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devoradas pela mulher e a sogra de seu adversário durante um período de penúria, o que<br />
levou todo o público a desfazer-se em lágrimas. Estes cantos insultuosos são<br />
acompanha<strong>dos</strong> por toda a espécie de ofensas físicas ao adversário, como espirrar ou soprar<br />
na cara dele, dar-lhe cabeçadas, abrir-lhe os maxilares, amarrá-lo a uma estaca da tenda —<br />
tendo o "acusado" a obrigação de suportar sem protestar, permitindo-se apenas um riso de<br />
troça. A maior parte <strong>dos</strong> espectadores acompanha os estribilhos das canções, aplaudindo e<br />
incitando os adversários. Outros se limitam a dormir um pouco. Durante as pausas os<br />
contendores conversam em termos amigáveis. As sessões deste gênero de competição<br />
podem prolongar-se por vários anos, em que os adversários aproveitam para inventar<br />
novas canções e descobrir novas malfeitorias para denunciar. Por fim, são os espectadores<br />
que decidem quem é o vencedor. Na maior parte <strong>dos</strong> casos, a amizade é imediatamente<br />
restabelecida, mas, por vezes, acontece uma família emigrar devido à vergonha de ter sido<br />
derrotada.<br />
É possível a uma pessoa estar participando, ao mesmo tempo, em diversos concursos de<br />
tambor. As mulheres também podem participar.<br />
É aqui da maior importância o fato de, entre as tribos que as praticam, estas competições<br />
desempenharem o papel de decisões jurídicas. Não existe qualquer forma de jurisdição<br />
além <strong>dos</strong> concursos de tambor. Estes são os únicos meios de resolver as dissensões, e não<br />
existe qualquer outra maneira de influenciar a opinião pública.<br />
Mesmo os assassinos são denuncia<strong>dos</strong> desta curiosa maneira. A vitória num concurso de<br />
tambor não é seguida por qualquer espécie de sentença. Essas competições são, na grande<br />
maioria <strong>dos</strong> casos, provocadas pelos mexericos das mulheres. É preciso distinguir entre as<br />
tribos que praticam esse costume como meio de administração da justiça e aquelas para as<br />
quais ele constitui apenas um divertimento festivo. As violências autorizadas são<br />
estabelecidas de diferentes maneiras: permite-se bater ou apenas amarrar etc. Além do<br />
concurso de tambor, os conflitos são, por vezes, resolvi<strong>dos</strong> por uma luta a murro ou corpo<br />
a corpo. Trata-se aqui, portanto, de um costume cultural que desempenha a função judicial<br />
sob uma forma perfeitamente agonística, sem contudo deixar de constituir um jogo no<br />
sentido mais próprio do termo. Tudo decorre no meio de risos e da maior alegria, porque o<br />
que mais importa é conseguir divertir o público. "Da próxima vez", diz Igsiavik, "vou fazer<br />
uma canção nova. Vai ser muito divertido, e vou amarrar o outro a uma estaca da tenda".<br />
Não há dúvida que os concursos de tambor são a principal fonte de diversão para toda a<br />
população. Se não houver uma disputa que sirva de pretexto, os concursos mesmo assim se<br />
realizam, pelo puro divertimento que proporcionam. Em certas ocasiões, como<br />
demonstração de talento fora do comum, as canções assumem a forma de enigmas.<br />
Nas Atenas de Péricles e Fídias, a eloquência jurídica ainda era principalmente uma<br />
competição de habilidade retórica, na qual eram permiti<strong>dos</strong> to<strong>dos</strong> os artifícios de persuasão<br />
que fossem possíveis de imaginar. Considerava-se o tribunal e a arena política como os dois<br />
lugares por excelência onde a arte podia ser aprendida. Esta arte, juntamente com a<br />
violência militar, o roubo e a tirania, constitui a "caça ao homem" definida no Sofista de<br />
Platã31. Era possível aprender com os sofistas a transformar uma má causa numa boa causa,<br />
e até conseguir fazê-la prevalecer. O jovem que entrava na vida política geralmente iniciava<br />
sua carreira acusando alguém num processo escandaloso. Também em Roma durante<br />
muito tempo foi considerado legítimo todo e qualquer meio de prejudicar o adversário<br />
num julgamento. As partes vestiam-se de luto, suspiravam, gemiam, invocavam em altas<br />
vozes o bem comum, rodeavam-se de grande número de testemunhas e clientes,<br />
procurando impressionar o tribunal. Em resumo, faziam tudo aquilo que nós hoje fazemos.<br />
Basta lembrar o advogado que, no processo Hauptmann, deu palmadas na Bíblia e fez<br />
tremular a bandeira americana, ou seu colega holandês que, num sensacional processo<br />
criminal, reduziu a pedaços um relatório psiquiátrico. Littmann descreve da seguinte<br />
maneira um julgamento na Abissínia33: "Numa oratória cuida<strong>dos</strong>amente estudada e<br />
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