong>s especialmente por cada<br />
um <strong>em</strong> sonhos são recebi<strong>do</strong>s por<br />
merecimento, não são compostos pela<br />
pessoa. [...] As canções são recebidas<br />
<strong>do</strong>s <strong>de</strong>uses <strong>em</strong> sonhos (MONTARDO,<br />
2002, p. 46).<br />
O mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> criação musical assume, portanto,<br />
o significa<strong>do</strong> <strong>de</strong> revelação, partin<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
pressuposto <strong>de</strong> que as músicas pré-exist<strong>em</strong>,<br />
estão “arquivadas” <strong>em</strong> um “outro lugar”, on<strong>de</strong><br />
somente os xamãs têm acesso.<br />
Tais aspectos da musicalida<strong>de</strong> humana têm<br />
si<strong>do</strong> estuda<strong>do</strong>s na área da etnomusicologia,<br />
ou então Antropologia da <strong>Música</strong>, campo <strong>do</strong><br />
saber que se <strong>de</strong>dica à música <strong>do</strong> outro, ten<strong>do</strong><br />
como objetivo principal sua compreensão,<br />
preservação e revitalização.<br />
A etnomusicologia <strong>de</strong>senvolveu-se a partir<br />
da Musicologia Comparada, área <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s<br />
criada <strong>em</strong> 1900, vinculada ao Instituto <strong>de</strong><br />
Psicologia <strong>de</strong> Berlim. Essa fase inicial <strong>de</strong><br />
estu<strong>do</strong>s musicológicos contava com um<br />
grupo interdisciplinar <strong>de</strong> pesquisa<strong>do</strong>res,<br />
ten<strong>do</strong> à frente o psicólogo, musicólogo<br />
e filósofo Carl Stumpf. Esse estudioso<br />
<strong>de</strong>senvolveu suas investigações com o<br />
12
objetivo <strong>de</strong> verificar a maneira como os<br />
indivíduos reag<strong>em</strong> a diferentes tipos <strong>de</strong> tons.<br />
Após reunir um número significativo <strong>de</strong><br />
materiais sonoros, Stumpf fun<strong>do</strong>u o Arquivo<br />
<strong>de</strong> Fonogramas, favorecen<strong>do</strong> a abertura<br />
da Escola <strong>de</strong> Musicologia Comparada <strong>de</strong><br />
Berlim. As primeiras pesquisas <strong>de</strong>ssa escola<br />
foram marcadas por estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s efeitos<br />
<strong>do</strong>s tons musicais <strong>em</strong> diferentes indivíduos,<br />
b<strong>em</strong> como por pesquisas relacionadas<br />
às estruturas das escalas musicais <strong>em</strong><br />
diferentes culturas, agregan<strong>do</strong> i<strong>de</strong>ias da<br />
antropologia, da música e da filosofia. Essas<br />
duas vertentes <strong>de</strong> pesquisa – referentes às<br />
sensações resultantes <strong>de</strong> audição musical<br />
e às construções musicais <strong>de</strong> culturas<br />
não oci<strong>de</strong>ntais – estabeleceram-se como<br />
protótipos para estu<strong>do</strong>s posteriores <strong>em</strong><br />
musicologia, a saber, o interesse pela música<br />
<strong>do</strong> “Outro”.<br />
Nesse mesmo perío<strong>do</strong> começaram a surgir<br />
as primeiras pesquisas <strong>de</strong> campo na área da<br />
Antropologia, provocan<strong>do</strong> uma mudança no<br />
acento da<strong>do</strong> às pesquisas musicológicas, que<br />
passaram então a funcionar como ilustra<strong>do</strong>ras<br />
das teorias antropológicas. Enquanto isso<br />
afastava-se <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s a especificida<strong>de</strong> da<br />
música <strong>do</strong> “Outro”, característica <strong>do</strong> projeto<br />
original i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong> por seus funda<strong>do</strong>res<br />
(MONTARDO, 2002). Com a ascensão <strong>do</strong><br />
nazismo, os pesquisa<strong>do</strong>res transferiram-se<br />
para os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s e pu<strong>de</strong>ram, assim,<br />
retomar as i<strong>de</strong>ias iniciais da musicologia. Esse<br />
resgate <strong>do</strong> enfoque investigativo promoveu<br />
consi<strong>de</strong>rável expansão nas pesquisas<br />
sobre culturas não-oci<strong>de</strong>ntais, b<strong>em</strong> como<br />
estabeleceu as bases para os estu<strong>do</strong>s<br />
comparativos entre diferentes culturas.<br />
A partir da década <strong>de</strong> 1970, a etnomusicologia<br />
ganhou <strong>em</strong>basamentos mais consistentes<br />
com os estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s por John<br />
Blacking, que sugere que “a percepção da<br />
or<strong>de</strong>m sonora, seja ela inata ou aprendida,<br />
ou as duas, está na mente antes <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergir<br />
como música” (BLACKING apud MONTARDO,<br />
2002, p. 23). Esse posicionamento teórico<br />
está intimanente relaciona<strong>do</strong> a um outro<br />
fundamento central da etnomusicologia,<br />
também proposto por Blacking, que aponta<br />
para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se diferenciar o lugar<br />
<strong>do</strong> etnomusicólogo – com suas teorias e<br />
análises - e o lugar <strong>do</strong>s produtores – com<br />
suas criações e crenças. Segun<strong>do</strong> esse<br />
estudioso, o papel <strong>do</strong> etnomusicólogo é o <strong>de</strong><br />
“<strong>de</strong>svendar analiticamente a teoria musical<br />
nativa, que está inconsciente na maioria <strong>do</strong>s<br />
casos” ( apud MONTARDO, 2002, p. 23). Nessa<br />
perspectiva, o pesquisa<strong>do</strong>r concebe a música<br />
como produção humana, consistin<strong>do</strong> <strong>de</strong> um<br />
sist<strong>em</strong>a significativo pleno <strong>em</strong> cada cultura.<br />
No Brasil, a área da Etnomusicologia v<strong>em</strong><br />
13
amplian<strong>do</strong> seu território investigativo, ten<strong>do</strong><br />
como principais lócus <strong>de</strong> pesquisa os povos<br />
indígenas <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> geral, os quilombolas,<br />
os pomeranos e, mais recent<strong>em</strong>ente, grupos<br />
<strong>de</strong> rock, cantos bantus, tribos e subculturas<br />
urbanas. Travassos (2011) registra as<br />
influências da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> no corpus<br />
das atuais pesquisas etnomusicológicas,<br />
refletin<strong>do</strong> as discussões acerca da crise<br />
<strong>do</strong> conceito sistêmico <strong>de</strong> cultura. A<br />
autora critica o movimento World Music,<br />
<strong>de</strong>stacan<strong>do</strong> a concepção preconceituosa <strong>de</strong><br />
seus organiza<strong>do</strong>res, que catalogam como<br />
exóticas as mais variadas formas musicais,<br />
incluin<strong>do</strong>-se aí a nossa MPB. Nesses termos,<br />
esse rótulo comercial recente surge como<br />
símbolo <strong>de</strong> um mun<strong>do</strong> supostamente s<strong>em</strong><br />
fronteiras, situan<strong>do</strong>-se também como<br />
[...] o aspecto da indústria cultural<br />
que mais impacto t<strong>em</strong> ti<strong>do</strong> sobre a<br />
etnomusicologia. Para assombro <strong>do</strong>s<br />
etnomusicólogos, as chamadas músicas<br />
<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> [world music] aparec<strong>em</strong><br />
envoltas na pureza das raízes, nas<br />
virtu<strong>de</strong>s <strong>do</strong> multiculturalismo, <strong>do</strong><br />
pluralismo estético, das preocupações<br />
com o meio-ambiente, tu<strong>do</strong> mal<br />
escon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a aceleração <strong>do</strong> processo<br />
<strong>de</strong> transformação das práticas musicais<br />
<strong>em</strong> merca<strong>do</strong>rias (TRAVASSOS, 2011, p.<br />
11).<br />
Essas palavras <strong>de</strong> Travassos nos levam<br />
inequivocamente ao encontro das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong><br />
Carlos Skliar a respeito <strong>de</strong>sse “outro” que tanto<br />
nos interessa quanto nos <strong>de</strong>sterritorializa:<br />
Entre a diversida<strong>de</strong> e a diferença existe<br />
um abismo insondável, uma distância<br />
política, poética e filosoficamente<br />
opressora. O outro da diversida<strong>de</strong> e o<br />
outro da diferença constitu<strong>em</strong> outros<br />
dissimilares. A tendência <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>les<br />
o mesmo retorna to<strong>do</strong> discurso a seu<br />
trágico ponto <strong>de</strong> partida colonial, ainda<br />
que vesti<strong>do</strong> com a melhor roupag<strong>em</strong><br />
<strong>do</strong> multiculturalismo. (SKLIAR, 2003 , p.<br />
201)<br />
As pesquisas <strong>em</strong> etnomusicologia atualmente<br />
têm avança<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> romper com os<br />
binarismos que separam o “nós” <strong>do</strong> “outro”,<br />
o oci<strong>de</strong>ntal <strong>do</strong> não oci<strong>de</strong>ntal, a mente<br />
<strong>do</strong> corpo, a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> da tradição, o<br />
familiar <strong>do</strong> exótico. Abre-se, assim, uma nova<br />
perspectiva <strong>de</strong> investigação <strong>em</strong> que<br />
A alterida<strong>de</strong> passou a não ser mais<br />
pensada como uma característica<br />
pre<strong>de</strong>finida das culturas que estudamos,<br />
mas, sim, o que geralmente (mas não<br />
necessariamente) <strong>de</strong>fine a posição<br />
<strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r (outsi<strong>de</strong>r) <strong>em</strong> relação<br />
a elas. O mais importante é que a<br />
diferença não mais simplesmente <strong>de</strong>fine<br />
o outro <strong>em</strong> relação a nós (a dimensão<br />
intercultural discutida por Nettl), mas<br />
é também uma condição interna <strong>de</strong><br />
todas as socieda<strong>de</strong>s e culturas humanas<br />
(a dimensão intracultural). (Vicenzo<br />
Cambria, 2008, p. 2)<br />
Por essa perspectiva a comunida<strong>de</strong> indígena<br />
<strong>do</strong> município <strong>de</strong> Aracruz <strong>de</strong>scobriu na<br />
música um veículo especial para manter<br />
viva a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> Guarani, sua cultura,<br />
14
seus valores e mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> ser. Teao (2007)<br />
afirma que a música é cultivada como um<br />
conhecimento <strong>de</strong> importantíssimo valor,<br />
significan<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s poucos símbolos<br />
que vêm sen<strong>do</strong> preserva<strong>do</strong>s e <strong>do</strong> qual<br />
sent<strong>em</strong> orgulho como uma produção a ser<br />
compartilhada com a socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> geral.<br />
Essa percepção a respeito <strong>de</strong> sua música<br />
resultou na elaboração e impl<strong>em</strong>entação <strong>de</strong><br />
um projeto <strong>de</strong> gravação <strong>de</strong> um CD conten<strong>do</strong><br />
os cantos milenares, canta<strong>do</strong>s <strong>em</strong> Guarani,<br />
com tradução escrita para o Português. De<br />
acor<strong>do</strong> com a pesquisa<strong>do</strong>ra,<br />
A i<strong>de</strong>ia para a produção <strong>do</strong> CD surgiu<br />
da necessida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s Mbya <strong>em</strong> fortalecer<br />
a cultura Guarani diante <strong>do</strong> contato com<br />
a socieda<strong>de</strong> envolvente. [...] As músicas<br />
traz<strong>em</strong> cantos tradicionais sobre os<br />
el<strong>em</strong>entos da natureza (pássaros, sol,<br />
lua, Tupã, Nhe<strong>de</strong>ru) e o nhan<strong>de</strong>reko<br />
[mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> ser Guarani]. As traduções<br />
foram feitas por alunos guarani da 5ª<br />
série <strong>de</strong> 2005. O CD foi lança<strong>do</strong> no dia 19<br />
<strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2006, dia <strong>do</strong> índio, na Al<strong>de</strong>ia<br />
Três Palmeiras (TEAO, 2007, p.197).<br />
Por se constituir <strong>em</strong> um veículo natural <strong>do</strong><br />
nhan<strong>de</strong>reko (jeito <strong>de</strong> ser Guarani), a música<br />
<strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhou, nesse perío<strong>do</strong>, o papel <strong>de</strong><br />
incentiva<strong>do</strong>ra das famílias a perseverar<strong>em</strong><br />
<strong>em</strong> sua indianida<strong>de</strong>, funcionan<strong>do</strong> como um<br />
equaliza<strong>do</strong>r no que se refere às questões<br />
intraculturais. Assim sen<strong>do</strong>, “as li<strong>de</strong>ranças<br />
atribuíram ao trabalho com a música e o<br />
coral das crianças a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> valorizar<br />
as tradições” (TEAO, 2007, p. 197).<br />
O CD foi lança<strong>do</strong> no dia 19 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2006,<br />
dia <strong>do</strong> Índio, na Al<strong>de</strong>ia Três Palmeiras. A<br />
gravação <strong>do</strong> CD ocorreu como resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
trabalho <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pelo professor Mauro<br />
Nhamãdu e por Daniel Veríssimo Karaí Miri,<br />
músico indígena que toca a rabeca.<br />
As músicas gravadas nesse CD representam,<br />
portanto, um exercício <strong>de</strong> preservação não<br />
somente da história Guarani, mas <strong>do</strong> jeito<br />
Guarani <strong>de</strong> ser - nhã<strong>de</strong>reko. Essa busca <strong>do</strong><br />
exercício da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pela via da expressão<br />
musical faz parte, na verda<strong>de</strong>, da concepção<br />
<strong>de</strong> música enquanto forma sensciente, como<br />
é sugeri<strong>do</strong> a seguir:<br />
Depois <strong>de</strong> muitos <strong>de</strong>bates <strong>em</strong> torno<br />
das teorias atuais, chegou-se, <strong>em</strong><br />
Filosofia <strong>em</strong> Nova Chave, à conclusão<br />
<strong>de</strong> que a função da música não é a<br />
estimulação <strong>de</strong> sentimentos, mas a<br />
expressão <strong>de</strong>les; e, além <strong>do</strong> mais, não a<br />
expressão sintomática <strong>de</strong> sentimentos<br />
que acossam o compositor, mas uma<br />
expressão simbólica das formas <strong>de</strong><br />
sensibilida<strong>de</strong> sensciente da maneira<br />
como este as enten<strong>de</strong>. Ela indica como<br />
ele imagina os sentimentos, mais <strong>do</strong><br />
que seu próprio esta<strong>do</strong> <strong>em</strong>ocional, e<br />
expressa aquilo que ele sabe sobre a<br />
chamada “vida interior”; e isso po<strong>de</strong><br />
ir além <strong>de</strong> seu caso pessoal, porque a<br />
música é, para ele, uma forma simbólica,<br />
através da qual se po<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r<br />
b<strong>em</strong> como exprimir i<strong>de</strong>ias sobre a<br />
sensibilida<strong>de</strong> (sensibility) humana.”<br />
(LANGER, 2006, p. 30)<br />
15
A fim <strong>de</strong> aprofundar um pouco mais<br />
a discussão das questões musicais<br />
propriamente ditas, apresentamos a seguir<br />
a transcrição e análise <strong>de</strong> algumas músicas<br />
gravadas no CD Mborai Retxa Kã Marae’y,<br />
que significa Cantos da Sabe<strong>do</strong>ria Sagrada<br />
Infinita.<br />
As melodias da música Guarani estão<br />
estruturadas pre<strong>do</strong>minant<strong>em</strong>ente na<br />
escala pentatônica maior observan<strong>do</strong>-se<br />
claramente a ausência <strong>do</strong>s IV e VII graus na<br />
maior parte das músicas analisadas. Com<br />
menor frequência, utilizam a escala modal<br />
mixolídia, que t<strong>em</strong> sua provável procedência<br />
histórica nos jesuítas. Importante <strong>de</strong>stacar<br />
que a tonalida<strong>de</strong> das músicas situa-se entre o<br />
Fá e o Fá# <strong>em</strong> suas modalida<strong>de</strong>s Pentatônica<br />
e Mixolídia. Para fins <strong>de</strong> escrita, optamos pela<br />
aproximação ao fá# 1 .<br />
A análise das músicas Mbyá preservadas<br />
na Al<strong>de</strong>ia Boa Esperança (Município <strong>de</strong><br />
Aracruz - ES), que constam no CD Mborai<br />
Retxa Kã Marae’y, revela a existência <strong>de</strong> uma<br />
clara intencionalida<strong>de</strong> <strong>em</strong> se estabelecer<br />
uma modulação rítmica <strong>em</strong> uma mesma<br />
melodia, crian<strong>do</strong> assim formas musicais<br />
baseadas no ritmo e não nas elaborações<br />
harmônicas tais como as conhec<strong>em</strong>os na<br />
música oci<strong>de</strong>ntal, principalmente a erudita.<br />
Assim, as construções eruditas melódicoharmônicas<br />
que <strong>de</strong>limitam as seções, que<br />
por sua vez geram as formas <strong>em</strong> música, são<br />
substituídas – na música tradicional Guarani<br />
-por <strong>de</strong>limitações da or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> ritmo<br />
através da modificação <strong>do</strong> lugar (ou seja, a<br />
nota musical) da pulsação. O resulta<strong>do</strong> é o<br />
<strong>em</strong>ergir da forma musical, como mostram os<br />
<strong>Música</strong> 1 – Nhamdu Nhã<strong>de</strong>ru<br />
– Forma AB – cantada três<br />
vezes. As seções são s<strong>em</strong>pre<br />
entr<strong>em</strong>eadas com arranjos e<br />
improvisos da Rabeca (Ravé).<br />
Acompanhamento <strong>de</strong> violão<br />
(Mbaraka), chocalho (Mbaraka<br />
Miri) e tambor (Ãgu’apu).<br />
1 As transcrições têm a revisão musical <strong>do</strong><br />
prof. Dr. Marcos Moraes (Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong><br />
Espírito Santo/Centro <strong>de</strong> Artes/MUS)<br />
16
<strong>Música</strong> 2 – Ipyrêda – Forma: AB<br />
AA BB AA. As seções são s<strong>em</strong>pre<br />
entr<strong>em</strong>eadas com arranjos e<br />
improvisos da Rabeca (Ravé).<br />
Acompanhamento <strong>de</strong> violão<br />
(Mbaraka), chocalho (Mbaraka<br />
Miri) e tambor (Ãgu’apu).<br />
<strong>Música</strong> 3 – Djaa eterei – Forma: AA<br />
BB AA/AA BB/BB BB<br />
<strong>Música</strong> 4 – Ore mã roota para<br />
owai – essa música se <strong>de</strong>senvolve<br />
<strong>de</strong> forma simples, s<strong>em</strong> apresentar<br />
seções ou modulações rítmicas.<br />
Mantém a melodia estruturada<br />
na escala pentatônica maior <strong>em</strong><br />
fá#. Segue com a instrumentação<br />
tipicamente Guarani.<br />
17
ex<strong>em</strong>plos que segu<strong>em</strong> abaixo:<br />
As músicas aqui apresentadas são cantadas<br />
nas escolas indígenas das al<strong>de</strong>ias e, mais<br />
frequent<strong>em</strong>ente, na Casa <strong>de</strong> Reza, ten<strong>do</strong><br />
à frente o lí<strong>de</strong>r espiritual (pajé ou xamã). A<br />
expressivida<strong>de</strong> musical é perceptível nas<br />
inflexões vocais <strong>em</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s trechos<br />
das melodias, revelan<strong>do</strong> a sensibilida<strong>de</strong><br />
Guarani.<br />
A forma musical Guarani Mbyá também é<br />
<strong>de</strong>limitada pela execução musical da rabeca<br />
(ravé) <strong>em</strong> entr<strong>em</strong>eios ou interlúdios <strong>em</strong><br />
relação à parte vocal, conforme percebi<strong>do</strong> na<br />
audição <strong>do</strong> CD. Essa forma musical também<br />
foi observada entre os Mbyá estabeleci<strong>do</strong>s<br />
no Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> relatada<br />
no artigo “Apren<strong>de</strong>ram cantan<strong>do</strong>”: notas<br />
etnomusicológicas sobre o co-mover, criar e<br />
ensinar entre os Mbyá:<br />
Quan<strong>do</strong> a ravé é utilizada nos arranjos, os<br />
mboraí alternam partes instrumentais e<br />
vocais, geran<strong>do</strong> um <strong>de</strong>senho simétrico:<br />
prelúdio – canto – interlúdio 1 – canto<br />
– interlúdio 2 – canto – póslúdio. Já<br />
quan<strong>do</strong> a ravé não é usada, a estrutura<br />
formal é simplificada: introdução <strong>do</strong><br />
mba’epú, canto 1,2,3 e coda (finalização)<br />
instrumental. (STEIN, 2011, p. 08)<br />
Com respeito à instrumentação, há<br />
referências específicas ao violão (Mbaraka),<br />
indican<strong>do</strong> que sua utilização ocorre “<strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong> seu sist<strong>em</strong>a cognitivo: as cinco cordas<br />
<strong>do</strong> violão guarani Mbyá, por ex<strong>em</strong>plo, estão<br />
relacionadas aos <strong>de</strong>uses <strong>de</strong> seu panteão”<br />
(MONTARDO, 2002, p.35). Os relatos sobre a<br />
incorporação <strong>de</strong>sse instrumento ao universo<br />
Guarani são cercadas por explicações<br />
míticas, segun<strong>do</strong> as quais o herói cria<strong>do</strong>r<br />
ofereceu o papel (para a escrita) e o Mbaraka<br />
(violão) tanto para Guaranis quanto para<br />
o djuruá (o branco), ten<strong>do</strong> o povo Guarani<br />
feito a escolha pelo mun<strong>do</strong> sonoro através<br />
<strong>do</strong> Mbaraka, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> o papel/escrita para o<br />
djuruá (MONTARDO, 2002, p. 35).<br />
Os <strong>de</strong>mais instrumentos que compõ<strong>em</strong><br />
o conjunto tímbrico Guarani Mbyá são: o<br />
hi’akuá parã (chocalho feito <strong>de</strong> porongo),<br />
a ravé (rabeca artesanal <strong>de</strong> três cordas) e o<br />
angu’ ápu (tambor artesanal). Não muito<br />
frequent<strong>em</strong>ente é utiliza<strong>do</strong> o popyguá<br />
(claves <strong>de</strong> ritmo). Há diferenciações na<br />
instrumentação conforme o momento:<br />
“nas sessões xamânicas <strong>de</strong> prevenção e<br />
cura ritual, e no contexto ritual, é toca<strong>do</strong><br />
também o takuapú.(STEIN, 2011, p. 06).<br />
O takuapú é um bastão <strong>de</strong> ritmo feito <strong>de</strong><br />
taquaras ocas, toca<strong>do</strong> exclusivamente pelas<br />
mulheres Guarani. Produz um som seco,<br />
grave e abafa<strong>do</strong>, l<strong>em</strong>bran<strong>do</strong> o contato mais<br />
profun<strong>do</strong> com a terra.<br />
Passan<strong>do</strong> à educação escolar indígena,<br />
18
po<strong>de</strong>mos afirmar que, após uma história <strong>de</strong><br />
muitas lutas e conquistas, ela t<strong>em</strong> alcança<strong>do</strong><br />
ouvi<strong>do</strong>s atentos, e assim geran<strong>do</strong> discussões<br />
e reflexões sobre as <strong>de</strong>mandas fundamentais<br />
<strong>de</strong>sse grupo. O resulta<strong>do</strong> t<strong>em</strong>-se manifesta<strong>do</strong><br />
<strong>em</strong> ações concretas como a impl<strong>em</strong>entação<br />
<strong>de</strong> vários cursos <strong>de</strong> formação e os Programas<br />
<strong>de</strong> Formação Superior e Licenciaturas<br />
Indígenas (PROLIND), que abr<strong>em</strong> caminho<br />
para a escolarização nos níveis fundamental<br />
e médio nas al<strong>de</strong>ias.<br />
No Espírito Santo, a <strong>em</strong>preitada pela<br />
construção <strong>de</strong> uma escola indígena<br />
diferenciada e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> t<strong>em</strong> início<br />
formal no ano <strong>de</strong> 1987 com a contratação<br />
pela Fundação Nacional <strong>do</strong> Índio (FUNAI)<br />
<strong>de</strong> duas professoras não-índias, para<br />
atuar<strong>em</strong> na Escola Municipal Pluri<strong>do</strong>cente<br />
Indígena Boa Esperança (COTA, 2008). O<br />
fato <strong>de</strong> essas professoras não <strong>do</strong>minar<strong>em</strong><br />
a língua Guarani dificultou imensamente<br />
o avanço das crianças <strong>em</strong> seu processo <strong>de</strong><br />
aprendizag<strong>em</strong>, <strong>de</strong>scaracterizan<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s<br />
papéis mais importantes da escola indígena,<br />
que é o <strong>de</strong> preservar e revitalizar sua cultura.<br />
Assim, iniciou-se um programa <strong>de</strong> formação<br />
e contratação <strong>de</strong> professores indígenas, com<br />
a intenção <strong>de</strong> se proce<strong>de</strong>r à substituição<br />
gradual das já referidas professoras. Tal fato<br />
abriu caminho para se colocar <strong>em</strong> prática leis<br />
que já exig<strong>em</strong> a elaboração <strong>de</strong> uma proposta<br />
curricular baseada <strong>em</strong> uma nova concepção<br />
<strong>de</strong> educação, na perspectiva indígena, na<br />
qual o ato <strong>de</strong> educar esteja amalgama<strong>do</strong><br />
com a cultura e a lógica <strong>de</strong> pensamento<br />
<strong>de</strong>sse povo. COTA explicita essa i<strong>de</strong>ia ao<br />
afirmar que<br />
[...] a escola, ao mesmo t<strong>em</strong>po que<br />
dialoga com outras culturas, contribui<br />
para a afirmação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica.<br />
É por isso que, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista <strong>do</strong>s<br />
Guarani, não somente os conteú<strong>do</strong>s,<br />
mas também os valores da socieda<strong>de</strong><br />
Guarani <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser ensina<strong>do</strong>s nas<br />
escolas. [...] Vista, a princípio, como um<br />
<strong>do</strong>s fatores <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição da cultura,<br />
a escola passou a ser consi<strong>de</strong>rada um<br />
instrumento que po<strong>de</strong> contribuir para<br />
a revitalização cultural (COTA, 2008, p.<br />
186).<br />
É assim que <strong>em</strong> 1993 t<strong>em</strong> início o processo<br />
<strong>de</strong> institucionalização da Educação Escolar<br />
Indígena, apoiada no princípio <strong>de</strong> que<br />
se <strong>de</strong>ve cunhar uma escola “indígena”<br />
constituída <strong>de</strong> professores indígenas, e não<br />
uma escola “para índios” (MONTSERRAT, 2000<br />
p. 103). O ponto <strong>de</strong> partida foi o ”Projeto <strong>de</strong><br />
Educação Formal e Popular Comunida<strong>de</strong>s<br />
Indígenas” (COTA, 2008, p.189), elabora<strong>do</strong><br />
<strong>em</strong> conjunto pela Secretaria Municipal <strong>de</strong><br />
Educação <strong>de</strong> Aracruz (SEMED), a Secretaria<br />
<strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> da Educação <strong>do</strong> Espírito Santo<br />
(SEDU), a Fundação Nacional <strong>do</strong> Índio<br />
(FUNAI), a Pastoral Indigenista e a equipe <strong>do</strong><br />
Centro Missionário Indigenista (CIMI).<br />
19
Essas ações conduziram à <strong>de</strong>liberação<br />
certeira <strong>de</strong> se trilhar um caminho que<br />
priorize a revitalização e sustentação da<br />
cultura <strong>do</strong> povo Guarani, mas que ao mesmo<br />
t<strong>em</strong>po promova o ensino <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>s que<br />
prepar<strong>em</strong> o indígena para o intercâmbio com<br />
a socieda<strong>de</strong> não-índia. Atualmente, notase<br />
o <strong>em</strong>penho das li<strong>de</strong>ranças no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
administrar as diferentes expectativas <strong>em</strong><br />
torno <strong>do</strong> papel da escola nas al<strong>de</strong>ias. Teao<br />
(2007) <strong>de</strong>tectou três formas <strong>de</strong> conceber<br />
a escola entre os Guarani das al<strong>de</strong>ias Boa<br />
Esperança e Três Palmeiras. Para as li<strong>de</strong>ranças<br />
políticas e religiosas das al<strong>de</strong>ias, a escola<br />
t<strong>em</strong> o papel pre<strong>do</strong>minante <strong>de</strong> trabalhar<br />
<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s aspectos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> oci<strong>de</strong>ntal<br />
urbano b<strong>em</strong> como <strong>de</strong> preservar a cultura<br />
Guarani; para os mais velhos, a escola t<strong>em</strong> a<br />
função <strong>de</strong> ensinar somente a cultura Guarani<br />
e o nhan<strong>de</strong>reko (mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> ser Guarani); para os<br />
pais e a comunida<strong>de</strong> <strong>em</strong> geral, a escola é um<br />
espaço alheio à cultura indígena, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong><br />
ensinar apenas a cultura “<strong>do</strong>s brancos”.<br />
A questão da revitalização cultural por meio<br />
da educação é tratada também entre os<br />
Kamaiurás, no Alto Xingu. Carvalho (2006)<br />
aponta para o fato que o projeto pedagógico<br />
elabora<strong>do</strong> pelos indígenas concebe a escola<br />
como espaço <strong>de</strong> preservação <strong>de</strong> aspectos<br />
culturais consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s importantes pelas<br />
li<strong>de</strong>ranças da al<strong>de</strong>ia. A escola <strong>de</strong>nominada<br />
Mawa’aiaká, cuja tradução é “escola <strong>de</strong> resgate<br />
cultural”, estabelece o ensino <strong>de</strong> Português<br />
e Mat<strong>em</strong>ática <strong>em</strong> paralelo com a música<br />
e o artesanato indígenas. Assim como na<br />
realida<strong>de</strong> vivida pelos Guarani <strong>do</strong> município<br />
<strong>de</strong> Aracruz, existe ali um <strong>de</strong>bate permanente<br />
sobre os objetivos da escolarização na<br />
al<strong>de</strong>ia. O resgate cultural, nesses casos, soa<br />
como notas políticas entoadas por um povo<br />
que <strong>de</strong>seja tomar <strong>em</strong> suas mãos as <strong>de</strong>cisões<br />
acerca <strong>de</strong> suas condições <strong>de</strong> vida.<br />
V<strong>em</strong>os, portanto, que o contexto das forças<br />
pós-mo<strong>de</strong>rnas – <strong>em</strong> diferentes contextos<br />
sociais - faz gerar, dialeticamente, a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pertencimento, o retorno<br />
às raízes e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, o olhar para<br />
o global, o cosmopolita. Benjamin (1994)<br />
afirmou que a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> trouxe a<br />
quebra <strong>do</strong> espelho, o <strong>de</strong>scentramento das<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, a ruptura da tradição; será<br />
que a música se coloca hoje – não como<br />
re<strong>de</strong>ntora – mas como um <strong>do</strong>s veículos mais<br />
apropria<strong>do</strong>s e competentes para produzir<br />
novos senti<strong>do</strong>s para os mais diversos grupos<br />
sociais que se manifestam por meio <strong>de</strong> seu<br />
trabalho, ou seja, na cultura, na estética?<br />
A arte como expressão da sensibilida<strong>de</strong>,<br />
da história, ou da cultura <strong>de</strong> uma pessoa<br />
ou <strong>de</strong> um povo, permanece aí, disponível<br />
como caminho viável para dar novas formas<br />
20
e novos significa<strong>do</strong>s à vida, enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a<br />
experiência pessoal – mesmo na coletivida<strong>de</strong><br />
- como instância única e insubstituível para<br />
os processos criativos:<br />
O artista informa a matéria com uma<br />
i<strong>de</strong>ia criativa. O objeto artístico é o que<br />
o artista pensou que ela viria a ser. O<br />
objeto pensa<strong>do</strong>, projeta<strong>do</strong>, proposto,<br />
sai da mente <strong>do</strong> artista. [...] A criação, as<br />
relações, surg<strong>em</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da mente.<br />
(COLA, 2008, p. 16-17)<br />
Nessa perspectiva, a produção e os usos<br />
da música nos dias atuais – <strong>em</strong> diferentes<br />
t<strong>em</strong>pos-espaços - reflet<strong>em</strong> essa realida<strong>de</strong><br />
complexa, formada <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s culturais e<br />
estéticas surpreen<strong>de</strong>ntes, misturan<strong>do</strong> a cada<br />
segun<strong>do</strong> novas e antigas versões <strong>de</strong> sons,<br />
timbres, cadências e personalida<strong>de</strong>s.<br />
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22
A INTERDISCIPLINARIDADE E SUAS<br />
CONTRIBUIÇÕES NA FORMAÇÃO<br />
INICIAL DO LICENCIANDO EM<br />
MÚSICA<br />
A<strong>de</strong>mir A<strong>de</strong>odato 1 e Alba Janes 2<br />
1<br />
Professor <strong>do</strong>s cursos <strong>de</strong> bacharela<strong>do</strong> e licenciatura da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> <strong>do</strong> Espírito Santo “Maurício <strong>de</strong> Oliveira” -<br />
FAMES, mestran<strong>do</strong> <strong>em</strong> música pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro – UFRJ.<br />
2<br />
Professora <strong>do</strong> curso <strong>de</strong> licenciatura da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> <strong>do</strong> Espírito Santo “Maurício <strong>de</strong> Oliveira” - FAMES,<br />
mestranda <strong>em</strong> música pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro – UFRJ.<br />
Resumo<br />
Neste artigo serão apresenta<strong>do</strong>s os primeiros resulta<strong>do</strong>s<br />
<strong>de</strong> uma proposta educativa interdisciplinar que<br />
v<strong>em</strong> sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvida no curso <strong>de</strong> Licenciatura <strong>em</strong><br />
Educação Musical da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> <strong>do</strong> Espírito<br />
Santo FAMES. A proposta v<strong>em</strong> sen<strong>do</strong> realizada por<br />
meio <strong>de</strong> da integração entre as disciplinas “Estágio<br />
Supervisiona<strong>do</strong> III” e “Apreciação Musical I”. Os alunos<br />
que participam da proposta são licencian<strong>do</strong>s que cursam<br />
o sétimo perío<strong>do</strong>. O trabalho t<strong>em</strong> como objetivo<br />
proporcionar-lhes uma vivência interdisciplinar que<br />
lhes <strong>de</strong><strong>em</strong> referenciais teóricos e práticos que os estimul<strong>em</strong><br />
a buscar, <strong>em</strong> sua futura prática <strong>do</strong>cente, experiências<br />
pedagógicas interdisciplinares. Buscan<strong>do</strong><br />
refletir e compartilhar os primeiros resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>sta<br />
meto<strong>do</strong>logia <strong>de</strong> ensino, foi realiza<strong>do</strong> um levantamento<br />
junto aos alunos participantes. Ten<strong>do</strong> como referência<br />
a abordag<strong>em</strong> qualitativa, as informações foram<br />
colhidas por meio <strong>de</strong> questionários e relatos. Acredita-se<br />
que este tipo <strong>de</strong> proposta possa contribuir <strong>de</strong><br />
forma relevante para a formação <strong>do</strong> futuro professor.<br />
Palavras-chave: interdisciplinarida<strong>de</strong> - ensino superior<br />
- educação musical.<br />
Abstract<br />
In this article we will present the first results of an interdisciplinary<br />
educational approach that has been<br />
<strong>de</strong>veloped in the Bachelor’s Degree in Music Education,<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> <strong>do</strong> Espírito Santo -FAMES.<br />
The proposal has been accomplished through the<br />
integration of the disciplines “Supervised Internship<br />
III” and “Music Appreciation I”. Stu<strong>de</strong>nts who participate<br />
in the proposal are un<strong>de</strong>rgraduates who attend<br />
the seventh period. The paper aims to provi<strong>de</strong> th<strong>em</strong><br />
an experience that give th<strong>em</strong> an interdisciplinary<br />
theoretical and practical encourages th<strong>em</strong> to seek, in<br />
their future teaching practice, interdisciplinary learning<br />
experiences. Seeking to reflect and share the first<br />
results of this teaching metho<strong>do</strong>logy, a survey was<br />
conducted with the stu<strong>de</strong>nts participating. With reference<br />
to the qualitative approach, data were collected<br />
through questionnaires and reports. It is believed that<br />
this type of proposal will contribute significantly to<br />
the education of future teachers.<br />
Keywords: interdisciplinarity - higher education -<br />
music education.
Introdução<br />
A fragmentação <strong>do</strong> conhecimento é uma<br />
realida<strong>de</strong> presente nos currículos escolares<br />
da educação básica e tal afirmação aplica-se<br />
também ao ensino superior (FAZENDA, 1994;<br />
LÜCK, 2001). Diferentes estu<strong>do</strong>s apontam<br />
a urgência <strong>em</strong> se <strong>de</strong>senvolver um currículo<br />
escolar basea<strong>do</strong> na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações,<br />
eliminan<strong>do</strong>-se os redutos disciplinares, <strong>em</strong><br />
prol <strong>de</strong> uma proposta interdisciplinar.<br />
De acor<strong>do</strong> com Fazenda (1994) a educação<br />
<strong>de</strong>ve ser entendida e trabalhada <strong>de</strong> forma<br />
integrada e essa necessida<strong>de</strong> impõe-se não<br />
só como forma <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r e modificar<br />
o mun<strong>do</strong>, mas como uma exigência interna<br />
das ciências que buscam o restabelecimento<br />
da unida<strong>de</strong> perdida <strong>do</strong> saber. Para isso<br />
não é suficiente apenas a integração <strong>do</strong>s<br />
conteú<strong>do</strong>s, mas antes torna-se necessária<br />
uma postura interdisciplinar que implique<br />
numa atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> busca, envolvimento,<br />
compromisso e reciprocida<strong>de</strong> diante <strong>do</strong><br />
conhecimento (NOGUEIRA, 1998).<br />
A urgência <strong>de</strong> se promover para os alunos <strong>do</strong><br />
ensino superior vivências interdisciplinares<br />
que lhes propici<strong>em</strong> o contato com o<br />
conhecimento <strong>de</strong> forma mais integrada,<br />
e assim os aju<strong>de</strong>m a perceber as várias<br />
dimensões <strong>do</strong> conhecimento, é <strong>de</strong>stacada<br />
por Favarão & Araújo (2004). Neste contexto,<br />
a universida<strong>de</strong> é <strong>de</strong>safiada a assumir uma<br />
nova postura meto<strong>do</strong>lógica, rompen<strong>do</strong><br />
antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> com o paradigma positivista<br />
incorpora<strong>do</strong> com a ciência mo<strong>de</strong>rna<br />
que se caracteriza pela fragmentação <strong>do</strong><br />
conhecimento.<br />
Inserin<strong>do</strong>-se neste contexto, este relato<br />
<strong>de</strong> experiência t<strong>em</strong> como objetivo refletir<br />
sobre a importância da interdisciplinarida<strong>de</strong><br />
no processo <strong>de</strong> ensino-aprendizag<strong>em</strong> da<br />
Educação Superior. Desta forma, projetase<br />
para este texto a conceituação <strong>do</strong> termo<br />
interdisciplinarida<strong>de</strong>, uma breve exposição<br />
<strong>de</strong> uma proposta interdisciplinar <strong>em</strong> uma<br />
instituição <strong>de</strong> ensino superior <strong>de</strong> música, os<br />
pressupostos conceituas e meto<strong>do</strong>lógicos<br />
que nortearam tal iniciativa.<br />
Interdisciplinarida<strong>de</strong>: Aproximações<br />
Conceituais<br />
O conceito <strong>de</strong> interdisciplinarida<strong>de</strong> surgiu<br />
da compulsão <strong>de</strong> existir uma interação<br />
dinâmica entre as ciências (LIMA, 2007). A<br />
autora indica que a proposta veio substituir<br />
uma or<strong>de</strong>m hierárquica <strong>do</strong>s conhecimentos,<br />
veiculada a partir das proposições<br />
positivistas. Desta forma, estabelecer uma<br />
sequência organizada na comunicação <strong>do</strong><br />
saber, partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> centro das estruturas<br />
disciplinares para o seu entorno, cuidan<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
24
integrar e comunicar as disciplinas e <strong>de</strong> fazêlas<br />
mais conectadas com as necessida<strong>de</strong>s<br />
sócio-culturais tornou-se uma necessida<strong>de</strong><br />
(LIMA, 2007).<br />
Segun<strong>do</strong> Fazenda (1994), a<br />
interdisciplinarida<strong>de</strong> surgiu na França e<br />
na Itália <strong>em</strong> mea<strong>do</strong>s da década <strong>de</strong> 60,<br />
num perío<strong>do</strong> marca<strong>do</strong> pelos movimentos<br />
estudantis que, <strong>de</strong>ntre outras coisas,<br />
reivindicavam um ensino mais sintoniza<strong>do</strong><br />
com as gran<strong>de</strong>s questões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />
social, política e econômica da época. A<br />
interdisciplinarida<strong>de</strong> teria si<strong>do</strong> uma resposta<br />
a tal reivindicação, na medida <strong>em</strong> que os<br />
gran<strong>de</strong>s probl<strong>em</strong>as da época não po<strong>de</strong>riam<br />
ser resolvi<strong>do</strong>s por uma única disciplina ou<br />
área <strong>do</strong> saber.<br />
De acor<strong>do</strong> com Zabala (2005) a<br />
interdisciplinarida<strong>de</strong> é parte <strong>de</strong> um<br />
movimento que busca a superação da<br />
disciplinarida<strong>de</strong>. Assim, o mesmo po<strong>de</strong><br />
ser <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> pela interação <strong>de</strong> duas ou<br />
mais disciplinas. Essas interações po<strong>de</strong>m<br />
implicar <strong>em</strong> transferências <strong>de</strong> leis <strong>de</strong> uma<br />
disciplina à outra, originan<strong>do</strong> um novo corpo<br />
disciplinar. É caracterizada pela presença<br />
<strong>de</strong> uma axiomática comum a um grupo<br />
<strong>de</strong> disciplinas, o que introduz a noção <strong>de</strong><br />
finalida<strong>de</strong> (ZABALA, 2005; JAPIASSÚ, 1976).<br />
Na educação, a interdisciplinarida<strong>de</strong> se<br />
manifesta enquanto possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
quebrar a rigi<strong>de</strong>z <strong>do</strong>s compartimentos <strong>em</strong><br />
que se encontram isoladas as disciplinas<br />
<strong>do</strong>s currículos escolares. Segun<strong>do</strong> Dencker<br />
(2002, p. 19), “ela nasce da hipótese <strong>de</strong><br />
que, por seu intermédio, é possível superar<br />
os probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong>correntes da excessiva<br />
especialização, contribuin<strong>do</strong> para vincular o<br />
conhecimento à prática”. Porém, numa prática<br />
interdisciplinar não se busca a eliminação<br />
das disciplinas, mas, antes, trata-se <strong>de</strong><br />
torná-las comunicativas entre si, concebêlas<br />
como processos históricos e culturais<br />
(FAZENDA 1994). Desta forma, não se dilui<br />
as disciplinas. Ao contrário, são mantidas<br />
suas individualida<strong>de</strong>s na busca pelo diálogo,<br />
ten<strong>do</strong> como ponto <strong>de</strong> convergência a ação<br />
que se <strong>de</strong>senvolve num trabalho cooperativo<br />
e reflexivo.<br />
No contexto educacional da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>,<br />
a interdisciplinarida<strong>de</strong> surge quan<strong>do</strong> se<br />
iniciam as críticas ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> ensino<br />
fragmenta<strong>do</strong> e <strong>de</strong>sconecta<strong>do</strong> <strong>do</strong> cotidiano<br />
das pessoas, no qual os conhecimentos<br />
passam a ser questiona<strong>do</strong>s <strong>em</strong> sua utilida<strong>de</strong><br />
prática. No Brasil, as pesquisas se iniciam<br />
<strong>em</strong> mea<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 1970 com Japiassú (1976),<br />
segui<strong>do</strong> <strong>de</strong> Fazenda (1993) e Lück (1993).<br />
Na década <strong>de</strong> 70, a interdisciplinarida<strong>de</strong>,<br />
25
no Brasil, exerceu influência na elaboração<br />
da Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases Nº 5.692/71.<br />
Des<strong>de</strong> então, sua presença no cenário<br />
educacional brasileiro t<strong>em</strong> se intensifica<strong>do</strong> e,<br />
recent<strong>em</strong>ente, mais ainda, com a nova LDB<br />
Nº 9.394/96 e com os Parâmetros Curriculares<br />
Nacionais (PCN). Além <strong>de</strong> sua forte influência<br />
na legislação e nas propostas curriculares,<br />
a interdisciplinarida<strong>de</strong> ganhou força nas<br />
escolas, principalmente no discurso e na<br />
prática <strong>de</strong> professores <strong>do</strong>s diversos níveis <strong>de</strong><br />
ensino.<br />
A interterdisciplinarida<strong>de</strong> supõe um<br />
eixo integra<strong>do</strong>r, que po<strong>de</strong> ser o objeto<br />
<strong>de</strong> conhecimento, um projeto <strong>de</strong><br />
investigação, um plano <strong>de</strong> intervenção.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, ela <strong>de</strong>ve partir da<br />
necessida<strong>de</strong> sentida pelas escolas,<br />
professores e alunos <strong>de</strong> explicar,<br />
compreen<strong>de</strong>r, intervir, mudar, prever,<br />
algo que <strong>de</strong>safia uma disciplina isolada<br />
e atrai a atenção <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> um olhar,<br />
talvez vários (BRASIL, 2002, p. 76).<br />
Neste contexto, a interdisciplinarida<strong>de</strong><br />
correspon<strong>de</strong> a uma nova consciência da<br />
realida<strong>de</strong>, a um novo mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> pensar, que<br />
resulta num ato <strong>de</strong> troca, <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong><br />
e integração entre áreas diferentes <strong>de</strong><br />
conhecimento, visan<strong>do</strong> tanto à produção <strong>de</strong><br />
novos conhecimentos, como à resolução <strong>de</strong><br />
probl<strong>em</strong>as, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> global e abrangente.<br />
Na educação básica, muitos projetos e práticas<br />
t<strong>em</strong> si<strong>do</strong> a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s, sobretu<strong>do</strong> na tentativa<br />
<strong>de</strong> superar a fragmetação <strong>do</strong> conhecimento<br />
e criar uma relação entre o conhecimento e<br />
a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong> aluno. É importante enfatizar<br />
que a interdisciplinarida<strong>de</strong> supõe um<br />
eixo integra<strong>do</strong>r com as disciplinas <strong>de</strong> um<br />
currículo, para que os alunos aprendam<br />
a olhar o mesmo objeto sob perspectivas<br />
diferentes.<br />
A importância da interdisciplinarida<strong>de</strong><br />
aponta para a construção <strong>de</strong> uma escola<br />
participativa e <strong>de</strong>cisiva na formação <strong>do</strong><br />
sujeito social. O seu objetivo tornou-se a<br />
experimentação da vivência <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong><br />
global, que se insere nas experiências<br />
cotidianas <strong>do</strong> aluno e <strong>do</strong> professor.<br />
A busca pela prática interdisciplinar no nível<br />
superior torna-se uma necessida<strong>de</strong> frente ao<br />
<strong>de</strong>safio <strong>de</strong> se formar profissionais mais b<strong>em</strong><br />
prepara<strong>do</strong>s para o merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> trabalho.<br />
A construção interdisciplinar reclama o<br />
envolvimento <strong>de</strong> educa<strong>do</strong>res na busca <strong>de</strong><br />
soluções para os probl<strong>em</strong>as relaciona<strong>do</strong>s<br />
ao ensino e à pesquisa. Assim, no ensino<br />
superior, a interdisciplinarida<strong>de</strong> representa<br />
um processo que envolve a integração e o<br />
engajamento <strong>de</strong> educa<strong>do</strong>res, num trabalho<br />
conjunto, <strong>de</strong> busca pela interação das<br />
disciplinas com a realida<strong>de</strong> (LÜCK, 2001).<br />
26
Relato <strong>de</strong> uma Experiência Interdisciplinar<br />
A ação que será relatada v<strong>em</strong> sen<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvida no curso <strong>de</strong> Licenciatura <strong>em</strong><br />
Educação Musical da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> <strong>do</strong><br />
Espírito Santo “Maurício <strong>de</strong> Oliveira” – FAMES.<br />
Esta Instituição possui caráter autárquico e é<br />
mantida pelo <strong>Governo</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Espírito<br />
Santo. Foi fundada <strong>em</strong> 1952 e inicialmente<br />
contou apenas com curso superior nas<br />
habilitações <strong>de</strong> canto, piano e violino. No ano<br />
<strong>de</strong> 2004 foi cria<strong>do</strong> o Curso <strong>de</strong> Licenciatura<br />
<strong>em</strong> Educação Musical ten<strong>do</strong> forma<strong>do</strong> sua<br />
primeira turma <strong>de</strong> licencia<strong>do</strong>s <strong>em</strong> 2009.<br />
A proposta interdisciplinar envolveu as<br />
disciplinas “Estágio Supervisiona<strong>do</strong> III (Ensino<br />
Médio)” e “Apreciação Musical I”. Ambas são<br />
obrigatórias para o curso <strong>de</strong> licenciatura.<br />
As disciplinas <strong>de</strong> “Estágios Supervisiona<strong>do</strong>s<br />
I, II, III e IV” visam à integração entre os<br />
conhecimentos teóricos e práticos e o<br />
aprendiza<strong>do</strong> <strong>de</strong> competências próprias<br />
para a futura ativida<strong>de</strong> profissional. Desta<br />
forma, têm por objetivo permitir que os<br />
alunos conheçam, reflitam e vivenci<strong>em</strong> a<br />
prática pedagógica cotidiana <strong>de</strong> educa<strong>do</strong>res<br />
musicais que atuam na educação básica e<br />
<strong>em</strong> espaços não-formais. As disciplinas estão<br />
distribuídas <strong>em</strong> quatro s<strong>em</strong>estres e focam<br />
a Educação Infantil, o Ensino Fundamental,<br />
o Ensino Médio e Espaços Não-Escolares.<br />
Cada perío<strong>do</strong> correspon<strong>de</strong> a 100 horas,<br />
totalizan<strong>do</strong> 400 horas curriculares. Como<br />
parte da proposta <strong>de</strong>stas disciplinas o<br />
aluno-estagiário <strong>de</strong>ve elaborar um projeto<br />
<strong>de</strong> intervenção pedagógica e colocá-lo <strong>em</strong><br />
prática. Cabe ressaltar a importância <strong>de</strong>sta<br />
disciplina, pois <strong>em</strong> muitos casos o Estágio<br />
Supervisiona<strong>do</strong> é o primeiro contato que o<br />
aluno-professor t<strong>em</strong> com seu futuro campo<br />
<strong>de</strong> atuação.<br />
No que se refere à disciplina “Apreciação<br />
Musical”, a carga horária é <strong>de</strong> 60h s<strong>em</strong>estrais<br />
e é oferecida no 7º e 8° perío<strong>do</strong>s, totalizan<strong>do</strong><br />
120 horas curriculares. T<strong>em</strong> como objetivo<br />
contribuir para a ampliação <strong>do</strong> pensar<br />
reflexivo e crítico acerca da inerente relação<br />
entre práticas musicais e o ambiente social,<br />
histórico e cultural <strong>em</strong> que são produzidas.<br />
Neste senti<strong>do</strong>, através <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> analítico<br />
<strong>de</strong> um repertório musical abrangente, que<br />
envolve músicas <strong>de</strong> diferentes estilos, culturas<br />
e épocas, busca-se o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
<strong>de</strong> uma escuta musical crítica, reflexiva e<br />
historicamente contextualizada.<br />
Acreditan<strong>do</strong> que é importante fazer com que<br />
as disciplinas dialogu<strong>em</strong> entre si, a fim <strong>de</strong><br />
que se perceba a unida<strong>de</strong> na diversida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />
conhecimentos, tanto <strong>em</strong> nível <strong>de</strong> pesquisas<br />
científicas quanto nas relações pedagógicas<br />
27
<strong>em</strong> sala <strong>de</strong> aula, buscou-se <strong>de</strong>senvolver <strong>de</strong><br />
forma articulada as duas disciplinas acima<br />
mencionadas. Em linhas gerais a proposta<br />
buscou fazer com que as aulas <strong>de</strong> apreciação<br />
musical pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> se articular com a<br />
prática <strong>de</strong> ensino que seria <strong>de</strong>senvolvida na<br />
disciplina Estágio Supervisiona<strong>do</strong> III.<br />
A interdisciplinarida<strong>de</strong> exige o<br />
estabelecimento <strong>de</strong> um t<strong>em</strong>a gera<strong>do</strong>r,<br />
levan<strong>do</strong>-se <strong>em</strong> conta a necessida<strong>de</strong> da<br />
clientela escolar, pois consiste num motivo<br />
<strong>de</strong> estu<strong>do</strong> e estruturação, que visa à<br />
integração das disciplinas, resultan<strong>do</strong> <strong>em</strong><br />
conhecimentos diferentes, complexos,<br />
reconstruin<strong>do</strong> e dan<strong>do</strong> significa<strong>do</strong> ao<br />
assunto escolhi<strong>do</strong> (FAVARÃO & ARAÚJO,<br />
2004). Assim, buscamos um eixo integra<strong>do</strong>r<br />
por meio <strong>do</strong> qual fosse possível congregar as<br />
disciplinas com objetos comuns <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s.<br />
Este eixo <strong>em</strong> nossa proposta foi o trabalho<br />
pedagógico nos momentos <strong>do</strong> estágio.<br />
O ponto <strong>de</strong> partida e <strong>de</strong> chegada <strong>de</strong> uma<br />
prática interdisciplinar está na administração<br />
participativa e na meto<strong>do</strong>logia participativa.<br />
Desta forma, através <strong>do</strong> diálogo que se<br />
estabelece entre as disciplinas e entre os<br />
sujeitos das ações, a interdisciplinarida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>volve a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> às disciplinas,<br />
fortalecen<strong>do</strong>-as e evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong> uma<br />
mudança <strong>de</strong> postura na prática pedagógica<br />
(FAZENDA, 1994). Pautan<strong>do</strong>-se nestes<br />
preceitos buscou-se organizar os conteú<strong>do</strong>s<br />
e a meto<strong>do</strong>logia da disciplina “Apreciação<br />
Musical” <strong>em</strong> parceria com os licencian<strong>do</strong>s.<br />
Com isso, foram realiza<strong>do</strong>s momentos<br />
<strong>de</strong> discussão, e a partir <strong>de</strong>sses diálogos<br />
<strong>de</strong>finiram-se um conjunto <strong>de</strong> estilos musicais<br />
que norteariam as aulas. Estes conteú<strong>do</strong>s se<br />
pautaram <strong>em</strong> levantamentos preliminares<br />
feitos pelos licencian<strong>do</strong>s nas salas <strong>de</strong> aulas<br />
<strong>em</strong> que iriam estagiar. Assim, paralelamente<br />
às ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> estágio, a disciplina <strong>de</strong><br />
apreciação foi sen<strong>do</strong> construída <strong>em</strong> função<br />
da <strong>de</strong>manda que <strong>em</strong>ergia das práticas <strong>de</strong><br />
ensino no estágio.<br />
Dentre os t<strong>em</strong>as aponta<strong>do</strong>s como relevantes<br />
para ser<strong>em</strong> aborda<strong>do</strong>s nas aulas estavam:<br />
manifestações folclóricas da cultura popular<br />
brasileira; reflexão sobre a produção musical<br />
brasileira na cont<strong>em</strong>poraneida<strong>de</strong> principal<br />
no que se refere às misturas <strong>de</strong> estilos<br />
(tecnobrega; Mangue beat, o Rokcongo 1 ,<br />
etc); a Indústria Cultural; o Funk; o Rap; o<br />
Hip Hop; a música eletrônica. Para subsidiar<br />
os trabalhos foram <strong>de</strong>senvolvidas leituras<br />
e discussões <strong>de</strong> textos, a exposição e a<br />
apreciação dialogada <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plos musicais<br />
<strong>em</strong> áudio e/ou ví<strong>de</strong>o, dinâmicas e trabalhos<br />
1 O Rockongo é um estilo musical capixaba<br />
cria<strong>do</strong> <strong>em</strong> mea<strong>do</strong>s na década <strong>de</strong> noventa pela banda<br />
capixaba “Manimal”. A proposta é a fusão <strong>do</strong> Pop-<br />
Rock com um estilo regional capixaba o Congo.<br />
28
<strong>em</strong> grupo, e, principalmente, a discussão<br />
coletiva <strong>do</strong>s assuntos aborda<strong>do</strong>s.<br />
Uma dinâmica interessante que foi<br />
<strong>de</strong>senvolvida na aula diz respeito à solicitação<br />
que foi feita aos licencian<strong>do</strong>s para escolher<strong>em</strong><br />
um <strong>do</strong>s t<strong>em</strong>as elenca<strong>do</strong>s e elaborar<strong>em</strong> uma<br />
proposta pedagógica <strong>de</strong> apreciação musical<br />
a qual seria apresentada para o restante<br />
da turma <strong>em</strong> forma <strong>de</strong> s<strong>em</strong>inário. Nesta<br />
prática os alunos partiram <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo<br />
<strong>de</strong> plano <strong>de</strong> aula <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> na disciplina<br />
estágio supervisiona<strong>do</strong>, o qual po<strong>de</strong>ria ser<br />
adapta<strong>do</strong> <strong>em</strong> função da especificida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />
t<strong>em</strong>a escolhi<strong>do</strong>. Durante os s<strong>em</strong>inários,<br />
percebeu-se que a maior parte <strong>do</strong>s trabalhos<br />
elabora<strong>do</strong>s partiu <strong>de</strong> vivências que os<br />
estagiários <strong>de</strong>senvolveram nas escolas <strong>de</strong><br />
ensino médio. Assim, a apresentação acabou<br />
toman<strong>do</strong> um caráter <strong>de</strong> relato <strong>de</strong> experiência<br />
pedagógica, o que permitiu uma discussão<br />
bastante significativa, já que a gran<strong>de</strong> parte<br />
<strong>do</strong>s <strong>de</strong>safios e possibilida<strong>de</strong>s apresentadas<br />
por um, acabaram sen<strong>do</strong> compartilha<strong>do</strong>s<br />
pelos <strong>de</strong>mais colegas.<br />
No final <strong>do</strong> s<strong>em</strong>estre, foi <strong>de</strong>senvolvida<br />
com os alunos uma discussão coletiva,<br />
avalian<strong>do</strong> a proposta realizada e também<br />
foram aplica<strong>do</strong>s questionários, os quais<br />
objetivavam realizar um levantamento mais<br />
sist<strong>em</strong>ático sobre os impactos da proposta<br />
interdisciplinar nas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> estágio.<br />
Este último procedimento será relata<strong>do</strong> a<br />
seguir.<br />
Análise <strong>do</strong>s Questionários<br />
A aplicação <strong>do</strong> questionário foi dirigida<br />
a to<strong>do</strong>s os alunos que cursaram as duas<br />
disciplinas simultaneamente. Ao to<strong>do</strong>,<br />
foram envia<strong>do</strong>s 17 questionários, <strong>do</strong>s quais<br />
13 foram respondi<strong>do</strong>s. Os questionários<br />
apresentavam 6 perguntas fechadas e 2<br />
perguntas abertas.<br />
Em linhas gerais, as questões abordaram<br />
aspectos que se direcionaram a 4 pontos:<br />
(1) a importância das disciplinas “Estágio<br />
Supervisiona<strong>do</strong>” e “Apreciação Musical”<br />
na formação <strong>do</strong>cente <strong>do</strong> professor <strong>de</strong><br />
música; (2) a importância <strong>de</strong> se constituir<br />
uma relação interdisciplinar das disciplinas<br />
no ensino superior; (3) a contribuição da<br />
proposta interdisciplinar que havia si<strong>do</strong><br />
realizada para as intervenções pedagógicas<br />
que eles <strong>de</strong>senvolveram no estágio; (4) se<br />
eles já haviam vivencia<strong>do</strong> outras propostas<br />
interdisciplinares durante o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
<strong>do</strong> curso <strong>de</strong> licenciatura. Sobre o primeiro<br />
ponto, cerca <strong>de</strong> 85% <strong>do</strong>s alunos apontaram<br />
ser<strong>em</strong> muito importantes as duas disciplinas.<br />
A transcrição <strong>de</strong> algumas respostas po<strong>de</strong><br />
indicar a visão <strong>do</strong>s alunos sobre este aspecto.<br />
29
Nas transcrições os alunos serão i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s<br />
pela numeração presente nos questionários.<br />
Contribu<strong>em</strong> gran<strong>de</strong>mente, uma vez que<br />
o Estágio é o momento <strong>de</strong> colocarmos<br />
<strong>em</strong> prática o que apren<strong>de</strong>mos na<br />
Licenciatura e a Apreciação Musical v<strong>em</strong><br />
nortear o caminho ”<strong>do</strong> quê” po<strong>de</strong>mos<br />
fazer/trabalhar na sala <strong>de</strong> aula com<br />
esses alunos. (aluno 5).<br />
O estágio nos ajuda a viver mais perto<br />
a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula, tanto como<br />
<strong>de</strong>v<strong>em</strong>os nos portar como educa<strong>do</strong>res,<br />
como o que <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os <strong>do</strong>minar para<br />
atuar <strong>em</strong> sala <strong>de</strong> aula, tiran<strong>do</strong> um pouco<br />
<strong>do</strong> me<strong>do</strong> que nós t<strong>em</strong>os <strong>de</strong> enfrentar<br />
essa realida<strong>de</strong>. A apreciação nos<br />
acrescenta conhecimentos novos, e que<br />
sei, vou utilizá-los com mais intensida<strong>de</strong><br />
daqui a um t<strong>em</strong>po (preciso <strong>do</strong>miná-los<br />
mais), porém já são importantes <strong>de</strong>mais<br />
para a minha prática (aluno 2).<br />
As respostas acima nos permit<strong>em</strong> refletir<br />
sobre a relevância <strong>do</strong> Estágio Supervisiona<strong>do</strong><br />
na formação <strong>do</strong>s licencian<strong>do</strong>s, o qual acaba<br />
funcionan<strong>do</strong> como um elo entre os mun<strong>do</strong>s<br />
acadêmico e profissional. Por meio <strong>de</strong>le é<br />
possível, inclusive, conhecer realida<strong>de</strong>s tanto<br />
que nos motiv<strong>em</strong> quanto que nos <strong>de</strong>safiam.<br />
Como po<strong>de</strong> ser percebida na resposta<br />
transcrita, “T<strong>em</strong> si<strong>do</strong> uma vivência importante<br />
para mim, me confirman<strong>do</strong> que este é um<br />
público que eu não preten<strong>do</strong> trabalhar, pois<br />
eles só ouv<strong>em</strong> o que gostam e não procuram<br />
<strong>de</strong>senvolver ou pesquisar outros estilos.<br />
(aluno 1)”. É sobre essa limitação que <strong>de</strong>ve<br />
ser estabelecida a base <strong>de</strong> transformação<br />
pedagógica, interligan<strong>do</strong> teoria e prática,<br />
estabelecen<strong>do</strong> relações entre os objetos <strong>de</strong><br />
conhecimento e a realida<strong>de</strong> social e escolar.<br />
No que se refere ao segun<strong>do</strong> ponto, 90% <strong>do</strong>s<br />
alunos consi<strong>de</strong>raram ser muito importante<br />
estabelecer uma relação interdisciplinar<br />
entre os diferentes conteú<strong>do</strong>s das disciplinas.<br />
Isto po<strong>de</strong> ser percebi<strong>do</strong> na seguinte<br />
transcrição, “A união <strong>de</strong>stas disciplinas<br />
faz<strong>em</strong> uma ponte entre teoria-prática nos<br />
proporcionan<strong>do</strong> conhecimento, reflexão e<br />
segurança. Atuamos mais prepara<strong>do</strong>s <strong>em</strong><br />
relação à realida<strong>de</strong> que encontramos <strong>em</strong><br />
campo.” (aluno 7).<br />
A transcrição a seguir aponta para o<br />
reconhecimento da importância da prática<br />
interdisciplinar: “Na minha opinião <strong>de</strong>ve<br />
incluir também a aula <strong>de</strong> História da <strong>Música</strong><br />
VI (história da música popular), forman<strong>do</strong><br />
um trio imbatível e in<strong>do</strong> além da questão<br />
<strong>do</strong>s estilos musicais (o que já t<strong>em</strong> si<strong>do</strong> feito,<br />
na diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> t<strong>em</strong>as <strong>de</strong> s<strong>em</strong>inários, etc.)”<br />
(aluno 11).<br />
Quanto ao terceiro ponto <strong>em</strong> que os alunos<br />
foram questiona<strong>do</strong>s sobre a contribuição da<br />
proposta interdisciplinar <strong>de</strong>senvolvida, 70%<br />
indicaram que a proposta foi muito relevante.<br />
A contribuição que os conteú<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />
30
Apreciação Musical dão ao Estágio<br />
Supervisiona<strong>do</strong> é notável, pois<br />
os diversos gêneros musicais e o<br />
contexto histórico <strong>em</strong> que cada um<br />
está envolvi<strong>do</strong> é justamente o que<br />
preten<strong>de</strong>mos e po<strong>de</strong>mos trabalhar com<br />
o Ensino Médio. (aluno 3).<br />
Porém, alguns alunos apontaram<br />
dificulda<strong>de</strong>s <strong>em</strong> função da novida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
vários <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s que foram aborda<strong>do</strong>s.<br />
Como po<strong>de</strong> ser percebi<strong>do</strong> nas respostas,<br />
Devi<strong>do</strong> ao t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> absorção <strong>do</strong>s<br />
conteú<strong>do</strong>s na aula <strong>de</strong> apreciação, não<br />
vou consegui aplicar to<strong>do</strong>s os que foram<br />
apresenta<strong>do</strong>s nesse perío<strong>do</strong>. Creio que<br />
só será possível aplicar gran<strong>de</strong> parte <strong>do</strong><br />
conteú<strong>do</strong>, daqui algum t<strong>em</strong>po, quan<strong>do</strong><br />
vamos <strong>do</strong>minar os conteú<strong>do</strong>s recebi<strong>do</strong>s<br />
na disciplina <strong>de</strong> apreciação, pois muita<br />
coisa que estamos receben<strong>do</strong> é nova.<br />
(aluno 4).<br />
Acho váli<strong>do</strong>, porém s<strong>em</strong> garantias<br />
<strong>de</strong> uso, uma vez que os alunos <strong>de</strong><br />
Estágio po<strong>de</strong>m, a seu mo<strong>do</strong>, readaptar<br />
to<strong>do</strong> o conteú<strong>do</strong> ou ainda fazer algo<br />
absolutamente diferente <strong>do</strong> que foi<br />
sugeri<strong>do</strong> como proposta <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s,<br />
mas isso não diminui o valor ou a<br />
contribuição <strong>de</strong>ssa interdisciplinarida<strong>de</strong><br />
(aluno3).<br />
A resposta a seguir se refere à percepção que<br />
os licencian<strong>do</strong>s tinham sobre a importância<br />
<strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s que foram <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s,<br />
estilos musicais atuais e que os<br />
jovens gostam para qu<strong>em</strong> preten<strong>de</strong><br />
trabalhar estilos musicais brasileiros,<br />
a interdisciplinarida<strong>de</strong> apreciaçãoestágio<br />
t<strong>em</strong> si<strong>do</strong> proveitosa. (Aluno 6)<br />
Outra resposta também indica a aceitação<br />
<strong>do</strong>s licencian<strong>do</strong>s quanto aos conteú<strong>do</strong>s<br />
<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s: “Tu<strong>do</strong> que estamos estudan<strong>do</strong><br />
na matéria <strong>de</strong> apreciação Musical I é o dia a<br />
dia <strong>do</strong>s alunos <strong>do</strong> ensino médio. (aluno 9)”.<br />
Porém, cabe uma análise mais específica<br />
sobre o apontamento que se segue: “Alguns<br />
conteú<strong>do</strong>s sim, outros não. Acho importante<br />
que os estilos regionais encontra<strong>do</strong>s no<br />
nosso país sejam conheci<strong>do</strong>s pelos nossos<br />
alunos, claro que também é importante<br />
conhecer<strong>em</strong> o mun<strong>do</strong>, mas valorizar a nossa<br />
cultura é <strong>de</strong> extr<strong>em</strong>a importância.” (aluno<br />
4). Sobre esta resposta cabe <strong>de</strong>stacar que<br />
<strong>em</strong>bora as escolhas <strong>do</strong>s t<strong>em</strong>as tenha si<strong>do</strong><br />
coletiva, isso não quer dizer que os assuntos<br />
foram escolhi<strong>do</strong>s por unanimida<strong>de</strong>. Esta<br />
dinâmica foi <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância, pois a<br />
falta <strong>de</strong> consenso sobre quais os conteú<strong>do</strong>s<br />
<strong>de</strong>veriam ser estuda<strong>do</strong>s e posteriormente<br />
<strong>em</strong>prega<strong>do</strong>s nos estágios, gerou discussões<br />
entre os licencian<strong>do</strong>s que <strong>em</strong> muitos<br />
aspectos acabavam por se ass<strong>em</strong>elhar às<br />
futuras discussões que seriam promovidas<br />
nas salas com os alunos <strong>do</strong> ensino médio.<br />
Estamos aproveitan<strong>do</strong> bastante o<br />
conteú<strong>do</strong> da disciplina Apreciação<br />
Musical I por estar se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
Finalmente sobre o último ponto on<strong>de</strong><br />
os alunos foram pergunta<strong>do</strong>s se já<br />
31
haviam vivencia<strong>do</strong>s outras propostas<br />
interdisciplinares durante o curso <strong>de</strong><br />
licenciatura, chamou-nos a atenção o<br />
fato que 100% <strong>do</strong>s alunos respon<strong>de</strong>ram<br />
negativamente a esta questão. Isto po<strong>de</strong> ser<br />
percebi<strong>do</strong> nas falas <strong>de</strong> alguns alunos que<br />
apontam estas propostas como inova<strong>do</strong>ras:<br />
“Penso que é uma inovação muito boa, pois,<br />
uma matéria completa a outra.” (aluno 7), ou<br />
ainda: “É uma meto<strong>do</strong>logia nova <strong>de</strong> ensino<br />
que possibilita melhor o aprendiza<strong>do</strong>.” (aluno<br />
13). Estas transcrições <strong>de</strong>monstram o enorme<br />
<strong>de</strong>safio que t<strong>em</strong>os pela frente, ou seja, inserir<br />
<strong>de</strong> forma efetiva e contínua práticas <strong>de</strong><br />
ensino e aprendizagens interdisciplinares no<br />
ensino superior.<br />
Consi<strong>de</strong>rações Finais<br />
Ao refletirmos sobre práticas<br />
interdisciplinares perceb<strong>em</strong>os que os<br />
<strong>em</strong>pecilhos à não-fragmentação <strong>do</strong> currículo<br />
<strong>em</strong> disciplinas são varia<strong>do</strong>s, abrang<strong>em</strong> o<br />
<strong>de</strong>sconhecimento <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> <strong>de</strong>ste<br />
tipo <strong>de</strong> trabalho, a falta <strong>de</strong> formação<br />
específica para trabalhar com os mesmos, a<br />
acomodação pessoal e coletiva, e até mesmo<br />
o me<strong>do</strong> <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o prestígio pessoal, pois “a<br />
interdisciplinarida<strong>de</strong> leva ao anonimato – o<br />
trabalho individual anula-se <strong>em</strong> favor <strong>de</strong> um<br />
objetivo maior – o coletivo (FAZENDA, 1993,<br />
p. 42).<br />
Neste trabalho buscamos propor reflexões<br />
sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo curricular<br />
interdisciplinar, que leve <strong>em</strong> conta uma visão<br />
<strong>de</strong> ensino a partir <strong>do</strong> contexto social concreto,<br />
superan<strong>do</strong> assim o mo<strong>de</strong>lo fragmenta<strong>do</strong> e<br />
compartimenta<strong>do</strong> <strong>de</strong> estrutura curricular.<br />
Neste senti<strong>do</strong> apontamos que a formação<br />
integral <strong>do</strong> futuro profissional <strong>de</strong> música<br />
somente po<strong>de</strong> ocorrer se os educa<strong>do</strong>res<br />
estabelecer<strong>em</strong> diálogo entre suas disciplinas,<br />
eliminan<strong>do</strong> as barreiras e relacionan<strong>do</strong>-as<br />
com a realida<strong>de</strong> concreta <strong>do</strong>s alunos.<br />
Encarar uma mudança na educação<br />
como a interdisciplinarida<strong>de</strong> propõe uma<br />
atitu<strong>de</strong> permanente <strong>de</strong> crítica e reflexão,<br />
<strong>de</strong> compromisso e responsabilida<strong>de</strong> com<br />
a tarefa <strong>de</strong> educar. Sen<strong>do</strong> assim, ela precisa<br />
estar presente e ser instigada por educa<strong>do</strong>res<br />
que queiram fazer da sua ação <strong>de</strong> educar,<br />
não um isolamento, mas um compartilhar<br />
<strong>de</strong> várias ciências na busca <strong>de</strong> um melhor<br />
<strong>de</strong>senvolvi<strong>em</strong>nto da sua práxis pedagógica.<br />
32
REFERÊNCIAS<br />
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros<br />
Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília:<br />
Ministério da Educação, 2002.<br />
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros<br />
Curriculares Nacionais: apresentação <strong>do</strong>s t<strong>em</strong>as<br />
transversais, ética / Secretaria <strong>de</strong> Educação<br />
Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997.<br />
DENCKER, Ada <strong>de</strong> Freitas Manete. <strong>Pesquisa</strong> e<br />
interdisciplinarida<strong>de</strong> no Ensino Superior: uma<br />
experiência no curso <strong>de</strong> turismo. São Paulo: Aleph,<br />
2002.<br />
FAVARÃO, Nei<strong>de</strong> Rodrigues Lago; ARAÚJO. Cintia <strong>de</strong><br />
Souza Alferes. Importância da Interdisciplinarida<strong>de</strong> no<br />
Ensino Superior. EDUCERE. Umuarama, v.4, n.2, p.103-<br />
115, jul./<strong>de</strong>z., 2004.<br />
FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinarida<strong>de</strong>s:<br />
história, teoria e pesquisa. Campinas: Papirus, 1994.<br />
_________. Integração e interdisciplinarida<strong>de</strong> no ensino<br />
brasileiro: efetivida<strong>de</strong> ou i<strong>de</strong>ologia. São Paulo: Loyola,<br />
1993.<br />
JAPIASSU, Hilton Ferreira. Interdisciplinarida<strong>de</strong> e<br />
patologia <strong>do</strong> saber. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago Editora;<br />
1976.<br />
LIMA, Sônia Albano. Interdisciplinarida<strong>de</strong>: Uma<br />
Priorida<strong>de</strong> para o Ensino Musical. <strong>Revista</strong> Muiscahodie,<br />
v.7. 2007.<br />
LUCK, Heloísa. Pedagogia interdisciplinar: fundamentos<br />
teórico-meto<strong>do</strong>lógicos. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.<br />
NOGUEIRA, Nilbo Ribeiro. Interdisciplinarida<strong>de</strong><br />
aplicada. Petrópolis. São Paulo: 1998.<br />
ZABALA, Antoni. Enfoque globaliza<strong>do</strong>r e pensamento<br />
complexo: uma proposta para o currículo escolar.<br />
Porto Alegre: Artmed, 2005.<br />
33
J. LINS – FÁBRICA E FRUTOS DO<br />
ABSOLUTO<br />
Paula Galama<br />
Professora <strong>do</strong> curso <strong>de</strong> bacharela<strong>do</strong> <strong>em</strong> música da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> <strong>do</strong> Espírito Santo “Maurício <strong>de</strong> Oliveira” -<br />
FAMES, violoncelista da Orquestra Filarmônica <strong>do</strong> Espírito Santo, <strong>do</strong>utoranda <strong>em</strong> música pela Kentucky University.<br />
Resumo<br />
A figura <strong>de</strong> Jaceguay Lins no cenário musical <strong>do</strong> Espírito<br />
Santo foi notável por divulgar novos processos<br />
<strong>de</strong> composição <strong>do</strong> século XX que já eram amplamente<br />
explora<strong>do</strong>s nas gran<strong>de</strong>s capitais brasileiras, como por<br />
ex<strong>em</strong>plo o atonalismo. O catálogo <strong>do</strong>s trabalhos <strong>de</strong><br />
J. Lins contém composições que mostram uma pesquisa<br />
extensa sobre o folclore <strong>do</strong> Espírito Santo, como<br />
por ex<strong>em</strong>plo as Bandas <strong>de</strong> Congo e a cultura indígena.<br />
Este artigo <strong>de</strong>screve brev<strong>em</strong>ente sua vida e seu trabalho<br />
como também sua personalida<strong>de</strong> singular. A divulgação<br />
<strong>do</strong> trabalho e da personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste compositor<br />
tão ativo na cultura capixaba se faz necessária<br />
não somente para que se tome conhecimento <strong>de</strong> seu<br />
trabalho mas também para que se localiz<strong>em</strong> as influências<br />
que causou neste cenário.<br />
Palavras-chave: Jaceguay Lins - composição - biografia.<br />
Abstract<br />
The figure of Jaceguay Lins in the musical scenery of<br />
Espírito Santo was r<strong>em</strong>arkable for spreading new XX<br />
century processes of composition that were largely<br />
explored in the main capitals of Brazil, such as atonalism.<br />
The catalogue of J. Lins’ works contains compositions<br />
that shows his extensive research about the Espírito<br />
Santo’ folklore, such as the Congo Bands and the<br />
indigenous culture. This article <strong>de</strong>scribes briefly his<br />
life and his work as well as his singular personality. The<br />
disclosure of the work and personality of this composer<br />
so active in the capixaba culture is necessary not<br />
only to make his work known but also to i<strong>de</strong>ntify the<br />
influences that he left in this scenery.<br />
Keywords: Jaceguay Lins - composition - biography.
O cenário musical <strong>do</strong> Espírito Santo, até<br />
o início da década <strong>de</strong> 80, não era muito<br />
diferente <strong>de</strong> outros Esta<strong>do</strong>s brasileiros<br />
que não haviam ainda experimenta<strong>do</strong><br />
processos composicionais <strong>de</strong> vanguarda<br />
que já ganhavam espaço <strong>em</strong> capitais como<br />
São Paulo e Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira<br />
meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XX. Este cenário po<strong>de</strong><br />
ser percebi<strong>do</strong> pela análise <strong>do</strong>s programas<br />
<strong>de</strong> concertos realiza<strong>do</strong>s <strong>em</strong> Vitória, tanto<br />
pela então Orquestra Sinfônica <strong>do</strong> Espírito<br />
Santo, atual Orquestra Filarmônica <strong>do</strong><br />
Espírito Santo, quanto pela gra<strong>de</strong> curricular<br />
a<strong>do</strong>tada pela Escola <strong>de</strong> <strong>Música</strong> <strong>do</strong> Espírito<br />
Santo, hoje Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> <strong>do</strong> Espírito<br />
Santo. Os programas <strong>do</strong>s recitais realiza<strong>do</strong>s<br />
pelos alunos e professores na então Escola<br />
<strong>de</strong> <strong>Música</strong> não se diferenciavam <strong>do</strong> contexto<br />
engloba<strong>do</strong> pelo repertório tradicional, s<strong>em</strong><br />
gran<strong>de</strong> interesse até mesmo pelas obras <strong>de</strong><br />
compositores brasileiros cont<strong>em</strong>porâneos<br />
<strong>de</strong> vanguarda. Poucas eram as tentativas<br />
neste senti<strong>do</strong>, não somente pela dificulda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> material, como também<br />
pela visão tradicionalista que era a<strong>do</strong>tada.<br />
Os registros que ajudam no entendimento<br />
<strong>de</strong>ste panorama po<strong>de</strong>m ser acessa<strong>do</strong>s na<br />
Orquestra Filarmônica <strong>do</strong> Espírito Santo e<br />
a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> <strong>do</strong> Espírito Santo.<br />
Infelizmente, ainda não há nenhuma<br />
publicação que analise estes da<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma<br />
eficaz.<br />
A mudança <strong>de</strong>ste panorama teve início com a<br />
chegada <strong>de</strong> Jaceguay Monteiro Lins – J. Lins,<br />
como era mais conheci<strong>do</strong>, ao Espírito Santo.<br />
J. Lins radicou-se <strong>em</strong> Vitória - ES no início da<br />
década <strong>de</strong> 80. Nasceu <strong>em</strong> 21 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1947<br />
na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Canhotinho, Pernambuco – uma<br />
região limítrofe entre o agreste e a zona da<br />
mata. No entanto, J. Lins era consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> por<br />
seus amigos como “o pernambucano mais<br />
capixaba que havia” – pouco convencional,<br />
como o próprio Jaceguay.<br />
As referências para o <strong>de</strong>lineamento <strong>de</strong>sta<br />
biografia são as entrevistas que me foram<br />
concedidas e transcritas na dissertação <strong>de</strong><br />
Mestra<strong>do</strong> “Jaceguay Lins: uma visão <strong>de</strong> sua<br />
obra e personalida<strong>de</strong> através <strong>de</strong> Lacrimabilis<br />
e Kat<strong>em</strong>are”, apresentada à Escola <strong>de</strong> <strong>Música</strong><br />
da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
(GALAMA, 1999). Nestes <strong>de</strong>poimentos, o<br />
compositor relata suas experiências pessoais,<br />
sua trajetória <strong>de</strong> vida e suas perspectivas<br />
sobre composição e sobre música <strong>em</strong> geral.<br />
São tantas as influências que recebeu que se<br />
torna difícil i<strong>de</strong>ntificar quais seriam as <strong>de</strong> maior<br />
relevância. José Maria Neves o coloca como<br />
“neodadaísta, mais próximo <strong>do</strong>s happennings<br />
<strong>de</strong> Cage” (NEVES, 1981) – uma rotulação que<br />
o compositor não aceitava, assim como não<br />
se consi<strong>de</strong>rava um compositor minimalista.<br />
Além <strong>de</strong> percussionista e <strong>de</strong> ter uma gran<strong>de</strong><br />
36
<strong>de</strong>senvoltura no clarinete, Jaceguay Lins era<br />
compositor, maestro, arranja<strong>do</strong>r e também<br />
escritor. Desenvolveu um trabalho singular<br />
com um discurso musical extr<strong>em</strong>amente<br />
atual, próprio. Sua personalida<strong>de</strong> foi<br />
moldada por uma vonta<strong>de</strong> crescente <strong>de</strong><br />
fazer música e também por uma época<br />
<strong>em</strong> que drásticas mudanças aconteciam<br />
no país. Sua obra encerra características<br />
<strong>de</strong> um hom<strong>em</strong> volta<strong>do</strong> para as suas raízes,<br />
extr<strong>em</strong>amente estudioso e formalista<br />
(<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seus próprios conceitos) e acima<br />
<strong>de</strong> tu<strong>do</strong> <strong>de</strong>sprovi<strong>do</strong> <strong>de</strong> qualquer preconceito.<br />
Seu trabalho abrange <strong>de</strong>s<strong>de</strong> obras solo,<br />
música <strong>de</strong> câmera, passan<strong>do</strong> pelas veredas<br />
das trilhas sonoras para cin<strong>em</strong>a e balé<br />
até obras sinfônicas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> formação.<br />
Controverti<strong>do</strong>, como muitos <strong>de</strong> sua geração,<br />
optou pelo experimentalismo. Vasco Mariz<br />
consi<strong>de</strong>ra que o compositor hesita entre a<br />
“grafia <strong>de</strong> obras musicalmente avançadas,<br />
mesmo aleatórias e o estu<strong>do</strong> das riquezas <strong>do</strong><br />
folclore nacional.” (MARIZ, 1983) 1 . Entretanto,<br />
J. Lins não era a<strong>de</strong>pto a rotulações. E<br />
principalmente, não gostava <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar<br />
a música como fragmentos dividi<strong>do</strong>s <strong>em</strong><br />
grupos sociais.<br />
Suas influências mais precoces, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong><br />
1 Mariz, Vasco. História da <strong>Música</strong> no Brasil.<br />
2ª edição. Editora Civilização Brasileira. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, 1983.<br />
com o próprio compositor eram, além das<br />
vozes da família <strong>de</strong> sua mãe, um único altofalante<br />
que havia na cida<strong>de</strong> <strong>em</strong> que vivia. A<br />
música ouvida através daquele alto-falante<br />
era um serviço ofereci<strong>do</strong> à cida<strong>de</strong> pelo <strong>do</strong>no<br />
<strong>de</strong> uma farmácia: o Sr. Monteiro. Em uma <strong>de</strong><br />
suas entrevistas o compositor rel<strong>em</strong>bra estas<br />
m<strong>em</strong>órias da infância:<br />
Havia duas farmácias: a <strong>do</strong> Monteiro<br />
‘preto’ e a <strong>do</strong> Monteiro ‘branco’. Monteiro<br />
‘preto’ tinha um alto-falante que ele<br />
botava [sic] na única rua comercial,<br />
tanto que eu nasci na Rua <strong>do</strong> Comércio<br />
nº 30, num sobra<strong>do</strong> <strong>em</strong> cima da padaria<br />
<strong>do</strong> meu pai, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que ele botava<br />
a comunicação da época. Era um altofalante,<br />
lá da sua farmácia, e ele dividia<br />
<strong>em</strong> duas sessões: aos <strong>do</strong>mingos, ele<br />
escolhia a música que ele queria botar.<br />
Não interessava pra ninguém! A partir<br />
das seis horas ele abria o serviço <strong>de</strong>le<br />
pra qu<strong>em</strong> quisesse oferecer uma música<br />
para as pessoas [...]. Tu<strong>do</strong> quanto era<br />
música gravada na época, ele tinha!<br />
Numa cida<strong>de</strong>zinha pequena, um<br />
hom<strong>em</strong> que se acostumou a ir to<strong>do</strong><br />
dia receber o tr<strong>em</strong> – a nossa cida<strong>de</strong><br />
tinha um tr<strong>em</strong> <strong>de</strong> ferro vin<strong>do</strong> <strong>de</strong> Recife<br />
to<strong>do</strong> dia <strong>de</strong> manhã – era pra pegar a<br />
informação sonora. Ele dava isso <strong>de</strong><br />
graça pra cida<strong>de</strong>.(GALAMA, 1999) 2<br />
Além <strong>de</strong>stas m<strong>em</strong>órias, o compositor<br />
também relatou <strong>em</strong> seus <strong>de</strong>poimentos a<br />
influência que recebeu da Novena <strong>de</strong> São<br />
2 Galama, Paula M. L. Entrevista concedida<br />
<strong>em</strong> 18 jan. 1999. Em: Jaceguay Lins: uma visão <strong>de</strong> sua<br />
obra e personalida<strong>de</strong> através <strong>de</strong> Lacrimabilis e Kat<strong>em</strong>are.<br />
Dissertação <strong>de</strong> mestra<strong>do</strong> apresentada à UFRJ. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, 1999.<br />
37
Sebastião - que atraía muitas bandas da<br />
região para a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Canhotinho - e<br />
que foi uma <strong>de</strong> suas referências musicais<br />
mais marcantes. Contava que, <strong>em</strong> uma das<br />
noites <strong>de</strong> apresentações, per<strong>de</strong>u-se <strong>do</strong> pai<br />
buscan<strong>do</strong> o som <strong>do</strong>s clarinetes pelas ruas.<br />
O canto orfeônico, então instituí<strong>do</strong> por<br />
Villa-Lobos nas escolas, também foi parte<br />
<strong>de</strong> seu estímulo e aos 12 anos mu<strong>do</strong>u-se<br />
para Belo Horizonte para viver com seus<br />
avós e estudar música. Em Belo Horizonte,<br />
segun<strong>do</strong> o compositor, conheceu Camel<br />
Abras, ex-aluno <strong>de</strong> Koellreuter, e que mais<br />
tar<strong>de</strong> seria intermedia<strong>do</strong>r <strong>de</strong> seu contato<br />
com Ernst Widmer. Camel Abras seria,<br />
segun<strong>do</strong> o próprio J. Lins, um <strong>do</strong>s “pilares” da<br />
construção <strong>do</strong> seu aprendiza<strong>do</strong>. Também por<br />
sugestão <strong>de</strong> Camel Abras procurou E<strong>do</strong>ar<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> Guarnieri, <strong>em</strong> São Paulo, com qu<strong>em</strong><br />
estudaria contraponto, aos 14 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.<br />
Um ano <strong>de</strong>pois, <strong>de</strong>ixou São Paulo rumo ao<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro para estudar composição com<br />
Guerra-Peixe. Nessa época, Alceo Bocchino,<br />
então regente da Orquestra Sinfônica<br />
Nacional, sugeriu ao jov<strong>em</strong> aluno <strong>de</strong><br />
composição <strong>de</strong> Guerra-Peixe que estudasse<br />
percussão. Isso possibilitaria a Jaceguay,<br />
nesta época com 17 anos, manter um contato<br />
maior com a Orquestra e permanecer no Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro como percussionista da Orquestra<br />
Sinfônica Nacional, trabalhan<strong>do</strong> também,<br />
eventualmente, na Orquestra <strong>de</strong> Câmera da<br />
Rádio MEC e na Orquestra Juvenil <strong>do</strong> Teatro<br />
Municipal <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro até o final <strong>do</strong>s<br />
anos 70.<br />
De 1968 a 1970, seu orgulho foi fazer<br />
parte <strong>do</strong> então Instituto Villa-Lobos, on<strong>de</strong><br />
conviveu com uma geração convicta <strong>de</strong><br />
seus propósitos, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> aluno <strong>de</strong> Jorge<br />
Antunes. Para citar algumas <strong>de</strong> suas obras<br />
<strong>de</strong>ste perío<strong>do</strong> t<strong>em</strong>os Ciclo da cana-<strong>de</strong>-açúcar,<br />
primeira peça para orquestra <strong>de</strong> cordas,<br />
estreada pela Orquestra <strong>de</strong> São Caetano <strong>do</strong><br />
Sul, São Paulo, <strong>em</strong> Concerto Com<strong>em</strong>orativo<br />
da Fundação da Escola <strong>de</strong> <strong>Música</strong> <strong>de</strong> São<br />
Caetano <strong>do</strong> Sul, regida por Moacir Del<br />
Picchia. Deste perío<strong>do</strong> é também Fábrica<br />
<strong>do</strong> Absoluto - 1968, para gran<strong>de</strong> orquestra,<br />
fort<strong>em</strong>ente influenciada por Edgar Varèse e<br />
o uso <strong>de</strong> blocos sonoros, e por Karel Kapec,<br />
referência à literatura <strong>de</strong> ficção científica da<br />
época. A obra foi estreada nos Concertos<br />
para a Juventu<strong>de</strong> – TV Globo – sob a regência<br />
<strong>de</strong> Rinal<strong>do</strong> Rossi. Po<strong>de</strong>-se consi<strong>de</strong>rar que a<br />
esta obra é resultante <strong>de</strong> uma arquitetura<br />
sonora e configura o término <strong>de</strong> um ciclo<br />
<strong>de</strong> aprendizag<strong>em</strong>. A sua construção talvez<br />
seja inconscient<strong>em</strong>ente uma antecipação<br />
<strong>do</strong> que viria a ser uma das maiores obras <strong>de</strong><br />
J. Lins: Lacrimabilis. Kat<strong>em</strong>are – 1970 - obra<br />
<strong>de</strong> câmera para canto, viola e percussão <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> técnica, foi apresentada<br />
na I Tribuna Nacional <strong>de</strong> Compositores no<br />
38
mesmo ano e escolhida para representar<br />
o Brasil na Tribuna Internacional <strong>de</strong><br />
Compositores da UNESCO <strong>em</strong> Paris – 1971.<br />
É nesta obra que o compositor afirma seu<br />
caráter individual <strong>de</strong> composição, fruto<br />
<strong>do</strong> estu<strong>do</strong> com Ester Scliar e Marlene<br />
Fernan<strong>de</strong>s, qu<strong>em</strong> o colocou a par da relação<br />
intervalar. Kat<strong>em</strong>are revela a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />
uma personalida<strong>de</strong> musical. Sua execução<br />
é extr<strong>em</strong>amente complexa, exploran<strong>do</strong> ao<br />
máximo a relação camerística. Infelizmente,<br />
a única gravação <strong>de</strong>sta obra, on<strong>de</strong> as partes<br />
da percussão foram executadas pelo próprio<br />
compositor, ainda não foi localizada. Também<br />
<strong>de</strong>ste perío<strong>do</strong> é Policromia – 1970, para<br />
pequena orquestra, peça que encerra sua<br />
relação professor/aluno com Ernst Widmer.<br />
A partir <strong>de</strong> então suas preocupações passam<br />
a ser as <strong>de</strong> “professor <strong>de</strong> composição”, termo<br />
com o qual não concordava por consi<strong>de</strong>rar<br />
que a arte da composição não po<strong>de</strong> ser<br />
ensinada. Segun<strong>do</strong> J. Lins o que se po<strong>de</strong><br />
ensinar é a estrutura musical por on<strong>de</strong> fluirá<br />
a linguag<strong>em</strong> <strong>do</strong> compositor. Dessa nova fase,<br />
<strong>de</strong>staca-se Retrato <strong>de</strong> Carmen Parra , para<br />
4 trompas, on<strong>de</strong> se nota uma preocupação<br />
altamente instrumental, pedagógica,<br />
exploran<strong>do</strong> ao máximo as possibilida<strong>de</strong>s<br />
técnicas e sonoras <strong>do</strong> instrumento.<br />
Como resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> suas pesquisas sonoras<br />
no Instituto Villa-Lobos, seu discurso musical<br />
voltou-se para a aleatorieda<strong>de</strong>, parcial ou<br />
completa, como <strong>em</strong> Refeição para Dois, obra<br />
composta para “instrumentos culinários”,<br />
peça apresentada por Vânia Dantas Leite<br />
e o próprio compositor, no Teatro Opinião.<br />
Seguin<strong>do</strong> este mesmo pensamento <strong>de</strong><br />
uma aleatorieda<strong>de</strong> circunscrita apenas<br />
pela macro-estrutura <strong>de</strong>terminada pelo<br />
compositor, segue-se Praxis, um “manosolfejo”<br />
para grupo in<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
instrumentos e regente, estreada no MAM,<br />
<strong>em</strong> São Paulo. Dentro da arte conceitual,<br />
t<strong>em</strong>os Ciclo para 5 instrumentos.<br />
Lacrimabilis, palavra <strong>em</strong> latim que po<strong>de</strong><br />
ser entendida como “aquela que chora” ou<br />
“aquela que foi chorada”, foi composta para<br />
gran<strong>de</strong> orquestra entre 1972 e 1977 e é<br />
notadamente uma crítica à então ditadura<br />
militar que havia si<strong>do</strong> instaurada no Brasil.<br />
É uma obra visivelmente <strong>de</strong> um perío<strong>do</strong><br />
mais consciente e amadureci<strong>do</strong>. A obra<br />
mereceu o 2º lugar no 1º Concurso Nacional<br />
<strong>de</strong> Composição <strong>do</strong> Ministério da Educação<br />
e Cultura – Fundação Nacional <strong>de</strong> Arte,<br />
Instituto Nacional <strong>de</strong> <strong>Música</strong> – por ocasião da<br />
II Bienal <strong>de</strong> <strong>Música</strong> Cont<strong>em</strong>porânea Brasileira<br />
– 1977, na categoria “música sinfônica”. No<br />
entanto, observan<strong>do</strong> o programa da II Bienal<br />
<strong>de</strong> <strong>Música</strong> Cont<strong>em</strong>porânea Brasileira, existe<br />
a referência à pr<strong>em</strong>iação da obra ATMOS.<br />
39
Segun<strong>do</strong> os <strong>de</strong>poimentos colhi<strong>do</strong>s com o<br />
compositor, há aí um equívoco: Lacrimabilis<br />
foi pr<strong>em</strong>iada, mas não executada. A prova<br />
<strong>de</strong> sua pr<strong>em</strong>iação está <strong>em</strong> outro programa<br />
referente à sua estreia <strong>em</strong> São Paulo, <strong>do</strong>is<br />
anos <strong>de</strong>pois, nos 12 Encontros Sinfônicos da<br />
Primavera, t<strong>em</strong>porada <strong>de</strong> 1979, sob a regência<br />
<strong>de</strong> Eleazar <strong>de</strong> Carvalho, com a Orquestra<br />
Sinfônica <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo. O mesmo<br />
regente conduziria a Orquestra <strong>do</strong> Teatro<br />
Municipal <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, na III Bienal,<br />
quan<strong>do</strong> da apresentação <strong>de</strong> Lacrimabilis<br />
naquela cida<strong>de</strong>. Esta execução foi menos feliz<br />
<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao preconceito existente na época,<br />
relaciona<strong>do</strong> à marcha inserida nos últimos<br />
compassos da peça. A repercussão <strong>de</strong>ste<br />
concerto foi um <strong>do</strong>s motivos que levaram o<br />
compositor a <strong>de</strong>ixar o Rio <strong>de</strong> Janeiro e a se<br />
radicar <strong>em</strong> Vitória.<br />
Outra obra <strong>de</strong> extr<strong>em</strong>a importância no<br />
catálogo <strong>do</strong> compositor é Ave Palavra,<br />
<strong>de</strong> 1979, sobre po<strong>em</strong>as <strong>de</strong> Guimarães<br />
Rosa. Apresentada na IV Bienal <strong>de</strong> <strong>Música</strong><br />
Cont<strong>em</strong>porânea, representou o Brasil na<br />
S<strong>em</strong>ana Brasileira <strong>em</strong> Colônia. Em ambas<br />
as peças citadas, Ave Palavra e Lacrimabilis,<br />
timbre e intensida<strong>de</strong> são aborda<strong>do</strong>s com<br />
muito critério e cuida<strong>do</strong>, construí<strong>do</strong>s<br />
arquitetonicamente e po<strong>de</strong>mos avaliar que<br />
esta preocupação se tornará uma constante<br />
nas composições <strong>de</strong> Jaceguay Lins.<br />
Pertencente a uma geração extr<strong>em</strong>amente<br />
ativa, não só quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua formação como<br />
músico, J. Lins s<strong>em</strong>pre foi convicto <strong>de</strong> seus<br />
propósitos particulares e mais ainda da<br />
personalida<strong>de</strong> musical que <strong>de</strong>senvolveu,<br />
exerceu e das pesquisas sonoras que fez,<br />
juntamente com suas pesquisas no campo<br />
da etnomusicologia.<br />
Viveu, por escolha, fora <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s centros<br />
culturais <strong>do</strong> país e <strong>em</strong> razão disto teve seu<br />
trabalho pouco difundi<strong>do</strong> nas décadas <strong>de</strong><br />
80/90, mas <strong>de</strong> forma nenhuma se <strong>de</strong>ixou<br />
ficar inativo. Sua música é hetero<strong>do</strong>xa:<br />
buscou nas raízes <strong>do</strong> povo brasileiro<br />
el<strong>em</strong>entos indígenas e africanos, moldan<strong>do</strong>se<br />
à sua linguag<strong>em</strong>, s<strong>em</strong> <strong>de</strong>scaracterizá-los<br />
ou transformá-los <strong>em</strong> el<strong>em</strong>entos exóticos<br />
para consumo <strong>de</strong> interesse. J. Lins era fiel<br />
às formas que a<strong>do</strong>tava, <strong>de</strong>svencilhou-se<br />
das estruturas rígidas, criou uma música<br />
inova<strong>do</strong>ra e singular, oferecen<strong>do</strong> resulta<strong>do</strong>s<br />
sonoros surpreen<strong>de</strong>ntes. Consi<strong>de</strong>rava que a<br />
verda<strong>de</strong>ira revolução no meio musical foi o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento da indústria fonográfica.<br />
Seu trabalho oferece a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
explorar novas harmonias e combinações<br />
tímbricas, <strong>de</strong> conhecer algumas concepções<br />
formais que incorporam tradições<br />
arquetípicas e el<strong>em</strong>entos da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>,<br />
b<strong>em</strong> como processos inusita<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />
40
composição e <strong>de</strong> visualizar a tendência geral<br />
<strong>de</strong> sua geração, além <strong>de</strong> configurar suas<br />
inquietações <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m ética, refletin<strong>do</strong> estas<br />
características <strong>em</strong> um contexto singular,<br />
como é o caso <strong>de</strong> Lacrimabilis.<br />
Com sua chegada ao Espírito Santo<br />
encontra-se, inevitavelmente, com as<br />
Bandas <strong>de</strong> Congo, que <strong>de</strong>spertam sua<br />
paixão e seu interesse como músico e<br />
pesquisa<strong>do</strong>r. A inserção <strong>do</strong> congo nas suas<br />
obras passa a ser uma constante aliada às<br />
suas pesquisas com timbre e intensida<strong>de</strong>.<br />
Os resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>stas pesquisas estão<br />
presentes <strong>em</strong> trabalhos como Guananira,<br />
<strong>de</strong> 1995, caracterizada como “Abertura”, e<br />
que concilia uma estrutura composicional<br />
avançada, o aleatório controla<strong>do</strong> e a<br />
i<strong>de</strong>ntificação com o folclore. A inserção <strong>de</strong><br />
uma banda <strong>de</strong> Congo, outro veículo sonoro<br />
singular, fun<strong>de</strong>-se com a orquestra, unin<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong>is discursos distintos <strong>em</strong> uma mesma<br />
linguag<strong>em</strong>, obten<strong>do</strong>-se um resulta<strong>do</strong> sonoro<br />
surpreen<strong>de</strong>nte. Jaceguay Lins compôs uma<br />
peça homônima para ser apresentada na VII<br />
Bienal <strong>de</strong> <strong>Música</strong> Cont<strong>em</strong>porânea Brasileira,<br />
mas foi <strong>de</strong>struída logo após pelo próprio<br />
compositor. Melodiário, também <strong>de</strong> 1995, é<br />
uma homenag<strong>em</strong> póstuma a Hermógenes<br />
Lima Fonseca, composta por três suítes:<br />
Norte, Ecos e Jogos. A primeira – Norte –<br />
compreen<strong>de</strong> a Marcha <strong>de</strong> chegada, Aboio<br />
e Furdúncio, usan<strong>do</strong> respectivamente o<br />
ticumbi, o canto <strong>do</strong>s vaqueiros e o maracatu.<br />
O ticumbi, também chama<strong>do</strong> baile <strong>de</strong> congo,<br />
é típico da região <strong>de</strong> Conceição da Barra – ES,<br />
e usa um conjunto composto basicamente <strong>de</strong><br />
pan<strong>de</strong>iros e viola caipira. Da segunda suíte –<br />
Ecos – vale ressaltar Luzgrafia, on<strong>de</strong> o próprio<br />
nome sugere a intenção <strong>do</strong> compositor <strong>de</strong><br />
trabalhar um t<strong>em</strong>a como um calei<strong>do</strong>scópio.<br />
Fruto da experiência singular <strong>de</strong> conviver <strong>em</strong><br />
uma al<strong>de</strong>ia indígena, Tekoá-Porã, <strong>de</strong> 1995,<br />
também insere <strong>em</strong> seu contexto o Congo<br />
<strong>do</strong> Espírito Santo e os el<strong>em</strong>entos indígenas<br />
absorvi<strong>do</strong>s durante esta convivência. É uma<br />
peça <strong>em</strong> forma <strong>de</strong> sinfonia breve, com três<br />
i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> movimentos b<strong>em</strong> distintos. Tekoá-<br />
Porã é o nome indígena da<strong>do</strong> à Al<strong>de</strong>ia e a<br />
obra <strong>do</strong> compositor narra a saga <strong>do</strong>s Guarani<br />
<strong>em</strong> busca da “terra s<strong>em</strong> males”. É <strong>de</strong>dicada<br />
à m<strong>em</strong>ória <strong>de</strong> Tatantin Roa Retée, a lí<strong>de</strong>r<br />
espiritual que conduziu o seu povo <strong>do</strong> Rio<br />
Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul até o Espírito Santo. Jaceguay<br />
Lins também é autor <strong>do</strong> ví<strong>de</strong>o “Al<strong>de</strong>ia<br />
Feliz”, que representou o Comitê Intertribal<br />
Brasileiro na ECO 92.<br />
De sua fase mais atual é a Ópera-recreio O<br />
Reino <strong>de</strong> Duas Cabeças – 2000, uma sátira ao<br />
meio político e cultural vivi<strong>do</strong> há b<strong>em</strong> pouco<br />
t<strong>em</strong>po no Espírito Santo, que não per<strong>de</strong> o<br />
sabor nor<strong>de</strong>stino <strong>de</strong> suas raízes, mas insere<br />
41
uma das mais belas melodias utilizadas <strong>em</strong><br />
conjunto com o Congo. Leva este nome por<br />
ter si<strong>do</strong> composta com a finalida<strong>de</strong> específica<br />
<strong>de</strong> ser levada às escolas e apresentada no<br />
recreio entre os turnos, o que não impe<strong>de</strong><br />
<strong>em</strong> nada <strong>de</strong> ser apreciada pelo público <strong>em</strong><br />
geral pela sua qualida<strong>de</strong> e bom humor.<br />
De suas trilhas sonoras <strong>de</strong>stacam-se Mãos<br />
Vazias – Luis Carlos Lacerda, 1970; O Princípio<br />
<strong>do</strong> Prazer – Luis Carlos Lacerda; Casa Gran<strong>de</strong><br />
e Senzala – Geral<strong>do</strong> Sarno; Coronel Delmiro<br />
Gouveia – Geral<strong>do</strong> Sarno, 1978; Tinha Bububu<br />
no Bobobó – Marcos Farias, 1980; A Lenda <strong>de</strong><br />
Proitnier – Luíza Lubiana, 1995; O Ciclo da<br />
Paixão – Luiz Ta<strong>de</strong>u Teixeira – 2000, entre<br />
outras. Também <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância é<br />
seu trabalho junto à Companhia <strong>de</strong> Dança<br />
Neo-Iaô, on<strong>de</strong> musicou diversos espetáculos,<br />
entre eles: Woo<strong>do</strong>o – para tecla<strong>do</strong>s<br />
eletrônicos, <strong>em</strong> parceria com Magno Go<strong>do</strong>y,<br />
1998; Cangaço – para orquestra, 1999 e O<br />
Banquete. Visionário, fez alguns trabalhos<br />
<strong>em</strong> multivisão, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>stacam-se Cantares –<br />
Fre<strong>de</strong>rico Moraes e Manguezais – Humberto<br />
Capai.<br />
Jaceguay Lins foi Maestro da Orquestra<br />
Sinfônica <strong>do</strong> Espírito Santo durante o início<br />
da década <strong>de</strong> 80 e professor <strong>de</strong> Estruturação<br />
Musical e Composição da antiga Escola <strong>de</strong><br />
<strong>Música</strong> <strong>do</strong> Espírito Santo, no final da década<br />
<strong>de</strong> 80, início da década <strong>de</strong> 90. Não é difícil<br />
imaginar o que todas as suas experiências e<br />
i<strong>de</strong>ias o trouxeram a estas duas instituições.<br />
Apesar <strong>de</strong> sua maneira pouco convencional<br />
<strong>de</strong> encarar a Aca<strong>de</strong>mia e as obrigações<br />
rotineiras <strong>de</strong> uma Orquestra, sua visão foi<br />
extr<strong>em</strong>amente importante nas escolhas <strong>de</strong><br />
toda uma geração <strong>de</strong> estudantes, músicos<br />
e pesquisa<strong>do</strong>res <strong>do</strong> folclore capixaba. Criou<br />
a Banda 2, Banda <strong>de</strong> Congo experimental<br />
composta pelos alunos da Universida<strong>de</strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Espírito Santo, que tinha como<br />
objetivo não somente divulgar o trabalho das<br />
Bandas <strong>de</strong> Congo mas também experimentar<br />
e musicalizar através <strong>de</strong> sua prática, ten<strong>do</strong><br />
si<strong>do</strong> pioneiro neste senti<strong>do</strong>.<br />
Jaceguay Lins <strong>de</strong>ixou algumas obras inéditas,<br />
outras ainda incompletas, como a Ida<strong>de</strong> da<br />
Aurora, para gran<strong>de</strong> orquestra, e outras a<br />
ser<strong>em</strong> revisadas. Como escritor, seu último<br />
trabalho – “O Congo <strong>do</strong> Espírito Santo: uma<br />
panorâmica musicológica das bandas <strong>de</strong><br />
congo” – é resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> 10 anos <strong>de</strong> pesquisa<br />
fundamentada sobre as Bandas <strong>de</strong> Congo<br />
<strong>do</strong> Espírito Santo - segun<strong>do</strong> ele, únicas no<br />
Brasil - e <strong>de</strong> outros tantos anos <strong>de</strong> vivência<br />
<strong>em</strong> comunhão com essas pessoas simples,<br />
que transmit<strong>em</strong> sua cultura <strong>de</strong> geração <strong>em</strong><br />
geração e que o acolheram <strong>em</strong> seu meio,<br />
respeitan<strong>do</strong> suas tradições e dividin<strong>do</strong><br />
sua cultura. Neste livro, Jaceguay discorre<br />
42
sobre o contexto histórico das bandas, suas<br />
origens, sua formação, melodias, e inclusive<br />
a questão <strong>do</strong>s direitos autorais sobre a<br />
utilização das melodias e letras das bandas,<br />
polêmica discussão enfrentada por muitas<br />
bandas recent<strong>em</strong>ente.<br />
A presença <strong>de</strong>ste compositor e ser humano<br />
notável marcou o início <strong>de</strong> uma nova<br />
diretriz no cenário da cultura capixaba.<br />
Muito é <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à sua persistência e sua<br />
visão inova<strong>do</strong>ra da música como um to<strong>do</strong><br />
e po<strong>de</strong>-se atribuir a ele a transformação, ou<br />
no mínimo a consciência <strong>de</strong>ssa necessida<strong>de</strong><br />
no panorama musical capixaba. Jaceguay<br />
Lins <strong>de</strong>ixou uma lacuna que até agora<br />
não foi preenchida neste panorama. Sua<br />
obra ainda espera para ser <strong>de</strong>vidamente<br />
resgatada e rel<strong>em</strong>brada. Muitos esforços têm<br />
si<strong>do</strong> <strong>em</strong>penha<strong>do</strong>s <strong>em</strong> manter sua m<strong>em</strong>ória<br />
viva, mas concretamente seu trabalho<br />
ainda espera para ser <strong>de</strong>scoberto, uma vez<br />
que obras como O Reino <strong>de</strong> Duas Cabeças<br />
somente foram apresentadas uma única<br />
vez e, composições como Lacrimabilis, Ave<br />
Palavra e Kat<strong>em</strong>are nunca foram ouvidas <strong>em</strong><br />
palcos capixabas.<br />
“Composta <strong>em</strong> menos t<strong>em</strong>po <strong>do</strong> que<br />
o t<strong>em</strong>po que leva uma mangueira a<br />
produzir:<br />
como po<strong>de</strong>rei falar <strong>de</strong> frutos?<br />
A música – mais que o t<strong>em</strong>po objetivo –<br />
não nega o t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> ocorrência entre um<br />
evento e outro:<br />
ela, como a vida, é plural.<br />
Terei vivi<strong>do</strong> o meu t<strong>em</strong>po?<br />
Se, po<strong>de</strong>rei falar <strong>de</strong> frutos?”<br />
A obra <strong>de</strong> Jaceguay Lins está aos poucos<br />
sen<strong>do</strong> resgatada, reestruturada e enviada<br />
para o acervo da Biblioteca Nacional <strong>de</strong><br />
<strong>Música</strong>, no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Fruto <strong>de</strong> muito<br />
trabalho <strong>de</strong> seus amigos e <strong>de</strong> sua família.<br />
Frutos que amadureceram, outros que só<br />
agora estão sen<strong>do</strong> colhi<strong>do</strong>s e outros que,<br />
esperamos, venham a nascer. Então, que<br />
possa chegar o dia <strong>em</strong> falar<strong>em</strong>os <strong>de</strong> mais<br />
frutos e que sua fábrica <strong>do</strong> absoluto possa<br />
começar a produzir.<br />
Lacrimabilis traz <strong>em</strong> seu manuscrito uma<br />
inscrição <strong>do</strong> autor que pergunta muito<br />
propriamente:<br />
43
REFERÊNCIAS<br />
GALAMA, Paula M. L. Jaceguay Lins: uma visão <strong>de</strong><br />
sua obra e personalida<strong>de</strong> através <strong>de</strong> Lacrimabilis e<br />
Kat<strong>em</strong>are. Dissertação <strong>de</strong> mestra<strong>do</strong> apresentada à<br />
UFRJ. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1999.<br />
NEVES, José Maria. <strong>Música</strong> Cont<strong>em</strong>porânea Brasileira.<br />
1ªedição. Editora Ricordi Brasileira. São Paulo, 1981.<br />
MARIZ, Vasco. História da <strong>Música</strong> no Brasil. 2ª edição.<br />
Editora Civilização Brasileira. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1983.<br />
44
E POR FALAR EM MÚSICA, ONDE ESTÁ A<br />
POIESIS? ANÁLISE DA POESIA-PERFOR-<br />
MANCE DE ANISSA MOHAMMEDI: CON-<br />
SIDERAÇÕES, REFLEXÕES E (QUASE) ELU-<br />
CUBRAÇÕES PARA O CAMPO DE ANÁLISE<br />
POÉTICO-MUSICAL<br />
Wellington Rogério Da Silva<br />
Professor <strong>do</strong>s cursos <strong>de</strong> licenciatura e bacharela<strong>do</strong> da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> <strong>do</strong> Espírito Santo “Maurício <strong>de</strong> Oliveira” -<br />
FAMES, <strong>do</strong>utoran<strong>do</strong> <strong>em</strong> Letras pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora - UFJF.<br />
Resumo<br />
No Brasil, parece ainda haver uma cultura <strong>do</strong> fazer<br />
musical s<strong>em</strong> prece<strong>de</strong>ntes, sobre o qual o músico ignoraria<br />
um pouco da essência da obra musical enquanto<br />
arte poética, <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento da técnica. Herança europeia,<br />
a prática interpretativa que até aqui viajou, na<br />
época muito lentamente, <strong>de</strong>ixou marcas <strong>de</strong> um fazer<br />
musical exaustivo, fazen<strong>do</strong> com que o músico promova<br />
um sofrimento maior <strong>de</strong> si e i<strong>de</strong>alize formas perfeitas<br />
automaticamente. Este artigo propõe uma leitura<br />
<strong>do</strong> fazer poético e busca, na medida <strong>do</strong> possível e das<br />
limitações que o próprio texto impõe, uma possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> reflexão <strong>do</strong> fazer musical.<br />
Palavras-chave: música - poesia - arte - literatura -<br />
performance - práticas interpretativas<br />
Abstract<br />
In Brazil, it se<strong>em</strong>s there is still a culture of music making<br />
unprece<strong>de</strong>nted, on which the musician would<br />
ignore some of the essence of poetic piece of music<br />
as art, rather than technical. European heritage, the<br />
interpretative practice that traveled this far, then very<br />
slowly, left marks of a comprehensive music-making,<br />
causing the greatest suffering a musician to promote<br />
th<strong>em</strong>selves and i<strong>de</strong>alize perfect forms automatically.<br />
This article proposes a reading to make poetic and<br />
literary pursuit, as far as possible and the limitations<br />
that imposes the text itself, a reflection of the possibility<br />
of making music.<br />
Keywords: music - poetry - art - literature - performance<br />
- interpretive practices
46<br />
Introdução<br />
E se “faláss<strong>em</strong>os” <strong>de</strong> poesia e não <strong>de</strong> música?<br />
Ou pelo menos <strong>de</strong> uma poesia que leva e<br />
que faz pensar <strong>em</strong> música? Da performance<br />
da palavra às práticas interpretativas <strong>em</strong><br />
música? Em suma, falaríamos <strong>de</strong> uma poiesis,<br />
que po<strong>de</strong>rá, qu<strong>em</strong> sabe, provocar certos<br />
détourn<strong>em</strong>ents no processo <strong>do</strong> fazer musical.<br />
Po<strong>de</strong>mos revisar <strong>em</strong> Aristóteles os conceitos<br />
<strong>de</strong> práxis e o <strong>de</strong> poiesis. De mo<strong>do</strong> geral, o<br />
primeiro estaria liga<strong>do</strong> aos atos morais e<br />
políticos, ao trabalho prático, enquanto o<br />
segun<strong>do</strong> às ativida<strong>de</strong>s criativas, ainda assim<br />
passan<strong>do</strong> pelo processo <strong>de</strong> produção. Desses<br />
conceitos, talvez chegu<strong>em</strong>os à conclusão<br />
que o trabalho <strong>do</strong> músico se torna práxis,<br />
pela própria condição que nos é imposta pela<br />
socieda<strong>de</strong> pós-revolução industrial. 1 Isso fica<br />
mais evi<strong>de</strong>nte quan<strong>do</strong> o antropólogo Stuart<br />
Hall afirma que<br />
Des<strong>de</strong> a Revolução Industrial, o trabalho<br />
t<strong>em</strong> pre<strong>do</strong>mina<strong>do</strong> <strong>em</strong> nossas vidas. O<br />
primeiro <strong>em</strong>prego acontecia aos 15<br />
ou 16 anos, numa jornada <strong>de</strong> 60 horas<br />
s<strong>em</strong>anais, ten<strong>do</strong>-se um <strong>do</strong>mingo livre<br />
para ir à igreja. A aposenta<strong>do</strong>ria ocorria<br />
quan<strong>do</strong> já se estava exauri<strong>do</strong>, com<br />
uma expectativa <strong>de</strong> vida limitada. A<br />
estrutura da vida estava amplamente<br />
1 Muitos questionam o prefixo ‘pós’ <strong>em</strong> relação<br />
à era industrial. Aqui faz<strong>em</strong>os alusão à Revolução<br />
Industrial, já ultrapassada pela Revolução Tecnológica<br />
da década <strong>de</strong> 1970 e pelos novos paradigmas que nos são<br />
impostos pela era da globalização.<br />
pre<strong>de</strong>terminada: um pouco <strong>de</strong> religião<br />
e muito trabalho. (HALL, 1997)<br />
Em seu imortal verso De la musique avant<br />
toute chose 2 , o poeta Paul Verlaine (1844-<br />
1896) <strong>de</strong>svelava, <strong>de</strong>ntre muitas outras coisas<br />
que a música se elabora no seio das pulsações<br />
humanas, com vertig<strong>em</strong> e adrenalina, com<br />
prazer e en<strong>do</strong>rfina, com o corpo que dança,<br />
com a palavra que se lança <strong>do</strong> inconsciente.<br />
No entanto, o poeta trouxe ao público o<br />
que o hom<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre questionou. Ou seja,<br />
não era novida<strong>de</strong> que, ao afirmar a música<br />
antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, o poeta se referia igualmente<br />
à poesia que com ela/nela se realiza. Em<br />
suma, música e poesia encontram na<br />
poiesis um pouco <strong>de</strong> suas razões <strong>de</strong> existir:<br />
poiéo, que se liga a essa palavra, expressa o<br />
“produzir”; não necessariamente a produção<br />
<strong>do</strong>s meios industriais, mas aquela que se<br />
liga diretamente ao sujeito. Assim, música<br />
se produz e se (re) produz continuamente<br />
ad infinitum. Verlaine, por ter si<strong>do</strong> antes <strong>de</strong><br />
tu<strong>do</strong> um poeta, trouxe as artes que exist<strong>em</strong><br />
há milênios. Além disso, a arte da poesia<br />
proporciona a performance, termo tão<br />
utiliza<strong>do</strong> <strong>em</strong> nossos cursos superiores <strong>de</strong><br />
formação <strong>de</strong> músicos intérpretes e músicos<br />
educa<strong>do</strong>res. Sabe-se, porém, que no século<br />
XIX o uso <strong>do</strong> termo performance traduziase<br />
inicialmente pelo trabalho <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong><br />
por um atleta, ou, <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> geral,<br />
2 VERLAINE, P. L’ Art Poétique, 1884.
por uma ação cumprida. Falava-se ainda<br />
da performance linguística <strong>do</strong> sujeito.<br />
Retroce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ao Século XV, a performance<br />
era vista como a execução <strong>de</strong> uma obra<br />
literária ou artística, como conhec<strong>em</strong>os<br />
mais intimamente nos dias atuais. O mais<br />
interessante disso tu<strong>do</strong> é que o termo sofreu<br />
evoluções e transformações e <strong>de</strong>u o músico<br />
to<strong>do</strong> o seu significa<strong>do</strong>, uma vez que é pelo<br />
<strong>do</strong>mínio da técnica e o da interpretação que<br />
o músico se lança (lança-se com o corpo <strong>de</strong><br />
fato e com a própria alma, ou seja, a sua vida<br />
psíquica) nas mais variadas formas musicais,<br />
dan<strong>do</strong> ao público um pouco <strong>de</strong> sua vida<br />
laboral e virtuosística. E por que traz<strong>em</strong>os<br />
para este artigo reflexões sobre o poeta<br />
francês e o conceito <strong>de</strong> performance?<br />
Um corpus estranho?<br />
Muitos professores <strong>de</strong> instrumento se<br />
queixam da falta <strong>de</strong> leitura e <strong>de</strong> conhecimento<br />
<strong>de</strong> mun<strong>do</strong> por parte <strong>de</strong> seus alunos, que<br />
muitas vezes se limitam ao “ato <strong>de</strong> tocar”.<br />
Tentan<strong>do</strong> trazer para a discussão que muitas<br />
peças musicais po<strong>de</strong>m ser compreendidas<br />
primeiramente como um po<strong>em</strong>a, e que<br />
toda poesia traz <strong>em</strong> si ritmo e som (sen<strong>do</strong><br />
então música), apresentarei nas linhas que<br />
se segu<strong>em</strong> uma análise da poesia <strong>de</strong> Anissa<br />
Mohammedi. No entanto, trago, à guisa <strong>de</strong><br />
esclarecimento, algumas explicações acerca<br />
da escolha da obra que aqui analiso.<br />
Primeiramente, a escolha da obra se <strong>de</strong>u<br />
única e exclusivamente pelo fato <strong>de</strong> se<br />
tratar <strong>de</strong> uma poetisa com que trabalho,<br />
e por consequência que me interessa<br />
pessoalmente. Se tal fato é inegável,<br />
apresentarei pelo menos relevância no<br />
estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> corpus, uma vez que práxis e poiesis<br />
encontram, na superação da lógica binária,<br />
motivos <strong>de</strong> interseções mais <strong>do</strong> que <strong>de</strong><br />
oposições. É preciso l<strong>em</strong>brar <strong>em</strong> seguida que<br />
explorarei po<strong>em</strong>as <strong>de</strong> expressão francesa, que<br />
se inser<strong>em</strong> no que chamamos <strong>de</strong> literatura<br />
francófona, s<strong>em</strong> verda<strong>de</strong>iramente incluir o<br />
conjunto <strong>de</strong> escritores da chamada França<br />
metropolitana. Por isso <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os consi<strong>de</strong>rar<br />
como francófona toda a produção literária<br />
produzida <strong>em</strong> países que foram coloniza<strong>do</strong>s<br />
pela França por razões distintas.<br />
Anissa Mohammedi, poetisa argelina, escreve<br />
no atual momento <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>os e possui<br />
uma trajetória um pouco mais peculiar, pois<br />
vive atualmente na França, e por isso possui<br />
certa distância <strong>do</strong> contexto espaço-t<strong>em</strong>poral<br />
da Argélia. Isso inclusive se torna comum nos<br />
dias atuais, crian<strong>do</strong> uma espécie <strong>de</strong> “poética<br />
da migração”. Porém, é preciso pensar que<br />
o trabalho <strong>do</strong> artista é antes um trabalho<br />
<strong>de</strong> sustentação da cultura. Isso po<strong>de</strong> aguçar<br />
o <strong>de</strong>bate sobre atuais projetos <strong>do</strong> fazer<br />
47
artístico, uma vez que a sua centralida<strong>de</strong>,<br />
apoiada pelos paradigmas <strong>do</strong> século XX,<br />
dá lugar a <strong>de</strong>slocamentos/<strong>de</strong>scolamentos,<br />
ten<strong>do</strong> <strong>em</strong> vista a realida<strong>de</strong> social, política e<br />
econômica <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>os. Acerca disso,<br />
Hall tece reflexões importantes ao escrever<br />
que:<br />
Em certo senti<strong>do</strong>, a cultura s<strong>em</strong>pre foi<br />
importante. As ciências humanas e<br />
sociais há muito reconhec<strong>em</strong> isso. Nas<br />
humanida<strong>de</strong>s, o estu<strong>do</strong> das linguagens,<br />
a literatura, as artes, as idéias filosóficas,<br />
os sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> crença morais e<br />
religiosos, constituíram o conteú<strong>do</strong><br />
fundamental, <strong>em</strong>bora a idéia <strong>de</strong> que<br />
tu<strong>do</strong> isso compusesse um conjunto<br />
diferencia<strong>do</strong> <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>s - uma<br />
cultura - não foi uma idéia tão comum<br />
como po<strong>de</strong>ríamos supor. 3<br />
Agora sim, nas linhas <strong>do</strong> antropólogo,<br />
po<strong>de</strong>mos afirmar que os processos dinâmicos<br />
<strong>do</strong> artista que interpreta <strong>de</strong>veriam levar <strong>em</strong><br />
consi<strong>de</strong>ração que<br />
Antes, a “mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>” era transmitida<br />
<strong>de</strong> um único centro. Hoje, ela não possui<br />
um tal centro. As “mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s” estão<br />
por toda parte; mas assumiram uma<br />
ênfase vernácula. O <strong>de</strong>stino e a sorte<br />
<strong>do</strong> mais simples e pobre agricultor no<br />
mais r<strong>em</strong>oto canto <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />
<strong>do</strong>s <strong>de</strong>slocamentos não regula<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />
merca<strong>do</strong> global - e, por essa razão, ele<br />
3 Hall, S. 1997<br />
(ou ela) é hoje um el<strong>em</strong>ento essencial<br />
<strong>de</strong> cada cálculo global. (HALL, 2003)<br />
Todavia, um músico po<strong>de</strong>ria questionar a<br />
não-centralida<strong>de</strong> da cultura, uma vez que<br />
é especialista <strong>em</strong> compositores barrocos,<br />
clássicos ou românticos. Não seríamos<br />
inocentes: Revolução Tecnológica nos<br />
permite maior trânsito com todas as culturas<br />
<strong>do</strong> planeta, e portanto mais motivos para<br />
nos <strong>de</strong>slocarmos <strong>de</strong> um centro cultural,<br />
na medida <strong>em</strong> que o fluxo <strong>de</strong> informações<br />
impe<strong>de</strong> maior pureza interpretativa,<br />
inclusive oriundas <strong>de</strong> artistas nativos <strong>de</strong> uma<br />
região on<strong>de</strong> nasceu o compositor, pois eles<br />
também se encontram no mesmo dil<strong>em</strong>a.<br />
Em suma, o nosso dil<strong>em</strong>a po<strong>de</strong> ser igual ao<br />
<strong>de</strong> qualquer outro neste planeta.<br />
Em relação à Anissa Mohammedi, ver<strong>em</strong>os<br />
nas linhas da sua poesia que a performance<br />
da palavra se liga àquela <strong>do</strong>s fon<strong>em</strong>as, das<br />
figuras <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong>, <strong>do</strong>s simbolismos por<br />
vezes difíceis <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r, e que por<br />
fim produz<strong>em</strong> a performance <strong>do</strong> discurso<br />
poético, que convoca o corpo e a mente.<br />
Isso já faria <strong>do</strong> poeta um <strong>de</strong>sloca<strong>do</strong>, já<br />
que a Argélia produziu tantos escritores<br />
no próprio território. É ainda interessante<br />
notar <strong>em</strong> Mohammedi a preocupação com<br />
a musicalida<strong>de</strong> e a apresentação <strong>de</strong> seus<br />
versos. Por isso, <strong>em</strong>bora através <strong>de</strong> caminhos<br />
<strong>em</strong> certa medida tortuosos, espera-se<br />
48
proporcionar ao intérprete uma reflexão<br />
acerca <strong>do</strong> seu “ofício”, e ao leitor sensível da<br />
complexa arte <strong>de</strong> viver: ao músico e a to<strong>do</strong>s,<br />
viver é uma arte, apesar <strong>do</strong> lugar comum,<br />
pois é algo que se elabora, que se constroi<br />
e que se apresenta ao público, ao mun<strong>do</strong>, à<br />
vida.<br />
A análise<br />
Anissa Mohammedi envereda-se pelo mun<strong>do</strong><br />
povoa<strong>do</strong> por espectros, fantasmas e outros<br />
meios que ativam a m<strong>em</strong>ória contida <strong>em</strong><br />
sua poesia, trazen<strong>do</strong> à superfície <strong>do</strong> po<strong>em</strong>a<br />
uma espécie <strong>de</strong> angústia existencial. É então<br />
por meio da performance, sob a qual se<br />
<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia a evolução da criação poética,<br />
que se envolve o conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong> um passa<strong>do</strong><br />
que parece permanecer um presente. De<br />
um mo<strong>do</strong> geral, a poesia continua sen<strong>do</strong> um<br />
trabalho <strong>de</strong> metalinguag<strong>em</strong> e o verda<strong>de</strong>iro<br />
po<strong>em</strong>a é quase s<strong>em</strong>pre um metapo<strong>em</strong>a.<br />
Assim, a poetisa assina a sua escrita pelo<br />
título da obra que analisar<strong>em</strong>os, Au nom <strong>de</strong><br />
ma parole, sinalizan<strong>do</strong> <strong>em</strong> cada po<strong>em</strong>a que o<br />
gozo cerebral que motiva o poeta a trazer à<br />
tona o mun<strong>do</strong> aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> ao holocausto é<br />
uma h<strong>em</strong>orragia que sai <strong>do</strong> crepúsculo e <strong>do</strong><br />
exílio e jorra sobre aquele que vê nas palavras<br />
<strong>do</strong> po<strong>em</strong>a um pedaço <strong>de</strong> sua história.<br />
Com uma primeira formação acadêmica <strong>em</strong><br />
biologia, Anissa Mohammedi, nascida <strong>em</strong><br />
Alger <strong>em</strong> 1967 e originária da cabília, afirma<br />
que há conjugação entre a ciência da vida, a<br />
biologia, e a ciência da alma, a poesia, pois<br />
ambas se interessam pelas coisas invisíveis,<br />
coisas que não surgiriam necessariamente<br />
<strong>do</strong> exterior. Aliás, a evocação da vida se torna<br />
um ofício maior na poesia <strong>de</strong> Mohammedi,<br />
uma vez que a poetisa aban<strong>do</strong>na o mun<strong>do</strong><br />
imagina<strong>do</strong> pela Argélia pós-colonial e retorna<br />
a uma das origens <strong>de</strong> sua cultura linguística,<br />
a França, e inscreve <strong>em</strong> sua poesia as marcas<br />
<strong>de</strong> um olhar invisível sobre o mun<strong>do</strong> e<br />
sobre a vida. Do mesmo mo<strong>do</strong>, a música,<br />
poeticamente, é s<strong>em</strong>pre o <strong>de</strong>snudamento<br />
<strong>do</strong> invisível que surge <strong>do</strong>s el<strong>em</strong>entos escritos<br />
<strong>do</strong> compositor.<br />
Das abordagens preliminares às vias <strong>de</strong><br />
análise, a<strong>de</strong>ntr<strong>em</strong>os o universo poético<br />
<strong>de</strong> Mohammedi. Buscan<strong>do</strong> aten<strong>de</strong>r aos<br />
reclames <strong>de</strong> uma análise que privilegia os<br />
assuntos liga<strong>do</strong>s ao que aqui proponho,<br />
cont<strong>em</strong>plamos neste trabalho a leitura <strong>de</strong><br />
uma das partes da obra <strong>em</strong> evidência, a fim<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar que a m<strong>em</strong>ória e o olhar <strong>do</strong><br />
poeta <strong>de</strong>monstram, como afirma Foucault,<br />
um discurso que permite a superação<br />
metafísica e questiona o discurso <strong>do</strong>minante<br />
(FOUCAULT, 1972). Segun<strong>do</strong> o teórico,<br />
perceb<strong>em</strong>os na obra <strong>de</strong> Anissa Mohammedi<br />
o a priori histórico, já que a poetisa parece<br />
49
fazer transparecer o jogo <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>s<br />
e <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s fatos que evoca.<br />
Assim, os arquivos que se formam nas<br />
linhas <strong>de</strong> sua poesia surg<strong>em</strong> pelo jogo <strong>de</strong><br />
relações, que é o nível discursivo, nasc<strong>em</strong><br />
pela regularida<strong>de</strong>, ou seja, forma-se nelas um<br />
sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> discursivida<strong>de</strong>:<br />
O <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s enuncia<strong>do</strong>s assim<br />
articula<strong>do</strong> segun<strong>do</strong> a priori históricos,<br />
assim caracteriza<strong>do</strong> por diferentes<br />
tipos <strong>de</strong> positivida<strong>de</strong> e escandi<strong>do</strong> por<br />
formações discursivas distintas, não t<strong>em</strong><br />
mais o aspecto <strong>de</strong> planície monótona e<br />
in<strong>de</strong>finidamente prolongada [...] <strong>de</strong>ixa<br />
igualmente <strong>de</strong> aparecer como el<strong>em</strong>ento<br />
inerte, liso e neutro <strong>em</strong> que vêm<br />
aflorar, cada um segun<strong>do</strong> seu próprio<br />
movimento, ou <strong>em</strong>purra<strong>do</strong>s por algum<br />
dinamismo obscuro, t<strong>em</strong>as, idéias,<br />
conceitos, conhecimentos. Trata-se<br />
agora <strong>de</strong> um volume complexo, <strong>em</strong> que<br />
se diferenciam regiões heterogêneas, e<br />
<strong>em</strong> que se <strong>de</strong>senrolam, segun<strong>do</strong> regras<br />
específicas, práticas que não po<strong>de</strong>m<br />
superpor. (FOUCAULT, 1972)<br />
Os po<strong>em</strong>as que se congregam <strong>em</strong> Au nom <strong>de</strong><br />
ma parole não se organizam como <strong>em</strong> um livro<br />
tradicional ou a partir <strong>do</strong> fecha<strong>do</strong> conceito <strong>de</strong><br />
“obra” literária. Desse mo<strong>do</strong>, a poetisa abre o<br />
conjunto <strong>de</strong> po<strong>em</strong>as sugerin<strong>do</strong> que as “fibras<br />
<strong>do</strong> seu verbo” captur<strong>em</strong> o leitor, se ele assim<br />
o permitir: Par le risque/ et la dépossession/<br />
Par l’exaltation/ et l’impulsion/ agrippezvous/<br />
aux fibres <strong>de</strong> mon verbe. 4 Em seguida,<br />
4 Proposta <strong>de</strong> tradução: Pelo risco/ e a<br />
<strong>de</strong>sapropriação/ Pela exaltação/ e o impulso/ captur<strong>em</strong>chama<br />
<strong>de</strong> “discursos narcísicos” aqueles<br />
que “incham” o “gozo cerebral”, reiteran<strong>do</strong> a<br />
visão foucaultiana <strong>de</strong> um arquivo <strong>de</strong> fatos<br />
ou coisas que serão inseri<strong>do</strong>s nas linhas<br />
<strong>de</strong> sua poesia, au-<strong>de</strong>là da soma <strong>de</strong> textos<br />
e da informação institucionalizada. Aqui o<br />
narcísico que explo<strong>de</strong> pelo gozo cerebral<br />
quebraria a linha da continuida<strong>de</strong>, fazen<strong>do</strong><br />
aparecer um novo olhar sobre o mun<strong>do</strong> que<br />
tentará fazer ver <strong>em</strong> seus po<strong>em</strong>as: Lorsque les<br />
discours narcissiques/ gonflent la jouissance<br />
cérébrale/ vos corps légers tr<strong>em</strong>blent/ sous les<br />
Lour<strong>de</strong>s sensations génésiques. 5 E confirma no<br />
po<strong>em</strong>a que se segue: Lorsque mon verbe/ ne<br />
supportera plus/ l’orgasme extrême/ mes yeux<br />
vous diront/ sans permission/ le non <strong>de</strong> ma<br />
parole. 6 Dentre as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> análise,<br />
fris<strong>em</strong>os nestes versos que a sequência au<br />
non <strong>de</strong> ma parole (o “não” da minha palavra)<br />
com(fun<strong>de</strong>-se) com o título <strong>do</strong> livro, Au nom<br />
<strong>de</strong> ma parole (Em nome da minha palavra),<br />
fazen<strong>do</strong> das sequências fonéticas mais um<br />
diálogo e menos um jogo <strong>de</strong> oposições. Isso<br />
seria da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> um <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho que liga a<br />
visão à audição, e por isso mesmo é algo que<br />
nos levaria a reflexões acerca da necessida<strong>de</strong><br />
se/ pelas fibras <strong>do</strong> meu verbo.<br />
5 Proposta <strong>de</strong> tradução: Quan<strong>do</strong> os discursos<br />
narcísicos/incham o gozo cerebral/ seus corpos leves<br />
tr<strong>em</strong><strong>em</strong>/sob pesadas sensações genésicas.<br />
6 Proposta <strong>de</strong> tradução: Quan<strong>do</strong> o meu verbo/<br />
não mais suportar/ o orgasmo extr<strong>em</strong>o/ os meus olhos<br />
lhe dirão/ s<strong>em</strong> permissão/ o ‘não’ da minha palavra<br />
(aspas minhas).<br />
50
<strong>de</strong> expor, calar-se e negar a condição <strong>em</strong><br />
que vive a criação poética ou a própria<br />
poiesis. Na sequência, os po<strong>em</strong>as po<strong>de</strong>riam<br />
ser dividi<strong>do</strong>s por t<strong>em</strong>as. Teríamos assim um<br />
único po<strong>em</strong>a, cuja expressão inicial “sabor<br />
afônico” parece nos mostrar pelo paralelismo<br />
entre o “sabor” e a “voz que não fala” que a<br />
porta <strong>de</strong> entrada para a manutenção da<br />
vida é a boca, on<strong>de</strong> se sente o sabor e que<br />
se combina com a voz que não po<strong>de</strong> falar<br />
(foi privada <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>?) e por isso talvez a<br />
poesia represente a impossibilida<strong>de</strong> por meio<br />
da sua para<strong>do</strong>xal matéria: a palavra. Neste<br />
caso, o “fogo”, que seria a própria poesia,<br />
tornaria-se a própria fonte <strong>de</strong> expressão e <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sejo: Saveur aphone/ je mastique la parole<br />
prohibée/ Le feu <strong>de</strong>vient alors source/ dans ma<br />
bouche. 7 Os po<strong>em</strong>as que se segu<strong>em</strong> tratam<br />
então da over<strong>do</strong>se “das palavras”, “<strong>do</strong> silêncio”<br />
e “<strong>do</strong> absur<strong>do</strong>”, <strong>do</strong>s “nervos à flor da pele” e<br />
finalmente da “Terra imortal”. Esses po<strong>em</strong>as<br />
constituiriam uma parte <strong>do</strong> to<strong>do</strong> <strong>do</strong> livro, que<br />
seguirá exploran<strong>do</strong> outras possibilida<strong>de</strong>s<br />
ainda tão complexas para as quais o espaço<br />
<strong>de</strong>ste trabalho seria insuficiente.<br />
Arte cont<strong>em</strong>porânea?<br />
Giorgio Agamben (AGAMBEN, 2009), parece<br />
ter consegui<strong>do</strong> explicar ao estudioso <strong>do</strong>s dias<br />
7 Proposta <strong>de</strong> tradução: Sabor áfono/ envernizo<br />
(<strong>de</strong>coro) a palavra proibida/ O fogo então se torna fonte/<br />
<strong>em</strong> minha boca.<br />
atuais o complexo termo “cont<strong>em</strong>porâneo”.<br />
Em seu ensaio “O que é cont<strong>em</strong>porâneo?” o<br />
autor traz um primeiro questionamento: “De<br />
qu<strong>em</strong> e <strong>do</strong> que somos cont<strong>em</strong>porâneos?”<br />
Essa indagação po<strong>de</strong>ria nos incomodar, pois<br />
comumente se pensa que o cont<strong>em</strong>porâneo<br />
é o que se ligaria diretamente às produções<br />
recentes, <strong>em</strong> um senti<strong>do</strong> cronológico. No caso<br />
da poesia que analisar<strong>em</strong>os, perceber<strong>em</strong>os<br />
uma escritora que se “<strong>de</strong>scola” <strong>de</strong> um<br />
contexto argelino pós-colonial e <strong>em</strong>barca<br />
<strong>em</strong> excursões mais amplas, questionan<strong>do</strong> o<br />
próprio fazer poético pelo questionamento<br />
<strong>do</strong> fazer humano. Po<strong>de</strong>ríamos então<br />
afirmar que se trata aqui <strong>de</strong> uma poetisa<br />
cont<strong>em</strong>porânea e que escreve para um<br />
público cont<strong>em</strong>porâneo? Seria a poesia<br />
<strong>de</strong> Anissa Mohammedi int<strong>em</strong>pestiva, nas<br />
palavras <strong>de</strong> Roland Barthes, menciona<strong>do</strong><br />
por Agamben no início <strong>de</strong> seu ensaio? A<br />
poetisa aqui não seria cont<strong>em</strong>porânea<br />
por estar presente <strong>em</strong> “nosso t<strong>em</strong>po”, mas<br />
por trazer à baila questões pertinentes<br />
para a manutenção da vida, assim como<br />
muitos poetas e escritores já o teriam<br />
trazi<strong>do</strong> e que, portanto, seriam igualmente<br />
cont<strong>em</strong>porâneos (ver po<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Drummond<br />
no final <strong>do</strong> artigo). Perceb<strong>em</strong>os então <strong>em</strong><br />
Anissa Mohammedi que a “over<strong>do</strong>se das<br />
palavras” chega às “cavernas”, lugar <strong>de</strong><br />
trevas: L’over<strong>do</strong>se <strong>de</strong>s mots/ à redresser le<br />
sourire <strong>de</strong>s cavernes/ tu entendras le souffle<br />
51
<strong>de</strong> l’indifférence/ gémir sous l’étreinte <strong>de</strong> la<br />
complainte <strong>em</strong> forme <strong>de</strong> dépotoir. 8 Embora<br />
a “luz” seja tradicionalmente o símbolo <strong>de</strong><br />
tu<strong>do</strong> o que liberta o hom<strong>em</strong> <strong>de</strong> suas mais<br />
diversas prisões simbólicas, é das “trevas” ou<br />
da “escuridão” que aqui tratar<strong>em</strong>os.<br />
Ainda a partir <strong>do</strong> ensaio <strong>de</strong> Agamben, o<br />
olhar da poetisa se fixa <strong>em</strong> seu próprio<br />
t<strong>em</strong>po. Nele, a palavra, que sofre <strong>de</strong><br />
over<strong>do</strong>se, a própria poesia, parece atingir<br />
lugares da<strong>do</strong>s como cavernas que sorri<strong>em</strong>. A<br />
figura <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> aqui parece contrapor<br />
a escuridão das cavernas aos que nela<br />
habitam, talvez ofusca<strong>do</strong>s pela luz fascista<br />
que reina sobre o mun<strong>do</strong>, e por isso, mun<strong>do</strong><br />
cont<strong>em</strong>porâneo. Em seguida continua:<br />
L’over<strong>do</strong>se du silence/ à exorciser la frénésie/ tu<br />
verras la nuit/ coupable du rêve/ aban<strong>do</strong>ner<br />
ses étoiles/ en forme <strong>de</strong> flots. 9 Mais uma vez,<br />
os termos « noite » e « sonho » e « estrelas »<br />
evocariam a escuridão necessária para se<br />
enxergar mais longe a poesia, e, portanto o<br />
próprio mun<strong>do</strong>. Talvez aqui fique também<br />
o convite para enxergarmos a música pela<br />
via da criação <strong>do</strong> poeta, que é o compositor.<br />
Agamben afirma que « O escuro não é [...] um<br />
8 Proposta <strong>de</strong> tradução: A over<strong>do</strong>se das palabras/<br />
a endireitar o sorriso das cavernas/ tu ouvirás o sopro da<br />
indiferença/ g<strong>em</strong>er sob a pressão <strong>do</strong> lamento/ <strong>em</strong> forma<br />
<strong>de</strong> lixo.<br />
9 Proposta <strong>de</strong> tradução: A over<strong>do</strong>se <strong>do</strong> silêncio/<br />
à exorcisar a frenesi/ tu verás a noite/ culpada <strong>do</strong> sonho/<br />
aban<strong>do</strong>nar suas estrelas/ <strong>em</strong> forma <strong>de</strong> fluxo.<br />
conceito privativo, a simples ausência <strong>de</strong> luz,<br />
algo como uma não-visão, mas o resulta<strong>do</strong><br />
da ativida<strong>de</strong> das off-cells, um produto da<br />
nossa retina». E ainda se pergunta e afirma:<br />
Por que conseguir perceber as trevas<br />
que provêm da época <strong>de</strong>veria nos<br />
interessar? Não é talvez o escuro uma<br />
experiência anônima e, por <strong>de</strong>finição,<br />
impenetrável, algo que não está<br />
direciona<strong>do</strong> para nós e não po<strong>de</strong>, por<br />
isso, nos dizer respeito? Ao contrário,<br />
cont<strong>em</strong>porâneo é aquele que percebe<br />
o escuro <strong>do</strong> seu t<strong>em</strong>po como algo que,<br />
mais <strong>do</strong> que toda luz, dirige-se direta e<br />
singularmente a ele. Cont<strong>em</strong>porâneo<br />
é aquele que recebe <strong>em</strong> pleno rosto<br />
o facho <strong>de</strong> trevas que provém <strong>do</strong> seu<br />
t<strong>em</strong>po. (AGAMBEN, 2009)<br />
Assim, o escuro <strong>do</strong> seu próprio t<strong>em</strong>po é<br />
o que luta contra a ofuscante luz, sobre a<br />
qual discorrer<strong>em</strong>os mais adiante. Quanto<br />
ao po<strong>em</strong>a, n<strong>em</strong> palavra, n<strong>em</strong> silêncio. A<br />
over<strong>do</strong>se que lhe resta é a <strong>do</strong> absur<strong>do</strong>, que<br />
estaria mais próximo da poesia, uma vez que<br />
a palavra não conseguiria expressar, n<strong>em</strong><br />
tampouco o silêncio, como teria si<strong>do</strong> uma<br />
possível resposta: L’over<strong>do</strong>se <strong>de</strong> l’absur<strong>de</strong>/ à<br />
basculer le sens/ tu seras l’enjeu/ <strong>de</strong>s mots et du<br />
silence/ puis tu apprendras/ à <strong>de</strong>venir l’essor/<br />
d’un instant inédit. 10 Por isso po<strong>de</strong>mos afirmar<br />
que as palavras ou o seu contrário, o silêncio,<br />
10 Proposta <strong>de</strong> tradução: A over<strong>do</strong>se <strong>do</strong><br />
absur<strong>do</strong>/ a bascular o senti<strong>do</strong>/ tu serás a aposta/ das<br />
palavras e <strong>do</strong> silêncio/ <strong>de</strong>pois apren<strong>de</strong>rás/ a tornar-se o<br />
voo/ <strong>de</strong> um instante inédito.<br />
52
são difíceis <strong>de</strong> lutar contra a luz que ofusca<br />
a humanida<strong>de</strong>, e por isso o absur<strong>do</strong>, como o<br />
voar <strong>em</strong> evolução <strong>de</strong> um pássaro (l’essor), no<br />
instante que <strong>do</strong>ravante se faz inédito.<br />
Os po<strong>em</strong>as que consi<strong>de</strong>ramos como um<br />
primeiro grupo terminam com a evocação<br />
da “Terra”: aqui se constroi o maior número<br />
<strong>de</strong> po<strong>em</strong>as (cinco), fazen<strong>do</strong> justamente da<br />
“Terra” o nosso habitat maior, o centro <strong>de</strong> sua<br />
obra. Imortal, a terra se move <strong>em</strong> seu próprio<br />
senti<strong>do</strong>, o <strong>de</strong> mun<strong>do</strong>, país ou território,<br />
promoven<strong>do</strong> assim a quebra <strong>do</strong>s paradigmas<br />
mo<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> divisão política, e <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> ao<br />
leitor a escolha da parte que lhe cabe no<br />
po<strong>em</strong>a: Terre immortelle/ ton visage ombré/<br />
pétille sous le ciel nuageux. 11 Que dimensão<br />
territorial estaria evocan<strong>do</strong> tais versos?<br />
Limitar-se-ia ao to<strong>do</strong>, ao mun<strong>do</strong>? Ou a Argélia<br />
e to<strong>do</strong> o Magreb também po<strong>de</strong>riam ser<br />
refluxos na m<strong>em</strong>ória <strong>do</strong> poeta? Assim, a Terra,<br />
enquanto arquivo, é a página principal <strong>de</strong><br />
uma longa introdução promovida pelo gozo<br />
cerebral e pela palavra que se cala, silencia e<br />
aposta no absur<strong>do</strong>. Todavia, questionaríamos<br />
ainda: por que o “rosto” <strong>de</strong> uma terra que é<br />
imortal permaneceria “escondi<strong>do</strong>” e, vela<strong>do</strong>,<br />
liberaria “faíscas”? Mais adiante, no mesmo<br />
po<strong>em</strong>a l<strong>em</strong>os: Tu propulses l’outrage/ pour<br />
protéger le serment/ mais la promesse a trahi/<br />
et tu ne jures/ que par l’âme ancestrale/ la force<br />
11 Proposta <strong>de</strong> tradução: Terra imortal/ teu<br />
rosto escondi<strong>do</strong>/ libera faíscas sob o céu nubla<strong>do</strong>.<br />
du t<strong>em</strong>ps/ te traverse/ comme un cours d’eau/<br />
Pour abreuver ta mémoire/ qui fait défaut/ le<br />
courroux éructe/ <strong>de</strong>s ténèbres <strong>de</strong>s fidèles. 12<br />
Percebe-se então, no segun<strong>do</strong> po<strong>em</strong>a,<br />
que a Terra imortal não seria somente o<br />
planeta <strong>em</strong> sua constituição química, mas se<br />
realizaria enquanto movimento humano que<br />
tu<strong>do</strong> <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>, que impulsiona ao ultraje, que<br />
abrevia a própria m<strong>em</strong>ória. Essa abreviação<br />
da m<strong>em</strong>ória parece ser justamente o que o<br />
po<strong>em</strong>a tenta trazer à superfície. Essa terra,<br />
no po<strong>em</strong>a seguinte, amedronta como o<br />
canto da coruja. Essa ave, cristalizada pela<br />
superstição, faz <strong>do</strong> seu ulular a representação<br />
<strong>do</strong> pavor diante <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Assim a poetisa<br />
<strong>de</strong>screve a Terra imortal, que agora se<br />
relaciona com o corpo que tr<strong>em</strong>e e a carne<br />
que provoca os frissons <strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo, <strong>em</strong> uma<br />
espécie <strong>de</strong> mistura entre o terror e o imenso<br />
prazer <strong>de</strong> estar no mun<strong>do</strong>: Terre immortelle/<br />
ton silence m’effraye autant/ que le hulul<strong>em</strong>ent<br />
<strong>de</strong>s chouettes [...] j’attends l’aurore qui viendra/<br />
poser son baiser/ sur mon corps tr<strong>em</strong>blant/ le<br />
silence se tait/ dans les frissons <strong>de</strong> ma chair... 13<br />
12 Proposta <strong>de</strong> tradução: Tu propulsas o ultraje/<br />
para proteger o sermão/ mas a promessa traiu/ e tu<br />
juras somente/ pela alma ancestral/ a força <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po/<br />
atravessa-te/ como o curso da água/ para nutrir a tua<br />
m<strong>em</strong>ória/ que t<strong>em</strong> a falta <strong>de</strong> algo/ a forte cólera arrota/<br />
trevas <strong>do</strong>s fiéis.<br />
13 Proposta <strong>de</strong> tradução: Terra imortal/ teu<br />
silencio me amedronta/ tanto quanto o ulular das<br />
corujas […] espero a aurora que virá/ dar o seu beijo/<br />
sobre o meu corpo que tr<strong>em</strong>e/ o silêncio se cala/ nos<br />
frissons da minha carne...<br />
53
No terceiro <strong>do</strong>s cinco po<strong>em</strong>as sobre a Terra<br />
imortal a poetisa convoca pela primeira vez<br />
a criança, a qu<strong>em</strong> chama <strong>de</strong> “filho perdi<strong>do</strong>”.<br />
Terre immortelle/ je prends ton enfant perdu/<br />
par la main/ je fixe son regard/ et je comprends<br />
pourquoi/ mes mots son amers. 14 O filho da<br />
Terra, o <strong>de</strong>sloca<strong>do</strong> <strong>em</strong> sua condição pouco<br />
satisfatória <strong>em</strong> relação ao po<strong>de</strong>r mundial da<br />
Terra imortal é cont<strong>em</strong>pla<strong>do</strong> pelo poeta e lhe<br />
dá os motivos pelos quais a estética <strong>de</strong> sua<br />
escrita, neste caso <strong>de</strong> sua poesia, possui uma<br />
carga s<strong>em</strong>ântica tão pesada, com palavras<br />
tão escuras e viscerais. No entanto, como<br />
aquele que reflete sobre o universal, parece,<br />
nos versos que se segu<strong>em</strong>, sugerir uma<br />
moral, a da participação para a mudança <strong>do</strong><br />
sist<strong>em</strong>a, a responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> indivíduo<br />
sobre outr<strong>em</strong>: je lui montre le ch<strong>em</strong>in/ <strong>de</strong> l’é<strong>de</strong>n<br />
<strong>de</strong>s enfants du mon<strong>de</strong>/ son sourire éclôt/ avec<br />
les bourgeons du print<strong>em</strong>ps/ je lâche la main/<br />
et je conjure mes mots. 15 De qualquer maneira,<br />
<strong>de</strong> posse <strong>do</strong>s brotos que crescerão <strong>de</strong>pois <strong>do</strong><br />
inverno, o poeta parece querer firmar um<br />
acor<strong>do</strong> com o mun<strong>do</strong> pela imortalida<strong>de</strong> da<br />
Terra, trazen<strong>do</strong> a esperança mais <strong>do</strong> que o<br />
pavor e o <strong>de</strong>sespero.<br />
No quarto po<strong>em</strong>a sobre a Terra imortal, surge<br />
14 Proposta <strong>de</strong> tradução: Terra imortal/ eu tomo<br />
o seu filho perdi<strong>do</strong>/ pela mão/ fixo o seu olhar/ e enten<strong>do</strong><br />
por que/ minhas palavras são amargas.<br />
15 Proposta <strong>de</strong> tradução: mostro-lhe o caminho/<br />
<strong>do</strong> é<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s filhos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>/ seu sorriso escancara<strong>do</strong>/<br />
com os brotos da primavera/ solto a sua mão/ e suplico<br />
por minhas palavras.<br />
a recriação, ainda sobre a responsabilida<strong>de</strong><br />
<strong>do</strong> poeta, ou ainda <strong>do</strong> sujeito. Ao <strong>de</strong>senhar<br />
outro rosto que ultrapassa a promessa, o<br />
poeta vomita amargamente com palavras a<br />
sua <strong>de</strong>núncia diante <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os enganos,<br />
todas as promessas e to<strong>do</strong> o imaginário<br />
alimenta<strong>do</strong> pelo mun<strong>do</strong> cont<strong>em</strong>porâneo,<br />
que não passariam <strong>de</strong> violência ao<br />
sujeito (morsures) ou sujeira (crasse): Terre<br />
immortelle/ je te <strong>de</strong>ssine um autre visage/ plus<br />
beau que la promesse/ mon regard ne croisera<br />
plus le mirage/ mes mains ne carresseront plus/<br />
les traces <strong>de</strong>s morsures/ me mots ne cracheront<br />
plus/ sur la crasse du mensonge/ mes pas ne<br />
connaîtront plus/ le ch<strong>em</strong>in <strong>de</strong> l’exil. 16<br />
Finalmente, no quinto po<strong>em</strong>a, o poeta<br />
cont<strong>em</strong>pla o fruto <strong>do</strong> seu trabalho, o novo<br />
rosto da Terra que permanece imortal. Uma<br />
vez realiza<strong>do</strong>, o novo <strong>de</strong>senho também se<br />
imortaliza. O juramento, que pelo mun<strong>do</strong><br />
era feito <strong>em</strong> nome <strong>do</strong>s ancestrais, <strong>do</strong>s<br />
mortos pela violência <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>em</strong> várias<br />
instâncias (políticas? sociais? religiosas?)<br />
é agora realiza<strong>do</strong> <strong>em</strong> nome <strong>do</strong> sorriso da<br />
criança, <strong>em</strong> lugar <strong>do</strong> já venci<strong>do</strong> “sorriso das<br />
cavernas” como a covardia <strong>do</strong> sujeito, ou o<br />
ulular da coruja, que causa me<strong>do</strong> e pavor.<br />
16 Proposta <strong>de</strong> tradução: Terra imortal/ eu te<br />
<strong>de</strong>senho outro rosto/ mais belo que a promessa/ meu<br />
olhar não cruzará mais a mirag<strong>em</strong>/ minhas mãos não<br />
acariciarão mais/ os traços das mordidas/ minhas<br />
palavras não mais cuspirão/ sobre a sujeira da mentira/<br />
meus passos não conhecerão mais/ o caminho <strong>do</strong> exílio.<br />
54
Terre immortelle/ je cont<strong>em</strong>ple ton nouveau<br />
visage/ je n’ai plus besoin <strong>de</strong> le re<strong>de</strong>ssiner/ et je<br />
ne jure/ que par le sourire <strong>de</strong> l’enfant. 17<br />
Conclusões<br />
Anissa Mohammedi parece nos fazer<br />
cont<strong>em</strong>plar a complexida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s arquivos<br />
que abre, pela <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />
acontecimentos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> cont<strong>em</strong>porâneo.<br />
O exílio tanto exposto parece sinalizar a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se observar que estaríamos<br />
to<strong>do</strong>s diante <strong>de</strong> um exílio no próprio mun<strong>do</strong>,<br />
sobre o qual a poesia consegue pelo menos<br />
lançar fachos <strong>de</strong> luzes intermitentes, que<br />
apontariam, talvez para uma esperança<br />
ou para uma nova luz, diferente daquela<br />
que nos obstrui a m<strong>em</strong>ória, que nos limita<br />
o pensamento e que ofusca nossa frágil<br />
visão. Quanto ao músico que lê os versos<br />
da poetisa, pergunta-se: haveria espaço no<br />
palco e na mente <strong>do</strong> público para novas<br />
interpretações? De qualquer mo<strong>do</strong>, <strong>de</strong>bater<br />
com a prática interpretativa não é tarefa<br />
fácil, pois significa tentar mexer com fixi<strong>de</strong>z<br />
e material cristaliza<strong>do</strong> por hábitos que<br />
herdamos <strong>de</strong> tantas gerações e <strong>de</strong> tantas<br />
tradições, <strong>em</strong> sua maioria europeias. Por<br />
isso mesmo é que po<strong>de</strong>ríamos pensar que<br />
<strong>em</strong> lugar da reificação <strong>do</strong> repertório que<br />
colecionamos po<strong>de</strong>ria se ce<strong>de</strong>r lugar a uma<br />
17 Proposta <strong>de</strong> tradução: Terra imortal/ cont<strong>em</strong>plo<br />
o teu novo rosto/ não preciso mais re<strong>de</strong>senhá-lo/ e juro<br />
somente/ pelo sorriso da criança.<br />
nova or<strong>de</strong>m correlacional, acrescentan<strong>do</strong><br />
s<strong>em</strong>pre aos significa<strong>do</strong>s prece<strong>de</strong>ntes. É o<br />
que afirma Wan<strong>de</strong>r Melo Miranda (MIRANDA,<br />
1999):<br />
A lógica <strong>do</strong> coleciona<strong>do</strong>r vale-se da<br />
singularida<strong>de</strong>, <strong>em</strong> oposição ao típico<br />
e ao classificável, atuan<strong>do</strong> contra<br />
a reificação, que é uma forma <strong>de</strong><br />
esquecimento. O trabalho arqueológico<br />
<strong>de</strong> anamnesis opera por cortes e recortes<br />
no continuum da história - individual,<br />
familiar, coletiva - modifican<strong>do</strong> o já<br />
fixa<strong>do</strong> e estabelecen<strong>do</strong> uma nova<br />
or<strong>de</strong>m correlacional, que se acrescenta<br />
a um significa<strong>do</strong> prece<strong>de</strong>nte [...].<br />
Há exílio ou libertação durante a performance<br />
<strong>de</strong> uma obra musical? A parole <strong>em</strong> Mohammedi<br />
parece querer nos dizer que o exílio é<br />
inevitável, mas luzes intermitentes po<strong>de</strong>m<br />
surgir, piscar aos poucos e continuamente.<br />
Que esperança po<strong>de</strong>ríamos trazer ao mun<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> excesso <strong>de</strong> luzes midiáticas, fascistas, <strong>de</strong><br />
correntes homogeneiza<strong>do</strong>ras nós, os que<br />
pensamos, ou que pelo menos “pensamos<br />
que pensamos” música e/ou poesia? E a<br />
palavra (ou o instrumento)? Calar-se-á?<br />
Ou gritará ao mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> ritmo, <strong>do</strong> corpo e<br />
<strong>do</strong> som que a vida <strong>de</strong>ve perpetuar? Em se<br />
tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> (quase) elucubrações, fiqu<strong>em</strong>os<br />
por enquanto com um po<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Carlos<br />
Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> que, assim como<br />
Anissa Mohammedi, não nos l<strong>em</strong>bra o que<br />
55
<strong>de</strong>v<strong>em</strong>os fazer, mas ajuda-nos a esquecer,<br />
pois, como “Arestas cortantes <strong>de</strong> senti<strong>do</strong>”,<br />
a vida, a arte, a poesia são feitos <strong>de</strong> “cacos”,<br />
suce<strong>de</strong>m-se metonimicamente como<br />
fragmentos, s<strong>em</strong> nunca constituír<strong>em</strong>, no<br />
entanto, uma totalida<strong>de</strong> ou algo completo. Se<br />
<strong>de</strong> qualquer mo<strong>do</strong> Mohammedi permanecer<br />
distante, Drummond po<strong>de</strong>rá igualmente ser<br />
útil, uma práxis, para a revisão da poiesis com<br />
a qual lidamos to<strong>do</strong>s os dias <strong>de</strong> nossa vida,<br />
musical ou não.<br />
Já não coleciono selos. O mun<strong>do</strong> me<br />
inquizila.<br />
T<strong>em</strong> países <strong>de</strong>mais, geografias <strong>de</strong>mais.<br />
Desisto.<br />
Nunca chegaria a ter um álbum igual ao<br />
<strong>do</strong> Dr. Grisolia,<br />
Orgulho da cida<strong>de</strong>.<br />
E toda gente coleciona<br />
os mesmos pedacinhos <strong>de</strong> papel.<br />
Agora coleciono cacos <strong>de</strong> louça<br />
quebrada há muito t<strong>em</strong>po.<br />
Cacos novos não serv<strong>em</strong>.<br />
Brancos também não.<br />
Têm <strong>de</strong> ser colori<strong>do</strong>s e vetustos,<br />
<strong>de</strong>senterra<strong>do</strong>s -faço questão - da horta.<br />
Guar<strong>do</strong> uma fortuna <strong>em</strong> rosinhas<br />
estilhaçadas,<br />
restos <strong>de</strong> flores não conhecidas.<br />
Tão pouco: só o roxo não <strong>de</strong>linea<strong>do</strong>,<br />
o carmesim absoluto,<br />
o ver<strong>de</strong> não saben<strong>do</strong><br />
a que xícara serviu.<br />
Mas eu refaço a flor por sua cor,<br />
e é só minha tal flor, se a cor é minha<br />
no caco <strong>de</strong> tigela.<br />
O caco v<strong>em</strong> da terra como fruto<br />
a me aguardar, segre<strong>do</strong><br />
que morta cozinheira ali <strong>de</strong>pôs<br />
para que um dia eu o <strong>de</strong>svendasse.<br />
Lavrar, lavrar com mãos impacientes<br />
um ouro <strong>de</strong>spreza<strong>do</strong><br />
por to<strong>do</strong>s da família. Bichos pequeninos<br />
fog<strong>em</strong> <strong>de</strong> revolvi<strong>do</strong> lar subterrâneo.<br />
Vidros agressivos<br />
fer<strong>em</strong> os <strong>de</strong><strong>do</strong>s, preço<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrimento:<br />
a coleção e seu sinal <strong>de</strong> sangue;<br />
a coleção e seu risco <strong>de</strong> tétano;<br />
a coleção que nenhum outro imita.<br />
Escon<strong>do</strong>-a <strong>de</strong> José, por que não ria<br />
n<strong>em</strong> jogue fora esse museu <strong>de</strong> sonho. 18<br />
18 Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Coleção <strong>de</strong><br />
cacos, Boit<strong>em</strong>po II.<br />
56
REFERÊNCIAS<br />
AGAMBEN, Giorgio, O que é cont<strong>em</strong>porâneo? e outros<br />
ensaios. Chapecó: Argos, 2009.<br />
FOUCAULT, Michel, Arqueologia <strong>do</strong> saber. Lisboa:<br />
Vozes: 1972.<br />
HALL, Stuart. A centralida<strong>de</strong> da cultura: notas sobre<br />
as revoluções culturais <strong>do</strong> nosso t<strong>em</strong>po. Educação &<br />
Realida<strong>de</strong>, Porto Alegre, v. 22, nº2, p. 15-46, jul./<strong>de</strong>z.<br />
1997.<br />
__________. Da diáspora: i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e mediações<br />
culturais. Organização <strong>de</strong> Sovik. Belo Horizonte:<br />
UFMG, 2003.<br />
MOHAMMEDI, Anissa. Au nom <strong>de</strong> ma Parole. Québec:<br />
Écrits <strong>de</strong> Forges, 2003.<br />
MIRANDA, Wan<strong>de</strong>r Melo. Cad. Esc. Legisl., Belo<br />
Horizonte, 2(4): 95-113, jul/<strong>de</strong>z. 1999. Disponível <strong>em</strong><br />
www.almg.gov.br/Ca<strong>de</strong>rnosEscol/Ca<strong>de</strong>rno4/miranda.<br />
pdf<br />
57
ANÁLISE COMPARATIVA DE PEGUEI<br />
A RETA: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA<br />
O ESTUDO DO TROMPETE NO<br />
CHORO<br />
Pedro Francisco Mota Júnior<br />
Professor <strong>do</strong> curso <strong>de</strong> bacharela<strong>do</strong> <strong>em</strong> música da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> <strong>do</strong> Espírito Santo “Maurício <strong>de</strong> Oliveira” -<br />
FAMES, mestre <strong>em</strong> música pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais - UFMG<br />
Resumo<br />
Estu<strong>do</strong> acerca das escolhas interpretativas contidas<br />
<strong>em</strong> duas gravações <strong>do</strong> choro Peguei a Reta, composto<br />
pelo trompetista-compositor Porfírio Costa (1913-?).<br />
A comparação interpretativa <strong>de</strong>sse choro foi realizada<br />
entre os registros sonoros <strong>de</strong> COSTA feito <strong>em</strong> 1948<br />
e <strong>de</strong> Joatan NASCIMENTO <strong>em</strong> 2002. Os resulta<strong>do</strong>s<br />
revelam características <strong>de</strong> práticas <strong>de</strong> performance<br />
específicas <strong>de</strong> cada intérprete e traços estilísticos <strong>de</strong><br />
suas respectivas épocas.<br />
Palavras-chave: trompete e choro - interpretação<br />
musical - análise <strong>de</strong> música gravada.<br />
Abstract<br />
The present study focuses on interpretative el<strong>em</strong>ents<br />
registered in two recordings of choros Peguei a Reta<br />
by trumpet player and composer Porfírio Costa (1913-<br />
?). Comparative analysis was ma<strong>de</strong> between Porfírio<br />
COSTA’s recording of Peguei a Reta from 1948 and<br />
Joatan NASCIMENTOS’s of 2002. The results reveal<br />
characteristic performance practices of each player as<br />
well as stylistic traces of their respective times.<br />
Keywords: trumpet in choro - musical interpretation<br />
- analisys of recor<strong>de</strong>d music.
Introdução<br />
Este artigo apresenta um estu<strong>do</strong> acerca<br />
das escolhas interpretativas contidas na<br />
interpretação <strong>do</strong> choro ao trompete. Para<br />
tal, comparamos uma gravação histórica<br />
situada no ano <strong>de</strong> 1948 com uma gravação<br />
mais atual, ou seja, <strong>de</strong> 2002. A amostrag<strong>em</strong><br />
<strong>de</strong> intérpretes é constituída por <strong>do</strong>is<br />
trompetistas brasileiros: Porfírio Costa (1913-<br />
?) e Joatan Nascimento, nasci<strong>do</strong> <strong>em</strong> 1968.<br />
Ao longo <strong>do</strong> texto <strong>de</strong>screv<strong>em</strong>os da<strong>do</strong>s<br />
artísticos e biográficos <strong>de</strong> cada músico <strong>em</strong><br />
questão, segui<strong>do</strong>s das <strong>de</strong>scrições <strong>de</strong> suas<br />
respectivas interpretações. Nesse contexto,<br />
as práticas <strong>de</strong> performances são expressas<br />
<strong>em</strong> leadsheet 1 , tais como: articulação,<br />
alteração rítmica e efeitos, tu<strong>do</strong> observa<strong>do</strong><br />
por meio <strong>de</strong> escuta atenta das gravações.<br />
Descrev<strong>em</strong>os ainda as similarida<strong>de</strong>s e<br />
diferenças presentes <strong>em</strong> cada interpretação.<br />
Para a elaboração <strong>de</strong>sta etapa, utilizamos<br />
como base quatro parâmetros distintos:<br />
instrumentação, estrutura formal,<br />
modificações rítmico-melódicas e<br />
articulação.<br />
todas as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interpretação<br />
<strong>do</strong> choro Peguei a Reta n<strong>em</strong> tampouco<br />
<strong>de</strong>finir princípios <strong>de</strong>finitivos para a prática<br />
<strong>do</strong> trompete no choro. A i<strong>de</strong>ia primordial<br />
consistiu na averiguação <strong>do</strong>s traços<br />
estilísticos característicos <strong>do</strong>s anos <strong>de</strong> 1940<br />
e da atualida<strong>de</strong>. A partir <strong>de</strong>sta pesquisa,<br />
verifica-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> futuras<br />
pesquisas no tratamento <strong>do</strong> trompete na<br />
música popular brasileira.<br />
O choro peguei a reta e seus intérpretes<br />
Peguei a Reta teve o seu primeiro registro<br />
sonoro feito <strong>em</strong> 1948, por Severino Araújo e<br />
Sua Orquestra Tabajara. O compositor Porfírio<br />
Costa <strong>de</strong>dicou-o ao trompetista alagoano<br />
Pedro Jerônimo (NASCIMENTO, 2002). Ao<br />
longo <strong>do</strong>s anos houve diversas regravações<br />
<strong>de</strong>ste choro, com solos executa<strong>do</strong>s <strong>em</strong><br />
diferentes instrumentos e formações. Cosme<br />
Teixeira – O Assobia<strong>do</strong>r (1956) e Paulo Moura,<br />
no álbum Confusão Urbana, Suburbana e<br />
Rural (1976) são alguns ex<strong>em</strong>plos.<br />
Na estrutura composicional <strong>de</strong> Peguei a Reta,<br />
encontramos diversos ex<strong>em</strong>plos <strong>de</strong> motivos<br />
recorrentes no repertório <strong>de</strong> choro. São eles:<br />
Com este estu<strong>do</strong> não se objetivou esgotar<br />
1 Leadsheet - partitura comum na<br />
música popular que inclui apenas a melodia e<br />
cifras <strong>de</strong> acor<strong>de</strong>s (FABRIS, 2006).<br />
60
a) Motivos cormáticos<br />
Ex. 1 – Peguei a Reta, P. Costa,<br />
c.39, cromatismo.<br />
b) Motivos basea<strong>do</strong>s <strong>em</strong> arpejos <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes<br />
com sexta<br />
Ex. 2 – Peguei a Reta, P. Costa,<br />
c.4, arpejos com sexta.<br />
c) Motivos com valorização <strong>do</strong> contrat<strong>em</strong>po<br />
Ex. 3 – Peguei a Reta, P. Costa,<br />
c. 1-2, valorização <strong>do</strong> contrat<strong>em</strong>po.<br />
O trompetista-compositor Porfírio Costa<br />
Em Campina Gran<strong>de</strong>, cida<strong>de</strong> pólo <strong>do</strong> esta<strong>do</strong><br />
da Paraíba, nasceu Porfírio Alves da Costa, no<br />
ano <strong>de</strong> 1913. Seu interesse pela música surgiu<br />
<strong>em</strong> 1926 aos 13 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong><br />
suas primeiras orientações com o maestro<br />
Severino Lima. Após cinco anos <strong>de</strong>dica<strong>do</strong>s à<br />
música <strong>em</strong> sua cida<strong>de</strong> natal, Costa transferese<br />
para Recife, Pernambuco. Neste mesmo<br />
ano, 1931, registramos a composição <strong>do</strong><br />
choro Diplomacia. Esse foi o primeiro choro<br />
<strong>de</strong>ntre vários outros sucessos <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong>s pelo<br />
trompetista-compositor.<br />
Em 1934, na Rádio Clube <strong>de</strong> Pernambuco,<br />
participou da orquestra <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s conheci<strong>do</strong>s<br />
compositores nor<strong>de</strong>stinos, o maestro<br />
Nelson Ferreira. Anos <strong>de</strong>pois, ao estabelecer-se<br />
no Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>em</strong> 1941, Costa foi<br />
o responsável pela transferência <strong>de</strong> Severino<br />
Araújo da Paraíba para o Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
61
(CORAUCCI, 2009, p.54).<br />
Integrou a orquestra <strong>do</strong> maestro Otaviano<br />
Romero Monteiro, mais conheci<strong>do</strong> como<br />
Maestro Fon-Fon e Orquestra Tabajara, presença<br />
marcante no cenário musical brasileiro<br />
até os dias <strong>de</strong> hoje. Durante sua carreira<br />
musical, Costa atuou ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> exímios instrumentistas<br />
como K-Ximbinho, Zé Bo<strong>de</strong>ga,<br />
Geral<strong>do</strong> Me<strong>de</strong>iros, <strong>de</strong>ntre outros.<br />
Sua primeira composição gravada foi o choro<br />
Açu<strong>de</strong> velho (1948) pela Orquestra Tabajara,<br />
e no mesmo ano o samba Primeirão (1948).<br />
Em 1948, fez sucesso com o choro Peguei a<br />
(PAES, 2008). Nessa ocasião, o acompanhamento<br />
ficou a cargo da Orquestra Tabajara,<br />
<strong>do</strong> instrumentista e compositor Severino<br />
Araújo. A orquestra era formada por saxofones<br />
altos, tenores e barítono, trompetes,<br />
trombones, piano, guitarra, contrabaixo e<br />
percussão.<br />
Estrutura Formal<br />
Estrutura<strong>do</strong> <strong>em</strong> três partes, esse choro segue<br />
os mol<strong>de</strong>s da forma A-B-A-C-A. Antes <strong>do</strong><br />
início da seção A, t<strong>em</strong>os uma introdução formada<br />
por quatro compassos, executada pela<br />
orquestra (Ex.4).<br />
Ex. 4 – Peguei a Reta, por P.<br />
Costa, c. 1-4, introdução.<br />
reta, grava<strong>do</strong> pela mesma orquestra na Continental,<br />
e, na década <strong>de</strong> 50, o choro Passou.<br />
Em 1952, <strong>em</strong> São Paulo, passou a se apresentar<br />
junto à Orquestra <strong>de</strong> Osmar Milani.<br />
Porfírio Costa interpreta Peguei a Reta<br />
Instrumentação<br />
Todas as três seções são apresentadas s<strong>em</strong><br />
repetição. As únicas alterações feitas na forma<br />
A-B-A-C-A foram a introdução e a Coda.<br />
Nesta última parte o trompete solista sustenta<br />
simplesmente uma nota longa por seis<br />
compassos.<br />
Modificação Rítmico-melódica<br />
A gravação <strong>de</strong> Costa foi realizada <strong>em</strong> um<br />
perío<strong>do</strong> <strong>em</strong> que as big bands eram fundamentais<br />
para a difusão <strong>do</strong> choro no Brasil<br />
Destacar<strong>em</strong>os, ao longo das três seções <strong>do</strong><br />
choro, alguns ex<strong>em</strong>plos <strong>de</strong> modificações<br />
rítmico-melódicas <strong>de</strong>fendidas por SALEK<br />
62
(1999).<br />
No Ex.5, Costa altera o ritmo acrescentan<strong>do</strong> notas <strong>de</strong> passag<strong>em</strong>. Em substituição à apojatura<br />
grafada no segun<strong>do</strong> t<strong>em</strong>po <strong>do</strong> compasso, o intérprete opta pelo uso <strong>do</strong> mor<strong>de</strong>nte.<br />
Ex. 5 – Peguei a Reta, por P.<br />
Costa, c.58, notas <strong>de</strong> passag<strong>em</strong>.<br />
Como i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> no Ex.6, o intérprete faz uma supressão das apojaturas. A maneira como<br />
consta na leadsheet é apresentada somente uma vez, na repetição da seção A.<br />
Ex. 6 – Peguei a Reta, por P.<br />
Costa, c.5, supressão <strong>de</strong> apojaturas<br />
O Ex.7 aponta uma das maneiras utilizadas pelo intérprete para alterar o <strong>de</strong>senho melódico.<br />
To<strong>do</strong>s os momentos <strong>em</strong> que esse motivo aparece, i<strong>de</strong>ntificamos uma configuração diferente.<br />
Ex. 7 – Peguei a Reta, por P.<br />
Costa, c.37, alteração rítmica.<br />
63
A utilização <strong>de</strong> ornamentos é comumente<br />
encontrada na prática <strong>do</strong> choro, tornan<strong>do</strong>-se<br />
um componente essencial na performance<br />
<strong>de</strong>sse gênero musical. Segun<strong>do</strong> Sadie,<br />
A ornamentação também representa<br />
uma forma <strong>de</strong> improvisação; nesse caso,<br />
o instrumentista ou cantor a<strong>do</strong>rna uma<br />
linha <strong>de</strong>terminada, <strong>em</strong> geral com muita<br />
liberda<strong>de</strong>, para aumentar a expressivida<strong>de</strong><br />
e exibir sua inventivida<strong>de</strong> e brilho<br />
(SADIE, 2001, p.450).<br />
Nesse contexto é que se insere a performance<br />
<strong>do</strong> trompetista Costa. Encontramos,<br />
ao longo <strong>de</strong> sua interpretação, utilizações<br />
constantes <strong>de</strong> apojaturas e mor<strong>de</strong>ntes. Esse<br />
tipo <strong>de</strong> improvisação é comum <strong>em</strong> choros<br />
cuja construção melódica é constituída por<br />
s<strong>em</strong>icolcheias <strong>em</strong> andamentos rápi<strong>do</strong>s (SÁ,<br />
2000, p.24).<br />
Articulação<br />
Na abordag<strong>em</strong> conferida à articulação, i<strong>de</strong>ntificamos<br />
na interpretação <strong>do</strong> trompetista<br />
Costa uma presença constante das ligaduras.<br />
Logo nos primeiros compassos da seção A<br />
o intérprete apresenta varieda<strong>de</strong>s na utilização<br />
<strong>de</strong>ssa articulação, não estabelecen<strong>do</strong><br />
nenhum padrão (Ex.8).<br />
Ex. 8 – Peguei a Reta, por P.<br />
Costa, c.5-8, ligaduras.<br />
No c.9-12 Costa faz uma alternância <strong>de</strong> articulações entre ligaduras e tenuto. Essa realização<br />
po<strong>de</strong> ser observada no Ex.9.<br />
Ex. 9 – Peguei a Reta, por P.<br />
Costa, c.9-12, alternância <strong>de</strong><br />
articulação.<br />
A articulação utilizada no c.61 é um tipo <strong>de</strong> acentuação mais branda. Nesse compasso todas<br />
as notas são executadas com esse mesmo tipo <strong>de</strong> articulação (Ex.10).<br />
64
Ex. 10 – Peguei a Reta, por P.<br />
Costa, c.61, acentuação.<br />
O trompetista Joatan Nascimento<br />
Joatan Men<strong>do</strong>nça <strong>do</strong> Nascimento nasceu aos<br />
16 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1968 <strong>em</strong> Maceió, Alagoas.<br />
Des<strong>de</strong> criança teve contato direto com a<br />
música. No ambiente musical <strong>em</strong> que cresceu,<br />
faziam parte o avô materno, luthier, construtor<br />
<strong>de</strong> violões e o Senhor João, seu pai e<br />
saxofonista. Ainda fazia parte <strong>de</strong>sse núcleo o<br />
seu tio Edson Martins <strong>de</strong> Men<strong>do</strong>nça, que se<br />
tornou sua mais importante influência.<br />
Suas primeiras aventuras musicais, supervisionadas<br />
pelo tio, foram feitas através <strong>do</strong>s<br />
instrumentos cavaquinho, trombone <strong>de</strong> válvulas<br />
e saxofone. A escolha <strong>de</strong>finitiva pelo<br />
trompete veio mais tar<strong>de</strong>.<br />
Paralelamente aos vários grupos <strong>de</strong> música<br />
popular <strong>de</strong> que Nascimento participou, <strong>de</strong>stacamos<br />
a sua atuação na Banda <strong>de</strong> <strong>Música</strong><br />
da Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Alagoas e na<br />
Orquestra Filarmônica <strong>de</strong> Alagoas. De certo,<br />
a sua vivência musical na juventu<strong>de</strong> já apresentava<br />
os primeiros traços <strong>de</strong> sua versatilida<strong>de</strong><br />
no trompete.<br />
Em Salva<strong>do</strong>r, ocupa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1989, o cargo <strong>de</strong><br />
trompetista da Orquestra Sinfônica da Bahia,<br />
além <strong>de</strong> fazer parte <strong>do</strong> corpo <strong>do</strong>cente da Escola<br />
<strong>de</strong> <strong>Música</strong> da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da<br />
Bahia.<br />
Soma<strong>do</strong> às suas atuações no meio acadêmico<br />
e no universo <strong>de</strong> orquestras, Nascimento<br />
<strong>de</strong>senvolve trabalhos na área <strong>de</strong> música<br />
popular. Em 2002, lançou seu primeiro disco<br />
solo “Eu Choro Assim”, produzi<strong>do</strong> por Roberto<br />
Santana. O disco foi pr<strong>em</strong>ia<strong>do</strong> com o<br />
Troféu Caymmi 2001/2002, na categoria Melhor<br />
Disco Instrumental. Em 2003 foi indica<strong>do</strong><br />
para a categoria Revelação <strong>do</strong> Prêmio TIM<br />
<strong>de</strong> <strong>Música</strong>.<br />
Joatan Nascimento interpreta Peguei a<br />
Reta<br />
Instrumentação<br />
No álbum Eu Choro Assim, grava<strong>do</strong> por Nascimento<br />
<strong>em</strong> 2002, encontramos uma formação<br />
instrumental peculiar para o choro Peguei a<br />
Reta. Nesta gravação, a melodia principal é<br />
apresentada pelo cornetim e o acompanha-<br />
65
mento é feito pelo Quinteto <strong>de</strong> Metais da Bahia.<br />
O referi<strong>do</strong> quinteto, forma<strong>do</strong> por profissionais<br />
atuantes no cenário musical baiano,<br />
mantém uma formação tradicional: <strong>do</strong>is<br />
trompetes, trompa, trombone e tuba.<br />
2.4.2 Estrutura Formal<br />
Nesta interpretação todas as seções são<br />
apresentadas com repetições. Os <strong>de</strong>svios da<br />
tradicional forma rondó são expressos somente<br />
com a inclusão <strong>de</strong> uma introdução e<br />
uma Coda.<br />
Os sete compassos introdutórios apresentam<br />
uma alternância da linha melódica principal<br />
entre o cornetim (Cor) e o trompete<br />
(Trp). Paralelamente, os intérpretes executam<br />
cada m<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> frase com dinâmicas<br />
contrastantes (Ex.11).<br />
Ex. 11 – Peguei a Reta, por J.<br />
Nascimento, c.1-7, introdução.<br />
Outra escolha interpretativa marcante na gravação <strong>de</strong> Nascimento são as variações improvisatórias.<br />
Neste trecho, o intérprete <strong>de</strong>monstra o <strong>do</strong>mínio da linguag<strong>em</strong> <strong>do</strong> choro, apresentan<strong>do</strong><br />
<strong>em</strong> sua improvisação el<strong>em</strong>entos característicos. São estes: arpejos (A), bordaduras<br />
(B), mor<strong>de</strong>ntes (indica<strong>do</strong> pela seta), motivos escalares (M.E.), cromatismos (C), valorização <strong>do</strong><br />
contrat<strong>em</strong>po (V.C.), <strong>de</strong>ntre outros (Ex.12).<br />
Ex. 12 – Peguei a Reta, por J.<br />
Nascimento, c.57-72, improviso.<br />
66
Modificação Rítmico-melódica<br />
O acréscimo <strong>de</strong> notas é um recurso muito utiliza<strong>do</strong> por Nascimento na interpretação <strong>de</strong><br />
Peguei a Reta. A adição <strong>de</strong> notas <strong>de</strong> passag<strong>em</strong> e apojaturas ornamentais são i<strong>de</strong>ntificadas com<br />
frequência (Ex.13).<br />
Ex. 13 – Peguei a Reta, por J.<br />
Nascimento, c.18-20, notas <strong>de</strong><br />
passag<strong>em</strong>.<br />
A supressão <strong>de</strong> notas também é encontrada nesta gravação. Em nenhum momento o intérprete<br />
utiliza as apojaturas conforme grafadas na leadsheet (Ex.14).<br />
Ex. 14 – Peguei a Reta, por J.<br />
Nascimento, c.8, supressão <strong>de</strong><br />
apojaturas.<br />
As alterações rítmicas são efetuadas <strong>de</strong> diversas maneiras. No Ex.15 po<strong>de</strong>mos observar uma<br />
<strong>de</strong>ssas realizações.<br />
Ex. 15 – Peguei a Reta, por J.<br />
Nascimento, c.16 e c.89, alteração<br />
rítmica.<br />
67
Articulação<br />
Em sua interpretação, Nascimento explora as mais diversas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> articulação. Há<br />
uma constante alternância entre legatto e staccato, além <strong>de</strong> acentuações <strong>em</strong> contrat<strong>em</strong>pos.<br />
I<strong>de</strong>ntificamos na introdução, c.2-4, um padrão <strong>de</strong> articulação <strong>em</strong> que os grupos <strong>de</strong> s<strong>em</strong>icolcheias<br />
são apresenta<strong>do</strong>s com acentuações das primeiras e quartas notas <strong>de</strong> cada t<strong>em</strong>po (Ex.16).<br />
Ex. 16 – Peguei a Reta, por J.<br />
Nascimento, c.2-6, acentuações.<br />
Dentre outras formas <strong>de</strong> articulações, po<strong>de</strong>mos visualizar nos ex<strong>em</strong>plos abaixo o uso <strong>de</strong> notas<br />
ligadas duas a duas e ligadura a partir da segunda nota <strong>do</strong> grupo <strong>de</strong> quatro s<strong>em</strong>icolcheias<br />
(Ex.17).<br />
Ex. 17 – Peguei a Reta, por J.<br />
Nascimento, c.8-9, diferentes<br />
utilizações da ligadura.<br />
Outra variação na articulação po<strong>de</strong> ser percebida nos c.11, <strong>em</strong> que o intérprete executa duas<br />
notas ligadas e duas separadas (Ex.18) e, <strong>em</strong> outro trecho, todas as notas ligadas (Ex.19).<br />
Ex. 18 – Peguei a Reta, por J.<br />
Nascimento, c.11, duas notas<br />
ligadas e as outras separadas.<br />
Ex. 19 – Peguei a Reta, por J.<br />
Nascimento, c.23-24, todas as<br />
notas ligadas.<br />
68
Em contraposição às articulações <strong>em</strong>pregadas na primeira seção, i<strong>de</strong>ntificamos na seção B uma<br />
interpretação mais voltada para o legatto. Em associação a essa realização encontram-se algumas<br />
valorizações <strong>do</strong> contrat<strong>em</strong>po, efetuadas por meio <strong>de</strong> acentos (Ex.20).<br />
Ex. 20 – Peguei a Reta, por J.<br />
Nascimento, c-52-54, ligaduras<br />
e acentos.<br />
Na seção C <strong>de</strong>paramos com uma gama variada <strong>de</strong> acentuações. Neste trecho t<strong>em</strong>os os c.72-<br />
74 que são mais rítmicos, contrapostos <strong>do</strong>s c.75-76 que são executa<strong>do</strong>s <strong>em</strong> legatto (Ex.21).<br />
Ex. 21 – Peguei a Reta, por J.<br />
Nascimento, c-72-76, acentos e<br />
ligaduras.<br />
A mesma coisa acontece no c.90, <strong>em</strong> que são interpreta<strong>do</strong>s com acentuações <strong>em</strong> partes fracas<br />
<strong>de</strong> t<strong>em</strong>po, sucedi<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s c.91-96 mais legatto (Ex.22).<br />
Ex. 22 – Peguei a Reta, por J.<br />
Nascimento, c-90-96, acentos e<br />
ligaduras.<br />
Similarida<strong>de</strong>s nas interpretações <strong>de</strong><br />
Peguei a Reta<br />
As escolhas interpretativas convergentes<br />
nas interpretações <strong>do</strong>s trompetistas Costa<br />
e Nascimento são infrequentes. A utilização<br />
constante <strong>de</strong> ornamentos, como apojatura<br />
e mor<strong>de</strong>nte, é uma das similarida<strong>de</strong>s. No<br />
parâmetro articulação, mesmo com algumas<br />
variações <strong>em</strong> sua realização, há uma priorida<strong>de</strong><br />
para o uso <strong>do</strong> legatto e stacatto.<br />
Diferenças nas interpretações <strong>de</strong> Peguei a<br />
Reta<br />
69
As particularida<strong>de</strong>s das interpretações <strong>de</strong><br />
Peguei a Reta são marcadas, inicialmente,<br />
pelos instrumentos acompanha<strong>do</strong>res. Costa<br />
utiliza <strong>em</strong> sua gravação uma big band,<br />
enquanto Nascimento usa um quinteto<br />
<strong>de</strong> metais. Essas escolhas retratam o contexto<br />
cultural <strong>de</strong> cada época. No perío<strong>do</strong><br />
da gravação <strong>de</strong> Costa (1948), as big bands<br />
estavam presentes nos principais meios <strong>de</strong><br />
divulgação, sobretu<strong>do</strong> nas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> rádio. Já<br />
a utilização <strong>do</strong> quinteto <strong>de</strong> metais por Nascimento<br />
retrata as transformações pelas quais<br />
o choro v<strong>em</strong> passan<strong>do</strong>.<br />
terpretações, foi privilegia<strong>do</strong> o uso das ligaduras.<br />
O que distanciou uma interpretação<br />
da outra foi a gama variada <strong>de</strong> articulação<br />
apresentada por Nascimento. Em consequência<br />
das articulações utilizadas, po<strong>de</strong>mos<br />
classificar a interpretação <strong>do</strong> trompetista<br />
Costa como mais “chorada”, como se estivesse<br />
<strong>de</strong>slizan<strong>do</strong> pelas notas. Em outra mão i<strong>de</strong>ntificamos<br />
a interpretação <strong>de</strong> Nascimento<br />
como mais rítmica, mais virtuosística. Em sua<br />
interpretação Nascimento <strong>de</strong>monstra pleno<br />
<strong>do</strong>mínio técnico <strong>do</strong> trompete, além <strong>de</strong> conhecimentos<br />
acerca da linguag<strong>em</strong> <strong>do</strong> choro.<br />
Em relação à estruturação <strong>de</strong> Peguei a<br />
Reta, caracterizada pela forma tradicional<br />
<strong>do</strong> choro, i<strong>de</strong>ntificamos diferenças nas<br />
repetições. As versões analisadas apresentam<br />
os seguintes esqu<strong>em</strong>as: No parâmetro<br />
modificação rítmico-melódica encontramos<br />
algumas diferenças. Em ambas as interpretações,<br />
as realizações mais marcantes foram<br />
as utilizações <strong>de</strong> ornamentos. O <strong>em</strong>prego<br />
<strong>de</strong> apojaturas e mor<strong>de</strong>ntes foi constante.<br />
Isso se justifica pela característica <strong>do</strong> choro<br />
Peguei a Reta, que é construí<strong>do</strong> basicamente<br />
por s<strong>em</strong>icolcheias e é interpreta<strong>do</strong> <strong>em</strong> andamento<br />
rápi<strong>do</strong>. No choro, estas características<br />
resultam <strong>em</strong> modificações, quase s<strong>em</strong>pre ornamentais.<br />
Na realização das articulações, nas duas in-<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
O objetivo <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong> foi averiguar como o<br />
choro Peguei a Reta, interpreta<strong>do</strong> por Porfírio<br />
Costa e Joatan Nascimento, foram concebi<strong>do</strong>s<br />
interpretativamente. Nesse contexto,<br />
buscamos i<strong>de</strong>ntificar as similarida<strong>de</strong>s e diferenças<br />
presentes <strong>em</strong> suas interpretações.<br />
Através da análise interpretativa das<br />
gravações, foi possível compreen<strong>de</strong>r como<br />
cada trompetista, situa<strong>do</strong> <strong>em</strong> época distinta,<br />
pensou e interpretou a música <strong>em</strong> questão.<br />
No que diz respeito à gravação histórica da<br />
década <strong>de</strong> 1940, <strong>de</strong>paramos com interpretação<br />
realizada pelo próprio compositor, o<br />
que nos leva a conhecer pelo menos uma<br />
das intenções <strong>do</strong> autor. Confrontan<strong>do</strong>-a com<br />
70
a gravação <strong>do</strong> século XXI, i<strong>de</strong>ntificamos as<br />
transformações ocorridas na formação instrumental<br />
<strong>do</strong>s grupos, na estrutura da música<br />
e, sobretu<strong>do</strong> na interpretação.<br />
Dentre as similarida<strong>de</strong>s e diferenças contidas<br />
nas interpretações <strong>de</strong> Peguei a Reta,<br />
po<strong>de</strong>mos citar a utilização <strong>de</strong> uma big band<br />
como grupo acompanha<strong>do</strong>r na gravação <strong>do</strong><br />
trompetista Costa, ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> um quinteto<br />
<strong>de</strong> metais utiliza<strong>do</strong> por Nascimento. Outro<br />
ponto divergente <strong>em</strong> ambas as gravações<br />
foram as repetições das seções constituintes<br />
<strong>do</strong> choro. Costa realiza sua interpretação s<strong>em</strong><br />
nenhuma repetição, ao passo que Nascimento,<br />
<strong>em</strong> contraposição a essa i<strong>de</strong>ia, mantém as<br />
práticas convencionais <strong>do</strong> choro, repetin<strong>do</strong><br />
regularmente cada uma das seções. As modificações<br />
rítmico-melódicas se dão no mesmo<br />
nível. As alterações nas duas gravações são<br />
ornamentais, não geran<strong>do</strong> gran<strong>de</strong>s mudanças<br />
no <strong>de</strong>senho rítmico melódico original.<br />
Quanto à articulação, os <strong>do</strong>is intérpretes<br />
apresentam gran<strong>de</strong>s diferenças. Costa prioriza<br />
o uso <strong>de</strong> ligaduras, tornan<strong>do</strong> sua interpretação<br />
mais “chorada”, enquanto Nascimento<br />
preza pela alternância entre as articulações<br />
legatto e staccato.<br />
Descreven<strong>do</strong> sinteticamente as especificida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> cada intérprete <strong>do</strong> choro Peguei<br />
a Reta, perceb<strong>em</strong>os que as diferenças são<br />
i<strong>de</strong>ntificadas nos quatro parâmetros: instrumentação,<br />
estrutura formal, modificação rítmico-melódica<br />
e articulação.<br />
71
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Graduação <strong>em</strong> <strong>Música</strong> (ANPPOM). Bahia: 2005.<br />
72
MÚSICA NA SEGUNDA METADE<br />
DO SÉCULO XX: UM PENSAMENTO<br />
NOVO OU PARTE DE UM MESMO<br />
CONTINUUM?<br />
Gina Denise Barreto Soares<br />
Professora <strong>do</strong> bacharela<strong>do</strong> e da licenciatura da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Música</strong> <strong>do</strong> Espírito Santo (FAMES), violoncelista da<br />
Orquestra Filarmônica <strong>do</strong> Espírito Santo (OFES), <strong>do</strong>utoranda <strong>em</strong> música pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro (UNIRIO).<br />
Resumo<br />
O presente artigo busca refletir e analisar o pensamento<br />
musical da segunda meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XX,<br />
toman<strong>do</strong> como questão se tal música se configura<br />
como uma ruptura ou continuida<strong>de</strong> da tradição musical<br />
europeia oci<strong>de</strong>ntal. E, <strong>em</strong> direção ao objetivo<br />
proposto, foi realizada pesquisa bibliográfica que<br />
consistiu <strong>de</strong> um levantamento <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
da relação hom<strong>em</strong>/música e <strong>de</strong> que forma os recursos<br />
sonoros disponíveis <strong>em</strong> cada espaço/t<strong>em</strong>po tornamse<br />
parte <strong>do</strong> discurso musical.<br />
Palavras-chave: pensamento musical - composição<br />
– música <strong>do</strong> século XX<br />
Abstract<br />
This article intends to show and analyze the musical<br />
thought in the second half of the XXth century consi<strong>de</strong>ring<br />
whether such music represents a rupture or<br />
continuity of the Western European music tradition.<br />
Towards the proposed objective, a bibliographic research<br />
was ma<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ring the <strong>de</strong>velopment of the<br />
relationship between man/music and how the sound<br />
resources available in each space/time become part<br />
of the musical discourse.<br />
Keywords: musical thought – composition – music<br />
of 20th century
Analisar acontecimentos recentes significa<br />
por si só um <strong>de</strong>safio. O envolvimento com<br />
eventos relativamente próximos, ainda não<br />
distancia<strong>do</strong>s suficient<strong>em</strong>ente no t<strong>em</strong>po,<br />
é passível <strong>de</strong> provocar ilusões <strong>de</strong> ótica,<br />
incorren<strong>do</strong> no risco <strong>de</strong> distorcer os fatos,<br />
dificultan<strong>do</strong> ou até mesmo inviabilizan<strong>do</strong><br />
completamente a análise. Tal situação tornase<br />
mais grave quan<strong>do</strong> nos <strong>de</strong>bruçamos sobre<br />
acontecimentos que estão associa<strong>do</strong>s a uma<br />
tradição consolidada, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong><br />
que são influencia<strong>do</strong>s por i<strong>de</strong>ologias <strong>de</strong><br />
vanguarda. Seguir a linha da tradição e, a<br />
um só t<strong>em</strong>po, configurar-se como algo que<br />
ten<strong>de</strong> a se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r, por alguns aspectos<br />
ou tendências gera<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> diferenciação <strong>de</strong><br />
tal tradição, r<strong>em</strong>ete-nos a certo <strong>de</strong>sconforto.<br />
Por tais razões perguntamos: o pensamento<br />
musical que tomou lugar na segunda<br />
meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XX se mostra como parte<br />
da tradição s<strong>em</strong> a ela se confinar à medida<br />
que abriga inovações técnicas e estéticas?<br />
Ou significa uma ruptura, já que a expressão<br />
musical se mostra altamente diferenciada <strong>do</strong><br />
que o senso comum apreen<strong>de</strong> como música?<br />
Em contraposição aos últimos anos <strong>do</strong><br />
século XIX, caracteriza<strong>do</strong>s por certa<br />
estabilida<strong>de</strong>, “o início <strong>do</strong> século XX foi<br />
marca<strong>do</strong> por uma agitação social e uma<br />
tensão internacional crescentes, que viriam<br />
a culminar na catástrofe da Primeira Guerra<br />
Mundial”. Ambas, tensão e agitação, foram<br />
manifestadas no campo musical através <strong>de</strong><br />
experiências radicais. “Esses anos puseram<br />
fim não só ao perío<strong>do</strong> clássico-romântico,<br />
como também às convenções <strong>em</strong> matéria <strong>de</strong><br />
tonalida<strong>de</strong>, tal como os séculos XVIII e XIX as<br />
haviam entendi<strong>do</strong>” (GROUT, 1994, p. 653).<br />
Em sintonia com um acelera<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento tecnológico, o pensamento<br />
musical <strong>do</strong> início da segunda década <strong>do</strong><br />
século XX toma feições próprias. Ao final<br />
<strong>do</strong>s anos 40 e início <strong>do</strong>s anos 50, po<strong>de</strong>mos<br />
i<strong>de</strong>ntificar duas forças propulsoras operan<strong>do</strong><br />
ativamente no <strong>do</strong>mínio musical: o serialismo<br />
e “o advento <strong>do</strong> grava<strong>do</strong>r <strong>de</strong> fita”. A música<br />
eletrônica vai tornar-se possível <strong>em</strong> função<br />
<strong>do</strong> grava<strong>do</strong>r <strong>de</strong> fita, e este proporcionará<br />
ao compositor “versatilida<strong>de</strong> e flexibilida<strong>de</strong><br />
na gravação e estocag<strong>em</strong> <strong>do</strong>s sons”. A<br />
manipulação da altura e <strong>do</strong> ritmo através<br />
da alteração da velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gravação,<br />
assim como a sobreposição, organização<br />
e reorganização <strong>do</strong>s sons na or<strong>de</strong>m<br />
<strong>de</strong>sejada, são “técnicas que permitiram o<br />
nascimento da música eletrônica”. Apesar <strong>de</strong><br />
instrumentos musicais elétricos, tais como<br />
as ondas <strong>de</strong> martenot e o trautonium, que<br />
permitiram a produção <strong>de</strong> alguns novos<br />
timbres, e Messien haver <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> <strong>em</strong><br />
sua composição <strong>de</strong>nominada Turangalila<br />
- eficácia <strong>do</strong>s “sons algo sobrenaturais<br />
74
das ondas” (GRIFFITHS, 1987, p.145), foi o<br />
grava<strong>do</strong>r <strong>de</strong> fita que permitiu a exploração<br />
<strong>de</strong> um universo sonoro mais amplo e rico <strong>de</strong><br />
possibilida<strong>de</strong>s.<br />
Ao comparar a produção musical <strong>do</strong> século<br />
XX com a <strong>de</strong> perío<strong>do</strong>s anteriores, salta aos<br />
olhos uma nova maneira <strong>de</strong> “ver” a música<br />
a ponto <strong>de</strong> se duvidar <strong>de</strong> sua essência,<br />
quan<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>ramos opiniões advindas<br />
<strong>do</strong> senso comum. Tamanho estranhamento<br />
é percebi<strong>do</strong> através <strong>de</strong> certas perguntas<br />
recorrentes como a seguinte: “isso é música?”<br />
Uma das razões que levam à ocorrência<br />
<strong>de</strong> perguntas <strong>de</strong>sse tipo é a presença<br />
<strong>de</strong> sonorida<strong>de</strong>s e meios sonoros pouco<br />
comuns até então, fato que i<strong>de</strong>ntifica parcela<br />
consi<strong>de</strong>rável da música composta no século<br />
XX.<br />
Ainda que os movimentos <strong>de</strong>sse perío<strong>do</strong><br />
se configur<strong>em</strong> como movimentos <strong>de</strong><br />
vanguarda, a presente pesquisa busca refletir<br />
se tais movimentos significam apenas uma<br />
mudança agregada ao que já existia ou se há<br />
a configuração <strong>de</strong> algo totalmente novo. No<br />
primeiro caso, teríamos uma continuida<strong>de</strong><br />
<strong>do</strong> pensamento musical <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> até<br />
então e, no segun<strong>do</strong> caso, uma ruptura para<br />
a <strong>em</strong>ergência <strong>de</strong> algo inusita<strong>do</strong> – <strong>de</strong> um novo<br />
pensamento. Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> as “experiências<br />
radicais”, ao analisar o pensamento musical<br />
que toma lugar na segunda meta<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />
século XX, à luz da longa tradição da música<br />
europeia oci<strong>de</strong>ntal questionamos: será que<br />
estamos diante <strong>de</strong> uma ruptura ou <strong>de</strong> um<br />
continuum <strong>de</strong> tal tradição?<br />
Um olhar sobre a história<br />
Des<strong>de</strong> os primórdios, o hom<strong>em</strong> se expressa<br />
também através da música. Em todas<br />
as socieda<strong>de</strong>s das quais t<strong>em</strong>os notícia,<br />
po<strong>de</strong>mos reconhecer algo a que chamamos<br />
<strong>de</strong> “música”. Fato que se dá não apenas<br />
pela exploração sonora <strong>do</strong> próprio corpo,<br />
mas também pela confecção <strong>de</strong> meios<br />
artificiais, instrumentos que, manusea<strong>do</strong>s,<br />
torna possível a produção sonora. Tanto a<br />
exploração <strong>do</strong> corpo quanto a utilização<br />
<strong>de</strong> instrumentos confecciona<strong>do</strong>s, indicam<br />
pesquisa e <strong>de</strong>senvolvimento da técnica <strong>de</strong><br />
produção sonora, pr<strong>em</strong>issa imprescindível,<br />
mas não única para a manifestação <strong>de</strong> um<br />
pensamento musical. Apesar <strong>de</strong> que “quan<strong>do</strong><br />
falamos <strong>de</strong> música s<strong>em</strong>pre atrelamos tal<br />
i<strong>de</strong>ia à presença <strong>do</strong> som”, pois “<strong>de</strong> um mo<strong>do</strong><br />
geral a música se dá na forma <strong>de</strong> sons”.<br />
Consi<strong>de</strong>rar a música como estreitamente<br />
associada ao som torna-se uma pr<strong>em</strong>issa<br />
tão básica que construímos nossas questões<br />
<strong>em</strong> relação a outros aspectos, <strong>de</strong>ntre eles<br />
sobre a significação <strong>do</strong>s sons. Por diferir <strong>do</strong><br />
aprendiza<strong>do</strong> da nossa “linguag<strong>em</strong> verbal –<br />
75
associan<strong>do</strong> sons específicos a significa<strong>do</strong>s<br />
específicos” (FERRAZ, 1999), inúmeros<br />
estu<strong>do</strong>s têm si<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s na tentativa<br />
<strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r o real significa<strong>do</strong> da música,<br />
como nos estu<strong>do</strong>s realiza<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong><br />
campo da s<strong>em</strong>iótica.<br />
O hom<strong>em</strong> é afeta<strong>do</strong> por um mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> sons<br />
ofereci<strong>do</strong>s pelo ambiente no qual se encontra<br />
imerso. São mo<strong>de</strong>los e padrões sonoros<br />
possíveis <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> imita<strong>do</strong>s e reproduzi<strong>do</strong>s,<br />
capazes <strong>de</strong> influenciar a ativida<strong>de</strong> humana <strong>de</strong><br />
produção sonora, contribuin<strong>do</strong> assim para a<br />
criação <strong>de</strong> espaço/t<strong>em</strong>po sonoro peculiares,<br />
isto é, modifican<strong>do</strong> o seu entorno. Para isso,<br />
o hom<strong>em</strong> se utiliza <strong>de</strong> varia<strong>do</strong>s recursos<br />
que possui ao seu alcance, até mesmo<br />
crian<strong>do</strong> outros que po<strong>de</strong>m ser utiliza<strong>do</strong>s <strong>em</strong><br />
interação com as sonorida<strong>de</strong>s próprias <strong>de</strong><br />
seu ambiente (naturais ou construídas).<br />
Em se tratan<strong>do</strong> <strong>do</strong> fenômeno acústico e da<br />
existência <strong>de</strong> sons, a primeira constatação<br />
“diz respeito a esta dupla lei inexorável:<br />
s<strong>em</strong> movimento não po<strong>de</strong> haver som, e to<strong>do</strong><br />
movimento produz som”, ainda que estes<br />
sons não sejam percebi<strong>do</strong>s por nosso<br />
“mecanismo auditivo”. A produção sonora<br />
é ininterrupta, visto que as moléculas<br />
estão <strong>em</strong> contínuo movimento. Raciocínio<br />
s<strong>em</strong>elhante foi projeta<strong>do</strong> para proporções<br />
macroscópicas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> t<strong>em</strong>pos r<strong>em</strong>otos<br />
quan<strong>do</strong> se conjecturava sobre a existência<br />
“<strong>de</strong> uma harmonia das esferas, <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong><br />
um perpetuum mobile <strong>do</strong>s astros” (MENEZES,<br />
2003, p.19)<br />
O hom<strong>em</strong> se sensibiliza com os sons,<br />
manipula-os, trata-os e os utiliza <strong>de</strong> forma<br />
intencional. Em que ponto se dá a orig<strong>em</strong> <strong>do</strong><br />
discurso musical, ou seja, <strong>em</strong> que momento<br />
os sons se transformam <strong>em</strong> música e tornamse<br />
manifestação <strong>de</strong> um pensamento musical?<br />
“A princípio não há linguag<strong>em</strong> 1 no som. A<br />
linguag<strong>em</strong> é uma elaboração humana”. É<br />
através da linguag<strong>em</strong> que foi permiti<strong>do</strong> ao<br />
hom<strong>em</strong> “criar conceitos e controlar as forças<br />
passíveis <strong>de</strong> controle, produtivas, que jaziam<br />
ao seu la<strong>do</strong>”. Tal elaboração consiste <strong>em</strong> um<br />
meio <strong>de</strong> sobrevivência simplesmente. “Na<br />
natureza, isso é da mesma or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> que<br />
faz uma aranha ao tecer suas teias; um meio<br />
<strong>de</strong> sobrevivência, um mecanismo cujo uso<br />
capital é a preservação <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> vida<br />
particular”. Criamos o hábito <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar<br />
a música como uma linguag<strong>em</strong> sonora que<br />
se compõe <strong>de</strong> aspectos rítmicos, melódicos<br />
e harmônicos, e assim “nos esquec<strong>em</strong>os que<br />
música é também tu<strong>do</strong> aquilo que se expan<strong>de</strong><br />
1 Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
artigo, não abordar<strong>em</strong>os questões<br />
relacionadas à música como linguag<strong>em</strong>. O<br />
interesse se resume na contextualização<br />
<strong>do</strong> som como discurso musical adquirin<strong>do</strong><br />
significações (nota da autora).<br />
76
para além <strong>do</strong>s limites <strong>de</strong> uma linguag<strong>em</strong> e <strong>de</strong><br />
uma territorialida<strong>de</strong>” (PINHEIRO, 2000, p.78)<br />
Ao longo <strong>de</strong> toda a história da humanida<strong>de</strong>,<br />
a música torna-se veículo <strong>de</strong> múltiplos<br />
significa<strong>do</strong>s, relacionan<strong>do</strong>-se a “um conjunto<br />
<strong>de</strong> fenômenos diversos que toma forma<br />
<strong>em</strong> regiões e níveis diferentes <strong>de</strong> nossa<br />
consciência e da realida<strong>de</strong>” (BERIO, 1981,<br />
p. 5). Em várias socieda<strong>de</strong>s, fazer música<br />
não significa apenas um <strong>de</strong>leite, mas uma<br />
necessida<strong>de</strong> genuína <strong>de</strong> expressão. Quanto<br />
à comunicação, consi<strong>de</strong>ramos que “a música<br />
<strong>em</strong> si não comunica, ela é um espaço <strong>de</strong><br />
comunicações possíveis se assim o receptor<br />
a quiser, senão ela não comunica nada. Mas<br />
ela é s<strong>em</strong>pre um espaço <strong>de</strong> escutas possíveis,<br />
mesmo que alguém não queira ouvir”<br />
(FERRAZ, 1999). A presença da música nos<br />
confronta com uma necessida<strong>de</strong> primária <strong>de</strong><br />
elaboração e manifestação <strong>do</strong> pensamento<br />
musical por parte <strong>do</strong> hom<strong>em</strong>. Fato que leva<br />
a crer sobre o caráter essencial da expressão<br />
musical como uma manifestação arquetípica.<br />
Inúmeras são as lendas e os mitos que se<br />
reportam à produção sonora e confun<strong>de</strong>m<br />
a própria música como algo que está<br />
relaciona<strong>do</strong> diretamente com a vida e a<br />
morte. Distantes no t<strong>em</strong>po e no espaço, a<br />
lenda <strong>de</strong> Sirinx 2 e <strong>de</strong> Uakti 3 são ex<strong>em</strong>plos<br />
<strong>de</strong> que a existência <strong>do</strong> som se dá através da<br />
morte. Em ambas as lendas há s<strong>em</strong>elhanças<br />
curiosas: a atração entre o f<strong>em</strong>inino e o<br />
masculino, a morte, o ar como matéria<br />
prima <strong>do</strong> som e sua produção através <strong>de</strong><br />
tubos <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. A comparação entre<br />
esses <strong>do</strong>is ex<strong>em</strong>plos, <strong>em</strong> meio a tantos<br />
outros s<strong>em</strong>elhantes, traz à tona a re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
significações <strong>do</strong> ar (sopro, respiração) como<br />
fonte <strong>de</strong> vida e gera<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> som (e da música)<br />
marcan<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ssa forma, a essencialida<strong>de</strong> da<br />
música na existência humana. A produção<br />
<strong>do</strong> som através <strong>do</strong> sopro ou <strong>do</strong> vento (ar <strong>em</strong><br />
movimento) inequivocamente nos r<strong>em</strong>ete a<br />
uma condição sine qua non para a existência<br />
2 Sírinx ou Siringe é uma ninfa por qu<strong>em</strong> Pã<br />
se apaixonou. Sen<strong>do</strong> perseguida por Pã e, cansada<br />
<strong>de</strong> fugir, Sírinx pe<strong>de</strong> às divinda<strong>de</strong>s para livrá-la <strong>do</strong><br />
sofrimento. Ten<strong>do</strong> o seu pedi<strong>do</strong> atendi<strong>do</strong>, Sírinx foi<br />
transformada <strong>em</strong> junco no momento que o <strong>de</strong>us Pã a<br />
alcançou. Ven<strong>do</strong>-se abraça<strong>do</strong> a uma touceira <strong>de</strong> caniços,<br />
Pã montou um instrumento forma<strong>do</strong> pela união <strong>do</strong>s<br />
tubos <strong>de</strong> diversos tamanhos dan<strong>do</strong> orig<strong>em</strong>, <strong>de</strong>sta forma,<br />
a Sírinx ou a Flauta <strong>de</strong> Pã. http://pt.wikipedia.org/<br />
wiki/5%C3%ADrinx. Acesso <strong>em</strong> 02 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2010<br />
às 21:40.<br />
3 Uakti viveu às margens <strong>do</strong> Rio Negro. Possuía<br />
seu corpo aberto <strong>em</strong> buracos que, ao ser toca<strong>do</strong> pelo<br />
vento, <strong>em</strong>itia um som tão irradiante que atraía todas as<br />
mulheres da tribo. Os índios, enciuma<strong>do</strong>s, perseguiram<br />
Uakti, o mataram e enterraram seu corpo na floresta.<br />
Altas palmeiras ali cresceram e, <strong>de</strong> seus caules, os<br />
índios fizeram instrumentos musicais <strong>de</strong> sons suaves e<br />
melancólicos s<strong>em</strong>elhantes aos sons <strong>do</strong> vento no corpo<br />
<strong>de</strong> Uakti. (...) Diz a lenda ainda que, ao ouvir<strong>em</strong> esse<br />
som, as mulheres tornam-se impuras e sent<strong>em</strong>-se<br />
tentadas. http://www.sons<strong>do</strong>uakti.hpg.ig.com.br/<br />
sons<strong>do</strong>uaktigrupo/grupo.htm. Acesso <strong>em</strong> 02 <strong>de</strong> agosto<br />
<strong>de</strong> 2010 às 16:15.<br />
77
da vida e da música, o próprio movimento.<br />
Nas socieda<strong>de</strong>s não letradas, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
da época e <strong>do</strong> lugar, o divino s<strong>em</strong>pre foi<br />
i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> com “aquilo que anima o mun<strong>do</strong>”,<br />
como algo que “confere po<strong>de</strong>r, energia,<br />
centelha <strong>de</strong> vida”. É anima, palavra latina que<br />
<strong>de</strong>nota alma e respiração, que anima o mun<strong>do</strong>.<br />
O antropólogo Dudley Young consi<strong>de</strong>ra<br />
inclusive que “se a alma <strong>do</strong> hom<strong>em</strong> resi<strong>de</strong><br />
<strong>em</strong> sua respiração, a alma <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> está no<br />
sopro <strong>de</strong> Deus” (FONTERRADA, 2004, p.16).<br />
Dessa forma, estabelece-se a relação entre<br />
som e vida.<br />
Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que música e socieda<strong>de</strong> possu<strong>em</strong><br />
íntima relação, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />
uma po<strong>de</strong> implicar no <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
outra, numa perspectiva <strong>de</strong> mão dupla. Des<strong>de</strong><br />
a antiguida<strong>de</strong> até os dias <strong>de</strong> hoje, a música,<br />
juntamente com suas práticas e teorias<br />
que a sustentam revela, <strong>de</strong> forma bastante<br />
precisa, a visão <strong>de</strong> mun<strong>do</strong> que permeia cada<br />
perío<strong>do</strong> histórico. Longe <strong>de</strong> a<strong>do</strong>tar um o-<br />
lhar <strong>de</strong>terminista e cosmogônico <strong>em</strong> que<br />
uma socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> certo perío<strong>do</strong> histórico<br />
se mostre completamente por meio <strong>de</strong> sua<br />
produção cultural, cabe pontuar a relação<br />
existente entre o conhecimento humano e o<br />
pensamento musical.<br />
Durante alguns séculos, o hom<strong>em</strong>, na tentativa<br />
<strong>de</strong> explicar sua relação com a música,<br />
partiu <strong>em</strong> busca da comprovação daquilo<br />
que julgava ser uma lei natural para a música.<br />
Os gregos, no mun<strong>do</strong> oci<strong>de</strong>ntal, foram<br />
os primeiros a se <strong>em</strong>penhar<strong>em</strong> <strong>em</strong> formular<br />
leis que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> orientar a construção<br />
<strong>de</strong> melodias e harmonias, e até o século XIX<br />
esse <strong>de</strong>sejo continuou a ser alimenta<strong>do</strong>. Foi<br />
Pitágoras qu<strong>em</strong> iniciou as pesquisas <strong>em</strong> direção<br />
a tal objetivo, oferecen<strong>do</strong> inclusive<br />
as primeiras formulações a respeito <strong>de</strong> um<br />
pensamento filosófico-mat<strong>em</strong>ático que concebia<br />
a música como uma lei natural, estabelecen<strong>do</strong><br />
os princípios da música oci<strong>de</strong>ntal.<br />
Séculos se passaram e inúmeros trata<strong>do</strong>s<br />
foram escritos, manten<strong>do</strong> viva a crença da<br />
existência <strong>de</strong> uma lei natural para a música.<br />
Zarlin<strong>do</strong> (séc. XVI), Marin Marsenne (séc. XVII)<br />
e Rameau (séc. XVIII) foram alguns notáveis<br />
estudiosos que, aperfeiçoan<strong>do</strong> formulações<br />
anteriores, representaram uma continuida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> pensamento sobre a busca <strong>de</strong> uma organização<br />
<strong>do</strong> universo musical origina<strong>do</strong> a<br />
partir das formulações pitagóricas. Rameau,<br />
revisan<strong>do</strong> os estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Zarlino, chegou<br />
ao estabelecimento das bases da harmonia<br />
mo<strong>de</strong>rna através <strong>do</strong> tonalismo. As formulações<br />
<strong>de</strong> Rameau mantiveram a supr<strong>em</strong>acia<br />
nos trezentos anos que se seguiram. Alguns<br />
autores admit<strong>em</strong> que tal supr<strong>em</strong>acia tenha<br />
ocorri<strong>do</strong> <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à relação existente entre o<br />
78
tonalismo e a física da série harmônica, pois<br />
cada som que compõe tal série contém um<br />
acor<strong>de</strong> perfeito. Ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que<br />
o acor<strong>de</strong> perfeito maior contribui para o fortalecimento<br />
<strong>do</strong> tonalismo, o acor<strong>de</strong> perfeito<br />
menor implicou numa fraqueza <strong>do</strong> sist<strong>em</strong>a,<br />
pois ele não conseguiu ser justifica<strong>do</strong> até<br />
o momento por nenhuma das tentativas<br />
<strong>em</strong>preendidas, levan<strong>do</strong> <strong>em</strong> conta a acústica.<br />
Mesmo assim, apesar <strong>de</strong>sse ponto <strong>de</strong><br />
fraqueza, a relação acústica que sustenta o<br />
tonalismo foi forte o suficiente para que as<br />
regras <strong>de</strong>sse sist<strong>em</strong>a, vistas como naturais,<br />
ainda hoje sejam referência para o ensino e<br />
a prática musicais.<br />
Embora a tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> uma<br />
lei natural tenha si<strong>do</strong> um fator <strong>de</strong> motivação<br />
para inúmeras pesquisas, tal fato não<br />
se mostra <strong>de</strong>terminante nas relações com a<br />
música. Como afirma Barraud,<br />
O fato <strong>de</strong> duzentos músicos e cantores<br />
se reunir<strong>em</strong> numa sala <strong>de</strong> concerto,<br />
cada um <strong>do</strong>s numerosos grupos que<br />
compõ<strong>em</strong> esse conjunto tocan<strong>do</strong> ou<br />
cantan<strong>do</strong> por sua própria conta uma<br />
música totalmente diferente da <strong>do</strong>s grupos<br />
vizinhos, e isso resultar finalmente<br />
na Nona Sinfonia <strong>de</strong> Beethoven, é um<br />
fenômeno que talvez estivesse inscrito<br />
por toda a eternida<strong>de</strong> nos <strong>de</strong>stinos <strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong> <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>os, mas não <strong>em</strong><br />
leis naturais (BARRAUD, 2005, p.16).<br />
Somente ao final <strong>do</strong> século XIX, Schoenberg<br />
propõe uma nova perspectiva para o tonalismo<br />
<strong>de</strong> Rameau, acrescentan<strong>do</strong>-lhe uma<br />
boa <strong>do</strong>se <strong>de</strong> flexibilida<strong>de</strong> e individualismo.<br />
Desse mo<strong>do</strong>, um novo pensamento musical<br />
<strong>em</strong>erge no século XX, apontan<strong>do</strong> para outra<br />
maneira <strong>de</strong> lidar com o fenômeno musical.<br />
Kaltenecker (2006, p. 23) caracterizaria toda<br />
a música <strong>do</strong> século XX como um movimento<br />
errante <strong>em</strong> um terreno <strong>de</strong>sabita<strong>do</strong> e opaco,<br />
no qual o sujeito tateava s<strong>em</strong> jamais ter a<br />
certeza <strong>de</strong> chegar a algum lugar. Para ele, tal<br />
percurso era cristaliza<strong>do</strong>, na maior parte das<br />
vezes, através <strong>de</strong> duas maneiras distintas:<br />
uma sanguínea e impulsiva e a outra uma<br />
progressão errática. Em relação à primeira<br />
teríamos Scriabin e suas sonatas compostas<br />
<strong>de</strong> sobressaltos febris, o Schoenberg expressionista<br />
das Peças para piano op. 10 ou<br />
<strong>de</strong> Erwatung, as obras <strong>de</strong> Edgar Varèse e os<br />
cortejos imóveis <strong>de</strong> Messiaen. Já a impulsão<br />
seira da or<strong>de</strong>m das proposições, como o não<strong>de</strong>senvolvimento<br />
<strong>em</strong> Stravinsky, a músicamosaico<br />
<strong>de</strong> Janacek, a narração sinfônica <strong>de</strong><br />
Sibelius, sobre a qual a plateia nunca é capaz<br />
<strong>de</strong> dizer o ponto que acaba <strong>de</strong> ser alcança<strong>do</strong>,<br />
ou a música <strong>de</strong> Wolfgang Rihm, <strong>de</strong>finida<br />
como uma procura permanente por si mesma<br />
(KALTENECKER, 2006, p. 23).<br />
O Século XX - da virada à primeira meta<strong>de</strong><br />
79
Dentre tantos personagens que povoaram<br />
o início <strong>do</strong> século XX, Schoenberg se mostra<br />
como aquele que apresentou perspectivas<br />
inova<strong>do</strong>ras. Conjugan<strong>do</strong> el<strong>em</strong>entos a princípio<br />
consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s incoerentes, tais como<br />
lógica, sentimento e instinto, Schoenberg<br />
via a necessida<strong>de</strong> das regras ao mesmo t<strong>em</strong>po<br />
<strong>em</strong> que consi<strong>de</strong>rava a sua utilização <strong>de</strong><br />
acor<strong>do</strong> com a opção <strong>do</strong> compositor. Longe<br />
<strong>de</strong> apontar oposição entre consonância e<br />
dissonância, ele consi<strong>de</strong>rava apenas ferramentas<br />
distintas a ser<strong>em</strong> utilizadas nas mãos<br />
<strong>do</strong>s compositores. Fato b<strong>em</strong> entendi<strong>do</strong> ao<br />
cunhar a expressão “<strong>em</strong>ancipação da dissonância”,<br />
admitin<strong>do</strong> ainda que a arte imita<br />
a natureza. Consi<strong>de</strong>rava a tonalida<strong>de</strong> como<br />
uma possibilida<strong>de</strong> e não uma obrigação,<br />
pois o fenômeno sonoro é in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da<br />
tonalida<strong>de</strong>. Cabe ressaltar o fato que Schoenberg<br />
percebia a importância da história e<br />
<strong>do</strong>s acontecimentos que, para ele, se sucediam<br />
como um fluxo contínuo. Longe <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprezar<br />
o passa<strong>do</strong>, propunha a compreensão<br />
<strong>de</strong>ste como meio <strong>de</strong> criar perspectivas para<br />
o futuro.<br />
Ao analisar a revolução <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ada por<br />
Schoenberg, <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os admitir que os frutos<br />
por ele colhi<strong>do</strong>s tivess<strong>em</strong> si<strong>do</strong> planta<strong>do</strong>s anteriormente<br />
por outros compositores, que<br />
também representaram posturas revolucionárias<br />
frente ao pensamento musical na<br />
época <strong>em</strong> que viveram. Além <strong>do</strong> mais, cada<br />
um à sua maneira colaborou com as tendências<br />
surgidas no século XX. O <strong>de</strong>senvolvimento<br />
<strong>de</strong> uma escrita harmônica e <strong>do</strong> timbre<br />
é um lega<strong>do</strong> <strong>do</strong> século XIX. A harmonia<br />
“motívica” forneceu estrutura e narração a<br />
partir <strong>de</strong> certas proprieda<strong>de</strong>s que part<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />
Beethoven, passam por Brahms e ating<strong>em</strong><br />
Schoenberg. Já a harmonia “tímbrica” visava<br />
a utilização <strong>de</strong> um acor<strong>de</strong> como cor. O material<br />
musical é então substituí<strong>do</strong> pela matéria<br />
sonora que se <strong>de</strong>senvolverá mais a frente<br />
no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong>signa<strong>do</strong> por Impressionismo,<br />
presente nas obras <strong>de</strong> Debussy e, a partir<br />
<strong>do</strong>s anos <strong>de</strong> 1960, nas obras <strong>de</strong> Ligeti, Pe<strong>de</strong>rencki,<br />
Xenakis, Dumitrescu e Redulescu<br />
(KALTENECKER, 2006, p. 21).<br />
O pensamento musical <strong>do</strong> século XX, incluin<strong>do</strong><br />
também o <strong>de</strong> Schoenberg, foi preconiza<strong>do</strong><br />
por compositores tais como Berlioz,<br />
Brahms e Wagner, que viveram <strong>em</strong> mea<strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong> século XIX. A composição musical<br />
foi tratada diferencialmente por cada uma<br />
<strong>de</strong>ssas personalida<strong>de</strong>s. Berlioz representou<br />
a primeira reação à “<strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> sonora<br />
assusta<strong>do</strong>ra” produzida pelas Sinfonias <strong>de</strong><br />
Beethoven. O território musical <strong>de</strong> Berlioz se<br />
construía para além da realida<strong>de</strong> concreta,<br />
pois para ele a música tinha necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
liberda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> espaços mais amplos. Em seu<br />
Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Instrumentação e Orquestração,<br />
80
Berlioz revela o quanto buscava o efeito material<br />
da música. Para ele, “to<strong>do</strong> corpo sonoro<br />
utiliza<strong>do</strong> pelo compositor é um instrumento<br />
musical” (KALTENECKER, 2006, p.15). Esse<br />
fato ganha maior significa<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>ramos<br />
o comentário <strong>de</strong> um colega <strong>de</strong><br />
Berlioz sobre o tratamento da<strong>do</strong> à orquestra.<br />
Tal colega tinha a impressão <strong>de</strong> assistir a uma<br />
experiência acústica, com o objetivo <strong>de</strong> explorar<br />
o som, e não a expressão <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia<br />
musical (KALTENECKER, 2006, p.15). Esse tipo<br />
<strong>de</strong> pensamento consiste num prece<strong>de</strong>nte da<br />
pesquisa sonora tal qual ocorreu no século<br />
XX <strong>em</strong> que novas sonorida<strong>de</strong>s foram incorporadas<br />
à música. O pensamento musical<br />
<strong>de</strong> Berlioz propôs um novo tratamento para<br />
a forma, dan<strong>do</strong> um aspecto gigantesco e<br />
colossal às suas peças, ciran<strong>do</strong> uma relação<br />
particular com a tonalida<strong>de</strong>, pois compunha<br />
s<strong>em</strong>pre com ela e não exatamente <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong>la. O compositor tinha por princípio evitar<br />
qualquer regra e era movi<strong>do</strong> e leva<strong>do</strong> por<br />
um turbilhão <strong>de</strong> <strong>em</strong>oções. Seu interesse por<br />
Bach era apenas literário.<br />
Ao contrário <strong>de</strong> Berlioz, Brahms era <strong>de</strong>vota<strong>do</strong><br />
à história e à tradição. Sacrificava a sua<br />
intuição espontânea para exaltar o trabalho<br />
como um valor. Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a musicologia<br />
<strong>de</strong> seu t<strong>em</strong>po, Brahms constroi a genealogia<br />
<strong>de</strong> sua própria obra e inicia uma espécie <strong>de</strong><br />
autolegitimação que se torna pre<strong>do</strong>minante<br />
a partir <strong>de</strong> Schoenberg. Brahms consi<strong>de</strong>ra<br />
que a fórmula musical é <strong>de</strong>finida por sua essência<br />
e pelo seu contexto histórico, além<br />
<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar as formas sonata e variações<br />
como obrigações impossíveis <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> evitadas.<br />
Visto como um epígono, Brahms era<br />
o continua<strong>do</strong>r <strong>de</strong> um passa<strong>do</strong> <strong>do</strong> qual não<br />
conseguia e n<strong>em</strong> queria se libertar.<br />
Kaltenecker (2006) admite que nas obras <strong>de</strong><br />
Berlioz e Liszt o imaginário é exalta<strong>do</strong> e o “eu”<br />
é i<strong>de</strong>al, diferin<strong>do</strong> <strong>do</strong> pensamento musical <strong>de</strong><br />
Brahms <strong>em</strong> que, mesmo o “eu” sen<strong>do</strong> i<strong>de</strong>al,<br />
compõe exaltan<strong>do</strong> o grave e o sério, o difícil<br />
e o complica<strong>do</strong> cultiva<strong>do</strong>s <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento<br />
“da sedução imediata das cores, das ‘visões’<br />
e <strong>do</strong>s efeitos. Além disso, refletin<strong>do</strong> sobre a<br />
revolução musical que ocorreu no início <strong>do</strong><br />
século XX, po<strong>de</strong>mos encontrar alguns antece<strong>de</strong>ntes<br />
<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>senrolar factual. Também<br />
Wagner colaborou efetivamente com o panorama<br />
que se <strong>de</strong>lineou no pensamento<br />
musical <strong>do</strong> século XX.<br />
Num artigo polêmico, não exatamente<br />
sobre a arte <strong>de</strong> Wagner, mas sobre o que<br />
essa arte po<strong>de</strong>ria anunciar para o futuro,<br />
Berlioz fala <strong>de</strong>sse cansaço “das harmonias<br />
consonantes, das dissonâncias simples<br />
preparadas e resolvidas, das modulações<br />
naturais e manipuladas com arte”,<br />
que faz prever que serão aban<strong>do</strong>nadas.<br />
[...] Tu<strong>do</strong> isso mostra quão profundamente<br />
ele penetrou naquilo que estava<br />
81
<strong>em</strong> germe na arte <strong>de</strong> Wagner, mas que<br />
não <strong>de</strong>veria realizar-se senão muito<br />
mais tar<strong>de</strong>. (BARRAUD, 2005, p.43)<br />
Wagner admitia <strong>em</strong> A obra <strong>de</strong> arte <strong>do</strong> futuro<br />
(1849) que o povo era a única fonte <strong>em</strong> que<br />
o cria<strong>do</strong>r <strong>de</strong>veria beber para que pu<strong>de</strong>sse<br />
escapar da alternativa “entre a abstração e<br />
a moda”, isto é, entre a arte <strong>em</strong> si mesma e<br />
a arte como “máquina <strong>de</strong> luxo”. Influencia<strong>do</strong><br />
pela leitura da obra O mun<strong>do</strong> como vonta<strong>de</strong><br />
e representação <strong>de</strong> Schopenhauer, que tratava<br />
<strong>de</strong> música e metafísica, Wagner passa<br />
a acreditar que a música expressa a “essência<br />
interior das coisas”. Na tentativa <strong>de</strong> estabelecer<br />
um diálogo entre esses <strong>do</strong>is pólos,<br />
ele nutre a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma orquestra cantora<br />
na qual a voz humana está <strong>em</strong> cada instrumento.<br />
Ele acreditava ser possível compor<br />
como um poeta, utilizan<strong>do</strong> as palavras <strong>em</strong><br />
seu valor puramente sonoro.<br />
Foi então <strong>em</strong> Wagner que Debussy encontrou<br />
a noção <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos sonoros livr<strong>em</strong>ente<br />
enca<strong>de</strong>a<strong>do</strong>s como simulan<strong>do</strong> uma improvisação<br />
controlada, como se fosse um fluxo<br />
ininterrupto, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com Barraqué (cita<strong>do</strong><br />
por KALTENECKER, 2006). A obra <strong>de</strong> Debussy<br />
é um belo ex<strong>em</strong>plo <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
harmonia, tanto no que diz respeito às vozes<br />
melódicas, por meio <strong>de</strong> notas <strong>de</strong> passag<strong>em</strong><br />
estranhas ao tom, responsáveis pela distorção<br />
e <strong>de</strong>formação da estrutura harmônica,<br />
quanto pelos acor<strong>de</strong>s, cada vez mais complexos<br />
e estranhos ao contexto harmônico,<br />
geran<strong>do</strong> uma suspensão que leva a atenção<br />
para o material sonoro. Sen<strong>do</strong> assim, há um<br />
movimento <strong>de</strong> dissolução geral: “ruí<strong>do</strong>s da<br />
forma”, “efeitos absolutos”, “timbres enigmáticos”,<br />
“matéria sonora”, tendências essas que<br />
estão presentes <strong>em</strong> sua obra. Fato curioso é<br />
a análise <strong>de</strong> Brouillards realizada por Dieter<br />
Schnebel <strong>em</strong> 1962, antes <strong>do</strong> aparecimento<br />
da categoria “<strong>Música</strong> Espectral”. Ele consi<strong>de</strong>rou<br />
o material harmônico presente <strong>em</strong><br />
tal peça como originário <strong>de</strong> uma “seleção <strong>de</strong><br />
segmentos <strong>do</strong> espectro harmônico, resultan<strong>do</strong><br />
<strong>em</strong> uma composição espectral” (KALTE-<br />
NECKER, 2006, p. 22).<br />
Ainda <strong>em</strong> relação a Debussy, po<strong>de</strong>mos dizer<br />
que a música mo<strong>de</strong>rna teve um ponto <strong>de</strong> partida<br />
preciso: a melodia para flauta que abre o<br />
Prélu<strong>de</strong> à l’Après-Midi d’un Faune (GRIFFITHS,<br />
1984, pg.7), peça escrita entre 1892 a 1894<br />
e que t<strong>em</strong> como característica a libertação<br />
da tonalida<strong>de</strong> diatônica. Ainda que não seja<br />
atonal, o procedimento composicional significa<br />
apenas que as velhas relações tonais<br />
já não possu<strong>em</strong> mais um caráter imperativo.<br />
A atonalida<strong>de</strong> vai ser assumida por Schoenberg<br />
com profun<strong>do</strong> <strong>de</strong>sconforto que atitu<strong>de</strong><br />
s<strong>em</strong>elhante po<strong>de</strong>ria gerar. Além <strong>de</strong> seus<br />
segui<strong>do</strong>res mais próximos, Berg e Webern,<br />
poucos compositores a<strong>de</strong>riram a esse recur-<br />
82
so <strong>de</strong> imediato. Schoenberg escreveu que “se<br />
vivêss<strong>em</strong>os numa época normal como antes<br />
<strong>de</strong> 1914, a música <strong>de</strong> nosso t<strong>em</strong>po estaria<br />
numa situação diferente” (GRIFFTHS, 1984,<br />
p. 97). Tal fato <strong>de</strong>monstra que Schoenberg<br />
admitia certa inevitabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> processo<br />
composicional <strong>em</strong> que se encontrava, como<br />
se o pensamento musical fosse gera<strong>do</strong> <strong>em</strong><br />
função <strong>do</strong> contexto então vivi<strong>do</strong>.<br />
Schoenberg começou a compor s<strong>em</strong> t<strong>em</strong>as<br />
ou tonalida<strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> Stravinsky<br />
introduzia uma nova concepção <strong>de</strong> ritmo<br />
e <strong>de</strong>svios não menos radicais eram<br />
toma<strong>do</strong>s por Debussy, Bartók, Berg e<br />
Webern. Mas essas revoluções surgiram<br />
da própria tradição, como extrapolações<br />
<strong>de</strong> tendências já existentes na música<br />
oci<strong>de</strong>ntal (GRIFFTHS, 1984, p. 97).<br />
O início <strong>do</strong> século XX representou um alto<br />
nível <strong>de</strong> experiências sonoras, mas <strong>de</strong>pois<br />
da 1ª Guerra Mundial o perío<strong>do</strong> seria marca<strong>do</strong><br />
por inovações estreitamente vinculadas<br />
ao progresso tecnológico. O <strong>em</strong>penho<br />
<strong>de</strong> Schoenberg <strong>em</strong> organizar novas regras<br />
para reestruturar o pensamento musical <strong>de</strong><br />
sua época levará à criação <strong>de</strong> novos procedimentos<br />
estruturais tal como a música serial.<br />
Apesar da atitu<strong>de</strong> inova<strong>do</strong>ra percebida <strong>em</strong><br />
Schoenberg, suas últimas obras tonais eram<br />
“carregadas <strong>de</strong> nostalgia”, pois se referiam a<br />
uma época perdida no t<strong>em</strong>po.<br />
O Século XX – a segunda meta<strong>de</strong><br />
O novo t<strong>em</strong>po, para alguns, era b<strong>em</strong>-vin<strong>do</strong>.<br />
Para um novo t<strong>em</strong>po, uma nova música.<br />
Nesse contexto, po<strong>de</strong>mos localizar os compositores<br />
liga<strong>do</strong>s ao movimento futurista<br />
<strong>de</strong> Marinetti. Dentre eles, Luigi Russolo foi<br />
o mais influente e persistente <strong>do</strong>s compositores<br />
ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a relação da música com<br />
os sons e ritmos das máquinas e fábricas. Ele<br />
propôs que os sons estivess<strong>em</strong> sintoniza<strong>do</strong>s<br />
com a vida mo<strong>de</strong>rna, surgin<strong>do</strong> daí a “arte <strong>do</strong><br />
ruí<strong>do</strong>”. Empenhou-se na fabricação <strong>de</strong> engenhocas<br />
para produzir sons e as apresentou<br />
na Itália, <strong>em</strong> Londres e Paris. Mesmo não<br />
ten<strong>do</strong> formação musical, o que fez com que<br />
sua capacida<strong>de</strong> como compositor estivesse<br />
abaixo <strong>de</strong> suas i<strong>de</strong>ias, estabeleceu uma nova<br />
e <strong>de</strong>cisiva arrancada, marcan<strong>do</strong> a música da<br />
“era mecânica” que se tornaria a gran<strong>de</strong> novida<strong>de</strong><br />
<strong>em</strong> Paris.<br />
Mas foi Edgar Varèse o compositor que mais<br />
proveito tirou <strong>do</strong> gosto futurista, utilizan<strong>do</strong><br />
sonorida<strong>de</strong>s urbanas. Para ele, uma nova<br />
era estava começan<strong>do</strong>, <strong>em</strong> que a música se<br />
beneficiaria <strong>do</strong>s avanços <strong>do</strong> pensamento<br />
científico. Varèse esteve <strong>em</strong>penha<strong>do</strong>, junto a<br />
fabricantes, engenheiros <strong>de</strong> som entre outros<br />
profissionais da área, na produção <strong>de</strong><br />
aparelhagens para geração <strong>de</strong> sons. Fez uma<br />
previsão acerca das novas possibilida<strong>de</strong>s da<br />
83
música. Disse Varèse:<br />
São as seguintes vantagens que prevejo<br />
<strong>em</strong> um aparelho como este: libertação<br />
<strong>do</strong> sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> t<strong>em</strong>peramentos, arbitrário<br />
e paralisante; possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
obter um número ilimita<strong>do</strong> <strong>de</strong> ciclos ou,<br />
se ainda se <strong>de</strong>sejar, <strong>de</strong> subdivisões <strong>de</strong><br />
oitava, e conseqüent<strong>em</strong>ente formação<br />
<strong>de</strong> qualquer escala <strong>de</strong>sejada; uma insuspeitada<br />
extensão nos registros altos<br />
e baixos, novos esplen<strong>do</strong>res harmônicos,<br />
faculta<strong>do</strong>s por combinações subharmônicas<br />
hoje impossíveis; infinitas<br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> diferenciação nos<br />
timbres e <strong>de</strong> combinações sonoras; uma<br />
nova dinâmica muito além <strong>do</strong> alcance<br />
<strong>de</strong> nossas atuais orquestras, e <strong>em</strong> senti<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> projeção sonora no espaço, graças<br />
a <strong>em</strong>issão <strong>do</strong> som a partir <strong>de</strong> qualquer<br />
ponto ou <strong>de</strong> muitos pontos <strong>do</strong> recinto,<br />
segun<strong>do</strong> as necessida<strong>de</strong>s da partitura.<br />
Ritmos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes nos entrecruzamentos<br />
<strong>em</strong> tratamento simultâneo...<br />
– tu<strong>do</strong> isto <strong>em</strong> uma dada unida<strong>de</strong> métrica<br />
ou <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po impossível <strong>de</strong> obter<br />
por meios humanos (GRIFFTHS, 1984,<br />
p.102-103)<br />
Lutou arduamente pela montag<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />
aparelhos que permitiss<strong>em</strong> realizar suas i-<br />
<strong>de</strong>ias musicais. Toma<strong>do</strong> por um otimismo<br />
conquista<strong>do</strong>r, constroi um mun<strong>do</strong> anti-musical<br />
<strong>em</strong> que não aparec<strong>em</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento,<br />
o t<strong>em</strong>a ou a melodia. Entram <strong>em</strong> cena<br />
ruí<strong>do</strong>s da vida mo<strong>de</strong>rna, sons industriais,<br />
concretos ou produzi<strong>do</strong>s eletronicamente.<br />
A música <strong>de</strong> Varèse representa um <strong>do</strong>s eixos<br />
estabeleci<strong>do</strong>s por Kaltenecker (2006) com<br />
relação ao ruí<strong>do</strong>, significan<strong>do</strong> uma continuida<strong>de</strong><br />
que parte <strong>do</strong>s românticos, passa pelos<br />
impressionistas e chega à música mo<strong>de</strong>rna e<br />
cont<strong>em</strong>porânea.<br />
O segun<strong>do</strong> eixo é chama<strong>do</strong> <strong>de</strong> música espectral,<br />
aquela que se relaciona ao computa<strong>do</strong>r,<br />
permitin<strong>do</strong> a realização <strong>de</strong> microanálises<br />
na via interna <strong>do</strong> som e controle geral <strong>do</strong><br />
espectro sonoro no que diz respeito a seus<br />
el<strong>em</strong>entos harmônicos e inarmônicos. O<br />
pensamento musical <strong>em</strong> todas as suas dimensões<br />
adquire um novo valor expressivo,<br />
crian<strong>do</strong> a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um tratamento<br />
global diferencia<strong>do</strong>. Compositores como<br />
Gérard Grisey e Tristan Murail esculp<strong>em</strong> o<br />
som forman<strong>do</strong> massas gigantescas, crian<strong>do</strong><br />
ligações entre momentos <strong>de</strong> harmonicida<strong>de</strong><br />
e inarmonicida<strong>de</strong> e entre transparências e<br />
ruí<strong>do</strong>s brancos.<br />
O <strong>do</strong>is eixos cita<strong>do</strong>s representam duas estratégias<br />
<strong>de</strong> narração e <strong>de</strong> inscrição <strong>do</strong> ruí<strong>do</strong><br />
na obra musical. Po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>radas<br />
como duas maneiras <strong>de</strong> articular o material:<br />
uma consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a recuperação <strong>de</strong> uma<br />
força centrífuga e suspensiva buscan<strong>do</strong> abrir<br />
“janelas” na forma incisivamente; e a outra se<br />
relaciona à narração interna da matéria sonora<br />
e procura aliar forças subjacentes.<br />
84
Um terceiro eixo seria a realização <strong>de</strong> uma só<br />
coisa repetida juntamente com a intenção<br />
<strong>de</strong> expulsar toda i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> forma. Esse tipo <strong>de</strong><br />
articulação está presente nos minimalistas<br />
norte-americanos, <strong>em</strong> Giacinto Scelsi e na<br />
música <strong>de</strong> não-intervenção <strong>de</strong> John Cage,<br />
on<strong>de</strong> há a abolição <strong>de</strong> toda vonta<strong>de</strong> hierarquizada.<br />
Consi<strong>de</strong>rações Finais<br />
Ao investigar o pensamento musical da segunda<br />
meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XX como ruptura ou<br />
continuida<strong>de</strong>, partiu-se <strong>de</strong> reflexões sobre a<br />
gênese da música na espécie humana, recorren<strong>do</strong><br />
a mitos <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s não letradas.<br />
Foram realizadas consi<strong>de</strong>rações sobre o som<br />
como matéria prima da música, ainda que<br />
essa não esteja circunscrita àquele.<br />
Buscou-se realizar uma breve reconstrução<br />
sobre o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> pensamento<br />
musical, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Grécia até início <strong>do</strong> século<br />
XX. Abor<strong>do</strong>u-se <strong>de</strong> forma mais <strong>de</strong>talhada a<br />
virada <strong>do</strong> século XIX para o século XX e os acontecimentos<br />
que vieram influenciar o pensamento<br />
estético. E, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> tal contexto o<br />
pensamento musical veio a ser incr<strong>em</strong>enta<strong>do</strong><br />
através <strong>de</strong> compositores românticos e pósromânticos<br />
que ofereceram as bases para os<br />
novos rumos da composição. É na primeira<br />
meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> Século XX que o sist<strong>em</strong>a tonal,<br />
após 300 anos <strong>de</strong> supr<strong>em</strong>acia, irá se <strong>de</strong>sintegrar<br />
por meio da obra <strong>de</strong> Schoenberg <strong>em</strong><br />
suas experiências composicionais. A partir<br />
da segunda meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XX, a reboque<br />
<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico, a música<br />
ganha características diversas ao incorporar<br />
novos recursos e novas sonorida<strong>de</strong>s que só<br />
foram possíveis <strong>em</strong> função <strong>do</strong> aparecimento<br />
grava<strong>do</strong>r e, posteriormente, <strong>do</strong> computa<strong>do</strong>r.<br />
As possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> realização musical se<br />
ampliam consi<strong>de</strong>ravelmente <strong>em</strong> função <strong>do</strong>s<br />
recursos tecnológicos disponíveis e, seguin<strong>do</strong><br />
nesta direção, o pensamento musical<br />
abarca tendências até então não cogitadas.<br />
Dentre as várias tendências que influenciaram<br />
o pensamento musical da segunda<br />
meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XX, a que se caracteriza<br />
por uma postura mais radical ou mesmo<br />
aventureira seria a música que se realiza toman<strong>do</strong><br />
o computa<strong>do</strong>r e seus recursos como<br />
apoio. A música assim produzida passou a<br />
colocar “<strong>em</strong> cheque to<strong>do</strong> o arsenal teórico<br />
e prático adquiri<strong>do</strong> na convivência ou<br />
aprendiza<strong>do</strong> da herança musical tradicional”.<br />
O reconhecimento da expressão musical<br />
como algo “basea<strong>do</strong> nos gestos instrumentais<br />
e vocal como mo<strong>de</strong>los sonoros, e no<br />
paradigma altura/duração” torna-se restrito,<br />
pois outros aspectos entram <strong>em</strong> jogo amplian<strong>do</strong>,<br />
<strong>de</strong>sta forma, a própria abrangência<br />
<strong>do</strong> conceito <strong>do</strong> que é música. Sen<strong>do</strong> assim,<br />
85
o campo sonoro disponível através <strong>de</strong> meios<br />
eletroacústicos e <strong>de</strong> novos sons cria<strong>do</strong>s por<br />
“transformações <strong>do</strong>s materiais grava<strong>do</strong>s ou<br />
gera<strong>do</strong>s eletronicamente” expan<strong>de</strong> o acervo<br />
da música eletroacústica praticamente para<br />
o infinito. Assim, torna-se impossível que o<br />
ouvinte “tenha um conhecimento prévio <strong>do</strong><br />
repertório sonoro <strong>de</strong> uma peça” (DI PIETRO,<br />
1999, p. 85).<br />
Isso faz com que as ligações que o ouvinte<br />
constrói na audição <strong>de</strong> uma peça<br />
eletroacústica com experiências relacionadas<br />
ao mun<strong>do</strong> fora da composição<br />
– experiências sonoras e não-sonoras<br />
-, sejam <strong>de</strong> fundamental importância<br />
tanto para o trabalho composicional<br />
quanto para a escuta (DI PIETRO, 1999,<br />
p. 85).<br />
Levan<strong>do</strong> <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração a amplidão <strong>do</strong> espectro<br />
<strong>do</strong> que é entendi<strong>do</strong> como música e<br />
<strong>do</strong>s caminhos trilha<strong>do</strong>s pelo <strong>de</strong>senvolvimento<br />
<strong>do</strong> pensamento musical e reconhecen<strong>do</strong><br />
que música é uma expressão artística,<br />
Jacques Rancière já manifestara a opinião <strong>de</strong><br />
que aquilo que era <strong>de</strong>signa<strong>do</strong> por arte não<br />
é i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> da mesma forma nas diversas<br />
épocas, mas somente através daquilo que<br />
ele chama <strong>de</strong> regime ou sist<strong>em</strong>a. Apenas um<br />
mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> articulação entre maneiras <strong>de</strong> fazer,<br />
formas <strong>de</strong> visibilida<strong>de</strong> e mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> apresentação<br />
<strong>de</strong> seus relatos configuravam esse regime<br />
ou sist<strong>em</strong>a como “um tipo <strong>de</strong> ligação<br />
entre mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> obras ou <strong>de</strong><br />
práticas, formas <strong>de</strong> visibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas práticas<br />
e mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> estabelecer os conceitos <strong>de</strong><br />
umas e outras” (KALTENECKER, 2006, p.7). Assim<br />
sen<strong>do</strong>, Rancière propunha a análise <strong>de</strong><br />
ex<strong>em</strong>plos e a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> operações que<br />
<strong>de</strong>signam e revelam como certos materiais,<br />
apreendi<strong>do</strong>s pelos artistas, e <strong>de</strong>terminadas<br />
ativida<strong>de</strong>s eram consi<strong>de</strong>radas parte <strong>de</strong> um<br />
discurso estético.<br />
Desta forma, a continuida<strong>de</strong> ou a ruptura<br />
existente entre o pensamento musical da segunda<br />
meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XX e o <strong>de</strong>senrolar<br />
das tendências anteriores po<strong>de</strong>m <strong>em</strong> alguma<br />
medida, ou <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> referencial,<br />
ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s um e outro. Mas o <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>r<br />
comum <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os t<strong>em</strong>pos e espaços<br />
é o uso da técnica à disposição <strong>do</strong> hom<strong>em</strong>. “A<br />
relação entre a música e o pensamento humano<br />
é celebrada <strong>em</strong> tu<strong>do</strong> o que vincula a<br />
ambos o aparato tecnológico <strong>de</strong> cada época”<br />
(VIANNA, 2007, p.1). A música e sua forma <strong>de</strong><br />
produção caminham <strong>em</strong> paralelo com a técnica<br />
adquirida pelo hom<strong>em</strong> a cada momento<br />
<strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento. “Em cada giro <strong>de</strong><br />
inovação tecnológica, a música se apropria<br />
<strong>de</strong> novos el<strong>em</strong>entos para afinar essa relação,<br />
que parece estar num diálogo tão constante<br />
quanto à busca pelo conhecimento inerente<br />
ao próprio ser humano” (VIANNA, 2007, p.2).<br />
E essa é a gran<strong>de</strong> diferença <strong>do</strong> pensamento<br />
86
musical <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> <strong>em</strong> questão, a segunda<br />
meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XX. Em nenhum perío<strong>do</strong><br />
até então os recursos tecnológicos haviam<br />
se <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> tanto a ponto <strong>de</strong> proporcionar<br />
tamanha multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> meios <strong>de</strong><br />
expressão, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong>s rótulos “tonal,<br />
modal, atonal, pois já per<strong>de</strong>ram o seu significa<strong>do</strong>.<br />
Não existe senão a música para ser<br />
arte como cosmos e traçar as linhas virtuais<br />
da variação infinita” (DELEUZE e GUATTARI,<br />
1995).<br />
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88
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<strong>de</strong> não publicação <strong>do</strong>s artigos.<br />
9 – Os trabalhos <strong>de</strong>verão seguir a seguinte estrutura:<br />
9 -1 - El<strong>em</strong>entos pré-textuais:<br />
a) Título e subtítulo <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser localiza<strong>do</strong>s na primeira<br />
linha, centraliza<strong>do</strong>s, <strong>em</strong> negrito, <strong>em</strong> fonte Times New<br />
Roman, tamanho 12 e apenas a primeira letra será<br />
maiúscula <strong>em</strong> ambos.<br />
b) O nome <strong>do</strong> autor <strong>de</strong>ve estar localiza<strong>do</strong> duas linhas<br />
abaixo <strong>do</strong> título, alinha<strong>do</strong> à direita, com letras maiúsculas<br />
apenas nas letras iniciais <strong>do</strong>s nomes.<br />
c) RESUMO se localizará a três linhas abaixo <strong>do</strong> nome <strong>do</strong><br />
autor e <strong>em</strong> português, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da língua <strong>em</strong> que<br />
o texto tiver si<strong>do</strong> escrito. Colocar a palavra RESUMO <strong>em</strong><br />
caixa alta, corpo 10, seguida <strong>de</strong> ponto. Texto <strong>em</strong> parágrafo<br />
único, espaço simples, justifica<strong>do</strong>, com no máximo 150<br />
palavras, com fonte Times New Roman, tamanho 10.<br />
d) Palavras-chave são <strong>em</strong> número <strong>de</strong> 03 a 05,<br />
localizadas duas linhas abaixo <strong>do</strong> resumo, <strong>em</strong> português,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da língua <strong>em</strong> que o texto tiver si<strong>do</strong> escrito.<br />
Colocar o termo Palavras-chave, <strong>em</strong> caixa baixa, primeira<br />
letra <strong>em</strong> maiúscula, com fonte Times New Roman,<br />
tamanho 10. Cada palavra-chave <strong>de</strong>verá ser escrita <strong>em</strong><br />
caixa-baixa com apenas a primeira letra maiúscula. As<br />
palavras-chave <strong>de</strong>v<strong>em</strong> estar separadas por ponto.<br />
e) ABSTRACT <strong>de</strong>ve ser localiza<strong>do</strong> duas linhas abaixo das<br />
palavras-chave. A palavra ABSTRACT <strong>de</strong>ve estar <strong>em</strong> caixa<br />
alta, tamanho 10, seguida <strong>de</strong> ponto. Redigir o texto <strong>em</strong><br />
inglês, <strong>em</strong> parágrafo único, espaço simples, justifica<strong>do</strong><br />
com o máximo <strong>de</strong> 150 palavras, com fonte Times New<br />
Roman, tamanho 10 para to<strong>do</strong> o abstract.<br />
f) Keywords são <strong>em</strong> número <strong>de</strong> 03 a 05, localizadas<br />
duas linhas abaixo <strong>do</strong> abstract, com fonte Times New<br />
Roman, tamanho 10. Cada keyword <strong>de</strong>ve ser escrita <strong>em</strong><br />
caixa-baixa com apenas a primeira letra maiúscula. As<br />
keywords <strong>de</strong>v<strong>em</strong> estar separadas por ponto.<br />
9– 2 - El<strong>em</strong>entos textuais:<br />
a) Fonte: Times New Roman, tamanho 12, alinhamento
justifica<strong>do</strong> ao longo <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o texto.<br />
b) Espaçamento: simples entre linhas e parágrafos,<br />
duplo entre partes <strong>do</strong> texto (tabelas, ilustrações, citações<br />
<strong>em</strong> <strong>de</strong>staques, etc).<br />
c) Citações: no corpo <strong>do</strong> texto, serão <strong>de</strong> até 03 linhas,<br />
entre aspas duplas. Fonte: Times New Roman corpo 12.<br />
Quan<strong>do</strong> as citações for<strong>em</strong> maiores <strong>do</strong> que 03 linhas,<br />
<strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser <strong>de</strong>stacadas fora <strong>do</strong> corpo <strong>do</strong> texto. Fonte:<br />
Times New Roman, corpo 10, <strong>em</strong> espaço simples, com<br />
recuo <strong>de</strong> 4cm à esquerda. Todas as referências das<br />
citações ou menções a outros textos (tanto nas incluídas<br />
no corpo <strong>do</strong> texto, como as que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> aparecer <strong>em</strong><br />
<strong>de</strong>staque) <strong>de</strong>verão ser indicadas, após a citação, com as<br />
seguintes informações, entre parênteses: sobrenome<br />
<strong>do</strong> autor <strong>em</strong> caixa alta, vírgula, ano da publicação,<br />
abreviatura <strong>de</strong> página e o número <strong>de</strong>sta. Ex<strong>em</strong>plo:<br />
(SWANWICK, 1999, p. 15-16). Evitar a utilização <strong>de</strong> i<strong>de</strong>m<br />
ou ibi<strong>de</strong>m e Cf. Quan<strong>do</strong> for utiliza<strong>do</strong> o apud, colocar as<br />
mesmas informações solicitadas anteriormente para o<br />
autor <strong>do</strong> texto <strong>de</strong> on<strong>de</strong> a citação foi retirada. Ex<strong>em</strong>plo:<br />
(DELEUZE, 1987, apud KASTRUP, 2001, p. 217). Incluir<br />
to<strong>do</strong>s os da<strong>do</strong>s <strong>de</strong> ambos os autores e colocar somente<br />
as obras consultadas diretamente nas Referências.<br />
d) Notas <strong>de</strong> rodapé: <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser utilizadas, se necessárias,<br />
para contribuir com a clareza <strong>do</strong> texto. Fonte: Times New<br />
Roman, corpo 10.<br />
e) Títulos e subtítulos das seções: ao ser<strong>em</strong> constituí<strong>do</strong>s<br />
por palavras, não utilizar numeração arábica, inclusive<br />
Introdução, Conclusão, Referências e el<strong>em</strong>entos póstextuais,<br />
s<strong>em</strong> recuo <strong>de</strong> parágrafo, <strong>em</strong> negrito, com<br />
maiúscula somente para a primeira palavra da seção.<br />
Ao ser<strong>em</strong> constituí<strong>do</strong>s apenas por números, colocar o<br />
número seguin<strong>do</strong> as mesmas regras anteriores e s<strong>em</strong><br />
pontuação.<br />
f) El<strong>em</strong>entos ilustrativos: tabelas, figuras, fotos, etc.,<br />
<strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser inseridas no texto, logo após ser<strong>em</strong> citadas,<br />
conten<strong>do</strong> a <strong>de</strong>vida explicação na parte inferior da mesma,<br />
numeradas sequencialmente. Serão referidas, no corpo<br />
<strong>do</strong> texto, <strong>de</strong> forma abreviada. Ex<strong>em</strong>plo. Fig. 1. Fig. 2, etc<br />
9 – 3 - El<strong>em</strong>entos pós-textuais:<br />
Referências: Usar espaçamento 1 entre as linhas das<br />
referências e espaco 1,5 entre uma referência e outra com<br />
alinhamento à esquerda.<br />
Incluir a data <strong>de</strong> envio <strong>do</strong> artigo para publicação.<br />
EXEMPLOS DE REFERÊNCIAS<br />
Artigo <strong>de</strong> periódico:<br />
FERNANDES, José Nunes. <strong>Pesquisa</strong> <strong>em</strong> educação<br />
musical: situação <strong>do</strong> campo nas dissertações e teses <strong>do</strong>s<br />
cursos <strong>de</strong> pós-graduação strictu senso brasileiros. <strong>Revista</strong><br />
da ABEM, Porto Alegre, v.15, p. 11-26, set. 2006.<br />
Livros:<br />
GREEN, Barry. The inner game of music. New York:<br />
Doubleday, 1986.<br />
Capítulos <strong>de</strong> livros:<br />
SANTOS, Regina Márcia S; REQUIÃO, Luciana. A educação<br />
musical no esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro. In: OLIVEIRA, A;<br />
CAJAZEIRA, R. (Orgs.) A Educação Musical no Brasil.<br />
Salva<strong>do</strong>r, Sonare, p. 129-144, 2007.<br />
Monografias, dissertações e teses:<br />
ALFONSO, Neila R. Prática coral como plano <strong>de</strong><br />
composição <strong>em</strong> Marcos Leite e <strong>em</strong> <strong>do</strong>is coros infantis. 2004,<br />
154 f. Dissertação (Mestra<strong>do</strong> <strong>em</strong> <strong>Música</strong>). Programa <strong>de</strong><br />
Pós-Graduação <strong>em</strong> <strong>Música</strong>, UNIRIO, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2004.<br />
DUARTE, Mônica <strong>de</strong> Almeida. Por uma análise retórica<br />
<strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s da música na escola. 2004. 265 f. Tese<br />
(Doutora<strong>do</strong> <strong>em</strong> Educação Escolar) – Faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Educação Escolar) – Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação,<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2004.<br />
Congresso, Conferências, Encontros e outros eventos:<br />
BORÉM, Fausto. Afinação integrada no contrabaixo:<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um sist<strong>em</strong>a sensório-motor<br />
basea<strong>do</strong> na audição, tato e visão. In: ENCONTRO ANUAL<br />
DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E<br />
PESQUISA EM MÚSICA, 10. Anais <strong>do</strong> ... Goiânia, agosto,<br />
1997, p. 53-58.<br />
Citação <strong>de</strong> citação:<br />
MARINHO, Pedro. A pesquisa <strong>em</strong> ciências humanas.<br />
Petrópolis: Vozes, 1980 apud<br />
MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Técnica <strong>de</strong> pesquisa. São<br />
Paulo: Atlas, 1982.<br />
Documentos eletrônicos:<br />
CARPEGGIANI, Schnei<strong>de</strong>r. Pernambuco num concerto <strong>de</strong><br />
muitos ritmos. Nor<strong>de</strong>steWeb, 9 <strong>de</strong> abr. 2001. Disponível<br />
<strong>em</strong>: www.nor<strong>de</strong>steweb.com/not04/ne_not_20010409a.<br />
htm Acesso <strong>em</strong>: 19 fev. 2007.<br />
CD-ROM:<br />
KOOGAN, A.; HOUASSIS, A (Ed.) Enciclopédia e dicionário<br />
digital 98. Direção geral <strong>de</strong> André Koogan Breikman. São<br />
Paulo: Delta: Estadão, 1998. 5 CD-ROM. Produzida por<br />
Vi<strong>de</strong>olar Multimídia.
GOVERNADOR DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO<br />
Renato Casagran<strong>de</strong><br />
VICE-GOVERNADOR<br />
Gival<strong>do</strong> Vieira<br />
SECRETÁRIO DE ESTADO DA CULTURA<br />
José Paulo Viçosi<br />
SECRETÁRIO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO<br />
Klinger Marcos Barbosa Alves<br />
FACULDADE DE MÚSICA DO ESPÍRITO SANTO<br />
DIRETOR GERAL<br />
Edilson Barboza<br />
COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO DA FAMES<br />
Gina Denise Barreto Soares<br />
FACULDADE DE MÚSICA DO ESPÍRITO SANTO “MAURÍCIO DE OLIVEIRA”<br />
Praça Américo Poli Monjardim, nº 60 - Centro - Vitória - ES<br />
CEP: 29010-640<br />
Tel: 27 3636-3600 - Fax: 27 3636-3608<br />
www.fames.es.gov.br