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Cantico dos Canticos

O mais maravilhoso Estudo de Canatres de Salomão

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Toda poesia tem origem no jogo: o jogo sagrado do culto, o jogo festivo da corte amorosa,<br />

o jogo marcial da competição, o jogo combativo da emulação da troca e da invectiva, o<br />

jogo ligeiro do humor e da prontidão.<br />

O que a linguagem poética faz é essencialmente jogar com as palavras. Ordena-as de<br />

maneira harmoniosa, e injeta mistério em cada uma delas, de modo tal que cada imagem<br />

passa a encerrar a solução de um enigma Na cultura arcaica, a linguagem <strong>dos</strong> poetas é o<br />

mais eficaz <strong>dos</strong> meios de expressão, desempenhando uma função muito mais ampla e vital<br />

do que a mera satisfação das aspirações literárias. Põe o ritual em palavras, é o árbitro das<br />

relações sociais, o veículo da sabedoria, da justiça e da moral. E faz tudo isto sem<br />

prejudicar seu caráter lúdico, pois o próprio quadro da cultura primitiva é um círculo<br />

lúdico. Nesta fase, as atividades culturais realizam-se sob a forma de jogos sociais; mesmo<br />

as mais utilitárias gravitam cm torno de um ou outro <strong>dos</strong> grupos lúdicos. Mas, à medida<br />

que a civilização vai ganhando maior amplitude espiritual, as regiões nas quais o fator<br />

lúdico é fraco ou quase imperceptível desenvolvem-se à custa daquelas em que ele tem livre<br />

curso.<br />

Nunca se perderam inteiramente as íntimas relações entre a poesia e o enigma. Nos skalds<br />

islandeses o excesso de clareza é considerado uma falha técnica. Os gregos também exigiam<br />

que a palavra do poeta fosse obscura. Entre os trovadores, em cuja arte a função lúdica é<br />

mais patente do que em qualquer outra, são atribuí<strong>dos</strong> méritos especiais ao trobardus — o<br />

que à letra significa "poesia hermética"<br />

A representação em forma humana de coisas incorpóreas ou inanimadas é a essência de<br />

toda formação mítica e de quase toda a poesia. Neste sentido, a personificação surge a<br />

partir do momento em que alguém sente a necessidade de comunicar aos outros suas<br />

percepções. Assim, as concepções surgem enquanto atos da imaginação.<br />

Haverá razões para chamar a este hábito inato do espírito, a esta tendência para criar um<br />

mundo imaginário de seres vivos (ou talvez um mundo de idéias animadas), um jogo do<br />

espírito ou um jogo mental?<br />

Tomemos como exemplo uma das formas mais elementares da personificação, as<br />

especulações míticas a respeito da origem do mundo e das coisas, nas quais a criação é<br />

concebida como obra de alguns deuses a partir do corpo de um gigante universal.<br />

Encontramos esta concepção no Rig-Veda c no primeiro Edda. Atualmente, a filologia<br />

tende a considerar os textos onde se encontra esta lenda como uma redação literária<br />

ocorrida em época relativamente tardia. O décimo hino do Rig-Veda nos oferece uma<br />

paráfrase mística de uma matéria mítica primordial, paráfrase feita pelos sacerdotes<br />

sacrificadores, que a interpretaram em termos ritualísticos. O Ser primordial, Purusha (isto<br />

é, o homem) serviu de matéria para o universo1. Todas as coisas foram formadas a partir<br />

deste corpo, "os animais do ar, e as florestas e as aldeias"; "a lua veio de seu espírito; o sol,<br />

de seu olho; de sua boca vieram Indra e Agni; de seu hálito, o vento; de seu umbigo, a<br />

atmosfera; de sua cabeça, o céu; de seus pés, a terra; e de seus ouvi<strong>dos</strong>, os quatro<br />

quadrantes do horizonte; assim eles (os deuses2) fizeram os mun<strong>dos</strong>". Queimaram Purusha<br />

como oferenda. O hino é uma mistura de antigas fantasias míticas e de especulações<br />

místicas de uma fase mais tardia da cultura religiosa. Note-se de passagem que num <strong>dos</strong><br />

versos, o décimo primeiro, surge repentinamente a nossa já conhecida interrogação:<br />

"Quando dividiram eles Purusha, em quantas partes o dividiram eles? Como foi chamada<br />

sua boca, e seus braços, e suas coxas, e seus pés?" Por que os homens subordinam as<br />

palavras à métrica, à cadência e ao ritmo? Se respondermos que é por causa da beleza ou da<br />

emoção, estaremos deslocando o problema para um terreno ainda mais difícil. Mas se<br />

respondermos que os homens fazem poesia porque sentem a necessidade do jogo social já<br />

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