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severas penalidades. O mundo espiritual no interior do qual se realizam essas cerimônias é<br />
o mundo da honra, da pompa, da fanfarronice e do desafio. É um mundo de cavalaria e de<br />
heroísmo, dominado pelos brasões e nomes ilustres, onde prima a nobreza de linhagem.<br />
Não é o mundo <strong>dos</strong> cuida<strong>dos</strong> e da subsistência quotidiana, do cálculo das vantagens e da<br />
aquisição de bens úteis. Aqui, as aspirações voltam-se para o prestígio dentro do grupo,<br />
para um lugar de destaque, quaisquer sinais de superioridade. As relações e obrigações<br />
recíprocas das duas fratrias <strong>dos</strong> Tlinkit são designadas por uma palavra que significa<br />
"manifestar respeito". Estas relações estão constantemente sendo expressas em ações<br />
concretas, mediante a troca de serviços e presentes. Um <strong>dos</strong> mais fortes incentivos para<br />
atingir a perfeição, tanto individual quanto social, e desde a vida infantil até aos aspectos<br />
mais eleva<strong>dos</strong> da civilização, é o desejo que cada um sente de ser elogiado e homenageado<br />
por suas qualidades. Elogiando o outro, cada um elogia a si próprio. Queremos ser<br />
honra<strong>dos</strong> por nossas virtudes, queremos a satisfação de ter realizado corretamente alguma<br />
coisa. Realizar corretamente uma coisa equivale a realizá-la melhor que os outros. Atingir a<br />
perfeição implica que esta seja mostrada aos outros; para merecer o reconhecimento, o<br />
mérito tem que ser manifesto. A competição serve para cada um dar provas de sua<br />
superioridade. E isto se verifica principalmente na sociedade primitiva.<br />
A virtude de um homem de qualidade consiste numa série de propriedades que o tornam<br />
capaz de lutar e de comandar. Entre estas ocupam um lugar eminente a generosidade, a<br />
sabedoria e a justiça. É perfeitamente natural que em muitas línguas a palavra que designa a<br />
virtude derive da idéia de masculinidade ou "virilidade", como por exemplo no latim virtus,<br />
que durante muito tempo conservou seu sentido de “coragem" — até ao momento em que<br />
o pensamento cristão se tornou predominante. O mesmo se passa com o árabe muru'a, o<br />
qual, do mesmo modo que o grego άφετη, abrange todo o complexo semântico da força,<br />
valentia, riqueza, direito, boa conduta, moralidade, urbanidade, boas maneiras,<br />
magnanimidade, generosidade e perfeição moral. Em toda sociedade primitiva que seja<br />
saudável, baseada na vida tribal de guerreiros e nobres, floresce um ideal de cavalaria e<br />
conduta cavalheiresca, quer seja na Grécia ou na Arábia, no Japão ou na Europa cristã da<br />
Idade Média. E o ideal viril da virtude está sempre ligado à convicção de que a honra para<br />
ser válida, deve ser publicamente reconhecida, sendo este reconhecimento, se necessário,<br />
imposto pela força.<br />
Mesmo em Aristóteles a honra é ainda chamada "o preço da virtude". "Os homens aspiram<br />
à honra para se convencerem de seu próprio valor, de sua virtude. Aspiram a ser honra<strong>dos</strong><br />
por seu próprio valor por aqueles que têm a capacidade de julgar38." Portanto, a virtude e a<br />
honra, a nobreza e a glória encontram-se desde início dentro do quadro da competição, isto<br />
é, do jogo. A vida do jovem guerreiro de nobre extração é um permanente exercício de<br />
virtude, uma luta permanente pela honra de sua posição. Este ideal é exprimido de maneira<br />
perfeita no famoso verso de Homero: αιεν αφιστευειν χαι υφειφοχον έμεναι αλλων ("ser<br />
sempre melhor, ultrapassando os outros")39'. Por isso o interesse da epopéia não depende<br />
das proezas militares enquanto tais, e sim da αφιστεια <strong>dos</strong> heróis individuais. A formação<br />
em vista da vida aristocrática conduz à formação para a vida no Estado e para o Estado.<br />
Também aqui a palavra αφετη não possui ainda um sentido puramente ético. Continua<br />
significando antes a capacidade do cidadão para suas tarefas na polis, conservando ainda<br />
grande parte de sua importância primitiva a idéia nela originalmente contida de exercício<br />
por meio de uma competição. O nobre demonstra sua "virtude" por meio de proezas de<br />
força, destreza, coragem, engenho, sabedoria, riqueza ou generosidade. Na falta destas,<br />
pode ainda distinguir-se numa competição de palavras, isto é, ou ele mesmo louva as<br />
virtudes nas quais deseja superar seus rivais, ou manda que elas lhe sejam louvadas por um<br />
poeta ou um arauto. Esta exaltação da própria virtude, como forma de competição,<br />
transforma-se muito naturalmente em depreciação da do adversário, o que, por sua vez,<br />
passa a ser um outro tipo de competição. É extraordinária a importância do papel que estas<br />
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