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O Ludico em Cantares

Maravilhoso estudo de Cantares

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forma corrompida. O concurso de enigmas <strong>em</strong> que a vida é posta <strong>em</strong> jogo é um dos t<strong>em</strong>as<br />

principais da mitologia dos Eddas.<br />

No Vajthrúdnismal, Odin mede-se <strong>em</strong> sabedoria com o sapientíssimo gigante Vafthrúdnir,<br />

cada um fazendo alternadamente perguntas ao outro. As perguntas são de caráter mitológico<br />

e cosmogônico, s<strong>em</strong>elhantes às dos textos védicos que citamos: De onde vieram o Dia e a<br />

Noite, o Inverno e o Verão, e o Vento? No Alvissmã, Thor pergunta ao anão Alvis como<br />

são chamadas as diversas coisas entre os Ases, os Vanes (o panteão secundário dos Eddas),<br />

os homens, os gigantes, os anões, e por último no Hel; mas antes de terminar a competição<br />

o dia nasce, e o anão é posto a ferros. O Canto de Fjõlsvinn possui forma s<strong>em</strong>elhante, assim<br />

como os Enigmas do rei Heidrek, o qual fez a promessa de perdoar todo condenado à morte<br />

que lhe apresentasse um enigma que ele próprio não pudesse resolver. A maior parte destes<br />

cantos são atribuídos ao período final dos Eddas, e é provável que os especialistas tenham<br />

razão quando afirmam que se trata apenas de ex<strong>em</strong>plos de um artifício poético deliberado.<br />

O que não impede, todavia, que sua relação com os concursos de enigmas de um passado<br />

r<strong>em</strong>oto seja d<strong>em</strong>asiado evidente para ser negada.<br />

Não é através da reflexão ou do raciocínio lógico que se consegue encontrar a resposta a uma<br />

pergunta enigmática. A resposta surge literalmente numa solução brusca — o desfazer dos<br />

nós <strong>em</strong> que o interrogador t<strong>em</strong> preso o interrogado. O corolário disto é que dar a resposta<br />

correta deixa impotente o primeiro. Em princípio, há apenas uma resposta para cada<br />

pergunta. Quando se conhec<strong>em</strong> as regras do jogo. é possível encontrar essa resposta.<br />

As regras são de ord<strong>em</strong> gramatical, poética ou ritualística, conforme o caso. É preciso<br />

conhecer a linguag<strong>em</strong> secreta dos iniciados e saber o significado de todos os símbolos —<br />

roda, pássaro, vaca, etc. — das diversas categorias de fenômenos. Se for verificada a<br />

possibilidade de uma segunda resposta, de acordo com as regras e na qual o interrogador não<br />

tenha pensado, este último ficará <strong>em</strong> má situação, apanhado <strong>em</strong> sua própria armadilha. De<br />

outro lado, é possível uma coisa ser figurativamente representada de tantas maneiras que<br />

pode ser dissimulada num grande número de enigmas. Muitas vezes, a solução depende<br />

inteiramente do conhecimento dos nomes secretos ou sagrados das coisas, como o Alvissmál<br />

acima referido. Não nos interessamos aqui pelo enigma enquanto forma literária, mas apenas<br />

por sua qualidade lúdica e sua função na cultura. Não precisamos, portanto, investigar <strong>em</strong><br />

profundidade as relações etimológicas e s<strong>em</strong>ânticas<br />

entre os termos al<strong>em</strong>ães e holandeses Ratsel e raadsel (enigma; <strong>em</strong> inglês, riddle), Rat e<br />

raad (conselho), erraten. (adivinhar) e raden, verbo holandês que ainda hoje significa ao<br />

mesmo t<strong>em</strong>po "aconselhar" e "resolver" (um enigma). Também <strong>em</strong> grego exist<strong>em</strong> afinidades<br />

entre alvos (sentença, provérbio) e αινιγμα (enigma). Há uma estreita interligação cultural<br />

entre palavras como conselho, enigma, mito, lenda, provérbio etc. Mas basta l<strong>em</strong>brar de<br />

passag<strong>em</strong> estes aspectos, para imediatamente passar às diversas direções seguidas pelo<br />

enigma <strong>em</strong> sua evolução. Pod<strong>em</strong>os concluir que originariamente o enigma era um jogo<br />

sagrado, e por isso se encontrava para além de toda distinção possível entre o jogo e a<br />

seriedade. Era ambas as coisas ao mesmo t<strong>em</strong>po: um el<strong>em</strong>ento ritualístico da mais alta<br />

importância, s<strong>em</strong> deixar de ser essencialmente um jogo. À medida que a civilização vai<br />

evoluindo, o enigma bifurca-se <strong>em</strong> dois sentidos diferentes: de um lado a filosofia mística e<br />

de outro, o simples divertimento.<br />

Mas não dev<strong>em</strong>os pensar que nesta evolução se tenha verificado uma decadência da<br />

seriedade, passando a ser jogo, ou uma elevação do jogo até o nível da seriedade. Pelo<br />

contrário, o que se passa é que a civilização vai gradualmente fazendo surgir uma certa divisão<br />

entre dois modos da vida espiritual, aos quais chamamos "jogo" e "seriedade", e que<br />

originariamente constituía um meio espiritual contínuo, do qual surgiu a própria civilização<br />

O enigma ou, <strong>em</strong> termos menos específicos, a adivinhação, é, considerando à parte seus<br />

efeitos mágicos, um el<strong>em</strong>ento importante das relações sociais. Como forma de divertimento

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