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O Ludico em Cantares

Maravilhoso estudo de Cantares

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uma parte essencial deste. As perguntas que os sacrificadores faz<strong>em</strong> uns aos outros, cada um<br />

por sua vez ou mediante desafios, são enigmas no sentido pleno do termo, exatamente<br />

idênticos, salvo <strong>em</strong> sua significação sagrada, às adivinhas de salão. É na tradição védica que<br />

se pode ver mais claramente a função dessas competições rituais de enigmas. Nos grandes<br />

sacrifícios solenes, elas constituíam uma parte da cerimônia tão essencial como o sacrifício<br />

propriamente dito. Os brâmanes competiam <strong>em</strong> jatavidya conhecimento das origens, ou <strong>em</strong><br />

brahmodya, cuja tradução mais aproximada seria "expressão das coisas sagradas". Estas<br />

designações mostram claramente que as perguntas feitas possuíam um caráter<br />

predominant<strong>em</strong>ente cosmogônico. Vários dos hinos do Rigveda encerram a produção<br />

poética direta dessas competições. No hino Rigveda 1, 64, algumas das perguntas diz<strong>em</strong><br />

respeito a fenômenos cósmicos, e outras às particularidades rituais do<br />

sacrifício:<br />

"Interrogo-vos sobre a extr<strong>em</strong>idade mais longínqua da terra, pergunto-vos onde está o<br />

umbigo da terra. Interrogo-vos sobre o esperma do garanhão, pergunto-vos qual é a mais<br />

alta instância da palavra"1.<br />

No hino VIII, 29, dez enigmas típicos descrev<strong>em</strong> os atributos das principais divindades,<br />

seguindo-se a cada resposta o nome de uma dessas divindades2:<br />

"Um deles t<strong>em</strong> a pele marrom avermelhada, é multiforme, generoso, jov<strong>em</strong>; usa ornamentos<br />

de ouro (Soma). Em seu seio desceu um ser refulgente, o deus sábio por excelência (Agni),<br />

etc.".<br />

O el<strong>em</strong>ento predominante destes hinos é sua forma de enigma, cuja solução depende do<br />

conhecimento do ritual e - de seus símbolos. Mas esta forma de enigma encerra a mais<br />

profunda sabedoria a respeito das origens da existência. Paul Deussen, com uma certa razão,<br />

chama ao Rigveda X, 129 "provavelmente o mais admirável texto filosófico que chegou<br />

desde os t<strong>em</strong>pos antigos até nós".<br />

"Então, o ser não era, n<strong>em</strong> o não-ser. O ar não era, n<strong>em</strong> o firmamento acima dele. O que se<br />

movia? Onde? Sob a guarda de qu<strong>em</strong>? E a profundeza do abismo era toda água? "Então, a<br />

morte não era, n<strong>em</strong> a não-morte; não havia distinção entre o dia e a noite. Nada respirava<br />

salvo Aquilo, cm si mesmo s<strong>em</strong> vento. Em parte alguma havia algo além de Aquilo". A forma<br />

interrogativa do enigma foi aqui <strong>em</strong> parte suplantada pela forma afirmativa, mas a estrutura<br />

poética do hino continua refletindo seu caráter original de enigma. Depois do verso 5 volta<br />

a aparecer a forma interrogativa:<br />

"Qu<strong>em</strong> sabe, qu<strong>em</strong> dirá aqui, de onde nasceu e de onde veio esta Criação?"<br />

Uma vez aceite que este hino deriva da canção-enigma ritual, a qual por sua vez é a redação<br />

literária de concursos de enigmas que efetivamente se realizaram, fica estabelecida da maneira<br />

mais convincente possível a ligação genética entre o jogo de enigmas e a filosofia esotérica.<br />

Em alguns dos hinos do Atharvaveda, como por ex<strong>em</strong>plo <strong>em</strong> X, 7 e 8, parece haver séries<br />

inteiras de perguntas enigmáticas, agrupadas sob um denominador comum, pouco<br />

importando que a questão seja resolvida ou fique s<strong>em</strong> resposta:<br />

"Onde vão os meios meses, onde vai o ano a que eles se juntam? Onde vão as estações -—<br />

dizei-me qual é seu skambha!5 Para onde corr<strong>em</strong>, <strong>em</strong> seu desejo, as duas donzelas de formas<br />

diferentes, o dia e a noite? Para onde, <strong>em</strong> seu desejo, corr<strong>em</strong> as águas? Dizei-me qual é seu<br />

skambha!<br />

"Como pode o vento não parar, n<strong>em</strong> o espírito repousar? Por que as águas, desejosas da<br />

verdade, jamais param de correr"?<br />

O pensamento arcaico, arrebatado pelos mistérios do Ser, encontra-se aqui situado no limite<br />

entre a poesia sagrada, a mais profunda sabedoria, o misticismo e a mistificação verbal pura<br />

e simples. Não compete a nós dar conta de cada um dos el<strong>em</strong>entos particulares destas<br />

efusões. O poeta-sacerdote está constant<strong>em</strong>ente batendo à porta do Incognoscível, ao qual<br />

n<strong>em</strong> ele n<strong>em</strong> nós pod<strong>em</strong>os ter acesso. Sobre esses veneráveis textos, tudo o quepod<strong>em</strong>os<br />

dizer é que neles assistimos ao nascimento da filosofia, não <strong>em</strong> um jogo inútil, mas no seio

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