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O Ludico em Cantares

Maravilhoso estudo de Cantares

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vencedor75. Not<strong>em</strong>os de passag<strong>em</strong> que as competições que consistiam <strong>em</strong> absorver grandes<br />

quantidades de comida e bebida estão também ligadas ao potlatch.<br />

O <strong>Ludico</strong> no Direito<br />

Um antigo juiz escreveu-me o seguinte: "O estilo e o conteúdo das intervenções nos tribunais<br />

revelam o ardor esportivo com que nossos advogados se atacam uns aos outros por meio de<br />

argumentos e contra-argumentos (alguns dos quais são razoavelmente sofisticados). Sua<br />

mentalidade por mais de uma vez me fez pensar naqueles oradores dos processos adat7' que,<br />

a cada argumento, espetam na terra uma vara, sendo considerado vencedor aquele que no<br />

final puder apresentar o maior número de varas". O caráter lúdico da prática judicial foi<br />

fielmente observado por Goethe <strong>em</strong> sua descrição de uma sessão do tribunal de Veneza,<br />

realizada no palácio dos Doges. Dada esta fraqueza dos padrões éticos, o fator agonístico<br />

(competitivo) vai ganhando imenso terreno na prática judicial à medida que recuamos no<br />

t<strong>em</strong>po. E, à medida que o el<strong>em</strong>ento agonístico vai aumentando, o mesmo acontece com o<br />

fator sorte, e daqui resulta que depressa nos encontramos na esfera lúdica. Estamos perante<br />

um mundo espiritual <strong>em</strong> que a idéia da decisão por oráculos, pelo juízo divino, pela sorte,<br />

por sortilégio — isto é, pelo jogo — e a da decisão por sentença judicial fund<strong>em</strong>-se num<br />

único complexo de pensamento. E ainda hoje reconhec<strong>em</strong>os o caráter absoluto dessas<br />

decisões todas as vezes que, quando não conseguimos ser nós próprios a decidir qualquer<br />

coisa, resolv<strong>em</strong>os "tirá-la à sorte". A vontade divina, o destino e a sorte parec<strong>em</strong> a nossos<br />

olhos entidades mais ou menos distintas, ou pelo menos procurando estabelecer entre elas<br />

uma distinção conceptual. Mas, para o espírito primitivo, são mais ou<br />

menos equivalentes. Pode-se conhecer o "destino" fazendo que ele se pronuncie. Para<br />

conhecer o oráculo, é preciso recorrer à sorte. Pode-se jogar com paus, com pedras, ou abrir<br />

à sorte as páginas do livro sagrado, e o oráculo responderá. Assim o Exodo, XXVII, 30,<br />

ordena a Moisés que "ponha no peitoral o urim e o tummin" (sejam estes o que for<strong>em</strong>), a<br />

fim de que Aarão "possa julgar os filhos de Israel <strong>em</strong> seu coração perante o Senhor<br />

continuamente". O peitoral é usado pelo grande sacerdote, e é por intermédio deste que o<br />

sacerdote Eleazar pede conselho, <strong>em</strong> Números, XXVII, 21, <strong>em</strong> favor de Josué, "segundo o<br />

julgamento de Urim". De maneira s<strong>em</strong>elhante, <strong>em</strong> I Samuel, XIX, 42, Saul ordena que seja<br />

tirada a sorte entre ele e seu filho Jônatas. As relações entre o oráculo, a sorte e o julgamento<br />

são ilustradas de maneira perfeitamente clara nestes ex<strong>em</strong>plos. Também na Arábia préislâmica,<br />

encontra-se este tipo de sortilégio9. E, afinal, não será fundamentalmente o mesmo<br />

a balança sagrada na qual Zeus, na llíada, pesa as possibilidades que cada hom<strong>em</strong>, antes do<br />

início da batalha, t<strong>em</strong> de morrer? "Então o Pai estendeu os dois pratos de ouro e colocou<br />

neles as duas porções de morte amarga, uma para os troianos domadores de cavalos e outra<br />

para os aqueus cobertos de bronze”<br />

muito mais tarde. Umas das figuras que se encontram no escudo de Aquiles, segundo a<br />

descrição do oitavo livro da llíada, representa um julgamento com os juízes sentados no<br />

interior do círculo sagrado, estando no centro da cena os "dois talentos de ouro" (δνό χφυσοίο<br />

τάλαντα), que se destinam àquele que proferir a sentença mais justa11. Em geral, consideramse<br />

esses dois talentos como a quantia <strong>em</strong> dinheiro disputada pelas duas partes. Mas, b<strong>em</strong><br />

vistas as coisas, eles parec<strong>em</strong> ser mais um prêmio que um objeto de litígio; seriam, portanto,<br />

mais adequados a um jogo do que a uma sessão de tribunal. Além disso, convém notar que<br />

originariamente talanta significava "balança". Creio, assim, que o poeta tinha <strong>em</strong> mente uma<br />

pintura <strong>em</strong> vaso que mostrava dois litigantes sentados cada qual <strong>em</strong> um dos pratos de uma<br />

balança, a verdadeira "balança da justiça", na qual a sentença era dada mediante uma pesag<strong>em</strong><br />

segundo o costume primitivo, isto é, por oráculo ou pela sorte. Este costume ainda não era<br />

conhecido na época <strong>em</strong> que foi composto o po<strong>em</strong>a, e daí resultou que talanta, os dois pratos<br />

da balança, foi considerado, devido a uma transposição de significado, como dinheiro. O<br />

grego δίχη (direito, justiça) possui uma escala de significados que vai desde o puramente

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