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formas diferentes, o dia e a noite? Para onde, em seu desejo, correm as águas? Dizei-me<br />
qual é seu skambha!<br />
"Como pode o vento não parar, nem o espírito repousar? Por que as águas, desejosas da<br />
verdade, jamais param de correr"?<br />
O pensamento arcaico, arrebatado pelos mistérios do Ser, encontra-se aqui situado no<br />
limite entre a poesia sagrada, a mais profunda sabedoria, o misticismo e a mistificação<br />
verbal pura e simples. Não compete a nós dar conta de cada um <strong>dos</strong> elementos particulares<br />
destas efusões. O poeta-sacerdote está constantemente batendo à porta do Incognoscível,<br />
ao qual nem ele nem nós podemos ter acesso. Sobre esses veneráveis textos, tudo o<br />
quepodemos dizer é que neles assistimos ao nascimento da filosofia, não em um jogo inútil,<br />
mas no seio de um jogo sagrado. A mais alta sabedoria é praticada sob a forma de uma<br />
prova esotérica. Pode-se observar de passagem que o problema cosmogônico de saber<br />
como o mundo surgiu constitui uma das preocupações fundamentais do espírito humano.<br />
A psicologia experimental infantil mostrou que uma grande parte das perguntas feitas pelas<br />
crianças de seis anos possui um caráter autenticamente cosmogônico, como por exemplo o<br />
que faz a água correr, de onde vem o vento, o que é estar morto etc.7.<br />
O concurso de enigmas está longe de constituir um simples divertimento, constitui um<br />
elemento essencial da cerimônia do sacrifício. A resolução <strong>dos</strong> enigmas é tão indispensável<br />
quanto o próprio sacrifício8. Ela exerce uma certa pressão sobre os deuses. Nas Celebes<br />
centrais, entre os Toradja, encontra-se um interessante paralelo com esse antigo costume<br />
védico9. Em suas festas a parte destinada aos enigmas é estritamente limitada no tempo,<br />
começando no momento em que o arroz fica "prenhe" e prolongando-se até à colheita, e<br />
naturalmente a resolução <strong>dos</strong> enigmas é considerada favorável a esta. De cada vez que um<br />
enigma é resolvido, o coro canta: "Sai, arroz, saiam, gordas espigas, do alto da montanha ou<br />
do fundo <strong>dos</strong> vales!" Durante a época que precede imediatamente<br />
este período todas as atividades literárias são proibidas, pois poderiam prejudicar o<br />
crescimento do arroz. A mesma palavra wailo significa tanto "enigma" quanto "painço", o<br />
cereal que foi substituído pelo arroz como alimento popular10. Pode-se acrescentar o<br />
exemplo exatamente paralelo <strong>dos</strong> grisões da Suíça, onde, segundo se diz11, "os habitantes se<br />
entregam às mais loucas excentricidades para ajudar o trigo a crescer melhor" (thorechten<br />
atentem treiben, dass ihnen das korn destobas geraten solle).<br />
O enigma é uma coisa sagrada cheia de um poder secreto e, portanto, é uma coisa perigosa.<br />
Em seu contexto mitológico ou ritualístico, ele é quase sempre aquilo que os filólogos<br />
alemães chamam de Halsrãtel ou "enigma capital", em que se arrisca a cabeça caso não se<br />
consiga decifrá-lo. A vida do jogador está em jogo. Um corolário disto constitui a formação<br />
de um enigma que ninguém consiga resolver como sendo considerada a mais alta<br />
manifestação de sabedoria. Ambos estes temas encontram-se reuni<strong>dos</strong> na velha lenda hindu<br />
do rei Yanaka, que realizou um concurso de enigmas teológicos entre os brâmanes que<br />
assistiam a seu sacrifício solene, oferecendo um prêmio de mil vacas13. O sábio Yajflavalkya,<br />
considerando certa a vitória, mandou que as vacas lhe fossem previamente<br />
entregues e, naturalmente, derrotou seus adversários. Um destes, Vidaghdha Sakalya,<br />
verificando ser incapaz de resolver um enigma, perdeu literalmente a cabeça, a qual se<br />
separou de seu corpo e lhe caiu no colo. Esta estória é sem dúvida uma versão pedagógica<br />
do tema segundo o qual a incapacidade de responder era punida com a pena capital.<br />
Finalmente, quando ninguém mais se atreve a fazer perguntas, Yajnavalkya triunfalmente<br />
exclama:<br />
"Reveren<strong>dos</strong> brâmanes, se algum de vós deseja fazer alguma pergunta que a faça, ou to<strong>dos</strong><br />
vós, se quiserdes; ou então permiti que eu faça uma pergunta a um de vós, ou a to<strong>dos</strong>, se<br />
quiserdes"! É claro como o dia o caráter perfeitamente lúdico desta competição. A própria<br />
tradição sagrada participa do jogo, e é impossível definir o grau de seriedade com que a<br />
estória foi aceita no cânon sagrado, grau que aliás em última análise é tão irrelevante como<br />
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