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Khanh-du, da dinastia Tran, foi demitido de seu cargo devido a uma falta grave, e tornouse<br />
vendedor de carvão em Chi Linh. Quando uma vez, durante uma de suas campanhas, o<br />
Imperador passou por essa região, encontrou o antigo mandarim e ordenou-lhe que fizesse<br />
um poema sobre o comércio do carvão. Khanh-du fez imediatamente o poema, ao que o<br />
Imperador, profundamente comovido, devolveu-lhe seus antigos títulos.<br />
A improvisação de versos em frases paralelas era um talento sem o qual ninguém podia<br />
facilmente passar no Extremo Oriente. O sucesso de uma embaixada anamita em Pequim<br />
podia por vezes depender do talento do embaixador para a improvisação em verso. To<strong>dos</strong><br />
os membros das embaixadas precisavam ser constantemente prepara<strong>dos</strong> para toda a<br />
espécie de perguntas, e saber as respostas para as mil e uma charadas e enigmas que ao<br />
Imperador ou a seus mandarins apetecia perguntar17. Era a diplomacia sob forma lúdica.<br />
O jogo de perguntas e respostas em forma de verso pode também ter uma função de<br />
armazenamento de toda uma massa de conhecimentos úteis. Uma moça acaba de dizer sim<br />
a seu noivo, e ambos pretendem abrir juntos uma loja. O noivo pede-lhe para lhe dizer os<br />
nomes <strong>dos</strong> medicamentos, e todo o tesouro da farmacopéia se segue em verso. A arte da<br />
aritmética, o conhecimento das diversas mercadorias e o uso do calendário na agricultura<br />
também podem ser transmiti<strong>dos</strong> de forma extremamente sucinta por este processo. As<br />
vezes, os namora<strong>dos</strong> interrogam-se mutuamente, sobre questões de literatura. Fizemos<br />
notar acima que todas as formas de catecismo se relacionam diretamente com o jogo <strong>dos</strong><br />
enigmas. O mesmo é também o caso do exame, que sempre desempenhou um papel<br />
extraordinariamente importante na vida social do Extremo Oriente. Toda civilização só<br />
muito lentamente vai abandonando a forma poética como principal método de expressão<br />
das coisas importantes para a vida da comunidade social. A poesia sempre antecede a<br />
prosa; para a expressão de coisas solenes ou sagradas, a poesia é o único veículo adequado.<br />
Não são apenas os hinos e os provérbios que são postos em verso, são também extensos<br />
trata<strong>dos</strong> com por exemplo os sutras e sastras da índia antiga, ou os primeiros produtos da<br />
filosofia grega. Empédocles encerra todo seu saber em um poema, e ainda Lucrécio<br />
continua utilizando a mesma forma. Talvez, em parte, a preferência pelos versos tenha sido<br />
determinada por considerações utilitárias: uma sociedade sem livros acha mais fácil<br />
memorizar seus textos desta maneira. Mas existe uma razão mais profunda, a saber que a<br />
própria vida da sociedade arcaica possui como que uma estrutura métrica e estrófica. A<br />
poesia continua ainda hoje sendo o modo de expressão mais natural para as coisas mais<br />
"elevadas". Até 1868, os japoneses costumavam escrever em forma poética as partes mais<br />
importantes <strong>dos</strong> documentos de Estado<br />
Os historiadores do direito prestaram uma atenção especial aos vestígios de poesia no<br />
direito, pelo menos na tradição germânica. Todo estudante das leis germânicas conhece o<br />
antigo texto jurídico frisão em que uma cláusula relativa às diversas "necessidades" ou<br />
ocasiões de necessidade nas quais é preciso vender a herança de um órfão, passa de repente<br />
a um estilo lírico aliterativo:<br />
"A segunda necessidade é quando o ano se torna custoso<br />
e a fome ardente invade a terra,<br />
e a criança vai morrer de fome.<br />
Pode, então, a mãe pôr à venda o patrimônio da criança,<br />
comprando para ela uma vaca, trigo etc.<br />
A terceira necessidade é quando a criança está nua<br />
e sem teto,<br />
e vem o escuro nevoeiro<br />
e o frio inverno, e cada homem se abriga em seu lar,<br />
num quente refúgio,<br />
e o animal selvagem procura a árvore oca<br />
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