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seriam, portanto, mais adequa<strong>dos</strong> a um jogo do que a uma sessão de tribunal. Além disso,<br />
convém notar que originariamente talanta significava "balança". Creio, assim, que o poeta<br />
tinha em mente uma pintura em vaso que mostrava dois litigantes senta<strong>dos</strong> cada qual em<br />
um <strong>dos</strong> pratos de uma balança, a verdadeira "balança da justiça", na qual a sentença era<br />
dada mediante uma pesagem segundo o costume primitivo, isto é, por oráculo ou pela<br />
sorte. Este costume ainda não era conhecido na época em que foi composto o poema, e daí<br />
resultou que talanta, os dois pratos da balança, foi considerado, devido a uma transposição<br />
de significado, como dinheiro. O grego δίχη (direito, justiça) possui uma escala de<br />
significa<strong>dos</strong> que vai desde o puramente abstrato até o mais declaradamente concreto. Pode<br />
significar a justiça enquanto conceito abstrato, ou uma divisão eqüitativa, ou uma<br />
indenização, ou mais ainda: as partes num julgamento dão e recebem δίχη, os juízes<br />
atribuem δίχη. Significa também o próprio processo jurídico, o veredicto e a punição.<br />
Embora se possa supor que os significa<strong>dos</strong> mais concretos de uma palavra são os mais<br />
antigos, Werner Jaeger defende, neste caso, o ponto de vista contrário.<br />
Segundo ele, o significado abstrato é o mais primitivo, e o concreto deriva dele12. Isto não<br />
me parece compatível com o fato de serem precisamente as abstrações — δίχαιο,<br />
eqüitativo, e δίχαιοσύνη], eqüidade — formadas em seguida a partir de dikê. A relação<br />
acima discutida entre a administração da justiça e a prova da sorte deveria, pelo contrário,<br />
orientar-nos no sentido da etimologia expressamente rejeitada por Jaeger, a qual faz derivar<br />
δίχη de διχέίν, arremessar ou lançar, embora seja evidente a existência de uma afinidade<br />
entre δίχη e δείχνυμι. Em hebraico também há uma associação idêntica entre "direito" e<br />
"arremessar", pois thorah (direito, justiça, lei) possui evidentes afinidades com uma raiz que<br />
significa tirar à sorte, disparar, e a sentença de um oráculo. Também é significativo que, nas<br />
moedas, a figura de Dikê por vezes se confunda com a de Tykê, a deusa do destino incerto.<br />
Também ela segura uma balança. J. E. Harrison afirma em sua Themis: "Não é que haja<br />
um 'sincretismo' tardio entre estas figuras divinas; ambas partem de uma mesma<br />
concepção, e depois divergem". Também na tradição germânica verifica-se a presença . da<br />
associação primitiva entre a justiça, o destino e a sorte. A palavra holandesa lot conserva<br />
até hoje o sentido do destino do homem — aquilo que lhe é destinado ou enviado<br />
(Schicksal em alemão) — e designa também o sinal material da sorte, como por exemplo o<br />
palito de fósforo mais comprido ou mais curto, ou um bilhete de loteria. É difícil decidir<br />
qual <strong>dos</strong> dois significa<strong>dos</strong> é o mais original, porque no pensamento primitivo as duas idéias<br />
estão fundidas em uma só. Zeus segura os divinos decretos do destino e da justiça em uma<br />
mesma balança. Os Ases jogam aos da<strong>dos</strong> o destino do mundo15. O espírito primitivo não<br />
distingue, como manifestações da Vontade Divina, entre o resultado de uma prova de<br />
força, ou o de uma luta armada, ou a maneira como cai um punhado de pedras ou de<br />
pauzinhos. A leitura da sorte através das cartas é um costume com profundas raízes no<br />
passado humano, numa tradição que é muito mais remota do que as próprias cartas. Talvez<br />
o problema fique mais claro se dedicarmos agora nossa atenção a um <strong>dos</strong> aspectos mais<br />
notáveis da íntima relação entre a cultura e o jogo, a saber, os concursos de tambor e os<br />
concursos de canto <strong>dos</strong> esquimós da Groenlândia. Trataremos deste assunto um pouco<br />
mais detidamente, porque, neste caso, estamos perante uma prática ainda existente (ou que<br />
pelo menos ainda recentemente o era), na qual a função cultural que conhecemos como<br />
jurisdição não se separou ainda da esfera do jogo5.<br />
Quando um esquimó tem alguma queixa contra outro, desafia-o para um concurso de<br />
tambor (Troinmesang, em dinamarquês). O clã ou tribo se reúne festivamente, to<strong>dos</strong> com<br />
seus melhores trajos e num ambiente de alegria. Os dois adversários passam depois a<br />
atacar-se sucessivamente um ao outro com canções insultuosas acompanhadas por tambor,<br />
nas quais cada um censura os malefícios do outro. Não se estabelece distinção alguma entre<br />
acusações com fundamento, ditos de espírito destina<strong>dos</strong> a divertir o público e a calúnia<br />
pura e simples. Por exemplo, um cantor enumerou todas as pessoas que haviam sido<br />
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